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COMENTÁRIO À EPÍSTOLA DE TIAGO POR JOÃO CALVINO 1 O ARGUMENTO A partir dos escritos de Jerônimo e Eusébio, parece que antigamente esta E- pístola não era recebida sem oposição por muitas igrejas. Hoje também exis- tem alguns que não a consideram com digna de autoridade. Contudo, estou disposto a recebê-la sem controvérsia, porque não vejo boa causa para rejeitá- la. Pois aquilo que no capítulo dois parece inconsistente com a doutrina da jus- tificação gratuita, explicaremos facilmente em seu devido lugar. Embora, ao proclamar a graça de Cristo, ele pareça ser mais escasso do que convinha a um apóstolo, certamente não é necessário que todos lidem com os mesmos argumentos. Os escritos de Salomão diferem muito dos de Davi – enquanto o primeiro estava atento à formação do homem exterior e ao ensino dos precei- tos da vida civil, o último falava continuamente da adoração espiritual a Deus, da paz de consciência, da misericórdia de Deus e da promessa gratuita da sal- vação. Mas esta diversidade não deveria nos levar a aprovar um e a condenar o outro. Além disso, entre os próprios evangelistas existe tanta diferença ao demonstrar o poder de Cristo, que os outros três, comparados a João, mal possuem centelhas do pleno esplendor que se mostra tão conspícuo neste; e, no entanto, nós recomendamos a todos eles de igual modo. É suficiente dizer, para que os homens recebam esta Epístola, que ela não contém nada indigno de um apóstolo de Cristo. Na verdade, está cheia de ins- trução sobre vários assuntos, cujo benefício se estende a todos os aspectos da vida cristã; pois aqui há passagens notáveis sobre a paciência, oração a Deus, a excelência e o fruto da verdade celestial, humildade, deveres sagrados, o comedimento da língua, o cultivo da paz, a repressão das paixões, o desprezo do mundo, e coisas semelhantes, que discutiremos separadamente em seus devidos lugares. Mas, quanto ao autor, existe um pouco mais de razão para dúvidas. Na verda- de, é certo que não foi o filho de Zebedeu, pois Herodes o matou logo após a ressurreição de nosso Senhor. Os antigos são quase unânimes em pensar que fosse um dos discípulos e parente de Cristo, chamado Oblias, que fora coloca- do sobre a igreja em Jerusalém; e eles consideravam que fosse aquele que Paulo mencionara juntamente com Pedro e João – os quais afirma serem con- siderados as colunas (Gl 2:9). Mas que um dos discípulos fosse mencionado 1 Tradução: Rodrigo Reis de Faria ([email protected] ). Fonte: Calvin’s Commentaries (traduzido para o inglês por John King, disponível no site: http://www.sacred-texts.org ).

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Comentário à Epístola de Tiago por João Calvino.

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  • COMENTRIO EPSTOLA DE TIAGO

    POR

    JOO CALVINO1

    O ARGUMENTO A partir dos escritos de Jernimo e Eusbio, parece que antigamente esta E-pstola no era recebida sem oposio por muitas igrejas. Hoje tambm exis-tem alguns que no a consideram com digna de autoridade. Contudo, estou disposto a receb-la sem controvrsia, porque no vejo boa causa para rejeit-la. Pois aquilo que no captulo dois parece inconsistente com a doutrina da jus-tificao gratuita, explicaremos facilmente em seu devido lugar. Embora, ao proclamar a graa de Cristo, ele parea ser mais escasso do que convinha a um apstolo, certamente no necessrio que todos lidem com os mesmos argumentos. Os escritos de Salomo diferem muito dos de Davi enquanto o primeiro estava atento formao do homem exterior e ao ensino dos precei-tos da vida civil, o ltimo falava continuamente da adorao espiritual a Deus, da paz de conscincia, da misericrdia de Deus e da promessa gratuita da sal-vao. Mas esta diversidade no deveria nos levar a aprovar um e a condenar o outro. Alm disso, entre os prprios evangelistas existe tanta diferena ao demonstrar o poder de Cristo, que os outros trs, comparados a Joo, mal possuem centelhas do pleno esplendor que se mostra to conspcuo neste; e, no entanto, ns recomendamos a todos eles de igual modo. suficiente dizer, para que os homens recebam esta Epstola, que ela no contm nada indigno de um apstolo de Cristo. Na verdade, est cheia de ins-truo sobre vrios assuntos, cujo benefcio se estende a todos os aspectos da vida crist; pois aqui h passagens notveis sobre a pacincia, orao a Deus, a excelncia e o fruto da verdade celestial, humildade, deveres sagrados, o comedimento da lngua, o cultivo da paz, a represso das paixes, o desprezo do mundo, e coisas semelhantes, que discutiremos separadamente em seus devidos lugares. Mas, quanto ao autor, existe um pouco mais de razo para dvidas. Na verda-de, certo que no foi o filho de Zebedeu, pois Herodes o matou logo aps a ressurreio de nosso Senhor. Os antigos so quase unnimes em pensar que fosse um dos discpulos e parente de Cristo, chamado Oblias, que fora coloca-do sobre a igreja em Jerusalm; e eles consideravam que fosse aquele que Paulo mencionara juntamente com Pedro e Joo os quais afirma serem con-siderados as colunas (Gl 2:9). Mas que um dos discpulos fosse mencionado

    1 Traduo: Rodrigo Reis de Faria ([email protected]). Fonte: Calvins

    Commentaries (traduzido para o ingls por John King, disponvel no site: http://www.sacred-texts.org).

  • Comentrios de Calvino 2

    como uma das trs colunas, e assim exaltado acima dos demais apstolos, no me parece provvel. Portanto, estou mais inclinado a conjecturar que aquele de quem Paulo fala fosse o filho de Alfeu. Contudo, no nego que um outro fosse o governante da igreja em Jerusalm, e, de fato, algum do colgio dos disc-pulos; pois os apstolos no estavam vinculados a nenhum local particular. Mas qual dos dois foi o escritor desta Epstola, no cabe a mim dizer. Que O-blias era realmente um homem de grande autoridade entre os judeus revela-se inclusive a partir disto, que, como havia sido cruelmente condenado morte pela faco de um mpio sumo sacerdote, Josefo no hesitou em imputar a destruio da cidade em parte sua morte.

    TIAGO 1:1-4 1. Tiago, servo de Deus, e do Senhor Jesus Cristo, s doze tribos que andam dispersas, sade.

    1. Jacobus, Dei ac Domini Jesu Christi servus, duodecim tribubus quae in disper-sione sunt, salutem.

    2. Meus irmos, tende grande gozo quando cairdes em vrias tentaes;

    2. Omne gaudium existimate, fratres mei, quum in tentationes varias incideritis;

    3. Sabendo que a prova da vossa f ope-ra a pacincia.

    3. Scientes quod probatio fidei vestrae, patientiam operatur

    4. Tenha, porm, a pacincia a sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e com-pletos, sem faltar em coisa alguma.

    4. Patientia vero opus perfectum habeat, ut sitis perfecti et integri, in nullo deficientes.

    1. s doze tribos. Quando as dez tribos foram deportadas, o rei da Assria as estabeleceu em diferentes lugares. Depois, como normalmente ocorre nas re-volues dos reinos (tal como ocorreu ento), mui provvel que eles se mo-vessem daqui para l, em todas as direes. E os judeus estavam espalhados em quase todos os cantos do mundo. Ento, ele escreveu e exortou a todos aqueles a quem no podia se dirigir pessoalmente, porque estavam espalha-dos por toda a parte. Mas, que ele no fale da graa de Cristo e da f nele, a razo parece ser porque se dirigia queles que j haviam sido devidamente ensinados por outros; de modo que no precisavam tanto de doutrina como dos aguilhes das exortaes.2

    2 A saudao peculiar; mas no mesmo formato da carta enviada a Antioquia pelos

    apstolos (dos quais Tiago era um), e pela igreja em Jerusalm (At 15:23). Portanto, apostlica, ainda que adotada a partir de um formato normalmente utilizado pelos es-critores pagos. Vede At 23:26. Joo (em Jo 2:10 e 11) usa o verbo em um sentido similar; e este significa propriamente regozijar-se. Sendo um infinitivo, o verbo , dizer ou mandar, expresso antes por Joo, e evidentemente est subentendi-do aqui. Por isso, a saudao pode ser traduzida assim: Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, manda (ou envia, ou deseja) alegria s doze tribos que esto na sua disperso. Houvera uma disperso oriental e outra ocidental, a primeira no cati-veiro assrio e babilnico, e a segunda durante o predomnio do governo grego, que comeou com Alexandre o Grande. Como esta epstola foi escrita em grego, no h dvida de que fora planejada mais especificamente para os desta ltima disperso. Mas o benefcio da disperso oriental logo fora considerado, uma vez que a primeira

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    2. Grande gozo. A primeira exortao : suportar as provas com um esprito alegre. E naquele tempo era especialmente necessrio confortar os judeus, praticamente esmagados como estavam por dificuldades. Pois o prprio nome da nao era to infame que eles eram odiados e desprezados por todos os povos, para onde quer que fossem; e sua condio como cristos os tornava ainda mais miserveis, porque tinham sua prpria nao como seus inimigos mais inveterados. Ao mesmo tempo, esta consolao no era to apropriada para um nico momento, mas sempre til para os fiis, cuja vida uma constante batalha na terra. Mas para que saibamos mais perfeitamente o que ele quer dizer, sem dvida precisamos entender tentaes ou provas como incluindo todas as coisas ad-versas; e elas so assim chamadas porque so os testes da nossa obedincia a Deus. Ele manda aos fiis, enquanto exercitados por elas, a se regozijarem; e isto no apenas quando caem em uma nica tentao, e sim em muitas; no apenas de um tipo, mas de vrios tipos. E, sem dvida, visto como servem para mortificar a nossa carne, assim como os vcios da carne espocam constantemente em ns, do mesmo modo elas devem ser necessariamente repetidas com frequncia. Alm disso, assim como labutamos sob enfermidades, do mesmo modo no de se surpreender que devam ser aplicados remdios diferentes para remov-las. Ento, o Senhor nos aflige de vrias maneiras, porque a ambio, avareza, inveja, glutonaria, intemperana, o amor excessivo ao mundo, e as inmeras paixes em que abundamos, no podem ser curadas pelo mesmo remdio. Quando ele nos manda ter grande gozo, o mesmo que se tivesse dito que as tentaes devem ser estimadas como ganho, a fim de que fossem considera-das como ocasies de alegria. Em suma, ele quer dizer que no h nada nas aflies que deva perturbar a nossa alegria. E, assim, no apenas nos manda suportarmos as adversidades tranqilamente, e com um esprito sereno, mas nos revela que esta a razo pela qual os fiis deveriam se regozijar quando abatidos por elas. De fato, certo que todos os sentidos da nossa natureza esto formados de tal modo que toda a prova produz em ns aflio e tristeza; e nenhum de ns po-de se despir da sua natureza de tal modo a no se afligir e ficar triste sempre que sinta algum mal. Mas isto no impede que os filhos de Deus se ergam, pe-la orientao do Esprito, acima da tristeza da carne. Pois, por outro lado, al-gum poderia objetar: Como podemos considerar como doce aquilo que amargo ao sentido? Ento, ele revela, atravs do efeito, que devemos nos re-gozijar nas aflies porque elas produzem um fruto que deve ser sumamente valorizado a pacincia. Se, ento, Deus providencia a nossa salvao, ele nos concede um motivo de alegria. Pedro usa um argumento semelhante no comeo da sua primeira Epstola: Para que a prova da vossa f, mais preciosa do que o ouro, possa estar, etc. (1 Pe 1:7). Certamente tememos as doenas, e a necessidade, e o exlio, e a priso, e o oprbrio, e a morte, porque as con-

    verso do Novo Testamento fora preparada nesta lngua, ou seja, no siraco; e isto fora feito no comeo do segundo sculo.

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    sideramos como males; mas, quando entendemos que elas so transformadas pela bondade de Deus em socorros e auxlios para a nossa salvao, ingrati-do murmurar, e no nos submetermos, de boa vontade, a sermos assim trata-dos paternalmente. Paulo diz, em Rm 5:3, que devemos nos gloriar nas tribulaes; e Tiago diz aqui que devemos nos regozijar. Nos gloriamos, diz Paulo, nas tribulaes; sabendo que a tribulao produz a pacincia. O que vem logo em seguida pa-rece ser contrrio s palavras de Tiago; pois ele menciona a provao em ter-ceiro lugar, como o efeito da pacincia, que aqui expressa primeiro, como se fosse a causa. Mas a soluo bvia; a palavra ali tem um sentido ativo, mas aqui, passivo. A provao, ou prova, segundo afirma Tiago, produz a pacincia; pois, se Deus no nos provasse, mas nos deixasse livres de dificuldades, no haveria a pacincia que no outra coisa seno firmeza de esprito em su-portar os males. Mas Paulo quer dizer que enquanto, suportando, vencemos os males, experimentamos o quanto til o auxlio de Deus nas necessidades; pois, ento, a verdade de Deus como que manifestada a ns na realidade. Por onde ocorre que nos atrevemos a nutrir maior esperana quanto ao futuro; pois a verdade de Deus, conhecida pela experincia, crida mais plenamente por ns. Por isso, Paulo ensina que por meio de tal provao, ou seja, por tal experincia da graa divina, produzida a esperana; no que a esperana s comece a, mas que ela aumenta e confirmada. Mas ambos querem dizer que a tribulao o meio pelo qual a pacincia produzida. Alm disso, os espritos dos homens no so formados pela natureza de tal modo que a aflio em si produza a pacincia neles. Mas Paulo e Pedro no consideram tanto a natureza dos homens quanto a providncia de Deus atra-vs da qual ela vem, que os fiis aprendam a pacincia atravs das dificulda-des; pois os infiis so, por meio delas, provocados mais e mais loucura, co-mo prova o exemplo do Fara.3 4. Tenha, porm, a pacincia a sua obra perfeita. Como a ousadia e a coragem geralmente aparecem em ns e logo falham, por isso ele pede a perseverana. A verdadeira pacincia, diz, aquela que sofre at o fim. Pois obra aqui sig-nifica o esforo, no apenas para vencer em uma nica disputa, mas para per-severar por toda a vida. Sua perfeio tambm pode estar relacionada since-ridade da alma que os homens devem de boa vontade, e no fingidamente, se submeterem a Deus; mas, como acrescentada a palavra obra, prefiro ex-plic-la no sentido da constncia. Pois existem muitos, conforme dissemos, que a princpio mostram uma grandeza herica, e logo depois se cansam e desfa-lecem. Portanto, ele manda queles que queriam ser perfeitos e completos4

    3 A palavra usada por Tiago , prova, o ato de testar; e, por Paulo, , o

    resultado do teste, a experincia. Tiago fala da provao, e Paulo da experincia obti-da atravs dela. 4 Perfeitos, , plenamente desenvolvidos, maduros; completos, , in-

    teiros, no faltando nenhuma parte. O primeiro se refere maturidade da graa; e o segundo sua completude, no estando em falta nenhuma graa. Eles deviam ser como homens plenamente desenvolvidos; e no deformados ou mutilados, mas tendo todos os seus membros completos.

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    que perseverassem at o fim. Mas, o que quer dizer com estas duas palavras, depois ele explica com respeito queles que no fracassam nem se cansam; pois os que, sendo vencidos quanto pacincia, se abatem, necessariamente se enfraquecero aos poucos, e finalmente fracassaro por completo.

    TIAGO 1:5-8 5. E, se algum de vs tem falta de sabe-doria, pea-a a Deus, que a todos d libe-ralmente, e o no lana em rosto, e ser-lhe- dada.

    5. Porro si quis autem vestrum destituitur sapientia, postulet a Deo, qui dat omnibus simpliciter, nec exprobrat; et dabitur ei.

    6. Pea-a, porm, com f, em nada duvi-dando; porque o que duvida semelhan-te onda do mar, que levada pelo ven-to, e lanada de uma para outra parte.

    6. Postulet autem in fide, nihil haesitans; nam qui haesitat similis est fluctui maris, qui a vento agitur et circumfertur.

    7. No pense tal homem que receber do Senhor alguma coisa.

    7. Non ergo existimet homo ille quod sit quicquam accepturus a Domino.

    8. O homem de corao dobre incons-tante em todos os seus caminhos.

    8. Vir duplici animo, instabilis est in omni-bus viis suis.

    5. Se algum de vs tem falta de sabedoria. Como a nossa razo, e todos os nossos sentimentos, so avessos ao pensamento de que podemos ser felizes em meio aos infortnios, ele nos manda pedirmos ao Senhor que nos d sabe-doria. Pois sabedoria aqui eu limito ao assunto da passagem como se tivesse dito: Se esta doutrina mais alta do que vossas mentes possam alcanar, pe-di ao Senhor que vos ilumine pelo seu Esprito; pois, assim como somente esta consolao suficiente para mitigar todas as amarguras dos infortnios que aquilo que doloroso para a carne salutar para ns; do mesmo modo, sere-mos necessariamente vencidos pela impacincia, a menos que sejamos sus-tentados por esta espcie de conforto. Como sabemos que o Senhor no exi-ge tanto de ns o que esteja acima da nossa fora, mas que ele est pronto a nos ajudar, desde que peamos; portanto, sempre que nos comanda alguma coisa, aprendamos a pedir dele o poder para cumpri-lo. Embora, nesta passagem, ser sbio seja submeter-se a Deus na resignao dos males, sob a devida convico de que ele ordena todas as coisas de tal modo a promover a nossa salvao; por outro lado, a sentena pode ser apli-cada em geral a todos os ramos do verdadeiro conhecimento. Mas, por que ele diz: Se algum de vs, como se todos eles no precisassem de sabedoria? A isto respondo que todos esto, por natureza, sem ela; mas que alguns so dotados com o esprito de sabedoria, enquanto outros esto sem. Como, ento, nem todos tivessem feito progresso tal para se regozijarem na aflio, mas havia poucos a quem isto havia sido concedido; Tiago se referia a casos como estes; e ele lembrava queles que ainda no estavam plenamente convencidos de que, atravs da cruz, sua salvao fora promovida pelo Se-nhor, que eles deviam pedir para que fossem dotados de sabedoria. E, contu-do, no h dvida de que a necessidade nos lembra a todos de pedirmos a mesma coisa; pois aquele que tem feito o maior progresso ainda est muito

  • Comentrios de Calvino 6

    longe do alvo. Mas, pedir o incremento da sabedoria algo diferente de pedi-la pela primeira vez. Quando nos manda pedirmos ao Senhor, ele nos sugere que somente ele pode curar as nossas enfermidades e aliviar as nossas necessidades. Que a todos d liberalmente. Por todos, ele se refere aos que pedem; pois a-queles que no buscam remdio para as suas necessidades, merecem consu-mir-se nelas. Contudo, esta declarao universal, pela qual todos ns somos convidados a pedir, sem exceo, muito importante; por isso, nenhum ho-mem deve privar-se de to grande privilgio. Tem o mesmo propsito a promessa que vem logo em seguida; pois, assim como, por meio desta ordem, ele mostra qual o dever de todos; do mesmo modo afirma que eles no fariam em vo o que ele comanda; conforme aquilo que dito por Cristo: Batei, e abrir-se-vos- (Mt 7:7; Lc 11:9). A palavra liberalmente, ou gratuitamente, denota prontido em dar. Assim tam-bm Paulo, em Rm 12:8, requer simplicidade nos diconos. E, em 2 Co 8 e 9, quando fala da caridade, ou amor, ele repete a mesma palavra diversas vezes. O sentido, ento, de que Deus est to disposto e pronto a dar, que ele no rejeita ningum, nem usa arrogantemente de evasivas para com eles, no sen-do como os mesquinhos e sfregos que, ou, com mo fechada, do escassa-mente pouco; ou do apenas uma parte do que estavam para dar; ou discutem por longo tempo consigo mesmos se devem dar ou no.5 E no lana em rosto. Isto acrescentado para que ningum temesse se a-chegar muitas vezes a Deus. Aqueles que so os mais liberais entre os ho-mens, quando algum pede para ser ajudado muitas vezes, mencionam seus atos formais de bondade, e assim se escusam quanto ao futuro. Por isso, te-mos vergonha de cansar um homem mortal, por mais generoso que possa ser, pedindo demasiadas vezes. Mas Tiago nos lembra de que no h nada seme-lhante a isto em Deus; pois ele sempre est pronto para acrescentar novas bnos s anteriores, sem fim ou limitao. 6. Pea-a, porm, com f. Ele mostra aqui, primeiro, o modo correto de orar; pois, assim como no podemos orar sem a palavra, por assim dizer, mostrando o caminho, do mesmo modo devemos crer antes de orarmos; pois testificamos pela orao que esperamos alcanar de Deus a graa que ele tem prometido. Assim, todo aquele que no tem f nas promessas ora dissimuladamente. Por onde tambm aprendemos o que a verdadeira f; pois Tiago, aps ter nos mandado pedir com f, acrescenta esta explicao: no vacilando, ou em nada duvidando. Ento, a f aquilo que se apia nas promessas de Deus, e nos torna seguros de alcanar o que pedimos. Por onde segue-se que ela est co-nectada confiana e certeza quanto ao amor de Deus para conosco. O verbo

    5 O sentido literal de simplesmente sem qualquer mistura; o substantivo usado no sentido de sinceridade, que no tem nenhuma mistura de fraude ou hipocrisia (2 Co 1:12), e no sentido de liberalidade, ou disposio livre do que srdido ou parcimonioso, no tendo nenhuma mistura de mesquinhez (2 Co 8:2). Este ltimo evidentemente o sentido aqui, de modo que liberalmente, conforme a nossa verso, a melhor palavra.

  • Epstolas Gerais Tiago 7

    , que ele usa, significa propriamente indagar de ambos os lados uma questo, maneira de litigantes. Ele queria ento que estivssemos de tal modo convencidos do que Deus outrora prometeu, que no admitssemos d-vida quanto a se seremos ouvidos ou no. Aquele que vacila, ou duvida. Por meio desta comparao ele expressa admi-ravelmente como Deus castiga a incredulidade daqueles que duvidam das suas promessas; pois, atravs da sua prpria inquietao, eles se atormentam inte-riormente; pois nunca h calma para as nossas almas, a no ser que repousem na verdade de Deus. Finalmente, ele conclui que os tais so indignos de rece-ber qualquer coisa de Deus. Esta uma passagem notvel, adequada para contestar aquele dogma mpio que reputado como um orculo sob todo o Papado ou seja, de que deve-mos orar duvidando, e com incerteza quanto ao nosso sucesso. Este princpio, ento, defendemos, que nossas oraes no so ouvidas pelo Senhor, exceto quando temos uma confiana de que alcanaremos. De fato, no pode ser de outro modo, seno que, pela fraqueza da nossa carne, devamos ser sacudidos por vrias tentaes, as quais so como meios empregados para abalar a nos-sa confiana; de modo que no h ningum que no vacile e trema segundo o sentimento da sua carne; mas tentaes desta natureza devem ser finalmente vencidas pela f. o mesmo caso de uma rvore que lanou razes firmes; ela balana, de fato, pelo sopro do vento, mas no desarraigada; pelo contrrio, permanece firme em seu lugar. 8. O homem de corao dobre, ou, o homem de esprito dobre. Esta sentena pode ser lida por si mesma, uma vez que ele fala genericamente dos hipcritas. Contudo, parece-me antes ser a concluso da doutrina precedente; e, assim, h um contraste implcito entre a simplicidade ou liberalidade de Deus, mencio-nada antes, e a dobreza de corao do homem; pois, assim como Deus nos d com mo estendida, do mesmo modo nos convm abrir, em troca, o mago do nosso corao. Ento, ele diz que os incrdulos, que possuem recessos tortuo-sos, so inconstantes, porque nunca esto firmes ou fixos, mas a um momento incham com a confiana da carne, e em outro afundam nas profundezas do desespero.6

    TIAGO 1:9-11 9. Mas glorie-se o irmo abatido na sua exaltao,

    9. Porro glorietur frater humilis in sublima-te sua;

    10. E o rico em seu abatimento; porque ele passar como a flor da erva.

    10. Dives autem in humilitate sua, quia tanquam flos herbae prateteribit.

    11. Porque sai o sol com ardor, e a erva seca, e a sua flor cai, e a formosa apa-

    11. Nam sol exortus est cum aestu, et exarescit herba, et flos ejus cecidit, et de-

    6 De corao dobre, ou homem com duas almas, , sem dvida refere-se aqui

    ao homem que hesita entre a f e a incredulidade porque a f o assunto da passa-gem. Quando usada novamente, em Tg 4:8, significa uma hesitao entre Deus e o mundo.

  • Comentrios de Calvino 8

    rncia do seu aspecto perece; assim se murchar tambm o rico em seus cami-nhos.

    cor aspectus ejus periit; sic et dives in suis viis (vel, copiis) marcescet.

    9. O irmo abatido. Assim como Paulo, exortando os servos a suportarem submissamente a sua sorte, apresenta diante deles esta consolao de que eram livres de Deus, tendo sido libertados pela sua graa do cativeiro mais mi-servel de Satans e os lembra de que, embora livres, eram servos de Deus; do mesmo modo Tiago aqui manda que os abatidos se gloriem nisto, em que haviam sido adotados pelo Senhor como seus filhos; e os ricos, porque haviam sido abatidos mesma condio, a vaidade do mundo tendo se tornado evi-dente para eles. Assim, a primeira coisa que deviam fazer era contentar-se com o seu estado abatido e humilde; e ele probe os ricos de serem orgulho-sos. Visto como incomparavelmente a maior dignidade ser introduzido na companhia dos anjos; no somente isto, mas ser feito associado de Cristo; a-quele que estima devidamente este favor de Deus considerar todas as demais coisas como indignas. Ento, nem a pobreza, nem o desprezo, nem a nudez, nem a fome, nem a sede, deixaro seu esprito to ansioso que ele no se mantenha com esta consolao. Como o Senhor me concedeu a coisa princi-pal, convm que eu suporte pacientemente a perda das demais coisas, as quais so inferiores. Vede, como um irmo abatido deve se gloriar na sua elevao ou exaltao; pois, se ele aceito por Deus, tem consolao suficiente apenas na sua ado-o, no se afligindo excessivamente por um estado de vida menos prspero. 10. E o rico em que seja abatido, ou, em seu abatimento. Ele mencionara o particular pelo geral; pois esta admoestao diz respeito a todos aqueles que se sobressaem em honra, ou em dignidade, ou em qualquer outra coisa exteri-or. Ele manda que se gloriem em seu abatimento ou insignificnica, a fim de reprimir a altivez daqueles que normalmente se incham com a prosperidade. Mas chama isto de abatimento, porque o reino de Deus manifestado deve nos levar a desprezar o mundo, uma vez que sabemos que todas as coisas que antes admirvamos grandemente, ou no so nada, ou so coisas muito pe-quenas. Pois Cristo, que no mestre seno de bebs, refreia pela sua doutri-na toda a altivez da carne. Ento, para que a v alegria do mundo no cative os ricos, eles devem se habituar a gloriar-se no abatimento da sua excelncia carnal.7 Como a flor da erva. Se algum dissesse que Tiago faz aluso s palavras de Isaas, eu no objetaria tanto; mas no posso admitir que ele cite o testemunho do Profeta, que fala no apenas acerca das coisas desta vida e do carter pas-sageiro do mundo, mas do homem todo, tanto corpo como alma (Is 40:6-8); mas aquilo de que se fala aqui a pompa dos bens ou das riquezas. E o senti-

    7 A opinio de Macknight e de alguns outros, de que a referncia ao abatimento a

    que os ricos estavam reduzidos pela perseguio, no concorda com a passagem, pois o Apstolo fala a seguir acerca da brevidade da vida humana e da sua incerteza, e no da natureza passageira das riquezas o que teria sido mais apropriado, se ele tivesse em vista confortar os ricos pela perda de propriedade. O estado cristo era de abatimento segundo a apreciao do mundo.

  • Epstolas Gerais Tiago 9

    do de que o gloriar-se nas riquezas absurdo e insensato, porque elas pas-sam em um momento. Os filsofos ensinam a mesma coisa; mas a cano entoada para surdos, enquanto os ouvidos no so abertos pelo Senhor, para que ouam a verdade concernente eternidade do reino celestial. Por isso ele menciona irmo sugerindo que no h lugar para esta verdade, enquanto no somos admitidos na ordem dos filhos de Deus. Embora a leitura aceita seja pi, concordo com Erasmo, e leio a ltima palavra, pi, sem o ditongo: em suas riquezas, ou, com suas ri-quezas; e eu prefiro este ltimo.8

    TIAGO 1:12-15 12. Bem-aventurado o homem que supor-ta a tentao; porque, quando for prova-do, receber a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam.

    12 Beatus vir qui suffert temptationem; quod quum probatus fuerit, accipiet coro-nam vitae, quam promisit Deus diligenti-bus ipsum.

    13. Ningum, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus no pode ser tentado pelo mal, e a ningum tenta.

    13 Nemo quum tentatur dicat, a Deo ten-tor; Deus enim nec tentari malis potest, nec quenquam tentat.

    14. Mas cada um tentado, quando atra-do e engodado pela sua prpria concu-piscncia.

    14 Sed unusquisque tentatur, dum a sua concupiscentia abstrahitur, et inescatur.

    15. Depois, havendo a concupiscncia concebido, d luz o pecado; e o peca-do, sendo consumado, gera a morte.

    15 Postquam antum concupiscentia con-ceperit, parit peccatum vero perfectum generat mortem.

    12. Bem-aventurado o homem. Aps ter aplicado a consolao, ele moderou a tristeza daqueles que eram duramente tratados neste mundo, e novamente humilhou a arrogncia dos grandes. Agora ele tira esta concluso de que so felizes aqueles que suportam magnanimamente as dificuldades e outras pro-vas, elevando-se acima delas. A palavra tentao pode ser, de fato, entendida de outro modo no sentido dos aguilhes das paixes que incomodam interi-ormente a alma; mas o que recomendado aqui, conforme penso, a firmeza de esprito em suportar as adversidades. Contudo, um paradoxo que no se-jam felizes aqueles a quem todas as coisas vm de acordo com os seus dese-jos, e sim aqueles que no so vencidos pelos infortnios. Porque, quando for provado. Ele d uma razo para a sentena anterior; pois a coroa vem aps a competio. Ento, se for a nossa maior alegria sermos co-roados no reino de Deus, segue-se que as lutas com que o Senhor nos prova so auxlios e socorros para a nossa felicidade. Assim, o argumento a partir da finalidade, ou efeito; por onde conclumos que os fiis so afligidos por tan-tos infortnios com este propsito para que a sua piedade e obedincia pos-sam se tornar manifestas, e para que assim eles sejam finalmente preparados para receberem a coroa da vida.

    8 O texto recebido considerada a melhor leitura; a outra encontra-se em bem poucas

    cpias.

  • Comentrios de Calvino 10

    Mas raciocinam absurdamente aqueles, que a partir daqui, inferem que, atra-vs da luta, merecemos a coroa; pois, como Deus a designou gratuitamente para ns, nossa luta apenas nos tornar aptos para receb-la. Ele acrescenta que ela est prometida para aqueles que amam a Deus. Falan-do assim, no quer dizer que o amor do homem a causa de ele alcanar a coroa (pois Deus se antecipa a ns pelo seu amor gratuito); mas apenas suge-re que os eleitos, os quais o amam, so os nicos aprovados por Deus. Ento, ele nos lembra que os vencedores de todas as tentaes so aqueles que a-mam a Deus; e que, quando somos provados, no falhamos em coragem por qualquer outra causa, seno porque o amor do mundo prevalece em ns. 13. Ningum, sendo tentado. Aqui, sem dvida, ele fala de outro tipo de tenta-o. abundantemente evidente que as tentaes exteriores, at aqui mencio-nadas, so enviadas a ns por Deus. Deste modo, Deus tentou a Abrao (Gn 22:1), e diariamente nos tenta ou seja, ele nos prova quanto ao que somos, pondo diante de ns uma oportunidade pela qual nossos coraes possam se manifestar. Mas extrair o que est oculto em nossos coraes algo bem dife-rente de seduzir interiormente os nossos coraes atravs de paixes perver-sas.

    Ento, ele trata aqui de tentaes interiores, as quais no so nada mais do que desejos desordenados que incitam ao pecado. Ele nega justamente que Deus seja o autor destas, porque elas decorrem da corrupo da nossa nature-za.

    Este aviso mui necessrio, pois nada mais comum entre os homens do que transferir para outro a culpa dos males que cometem; e, ento, eles parecem especialmente se livrar quando atribuem isto ao prprio Deus. Imitamos cons-tantemente este tipo de evasiva, transmitida a ns, de alguma forma, desde o primeiro homem. Por esta razo, Tiago nos convida a confessarmos a nossa prpria culpa, e a no comprometermos Deus, como se ele nos compelisse a pecar. Mas toda a doutrina da Escritura parece ser inconsistente com esta passagem; pois ela nos ensina que os homens so cegados por Deus, so entregues a uma mente rproba, e abandonados s paixes vergonhosas e imundas. A isto eu respondo que Tiago fora induzido a negar que somos tentados por Deus provavelmente pela seguinte razo porque os infiis, a fim de criarem uma escusa, armavam-se com os testemunhos da Escritura. Mas h duas coisas a serem notadas aqui: quando a Escritura atribui a cegueira ou dureza de cora-o a Deus, ela no lhe designa o princpio desta cegueira, nem faz dele o au-tor do pecado, atribuindo-lhe a culpa; e apenas nestas duas coisas que Tiago se detm. A Escritura afirma que os rprobos so entregues a paixes depravadas; mas ser porque o Senhor deprava ou corrompe seus coraes? De modo nenhum; pois os coraes deles esto sujeitos a paixes depravadas porque j so cor-ruptos e viciosos. Mas, como Deus cega ou endurece, no ele o autor ou mi-nistro do mal? Sim, mas deste modo ele castiga os pecados, e confere uma justa recompensa aos infiis, que se recusaram a ser governados pelo seu Es-prito (Rm 1:26). Por onde segue-se que a origem do pecado no est em

  • Epstolas Gerais Tiago 11

    Deus, e nenhuma culpa pode ser imputada a ele, como se tivesse prazer nos males (Gn 6:6). O sentido de que em vo se esquiva o homem que tenta lanar a culpa dos seus vcios em Deus porque todo o mal no procede de outra fonte seno da mpia paixo humana. E o fato na verdade que no somos desencaminhados de outro modo seno porque todos tm a sua prpria inclinao como seu guia e impulsor. Mas, que Deus no tenta a ningum, ele prova atravs disto por-que ele no tentado pelo mal.9 Pois o diabo que nos persuade a pecar, e por esta razo porque ele queima inteiramente de insana paixo pelo pecado. Mas Deus no deseja o que mau; portanto, ele no o autor da m ao em ns. 14. Quando engodado pela sua prpria concupiscncia. Como a inclinao e o incitamento ao pecado so interiores, em vo o pecador busca uma causa a partir de um impulso exterior. Ao mesmo tempo, estes dois efeitos da paixo devem ser notados que ela nos seduz pelos seus engodos, e que ela nos atrai; cada um dos quais sendo suficiente para nos tornar culpados.10 15. Depois, havendo a concupiscncia concebido. Primeiro, ele chama de pai-xo, no a que seja algum tipo de m afeio ou desejo, e sim a que a fonte de todas as ms afeies; por meio de que, conforme explica, concebida uma prole m, que finalmente irrompe em pecados. Contudo, parece imprprio, e no de acordo com o uso da Escritura, restringir a palavra pecado a obras exte-riores, como se na verdade a prpria paixo no fosse um pecado, e como se os desejos corruptos, permanecendo encerrados e suprimidos no interior, no fossem tantos pecados. Mas, como o uso de uma palavra diverso, no h nada de desarrazoado se for entendida aqui, como em muitos outros lugares, no sentido de pecado real. E os papistas ignorantemente se apegam a esta passagem, e procuram provar atravs dela que as paixes viciosas, sim, imundas, mpias e mais abomin-veis, no so pecados, desde que no haja assentimento; pois Tiago no ex-plica quando o pecado comea a ser gerado tornando-se pecado, e deste modo sendo imputado por Deus mas quando o mesmo irrompe. Pois ele pro-cede gradualmente, e mostra que a consumao do pecado a morte eterna, e

    9 Literalmente, no sujeito tentao pelo mal, ou seja, incapaz de ser tentado ou

    seduzido pelo mal, por coisas mpias e pecaminosas. Ele to puro que no influen-ciado por nenhuma propenso maligna que ele no est sujeito a nenhuma sugesto maligna. Por onde segue-se que ele no tenta nem seduz o homem ao que pecami-noso. Sendo ele mesmo inatacvel pelo mal, no pode seduzir outros ao que mau. Como Deus no pode ser tentado a fazer o que pecaminoso, ele no pode tentar outros a pecar. As palavras podem ser traduzidas assim: Nenhum homem, quando seduzido, diga: Por Deus sou seduzido; pois Deus no pode ser seduzido pelo mal, e ele mesmo no seduz a ningum. 10

    As palavras so bem surpreendentes: Mas cada um tentado (ou, seduzido) quan-do, pela sua prpria paixo, atrado (ou seja, do que bom) e apanhado por uma isca (ou, engodo). Ele , primeiro, afastado da linha do dever, e depois apanhado por algo que agradvel e plausvel, mas que, semelhante isca, possui em si um anzol mortal.

  • Comentrios de Calvino 12

    que o pecado surge a partir de desejos depravados, e que estes desejos ou afeies depravadas tm sua raz na paixo. Por onde segue-se que os ho-mens colhem fruto em perdio eterna, e fruto que tm granjeado para si. Portanto, por pecado consumado, entendo, no algum ato de pecado perpetra-do, mas o curso completo do pecado. Pois, embora a morte seja merecida por qualquer pecado que seja, dito que ela a recompensa de uma vida mpia e perversa. Por onde refutado o desvario daqueles que concluem, a partir des-tas palavras, que o pecado no mortal enquanto no irrompe, como dizem, em um ato exterior. E tambm no disto que Tiago trata; mas o seu objetivo era apenas este ensinar que est em ns a raz da nossa prpria destruio.

    TIAGO 1:16-18 16. No erreis, meus amados irmos. 16. Ne erretis, fratres mei dilecti: 17. Toda a boa ddiva e todo o dom per-feito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem no h mudana nem sombra de variao.

    17. Omnis donatio bona et omne donum perfectum desursum est, descendens a Patre luminum; apud quem non est trans-mutatio, aut conversionis obumbratio.

    18. Segundo a sua vontade, ele nos ge-rou pela palavra da verdade, para que fssemos como primcias das suas criatu-ras.

    18. Is sua voluntate genuit nos veritatis, ut essemus primitiae quaedam suaram crea-turarum.

    16. No erreis. Este um argumento a partir do que contrrio; pois, como Deus o autor de todo o bem, absurdo supor que ele seja o autor do mal. Fazer o bem o que propriamente lhe pertence, e est de acordo com a sua natureza; e dele vm todas as coisas boas para ns. Ento, qualquer mal que ele faa no estar de acordo com a sua natureza. Mas, como s vezes acon-tece que aquele que se sai bem durante toda a vida, falhe, por outro lado, em algumas coisas, ele trata desta dvida negando que Deus seja mutvel como os homens. Mas, se Deus em todas as coisas e sempre o mesmo, segue-se que fazer o bem a sua obra perptua. Este raciocnio bem diferente do de Plato, que defendia que nenhuma cala-midade enviada aos homens por Deus, porque ele bom; pois, embora seja justo que os crimes dos homens sejam castigados por Deus, no certo, com respeito a ele, considerar entre os males aquele castigo que ele justamente inflige. De fato, Plato era ignorante; mas Tiago, deixando a Deus o seu direito e ofcio de castigar, apenas remove dele a culpa. Esta passagem nos ensina que devemos ser tocados pelas inmeras bnos de Deus, que diariamente recebemos da sua mo, de tal modo que no pensemos em nada alm da sua glria; e que devemos aborrecer qualquer coisa que venha nossa mente, ou seja sugerida por outros, que no seja compatvel com o seu louvor. Deus chamado de Pai das luzes, como possuindo toda a excelncia e a mais alta dignidade. E, quando acrescenta em seguida que nele no h sombra de

  • Epstolas Gerais Tiago 13

    variao, ele continua a metfora; para que no meamos o esplendor de Deus pela irradiao do sol que se mostra a ns.11 18. Segundo a sua vontade. Ele apresenta agora uma prova especial da bon-dade de Deus que havia mencionado a saber, que ele nos regenerou para a vida eterna. Este benefcio inestimvel todos os fiis sentem em si. Ento, a bondade de Deus, quando conhecida pela experincia, deve remover deles toda a opinio contrria a seu respeito. Quando diz que Deus, segundo a sua vontade, ou espontaneamente, nos ge-rou, ele sugere que ele no fora induzido por outra razo uma vez que a von-tade e o conselho de Deus so freqentemente definidos em oposio aos m-ritos humanos. Que coisa grandiosa, de fato, teria sido dizer que Deus no fora constrangido a fazer isto? Mas ele assinala algo mais que Deus, segundo a sua boa vontade, nos gerou, e deste modo foi uma causa para si. Por onde segue-se que natural para Deus fazer o bem. Mas esta passagem nos ensina que, assim como a nossa eleio antes da fundao do mundo foi gratuita, do mesmo modo somos iluminados exclusiva-mente pela graa de Deus quanto ao conhecimento da verdade, de modo que o nosso chamado corresponde nossa eleio. A Escritura revela que fomos adotados gratuitamente por Deus antes de nascermos. Mas Tiago expressa aqui algo mais que obtemos o direito de adoo porque Deus tambm nos chama gratuitamente (Ef 1:4, 5). Ademais, por aqui aprendemos que o ofcio peculiar de Deus regenerar-nos espiritualmente; pois o fato de que o mesmo s vezes seja atribudo aos ministros do evangelho no significa outra coisa seno isto que Deus age atravs deles; e, de fato, isto acontece atravs deles, mas, no obstante, somente ele faz a obra. A palavra gerou significa que nos tornamos novo homem, de modo que nos despimos de nossa natureza anterior quando somos eficazmente chamados por Deus. Ele acrescenta como Deus nos gera a saber, pela palavra da ver-dade para que saibamos que no podemos entrar no reino de Deus por qual-quer outra porta.

    11 Este verso deve ser entendido em conexo com o que vem antes. Quando mencio-

    na toda boa ddiva, isto se ope ao mal de que ele diz que Deus no o autor. Vede Mt 7:11. E todo dom perfeito, conforme significa , faz referncia correo do mal que surge do prprio homem. E ele chama de dom perfeito porque no tem nenhuma mistura de mal o que nega completamente que Deus seja o seu autor. Ento, a ltima parte do verso traz uma correspondncia com o primeiro. Ele chama Deus de Pai das luzes. Luz, na linguagem da Escritura, significa especialmente duas coisas, a luz da verdade o conhecimento divino e a santidade. Deus o pai, o ge-nitor, a origem, a fonte destas luzes. Por isso, dele desce toda a boa, til e necessria ddiva, para livrar os homens do mal, da ignorncia e do engano, e todo o dom perfei-to, para libertar os homens das paixes malignas, e para torn-los santos e felizes. E, para mostrar que Deus sempre o mesmo, ele acrescenta: em que no h mudana nem sombra (ou matiz, do mais ligeiro aspecto) de variao ou seja, quem nunca muda em seus tratos com o homem, e no mostra sintomas de qualquer mudana, sendo o autor e conferidor de todo o bem, e autor de nenhum mal, ou seja, de nenhum pecado.

  • Comentrios de Calvino 14

    Para que fssemos como primcias das suas criaturas. A palavra , alguns, tem o sentido de semelhana como se ele tivesse dito que, de certa maneira, somos as primcias. Mas isto no deve ser restrito a alguns dos fiis, mas diz respeito a todos em comum. Pois, assim como o homem se distingue entre to-das as criaturas, do mesmo modo o Senhor elege alguns dentre toda a massa e os separa como uma oferta santa para si.12 No a uma nobreza comum que Deus exalta seus filhos. Ento, justamente se diz que so excelentes como primcias, quando a imagem de Deus renovada neles.

    TIAGO 1:19-21 19. Portanto, meus amados irmos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.

    19. Itaque, fratres mei dilecti, sit omnis homo celer ad audiendum, tardus autem ad loquendum, tardus ad iram:

    20. Porque a ira do homem no opera a justia de Deus.

    20. Ira enim hominus justitiam Dei non operatur.

    21. Por isso, rejeitando toda a imundcia e superfluidade de malcia, recebei com mansido a palavra em vs enxertada, a qual pode salvar as vossas almas.

    21. Quapropter deposita omni inmunditie, et redundantia malitiae, cum mansuetudi-ne suscipite insitum sermonem qui potest servare animas vestras.

    19. Todo o homem. Fosse esta uma sentea geral, a inferncia seria forada; mas como, logo em seguida, acrescenta uma sentena a respeito da palavra da verdade que apropriada para o ltimo verso, no tenho dvida de que ele acomoda esta exortao particularmente ao assunto em questo. Ento, tendo apresentado diante de ns a bondade de Deus, ele mostra como nos convm estarmos preparados para receber a graa que ele demonstra para conosco. E esta doutrina muito til, pois a gerao espiritual no obra de um momento. Como alguns vestgios do velho homem ainda residem em ns, devemos ne-cessariamente ser renovados durante toda a vida, at que a carne seja abolida; pois, seja a nossa perversidade, ou arrogncia, ou preguia, so um grande impedimento para Deus aperfeioar a sua obra em ns. Por isso, quando Tiago quer que sejamos prontos para ouvir, ele recomenda a prontido como se tivesse dito: Quando Deus to livre e generosamente se vos apresenta, vs tambm deveis vos tornar ensinveis, para que vossa indolncia no o faa desistir de falar. Mas, porquanto no ouvimos tranquilamente Deus falando conosco, quando parecemos ser muito sbios a ns mesmos, mas pela nossa pressa o inter-rompemos quando se dirige a ns, o Apstolo pede que fiquemos em silncio, sejamos tardios em falar. E, sem dvida, ningum pode ser um verdadeiro dis-cpulo de Deus, a no ser que o oua em silncio. Contudo, ele no requer o silncio da escola pitagrica, como se no fosse correto indagar sempre que

    12 Primcias sendo uma parte e garantia da colheita futura, para retermos a metfora

    precisamos considerar criaturas aqui como incluindo todos os salvos nas eras futu-ras. Por isso, deve ser preferida a opinio daqueles que consideram os primeiros con-versos, que eram judeus, como as primcias.

  • Epstolas Gerais Tiago 15

    desejamos aprender o que preciso saber; mas ele quer apenas que corrija-mos e refreemos a nossa precipitao, para que, como normalmente acontece, no interrompamos oportunamente a Deus, e para que, enquanto ele abre a sua boca santa, possamos abrir para ele nossos coraes e nossos ouvidos, e no impedi-lo de falar. Tardio para se irar. Penso que a ira tambm condenada com respeito aten-o que Deus pede que lhe seja dada, como se, criando um tumulto, ela per-turbasse e o impedisse pois Deus no pode ser ouvido exceto quando o esp-rito est tranquilo e sereno. Por isso, ele acrescenta que, enquanto a ira tem o controle, no h lugar para a justia de Deus. Em suma, a no ser que o calor da contenda seja banido, nunca observaremos para com Deus aquele silncio tranquilo do qual ele acaba de falar. 21. Por isso, rejeitando. Ele conclui dizendo como a palavra da vida deve ser recebida. E, de fato, primeiro sugere que ela no pode ser devidamente recebi-da, a menos que seja implantada, ou lance razes em ns. Pois a expresso: recebei a palavra enxertada, deve ser explicada assim: recebei-a, para que seja realmente implantada. Pois ele faz aluso semente muitas vezes seme-ada e lanada, e no recebida nos recessos midos da terra; ou, a plantas que, sendo lanadas no solo, ou colocadas sobre madeira morta, logo secam. En-to, ele pede que ela seja um enxerto vivo, atravs do que a palavra se torna unida ao nosso corao. Ao mesmo tempo, mostra a maneira e o modo desta recepo a saber, com mansido. Por esta palavra, ele se refere humildade e prontido de um espri-to disposto a aprender, tal como Isaas descreve quando diz: Em quem repou-sa o meu Esprito, seno nos mansos e humildes? (Is 57:15). Por onde isso est longe de ser proveitoso na escola de Deus, porque dificilmente um em cem renuncia obstinao do seu prprio esprito, e submete-se gentilmente a Deus; mas quase todos so convencidos e refratrios. Mas, se queremos ser a plantao viva de Deus, devemos submeter nossos coraes orgulhosos e sermos humildes, e nos esforarmos para ser como cordeiros, permitindo-nos ser governados e guiados pelo nosso Pastor. Mas, assim como os homens nunca so to tratveis assim, para terem um corao tranquilo e manso, a no ser que sejam purificados das afeies de-pravadas; do mesmo modo ele nos manda rejeitarmos toda a imundcia e su-perfluidade de malcia. E, como Tiago tomou emprestada uma comparao a partir da agricultura, era necessrio que ele observasse esta ordem, comean-do por arrancar as ervas nocivas. E, como se dirigiu a todos, a partir disto po-demos concluir que estes so os males inatos da nossa natureza, e que eles se apegam a todos ns; sim, como se dirige aos fiis, ele explica que nunca estamos totalmente purificados deles nesta vida, mas que esto continuamente espocando, e por isso ele requer que se tome constante cuidado por erradic-los. Como a palavra de Deus algo especialmente santo; para estarmos aptos a receb-la, devemos nos despir das coisas imundas pelas quais temos sido contaminados. Sob a palavra , ele inclui a hipocrisia e obstinao, bem como os desejos ou paixes ilcitas. No satisfeito em especificar a sede da impiedade como

  • Comentrios de Calvino 16

    estando na alma humana, ele nos ensina que to abundante a impiedade que habita a, que ela transborda, ou cresce como que em um monto; e, sem d-vida, todo aquele que se examinar bem descobrir que h dentro de si um i-menso caos de males.13 A qual pode salvar. um sublime elogio verdade celestial, que por meio dela alcancemos uma salvao segura; e isto acrescentado para que aprendamos a buscar, e a amar, e a magnificar a palavra como um tesouro incomparvel. Ento, um aguilho afiado para aoitar a nossa ociosidade, quando ele diz que a palavra que costumamos ouvir to negligentemente o meio da nossa salvao, ainda que, com este propsito, o poder de salvar no seja atribudo palavra como se a salvao fosse transmitida atravs do som externo da pa-lavra, ou como se o ofcio de salvar fosse retirado de Deus e transferido para outra parte; pois Tiago fala da palavra que, pela f, penetra nos coraes dos homens, e apenas sugere que Deus, o autor da salvao, comunica-a pelo seu Evangelho.

    TIAGO 1:22-27 22. E sede cumpridores da palavra, e no somente ouvintes, enganando-vos com falsos discursos.

    22. Estote factores sermones, et non audi-tores solum, fallentes vos ipsos.

    23. Porque, se algum ouvinte da pala-vra, e no cumpridor, semelhante ao homem que contempla ao espelho o seu rosto natural;

    23. Nam si quis auditor est sermones, et non factor, hic similis est homini conside-ranti faciem nativitatis suae in speculo.

    24. Porque se contempla a si mesmo, e vai-se, e logo se esquece de como era.

    24. Consideravit enim seipsum, et abiit, et protinus oblitus est qualis sit.

    25. Aquele, porm, que atenta bem para a lei perfeita da liberdade, e nisso perse-vera, no sendo ouvinte esquecidio, mas fazedor da obra, este tal ser bem-aventurado no seu feito.

    25. Qui vero intuitus fuerit in legem perfec-tam, quae est libertatis, et permanserit, hic non auditor obliviosus, sed factor operis, beatus in opere suo erit.

    26. Se algum entre vs cuida ser religio-so, e no refreia a sua lngua, antes en-gana o seu corao, a religio desse v.

    26. Si quis videtur religiosus esse inter vos, nec refraenat linguam suam, sed de-cipits cor suum, hujus inanus est religio.

    13 O que torna esta passagem insatisfatria o sentido dado a , traduzida

    por alguns como superfluidade, e por outros como redundncia. O verbo no significa apenas abundar, mas tambm ser um resduo, permanecer, restar. Vede Mt 14:20, Lc 9:17. E seu derivado, , usado no sentido de restante ou remanescente Mc 8:8; e esta mesma palavra usada na Septuaginta em lugar de , que significa resduo, remanescente, ou o que resta, Ez 6:8. Tenha ela este significado aqui, e o sentido no apenas ser claro, mas muito surpreendente. Tiago estava se dirigindo queles que eram cristos; e os exortava a lanarem fora toda a impureza e vestgio de impiedade ou mal, como significa mais apropriada-mente a palavra . Vede At 8:22; 1 Pe 2:16.

  • Epstolas Gerais Tiago 17

    27. A religio pura e imaculada para com Deus, o Pai, esta: Visitar os rfos e as vivas nas suas tribulaes, e guardar-se da corrupo do mundo.

    27. Religio pura et impolluta coram Deo et Patre, haec est, Visitare pupillos et viduas in afflictione ipsorum, inmaculatum servare se a mundo.

    22. Sede cumpridores da palavra. O cumpridor aqui no o mesmo que em Rm 2:13, o qual satisfez a lei de Deus e a cumpriu em todos os aspectos; mas o cumpridor aquele que abraa de corao a palavra de Deus e testifica, a-travs da sua vida, que ele realmente cr de acordo com as palavras de Cris-to: Bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a guardam (Lc 11:28); pois ele mostra pelos frutos o que aquele enxerto anteriormente cita-do. Devemos ainda observar que includa por Tiago a f com todas as suas obras sim, a f especialmente, pois ela a maior obra que Deus requer de ns. A importncia de tudo isto que devemos nos esforar para que a palavra do Senhor lance razes em ns, para que em seguida possa frutificar.14 23. semelhante ao homem. A doutrina celestial de fato um espelho, no qual Deus se apresenta nossa vista; mas para que sejamos transformados sua imagem, como Paulo diz em 2 Co 3:18. Mas aqui ele fala do vislumbre exterior dos olhos, no da meditao vivida e eficaz que penetra no corao. uma comparao surpreendente, pela qual sugere, em poucas palavras, que uma doutrina meramente ouvida, e no recebida interiormente no corao, de nada serve, porque logo desaparece. 25. A lei perfeita da liberdade. Aps ter falado acerca da especulao vazia, ele passa agora quela intuio penetrante que nos transforma imagem de Deus. E, como tinha de lidar com os judeus, ele emprega a palavra lei familiarmente conhecida deles como incluindo toda a verdade de Deus. Mas, por que ele a chama de lei perfeita, e lei da liberdade, os intrpretes no tm sido capazes de entender; pois no perceberam que aqui h um contraste o que pode ser deduzido a partir de outras passagens da Escritura. Enquanto a lei pregada pela voz exterior do homem, e no gravada pelo dedo e Esprito de Deus no corao, ela apenas letra morta, e, por assim dizer, algo sem vi-da. Ento, no de se surpreender que a lei seja considerada imperfeita, e que seja a lei da servido; pois, como Paulo ensina em Gl 4:24, separada de Cristo, ela gera para a condenao; e, como o mesmo nos mostra em Rm 8:13, ela no pode fazer nada alm de nos encher de desconfiana e temor. Mas o Esp-rito de regenerao, que a grava em nosso interior, traz tambm a graa da adoo. Ento, isto o mesmo que se Tiago tivesse dito: Que o ensino da lei no vos leve mais em cativeiro, mas, pelo contrrio, traga-vos liberdade; que no seja mais apenas um pedagogo, mas vos traga perfeio; ela deve ser recebida por vs com sincera afeio, a fim de que possais levar uma vida san-ta e piedosa. Alm disso, com uma bno do Antigo Testamento que a lei de Deus deve-ria nos corrigir, tal como se revelado por Jr 31:33 e outras passagens, segue-se

    14 Calvino no toma nota da ltima sentena: enganando-vos a vs mesmos. O parti-

    cpio significa enganar atravs de falso raciocnio; pode ser traduzido, juntamente com Doddridge, por: enganando-vos sofisticamente.

  • Comentrios de Calvino 18

    que isto no pode ser alcanado enquanto no nos achegamos a Cristo. E, sem dvida, somente ele o fim e a perfeio da lei; e Tiago acrescenta liber-dade, como um associado inseparvel, porque o Esprito de Cristo nunca rege-nera apenas, sem que tambm se torne um testemunho e uma garantia da nossa adoo divina, libertando nossos coraes do temor e tremor. E persevera. Isto perseverar firmemente no conhecimento de Deus; e, quan-do acrescenta: este tal ser bem-aventurado no seu feito, ou obra, ele quer dizer que a bem-aventurana deve ser encontrada no fazer, no em um frio ouvir.15 26. Cuida ser religioso. Agora ele censura, at mesmo naqueles que se orgu-lhavam de que fossem praticantes da lei, um vcio sob o qual os hipcritas normalmente laboram; ou seja, o desregramento da lngua na difamao. Antes ele tratara do dever de refrear a lngua, mas com um propsito diferente; pois ali ele ordenara o silncio diante de Deus, para que estivssemos mais em condies de aprender. Agora, ele fala de outra coisa que os fiis no deviam empregar sua lngua em maledicncia. De fato, era necessrio que este vcio fosse condenado, quando o assunto era a observncia da lei; pois aqueles que deixam os vcios mais grosseiros esto especialmente sujeitos a esta enfermidade. Aquele que no nem adltero, nem ladro, nem beberro, mas, pelo contrrio, parece brilhante com certa amostra exterior de santidade, se estragar defamando os outros e isto sob o pretexto de zelo, mas na verdade pela paixo da calnia. O objetivo aqui, ento, era distinguir entre os verdadeiros adoradores de Deus e os hipcritas, que esto to cheios de orgulho farisaico, que buscam louvor atravs dos defeitos de outros. Se algum, diz ele, cuida ser religioso, ou seja, que tem uma aparncia de santidade, e ao mesmo tempo se gaba falando mal dos outros, por aqui fica evidente que ele no serve verdadeiramente a Deus. Pois, dizendo que a sua religio v, ele no apenas sugere que outras virtu-des so desfiguradas pela mcula da maledicncia, mas que a concluso de que o zelo aparente pela religio no sincero. Antes engana o seu corao. No aprovo a verso de Erasmo: Mas permite que seu corao erre, pois ele indica a fonte dessa arrogncia em que esto viciados os hipcritas, atravs da qual, estando cegados por um amor imode-rado de si mesmos, eles acreditam ser bem melhores do que realmente so; e daqui, sem dvida, vem a doena da calnia, porque o alforge, como diz Esopo em seu Aplogo, pendurado por detrs, no visto. Justamente, ento, Tiago, querendo remover o efeito, ou seja, a paixo da maledicncia, acrescentou a causa a saber, que os hipcritas se gabem imoderadamente. Pois eles esta-riam prontos para perdoar se, por sua vez, reconhecessem precisar de perdo. Por isso as bajulaes pelas quais se enganam a si mesmos quanto aos seus prprios vcios os tornam censores to sobranceiros dos outros.

    15 Isto pode ser traduzido assim: O mesmo ser abenoado em (ou, por) faz-lo

    isto , o feito. A prtica mesma da lei da liberdade, que o evangelho prescreve, torna o homem bem-aventurado ou feliz.

  • Epstolas Gerais Tiago 19

    27. A religio pura. Como passa por aquelas coisas que so da maior impor-tncia em religio, ele no define genericamente o que a religio, mas lem-bra-nos de que a religio sem as coisas que menciona no nada; como quando algum dado ao vinho e glutonaria se orgulha de ser temperado, e outro objeta, e diz que o homem temperado aquele que no se indulta em excesso de vinho ou comida; seu objetivo no expressar tudo o que a tem-perana, e sim referir-se apenas a uma coisa, adequada para o assunto em questo. Pois em vo so religiosos aqueles de quem ele fala, uma vez que so na sua maior parte fingidores levianos. Tiago ento nos ensina que a religio no deve ser estimada pela pompa das cerimnias; mas que existem deveres importantes aos quais os servos de Deus devem atender. Visitar nas tribulaes estender uma mo de ajuda para aliviar aqueles que esto em aflio. E, como existem muitos outros a quem o Senhor nos manda socorrer, ao mencionar os rfos e as vivas, ele declara uma parte pelo todo. Ento, no h dvida de que, sob algo particular, ele nos recomenda todos os atos de amor como se tivesse dito: Que aquele que deseja ser considerado religioso prove ser tal por meio da auto-negao e pela misericrdia e benevo-lncia para com o seu prximo. E ele diz: diante de Deus, para sugerir que na verdade parece ser diferente para os homens, que so enganados por mscaras exteriores; mas que deve-mos buscar o que o agrada. Por Deus e Pai, devemos entender Deus, que um pai.

    TIAGO 2:1-4 1. Meus irmos, no tenhais a f de nos-so Senhor Jesus Cristo, Senhor da glria, em acepo de pessoas.

    1. Fratres mei, ne in acceptionabus perso-narum fidem habeatis Domini Jesu Christi ex opinione, (vel, gloriae.)

    2. Porque, se no vosso ajuntamento en-trar algum homem com anel de ouro no dedo, com trajes preciosos, e entrar tam-bm algum pobre com srdido traje,

    2. Si enim ingressus fuerit in coetum ves-trum vir aureos anulos gestans, veste in-dudus spliendida; ingressus autem fuerit et pauper in sordida veste;

    3. E atentardes para o que traz o traje precioso, e lhe disserdes: Assenta-te tu aqui num lugar de honra, e disserdes ao pobre: Tu, fica a em p, ou assenta-te abaixo do meu estrado,

    3. Et respexeritis in cum qui vestem fert splendidam, et ei dixeritis, Tu sede hic honeste, et pauperi dixeritis, Tu sta illic, vel, Sede hic sub scabello pedum meo-rum;

    4. Porventura no fizestes distino entre vs mesmos, e no vos fizestes juzes de maus pensamentos?

    4. An non dijudicati eestis in vobisipsis, et facti judices malarum cogitationum?

    primeira vista, esta repreenso parece ser dura e desarrazoada; pois um dos deveres da cortesia, que no deve ser negligenciado, honrar aqueles que so nobres no mundo. Ademais, se o respeito s pessoas fosse mau, os ser-vos deveriam se libertar de toda a sujeio pois a liberdade e a servido so consideradas por Paulo como condies de vida. O mesmo se deve pensar

  • Comentrios de Calvino 20

    acerca dos magistrados. Mas a soluo destas questes no difcil, se o que Tiago escreve no for isolado. Pois ele no desaprova simplesmente a honra prestada aos ricos, mas que isso no deveria ser feito de modo a desprezar ou censurar os pobres; e isto se torna ainda mais claro, quando passa a falar a-cerca da regra do amor. Portanto, lembremo-nos de que o respeito s pessoas condenado aqui aque-le pelo qual os ricos so exaltados de tal modo que feita injustia aos pobres o que tambm ele mostra claramente pelo contexto; e, certamente, ambi-ciosa, e cheia de vaidade, a honra demonstrada pelos ricos em desprezo aos pobres. E tambm no h dvida de que a ambio reina, e a vaidade tambm, quando somente as mscaras deste mundo esto em alta estima. Devemos nos lembrar desta verdade, de que deve ser considerado entre os herdeiros do reino de Deus aquele que despreza os rprobos e honra os que temem a Deus (Sl 15:4). Aqui, ento, condenado o vcio contrrio a saber, quando, apenas por res-peito s riquezas, algum honra os mpios e, como foi dito, desonra os bons. Se, ento, lsseis assim: Peca aquele que respeita o rico, a sentena seria absurda; mas se, como segue: Peca aquele que honra apenas o rico e des-preza o pobre, e o trata com desrespeito, esta seria uma doutrina verdadeira e piedosa. 1. No tenhais a f, etc. em acepo de pessoas. Ele quer dizer que o respeito s pessoas inconsistente com a f de Cristo, de modo que no podem estar unidos, e isto com razo; pois, atravs da f, somos unidos em um s corpo, no qual Cristo tem a primazia. Portanto, quando as pompas do mundo se tornam to proeminentes que encobrem o que Cristo , fica evidente que a f tem pou-co vigor. Ao traduzir como por considerao (ex opinione), segui Erasmo; embora o intrprete antigo no possa ser acusado por t-lo traduzido como glria, pois a palavra significa as duas coisas; e pode ser convenientemente aplicada a Cristo e isto de acordo com o propsito da passagem. Pois, to grande o esplendor de Cristo, que facilmente extingue todas as glrias do mundo se de fato ela irradia aos nossos olhos. Por onde segue-se que Cristo pouco estimado por ns, quando a admirao da glria mundana se nos a-pega. Mas a outra exposio tambm mui apropriada, pois, quando a consi-derao ou o valor das riquezas ou das honras fascina os nossos olhos, a ver-dade, que deveria prevalescer, suprimida. Assenta-te convenientemente sig-nifica assentar-se com honra. 4. Porventura no fizestes distino em vs mesmos? ou, no estais condena-dos em vs mesmos? Isto pode ser lido tanto afirmativa como interrogativa-mente, mas o sentido seria o mesmo, pois ele enfatiza a falta por meio disto que eles tinham prazer e se indultavam em to grande impiedade. Se for lido interrogativamente, o sentido : Vossa prpria conscincia no vos acusa, de modo que no precisais de outro juiz? Se for preferida a afirmativa, isto o

  • Epstolas Gerais Tiago 21

    mesmo que se ele tivesse dito: Este mal tambm acontece, que no pensais que tendes pecado, nem sabeis que vossos pensamentos sejam to mpios.16

    TIAGO 2:5-7 5. Ouvi, meus amados irmos: Porventu-ra no escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na f, e herdei-ros do reino que prometeu aos que o a-mam?

    5. Audite, fratres mei dilecti, nonne Deus elegit pauperes mundi hujus divites in fide et heredes regni quod promisit iis qui dili-gunt eum?

    6. Mas vs desonrastes o pobre. Porven-tura no vos oprimem os ricos, e no vos arrastam aos tribunais?

    6. Vos autem contemptui habiustis paupe-rem: nonne divites tyrnnidem in vos exer-cent et iidem trahunt vos ad tribunalia?

    7. Porventura no blasfemam eles o bom nome que sobre vs foi invocado?

    7. Et iidem contumelia afficiunt bonum nomen quod invocatum est super vos?

    5. Ouvi, meus amados irmos. Agora ele prova, por meio de dois argumentos, que eles agiam de modo ridculo, quando, por amor aos ricos, desprezavam os pobres. O primeiro que inconveniente e vergonhoso abater aqueles a quem Deus exalta, e tratar injuriosamente aqueles a quem ele honra. Como Deus honra aos pobres, ento todo aquele que os repudia inverte a ordem de Deus. O outro argumento tomado a partir da experincia comum; pois, como os ri-cos so em grande parte opressivos para com os bons e inocentes, mui de-sarrazoado prestar tal recompensa pelos males que causam, para que sejam mais aprovados por ns do que os pobres os quais nos ajudam mais do que prejudicam. Agora veremos como ele procede com estes dois pontos. No escolheu Deus aos pobres deste mundo? De fato, no exclusivamente, mas ele quis comear com eles, a fim de abater o orgulho dos ricos. isto o que Paulo tambm diz que Deus escolheu, no muitos nobres, nem muitos poderosos do mundo, mas os que so fracos, a fim de envergonhar aqueles que so fortes (1 Co 1:25). Em suma, embora Deus derrame a sua graa sobre os ricos em comum com os pobres, sua vontade preferir estes queles, a fim de que os poderosos aprendessem a no se gabarem, e para que os ignbeis

    16 Isto normalmente admitido como uma sentena interrogativa: E no fazeis dife-

    rena entre (ou, em) vs, e vos tornais juzes, tendo maus pensamentos? literal-mente, juzes de maus pensamentos, este sendo, como dizem, o caso genitivo de posse. Ou, as palavras podem ser traduzidas como: e vos tornais juzes de maus (ou, falsos) raciocnios?, ou, como Beza traduz a sentena, e vos tornais juzes, racioci-nando falsamente concluindo que o homem rico fosse bom e o pobre, mau. dito, por Beza e outros, que nunca significa ser julgado ou condenado, mas distinguir, discriminar, fazer diferena, e tambm contender e duvidar. A diferena feita aqui era o respeito s pessoas que fora demonstrado e eles faziam esta dife-rena em si mesmos, em suas prprias mentes, atravs de pensamentos falsos ou perversos, ou raciocnios que entretiam. Mas parece que estas preferncias eram de-monstradas, no aos membros da Igreja, e sim a estranhos que por acaso pudessem vir s suas assemblias.

  • Comentrios de Calvino 22

    e obscuros atribussem o que so misericrdia de Deus, e para que ambos fossem educados mansido e humildade. Ricos na f no so os que abundam em grandeza de f, e sim aqueles que Deus enriqueceu com os diversos dons do seu Esprito, os quais recebemos pela f. Pois, sem dvida, como o Senhor trata generosamente a todos, cada um se torna participante dos seus dons segundo a medida da sua f. Se, en-to, estamos vazios ou necessitados, isto prova a deficincia da nossa f; pois, se to somente alargarmos o regao da f, Deus estar sempre pronto a en-ch-lo. Ele afirma que um reino est prometido aos que amam a Deus; no que a pro-messa dependa do amor; mas ele nos lembra de que somos chamados por Deus para a esperana da vida eterna, sobre esta condio e com esta finali-dade para que o amemos. Nesse caso, o fim, e no o comeo, assinalado aqui. 6. Porventura os ricos. Ele parece instig-los vingana ao apresentar o dom-nio injusto dos ricos, para que aqueles que eram tratados injustamente retribu-ssem de igual para igual; e, por outro lado, somos mandados em toda a parte a fazer o bem queles que nos injuriam. Mas o objetivo de Tiago era outro; pois ele apenas queria mostrar que estavam sem razo ou juzo aqueles que, por ambio, honravam os seus executores, e ao mesmo tempo prejudicavam os seus prprios amigos ao menos, aqueles dos quais nunca sofreram nenhum mal. Pois, por isso, mostrava-se ainda mais plenamente a vaidade deles que no fossem induzidos por nenhum ato de bondade; eles apenas admiravam os ricos porque eram ricos; no somente isto, mas bajulavam servilmente aqueles que descobriam, para sua prpria perda, serem injustos e cruis. Existem, de fato, alguns ricos que so justos, e mansos, e detestam toda a in-justia; mas poucos homens assim sero encontrados. Tiago, ento, menciona o que ocorre com a maioria, e o que a experincia diria prova como verdadei-ro. Pois, como os homens geralmente exercem o seu poder fazendo o que errado, por aqui se mostra que, quanto mais poder algum tenha, pior ele , e tanto mais injusto para com o seu prximo. Tanto mais cuidadosos ento de-vem ser os ricos, para que no contraiam nada desse contgio que em toda a parte prevalece entre aqueles de seu prprio nvel. 7. Digno, ou bom nome. No tenho dvida de que ele se refere aqui ao nome de Deus e de Cristo. E diz: por, ou sobre vs foi invocado, no em orao, co-mo a Escritura s vezes tende a falar, mas por confisso assim como dito que o nome de um pai, em Gn 48:16, invocado sobre a sua descendncia, e, em Is 4:1, o nome de um marido invocado sobre a esposa. Ento, isto o mesmo que se ele tivesse dito: O bom nome em que vos gloriais, ou pelo qual considerais uma honra serdes chamados; mas, se eles orgulhosamente caluni-am a glria de Deus, quo indignos so de serem honrados pelos cristos!

  • Epstolas Gerais Tiago 23

    TIAGO 2:8-11 8. Todavia, se cumprirdes, conforme a Escritura, a lei real: Amars a teu prximo como a ti mesmo, bem fazeis.

    8. Si legem quidem regiam perfectis juxta scripturum, Diliges proximum tuum sicut te ipsum, bene facitis. (Lv 19:18, Mt 22:39, Mc 12:31, Rm 13:9, Gl 5:14.)

    9. Mas, se fazeis acepo de pessoas, cometeis pecado, e sois redargidos pela lei como transgressores.

    9. Sin personam respicitis, peccatum committis, et redarguimini a lege veluti transgressores. (Lv 19:15, Dt 1:17, 19.)

    10. Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropear em um s ponto, tornou-se culpado de todos.

    10. Quisquis enim totam legem servaverit, offenderit autem in uno, factus est omnium reus.

    11. Porque aquele que disse: No come-ters adultrio, tambm disse: No mata-rs. Se tu pois no cometeres adultrio, mas matares, ests feito transgressor da lei.

    11. Nam qui dixit, Ne moecheris, dixit eti-am, Ne occidas. Quod si non fueris moe-chatus, occideris tamen, factus es trans-gressor legis.

    Agora segue-se uma declarao mais evidente; pois ele assinala expressa-mente a causa da ltima repreenso pois eles eram servilmente atenciosos para com os ricos, no por amor, mas, pelo contrrio, por um vo desejo de alcanar o seu favor. E isto uma antecipao, pela qual, por outro lado, ele prevenia uma desculpa; pois eles poderiam ter objetado e dito que no devia ser acusado aquele que humildemente se submete aos indignos. De fato, Tiago admite que isto verdade, mas mostra que era falsamente pretendido por eles, porque mostravam esta submisso de homenagem, no por amor ao seu pr-ximo, mas por acepo de pessoas. Na primeira clusula, ento, ele reconhece como justos e louvveis os deveres do amor que cumprimos para com o nosso prximo. Na segunda, nega que o respeito ambicioso s pessoas deva ser considerado como desta natureza, pois difere muito do que a lei prescreve. E o ponto crtico desta resposta gira em torno das palavras prximo e acepo de pessoas como se ele tivesse dito: Se pretendeis que existe algum tipo de amor no que fazeis, isto pode ser facilmente contestado; pois Deus nos manda amarmos o nosso prximo, e no fazermos acepo de pessoas. Ademais, esta palavra, prximo, inclui toda a humanidade; ento, aquele que diz que muito poucos, segundo a sua prpria fantasia, devem ser honrados, e outros ignorados, no guarda a lei de Deus, mas se sujeita aos desejos depravados do seu corao. Deus expressamente nos recomenda os estranhos e inimigos, e todos, at os mais desprezveis. A esta doutrina, a acepo de pessoas totalmente contrria. Por isso, Tiago corretamente afirma que a acepo de pessoas inconsistente com o amor. 8. Se cumprirdes a lei real. A lei aqui entendo simplesmente como regra de vi-da; e cumprir, ou realiz-la, guard-la com verdadeira integridade de corao e, como dizem, circularmente (rotunde); e ele pe essa forma de guarda em oposio a uma observncia parcial dela. dito, na verdade, que ela uma lei real, tal como o caminho, ou estrada real ou seja, plana, direta e uniforme o que, por implicao, est em oposio a trilhas e curvas sinuosas.

  • Comentrios de Calvino 24

    Contudo, feita aluso, conforme penso, obedincia servil que eles presta-vam aos ricos, quando podiam, servindo com sinceridade ao seu prximo, ser no apenas homens livres, mas viver como reis. Quando, em segundo lugar, ele diz que aqueles que faziam acepo de pesso-as eram redargidos, ou reprovados pela lei, a lei tomada de acordo com o seu sentido prprio. Pois, como somos ordenados por mandamento de Deus a abraar a todos os mortais, todo aquele que, com algumas excees, rejeita a todos os demais, quebra o vnculo de Deus, e inverte tambm a sua ordem, e , por conseguinte, justamente chamado de transgressor da lei. 10. Porque qualquer que guardar toda a lei. Ele s quer dizer que Deus no ser honrado com excees, nem nos permitir cortar da sua lei o que menos agradvel a ns. primeira vista, esta sentena parece difcil para alguns como se o apstolo aprovasse o paradoxo dos esticos, que torna todos os pecados iguais; e como se ele afirmasse que aquele que peca em uma s coi-sa devesse ser castigado igualmente com aquele cuja vida inteira foi pecami-nosa e perversa. Mas evidente, a partir do contexto, que nada disso se pas-sava pela sua mente. Pois devemos sempre observar a razo pela qual alguma coisa dita. Ele nega que o nosso prximo seja amado quando apenas alguns deles so, por ambi-o, escolhidos, e o restante negligenciado. Isto ele prova porque no obedi-ncia a Deus, quando no prestada uniformemente de acordo com o seu mandamento. Ento, assim como a regra de Deus clara e completa, ou per-feita, do mesmo modo devemos considerar a inteireza, a fim de que nenhum de ns separe presunosamente o que ele uniu. Que haja, portanto, uma unifor-midade, se desejamos obedecer corretamente a Deus. Assim como, por exem-plo, se um juz punisse dez roubos, mas deixasse um homem sem castigo, ele trairia a obliqidade da sua mente, pois assim se mostraria mais indignado con-tra homens do que contra crimes porque o que condena em um ele absolve em outro. Ento agora entendemos o propsito de Tiago ou seja, que, se separamos da lei de Deus o que menos agradvel a ns, ainda que em outras partes seja-mos obedientes, tornamo-nos culpados de tudo, porque em algo particular vio-lamos toda a lei. E, embora ele acomode o que dito ao tema em questo, isto tomado a partir de um princpio geral que Deus nos prescreveu uma regra de vida, a qual no nos lcito mutilar. Pois isto no dito acerca de uma parte da lei: Este o caminho, andai por ele; nem a lei promete uma recompensa, exceto obedincia total. Insensatos, ento, so os escolsticos, que julgam que a justia parcial, tal como a chamam, seja meritria; pois esta passagem, e muitas outras, clara-mente mostram que no existe justia seno em uma obedincia perfeita lei. 11. Porque aquele que disse, ou que tem dito. Esta uma prova do verso ante-rior porque o Legislador deve ser mais considerado do que cada preceito par-ticular isoladamente. A justia de Deus, como um corpo indivisvel, est contida na lei. Ento, todo aquele que transgride um s artigo da Lei destri, at onde pode, a justia de Deus. Alm disso, assim como em uma parte, do mesmo modo em cada parte, a vontade de Deus provar a nossa obedincia. Por isso,

  • Epstolas Gerais Tiago 25

    um transgressor da lei todo aquele que peca quanto a qualquer um dos seus mandamentos, segundo este dito: Maldito aquele que no cumpre todas as coisas (Dt 27:26). Vemos ainda que transgressor da lei, e culpado de todos, significam a mesma coisa, de acordo com Tiago.

    TIAGO 2:12-13 12. Assim falai, e assim procedei, como devendo ser julgados pela lei da liberda-de.

    12. Sic loquimini, et sic facite, ut per legem libertatis judicandi.

    13. Porque o juzo ser sem misericrdia sobre aquele que no fez misericrdia; e a misericrdia triunfa do juzo.

    13. Judicium enim sine misericordia ei qui non praestiterit misericordiam; et gloriatur misericordia adversus judicium.

    12. Assim falai. Alguns do esta explicao de que, como se gabavam dema-siadamente, eles so convocados ao justo tribunal; pois os homens se absol-vem de acordo com os seus prprios conceitos porque se afastam do julga-mento da lei divina. Ento ele os lembra de que todos os feitos e obras al se-ro levados em conta, porque Deus julgar o mundo de acordo com a sua lei. Como, porm, tal declarao poderia t-los afetado de terror imoderado, para corrigir ou mitigar o que poderiam ter considerado severo, ele acrescenta: a lei da liberdade. Pois sabemos o que Paulo diz: Todos aqueles que esto debaixo das obras da lei esto debaixo da maldio (Gl 3:10). Por onde o julgamento da lei em si mesmo condenao morte eterna; mas ele quer dizer, atravs da palavra liberdade, que estamos livres do rigor da lei. Este sentido no completamente inadequado, ainda que, se algum examinar mais precisamente o que vem logo em seguida, ver que Tiago queria dizer outra coisa; o sentido como se ele tivesse dito: A no ser que desejais sofrer o rigor da lei, deveis ser menos rgidos para com o vosso prximo; pois a lei da liberdade idntica misericrdia de Deus, que nos livra da maldio da lei. E, assim, este verso deve ser lido com o que segue, onde ele fala do dever de suportar as fraquezas. E, sem dvida, toda a passagem soa melhor assim: Co-mo nenhum de ns pode permanecer de p diante de Deus, a no ser que se-jamos salvos e livres do rigor estrito da lei, assim devemos agir, para que, por demasiada severidade, no excluamos a indulgncia ou misericrdia de Deus, da qual todos ns precisamos at o fim. 13. Porque o juzo ser. Esta uma aplicao do ltimo verso ao tema em questo, que confirma totalmente a segunda explicao que citei; pois ele mos-tra que, como permanecemos de p somente pela misericrdia de Deus, de-vemos demonstrar isto queles que o prprio Senhor nos recomenda. De fato, uma recomendao singular de bondade e benevolncia, que Deus prometa ser misericordioso para conosco, se assim formos para com nossos irmos; no que nossa misericrdia, por maior que possa ser, demonstrada aos ho-mens, merea a misericrdia de Deus; e sim que Deus deseja que aqueles que ele adotou, assim como ele para com eles um Pai bondoso e indulgente, tra-gam e demonstrem a sua imagem na terra, de acordo com as palavras de Cris-

  • Comentrios de Calvino 26

    to: Sede vs misericordiosos, assim como vosso Pai que est nos cus mi-sericordioso (Mt 5:7). Por outro lado, devemos notar que ele no poderia denunciar nada mais severo ou mais terrvel sobre eles do que o juzo de Deus. Por onde segue-se que so todos miserveis e perdidos aqueles que no fogem para o asilo do perdo. E a misericrdia triunfa. Como se tivesse dito: Somente a misericrdia de Deus o que nos livra do terror e tremor do juzo, ele toma regozijar-se ou gloriar-se no sentido de ser vitorioso ou triunfante pois o juzo de condenao est suspenso sobre todo o mundo, e nada alm da misericrdia pode trazer alvio. Dura e forada a explicao daqueles que consideram a misericrdia expres-sa aqui no sentido da pessoa, pois no se pode dizer propriamente que os ho-mens se regozijam ou se gloriam contra o juzo de Deus; mas a prpria miseri-crdia de certo modo triunfa, e reina sozinha, quando a severidade do juzo diminui; ainda que eu no negue que por esta causa surja a confiana em re-gozijar-se ou seja, quando os fiis sabem que a ira de Deus de certo modo se sujeita misericrdia, de modo que, sendo livrados pela ltima, no so sobre-pujados pela primeira.

    TIAGO 2:14-17 14. Meus irmos, que aproveita se al-gum disser que tem f, e no tiver as obras? Porventura a f pode salv-lo?

    14. Quid prodest, fratres mei, si fidem di-cataliquis se habere, opera autem non habeat? nunquid potest fides salvum face-re ipsum?

    15. E, se o irmo ou a irm estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quoti-diano,

    15. Quod si frater aut soror nudi fuerint, et egentes quotidiano victu,

    16. E algum de vs lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e no lhes derdes as coisas necessrias para o cor-po, que proveito vir da?

    16. Dicat autem aliquis vestrum illis, Abite cum pace, calescite et saturamini; non tamen dederitis quae sunt necessaria cor-pori, quae utilitas?

    17. Assim tambm a f, se no tiver as obras, morta em si mesma.

    17. Sic et fides, si opera non habuerit, mortua est per se.

    14. Que aproveita. Ele passa a recomendar a misericrdia. E, como havia a-meaado que Deus seria um Juz severo para conosco, e ao mesmo tempo mui terrvel, a no ser que sejamos benignos e misericordiosos para com o nosso prximo; e como, por outro lado, os hipcritas objetavam e diziam que a f, na qual consiste a salvao dos homens, suficiente para ns; ele condena agora esta v jactncia. A suma, ento, do que se diz, que a f sem o amor de nada aproveita, e que, por isso, est completamente morta. Mas aqui surge uma questo: Pode a f ser separada do amor? De fato, ver-dade que a exposio desta passagem tem produzido aquela distino comum dos sofistas, entre a f informe e f formada; mas Tiago no sabia nada a res-peito de tal coisa, pois est claro, a partir das primeiras palavras, que ele fala

  • Epstolas Gerais Tiago 27

    da falsa confisso de f; pois ele no comea assim: Se algum tem f, e sim: Se algum diz que tem f por meio de que certamente sugere que os hip-critas se vangloriam do nome oco da f, a qual na verdade no lhes pertence. O que ele chama ento de f uma concesso, como dizem os retricos; pois, quando discutimos um ponto, no faz mal mais ainda, s vezes aconselh-vel conceder a um adversrio o que ele pede, pois, to logo a coisa em si seja conhecida, o que concedido pode ser facilmente retirado dele. Tiago, ento, como estava satisfeito com que este fosse um falso pretexto com o qual os hipcritas se encobriam, no estava disposto a levantar disputa sobre uma palavra ou expresso. Contudo, lembremo-nos de que ele no fala segundo a impresso da sua mente quando faz meno f, mas que, pelo contrrio, dis-puta contra aqueles que faziam uma falsa pretenso quanto f, da qual esta-vam totalmente destitudos. Porventura a f pode salv-lo? Isto o mesmo que se ele tivesse dito que no alcanamos a salvao por um mero e frgido conhecimento de Deus, o qual todos confessam ser mui verdadeiro; pois a salvao vem a ns atravs da f por esta razo porque ela nos une a Deus. E isto no ocorre de nenhum ou-tro modo seno por estarmos unidos ao corpo de Cristo, de modo que, vivendo pelo seu Esprito, tambm somos governados por ele. No existe nada disto na imagem morta da f. Ento, no de se surpreender que Tiago negue que a salvao esteja unida a ela.17 15. Se o irmo, ou, pois, se o irmo. Ele toma um exemplo a partir do que est relacionado com o seu assunto; pois vinha exortando-os ao exerccio dos deve-res do amor. Se algum, pelo contrrio, se jactasse de que estava satisfeito com a f sem as obras, ele compara esta f obscura com as palavras de al-gum que manda um homem faminto saciar-se sem lhe fornecer o alimento de que este est destitudo. Ento, assim como aquele que despede um homem pobre com palavras, e no lhe oferece ajuda, trata-o com escrnio, do mesmo modo aqueles que inventam para si uma f sem obras, e sem nenhum dos de-veres da religio, brinca com Deus.18 17. morta em si mesma. Ele afirma que a f morta em si mesma, ou seja, quando destituda de boas obras. Por onde conclumos que, na verdade, isto no f, pois, quando morta, no retm devidamente o nome. Os sofistas ape-lam para esta expresso e dizem que algum tipo de f existe em si mesma; mas esta objeo frvola e capciosa facilmente refutada; pois suficiente-mente evidente que o Apstolo raciocina a partir do que impossvel assim

    17 Quando ele diz: Porventura a f pode salv-lo?, seu sentido : Porventura a f

    que ele diz ter pode salv-lo? a f que est morta e no produz obras; pois essa claramente a f pretendida aqui, tal como se mostra pelo que se segue. Para tornar o sentido mais evidente, Macknight traduz a sentena assim: Porventura esta f pode salv-lo? ou seja, a f que no tem obras. 18

    Isto aduzido como uma ilustrao assim como as palavras de um homem ao n: Veste-te, quando ele nada faz, no produz nenhum bem, totalmente intil; do mesmo modo aquela f que no produz obras estando como que morta, no pode salvar.

  • Comentrios de Calvino 28

    como Paulo chama um anjo de antema, se tentasse subverter o evangelho (Gl 1:8).

    TIAGO 2:18-19 18. Mas dir algum: Tu tens a f, e eu tenho as obras; mostra-me a tua f sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha f pelas minhas obras.

    18. Quin dicat quispam, Tu fidem habes, et ego opera habeo; ostende mihi fidem tuam sine operibus (alias, ex operibus) tuis, et ego tibi ex operibus meis ostendam fidem meam.

    19. Tu crs que h um s Deus; fazes bem. Tambm os demnios o crem, e estremecem.

    19. Tu credis quod Deus unus est, bene facis; et daemones credunt, ac contremis-cunt.

    18. Mas dir algum. Erasmo introduz aqui duas pessoas como interlocutores, das quais uma se gloria da f sem as obras, e a outra das obras sem a f; e ele acredita que ambas finalmente so refutadas pelo Apstolo. Mas esta viso parece-me forada demais. Ele acha estranho que isto devesse ser dito por Tiago: Tu tens a f o qual no admite nenhuma f sem obras. Mas nisto ele est muito enganado, porque no percebe uma ironia nestas palavras. Ento, entendo no sentido de no, mas antes; e no sentido de algum pois o propsito de Tiago era expor o orgulho insensato daqueles que imagina-vam que tinham f, quando, pela sua vida, mostravam que eram incrdulos; pois ele sugere que seria fcil para todos os fiis que levavam uma vida santa despojar os hipcritas dessa jactncia com que estavam inchados.19 Mostra-me. Embora a leitura mais aceita seja: pelas obras, a Antiga Latina mais apropriada, e a leitura tambm se encontra em algumas cpias gregas. Portanto, no hesitei em adot-la. Ento, ele manda mostrar a f sem as obras, e assim raciocina a partir do que impossvel, para provar o que no existe. Portanto, ele fala ironicamente. Mas, se algum prefere a outra leitura, ela re-dunda na mesma coisa: Mostra-me pelas obras a tua f pois, como ela no algo inativo, necessariamente dever ser provada por meio das obras. O sen-tido ento : A menos que a tua f produza frutos, eu nego que tenhas qual-quer f.20

    19 Eu traduziria o verso assim: Mas algum pode dizer: Tu tens f, eu tambm tenho

    obras; mostra-me a tua f que sem obras, e eu te mostrarei a minha f pelas minhas obras. o mesmo que se ele tivesse dito: Tu tens apenas a f, eu tenho tambm as obras em acrscimo minha f; agora, prove-me que tu tens a verdadeira f sem ter obras conectadas a ela (o que era impossvel, por isso chamado de homem vo, ou cabea-oca, em Tg 2:20), e eu provarei a minha f pelos seus frutos, a saber, as boas obras. 20

    Griesbach e outros consideram como a verdadeira leitura, favorecida pela maioria dos manuscritos, e encontrada na Siraca e na Vulgata. Este verso uma chave para o sentido de Tiago; a f deve ser provada por meio das obras; ento, a f propriamente justifica e salva, e as obras provam a sua autenticida-de. Quando ele diz que o homem justificado pelas obras, o sentido, de acordo com este verso, de que o homem provado pelas suas obras que est justificado, sua f

  • Epstolas Gerais Tiago 29

    Mas, pode-se questionar se a justia de vida exterior uma evidncia segura da f. Pois Tiago diz: Eu te mostrarei a minha f pelas minhas obras. A isto eu respondo que os incrdulos s vezes se sobressaem em virtudes especiosas, e levam uma vida honrosa, livre de todo o crime; e, por isso, obras aparentemen-te excelentes podem existir parte da f. E, na verdade, Tiago tambm no defende que todo aquele que parece bom possua f. Ele quer dizer apenas isto que a f, sem a evidncia das boas obras, pretendida em vo, porque sem-pre nasce fruto da raiz viva de uma boa rvore. 19. Tu crs que h um s Deus. A partir desta nica sentena, torna-se eviden-te que toda a disputa no sobre f, e sim sobre o conhecimento comum de Deus que no pode conectar os homens a Deus mais do que a vista do sol pode lev-los ao cu; mas certo que, pela f, chegamos perto de Deus. Alm disso, seria ridculo se algum dissesse que os demnios tm f; e Tiago prefe-re-os a eles do que aos hipcritas, neste aspecto. O diabo estremece, diz ele, meno do nome de Deus, porque, quando reconhece o seu prprio juz, en-che-se de temor dele. Ento, aquele que despreza um Deus reconhecido muito pior. Fazes bem dito com o fim de extenuar como se ele tivesse dito: , certa-mente, algo magnfico ficar abaixo dos demnios!21

    TIAGO 2:20-26 20. Mas, homem vo, queres tu saber que a f sem as obras morta?

    20 Vis autem scire, O homo inanis! quod fides absque operibus mortua sit?

    21. Porventura o nosso pai Abrao no foi justificado pelas obras, quando ofere-ceu sobre o altar o seu filho Isaque?

    21. Abraham pater noster, nonne ex ope-ribus justificatus est, quum filium suum Isaac super altare?

    sendo, por meio disso, revelada como uma f viva, e no uma f morta. Podemos bem nos surpreender, assim como Doddridge, de que algum, tendo em vista toda esta passagem, pense que haja alguma contrariedade, no que dito aqui, com o ensino de Paulo. A doutrina de Paulo, de que o homem justificado pela f, e no pelas obras ou seja, por uma f viva, que opera atravs do amor perfeitamente consistente com o que diz Tiago ou seja, que o homem no justificado por uma f morta, e sim por aquela f que prova o seu poder vivo produzindo boas obras, ou prestando obedi-ncia a Deus. A suma do que Tiago diz que uma f morta no pode salvar, e sim uma f viva, e que uma f viva uma f operante uma doutrina ensinada por Paulo, assim como por Tiago. 21

    O propsito de se aludir f dos demnios parece ter sido este mostrar que, em-bora um homem bom possa crer e tremer, se no obedece a Deus e no faz boas o-bras, ele no tem verdadeira evidncia da f. A f obediente a que salva, e no ape-nas a que nos faz estremecer. A relao com o verso precedente parece ser a seguin-te: no primeiro verso, o ostentador da mera f desafiado a provar que a sua f ver-dadeira e, portanto, salvfica; o desafiador provaria pelas suas obras. Ento, neste verso, aplicado um teste mencionado o primeiro artigo de f: Seja que creias nisto, contudo esta f no te salvar os demnios tm esta f e, ao invs de serem salvos, eles estremecem.

  • Comentrios de Calvino 30

    22. Bem vs que a f cooperou com as suas obras, e que pelas obras a f foi aperfeioada.

    22. Vides quod fides cooperata fuerit ejus operibus, et ex operibus fides perfecta fuerit?

    23. E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abrao em Deus, e foi-lhe isso impu-tado como justia, e foi chamado o amigo de Deus.

    23. Atque implenta fuit scriptura, quae dicit, Credidit Abraham Deo, et imputatum illi fuit in justitiam, et Amicus Deo vacatus e