Camilo Castelo Branco - A Senhora Rattazzi

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Camilo Castelo Branco - A Senhora Rattazzi

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  • A SENHORA

    RATTAZZI POB

    CAMILLO CASTELLO BRANCO

    LIVRARIA INTERNACIONAL DE

    PORTO E BRAGA

    r88o

  • h.&.I!'ORD ':CllEGE UW11Aft ' clt1 C' q~;H, (UL~lll

    C~LL[;;f!ON 1 f I OF

    JOH" ~ S:ETSON, J~

    ~ ' ~ '2-1, I 9 'l.

  • EPOIS de estudar os portuguezes e as portuguezas com frequentes visitas celebradas por menus economicos e

    nsos de ironia larga, a snr. Rattazzi concebeu das suas impresses viris e masculas um livro que deu luz em janeiro, e denominou PoR-TUGAL VOL D10ISEAU. PoRTuGAIS ET PORTU~ GAISES.

    -' Eu, creado no velho noticiaria, tendo de an

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    nunciar o producto d'uma dama dado luz, antes quizera, em vez d'um livro bom, annun-ciar um menino robusto. Acho muito mais sym-pathica a feminilidade das mies pallidas, com olheiras, emaciadas, que aconchegam dos seios exuberantes a criancinha rosada, recem-nasci-da. Nilo me commove nem alvoroa o especta-cuJo d'uma authora que se remira e envaidece na brochura que deu luz, obra entre cinco e sete tostes - 7 40 reis com estampilha. Por isso, antes quero noticiar um menino robusto que um oitavo compacto.

    Principia a snr.a Rattazzi por declarar com raro entono que conta e pinta o que viu 1em cle-ferencias pessoaes nem preoccupaFJes do que a seu respeito se possa dizer ou pensar. Bom is-so. O menospreo que a escriptora liberalisa opinio publica portugueza permitte critica o dispensar-se de gra~des melindres. vontade.

    s~ alguem me arguir de bastante descosido no exame do livro, queira ll-o com paciente pa-

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    chorra, e ver que eu bispontei sobre os alinha-vos atrapalhados da senhora princeza. Se me acharem um pouco em mangas de camisa, fa-am-me o favor de vr que a shocking irlan-deza nos visita de penteador de rendas trans-parentes e chineJinha de chinchilla.

    Calumna, apenas com~a, affirmando, con-tra o caracter d'esta boa gente portugueza, que D. Pedro v, e os infantes D. Luiz, D. Joilo e

    '

    D. Augusto foram atacados do typho-arsenical -envenenados. Uns morreram. D. Augusto fi- . cou atarantado, mas com graa - uma timidez 'IZOn dpourvue de charme; e D. Luiz, esse, teve de la chance:- que duas vezes fra preservado da sorte de Britannicus. Exceptuados os gre-mios palurdios d'algumas boticas de provincia, ninguem hoje repete semelhantes atoardas. Quando q uizeram por odio politico enlamear a reputao immaculada d'um duque, desembs-taram-lhe o venabulo ao rosto sereno. A calum-nia cahiu ento, e levantou-se agora na indis-creta o~ra mexeriqueira da snr.a Rattazzi.

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    Avaliando o clero portuguez, manda lr o CRIME oo PADRE AMARo. Um romancista habil engenhou um padre mau que afoga um filho, uma perversidade estupida e quasi inverosimil em Portugal, onde os padres criam os afilhados paternalmente. Eis, segundo ella, o typo da cle-rezia portugueza, o padre Amaro. A snr.a Rat-tazzi geme escandal~sada sobre a corrupo do sacerdocio, e cita o romance.

    Do clero naturalmente deriva para o culto. A respeito do S. Jorge da procisso de Corpus-Christi, a p1inceza espirra fagulhas de espirito forte, d'um voltairismo sedio, com um desplan-te extraordinario em mulher. No se cohibe de gracejar com o symbolismo sempre respeitavel quando inculca, seja como fr, uma religio e uma moral- cousas consu bsianciaes. Nilo a re-tm a senhoril e prudente moderao de Sta~l e Sand, e sobretudo o feminil decoro de viuva duplicada, de mi e de velha, embora os atavios faam pirraa chronologia. Moteja das pompas religiosas no tom das twrlupinades da petrolista

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    Andr Lo, e arma risada com facecias d'um alumno da escla-militar que leu o TESTAMENTO DE JEAN MEsLIER e o CITADOR de Lebrun. Mu .. lher irreligiosa uma razo perdida no vacuo da consciencia; mas a que faz praa da sua in-credulidade cousa repugnante, tanto monta ouvil-a na sala como na taberna. Sobre materia intrincada de cultos, presume que o enigma po-deria ser 1esolvido pelo bispo de Visens, Alves Martius. Este nome est bastante corrompido para se pensar que o prelado de Visens Martius um bispo mosarabe, coevo do duque de La-fres, com diphthongo.-

    Deturpar nomes de bispos e duques pouco importa; muito peor divulgar, cerca das rea-lengas aspiraes d'uma duqueza benemerita de respeito, umas chocalhices cochichadas nas sa-las, mas nunca escoadas pelo esgto da impren-sa sria. Allude em termos esbandalhados de

    actri~z patusca ao duque, marido d'essa duque-za, e attribue s barrigas das senhoras portu-guezas um exquisito predominio abdominal so-

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    bre os esposos. Umas pochades de nenhum modo senhoris, can-can de sobre-loja entre cos-tureiras que bebem do fino e teem namoros nas cavalharias do pao.

    Do duque de Saldanha repete anecdotas chinfrina que pem gargalhadas sobre a campa do bravo caudilho a quem D. Pedro IV agrade-ceu a cora de sua filha. E o duque de Saldanha - conta o. princeza - apresentou-lhe a esposa no seu palacio d'ella em Antin. Assim zomba a snr.a Rattazzi dos seus amigos mortos e matra-qua Saldanha _que a visitava, quando o Fioaro a escarnecia e Pelletan lhe desenhava o perfil na NouvELLE BABYLONE.

    Est a caracter quando, annotando um arti-go espirituoso do Pimpllo, explica Europa o que o cPerna de pau e a Ilorta das tripas (Jardin des tripes). Falla muito de fao?dtes que a incommodam, e diz que Vm. a o diminuti-vo de V. Exc.a Investigando alinguistica, obser~ va que no diz.emoij o rei1 mas e~-rei; e que o el

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    recordao mourisca e vestigio da oooupao dos arabes. Confunde o artigo hespanhol el (do latim ille) com o artigo arabioo 'lll, prefixo a mui-tas palavras portuguezas. As Therezas phoso-phas silo muito mais vulgares que as Therezas philologas. Diz que o nosso ai Jesus! tambem musulmano, e o se Deus quizer tambem vesti-gio ara bico. uma mulher das arabias, ella!

    Penetra na vida intima dos portuguezes, no segredo dos seus amores castos, amor que s os olhos exprimem. No gosta. Acha isto semsabo-ria, e chama-lhe paix& ~ olhadas, para exprimir bem portuguezmente a cousa. Casa Havaner za, onde se refastelam muitos dos taes c apaixo-nados das olhadas, chama clubo des bavards. Diz que em Portugal as meninas de doze annos tem olhadas e carteiam-se. Acrescenta que ra-ra uma mulher galante portugueza; mas que os homens silo, na generalidade, bonitos e bem fei-tos - beaux et bien faits. Isto captiva a gente. Contou alguem princeza a historia fresca de um velho par do reino c que se lambia dizendo a

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    paixo que inspirra a uma joven que s6 bei-ra d'elle sentia o lyrismo e as. delicias do amor. A snr. 11 -Rattazzi espantou-se, e do velho idiota inferiu que em Portugal todos os velhos se lam-biam d'amor.

    Foi aos touros; viu os capBlhas portuguezes, e os torreros e os forados (forcados) que ella diz assim chamarem-se, forados, porque foram os applausos. Est em primeira mo esta sandice. (Se o leitor quizer corrigir a minha indelicadeza, onde est sandice leia sandwiche). Nos theatros da 'Prinidade e do Principo, desagradou-lhe o pessimo costume de pateader. Diz que as obras do theatro de S. Oa1los foram dirigidas por San-to Antonio da Cruz Sobral. L f6ra ha de cuidar-se que temos um Santo Antonio de Lisboa para os milagres e outro Santo Antonio da Cruz pa-ra os theatros.

    Sobre politica decifra alguns artigos bons do Pimpo e guiza varias beldroegas de sua lavra. Entra bem na questo financeira, na fiduciaria,

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    dos Bancos, no escandalo das loterias e do jogo. Faz um moral opusculo em assumpto de rolta.

    Tratando de jomaes, traslada e- traduz an-nuncios aphrodisiacos do Diario de Noticias, e diz que o snr. Thomaz Antunt>8 moco fidalgo. O snr. Antunes no fidalgo moco; tem a cedi-lha: saiba-o a Frana. Do Jornal da Noite, es-creve que A. A. Texero de V asconcellos noticia-va principalmente anniversarios e nascimentos, dava a lista dos numeros mais premiados na lote-ria, e d'isso ia vivendo. Assim atassalha a snr.& Rattazzi a reputao jornalistica do mais rijo pul-so athleta que teve a arna dos gladiadores politi-cos -o rival de A. Rodrigues Sampaio. Nem A. Augusto era outra cousa. Logo . veremos como ella conceitua socialmente .o seu conviva e pa-negyrista.

    Menciona como collaboradr da Gorrespon-dencia de Portugal o snr. Rodrigues de Treitas. Se lhe chama 'Pretas ao illustrado e honesto re-publicano, merecia uma descompostura.

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    Tambem versa a questo cornigera dos ga-dos, eles bestiaua:. Louva, ao intento, um Relato-rio do snr. conselheiro Morres Soares. Morres? Longe v o agouro. Desejo que o snr. Mo-raes Soares viva muitos annos, para nos dar muitos relatorios sobre bestiaux, e mais oooasies a que esta princeza se occupe das nossas vaccas -objecto em que ella a unica senhora concor-rente com as leiteiras saloias.

    Em uma pagina util e talvez a unica pro-veitosa aos viajantes, informa cerca dos boteis. Diz que no c Hotel de Lisbonne ha muitos ra-tos; no cAlliana persevejos; e no c Gibraltar baratos (no confundir preos baratos com c ba-ratas, ou ccarochas ). Depois d'esta assevera o impugnavel, esteia a sua affirmativa em uma passagem do Cousin Bazilio onde se l que em Lisboa ha persevejos. Luxo escusado de erudi-o. Os persevejos em Lisboa so d'uma tama-nha evidencia fetida e mathematica que se dis-pensava o testemunho do snr. Eca de Queroz que vem citado como Plinio para oslacros, e Livin-

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    gstone para a Tsetse:fly, mosca mortifera d Africa.

    Espanta-se. dos muitos Burnay que em Lis-boa exercitam varios ramos de industria. Acha que a Lusitania, n'este medrar de Burnay, vir a chamar-se Bu,rnaisie. Depois escreve : R faut mentionner, ne ft ce que pour faire contraste, les Gallegos a cotB des Burnay. Les uns exploi-

    . tent, les autres sont exploits. Esta princeza, com quem o snr. Ramalho trocou o seu francez pari-siense, de certo ouviu dizer ao festejado escri-ptor que a familia Bumay um grupo de ho-mens honrados e laboriosos que no se pejam de ser defrontados com outros homens honestos e trabalhadores embora procedam da Galliza; mas no exploram: trabalham e colhem, quando lh'o no desfalcam, o estipendio honesto das suas fadigas.

    Esteve a snr.a Rattazzi em Pedroncos e Massa. O leitor que j lhe conhece o processo da orthographia geographica, entende que ella

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    esteve em Pedrouos e Mafra. Exhibe as vulga-ridades obrigatorias, e d-nos a noticia inedita e lisonjeira de que Byron chamou a Ointra glo-rious Eden.

    Espeta-se na historia da li~teratura portu-gueza, lamentando que no haja uma grammati-ca o:fficial. Ha dez ou dQze o:fficialmente approva-das; mas no isso que a snr.a Rattazzi preten-de : quer uma grammatica o:fficial, uma cousa em que os poderes legislativo e moderador de-cretem positivamente o que ha sobre o gerundio c o particpio indelinavel. Depois, estabelece a fileira dos escriptores classicos, e manda lr as Cartas de Marianna de Alcofarrada. Infausta freira! um francez atormentou-lhe o corao: e uma irlandeza martyrisou-lhe o appellido. Alco-farradal Credo!.

    Trata dos Autos, mysterios christos poste-riores s Judarias- uma perfeita judiaria d'esta litterata; - e conclue que as melhores peas do theatJ.o moderno portuguez so a Nova Castros

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    de Joo B. Gomes, e a Osmia da condessa de Vimieiro. Convm saber que o Gomes e a con-dessa esto enterrados ba bons 70 annos. Tem este modernismo.

    Em seguida, pe frente do progresso dra-matico Jos Freire de Serpa, Alexandre Hercu-lano, e mais o snr. Ennes. Esto bem postos to-dos tres.

    Entre os oradores especifica o conde de Tho-maz; e, como Manoel Passos dava eloquencia a dous, fez d'elle dous oradores-um orador Silva, e outro orador Passos. Diz que Rodrigues Sam-paio o primacial do jornalismo litterario;

    no chega a attribuir-lhe algum solo. Quanto a Almeida Garrett, escreve que era um catholico cheio de f e sem philosophia, e por isso no fez escla nem discipulos. ldas parvoinhas do snr. Theophilo Braga.

    Conta que Alexandre Herculano viera em 1836 da emigrao que lhe inspirra a HARPA

    ~

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    no CRENTE. A emigrao o mais que inspirava era bacamartes de bocca de sino, no era harpas de crenas. Que Alexandre Herculano, antes de emigrar, estivera ao servio de D. Miguel-qu'il avait servi d'abord. E, no restante, as idas do snr. Ramalho expendidas nas FARPAs, mas um pouco deturpadas. Aquelle grande homem, Her-culano, segundo conta a snr. a Rattazzi, visitou-a e levou-lhe os seus livros. Diz ella que foi a ulti-ma visita que fez o eminente escript01. Se isto verdade, foi a ultima e talvez a primeira as-neira da sua vida.

    Contra Castilho, f9z-se echo das inepcias do snr. Theophilo Braga:-que elle conhecia im-perfeitamente as lnguas de que traduisait, tra-duisait, traduisait. Castilho aos vinte annos fa-zia versos latinos como Virglio e francezes como Lamartine.

    Tagarellando contra os classicos, a boa da romantica diz que surgiram em Coimbra os dis-sidentes da velha esc6la. Os dissidentes eram

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    Rebello da Silva, Mendes Leal, Latino Coelho e Lopes de Mendona. Sim, estes innovadores sahiram de Coimbra com o estandarte da. rebel-lio arvorado. Ora, Rebello da Silva, como o re-provassem em latim, no voltou a Coimbra; Mendes Leal e Latino Coelho nunca frequenta-ram a universidade, e Lopes de Mendona nilo sei se chegou a matricular-se em mathematica. D'esteinfeliz luctador, submerso em trevas quan do as espancava com vertiginosa ancia de luz, diz a ignorante que elle consumira a maior par-te da mocidade em dissipaes. Meu pobre ami-go, tu que aos quinze annos trocavas por po escasso os teus primeiros lavores, nilo merecias ser apontado como victima de tuas dissipa-es.

    Contra Mendes Leal, a casquilha poetisa em annos de prosa ejacula injuriosas calumnias de plagiatos, e accusa entre os livros d'este escri-ptor verdadeiramente polygrapho o CALABAR, um romance em que Mendes Leal declara que parte do seu livro imitao. O author da HE-

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    RANA DO HANCELLER, a meu vr, nas suas oc-cupa~.es diplomaticas em Paris, no tem tido vagar para attender s princezas vadias.

    De Rebello da Silva conhece Odio, Velho vraO cauca, e a c Ultima corrida de touros reas em Salvatqrra , um bom titulo para uma si-mulcadencia muito forte, peninsular, talvez ves-tigio arobe. A snr. Rattazzi, que assim escrve a lngua portugueza, prope-se traduzir a HISTO-RIA DA INQUISIO de Herculano. Em inquisio de torturas vai ella pr a pobre lingua, que ain-da assim possue uma palavra energica para in-terpretes d'este quilate. Byron, encantado com a sonoridade do termo, transmittiu-o como mimo philologico ao seu amigo Hodgson. Elia que o fareje. Est na carta 37. da colleco de Tho-maz Moore-bom documento ethnologico que esqueceu ao snr. Alberto Telles no seu interes-eantissimo livro LoRD BYRON EH PORTUGAL.

    As insolencias que desembsta cabelleira de Bulho Pato como se explicam? Elia, prefa-

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    oiando um drama que peorou co~ o seu fran-cez, disse que Alexandre Herculano escrevra um opusculo .contra o imperador do Brazil, e que o imperador, sem embargo da o:ffensa, vin-do a Portugal, visitra Herculano. A snr.a Rat-tazzi, muito admirada, perguntou, em Paris, ao imperador que lhe contra o caso da offensa e da visita: Visitou Herculano, Sire? E D. Pedro u respondeu com um sorriso fino: Sim, de certo, visitei-o. Deveria eu castigar-me a mim por comprazer com o meu despeito?

    Leu isto Bulho Pato, e sahiu honrada . e severamente contra a calumnia ; e vai ella ago-ra, no livro PoRTUGAL a v& de ps8ara, expli-ca o prefacio da comedia dizendo que se enga-nou-porque .lia muita cousa-attribuindo as FARPAS a Herculano; e acrescenta que o im-perador no lhe emendra o blunder, o equivo-co desgraado, ouvindo-a sem lhe corrigir o erro. Mas a snr. Rattazzi, no tal prefacio 881'&-pant.o, diz que o proprio D. Pedro u lhe con-tra que elle, o:ffendido, visitra o offensor: Don

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    Pedro me l' apprit lui mBme a l'h6tel d' .A.qua. Uma trapalhona !

    Bulho Pato emendou a parvolza da snr. a Rattazzi ; e ella, em vez de se agachar contrita na humildade das tolas conscienciosas, ergue-se nos taces benoiton, e faz chalaas de estaminet entre dous petits-verres de anisette.

    Dos meus futeis romances tambem chnlac& e no anda mal;-que todos os meus livros se adivinham do terceiro em diante: um brazileiro, um namorado sentimental, e uma menina em convento. Cita quatro novellas, e por casualida de nenhuma d'ellas tem brazileiro; porm, quan-to a namorados, so tantos que nem a senhora princeza capaz de ter tido mais.

    No merito de Julio Diniz faz os descontos que o snr. Ramalho lhe incutiu. Tenciona fallar de Soares de Posses, poeta portuense, cuja ele-gia do sepulchro, diz ella, se canta nas ruas. Exalta o snr. T. Braga que escreveu a Vildo

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    das tempes, e As tempos tades sanoras, a cHis-toria do direitor portuguez , e os c Tracos ge-raes da philosophia positivia. No se sabe se quer dizer 'l'raos ou 'Jlrancos; talvez seja 'Pra-tos, ou mais provavelmente 'Jlrapos, se no fr cousa peor. Seja o que fr, pertence philoso-phia positivia.

    Diz que o snr. Luciano Cordeiro um dra-maturgo original: parece que a originalidade do snr. Luciano Cordeiro est em no ter escripto drama algum.

    Reflexionando conspicuamente sobre a nos-sa deploravel instruco publica, ahe-lhe d molde contar que n6s, os portuguezes, a um brazileiro que passa chamamos macaca. Que o brazileiro vai passando, e n6s dizemos: una macaca.

    No tanto assim ; no se lhe desfigura o sexo. Se a princeza, ao passar, ouviu dizer: ~ una macaca, isso no era com o brazileiro.

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    E a proposito de macaco:

    T~ndo esta dama escripto lisonjeiras cousas da gentileza e bonito feitio dos homens portu-guezes, exceptuou caprichosamente um criado do Hotel Mondego, o Jos Macaque. Diz que elle tem uma fealdade socratica. Eu no affirmo que Jos Macaco seja um galan com o perfil de Bathylo de Samos nem os tres quartos do Cu-pido de Corregio. Anacreonte de certo lhe no toucaria as louras madeixas de pampanos e ro-sas de Teos; nem me persuado que Sodoma ar-desse por ~ausa d'elle ou de mim. Assim mesmo, sem algum motivo estranho plastica, a prin-ceza Maria Letizia, indisposta com Jos Macaco, no lhe perpetuaria no seu livro ~orno em um bronze de Esopo, a fealdade. Devia de haver uma causal esthetica para injuria to despropor-cionada com as culpas arguidas a Jos Macaco. Sua alteza no o baldeava zombaria dos secu-los porvindouros pelo delicto de lhe no servir mayonnaise de lagosta a la gele1 nem mexilhJes prooenal. Indaguei, por intermedio d'um meu

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    amigo em Coimbra, quaes as causas ingentes dos odios assanhados pela Discordia igni voma, como diria Homero, entre Macaco e Princeza. Tentaria ella como o hediondo Thersites da !Lu-DA arrancar com suspiros absorventes os olhos meigos da nova Pantasilea? Trato de averiguar. Se a resposta nilo vier a tempo, dar-se-ha em ap-pendice supplementar

    Trata com amoravel equidade o snr. G-. Junqueiro. Acha-lhe bellas cousas no seu don Jood, e que reala no estylo menineiro, en-fantin. O snr. Junqueiro, se bacorejasse este obsequio, no mettia na sua VIAGEM J.. RODA DA PARVONIA uma Princeza Ratazana, cem toilette myrabolante, cheia de pedrarias e plumas . A princeza Ratazana da fara d um jantar a lyri-cos e satanicOR, e canta:

    um paiz singular A patria dos malmequeres I Pde-se dar um jantar Ficando os mesmos talhMes.

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    Mas os convivas, a quatro libras por cabea, -o snr. Guerra, 9ratis-pem-se nas flautas, e ella aby~ma-se no buraco do ponto. A troa est

    , impressa. Guerra Junqueiro vingou A. A. Tei-xeira de V asconcellos.

    Este escriptor, prodigo de gabos e cortezias aos seus collegas, houve-se cavalheirescamente com a pr\nceza. Fez folhetim heraldico da sua raa corsa, do espirito e dos livros que eu ape-nas conhecia de lh'os vr citados no DrcTION NAIRE DE L1ARGOT PARISIEN, por Lordan Lar-chey, Paris, 1872. Elia authoridade em giria. Antonio Augus~o achava-lhe talento, e ia jantar com ella. O escliptor morreu; e a snr. Rattazzi celebra d'est'arte a memoria do seu panegyrls-ta e hospede:

    c.Antonio-.Au9usto Texeiro de Vasconcellos. c O Casa nova portuguez 1 Seria de mais cha-

    1 Quem houver lido as MsKOBIAB B CAu MOVA, um patife no genero Lovelace peorado, tem comprehendido a crueza da comparao.

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    c mar-lhe celebre, mas notavel por muitas dia-c tinces, sim. A primeira pelos grossos escan-c dalos que datam j de Coimbra, onde estuda-c va ; depois por grandes farolices de que uns criam, e outros choravam. Por algumas foi as-c peramente castigado. O que elle podia melhor c escrever eram as suas memorias; com certeza, ctinha com que alvoroar a curiosidade publi-c ca. Pensaria n'isso? provavel que sim, mas cfaltou-lhe o tempo. Como quer que fosse, eBsas cmem01ias s6 poderiam publicar-se depois d'elle cmorto; se as publicasse em vida, correria o pe-

    . rigo de o espatifarem. uma princeza a es-crever d'um homem fallecido que a inculcra litterata distincta no Jornal da Noite, mentindo gente por um excesso de cavalheirismo fidal-go que o desculpa, e mais relevante faz resaltar a ingratido da leitora do Casa nova. Cana-lhice.

    A snr. Maria Letizia esteve no Porto, onde cviu o lindo riacho, Rio de Viela que atravessa

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    diversas ruas; conversou com a Rnr! Alveolos, ingleza gorda que, por signal, a nlo percebeu. Conta-nos- digno Plutarcho- a biographia da estalajadeira do F'rancfort, e viu a confraria dos Pnitents rouges a descer da collina para o rio, 6 parar com tochas accescu cf porta d'uma casa mourisca com vidraas coloridas, 6 paredes e&mal-tadas de adobes azues. Que diabo de viso ! O Hoffmann no veria isto no Porto sem beber muito de 1815. Os penitentes vermelhos/

    Tambem esteve em Gedeifata e no palacio de crystal, acompanhada par l6 savant docteur Ri-cardo Gosta. admiravel como ella, n'um lance d'olhos, apanhou as linhas intellectuaes e scienti-ficas do senhor doutor Ricardo Costa! Quantas pessoas andam duzias de annos volta d'um sa-bio sem o penetrar!

    Na carta xxm, esta mirifica epistolographa mette a riso a nossa pronuncia nacional, os sons nasaes, as desinencias em o8s e em a8, que se pronunciam ouenche, anhon com um accento

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    violento de nariz que s6 bem p6de imitar-se pe-cgando n'este appendice com a mo toda para c bem proferir o portugaison. Sim, elle preciso pegar no appendice para bem pronunciar o por-tugaison.

    Vence-me o tedio; mas no me punge o re-morso de ter lido 415 paginas. Tenho, porm,

    vergonha de que um ou outro portuguez, des-nacionalisado por despeitos pessoaes e politicos, se compraza de vr os seus conten-aneos enxo-valhados pela snr. Rattazzi.

    Esta creatura, se em vez dos puffs usasse calas e voltasse a Portugal, de certo acharia quem lhe dsse umas. Tem por si o arnez da fragilidade, posto que as senhoras um pouco durazias, e por isso menos quebradias, devem ater-se menos irresponsabilidade das qualida-des vidrentas. Em todo o caso, a gente admi-ra-se, porque esta especie de extravagancia no

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    vulgar, e s6 p6de perdoar-se ao talento que a snr. Rattazi no professa. Tenha paciencia. uma patarata, a ragged woman, com uns quin-dins . de mauvais aloi, trescalando a boudoir-Lenclos, com umas guinadas de verve, barrufa-das de clicot frapp. De resto, uma princeza que nos faz lembrar, quanto aos seus diplomas principescos, a rainha Jacintha de negra memo-ria, e quanto aos seus morgadi~s realengos no nos parece mais donataria que a illustre senho-ra da ilha das Gallinhas. Em concluso: o seu livro no cano de escorrencias muito nausea-bundas, nem canal de noticias uteis, tirante a dos hoteis infamados de pe~evejos ; no pois cano, nem canal; mas canudo, porque custa sete tostes ; e-v de calo - como troa e bexiga, caro.