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8/20/2019 Caminhos Para Uma Palhaça - Investigação a Partir Da Obra de Avner, The Eccentric - BARBOSA, Ana Carolina Tor… http://slidepdf.com/reader/full/caminhos-para-uma-palhaca-investigacao-a-partir-da-obra-de-avner-the 1/150 1 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas Curso de Mestrado ANA CAROLINA CARVALHO TORRES BARBOSA (ANA CAROLINA SAUWEN) CAMINHOS PARA UMA PALHAÇA: INVESTIGAÇÃO A PARTIR DA OBRA DE AVNER, THE ECCENTRIC RIO DE JANEIRO 2011

Caminhos Para Uma Palhaça - Investigação a Partir Da Obra de Avner, The Eccentric - BARBOSA, Ana Carolina Torres

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Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIOPrograma de Pós-Graduação em Artes Cênicas

Curso de Mestrado

ANA CAROLINA CARVALHO TORRES BARBOSA (ANA CAROLINASAUWEN)

CAMINHOS PARA UMA PALHAÇA: INVESTIGAÇÃOA PARTIR DA OBRA DE AVNER, THE ECCENTRIC

RIO DE JANEIRO2011

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ANA CAROLINA CARVALHO TORRES BARBOSA (ANA CAROLINA SAUWEN)

CAMINHOS PARA UMA PALHAÇA: INVESTIGAÇÃO APARTIR DA OBRA DE AVNER, THE ECCENTRIC

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Teatro doCentro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio deJaneiro, como requisito parcial para obtenção do grau de mestre emTeatro.

Linha de pesquisa: Processos Formativos e Atuação Cênica

BANCA EXAMINADORA:Profa Dra. Nara Keiserman (UNIRIO) (Orientadora)Profa. Dra. Ana Lucia Martins Soares (Ana Achcar) (UNIRIO) - titularProfa. Dra Juliana Jardim (USJT) - titularProfa. Dra Jacyan Castilho (UFBA) –  suplenteProf. Dr. Paulo Merisio (UNIRIO) - suplente

RIO DE JANEIRO2011

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AGRADECIMENTOS

À Profa. Dra. Nara Keiserman pela generosa recepção ao convite de me guiar nesta pesquisa.

Pela orientação cuidadosa, atenta e gentil com que me contemplou durante todo este tempo.Pela sua deliciosa gargalhada que animava as manhãs de ensaio. Pela amizade e o afeto. Pelos

ensinamentos obtidos graças ao seu modo de pensar a pesquisa em teatro, sempre a

aproximando da vida e calor que regem o palco, mas sem deixar de lado o necessário rigor

acadêmico.

À Flávio Souza que foi um dos meu primeiros professores de palhaço, para depois se tornar

muito mais : amigo, colaborar artístico e companheiro na admiração infinda pelo trabalho de

Avner. Obrigada ainda pelo olhar que dedicou à minha investigação prática, trazendocontribuições inestimáveis ao longo de todo o processo.

À Profa Dra. Ana Achcar, por ter sido a primeira a vislumbrar a palhaça quando até para mim

ela era apenas um aceno distante e por ter conduzido tão bem os meus primeiros passos nesse

caminho torto. Agradeço também pela valiosa contribuição na banca de qualificação e por ter

aceitado o convite de integrar a banca de defesa.

Ao Prof. Dr. Angel Palomero, pelos ensinamentos adquiridos nos anos de trabalho ao seu ladoe que ficam para toda a vida: o fortalecimento do lugar de artista-criadora e um inigualável

modelo de ética e amor pelo teatro.

Ao Prof. Dr. Paulo Merisio, por ter composto a banca de qualificação, trazendo questões

fundamentais para o aprofundamento da pesquisa e por ter aceitado o convite para a suplência

da banca de defesa. Obrigada também ao Monsieur, le professeur, pelos enriquecedores

aprendizados em sala de aula.

À Profa Dra. Juliana Jardim, por ter aceitado fazer parte da banca de defesa e pelas ricas

trocas que já me proporcionou, através da leitura de sua produção a respeito do palhaço e do

 bufão.

À Profa. Dra. Jacyan Castilho, por gentilmente ter aceitado o convite de compor a suplência

da banca de defesa desta dissertação.

À Da Guia, pelo permanente sorriso e disponibilidade para ajudar em qualquer coisa que se

mostrasse necessário.

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Aos companheiros de curso Paulo Trajano e Fernando Maatz, pelas trocas ao longo do

 processo. E a Ana Paula Brasil, Verônica Santos e Fabricio Moser pela amizade que

formamos neste período e que certamente se estenderá muito mais. Por toda a ajuda no dia da

apresentação do meu número de palhaça. Pelos dias em que dividimos as angústias do

 percurso acadêmico. Pelas noites em que rimos das angústias desse mesmo percurso.

Aos palhaços que me acompanham (ou já acompanharam) nos erros, descobertas e

gargalhadas: Catarina (Camila Nhary), Tubias (Pablo Aguilar), Batatinha (Filipe Codeço),

Lindomar Delgado (Adriano Pellegrini), Custódio (Thiago Quites), Maricota (Mariana

Fausto), Claudinei (Henrique Escobar), Matilde (Leticia Medella), Kassandra (Julia

Sarmento) e Charlotte (Patricia Ubeda). Ao Filipe, agradeço mais ainda, por ter me

emprestado sua câmera e ter passado todos os vídeos para DVD. E à Camila e ao Pablo pela

amizade e carinho que os anos só fazem aumentar.

À Paula Santos, pela doce amizade e por ter filmado a apresentação.

Aos amigos Jean Bodin e Marc Cunha, pela revisão do abstract .

À todos os palhaços cujos exemplos inspiradores me alimentam e divertem e em especial a

Márcio Libar (Cuti-Cuti) e Ricardo Puccetti (Teotônio).

Aos amigos que compreenderam a minha ausência neste período e que mesmo assim se

mantiveram por perto. Em especial a Elsa, Verônica e Karen. Por tudo, tudo, tudo.

Ao Zé. Pelos sorrisos, pelo incentivo, pelas conversas, e por muito mais.

Aos meus pais, pelo apoio constante. Ao meu pai Joubert, agradeço ainda por ter sido meu

 primeiro mestre na arte de fazer rir e à minha mãe, Maria da Luz, pela doçura e força com que

conduz os dias.

E, em especial, agradeço à Avner Eisenberg, que deu sentido e razão de ser a toda esta

trajetória de pesquisa. Agradeço não somente pelo grande palhaço e mestre que é, mas

também pela generosidade e cuidado com que me acolheu desde o primeiro momento em que

a ele me dirigi. Exemplo de palhaço e exemplo de ser humano. Porque está tudo junto mesmo. 

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 A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá

mas não pode medir seus encantos.

 A ciência não pode calcular quantos cavalos de forçaexistemnos encantos de um sabiá

.Quem acumula muita informação perde o condão de

adivinhar: divinare.

Os sabiás divinam.

Manoel de Barros (1998: 53)

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RESUMO

A Pesquisa está organizada em dois eixos que se entrecruzam. O primeiro deles é a análise da

atuação do palhaço americano Avner, the Eccentric no espetáculo  Exceptions to gravity, que é

resultado do acúmulo de suas experiências ao longo de 38 anos de ofício. O segundo é o

 processo de criação de um número, que objetiva verificar de que maneira as questões

levantadas se transformavam a partir da experimentação da pesquisadora, que também é

 palhaça. A análise tem como foco: princípios do palhaço; autoria e apropriação; relação com a

 platéia e técnica dos movimentos, definidos a partir da pedagogia aplicada por Jacques Lecoq,um dos principais mestres de Avner, na  École Internationale de Théâtre. O número,

denominado Balões!, foi documentado em DVD e é parte integrante da dissertação.

Palavras-chaves:palhaço, autoria, apropriação, triangulação, relação com a plateia,movimento, triangulação.

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ABSTRACT

This research is organized in two axes that intersect. The first one is the analyses of the

 performance from American clown Avner, the Eccentric on the show  Exceptions to gravity 

that results from the accumulation of his experiences of 38 years of work. The second one, is

the creation process of a number, aimed to verify in which ways the issues raised were

changed by the experimentation of the researcher, who is also a clown. The analyses focus:

clown principles, authorship and ownership, relationship with the audience and movement

technique, defined from the pedagogy applied by Jacques Lecoq, one of Avner´s masters, at

 École Internationale de Théâtre. The number, named Balloons!, documented on DVD, is part

of the dissertation.

Keywords: clown, authorship, ownership, check in with the audience, relationship with the

audience, movement.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................................................10

INTRODUÇÃO.............................................................................................................15

CAPÍTULO 1 - E O PALHAÇO, O QUE É?..............................................................23

1.1 Princípios...................................................................................................................24

1.1.1 Lógica particular que se manifesta através do corpo.......................................25

1.1.2 Transformação da fraqueza pessoal em força cênica.......................................261.1.3 Subversão da ordem .......................................................................................27

1.1.4 Alternância entre façanha e fracasso...............................................................28

1.1.5 Erro e problema...............................................................................................30

1.1.6 Caráter universal e particular...........................................................................34

1.2 Autoria e apropriação.................................................................................................35

1.2.1 Transmissão do repertório clássico e comicidade pessoal..............................41

1.2.2 Autotradição e bricolagem...............................................................................441.3 Relação com a platéia................................................................................................45

1.3.1Respiração........................................................................................................46

1.3.2 Entrada............................................................................................................48

1.3.3 Triangulação....................................................................................................50

1.3.4 Voluntários.......................................................................................................52

1.3.4.1 Aikido...........................................................................................................55

1.3.5 Improvisação...................................................................................................58

1.4 A técnica dos movimentos.........................................................................................63

1.4.1 Ponto fixo.......................................................................................................63

1.4.2 Manipulação do Impulso...............................................................................66

1.4.3 Equilíbrio e desequilíbrio................................................................................68

1.4.4Oposições.........................................................................................................70

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CAPÍTULO 2- E A PALHAÇA, O QUE FAZ?...................................................................73

2.1 Princípios............................................................................................................................742.1.1 Lógica particular que se manifesta através do corpo................................................75

2.1.2 Erro e problema.........................................................................................................76

2.1.3 Alternância entre o fracasso e a façanha...................................................................77

2.1.4 Exploração do grotesco.............................................................................................78

2.2 Autoria e apropriação..........................................................................................................80

2.2.1 Gags clássicas: precisão e técnica.............................................................................81

2.2.2 Apropriação de números do repertório de Avner......................................................822.3 Relação com a plateia.........................................................................................................86

2.3.1 Entrada......................................................................................................................87

2.3.2 Triangulação.............................................................................................................90

2.3.3 Voluntários................................................................................................................94

2.3.4 Improvisação.............................................................................................................96

2.4 Técnica dos movimentos.....................................................................................................99

2.4.1 Ponto fixo..............................................................................................................1002.4.2 Manipulação do Impulso.......................................................................................102

2.4.3 Equilíbrio e desequilíbrio........................................................................................104

2.4.4 Oposições................................................................................................................105

2.5 A criação do número.........................................................................................................105

2.5.1 Metodologia............................................................................................................105

2.5.2 Procedimentos.........................................................................................................106

CONCLUSÃO.......................................................................................................................111

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................116

ANEXOS................................................................................................................................123

Anexo 1- Transcrição da entrevista com Avner Eisenberg.....................................................123

Anexo 2 - Princípios do palhaço, segundo Avner Eisenberg..................................................149

Anexo 3 - DVD Exceptions to gravity……………………………………………………………..150 

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CAMINHOS PARA UMA PALHAÇA: investigação a partir da obra deAvner, the Eccentric

Apresentação

Quando criança eu nunca sonhei em fugir com o circo, ainda que sempre tenha achado

linda esta imagem. Além disso, associava o picadeiro muito mais aos números de risco do que

aos dos palhaços. Lembro vagamente da sensação de medo e deslumbramento ao ver uma

mulher, leve como uma pluma, voando acima da minha cabeça para se jogar nos braços de um

homem que a segurava em pleno ar. Mas não guardo nenhuma lembrança especial relacionada

aos palhaços, que passaram sem importância pelo meu mundo infantil.Talvez haja apenas uma exceção: aos cinco anos fiz uma festa de aniversário cuja

temática era ―Lá vem o palhaço no meio da rua‖. Guardanapos, painéis decorativos, bolos  e

 balões, em toda a parte havia figuras sorridentes com narizes vermelhos e grandes golas

coloridas. Eu mesma estava vestida assim. Mas quem escolheu o tema foi minha prima mais

velha, com quem dividia todas as comemorações devido à proximidade das datas de

nascimento. Por mim teria sido, novamente, uma festa da Moranguinho.

Iniciei a apresentação do presente estudo pela exposição destes fatos e memórias da

minha infância para dizer que somente quando já era bem crescida, ao redor dos 20 anos, é

que entrei de fato em contato com o universo do palhaço. Foi uma descoberta que, ainda que

tardia, determinou a partir daí a condução do meu percurso artístico e, arrisco dizer, da minha

vida.

 Num mundo que exige performances cada vez mais eficientes, seja do carro, do

computador ou do próprio homem, é um alívio descobrir um lugar em que a glória está

 justamente na derrota, no não ser capaz. Foi este lugar que o encontro com o palhaço me

revelou. Um lugar onde todas as inadequações e desajustes representam uma possibilidade de

 jogo, onde a melhor solução para um problema é assumi-lo e explorá-lo ao máximo, de

 preferência de modo a que ele gere um novo problema ainda mais interessante; onde é

 possível apresentar os seus aspectos pessoais mais ridículos e, junto ao público, rir deles; onde

se pode inventar um mundo ao contrário, regido por leis particulares e que não tem nenhuma

relação com aquelas que comandam o nosso dia a dia. E, talvez principalmente, onde o corpo

é quem dita as regras. Aí sim, dá até vontade de fugir com o circo.

Foi durante o Bacharelado em Artes Cênicas  –   Habilitação: Interpretação Teatral,

cursado na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO, que iniciei o meu

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contato com o universo do palhaço, graças a uma disciplina o ptativa denominada ―Jogo e

Relação‖, ministrada pela Profa. Dra. Ana Lúcia Martins Soares (Ana Achcar). Depois de

cursá-la, tive a grata oportunidade de integrar por aproximadamente três anos o Programa

Enfermaria do Riso1, que prepara estudantes de Artes Cênicas para atuarem como

enfermeiros-palhaços nas alas pediátricas de hospitais. 

O meu processo de descoberta do palhaço aconteceu de forma tranquila e prazerosa.

Isto porque o que ocorreu foi o reconhecimento e aprofundamento de uma natureza que já se

manifestava: eu sempre fui estabanada e ligeiramente desengonçada, precisando apenas de um

 belo vestido, um salto alto e uma ocasião especial para tomar o maior dos tombos, além ter a

tendência a compreender as sentenças mais simples da forma inversa e acreditar

ingenuamente em qualquer absurdo que me dissessem. O que até àquela época tinha visto

como defeitos irremediáveis revelavam-se qualidades - eu era palhaça!- e em pouco tempo

estava atuando em hospitais. Ainda que se apresentassem eventuais dificuldades, naturais

dentro de qualquer percurso artístico, seguia em frente, sem maiores questionamentos sobre a

minha prática.

A rotina hospitalar, modificada pela presença subversiva do palhaço, representava para

mim um lugar de jogo, experimentação e muito prazer. Obviamente havia situações

desconfortáveis, dores, perdas. O hospital é um lugar de passagem, do qual todos sempre vãoembora, na melhor das possibilidades porque se curaram e na pior porque faleceram. Mas

havia, por outro lado, a confirmação constante da potência transformadora do riso provocado

 por aquele palhaço, um riso

(...) que se coloca como jogo, como proposta exclusiva esomente voltada para o risível, sem qualquer preocupação de zombardo outro (...) um riso que provoca em nós, espectadores uma espécie

de revitalização, de rejuvenescimento, de recarga de energia.(Bolognesi em http://www2.uol.com.br/parlapatoes/divirta/, acessoem 20 de Maio de 2011).

É este o riso que eu procuro provocar ainda hoje.

Ainda durante a formação no Programa Enfermaria do Riso participei em paralelo à

atuação nos hospitais, da criação e atuação no espetáculo  PalhaSOS , dirigido por Flávio

1  O Programa interdisciplinar de formação, ação e pesquisa Enfermaria do Riso foi criado em 1998 na UNIRIO.Coordenado pela  Profa. Dra. Ana Achcar, da Escola de Teatro, e pelo Prof. Dr. Edson Liberal, da Escola deMedicina, o Programa tem como ações principais o estudo e a prática da atuação do palhaço no ambientehospitalar. Atualmente o Programa atua no Hospital Universitário Gafrée e Guinle, Instituto Fernandes Figueirae Hospital da Lagoa, todos localizados na cidade do Rio de Janeiro  

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Souza, colaborador constante do Programa. O espetáculo buscava traduzir em cena a

experiência vivida nos hospitais, apresentando o olhar do palhaço sobre aquele ambiente.

Tratava de temas como assepsia, saúde, cura e perdas. Além, é claro, do relacionamento com

enfermeiros, médicos, acompanhantes e, em especial, as crianças. O processo de criação e

atuação no espetáculo evidenciou questões que nunca tinham se apresentado para mim

durante o trabalho no hospital. Ficava de lado a atuação baseada principalmente no jogo com

a criança ou com outra pessoa presente no ambiente hospitalar, e que acontece de maneira

diferenciada a cada dia, ou melhor, a cada nova relação, para se sobrepor, na peça, o processo

de construção de números, com a necessidade de formalização de uma estrutura que garanta o

seu bom funcionamento, a cada apresentação.

Foi neste momento que tive todas as dificuldades, dúvidas e crises que não meassolaram no início do contato com o palhaço. E foi assim que eu compreendi também que

 para se ser um bom palhaço é necessário muito mais do que uma pré-disposição natural para

aquele universo. Ou seja, foi aqui que comecei realmente a entender a importância que o

conhecimento técnico teria para a realização do meu ofício. Não que até então a minha prática

tenha sido guiada a partir somente impulsos livres e talento natural. Pelo contrário, eu

integrava um Programa de Formação, Extensão e Pesquisa, onde havia um treinamento

constante que envolvia a participação em aulas práticas e seminários, elaboração de relatórios,entre outras atividades. Mas até então eu atuava basicamente num território que para mim era,

e continua sendo, muito mais fácil, que é o da improvisação.

O trabalho rigoroso de construção e repetição me fez aprimorar o pensamento e a

compreensão sobre as relações de tempo-ritmo, triangulação justa com a plateia, limpeza dos

movimentos, matemática do riso, entre outros. Em suma, foi com este espetáculo e as

dificuldades que enfrentei na sua realização que surgiram os primeiros questionamentos sobre

o meu fazer, que me acompanham até hoje e que certamente impulsionaram o desejo derealizar uma pesquisa de mestrado que tivesse a prática como espaço essencial de

experimentação e descoberta. Ainda assim, faltava um norte investigativo mais firme. Foi

então que eu conheci Avner, the Eccentric.

Avner Eisenberg é um artista americano que possui longo percurso como palhaço e

como professor. Vem se apresentando e ministrando oficinas em diversos países há mais de

trinta e oito anos, ultrapassando com sucesso possíveis barreiras linguísticas e culturais.

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Meu primeiro contato com a sua obra ocorreu em 2008, durante a 7° edição do Anjos

do Picadeiro - Encontro Internacional de Palhaços2, onde tive a oportunidade de assistir ao

seu espetáculo solo  Exceptions to gravity. O meu encantamento por aquele senhor com

aparência de avô bonzinho, mas capaz de equilibrar uma escada na ponta do queixo, foi

imediato. Até hoje lembro com precisão o estado ao qual a sua atuação foi me conduzindo.

Acostumada a assistir a outros palhaços com o olhar atento e analítico de quem realiza o

mesmo trabalho e está sempre tentando entender em que medida o que está sendo feito pode

trazer contribuições para o próprio percurso, neste caso esqueci-me deste lugar para

simplesmente rir sem parar durante todo o show. Ao final, após alguns instantes de silêncio

seguiram-se palmas efusivas, em meio às quais, grande parte do público enxugava os olhos.

Por quê? Avner não utilizou nenhum recurso especialmente elaborado para conduzir-nos do

riso às lágrimas, não houve nenhum lirismo especial para encerrar a noite. Ainda assim algo

havia emocionado profundamente aquelas pessoas. Deixei o Teatro Carlos Gomes sem saber

nomear a dimensão daquele acontecimento. Porém, estava certa de uma coisa: tinha assistido

ao espetáculo mais marcante da minha vida. 

Passados alguns dias, a forte impressão causada por Avner continuava viva em minha

memória. Nas conversas casuais ao longo do Encontro, era comum que o seu nome fosse

efusivamente citado. Até que alguém que não pudera assisti-lo perguntou: ―Mas afinal, o queele faz de tão fantástico assim?‖ Fiquei algum tempo emudecida tentando pensar numa

resposta que pudesse satisfazer minimamente a curiosidade de meu interlocutor. Tentei

escolher um momento especialmente interessante do espetáculo e descrevê-lo, mas o que eu

 poderia dizer? Avner fez pequenos malabarismos, fingiu engolir o pé de uma cadeira, comeu

algumas folhas de papel, brigou com um pedaço de pano vermelho que teimava em não

obedecer às suas ordens, equilibrou uma pena de ave na ponta do nariz e fingiu estar voando,

fez alguns truques de mágica, relativamente conhecidos. Nenhuma destas descrições poderiadar conta do que o espetáculo é.

Pude perceber, então, onde reside o fascínio provocado por sua obra. Avner, the

Eccentric não faz nada de mirabolante, não exibe nenhuma ideia incrível e inédita. Mas todos

os seus pequenos números, amarrados por uma linha dramatúrgica bem construída, são

2  Anjos do Picadeiro é um Encontro Internacional de Palhaços que acontece no Brasil desde 1996. Ele é

realizado e produzido pelo grupo carioca Teatro de Anônimo, junto a parceiros que variam a cada edição. OEncontro reúne palhaços e pesquisadores desta área vindos de diversas partes do Brasil e do mundo. É um dosmais importantes espaços de diálogo, observação e reflexão sobre a arte da palhaçaria no país.

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realizados com um conhecimento técnico tão apurado e ele conduz de forma tão sutil e

generosa a sua relação com o público que toca profundamente o espectador.

A excelência daquele palhaço me fez vislumbrar a possibilidade de, através da análise

da sua atuação, desenvolver um caminho de pesquisa que pudesse trazer transformações e

crescimentos na minha própria trajetória enquanto palhaça profissional, além de, a partir das

reflexões estabelecidas, produzir um material de análise que interesse também a outros

 palhaços e pesquisadores. As sonoras gargalhadas que continuo dando mesmo ao assistir pela

vigésima vez as imagens gravadas de seu show são a comprovação de que fiz a escolha certa.

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Introdução

Fonte: www.avnertheecentric.com, créditos indisponíveis

Esta pesquisa se organiza a partir de dois eixos centrais. No primeiro deles, está a

análise de Exceptions to gravity e no segundo a investigação ocorrida durante o processo de

criação de um número,  Balões!, que tinha por objetivo verificar de que maneira as questões

levantadas se transformavam quando eu as experimentava. Estes dois trabalhos aconteceram

em paralelo, fornecendo elementos constantes de troca e reflexão.

Uma vez que  Exceptions to gravity é o ponto que originou e deu sentido a todo este

 projeto de pesquisa, exponho um breve resumo do percurso artístico que conduziu Avner à

formulação deste show. Em seguida, apresento a estrutura de escrita da Dissertação e as

 principais fontes utilizadas ao longo da pesquisa.

Ao ser perguntado sobre há quanto tempo realiza o espetáculo, Avner sempre responde

com a quantidade de anos em que vem trabalhando como palhaço. Isso confirma que

 Exceptions é resultado do acúmulo de experiências e apuramento de uma linguagem oriunda

de aproximadamente trinta e oito anos de ofício. Ali se conjugam os principais números que

ele foi desenvolvendo ao longo dos anos, assim como os conhecimentos que foi somando à

sua experiência. Assim, torna-se imprescindível para a posterior análise deste espetáculo a

apresentação da trajetória artística de Avner Eisenberg, onde destaco alguns dos pontos que

foram fundamentais para que chegasse à formulação do espetáculo que realiza atualmente. 

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Este artista formou-se em Teatro na Universidade de Washington, em 1971. Nessa

época, tinha grande interesse na Pantomima, que já vinha realizando, ainda que sem

conhecimentos técnicos focados especificamente nesta área. Buscando aprofundar seus

estudos, viaja para a França. Sua pretensão inicial era estudar com Marcel Marceau, mas não

conseguiu contatá-lo, acabando por direcionar-se à  École Internationale de Théâtre, fundada

 por Jacques Lecoq em 1956. 

Depois de iniciar ali sua formação, teve a dimensão do potencial pedagógico daquele

trabalho, cujos ensinamentos o acompanham até hoje, não só no que se refere ao movimento,

mas também à comunicação com o espectador. Em uma entrevista dada a Christopher Lueck

em 2011, Avner afirma que o trabalho proposto na  École de Mime, fundada por Étienne

Decroux, para onde muitos dos seus colegas migraram, ainda que tivesse uma exigênciacorporal mais forte é, em certo sentido, mais fácil do que o proposto por Lecoq, uma vez que

―Decroux havia tomado certas decisões a respeito do que era beleza e o que não era. Enquanto

que a escola de Lecoq era um espaço de constante investigação sobre o que comunica e o que

não.‖ 3 (Eisenberg apud Lueck, 2011: 55, tradução minha) Tal colocação, ainda que um tanto

radical, confirma a importância que tem para Avner a investigação do que potencializa o

estabelecimento da relação com o público, sendo tema constante de seus estudos até hoje. 

Outro mestre extremamente importante na sua trajetória foi Carlo Mazonne-Clementi,o qual teve contato direto com alguns dos maiores nomes do teatro europeu durante os anos

50 e 60. Estudou com Étienne Decroux, trabalhou com Marcel Marceau, foi assistente de

Jacques Lecoq e atuou com Dario Fo e Franca Rame no Teatro Piccolo de Milano. Ao retornar

aos Estados Unidos foi um dos grandes responsáveis pela introdução no país do estudo da

Commedia dell'Arte. Em 1971, fundou a  Dell'Arte School of Physical Comedy, onde Avner

lecionou. Localizada na Califórnia, esta foi a primeira escola de Comédia Física dos Estados

Unidos, tendo sido dirigida por ele até a sua morte, em 2000. Com uma formação de doisanos, até hoje é reconhecida como uma das principais Escolas de Teatro Físico e Comédia da

América. 

A importância dos mestres na trajetória de Avner confirma-se na seguinte frase, em

que demonstra sua gratidão a: ―Lecoq que me ensinou tudo que eu sei, e Carlo, que me

ensinou o resto'.‖ 4  (www.avnertheeccentric.com, acesso em 10 de Maio de 2010, tradução

minha) Segundo Avner, Lecoq passou-lhe todos os conhecimentos técnicos sobre o

3  ―Decroux had made certain decisions on what was beautiful and what was not, and Lecoq School was atconstant research for what communicated and what didn't.‖4 ―'Lecoq, who taught me everything I know, and Carlo, who taught me the rest.‖ 

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funcionamento do corpo que seriam essenciais para o resto do seu trabalho. E Carlo

transmitiu-lhe outro ensinamento fundamental: em cena o mais interessante não é o que você

sabe, mas sim a maneira como lida com o que ainda não conhece.

 No início da carreira, Avner realizava o seu espetáculo com muita freqüência, em

qualquer tipo de lugar para onde fosse convidado a se apresentar . ―Por anos, eu fiz de quatro a

seis shows por dia e participei de dois a três Festivais por ano - e a cada Festival eu podia

estar junto a outros performes.5‖ (Eisenberg apud Lueck, 2011: 56, tradução minha). Este foi

um período muito importante, na medida em que possibilitou a avaliação constante da eficácia

de sua comunicação com o público e o rápido aperfeiçoamento de sua atuação. Tanto que um

dos conselhos que transmite aos seus jovens aprendizes é que busquem se apresentar o maior

número de vezes que puderem, não importa onde nem sob que circunstâncias, pois existe umtipo de conhecimento que somente se adquire pela prática e com a presença do público.

 Nos festivais, os encontros com performes cujos trabalhos apresentavam linguagens

artísticas afins possibilitou um crescente intercâmbio, que culminou em alguns espetáculos

realizados em conjunto e no apoio mútuo para a viabilização de novas apresentações e

temporadas. Os performers eram: Avner, the Eccentric, Penn and Teer e os Flying Karamazov

Brothers. Estes grupos foram sendo progressivamente reconhecidos até chegarem a realizar

temporadas de sucesso de público e crítica na Broadway, fomentando a expansão de um novogênero, que ficou conhecido como  New Vaudeville. Tal nomenclatura específica se deveu ao

fato de que, ainda que se aproximassem do modelo clássico de vaudeville, na medida em que

utilizavam teatralmente recursos como mágica, palhaçaria, malabarismo e acrobacia para a

criação de espetáculos cômicos, se diferenciavam por serem apresentações de longa duração.

Como ator, Avner realizou outros espetáculos, entre os quais destaco  Esperando

Godot , que apresentou em diversos momentos de sua vida em produções regionais e no qual

desempenhou, em momentos diferentes, tanto o papel de Vladimir quanto o de Estragon. Aúltima montagem deste espetáculo da qual participou foi em 2000, com direção de Michael

Schwartz. As longas temporadas desta peça e seu grande interesse pela obra de Beckett

influenciaram profundamente a temática de seu show, que também trata da espera por algo

que nunca chegará, tema caro ao escritor.

O sucesso de sua primeira temporada solo na Broadway, com o show então

denominado  Avner, the Eccentric,  rendeu-lhe o convite para participar do filme  A Jóia do

5 ―For years, I was doing four to six shows a day at two or three Ren fairs a year –  and at each fair, I would gettogether with other performers‖. 

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 Nilo6 , onde desempenha de forma hilariante o papel da jóia. Avner integrou como ator mais

algumas produções audiovisuais, mas o crescente sucesso de seu trabalho solo fez com que se

afastasse deste campo de atuação, para se dedicar ao universo do palhaço e ao ensino. 

A partir de 1986, Avner começou a ser convidado para participar de diversos

Encontros e Festivais internacionais de palhaço, mágica e Comédia Física. O sucesso de suas

apresentações levava a convites para novos eventos. Até hoje, é desta maneira que sua carreira

 prossegue. Já se apresentou e ministrou oficinas em mais de vinte países, como Singapura,

Brasil, Israel, Finlândia, Fiji, Rússia e Japão.

É válido destacar que, além da qualidade inegável do seu trabalho, outro fator que

contribui para que receba tantos convites internacionais é o fato deste palhaço se comunicar o

tempo inteiro sem dizer uma única palavra. Para além do visível interesse artístico que Avnersempre teve na Pantomima, o seu espetáculo se organiza desta maneira também porque ele

vislumbrou a possibilidade de ter uma carreira muito mais profícua fora do seu país de

origem, o que o levou a desenvolver um espetáculo sem falas e com um tipo de humor que

independe de diferenças culturais. Tal decisão foi tomada após a observação da discrepância

existente na relação com o Teatro nos Estados Unidos e na Europa, relativa tanto à quantidade

de público quanto à importância dada pelos órgãos governamentais para a Arte, que se reflete

nas verbas para festivais, eventos e outros estímulos. 

―Quando eu atuo em festivais e teatros na Europa muitas vezes sou pago pela própria cidade (…) A definição deles de governo é um governo que faz a vida deseus habitantes melhor. E nós voltamos para a nossa cidade e eles dizem: Bem, nósnão damos suporte à arte. E eu digo: O que vocês fazem? E eles dizem: bem,segurança pública, recolhimento do lixo e todas essas coisas realmente incríveis.Mas eles realmente não alcançam o sentido de que dar suporte às artes é umamaneira de fazer a vida das pessoas melhor.‖ 7  (Eisenberg apud Lueck, 2011: 54,tradução minha) 

Assim, a maneira como o espetáculo se estrutura está fundada não apenas em opções

artísticas ou conceituais, mas também de ordem econômica e política, que aparecem na clara

escolha por uma comunicação universal tanto no que diz respeito à linguagem quanto ao tipo

de humor desenvolvido, que garante ao artista poder se apresentar e se comunicar em

qualquer lugar do mundo. Este pensamento de Avner se expande até a sua prática pedagógica.

6   Jóia do Nilo (1985) foi dirigido por  Lewis Teague e roteirizado por  Mark Rosenthal, Lawrence Konner eDiane Thomas. 7 When I play festivals and theaters in Europe, I‗m most often paid by the city itself. (…) Their definition of

government is government that makes the lives of its inhabitants better, and we went to our city, and they said,Well, we don‗t support the arts, that‗s not our job. And I said, What do you do? And they said Well,Homeland Security —  pick up garbage, and all that really sexy stuff. But they really have no sense of supportingthe arts as a way to make the lives of people better. 

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Ele sempre incentiva seus alunos a desenvolverem, na medida do possível, espetáculos que

não sejam dependentes da fala para que possam ter a chance de seguir uma carreira

internacional. (Eisenberg apud Lueck, 2011: 55)

 Nos Festivais de que participa Avner habitualmente realiza a oficina  Eccentric

 Performing Workshop. Além disso, há mais de vinte anos a ministra em conjunto com sua

esposa, Julie Goell, no Celebration Barn Theatre, em Maine. Os seus procedimentos

 pedagógicos derivam da análise do espetáculo e estão em permanente processo de

aprofundamento e redescoberta. Por exemplo, para encontrar respostas mais ricas para um dos

temas que mais o instiga, que é a comunicação com a plateia, Avner passou a desenvolver

estudos de Neurolinguística e Hipnose, sendo hoje especialista em ambas as áreas. Os

conhecimentos nestes dois campos trouxeram elementos que contribuíram para queentendesse melhor a prática que já realizava, de modo a poder transmiti-la a outros palhaços e

artistas.8 

Avner pratica Aikido, arte marcial japonesa não competitiva e aumenta constantemente

seus conhecimentos de Mágica em novos cursos. É Diretor Artístico do Festival de Comédia

Física Phyzgig , que acontece anualmente entre o Natal e o Ano Novo em Portland, onde mora,

com o objetivo de estimular o encontro entre artistas e fomentar a produção dos novos artistas

da sua região. Quando não está viajando a trabalho, este palhaço volta para a sua casa numa pequena ilha próxima a Portland, onde passa o tempo fazendo nada, prática que pode ser

observada no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=Gwua T0Cwv Q&feature=related

Iniciei o trabalho prático, tematizado no capítulo 2, quando alguns princípios

 básicos de  Exceptions to gravity  estavam suficientemente claros, de modo que pudessem

nortear efetivamente a construção de um número, garantindo assim a conexão entre as duas

investigações. E, ao iniciar essa experiência, tive certeza de que a melhor maneira de conduzi-

lo seria permitindo que houvesse uma real contaminação entre a análise que vinhadesenvolvendo do espetáculo de Avner e o processo de criação.

Os modelos oferecidos por Teses e Dissertações que utilizaram Laboratórios

Experimentais, como as do Prof. Dr. Paulo Merísio, Um estudo sobre o modo melodramático

de interpretar: o circo-teatro no Brasil nas décadas de 1970-1980 como fontes para

laboratórios experimentais e da Profa Dra. Elza de Andrade,  Mecanismos da Comicidade na

8 Ainda que a transmissão dos saberes venha ocupando um espaço cada vez maior na prática artística de Avner,

não me deterei neste ponto, para manter o foco investigativo na sua atuação, através da análise de  Exceptions toGravity.

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construção do personagem: propostas metodológicas para o trabalho do ator , para citar os

que apresentam afinidades temáticas com minha pesquisa, foram contribuições fundamentais

 para o meu trabalho. A diferença é que estes pesquisadores atuaram observando e

direcionando os Laboratórios, mas não foram os atores destes mesmos processos. No meu

caso, era clara a necessidade de interlocutores que pudessem contribuir com outros olhares

 para o processo de criação do número. Este diálogo foi feito com a minha orientadora Profa.

Dra. Nara Keiserman e com o Me. Flávio Souza, que realiza agora seu doutoramento nesta

Universidade, tendo também Avner como um dos objetos de estudo.

Essa Dissertação está estruturada em Apresentação, Introdução, Capítulos 1 e 2,

Conclusão e Anexos. O capítulo 1, ―E o palhaço, o que é?‖ é dedicado à análise de

 Exceptions to gravity e o segundo, ―E a palhaça, o que faz?‖, à reflexão sobre a forma comoestá análise de desdobra na minha prática, a partir do processo de criação de um número.

A análise de Exceptions to gravity se dá a partir de quatro pontos principais: princípios

do palhaço, autoria, relação com a platéia e técnica dos movimentos. Estes pontos foram

definidos tendo por base a metodologia aplicada na  École Internationale de Théâtre, de

Jacques Lecoq, cujo percurso pedagógico é guiado por três caminhos que se entremeiam ao

longo de toda a formação: a improvisação, a técnica dos movimentos e o auto-cours, onde os

alunos têm a oportunidade de desenvolver suas próprias criações a partir de temáticassugeridas pelos professores, e em consonância com os tópicos abordados nas aulas.

Avner cursou esta escola e até hoje aponta Lecoq como um dos pilares de sua formação.

O aprofundamento do estudo sobre o trabalho deste que é um dos principais mestres do Teatro

Físico no mundo (Romano, 2008: 49) fez- me perceber que seu modelo pedagógico poderia

oferecer um interessante procedimento metodológico para essa pesquisa, feitos os ajustes

necessários. A mudança mais significativa é que ao invés da improvisação, tenho como tópico

de análise a relação com a plateia, devido à importância central que essa tem para Avner,oferecendo um campo rico de investigação, onde posso incluir as questões relativas à

improvisação.

A partir da observação das idéias e da atuação de Avner estabeleci e analisei princípios

relativos tanto à criação quanto à atuação do palhaço, pelos quais inicio o primeiro capítulo.

São estes: lógica particular que se manifesta através do corpo, transformação da fraqueza

 pessoal em força cênica, subversão da ordem, alternância entre façanha e fracasso, exploração

do erro e do problema e caráter universal e particular. Cada um deles é discutido a partir do

diálogo com outros pensadores e artistas e exemplificado através de momentos de  Exceptions

to gravity. 

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 No segundo ponto da análise, autoria e apropriação, proponho-me a investigar qual é o

 processo realizado por Avner que garante a manutenção de um caráter autoral, mesmo ao

trabalhar com estruturas clássicas. Esta discussão levou a outras questões importantes que

também são exploradas, como o processo de transmissão do conhecimento por mestres da

 palhaçaria, a autotradição e a bricolagem, aspectos característicos do ator cômico apontados

 pelo semiólogo Marco De Marinis e que também podem ser observados na atuação de Avner.

Já na relação com a plateia, investigo pontos centrais para a compreensão da maneira

como Avner trabalha e desenvolve a relação com o público, tão importante para a sua

atuação. Discuto: o controle da respiração do público, técnica utilizada por Avner ao longo

do espetáculo; a entrada do palhaço, momento fundamental da atuação e que pode

determinar todo o desenrolar do show; a triangulação, regra cômica fundamental ao jogo do palhaço; a utilização de voluntários e a importância do Aikido como aprimoramento técnico

 para esta utilização; e a improvisação.

 No quarto ponto, a técnica dos movimentos, busco entender em que medida o

conhecimento das suas principais leis pode contribuir para a criação da Comédia Física, tão

 bem trabalhada por Avner em sua atuação. As questões abordadas em cada um dos pontos se

relacionam e complementam, gerando discussões em comum. A divisão metodológica

selecionada serve à elaboração de um pensamento estruturante dos conteúdos acionados pelaanálise do trabalho de Avner.

O segundo capitulo segue a mesma divisão metodológica do primeiro. Princípios

do palhaço, autoria, relação com a platéia e análise do movimento são discutidos agora a

 partir da minha experiência prática, que se dá através do processo de criação de um número,

cujo resultado, documentado em DVD, é parte integrante da Dissertação. Inclui- se apenas

mais um subitem, onde desenvolvo questões mais específicas do processo de criação, como a

metodologia utilizada para o seu desenvolvimento. Na conclusão, abordo a maneira como a análise da atuação e do posicionamento

artístico de Avner forneceram elementos que me levaram a redimensionar o meu próprio

fazer. Aponto ainda as possibilidades de desdobramentos da pesquisa em novos caminhos,

incluindo a continuidade de realização do número, percebido como embrião para um possível

espetáculo, e uma investigação a respeito de procedimentos formativos para o palhaço a partir

da pedagogia desenvolvida por este mestre.

Tenho como fontes primárias fundamentais dessa pesquisa um DVD com a filmagem de

 Exceptions to gravity realizada pelo Teatro de Anônimo no mesmo dia em que o assisti pela

 primeira vez, e trechos de espetáculos anteriores disponibilizados pelo próprio Avner em seu

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site9, bem como fotos encontradas em variados endereços eletrônicos. Este palhaço tem um

cuidado muito grande em documentar, catalogar e tornar acessível o material que foi

 produzido a seu respeito, e o seu site, onde encontrei entrevistas, críticas e matérias

 publicadas em diversos países do mundo, representa uma importante fonte de pesquisa.

Além disso, o fato da transmissão de conhecimento a outros palhaços e estudantes

ocupar papel central em sua vivência artística, faz com que ele já há muito tempo venha

elaborando conceitos e princípios da atuação, que servem de base para os workshops  que

ministra ao redor do mundo, e que também estão disponibilizados nesta mesma página virtual

em diversas línguas, entre elas o português, em versão traduzida por mim, a seu pedido. Os

seus textos ―Os princípios do palhaço‖ e ―Trabalhando com voluntários‖ representam

importante contribuição para a minha elaboração teórica na análise do espetáculo. Avnertambém disponibiliza algumas referências bibliográficas, tanto de livros diretamente

relacionados ao Palhaço quanto a respeito de Mágica, Aikido, Neurolinguística e Hipnose,

outros campos do conhecimento que, segundo ele, o fizeram compreender melhor a prática

que já realizava. Alguns dos livros por ele indicados na sessão relativa ao Palhaço foram

adotados na bibliografia desta pesquisa. 

Ainda pesquisando na internet, encontrei outras entrevistas realizadas ao longo dos

últimos 30 anos e um ebook   que reúne entrevistas dos principais clowns  americanos daatualidade, Avner Eisenberg entre eles. Destaco como fonte de pesquisa a entrevista que

realizei com ele durante sua participação no Risadaria, evento de humor que aconteceu em

São Paulo em Março de 2011 e que consta como Anexo desta dissertação.

O processo de elaboração do meu número,  Balões!, foi registrado num caderno de

anotações, onde relatava os principais objetivos do trabalho e a maneira como eles se

desdobraram na cena. Este material também foi utilizado como fonte primária na pesquisa,

 bem como as fotos de Balões! realizadas por Rany Carneiro no dia de sua apresentação.

9www.avnertheeccentric.com

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CAPÍTULO 1 - E O PALHAÇO, O QUE É?

Fonte: http://malditotransgressor.blogspot.com, créditos indisponíveis

Avner trabalha sem nariz vermelho. Também não utiliza a tradicional maquiagem

 branca e vermelha, nem tem grandes sapatos ou roupas desproporcionais ao seu tamanho.

Levando-se em conta apenas os aspectos exteriores de sua figura, poderia passar

simplesmente por um senhor de aparência respeitável. No entanto, é preciso apenas que

comece a sua atuação para não deixar dúvidas de que se trata de um palhaço.

 Neste capítulo, o seu show  Exceptions to gravity será analisado a partir de três eixos

centrais: autoria e apropriação, relação com a plateia e técnica dos movimentos. O

desenvolvimento deles ajudará a clarear aspectos centrais da atuação do palhaço, que

 permitem que Avner seja reconhecido como tal, mesmo sem os elementos acima apontados.

Antes disso, no entanto, mostrou-se necessário o desenvolvimento de um item dedicado ao

levantamento de alguns princípios fundamentais ao palhaço. Este foi considerado, ao longo de

toda a pesquisa, sob a perspectiva de Lecoq, que denominou o nariz vermelho como ―a menor

máscara do mundo‖. (2011: 214)

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O palhaço povoa as mais diferentes culturas ao longo de toda a história da

humanidade. Desde o homem das cavernas até uma tribo contemporânea de índios hotxuás,

sempre foi necessária a presença desta figura transgressora, que ocupa o papel do risível,

expondo e rindo do próprio ridículo e permitindo assim que os outros façam o mesmo.

O palhaço ri com o outro. Coloca em evidência, de forma exagerada, sua própriaimperfeição. É um riso provocado no corpo todo, livre (se possível) de qualqueraspecto moral. Um palhaço é um ser estranho que bota a mão no fogo, que põe acabeça na guilhotina e que se expõe nu em sua tolice e estupidez. O palhaço édiferente do comediante. Ele não conta uma história engraçada. Ele é a graça, ele é orisível. A torta bate primeiro no seu rosto, o pé encontra a sua bunda e o tapa, a suacara.‖ (Castro, 2005: 257). 

Ainda que seja possível estabelecer uma tipologia do palhaço, apresentando as

diferenças existentes a partir de pressupostos como, por exemplo, tipo e local de atuação,função desempenhada no grupo social a que pertence ou contexto histórico, acredito que esta

não seja tarefa da presente pesquisa. Não por um esgotamento do tema, ainda que vários

 pesquisadores já tenham se dedicado a ele10, mas sim porque esta efervescente discussão, para

ser bem desenvolvida, me desviaria da questão central do presente estudo. Uma vez que o

meu interesse está primordialmente na atuação de Avner Eisenberg, escolho pensar o palhaço

tendo por base os elementos presentes no seu trabalho, em particular Exceptions to gravity, no

qual o seu pensamento sobre o palhaço aparece claramente.

1.1 Princípios

Apresentarei a seguir alguns princípios11 fundamentais que regem a atuação de Avner

e servem de base também para a minha própria prática investigativa. Não espero chegar a um

manual sobre o que o palhaço é, especialmente pela certeza de que este seria o caminho onde

mais facilmente poderia desviar-me do meu objetivo, deixando escapá-lo entre os dedos na

tentativa sempre vã de agarrar, nomear e classificar. Vou ater-me à discussão de alguns dos

aspectos que considero fundamentais para a criação e a atuação do palhaço, a partir da

observação do modo como estão presentes nas ideias e na performance de Avner. Como já

anunciados na Introdução, nomeio a lógica particular que se manifesta através do corpo; a

transformação da fraqueza pessoal em força cênica; a subversão da ordem; a alternância entre

10 Como exemplos é possível citar ―Palhaços‖, de Mario Fernando Bolognesi, ―O Elogio da Bobagem‖, de Alice

Viveiros de Castro e ―Les Clowns‖, de Tristan Rémy. 11 11 Avner também estabeleceu 16 princípios do palhaço, que foram publicados emhttp://www.avnertheeeccentric.com/eccentric_principles_portuguese.php e constam como anexo destadissertação.

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façanha e fracasso; a exploração do erro e do problema; o caráter universal e particular .

1.1.1 Lógica particular que se manifesta através do corpo

Penso o palhaço não como um personagem que exista à priori, mas sim como uma

figura desenvolvida a partir do reconhecimento e expansão da lógica pessoal de cada um, que

se revela através do corpo. 

De fato, antes de se tornar um personagem, o palhaço é uma visão de mundo. Ele seorganiza numa lógica particular que olha, pensa e realiza a realidade num sentidoque lhe é autêntico, único e original. Não se pode separar o palhaço da pessoa, ocriador, pois se trata dele mesmo, apenas revelado numa espécie de segunda versãoda própria existência. (Achcar, 2007: 106).

Assim, evidencia-se um olhar que entende que o palhaço existe somente a partir de

cada um, o que garante a individualidade e originalidade de sua atuação. Este tipo de

abordagem encontra ligação direta com os pensamentos de Jacques Lecoq. Os estudos deste

mestre, que compõem o último módulo de formação da  École, intitulado ―À procura do seu

 próprio clown‖, foram muito importantes não  só na França, alcançando eco em diversos

 países do mundo, inclusive no Brasil.

A lógica pessoal de cada palhaço é revelada a partir do corpo, lugar onde se

concretizam pensamentos e ações.

O clown12 não diz poema, não faz um poema, ele 'é' um poema. Ele é com oseu corpo como o autor é com a linguagem. Para ele, o corpo, essa confusão demúsculos, de nervos e de pele é a linguagem, dá à luz o poema encarnado, a

 presença única de seu corpo. (Cervantes, 2001:1)

Destaco neste texto a palavra ―encarnado‖ utilizada aqui no sentido mais próximo da

matéria: feito carne. O palhaço é o poeta da carne e é exclusivamente pela sua pele, pelos seus

ossos, pelo seu corpo, enfim, que podemos chegar próximos de um entendimento que

clarifique o que ele é. Em consonância com esta abordagem, apresento um pensamento do

 palhaço e pesquisador Ricardo Pucetti sobre a mesma questão:

O palhaço não tem psicologismos, sua lógica é física: ele pensa e sente com ocorpo. Ele é um ser que tem suas reações afetivas e emotivas todaslocalizadas em partes precisas de seu corpo, ou seja, sua afetividade e seu

 pensamento transbordam pelo corpo. (Puccetti in Magri, 2008: 110)

Tive a oportunidade de realizar o curso ―O palhaço e o sentido cômico do corpo‖,

ministrado por Puccetti e um dos trabalhos que mais me chamou a atenção ali foi o de

 percepção dos ―gestos-em-fuga‖, noção que encontra ressonância com as questões agora

12 Não estabeleço, nesta pesquisa, uma diferenciação entre as nomenclaturas palhaço e clown, acreditando que a primeira é simplesmente a tradução para a nossa língua da segunda e que, portanto, é a que deve ser a adotada.Mantenho a palavra em inglês apenas nas citações de textos que assim a utilizam.

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abordadas. Este professor conduz os alunos a determinadas situações de desconforto ou de

cansaço extremo onde o corpo ―deixa escapar‖ gestos muito pessoais. Quando um estudante

realiza um destes gestos, Puccetti o destaca, de maneira que possa ser reconhecido e

armazenado para chegar a formar o seu repertório pessoal. ―O clown surge à medida que vai

encontrando, ampliando e codificando suas ações físicas.‖ (Burnier, 2001: 218). Avner, ao ser

solicitado a comentar a respeito desse tema, afirma que

(...) a maneira como você reage fisicamente a certos estímulos começa adefinir o seu caráter, mais do que decidir que o meu caráter vai ser isso, isso e isso. Oque tende a criar um caráter rígido que não tem muitas opções. O palhaço é uma

 pessoa que tem muitas opções (...)‖13  (Eisenberg apud Lueck, 2011: 60, traduçãominha) 

Assim, a lógica particular do palhaço manifestada através do corpo permite um lequede possibilidades de trabalho muito maior do que o levantamento intelectual de determinadas

características, baseadas em aspectos psicológicos ou mesmo comportamentais. Os ―gestos

 pessoais‖ podem sinalizar determinados aspectos individuais do palhaço e levar a um

caminho de trabalho muito mais concreto, em que o palhaço tem a oportunidade de trabalhar

de forma mais ampla, ―transitando por diferentes territórios criativos e tendo como guia as

multiplicidades que atravessam sua forma singular de (des)ajuste ao mundo‖. (Matos, 2009:

62)

1.1.2 Transformação da fraqueza pessoal em força cênica

O palhaço sempre trabalha com a exposição do seu ridículo, daqueles aspectos a

 princípio mais inadequados, desajustados  de sua existência. Pernas finais demais, peitos

excessivamente grandes ou até mesmo uma dificuldade de entendimento das proposições mais

simples são qualidades para o palhaço, pontos positivos que merecem ser destacados e

exibidos para fazer o público rir : ―(...) é justamente esse nosso lado, esquisito, torto e feio que

é a fonte mágica do risível.‖ (Libar, 2008: 108) Observa-se, assim, a transformação de uma fraqueza pessoal em força cênica. Este

 ponto é de vital importância durante o processo de descoberta do palhaço. ―Quanto menos o

ator se defende por trás de um personagem, deixando-se surpreender pelas suas próprias

fraquezas, mais ele contribuirá para o aparecimento do seu palhaço.‖ (Lecoq, 1997: 154) Ou

seja, o processo de surgimento do palhaço exige o desvelar dos ―defeitos‖ que passamos a

vida tentando disfarçar, na tentativa quase sempre vã de sermos perfeitos, bons, inteligentes,

13―(...) how you react to certain stimuli starts to define your character, rather than deciding that my character‗sgoing to be this and this and this. That tends to create a rather rigid character who hasn‗t got many options.Clowning is a person that has lots of options,‖ 

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fortes. Mas depois que o aprendiz vivencia este processo de aprendizagem descobre que há

um lugar onde suas imperfeições podem se revelar qualidades. Quando vai para a cena, elas

 provocam gargalhadas do público, revelando o potencial intrínseco de comunicação na

exposição da fraqueza pessoal. É o que revela Avner:

Eu estava em uma temporada num teatro de Paris por três meses, torci alguma coisae comecei a mancar. Foi terrível. O diretor do teatro veio e perguntou: ―O que nósvamos fazer? Você vai poder fazer o show?‖  Eu disse: ―Ah, é claro.‖  e ele

 perguntou: ―Como?‖ e eu respondi: ―Bom, o meu show é baseado em pessoas rindoda desgraça dos outros. Se a pessoa é grisalha e velha e manca, é ainda maisengraçado‖.14 (Avner apud Hurwitt, 2005:1, tradução minha)

A força que tem para a atuação do palhaço a exposição da sua fraqueza está justamente

no fato de que ele não está zombando de ninguém, a não ser, exclusivamente, dele próprio,

liberando o público para, por uma via indireta, rir de si mesmo. Afinal, ―ao rir -se do outro,

sempre se ri um pouco de si mesmo.‖ (Pavis, 2003: 59)

Acho que existe um princípio realmente importante no teatro, que é o de que vocêtem que ser alguém com quem a plateia possa ter uma relação de empatia. Vocêsabe a relação entre  simpathy e empathy15? Simpathy é quando a plateia olha e diz―Ah, sim, coitado...‖ e empatia é quando a plateia olha e diz ―Oh, eu sei, eu entendocomo essa sensação é‖. E a empatia é a reação mais forte. É quando nós sentimos oque a pessoa sente. E isso acessa as conexões dos neurônios do nosso cérebro,

 provocando uma sensação de bem-estar. (Avner, entrevista para a autora, em anexo)

1.1.3 Subversão da ordem

A lógica através da qual o palhaço organiza suas ações é determinada por sua visão de

mundo, que se organiza de forma particular. De acordo com a pesquisadora Juliana Jardim ―o

 palhaço vê o mundo pelo avesso enquanto revela o avesso do ator que veste a máscara. A

lógica que conduz suas ações dá novas funções ao mundo ao seu redor‖. (Jardim, 2002: 27)

Assim, o palhaço vai organizar sempre suas ações de uma maneira subversiva em relação à

ordem natural das coisas.

Em determinado momento do espetáculo, o chapéu de Avner, objeto de que faz uso

constantemente, vai parar no alto de um cabo de vassoura, que ele segura com uma das mãos.

Depois de procurá-lo exaustivamente à sua volta, Avner percebe a localização e divide com o

14 ―'I was in Paris at a theater for three months, and I sprained something and I started limping around.' Avnersays. 'It was terrible. And the director of the theatrer came and said, 'What are we going to do? Can you do theshow'I said 'Oh, of course.'He said, 'How?' I said, 'Well, my humor is based on people laughing at the

misfortunes of others. If that persons is gray and old and limping, it's just more funnier.'‖ 15  Optei por manter as duas palavras na língua original porque simpathy, normalmente traduzida como simpatia,abarca um sentido mais amplo em Inglês, sendo sinônimo de compaixão. Já empathy  poderia ser traduzidasomente como empatia.

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 público a descoberta. A solução mais natural agora seria abaixar o braço e simplesmente

retirar o chapéu do cabo de vassoura. Mas tal ideia nem passa pela cabeça deste palhaço. Ele

estica o outro braço para tentar alcançar o chapéu, mas cada vez que o faz mexe também a

mão direita, que segura o cabo, mantendo-o igualmente afastado. Depois de medir a altura a

que o chapéu encontra-se de si, naturalmente grande, uma vez que ele está em cima do cabo,

acha nova solução: concentra-se, prepara-se, flexiona os joelhos e... pula! Mas o cabo também

 pula e o chapéu continua inalcançável. Gargalhada geral. Nova solução: Avner sai de cena e

volta com uma cadeira, na esperança de que em cima dela, por estar mais alto consiga

finalmente recuperar o seu objeto. A plateia ri e aplaude ao observar a lógica pessoal que rege

a ação e que é levada às ultimas consequências. Já em cima da cadeira, ao tentar se aproximar

do chapéu Avner pisa no encosto da mesma, levando-a ao chão. A plateia se assusta, mas elesai ileso e sequer cai. Porém, o chapéu continua no alto do cabo de vassoura. Finalmente,

surge uma solução: Avner equilibra o cabo de vassoura na sua testa, com o chapéu lá em cima

e com um movimento rápido e preciso da cabeça provoca a queda do cabo, levando o chapéu

a se encaixar perfeitamente na sua cabeça. Aplausos gerais!

Descrevi este número porque ele me parece bastante revelador dessa capacidade do

 palhaço de criar uma lógica pessoal que subverte o sentido natural dos acontecimentos. É

importante destacar que esta subversão acontece a partir da relação estabelecida com o público. O palhaço não reinventa um mundo sozinho, ele reinventa em relação. Em nenhum

momento a plateia se cansa da maneira como Avner lida com o problema que criou e pensa

―ele precisava apenas abaixar a mão‖. Nós embarcamos naquela lógica que ele estabeleceu e

se, no final, o público aplaude é porque ele conseguiu uma solução para o problema que

respeita toda a visão da situação que foi estabelecendo. Se depois de todo o esforço

 precedente ele simplesmente se desse conta do quão fácil seria apenas abaixar o braço e pegar

o chapéu, ainda que conseguisse finalizar sua saga, estaria quebrando a lógica  que noscolocou e a qual aderimos e respeitamos. Mas não, Avner descobre uma maneira de resolver a

questão, em que reafirma a visão subversiva do mundo que desde o início estabeleceu.

1.1.4 Alternância entre façanha e fracasso

A alternância entre façanha e fracasso se opera da seguinte maneira: quanto mais

simples for a ação a que o palhaço se propuser, maiores são as chances de ele fracassar. Já a

ação que parece impossível diante das dificuldades que apresenta, o palhaço cumpre com amaior facilidade. ―O trabalho do clown consiste, então, em relacionar talento e 'fiasco'. Peça a 

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um clown que dê um salto mortal, ele não consegue. Dê-lhe um chute no seu traseiro, e aí ele

o faz sem se dar conta. (Lecoq, 2010: 216). Esta fala de Lecoq revela um aspecto

fundamental: ainda que o palhaço seja aquele que erra, que fracassa diante dos desafios mais

simplórios, em algum momento ele precisa mostrar que possui alguma habilidade

extraordinária e surpreender o público diante da sua capacidade de realizar uma ação

impossível de ser realizada pelo espectador.

A alternância entre façanha e fracasso fica bem evidente nos palhaços de circo. Muitas

vezes, a sua apresentação é organizada a partir da paródia aos números realizados pelos outros

artistas circences. Por exemplo, depois de um arriscado número de trapézio que levou a

 plateia a um estado de suspensão entra em cena o palhaço, parodiando o número anterior. Ele

tenta subir no trapézio, mas se enrola nas cordas, prende o figurino, dá cambalhotas ao invésde parar em pé, etc. O interessante é que, em muitos casos, o palhaço domina com uma

 perfeição até maior do que o trapezista os detalhes técnicos da sequência. Isto porque para

 poder fazer errado ele precisa conhecer perfeitamente a execução correta, e em algum

momento surpreenderá o público demonstrando que também possui habilidades

extraordinárias. Avner se aproxima destes palhaços quando, ainda que encontre as maiores

dificuldades para saltar de uma cadeira que está a cerca de 30 centímetros do chão, equilibra

no queixo com aparente facilidade uma escada de mais de dois metros de altura, ou quandodepois de inúmeros problemas para conseguir segurar concomitantemente três claves em suas

mãos, realiza uma elaborada rotina de malabarismo com elas, momentos registrados pela

imagem a seguir.

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Fonte: http://moisturefestival.blogspot.com.br/2011_03_01_archive.html, foto de Michelle Bates

Fonte: http://mmart229.lacoctelera.net/, foto de Manel Martins 

1.1.5 Erro e problema

O palhaço apresenta-se ao público com determinado objetivo, mas é incapaz de

simplesmente cumpri-lo do começo ao fim sem maiores dificuldades. Através de sua falha,

expõe sua natureza humana mais genuína e faz rir, revelando a ―lógica do erro‖ que rege toda

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a sua atuação. No caso de  Exceptions to gravity, tal procedimento fica extremamente claro

uma vez que a estrutura do espetáculo é ―largamente baseada na teoria dos acidentes. Cada

ação tem uma terrível e oposta reação.‖16  (Avner apud Juglers World, 1986: 1, tradução

minha) 

 Exceptions to gravity  tem como mote a espera. Avner entra em cena para limpar o

 palco antes do início de um espetáculo, que começará em cinco minutos, conforme anuncia

através de uma mágica, na qual transforma restos de papel que juntou do chão numa folha de

 jornal onde está escrito ―Show starts in 5 min‖. Depois disso, passa a esper ar que algo

aconteça, buscando pequenas ocupações para preencher o tempo, como observar a plateia

enquanto come pipocas, invertendo a posição: de agente da ação, torna-se espectador do seu

 público, e provocando o riso.

Fonte: http://www.pinedaleonline.com/news/2009/04/AvnerTheEccentric1.htm, foto de Pam McCulloch 

 No entanto, nenhuma das ocupações é realizada de uma maneira óbvia e direta,

oferecendo sempre inúmeros desdobramentos, como já acontecera durante o período em que

ele estava apenas tentando limpar o palco. São sequências de ações mal-sucedidas que

desencadeiam as situações posteriores, evidenciando uma das premissas do trabalho do

 palhaço, segunda a qual importa menos qual é a ação a que ele se propõe, o interessante são as

dificuldades com que esbarra no percurso de sua realização e a forma que encontra para

16―largely based on the theory of accidents. Every action has a terrible and opposite reaction." 

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solucioná-las. Quanto mais intensas forem as dificuldades, conduzindo-o por um caminho

longo até chegar ao seu objetivo final, mais rico se torna o número. 

O erro é uma qualidade na atuação do palhaço, e quanto mais ele ocorrer, desde que

esteja amparado por uma lógica pessoal que justifique aquele direcionamento, melhor. ―(...)

 Na comédia física o público ri do que o palhaço pensa. Ri sempre que consegue acompanhar o

seu raciocínio e que percebe como o palhaço entende que deveria resolver o problema em que

se meteu.(...)‖ (Colombaioni apud Libar, 2008: 135)

Vale reproduzir a fala de Avner a respeito de como o palhaço lida com o problema e o

erro. Ela é a resposta a uma indagação sobre o conceito ―escalada de frustração‖ que costuma

utilizar em seus cursos:

Palhaços não falham. Eles têm sucesso de maneiras inesperadas e ressignificamqualquer coisa que aconteça em um sucesso. Eu penso que o palhaço é num certosentido alguém que acha complicações para problemas muito simples e soluçõesmuito simples para problemas complicados. Estes duas características caminham

 juntas e, acredito que com muitos entendimentos equivocados, mas os palhaços sãomais do que tudo, solucionadores de problemas e quando a sua primeira tentativa deresolver um problema não funciona... Eu costumo falar sobre escalada e frustração,mas penso que um terreno mais fértil para explorarmos é a ideia de: `Hmmm, esse

 problema é ainda mais interessante do que eu pensei', mais do que a noção deescalada da frustração. Num certo sentido, palhaços não ficam frustrados. Elesaceitam tudo e lidam com isso. E eles são muito cuidadosos ao se dedicarem a um

 problema que qualquer criança de três anos poderia resolver 17. (Eisenberg apud

Lueck, 2011: 57 e 58, tradução minha)

É importante destacar que Avner não se refere ao palhaço como um causador de

 problemas, mas sim um solucionador deles. Esta forma de pensar muda bastante a questão,

sendo especialmente importante durante o processo de construção de um número. É muito

 perceptível quando o palhaço está deliberadamente criando os problemas em que se mete, já

deixando claro de antemão que nada vai dar certo, ou quando o foco da sua ação está na

solução da questão, mas ainda assim, o que ele consegue é apenas que os problemas se tornem

 progressivamente maiores. Isto acontece porque o palhaço sempre resolve um problema com

a criação de outro, mesmo que esta não seja a sua intenção.

17Clowns do not fail. They succeed in unexpected ways, and they reframe whatever happens as a success. I thinkthat a clown in a sense is someone who find complicated to simple problems, and very simple solutions tocomplicated problems. Those two kind of go hand in hand, and with a fair amount of misunderstanding, but Ithink that clowns are foremost problem solvers. And if when their first try at solving the problem doesn‗t work...I used to talk about escalation and frustration, but I think that a much more fertile ground to plow is the idea thatHmm, this problem‗s even more interesting than I thought, rather than a notion of escalating frustration. In asense, clowns don‗t get frustrated. They sort of accept everything and deal with it. And they ´re very earnestabout reapplying themselves to this problem that any three-year-old could solve.

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O pensamento exposto é o retrato fiel do que acontece em  Exceptions to gravity, em

diversos momentos. Relato um deles. O chapéu (ele novamente) cai no chão. Avner se abaixa

 para pegá-lo, mas está um pouco distante demais para conseguir alcançá-lo. Então, seguindo

sua lógica pessoal, ao invés de se aproximar do chapéu com um passo, decide alongar seu

 braço o máximo que puder, para que, com um tamanho maior do que o normal, possa chegar

até onde o chapéu está. Depois de estender o braço consegue recuperar o seu objeto. Palmas

do público. Porém o movimento provocou uma diferença no tamanho dos braços, que

certamente o prejudicará dali em diante. Ele tenta realizar várias ações que o confirmam.

Empenha-se em segurar uma cadeira com as duas mãos, no entanto ela cai no chão. Tenta

cruzar os braços, mas estes não ficam. Apóia a mão esquerda no queixo, glória! Porém ao

tentar realizar a ação com a mão inversa as distâncias diferentes o impedem de ter sucesso.Definitivamente, precisa reajustar as distâncias, o que consegue inclinando o tronco até o chão

e apoiando as mãos, para a partir dali alongar-se e alcançar o equilíbrio entre os membros

superiores do corpo. Finalmente, volta a ter os braços equidistantes, recebendo palmas da

 plateia. Mas é só dar o primeiro passo para perceber que agora a diferença passou para as

 pernas, uma delas está mais curta, fazendo com que manque terrivelmente. Com uma pancada

forte no joelho da perna mais curta consegue regular a altura delas. Porém o ombro saiu do

lugar... E daí em diante.A lógica do erro traz outra qualidade positiva para a cena. Ela permite que uma mesma

situação seja explorada tão intensamente que provoca o riso no público diversas vezes e de

forma progressiva. Assim, aproveitando ao máximo o que cada pequeno embaraço é capaz de

oferecer, o palhaço pode organizar a sua atuação com muito menos propostas e mais ações.

Ele não precisa a cada momento começar uma sequência nova, provocar o riso, finalizá-la, e

dar início a outra, como se recomeçasse tudo outra vez. Existem sequências no espetáculo de

Avner que se baseiam num mesmo problema e que rendem mais de dez minutos. ―(...)esforço-me sempre para economizar os meus meios. Quero dizer com isso que quando um

único acontecimento pode provocar por si próprio duas gargalhadas separadas vale bem

melhor do que dois fatos separados.‖ (Chaplin, 1969: 111)

Através desta exploração máxima de cada problema, o palhaço garante o

envolvimento do público num fluxo contínuo, ao passo que se a todo o momento inicia uma

nova ação tem que sempre reconquistar a atenção. Ricardo Puccetti trabalha em seu curso a

ideia de que a relação do palhaço com a plateia deve ser a mesma que o surfista tem com a

onda. Não basta chegar ao topo dela, isto é apenas o começo, pois agora é preciso descobrir a

maneira de se manter ali em cima o máximo de tempo possível. O auge para um surfista é

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conseguir realizar um tubo perfeito, atravessando a onda inteira sem ser por ela engolido. Não

 basta ao palhaço conseguir uma grande gargalhada de seu público, depois disso ele precisa

viabilizar maneiras de manter o mesmo nível de contato, para que possa ―surfar‖ com a

 plateia. Desenvolver uma mesma ação até o limite, ou para além dele, também ajuda neste

sentido.

1.1.6 Caráter universal e particular

Ainda que o palhaço dependa do que há de mais singular em cada um para existir ele é

dotado de uma inegável universalidade. Tal afirmação pode parecer contraditória, mas ela se

 justifica na medida em que

Quanto mais se vai ao individual (e este é o segredo do clown, no meu pontode vista) mais nós tocamos o universal. (...) Se eu tenho coragem de chegar aofundo, ao fundo do ridículo, daquilo que é verdadeiramente uma porcaria em cadaum, paradoxalmente, nós retornamos ao todo, é ali que se revela alguma coisauniversal.18 (Gautre: s/d: 3, tradução minha)

Avner é um dos exemplos de que é possível se comunicar através do humor em

diversos países, independentemente das diferenças culturais que existam entre eles. Já foi dito

que a comunicação ampla que  Exceptions to gravity  atinge se deve, em parte, ao desejo

deliberado de criar um espetáculo que não dependesse tão somente do interesse do público

americano. Mas, para além deste desejo e busca consciente, Avner conseguiu atingir uma

comunicação universal por ter desenvolvido uma figura tão pessoal e única que acaba por

atingir a universalidade mencionada acima, encontrando eco para as suas ações em qualquer

outra pessoa. 

A primeira vez que assisti Exceptions to gravity foi durante um Encontro de Palhaços.

A resposta do público foi extremamente calorosa ao longo de todo o show e seu sucesso foi

estrondoso. Mas tal reação não chegava a ser surpreendente, Avner era a grande atração

internacional de um evento cujo público era formado basicamente por outros palhaços.

Acredito que é como se já houvesse uma pré-disposição daquelas pessoas para gostarem do

que iriam ver.

Depois disso, voltei a assisti-lo no Risadaria, maior evento de humor da América

Latina que aconteceu na cidade de São Paulo em Março de 2011, reunindo todas as

manifestações artísticas ligadas à comédia e ao riso. Avner apresentou-se durante os quatro

18 Plus on va à l'individuel (et c'est ça le secret du clown à mon avis) plus on touche l'universel. (…) Si j'ai lacourage d'aller au fond, au fond du dérisoire, de ce qui est vraiment nul chez moi, paradoxallement, en retournantle gant, c'est la que se révèle quelque chose d'universel.

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dias do evento e eu pude observar alguns trechos do espetáculo sendo realizados para públicos

absolutamente distintos daquele que esteve presente na minha primeira experiência. Avner

apresentava-se ao final de uma noite de humor, em que a grande maioria dos participantes era

formada por comediantes de stand-up, gênero que faz grande sucesso não só nesta cidade. A

 plateia assistia alvoroçada aos principais ídolos do humor paulista executando seus textos que

giravam, na maior parte das vezes, em torno de temas como sexo, relacionamento e trânsito.

Eu aguardava ansiosa para ver qual seria a reação do público à presença de Avner, pois além

de ele ser o único palhaço da noite, apresentaria trechos de um espetáculo sem fala e com um

tipo de humor completamente distinto daquele já estava instalado na sala.

 No entanto, já na primeira noite foram suficientes alguns minutos de cena para que a

 plateia inteira estivesse envolvida com aquele palhaço, compartilhando com ele as agrurasencontradas ao longo da apresentação, ao mesmo tempo em que ria delas. Um dos motivos

que permitiu essa reação certamente foi o caráter universal da obra. A incapacidade de Avner

de solucionar os problemas, suas crescentes dificuldades e a maneira de lidar com elas são tão

 particulares e ao mesmo tempo tão passíveis de acontecerem a qualquer um de nós que

 provocavam no público a identificação necessária para o acolhimento e o riso. Ao final da

apresentação Avner foi mais ovacionado do que qualquer um dos participantes anteriores. Isto

se repetiu nas três noites subseqüentes, confirmando que ―Aquilo que faz rir os ingleses nãovale necessariamente para um italiano ou para um japonês, mas é importante que os clowns,

de onde quer que venham, façam o mundo inteiro rir.‖ (Lecoq, 2010: 223).

1.2 Autoria e apropriação

 Exceptions to gravity  acontece durante a espera pelo início de um espetáculo que

começará em supostos cinco minutos. Durante este tempo Avner, no papel de um funcionário

do teatro, busca maneiras de se entreter e entreter o público. Na primeira sequência do show,

ele entra em cena para varrer o palco. Em seguida, olha o relógio e percebe que ainda tem

algum tempo. Pega no bolso um maço de cigarros, porém não chega a acender nenhum deles,

tamanhos os problemas que vão se sucedendo, começando pelos cigarros que caem, seguidos

 pela vassoura que quebra e culminando no chapéu que vai parar no alto do cabo da vassoura.

 Nesta primeira parte, já é possível entender por que o espetáculo recebe este título.

Avner trabalhará o tempo inteiro contrariando as leis da gravidade: insinuará vôos,

apresentará um arriscado número de corda-bamba, realizado por seus dois dedos queatravessam corajosamente uma corda invisível, e equilibrará no rosto diversos objetos,

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começando com um cigarro, passando por penas, flores, papéis e culminando numa escada,

como se pode ver na foto abaixo:

Foto: Pam McCulloch, publicada em http://www.pinedaleonline.com/news/2009/04/Ladder.htm

Ao longo de todo o show, Avner utiliza vários números e  gags clássicas, bastante

conhecidas do público. Porém, a sua maneira de realizá-las as torna extremamente

 particulares. A partir da observação desse aspecto, aparentemente paradoxal, surgiu a questão

que norteia este tópico: qual é o processo realizado por este palhaço que garante a manutenção

de um caráter autoral mesmo ao trabalhar com estruturas clássicas?

 No universo do circo e do palhaço, a repetição dos mesmos números e gags é bastante

comum. O público não se incomoda se perceber que assiste a algo que já viu muitas vezes

antes. 

 Não compreender as coisas, quando tudo é tão claro como a luz do dia; nãodar pelo truque, embora repetido milhares de vezes; tatear como um cego quandotodos os sinais indicam a direção exacta (…) espreitar pelo extremo errado de umacarabina, uma carabina carregada! - nunca as pessoas se cansam destas coisasabsurdas, pois há milênios que os seres humanos se enganam no caminho, hámilênios que todas as suas buscas e interrogações desaguam num beco sem saída.(Miller, 1966: 82 e 83)

Mas, ainda que a plateia não se incomode com a repetição das mesmas estruturas, e

que entre aqueles que admiram os palhaços clássicos esta seja possivelmente uma das

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características mais apreciadas, as peculiaridades na maneira de realizar os números garantem

uma recepção sempre diferente, de acordo com o palhaço que o executa.

Este é um dos conflitos apresentados na obra ficcional de Henry Miller, O sorriso ao

 pé da escada, de onde destaco a citação acima. Antonio, palhaço medíocre de um pequeno

circo, passa toda a vida representando os mesmos números sem nunca conseguir sucesso

algum, atingindo sempre uma recepção apenas morna de sua plateia, até o dia em que cai

doente. Augusto, personagem principal desta história e que já fora um palhaço reconhecido

internacionalmente, mas que escolheu a alegria que o anonimato lhe proporciona, realizando

 pequenas funções no circo que garantem seu sustento e paz longe do picadeiro, resolve

substituí-lo secretamente, utilizando a mesma maquiagem, figurino, números e até o nome do

outro. Acredita que assim poderá lançar Antonio à glória que até agora não fora capaz dealcançar. Trabalhando a partir dos mesmos números que seu companheiro enfermo, mas de

uma maneira particular, Augusto consegue atingir seu objetivo e a plateia alvoroçada aclama o

nome de Antonio, novo ídolo das multidões. Augusto pretendia ensinar ao verdadeiro Antonio

tudo sobre a maneira com que modificara a execução dos números, ajustara os tempos e

 provocara esta inédita reação. Mas Antonio morre de desgosto ao saber do sucesso estrondoso

da noite anterior. Ele está por demais ciente de que nunca será capaz de reproduzi-lo.

Este exemplo foi retirado da literatura, que trata de forma poética uma situação bem próxima do real: ainda que o material seja o mesmo é a maneira como o palhaço trabalha com

ele que garantirá, ou não, o seu sucesso. O encanto do público está muito mais na maneira

como o palhaço trabalha e não exatamente no que ele se propõe a fazer.

Assim, a mesma sequência poderá ser extremamente bem recebida quando executada

 por determinado palhaço, ao passo que é possível que provoque total indiferença, ou até

mesmo vaias, quando realizada por outrem. Mas por quê? Para tentar encontrar respostas para

esta questão tomarei como modelo de análise um número clássico realizado por Avner em seuespetáculo.

O número selecionado se baseia numa relação de sedução estabelecida entre o palhaço

e alguém do sexo oposto, escolhido na platéia. Pode ser dividido em três momentos distintos:

 primeiro, o palhaço simula machucar acidentalmente uma parte do corpo, normalmente um

 braço, mão ou dedo. Dirige-se, então, à pessoa escolhida e pede um beijo, que ajudará a curar

a dor. Caso ele tenha êxito, conseguindo ser beijado na parte pretensamente dolorida,

comemora, dividindo sua alegria com o restante da audiência. Mas, durante a comemoração,

ele se distrai e machuca outra parte do corpo, em geral o rosto. O público, que já entendeu a

lógica de sua ação, ri antecipadamente por saber que o palhaço solicitará um novo beijo da

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mesma pessoa. Após receber este segundo beijo, ele novamente comemora e se machuca, mas

desta vez num lugar mais inusitado, como a axila ou as nádegas. A finalização depende de

cada palhaço, alguns solicitam de fato o terceiro beijo e chegam a recebê-lo, outros

interrompem antes deste momento. Nesta sequência clássica, existem três momentos de riso.

O primeiro, quando o palhaço pede o primeiro beijo. O segundo, quando se fere novamente e

o terceiro quando se machuca num local absurdo e que dificilmente será beijado. Qualquer

 palhaço que executá-la já sabe disso, o número segue uma progressão cuja mecânica

 praticamente garante o seu bom funcionamento.

 Na sua estrutura, é possível observar a utilização de vários mecanismos de comicidade

como a repetição, através dos sucessivos beijos e acidentes; e o inesperado, perceptível tanto

quando o palhaço cai pela segunda vez quanto ao solicitar o beijo nas axilas ou nádegas. Alémdisso, ele obedece a uma regra clássica da comédia, denominada regra dos três tempos,

segundo a qual a mesma ação deve se repetir três vezes para conseguir o riso. A primeira

serve para apresentar a ação, a segunda evidencia a repetição e na terceira a ação se finaliza

de forma diferente, provocando o riso. As três repetições não precisam acontecer

seguidamente. Em muitos casos são divididas ao longo de todo o show, o que não diminui

seu efeito cômico e ainda ―dá margem a que o público ache que você faz o humor inteligente,

 por tê-los feito pensar‖. (www.tricicle.com, acesso em 2 de Outubro de 2010, traduçãominha)19 Mas apesar do número trazer em sua estrutura todos estes elementos, que facilitam

as chances de uma boa acolhida junto ao público, a forma como cada palhaço vai realizá-lo

 pode determinar diferenças na recepção. 

 Na análise da maneira como Avner realiza o número, destaca-se imediatamente o

modo como ele estabelece o contato com a moça escolhida. Antes de descer do palco pela

 primeira vez, ele já havia criado uma relação com ela, que provavelmente selecionara por

estar se mostrando receptiva ao longo do espetáculo. Assim, esse primeiro contato direto quevai exigir uma ação do voluntário já está facilitado pela abertura previamente provocada. Ao

se aproximar da moça, Avner inicialmente pede (com gestos, pois, como já foi dito, em

nenhum momento do espetáculo se utiliza da fala) que sopre o seu dedo, como forma de

aliviar a dor. Depois de receber o sopro, sente-se à vontade para solicitar o beijo no mesmo

local. Avner vai construindo a relação com muito cuidado, deixando-a extremamente à

19 (...) lo que da pie a que la gente piense que haces ―humor inteligente‖ porque se ha visto obligado a pensar. 

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vontade. Depois de ter recebido o beijo, ele divide com extrema precisão a sua reação,

demonstrando para a mulher uma gratidão inocente e para o resto da plateia uma felicidade

ligeiramente sensual, garantindo ainda mais o riso. Em seguida, direciona-se novamente para

o palco, mas continua olhando para a moça, o que faz com que ―se distraia‖, tropece e caia na

escada, ações que realiza com exímio domínio técnico. Quando vai se machucar pela terceira

vez, Avner faz uma pequena modificação. Ao invés de se ferir ―sem querer‖, como já

aconteceu nas duas vezes anteriores, e é o que a plateia espera que ocorra, ele explicitamente

se joga no chão, não deixando nenhuma dúvida do intuito da sua terceira ação. Consegue

assim quebrar a expectativa do público ao mesmo tempo em que respeita a sequência

 preexistente, provocando uma risada dupla da platéia, tanto por vê-lo desmontando

explicitamente o jogo que havia criado, quanto por perceber o lugar onde será solicitado oterceiro beijo. Porém, ao invés de solicitar o beijo nas nádegas, Avner apenas inicia o andar

em direção à moça, provoca a gargalhada da plateia e faz um gesto sinalizando que desistiu de

dar continuidade a ação. Ele finaliza a  gag  neste momento. Não estaria de acordo com a sua

natureza, doce e elegante, ainda que extremamente atrapalhada, solicitar realmente este

terceiro beijo.

Esta é apenas um dos vários números clássicos que Avner  utiliza em seu espetáculo.

Selecionei-o justamente por sua simplicidade e por se tratar de uma seqüencia bastanteconhecida. Eu já o vi ser executado por palhaços de diversas origens e linhas de trabalho. Na

descrição analítica realizada, é possível perceber que as diferenças apontadas na execução de

Avner referem-se à maneira delicada com que ele se relaciona com a voluntária, à forma como

respeita o tempo de aproximação, que é naturalmente mais prolongado, à sua capacidade de

dividir com precisão as reações diferenciadas para a platéia inteira e para a moça escolhida; e

ao apuramento técnico com que realiza as ações que formam o número. Ou seja, as diferenças

são determinadas pela natureza específica deste palhaço, somadas ao seu conhecimentotécnico que permite a execução perfeita de toda a sequência. 

Percebe-se, então, que é essencial que independentemente da ação que estiver

realizando, o palhaço tenha clareza absoluta de sua lógica pessoal, o que determina toda a

forma como vai agir, reforçando o caráter autoral de sua atuação. Este caráter é apontado pela

 pesquisadora Juliana Jardim, ao discutir o treinamento de atores com essa máscara:

(...) O ator investigará em profundidade o caráter de autoria em seu novo estado de

atuação. Tudo o que faz é um depoimento pessoal já que, apesar de alguns princípios serem comuns, cada palhaço é único, assim como o é cada encontro coma máscara. Uma nova lógica pessoal manifesta-se no descobrimento desse tambémnovo mundo interior e exterior. (Jardim, 2002: 22)

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A descoberta e aprimoramento desta lógica são de importância fundamental ao palhaço,

determinando mudanças no tempo de execução, no ritmo, na relação com a plateia, fatores

que vão, por sua vez, provocar as diferenças na recepção da mesma  gag . Ou seja, a questão

está em se o palhaço simplesmente tenta imitar um número que já foi realizado por outro, ou

se apropria dele. 

Pode-se entender, assim, que quando um palhaço simplesmente copia um número que

 já foi feito por outro, ele está se esforçando na direção de uma reprodução exata que sequer é

 possível de ser realizada. Já ao se apropriar, permite que as suas características pessoais, a sua

visão de mundo guiem o relacionamento com o que está sendo apreendido. As chances de que

obtenha um bom resultado, procedendo desta maneira, são infinitamente maiores.Avner, ao ser questionado em entrevista concedida em 1986 a uma revista sobre

malabares, Jugles World, sobre quais são as questões éticas envolvidas ao se utilizar a idéia ou

o número de outra pessoa para conseguir uma boa performance, afirma que o plágio é a forma

mais sincera de lisonja àquele de quem se copia o trabalho. Por outro lado, é a pior coisa que

se pode fazer para o seu próprio desenvolvimento como performer, pois ao simplesmente

 pegar um número que pertence a outro e tentar reproduzi-lo, estão sendo eliminadas as

 possibilidades de desenvolvimento da sua própria personalidade, seu senso de tempo, ritmo erelação com a platéia. Afirma ainda que muitos iniciantes, ao assistir a um número que

funciona tentam adaptá-lo para sua própria execução, sem entender o processo que levou o

artista que o criou a chegar àquele resultado final. Segundo sua visão, essa prática tem poucas

chances de funcionar, pois o mais importante para o palhaço é investir no desenvolvimento da

sua própria personalidade. ―Os truques não interessam. O que interessa é a atitude por detrás

dos truques.‖ (Eisenberg apud Juglers World, 1986: 2). Ainda que eu concorde com esta

última frase, tenho ressalvas diante da colocação feita por Avner, pois acredito que o processode apropriação pode ser um aprendizado muito rico para o palhaço, contribuindo justamente

 para a descoberta e aprimoramento de sua natureza própria. 

A prova maior disso é que a apropriação do material de outros artistas é utilizada como

forma de transmissão de conhecimento por inúmeras gerações de artistas circenses, que

 passavam os números de pai para filho. O processo de formação acontecia já no picadeiro,

com a repetição pelos novos palhaços dos mesmos materiais antes executados pelos mais

velhos. Não se trata, portanto, de condenar a utilização de números ou  gags  criadas por

outros, haja visto que este procedimento é parte de uma tradição a que todos os palhaços se

ligam, mas sim de refletir sobre o processo de aprendizado, buscando a apropriação em

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detrimento da simples cópia. 

Para aprofundar a discussão sobre este processo de apropriação, é válido apresentar a

maneira como os membros de uma tradicional do circo italiano, os Colombaioni, lidam e

transmitem este saber. Para tal, me utilizarei da experiência vivida e transmitida por outros

dois palhaços, Ricardo Puccetti e Jango Edwards.

1.2.1 Transmissão do repertório clássico e comicidade pessoal

Introduzirei a questão da transmissão do repertório clássico a partir da experiência dos

Colombaini, à qual tive acesso indiretamente graças ao relato feito em livros por Ricardo

Puccetti e à minha experiência de trabalho com Jango Edwards, ambos discípulos desta

família, por perceber que se trata de um ótimo modelo para discussão de questões ligada àautoria e apropriação. Como já foi dito antes, na presente pesquisa não estou desenvolvendo

as questões ligadas aos procedimentos pedagógicos utilizados pelo próprio Avner, tanto

 porque me desviaria do foco central da pesquisa, quanto porque não tive acesso, durante o

curso da mesma, à quantidade de material que seria necessária para o pleno desenvolvimento

desta questão. 20 

Os Colombaioni são uma tradicional família circense da Itália, cujo repertório cômico

descende diretamente da Commedia dell´Arte, de cuja tradição alguns de seus antepassados,os Travaglia, fizeram parte. Os Colombaioni ficaram mundialmente conhecidos após a

 parceria com o cineasta Frederico Fellini, que chegou a nomeá-los como os maiores palhaços

do mundo. Este diretor sempre teve profundo interesse pelo universo dos palhaços e Nani

Colombaioni, o patriarca da família, foi seu assessor em assuntos relativos à palhaçaria em

filmes como La Strada e I Clowns, no qual os Colombaioni também atuaram. 

Durante muito tempo, Nani, que já faleceu e teve seu lugar ocupado por um dos filhos,

Leris, recebeu em sua casa artistas oriundos de diversas partes do mundo interessados emaprimorar seus conhecimentos sobre a palhaçaria clássica, denominação com a qual os

 próprios Colombaioni se definem. Importantes grupos brasileiros (Lume, Seres de Luz e

Teatro de Anônimo) tiveram ali a oportunidade de imergir no universo do palhaço e da

comedia física. Vale destacar que estes são alguns dos principais grupos de teatro a trabalhar

com a formação do palhaço no Brasil, transmitindo seus aprendizados a muitos outros

artistas. Além disso, Leris Colombaioni vem frequentemente ao país ministrar oficinas e

dirigir espetáculos. Assim, é possível dizer que o trabalho dos Colombaioni tem influenciado

20 Vale destacar que Avner tem ponto de vista diferente sobre a questão da apropriação de números, não fazendouso deste processo em seus procedimentos pedagógicos.

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direta e indiretamente gerações de palhaços no país. 

 Nani Colombaioni trabalhava a partir de uma metodologia bastante peculiar, que previa

uma mistura dos espaços de aprendizado e de convivência familiar, onde os estudantes eram

completamente inseridos. A partir do relato de Ricardo Puccetti, destaco alguns elementos que

tem especial importância para a questão agora apresentada, a autoria e a apropriação no

trabalho do palhaço. 

Uma das principais frentes de trabalho de Nani com seus alunos era a transmissão do

repertório clássico da palhaçaria. Este mestre tinha um vasto conhecimento desse material,

acumulado e transmitido ao longo de inúmeras gerações. Após ter desenvolvido a relação com

o aprendiz a ponto de ter compreendido qual é a lógica pessoal que rege aquele aluno

específico, Nani transmitia alguns destes números.

Assim, para cada aprendiz ele ensina determinadas partes de seu repertório,que são condizentes com a lógica e com a pessoa do aprendiz, tudo com muito rigor

 para que os mínimos detalhes sejam apreendidos. Ele exige que o aprendiz tenha primeiramente toda a partitura da cena bem codificada, para que num segundomomento ele coloque nela o seu caráter, a sua pessoa, o seu ritmo pessoal, o que

 Nani chama de comicidade pessoal, ou seja, o aprendiz deve descobrir a maneira própria de executar a  gag   ou a cena cômica aprendida. (Puccetti in Ferracini,2006:139)

Desta metodologia, dois aspectos interessam especialmente. Um deles é o fato de que Nani precisava conhecer primeiramente a lógica do aluno para depois disso realizar a seleção

dos números clássicos a serem transmitidos. Ou seja, ainda que exista um repertório clássico

universal, não são todos os números que condizem com todos os palhaços. Isto porque a

lógica particular de cada palhaço se revela não somente na maneira de executar um número,

mas também na temática explorada no material selecionado. Então, no momento em que

decide usar cenas, gags ou números deste repertório o artista precisa levar em consideração o

que ali está em consonância com a sua lógica particular, a sua visão de mundo.Além disso, a metodologia aplicada prevê que o palhaço primeiramente apreenda

todos os detalhes de execução da partitura, para depois trabalhar sua maneira pessoal de

executá-la. Ou seja, o domínio técnico das ações também tem importância fundamental para o

 bom resultado do trabalho, sendo tão relevante quanto a exploração da lógica pessoal do

 palhaço. A união destes fatores é o que vai garantir ao palhaço a realização de um processo de

apropriação daquele material.

Jango Edwards, palhaço americano que reside há muitos anos na Espanha, tem um percurso artístico de mais de quarenta anos. Sua performance associa uma rígida formação na

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 palhaçaria clássica com um olhar voltado para temáticas contemporâneas. Além da atuação

cênica, também ocupa importante espaço em seu trabalho a formação de outros artistas, que

exercita nos workshops que ministra pelo mundo e no The nouveau clown institute, escola de

 palhaços fundada por ele e localizada em Barcelona. (www.jangoedwards.net, extraído em 02

de Agosto de 2010)

Jango teve contato com os ensinamentos de Carlo Colombaioni, irmão de Nani, muito

antes deste segundo abrir os seus conhecimentos para pessoas fora do clã familiar. Num

tempo em que a tradição do circo era passada quase que exclusivamente de pai para filho,

como numa confraria secreta, Jango fez parte de um dos primeiros grupos a ter acesso a estes

―segredos‖ e passou a disseminá-los através de cursos, que continua ministrando até hoje.

(Libar, 2008: 185) Entre as diversas oficinas dadas por ele está a Teoria do Palhaço, da qual

tive a oportunidade de participar em 2008, durante a 7° Edição do Anjos do Picadeiro -

Encontro Internacional de Palhaços, no Rio de Janeiro. São desenvolvidas ali algumas

questões afinadas com as que estão sendo pesquisadas no presente estudo e acredito que será

fundamental deter-me sobre elas. 

Um dos princípios mais importantes apresentados por Jango é o do  give and take (dar

e receber). De acordo com este princípio, durante o espetáculo o palhaço precisa desenvolver

uma relação apurada com a plateia que lhe permita tanto dar  a ela a possibilidade de entrar em

contato com a cena quanto para receber os estímulos que são fornecidos. Mas estes verbos

 possuem também outro sentido, referindo-se às trocas de ideias e criações que podem ser

estabelecidas entre os palhaços. Segundo o seu pensamento, importa menos a autoria do que a

exploração das características pessoais de cada estudante/palhaço, que é o que vai garantir a

qualidade do trabalho. 

Como forma de aplicação prática desta noção, Jango Edwards propõe, como exercício,

a cópia de um número por ele executado durante a música Great balls of fire. Os estudantes

são orientados a repetirem exaustivamente a sequência, até serem capazes de executá-la com

 perfeição. Quando todos cumprem esta etapa do trabalho, Jango afirma que já têm um número

 pronto, que precisa somente ser preenchido por pequenos detalhes que vão ser descobertos a

 partir da lógica pessoal de cada um. O mestre executa então o mesmo número ―recheando-o‖

com pequenos gestos bem próprios e em perfeita harmonia com as suas características

subversivas e provocadoras, levando imediatamente ao riso a plateia de alunos. A partir daí,

cada um passa a desenvolver o mesmo trabalho na sua partitura, tomando o cuidadofundamental de continuar respeitando todas as ações físicas por ele propostas. Ao assistir a

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execução dos outros estudantes, percebi que era nítido que os números que funcionavam

conjugavam a repetição perfeita da sequência de movimentos com a presença de pequenos

detalhes, que permitiam entrever a lógica pessoal de cada palhaço. 

Jango disse-nos ainda que um encontro de palhaços como aquele do qual

 participávamos é um dos melhores espaços de aprendizado existentes, não apenas pelas

oficinas oferecidas, mas principalmente pela oportunidade de assistir a inúmeras estéticas

diferentes e perceber o que funciona no trabalho de outros artistas e quais são as ideias

 passíveis de apropriação. Sugere que se assista aos espetáculos com um bloquinho na mão,

onde se anote tudo que possa ser recriado e evitando o natural esquecimento, dado o volume

de experiências que se vive em um prazo tão curto. E confessa que já utilizou muitas

 propostas de alunos em seu espetáculo e que se alguém fizer algo muito bom durante oworkshop pode ter certeza de que existe a possibilidade de vê-lo repetido por ele em cena. O

estudante deve entender isso como uma homenagem, não como um roubo. 

O princípio do  give and take está presente no trabalho de Jango também quando ao

final da oficina ele entrega para cada aluno um CD com as músicas que foram usadas durante

o trabalho de formação e no seu espetáculo. Tal atitude serve de estímulo para que os

estudantes refaçam os números propostos por ele. Acredito que seu posicionamento seja um

reflexo da formação clássica, junto a palhaços advindos da tradição circense italiana,conjugada ao estímulo à generosidade, que é um preceito muito importante em toda a sua

 proposta de trabalho, assim como na palhaçaria em geral. 

1.2.2 Autotradição e bricolagem

A condução dada à questão da manutenção do caráter autoral mesmo na lide com um

material pré-existente mostra que o palhaço ou aprendiz precisa se apropriar deste material de

maneira a ser capaz de dominar todos os detalhes técnicos da execução, ao mesmo tempo em

que insere ali a sua comicidade pessoal. O conceito de apropriação me levou à percepção de

uma abordagem semelhante, trabalhada pelo semiólogo italiano Marco De Marinis, ao falar

sobre o ator cômico popular no teatro italiano do século XX. Este semiólogo

é um dos mais importantes teóricos teatrais contemporâneos (...) Sua obra propõeuma revisão profunda tanto do método como do objetos do estudos teatrais,oferecendo novas ferramentas, cujo enfoque histórico é completadosubstancialmente por outros aportes das novas ciências do espetáculo, e para tanto

 propõe uma nova ―teatralogia‖. Superando o conceito  ―textocêntrico‖ que durantemuito tempo reduziu a história do teatro à história da literatura dramática, De

Marinis investe numa história do teatro global, isto é, numa perspectiva teatrológicanão mais parcial, e sim orgânica e integradora. (Andrade, 2005: 41)

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 Na busca por definir um modelo do ator cômico, De Marinis aponta alguns aspectos

que lhe são característicos, como a vocação para o solo, a relação não pré-determinada com o

espectador e a autotradição. É este último aspecto que interessa no momento. A autotradição é

considerada por De Marinis como uma necessidade primordial ao ator cômico, na medida em

que lhe permite reconstruir seu próprio universo de conhecimentos através de uma relação

com o passado que envolve sempre o respeito à sua própria autoria e singularidade,

enfatizando ―a ideia de apropriar -se, tomar como seu, passar pela própria experiência algum

elemento externo a ela, reelaborando e criando algo novo‖ (Carvalho, 2009: 40).  É neste

caminho que ele apresenta o conceito de bricolagem, identificado como o processo realizado

 por este ator cômico, de ―seleção, desmontagem, recomposição, assimilação e re-elaboração‖.

(De Marinis, 1997: 160). Os termos por ele apontados me oferecem uma base possível paraelaboração do que é o trabalho de apropriação e como ele garante a autoria daquele que o

executa.

Para a realização de um número ou  gag   clássica, como os feitos por Avner em seu

espetáculo, é necessário primeiramente a  seleção  do material que interesse e esteja em

consonância com a natureza daquele palhaço. Ao que se segue a desmontagem e 

recomposição  da estrutura para que sirva ao fim específico em que agora será utilizada.

Depois, chega-se à assimilação técnica de todos os movimentos da sequência, o que permite

que ela seja perfeitamente executada. Por fim, na medida em que se insiram no número os

elementos que revelam a comicidade pessoal daquele palhaço chega-se à re-elaboração do

material de origem. Avner realiza todo este processo com perfeição.

1.3 Relação com a plateia

Até hoje, Waldemar acha estranha a forma como se transforma em Arrelia.

Pode já estar pintado, vestido, pronto, mas o palhaço só surge mesmo quando corre acortina, e ele vê e sente o público.- Então - diz Waldemar - é como se o palhaço fosse um boneco de borracha vazioque o riso e a alegria repentinamente enchem de vida. (Freire, 1966)

Esta citação pertence a uma matéria de jornalismo literário, elaborada a partir da

experiência artística de Waldemar Seyssel, o palhaço Arrelia, um dos mais importantes do

Brasil. A escolha de utilizá-la para iniciar a presente discussão se deve ao fato de que ela

expressa com muita propriedade a importância que a presença do público tem para a atuação

do palhaço. A metáfora do boneco de borracha vazio, que apenas a relação estabelecidaatravés do contato com a plateia é capaz de encher, explicita o fato de que o palhaço encontra

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o sentido da sua atuação somente a partir do momento em que estabelece a comunicação com

o público. Isto porque sua atuação se baseia sempre no jogo, na relação, seja com seus objetos

de cena, seus parceiros ou, como no presente caso, com a plateia. É possível afirmar ainda que

o palhaço responde aos estímulos que recebe muito mais do que se impõe sobre eles. ―A

relação que o palhaço estabelece com o seu público é direta e imediata, pois ele só pode

existir se mediado pelo olhar do outro.‖ (Achcar, 2007: 110) 

 No que se refere à Avner Eisenberg, a relação com a plateia sempre representou um

foco de especial atenção. Segundo ele, nos últimos tempos este tem sido seu principal

interesse de investigação e de transmissão através do ensino: como entender qual é a conexão

que precisa realmente ser estabelecida com a plateia e como este processo acontece.

(Eisenberg apud Lueck, 2011: 58) Foi para encontrar respostas mais amplas para estasquestões, inclusive, que ele se interessou em estudar Hipnose e Neurolinguística, áreas nas

quais é atualmente especialista e cujos conhecimentos influem de forma determinante sua

atuação.

Avner faz uma comparação entre a relação do palhaço com o público, com o início de

uma relação amorosa. É preciso ir cativando lentamente o interesse da outra parte. Se, na

ânsia da conquista, começa-se a querer impressionar e, por exemplo, a contar muitas piadas, o

resultado será o inevitável afastamento, diante do exagero da investida inicial. Por isso, anecessidade da delicadeza, de ir aos poucos tateando e entendendo algo que ainda não se

conhece bem. Progressivamente, é possível desenvolver a conexão com a plateia daquela

noite.

Para a reflexão sobre a maneira como Avner estabelece e desenvolve a relação com o

 público foram definidos cinco pontos centrais de análise: respiração, entrada, triangulação, o

uso de voluntários e a improvisação.

1.3.1 Respiração

De acordo com Avner, o controle da respiração da platéia serve como base para o

desenvolvimento de toda a conexão que precisa ser estabelecida entre palhaço e público ao

longo do espetáculo. Em dois de seus princípios sobre o palhaço ele afirma que ―O trabalho

do palhaço é fazer a audiência sentir coisas e deixá-la respirar.‖ e ―Todos inalamos, mas

muitos de nós precisam ser lembrados de exalar.‖ (Eisenberg, www.avnertheeccentric

 _principles_portuguese.php, acesso em 5 de Maio de 2010)

Em Exceptions to gravity Avner comanda o tempo inteiro a respiração do público. Em

alguns momentos o faz explicitamente, como ao solicitar através de gestos que se inspire e

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expire com calma, após uma proposta coletiva que deixou a audiência visivelmente excitada

demais para que possa dar sequência ao que está sendo solicitado. Mas na maior parte do

tempo, realiza este comando sem que sequer percebamos, apenas vamos seguindo o ritmo por

ele estabelecido, no que ele denomina como o real work  do palhaço.

Tal expressão é retirada do universo da Mágica, onde recebem esta nomenclatura

todos os procedimentos realizados pelo mágico sem que o público perceba e que garantem a

surpresa e o espanto diante de suas mágicas. Para Avner, o real work  do palhaço é conseguir

comandar a conexão com a platéia durante o tempo inteiro, sem precisar dar nenhum

comando direto a respeito disso, através do que ele denomina como uma ―técnica secreta‖. O 

 público permanece envolvido pelo palhaço, é guiado por ele em suas ações, mas não tem a

menor idéia de que isto esteja acontecendo. E a respiração é um elemento fundamental paraque possa realizar este procedimento.

O ator italiano, mímico e dramaturgo Dario Fo, que tem grande importância no âmbito

da cultura popular e da comédia, sendo o autor vivo mais encenado do mundo, ao final de

uma demonstração na qual apresentou a um grupo de estudantes alguns aspectos técnicos

fundamentais da sua atuação ressalta a importância dos momentos de pausa que realizou ao

longo do texto. Segundo ele, eles são essenciais na medida em que servem não apenas para

que ele respire, mas também para

(...) fazer o público respirar com você. O público precisa tomar fôlegosimultaneamente. Caso ele seja afogado ou agredido durante os momentos detensão, ou ao final de uma risada, sem que se permita sua recuperação, sem deixá-lorespirar ele acabará ficando cansado e perderá a sua capacidade de se divertir e de

 participar adequadamente. (Fo, 1999: 179)

Percebe-se que a atenção com a respiração do público deve ser constante e não guiada

somente pelos níveis de tensão de cada momento do espetáculo. Até uma explosão de

gargalhadas exigirá uma pausa do palhaço para que o público recupere o fôlego para o quevirá a seguir.

Existem conhecimentos técnicos que precisam ser apreendidos, especialmente pela

 prática, para ser capaz de conduzir a respiração da plateia ao longo de todo o espetáculo. Ao

mesmo tempo, esta é uma maneira muito eficaz de garantir a conexão, tão cara ao trabalho do

 palhaço. Ainda que Avner não seja de forma alguma o único a pensar nesta questão, como

comprova a citação de Dario Fo, os seus estudos sobre Neurolinguística e Hipnose o levaram

a elaborar de forma bastante original a maneira como realiza esta conexão e a importância da

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respiração durante tal processo. A sua forma de trabalhar a entrada do palhaço é um reflexo

disso.

1.3.2 Entrada

Fonte: www.avnertheeccentric.com, créditos indispoíveis

A entrada do palhaço é considerada um momento decisivo da atuação. O ditado

 popular ―a primeira impressão é a que fica‖ adequa-se perfeitamente neste caso e começar

 bem pode garantir o sucesso do restante do show. Ao passo que, diante de um mau início, o

 palhaço terá que se esforçar muito mais dali em diante para desfazer a maneira que o primeiro

contato foi estabelecido. De acordo com o palhaço e pesquisador francês André Riot-Sarcey:

―A dificuldade para um clown profissional é começar bem... e terminar bem! E no meio do

caminho ele se desembaraça como pode. (…) O começo e o fim são primordiais‖ (Rio-Sarcey

in Boca Larga, 2006: 102)21 

Ricardo Puccetti afirma que a importância da entrada se deve ao fato de que ela é a

oportunidade do palhaço se apresentar ao público ao mesmo tempo em que estabelece uma

relação de comunicação verdadeira. Este pesquisador explicita o modo como acredita que o

 palhaço envolve o público ao longo do espetáculo através da imagem metafórica de uma

―isca‖ que é lançada pelo palhaço na sua entrada e a partir do momento em que ―fisga‖

alguém, passa a se ampliar até transformar-se numa rede de pesca que abarcará todos os

 presentes. (Puccetti in Ferracini, 2006: 143). Destaca ainda que uma boa tática a ser utilizada

21 A reflexão sobre a importância do começo não é exclusividade do universo do palhaço, podendo ser observadaem estudos sobre diversas outras formas de arte, como o teatro, a dança, a música e até mesmo a literatura.

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ao se lançar a isca pela primeira vez é perceber no meio da audiência aqueles que se mostram

imediatamente mais disponíveis para, através deles, ir abarcando toda a platéia, ao invés de se

centrar em quem parece não estar gostando, o que o palhaço iniciante muitas vezes tem a

tendência a fazer.

Procedimento semelhante é trabalhado por outros artistas. O espanhol Pepe Nunez

utiliza a metáfora de uma bolha que simboliza o movimento de envolver as pessoas no seu

espaço de jogo. O palhaço entra em cena cercado pela sua bolha (seu universo cômico

 pessoal) e busca fazer com que ao longo do espetáculo essa bolha se expanda

 progressivamente até que estejam nela envolvidos todos os presentes. (Matos, 2009: 138 e

139)

Cada palhaço possui uma maneira pessoal de trabalhar a entrada e o envolvimento progressivo do público. Avner utiliza-se de uma técnica também ligada à respiração. Ele

afirma que os estudos de Neurolinguística e Hipnose o ajudaram a compreender que uma das

maneiras mais eficazes de entrar em conexão com uma pessoa é refletir ―a postura dos outros,

os gestos, o tom da voz‖ (Eisenberg, entrevista para a autora, em anexo) provocando afinidade

entre os corpos, o que instala uma sensação de conforto. Tal procedimento é válido e eficiente

ao se estabelecer uma conversação com alguém pela primeira vez, por exemplo. Mas no caso

do show ele se torna impossível, uma vez que são várias pessoas que precisam ser envolvidas.A partir desta constatação, Avner desenvolveu uma técnica, baseada na respiração, que

 permite que de forma muito rápida toda a platéia entre em conexão com ele.

O espetáculo tem início com o palco vazio. Alguns segundos antes de sua entrada

ouvem-se os primeiros acordes de uma música. Em seguida, Avner surge lentamente em uma

das extremidades do palco, olhando para a platéia. De início, vemos somente o seu rosto,

depois o tronco inteiro, mantendo ainda as pernas fora de cena. O palhaço está com todo o ar

retido nos pulmões, pois antes de entrar realizou uma inspiração profunda cujo ar propositadamente não foi liberado. Após olhar por alguns instantes o público daquela noite,

Avner faz uma profunda expiração. A audiência repete o movimento de expiração, quase sem

 perceber, e se estabelece imediatamente uma relação de conforto entre palhaço e público.

Depois disto, ele ainda permanece parado por alguns instantes, apenas respirando e olhando as

 pessoas com quem dividirá a próxima hora. É uma maneira de observar e começar a entender

o público daquela noite, ao mesmo tempo em que instala um ritmo diferenciado daquele em

que todos se encontravam antes da sua entrada. Em seguida, anuncia através de gestos que vai

dar início à limpeza do palco e principia a ação.

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Avner afirma que o sucesso de sua entrada é conseqüência do esvaziamento do estado

de tensão em que ambos, platéia e palhaço, se encontram antes do início do show. O palhaço

está nervoso porque espera que o público goste do que ele fará naquela noite. Por outro lado, a

 platéia encontra-se ansiosa, torcendo para que não tenha sua próxima hora desperdiçada

assistindo a um espetáculo maçante. Quando se anuncia o início do show, ambos inspiram e

retém o ar, automaticamente, porque essa é a atitude que todos temos quando algo novo vai

acontecer, um reflexo natural de defesa do corpo, que sequer percebemos, mas que realizamos

diante de qualquer novo acontecimento ou proposta. A expiração conjunta provocada por

Avner imediatamente faz com que esta tensão inicial se dissipe, dando lugar a uma sensação

de conforto.

Ao assistir Exceptions to gravity mais de uma vez, pude verificar a real eficiência detal procedimento, mesmo diante de públicos diferenciados. Um ponto importante é que esta

 primeira expiração conjunta garante que se estabeleça uma forte conexão das pessoas do

 público com o Avner e também entre elas. Cria-se uma unidade na plateia provocada pelo fato

de todos estarem, sem necessariamente perceber, respirando num ritmo semelhante ou mesmo

igual, o que vai facilitar toda a comunicação posterior do palhaço.

1.3.3 TriangulaçãoA triangulação é um mecanismo essencial ao jogo da máscara, em que se pode inserir

o palhaço. Ela garante a criação de um canal de comunicação direto do público com a ação

que está sendo desenvolvida. A escolha desta nominação se deve ao fato de que se desenvolve

um jogo de olhares capaz de construir uma representação geométrica, imaginária, que adquiri

o formato de um triângulo

(...) Um dos vértices desse triângulo é ocupado pelo artista que está em cena e

conduz o olhar dos espectadores; outro vértice é ocupado pelo público, com quem oartista se comunicará; e para fechar o triângulo, o terceiro vértice é ocupado poraquilo que o artista quer comunicar (pode estar ligado a uma pessoa, situaçãoadvinda da plateia, ou de seu companheiro de cena, algum objeto, ruído, ou mesmoalgo que ocorre no próprio corpo do ator, em seu figurino, por exemplo). (Matos,2009: 47)

A triangulação é ―uma estratégia para colocar o público dentro do espetáculo e para

que o mesmo não disperse sua atenção em relação ao que está acontecendo.‖ (Wuo, 131:

2005). Ela se opera através de uma divisão do olhar com o público a cada novo

acontecimento. Algo muda, um novo problema se instala: olha-se para a plateia. ―A máscaradeve abordar diretamente o público a cada mudança que ocorrer na situação, e

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conseqüentemente, no objetivo, na urgência, no estado, na ação.‖ (Achcar, 2005: 147). Este

 procedimento garante uma organização da cena e da comunicação com o público que revela-

se essencial para o jogo do palhaço.

 Não encontrei no Inglês, língua nativa de Avner, um sinônimo exatamente equivalente

a triangulação. O mais próximo disso é a expressão check in with the audience, que pode ser

traduzida como ―checar com  a platéia‖. Segundo seu ponto de vista, ainda que muitos

 professores estimulem o uso do check in,  Avner considera este procedimento bastante

condenável. De fato, em seu show ele triangula com o público menos do que a maioria dos

 palhaços, justificando tal escolha por dois motivos distintos.

O primeiro deles, explicitado na entrevista concedida a Christopher Lueck, também

 possui relação com os seus pensamentos a respeito da respiração do público. Segundo ele,cada vez que mudamos o foco do nosso olhar para uma nova direção, inspiramos. Nós o

fazemos por um mecanismo de alerta de nosso sistema psicofísico, que ao ser confrontado

com algo novo se protege através da inspiração. Quando percebemos estar novamente em

segurança, nós expiramos. Aplicando tal teoria à cena, quando o palhaço está realizando uma

ação e a interrompe para olhar para a plateia, ele inevitavelmente irá inspirar, por causa da

mudança de foco do olhar, provocando também a inspiração do público. Isto faz com que a

todo o momento se instale um estado de alerta no público que não é vantajoso para oespetáculo. Avner afirma que ele próprio costumava triangular muito mais, dividindo o olhar

com a audiência a cada novo momento da sequência. Até descobrir que é possível permitir à

 plateia simplesmente acompanhar o problema em que se meteu para, somente quando ele já

foi solucionado, dividir o olhar com ela. Porque então ele poderá inspirar em conseqüência da

mudança no foco do olhar e logo em seguida expirar aliviado porque finalizou o problema. E

a platéia inspira e expira com ele, relaxando. De acordo com a sua teoria, através deste

 procedimento é possível obter muito mais riso do público do que se a cada mudança na açãodividirmos o olhar.

O segundo ponto, que faz com que ele condene a utilização excessiva da triangulação,

é que, de acordo com o seu ponto de vista, ela coloca o palhaço num estado de inferioridade

em relação à plateia, como se estivesse o tempo inteiro querendo a confirmação de que está

indo bem, o que acaba por cansar a audiência. Avner compara esta atitude, observada na

atuação de muitos palhaços, com a que as crianças pequenas têm em relação a seus pais,

dividindo tudo o que fazem com eles e esperando por um sinal de elogio e aprovação. Avner

questiona: ―É este o tipo de relação que você quer que o público tenha com você? (Eisenberg,

entrevista para a autora, em anexo)

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Acredito que o termo em Inglês check in wih the audience facilite um entendimento da

triangulação como esta simples necessidade de averiguação do palhaço sobre quais estão

sendo as reações do seu público. No entanto, parece-me que o olhar que o palhaço lança à

 platéia durante a triangulação não precisa, necessariamente, ser o de quem está solicitando

aprovação. A triangulação tem um papel muito mais importante do que esse, servindo,

inclusive, para organizar o tempo-ritmo da cena, fundamental para o jogo do palhaço.

Apesar de ter, em seu discurso, um posicionamento bastante radical em relação à

triangulação, ela está consideravelmente presente em  Exceptions to gravity. Avner olha de

forma direta para o público em diversos momentos do espetáculo, como quando comemora a

solução de um problema que enfrentou ou ao receber aplausos. Na verdade, a principal

diferença que se pode observar em relação à maneira como a maioria dos palhaços faz é queAvner não olha diretamente para a platéia enquanto está envolvido com as tentativas de

solucionar algum dos diversos problemas que enfrenta ao longo de todo o espetáculo. No

entanto, continua dividindo com a audiência as mudanças que vão acontecendo, uma vez que

respeita o tempo de suspensão da ação, onde aconteceria também a divisão do olhar. Desta

forma, parece-me que garante a utilização da triangulação, mantendo a especificidade de não

realizar a quebra também através do olhar direto para o público. Isto porque, segundo a sua

 percepção, este olhar enfraquece a relação com a platéia, por provocar excessivas inspiraçõesde ar. É possível dizer que Avner encontrou uma maneira particular de realizar a triangulação,

 potencializando a sua eficiência dentro daquela estrutura específica.

1.3.4 Voluntários

Fonte: http://www.kosmix.com/topic/avner_eisenberg, créditos indisponíveis

A utilização de voluntários do público é bastante comum em shows de palhaço.Porém, a maneira como Avner a realiza traz algumas particularidades que merecem uma

análise mais detalhada. Ele produziu um texto denominado justamente ―Trabalhando com

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voluntários‖, em que apresenta alguns tópicos que podem servir como base para este trabalho.

Tais tópicos, desenvolvidos a partir dos conhecimentos que foi acumulando ao longo dos

anos, tinham por objetivo organizar um pensamento que pudesse ser transmitidos a outros

 palhaços. São estes:

Faça o seu voluntário se sentir bem. O objetivo é fazer com que o resto da platéiadiga para si mesma: ―Aquilo parece divertido. Talvez eu seja escolhido da próximavez.‖. Obtenha o acordo antes de fazer contato- venha com uma proposição.Seja claro no que você quer que o voluntário faça.Entre no espaço próximo ao provável voluntário. Não tenha medo da rejeição.Faça o voluntário se sentir como o escolhido, não como se você precisasse dele parase salvar.

 Nunca coloque no palco alguém que não quer ir. Se o voluntário estiverdesconfortável ou sem colaborar, retorne- o à sua cadeira e se desculpe gentilmente,assim o próximo voluntário vai saber que será bem tratado.

Leve a culpa se o voluntário fizer alguma besteira. Exemplo: se uma bola for jogadaacima da sua cabeça, reaja como se você estivesse no lugar errado, ao invés de comose a bola tivesse sido mal jogada.Se o voluntário estiver feliz, a audiência estará feliz. Leve o tempo necessário parater certeza de que o voluntário está respirando.Use verbais e não-verbais comandos.Sempre tranquilize o voluntário de que ele está fazendo bem e que independente doque ele fizer, está correto.Descubra verbais e não verbais táticas para se aproximar do voluntário. (Eisenberg,http://www.avnertheeccentric.com/vounteers-portuguese.php, acesso em 12 deJaneiro de 2010)

Alguns destes tópicos serão discutidos no presente texto, a partir da exemplificação e

análise de momentos do espetáculo. Ainda que em Exceptions to gravity diversas pessoas do

 público ocupem o papel de voluntários para a realização de pequenas ações, Avner mantém

uma relação constante com uma única mulher, pela qual ele mostra estar apaixonado e que eu

vou nomear a partir de agora como ―a escolhida‖. O desenvolvimento desta relação auxilia a

construção dramatúrgica do show, na medida em que se torna um elemento que se repete

sempre, como as quedas do chapéu ou o equilíbrio de objetos.

A relação inicia-se concretamente no momento em que ele machuca o dedo e realiza onúmero clássico em que pede um beijo para sarar a dor, seguido por outro machucado e outro

 beijo, como já descrito anteriormente. Depois disso, o espetáculo é constantemente pontuado

 por comentários diretos feitos à ―escolhida‖. Cito alguns dos momentos em que isso acontece:

tendo nas mãos uma longa pena, com a qual realizará pequenos números, como equilibrá-la

no nariz e andar sobre os joelhos e voltar a ficar de pé sem deixá-la cair, Avner insinua

utilizá-la também para fazer cócegas na ―escolhida‖; em outro momento pede a sua ajuda para

retirar de dentro da calça um tubo de copos que acidentalmente caiu ali; mais à frente tira umafoto dos dois juntos com a máquina que ―roubou‖ de outra pessoa da platéia.

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 Num dos últimos números do show, Avner trabalha com a participação de toda a

 platéia. Trata-se de um concerto, no qual ele é o maestro e o público, seus músicos. Depois de

receber efusivos aplausos por equilibrar uma escada no queixo, percebe que pode manipular a

manifestação sonora da plateia. Passa então a comandar subidas e descidas de volume de

acordo com os seus gestos. Diante do  bom desempenho dos seus ―músicos‖, aumenta o grau

de dificuldade da proposta, dividindo a plateia em grupos que deverão seguir comandos

diferenciados, formando uma música executada pela multidão. O público das duas

extremidades passa a ter que gritar enquanto quem está no meio assobia.

Rapidamente, Avner localiza alguém na platéia do meio que não sabe assobiar e

interrompe o número para se dirigir a essa pessoa. Pede a ela que se levante e diante da

confirmação de que realmente ela não sabe assobiar Avner a abraça, lamentando efusivamentesua falta de talento. Carinhosamente, ele a pega pelo braço, demonstrando que tem uma

solução para o problema. Avner atravessa a platéia com a pessoa ao seu lado, entre risos do

 público, levando-a sempre cheio de pena e carinho. Surpreende-nos então com a solução que

encontra para o problema: expulsar a pessoa do teatro. A platéia gargalha diante de tal atitude,

especialmente porque ela quebra a expectativa quanto à relação que vinha se estabelecendo

até então. Mas Avner desiste de mandá-la embora e direciona-se, juntamente com a moça, à

―escolhida‖, que está sentada na parte da platéia que deve apenas gritar. Pede então para queela assobie. Verificando que a ―escolhida‖ sabe fazê-lo, o que aumenta ainda mais o seu amor

 por ela, o palhaço descobre nova forma de solucionar a questão: troca as duas de lugar na

 platéia. Resolvido, a moça que não sabe assobiar precisará apenas gritar.

 No final do concerto, Avner volta para a platéia para destrocar as duas mulheres de

seus lugares. Dirige-se primeiramente à ―escolhida‖ e a leva pela mão até o seu lugar de

origem, onde ajuda a que não sabe assobiar a se levantar, sem permitir que a ―escolhida‖

sente. Ele segura cada uma delas por uma das mãos e as leva até a cadeira de origem da quenão sabe assobiar. Depois de uma pequena confusão onde se embolam os braços dos três,

Avner finalmente consegue fazer com que ela se sente, liberando-a. Ao invés de direcionar a

―escolhida‖ de volta para a sua cadeira, ele a leva para o palco, provocando novas gargalhadas

de toda a platéia.

Com este confuso percurso até o palco ele consegue fazer com que a ―escolhida‖ suba

ali quase sem se dar conta, diferente de muitos artistas que transformam este num momento

de grande tensão para quem vai subir, que se percebe o centro das atenções e pode facilmente

desistir. Além disso, a maneira progressiva como Avner desenvolve a relação com a

―escolhida‖ ao longo de todo o show permite que quando ele a leve para o palco ela já se

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encontre tão à vontade, sentindo-se mesmo parte do espetáculo, que não oferece nenhuma

resistência para permanecer ali. Ao invés de se sentir desconfortável e apreensiva, o que

muitas vezes acontece nos espetáculos que se utilizam de voluntários, Avner desenvolve o

tempo inteiro a relação de maneira que a ―escolhida‖ se sinta feliz e orgulhosa por estar nesse

lugar. Evidenciam-se assim dois dos princípios por ele preconizados: ―Faça o seu voluntário

se sentir bem. O objetivo é fazer com que o resto da platéia diga para si mesma: ´Aquilo

 parece divertido. Talvez eu seja escolhido da próxima vez‖, o que se justifica através de um

outro: ―Se o voluntário estiver feliz, a audiência estará feliz.‖.  (Eisenberg,

http://www.avnertheeccentric.com/vounteers-portuguese.php, acesso em 12 de Janeiro de

2010)

Avner estabelece esta mesma relação de conforto e cuidado com todos os outrosvoluntários de que se utiliza. O que não significa que ele seja o tempo todo ―bonzinho‖. Em

alguns momentos, o palhaço transforma a outra pessoa no motivo do riso, especialmente

quando ela se mostra incapaz de entender alguma proposta que ele tenha feito. Em um dos

espetáculos que eu assisti, a ―escolhida‖, quando já estava no palco, foi convidada a sentar

numa cadeira colocada no centro. Diante da sua demora em realizar a ação, Avner repetiu o

 pedido e ela apontou para si própria, como a perguntar se era ela quem deveria se sentar. Com

gestos, ele disse que sim e apontou para o resto do palco vazio, mostrando que não poderiaestar se referindo a mais ninguém. Mas Avner faz isso de uma forma que a própria pessoa

também ri de si, acompanhada por ele e pelo restante do público. Até porque este palhaço já

deu mostras suficientes de sua própria incapacidade de lidar com os problemas mais simples,

então é bastante cômico vê-lo sinalizar a dificuldade alheia de entendimento.

Por outro lado, quando Avner solicita algo de um voluntário e este atende ao seu

 pedido de maneira incorreta ele sempre age como se o erro tivesse sido seu, de maneira a não

inibir a pessoa a continuar tentando, como se confirma no seguinte tópico: ―Leve a culpa se ovoluntário fizer alguma besteira. Exemplo: se uma bola for jogada acima da sua cabeça, reaja

como se você estivesse no lugar errado, ao invés de como se a bola tivesse sido mal jogada.‖

É muito comum ver palhaços que diante do erro do voluntário brigam com ele para que da

 próxima vez acerte, mas é muito mais interessante ver o palhaço botando a culpa em si

mesmo. Especialmente porque está claro para toda a platéia que não foi ele quem errou,

contribuindo para reforçar a maneira inversa com que ele percebe todas as situações.

1.3.4.1 Aikido

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Avner pratica constantemente o Aikido, arte marcial japonesa criada em 1940.

Segundo o palhaço, ela fornece uma base de treinamento importante para o seu trabalho com

os voluntários. De acordo com O´Sensei Morihei Ueshib, fundador desta prática "Aikido não

é uma técnica para lutar com ou derrotar o inimigo. É o caminho para reconciliar o mundo e

fazer dos seres humanos uma só família." (http://www.Aikidobr.com.br/Aikido/ acesso em 03

de Julho de 2011)

 Não existem competições nem disputas no Aikido, cuja prática em geral é composta

 por aquecimento e alongamento do corpo e treinos de técnicas de aprisionamento, torções,

 projeções e rolamentos, através das quais são trabalhados fisicamente os princípios do Aikido.

Dentre eles, tem destaque o de não-resistência, através do qual o praticante desenvolve a

sensibilidade para acompanhar a energia do parceiro de forma harmoniosa, ao invés de seopor a ele.

Enquanto a base de grande parte das lutas marciais está no enfrentamento, na disputa

de força e espaço com o oponente, o princípio do Aikido é justamente o contrário. Quando o

oponente ataca, ao invés de oferecer resistência deve-se perceber o direcionamento do

movimento proposto e aproveitá-lo, indo na mesma direção anunciada por aquele que avança.

A inexistência de oposição leva o corpo do outro à queda, por isso ao observar um treino do

Aikido tem-se a impressão de que ele é composto basicamente por quedas e levantamentos.De acordo com Avner, o Aikido trabalha essencialmente sobre como se manter o

tempo todo em equilíbrio e na vertical. Além de como se apropriar do espaço onde se está,

mantendo-se sempre em prontidão para deixá-lo, caso alguém o queira mais do que você. Ele

define essa luta como um jogo físico de contato, que quando bem realizado acontece sem que

a outra pessoa sequer perceba que está sendo tocada. O objetivo de Avner com o treinamento

físico é atingir uma forma muito suave e ao mesmo tempo muito expansiva do Aikido, através

de exercícios que possibilitam um aprendizado profundo sobre como se manter no controle darelação com o espaço e com o outro, independentemente do que aconteça a sua volta.

(Eisenberg apud Lueck, 2011: 61)

Durante a entrevista que realizei com este mestre, pude experienciar fisicamente o

funcionamento dos princípios do Aikido. Diante da minha pergunta sobre qual era a relação

desta prática com o desenvolvimento do trabalho com os voluntários, Avner me propôs que

levantássemos para que ele pudesse me fazer entender, através do meu próprio corpo, qual era

a relação que estabelece entre as duas coisas. O relato a seguir faz parte do material da

entrevista:

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Ponha a mão no meu ombro. (Avner iniciou a demonstração solicitando queeu empurrasse seu ombro. Ao invés de se opor ao meu movimento ele cedia a ele,indo para a mesma direção para qual eu o empurrava. O que fazia com que eu

 perdesse o equilíbrio) Empurre, empurre. (Continuamos por mais um tempo até queeu quase caí no chão, o que não aconteceu apenas porque ele me segurou antes

disso) Eu posso lutar com você. Mas eu faço muito melhor sendo receptivo e amável(Seguindo sua instrução, avanço novamente em sua direção e ele apenas desvia.

 Mais uma vez eu perco o equilíbrio) Você quer ir lá? Vá lá... Agora, outra coisa.Puxe aqui. ( Pediu para que eu puxasse com força a sua mão para baixo. Novamenteao invés de se opor ao movimento ele cedeu a ele, indo na mesma direção).  Eu sintoque você quer ir nesta direção. Então eu te ajudo. Agora eu sinto que você quer ir

 para lá, te ajudo também. A minha questão é perceber o direcionamento do seumovimento e aproveitá-lo. Essa é a base do Aikido. Não é sobre força. Você só

 precisa de um dedo (ele coloca um dedo no meu cotovelo e apenas com ele comandaa direção que o meu corpo deve seguir, fazemos isso durante algum tempo) (...) Porum olhar filosófico, esta é a relação que deve ser estabelecida com a platéia. Euempurro você e você vai: ―Ok, o que tem de interessante aqui, deixe-me ver...‖Existem muitas aplicações interessantes no Aikido para o trabalho com voluntários.

Por exemplo, no Aikido nós aprendemos a comandar o movimento sem força.(levantamos de novo e ele demonstra como faz para conduzir o movimento dovoluntário sem que ele se dê conta. O contato da sua mão com meu corpo é muito

 suave, mas ainda assim direciona o meu movimento). Você está vendo?Eu quasenão te toco... É muito suave e a pessoa nem sabe que você está encostando-se a ela.Ela realmente não se dá conta.(Eisenberg, entrevista para a autora, em anexo)

A partir desta experiência prática eu pude verificar uma relação estreita entre o Aikido

e a técnica denominada contato-improvisação, criada por Steve Paxton no início dos anos 70,

cujo treinamento fez parte de diversos momentos da minha formação como palhaça,

especialmente nas aulas de ―Jogo e Relação‖ ministradas por Flávio Souza.

Basicamente o contato-improvisação é uma técnica que investiga a improvisação e a

exploração de movimentos a partir do estabelecimento de pontos de contato físico e troca de

 peso.

Os movimentos surgem da experiência do toque e da relação de dar ereceber o peso do corpo, tomando consciência dos vários aspectos dessa troca. (...)ensina como sentir o peso e como entrar em relação com o outro. É umainvestigação sobre o movimento a partir de leis naturais que interferem no corpoquando este se propõe a sair do estado de inércia, descobrindo que mecânica está

implicada quando o corpo se move. (Carvalho, 2009: 52)

Parece-me que tanto o contato-improvisação quanto o Aikido podem ser pensados

como treinamentos que sensibilizam o corpo, tornando-o capaz de prontamente entrar em

relação, ser afetado e responder aos estímulos recebidos do outro. Uma resposta que não nega

a proposição alheia, pelo contrário, confirma-a, tornando possível entrar verdadeiramente em

relação e até mesmo conduzir a maneira como esta relação vai se desenvolver. Por exemplo, o

conhecimento das relações de peso e força faz com que seja possível a Avner conduzir o

movimento do voluntário através de toques suaves, quase imperceptíveis, mas que vãodirecionando o corpo do outro para onde ele deseja que vá.

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Ao estar aberto ao estabelecimento de uma relação que não se dá através da imposição,

o palhaço pode ainda transformar a proposição de um voluntário ou de todo o público, de

maneira a que algo que a princípio contrarie a sua idéia inicial seja também interessante. O

seguinte exemplo, onde Avner relata o que aconteceu em uma de suas apresentações durante o

número em que faz o concerto com a platéia confirma o acima exposto:

Houve um festival em que todo um lado da plateia, eu não sei como elesconseguiram aquilo, porque eram realmente todos, ficou em absoluto silêncio. Elesdecidiram não fazer o som. Eu acho que muitos palhaços iriam (faz um gestoapontando o dedo, como se estivesse repreendendo o público)  obrigá-los a fazeraquilo. Mas eu: ―Uau! Incrível! Muito bonito‖ e ia para o outro lado da plateia, quefazia o som e voltava para eles: silêncio. E os elogiava. ―Muito bem!‖ É muito maisinteressante. Esse é o grande principio, você sabe, o princípio de todos os princípiosé: ―Seja interessado. Não interessante.‖(Eisenberg, entrevista para a autora, em

anexo)

É possível afirmar que o Aikido é um dos treinamentos possíveis ao palhaço para que

ele estabeleça as relações muito mais a partir da escuta, do recebimento, da acolhida ao que é

externo a si do que pela sua imposição, pela busca em dominar a plateia. Este princípio pode

ser facilmente aplicado ao trabalho com os voluntários, como explicitado acima, mas me

 parece que encontra eco em algo ainda maior, sendo revelador da relação que o artista deve

estabelecer com toda a sua criação. 

1.3.5 Improvisação

O termo improvisação pode ter sentidos muito diferentes, de acordo com o contexto

em que está sendo utilizado. Refere-se tanto à base dos jogos teatrais desenvolvidos por Viola

Spolin, por exemplo, quanto à técnica do teatro-esporte, fundada por Keith Johnstone e que

vem conquistando cada vez mais adeptos e se firmando na atualidade como um espaço

importante de investigação e prática dentro do teatro. Até mesmo dentro do universo

específico do palhaço este termo adquire significações diversas. Para dar conta daquela que

acredito estar mais próxima da maneira como Avner trabalha em seu espetáculo, opto por

 pensar a improvisação a partir da Commedia dell'Arte. 

O início da Commedia dell'Arte remonta a meados do século XVI. Este gênero teatral,

de origem italiana, teve uma incrível capacidade de recriação ao longo do tempo, o que lhe

 permitiu vigorar por mais de dois séculos na Europa, devido a um engenho ―tão

mercadológico quanto artisticamente expressivo‖ (Rabetti, 1997: 76). Entre as suas principais

características é possível destacar a importância basilar ocupada pelo ator, que dominava primorosamente técnicas corporais e vocais, a estruturação do grupo como uma companhia

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formada por atores profissionais e instaurada juridicamente e um modelo de composição

dramatúrgica que permitia a existência de um amplo repertório, adaptável às mais diversas

ocasiões e públicos.

Este gênero deixou uma riquíssima herança no que se refere ao teatro cômico popular,

tendo exercido influência determinante em diversos autores teatrais, entre eles Shakespeare e

Molière. No processo de reteatralização do teatro que se observou no século XX, o seu estudo

foi retomado por importantes encenadores, como Vsévolod Meierhold e Jacques Copeau, por

exemplo. O resgate dessa tradição popular foi realizado como um caminho possível na busca

das inovações que consideravam essenciais ao teatro, entre elas, a criação de uma linguagem

específica para o ator, diferente do naturalismo. As técnicas corporais dos comediantes

italianos foram usadas por estes pesquisadores como base para pesquisa sobre o corpo do ator.Embora a Commedia  provoque constante fascínio entre pensadores e artistas, é

impossível dar conta do que ela realmente possa ter sido. Ainda que haja uma extensa

 bibliografia a respeito do tema, ela não se debruça sobre todos os aspectos que compõem este

gênero teatral. Além disso, são escassas as fontes originais a respeito do processo de

 preparação dos atores e o momento da cena, por exemplo.

É possível observar inúmeras divergências e pontos de vista entre aqueles que se

dedicaram a estudar este gênero, especialmente nas questões relacionadas diretamente àatuação. A atenção necessária ao se aproximar do material disponível é apontada por

Mazzone-Clementi ao afirmar que:

Embora nós possamos conjecturar a respeito da Commedia  a partir de uma perspectiva histórica, nós não podemos saber como ela era. Não existem roteiros,nem fotos. Há apenas algumas pinturas, algumas descrições esparsas, e umamultidão de cenários intraduzíveis. Ainda assim, um grande interesse na Commedia continua. Qualquer um pode abrir a gaveta marcada Commedia dell´Arte, mas tendoaberto-a, como saber o que escolher dali? Para alguns, a Commedia significa uma

 poeirenta reencarnação das posturas e poses de um Callot22, charmosas enquantodesenhos, mas mortas no palco. (Mazzone-Clementi, extraído dehttp://www.dellarte.com/dellarte.aspx?id=257, acesso em 16 de Novembro de 2010,tradução minha)23 

22  Mazzone- Clementi refere-se à coletânea de gravuras de Jacques Callot intitulada Balli di Sfessania que foiconsiderada durante longo tempo como registro legítimo da Commedia, sendo reproduzida em diversos livrosque abordavam o tema. Hoje, no entanto, já está provado que tratava- se apenas de uma reinterpretação pessoaldo gênero feita por este artista.23 Although we can conjecture about commedia in a historical framework, we cannot know what it was like.There are no existing scripts, no photos. There are only a few paintings, a few sparse descriptions, and a horde of

mostly untranslated scenarios. Yet, a great interest in commedia continues. Anyone can open the drawer markedcommedia dell'arte, but, having opened it, how does one know what to choose from it? For some, commediameans a dusty reincarnation of the postures and poses of a Callot, charming in print, but deadly on the stage.Anyone can open the drawer marked commedia dell'arte, but, having opened it, how does one know what to

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Um dos pontos mais polêmicos que vem permeando os estudos da Commedia refere-se

 justamente à improvisação. Até hoje não existe um consenso dos pesquisadores sobre a

maneira como ela acontecia e que papel ocupava na estrutura de que fazia parte. Ainda são

escassos os estudos sobre este ponto específico e as opiniões divergentes evidenciam que este

é um tema ao qual ainda merecem dedicar-se muitas pesquisas. Existe, porém, um ponto de

vista que vêm se solidificando e é com ele que me afino nesta pesquisa.

Durante longo tempo, a improvisação foi entendida como uma espécie de falta de rigor

e compromisso, como se os atores tivessem no palco liberdade para criar livremente, a partir

de um dom natural e sem precisar se basear em nenhuma dramaturgia. Hoje se sabe que a

improvisação ocupava um papel bastante diferente, ainda que não possa se definir com precisão que papel era este. Há estudos que apontam que durante os espetáculos, a

improvisação se dava através da utilização de uma linguagem codificada, através da qual os

atores, em permanente relação com a plateia, determinavam a partir de suas ações quais

seriam as escolhas subseqüentes mantendo-se fiéis aos limites impostos pelos seus papéis.

É possível perceber que ao invés de uma forma primária de sobrevivência, baseada

apenas num modelo simplificado de improvisação, como a Commedia dell´Arte foi por longo

tempo encarada, tratava-se de um gênero teatral complexo que exigia dos cômicos habilidadesespecíficas e um profundo domínio técnico. É o que afirma Dario Fo:

Os cômicos possuíam uma bagagem incalculável de situações, diálogos,gags, lengalengas, ladainhas, todas arquivadas na memória, as quais utilizavam nomomento certo, com grande sentido de timing , dando a impressão de estarimprovisando a cada instante. Era uma bagagem construída e assimilada com a

 prática de infinitas réplicas, de diferentes espetáculos, situações acontecidas tambémno contato direto com o público, mas a grande maioria era, certamente, fruto deexercício e estudo. (Fo, 1998: 17)

A apresentação que faço da maneira como se dava a improvisação na Commedia

dell'Arte se deve ao fato dela possuir estreita relação com uma das formas em que aparece no

universo do palhaço. Trata-se do que Luis Otávio Burnier denominou como improvisação

codificada (2009: 218). O palhaço possui um amplo repertório formado por seus números,

 gags e etc. Por mais que exista uma dramaturgia razoavelmente estabelecida, há sempre um

nível de abertura, de porosidade, que permite ao palhaço escolher entre todo o material de que

dispõe qual deve ser utilizado com cada plateia específica, além da possibilidade de inserir

novos elementos.

choose from it? For some, commedia means a dusty reincarnation of the postures and poses of a Callot,charming in print, but deadly on the stage

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Este tipo de improvisação exige do artista um grande nível de atenção e

comprometimento com a cena, pois precisa estar ao mesmo tempo conectado com o que está

acontecendo no momento presente na plateia e com todos os elementos que compõem o seu

repertório, para que possa fazer rapidamente a escolha do que acionar a cada instante.

O palhaço argentino Chacovachi apresenta a questão da relação do palhaço com a

 plateia e a improvisação através de uma analogia com uma partida de xadrez, que me parece

 bastante interessante. Antes de tudo, ele afirma que a partida é jogada ao mesmo tempo com e

contra o público. O rei é a dignidade e a fonte de energia do palhaço. Se ele perde algum dos

dois, perde o jogo. A rainha é sua personalidade e suas atitudes, é quem defende e ataca e que

 pode levar sozinha à vitória, a que vai para onde quer e quando quer. Jogando sem atitude e

 personalidade é muito difícil o triunfo. Os bispos, cavalos e torres são as rotinas daquele palhaço, fundamentais para estar em cena, podem ser números clássicos, participativos,

excêntricos, de habilidades ou paródias. Os peões representam os chistes e  gags, que podem

ser sacados a qualquer momento. Segundo a maneira como se move o público a cada jogada,

o palhaço irá mover-se. É por isso que apesar do material ser sempre o mesmo, não

acontecem duas apresentações iguais, é impossível prever a maneira como o público jogará a

cada vez. (www.chacovachi.com, extraído em 10 de Abril de 2010)

Esta é uma das maneiras de entender a improvisação na atuação do palhaço e provavelmente a mais frequentemente observada. No entanto, não é a única. Dentro da

 palhaçaria clássica existe outro entendimento, que prevê que o único espaço de improvisação

existente é no alargamento ou diminuição do tempo entre as ações, de acordo com o público e

com o lugar da apresentação de cada noite.

É desta maneira que pensava o palhaço italiano Nani Colombaioni:

Uma coisa é se apresentar numa lona de mil lugares, outra é se

apresentar num teatro de arena, ou ainda num palco italiano ou na rua.Haverá dias com mais adultos na plateia e outros com mais crianças ouidosos. O público pode estar mais perto de você ou mais longe. Tudo isso vaiinterferir no seu jeito de atuar, porque as suas ações vão chegar de formasdiferentes para o público dependendo de cada realidade. Diante de tantasincertezas as únicas coisas que lhe restam são a eficiência do roteiro que você

 já sabe que funciona e o fato de estar vivo em cena. Tem que ser fiel aoroteiro, sem ignorar a realidade de cada plateia. Isso fará com que umespetáculo nunca seja igual ao outro, apesar de você estar fazendo aquilo pelamilésima vez. Isso é improvisação para mim. (Colombaioni apud Libar,2008: 135 e 136)

Durante a entrevista que realizei com Avner, perguntei sobre de que maneira a

improvisação estava presente em sua atuação. A princípio ele negou a sua presença ―Eu

improviso em todos os minutos do meu dia. Exceto quando estou no palco‖.  (Eisenberg,

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entrevista para a autora, em anexo) Mas com o decorrer da conversa ele apresentou a sua

teoria a respeito, que vai de acordo à idéia de que na atuação do palhaço existe uma

improvisação com leis e regras determinadas. Comparou a atuação do palhaço a um sistema

computacional, onde existem milhares de caminhos internos que podem ser percorridos, mas

que no final devem levar sempre ao mesmo lugar:

Você faz alguma coisa, eles riem, você faz isso. Você faz a mesmacoisa, eles não riem, você não faz a mesma coisa, você faz aquilo. Nãoimporta. Então a coisa toda é uma série de decisões ramificadas. Quandoalguém, por exemplo, tira uma foto de você durante o show. Ele fica em pé e―click!‖, com um flash bem forte. O que você faz? Bem, você pode não fazernada; você pode parar, se arrumar e posar para a foto; você pode ir lá e tirar acâmera da pessoa; levar a câmera para o palco e tirar uma foto de todo o

 público; você pode entregar a câmera a outra pessoa e pedir para que tire uma

foto de vocês dois. Enfim, eu posso ficar nisso por um longo tempo. Mascada uma dessas opções indica uma decisão e conduz a um caminho na redede decisões. Mas quando você termina, precisa estar exatamente ondecomeçou. (Eisenberg, entrevista para a autora, em anexo)

Ao assistir à atuação de Avner ao vivo cinco vezes tive a chance de observar os

mesmos trechos do espetáculo sendo realizados em espaços diferentes e para públicos

distintos e refletir sobre a maneira como ele trabalha a improvisação. É espantosa a precisão

com que ele realiza as ações, dando a impressão de que repete tudo exatamente da mesma

forma a cada dia. Porém, a relação com a plateia exige um nível de abertura no espetáculo que

conduz inevitavelmente a sutis modificações. Avner não chega a mudar a ordem dos números

e nem opta por um material diferente do que havia previsto antes do início do espetáculo de

acordo com a reação do público. Mas prolonga ou diminui determinada sequência

dependendo do envolvimento da plateia com a proposta, por exemplo.

O espaço que a improvisação tem em  Exceptions to gravity  ficou bastante claro

quando pude observar repetidamente o número do concerto, onde toda a audiência é utilizada

como voluntária. Em geral, o público adere completamente à proposta, fazendo com queAvner a elabore cada vez mais. Como já foi dito anteriormente, determina sons diferenciados

 para cada parte do público: uma parte grita, outra assobia e a outra apenas bate com os pés no

chão. O concerto segue até um  grand finale  que envolve todos os presentes. O público

levanta-se para aplaudir de pé. Neste momento, Avner vira-se de costas, agradece a uma

 plateia imaginária localizada no fundo do palco, retorna para a frente e, caso o público real

ainda não esteja de pé, solicita que se levantem para também agradecer. As pessoas levantam-

se e curvam-se, entre divertidas e envergonhadas por estarem cedendo à proposta. Mas uma

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inevitável olhada discreta para as cadeiras ao lado confirma que todos os ―músicos‖ estão

agradecendo. No fim, novas palmas, agora para Avner e para si próprios.

Em um dos espetáculos que assisti, porém, não houve uma adesão total à proposta

musical e apenas parte da plateia estava participando da orquestra. Avner finalizou-a antes,

fato imperceptível para os demais espectadores, mas que certamente garantiu que ele fosse

aplaudido com um entusiasmo que não aconteceria caso tivesse prolongado o número até

onde geralmente é o seu final. Terminar garantindo as palmas calorosas era essencial, porque

elas são o gancho para o número seguinte. Desta maneira, o palhaço manteve-se fiel ao

repertório previamente codificado, fazendo os ajustes necessários diante daquele público

específico.

1.4 A técnica dos movimentos

A principal base de formação de Avner se deu, como já foi dito, através dos

conhecimentos adquiridos na Escola de Jacques Lecoq. Ele afirma que chega a ser impossível

mensurar o tamanho da influência do mestre francês, cujos ensinamentos se fazem presentes

no seu trabalho até hoje. ―Lecoq continua olhando por cima de meu ombro toda vez que eu

estou criando algo novo‖ (Lueck, 2011: 56, tradução minha)24. A limpeza de seu gestual, a

maneira como envolve todo o corpo na realização de cada ação e o rigor com que as executasão alguns exemplos observáveis em sua atuação e que confirmam a veracidade de tal

afirmação.

A técnica dos movimentos é trabalhada ao longo de toda a formação dos alunos na

 École e seu principal objetivo é preparar o corpo dos estudantes para que possam incorporar

os conhecimentos a ponto de não ser mais preciso sequer pensar sobre eles. Certamente,

Avner quando está em cena hoje em dia (depois de 38 anos, é sempre válido lembrar) não fica

mais pensando em como criar pólos de oposição entre as partes do seu corpo, por exemplo.Mas eles estão lá, presentes e atuantes. A relação com a técnica preconizada por Lecoq me

 parece ser a mesma que Chacovachi expõe na seguinte declaração: ―Para poder ser palhaço

aprendi muita técnica. No princípio aprendi, depois esqueci.‖ 

(http://www.mundoclown.com.br /chacovachipalhacoargentino, acesso em 10 de Junho de

2011).

Ainda que a técnica dos movimentos seja um dos três eixos centrais do caminho

 pedagógico proposto na École Internationale de Théâtre - os outros dois são: a improvisação

24 Lecoq is still looking over my shoulder whenever I‗m creating something. 

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e o auto-cours  - servindo como base para todo o desenvolvimento do aluno, a produção

teórica por ele elaborada sobre este tema é escassa. Diante da importância de seus

 pensamentos sobre o teatro, é possível dizer que Lecoq escreveu realmente muito pouco.

Possivelmente pela dificuldade de transmitir em palavras as questões de uma pedagogia

criativa e poética que estava sempre em investigação e também pelo receio de que houvesse

um posterior engessamento das suas teorias, uma vez que este mestre nunca procurou

estabelecer uma verdade final, mantendo-se, pelo contrário, ―constantemente mudando,

desenvolvendo, pesquisando, experimentando novas direções e estabelecendo novos

objetivos‖.25 (Martin in Berkoff, 1999: 8, tradução minha). Fica claro que sempre foi muito

mais importante para Lecoq o estabelecimento de parâmetros investigativos que lhe

 proporcionassem novas descobertas e perguntas do que o fechamento de um método único.Assim, diante da escassez do material fornecido por Lecoq, fez – se necessária a

 procura de uma produção teórica complementar, que pudesse alimentar as discussões aqui

apresentadas. Nesta busca, pude encontrar na obra de Vsévolod Meierhold um rico espaço de

diálogo. Este encenador russo foi um dos grandes responsáveis pela revolução teatral do

início do século XX. Sua genialidade e potencial criativo, unidos a uma capacidade imensa de

 produção artística, permitiram que ele se ocupasse e refletisse sobre todos os aspectos que

envolvem a encenação, desde o trabalho do ator até os mínimos detalhes sobre a iluminaçãocênica, por exemplo. Desta maneira, tornou-se antecessor de uma série de questionamentos e

formulações sobre o teatro que se desenvolveram posteriormente, tendo desdobramentos que

alcançam os nossos dias.

Meierhold viveu num momento em que ocorriam profundas transformações na

maneira de se pensar e fazer teatro, especialmente na Rússia. Em busca das inovações que

considerava essenciais ao teatro, percebeu a necessidade da criação de uma linguagem

específica para o ator, diferente do naturalismo. Na busca por elementos que guiassem estecaminho, que deslocava o eixo central do teatro do texto para o ator, foi fundamental o estudo

do teatro oriental, o resgate das tradições do teatro popular, como a Commedia d ell’Arte, o

Teatro de Feira, o Vaudeville (Bonfitto, 2007: 40), além das aproximações com outros campos

artísticos, em especial o Circo (Picon-Vallin in Wallon, 2002: 126). Todas estas aproximações

tinham por objetivo indicar um novo caminho para o ator de teatro e seu trabalho corporal.

Meierhold admirava os artistas de circo por sua polivalência, expressa na execução

exímia de múltiplas habilidades, bem como por terem o sentido do risco como parte

25―constantly changing, developing, researching, trying out new directions and setting new goals.‖ 

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 primordial do movimento de criação e vivência artística. Por isso, foram muitas vezes

convidados para participar dos seus Estúdios, que eram os espaços de experimentação das

novas descobertas e treinamento dos atores. Ali  ensinavam aos atores técnicas circenses,

como jogos com malabares, quedas, saltos e clownaria. Além disso, alguns deles chegaram a

integrar o elenco de seus espetáculos, como, por exemplo, Vitali Lazarenco que interpretava o

Diabo na encenação de  Mistério Bufo, de Maiakovski. Já o encontro com a Commedia

dell´Arte aproximou Meierhold do universo da máscara, cujos princípios passaram a ser

constantemente explorados na sua prática cênica.

Apesar das distâncias que separam os trabalhos de Lecoq e Meierhold, percebo um

lugar de encontro nos princípios sobre o trabalho corporal do ator, que passo a explorar com a

finalidade de trazer elementos para o foco investigativo desta dissertação: o palhaço.De acordo com Lecoq, o movimento é muito mais do que um simples percurso ou o

deslocamento de um ponto a outro. Ele é uma dinâmica na qual o que interessa é a maneira

como são feitos os percursos. A base de seu ensino se constitui no estudo das relações entre

ritmo, espaço e força. A técnica dos movimentos é trabalhada na  École  por três caminhos

distintos. O primeiro deles é a preparação corporal e vocal. O segundo, a acrobacia dramática,

onde são aprendidos e exercitados movimentos acrobáticos sempre a partir do

estabelecimento de uma justificativa dramática que motive aquele determinado movimento,ensinamento seguido à risca por Avner em seu espetáculo quando, por exemplo, realiza uma

surpreendente parada de mão apenas para recolocar em sua cabeça o chapéu que caiu no chão.

O terceiro é o que mais interessará a esta pesquisa: a análise dos movimentos. Ali são

explorados elementos diretamente relacionados à Mímica, numa abordagem que a entende

como um ―treino que viabiliza o desenvolvimento da precisão e da consciência do

movimento; mas o ator deve superar os limites expressivos da mímica e buscar suas próprias

ferramentas‖. (Romano, 2008: 54 e 55)De acordo com Lecoq: ―A análise dos movimentos do corpo humano e da natureza,

das ações físicas no que tem de econômico, está na base do trabalho corporal da escola.‖

(Lecoq: 2010: 116) A partir de um dos capítulos do livro  Le Théâtre du Geste (1987),

 primeira reunião impressa dos pensamentos de Lecoq, formada por palestras e entrevistas

 por ele concedidas, selecionei alguns pontos relativos a análise dos movimentos que me

 parecem de especial importância para um pensamento a respeito do corpo do palhaço. São

estes: ponto fixo, manipulação do impulso, equilíbrio e desequilíbrio e ainda oposições.

Passo a um detalhamento do modo como esses elementos são utilizados por Avner em

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 Exceptions para criar momentos de comicidade buscando, por esse caminho, a exploração

máxima da natureza desta figura.

1.4.1 Ponto fixo

O ponto fixo possibilita uma organização do olhar em relação ao movimento. Num

 processo de mão dupla, ele situa o deslocamento de um movimento, ao mesmo tempo em que

o movimento evidencia o ponto fixo. Serve como princípio de organização da cena, bem

como do corpo do ator e, no presente caso, do palhaço. Numa cena em que todos os atores se

movem ao mesmo tempo fica muito difícil conseguir acompanhar o sentido do que está

acontecendo. Da mesma forma, se o palhaço move várias partes do seu corpo

simultaneamente, sem suspensões que permitam a criação de um foco para o movimento,desviamos constantemente a atenção, que não consegue fixar-se em um lugar determinado.

Lecoq exemplifica dizendo que na mímica ilusionista, ao se colocar um chapéu na cabeça, a

 presença do mesmo será reforçada caso antes ele seja mantido fixo no espaço por um instante

e for vestido com um movimento que engaje o corpo inteiro. (Lecoq, 1987: 102). A

consciência do ponto fixo permite também uma maior clareza na execução e sentido da

gestualidade, contribuindo para que fiquem presentes somente os gestos essenciais à ação.

É bastante perceptível que Avner tem total consciência da importância do ponto fixo para o movimento. Todas as suas ações são extremamente limpas e claras, com desenhos

reconhecíveis no espaço. Além disso, a exploração do ponto fixo permite que ele direcione o

olhar do público o tempo inteiro para o lugar que lhe interessa. Tal recurso torna-se

especialmente importante em números de Mágica, permitindo-o realizar o truque sem que a

 platéia sequer imagine o procedimento de que se utilizou para tal.

 Num dos números de seu espetáculo Avner trabalha com o que parece ser, à primeira

vista, um bichinho de pano comprido e com dois braços pequeninos. Avner manipula esteobjeto com tanta precisão que quase acreditamos que ele tem vida própria. No final do

número ele surpreende toda a platéia ao desenrolá-lo e mostrar que não passava de um

 pedaço de tecido vermelho, que havia sido enrolado de forma a adquirir a aparência desejada.

A eficiência da manipulação deste boneco se deve, em parte, à utilização do ponto fixo.

1.4.2 Manipulação do Impulso

De acordo com Lecoq, toda ação é precedida por um gesto preparatório que

acontece no sentido contrário àquele da ação.

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 No maior deslocamento de um objeto ou de si mesmo (lançar, saltar)criamos, antes do gesto da ação propriamente dita, um gesto em sentido contrário,que serve para definir a sua direção, como que para buscar apoio, para concentrar aforça de propulsão. É o impulso do esforço, seu ímpeto. (Lecoq, 1986: 103)

O impulso do esforço está presente sempre que é necessário um engajamento maior de

todo o corpo na realização de uma ação. Lecoq, cuja formação inicial foi no campo da

educação física, percebeu-o primeiramente nos atletas, que trabalham o tempo inteiro com a

exploração do movimento na direção contraria. É o que acontece, por exemplo, com um

corredor prestes a iniciar uma disputa. No momento em que o primeiro apito anuncia a

 proximidade da largada o corpo realiza um movimento na direção contrária a que tomará em

seguida e que permite que a sua subseqüente partida seja muito mais precisa e potente.

Partindo da observação do corpo dos atletas, Lecoq estendeu a utilização do impulso doesforço para o movimento dos atores.

O que o mestre francês denomina como impulso encontra eco num conceito trabalhado

 por Meierhold e que recebe o nome de otkaz  (palavra russa que pode ser traduzida como

―recusa‖). Otkaz  é um princípio do movimento segundo o qual ―qualquer ação num dada

direção deve começar por uma fase em direção contrária.‖ (Picon -Vallin, 2008: 68). Foi a

 partir da observação de um princípio do teatro oriental, segundo o qual o gesto deve terminar

na direção oposta àquela em que se iniciou que Meierhold elaborou o conceito de otkaz,considerado por ele como a primeira fase na realização do movimento.

Ainda sobre o impulso, vale destacar a colocação do pensador Hubert Godard, que

acrescenta outro elemento muito importante a esse respeito, que é o da relação do impulso do

movimento com o espaço:

A primeira fase de qualquer percepção e de qualquer gesto consiste natomada de referências no espaço. É o modo como vou me orientar que ditará aqualidade do gesto que seguirá. Essa orientação precisa de um mínimo de vetores.

Um vetor que vai ser o substrato, o chão, e o outro que vai ser o espaço, a projeçãono espaço. (Goudard, 2010: 6)

Ou seja, o impulso do movimento se dá numa direção contrária ao gesto que origina

como forma de se organizar referencialmente em relação ao espaço que o cerca, onde irá

encontrar eco para a ação.

Mas como o conhecimento da forma com que se opera o impulso do esforço, ou otkaz,

 pode servir para a criação de um momento cômico? Lecoq explica: ―A supressão do impulso

criará uma surpresa e o disfarce será fazer uma ação com um falso impulso. Um impulso

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desmedido para uma ação mínima criará uma ruptura que o riso equilibrará.‖ (Lecoq, 198 6:

103)

Avner explora em diversos momentos de  Exceptions to gravity este princípio relativo

ao impulso. Seleciono um. Ele está em cima de uma cadeira e precisa descer. Antes de iniciar

a ação ajeita sua camisa e sua calça. Depois, dobra os joelhos como se fosse saltar de uma

distância muito alta. Respira fundo e pula. Porém, o chão está a poucos centímetros de si. A

diferença entre as dimensões do impulso e da ação provoca gargalhadas no público. Em

outros momentos do espetáculo repete a mesma descida da cadeira, conseguindo sempre o

mesmo riso, que agora é provocado não somente pela relação desmedida entre o impulso e a

ação, como também pelo fato de que, dentro da lógica pessoal daquele palhaço, a descida da

cadeira continua sendo algo muito perigoso.

1.4.3 Equilíbrio e desequilíbrio

Uma das maiores contribuições que os artistas de circo forneceram às pesquisas de

Meierhold se deu em relação à percepção da importância da alteração do equilíbrio e de sua

recuperação pela consciência do deslocamento do centro de gravidade do corpo. É o que nos

diz Picon-Vallin na seguinte passagem:

É observando a figura dos malabaristas, e em particular Enrico Rastelli, queMeierhold compreende a importância no trabalho cênico dos deslocamentos docentro de gravidade: o malabarista trabalha com todo o seu corpo e não apenascom suas mãos. O jogo do ator, como o do malabarista, se traduzirá no planocinético em termos de equilíbrio constantemente colocado em perigo, perdido ereencontrado. Não se trata somente da proeza, do desempenho, mas do processotécnico que permite a sua realização. Importa conhecer as leis do movimento

 para a qualquer momento poder desmanchá-lo, jogar com a surpresa, a mudançade ritmo, como o fazem os excêntricos. (2009: 128)

O corpo do palhaço trabalha no limite do desequilíbrio, da mudança brusca, do risco,

das alterações rítmicas. Para isso, é necessário um controle do centro de gravidade do corpo, a partir do qual é possível uma organização corporal que torne precisas as mudanças entre os

estados de equilíbrio e desequilíbrio. Parece-me que é esta relação com o centro de gravidade

que Avner aborda em um dos seus princípios: ―O peso pertence à parte inferior. Mantenha um

simples ponto no seu baixo abdômen. Mantenha a sua energia fluindo.‖ (Eisenberg,

http://www.avnertheeccentric.com/eccentric_principles_portuguese.php, acesso em 5 de Maio

de 2010)

Meierhold compreendeu que a um estado corporal determinado corresponde um estado

emocional e, portanto, a exploração dos deslocamentos do centro de gravidade contribui ainda

 para a alternância entre estados de emoção diferentes com rapidez, o que é fundamental para o

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 palhaço. Assim como em outras máscaras, os estados de emoção do palhaço são todos

corporificados, recebidos e expressados através do envolvimento de todo o corpo. E não

existe a necessidade de transição de um estado ao outro. Ela acontece de forma imediata, por

estímulos físicos, e sem necessidade de explicações psicológicas. Assim, o palhaço pode estar

num instante agachado enquanto chora por ter destruído um objeto e no segundo seguinte

 pulando de euforia porque descobriu um novo jogo muito mais interessante.

Avner utiliza-se destas relações entre equilíbrio e desequilíbrio o tempo inteiro em seu

espetáculo, tanto em seu próprio corpo quanto na relação que estabelece com os objetos de

que se utiliza na cena. As fotos a seguir são parte do material de divulgação de  Exceptions to

 gravity. A primeira delas foi publicada na revista de malabares  Juglers World , em 1986. Não

tenho informações precisas sobre a data da segunda, porém a observação da aparência físicade Avner nela torna fácil perceber que se trata de uma imagem bem mais recente. Nas duas

imagens, fica bem evidente como são exploradas em seu corpo as relações entre equilíbrio e

desequilíbrio. Mas uma análise comparativa da sua postura permite ainda a percepção de

como, com o passar do tempo, Avner valorizou ainda mais as relações de desequilíbrio,

tornando esta imagem, um dos carros-chefe de divulgação de seu espetáculo, ainda mais

interessante.

Fonte: http://www.juggling.org/jw/86/1/avner.html,  Fonte: www.avnertheeeccentric.com, créditos indisponíveis créditos indisponíveis

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 Nas duas imagens é possível observar como Avner valoriza as relações entre equilíbrio

e desequilíbrio, criando pólos de tensão opostos entre as suas pernas, as costas e as nádegas.

Todas estas partes estão ligeiramente arqueadas, dando uma impressão ainda maior de

mobilidade. Além disso, cada uma das regiões parece apontar para uma direção diferente.

Mas na segunda imagem Avner vai até o limite, não existe nenhuma parte do seu

corpo que siga o mesmo eixo que o quadril, ponto central de apoio. Ele explora ainda mais os

desequilíbrios entre as duas pernas, que na primeira foto encontravam-se flexionadas uma ao

lado da outra. Agora, uma das pernas avança para frente, num passo que não se dá em linha

reta, mas que atravessa a direção em que se encontra a perna de trás. Além disso, o braço

esquerdo, que estava praticamente encoberto na primeira imagem, é colocado em uma posição

visível. Por encontrar-se ligeiramente flexionado, cria mais desequilíbrio. Mais um detalhe: amão com os dedos abertos ao máximo aponta ligeiramente para cima, criando outra linha de

oposição. Numa análise geral das duas fotos é possível notar que o aumento dos pontos de

desequilíbrio gerou um visível aumento da expressividade da imagem.

É possível pensar ainda que o palhaço utiliza os  princípios relativos ao desequilíbrio

tanto de forma concreta, na maneira como organiza seu corpo e realiza as ações, quanto

simbolicamente, no desequilíbrio que é próprio à sua natureza, sendo conseqüência da sua

lógica pessoal de transgressão e inversão da ordem natural do mundo.

1.4.4 Oposições

(Stocker, http://stockadas.zip.net, acesso em 2 de Julho de 2011)

A charge acima, parte da saga de um personagem denominado Clóvis e classificada

 por seu autor, Paulo Stocker, como pantomima desenhada me parece o retrato perfeito da

maneira como a oposição se manifesta no corpo do palhaço. Ela é consequência do fato de

que muitas vezes o corpo do palhaço precisa ir numa direção, mas seu desejo ou pensamento

estão focados em outro ponto, fazendo parte do corpo apontar para outra direção, formando

vetores com oposições maiores ou menores, mais nítidas ou mais sutis. Palhaços de carne e

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osso não podem se dividir ao meio, mas seguem mantendo presentes as linhas de oposição,

que são a fisicalização da lógica que estabelece entre seu pensamento e suas ações.

Ainda que o foco desta análise esteja na atuação de Avner vale citar a bela descrição,

feita pelo palhaço e professor Márcio Libar de como o já citado palhaço italiano Nani

Colombaini utilizou as oposições durante a realização de uma  gag  em sua entrada de cena

com o número clássico Spaghett , durante o Encontro Internacional de Palhaços Anjos do

Picadeiro 2, em 1998. Libar descreve que Nani e seu filho Leris entraram pelo corredor da

 plateia em direção ao palco. Leris subiu direto as escadas para o proscênio enquanto

 Nani ficou ali embaixo parado, de costas para o público, olhando para os dois ladosdo palco, ora para uma escada, ora para a outra. Quando seu corpo parecia que iaandar em direção a uma escada, sua cabeça e seus olhos se voltavam para outra.Quando se virava decidido para aquela que estava olhando anteriormente, seus olhose cabeça já se voltavam para outra. Ainda de costas para o público, estancou, olhoumais uma vez para cada escada, trocou o peso do corpo de um joelho para o outro ecoçou a cabeça em dúvida. Quando a platéia percebeu o seu conflito explodiu emgargalhadas e aplausos. Impressionante o tempo que ele levou para realizar esta

 pequena gag ‖ (Libar, 2008: 147 e 148). 

Em determinados momentos de  Exceptions to gravity, este jogo de oposições se

manifesta com clareza no corpo de Avner. Como quando, depois de ter recebido o beijo da

―escolhida‖, retorna ao palco, mas mantendo parte do seu corpo voltada para a direção onde

ela estava. Em outros momentos, no entanto, há um jogo de oposições intensas no seu corpo, porém quase imperceptível para olhos menos atentos. É o que acontece durante a manipulação

de vários copos, arrumados uns dentro dos outros, formando uma espécie de longo cano,

como mostra a foto abaixo. 

Foto: Marie Clauzade, extraido de www.avnertheecentric.com

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Depois de ter enfrentado diversas dificuldades em lidar com estes copos, Avner

consegue colocá-los no chão, de forma vertical. Eles ganham a aparência de um tubo

cumprido e flexível, com o qual Avner passa a dançar, como se fosse uma companheira de

verdade. Avner cria diversas oposições em seu corpo ao longo desta dança. Outro momento

em que podemos observar esse jogo de oposições é o retratado na imagem abaixo.

Fonte: http://www.laguiago.com/valencia/evento/31956/el-mago-actor-y-payaso-avner-the-eccentric-en-xirivella-valencia/, créditos indisponíveis

Ainda que todo o seu rosto, ombros e pés estejam virados para a esquerda, Avnersenta-se na extremidade direita da cadeira, chegado a deixar parte do seu corpo fora dela.

Apesar de sutis, estas oposições contribuem para que consiga garantir um alto nível de

atenção do público durante o espetáculo. As oposições, assim como as quebras de

expectativas, de ritmos impedem a estabilização de uma harmonia na atuação, destacando

uma incompletude que se manifesta de formas variadas, mas que objetiva deixar em evidência

o ridículo que é próprio da sua natureza de palhaço.

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CAPÍTULO 2 –  E A PALHAÇA, O QUE FAZ?

Foto: Rany Carneiro

―Eu sou palhaça!‖ Essa frase serviu-me como guia durante todo o processo de

elaboração desta pesquisa de Mestrado. Conseqüência da preocupação central de que nem ofascínio provocado pela obra de Avner, nem os ricos diálogos proporcionados pelas

descobertas da bibliografia deixassem encoberto o lugar de quem está falando sobre aquilo

que faz. Eu sou palhaça e por isso é inevitável que uma parte considerável desta pesquisa seja

dedicada à maneira como as questões que a mobilizam se operam na minha prática, no meu

corpo.

Assim, minha Dissertação trata também de um processo pessoal de descoberta e

investigação cênica motivado pela observação da atuação de Avner e pela percepção de queaquele trabalho poderia fornecer elementos cuja análise modificaria também o meu percurso

artístico. Este processo aconteceu durante a investigação que deu origem à criação de um

número, Balões!, que analiso neste segundo capítulo.

A metodologia desenvolvida ao longo de toda a pesquisa previu uma contaminação

entre os espaços de análise de  Exceptions to gravity e o processo investigativo para a criação

do número. Foram trabalhos concomitantes e complementares. A análise da atuação de Avner

fertilizou a investigação cênica da mesma maneira que a criação do número trouxe novasquestões para a análise, estabelecendo-se um ciclo de trocas constantes que alimentava os dois

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eixos. A divisão realizada na dissertação atende apenas a uma necessidade de organização

tanto da escrita quanto de sua posterior leitura.

 Não nomeio esta pesquisa como teórico-prática por acreditar que tal terminologia

ainda contribui, mesmo que indiretamente, para uma separação entre os dois eixos, o que não

fez sentido neste processo. O pensamento e a reflexão fizeram parte de cada dia de

experimentação no laboratório de criação do número, da mesma forma que o meu olhar sobre

o espetáculo de Avner foi o tempo todo mediado pela palhaça que analisava a cena

reproduzindo o gesto, ou que lia um texto já imaginando de que maneira aquelas idéias

 poderiam ser transformadas em ação.

A organização deste capítulo segue basicamente a mesma divisão estrutural do

 primeiro, voltada agora para a análise do processo investigativo que levou à elaboração donúmero. Assim como no capítulo anterior, são dispostos como eixos de análise: questões

relativas aos princípios do palhaço, autoria, relação com o público e técnica dos movimentos.

Para além destes, foi necessário incluir também um subitem onde pudesse desenvolver

algumas das questões mais específicas relacionadas aos procedimentos metodológicos que

guiaram a criação do número, bem como apresentar brevemente a maneira como o processo

se desenvolveu.

2.1 Princípios do palhaço

 Não utilizo nariz vermelho em  Balões!.  Esta escolha se firmou por dois motivos

distintos. Primeiramente, pelo fato de Avner trabalhar assim, o que me fez querer

experimentar se havia na minha própria atuação alguma diferença estando com ou sem o

nariz. Além disso, exploro elementos de outros universos, como a mágica, os gestos

característicos das  partners  que acompanham os artistas de circo em diversos números

clássicos e, em especial, elementos da linguagem do burlesco. A maneira como o número foisendo construindo, juntamente com o tipo de figurino pelo qual optei sugeriram uma figura

onde o nariz vermelho parecia sobrar.

De fato, me parece que a sua ausência não implicou em nenhuma mudança, na medida

em que busco manter presentes em meu corpo os princípios que regem a máscara do palhaço.

Trabalhar sem nariz exige, na verdade, uma obediência constante a estes princípios, de forma

a garantir que a máscara esteja latente mesmo sem o seu maior signo. Até porque a essência

do palhaço não reside na bola vermelha. ―Certos atores vestem uma bolinha vermelha no

nariz, calçam sapatos descomunais e guincham com voz de cabeça, e acreditam estar

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representando o papel de um autentico clown. Trata-se de uma patética ingenuidade.‖ (Fo,

1999: 304).

Os princípios fundamentais à criação e atuação do palhaço, estudados no primeirocapítulo a partir da maneira como aparecem na atuação do Avner, foram trabalhados também

na minha atuação. Apresento a seguir como alguns deles, como a lógica particular que se

manifesta através do corpo, a alternância entre façanha e fracasso, a exploração do erro e do

 problema, e do grotesco foram experimentados durante o processo de construção do número e

 podem ser observados na estrutura dramatúrgica de Balões!.

2.1.1 Lógica particular que se manifesta através do corpo

Ao longo de todo o número trabalho com a tentativa de sensualidade, que acaba por

conduzir a equívocos e atrapalhações. Este é um lugar de jogo que eu já venho desenvolvendo

há algum tempo como palhaça, tendo explorado-o anteriormente em outros números e

espetáculos. Por isto, me interessei em aprofundar a pesquisa a este respeito, em Balões!. 

 No começo do processo eu já tinha definido com muita clareza que ―a minha palhaça é

sexy e atrapalhada‖. Porém, esta definição estava limitando as maneiras como isso podia

acontecer na cena. Eu queria inventar um movimento que provocasse a disparidade, ao invés

de permitir que ela aparecesse justamente através do movimento. A conseqüência é que estava

criando ações esquisitas, mas que não chegavam a ser engraçadas.

Depois de ter percebido isto, passei a trabalhar realmente com a procura de

movimentos sensuais, como andar rebolando ou me encostar a uma parede numa pose

charmosa. A ação, naturalmente desajeitada, já se encaminhava para o lugar errado, ou, no

caso do palhaço, o lugar certo, que poderia provocar o riso. Então precisei apenas explorar

cada vez mais estes momentos, através do desenvolvimento e repetição de tais ações. Desta

maneira, pude confirmar que a lógica particular que rege a atuação do palhaço se desenvolve

muito mais a partir da corporeidade do que pela pretensa exploração de características

definidas à priori.

Esta fisicalização de uma sensualidade equivocada não é a única maneira como

trabalho com a expressão da minha lógica particular de palhaça através do corpo. Na verdade,

este é um processo contínuo, presente em todo o número. Escolhi a exemplificação deste

momento porque me parece que ele mostra como pode ser sutil a diferença de

 posicionamentos e como ela pode conduzir a lugares completamente distintos. Definir ―aminha palhaça é sexy e atrapalhada‖ não possibilitou a criação de nada que pudesse ser

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aproveitado no número, mas trabalhar no corpo está sensualidade forneceu muitos momentos

de jogo.

2.1.2 Erro e problema

A exploração do erro e do problema foi fundamental para a construção dramatúrgica

de  Balões!. Durante toda a investigação, busquei ampliar ao máximo as dificuldades que

 poderia encontrar ao realizar cada uma das ações e foi a partir deste mote que desenvolvi

grande parte da estrutura do número.

Avner coloca que o palhaço é um solucionador de problemas e não um causador deles.

Busquei experimentar qual era a diferença, durante a criação, entre gerar um problema a partir

de uma tentativa de solução e simplesmente criar novos problemas a todo instante.Inicialmente, me pareceu que a diferença entre os dois era muito sutil e tentar percebê-la antes

de desenvolver o problema estava, na verdade, me impedindo de criá-los. Então, dediquei-me

apenas a explorar todos os erros e problemas que podia encontrar em cada ação. O jogo com

os balões mostrou um grande número de possibilidades.

Voltei a pensar o palhaço como um solucionador de problemas quando tive que

selecionar o que deveria ser mantido na estrutura final de Balões!, privilegiando os momentos

que seguiam esta lógica em detrimento àqueles em que o problema aparecia de forma maisgratuita. Numa avaliação posterior, percebo que na apresentação para o público documentada

em DVD mantive um momento que deveria ter sido cortado. É quando encho o balão pela

 primeira vez, após inúmeras tentativas que haviam sido frustradas porque o lançava no ar com

o impulso da expiração. Para comemorar o feito, estico o braço que segura o balão para o

lado, mostrando ao público que finalmente está cheio. Mas o balão se esvazia em seguida,

 porque eu não havia dado um nó na sua ponta. Ou seja, era apenas uma nova forma de não

encher o balão, que não vinha de uma tentativa de solucionar os problemas encontrados atéagora para realizar tal ação. É diferente de quando, mais à frente, encho o balão, mas ao dar o

nó prendo os meus dedos ali. Tento soltá-lo da minha mão e o balão se esvazia no ar, voando

aleatoriamente e me assustando. Um novo problema, causado, porém, durante a tentativa de

solução.

O mesmo acontece em um momento anterior do número, quando vou buscar um balão

que estava guardado entre meus seios. Não consigo encontrá-lo e na árdua tentativa de

resolver esta dificuldade acabo gerando outra, pois enfio a mão até a barra do vestido,

 prendendo nele todo o braço. Ao tentar retirá-lo de lá, levanto parte do vestido, deixando-me

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desnuda. Os problemas e dificuldades seguem, mas sempre a partir da busca por uma solução

 para eles. A sequência de fotos a seguir mostra este momento.

Fotos:Rany Carneiro

2.1.3 Alternância entre o fracasso e a façanha

Busquei incluir em Balões! um momento em que trabalhasse com a alternância entre a

façanha e o fracasso. Porém, a princípio pensei que esta seria uma tarefa impossível, pois eu

não possuo muitas habilidades extraordinárias e nem tenho nenhum talento acrobático, comoos demonstrados por Avner em Exceptions to gravity. Mas investigando a partir da estrutura e

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do jogo com os balões consegui desenvolver uma habilidade no trato com eles, que é a de

encher vários ao mesmo tempo.

Como relatado acima, encontro inúmeras dificuldades durante a tentativa de encher

um simples balão.  Depois que consigo fazê-lo, o jogo para fora e retiro do sutiã dois balões,

que ponho na boca. Encho os pulmões de ar e rapidamente consigo que estejam cheios. Em

seguida, encho ainda três balões de uma só vez. Desta maneira, revelo que apesar de ter

considerado muito difícil a mais simples das tarefas, encher um balão, consigo facilmente o

mais complicado, trabalhando com a alternância entre a façanha e o fracasso. Esta sequência

me fez perceber que a façanha pode ser explorada de formas diferentes, não precisa

necessariamente estar relacionada a alguma habilidade circense ou musical. Mais importante

do que isso, é que ela surja a partir de uma questão que já vem sendo desenvolvida nonúmero. Por outro lado, ressaltou o quanto pode ser útil ao palhaço possuir em seu repertorio

algumas habilidades extraordinárias.

2.1.4 Exploração do Grotesco

Ainda que o Grotesco não seja um traço muito presente na atuação de Avner, ele foi se

revelando de grande importância dentro da minha atuação, ao longo do processo de

construção do número. Tal fato me fez perceber a necessidade de incluí-lo como um princípiofundamental neste segundo capítulo.

O grotesco se caracteriza por uma exposição ―do contraste, da tensão entre dois pólos

opostos‖ (Picon-Vallin, 2008: X). Esta se expressa especialmente através de um olhar sobre o

homem que leva em consideração não apenas os aspectos espirituais, elevados, mas também o

corpo, com suas necessidades biológicas e seus desejos carnais, permitindo que a carne e o

espírito sejam explorados em uma mesma obra, sem que um exclua o outro. Pelo contrário, a

 presença dos elementos opostos reforça cada um deles.Diversos pensadores dedicaram-se ao estudo do Grotesco, em especial Wolfgang

Kaiser, que no livro O Grotesco (1957) apresenta uma teoria geral, acompanhada de um

estudo semântico do vocábulo e da análise de algumas obras, especialmente literárias que

utilizaram tal estética; também Vitor Hugo, que em O Sublime e o Grotesco (1827) se opõe ao

Classicismo em defesa do movimento romântico, no qual observa a coexistência do sublime e

do grotesco, e ainda Mikhail Bakhtin, que no livro  A Cultura Popular na Idade Média e no

 Renascimento, O Contexto de François Rabelais (1941), apresenta a questão do Grotesco

como um elemento de liberação do homem e seus instintos e de valorização da sua

corporalidade. De acordo com o autor, a cultura popular carnavalesca, onde imperava o

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grotesco, permitia que por um curto período festivo se instaurasse uma nova ordem, que

subvertia valores e hierarquias sociais. Assim, é possível afirmar que é em seu estudo que ―se

encontra o fundamento principal para a nominação do grotesco como categoria do palhaço.

Para ele, o riso popular organiza o grotesco como um modo de liberação de tudo que é terrível

 para se tornar festa.‖ (Achcar, 2007: 38) 

 No universo do cômico e do palhaço, o grotesco é explorado ao máximo pelo bufão,

figura marginalizada da sociedade que, em geral, possui algum tipo de anomalia física ou

mental e é por isto colocado num lugar de inferioridade, o que lhe permite criticar

abertamente diversas instâncias sociais, atitude que um homem comum não poderia adotar,

sem estar colocando em risco sua própria cabeça. O bufão expõe o seu corpo em todos os

aspectos que socialmente são tratados de forma disfarçada. A fome, o sexo, a escatologia sãoexplorados escancaradamente.

Também é próprio do palhaço o trato com esses temas, ainda que de forma mais suave,

na medida em que ele não nega o lugar do corpo como mobilizador do riso. De acordo com

Pavis, ―na derrisão grotesca, rimos não de alguma coisa, mas com aquilo que estamos

ridicularizando. Participamos da festa dos espíritos e dos corpos.‖ (Pavis, 2008: 189) 

Ao dar ―ao corpo o estatuto de um fazer artístico que não encontra nas ideias de

sublime e de belo os suportes para o seu entendimento,‖ (Bolognesi, 2003: 184) é possívelaproximar-se do Grotesco, sem negar os momentos de beleza que também podem estar

 presentes dentro da mesma estrutura, uma vez que é justamente o trânsito entre os dois pólos

que reforça cada um deles, que podem ser explorados ao máximo, permitindo jogar com os

contrastes e deslocar permanentemente os modos de percepção, característica primordial ao

Grotesco.

O Grotesco é explorado ao longo de todo o número, especialmente porque um dos

motes principais de toda a estrutura vem de uma questão totalmente ligada à carne, asensualidade, ainda que trabalhada conjuntamente com o erro e a atrapalhação. Os estudos

sobre este tema foram deixando claro que para trabalhar com a sensualidade equivocada, era

importante que em alguns momentos ela fosse contraposta por uma real sensualidade. Achar

este lugar foi desafiante, mas fundamental.

Destaco um dos momentos de  Balões! em que acredito ter conseguido transitar entre

os dois pólos. Ele acontece depois das inúmeras tentativas frustradas de encher os balões, que

fazem parte da primeira parte do número. Depois disso, saio de cena para retornar com parte

do corpo coberta por mais de cinqüenta balões coloridos. Inicio uma dança que conduzirá a

um pretenso  strip-tease  com balões, número clássico do universo burlesco, adaptado de

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acordo com a minha lógica de palhaça. Ainda que eu esteja excessivamente coberta por balões

no momento do strip-tease, a imagem tem sua beleza, como mostra a seguir.

Foto:Rany Carneiro

Procuro valorizá-la, realizando alguns passos simples de dança da forma correta.

Assim, nos momentos em que exploro o Grotesco, como ao tentar descer até o chão movendo

exageradamente os quadris, prendendo alguns dos balões entre as pernas e insinuando estar

gostando bastante do efeito provocado por sua presença naquele lugar, retirando-os em

seguida com um movimento forte do quadril para frente, destaco as oposições, favorecendo os

dois momentos.

2.2 Autoria e apropriação

Para analisar a forma como as discussões a respeito de autoria se desdobraram a partir

da investigação cênica optei por uma divisão em dois pontos. Eles foram definidos partindo

da observação, feita no primeiro capítulo, de que Avner utiliza em Exceptions to gravity tanto

números quanto  gags  do repertório clássico da palhaçaria. Assim, primeiramente relato o

 processo de investigação que garantiu a execução correta das gags clássicas em Balões! para,

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em seguida, discorrer sobre o meu processo de apropriação de dois números do repertório

deste palhaço.

2.2.1 Gags  clássicas: precisão e técnica

Durante muito tempo, tive bastante resistência em utilizar gags clássicas nos números

que desenvolvia. Questão de gosto, pensava. Mas como um dos eixos centrais que eu havia

estabelecido para a análise de  Exceptions to gravity estava diretamente relacionado ao trato

com o repertório universal da palhaçaria, onde é impossível não incluir as  gags, percebi que

elas teriam que fazer parte também da minha investigação na cena.

Rapidamente confrontei-me com duas questões importantes: é quase impraticável para

um palhaço organizar sua atuação sem utilizar, de alguma forma, este repertório. Mesmo se aescolha não for proposital, como era o meu caso até então, é bastante provável que em algum

momento haja um tapa, uma queda ou pelo menos um inocente escorregão. Mas a descoberta

mais importante foi a de que eu optava por não usar esse material não exatamente por uma

questão de gosto, mas sim de dificuldade. São questões técnicas delicadas que envolvem a

 boa realização de uma gag. Por outro lado, ela é capaz de ―tirar risos da platéia dependendo

da maestria com que são executados.‖ (Castro, 2005: 44)

As minúcias para as quais é necessário estar atento na execução de uma  gag   sãoindicadas com precisão pelos atores da companhia espanhola de comédia física Tricicle, que a

denominam como

Unidade mínima de humor. Seu objetivo é provocar o riso e o mecanismo que a provoca é muito frágil, basta atrasá-lo ou adiantá-lo um segundo para que nãofuncione. Às vezes uma  gag deixa de funcionar e não se sabe por que: por termudado a velocidade de execução, por prepará-la demasiadamente, porque alguémfez outra ação naquele mesmo momento, porque se mudou um movimento, ou

 porque aquele que a executa faz cara ―agora vem a  gag   que nunca dá certo‖ e, éclaro, não dá certo. Só há uma coisa pior que uma  gag  não funcionar: não se saber

 por que. (www.tricicle.com, acesso em 2 de Outubro de 2010, tradução minha)26 

Acredito que o maior problema ao se executar mal uma  gag  clássica é que o público

não ri, mas como já conhece o material de tempos imemoriáveis sabe perfeitamente que

26 Unidad mínima de humor. Su objetivo es provocar la carcajada y el mecanismo que lo provoca es muy frágil; basta atrasarlo o adelantarlo un segundo para que no funcione. A veces un gag deja de funcionar y uno no sabe por qué: por haber cambiado la velocidad de ejecución, por prepararlo demasiado, porque alguien hace otraacción en ese mismo momento, porque hay un movimiento cambiado o porque el que lo ejecuta pone la cara de

―ahora-viene-el-gag-que-no-me-sale‖ y, claro, no le sale. Sólo hay una cosa peor que no funcione un gag: que nosepas el por qué.

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aquele era um momento feito para o riso. E não há nada comparável ao constrangimento que

vai se instalando na plateia ao perceber que aconteceu algo que se pretendia engraçado, mas

que passa longe de atingir este resultado.

Logo no início de  Balões!, realizo uma  gag clássica na qual tento me apoiar com a

mão na parede, mas como ela está muito longe, a mão não a alcança, o que faz com que eu

quase caia. Aparentemente de simples execução, a tarefa exigiu de mim muitos dias de

trabalho até entender todo o mecanismo que me permitiria alcançar a sua correta execução.

Primeiramente, é preciso estender ao máximo o braço que vai em direção à parede. Este

movimento deve ser rápido e preciso. Caso ele seja feito com um pouco mais de lentidão

evidencia-se para o público que a queda foi preparada e acabam as chances de riso. Depois

disso, ao perder o eixo de equilíbrio do corpo é preciso inverter a posição das pernas. Estemovimento ajuda na recuperação do equilíbrio que impedirá que a queda aconteça de fato.

Além disso, um barulho forte do pé que depois de cruzar a perna retorna ao chão aumenta a

sensação de que houve realmente um acidente. O equilíbrio se estabiliza quando a mão

reencontra a parede. Neste momento, são necessários alguns segundos de suspensão, ainda

com as pernas trocadas, dando o tempo que a platéia precisa para acompanhar tudo que

aconteceu. Só depois, posso seguir para a próxima ação. Todo este processo é necessário para

realizar uma gag  que dura, aproximadamente, seis segundos. Além desta quase queda, utilizo em outros momentos pequenas  gags clássicas. São

inúmeros escorregões, tropeços e rolamentos, assumidos como parte importante do meu

repertório. Cada um deles exigiu um tempo de pesquisa para que pudessem ser assimilados

todos os detalhes técnicos de sua execução. Ainda que sejam procedimentos diferentes

dependendo de cada gag, alguns aspectos se destacam: é necessário um instante de suspensão

durante a execução, uma clareza absoluta no desenho gestual, a atenção constante com o eixo

de equilíbrio do corpo e uma divisão precisa entre ação, reação e comentário, que acontecesomente depois que a gag  já foi finalizada.

2.2.2 Apropriação de números do repertório de Avner

―Repetir, repetir –  até ficar diferenteRepetir é um dom do estilo.‖(Barros, 2004: 11)

Incorporei ao meu trabalho dois momentos de  Exceptions to gravity. O primeiro é o

número clássico já anteriormente descrito, no qual o palhaço se machuca e pede a um

voluntário da platéia beijos que farão a dor passar.

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Já havia fechado uma sequência em que faço uma suposta mágica com um dos balões,

conseguindo a incrível proeza de aumentar o seu tamanho ao esticá-lo com as duas mãos.

Depois disso, mostro meu feito à platéia. No entanto, ―acidentalmente‖ um dos lados do balão

se solta, fazendo-o bater na outra mão, que se machuca. Terminava a sequência ali, iniciando

outra em seguida, na qual tento encher pela primeira vez o balão. Percebia que faltava algo

entre estes dois momentos, mas não sabia exatamente o quê. Durante um dia de trabalho

evidenciou-se que o número realizado por Avner seria o ideal.

 Na maneira como Avner realiza este número destaca-se o fato de que seu terceiro

machucado, ao invés de acontecer acidentalmente, como nas duas vezes anteriores, é feito de

 propósito. Quando iniciei a assimilação da sequência, percebi que para alcançar plenamente o

efeito cômico provocado por esta queda proposital é necessário que os dois primeirosmachucados aconteçam de forma a parecerem realmente acidentes. Conseguir tal efeito com o

 primeiro deles foi relativamente simples, eu precisava somente soltar o balão de um dos lados

e esperar que batesse na outra mão, o que realmente dói um pouco. O que exigiu um cuidado

maior foi conseguir acertar precisamente o tempo de reação à dor. Já o segundo machucado

foi bem mais trabalhoso. Ele é provocado por uma queda no momento de retorno ao palco,

depois que eu consegui do voluntário o beijo no dedo. Como mantenho a minha atenção ainda

focada nele, tropeço e caio no chão, ferindo o joelho. Mais uma vez, a execução de uma  gag  clássica.

Treinei a queda diversas vezes até que o meu corpo aprendeu a realizar o tombo

 perfeitamente, e, igualmente importante, mantendo-se protegido. Só um pouco depois é que

eu fui destrinchar o mecanismo que permitia a realização da gag  que eu já estava executando.

Entendi que para alcançar o efeito é necessário que durante a queda o peso do corpo seja

deslocado para a frente, mas sem perder o centro do equilíbrio no quadril. Isto permite o

controle do movimento correto para que as mãos cheguem ao chão um instante antes do

 joelho, evitando que a força do impacto se concentre nesta área tão sensível do corpo. A

sensação de que o joelho bateu realmente no chão é reforçada pelo barulho provocado na

verdade pelas mãos.

Chegou o momento da reelaboração da sequência, de acordo com a minha lógica

 particular, permitindo a inserção da comicidade pessoal na maneira de trabalhar com o

material pré-existente. As mudanças mais significativas que aconteceram são que eu peço os

 beijos com muito mais veemência e dengo do que Avner. Enquanto ele praticamente nãoemite nenhum som vocal, eu expresso toda a minha dor com gemidos altos e em tons

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diferentes, dirigidos ao voluntário ou para a platéia como um todo. É possível dizer que Avner

trabalha num registro bem mais sutil do que eu. Além disso, no final do número, quando este

 palhaço apenas insinua o pedido do beijo nas nádegas para a sua voluntária, desistindo

rapidamente e sem sequer sair do palco, eu faço diferente. Insisto no pedido, vou até o

voluntário e com as nádegas próximas ao seu rosto suplico um último beijinho.

Ao experimentar o processo de apropriação deste material clássico é que realmente se

clareou que tão importante quanto deixar que a sua lógica pessoal contamine a execução é

dominar tecnicamente todos os mecanismos que compõem a sequência. Se eu quisesse, antes

mesmo de ter entendido como realizar a gag  da queda de joelhos, inserir a minha comicidade

 pessoal, provavelmente não teria conseguido nem apreender a maneira correta de execução e

nem tornar o momento engraçado. Pude assim comprovar, através da prática, que o domíniotécnico da sequência é o primeiro passo para a apropriação.

O segundo número de  Exceptions to gravity do qual me apropriei também se baseia

numa rotina clássica. O palhaço tem nas mãos um pedaço de fita crepe, chiclete, ou qualquer

outra substância grudenta da qual busca se livrar. Mas não consegue, porque ao tentar fazê-lo

ela sempre se cola em um novo lugar.

Avner adaptou-o para a sua execução criando uma lógica de funcionamento

interessante. Depois de realizar um número muito difícil, a sua língua fica para fora da boca,como acontece mais de uma vez ao longo do espetáculo quando ele se concentra muito para

fazer alguma coisa. Como Avner não consegue fazer com que a língua volte para dentro

sozinha, a empurra com as mãos. Este problema foi resolvido. Porém uma de suas mãos ficou

suja de saliva. Ele a limpa no suspensório, mas agora a saliva gruda ali. O suspensório é limpo

com a calça, passando a saliva ainda por seu sapato, uma cadeira e um pano até que retorna à

sua mão. Sem vislumbrar alternativa, Avner leva o dedo novamente à boca, colocando a saliva

no seu lugar de origem. Ao encontrar esta solução brilhante, o problema está finalmenteresolvido e Avner recebe aplausos e gargalhadas que o confirmam.

Optei por experimentar a sua execução porque na entrevista concedida a Christopher

Lueck (2011) Avner fala especificamente sobre esta rotina, apontando as modificações que foi

fazendo nela, em decorrência da sua mudança de pensamento em relação à triangulação. Uma

vez que os seus pensamentos a respeito deste tema também são alvo deste estudo quis

experimentar a apropriação da rotina na minha prática. Além das questões específicas

relacionadas à triangulação, que deixo para serem desenvolvidas na parte do capitulo dedicada

à relação com a platéia, outras questões foram reveladas durante o trabalho com este material.

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Experimentei realizar o processo de apropriação de maneira diferenciada do que fiz

com o número dos machucados e beijos, optando por copiar exatamente o que Avner fazia.

Tal escolha se firmou porque eu queria experimentar como soava para mim a repetição dos

mesmos tempos de execução por ele propostos, além de entender o que acontece quando a

apropriação se dá justamente pela tentativa da cópia precisa da execução alheia.

Assisti varias vezes ao número feito por Avner, buscando apreender tanto a sequência

de movimentos quanto os tempos por ele utilizados em cada uma das ações. Em determinado

momento, acreditei que a havia assimilado com perfeição e passei a me concentrar em outras

questões durante os ensaios, limitando-me a repeti-la no momento da sequência

correspondente. Mas, mesmo que não fosse mais o foco do trabalho, este trabalho de repetição

foi conduzindo a pequenas modificações, que permitiram o aparecimento da minhacomicidade pessoal.

 Na estrutura final de  Balões!,  são perceptíveis algumas diferenças marcantes em

relação à maneira como Avner a executa. A mais óbvia é que eu trabalho com um pedaço de

 balão que fica na minha boca, ao invés da saliva. Mas, além disso, o tempo de execução da

sequência é outro e enquanto Avner passa a saliva por vários lugares diferentes até que ela vai

 parar novamente na sua mão, eu repito o mesmo caminho de ida e volta. O pedaço grudento

está no dedo, do dedo passa para o balão, do balão para o topo do vestido, do topo do vestido para a saia, da saia para a barra da saia, da barra da saia novamente para a saia e assim por

diante até que finalmente retorna à minha mão. Já conformada com o desfecho da ação, eu o

engulo.

A maneira como executo traz uma vantagem, na medida em que torna todo o processo

de limpeza ainda mais idiota. Porém, perde-se a surpresa final conseguida por Avner quando a

saliva, depois de variados percursos acaba voltando para a mão. No meu caso, o público

acompanha a trajetória e já entende antecipadamente que a saliva vai acabar voltando para odedo e provavelmente será engolida. Ainda assim, optei por mantê-lo desta maneira, pois se

estabelece um riso contínuo do público justamente por perceber o que está sendo feito.

Acredito que com essa mudança na execução obtenho menos risos na finalização e mais risos

ao longo de toda a seqüência.

A experimentação de dois processos diferenciados de apropriação revelou aspectos

interessantes e me permitiu concluir que ambos podem ser adotados. No caso do primeiro

número eu o analisei e percebi as particularidades do modo de execução de Avner que gostaria

de manter. Depois, busquei descobrir no meu corpo a maneira de executá-lo, sem me fixar

tanto na forma como ele fazia cada uma das ações. Depois de dominar tecnicamente a

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seqüência, pude inserir a minha comicidade pessoal na maneira de executá-la. Já no segundo

caso, optei por começar pela explícita cópia do material proposto por Avner, chegando a

assisti-lo no vídeo enquanto repetia a execução, copiando os mínimos detalhes. Porém, depois

de ter assimilado a cópia exata, naturalmente ela começou a sofrer alterações, permitindo o

aparecimento da minha lógica pessoal ao lidar com o material, que foi sendo reelaborado.  As

experimentações mostraram que ambos os caminhos são válidos e podem levar à apropriação

que garante a manutenção do caráter autoral mesmo ao se trabalhar com material clássico.

2.3 Relação com a platéia

 Balões!  foi formalmente apresentado ao público uma única vez, durante a escrita

dessa dissertação. A experiência, essencial à pesquisa, sedimentou pontos de vista sobre osquais já vinha refletindo, ao mesmo tempo em que lançou uma série de novas perguntas

indicativas de mudanças. Graças à apresentação de  Balões!  pude confirmar que o palhaço

existe efetivamente somente a partir do contato com o público, na relação de jogo, e que

quase tão importante quanto a construção que havia sido realizada anteriormente era a atitude

de abertura para que naquele momento pudesse responder aos estímulos proporcionados pela

 presença real da platéia. ―O palhaço está sempre na relação do jogo, que é a relação de

respostas. (...) Responder pressupõe uma relação ativa, viva sobre o trabalho elaborado. O palhaço é a ação em jogo, feita a partir do outro e para o outro. (Carvalho, 2009: 38)

O texto a ser desenvolvido a respeito da relação com a platéia se baseia nas

descobertas feitas ao longo de todo o processo e também na experiência deste único dia de

apresentação. Divido a análise da mesma forma que no primeiro capítulo: entrada,

triangulação, voluntários e improvisação. Excluo apenas o subitem respiração, por perceber

que a investigação sobre o controle da respiração do público ao longo do espetáculo pode ser

verificada somente com a prática exercida ao longo de repetidas apresentações para o publico,o que não ocorreu até o final da escrita. No entanto, algumas questões mais específicas ligadas

à técnica da respiração proposta por Avner foram experimentadas na entrada e na eliminação

do olhar para a plateia durante a triangulação.

2.3.1 Entrada

Procurei elaborar uma entrada que possibilitasse a experimentação da técnica

desenvolvida por Avner para este momento que, segundo ele, permite que toda a platéia ―pule

 para a conexão‖ (Eisenberg, entrevista para a autora, em anexo) com o palhaço, através de

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uma expiração coletiva que acontece logo depois que entra em cena pela primeira vez. Não

 pretendia, é claro, repetir o início de Exceptions to gravity.

O objetivo era descobrir outra entrada, que permitisse investigar a sua técnica para

atingir a conexão imediata com o público, que fosse interessante para a minha palhaça e de

acordo com todo o número a ser desenvolvido a seguir. O momento inicial, quando o palhaço

se apresenta ao público, precisa ser realizado de forma a que evidencie imediatamente a sua

natureza. Se eu me limitasse a copiar a entrada de Avner   estaria deixando de lado outros

aspectos igualmente importantes deste momento.

Enquanto este palhaço adentra a cena lentamente, colocando parte por parte do seu

corpo no palco, elaborei inicialmente uma entrada em que avançava bruscamente para dentro,

como se tivesse sido empurrado por algo do lado de fora. Mantinha, no entanto, a respiraçãocontida de forma a liberar o ar somente quando estivesse olhando para o público.

Com os ensaios fui fazendo pequenas descobertas, que me levaram a acrescentar

novos elementos a este momento. O primeiro deles foi que, antes de entrar completamente em

cena, faria com que apenas uma das pernas aparecesse, alongando-a em direção ao teto, num

movimento clássico das dançarinas de burlesco. Voltava com a perna para dentro, para

somente depois entrar com o corpo inteiro. Entretanto, este movimento era muito rápido e

 parte do público não teria sequer a oportunidade de perceber o que havia acontecido. Aindaassim, anunciava uma proposta de sedução, pela qual parecia interessante começar. Elaborei-o

cada vez mais, introduzindo novos elementos e, partindo deste simples movimento da perna,

cheguei à formalização de um pequeno número inicial.

Com o palco vazio, inicia-se uma música lânguida. Logo em seguida, a mão entra em

cena, tocando com suavidade a cortina lateral do palco. Depois aparece o restante do braço,

desenhando movimentos ondulatórios. Quando o braço se segura na cortina, surge uma das

 pernas. O resto do corpo permanece encoberto na coxia, conforme a foto a seguir:

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Foto: Rany Carneiro

Agora, é a perna que passa a fazer alguns movimentos simples de dança. Mas durante

esta dança, um movimento excessivamente brusco faz com que o sapato voe do pé. Após um

segundo de suspensão do movimento, solicito a retirada da música através de gestos feitos

com o pé. A perna retorna para a coxia. Tem-se um instante de palco vazio, depois do qual a

 perna aparece, buscando o sapato perdido. Mas como ele está muito distante, não o consegue

alcançar, voltando para a coxia na qual o restante do corpo permanece. A seguir, as minhas

duas mãos seguram a cortina, que vai sendo estendida, sempre encobrindo o corpo, até o lugar

onde o sapato se encontra. Desta forma, é possível recuperá-lo sem precisar revelar o rosto e o

restante do corpo. A cortina é retornada à sua posição original e a perna é lançada para o alto,

mostrando que o sapato foi finalmente vestido. A seguir, a palhaça entra efetivamente em

cena.O pequeno número envolvendo a dança com partes do corpo e a perda do sapato criou

um momento anterior à própria entrada, no qual acabo por também trabalhar uma entrada que

acontece aos poucos, como faz Avner em  Exceptions to gravity, ainda que eu estenda este

momento muito mais do que ele. A princípio, questionei se ele eliminaria as possibilidades de

experimentar a técnica da expiração conjunta com a platéia proposta por Avner, que era meu

foco principal de trabalho ao pensar neste subitem da pesquisa. Ainda assim, decidi mantê-lo,

 por perceber que trazia outras contribuições à sequência, que serão explicitadas a seguir.

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Mesmo que não veja a platéia, estabelece-se um primeiro contato que já permite a

 percepção de determinados aspectos sobre aquele público específico. Além disso, provoca as

 primeiras risadas antes que eu tenha entrado efetivamente em cena, o que fortalece e acalma,

facilitando o momento posterior. Outro ponto interessante é que efetivamente serve como

apresentação da natureza de jogo da palhaça. A dança sensual interrompida pela perda do

sapato resume um dos aspectos que será mais explorado no trabalho, qual seja a sensualidade

em contraponto à atrapalhação e ao erro.

Depois deste momento inicial, mantive a experimentação da técnica aplicada por

Avner quando apareço efetivamente em cena pela primeira vez. Após recolocar o sapato e

mostrá-lo ao público, entro no palco rapidamente, mantendo todo o ar contido nos pulmões e

os braços erguidos, como pode ser observado na seguinte imagem:

Foto: Rany CarneiroOlho para a platéia por um instante mantendo esta posição, para em seguida liberar o ar

enquanto desço os braços. Permaneço alguns segundos olhando o público, enquanto o

cumprimento com um aceno faceiro.

Quanto ao resultado obtido na experimentação da técnica, serão necessários mais

alguns anos de prática até que eu possa afirmar que foi possível envolver quase todo o público

de uma só vez por meio desta expiração. Além da natural necessidade de aprimoramento

técnico, outro aspecto também contribui para que obtenha um efeito diferente do atingido porAvner: como já faço o número com a dança e o sapato antes, a tensão inicial em que a platéia

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se encontra no momento em que o palhaço entra em cena e que provoca a suspensão da

respiração, já se dissipou. A platéia não necessariamente acompanha a minha primeira

expiração, pois eles já haviam rido e liberado o ar antes disso. Ainda assim, mantenho pelo

menos um dos efeitos preconizados por Avner. Entrar com o ar contido e liberá-lo olhando

 para a platéia elimina os últimos vestígios de tensão inicial, estabelecendo de fato uma

sensação de maior conforto entre palhaça e público.

2.3.2 Triangulação

Dentre todas as questões abordadas nesta pesquisa, aquela em que a prática e o

 pensamento de Avner apresentaram os maiores contrapontos em relação à maneira como até

então organizava a minha atuação, é a triangulação. É válido ressaltar que, de acordo com a

análise elaborada no primeiro capítulo, por mais que este palhaço se oponha ou mesmo

condene este procedimento em seu discurso, a triangulação está presente em sua atuação.

Porém, aparece de maneira diferenciada, pois são eliminadas as constantes divisões de olhar

com a platéia.

Por isso, me propus a experimentar em momentos determinados de Balões!, a exclusão

da divisão do olhar para o público, conforme Avner aconselha a seus alunos: ―É muito

interessante, como diretor, pegar uma rotina que tem muito disso e simplesmente pedir para

que se elimine tudo.‖ (Eisenberg, entrevista para a autora, em anexo). O objetivo era analisar

se de fato esta retirada implicaria em alguma mudança concreta na atuação e na relação com a

 plateia. Para tal, elegi dois momentos diferentes.

 No primeiro deles, apropriei-me do número de  Exceptions to Gravity em que o Avner

não consegue se livrar de um pouco de saliva, que gruda em vários lugares. Ele afirma ter

mudado a maneira de realizar este número conforme foi aprimorando os seus pensamentos a

respeito da divisão do olhar. Inicialmente, após limpar a saliva ele olhava para o público,sinalizando que tinha resolvido o problema. Mas depois percebia que havia apenas mudado a

localização da mesma. Então compartilhava novamente o olhar para a platéia, iniciando a

seguir outra tentativa de limpeza, seguida de nova olhada para o público, e assim por diante.

Ou seja, Avner adotava o funcionamento habitual da triangulação, segundo o qual cada

mudança na situação exige uma divisão do olhar com a plateia.

Com os anos de experiência, Avner afirma que aprimorou a execução do número

através da eliminação das divisões de olhar nos momentos intermediários. Atualmente, apenastenta livrar-se da saliva, passando-a de um lugar para o outro e deixando que o público

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acompanhe as suas tentativas de solucionar o problema sem compartilhar, através do olhar,

cada nova dificuldade que encontra no caminho. Seu olhar direciona-se à platéia somente

quando engole a saliva, solucionando de fato o problema. Ainda que a rotina já funcionasse,

Avner afirma que com essa mudança ―a gargalhada da platéia se tornou dez vezes maior do

que antes‖. (Avner apud Lueck, 2011: 65, tradução minha)27 

O fato de Avner ter relatado as mudanças nesta rotina após a eliminação da divisão do

olhar, motivou-me a investigar a sua execução. Foi relativamente simples absorver a sua

mecânica e não dividir o olhar com o público ao longo da sequência, uma vez que o fiz

inicialmente copiando toda a sua execução, incluindo aí o respeito aos tempos por ele

 propostos. Conforme já dito, ocorreram posteriores transformações na rotina, conseqüência

natural do processo de apropriação. No entanto, elas não implicaram em modificações narelação do olhar para a plateia.

Quando apresentei o número ao público, evidenciou-se que a maneira como Avner

atua exige, na verdade, uma conexão ainda maior com a platéia, para poder escutá-la e

 perceber o seu tempo de reação sem contar com a divisão do olhar, que já o pontua. Este foi o

 ponto mais desafiante, manter o tempo da triangulação sem precisar olhar para o público. Mas

consegui realizá-lo, até o momento em que fui surpreendida por um acontecimento

inesperado. Numa das tentativas de limpeza, abaixei excessivamente o vestido na altura do peito, deixando o sutiã descoberto. A risada provocada por este fato me fez olhar para o

 público e compartilhar com ele o que estava acontecendo. Repeti a tentativa de limpeza da

mesma região, mostrando o sutiã mais uma vez e triangulando com o olhar, em seguida.

Ao analisar posteriormente o trabalho, percebi que não deveria ter incluído a divisão

do olhar para a platéia ali e muito menos ter repetido a ação. Em primeiro lugar, porque estava

 justamente experimentando trabalhar sem este recurso. Além disso, o interessante da rotina é

a tentativa de limpeza que parece nunca acabar, cujo fluxo eu interrompi. Ao voltar para aação principal, a plateia já não pôde acompanhá-la com o mesmo interesse.

A princípio, conclui que ter olhado para a platéia naquele momento era apenas uma

conseqüência natural do fato de que toda a minha formação como palhaça se deu tendo a

triangulação com o olhar para o público como uma regra básica, da qual eu não conseguia me

desvencilhar. Mas numa reflexão mais atenta percebi que tinha olhado não apenas porque

havia ocorrido uma mudança inesperada na ação. O motivo principal era outro: tinha ocorrido

27 (…) the laugh at the end got ten times bigger than ever before.  

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na plateia uma risada a mais, fora daquelas que já estavam previstas pelo desenvolvimento

lógico da sequência.

A partir desta observação, pude entender com mais clareza outra colocação de Avner a

respeito da divisão do olhar com a platéia. Nela, o mestre afirma que a principal questão que o

faz condenar tal procedimento não é técnica, e sim

mais filosófica mesmo. O palhaço não está lá para entreter a audiência. Ele está lá para resolver problemas. (...) E então acidentes acontecem, as coisas não ocorrem damaneira que todos esperavam e você diz ―Isso é ainda mais interessante! Como

 posso lidar com isso?‖ E depois há caminhos variados para resolver o problema. Nóssabemos que o palhaço tem que conseguir as risadas, ele é palhaço. Mas se vocêtentar conseguir risadas... Você não vai tê-las, garanto. Então esse é o grande

 paradoxo do trabalho do palhaço. Então para mim você tem um trabalho a fazer evocê faz o trabalho e se a plateia ri é apenas uma interrupção do seu trabalho.

(Eisenberg, entrevista para a autora, em anexo).

Ou seja, além das razões apontadas no capítulo anterior, ligadas a técnica de controle

da conexão com o público através da respiração e de Avner entender a triangulação como se o

 palhaço estivesse solicitando a aprovação do seu público, revela-se aqui outro motivo que o

leva a desaprovar a divisão do olhar com a plateia. Segundo seu ponto de vista, esta atitude

tira o foco do palhaço da resolução do problema para a busca por provocar a risada do

 público.

 Na verdade, é claro que Avner pretende provocar o riso na platéia, o que ele coloca é

que este objetivo não pode ser exposto claramente, pois quanto mais o palhaço agir

explicitamente como se quisesse risos, menos chances terá de consegui-los. Ainda que eu

acredite que existem muito mais questões envolvidas na triangulação do que somente a

vontade de conseguir risadas da platéia, o pensamento serve perfeitamente para elucidar o que

aconteceu durante a apresentação relatada.

O segundo momento em que busquei experimentar as mudanças na atuação a partir da

eliminação da divisão do olhar para a platéia é uma sequência na qual fico com o braço preso

dentro do vestido. Busco maneiras variadas de me libertar dali, mas a princípio consigo

apenas enredar-me cada vez mais. Os problemas aumentam quando o vestido se enrola no

meu ombro, deixando parte do corpo descoberta e provocando a exibição da minha roupa

íntima. Consigo uma maneira provisória de esconder o corpo, tapando-o com as pontas do

vestido. A seguir, tento retirar o braço aprisionado com a ajuda do outro, mas consigo apenas

que os dois braços fiquem lá. Encontro outras dificuldades até que finalmente, consigo me

desvencilhar da roupa.

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Pretendia trabalhar toda esta sequência sem dividir o olhar para a plateia, com exceção

de um único momento intermediário. Cansada de tentar me desvencilhar do vestido, percebo

minha condição: completamente desarrumada e com os dois braços dentro do vestido,

afastada de qualquer sensualidade, como pode ser observado na foto a seguir.

Foto: Rany Carneiro

Para disfarçar este estado, pego o vestido pelas pontas e como se cada uma das suas

extremidades fosse uma asa, imito uma águia, olhando a plateia.

Ao trabalhar a criação e o desenvolvimento desta sequência encontrei muito mais

dificuldades do que no caso anterior, pois não estava mais me baseando num material já

executado por Avner. Em determinado momento da investigação, percebi que a tentativa de

retirar o olhar para a platéia estava apenas deixando a sequência confusa e mal-executada.Para conseguir reorganizá-la, tanto no que se refere às ações quanto ao tempo-ritmo de cada

uma delas, precisei trabalhá-la incluindo o uso da triangulação com o olhar. Consegui assim

reorganizar a ação e a dinâmica da cena, confirmando a importância deste recurso.

Depois desta experimentação, busquei fixar os momentos nos quais estava olhando

 para o público para, em seguida, substituí-los por uma leve suspensão do tempo da ação.

Desta maneira, pude trabalhar mais próxima do proposto por Avner, deixando que o público

acompanhe o problema sem precisar marcá-lo através das divisões de olhar, ao mesmo tempoem que mantinha a organização da cena proporcionada pela triangulação.

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Mas no dia da apresentação, a presença do público acabou fazendo com que os anos de

 prática de triangulação acabassem se sobrepondo a tentativa de experimentar a não divisão do

olhar, conforme havia trabalhado durante a investigação. Triangulei com o olhar em todos os

momentos em que havia tão cuidadosamente treinado os tempos de suspensão. Se, por um

lado, tal atitude enfraqueceu o objetivo ao qual havia me proposto, por outro me permitiu a

confirmação de que a maneira como utilizo  a triangulação também é eficiente e pode ser

mantida.

2.3.3 Voluntários

Foto Rany Carneiro

A partir da primorosa maneira como Avner se relaciona com os voluntários do

 público, e do seu texto a este respeito, busquei elementos que pudessem guiar a forma como

me utilizaria deles. Assim como ele, procurei estabelecer um contato permanente com umaúnica pessoa da platéia, o meu ―escolhido‖, o que ajuda a organizar a linha dramatúrgica do

número, sendo um ponto constante de apoio ao qual eu retorno em diversas situações.

Além da definição de um ―escolhido‖ criei um gesto do qual me utilizo nas diversas

vezes em que me dirijo a ele, o que aumenta o jogo com a repetição, podendo provocar o riso

na platéia. Com o corpo ligeiramente virado na lateral e uma das mãos para frente, imito uma

onça, acompanhando o gesto por um som de grunhido. O gesto vai sofrendo alterações de

acordo com a situação em que me encontro, ficando cada vez mais estapafúrdio, conforme vai

sendo deixada de lado a sedução para dar lugar à confusão. As fotos a seguir o confirmam. A

 primeira delas é de quando o realizo pela primeira vez, com o figurino e os cabelos em seu

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devido lugar. Já a segunda foi tirada próximo ao final da apresentação, quando estou quase

sem roupa, com os cabelos completamente desalinhados e umas poucas bolas que ainda não

foram estouradas penduradas pelo corpo.

Fotos Rany Carneiro

Uma diferença importante em relação à forma como Avner lida com a sua ―escolhida‖

é que, em  Exceptions to gravity,  a relação com ela tem início de forma concreta somente

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depois de aproximadamente quinze minutos de espetáculo. Este tempo anterior permite que

ele possa escolher com cuidado quem ocupará esse papel, selecionando alguém que já se

mostre receptivo ao longo do show.

Como, no meu caso, o número inteiro tem vinte minutos seria impossível esperar o

mesmo tempo que Avner para fazer a escolha. Ainda assim, percebo que a realizo rápido

demais. Logo depois de entrar em cena pela primeira vez, olho a plateia, a cumprimento e é

ainda durante este gesto que percebo alguém especial, para quem imediatamente direciono a

minha atenção. A seleção é feita tão pouco tempo depois da minha entrada que é possível

levar em conta, na escolha, apenas a localização espacial do futuro voluntário e o fato de estar

ou não acompanhado. Como esse mesmo homem será utilizado durante todo o número,

acredito que defini-lo um pouco mais a frente diminuiria as chances de fazer uma escolhaequivocada. Felizmente, no dia da apresentação isso não ocorreu, mas se não alterar o

momento desta escolha, corro o risco de enfrentar este problema mais à frente.

Busquei trabalhar ainda outros dos tópicos propostos por Avner, especialmente aquele

no qual afirma que o voluntário precisa estar feliz por ter sido o escolhido e não temeroso e

envergonhado. O fato de estabelecer uma relação de sedução com ―o escolhido‖ e demonstrar

que o achei incrivelmente interessante já facilita esse trabalho. Além disso, quando já estou

cobertas pelas bolas e inicio o strip-tease, eu deixo o palco e me direciono a platéia. Vou atélá selecionar algumas pessoas para as quais ―darei a honra‖ de ceder o alfinete com o qual

estava estourando os balões, para que elas também tenham o ―privilégio‖ de fazê-lo. É este o

tom que busco empregar ao longo deste momento, de maneira que as pessoas queiram ser

escolhidas para estourar os balões. Deixo que duas pessoas estourem um balão, cada uma, e

quase cedo o alfinete para uma terceira. Mas desisto de fazê-lo, provocando o riso no restante

do público. A seguir, me direciono ao ―escolhido‖, a quem concedo o direito de estourar

quantos balões quiser.

2.3.4 Improvisação

É possível observar na atuação de Avner a utilização da improvisação codificada.

Através dela, o palhaço aciona determinadas partes do seu repertório a partir da reação do

 público de cada noite, mantendo-se ainda assim fiel ao roteiro pré-estabelecido. O uso

eficiente desta improvisação exige grande rigor e técnica, de modo que palhaço seja capaz de

 perceber os momentos adequados, onde é possível inserir modificações, respeitando oandamento do espetáculo e sem se desviar do roteiro, o que corre o risco de levar a

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apresentação para um lugar que interessa unicamente ao próprio ao palhaço, tornando a sua

atuação maçante para quem o observa. Sobre tais questões Dario Fo afirma que:

Eu gostaria de especificar imediatamente que a improvisação, no teatro, é umafalsidade. Para um ator nada é mais fatigante, mais elaborado, mais estudado do quea improvisação. Para dar impressão de improvisar verdadeiramente, ele deveaprender a seguir esquemas extremamente precisos. Como no blues ou no jazz...Para efetuar as modificações ele precisa respeitar o número de falas. O teatro é comoa música, a geometria, a matemática. Se você não respeitar as regras, nada acontece.E você corre o risco de aborrecer. (Fo, 2007: 96, tradução minha)28 

 Na estrutura de Balões! trabalho com um lugar de certa imprevisibilidade, na medida

em que os objetos com que me relaciono são balões, que correm o riso de durante a sua

manipulação estourarem, voarem para direções não previstas, esvaziarem em tempos

indefiníveis, por exemplo. Durante o período de ensaios, aconteceram (quase) todos os

 problemas possíveis e eu pude aproveitar este espaço para investigar maneiras de reagir a

cada um deles. Desta forma, já tinha, por exemplo, uma solução prévia para o caso de algum

 balão estourar no momento errado, o que de fato aconteceu no dia da apresentação. Eu pude

acionar este repertório e resolver sem maiores dificuldades esta questão, que estava fora da

estrutura do número. Assim, pude experimentar o trato com a improvisação que acontece a

 partir de códigos pré-estabelecidos. No universo do palhaço, as imprevisibilidades que podem acontecer no momento de

cada apresentação não são vistas como um infortúnio. Pelo contrário, elas são ―presentes‖ que

se bem aproveitados trazem benefícios ao show. A atuação do palhaço é toda baseada na

solução de problemas, então um problema a mais vai apenas revelar mais uma chance de

explorar suas inaptidões na tentativa, quase sempre frustrada, de resolvê-lo. Por outro lado, a

maneira de lidar com uma situação inesperada diante do público pode gerar descobertas que,

futuramente, venham até a ser incluídas no repertório do palhaço.Pude experienciar esta relação com a improvisação graças a um imprevisto acontecido

com o meu sapato. Logo no início do número, eu o perco durante a dança, como havia dito

anteriormente. Para recuperá-lo, arrasto a cortina até perto dele, como forma de vesti-lo sem

 precisar revelar meu rosto.

28 Je voudrais préciser tout de suíte que l´improvisation, au théâtre, est un faux. Pour un comédien, rien n´est plus

fatiguant, plus elabore, plus etudié, qu´improviser. Pour donner l´impression d´improviser vraiment, il fautapprendre à suivre des schemas très précis. Comme dans le blues ou le jazz… Pour effectuer des variations, ilfaut respecter le nombre de répliques. Le theater est comme la musique, la géométrie, les mathématiques. Si vousne respectez pas les règles, rien ne tient.

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Foto: Rany Carneiro

Perto do final do número, repito a perda do sapato. Agora, no entanto, ela acontece de

forma mais esdrúxula. Para conseguir estourar de uma só vez um grande número de balões, eu

me lanço de costas no chão do palco. Em seguida, faço alguns movimentos de dança, ainda no

chão. Entre eles, tento reproduzir um movimento clássico das  pin-ups, balançando as pernas

 para o alto enquanto seguro o corpo através do apoio das mãos no quadril. Realizo este

movimento três vezes. Porém, na terceira repetição, um impulso excessivo faz com que as

minhas pernas avancem mais do que necessário, indo parar atrás da cabeça, posição que, além

de ser bem ridícula, me faz perder novamente o sapato. Mantendo as pernas neste lugar,

movimento-as de um lado para o outro na esperança, absurda, de tentar recuperar o sapato

 perdido.

Fotos: Rany Carneiro

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Em seguida, desisto de vestir o sapato e tento fazer com que as pernas retornem para a

 posição normal, o que não consigo. Sou obrigada então a realizar uma meia cambalhota que

emendo num rolamento, acabando por estourar mais algumas das bolas que ainda estavam

 presas ao meu corpo. Depois disso, volto rapidamente a ficar de pé, pois a música está

acabando e junto com ela termina o número.

De acordo com o roteiro pré-estabelecido, eu começava e terminava o número

 perdendo o sapato. Mas no dia da apresentação aconteceu algo a mais. Num momento da

sequência, jogo uma bola cheia para fora do palco, para em seguida encher duas delas. No

entanto, ao dar início a esta ação, percebi que a primeira bola havia lentamente retornado para

dentro do palco. Observei-a até que estancasse, para então chutá-la de volta para a coxia. Mas

a força do chute fez o sapato, mais uma vez, voar do meu pé.Ainda que tenha acontecido por acaso, incorporei este segundo chute na sequência e

agora todo o número é pontuado pela perda do sapato, da mesma forma que  Exceptions to

 gravity  é pontuado pela perda do chapéu. Ainda que esta não tenha sido uma escolha

 proposital, certamente aconteceu por influência da observação do show de Avner.

2.4 Técnica dos movimentos

A técnica dos movimentos foi trabalhada ao longo do processo de criação de  Balões! com foco nos pontos centrais selecionados no material produzido por Lecoq e observados e

analisados na atuação de Avner. Ponto fixo, impulso, equilíbrio e desequilíbrio e oposições

foram experimentados na investigação num processo continuo e permanente de descoberta.

Ainda que houvesse focos específicos de trabalho para cada um deles, a experimentação

muitas vezes evidenciou a conexão existente entre eles, trazendo elementos de pesquisa em

comum.

 Não utilizo palavras em  Balões!. É a primeira vez que, como palhaça, trabalho semcontar com o recurso da comunicação verbal. Ainda que a observação constante da

comunicação não-verbal de Avner tenha influenciado o tipo de construção cênica que realizei,

esta não foi uma escolha determinada somente pelo tipo de linguagem utilizada em

 Exceptions to gravity.  Foi o próprio número que, com o passar do tempo, mostrou que

 prescindia da palavra.

Durante o processo de criação, utilizei a fala durante longo tempo. Graças ao olhar da

minha orientadora, pude perceber que falava nos momentos nos quais a solução, no corpo,

ainda não estava plenamente encontrada. Em algumas partes, por questões de construção

dramatúrgica, em outras porque tentava levar adiante uma ideia inconsistente. Na maioria dos

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casos, porém, o uso da palavra estava diretamente ligado a uma questão de execução técnica

dos movimentos, como se nesses momentos eu recorresse à palavra na esperança de que

através dela pudesse suprir ou disfarçar uma falta que era de outra natureza.

Com o aprimoramento do trabalho, foi ficando cada vez mais claro que a palavra não

fazia falta naquela construção, onde o corpo deveria dar conta de toda a comunicação. Mas,

ainda assim, seu uso teve importância fundamental durante o processo investigativo, tornando

claro o que eu queria realmente dizer, e que poderia fazê-lo somente com o meu corpo.

2.4.1 Ponto fixo

De acordo com Lecoq, ―não há movimento sem ponto fixo‖ (Lecoq, 2011: 140).

Assim, o trabalho sobre este elemento não pode ser deslocado para instantes precisos,mostrando a necessidade de uma investigação que permeasse todo o número. Através da

 prática, pude confirmar o seu papel fundamental como ponto de referência para todo o

movimento, ajudando a direcionar o olhar do espectador em conseqüência da organização que

 provoca em toda a ação.

Durante a criação do número, confrontei-me em diversos momentos com uma

tendência reconhecida, mas que ainda aparece em meu trabalho, que é a de realizar

movimentos rápidos, envolvendo o corpo todo, de forma descoordenada, impossibilitandouma compreensão clara do que estou pretendendo comunicar. O estudo e a percepção do que,

em cada movimento, representava o ponto fixo foi extremamente importante para tentar

alcançar uma desenho gestual definido claramente que me permitisse entender e comunicar

melhor o sentido de cada gesto, bem como excluir movimentações desnecessárias.

Exemplifico com o relato de um dos momentos do número. Na segunda parte da

sequência, retorno à cena coberta de balões, para apresentar uma coreografia bastante simples.

 Nela, busquei trabalhar com passos de dança do universo burlesco, que pretendia explorar deforma sensual em alguns momentos, para somente em outros fazê-los de forma errada e deixar

aparecer o jogo da palhaça, jogando com o Grotesco, conforme já mencionado. Além de

 precisar trabalhar de forma clara os movimentos que pertenciam a cada uma das intenções,

havia o fato de grande parte do meu corpo estar neste momento coberto por balões coloridos,

o que deixa a imagem naturalmente mais confusa.

Para conseguir alcançar a clareza necessária nas ações que permitisse a percepção dos

momentos em que dançava de forma correta, diferenciados daqueles em que ocorria o

contraponto da confusão, foi fundamental entender onde estava o ponto fixo em cada um

deles. Especialmente nos movimentos que eram propositadamente realizados com algum tipo

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de falha na sua execução, a percepção do ponto fixo foi fundamental. Foi o caso da parte da

sequência em que dobro uma das pernas, deixando o equilíbrio do corpo centrado apenas na

outra, ao mesmo tempo em que ergo os dois braços, conforme a foto abaixo:

Foto: Rany Carneiro

Em seguida, a perna de apoio começa a tremer o que me faz perder o equilíbrio e cair

 para o lado direito. Inicialmente, eu estava trabalhando tanto a pose quanto a queda de forma

muito rápida. Depois que localizei o ponto fixo deste movimento, pude explorá-la melhor,

mantendo um tempo de suspensão no meio da queda, quando o quadril e os braços já saíramdo eixo de equilíbrio, mas as pernas ainda não.

Destaco ainda outro momento em que explorei bastante a relação com o ponto fixo do

movimento. Eu realizo uma pretensa mágica que consiste, na verdade, em simplesmente

esticar um balão com as duas mãos. Porém, faço toda a ação como se se tratasse de algo

incrível e muito difícil de ser realizado. Quando seguro o balão entre as duas mãos, não inicio

imediatamente o movimento de estendê-lo. Antes disso, mantenho-o parado entre as duas

mãos e altero apenas a angulação dos braços. O balão se destaca, uma vez que foi colocadocomo ponto fixo e: ―O movimento sublinha o ponto fixo.‖ (Lecoq, 2011: 140). Assim, quando

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começo realmente a ―mágica‖, estabeleci um foco de atenção muito maior no balão. A

valorização do objeto torna ainda mais idiota a sequência que virá a seguir. As fotos abaixo

retratam o momento relatado:

Fotos: Rany Carneiro

2.4.2 Manipulação do Impulso

O ponto que selecionei para investigar mais profundamente em relação ao impulso era

como causar o inesperado e o riso, através da surpresa causada por sua supressão ou por sua

utilização de forma desproporcional, com um impulso muito grande para uma ação mínima.

Experimentei as possibilidades de manipulação do impulso da seguinte maneira: após

o fechamento de praticamente toda a primeira parte do número, incluindo a ―entrada da

entrada‖ e as diversas tentativas de encher os balões, fui testando diversos momentos em que

 poderia manipulá-lo, seja através da sua supressão ou pelo exagero da sua dimensão em

relação ao tamanho da ação. Escolhi os momentos da sequência que já tinham uma partitura

de ações bem definidas e experimentei, nos mesmos trechos, ambas as possibilidades. O

exercício foi bastante útil para a percepção da maneira como o impulso deve ser operado no

corpo e também para uma melhor percepção do foco do movimento em relação ao espaço.

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Foram diversos os benefícios deste exercício. Através dele, pude perceber

determinados movimentos que exigiam um envolvimento maior da musculatura do que eu

vinha realizando até então. Além disso, criei movimentos novos, resultado obtido

 principalmente através da proposta de supressão do impulso do movimento, que algumas

vezes conduziu o corpo a outras direções e relações no espaço e com o objeto.

As experimentações, ainda que extremamente importantes para o processo, não

revelaram muitos lugares nos quais pudesse realmente adotá-las dentro da estrutura do

numero. No final, mantive a manipulação do impulso em apenas um momento. Trata-se do

momento em que eu estou enchendo os balões. Realizo esta ação diversas vezes e ela sempre

acontece seguindo a mesma lógica: encho os pulmões de ar, para em seguida expirá-lo dentro

do balão, ação que é acompanhada por uma flexão dos joelhos, como observável na fotoabaixo.

Foto:Rany Carneiro

 Numa das sequências em que repito este movimento, encho profundamente os

 pulmões de ar e no impulso para flexionar os joelhos, estico todo o corpo e fico na ponta dos

 pés. Parece que a seguir virá uma grande expiração, que encheria praticamente o balão todo.

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O que se segue, no entanto, é um sopro muito leve, que quase não faz diferença no tamanho

do balão, acompanhado de uma flexão sutil nos joelhos.

É importante destacar que a manipulação do impulso não precisa ser acompanhada por

nenhuma reação especial relacionada a ela. No meu caso, continuo soprando o balão como se

nada tivesse acontecido. Isto porque percebi durante os ensaios e pela observação da atuação

de Avner, que é mais interessante agir de maneira a que apenas o movimento provoque o riso,

ao invés de tentar reforçá-lo com intenções, que, na verdade, conseguiriam apenas diminuí-lo.

2.4.3 Equilíbrio e desequilíbrio

O corpo humano em movimento trabalha incessantemente nas relações entre equilíbrio

e desequilíbrio. Na mais simples caminhada, o corpo precisa sucessivamente perder oequilíbrio, que é recuperado a cada novo passo e é o que possibilita o deslocamento. Ao longo

da investigação do número, explorei como exagerar as relações entre equilíbrio e

desequilíbrio, procurando manter o máximo de vezes possível o meu corpo em estado de

desequilíbrio.

Foi interessante perceber que a exploração do desequilíbrio no movimento contribuía

 para a criação de momentos cênicos em que a lógica particular do palhaço aparecia com mais

força justamente pela exploração do princípio do movimento no corpo.Um ponto que se repete ao longo de todo o número e no qual eu trabalho, literalmente,

com o desequilíbrio são as viradas seguidas de escorregões. Sempre que me coloco de costas

 para a plateia repito a mesma sequência de movimentos: primeiramente coloco as duas mãos

no quadril e o movo para os dois lados. Após ter retirado as mãos desta região, retorno a

frente do meu corpo para a plateia, através de um giro rápido. Porém, este giro sempre

termina com um escorregão, como se o movimento, feito com uma rapidez excessiva,

desorganizasse o meu corpo a tal ponto que perco todo o eixo do equilíbrio. Mas consigorecuperá-lo e não chego a cair no chão.

Durante a investigação, foi importante perceber que para a boa execução deste

escorregão era necessário que ele não fosse anunciado durante o giro. Ou seja, é preciso que

no momento anterior, o corpo, enquanto gira, permaneça no eixo. Somente no final deste

 primeiro movimento é que deve haver o desequilíbrio que provoca o escorregão. Quando o

desequilíbrio era antecipado e começava já durante o movimento rotatório, antecipava a ação

seguinte, diminuindo as chances de riso, pois o futuro escorregão se anunciava antes do

momento em que acontecia, eliminando a surpresa que contribui para o riso da plateia.

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2.4.4 Oposições

Como já dito, as oposições entre partes do corpo podem ser utilizadas para indicar

uma divisão entre a ação que o palhaço precisa realizar e a sua vontade. Repeti um dos

momentos em que Avner explora esta possibilidade, quando ao retornar ao palco depois do

 primeiro contato direto com a voluntária mantém o seu rosto e parte de seu tronco em direção

a ela.

Além deste momento, em que utilizo as oposições para demonstrar o distanciamento

entre o desejo do palhaço e a sua ação, trabalhei de forma a criar linhas de oposições no meu

corpo ao longo de todas as ações. Para tal, primeiramente repetia as sequências percebendo

que linhas de oposição poderiam ser criadas. Este trabalho esteve relacionado ao do impulso

 para o movimento, pois ali são inevitavelmente criadas linhas de oposição que precisaramsomente ser aumentadas ou diminuídas. Procurei perceber as possibilidades de estabelecer

linhas de oposição também nos momentos em que estava parada numa pose, como ao estender

os braços, por exemplo, o fazia de maneira que os dois não estivessem na mesma direção,

criando pólos opostos entre eles. Experimentava repetir toda a sequência exaltando a presença

destas linhas de oposição, para depois procurar mantê-las presentes no meu corpo, mas de

uma forma mais sutil.

 No resultado final, percebo que poderia ter mantido com um pouco mais de veemênciaa presença desses pontos de oposição. Ainda assim, este foi um exercício extremamente

importante, tanto por possibilitar uma melhor compreensão das conexões entre as partes do

corpo quanto por potencializar a riqueza e a força do movimento ao longo de todo o número.

2.5 A criação do número

2.5.1 Metodologia

O processo de criação ocorreu durante aproximadamente um semestre, com encontrosque aconteciam duas vezes por semana, durante o período de três horas. Não desenvolvi um

 plano de trabalho inicial onde já estivesse prevista a organização de todo o período de

investigação. Ao invés disso, busquei definir a temática de cada dia de experimentação a

 partir das questões sugeridas continuamente pelo andamento da pesquisa, tanto no que diz

respeito ao próprio trabalho de criação do número, quanto à análise de  Exceptions to gravity.

Ainda assim, a cada dia elencava um objetivo específico a ser desenvolvido e posteriormente

escrevia num caderno de anotações a respeito da maneira como ele havia se desdobrado a

 partir da prática.

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Acredito que diante do fato da investigação estar sendo desenvolvida durante o

 processo de criação de um número, este era o procedimento metodológico que poderia render

mais frutos. Dessa maneira, pude trabalhar mantendo-me aberta e atenta às imprevisibilidades

e surpresas naturais em qualquer processo de criação artística, conservando ao mesmo tempo

o caráter científico necessário à pesquisa acadêmica.

O fato de tratar-se de um processo, no qual eu experimentava ao mesmo tempo em que

refletia sobre a minha própria experimentação, evidenciou a necessidade de interlocutores.

Este diálogo foi feito com a minha orientadora, Profa Dra. Nara Keiserman, que assistia de

tempos em tempos o processo de criação do número, levantando sempre questões importantes

e que norteavam alguns dos dias de trabalho subseqüentes. Contei ainda com o olhar do Me.

Flávio Souza, que realiza seu doutoramento tendo também Avner como um dos objetos de sua pesquisa, o que já abria um rico espaço de troca. Além disso, ele foi um dos meus primeiros

 professores de palhaço, o que lhe permitiu analisar o número não somente pelo que estava

sendo mostrado naquele momento, mas pensando também em quais questões retornavam de

outras épocas, oferecendo-me a possibilidade de enfrentá-las com mais profundidade.

A troca proporcionada por esses dois encontros trouxe uma particularidade que merece

ser destacada. Ainda que em nenhum momento o Me. Flavio Souza e a Profa. Dra. Nara

Keiserman tenham assistido ao trabalho juntos, suas observações a respeito dele eram semprecomplementares. Não porque um confirmasse o que o outro havia colocado anteriormente.

Mas porque captavam aspectos diferentes do processo de criação, trazendo questões que

nunca versavam sobre os mesmos pontos, criando um espaço de troca ainda mais rico.

Contei ainda com a presença eventual de um público não-especializado, formado por

amigos ou colegas que viram o número tendo como única função assistir

descompromissadamente, sem precisar realizar nenhum comentário a respeito. A presença

deles se justifica na medida em que a recepção ocupa um papel fundamental na atuação do palhaço. Certas escolhas só puderam ser realizadas depois dos caminhos possíveis terem sido

expostos ao público. As suas risadas e silêncios me apontaram pontos a serem mais

desenvolvidos, bem como gags que mereciam ser encurtadas, por exemplo.

2.5.2 Procedimentos

 Na entrevista a mim concedida, Avner afirma que o centro do seu trabalho com os

estudantes é

a maneira de prepará-los para fazer o show todas as noites e duas vezes no sábado.E nunca mudar o nível do trabalho. Não é um jogo de apostas. É baseado em

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técnicas reais, performances fortes e verdadeiros valores bem estabelecidos e deve parecer que é improvisação. Mas não é.

Que técnicas são estas? Como elas devem ser utilizadas? Como o palhaço pode

garantir a força de sua performance? Que valores devem estar bem estabelecidos? Como,enfim, sedimentar a criação de maneira a que ela se transforme num número, ou espetáculo,

que garanta um bom resultado sempre? Estas eram algumas das questões que eu pretendia

investigar durante o processo, tendo sempre por guia os elementos sugeridos pela atuação de

Avner.

Há pessoas que se lançaram ao mar dizendo que iam descobrir um continentee depois, em vez de encontrarem a Índia descobriram a América. Tenho a impressãode que, quando partimos para uma obra, partimos para uma aventura. Mas ocontinente que acreditamos descobrir não é aquele aonde chegaremos. (Mnouchkineapud Féral, 2010: 88)

Essa colocação da diretora e pedagoga francesa Arianne Mnouchkine reflete as

imprevisibilidades a que estamos sujeitos ao nos lançarmos a qualquer processo de criação

artística. Por mais que existam metas, objetivos pré-estabelecidos, nortes determinados para a

 pesquisa, é preciso estar ciente de que a maior parte do que estamos trabalhando está

encoberta e só vai se revelar durante o próprio fazer. Na minha investigação não foi diferente.

Iniciei o processo sem saber exatamente a que tipo de construção cênica ele me

levaria. A temática não era, neste caso, o mais importante. O foco principal estava, desde o

início, em criar um espaço de diálogo com a obra de Avner. De qualquer maneira, precisava

estabelecer algum tipo de base para o início da criação. Uma vez que eu já não contaria nem

com a colaboração de outro artista em cena comigo e nem com um olhar externo permanente

que me permitissem a troca tão necessária ao jogo do palhaço, optei por trabalhar com um

objeto. ―O jogo do palhaço sempre acontece em dupla. Mesmo que esteja sozinho em cena,

ele cria duplas com os objetos, consigo mesmo, com a platéia, com a situação. (Jardim, 2002:

21).A dupla eleita para o início do meu jogo foi um balão. A princípio, tal escolha efetuou-

se somente por perceber que este objeto oferecia diversas possibilidades de exploração, graças

ao tipo de textura, à mudança de forma depois de cheio e à facilidade com que pode estourar.

Rapidamente, surgiu a idéia de desenvolver o número a partir da situação de uma palhaça que

vê a fotografia abaixo e, encantada pela beleza de tal imagem, decide reproduzi-la.

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29 Imagem capturada do site http://straystreets.wordpress.com/

Com a máquina fotográfica a postos e o balão vermelho cheio ela encontra a sua

 primeira dificuldade: o balão não voa. A palhaça não sabe que o que permitia que aquele

outro balão estivesse flutuando era o fato de ter sido enchido com gás hélio. O ar de seus

 pulmões jamais faria com que o seu balão também pairasse no ar. A palhaça passa a tentar das

mais variadas formas fazer com que ele voe, sem jamais consegui-lo.

A ideia parecia apresentar bons elementos para o início do trabalho, especialmente por

dialogar com a temática do espetáculo de Avner, na medida em que apresentava uma tentativa

de escapar às leis da gravidade ao tentar fazer com que o balão voasse mesmo sem ter as

condições que lhe permitiriam tal feito. Trabalhei durante um bom tempo a partir dela, mas

avançava muito pouco.

Ainda que percebesse a dificuldade encontrada a partir desta proposição inicial optei

 por não deixá-la imediatamente de lado. Acreditei que insistir neste caminho seria importante

 para a continuidade do trabalho de pesquisa. Isto porque o fato de estar realizando um

laboratório, uma experiência, possibilitava um respeito ao tempo em que as coisas não

funcionavam. Até o que dá ―errado‖ podia, nesse caso, proporcionar um espaço interessante

de descoberta. Insisti um pouco mais no caminho, para tentar pelo menos entender por que ele

não avançava.

―Boas idéias costumam não funcionar nas situações em que os palhaços se encontram.

Reações e impulsos imediatos são, em geral, mais interessantes e verdadeiros (...)‖ (Jardim,

2002: 20). Foi ao reler esta afirmação da Profa. Dra. Juliana Jardim que percebi onde estava o

 problema. Eu queria conduzir o processo a partir de uma boa idéia, apenas. E uma boa idéia,

29 A foto pertence ao filme O Balão Vermelho (1956), roteirizado e dirigido por Albert Lamorisse.

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especialmente uma boa idéia que é anterior e independente à própria ação do palhaço não é

um dos terrenos mais férteis para a criação.

Desisti da minha idéia para retornar a sala de ensaio munida dos primeiros elementos

 para investigação que se revelavam a partir do estudo de  Exceptions to gravity: a ideia do

 palhaço como um solucionador de problemas e a técnica que ele desenvolveu para o início do

espetáculo.  Além, é claro, dos meus já fiéis parceiros de cena, os balões. Pesquisando ao

máximo as possibilidades de relação que poderiam ser desenvolvidas a partir do jogo entre o

que a palhaça provocava no balão e o que o balão provocava na palhaça, foi começando a

sinalizar-se um novo caminho, bem mais fértil do que aquele explorado inicialmente. Busquei

desenvolvê-lo atenta às possibilidades e aberturas proporcionadas pela análise de  Exceptions

to gravity e também preocupada em, ao final, conseguir fechar uma estrutura que permitisse aapresentação do número. Cheguei à construção do número Balões!.

Desde o início, estava objetivado que este processo investigativo deveria me conduzir

à formalização do número, que seria apresentado para a banca de avaliação como resultado

final fundamental à pesquisa. A Dissertação inclui o DVD abaixo, com a filmagem do

mesmo, realizada no dia 02 de Julho de 2011.

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 No período entre a entrega da dissertação e a defesa realizarei um workshop  com

Avner Eisenberg e Julie Goell, sua esposa, em Portland, EUA, no qual terei a oportunidade de

trabalhar este material com ele. No dia da defesa, haverá uma apresentação para a banca, onde

 poderão ser observadas as modificações surgidas a partir do encontro concreto com Avner,

agora no lugar de pedagogo.

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CONCLUSÃO

―Caminhante não há caminho

Se faz o caminho ao andar‖ 

Antonio Machado

O percurso investigativo trilhado ao longo destes dois anos abriu diversas

 possibilidades de pensamento, reflexão e prática. A análise de  Exceptions to gravity permitiu

o redimensionamento do sentido da atuação do palhaço. Possibilitou ainda a percepção de que

a grandeza deste show é consequência, fundamentalmente, de uma abertura constante de

Avner para a experiência artística, o que inclui o aprimoramento do trabalho já estabelecido

em paralelo à procura por novas questões.

Dentre os princípios do palhaço estabelecidos por Avner, é comum vê-lo ressaltar um

deles, no qual afirma: ―Seja interessado, não interessante.‖ (Eisenberg, http://www. 

avnertheeccentric.com/eccentric_principles_portuguese.php, acesso em 5 de Maio de 2010).

Busquei manter-me atenta a esta frase ao longo de toda a pesquisa, não apenas no que diz

respeito à minha experimentação prática, mas também na maneira de conduzir a análise de

seu espetáculo. Ao invés de impor um pensamento já formulado a respeito do palhaço e guiar

o meu olhar a partir dele, procurei perceber na própria obra os elementos que me permitissem

definir os rumos da pesquisa em cada uma de suas etapas. Buscando compreender Exceptions

to gravity a partir da escuta e do respeito ao que o espetáculo é.

A definição dos quatro pontos para análise da obra: princípios do palhaço, autoria e

apropriação, relação com a plateia e técnica dos movimentos, mostrou-se um caminho

 possível para entender mais profundamente a atuação de Avner, bem como direcionar o meu

 processo investigativo de criação do número.

Autoria e apropriação foram questões desenvolvidas a partir da observação da ampla

 presença em  Exceptions to gravity de partes do repertório clássico da palhaçaria, incluindo

tanto gags quanto números. Porém, Avner trabalha com este material através de um processo

de apropriação que as torna particulares. O mesmo processo de apropriação foi experimentado

em  Balões!,  permitindo-me comprovar através da prática que ele envolve tanto o

conhecimento técnico da sequência quanto um atravessamento de sua lógica particular de

 palhaço, que é o que vai garantir a inserção da comicidade pessoal.

Avner realiza este processo de apropriação com perfeição. Perfeição que é tambémresultado do tempo a que vem se dedicando a trabalhar sobre a mesma estrutura. Este artista

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investiu na elaboração e aprofundamento de um único trabalho. E é justamente aí que se

afirma o caráter autoral de sua obra. Saber fazer bem o que já existe pode ser muito mais

genial do que criar algo novo a cada instante. Este é um ensinamento importante

especialmente nos tempos atuais, em que se valoriza cada vez mais a inovação e a mudança

constante, deixando de lado a solidificação do conhecimento que só o tempo pode

 proporcionar.

Avner vem dedicando seus estudos nos últimos anos à análise da relação com a

 plateia, questão de interesse fundamental para ele, levando-o a ampliar as fontes de pesquisa

 para campos como a Neurolinguística e a Hipnose. Seus conhecimentos o conduziram à

elaboração de uma técnica particular, segundo a qual o controle da respiração do público é a

 base para que o palhaço garanta a manutenção desta conexão. O tipo de entrada quedesenvolveu para o espetáculo e a eliminação da triangulação com o olhar para a plateia, estão

diretamente relacionados a esta técnica.

A forma como Avner se relaciona com os voluntários do público, na qual se destaca a

 preocupação em deixar a pessoa feliz e à vontade por ocupar este papel é outro ponto

importante de sua relação com a platéia. Bem como a capacidade de manipular o

direcionamento das ações do voluntário, a partir de comandos sutis, porém extremamente

eficazes. Nem todos os pontos pesquisados por Avner passaram a fazer parte também da minha

 prática. Percebo a possibilidade de, pela base oferecida por ele, trabalhar a relação com a

 plateia sem desenvolver estudos a respeito da Neurolinguística, por exemplo. E acredito que a

 pratica do Contato-improvisação pode trazer tantos elementos para a escuta corporal e o

desenvolvimento da capacidade de se afetar pelo gesto do outro, facilitando o relacionamento

com os voluntários do público, quanto o Aikido. Mas nos dois casos me interessaram os

 princípios almejados através deste caminho de busca. Foi com eles que eu busquei me afinarao longo da pesquisa.

A técnica dos movimentos permitiu uma compreensão mais aprofundada sobre alguns

dos pontos que permitem que Avner tenha um trabalho corporal tão preciso e claro. A sua

definição gestual, o envolvimento de todo o corpo nas ações, entre outros elementos, deixam

o seu corpo livre para que possa se comunicar da maneira mais eficiente possível. Foi de

extrema importância a investigação, na prática, destes mesmos pontos, levando-me a um

aprimoramento visível do meu trabalho corporal.

Para além de todas as questões técnicas que foram analisadas e experimentadas ao

longo da pesquisa, destaca-se também o exemplo de relação com o fazer artístico

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 proporcionado pela observação da atuação e da pedagogia de Avner. Este palhaço está sempre

movido pelo desejo de investigação de novos temas, ressaltando o lugar do artista como um

 pensador e pesquisador do seu próprio fazer.

 Exceptions to gravity  acumula experiências de mais de 38 anos. Assim, é

compreensível que tenha atingido um nível primoroso. No entanto, o reconhecimento obtido

 por Avner com seu espetáculo não o levou a um encerramento das pesquisas, mas apenas a

uma mudança de foco. Agora, o mestre se dedica cada vez mais a descobrir maneiras de

transmitir os conhecimentos que acumulou ao longo de todos esses anos. Vale ressaltar que

esse é um trabalho que realiza não somente com palhaços, pois percebeu que os princípios

que estabeleceu poderiam ser aplicados com a mesma eficiência em diversas áreas. Avner

atua, por exemplo, dirigindo apresentações de musicistas e dando cursos que habilitam professores a se relacionar melhor com os alunos em sala de aula.

A postura investigativa de Avner certamente está ligada à sua formação junto a

Jacques Lecoq. Os pensamentos do mestre francês ocuparam papel central também neste

estudo, sem que isso exclua outros pensadores e/ou artistas, que também ofereceram

interlocuções fundamentais, como De Marinis, Meierhold e Dario Fo. Tanto em Lecoq quanto

em Avner, é possível observar a constante busca por nortes investigativos, pela criação de

novas perguntas, muito mais do que o fechamento de respostas onde pretensamente se pudessem encerrar todas as questões da arte ou, no caso específico, do palhaço.

O encerramento desta pesquisa de Mestrado não significa o fim da minha investigação

guiada a partir da obra de Avner. O próximo passo é o estudo de como os elementos

apreendidos a partir da analise de sua atuação e experimentados no processo investigativo de

criação do número podem se desdobrar na construção de uma proposta metodológica que

sirva também para a formação de outros palhaços. A experiência que viverei em breve,

durante o Eccentric Performing Workshop, no qual ficarei imersa por onze dias no estudo do palhaço e tendo a vivência direta dos ensinamentos e posicionamentos de Avner como

 pedagogo, certamente lançará inúmeras luzes para esta nova investigação.

A outra direção na qual pretendo me aprofundar está relacionada à minha prática.

Venho trabalhando há algum tempo em processos nos quais a autonomia de cada um dos

envolvidos é fundamental para o acontecimento artístico. Este tipo de postura, me parece, é

quase inerente ao palhaço, mas percebo que também nas escolhas teatrais que faço procuro

me aproximar de trabalhos que explorem este tipo de relação. Apesar disso, nunca havia

 pensado em trabalhar sozinha em cena. O que se deu como conseqüência natural deste

 processo de pesquisa acadêmica acabou se mostrando um território rico e no qual tive muito

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 prazer em atuar. Pretendo dar continuidade à investigação surgida a partir do número e

 possivelmente transformá-lo num pequeno espetáculo solo, ideia que Avner sempre estimula

seus alunos a seguirem.

O título do segundo capítulo desta Dissertação, ―E a palhaça, o que faz?‖, surgiu como

uma brincadeira com o título da primeira parte da pesquisa, ―E o palhaço, o que é?‖. Mas

ainda assim parecia poder dar conta do que viria a ser abordado na segunda parte do texto.

Enquanto no primeiro capítulo eu analisava  Exceptions to gravity, no segundo procurava

entender a maneira como os elementos desta análise poderiam se desdobrar no meu próprio

fazer.

Foi somente com o andamento da pesquisa que percebi que este título abarcava

questões maiores e que já vinham se delineando ao longo da experiência. E a palhaça, o quefaz, depois de tudo isso? Talvez esta seja a principal pergunta que se apresenta neste

momento. Porque a oportunidade de construir um número que vem como a experiência cênica

de uma investigação mais ampla, certamente será definidora do percurso artístico que seguirei

daqui em diante. Assim, levantam-se novas questões, afirma-se a pertinência de

questionamentos antigos e com eles sigo a minha prática agora. Que tipo de riso pretendo

 provocar? Do que eu quero falar? Para quem? Como? Como pensar a criação de um modelo

de produção que me permita encontrar a sustentabilidade financeira como palhaça? Asquestões são muitas e as respostas ainda vagas. Sigo tentando formulá-las cada vez com mais

 precisão, por acreditar que apenas na sua formulação já encontrarei alguns esclarecimentos

necessários. Por enquanto, a única certeza é a de que devo seguir num caminho de

experiência. Aberta para que a continuidade do fazer vá indicando que fazer é este.

O palhaço Joe Jackson Jr, um dos mais importantes da história recente da palhaçaria,

discorre no vídeo Tributo a Charlie Rivel a respeito de seu número, cujo roteiro se desenvolve

a partir da tentativa do palhaço de andar numa bicicleta, que vai progressivamente sedesfazendo. Ele afirma que, naquele momento, realizava o número já há 42 anos. Antes disso,

o seu pai, Joe Jackson, trabalhara exatamente com o mesmo material por 51 anos. Ou seja, o

número tinha praticamente um século de existência. Joe Jackson Jr coloca que somente nos

últimos anos é que conseguiu passar a realizá-lo sem se preocupar, sem pensar em nenhum

dos detalhes da execução, do tempo, da dinâmica da cena, para poder entrar em cena

simplesmente pensando ―Eu vou me divertir‖. Para atingir tal ponto foi necessário quase meio

século de prática com um material que possui o dobro do tempo. Relato este depoimento por

acreditar que ele é um belo retrato de quão longo é o percurso que precisa ser trilhado pelo

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 palhaço, até que possua uma afinidade tão grande com o material com que lida que se torna

capaz de deixá-lo acontecer, enquanto se diverte.

É costume ouvir que um palhaço torna-se grande realmente só quando chega à velhice,

 pois acumulou inúmeras experiências ao mesmo tempo em que perdeu completamente a

vaidade e o medo do ridículo. Avner, ainda que não seja propriamente velho, tem mais tempo

de cena do que eu de vida. Ou seja, termino esta pesquisa acadêmica na certeza de que estou

apenas nos primeiros passos de um caminho que é ainda muito amplo. Mas pelo qual irei

seguir. Entre gargalhadas, tropeços e balões!

Foto: Rany Carneiro Foto: Warren S. Westura

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Anexo 1- Transcrição da entrevista com Avner Eisenberg

A entrevista aconteceu no hotel onde Avner Eisenberg esteve hospedado durante o

Evento de Humor Risadaria, em São Paulo, no dia 25 de Março de 2011, com a duração

aproximada de duas horas. Foi realizada em Inglês e transcrita e traduzida pela autora.

Ana: Quando e porque você decidiu se tornar palhaço? Porque me parece que quando você se

direcionou a Escola de Jacques Lecoq foi em busca dos estudos de pantomima, não

especificamente do palhaço ainda, não é? 

Avner:  Deixe-me pensar... De fato, eu estava interessado principalmente em pantomima

naquele momento. Eu não pensava muito sobre o palhaço ainda. E comecei a fazer alguns

shows. Era o meu segundo ano na Escola Lecoq. Eu comecei a deixar crescer a barba. E a

 barba com a cara branca... Era terrível. E também tinha alguns conhecimentos de acrobacia,

então fazia algumas coisas com objetos... Algumas coisas... Não era realmente pantomima,

ainda que não falasse. Eu comprei alguns livros numa livraria, havia palhaços e fui realmente

fazer uma pesquisa e descobri o que se chama de hobo clown e eu já tinha a barba! Bom, isso

foi há muito tempo atrás. Bom, então na minha pesquisa eu encontrei pela primeira vez o

hobo clown. Você entende o que quer dizer? Hobo clown? 

Ana: Não. Hobo clown? (tentei repetir o nome) 

Avner: Sim. H-o-b-o. Hobo clown. 

Ana: Hobo... (ainda sem entender do que se tratava). 

Avner: É um tipo de palhaço que... Eu posso te mostrar uma foto! Rapidinho.

(Fomos para o computador e ele procurou no Google uma imagem do hobo clown)

Avner: Esse é o hobo. 

Ana: Ah, sim!

Avner: Como vocês o chamam?

Ana: O vagabundo.

Avner: O vagabundo, exatamente! Que era um personagem que eu acho que cresceu muito provavelmente devido à depressão americana, em 29. Eu gostava da tristeza daquele

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 palhaço... Então eu fiz um tipo de figurino que se adequava a ele, com um terno realmente

velho e sujo.

Ana: Sim, eu vi um vídeo na internet em que você está vestido assim.

Avner: Então, eu estava fazendo basicamente um show de mímica, mas como esse hobo

clown. Mas não havia continuidade, eram pequenos números. Mais mímica... Eu vim para a

França para estudar com Marceau, mas não pude achá-lo. Eu tinha encontrado Lecoq um ano

antes, ele foi para a minha universidade em Nova Iorque e eu fiz um workshop com ele. Mas

eu não entendia nada ainda... Achei que era interessante... E eu queria morar na Europa por

um ano. Então todas as coisas vieram juntas e eu simplesmente fui. Pensando que era uma

escola de mímica, o que não é. São três coisas: mímica, movimento e teatro e a suaabordagem particular de cada uma delas. A parte da mímica é o que ele chama de análise do

movimento, onde ele olha para a eficiência do corpo humano como uma máquina. Por

exemplo, se você tem que pegar um peso não é ( Avner faz a demonstração da ação de pegar

um peso imaginário no chão, deixando todo o esforço transparecer somente através da tensão

do rosto e muito pouco no corpo), mas sim o fato de que nós trabalhamos como uma

alavanca, todas as partes do corpo estão envolvidas no movimento. (demonstra novamente,

envolvendo todo o corpo na ação) Então ele apresenta estes princípios do movimento. É tãointeressante! E o fato é que eu ainda era um cientista. Então para mim era o encontro entre

 biologia, física e teatro. Era muito interessante. Eu me desapontei inicialmente. Porque eu

queria fazer mímica, nós queríamos fazer isso (reproduz a ação clássica dos mímicos tocando

numa parede imaginária) e ele disse: ―Oh, isso é besteira, qualquer um pode fazer isso!‖ e nos

mostrou, em meia hora estávamos todos fazendo perfeitamente isso (repete a ação). 

Ana: É muito mais do que isso.

Avner: Muito mais. Então eu decidi ficar. E o palhaço é o final do segundo ano, mas tudo era

um grande funil que convergia para o palhaço.

Ana: Eu li algumas matérias antigas sobre você em que era comum falarem sobre um palhaço

triste e eu achava estranho porque não noto esse traço de tristeza no seu trabalho.

Avner: Isso é besteira, eu também não. 

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Ana: Sim, era estranho para mim. Mas agora eu entendo, é um material bastante antigo talvez

fosse da época em que você trabalhava com a figura do vagabundo e eles associavam com

isso... 

Avner: Não sei... Eu nunca mais usei aquela maquiagem de novo. Quando eu acabei a escola

eu nunca mais a fiz. Ah! Fiz um pouquinho sim. (risos) Assim que eu voltei continuei usando

o nariz do vagabundo e um pouco da sua maquiagem. Por pouco tempo. 

Ana: Depois disso você deixou o nariz vermelho. 

Avner: Você sabe a história? 

Ana: Não, adoraria saber! 

Avner:  Foi uma liberação. Quando o Lecoq nos dá o primeiro nariz vermelho é uma

verdadeira cerimônia, emocionante. ―Uau! Meu nariz! Oh!‖ 

Ana: Sim, ―Eu tenho o meu!‖ 

Avner: Exatamente, depois ele se torna ― La petit masque de la derisoire‖ como ele costumava

chamar, a pequena máscara do ridículo, de tudo aquilo que é risível. E foi uma liberação, você

 poderia ser simples ou complexo, você poderia ser naif , ser arrogante. Você poderia ser

qualquer coisa, porque você estava atrás da máscara... Era maravilhoso. Me parece que há

uma relação direta com a história do nariz vermelho. Você a conhece?  

Ana: Não.

Avner: Acho que nunca a contei numa entrevista. Vai ser a primeira vez.

Ana: Maravilha!

Avner: Acho que existe um princípio realmente importante no teatro, que é o de que você tem

que ser alguém com quem a plateia possa ter uma relação de empatia. Você sabe a relação

entre  simpathy  e empathy30? Simpathy é quando a plateia olha e diz ―Ah, sim, coitado...‖ e

empatia é quando a platéia olha e diz ―Oh, eu sei, eu entendo como essa sensação é.‖. E a

empatia é a reação mais forte. É quando nós sentimos o que a pessoa sente. E isso acessa as

conexões dos neurônios do nosso cérebro, provocando uma sensação de bem-estar. Para mim

3030  Optei por manter as duas palavras na língua original porque simpathy, normalmente traduzida comosimpatia, abarca um sentido mais amplo em Inglês, sendo sinônimo de compaixão. Já empathy poderia sertraduzida somente como empatia.

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é um dos problemas do Cirque du Soleil  e de todo o  Nouveau Cirque: você não consegue se

importar com ninguém ali. Os palhaços são muito - pelo menos os que eu vi- muito

distanciados, muito zangados e belicosos. Eu não quero ser como eles, eu não me identifico.

As acrobacias são realmente incríveis, mas e daí? 

Ana: Fica tudo muito distante de nós...

Avner: Sim... Então, a história do nariz vermelho começa nos primeiros circos. Aliás, o circo

se chama assim justamente pelo formato do círculo. Os primeiros circos eram shows de

cavalo. Não muito tempo atrás - eu posso te mostrar algumas fotografias - tudo na nossa

cultura dependia dos cavalos. Na agricultura usavam os cavalos, nos transportes usavam os

cavalos, até nas máquinas eles usavam os cavalos. Nada se movia mais rápido na terra do queo cavalo, até a invenção do trem. Então, vamos dizer que até 1850, mais ou menos. Não é

tanto tempo atrás. E a nossa cultura era rural, as pessoas viviam nas fazendas, não viviam nas

cidades como agora, isso é relativamente algo novo. Mas até nas pequenas cidades havia os

cavalos. E toda fazenda tinha um cavalo, e toda criança escutava: não fique de pé em cima de

um cavalo! Porque você vai morrer. Faz sentido. Então os circos chegavam às cidades,

trazendo os cavalos e o que eles faziam?

Ana: Ficavam em pé em cima dos cavalos.

Avner: Exatamente. Ficavam em cima dos cavalos e corriam e nós podíamos olhar aquilo e

dizer: ―Uau! Eu não posso fazer isso!‖ Então eles desenvolveram um personagem, que era

uma pessoa que vinha da plateia e ia até o meio da pista e subia no cavalo. Parecia com os

homens do campo, o mesmo tipo de roupa, roupas do campo. E discutia com eles, que

afirmavam ser perigoso para ele tentar ficar em pé no cavalo, e ele tentava subir no cavalo,

galopava de costas, segurando-o pelas crinas, quase caindo do cavalo, coisas loucas... E de

repente ele tirava a roupa de homem do campo e era, na verdade, o melhor de todos. Quando

este personagem entrava na pista nós podíamos fazer ―Oh!‖, porque era como nós, o nosso

representante e nós podíamos ter empatia por aquele personagem. Porque com o virtuose no

circo nós não podemos ter empatia, não é acessível a nós. Mas no circo, quando éramos

crianças, depois de um número de equilíbrio entra um homem velho que olha para aquela

corda, olha para nós e começa a subir, imediatamente fazemos ―Oh, não!‖ Lembra disso? 

Ana: Sim!

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Avner: Ou então o número do gorila. Tem alguém treinando um gorila, um falso, e de repente

entra alguém desavisado atravessando o palco carregando bolsas de compra e imediatamente

nós fazemos: ―Não!‖ e o gorila pega a bolsa, começa uma confusão... Então, nós temos um

 palhaço. E o palhaço é o nosso representante no mundo do perigo. E isso indica uma falta de

inibição. E qual é o símbolo na nossa cultura para a falta de inibições? Alguma coisa que tira

qualquer inibição que se possua? Que nos faz estar numa festa e dançar em cima da mesa

felizes? O álcool. E qual é o símbolo maior do álcool? O nariz vermelho. Então na nossa

cultura até muito pouco tempo atrás o vagabundo bêbado era um personagem muito amado. O

clochard , em francês, eu não sei se vocês tem alguma figura semelhante aqui... Ele é uma

espécie de feliz... bêbado. Que estava sempre se metendo em problemas. Na América nos anos

60 havia uma série de TV sobre uma pequena cidade com dois guardas apenas e uma estação policial. E o bêbado da cidade tinha sua própria chave da cadeia, para poder circular à

vontade. 

Ana: (risos) Ele podia dizer ―Oi, cheguei, já vou, boa noite!‖

Avner: Sim, ele podia chegar a qualquer momento. E dormir, caso não conseguisse ir até a

sua casa. Então, essa é a história do nariz vermelho, é por isso que para os palhaços... É o

maior símbolo, o nariz vermelho. Enfim, eu sei que não é verdade. Mas é em que eu acredito.

Ana: A gente tem que acreditar, não é?

Avner: Sim, é a minha religião. Eu sei que não é verdade, mas eu acredito.

Ana: Então, quando e porque você decidiu deixar o seu nariz vermelho?

Avner:  Bem, eu trabalhei com ele por anos... Primeiro saiu a maquiagem. Eu usava um

 pouco de maquiagem, bem simples e um dia decidi fazer sem ela. Então eu fiz o show e no

final meus amigos vieram e eu disse: ―Então, o que vocês acharam?‖ e eles ―...‖. Não tinham

nem notado a diferença. E eu: (Avner faz uma expressão de profunda decepção por ninguém

ter notado a ausência de maquiagem) ―Ok, maquiagem não mais!‖ E o nariz eu decidi pelo

mesmo motivo. E a razão é que quando você é um clown... Clown é uma ― four-letters word ‖,

uma expressão, eu não sei se vocês tem também. Você entende isso, ― four-letters words”? 

Ana: Não...

Avner:  É uma maldição, nós costumamos dizer que todos os palavrões têm quatro letras.

Você diz para alguém: ―eu conheço uma ― four-letter word ‖ para isso...‖. Clown tem cinco

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letras, mas nós costumamos dizer que é uma ― four- letter word ‖ porque é uma maldição. Se

você quer fazer palhaço para adultos eles dizem ―Oh, palhaço? Não!‖. Então trazem crianças

de dois, três anos. E você pensa: ―Por quê?‖ e eles realmente pensam que é só uma coisa

fofinha para crianças. E eu fazia o meu show... Até mesmo quando já estava na Broadway em

 Nova Iorque e tudo o que eles diziam era sobre as crianças de três anos na plateia. Mesmo que

toda a plateia de adultos estivesse chorando e rindo, eles sempre falavam das crianças de três

anos como ―Hahaha, que fofinho!‖. É terrível. Uma frustração. Então um dia eu decidi tirar o

nariz vermelho. Então eu subi no palco... E eu já tinha uma série de brincadeiras com o nariz

vermelho, tirava-o, mexia com ele. Então bem no começo eu tirei-o e pim! (faz um gesto que

mostra que com um peteleco lançou o nariz para a coxia) . E fiz o show até quase o fim. E

você sabe aquele momento em que eu boto o guardanapo no rosto? 31 

Ana: Sim.

Avner:  Geralmente, tinha uma pequena cruz no guardanapo, para o nariz, e quando eu o

colocava no rosto rasgava mais, deixando só o nariz vermelho de fora. Ainda não tinha os

óculos. Era uma imagem muito bonita. Até hoje é uma das principais de divulgação do

espetáculo. Então... Foi chegando nessa parte do show e eu lembrei: ―Oh, Deus, estou sem o

nariz!‖ Eu estava no meio da rotina. Então a interrompi e fui para procurar o nariz e no meiodos cigarros, papéis e tudo o mais o achei. E terminei o show. Então ainda demorou um tempo

até que eu achasse os óculos com nariz que uso hoje em dia. Que eu acho que nem é tão

incrível, mas que também não é mau.

Ana: Não, não é.

Avner: Então, depois que já o tinha encontrado fiz o show pela primeira vez sem o nariz e

alguns amigos também assistiram. E no final eu perguntei: ―O que vocês acharam?‖.

 Novamente eles não tinham notado a diferença. Esse foi o fim do nariz vermelho.

Ana: Acho que a próxima questão que eu tinha planejado possui estreita relação com isso.

Porque era a respeito de por que você decidiu deixar de se chamar de clown para nomear-se

como Eccentric Performer . É por causa disso, desse prejulgamento do público? 

31 Avner refere-se a uma sequência que faz parte do último número de  Exceptions to gravity. Ele senta-se numa

 pequena mesa para realizar uma refeição, composta unicamente por guardanapos que vai comendo de formasvariadas. Depois de já ter devorado alguns, cobre todo o seu rosto com um deles e veste por cima um óculos comum nariz de plástico preso. A seguir vai puxando o guardanapo com a língua e devorando-o, mantendo os óculose o nariz no rosto. É um dos momentos apoteóticos do fim do show.

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Avner: É exatamente a mesma coisa. Porque se você diz ―Eu ensino palhaço...‖ as pessoas

(Avner faz uma expressão de desdém).  Acho que isso vem mudando, clown tem se tornado

um termo sexy, muitas pessoas querem estudar clown. 

Ana: Eu acho que aqui no Brasil há algo parecido. Porque a tradução de  clown para nós é

 palhaço. Mas muitas pessoas usam a palavra clown e eu sempre fiquei, bem, eu sou palhaça,

 para mim não há diferença entre os termos. Mas ultimamente tenho entendido um pouco a

escolha do termo em inglês, por isso. Porque se você diz: ―Eu sou clown‖, as pessoas

respondem ―Oh, que legal.‖ Mas se você diz ―Sou palhaça‖, te respondem: ―Ah...‖. Então

acho que a mesma relação que você tem com clown e Eccentric Performer.

Avner: Sim. Mas também porque eu gosto de usar mais fontes do que somente as do palhaço.Porque o palhaço é uma coisa muito específica. Mas para mim é qualquer coisa que você use

 para divertir a plateia. Você pode ser bonequeiro, pode ser mágico... Mas os princípios são os

mesmos. Deixe-me ver o seu anel.  (pega um anel grande que eu tinha em um dos dedos).

Olha o anel, olha o dedo, olha o anel. (Avner faz uma mágica em que troca o anel de dedo

com uma rapidez impossível). 

Ana: Como você fez isso?

Avner:  ( Faz um  gesto com os ombros como quem diz “quem sabe?”) Ok. Então é por isso

que mudamos. Porque esse termo incorpora tudo o que nós fazemos.

Ana: Sim e ao mesmo tempo o palhaço também incorpora coisas muito diversas. É muito

difícil dizer o que o palhaço é, mas ao mesmo tempo, ao vermos um podemos reconhecê-lo

facilmente.

Avner: Eu fiz uma palestra numa convenção de palhaços. Daqueles realmente ( faz alguns

 gestos que mostram serem palhaços com grandes perucas, figurinos e movimentações

exageradas. O estereótipo do palhaço). Os palhaços da maquiagem, realmente. Você já os

viu? Um monte de pinturas, rosa, amarelo. Grandes perucas... E é realmente um mistério para

mim tudo aquilo que eles fazem... 

Ana: Eu acho que eles acabam ficando distante das pessoas com tudo isso. Tudo aquilo que

você falou antes a respeito da empatia com o público, na história a respeito do nariz

vermelho... As pessoas olham e dizem ―Oh, ele é como eu.‖ Mas se você tem um monte decoisas acaba ficando distante.

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Avner: Sim... Mas eram pessoas realmente legais. Eram mais palhaços recreativos. Que

atuam em clubes e que discutem a respeito de maquiagem... Enfim, eu tinha que falar. E... A

gente nunca usa maquiagem nem figurino. Quer dizer, nós usamos figurino, mas não como

aqueles. E como os que eles ensinavam. E eu ficava me perguntando: ―O que eu vou dizer?‖.

Porque o que eu queria era perguntar ―Por que tanta maquiagem?‖ É o que eu sempre

 pergunto. Quando vem alguém até mim querendo me mostrar o seu show, eu sempre digo:

―Primeiro desligue a música, vamos ver o que você realmente tem, o que você está fazendo.‖

E sempre que eu pergunto por que a maquiagem eles dizem: ―Oh, oh... bem... porque eu sou

 palhaço.‖ Eles não sabem. Você sabe por que os mímicos têm o rosto branco? 

Ana: Não.

Avner: Ninguém sabe. Quer dizer, eu sei. (risos) Sei por que a minha esposa Julie me contou.

O personagem que vem de Marceau, Debureau até o  Pedrolino  ( pierrot ) da Commedia

dell´Arte.  Pedrolino,  a face branca com a roupa com mangas largas, era o assistente do

 padeiro e a farinha caía na sua face. Por isso que ela é branca. Eu sei que não é verdade. Mas

eu acredito. Eu tenho que acreditar. E então... Eu tinha feito a pergunta a algumas das pessoas

desse encontro: ―O que é um palhaço?‖ e poderia te fazer a mesma pergunta. E todos me

davam a mesma resposta: (faz gesto que demonstrar não saber). Houve um caso muitofamoso no congresso americano. Você sabe o que é pornografia? 

Ana: Sim.

Avner: Ok. Eles não. E eles discutiam muito e cada vez achavam uma coisa nova. ―E isso? E

Michelangelo? É pornografia? Não... Mas então e isso?‖ E discutiam... E realmente não

sabiam. Até que finalmente eles disseram uma sentença que ficou muito famosa: ―Eu não sei

definir o que a pornografia é. Mas eu sei que é quando a vejo.‖ Então eu comecei a minha fala

dizendo... Contei toda a história e perguntei-lhes o que era o palhaço. Eles também não

sabiam definir. Então eu disse: ―Vocês sabem, o palhaço é como a pornografia. Você não sabe

definir, mas você certamente sabe que é um quando o vê.‖. Então para mim o palhaço é uma

série de princípios que você pode aplicar para qualquer situação teatral e para realmente

muitas situações da vida. Para mim é um assunto muito filosófico. Mas não é uma coisa. É

uma série de ideias que permitem que você transforme aquilo que faz através de um caminho

interessante.

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Ana:  Entendo... Você sempre diz que tem dois grandes mestres: Lecoq e Carlo Mazzone-

Clementi. Sobre o Lecoq eu tenho bastante informação, porque ele é bem mais conhecido,

tem os livros, o filme, enfim, eu consigo perceber qual é a influência dele no seu trabalho.

Mas se você pudesse falar um pouco mais a respeito de Carlo Mazzone-Clementi.

Avner: Carlo era um membro do teatro de Padova. E quando Lecoq... Primeiro ele foi para a

Inglaterra. Quando Lecoq trouxe a Commedia de volta para a França ele... Costuma-se dizer

que os italianos inventaram a Commedia dell' Arte  e pegaram um francês para explicá-la.

Lecoq realmente definiu cada um dos seus personagens em termos de movimento e produziu

todo um sistema. A outra coisa que ele trouxe para a França foi o Carlo. Carlo era uma pessoa

realmente muito interessante. Ele era a pessoa do meio no mundo da pantomima, do gesto.

Ele estudou com Decroux, trabalhou com Marceau e foi assistente de Lecoq. 

Ana: Ele esteve com todo mundo.

Avner: Ele era a pessoa no meio. Uma figura incrível. Ele era extraordinário. Ele foi para o

mundo selvagem do meio da Califórnia, para um lugar chamado Blue Lake - onde não há

lago- e começou a primeira escola na América completamente baseada nos ensinamentos de

Jacques Lecoq, chamada Dell´Arte Schooll. 

Ana: Eu vi algumas coisas a respeito dela na internet, é uma escola realmente muito

importante nos Estados Unidos.

Avner: Eu tive muita sorte, porque quando ele fundou a escola estava procurando professores

formados pelo método de Lecoq. Isso foi... em 1975 mais ou menos. Não havia muitos. E eu

fui um dos primeiros professores que ensinou lá. Então ele realmente combinava a Commedia 

que é muito mais prática, ―vai lá e faz‖ com a intelectualidade do Lecoq. Era um maravilhoso,

maravilhoso pesquisador das palavras. Dizia que ―o chão onde você pisa é o único que sabe as

árvores que lá irão crescer‖ e ―Os inventores do alfabeto não conheciam uma palavra‖. Ele era

um gênio no ensino. E a escola continua até hoje, ele morreu há dez anos, mas ela continua

funcionando. Ele foi uma figura muito importante, especialmente no teatro americano, mas no

teatro de todo o mundo também. A primeira vez que eles voltaram a se ver depois de, não sei,

vinte anos, foi num festival nos Estados Unidos em que eu me apresentei. No final eu disse

―eu gostaria de agradecer aos meus dois mestres. Lecoq, que me ensinou tudo que eu sei. E

Carlo, que me ensinou o resto.‖ E por quê? Porque ele tinha um pensamento muito importante

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que era: ―Não é interessante o que você sabe, mas sim o que você não sabe.‖ Em outras

 palavras: sempre seja curioso. ―O que está acontecendo?‖ 

Ana: Sim, que legal...

Avner: Então, esse é Carlo.

Ana:  Esse pensamento dele realmente é muito importante, porque muitas vezes ficamos

 preocupados com a ideia, com o que fazer então se criam milhares de coisas, mas na verdade

quando se está no palco e se entra em contato com o público...

Avner: Seja interessado, não interessante.

Ana: O que você pensa sobre a importância do começo do show? Quando você entra pela

 primeira vez e tem o primeiro contato com o público?

Avner: Eu penso que é de muitas maneiras o momento mais importante de qualquer show.

Este tem sido o assunto das minhas pesquisas nos últimos dez anos, olhar para isso, para este

assunto. Eu acho que um dos princípios mais importantes de todo o teatro, e do palhaço mais

ainda, é criar comunicação com a audiência e mantê-la durante o show. Você entende o que eu

quero dizer com conexão?

Ana: Acho que sim.

Avner: Nós estamos em conexão agora. Porque eu estou falando e se faço isso (balança a

cabeça) você faz isso (balança a cabeça novamente e eu balanço junto com ele, quase sem

 perceber). E se eu faço isso (muda a sua posição no sofá e logo em seguida eu muda a minha) 

você faz isso. Existem muitos estudos científicos sobre isso. Quando nós estamos em conexão

é como se houvesse um canal aberto entre nós e muitas coisas acontecem. Uma delas é que

nós começamos a refletir a postura um do outro, os gestos, o tom de voz... Se você vai a um

restaurante e apenas olha para os casais é muito fácil perceber aqueles que estão apaixonados

e aqueles que estão cansados um do outro, você pode percebê-lo imediatamente. Agora, nós

 podemos criar conexão através de conscientemente manipularmos estes pontos. Eu estou

fazendo isso agora. Mas perceba que eu também posso quebrar essa conexão e você se sentirá

 bem diferente, não? (Avner modifica a sua postura corporal e eu imediatamente me retraio na

cadeira onde estou sentada, em frente a ele) Eu vejo que você ficou desconfortável. Você

simplesmente se encolheu. Eu posso quebrar a comunicação de muitas maneiras (Avner se

espalha no sofá com as pernas abertas, fazendo com que eu me encolha ainda mais. Depois

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coloca as duas mãos sobre os joelhos e avança o tronco na minha direção enquanto eu vou

 ficando cada vez mais encolhida) Você está vendo? Mas o verdadeiro trabalho do palhaço é

que - agora nós estamos de volta, estamos confortáveis outra vez, ok?- (Sem que eu tenha me

dado conta ele retornou a uma posição corporal que me sinalizou conforto e eu já tinha

realmente voltado a ficar à vontade quando ele fez o comentário a esse respeito)  Nós não

 podemos ir até cada pessoa e estabelecer a conexão. Então o que eu descobri foi uma técnica,

eu imagino que você já tenha lido sobre isso, em que eu crio uma situação em que a plateia

 pula para a conexão comigo. E é baseada na respiração. Muitos dos trabalhos de Lecoq eram

 baseados na análise da respiração e na relação dela com o movimento e eu... Estendi esse

trabalho. E entendi que a respiração é... De certa maneira, ela revela sua atitude diante de

qualquer ação. Chegamos assim a outro princípio: todo mundo precisa respirar o tempo todo.Mesmo quando está no palco. O que acontece quando não respiramos? Antes disso, o que

acontece quando estamos assustados? 

(Eu faço uma ação demonstrando susto)

Avner: O que aconteceu agora, quando você demonstrou o medo?

Ana: Eu suspendi a respiração.

Avner: Você não suspendeu a respiração, apenas. Você (repete o gesto que eu realizei

anteriormente, destacando a rápida contenção de ar ocorrida). Continuou com o ar preso.

Isso é que chamamos de ― freeze, fight or fly moment”32. Você vai parar numa casa

abandonada no meio da noite, por exemplo. Você está o tempo todo pronto para fugir ou para

atacar. Então, eu comecei a perguntar para os meus alunos qual era a sensação que tinham

quando entravam no palco para fazer o seu show. E sabe o que eles respondiam? ―Eu espero

que não seja terrível.‖ Eles estavam receosos. Você conhece esse sentimento. Depois eu lhes

 perguntei como eles se sentiam quando iam assistir ao show de um amigo, talvez você tenha

experienciado isso na noite passada, você viu o show no Rio há dois anos atrás, mas dessa vez

havia todos aqueles comediantes de stand-up, todas aquelas pessoas e você pensando ―Ele não

vai falar...‖ E como você se sentia? ―Eu espero que dê tudo certo‖  

Ana: Exatamente, eu espero que dê tudo certo.

Avner:  Isso, então a audiência também está com medo. Então, nós inspiramos quando

estamos com medo e quando estamos confortáveis nós expiramos, soltamos todo o ar. Por

32Momento do congelamento, luta ou fuga.

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exemplo, quando nós temos uma coisa nova para fazer... (pega um copo cheio de água e me

entrega) Você poderia segurá-lo por um instante? Agora pode soltar o ar. Você sentiu a

diferença quando soltou o ar? Antes você estava (reproduz exageradamente como eu fiquei

com o corpo ligeiramente enrijecido e com a respiração suspensa no momento em que me

 pediu que segurasse o copo e o posterior relaxamento). Ok, obrigada. Então, pegando estes

conhecimentos e depois observando muitas entradas no palco eu percebi que a plateia já está:

―Eu espero que seja legal‖ e todo artista: ―Eu espero que seja bom porque senão for vai ser

um tempo muito longo‖. Então no momento em que o  performer  entra em cena... (reproduz

 seu primeiro gesto ao entrar em cena, quando vai lentamente olhando o público) A platéia já

está (reproduz alguém com todo o ar preso na garganta) e o performer também está (repete o

mesmo movimento de contenção do ar). E então (solta o ar) e depois disso você vai adiante!Porque o que você está dizendo para eles com essa respiração é: eu estou confortável com

vocês me olhando. E se você entra (Avner segura a respiração)  e mantém isso eles vão

continuar com medo e você vai ver isso em suas faces e vai querer dizer ―Me desculpem, não

era para ser assim‖. Mas se você entra e (solta o ar novamente)... E nós podemos manipular

essa situação um pouquinho. Porque se você entra e segura a respiração um pouquinho mais

do que o normal, a audiência também o faz e então você solta o ar. ―Ahhhh...‖. E agora você

os tem com você, existe uma conexão, pelo menos ao nível da respiração. 

Ana: A respiração é como uma base para manter a conexão durante todo o tempo, então?

Avner: Sim. E também cria uma unidade na plateia, não em todos, é claro. Mas a maioria da

 plateia está respirando ao mesmo tempo agora e eles percebem isso. Eles sentem. Porque a

respiração é provavelmente a mais importante e mais obvia maneira de entrar em conexão. Se

você apenas entrar no ritmo da respiração da outra pessoa, esta é uma grande técnica utilizada

 por entrevistadores, você as faz relaxar. Então, a pessoa faz ―Ahhhh...‖ e percebe que a queestá ao seu lado também fez ―Ahhhh...‖ e depois faz (inspira) e também nota que quem está

ao seu lado fez a mesma coisa. É um grande instrumento para criar essa unidade na platéia, o

que é uma excelente dádiva para o performer . Descobrir que eles estão juntos, estão focados.

Então, para mim, essa é a importância da entrada.

Ana: Eu acho que isso ficou muito claro na noite de ontem. Porque as outras apresentações

eram ótimas, mas era outro tipo de trabalho e também havia muitos adolescentes na plateia e

eles realmente gostam de gritar durante o show, e quando você começou o seu show muito

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rápido se estabeleceu essa conexão com a plateia e entre a plateia, uma energia realmente

diferente da que estava anteriormente estabelecida ali.

Avner: Bom.

Ana: Quando eu estava escrevendo a introdução da minha dissertação, eu disse que ao te

assistir pela primeira vez, no final do show eu estava chorando e olhei para os lados e várias

outras pessoas também estavam chorando. Depois fiquei pensando: porque a gente estava

chorando? Porque você não faz nada para conduzir diretamente a isso. Mas agora eu acho que

a conexão que se estabelece é também com nós próprios, porque nós ficamos como ( tento

reproduzir fisicamente um estado de absoluto relaxamento e diversão) que é um estado

realmente diferente daquele que nos permitimos estar à maior parte do tempo na vida e talvezchorássemos e ríssemos só por poder sentir ―Oh, acabou... E eu estou tão bem aqui...‖ 

Avner: Sim... ótimo... O que é interessante nisso do ponto de vista do performer  é que é uma

técnica secreta, nem todo o mundo a usa. Você sabe, às vezes conhecemos alguém e

simplesmente gostamos daquela pessoa e às vezes conhecemos outra pessoa e... Não

gostamos, definitivamente. Não é nada que eles disseram, não é nada que eles fizeram. Você

não sabe por que, mas há alguma coisa que faz com que você simplesmente... (faz um gesto

que demonstra um afastamento). O que acontece é que com as pessoas com quem você se dá

 bem, se você volta atrás e analisa, elas simplesmente criam conexão. Elas criam conforto.

Elas estão confortáveis na desconfortável situação de conhecer alguém novo.

Ana: Entendo.

Avner: Eu conheci o Jô Soares, ele era incrível. Havia pessoas por todos os lados, uma grande

confusão, e ele estava tão calmo no set e todo mundo andando à sua volta e ele estava tão

focado quando falava com uma pessoa que você sabia que ela tinha realmente a sensação de

que era a única pessoa no meio daquela multidão. Eu analisei-o bastante e ele realmente é

muito bom nisso. Você nunca sabe como vai acontecer. Mas se você fizer um estudo enquanto

estiver acontecendo. Depois pode começar a experimentar, pode tentar. Você pode conhecer

alguém e dizer: ―Eu não vou deixá-lo entrar em conexão comigo.‖ E você deixa toda a coisa

em desacerto e a pessoa fica (faz cara de tenso). E com outra pessoa você diz: ―Não, eu vou

entrar em conexão com ela, talvez isso seja legal.‖. E você cria conexão. Na mágica existe o

que nós chamamos de real work  que é tudo o que acontece sem que a plateia saiba que está se

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 passando. E para mim este é o real work  do palhaço, ninguém sabe o que está se passando.

Eles não sabem que você está ajudando-os a ficarem relaxados na situação.

Ana: Eles não pensam sobre isso.

Avner: Eles não deveriam mesmo pensar sobre isso.

Ana: Sim, eles apenas ficam.

Avner: Para mim é realmente uma técnica secreta.

Ana: E como os estudos de neurolinguística e hipnose te ajudaram com isso?

Avner:  Foi através de lá que eu aprendi a articular essas coisas. Foi por isso que eu fui procurar esses estudos. Porque eu sabia que estavam estudando essas relações e queria ver o

que tinham a dizer a esse respeito. Depois o meu estudo ficou fascinante. E obsessivo. Eu fiz

todos os cursos que eram possíveis a esse respeito... E agora eu pratico.

Ana:  Você já fazia essas coisas, mas não sabia exatamente como, então quando fez esses

cursos pode entender, é isso?

Avner:  Eu descobri porque estava funcionando e, o mais importante, eu aprendi a comoajudar outras pessoas a fazerem o mesmo. Então quando você vai, assiste a um  performer  e

diz ―Boas rotinas, esperto, legal... Mas não é engraçado. Por quê?‖ E esses estudos me

ajudaram a entender porque tantos palhaços não eram engraçados mesmo quando eles tinham

 boas ideias e eram bem treinados. E me deu ferramentas para ajudá-los a fazer com que as

suas rotinas se tornassem engraçadas.

Ana: Isso é muito mais importante do que qualquer rotina, a conexão.

Avner: Oh, a conexão é o que você usa para poder fazer toda a rotina. Não é nada por si

 próprio. (olhando para mim como se estivéssemos nos vendo pela primeira vez) ―Olá‖ (passa-

 se um tempo) ―Olá‖. (mais um tempo) Ok, e daí?

Ana: Não acontece nada também.

Avner: Exatamente.

Ana: Entendi. Bem, sobre a improvisação... Eu acho que existem muitas maneiras de seentender a improvisação, muitas coisas diferentes que recebem esse nome. Justamente como o

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 palhaço, existem coisas muito diferentes que recebem esse nome. Então, eu gostaria de saber

como você usa isso no seu show.

Avner:  Eu improviso em todos os minutos do meu dia. Exceto quando estou no palco. Écomo eu crio as rotinas... Quer dizer há muito pensamento, estruturação para fazer os

acidentes. Porque o trabalho do palhaço é baseado nos acidentes, escaladas de frustração e

uma série de táticas para resolver os problemas e é quase como uma prova de matemática, se

você se lembra de geometria, você pode escrever uma prova de duas páginas, mas o professor

diz: ―Sim, mas você não precisa de tudo isso. Volta e descobre como você pode fazer isso em

cinco linhas‖. ―Ah!‖ Economia! Então, eu não sei muito sobre improvisação exceto que a uso

o tempo todo, e a uso com os meus alunos. O que eu trabalho com os meus estudantes é a

maneira de prepará-los para fazer o show todas as noites e duas vezes no sábado. E nunca

mudar o nível do trabalho. Não é um jogo de apostas. É baseado em técnicas reais,

 performances fortes e verdadeiros valores bem estabelecidos e deve parecer que é

improvisação. Mas não é. 

Ana: Sim, o público deve pensar que é a primeira vez que você está fazendo aquilo.

Avner: É verdade. Mas o Impro, como aquelas mulheres que se apresentaram ontem, eu

entendi que elas têm um show de impro na televisão,33 ou como o Jogando no Quintal34... Eles

apenas vão, eles não podem ensaiar e dizem ―Ok, o que nós devemos fazer?‖, ―Um banco.‖

―Um banco!‖.―Ao meio-dia.", "Ao meio-dia!‖. E ―Um hot-dog.‖, ―E um hot dog, ok, vamos

lá!‖. ―Ah, em cinco minutos!‖. E eu fico ―Uau! Como eles fazem isso?‖ É incrível. Mas para

mim isso não é tão importante para o palhaço. A questão do palhaço é que você vai voltar

amanhã e no outro dia, e no outro dia... E precisa estar apto a criar aquela sensação de

excitação sempre. Então... Nós improvisamos em sala de aula e depois praticamos.

Ana: Entendo, porque há muitos palhaços, que, por exemplo, mudam a ordem dos números

dependendo da plateia de cada noite.

Avner: Claro. Mas eles o fazem dentro de uma organização estrita. Isso pode parecer com

uma improvisação de palhaço. Eu, por exemplo. Existem tão poucas coisas que a audiência

 pode fazer... Como você disse antes, um adolescente pode gritar. Mas quantas coisas

33 Avner refere-se a ―As Olívias‖ grupo formado só por mulheres que trabalham entre outras técnicas com Impro.Elas se apresentaram na mesma noite que ele durante o Risadaria.34 Grupo paulista que utiliza em seu trabalho a investigação sobre o palhaço e a técnica do Impro. Também seapresentaram durante o Risadaria e Avner já os tinha assistido anteriormente.

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diferentes ele realmente pode gritar? Hoje? Está pronto. Você sabe. E então você pode reagir.

Você pode ter cinco tipos diferentes de reação prontas, não importa o que aconteça você ( faz

um gesto de quem resolveu imediatamente o problema). ―Uau! Eu já pensei nisso!‖ 

Ana: Existe um palhaço, eu não sei se você o conhece, Nani Colombaioni...

Avner: Sim!

Ana: Ele é incrível... Muitos palhaços brasileiros estudaram com ele. Enfim, ele dizia que o

único espaço que existe para a improvisação é no alargamento dos tempos, que depende do

tamanho do espaço e do tipo de plateia de cada noite. Você não pode mudar nada, mas o

tempo com que você faz as coisas é sempre diferente, porque você nunca sabe como a plateia

irá receber.

Avner: Para mim é como um programa de computador. Existe uma rede com uma série de

decisões que podem ser tomadas. Você faz alguma coisa, eles riem, você faz isso. Você faz a

mesma coisa, eles não riem, você não faz isso, você faz aquilo. Não importa. Então a coisa

toda é uma série de decisões ramificadas. Quando alguém, por exemplo, tira uma foto de você

durante o show. Ele fica em pé e ―click!‖ Com um flash bem forte. O que você faz? Bem,

você pode não fazer nada; você pode parar, se arrumar e posar para a foto; você pode ir lá etirar a câmera da pessoa; levar a câmera para o palco e tirar uma foto de todo o público; você

 pode entregar a câmera a outra pessoa e pedir para que tire uma foto de vocês dois. Enfim, eu

 posso ficar nisso por um longo tempo. Mas cada uma dessas opções indica uma decisão e

conduz a um caminho na rede de decisões. Mas quando você termina, precisa estar

exatamente onde começou.

Ana: Você pode fazer caminhos diferentes, mas no final...

Avner:  Você tem todo o tipo de caminho, as opções são infinitas e a gente tem muita

experiência e isso acontece tão frequentemente... Então, você começa a brincar com eles. Por

exemplo, você tira a câmera e a lambe, como você sugeriu e a plateia faz ―Argh!‖. Eu não vou

fazer aquilo novamente, porque eles se sentiram mal. Então depois você pensa: ―Droga, eu

achei que era engraçado... Mas talvez não seja.‖ E você ainda tenta mais uma vez, lambe a

câmera e eles novamente ―Argh!‖ e você ―Puxa...‖. Mas então da outra vez você (faz a

demonstração. Lambe o dedo com a língua e passa no visor da câmera para limpá-la) e aí

todos gargalham. E é assim que você decide. A audiência sempre diz a você.

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Ana: No seu show você consegue realmente passar a sensação de que está improvisando e

fazendo tudo pela primeira vez. Uma vez eu estava num evento na universidade falando sobre

a minha pesquisa e, naturalmente, sobre você. Estavam todos lá, sérios, assistindo... Era um

colóquio, um evento acadêmico, e não há muitas pesquisas sobre palhaço, Mas além de mim

havia outra palhaça também. Eu estava falando sobre a comunicação com a plateia, como

você trabalha... Enfim, eu comecei a contar aquela parte do espetáculo em que você vai até a

 plateia e pega a bolsa de alguém. Então eu disse: ―No dia que eu assisti foi muito bom, porque

a pessoa tinha dentro da bolsa um rolo de papel higiênico, muita sorte!‖ e essa outra colega,

que também é palhaça e conhece seu trabalho, disse: ―Não, ele sempre faz isso, o papel

higiênico é combinado.‖ E eu fiquei realmente muito surpresa: ―Sério?‖ e todos começaram a

rir porque estava lá falando, tentando ser muito séria e fiquei realmente desconcertada: ―Vocêtem certeza?‖ Eu não tinha nem imaginado que aquele momento pudesse ser combinado. 

Avner: Que bom! Então, esse é um bom exemplo: eu tenho uma rotina em que determinando

momento pego a bolsa de alguém da plateia. E tenho dez coisas que podem sair dessa bolsa e

dez shows. E a cada show eu tiro uma dessas coisas lá de dentro. E depois decido qual é a

melhor. Eu costumava tirar um martelo. Era incrível. Uau! (Reproduz a reação que tinha

quando achava um martelo dentro da bolsa). 

Ana: Algo como ―Que diabos isso está fazendo aqui?‖ 

Avner: Exatamente.

Ana: Você observava através da prática o que não funcionava, abria mão e permanecia com as

coisas boas.

Avner: Sim.

Ana: E agora, você continua criando coisas novas em seu show?

Avner: Não muitas... O ensino tem se tornado muito mais importante. O show é como uma

 pequena escultura que eu fiz. Eu fico polindo ela. E ela já está bastante polida. Não há muito

mais arestas... Uma ou outra coisa continua e de vez em quando eu descubro como resolver.

Eu achei uma no outro dia.

Ana: Qual?

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Avner: É um momento bem bobo e pequeno. Vou ter que explicá-lo. Bem no começo do

show. Eu faço alguns malabarismos com claves e no final eu firo o meu dedo. E vou para

alguém da plateia com o meu dedo dolorido. E o que vocês fazem aqui no Brasil quando

alguém se fere, para passar a dor? ( Avner estende seu dedo na minha direção, como se o

tivesse ferido. Eu o sopro) Isso. Depois disso, eu volto para o palco e caio no chão com um

tombo realmente dolorido (reproduz o tombo e a solicitação do novo beijo) e a pessoa dá o

 beijo. Então continuo o show e ela é a minha... O meu amor. Mais tarde no show alguém ri. E

faço como nos jogos de futebol onde o juiz tira o cartão amarelo e depois tira o bloco de notas

onde anota o nome do jogador. Eu tirava o cartão amarelo, anotava aquela pessoa. Nova

risada. ―Alguém mais riu de mim!‖ Anoto também. Alguém tossia. Anoto também. Outro riso,

em outro lugar da plateia. Anotava também. E as pessoas começavam a fazer barulhos... Eratão engraçado. E elas não podiam parar... E eu ficava anotando todos eles. Então, eu fiz essa

rotina por um longo tempo e não havia fim para ela. E eu ficava sempre ―E agora o que eu

faço, como finalizo?‖ Até que em um show eu a vi. E a anotei (anota com uma expressão de

 paixão) todo feliz e fechei a caderneta. Foi um momento adorável. E eu achei um fim, pude

fechar a seqüência. Essa é a coisa mais nova, aconteceu há poucas semanas. Mais tarde no

show há o momento com o pequeno animal, vermelho, feito de pano. 35 Eu o manipulo e em

determinando momento o jogo na plateia e peço para que alguém o lance para mim, só que o boneco cai no chão do palco e morre. Eu mudei isso realmente muito recentemente, tem

 poucos dias. Agora eu jogo para ela, o meu amor, e ela o joga de volta. E mata. Então, ainda

chocado eu pego o meu caderninho e a risco fora dele. Pronto. 

Ana: Você encontrou uma maneira de realmente finalizar tudo.

Avner: Sim, esse é um pequeno polimento que eu fiz recentemente. Era uma aresta que ainda

havia, sutil, fui lá e a reparei. Depois o animal ressuscita e eu coloco o nome dela novamente.Coisas pequenas como essa continuam vindo. Eu tenho trabalhado principalmente com outras

 pessoas, dirigido, ajudado. Eu trabalhei há pouco com duas maravilhosas concertistas de

 piano. Trabalhando para que elas achassem... Não piadas, mas humor na relação entre elas.

Ana: Elas não são palhaças, são realmente musicistas?

35Avner refere-se ao número de seu show em que trabalha com um pedaço de pano vermelho enrolado, quemanipula como se fosse um pequeno bicho de estimação, dando vida ao objeto e desenvolvendo uma série desituações com ele.

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Avner: Elas são duas das concertistas mais premiadas, são russas. Realmente incríveis. Elas

me mandaram a pouco uma gravação do concerto agora. Que diferença! Desde que nós

começamos a trabalhar... No começo parecia que elas não gostavam uma da outra, eram muito

sarcásticas, porque alguém disse a elas que isso era engraçado. E agora elas estão... (Faz um

 gesto que sinaliza a conexão entre as duas musicistas)  Oh, é tão bom... Então, isso é

realmente interessante. Pegar esses princípios do palhaço e aplicá-los para concertistas de

 piano.

Ana: Sim, eles podem ser aplicados para tudo.

Avner: Tudo.

Ana: Na entrevista com o Christopher Lueck você falou sobre as diferenças no check in com

a platéia. Nós aqui chamamos de triangulação (Avner faz uma expressão que demonstra que

ele não entendeu) Triangulação, porque a relação se desenvolve como num triângulo.

Avner: Por que um triângulo?

Ana: Porque se estamos em cena, sou eu, você e o público. Formamos um triângulo.

Avner: Quem sou eu?

Ana: Bom, se você trabalha sozinho pode ser qualquer coisa com que esteja se relacionando,

a sua vassoura, os cigarros...

Avner: Entendi, entendi.

Ana: Mas o que eu queria perguntar realmente é sobre isso, check in, triangulação, enfim, o

nome não importa. É sobre a maneira com que você olha para a plateia. Eu penso que

realmente é diferente da maneira como a maioria dos palhaços faz. Você olha apenas emalguns momentos muito precisos. Eu li o que falou lá a respeito da relação disso com a

respiração, mas se você pudesse falar um pouco mais sobre...

Avner: Eu sei que muitos professores ensinam isso. Sempre check in, check in, check in. Eu

odeio quando estou na plateia e o palhaço fica olhando para mim. Para mim isso demonstra

uma insegurança. ―Desculpa, está tudo certo? Você está gostando? Está engraçado?‖ Eu não

gosto de ser perguntado sobre estas questões de aprovação durante todo o tempo. 

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Ana: Eu acho que a ideia é de que sempre que algo muda você olha para a audiência, mas não

exatamente para checá-la e sim para dividir com ela o novo acontecimento, para compartilhar

com ela.

Avner:  Compartilhar o que? Você não precisa compartilhar tudo. A questão é o que você

escolhe compartilhar.

Ana: Sim, você acha que não precisa compartilhar o tempo todo.

Avner: Eu acho deprimente. E é muito interessante, como diretor, pegar uma rotina que tem

muito disso e apenas pedir para que elimine tudo. Para mim isso vem de uma questão maior,

mais filosófica mesmo. O palhaço não está lá para entreter a audiência. Ele está lá para

resolver problemas. E então acidentes acontecem, as coisas não ocorrem da maneira que todos

esperavam e você diz ―Isso é ainda mais interessante! Como posso lidar com isso?‖ E depois

há caminhos variados para resolver o problema. Nós sabemos que o palhaço tem que

conseguir as risadas, ele é palhaço. Mas se você tentar conseguir risadas... Você não vai tê-las,

garanto.

Ana: Essa é uma questão importante...

Avner:  Esse é o grande paradoxo do trabalho do palhaço. Então para mim você tem um

trabalho a fazer e você faz o trabalho e se a plateia ri é apenas uma interrupção do seu

trabalho. Para mim existem três situações. Uma é: a plateia ri de você e você (faz uma

expressão de espanto) “Por quê? Porque eles estão rindo?‖ Entre embaraçado e feliz. ―Eu

estava apenas tentando resolver este problema aqui.‖ É uma forma maravilhosa. E a outra

coisa é: a plateia aplaude você e você fica orgulhoso. ―Sim, eu sei, eu sei. Eu realmente fiz

isso...‖. As duas ratificam o que a audiência já está fazendo. Você não está perguntando a eles,

não está checando, você não está fazendo nada... Mas se você fica olhando para eles soa como

―Eu estou fazendo bem?‖ e eles vão ter que ficar o tempo inteiro afirmando: ―Sim, está ótimo,

está ótimo...‖. 

Ana: ―Anda logo, vá em frente‖. 

Avner: Isso, ―Anda logo. Se eu quisesse fazer isso eu colocaria o nariz vermelho, eu só quero

assistir, vá em frente‖. Bom, voltando, as três opções. Eles te aplaudem e se você sabe que foi

 bom pode dizer: ―Sim, eu sei, eu sei.‖ Mas digamos que você seja realmente muito bom emalguma coisa e saiba disso. Você faz e eles aplaudem. E você ( faz gestos como se tivesse sido

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algo muito fácil, sem importância)  e eles riem novamente. É a rede de decisões que faz o

 paradoxo funcionar. E não importa. Passos grandes ou pequenos... Existe mais uma opção,

você faz algo, fica tão excitado que compartilha com eles, orgulhoso. Você diz: ―Eu fiz isso!‖.

Ou então você diz: ―Eu não posso fazer isso‖. Mas nunca: ―Eu posso continuar fazendo?‖.

 Nunca peça aprovação. Apresente-se com uma colocação fechada, clara: ―Eu não posso fazer

isso!‖ Ou então ―Eu fiz. Vocês viram? Eu fiz. Fiz mesmo... Vou fazer de novo...‖ É a  rede de

decisões. Então, esses são os meus pensamentos básicos sobre o check in. Eu acho que os

 jovens palhaços, jovens na sua carreira, que ainda não tem muita segurança, fazem isso o

tempo todo. Eles não sabem ainda avaliar muito bem o que está acontecendo... Olham, olham,

olham. E as pessoas riem. Há riso. Mas eu acho que é um riso menos profundo do que o que

 pode ser alcançado. Você pode trabalhar assim e conseguir risadas, mas... Só no começo, você pode conseguir as risadas com o check in.

Ana: Você acha há outro trabalho que pode investir numa relação mais profunda do que essa,

não é?

Avner: Você sabe quem faz isso muito? As crianças pequenas. Elas fazem qualquer coisinha e

olham ―Vê só mamãe, gostou do que eu fiz, mamãe?‖ Mas essa é uma relação de cr ianças de

dois anos e assim a plateia se torna os seus pais. É realmente essa a relação que você gostariade desenvolver com eles?

Ana: É a mesma coisa do que pedir para a audiência bater palmas para você.

Avner: Eu acho que é um caminho muito perigoso. De novo volta para o grande princípio,

 básico. Nunca diga a audiência o que fazer. Nós controlamos o que eles fazem, provocamos o

que eles fazem...

Ana: Mas nunca devemos explicitamente dizer o que eles devem fazer.

Avner: Eu nunca peço ao publico que me aplauda.

Ana: Sim, porque tudo aquilo que você estava falando antes sobre a conexão, é uma tática

 para provocar uma reação determinada. Mas nunca é explícito, você nunca diz ―Agora é a

hora de rir, ou de aplaudir.‖ 

Avner: Sim, exatamente.

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Ana: Ainda naquela mesma entrevista você falou que está descobrindo novos princípios sobre

como trabalhar tendo toda a audiência como voluntária, de uma vez só. Você poderia falar um

 pouco mais sobre essas suas recentes descobertas?

Avner: Isso é uma coisa realmente muito nova. Eu trabalhei por um longo tempo com a ideia

de como levar uma pessoa para o palco. É isso que você quer saber? Não é isso?

Ana: Não, na verdade era sobre como trabalhar com todos ao mesmo tempo...

Avner: Existem muitas teorias a respeito do trato com voluntários. Realmente novas ideias.

Elas são maravilhosas. Mas a minha pesquisa mais recente, que no meu próximo workshop 

mais longo eu pretendo realmente desenvolver mais, até para poder falar de forma mais clara

a respeito... Enfim, num dos últimos workshops, em Barcelona, num festival de palhaços, eu

estava dirigindo um estudante e ele estava fazendo um numero que usava aquela melodia

―pamparam pam pampampam‖... E por causa da estrutura da rotina, ele tinha que atirar numa

maça usando um arco e flecha... Enfim... Ele tinha que repetir aquilo milhares de vezes. Ele

cantava mais de dez vezes. E quando que chegava na sexta vez, você já estava: ―Oh, não

aguento mais...‖. E eu disse: ―Você esta trabalhando tão duro! Porque não divide o seu

trabalho com a plateia?‖. Você conhece o livro ―As Aventuras de Tom Sawyer‖? 

Ana: Sim.

Avner: Você conhece a história da pintura da cerca?

Ana: Não, eu o conheço o livro de nome, mas nunca o li...

Avner: Ele tem que pintar um muro. E ele não quer, mas a sua tia diz ―Vá e pinte o muro!‖ e

ele: ―Ok!‖. Então daqui a pouco tem um amigo dele observando e ele se vira e diz: ―Me

desculpe, eu não posso deixar você ajudar.‖ E o amigo: ―Por  que não?‖. Ele acaba cedendoum pincel para o amigo pintar. E começam várias amigos a ajudar a pintar e no final ele está

apenas deitado a grama, olhado os outros pintarem. A ideia era essa ―Porque você está

trabalhando tão duro? Deixe que eles cantem!‖ Mas ele realmente não conseguia fazê-lo.

Porque ele estava com muito medo de que ninguém quisesse segui-lo. Então eu comecei a

improvisar. E eu me diverti tanto... Isso me fez começar a pensar em como é que eu faço para

conseguir que eles façam coisas todos juntos. Este é o novo exercício: você tem que fazer toda

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a audiência cantar uma canção, em partes, com harmonias, e no final fazê-los parar juntos...

Foi tão divertido. Você se lembra da coisa da orquestra no espetáculo? 36 

Ana: Sim, claro.

Avner: Aquela é a base. Eu nunca peço para que eles aplaudam. Eu simplesmente boto os

 braços para cima e eles aplaudem (reproduz a expressão de surpresa diante das palmas que

 faz no show). Eu levo os braços para baixo rapidamente e eles param. ―Hei, existe alguma

coisa aqui...‖ Eu faço de novo. ―Ah, funciona!‖. ―Vamos ver então agora o que acontece se eu

subir meus braços bem devagar... Uau... E se eu fizer isso?‖ (Faz o mesmo movimento que

realiza no espetáculo nesse momento: alternando a movimentação dos dois braços, para

 provocar sons diferenciados em cada um dos lados do público) ‖Nossa! E agora isso?‖ (Sobee desce os braços com muita rapidez) ―Uau!‖ E por aí vai... Eu nunca digo a eles o que fazer. 

Ana: E eles fazem.

Avner: Mas eu nunca, nunca digo o que fazer. Eu costumava chamar isso de.. . É quando você

começa uma frase e a deixa... Você não termina a sentença e vai... Mas mesmo assim a outra

 pessoa a completa na sua mente. É a mesma coisa no espetáculo. Eu vou ―Uuoooooo!‖

(levanta os braços) e fico muito feliz de ver que eles estão fazendo. Houve um festival emque todo um lado da audiência, eu não sei como eles conseguiram aquilo, porque eram

realmente todos, ficou em absoluto silêncio. Eles decidiram não fazer o som. Eu acho que

muitos palhaços iriam (faz um gesto apontando o dedo, como se estivesse repreendendo o

 público) obrigá-los a fazer aquilo. Mas eu... ―Uau! Incrível! Muito bonito‖ e ia para o outro

lado da plateia, que fazia o som e voltava para eles: silêncio. E os elogiava. ―Muito bem!‖. É

muito mais interessante. Esse é o grande princípio, você sabe, o princípio de todos os

 princípios é: ―Seja interessado. Não interessante.‖ 

Ana: É, eu acho que a maioria dos palhaços realmente iria querer obrigá-los a fazer do outro

 jeito.

Avner:  Você sabe, a coisa é, eles não conhecem o que você vai fazer. Eles realmente não

sabem. Então como você pode lhes dizer que estão errados? Michael trabalha... Desculpa, eu

estou falando sobre voluntários e você quer falar sobre grandes audiências.

Ana: Não, você pode falar sobre isso também, não há problemas.36 Avner refere-se ao momento do espetáculo em que cria uma orquestra com toda a plateia, dividindo-a em trêsgrupos, onde cada um passa a seguir um comando diferenciado de acordo com as suas instruções.

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Avner: Você sabe, no outro ano eu vou poder falar melhor sobre isso que você quer saber.

Vou ter elaborado com mais clareza.

Ana: Ainda está no começo...

Avner: Sim, eu quero começar os experimentos.

Ana: Então, no workshop em Julho eu aprendo mais a respeito.

Avner: Você vai mesmo?

Ana: Sim!

Avner:  Maravilha! Você vai me ouvir dizer tudo isso de novo. Mas eu vou agir como seestivesse dizendo pela primeira vez, juro.

Ana: E eu vou agir como se estivesse ouvindo pela primeira vez, juro.

Avner: Ok! Temos um acordo!

Ana: Eu assisti alguns vídeos com demonstrações de aikido, para tentar entender com mais

clareza do que se tratava. Mas eu ainda gostaria de saber melhor qual é a relação que ele tem

com o seu trabalho.

Avner: Aikido é uma fantástica e paradoxal arte marcial. Há um lado da arte marcial naquilo,

realmente. Mas é muito mais interessante do que isso. Ainda que seja uma arte marcial. A

 primeira questão é: alguém te ataca. O instinto diz para você atacar de volta. Ok. No aikido é

diferente. Levante por um segundo. Ponha a mão no meu ombro. (Avner iniciou a

demonstração solicitando que eu empurrasse seu ombro. Ao invés de se opor ao meu

movimento ele cedia a ele, indo para a mesma direção para a qual eu o empurrava. O que

 fazia com que eu perdesse o equilíbrio) Empurre, empurre. (Continuamos por mais um tempo

até que eu quase caí no chão, o que não aconteceu apenas porque ele me segurou antes disso) 

Eu posso lutar com você. Mas eu faço muito melhor sendo receptivo e amável (Seguindo sua

instrução, avanço novamente em sua direção e ele apenas desvia. Mais uma vez eu perco o

equilíbrio) Você quer ir lá? Vá lá... Agora, outra coisa. Puxe aqui. ( Pediu para que eu puxasse

com força a sua mão para baixo. Novamente ao invés de se opor ao movimento ele cedeu a

ele, indo na mesma direção). Eu sinto que você quer ir nesta direção. Então eu te ajudo. Agora

eu sinto que você quer ir para lá, te ajudo também. A minha questão é perceber o

direcionamento do seu movimento e aproveitá-lo. Essa é a base do Aikido. Não é sobre força.

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Você só precisa de um dedo (ele coloca um dedo no meu cotovelo e apenas com ele comanda

a direção que o meu corpo deve seguir, fazemos isso durante algum tempo) 

Ana: (enquanto continuamos experimentando) Entendo... É contato e improvisação.

Avner: (Ainda seguindo na demonstração) Contato e improvisação, exatamente! (Paramos) 

Por um olhar filosófico, esta é a relação que deve ser estabelecida com a platéia. Eu empurro

você e você vai: ―Ok, o que tem de interessante aqui, deixe -me ver...‖ Existem muitas

aplicações interessantes no Aikido para o trabalho com voluntários.

Ana: Você poderia me dar algum exemplo?

Avner:  Por exemplo, no Aikido nós aprendemos a comandar o movimento sem força.(levantamos de novo e ele demonstra como faz para conduzir o movimento do voluntário sem

que ele se dê conta. O contato da sua mão com meu corpo é muito suave, mas ainda assim

direciona o meu movimento). Você está vendo? Eu quase não te toco... É muito suave e a

 pessoa nem sabe que você está encostando-se a ela. Ela realmente não se dá conta.

Ana: Você apenas vai...

Avner: Sim, você se move. Você conduz a pessoa realmente, é mágico. Sem que precise ficar(faz vários gestos como um palhaço confuso que fica tentando direcionar para onde a pessoa

deve ir o tempo todo, sem conseguir dar uma ordem corporal precisa e nem conduzi-la

realmente) 

Ana: Você não controla tudo.

Avner:  É um caminho aberto, que você apenas tem que aceitar. Isso vale para qualquer

situação na vida. Porque você pode se defender melhor estando completamente aberto do que

estando encolhido, tenso.

Ana: Uma amiga minha estava andando à noite numa rua muito perigosa no Rio com o

namorado. De repente ela viu um homem se aproximando e percebeu que ia assaltá-los. Ela

viu que ele estava armado, mas não conseguiu fazer nada, ficou paralisada, com medo. Mas o

namorado dela, que é muito distraído, não se deu conta de nada e quando o assaltante se

aproximou disse algo como ―Qual é, cara?‖ e ele imediatamente respondeu: ―Qual é!‖

enquanto o abraçava, todo simpático, ele é muito simpático, acolhedor, e o bandido,desconcertado, lhe disse: ―Puxa, eu ia te assaltar, mas tu é muito gente boa, nem tem como.‖ 

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Avner: (risos) Uma história maravilhosa...

Ana: Acho que é um pouco como isso.

Avner: Sim, é como isso.

Ana: Porque você se coloca realmente num outro nível de relação pode atingir outro tipo de

contato.

Avner: Sim, é isso que o aikido faz.

Ana: Bom, acho que é isso. Muito obrigada! Você gostaria de dizer alguma coisa, no final?

Avner: Duas coisas: seja interessado, não interessante e se você não pode ter sucesso todas asvezes, prepara-se para falhar magnificamente.

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Anexo 2- Princípios do palhaço, por Avner Eisenberg

1. 

O trabalho do palhaço é fazer a audiência sentir coisas e deixá-la respirar.

2.  Todos inalamos, mas muitos de nós precisam ser lembrados de exalar.

3.  A imaginação e o cérebro estão conectados a e afetam o corpo. Qualquer mudança na mente

corresponde a uma mudança no corpo. Qualquer mudança no corpo (na respiração primeiro)

tem uma correspondente mudança na mente.

4.   Não diga ou mostre à platéia o que pensar, fazer ou sentir.

5.   Não diga ou mostre aos seus parceiros o que pensar, fazer ou sentir. Não aponte.

6. 

O peso pertence à parte inferior. Mantenha um simples ponto no seu baixo abdomen. Mantenhaa sua energia fluindo.

7.  A tensão é sua inimiga. Ela produz paralisamento emocional, mental e físico.

8.  Como você se sente em relação à sua performance é o que realmente conta, não se ela é

realmente boa ou má.

9.  O palhaço descobre uma platéia que está sentada em filas e olhando por um espaço vazio

enquanto espera pelo show. Isto deve ser tratado em primeiro lugar, através do estabelecimento

de cumplicidade com a platéia.10.  O palhaço cria um mundo no espaço vazio, ao invés de entrar num mundo que já existe

(esquete)

11. Use a mímica para criar fantasia, não para recriar a realidade.

12. O palhaço busca criar um jogo e definir as regras, que a partir de então tem que ser obedecidas.

13.  Não pergunte ou diga a platéia como eles devem se sentir ou pensar. Tenha uma experiência

emocional e convide a platéia a se juntar à sua reação

14. Seja interessado, não interessante.

15.  Todo mundo deve respirar o tempo todo na vida, até mesmo no palco.

16.  O palhaço entra no palco para fazer um trabalho, não para conseguir risadas. Se há risadas,

elas são uma interrupção com a qual se deve lidar. (Eisenberg, http://www.avnerthee

ccentric.com/eccentric_principles_portuguese.php, acesso em 5 de Julho de 2010)

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Anexo 3 –  Gravação de Exceptions to gravity