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Fichamento sobre camps

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CAMPS, Victoria. Paradoxos do Individualismo. Lisboa: Relgio D'gua Editores, 1996.

Captulo 5 Misria da democracia:Para Camps h duas limitaes que ameaam a democracia: o desconhecimento e o tempo. Para ela, a democracia no uma doutrina, mas a forma mais justa para decidir. O sistema democrtico no predetermina resultados bons, mas torna-os mais provveis ou, pelo menos, torna mais desculpveis os resultados medocres ou maus. A democracia um mecanismo formal sem outro contedo alm do respeito mtuo devido s pessoas entre si, a adeso de princpio ideia de que, enquanto humanos, todos somos livres e iguais. Deve dizer-se que o nico fim da democracia converter esses princpios a igualdade e a liberdade , que so ao mesmo tempo as condies do seu bom funcionamento, em realidades cada vez mais conseguidas (IBDEM, p.87).Como pontuado por Tocqueville em A democracia na Amrica (1831), a democracia no garante os interesses de todos os cidados e injusta com os que esto em menor nmero, o que ele chama de tirania de maioria.Para Camps a tirania da maioria recobre um duplo engano:A minoria no pode fazer nada em democracia e a maioria no o que parece, sendo apenas a capacidade manipuladora daqueles que movem os fios da poltica. Tudo isto tem como resultado a segunda grande misria da democracia: a indiferena e o desinteresse pela poltica, o dfice de democracia. (Ibidem, p.92)A participao na democracia no um dever dos cidados, um direito. Se poucas pessoas se interessam em participar, isso ocasiona a desintegrao da vida pblica, o desinteresse pela poltica. Como pontua a autora, paradoxal para a democracia que os cidados usem a liberdade para se afastarem daquilo que tem a ver com ela. Essa indiferena com a participao poltica causada pelo individualismo.Tanto a tirania da maioria, como a manipulao, como a manipulao dessa maioria ou a indiferena em relao ao jogo poltico, so defeitos da democracia que podem e devem ser atacados directamente, com polticas e actuaes dirigidas no sentido de escutar as minorias detectando-as primeiro , e a interessar as pessoas nos assuntos polticos (Ibidem, p. 94).Camps diz que h ainda outra misria: a democracia o sistema de governo mais justo, ainda que no garanta resultados justos.Em princpio, sabemos que a democracia apenas um procedimento, o menos mau que a sociedade concebeu, o mais respeitoso para com os indivduos e aquele que com mais probabilidade produzir resultados justos. Mas sabemos tambm que as consultas e deliberaes democrticas no se do num espao semelhante quilo a que Habermas chama comunidade ideal de dilogo, mas numas comunidades reais onde o dilogo no existe ou um dilogo de surdos ou um dilogo em que falam sempre os mesmos. Um dilogo, em ltima anlise, de seres humanos, com as suas paixes, parcialidades e interesses de seres cuja razoabilidade fica oculta por uma racionalidade que s vislumbra os seus objectivos particulares ou corporativos e se empenha em no ver os objectivos pblicos. Se o critrio das maiorias tirnicio porque dominador e se escuta s a si prprio. Mesmo que exista democracia, a definio do justo ou do que pretende passar por justo patrimnio daqueles que tm poder para se revezarem no comando e continuam a deixar na valeta os despossudos. (Ibdem, p. 94-95)Para A autora, todas as misrias da democracia so imputveis, como disse no incio ao desconhecimento e ao tempo. A democracia no melhorvel a no ser a partir da conscincia dessas duas limitaes: nem tudo possvel e o engano humano.A democracia consiste em aprender a viver com as debilidades da democracia, que no so s as dos indivduos que a formam. Indivduos que necessitam mutuamente uns dos outros para progredir material e espiritualmente. Se ningum sabe de cincia certa aquilo que mais conveniente, mais razovel ou mais justo fazer, se os diferentes poderes do estado no podem fazer mais do que experimentar, pr em marcha projectos que s talvez se verifiquem mais tarde como adequados e justos, indispensvel alargar ao mximo a consulta e o dilogo, fazer o impossvel para desenterrar essa impresso generalizada de que a poltica coisa de poucos e persuadir, em contrapartida, as pessoas do contrrio: a poltica necessria para todos. O que no equivale a cair no erro mais frequente: pensar que qualquer deciso competncia de qualquer um. Equivale sim ao reconhecimento de que nem tudo deve converter-se num assunto a dirimir atravs da poltica, que necessrio imaginar outros canais de cooperao e participao, de forma a que o cidado se sinta implicado no equacionamento e soluo daquilo que mais directamente lhe diz respeito (Ibidem, p. 98).A igualdade do voto, diz Camps, faz com que a participao na poltica no seja orgnica, seja exclusivamente mecnica. A democracia representativa faz com que as pessoas s se mobilizem durante o perodo eleitoral.A democracia frgil. necessrio cuidar dela para que no se estilhace. Uma situao complexa numa cultura da comodidade e bem-estar. Certamente no certo aquilo que Locke sups: que a virtude poltica natural ao ser humano... No faz bem algum democracia a simplificao das funes dos seus diferentes actores. Os polticos simplificam a democracia quando, em vez de pensar os seus contedos e elaborar programas, se preocupam apenas em desqualificar-se entre si. Os meios de comunicao simplificam a poltica reduzindo-a a espectculo e escndalo. A poltica simplificada ao ser monopolizada pelos partidos. E o cidado tem que sentir-se cidado, quer dizer tem de comear a considerar e entender que no s sujeito de direitos mas tambm de alguns e fundamentais deveres (Ibdem, p.99).Camps termina o captulo, dizendo questesA democracia um procedimento lento e vacilante. Necessita de tempo. Deve inclusive resignar-se a perd-lo. Tudo caminha demasiado devagar numa democracia, j que o princpio no deixar ningum fora do jogo e ter um conta os interesses de todos. As misrias aludidas podem combater-se. A tirania das maiorias combate-se integrando as minorias em rgos de poder, repartindo o poder mais justamente. A indiferena combate-se fomentando a cooperao com um dilogo e uma consulta mais evidente e continuada. No que se refere aos desvios antidemocrticos que a democracia pode gerar, a verdade que quase nunca so imprevisveis: costumam ser a consequncia de um voto de castigo, o qual, por sua vez, resultada do descontentamento e do desnimo perante um procedimento que no d suficientes sinais democrticos. Conhecer as prprias misrias condio necessria ainda que no suficiente para as ultrapassar. A outra condio radica na vontade de as combater no seu prprio terreno. (Ibidem, p. 100)

Captulo 6 Os limites da participaoCostumam justificar a crise da democracia e das suas instituies a partir de dois pontos: o excesso de liberalismo e a instaurao de uma democracia representativa em vez da democracia participativa. Com efeito, nenhum dos grandes valores que deveriam ser os eixos da democracia liberdade, igualdade, justia so definveis, ou compreensveis sequer, a partir da particularidade. A prioridade que damos ao privado vai em detrimento do pblico, da democracia, e da apropriao dos valores que a constituem. O individualismo liberalismo, egosmo exagerado , pois, um perigo real para a democracia bem entendida, para essa democracia que ainda no conhecemos, mas que intumos, ou que conhecemos por aquilo que no . Por isso no correcto dizer, como Barber, que a democracia a condio da autonomia, nem que a autonomia a condio da democracia. Ambas as coisas, indivduo e vida democrtica, devem construir-se simultaneamente numa espcie de dialctica ou vaivm entre si. Afinal de contas, so os indivduos que fazem a democracia. Fazem-na, isso sim, com uma ideia do que ser indivduo diferente da que teria se tivesse alguma ideia sobre isso o individualista liberal (Ibidem, p. 103).Sobre a democracia representativa, Camps diz que ela o nico modelo possvel em nosso tempo e o fato dela ser representativa no implica necessariamente que no possa haver participao. A participao poderia acontecer por meio de Assembleias, referendos, plebiscitos, etc.A participao, diz a autora, supe igualdade e implica obrigao.Se a poltica democrtica exige teoricamente que os cidados participem na vida pblica, na medida e possibilidades de cada um deles, necessrio supor que, num certo sentido, todos os cidados so iguais. Se a todos deve ser dado participar porque todos devem poder faz-lo, e nesse aspecto, pelo menos, pode dizer-se que so iguais. Que isto assim algo que ficou claro a partir de certos estudos, como os de Carole Pateman, onde se mostra como a desigualdade social e sexual tem incidncia na baixa participao. As mulheres e os cidados de baixa extracco social, quer dizer, todos aqueles que se sabem incompetentes profissionalmente, inibem-se da participao poltica. falsa, pois, diz Pateman, essa suposta igualdade natural de todos os indivduos proclamada pelos tericos liberais: no preciso ser um lince para descobrir desigualdades sociais e econmicas, as quais incidem muito directamente na menor participao. Se a desigualdade explica a falta de participao, reclamar maior participao equivaler a reclamar maior igualdade. Igualdade e participao so, pois duas reivindicaes parelalas. (Ibdem, p. 104-105)Pode-se concluir, que mais participao supe mais igualdade, a igualdade poltica no certa se se mantiver a desigualdade social e econmica.A participao , em si mesma, um dever. Produza ou no uma obrigao poltica e no a produzir enquanto for insatisfatria , ela prpria uma obrigao para todo aquele que aceita que a democracia uma forma de governo sob a qual bom viver. A democracia no pode ser entendida sem a colaborao dos cidados seja esta de que tipo for. Por isso, antes de mais, deve ser aceite a democracia real com as suas imperfeies. Esta uma condio bvia, mas contra a qual se encarniam os elementos mais discrepantes e insatisfeitos: aqueles que no aceitam, partida, nada que no seja perfeito, aqueles que desqualificam a democracia porque, segundo dizem, nada daquilo que conhecem pode ser considerada autntica democracia. Rebater estes utpicos pouco originais literalmente impossvel porque os discursos de um e outro grupo sero sempre divergentes. So tericos do tudo ou nada que no entendem que a realidade transformvel no a partir do nada, mas a partir de qualquer coisa. Aceite, pois esta qualquer coisa da democracia que temos, necessrio ter em conta outras duas condies importantes para poder matizar o tipo de participao que necessitamos e nos convm. A primeira que a democracia, enquanto sistema de governo, tem de ser eficaz, tomar decises e fazer com que se executem. Ainda que a eficcia no seja um valor bsico nem prioritrio, , sem dvida, ndice de um bom governo ou de um bom sistema. Eficcia no significa fazer leis de empreitada; a eficcia compatvel com o adiamento dos acordos duvidosos at chegar a um melhor conhecimento da questo, a eficcia requer tempo. Estou de acordo com Rosa Virs quando afirma que a eficcia no a arte de resolver rapidamente um problema; pelo contrrio, eficaz a deciso que resolve um conflito mesmo quando necessrio investir mais tempo nele. A segunda condio que no devem ignorar-se ou desprezar-se as capacidades psicolgicas do indivduo, das quais nos fala, se no a prpria psicologia, pelo menos a experincia. possvel conceber deveres que se revelem de imediato como atrocidades imperdoveis do ponto de vista da psicologia humana. Freud contribuiu sobejamente para o evidenciar. Pois bem, alguma coisa de semelhante poderia acontecer com a ideia utpica de participao segundo a qual todos os indivduos deveriam intervir no acordo sobre as decises que lhes dizem respeito. A ideia da consulta a propsito de tudo e de anda no vivel nem conveniente nem o indivduo poderia cumpri-la no caso desta se lhe impor como um dever (Ibidem, p.109-110)Camps defende que a participao tem de ser compatvel com a eficcia de um lado, mas por outro necessrio ter em conta os limites da disponibilidade individual, saber o que pode ser exigido ao cidado para poupar esforos.Para a autora representao e participao nem sempre so antagnicas. A participao deve ser vista como um processo de correo. Correco de tudo o que tem a ver com a chamada teoria elitista, segundo a qual o povo elegeria os peritos para que o governasse e se desinteressaria imediatamente das tarefas polticas. Esta teoria, que se aproxima da realidade apesar de ser criticada por muitos, prescinde realmente da autonomia da pessoa ou do ponto de vista segundo o qual a autonomia plena no a que se consegue no exerccio da liberdade negativa, mas no da liberdade positiva. (Ibidem, p. 112)Para ela, levar a cabo essa correo significa lutar contra o egosmo do indivduo e, mais ainda, contra o individualismo colectivista.Ambas as formas de individualismo tendem a no entrar em acordo com os outros at necessitarem deles para conseguirem os seus objectivos. A ningum custa exercer a liberdade negativa, essa liberdade que simples deixar fazer, sem normas impostas. Fazer uso da liberdade positiva, em contrapartida, muito mais difcil, exige imaginao, esforo e valor para responder por si perante os outros. Esse exerccio da liberdade deve ter como objectivo a construo de uma sociedade de seres mais iguais e livres do que a existente, onde as incompetncias que inibem a colaborao no se verifiquem, onde haja, pois mais igualdade de oportunidades e onde todos e cada um dos indivduos tenham a possibilidade de escolher a forma de vida que quiserem e no existam pessoas marginalizadas por estarem desprovidas de quase tudo. (Ibidem, p.113)A democracia sofre de uma desvalorizao, no se acredita mais nela, h uma desconfiana dos polticos, desaproveita-se a liberdade e no se procuram vias de participao porque se consideram que so suprfluas.Isso acontece porque a democracia maltratada e desaproveitada, circunstncia que acaba por desanimar o mais voluntarioso. A democracia deveria exibir permanentemente o seu objectivo que no nem mais nem menos do que o empenho na concretizao dos valores fundamentais: no permitir que se continuem a cometer injustias e que se continue a ultrajar as pessoas sob a aparncia de outra coisa. Esse empenho baseia-se na convico anti-individualista de que s contando com os outros ser possvel chegar a melhorar qualquer coisa. Sabemos que o indivduo sozinho no sobrevive nem chega a construir o que quer que seja, que os problemas mais vivos tm dimenses e solues transnacionais e que a ideia de justia, em ltima anlise, uma construo histrica nossa a que necessrio dar contedo atravs da sua realizao. A democracia est cheia de imperfeies, evidentemente. Por isso necessrio participar, para procurar corrigi-las. Se a democracia fosse perfeita, que necessidade existiria de que algum tivesse opinio sobre qualquer coisa?. (Ibidem, p.114)Captulo 7 A febre dos separatismosO pretexto nacionalista a que nos dias de hoje se agarra todo aquele que encontra motivos para o fazer e encontrar diferenas no difcil tem uma explicao emotiva bvia. lgico ouvimos que nestes tempos de desintegrao ideolgica e de debilidade poltica se regresse s razes e fora do sentimento como nico meio de unir as vontades. J que as identidades polticas se esfumam j que no h vermelhos, nem brancos, nem azuis, mas apenas tons cinzentos ou incolores , e j que estamos convencidos de que a poltica no pode reduzir-se apenas poltica econmica, o territrio, a cultura, as tradies, a lngua oferecem-se como fins no negligenciveis a preservar e a cuidar na medida em que consigam entusiasmar o povo. As pessoas sentem que aquilo que seu seu e no lhes difcil mobilizarem-se para o defender. Os nacionalismos so fcil motivo de agregao e entusiasmo, dois aspectos imprescindveis para uma poltica no autoritria e participativa.O actual projecto nacionalista, se assim se lhe pode chamar, muito equvoco, pois est longe do projecto poltico que configurou o nascimento dos estados-naes em finais do sculo XIX e princpios do sculo XX. Os de agora so, nesse perspectiva, mini-nacionalismo, de carcter tico-lingustico, embora tambm poltico, em que o direito de territrio est mais prximo do que antes do direito de sangue, e onde a criao de um estado novo e independente nem sempre desempenha um papel determinante. J que o seu surgimento depende de conjunturas diversas, dependendo essa diferena tanto dos antecedentes histricos como do contexto e circunstncias em que surge a identidade nacionalista. Seja como for, trata-se sempre de defender qualquer coisa que prpria, uma identidade preterida, esquecida ou, sobretudo, reprimida durante anos por outra identidade mais poderosa e dominante.. (Ibidem, p. 123)Camps diz que difcil determinar at que pontos estes movimentos nacionalistas tm uma razo de ser verdadeiramente populista ou, pelo contrrio, exclusivamente poltica, como vontade de poder e de domnio.

Captulo 8Para Camps a comunicao o paradigma cultural do sculo XX.Graas tcnica, muito simples comunicar: o telefone, o telefax, a rdio, a televiso, a imprensa, os transportes areos, tudo nos leva longe com uma rapidez que ainda nos surpreende. Os meios de comunicao, desenvolvidos at ao inacreditvel, constituem o quarto poder, um poder indiscutvel de que deixa testemunho a irrefutvel expresso ainda que nos custe de que s real o que aparece nos meios de comunicao. A possibilidade de comunicarmos um valor do nosso sculo, um valor que muito provavelmente ocupou o lugar dos valores ilustrados do progresso e a razo. Pois o facto da comunicao se ter convertido no paradigma da nossa cultura deve-se, claro, inovao tcnica, mas tambm a uma srie de descobertas tericas das cincias humanas e sociais. A importncia concedida linguagem na filosofia contempornea, a tese da prpria sociologia do conhecimento de acordo com a qual a realidade uma construo social, tm uma relao directa com o pr em questo da verdade como anseio das cincias e com a aceitao, sem qualquer repugnncia, do relativismo. Hoje toda a gente sabe e aceita que no h uma viso do mundo nica e privilegiada, que todo o saber relativo ao ponto de vista do investigador ou do estudioso ou pelo menos, ao ponto de vista da sua cultura , que a objectividade pura um mito, mesmo nas cincias mais empricas, que os absolutos so incompreensveis, e que tudo o que interessante passvel de opinies diferentes. O positivismo e cientificismo, to geralmente aceites at h no muitos anos, passaram a ser considerados anacronismos do sculo dezenove. As epistemologias no confiam na capacidade do sujeito para alcanar a verdade: falam da nossa realidade intersubjectiva, da inevitabilidade do dilogo. S existe objectividade intersubjetiva, o consenso o que existe de mais aproximado verdade, a validade das teorias cientficas repousa, em ltima anlise, nas decises das comunidades de cientistas e no em referentes empricos indiscutveis. A nica epistem que existe a que surge do confronte de doxas. Em resumo, a comunicao uma conquista do nosso tempo, mas tambm a constatao de uma necessidade da nossa limitao da natureza (Ibidem, p.144)S em certo sentido podemos dizer que vivemos na sociedade da comunicao, porque cada vez em nossas sociedades se revelam claros sintomas de incomunicao. O individualismo dizemos feroz, a competitividade inevitvel, no h tempo para estreitar os laos afectivos; a surdez, o rudo, a incompreenso tornam-se insuportveis nos ncleos urbanos, assistimos impotentes se no indiferentes a frequentes expresses de insolidariedade, racismo e intolerncia. Nada nos assegura que a comunicao entre as pessoas, quer dizer, a capacidade de conviver, de fazer companhia uns aos outros, de atingir graus de compreenso satisfatrios, a capacidade de estabelecer dilogos que dirimam pacientemente as disputas, nada nos assegura que tudo isso tenha progredido muito desde que Sartre ou Ionesco denunciaram a incomunicao existente. Tanto no plano pessoal e afectivo, como no profissional, o interesse por outro pelo outro, primeiro passo para se estabelecer comunicao, no de todo generalizado. Os vizinhos de um mesmo edifcio nem sequer se conhecem; o historiador e o matemtico no se entendem, na suposio de que sintam uma mnima curiosidade mtua. Isto para j no falar do que acontece na poltica: aqui guerra, a fora, o poder da maioria, o que termina com os conflitos mais graves e as disputas menores substituem as polmicas construtivas. Os parlamentares democrticos so simulacro de comunicao: cenrios de insulto e desqualificaes, mais do que lugares de debate interessante e produtivo. Presta-se alguma ateno aos meios de comunicao os chefes de empresa e responsveis polticos tomam o pequeno-almoo com os reprteres da imprensa , mas porque so temidos ou porque se procura neles a corroborao de uma particular viso dos assuntos. Todo o leitor de jornal especialmente leitor de um deles, aquele que tem maior afinidade com as suas prprias ideias. (Ibidem, p.145) Assim, como demonstra Camps, a comunicao um conceito equvoco. Designa a facilidade informativa que nos permite saber muito mais coisas do que antes e sermos tambm mais conscientes das limitaes de cada ponto de vista e das necessidades mtuas. Mas comunicao deveria designar tambm a existncia de uma relao interpessoal plena e satisfatria, a realidade de uma convivncia mais conseguida. Se o primeiro sentido , efectivamente, uma relao interpessoal plena e satisfatria, a realidade de uma convivncia mais conseguida. Se o primeiro sentido , efectivamente, uma constante do nosso tempo, e uma constante positiva, o segundo s uma ideia ou um desejo que no se obtm por mais que a tcnica venha seu auxlio. A comunicao e a compreenso entre os seres humanos no melhorou pelo facto das comunicaes serem mais rpidas e fceis. Pelo contrrio, os protagonistas das sociedades da comunicao mostram-se incapazes de comunicar no segundo sentido. As intolerncias no param. Cresce a desconfiana mtua. Aumentam os suicdios de adolescentes. Durkheim atribuiu precisamente o suicdio desintegrao social, desagregao individual que converte cada pessoa num ser annimo e perdido no meio da sociedade. Ter mudado muito a situao, apesar da comunicao tecnicamente ter avanado lguas, desde a poca em que Durkheim notou a sua falta?. (Ibidem, p.146)Deve-se perguntar se a inovao tcnica um dos motivos pelo qual a comunicao est prejudicadoTodos de facto, estamos unidos pela linguagem, mas tambm um facto que a cultura da comunicao no ajuda nem escrita nem leitura no ajuda linguagem: uma cultura da imagem. O que tem valor ver, ou fazer-se ver, no escutar. Para ver no necessria a presena material do outro que , em troca, imprescindvel para falar. Tudo isso tem as suas repercusses no funcionamento da vida em comum... O meio a televiso, o jornal, o faz , no a mensagem como afirmou MacLuhan , mas determina simplificando-a, s vezes barbaramente. Tudo deve converte-se em notcia, por isso, em algo breve, actual, pontual - palavra inevitvel. No necessrio escrever cartas nem ler livros, basta uma chamada telefnica ou dar uma olhadela s manchetes dos jornais. Porque a manchete o mais importante: no a prpria informao. Um ttulo e uma foto que personalizam o tema. O valor da imagem ressuscitou o caudilhismo: as pessoas no se sentem atradas por um partido nem por ideias ou um programa, mas pela pessoa que o representa. Os lderes de opinio polticos, sindicalistas, lderes de associaes, intelectuais vem-se mediatizados pelos gestores de opinio, que decidem de que se deve falar e quem deve faz-lo. O ligeiro e disperso debate radiofnico ou televisivo a mais profunda reflexo que os meios de comunicao toleram. (Ibidem, p.146-147) necessrio utilizar o termo informar em vez de comunicao para referir ao meios de comunicao.Informar um acto menos ambicioso, unilateral. Comunicar, em contrapartida, tem um parentesco com comunho e comunidade. A comunicao implica reciprocidade ou, pelo menos, um comrcio bilateral, um intercmbio activo de ideias ou interesses com dois lados, um emissor e um receptor. Na informao, pelo contrrio, a parte activa pertence exclusivamente ao emissor, enquanto o receptor se limita a receber passivamente a informao que lhe do. Os meios de comunicao so mass media, meios de comunicao de massas, emissores de mensagens destinadas a grandes multides de pessoas diversas s massa de pasteis como lhe chamou Escarpit, susceptvel de adquirir a forma que se lhe queira dar. Por isso, os meios de comunicao fazem fracassar em vez de promover aquilo que, de acordo com Habermas, nos constitui como seres humanos: a ao comunicativa. Pois bem, tambm a informao, ainda que seja mais limitada, uma manifestao da aco comunicativa. Informar dar conta dos factos, do que aconteceu, a informao boa a informao autntica, a informao pura, objectiva. J que falamos dos meios de comunicao como o quarto poder, da ao que parece inevitvel simplificao de qualquer contedo nas mos dos meios de comunicao, j que continuamente se refere a manipulao e os abusos da informao, essa espcie de exame a que querermos submeter a comunicao fornecida pelos media, tem de passar pelo exame do acto mais importante e primordial dos meios de comunicao, que o de informar. (Ibidem, p. 148)