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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 093 Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo Secretário Especial de Políticas Criminais Arthur Pinto Lemos Junior Assessores Fernanda Narezi Pimentel Rosa Ricardo José Gasques de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Valéria Scarance Paulo José de Palma (descentralizado) Analista Jurídica Ana Karenina Saura Rodrigues

CAO Crim - mpsp.mp.br€¦ · Em novembro daquele ano, o juízo federal determinou a remessa dos autos para a Justiça estadual de Minas Gerais. Após diligências junto ao Facebook

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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 093

Procurador-Geral de Justiça

Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais

Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores

Fernanda Narezi Pimentel Rosa

Ricardo José Gasques de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Valéria Scarance

Paulo José de Palma (descentralizado)

Analista Jurídica

Ana Karenina Saura Rodrigues

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Boletim Criminal Comentado n° 093 - Maio 2020

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SUMÁRIO

SUMÁRIO .................................................................................................................................. 2

AVISOS ...................................................................................................................................... 3

ESTUDOS DO CAOCRIM .............................................................................................................. 4

1-Tema: A prova da menoridade dispensa a apresentação de certidão de nascimento, bastando que

a condição do menor seja demonstrada por qualquer meio dotado de fé pública .............................. 4

2– Tema: TJ/SP. Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Prerrogativa do MP. Incabível ingerência

do Poder Judiciário. ............................................................................................................................... 5

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM .................................. 6

DIREITO PROCESSUAL PENAL ...................................................................................................... 6

1 – Tema: Crime de racismo contra judeus em rede social deve ser julgado pela Justiça Federal.

Transnacionalidade demonstrada ......................................................................................................... 6

DIREITO PENAL: ........................................................................................................................ 13

1-Tema: Para Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, reincidência que aumenta pena por

posse de drogas para uso próprio é específica ................................................................................. 13

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP.................................................................................... 15

1- Tema: Art. 24-A da Lei Maria da Penha. Descumprimento de medida protetiva. Crime de

competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Não cabimento da Lei

9.099/95 .............................................................................................................................................. 15

MP/SP: Setor de Recursos Extraordinários e Especiais ............................................................... 20

1- Tema: Noções gerais sobre a atuação do Setor de Recursos Extraordinários e Especiais

Criminais ............................................................................................................................................. 20

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Boletim Criminal Comentado n° 093 - Maio 2020

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AVISOS

ASSISTÊNCIA JURÍDICA REMOTA AOS PRESOS DURANTE A PANDEMIA

Para além da assistência médica e sanitária, aos presos têm sido conferida ainda a assistência

jurídica. É que foi celebrada parceria entre a Secretaria da Administração Penitenciária, o Tribunal

de Justiça, a Defensoria Pública e a Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da qual desde o dia

13 de maio de 2020, Defensores Públicos estão fazendo uso de videoconferência para atender os

presos. A Defensoria encaminha relação com os nomes dos sentenciados, com os quais pretende

conversar, ao Diretor da Unidade Prisional, que realiza o agendamento. A OAB iniciou os

atendimentos no dia 14 e criou um manual específico para orientar os advogados.

De outra parte, importante mencionar também que, segundo informou a Secretaria de

Administração Penitenciária, pelo menos 195 teleaudiências já foram realizadas em 52 presídios do

Estado de São Paulo, desde o último mês, sendo certo que os Oficiais de Justiça executam as

intimações pelo mesmo sistema.

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Boletim Criminal Comentado n° 093 - Maio 2020

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1-Tema: A prova da menoridade dispensa a apresentação de certidão de nascimento, bastando

que a condição do menor seja demonstrada por qualquer meio dotado de fé pública

A pena dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas será aumentada de um sexto a dois

terços se a prática do crime envolver (fizer tomar parte, contar com a participação) ou visar a

atingir (objetivo de alcançar) criança (menor de 12 anos) ou adolescente (com doze anos

completos, porém menor de 18) ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a

capacidade de entendimento e determinação (alienado metal, enfermo, senil, ébrio etc.).

O propósito do aumento é tornar mais severa a punição não só de quem se vale de inimputáveis –

ou de outros vulneráveis – para viabilizar o comércio ilícito de drogas, mas também de quem de

alguma forma busca atingir, com o comércio, essas mesmas pessoas, que não têm suficiente

discernimento para avaliar as consequências nefastas do uso de substâncias psicotrópicas. Em

resumo: a pena é aumentada tanto nas situações em que menores ou outras pessoas sem o

necessário discernimento são cooptados para que atuem no tráfico quanto nas situações em que

são visados na qualidade de consumidores.

De acordo com o que já decidiu o STJ, a prova da menoridade dispensa a apresentação de certidão

de nascimento, bastando que a condição do menor seja demonstrada por qualquer meio dotado de

fé pública (AgRg no REsp 1.662.249/AM, j. 23/11/2017). A Corte, em 7/4/2020, afetou e,

reafirmando a sua jurisprudência, julgou o mérito do Recurso Especial n.º 1.619.265/MG,

representativo da controvérsia repetitiva descrita no Tema 1.052 e, em 18/5/2020, publicou o

acórdão de mérito com a seguinte tese firmada:

“para ensejar a aplicação de causa de aumento de pena prevista no art. 40, VI, da Lei n.

11.343/2006 ou a condenação pela prática do crime previsto no art. 244-B da Lei n. 8.069/1990, a

qualificação do menor, constante do boletim de ocorrência, deve trazer dados indicativos de

consulta a documento hábil - como o número do documento de identidade, do CPF ou de outro

registro formal, tal como a certidão de nascimento."

Por fim, é importante esclarecer que a incidência deste inciso (art. 40, VI) afasta a possibilidade de

concurso entre os crimes dos artigos 33 a 37 e o de corrupção de menores (art. 244-B do ECA), que

consiste em corromper ou facilitar a corrupção de menor de dezoito anos, com ele praticando

infração penal ou induzindo-o a praticá-la. Ora, se a lei que disciplina a punição ao tráfico de drogas

e a outros delitos envolvendo psicotrópicos estabelece majorante específica para as situações que

envolvem crianças ou adolescentes, não é possível aplicar o concurso de crimes, seja porque, para

evitar o bis in idem, obsta-se que a majorante incida simultaneamente, seja porque afastar a

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majorante para ceder lugar ao concurso de delitos tornaria letra morta o inciso VI do art. 40 da Lei

nº 11.343/06 (STJ: REsp 1.622.781/MT, j. 22/11/2016).

2– Tema: TJ/SP. Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Prerrogativa do MP. Incabível

ingerência do Poder Judiciário.

Em recentes decisões, o TJSP, ao julgar diversos Habeas Corpus impetrados contra o Procurador-

Geral de Justiça que, nos termos do art. 28-A, §14 do CPP, manteve a recusa dos promotores de

Justiça em celebrar acordo de não persecução penal, decidiu se tratar de prerrogativa exclusiva do

MP a análise do cabimento da avença, não cabendo a interferência do Poder Judiciário nesta

prerrogativa Institucional. Essa decisão consagra a tese que a Procuradoria-Geral de Justiça tem

defendido nas diversas reuniões já realizadas nas promotorias criminais do Estado; nas decisões do

Setor do Artigo 28 do CPP e na política criminal fixada em enunciados elaborados pelo CAOCRIM.

Para conhecer o teor da decisão: Clique aqui.

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1 – Tema: Crime de racismo contra judeus em rede social deve ser julgado pela Justiça Federal.

Transnacionalidade demonstrada.

DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que compete à Justiça Federal julgar a

conduta delituosa de divulgar pelo Facebook mensagens de cunho discriminatório contra o povo

judeu, por estar configurada potencial transnacionalidade do crime, uma vez que o conteúdo

racista veiculado na rede social é acessível no exterior.

"No caso dos autos, diante da potencialidade de o material disponibilizado na internet ser acessado

no exterior, está configurada a competência da Justiça Federal, ainda que o conteúdo não tenha

sido efetivamente visualizado fora do território nacional", afirmou o relator, ministro Joel Ilan

Paciornik.

O conflito de competência foi instaurado entre o juízo de direito da 1ª Vara Criminal do Foro

Central da Região Metropolitana de Curitiba – suscitante – e o juízo federal da 9ª Vara Criminal da

Seção Judiciária de Minas Gerais – suscitado.

Investigação

O caso começou a ser investigado em 2015, quando o juízo federal determinou a quebra de sigilo

cadastral e telemático de usuários do Facebook para esclarecer crimes de divulgação de conteúdo

racista, por meio de comentários postados no perfil denominado "Hitler da Depressão – a todo

gás".

Em novembro daquele ano, o juízo federal determinou a remessa dos autos para a Justiça estadual

de Minas Gerais.

Após diligências junto ao Facebook e às operadoras de telefonia, o Ministério Público de Minas

concluiu que o crime se consumou em Curitiba, razão pela qual solicitou o encaminhamento do

processo com urgência àquela comarca.

Em janeiro de 2019, o juízo da 1ª Vara Criminal do Foro Central da Região Metropolitana de

Curitiba, com base no julgamento do Recurso Extraordinário 628.624 pelo Supremo Tribunal

Federal (STF), suscitou o conflito de competência no STJ, alegando se tratar de um caso federal.

Internacional

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Segundo o ministro Paciornik, a investigação mostra ser incontestável que o conteúdo divulgado no

Facebook, na página "Hitler da Depressão – a todo gás", possui conteúdo discriminatório contra

todo o povo judeu, e não contra pessoa individualmente considerada.

O relator explicou que, na época em que tiveram início as investigações, não havia sólido

entendimento das cortes superiores brasileiras acerca da configuração da internacionalidade de

mensagens postadas no Facebook. Todavia, afirmou o ministro, o tema – de repercussão geral

reconhecida – foi amplamente discutido no RE 628.624, e o entendimento adotado pelo STF passou

a ser seguido também pelo STJ.

"Muito embora o paradigma da repercussão geral diga respeito à pornografia infantil, o mesmo

raciocínio se aplica ao caso concreto, na medida em que o acórdão da Suprema Corte vem repisar o

disposto na Constituição Federal, que reconhece a competência da Justiça Federal não apenas no

caso de acesso da publicação por alguém no estrangeiro, mas também nas hipóteses em que a

amplitude do meio de divulgação tenha o condão de possibilitar o acesso", esclareceu.

Aplicando o entendimento ao caso em julgamento, o ministro disse ser possível reconhecer a

competência da Justiça Federal, ainda mais porque a conduta de racismo está prevista em tratado

internacional ratificado pelo Brasil, e as mensagens postadas podem ter produzido efeito no

exterior.

Terceiro juízo

Joel Paciornik observou que, pela singularidade do caso e pelo fato de as diligências apontarem que

as postagens racistas partiram de usuário localizado em Curitiba, é necessária a fixação de

competência de terceiro juízo, que não figura no conflito em julgamento.

Ele explicou que as perícias realizadas quando os autos se encontravam em Belo Horizonte

concluíram que as postagens partiram de Curitiba, e que o artigo 70 do Código de Processo Penal

preceitua que a competência é determinada pelo lugar em que se consumou a infração.

"Considerando que o Brasil é signatário de Convenção Internacional sobre Combate ao Racismo;

considerando que os agentes utilizaram meio de divulgação de amplo acesso no exterior e que as

postagens partiram de usuário localizado no município de Curitiba, entendo estar configurada a

competência da Justiça Federal da Seção Judiciária em Curitiba", concluiu o ministro.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):CC 163420

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

A internet tem sido utilizada como meio frequente da prática do crime de racismo. Durante algum

tempo percebemos certa oscilação acerca da competência para o processo e julgamento da ação

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penal em casos tais. Contudo, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça,

pacificaram a questão, posicionando-se pela regra geral de competência da Justiça Estadual. Só

restaria competência à Justiça Federal em caso de transnacionalidade demonstrada, como, por

exemplo, grupos de apoiadores do nazismo (os neonazistas) no Brasil e de outro país estivessem

atuando em conjunto para a prática das condutas previstas no caput, ou um grupo brasileiro

distribuindo material para outros países. Vejamos os julgados dos Tribunais Superiores acerca do

tema:

“DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM

AGRAVO. CRIME DE RACISMO PRATICADO PELA INTERNET. COMPETÊNCIA. DISCUSSÃO JÁ DECIDIDA

PELO SUPERIRO TRIBUNAL DE JUSTIÇA E SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. JUSTIÇA COMUM. 1. Tal

como consta no parecer do Ministério Público Federal, a questão ora em análise competência

jurisdicional para o julgamento de feito relativo à prática do crime de racismo via internet foi

devidamente analisada em momento processual próprio, assentando-se na ocasião tanto no

âmbito do STJ (em sede de conflito de competência), quanto no âmbito do STF (em sede de habeas

corpus), o entendimento jurisprudencial prevalecente, qual seja, o de que o processo e julgamento

do feito competia à Justiça Estadual. 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a

divulgação de mensagens incitadoras da prática de crime pela rede mundial de computadores não

é suficiente para, de per si, atribuir à prática do crime a demonstração de resultado além do

território nacional (ACO 1.780, Rel. Min. Luiz Fux). Ainda nessa linha, veja-se o RE 1.053.961, Rel.

Min. Dias Toffoli. 3. Agravo interno a que se nega provimento”. (STF - AgR ARE: 1169322 DF -

DISTRITO FEDERAL 0098316-59.2012.8.07.0001, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de

Julgamento: 29/3/2019, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-069 5-4-2019

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. INQUÉRITO

POLICIAL. RACISMO EM COMENTÁRIO VEICULADO NA INTERNET. DIZERES OFENSIVOS

RELACIONADOS A PESSOA DETERMINADA. AUSÊNCIA DE CARÁTER TRANSNACIONAL.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A Justiça Federal é competente, conforme disposição do

inciso V do art. 109 da Constituição da República quando se tratar de infrações previstas em

tratados ou convenções internacionais, como é caso do racismo, previsto na Convenção

Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, da qual o Brasil é

signatário (CC 132.984/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Rel. p/ Acórdão Ministro MOURA

RIBEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/2014, DJe 02/02/2015). 2. Isso não obstante, o mero

fato de o delito de racismo ter sido praticado pela internet não atrai, automaticamente, a

competência da Justiça Federal, sendo necessário demonstrar a internacionalidade da conduta

e/ou de seus resultados, assim como a intenção de atingir coletividade. Precedente: AgRg nos EDcl

no CC 120.559/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, Dje

19/12/2013.3. Situação em que os comentários racistas e ofensivos foram dirigidos a pessoa

nacional determinada. 4. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da 2ª

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Vara Criminal da Comarca de Porto Velho/RO, o suscitado”. (STJ. Conflito de Competência

145938/RO, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA. TERCEIRA SEÇÃO. Julgamento:

27/4/2016. DJe 4/5/2016)

“Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em Conflito de Competência, entendeu presente a

transnacionalidade apta a atrair a competência da Justiça Federal, em um caso de determinado

colunista que teceu comentários discriminatórios contra nordestinos em programa veiculado em

canal de televisão a cabo, assistido por telespectadores dentro e fora do país, conforme segue:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL X JUSTIÇA ESTADUAL. INQUÉRITO

POLICIAL. COMENTÁRIOS EM TESE DISCRIMINATÓRIOS DO POVO NORDESTINO EMITIDOS POR

ESCRITOR/COLUNISTA EM PROGRAMA DE TV A CABO. ART. 20 DA LEI 7.716/89. DÚVIDA SOBRE A

TIPICIDADE DA CONDUTA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO DURANTE

O EXAME DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA EM SITUAÇÃO DE EXCEPCIONALIDADE. CASO CONCRETO

EM QUE O TRANCAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES NESTA INSTÂNCIA SE REVELARIA PREMATURO.

OFENSA A COLETIVIDADE E RESULTADO TRANSNACIONAL DA CONDUTA EVIDENCIADOS.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL FIXADA PELA PREVENÇÃO. 1.

Tendo em mente a natureza e a finalidade do conflito de competência, a discussão sobre a

tipicidade do delito investigado ou sobre o mérito da questão discutida no feito em que suscitado o

conflito somente é possível em caráter excepcional, quando se revela como prejudicial necessária

ao estabelecimento da competência para o julgamento do processo, ou quando se vislumbra a

possibilidade, também excepcional, de concessão de habeas corpus de ofício diante de nítido

constrangimento ilegal. 2. Entretanto, a concessão do habeas corpus de ofício durante o exame de

conflito de competência deve ser feita cum grano salis, diante da proibição de supressão de

instância, que tem em mente não só a valorização da atividade judicante de cada uma das

instâncias como também o objetivo de resguardar a atividade revisional típica do segundo grau e a

função uniformizadora do entendimento da lei federal e da Constituição, característica das

instâncias superiores, de modo que cada instância possa se ater à sua tarefa precípua. 3. Situação

em que conhecido colunista, num contexto em que comentava a vitória do Partido dos

Trabalhadores, nas eleições presidenciais de 2014, qualificou o povo nordestino, que teria votado

maciçamente no mencionado partido, de retrógrado, governista, bovino, subalterno em relação ao

poder, atrasado, pouco educado e repressor da imprensa. 4. Ainda que a “discriminação étnico-

racial”, tal como definida no art. 1º, parágrafo único, I, Lei 12.288/2010, somente seja punível na

medida em que tenha por objetivo ou efeito “anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou

exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos

político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada”, a

conduta descrita no art. 20, caput e § 2º, da Lei 7.716/89 pune, também, a prática, indução ou

incitação de “preconceito”, cuja caracterização não é expressamente delimitada na lei. 5. Com tudo

isso em mente, revela-se desaconselhável a concessão de habeas corpus de ofício no caso concreto,

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seja porque as investigações ainda estão em estágio muito incipiente, sem que tenha sido ouvido o

investigado de ordem a melhor se poder discernir o seu animus ao tecer comentários sobre os

nordestinos, seja diante da desnecessária supressão de instância, seja diante dos vários

precedentes da Terceira Seção do STJ, que, em situações análogas, não reconheceram, de plano, a

atipicidade da conduta (discriminação ou preconceito) e resolveram apenas o Conflito de

Competência suscitado. A título exemplificativo: CC 150.564/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES

DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, j. em 26/4/2017, DJe 02/05/2017; CC 145.938/RO, Rel. Ministro

REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 04/05/2016; AgRg

no AREsp 381.205/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 12/8/2014, DJe

21/8/2014. 6. Sobre o tema da tipicidade penal e da possibilidade de seu afastamento em sede de

habeas corpus, o chamado realismo jurídico, destacado, a título exemplificativo, por Oliver Wendell

Holmes, Karl Liewelyn, Jerome Frank e Felix Cohen, não permite o esquecimento, de plano, da

diretriz jurisprudencial contida nos julgamentos do HC 388.051/RJ, Rel. Ministro JOEL ILAN

PACIORNIK, 5ª TURMA, j. em 25/4/2017, DJe 4/5/2017 e do HC 143.147/BA, Rel. Ministro ERICSON

MARANHO - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP -, SEXTA TURMA, julgado em 17/3/2016,

DJe 31/3/2016, bem como de célebre caso que tramitou no STF (HC 82424, Relator (a) p/ Acórdão:

Ministro MAURÍCIO CORRÊA, TRIBUNAL PLENO, julgado em 17/09/2003, DJ 19-03-2004 PP-00017

EMENT VOL-02144-03 PP-00524). 7. Esta Corte, interpretando o disposto no art. 109, V, da CF, tem

entendido, como regra geral, ser competência da Justiça Federal o julgamento de infrações penais

que apresentem fortes indícios de internacionalidade da conduta e/ou de seus resultados e que

estejam previstas em tratado ou convenção internacional, como é caso do racismo, previsto na

Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, da qual o

Brasil é signatário. 8. Evidenciado que as palavras do investigado atingiram uma coletividade e que

o programa foi assistido por telespectadores dentro e fora do país, produzindo resultados

transnacionais, revela-se indiscutível a competência da Justiça Federal para conduzir a investigação.

Precedentes. 9. Desconhecido o local da infração, posto que a opinião supostamente

preconceituosa foi manifestada em programa de televisão de canal fechado cujo local de gravação

é incerto, e desconhecido o local de domicílio do réu, deve ser fixada a competência territorial com

base na regra da prevenção (do § 2º do art. 72 do CPP), sendo admissível a declaração da

competência de um terceiro juízo que não figure no conflito de competência. 10. Conflito

conhecido, para declarar a competência de um terceiro Juízo, o Juízo Federal da 13ª Vara da Seção

Judiciária de Pernambuco, para a condução e julgamento do Procedimento Investigatório. (STJ - CC:

146983 RJ 2016/0147383-6, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 24/5/2017, S3 -

TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 29/6/2017).

Jurisprudência:

APELAÇÃO CRIMINAL. PRECONCEITO DE RAÇA, COR, ETNIA, RELIGIÃO OU PROCEDÊNCIA NACIONAL.

LEI N. 7.716/89. RECURSO DEFENSIVO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO. VEICULAÇÃO POR MEIO DA

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INTERNET DE ARTIGOS, SÍMBOLOS E TRANSCRIÇÕES DE LIVROS RELATIVOS AO NAZISMO. AGENTE

QUE DISCRIMINOU, INDUZIU E INCITOU O ANTI-SEMITISMO E O RACISMO CONTRA A

COMUNIDADE JUDAICA. APOLOGIA AO REGIME NAZISTA CARACTERIZADA. AUTORIA E

MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO. APELO DA

ACUSAÇÃO. PLEITO DE AUMENTO DA PENA-BASE. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS

NEGATIVAS PARA MAJORÁ-LA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA

CONTINUIDADE DELITIVA. UNICIDADE DE CONDUTAS. MANUTENÇÃO DO TRATAMENTO JURÍDICO

DE CRIME ÚNICO. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação Criminal n. 2008.030302-7, de Lages,

rel. Des. Torres Marques, j. 29-07-2008).

CRIME DE RACISMO. ARTIGO 20, § 2º, DA LEI N. 7.716/89. PUBLICAÇÃO DE CHARGE EM JORNAL.

SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO. ILUSTRAÇÃO PEJORATIVA. VINCULAÇÃO DO

NASCIMENTO DE CRIANÇAS AFRODESCENDENTES À CRIMINALIDADE. CONTEÚDO RACISTA

MANIFESTO. COLISÃO DE PRINCÍPIOS. LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

E IGUALDADE. SOLUÇÃO QUE SE DÁ ATRAVÉS DA UTILIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE. PREVALÊNCIA DOS ÚLTIMOS INEQUIVOCAMENTE APLICÁVEL AO CASO

CONCRETO. RECURSO PROVIDO. Ilustração de recém nascidos afrodescendentes em fuga de sala da

parto, associado aos dizeres de um personagem (supostamente médico) de cor branca

“Segurança!!! É uma fuga em massa!!!”, configura a prática do crime de racismo. A Constituição

Federal de 1988 dispõe, em seu artigo 3º, entre os objetivos fundamentais da República, a

“promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras

formas de discriminação”. Ademais, no capítulo referente aos direitos e garantias individuais,

estabelece a “igualdade” como garantia fundamental do indivíduo sendo a prática do racismo crime

inafiançável e imprescritível (artigo 5º, inciso XLII). Havendo colisão de normas constitucionais

entre a que impõe a igualdade entre os indivíduos e a liberdade de pensamento, deve prevalecer

aquela, pois não é possível que o exercício do direito de opinião ofenda outros valores

constitucionais, mormente a dignidade humana, fundamento do princípio da igualdade. [...] não se

pode atribuir primazia absoluta à liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista,

em face de valores outros como os da igualdade e da dignidade humana. [...] Ela encontra limites,

também no que diz respeito às manifestações de conteúdo discriminatório ou de conteúdo racista.

Trata-se, como já assinalado, de uma elementar exigência do próprio sistema democrático, que

pressupõe a igualdade e a tolerância entre os diversos grupos. (HC 82424, Relator: Min. MOREIRA

ALVES, Relator para Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/2003).

DOSIMETRIA. CHARGISTA, AUTOR DA ILUSTRAÇÃO. PENA FIXADA EM 2 (DOIS) ANOS DE RECLUSÃO.

REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS

RESTRITIVAS DE DIREITOS. EDITOR CHEFE EM EXERCÍCIO. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA.

PENA DEFINITIVA EM 1 (UM) ANO E 4 (QUATRO) MESES DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL ABERTO.

PENA CORPORAL IGUALMENTE SUBSTITUÍDA. [...] partícipe é quem concorre para que o autor ou

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coautores realizem a conduta principal, ou seja, aquele que, sem praticar o verbo (núcleo) do tipo,

concorre de algum modo para a produção do resultado. Assim, (...) pode-se dizer que o agente que

exerce a vigilância sobre o local para que seus comparsas pratiquem o delito de roubo é

considerado partícipe, pois, sem realizar a conduta principal (não subtraiu, nem cometeu violência

ou grave ameaça contra a vítima), colaborou para que os autores lograssem a produção do

resultado. Dois aspectos definem a participação: a) vontade de cooperar com a conduta principal,

mesmo que a produção do resultado fique na inteira dependência do autor; b) cooperação efetiva,

mediante uma atuação concreta acessória da conduta principal (CAPEZ, Fernando. Curso de direito

penal – parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 338-339). PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE

DE RECONHECIMENTO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, INCISO XLII, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (TJSC, Apelação Criminal n. 2012.016841-9, de Lages, rel. Des. Jorge

Schaefer Martins, j. 23-5-2013).

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DIREITO PENAL:

1-Tema: Para Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, reincidência que aumenta pena por

posse de drogas para uso próprio é específica

DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reviu seu entendimento e concluiu que o

aumento de pena no crime de posse de drogas para consumo próprio deve ocorrer apenas quando

a reincidência for específica. O colegiado negou provimento a recurso do Ministério Público que

sustentava que bastaria a reincidência genérica.

Para o ministro Nefi Cordeiro, relator, a melhor interpretação a ser dada ao parágrafo 4º do artigo

28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) deve levar em conta que ele se refere ao caput do dispositivo

e, portanto, a reincidência diz respeito à prática do mesmo crime – posse de drogas para uso

pessoal.

As penas de prestação de serviços à comunidade e de comparecimento a programa ou curso

educativo, previstas nos incisos II e III do artigo 28 da Lei de Drogas, são aplicadas pelo prazo

máximo de cinco meses (parágrafo 3º), mas esse prazo sobe para dez meses no caso de

reincidência (parágrafo 4º).

Roubo

No caso analisado pelos ministros, o réu foi condenado pelos crimes de receptação e de posse de

drogas para consumo próprio. Como havia uma condenação anterior por roubo, foi aplicada a

causa de aumento do artigo 28, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, ficando a pena em um ano de

reclusão e dez meses de prestação de serviços comunitários.

O Tribunal de Justiça do Espírito Santo deu provimento à apelação da defesa para afastar a

reincidência e reduzir a pena quanto à posse de drogas para cinco meses de prestação de serviços.

Para o Ministério Público, a condenação anterior por roubo seria motivo para o aumento da pena

no crime da Lei de Drogas, pois a reincidência considerada no caso deveria ser a genérica –

aplicável frente a qualquer crime previamente cometido.

Melhor reflexão

O ministro Nefi Cordeiro disse que, não obstante a existência de precedente da Sexta Turma que

considerou a reincidência genérica, uma melhor reflexão sobre o assunto conduz à conclusão de

que a reincidência mencionada no parágrafo 4º do artigo 28 tem de ser específica, ou seja, relativa

ao mesmo crime de posse para consumo próprio.

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"A melhor exegese, segundo a interpretação topográfica, essencial à hermenêutica, é de que os

parágrafos não são unidades autônomas, estando vinculadas ao caput do artigo a que se referem",

explicou.

Por essa razão, segundo o ministro, a condenação anterior por roubo não impede a aplicação do

limite máximo de cinco meses para as penas dos incisos II e III do artigo 28, como determinado no

parágrafo 3º do dispositivo.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1771304

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Embora não tenha havido descriminalização da conduta posse/porte de drogas para uso próprio,

no ano de 2018, as duas Turmas do STJ afastaram a reincidência em virtude da condenação anterior

por porte de drogas para consumo pessoal. Em síntese, considerou-se que, não obstante a infração

mantenha seu caráter criminoso, é desproporcional, diante da inexistência de sanção privativa de

liberdade, sopesar a condenação para os efeitos da reincidência.

De acordo com a decisão proferida no HC 453.437/SP – concedido de ofício por unanimidade –, não

se justifica que a condenação por porte de drogas para consumo pessoal – ao qual não se comina

sanção privativa de liberdade – agrave a pena pela reincidência porque sequer a condenação

anterior por contravenção penal – à qual normalmente se comina prisão simples – tem esse efeito:

“Cabe ressaltar que as condenações anteriores por contravenções penais não são aptas a gerar

reincidência, tendo em vista o que dispõe o artigo 63 do Código Penal, que apenas se refere a

crimes anteriores. E, se as contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram

reincidência, mostra-se desproporcional o delito do artigo 28 da Lei 11.343/2006 configurar

reincidência, tendo em vista que nem é punível com pena privativa de liberdade”.

A mesma Corte, contudo, revistando o tema, admitiu a configuração da reincidência específica,

notadamente para fins do que disposto no § 4º do art. 28:

“Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas

pelo prazo máximo de 10 (dez) meses”.

Sendo reconhecido reincidente específico, as penas de prestação de serviços e medida educativa

deverão ser aplicadas pelo prazo de dez meses, ao invés dos cinco meses previstos no § 3º, prazo

para os usuários não reincidentes.

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1- Tema: Art. 24-A da Lei Maria da Penha. Descumprimento de medida protetiva. Crime de

competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Não cabimento da Lei

9.099/95.

Conflito Negativo de Atribuição

Autos n.º 1513880-07.2018.8.26.0114 – MM. Juízo do Juizado Especial Criminal da Comarca de

Campinas

Suscitante: 32º Promotor de Justiça de Campinas

Suscitado: Promotora de Justiça em exercício junto à Vara de Violência Doméstica e Familiar contra

a Mulher da Comarca de Campinas

Autor do fato: M.O.S.

Assunto: subsunção dos fatos ao conceito de violência doméstica ou familiar contra a mulher, com

reflexo na atribuição funcional

Cuida-se de procedimento instaurado visando à apuração da conduta perpetrada por M.O.S. em

face de sua ex-companheira, A.C.R., que configura, em tese, o delito do art. 24-A, da Lei Federal nº

11.340/06.

Segundo apurado, a vítima conviveu com o investigado por cerca de um ano e, após a ruptura do

relacionamento, em razão do inconformismo de M., foi beneficiada com medidas protetivas,

deferidas pelo Juízo da Violência Doméstica e Familiar.

Não obstante as medidas protetivas, o averiguado continuou procurando a ex-companheira, por

meio de mensagens telefônicas e correspondências eletrônicas. Não satisfeito, no dia 19 de agosto

de 2018, o averiguado encaminhou uma mensagem, com os seguintes dizeres: “você tá fudida, eu

não tenho medo de ir preso, fica esperta...”.

Juntou-se aos autos cópia da decisão judicial que deferiu medidas protetivas em favor da vítima

(fls. 06/07).

Concluída a investigação criminal, a Digna Promotora de Justiça requereu o arquivamento da

investigação em relação ao delito de ameaça (CP, art. 147) e, no tocante ao crime de desobediência

de medida protetiva, pleiteou a remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal, por considerar que

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a infração penal prevista no art. 24-A, da Lei nº 11.340/06, é de menor potencial ofensivo (cf. fls.

66/70).

A manifestação foi acolhida, tendo o E. Juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher reconhecido sua incompetência para apreciar a matéria, ordenando a remessa dos autos ao

Juizado Especial Criminal (cf. fls. 71/73).

A D. Promotora de Justiça recipiente, contudo, suscitou conflito negativo de atribuição,

sustentando que o crime somente é praticado por aquele que tem contra si ordem judicial

relacionada à concessão de medidas protetivas de urgência, com base na Lei nº 11.340/06, e que,

por isso, trata-se de matéria afeta à competência da Vara Especializada de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher (cf. fls. 49/53).

É o relatório do necessário.

Há de se sublinhar, preliminarmente, que o endereçamento da causa a esta Chefia Institucional se

assenta no art. 115 da Lei Complementar Estadual n.º 734/93.

Encontra-se configurado, portanto, o conflito de atribuição entre promotores de justiça.

Como destaca HUGO NIGRO MAZZILLI, tal incidente tem lugar quando o membro do Ministério

Público nega a própria atribuição funcional e a atribui a outro, que já a tenha recusado (conflito

negativo), ou quando dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a

afirmação das próprias atribuições, em exclusão às de outros membros (conflito positivo) (Regime

Jurídico do Ministério Público, 6.ª edição, São Paulo, Saraiva, 2007, pp. 486-487).

Considere-se, outrossim, que em semelhantes situações o Procurador-Geral de Justiça não se

converte no promotor natural do caso. Assim, não lhe cumpre determinar qual a providência a ser

adotada (oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou complementação de diligências),

devendo tão somente dirimir o conflito para estabelecer a quem incumbe a responsabilidade de

oficiar nos autos.

Pois bem.

Com razão a Digna Promotora de Justiça Suscitante, com a devida vênia da Ilustre Promotora de

Justiça Suscitada e do MM. Juiz.

Verifica-se que os fatos subsumem-se ao tipo penal previsto no art. 24-A da Lei n.º 11.340/06, que

foi inserido pela Lei n.º 13.641/2018.

Muito embora o dispositivo legal contenha crime punido com dois anos em seu teto, não se trata

de infração de menor potencial ofensivo, haja vista os arts. 33 e 41 da Lei n.º 11.340/06.

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De acordo com o art. 33 do citado Diploma, compete aos Juizados de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher “conhecer e julgar as causas decorrentes da prática de violência

doméstica e familiar contra a mulher, observadas as previsões do Título IV desta Lei, subsidiada

pela legislação processual pertinente”.

Nota-se, destarte, que a competência dos Juizados Especiais Criminais foi afastada de modo

abrangente, compreendendo todas as causas criminais relacionadas com fatos subsumíveis à Lei

Maria da Penha.

O art. 41 da Lei mencionada se coloca na mesma linha de Política Criminal dos dispositivos acima

mencionados, consistente em tratar com severidade infrações relacionadas com violência

doméstica ou familiar contra a mulher.

Anteriormente, quando se aplicava o art. 330, do Código Penal, crime contra a Administração

Pública, justificava-se o entendimento da Digna Promotora de Justiça Suscitada. Porém, agora, com

a existência de tipo penal próprio, na Lei Maria da Penha, a competência da Vara de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher é inafastável, de modo que a leitura da questão merece

outros contornos, afastada também a aplicação dos benefícios da Lei nº 9.099/95, ao delito em

questão, por incidência da vedação contida no já citado art. 41, da Lei nº 11.340/06 e na Súmula

536 do Colendo Superior Tribunal de Justiça1.

Nesse sentido, os ensinamentos de Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, em

comentários ao novo tipo penal,

“O crime previsto na lei novel (crime próprio, pois só pode ser cometido por quem deve

observância às medidas protetivas decretadas), tem pena de detenção que varia entre três meses a

dois anos. Haverá quem sustente a possibilidade de aplicação das medidas despenalizadoras

previstas na Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099/1995), em virtude da pena máxima

cominada ao crime. É que o art. 61, da Lei dos Juizados Especiais Criminais, considera infração penal

de menor potencial ofensivo o crime cuja pena máxima não seja superior a dois anos. Demais disso,

não se trataria, especificamente, de crime praticado com violência doméstica e familiar contra a

mulher, mas sim de crime contra a Administração Pública, de forma que a vedação do art. 41 da lei

em análise, que impede a aplicação da Lei 9.099/1995, não incidiria neste caso. Não seria possível,

assim, se estender a interpretação do art. 41 para abranger infrações penais que em nada se

relacionam com a definição de violência doméstica de que trata o art. 5º da mesma lei.

1 “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos

sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.

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Nossa posição – Temos como inaplicáveis as disposições da Lei dos Juizados Criminais à conduta em

exame. Importaria em verdadeiro contrassenso que uma inovação que tenha vindo – se imagina –

em proteção à vítima de violência doméstica, pudesse admitir a imposição de medidas

despenalizadoras, reservadas a condutas menos graves, de menor potencial ofensivo. De resto, o

art. 41 é expresso ao proibir a aplicação da Lei 9.099/1995 aos crimes perpetrados no âmbito da

violência doméstica. A nosso ver, a disposição que veda a concessão de fiança pela autoridade

policial, após a prisão em flagrante do agente (§2º), revela a intenção do legislador de,

efetivamente, retirar o crime do art. 24-A da esfera das infrações de menor potencial ofensivo, tal

como ocorre com as demais infrações penais envolvendo violência doméstica e familiar contra a

mulher. (...)” (Violência Doméstica – Lei Maria da Penha – 11.340/2006 Comentada artigo por

artigo, Jus Podivm, 2019, p. 230-g.n.).

De fato, se a lei veda seja arbitrada fiança pela autoridade policial à pessoa presa em flagrante pela

prática do delito capitulado no art. 24-A da Lei 11.340/06, é porque tal delito não se insere na

competência dos Juizados Especiais Criminais, que, no art. 69, parágrafo único, proíbe a prisão em

flagrante em delitos de sua competência.

Nesse sentido, recentíssimas decisões do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:

CONFLITO DE JURISDIÇÃO. APURAÇÃO DO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA

LEI MARIA DA PENHA. DISTRIBUIÇÃO AO JUÍZO DA 1ª VARA CRIMINAL DE JANDIRA.

REDISTRIBUIÇÃO À VARA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA MESMA COMARCA POR SER DELITO

DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. DESCABIMENTO. 1. Com o advento da Lei nº 13.641/18, que

incluiu o artigo 24-A na Lei Maria da Penha, não há mais dúvida de que o descumprimento de

medida protetiva de urgência caracteriza o tipo penal autônomo e é de competência da Vara da

Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. 2. O próprio artigo 41 da Lei nº 11.340/06 veda

expressamente a aplicação da Lei nº 9.099/95 aos delitos praticados com violência doméstica e

familiar contra a mulher. 3. A conduta perpetrada pelo acusado de aproximar-se da vítima, em

desobediência à determinação judicial, configura mero desdobramento e continuidade da mesma

violência estabelecida no artigo 7º da Lei nº 11.340/06, já reconhecida pelo juízo ao proferir a

decisão ora descumprida. 4. Conflito de Jurisdição julgado procedente para determinar o

processamento no Juízo suscitado.

(TJSP, Conflito de Jurisdição n. 0015231-72.2020.8.26.0000 Relator: Vice-Presidente, Órgão

Julgador: Câmara Especial, Comarca: Jandira, julgado em 15/5/2020-g.n.)

CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. Apuração do crime de descumprimento de medida protetiva

de urgência (art. 24-A da Lei Maria da Penha). Denúncia oferecida perante a Vara Criminal da

Comarca de Votorantim. Determinação de remessa dos autos à Vara do Juizado Especial Criminal

da mesma Comarca. Descabimento. Norma que fortalece as medidas protetivas de urgência e o

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enfrentamento da violência contra as mulheres. Delito que não só tutela a administração da justiça,

mas também a integridade física e psicológica da mulher em benefício da qual foi concedida a

medida descumprida. Exegese da Lei nº11.340/06. Conflito conhecido. Competência do Juízo da

Vara Criminal da Comarca de Votorantim.

(TJSP, Conflito de Jurisdição 0038569-12.2019.8.26.0000; Relator (a): DANIELA MARIA CILENTO

MORSELLO; Data do Julgamento: 13/4/2020 – g.n.).

Seguindo ainda esse entendimento, o Enunciado nº 48 do Fonavid - Fórum Nacional de Juízas e

Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher - ressalta a competência das Varas de

Violência Doméstica e Familiar para a análise do descumprimento das medidas protetivas impostas

ao agressor:

“A competência para processar e julgar o crime de descumprimento de medidas protetivas de

urgência previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha é dos Juizados de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher e, onde não houver, das Varas Criminais com competência cumulativa

para processar e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a

mulher”.

Diante do exposto, conhece-se deste incidente, dirimindo-o para declarar competir à Douta

Suscitada, com atuação na Vara da Violência Doméstica e Familiar, a atribuição para intervir nos

autos, cumprindo-lhe também adotar as medidas cabíveis em eventual caso de recusa judicial em

processar o caso, tendo em vista a r. decisão de fls. 71/73.

A controvérsia a respeito da incidência da Lei Maria da Penha, nos termos ora analisados, não

colide com eventual opinião delitiva a ser deduzida pelo promotor natural, motivo por que não se

afigura necessária a designação de outro membro ministerial para atuar em seu lugar.

São Paulo, 21 de maio de 2020.

Mario Luiz Sarrubbo

Procurador-Geral de Justiça

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MP/SP: Setor de Recursos Especiais e Extraordinários

1- Tema: Noções gerais sobre a atuação do Setor de Recursos Extraordinários e Especiais

Criminais

O Setor de Recursos Extraordinários e Especiais Criminais da Procuradoria de Justiça é

regulamentado pelo Ato 412 do Colégio de Procuradores de Justiça e prevê atribuição concorrente

do Procurador-Geral de Justiça e dos Procuradores de Justiça Criminais para, em matéria criminal,

recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal (art. 9º, caput).

O Setor de Recursos Extraordinários e Especiais é composto por membros do Ministério Público

designados pelo Procurador-Geral de Justiça.

A atuação do Setor inaugura-se quando o Procurador de Justiça que oficia em feito de natureza

criminal (apelação criminal, recurso em sentido estrito, agravo em execução penal, habeas corpus,

mandado de segurança etc, exceto os feitos de competência originária), ao tomar ciência de

acórdão que se afigure passível de impugnação por meio de recurso extraordinário ou de recurso

especial, decide pela remessa do processo à equipe designada para integrar o Setor (art. 9º, §2º).

Saliente-se, contudo, que o próprio Procurador de Justiça que tomar ciência do acórdão pode, ele

próprio, interpor o recurso ao Tribunal Superior.

O Setor não tem atribuição para atuar em casos de acórdãos denegatórios de mandado de

segurança e habeas corpus, em relação aos quais é cabível o Recurso Ordinário Constitucional (art.

102, II, “a” e “b”, da Constituição Federal), ou para desafiar decisões monocráticas proferidas pelo

Relator, contra as quais se mostra cabível a interposição de agravo interno pela própria

Procuradoria Criminal (arts. 1.021 do CPC e 253 do Regimento Interno do TJSP, e súmula 281 do

Supremo Tribunal Federal).

Recebidos os autos provenientes da Procuradoria e, constatada a contrariedade a dispositivo da

Constituição ou de lei federal ou, ainda, que o Tribunal de Justiça deu à lei federal interpretação

divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (arts. 102, III, "a", e 105, III, "a" e "c", da

Constituição Federal), o integrante do Setor, a quem o processo tenha sido distribuído por critério

objetivo previamente estabelecido, fará a interposição de recurso extraordinário, de recurso

especial ou de ambos, fornecendo cópia da petição ao Procurador de Justiça responsável pelo

encaminhamento, o qual também será informado, se assim solicitar, das razões de eventual não

interposição de recurso.

Ao receber um processo para análise da viabilidade para a interposição de recurso especial ou

extraordinário, o integrante do Setor deve levar em consideração:

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a) a existência de efetiva violação ou contrariedade a lei federal ou a norma constitucional ou de

dissídio jurisprudencial com outro tribunal, requisitos indispensáveis ao conhecimento e

provimento do recurso.

Nessa análise, leva-se exclusivamente em conta a ilegalidade da decisão, pois, em muitos casos,

especialmente no tocante à dosimetria da pena e ao regime inicial, a decisão está inserida na

discricionariedade do julgador, o que inviabiliza a interposição do recurso.

b) o caráter utilitário do recurso.

Em muitos casos, mesmo que haja evidente violação a preceito legal, o prazo prescricional está

prestes a se escoar, de modo que a interposição do recurso poderia ser prejudicial, gerando a

extinção da punibilidade. Em outros casos, como a revogação da prisão preventiva pelo Tribunal de

Justiça em sede de habeas corpus, caso haja a interposição do recurso especial, o processo

originário já terá sido sentenciado quando for apreciado pela Corte Superior e, com isso, o recurso

estará prejudicado.

c) se o caso concreto merece ser levado à análise dos Tribunais Superiores.

Em muitas situações, mesmo que a decisão do Tribunal de Justiça afigure-se passível de exposição a

recursos de natureza excepcional, analisa-se se há peculiaridades no caso concreto que não

recomendam a interposição, para que não haja risco de debilitar orientações já consolidadas ou de

veicular teses em situações que não sejam as mais adequadas, do ponto de vista persuasivo, para o

acatamento de determinado entendimento.

d) se o recurso não implica o reexame de prova

Em casos de absolvição por insuficiência de provas ou por não demonstração do dolo, ou, ainda,

em casos de desclassificação para delito de menor gravidade por falta de prova de alguma

elementar (da violência ou da grave ameaça no roubo, por exemplo), dentre inúmeros outros, a

possibilidade de interposição de recurso especial ou extraordinário esbarra no reexame da prova,

vedado pelas súmulas 7 do Superior Tribunal de Justiça e 279 da Corte Suprema.

e) se acórdão está em consonância com a jurisprudência dos Tribunais Superiores

Caso o acórdão esteja em consonância com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, sedimentada

em demandas repetitivas, repercussão geral ou súmula, a interposição do recurso é inviável, pois

sequer seria admitido, conforme súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça e artigo 1.030, I, "a" e

"b", do CPC.

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A interposição de recurso extraordinário e especial é a principal e mais relevante atribuição do

Setor. A atuação, entretanto, é muito mais ampla com inúmeras outras atribuições perante o

Tribunal de Justiça e os Tribunais Superiores.

1. Junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo:

a) apresentar contrarrazões (art. 1030, caput, do CPC) em todos os recursos especiais e

extraordinários em trâmite no Estado, interpostos pelo acusado, pelo assistente do Ministério

Público ou por terceiro interessado, salvo no que diz respeito aos recursos extraordinários

manejados contra acórdãos prolatados pelos Colégios Recursais (no ano de 2019 foram elaboradas

14.116 contrarrazões pelo Setor); b) apresentar contraminutas de agravo em recurso extraordinário

ou de agravo em recurso especial manejados pela Defesa (art. 1042, §3º, do CPC - no ano de 2019

foram elaboradas 9.520 contraminutas); c) interpor agravo dirigido ao Tribunal ad quem (artigo

1.042 do CPC), se inadmitido recurso extraordinário ou especial por outro fundamento; d) interpor

agravo regimental contra decisões do Presidente da Seção de Direito Criminal que julguem

incidentes processuais de forma desfavorável ao Ministério Público, como, por exemplo, no caso de

decretação da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição (art. 61 do CPP); e)

apresentar contraminuta a agravo regimental interposto pela Defesa; f) opor embargos

declaratórios contra acórdãos (art. 619 do CPP), quando a utilização de tal meio integrativo for

necessária ao preenchimento do requisito do “prequestionamento” (Súmula 356/STF); g) interpor

agravo interno (artigo 1.021 do CPC) dirigido à Câmara Especial de Presidentes, na hipótese de

negativa de seguimento de recurso extraordinário ou especial com base no artigo 1.030, I, “a” ou

“b”, do Código de Processo Civil; h) apresentar contraminutas de agravo interno (art. 1.021, §2º,

do CPC), nas hipóteses de inconformismo da Defesa quanto à negativa de seguimento a RE ou a

REsp com base no artigo 1.030, I, do CPC; i) ingressar com reclamação nas hipóteses dos arts. 988 e

seguintes do CPC.

2. Nos Tribunais Superiores:

Com a consolidação do entendimento de que os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito

Federal têm legitimidade para propor e atuar em recursos e meios de impugnação de decisões

judiciais em trâmite no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, oriundos de

processos de sua atribuição, sem prejuízo da atuação do Ministério Público Federal (Tema 946 da

sistemática de recursos com repercussão geral - RE 985392/RS), o Setor passou a ter, também, as

atribuições a seguir elencadas:

2.1. No Superior Tribunal de Justiça:

a) tomar ciência de todas as decisões proferidas em julgamento de recurso especial, de agravo em

recurso especial, e de agravo regimental interpostos pela defesa ou pelo Ministério Público, para

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Boletim Criminal Comentado n° 093 - Maio 2020

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análise da viabilidade de recursos no próprio STJ ou ao STF; b) opor embargos de declaração contra

decisões monocráticas ou colegiadas proferidas em recursos da defesa e/ou do Ministério Público;

c) apresentar manifestação em caso de embargos declaratórios opostos pela Defesa com pretensão

infringente (art. 1.023, §2º, do CPC); d) interpor agravo regimental contra decisão monocrática (art.

258 do RISTJ); e) interpor recurso extraordinário contra decisão colegiada do STJ que contrarie

norma constitucional; f) interpor agravo em recurso extraordinário ou agravo interno, nas

hipóteses, respectivamente, de inadmissão de recurso extraordinário ministerial (art. 1.030, V, do

CPC) ou de negativa de seguimento (art. 1030, I, “a”, do CPC); g) apresentar contraminuta de

agravo regimental na hipótese de inconformismo do acusado com decisão monocrática que julga

recurso especial ou agravo em recurso especial; h) manejar embargos de divergência para a 3ª

Seção do STJ (art. 1.043 do CPC e art. 266 do RISTJ); i) elaborar impugnação a embargos de

divergência opostos pela Defesa; j) apresentar contrarrazões de recurso extraordinário interposto

contra decisão do STJ, inclusive quando o recorrente for o Ministério Público Federal; k) apresentar

contraminuta de agravo em recurso extraordinário ou de agravo interno, quando inadmitido ou

negado seguimento a recurso extraordinário defensivo ou do Ministério Público Federal; l) formular

requerimentos de concessão de tutela de urgência (art. 228 do RISTJ) e de execução de penas,

elaborar pedido de preferência/prioridade no julgamento, manifestar-se sobre pleitos de

reconhecimento da ocorrência de prescrição (art. 61 do CPP) etc.

2.2. No Supremo Tribunal Federal:

a) Tomar ciência das decisões monocráticas proferidas em julgamento de recurso extraordinário ou

recurso extraordinário com agravo, interpondo, se necessário, agravo regimental (art. 317, caput,

do RISTF); b) elaborar contraminuta de agravo regimental, na hipótese de inconformismo do

acusado com decisão monocrática que julga recurso extraordinário ou recurso extraordinário com

agravo; c) tomar ciência de decisões de Turma que julguem recurso extraordinário ou recurso

extraordinário com agravo, manejando, se presentes os pressupostos, embargos de divergência,

para o Plenário (art. 1.043 do CPC e art. 330 do RISTF); d) interpor agravo regimental contra

decisão monocrática que não admitir embargos de divergência (art. 335, §2º, do RISTF); e) elaborar

impugnação a embargos de divergência opostos pela Defesa (art. 335, caput, do RISTF); f) opor

embargos declaratórios contra decisão omissa, obscura ou contraditória de órgão colegiado do STF

(art. 337 do RISTF); g) apresentar manifestação em caso de embargos declaratórios opostos pela

Defesa com pretensão infringente (art. 1.023, §2º, do CPC); h) formular requerimentos de

concessão de medida cautelar em recurso (art. 304 do RISTF) e de execução de penas, elaborar

pedido de preferência/prioridade no julgamento, manifestar-se sobre pleitos de reconhecimento

da ocorrência de prescrição (art. 61 do CPP) etc.

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Em síntese, ressalvados os feitos de competência originária, a partir da entrega da prestação

jurisdicional pelo Tribunal de Justiça, o Setor atua em todos os feitos criminais em trâmite no

Estado de São Paulo em que houve interposição de recurso extraordinário ou especial, seja por

parte do Ministério Público, do acusado, do assistente do Ministério Público ou de terceiro

interessado, acompanhando-os e neles atuando até o trânsito em julgado.

O órgão da Instituição em atuação no Setor defende, portanto, os interesses da coletividade em

matéria penal mediante a interposição de recursos diversos, ou, quando não for este o caso, por

meio da elaboração de peças reativas, inclusive junto aos Tribunais Superiores.