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A universidade, o shopp;ng e os meios de comunicação A comparação entre estas três entidades é estimulante para elaborar algumas encruzilhadas das ciências sociais desenvolvidas no capíttito anterior. Seria preciso estudar, por exemplo, os m:.\ ..• crocentros comerciais e os meios de comunicação como cenários em que se manifesta com nitidez o predomínio do privado sobrc o público, em contraste com a universidade, talvez o último lugar em que o público ainda prevaleça sobre o privado. Ou comparar' o shoppin.ge os meios de comunicação, instâncias que representam a reorganização audiovisual e espetacularizada dos bens c d:l' mensagens, com a universidade, que permanece como bastião no qual os conceitos ainda submetem as imagens e as disquisiçõC!I$ racionais se impõem ao pensamento analógico e metafórico. (Pense-se na resistência a que os organismos de difusão universi. tários transcendam os círculos de alta cultura e se insiram na co- municação de massas.) Apesar do caráter atraente destas investigações possíveis, aqui me interessa, antes, enfrentar alguns dilemas do trabalho científico, confrontando-o com o que poderíamos chamar de "epistemologia" implícita dos shoppings e dos meios de comuni- cação. Ocorreu-me esta relação ao deparar com o livro no qual um dos maiores arquitetos contemporâneos, Ken KoolhaáS, faz um balanço das suas tarefas: intitulou-o S, M, L, XL. Koolhaas , I 411 GEERTZ AO. Exíuo CUFFORD CH EGARAM 3. SOBRE COMO PIERRE BOURDIEU E

Cap.3 Sobre Como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio/Nestor Clancini

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Capitulo 3 do Livro Diferentes Desiguais e Desconectados Mapas da Interculturalidade de Nestor Garcia Canclini. O capítulo é sobre como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio.

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Page 1: Cap.3 Sobre Como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio/Nestor Clancini

A universidade, o shopp;ng e os meios de comunicação

A comparação entre estas três entidades é estimulante paraelaborar algumas encruzilhadas das ciências sociais desenvolvidas

no capíttito anterior. Seria preciso estudar, por exemplo, os m:.\..•crocentros comerciais e os meios de comunicação como cenários

em que se manifesta com nitidez o predomínio do privado sobrco público, em contraste com a universidade, talvez o último lugarem que o público ainda prevaleça sobre o privado. Ou comparar'o shoppin.ge os meios de comunicação, instâncias que representama reorganização audiovisual e espetacularizada dos bens c d:l'mensagens, com a universidade, que permanece como bastião no

qual os conceitos ainda submetem as imagens e as disquisiçõC!I$racionais se impõem ao pensamento analógico e metafórico.(Pense-se na resistência a que os organismos de difusão universi.tários transcendam os círculos de alta cultura e se insiram na co­

municação de massas.)

Apesar do caráter atraente destas investigações possíveis,aqui me interessa, antes, enfrentar alguns dilemas do trabalhocientífico, confrontando-o com o que poderíamos chamar de

"epistemologia" implícita dos shoppings e dos meios de comuni­cação. Ocorreu-me esta relação ao deparar com o livro no qualum dos maiores arquitetos contemporâneos, Ken KoolhaáS, fazum balanço das suas tarefas: intitulou-o S, M, L, XL. Koolhaas

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GEERTZAO. Exíuo

CUFFORDCH EGARAM

3. SOBRE COMO

PIERRE BOURDIEUE

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sustenta que os urbanistas devem trabalhar simultaneamente emtodas as escalas e mostra como, na sua investigação urbana, articula

os objetos small, medium, large e extralarge. Sem dúvida, este é umdos problemas não resolvidos das ciências sociais, que os shoppings

e os meiC:sde comunicação tratam com bastante eficácia. Outra ha­

bilidade dos centros comerciais, sobretudo as lojas de departamen­

tos, é a oferta de equipamento doméstico ao lado de bens de usopúblico e urbano, bem como aparelhos eletrônicos - rádios, televiso­res, equipamentos de som e computadores -, para conectar-nos àinformação e ao entretenimento transnacionais. Uma terceira carac­

terística dos shoppingsé sua multiculturalidade: combinam produtosnacionais e estrangeiros, de diversos continentes, de origem indus­trial e artesanal, usando astutamente esta flexibilidade para enfatizara cultura n6rdica durante o Natal, a iconografia tropical durante

o verão e, quando as variações da moda o requerem, qualquer outraregião. '

Em vez disso, as universidadei se assemelham mais à distri­

buição compartimentada do tradicional comérCio v·arejista. Nossosdepartamentos não parecem pertencer à mesma instituição: se alguém

vai ao departamento de antropologia, ~6conseguirá o que correspondeàs culturas domésticas e locais; se se matricula em sociologia e eco­

nomia, encontrará informação sobre as grandes tendências do mundo.Estas regiões do conhecimento exigem tal fidelidade que não se vêcom bons olhos o "consumidor" - por exemplo, um estudante de

p6s-graduação - que comece a relacionar-se com vários departamentosao mesmo tempo.

Há uns poucos anos, alguns programas transdisciplinares e

multiculturais de investigação enfrentam as novas exigências do s~­ber. São, sobretudo, os autores que trabalham em distintas escalasdo conhecimento, com instrumentos de diferente alcance e em so­

ciedades diversas, aqueles que mais ajudam a entrever como poderiam,ser as universidades, que, neste sentido, se pareceriam, mais com osshoppings e os meios de comunicação. Por certo, é preciso dizer que

estes dois tipos de atores têm uma "epistemologia" demasiadosimples, cujas regras se limitam a justapor objetos de distintas esca­las e funções ou a seguir com oportunismo as variações multicultu­

rais, sem problematizar quase nunca a sistemática globalizadora dosmercados. As diferenças que o local faz persistir dentro do glohalou os conflitos derivados da multiculturalidade são dissin1l1hdnM

sob a fácil reconciliação de um consumo supostamente IIl1iV{,I'~1I1.com operações tão elementares quanto usar o controle relllOlo pnrlisintonizar canais de diferentes nacionalidades.

Vou reunir neste capítulo algumas experiências de deI) IilJlllIsociais que, depois de trabalhar um bom tempo s6 com o .flllá// t111

o extralarge, e com os instrumentos legitimados pela sua discipli'lll.interessaram-se' por outros campos, admitiram perguntas s(.)hrc os

processos~migrat6rios ou a interculturalidade gerada pelos meios d<.'comunicação. Conscientes de que não bastava justapor ohjctos <,'

práticas sociais, tiveram de se perguntar cO,mofazer coexist ir eSI 1':1­tégias de conhecimento e de vida diferentes. Construfram concei­tos e instrumen~os para examinar novos objetos transdisciplinares,e transculturais'e, às vezes, s6 propuseram novas metáforas que insi-nuam por Ol"ldepoderíamos avançar. Vou me referir mais detida­mente aos processos de dois autores: como Clifford Geertz deixoude concentrar-se no conhecimento local para interessar-se por colageps

interculturais e o que aconteceu a Pierre Bourdieu quando quis pro­var sua teoria dos campos' e da distinção sociocultural no estudoda televisão.

Analisar estes dois autores servirá para formular o problema, '

da subjetividade e da objetividade do conhecimento em relação àsconfigurações institucionais. Como se sabe, uma das diferenças en­tre a gnosiologia moderna e a epistemologia contemporânea é que,no pensamento moderno, a tensão entre racionalistas e empiristas,inclusive depois da reelaboração kantiana, concentra-se na prioridadedo sujeito individual ou na existência independente dos objetos (a

realidade, o mundo) na geração do conhecimento. Desde'o sé,culo

106 MAPAS SOBRE COMO CLIFFORO GEERTZ E PIERRE •• _ 1'07

Page 3: Cap.3 Sobre Como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio/Nestor Clancini

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109SOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE •••

Clifford Geertz: do conhecimento local ao intercultural

No fipal da década de 1980, Geertzcaracterizou assim a::

oscilações dos antropólogos: são pessoas que alcançam legitimidadeao demonstrar "ter estado lá", entre os Índios, os outros distante:!.

mas escrevem, ensinam e organizam o que estudam para os <lUC"("r.

tão aqui", nas universidades, nos congressos, nos sistemas (k revi::1 ali

e de prestígio acadêmico. Esta brecha entre o lugar em quc ViVl"111

os objetos de estudo e o lugar onde são representados coloca a 1111('''

tão da interculturalidade no riúcleo do trabalho antropolc.'lf:l.ku.embora durante muito tempo as incertezas e os conflitos CIIt rc 11111

bas as instâncias tenham sido postos de lado. Várias corrclI tcs I'.".modernas limitaram o problema ao cenário da escrita, como ~c IIC

tratasse apenas de desconstruir as astúcias textuais com as qU:1is liC

simula que a antropologia não é nada além de uma representaç!1n

realista do que existe (Geertz, 1989; Clifford e Marcus, 1991).

Meu interesse é destacar que a crítica simultaneamente tex­

tual e institucional de Geertz esteve associada, naqueles mesmo::anos (dá década de 1960 à de 1980), a uma reformulação do quc

ele considerava que deveria ser o objeto de estudo dos antropólogos.

Em A interpretação das culturas, defendia uma descrição "micros­cópica" não "da aldeia", mas "na aldeia", e limitava o trabalho teóri­co à elaboração conc~itual dos imediatismos com que cada grupo

Vou falar destes espaços e circuitos como formações metains­

titucionais; em sentido semelhante ao que Raymond Williams deuà expressão "formações" para designar algo que está mais além dasinstituições consolidadas e estruturadas, algo que pode abarcar com­plexos de instituições, redes e movi'mentos em formação pouco ins­titucionalizados. Williams referia-se às formações para identificarmovimentos mais amplos; por exemplo, tendências literárias, ar­tísticas, filosóficas e científicas - vanguardas, movimentos culturaise políticos de migrantes, estudos culturais - que condicionam osmodos de gerar conhecimentos (Williams, 1980 e 1997).

M A P A S108

XIX, Marx e Nietzsche, e o desenvolvimento posterior das ciências

sociais, tornaram evidente que entre sujeito e objeto existem mediaçõ~institucionais que condicionam os modos de existência do sujeitoe dos objetos, assim como aquilo que sucede entre eles. Tornou­

se importante, então, para dessubjetivar ou desideologizar os sabe­

res, libertar o processo de conhecimento da tutela religiosa - portan­

to, eclesiástica - e política - portanto, partidária -, de modo quea universidade adquiriu autonomia como espaço institucional no

qual as ciências podiam desenvolver-se sem as coações de quemacredita em verdades reveladas ou na superioridade da consciência

de classe. Este avanço não resolveu definitivamente a independên­cia do conhecimento científico. Apareceram novos condicionamen­

tos "extern()s" - o mercado, os meios de comunicação _ e descobriu­

se que a própria estrutura universitária, suas disputas pelo poderacadêmico e a pressão de influências externas que nela se refrangemtambém influem nos temas e programas de investigação; nos usosc inscrições institucionais dos conhecimentos.

Quando um investigador trabalha num iabo~atório privadoou escreve freqüentemente-para revistas, rádio e t~levisão, e ao mes­

mo tempo continua suas atividades .p.auniversidade, qual é seu cam­po principal de experiência, como se articulam os controles mercan­

tis e políticos com os da vida acadêmica? É ingênuo pensar que oscondicionamentos do mercado, da política e dos meios de comuni­cação são,mera ideologia, enquanto a universidade daria um contexto

asséptico à busca da verdade. Tornou-se visível o quanto existe de

mercado e política na vida universitári~; há análises de congressos

científicos, revistas e outros sistemas de seleção e consagração inte~lectual, em número suficiente para apontar analogias entre os espaços"propriamente" acadêmicos e aqueles c~ja lógica primordial não éa produção de conhecimento. O que diferencia a universidade de

, outras instituições não é a inexistência de condicionamentos extra­científicos, mas a preocupàção de tornar explícitos estes condicio­

namentos, desconstruÍ-los e controlar a influência que em outrasinstituições e em outros discursos fica escondida.

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Page 4: Cap.3 Sobre Como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio/Nestor Clancini

estabelece sua lógica interna (1987 [1973], capo 1). Dez anos de­

pois, na introdução ao livro Conhecimento local, qualificava as pre­tensões de construir uma teoria social geral como vazias, "própriasde um megalômano" (1994 [1983], p. 12). Tal como outros antro­

pólogos, focava seus estudos em casos particulares - a rinha de galosem Bali, as histórias religiosas em Java e no Marrocos -, para, emseguida, tentar relações analógicas não com a finalidade de extrairregularidades abstratas de aplicação universal, mas compreensõesdos pontos de vista dos nativos que permitam conversar com eles,

"perceber uma alusão, captar uma brincadeira" e interpretar tudoisto para que seja entendido pelos outros (Geertz, 1994, p. 90).

É difícil estabelecer leis universais que fixem relações entre

causas e efeitos, prever o destino de forças subjetivas e objetivas,bem como codificar suas funções, quando os comportamentos so­

ciais são vistos como jogos nos quais a ordem inclui arbitrariedadesradicais: a etiqueta, a diplomacia, o crfme, as finanças, a publicida­de "concebem-se como 'jogos informativos' - estruturas labirínti-,

cas de jogadores, equipes, movimentos, posições, estados de infor-mação, jogadas e conseqüências, nas qu'ais só prosperam 'os bons

jogadores', os capazes de dissimular em todas as c.casiões" (ibid.,p. 37). Ou as condutas só se concebem como dramas ritualizados,em que as disputas por status, poder ou autoridade são geridas me­

diante encenações públicas. A instabilidade que experimentam ospensamentos, os sentimentos e as condutas interpretadas comojogos e como teatro não permite explicar os sujeitos sob determina­

ções de estruturas institucionalizadas, muito menos esperar que taisdeterminações sejam generalizadas a todas as sociedades.

Nem por isso Geertz deixou de se perguntar sobre a compa­tibilidade entre as culturas. Apesar de sustentar que aquilo que cadapovo considera religião, arte ou senso comum "varia radicalmente

de um lugar e de uma época para outra, de modo que não podemoster esperanças de encoritrar alguma constante definidora", tentou

encontrar denominadores comuns entre algumas culturas que não

violentassem nem ignorassem suas diferenças (ibid., p. 106). Assim,

por· exemplo, julgou que o senso comum tinha propriedadessemelhantes em sociedades distintas: naturalidade, praticidade,

transparência, autenticidade e acessibilidade (ibid., capo 4)..Também perguntou se a noção ocidental de arte seria legiti-

mamente aplicável, ao mesmo tempo, a diferentes culturas arcaicase a diferentes culturas modernas: não há um sentido universal da

beleza, afirma Geertz, e sim certas atividades "delineadas em toda

parte para demonstrar que as idéias são visíveis, audíveis e - se fornecessário cunhar uma palavra neste ponto - tangíveis, que podem

ser projetadas em formas nas quais os sentidos e, por meio dos sen­tidos, as emoções podem aplicar-se reflexivamente". O que estas ati­vidades tão dispersas têm em comum? Quando distintas sociedades. - ..as experImentam, permitem

(...) às pessoas, diante das artes exóticas, responder,

ou não, com algo mais do que um mero sentimenta­lismo etnocêntrico, na ausência de um conhecimen­

to do que aquelas artes são ou de uma compreensãoda cultura na qual se originam. (O uso ocidental

de motivos "primitivos", à parte seu indiscutívelvalor em si mesmo, só acentuou isto: estou conven­

cido de que muitas pessoas contemplam a esculturaafricana como uma derivação de Picasso e escutam

a música javanesa como se fosse composta por um

Debussy ruidoso.) (Ibid., p. 145-146)

Não vou discutir agora se são verificáveis as propriedadesatribuídas por Geertz a um senso comum intercultural transistórico.Antecipo que seria difícil avalizar a existência destas característicasno Ocidente moderno, se levarmos em conta a refutação da psicanálise

ede Antonio Gramsci à suposta transparência do sentido comum,

ou, em relação às sociedades arcaicas, se pensarmos que um modo

pelo qual os antropólogos designam o senso comum é como pen­samento selvagem e admitirmos o que Lévi-Strauss afirma sobre sua

111SOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE •••M A P. A S110

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113SOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE •••

da lingüística, da informática e da psicologia do conhecimento,crêem que se possa reconstituir uma concepção funcionalista da

mente a partir da qual se estabeleçam verdades universais. O preço

pago por ambas estas fugas das dificuldades relativistas - explicaGeertz - "é a desconstrução da alteridade" (I 996a, p. 122).

Chegamos assim à necessidade de dar conta de um mundo

no qual a diversidade não está só em terras longínquas, mas aquimesmo, "nas atitudes dos japoneses na hora de negociar", na migraçãode culinárias, roupas, móveis e 'decoração que chegam ao nosso

bairro, "quando é absolutamente provável que a pessoa com quemnos encontramos na loja de alimentos importados" provenha tan­to da Coréia quanto de Iowa; na loja dos correios, ela pode vir da

Argélia ou de Auvernes; no banco, de Mumbai ou de Liverpool.S . _ .. lhequer as paIsagens ruraIS, em que as seme anças costumam estarmais protegidas, "estão imunes: granjeirosmexicanos no Sudoes­

te, pescadores vietnamitas ao longo da costa do Golfo, médicosiranianos no Meio Oeste" (ibid., p. 90),

Geertz pr<?p<;>eentender e~tescruzamentos interculturais COI1I

uma no'va narrativa construída a partir da metáfora da colagcm. P~I

ra viver nesta época de mesclas, estamos obrigados a pensar II~Idiversidade sem edulcorar o que continuará alheio a nós "COIII

vácuas cantilenas acerca da humanidade comum, sem clt:s:triv:\-fo

com a indiferença do 'cada-qual-do-seu-jeito' nem subcsrilld-Iu,rotulando-o de encantador" (ibid., p. 91-92). Trata-se, eJII ~;lIllln,de não nos instalarmos nas auto certezas da nossa própria clIllllJ'n

nem nas convic<yões dos excluídos (indígenas, feministas, jClV(."'lli

etc.) que adotamos como nossa nova casa por generosidade 11I;li

tante. Não é isto o que se espera de uma disciplina como :t :1111 1'\\­

pologia, construída por meio de viagens laboriosas pelo mundo. Di'!.Geertz: "Se o que queríamos eram verdades domésticas, deveríalllo~:ter ficado em casa" (ibid., p. 124).

Com efeito, a trajetória da antropologia é a de um grupo deocidentais que decidiram estudar a partir do lugar do outro e·foram

MAPAS

sistematicidadé. Tampouco parece aplicável a toda a arte ocidental

moderna a tese de que as práticas consideradas artísticas são aquelasdelineadas para demonstrar que as idéias são visíveis, audíveis e tan­

gíveis: nem a arte abstrata nem outras vanguardas caberiam em tal

definição. Mas me detenho, para nossos fins, no fato de que Geertzbuscou nesta etapa configurar algum tipo de convergência entre cul­

turas, mantendo energicamente sua diversidade e compartimen­talização. A incisiva observação de que o que cada sociedade enten­

de por arte é o que lhe permite interessar-se pela arte dos outros,ainda que seja para compreendê-Ia tão mal como quando observamosesculturas africanas a partir do que sabemos de Picasso, acentua asdiferenças e a incomensurabilidade, reduz o comum a uma coin­cidência formal de experiências baseada em mal-entendidos.

Algo distinto 'acontece nos textos da última década, quandoGccrtz critica os antropólogos que concentram os estudos em "tota­

lidades soCiais absorvidas em si mesn;ias" (I996b, p. 84), nas "pró­prias classificações que nos separam dos outros", obcecados por "de­fender a integridade do grupo ou manter a lealdade a ele"; "A etno­

grafia é, ou deveria ser, uma disciplina capacitadora. Isto porquecapacita, quando o faz, a um contato frutífero com uma subjetivida­de variante". Os relatos e os cenários que o antropólogo comunica

não têm por finalidade oferecer "uma revisão autocomplacente e

aceitável" (ibid., p. 87), mas permitir "ver-nos, tanto a nós mesmosquanto a qualquer outro, lançados num mundo pleno de indeléveis

estranhezas, das quais não podemos livrar-nos (ibid., p. 88). Porisso, no seu texto de 1994, "Antianti-relativismo", dedica-se a des­

mantelar a sociobiologia e o neo-racionalismo, que, em vez de en­

frentar as novas complicações da diversidade, preferem refugiar-se.na busca de uma natureza humana descontextualizada. A sociobio­

logia, apoiada nos avanços da genética e da ·teoria da' evolução,pretende encontrar constantes naturais que estabeleceriam critérios

de normalidade aplicáveis às distintas culturas, de modo que converteo resto em "desvio". Os neo~evolucionistas, a partir de destobertas

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114 MAPAS

descobrindo o que significava não falar a partir da sua casa. Nos

últimos anos, alguns antropólogos observaram que muitos deleshaviam reinstalado sua moradia em certas fortalezas do Ocidente,

como as universidades, os museus ou os escritórios dos ministérios

de Relações Exteriores. Os textos, as cátedras ou os informes para

os serviços de segurança eram também suas residências entrinchei­radas. Não foi só a crítica aos textos e às instituições acadêmicas

e museológicas que desconstruiu estes recintos preservados. Se oquestionamento se amplia, é porque as migrações de bens e mensa­gens, do Terceiro Mundo para o Primeiro, do campo para a cidade,

das selvas indígenas para os centros de poder e conhecimento,encheram de alteridade e de incerteza as casas dos antropólogos edos demais cientistas.

Tampouco o museu pode ser nossa casa, porque não há co­leções consolidadas de objetos nem de saberes,' dizem os autores

pós-modernos'. James Clifford, que/também utiliza a metáfora dacolagem, sustenta que, numa época na qual os indivíduos e os gru­

pos não reproduzem tradições contínuas, mas "improvisam realiza­

ções locais a partir de passados (re)c,olecionados, recorrendo a meios,símbolos e linguagens estrangeiras" (Clifford, 1995, p. 30), "a iden­tidade é conjuntural, não essencial" (ibid., p. 26).

Segundo Renato Rosaldo, a tarefa de exibir a identidade ­mais do que como uma operação museográfica - deve ser feita comose se tratasse de um bazar, no qual o antropólogo não trabalha com

objetos novos ou autênticos, mas com objetos usados, e aceita que

os usos formam parte do seu valor. Por que escolher a metáfora dobazar em vez daquela do shoppinff. Entendo o caráter da pouca sole­

nidade, do caráter cotidiano e familiar do bazar. Mas me pergunto

se não deveríamos reunir as duas imagens, em oposição ao museu,para evitar a tendência dos antropólogos de preferir as formas po­bres, à beira do desuso, o que é de segunda mão ou do Terceiro

Mundo, com o risco de ficarmos sem nada para dizer a quem par­ticipa da moderna integração multicultural dos mercados.

SOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE •••

Cabe uma última referência a outro antropólogo que trabalhaesta reestruturação da disciplina numa linha convergente com a deClifford Geertz. Penso em Marc Augé quando sugere estender o

trabalho antropológico aos não-lugares da globalização: os shoppings,

os aeroportos, as auto-estradas. Nestes circuitos - mais do que lu­gares -, aprendemos a conhecer os bens, as mensagens e as pessoasque transitam sem pátrias a contê-Ios. A viagem é, agora, mais uma

condição de vida das culturas do que a tarefa que distinguc oantropólogo.

Tanto Geertz quanto estes outros antropólogos dedaram-s<.:insatisfeitos com a localização exclusivamente comunitária do trabalho

antropológico e com a redução das relações entre culturas aos termosclássicos da interetnicidade, à justaposição ou ao encontro ocasional

entre socie~des distintas. O atual pensamento antropológico temse ocupado de formas transnacionais de interculturalidade: a aspira­ção de Guillermo Bonfil, que citamos, de converter o transnacional

em objeto etnográfico vem sendo realizada, entre outros, por Arjun

Appadurai, UlfHannerz, Gustavo Lins Ribeiro e Renato Ortiz. Masainda estamos nos umbrais de uma reformulação epistemológica dadisciplina, de modo que não podemos estabelecer critérios universaisde validação do conhecimento baseados numa racionalidade

interculturalmente compartilhada. Este desafio tampouco é respon­dido por outras disciplinas de acordo som as condições presentesda globalização. Para todos contÍ{lUaa ser uma questão não resolvida

trabalhar com as compatibilidades e incompatibilidades emergentesnos processos de integração regional e transnacional.

Pierre Bourdieu: o sociólogo na televisão

Em meio à desintegração paradigmática e às escassas aspira­ções totalizadoras que caracterizam as atuais ciências sociais, restam

poucos autores, no sentido dado por Geertz a esta expressão,

(...) fundadores de discursividade, estudiosos·que,ao mesmo tempo, .assinaram suas obras com certa

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Page 7: Cap.3 Sobre Como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio/Nestor Clancini

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MAPAS

determinação e construíram teatros da linguagemnos quais toda uma série de outros, de maneiramais ou menos convincente, atuou, ainda atua esem dúvida continuará a atuar durante algum tempo.(Geertz, 1989, p. 30-31)

Ele atribui esta estatura de autores a Claude Lévi-Strauss,

Edward Evans-Pritchard, Bronislaw Malinowski e Ruth Benedict.

A vastíssima obra de Bourdieu faz com que mereça, tanto quanto

Lévi-Strauss, a denominação de furidador, e, no meu modo de ver,

mais do que os outros antropólogos estudados por Geertz. Bourdieu

renovou a problemática teórica e o conhecimento empírico da an­tropologia, sociologia da educação, cultura, ciência política e filo­

sofia. Pôs à prova ,seu sistema teórico em estudos sobre o campesi­nato, as classes sociais. urbanas, o sistema escolar e universitário, o

descmprego, o direito, a ciência, a literatura e a arte, o pa,rentesco,a linguagem, a habitação, os intelec;tuais e o Estado.f

Durante muito tempo, parec~u-me estranho 'que uma obradedicada, de forma quase exaustiva, 'a esmiuçar a modernidade mal

se ocupasse destes atores centrais que são as indllstrias culturais ouos meios de comunicação de massa~. Sua atenção a campos simbó­licos muito diversos concentrou-se na cultura de elite - salvo o

artigo "Sociologia da mitologia e mitologia da sociologia", de 1963,no qual, junto com Jean-Claude Passeron, criticou os estudos "mi­

diológicos" da época, a investigação s?bre a fotografia, feita comoutros sociólogos em 1965, e um extenso artigo de 1973, "O mer­cado dos bens simbólicos", no qual "o campo da grande produção",

.ou seja, as indústrias culturais, é caracterizado em grandes linhascomo oposto ao da "produção restrita" (Bourdieu retoma este te~toe o atualiza num capítulo de As regras da arte, de 1992).

Nos seus estudos sobre a moda, sobre o esporte, no enciclo­pédico exame das práticas estéticas da sociedade francesa realizadoem A distinção - no qual em apenas seis páginas faz referências de

passagem sobre a televisão -, em nenhum deles se ocup~y/da orga-

SOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE ••• 117

nização industrial ~a cultura de massas. Como vimos antes, isto fezcom que as afirmações contidas nos seus trabalhos sobre a popu­larização da arte e sobre os gostos populares fossem refutadas porvários críticos como juízos aristocratizantes (Grignon-Passeron) e

Bourdieu só conseguisse articular defesas teoricistas. Talvez o mais

sério é que a ausência das indústrias culturais e dos processos decomunicação de massas distorçam o papel que desempenham outrosatores sociais - a escola e a família - dentro de uma teoria da re­

produção social que ignora o lugar das formas pós'-escolares e pós­familiares de socialização. Como é que se pode reduzir - numa con­ferência dada em 1989!- "a reprodução da estrutura da distribuição

do capital cultural" ao que sucede unicamente na "relação entre as

estratégias das famílias e a lógica específica da instituição escola.'"(Bourdieu, 1997)? E em alguns pouquíssimos parágrafos de texlO$

e entrevistas, até mesmo mais recentes, só se ocupou do papel d.•televisão como auxiliar do ensino escolarizado (ibid., p. 137 e I()7).

Por isso, a aparição do artigo "A influência do jornalisll1l." .de Bourdieu, em 1994 (publicado em Bourdieu, 1996), e suas COII­

ferências Sobre a televisão, transmitidas por este meio em março de

1996, geraram grande expectativa. Bourdieu escolheu como cixoorganizador da sua análise a noção de "campo jornalístico". ApliCouliteralmente a noção de campo, usada ao longo da sua obra para

analisar a religião, a literatura, a política e outros âmbitos: repetiuque "um campo é um espaço social estruturado, um campo de for­ças - no qual há dominantes e dominados, relações constantes,

permanentes, de desigualdade que se exercem no interior deste. .

espaço - que é também um campo de lutas para transformar Oll

conservar este campo de forças" (ibid., p. 46). Resolve cada um dos

problemas formulados em relação à televisão, fazendo funcionar suateoria dos campos: "Se quero saber, hoje, o que vai dizer ou escrever

tal jornalista, o que julgará evidente ou impensável, natural ouindigno dele, é necessário que eu saiba a posição que ele ocupa neste

espaço,ou seja, o poder específico que seu órgão de imprensa detém

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e que se mede, entre outros índices, pelo seu peso econômico, se­

gundo sua participação no mercado, mas também pelo seu pesosimbólico, mais difícil de quantificar" (ibid., p. 46-47).

Esclarece que, no início da televisão, "nos anos 1950", os par­ticipantes deste meio sofriam múltiplas dependências: dos pode­res políticos, do prestígio de outras áreas da cultura, das forçaseconômicas e das subvenções estatais. Mas, com o passar dos anos,"a relação se inverteu completamente e a televisão tende a se tornar

dominante, econômica e simbolicamente, no campo jornalístico"

(ibid., p. 47). Na França de meados do século XX, o jornalismoescrito estabelecia as regras do jogo, e, dentro da imprensa, o Le

Monde. Na oposição entre os diários que fornecem news, comoFrance Soir, e os que oferecem views, como Le Monde, este se achava

bem colocado porque sua ampla tiragem lhe permitia oferecer in-'formação comentada e, ao mesmo tempo, contar com suficiente

publicidade para ser independente.l)Ta atualidade, a televisão - queoptou pelo modelo da informação rápida e superficial - impõe aoconjunto do campo jornalístico a tendência a 'apelar mais aos sen­timentos do que "às estruturas mentais do púb.lico" e converte aampliação da audiência no modo de legitimação generalizado (ibid.,

p. 52). Em seguida, os jornais e as revistas - para compet'ir com

a rdevisão - adotam o estilo talk show, o exibicionismo de experiên­cias domésticas, como se a luta pelo rating só pudesse ser ganhaapelando ao voyeurismo dos espectadores e dos leitores. O cresci­

mento do poder simbólico da televisão obriga o resto do campo jor­nalístico a buscar "o sensacional, o espetacular, o extraordinário",

antes relegado aos diários esportivos e policiais (ibid., p. 58). Ago­ra, prevalecem os aspectos superficiais da vida política ou o queprovoca curiosidade (catástrofes naturais, acidentes, incêndios), o

que "não requer nenhuma competência específica prévia". A lógi­ca comercial impõe seu peso à televisão, a televisão à imprensa, in­cluindo os jornalistas mais "puros", e isto arrasta até mesmo os cam­

pos culturais que eram mais autônomos, como a literatura, a filo­sofia e a ciência. Assim aparecem os fast thinkers da televisão, his-

118 MAPASSOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE •••

toriadores convertidos em jornalistas, "autores de dicionários ou

de balanços do pensamento contemporâneo diante do gravador"(ibid., p. 68).

Os intelectuais que, em outros tempos, notoriamente na

França, desempenhavam em relação' à comunicação pública umafunção clínica, ou seja, usavam o conhecimento das leis do meio

de comunicação para combatê-Ias, agora se resignam à taref.1.cíni­ca de "servir-se do conhecimento destas leis para tornar sllas estra­

tégias mais eficientes", vale dizer, mais lucrativas (ibid., p. 68).

Nesta descrição, que concorda com tendências observadas poroutros especialistas nos meios de comunicação, percebe-se tambémo tom indignado, às vezes desesperado, do intelectual que encon­trou sua fortaleza na autonomia do ·seu campo - e dedicou sua vidaa teorizá-Io para melhor defendê-Io - e agora descobre que até osâmbitos mais preservados, como a ciência e a arte, estão subordi­nados às forças heterônomas do mercado. Até o Centre National

de Ia Recherche Scientifique (CNRS), órgão responsável por garan­tir a independência do saber na França, leva cada vez mais em con­

ta a consagração dada pelos meios de comunicação a estes "escritores

para não-escritores", "filósofos para não-filósofos" (ibid., p. 69).Então, Bourdieu descobre que ocupar-se da televisão é uma tarefanecessária do cientista social.

O que pode fazer com a televisão um cientista disposto a

manter a autonomia do seu ofício? Bourdieu adverte, no prefácioescrito para a publicação das suas conferências televisivas:

Para pôr em primeiro plano o essencial, ou se.:.ja, o discurso, à diferença (ou ao contrário) do quese pratica habitualmente na televisão, escolhi, deacordo com o diretor, evitar toda busca formal de

enquadramento e enfoque, bem como renunciar àsilustrações - trechos de programas, fac-sÍmiles dedocumentos, estatísticas etc. -, que, além de tomarum tempo precioso, sem dúvida turvariam a linha

1 19

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Quase todos os exemplos, tomados das práticas informativas da te­levisão e da imprensa, intelectualizam a problemática comunica­

cional. Nunca estuda, como parte do campo, as funções lúdicas oude diversão dos meios de comunicação. Cita Raymond Williams.uma vez mas não acolhe seu exame mais sofisticado e matizado da

cultura e da comunicação, que inclui "as estruturas de sentimento"(Williams, 1980, p. 150-158). Portanto, tampouco investiga os

problemas específicos da linguagem televisiva, os tipos de interaçãoque estabelece com diversos receptores e a possibilidade de elaborarcriticamente estes vínculos.

A sociedade só aparece em Sobre a televisáocomo um conjllll

to homogêneo de espectadores, contradizendo a crítica à noção dtO(11,i

nião pública realizada por Bourdieu num texto famoso, "A 0l'illi!'lo

pública não existe" (Bourdieu, 1990, p; 239-250). Não n;conhct:(·os vários tipos de audiência ou as diferentes estratégias seguida..: p<:los meios de comunicação em relação aos diferentes deslinadrios.

Tampouco trata do papel do ombudsman, das associações de lclcs­pectadores, ou das complexas participações, mais ou menos simula­

das e controladas, nos programas que aceitam a intervenção do Pl1­

blico. Nem do papel diferente dos distintos noticiários, dos progra­mas que parodiam outros programas de televisão ou estimulam odebate. Só analisa a desigual distribuição da palavra, a manipulaçãoda urgência, do relógio, para interromper e controlar (ibid., p. 35).

Para problematizar o lugar no qual o cientista social pode

situar-se ao falar daquilo que sua prática questiona, é útil deter-nosno que ocorreu quando Bourdieu participou, em 23 de janeiro de1996, de Arrêt sur images, um programa de televisão dedicado adebater o modo pelo qual este meio informa sobre a vida social.Bourdieu aceitou - depois de várias negativas - participar de um

programa em torno da pergunta: "A televisão pode falar dos movi­mentos sociais?" Como se analisariam as grandes greves ocorridasna França em dezembro de 1995 e Bourdieu expressaÚ sua adesão

a este movimento, ele pediu que sua posição não fosse mencionada

de uma exposição.que pretendia ser argumentativae demonstrativa. (Ibid., p. 6-7)

Além de negar-se a usar os recursos audiovisuais deste meio

de comunicação, dedica a metade da sua primeira conferência adesvalorizar as obras que são escritas "para assegurar convites à te­levisão" (ibid., p. 11) e os procedimentos midiátiéos que considera

antinômicos em relação ao trabalho intelectual: a dramatização, aespetacularização - que leva ao interesse pelo extraordinário -, "a

busca da exclusividade" e a tendência a descrever-prescr~vendo oquê e como se deve pensar (ibid., p. 18-20). Em vez disso, o soció­

logo busca "tornar extraordinário o ordinário", suspender o sensocomum, porque "as produções mais altas da humanidade, as ma­temáticas, a poesia, a literatura, a filosofia, todas estas coisas foram

produzidas contra o equivalente da medição de audiência, contraa lógica do comércio" (ibid., p. 29).

Há algumas páginas esplên~idas nesta argumentação; porexemplo, quando fala sobre o nexo:negativo que existe na televisão

"entre a urgência e o pensamento", Pergunta "se se pode pensar

em meio à veloddade" sem ser repetidor de idéias recebidas, que,por sua vez, foram antes recebidas por outros, porque nesta pres­sa do "fast-food cultural" não é possível formular o problema da re­

cepção. Mas, salvo umas poucas observações incisivas, predomina,na sua análise e nas condições estilísticas que escolhe para intervirna televisão, uma recusa de usar, problematizar e, portanto, enten­

der a dinâmica própria do meio e as oportunidades de pensar me­diante imagens eletrônicas. Num tempo que lançou tantas pontes

entre textos e imagens, que refletiu sobre os vínculos entre imag~nspara divertir e para conhecer (da antropologia visual até ]ean-Luc

Godard e Wim Wenders), traçar um rígido cordão de isolamento

entre discursos gnosiológicos e discursos comunicacionais ou espeta­culares é desconhecer a história ou consagrar o epistemocentrismo.

É sintomática a redução feita por Bourdieu, nas suas confe­

rências, do campo midiático outelevisivo ao ."campo jornalístico".

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Page 10: Cap.3 Sobre Como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio/Nestor Clancini

para não se pensar que a análise sociol6gica sobre o papel da televi­são estava condicionada pelas suas opiniões políticas. Quando come­çou o programa, antes de Bourdieu expressar sua análise, a apre­sentadora assinalou sua posição favorável ao movimento de protes­to. Bourdieu escreveu, depois do programa, um artigo em que se

queixou deste procedimento e do fato de ter sido interrompido vá­rias vezes; disse que escolhera certas imagens da greve e depoisacrescentaram outras; afirmou que era enganoso identificar Alain

Peyrefitte como "escritor" e não como "senador" de um partido dedireita, Guy Sorman como "economista" e não como "conselhei­

ro" do primeiro-ministro. Concluiu que "não se pode criticar a tele­visão na televisão" (Bourdieu, 1997, p. 35-36).

Num artigo de resposta, o coordenador do programa, DanielSchneiderman, observou que o mal-estar de BOl~rdieuresidia no fatode não lhe ter sido permitido controlar totalmente o desenvolvimen­

to do programa. Em relação à mansira de identificar os participantes,perguntou-lhe por que deviam ser apresentados ,segundo suas posições

ideol~gicas e políticas enquanto ele não queria que se dissesse quehavia estado a favor dos grevistas. E mais: recordou-lhe que, quando

perguntado antes do programa o que deviam escrever sob seu nome,ele respondera: "Nada" (Schneiderman, 1997, p. 38-39).

A partir de que lugar fala o cientista social?A partir de um não­

lugar? Bourdieu sustentou que esta era a maneira de conquistar amaior objetividade possível; Schneiderman citou Daniel Bougnonx,

professor de comunicação, que numa transmissão posterior do mes­mo programa interpretou não haver melhor maneira de "dizer queem Bourdieu está Deus" (ibid., p. 39).

Um exegeta de Bourdieu, Lo"icJ. D. Wacquant, anota que,

na crítica à escola feita em A reprodução e no estudo do sistema uni­versitário francês exposto em Homo' Academicus, o autor defendeuma "filosofia antiintelectualista da prática" (Bourdieu e Wacquant,

1995,1'.13). Acrescento que em nenhum lugar isto fica mais claro

do que no livro O sentido prdtico,no qual mostra que.a/16gica com

122 MAPAS SOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE •••

que pensamos e atuamos no social, ou seja, o habitus, está arraigadano corpo, em disposições inconscientes.

Segundo Wacquant, desconstruir a posição do analista socialrequer adquirir consciência das coordenadas sociais (de classe, sexo

e etnia) do investigador, da posição que este ocupa no espaço acadê­mico e, em terceiro lugar, da "parcialidade intelectualista" que f.'11.

o cientista imaginar que pode ver o mundo como um espetáculo.Parece-me que este seria o ponto de partida para - reconhecendoos distintos lugares a partir dos quais o investigador fala - poderdesconstruí-Ios, mesmo sabendo ser inútil ocultar suas posições por­que, por mais que tente falar a partir de um não-lugar, nunca con­

seguirá fazer do mundo um espetáculo asséptico.

Há um lugar para estudar a interculturalidade?

1. Grande parte dos dilemas teóricos e metodológicos dasciências sociais estão condensados nos itinerários destes autores. A

trajet6ria de Clifford Geertz é a de um antropólogo dedicado a

estudos de caso, ,que recusa as generalizações e a macroteoria, mastermina perguntando-se sobre as maneiras pelas quais construímosos objetos de estudo com os outros de sociedades distintas, na maisampla interculturalidade. O itinerário de Pierre Bourdieu é o de al­

guém que começou trabalhando na Argélia como antrop610go, empoucos anos repetiu e expandiu seus estudos na França, construindouma macroteoria sociológica que aplicou sob forma dedutiva a obje­tos muito diversos, sem reconhecer suficientemente a especificidadede cada arte, da literatura, da política e das indústrias culturais.Ao primeiro continua a importar, até na sua última etapa, o caráter

dramático das interações sociais e, portanto, seu sentido indeciso,ambíguo, e as variações posicionais necessárias para captar os jogos

não previstos na codificação social; Bourdieu atacou a dramatizaçãodas notícias na televisão e tratou de proscrever o dramático darefle­

xividade científica. A observação crítica da subjetividade do observa­dor, praticada por Geertz, pelos etnometod610gos e pelos antrop610-

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Page 11: Cap.3 Sobre Como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio/Nestor Clancini

gos pós-modernos, segundo 'O autor de Respostas, "abre a porta auma forma de relativismo niilista" (Bourdieu e Wacquant, 1995,

p. 46). Esta afirmação é muito restrita em relação aos autores mais

relativistas ou "anarquistas" da antropologia pós-moderna e franca­mente inapropriada diante dos esforços de cànstrução de certa obje­tividade, a partir da sistematização do inter-subjetivo, que achamosnas obras de Geertz e .Rosaldo.

Na verdade, não se trata só de uma questão epistemológicamas também estética. Ao reconstruir a análise social, Rosaldo vê

coincidências com o Bourdieu antropólogo a ponto de concluir ocapítulo de Cultura e verdade, dedicado à indeterminação do tempoíndio e às improvisações dos ilongotes, apropriando-se extensamen­te da descrição bourdieana do ritmo e da política de reciprocidadeentre os camponeses da Argélia. Atraiu-o o modo pelo qual o autor

francês descreve, na dialética de ofensa e vingança: a criação de espa­ços para retardar a revanche, as estr4tégias que comandam o ritmo

da açãp, apressam e surpreendem o~ contêm e postergam, para in­tensificar a ameaça. Mas Rosaldo difere de Bourdieu em algo que

pareceria uma sutileza excessiva na ~erspectiva de um epistemólogo .Diz que o paradigma bourdieano d~ "repto e resposta sugere a esté­tica das artes marciais. Os ilongotes e eu preferimos enfatizar a gra­ça social, o ritmo e os passos que moldam a dança da vida. Meu

projeto foi descrever a estética discrepante que dá forma ao ritmoda vida cotidiana, em que o tempo do relógio não é a realidade úl­

tima" (Rosaldo, 1989, p. 121). Por que dar tanta importância aoritmo? Porque nos seus movimentos - explica Rosaldo - se manifestam"a reflexão e a negociação em curso, a qualidade das relações sociais

entre os participantes" (ibid.).

Dir-se-ia que, na sua crítica aos tempos televisivos, na suainsensibilidade aos ritmos do debate e às indefinidas oportunida­des de negociação e disputa, o Bourdieu sociólogo esqueceu sua ex­

periência antropológica na Argélia. T ampouco levou em conta o queele mesmo escreveu no' seu posfácio ao livro de Paul Rabinow, Re-

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~125 ~@t=tI••••••SOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE •••

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flexões sobre um trabalho de campo no Marrocos, que este autor. reali-zou sob a orientação de Clifford Geertz: ainda que interprete mala obra de Geertz como "um positivismo renovado" por causa da

descrição densa, que faria do cientista um sujeito neutro, "impecável

servidor dos dnones lógicos da explicação", Bourdieu elogia o traba­lho de Rabinow devido ao seu questionamento da "autoridade"etnográfica, derivada dos rituais metodológicos da academia. Sus­tenta que os fatos são fabricados no campo, no "trabalho conjuntode interpretação do etnógrafo e seus informantes (Rabinow, 1992,

p. 152), o que parece coincidir com a afirmação de Rabinow de

que "os fatos antropológicos são transculturais" (ibid., p. 142). Noentanto, quanto à televisão, Bourdiéu, preocupado em impor SUll

autoridade epistemológica "objetiva", desqualifica a gestão do senti­

do na disputa televisiva, as negociações que devem ocorrer (I'.Hu,do

um sociólogo fala para a dmera. Compartilho a crítica de Bourdicnlà televisão por subordinar-se ao mercado, mas esta crítica não CI)f1t1C="

gue perceber aquilo que, na linguagem e no ritmo da comllnicaç!lcIaudiovisual, aponta para um modo de interação social, lima cons­trução do conhecimento distinta da atadêmica.

2. Dois movimentos contemporâneos coloc20m-nos diante datentação de imaginar que poderíamos não pertencer a lugar nenhum.

Uma destas correntes é o processo globalizador, ou seja, a dcsterrito­rialização de empresas, capitais, bens, comunicações emigrantes,entre cujos resultados 'se acham os não-lugares ,celebrados por Marc

Augé(aeroportos, shoppings, auto-estradas). Outra é a tentativa de

superar os subjetivismos e alcançar uma perspectiva objetiva, basea­da numa pro,dução científica universalizada, que aboliria as diferen­ças culturais como estruturas-suportes de diversas modalidades de:conhecimento.

No entanto, os lugares continuam a existir por continuar aexistir alteridade no mundo. Foi transitoriamente útil a noção de

não-lugar para tornar os antropólogos mais atentos ao que nos co­

munica, integra e relativiza nossas diferenças num mundo em que

MAPAS124

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Page 12: Cap.3 Sobre Como Clifford Geertz e Pierre Bourdieu chegaram ao exílio/Nestor Clancini

cada vez há mais auto-estradas materiais e simbólicas. Mas, até mes­

mo nos aeroportos mais alheios ao país que os aloja, até mesmo nascolagens dos shoppings e nos bazares, é possível- e necessário - iden­tificar de onde procedem as coisas e as pessoas. O que Geertz dizquando rechaça as obsessões da sociobiologia e do neo-racionalis­mo, no sentido de encontrar uma "natureza humana", é aplicável àimposição de uma racional idade teórica absolutamente universa­

lizante: o preço que se deve pagar por este tipo de verdade "é a des­construção da alteridade" (Geertz, 1996a, p. 122).

3. Escolher Clifford Geertz e Pierre Bourdieu teve o propósi­to de averiguar como dois fundadores das ciências sociais situam­

se diante daquilo que desafia seu modo de entendê-Ias. Tê-Ios esco­lhido traz o pressuposto de que, entre os desafios que antropólogose sociólogos temos hoje, é preciso dar conta das formas globaliza­das de interculturalidade, que exigem ir além do estudo de çontatosocasionais entre' culturas e sociedades,; assim como entender as in­

dústrias culturais e outros processos que transcendem as sociedadesnacionais. Com este fim, seria valioso examinar como Bourdieu rea­

giu aos efeitos teóricos e políticos que teve a tradução das suas obras

em sociedades não européias, o que está documentado num livro

que inclui diálogos com leitores estadunidenses e japoneses dos seustextos (Bourdieu, 1997).

Também conviria aprofundar algo que por ora insinuo: como

se exila, migra e se relocaliza instavelm~nte o trabalho intelectual

quando não pertencemos só a uma sociédade nacional e quando asuniversidades nacionais e públicas devem definir sua tarefa em rela-

. ção aos novos espaços transnacionais e privatizados. Nestes espaçossurgem desafios à produção e ao uso do saber, às vezes se produzemconhecim.entos e também oportunidades inéditas - tal como ocorre

com as empresas, com os meios de comunicação - para refazer nossotrabalho intelectual a partir de lugares distintos da universidade,

que não penso (nem em sentido teórico nem político) possam serconsiderados como não-lugares.

127SOBRE COMO CLIFFORD GEERTZ E PIERRE •••

4: Ao mesmo tempo que alguns lugares de ação e de conheci­

mento esmaecem, os dispositivos mercantis tendem a subordinartodos à sua lógica. O mercado não é um lugar, como talvez se pudes­se dizer do Estado ou da universidade, mas uma lógica organizadora

das interações sociais. Então, a confrontação que tantas vezes se fazentre Estado e mercado não deve ser vista como confrontação entre

duas entidades. Mais do que um lugar social, o mercado é este modo

de organizar a circulação de bens, mensagens e serviços como mer­cadorias, que tende na atualidade a reduzir as interações sociais aoseu valor econômico de troca.

Qual é o sentido, então, de falar de mercados simbólicos? Ouso metafórico desta expressão econômica deve-se fazer acompanharde uma reflexão e auto-reflexão acerca daquilo que, na produção li­

terária, artística, midiática e política transcende a circulação mercan­til: produção de conhecimento e informação, buscas estéticas, defe­sa de direitos humanos e outras razões pelas quais os seres humanos

e as culturas interagem.

Vou continuar a analisar, nos capítulos seguintes, as condiçõesdesta reflexão e auto-reflexão. 'Por ora aponto que cabe duvidar, com

Bourdieu, de que a televisão possa criticaJ;-sea si mesma na televisão.Também convém ser suspicaz com as tentativas do relativismo an­

tropológico para ajudar as culturas a superar seu etnocentrismo au­

tojustificatório. E não é possível confiar que o campo científico sejacapaz de cumprir desinteressadamente este trabalho crítico sobresi mesmo, depois das dificuldades exibidas, entre outros, pelos estu­dos de Bourdieu sobre o campo acadêmico, bem como pelos de

Geertz e dos antropólogos pós-modernos sobre os obstácúlos à refle­xividade na escrita e nas instituições antropológicas.

Chegamos assim não a uma conclusão, mas a uma hipótesepara o trabalho futuro. Talvez duas tarefas para sair do ensimesma­mento das disciplinas e das instituições, da sua reorganização acríticasob O mercado, e para reencontrar o interesse público sejam as se­

guintes: a) permitir que os objetos de estudo e ação de cada campo

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sejam confrontados, vale dizer, desafiados pelos outros com os quaistenham relação (por exemplo, as artes de elite e as culturas folclóricas

pelos meios de comunicação, estes últimos pelas interações sociais

não midiáticas); b) deixar que, dentro da globalização, emerjam as.perguntas da interculturalidade, das fronteiras que não caem ou só

mudam de lugar, das diferenças e desigualdades não diluíveis naglobalização.

Confirmamos que os objetos de estudo das ciências sociaisnão podem ser identidades separadas, culturas desconectadas de

modo relativista ou campos absolutamente autônomos. As eviden­tes interações entre eles não serão entendidas se as concebermos

como simples justaposição. Num tempo de globalização, o objetode estudo mais revelado r, mais questionador das pseudocertezasetnocêntricas ou disciplinares é a interculturalidade. O cientista so­

cial, mediante a investigação empírica de relações interculturais e

a crítica auto-reflexiva das fortalezas disciplinares, pode tentar agorapensar a partir do exílio. Estudar a cultura requer, então, converter­se em especialista das interseções.

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A GLOBALlZAÇÃO DA ANTROPOLOGIADEPOIS DO PÓS-MODERNISMO

4.

Trabalho de campo ou retórica textual

Temos falado dos antropólogos como profissionais espe­cializados na interculturalidade. As oscilações ambivalentes en­

contradas entre o que é próprio e o que é alheio geram dúvidaspouco confortáveis sobre nosso poder de ubiqüidade e tradutibi­lidade. Divididos entre a lealdade à sociedade estudada e as exi,.

gências do conhecimento nas instituições em que ensinamos, en­tre o saber dos nativos e o pensamento científico, não é fácil cons­

truir discursos que lancem pontes entre ambos. A virada lingüís­

tica das ciências sociais, na parte final do século XX, colocou pre­cisamente no nível discursivo estes velhos dilemas da práticaetnográfica.

Neste capítulo e no seguinte, examinarei alguns prbblemasdecorrentes desta ênfase nos discursos. Aqui, buscarei mostrar oslimites dos debates epistemológicos e políticos pós-modernosque situaram na construção dos textos etnográficos os conflitosda interculturalidade. No próximo, proporei um trabalho seme­lhante com .os estudos culturais.

A análise crítica da discursividade etnográfica pôs sob sus­

peita os modos de validação empírica da antropologia, sQbretu­do eSte recurso - o trabalho de campo - durante décadas consi­derado chave da originalidade e do valor científico ~dessa disci-

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