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J1JI!I!III.. . . ~ 30 PANORAMA DA ANTROPOLOGIA nhecível como humana. As armas e os instrumentos eram m. Complexos, e os caçadores matavam animais maiores. Nos. acam- pamentos dêsses homens primitivos, devem ter-se desenvolvido ràpi- damente os hábitos e atitudes, a herança cultural do grupo humano, tal como o conhecemos. Durante 500 mil anos, a caça e a coleta de alimentos constituíram a forma universal de organização eco- nômica. Embora as comunidades agrícolas estáveis apresentem vida social humana altamente complexa, apenas 10 000 anos atrás todos os homens viviam da caça e da coleta de alimentos, e é den- tro dêsse contexto que sf! deve encarar tôda a história humana sub- seqüente. . Atualmente, a história da evolução do homem, através do longo período pré-histórico, é ainda um grande quebra-cabeça, do qual só possuímos algumas peças desencontradas. A medida que novos indícios se acumulam - fornecidos pela pá do arqueologista, pelo estudo das tribos caçadoras contemporâneas, pela história natural de macacos e símios - vai-se tornando cada dia mais possível des- cobrir como 'o homem passou, de um ancestral comum a todos os primatas, para o atuàl padrão de vida, próprio Unicamente do homem. ''j {E~ ,~ {axl ~t: (/9U) . I ?OJ~ ~ 4n1ro~J1Cz, I ;aO ailanU.ev, .5ãD?a..Jo e t-:sMa, ~ {!/{e.~. " . I ,c .. !"" CUFFORDGEERTZnasceu em São Francisco, em 1926. Gra- duou-se como doutor em Filosofia' em Harvard, em 1956. 2, atualmente, professor-a.ssistente de Antropologia, na Universi- dade de Chicago, e pesquisador associado do Comit§ para o Estudo Comparativo das Novas Nações. Foi, anteriormente, professor-assistente do Departamento de Antropologia da Uni- versidade da Califórnia. Em 1958, tornou-se membro do Cen- tro de Estudos Superiores das Ci§ncias do Comportamento. Foi docente da Universidade de Harvard. e tem trabalhado também como pesquisador associado do Centro de Estudos Internacionais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. 2 membro do corpo de consultores editoriais do Joumal af Asian Studies e autor de inúmeros artigos e livros s6bre antropo- logia do sudeste da Asia, religião comparada e desenvolvi- mento econ6mico das novas áreas polftico-sociais. ::: ~ r , ! ., il ti A QUESTÃODO ~ARENTBSCO. do homem com 9s..~u~Q!!. ani- mais tem sido uma constante nâs. 'CiênCias '1íüõ:iãiiâs. . Desde Darwin, ._-~ ,~ ,. ,". . .-' . poucas vêzes se têm levantado dÚVlaas quanto à existência de tal parentesco, porém, quanto a sua natureza e, principalmente, quanto ao seu grau de proximidade, o debate tem sido muito maior, e nem sempre esc1arecedor. Alguns estudiosos, especialmente os de Ciências Biológicas - Zoologia, Paleontologia, Anatomia e Fisiologia - têm procurado enfatizar o parentesco entre O homem e os cha- m~lIios animais inferiores; vêem a evolução como um processo bio- . lógico mais QU menos ininterrupto, e tendem a encarar o homem, tal como o dinossauro, o rato-branco, o delfim, apenas como uma das mais interessantes formas que a vida assumiu. O que impres-

II. Geertz, Clifford - A Transição para a Humanidade

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PANORAMA DA ANTROPOLOGIA

nhecível como humana. As armas e os instrumentos eram m.Complexos, e os caçadores matavam animais maiores. Nos. acam-pamentos dêsses homens primitivos, devem ter-se desenvolvido ràpi-damente os hábitos e atitudes, a herança cultural do grupo humano,tal como o conhecemos. Durante 500 mil anos, a caça e a coletade alimentos constituíram a forma universal de organização eco-nômica. Embora as comunidades agrícolas estáveis apresentem vidasocial humana altamente complexa, há apenas 10 000 anos atrástodos os homens viviam da caça e da coleta de alimentos, e é den-tro dêsse contexto que sf! deve encarar tôda a história humana sub-seqüente. .

Atualmente, a história da evolução do homem, através do longoperíodo pré-histórico, é ainda um grande quebra-cabeça, do qualsó possuímos algumas peças desencontradas. A medida que novosindícios se acumulam - fornecidos pela pá do arqueologista, peloestudo das tribos caçadoras contemporâneas, pela história natural demacacos e símios - vai-se tornando cada dia mais possível des-cobrir como 'o homem passou, de um ancestral comum a todos osprimatas, para o atuàl padrão de vida, próprio Unicamentedo homem.

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CUFFORDGEERTZnasceu em São Francisco, em 1926. Gra-duou-se como doutor em Filosofia' em Harvard, em 1956. 2,atualmente, professor-a.ssistente de Antropologia, na Universi-dade de Chicago, e pesquisador associado do Comit§ para oEstudo Comparativo das Novas Nações. Foi, anteriormente,professor-assistente do Departamento de Antropologia da Uni-versidade da Califórnia. Em 1958, tornou-se membro do Cen-tro de Estudos Superiores das Ci§ncias do Comportamento.Foi docente da Universidade de Harvard. e tem trabalhadotambém como pesquisador associado do Centro de EstudosInternacionais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. 2membro do corpo de consultores editoriais do Joumal af AsianStudies e autor de inúmeros artigos e livros s6bre antropo-logia do sudeste da Asia, religião comparada e desenvolvi-mento econ6mico das novas áreas polftico-sociais.

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A QUESTÃODO ~ARENTBSCO.do homem com 9s..~u~Q!!. ani-mais tem sido uma constante nâs. 'CiênCias'1íüõ:iãiiâs.. Desde Darwin,

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poucas vêzes se têm levantado dÚVlaas quanto à existência de talparentesco, porém, quanto a sua natureza e, principalmente, quantoao seu grau de proximidade, o debate tem sido muito maior, enem sempre esc1arecedor. Alguns estudiosos, especialmente os deCiências Biológicas - Zoologia, Paleontologia, Anatomia e Fisiologia- têm procurado enfatizar o parentesco entre O homem e os cha-m~lIiosanimais inferiores; vêem a evolução como um processo bio-

. lógico mais QU menos ininterrupto, e tendem a encarar o homem,tal como o dinossauro, o rato-branco, o delfim, apenas como umadas mais interessantes formas que a vida assumiu. O que impres-

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o.: 33PANORAMA DA ANTROPOLOGIA I: A TRANSIQAOPARA HUMANIDADB

i ~ "íti ". A expressão não é ~inba:' siona tUs cientistasé a cootinuidade,a uuidade iotdnseca ao mundo;! se poderia chamar .!t0l;!o:r ::;ão da Antropologia amencana,

orgfulico,a universalidadeabsoluta dos princlpios que o regem. i i 101utitizada por ~ ~ç.; à teoria que postula s'7 o des~-Os estudiososde CiêncIa. Socia;g,entrctanto - OS psicólogo., '.' recentemente lalect ~, e; :; aadulrir culturaum acontecuneotosu-sociólogos,estudiososde CiênciaPolítica-, emboranão neguem ('

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ento da capacl~t e ~tita~vo na filogenia dos Prima

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tas. S_~' a natureza anbnal do homem, tendem a encará-Io como .endo único, ~'bito, um completo~~9uda "homlnldização".Istoé,.da hum~-' difere!,te,não ap~as - dizem m,iientemente - ~ "~u", ma. I., .~~~.?!'Iomeotoda .~ n;:""maprimata, .~e logar. u",a. alter~çao

tambemem "espécoe"..o m e o anunal que laboca 1OStnuncn- :i El'a~..dU1!D.-!,"IlO ab ra bém pe<jÚenaem t!nn~I~~Ioun-'30U~a, que adota slmbolos. S ment~em n; s mente ; '~.'mIl'Odogoosa, em Q. '. . ,. -. .. .~_ho!"em """'-<ttie mOrrerá; sómemeêJe uão mantém relsçãe. i \geoéucosll'!"yàveJ'!';nte. resumivelmente,ua estrutura corU-"..ais c,,:", sua mãe ou sua inoã; sómeute êle tem essas visões . Tal mudança, qoe " .de~ pcujo. asceudente. eram Incap~,de uma VIdaem outros muudos, criando o que Santayana cham, -.. cal, fêz com que um an.m , de "exprimlr..e, apreuder, eu~ar,

";;nili~'~ ~-'::.~ "Mlos de lama meutUs", chiumodospor CyriI "goudo as palavr~ d~ Kroeberrti,da infinita cadela de seus~çoe;;eonnoUy arte.'.ApeniíSõ"l,omem possui (pros"gue a a~en- e de fazer general_oco a pa a az de tudo ;.so. A-p~ des~

!ação) uão SÓ'lnteligência,como também coosciência;não só ne- objetivosIsolados", se. ~mas"ul~ Pa. e teudo começado,.p"""gU'uce"idades, como também valôres; não só temores, mas também "USO animal, começou a eJUS", a ~ . os';"ira iutprámeute;"depeudentemoral; não .ó um passa1!n,mas também nma história. Sômenteo "U curso, deseuvo~veudo-;:;e;: homem./Todo o proce,!,o pel~homem, em .uma, tem cultura. .da' po.terior evolnçao~rgd C; h mem moderno de produzo:e uo-. Reconciliar ê doi. pontos de vista.não tem sido láci~ espe- 'qual fui criada a ~apaCld~:d: .:: tênoos de uma ",u~ança q~an-

Clahnenteem se tratando da Antropolog>a;que, pelo menos no. Iizar a cul",,:, 1m ""!''7' d ma diferença qualitativa rad.cal.Estados Unidos, nunca" rituou ciaramentenom ou noutro campo. titativa m~ual, ongoum o ~ãO o processode congelementodaPur um lado, os antropologistastêm ridn os que mais estudam a Kroeber utilizou, como com!araer ;'duzida de grau em grau, s.,,?evoluçãoflricado homem,traçando''" etapasatravésd", quai. se água, cuja ~pera~ po ~Sque silblta';cute, o liquido se sohd.-deu a evolução humana, de um ancestral primata comum até o qualquer perda de fiar ~ ; Outro antropologista com~arou ohomem moderno. Por outro lado, us antropologiatastambém têm fica a zero graus centigra os~vião que vai rodando pela pISta,ga-rido OSestudiosospa.-exceUenceda cultura, mesmo não tendo, êles proces.o à decolagemded~ ue.Perco"" o solo, até o instante,depróprio., idéia muito clara da significaçãodêsse tênoo. Ao coa- nbando velocodadeà m~ . a. q Um antropolugiataffsico, contr"'!otrário de aigun. cientistas sociais, uão poderiam os aotropologistas transição, em 9"e 'à'" a ",:-o:ferinamentecomo sendo uma teonaignorar a vida cultural humana, consideraudo-aas.unto "pertcucente à noção,. refenu-se . me: do homem p';' uma "nomeaçã? para oao campo da Arte", e, de modo geral, situando-a além dos limites que exphca o aparec'j,en m tivesse sido promovido,.~ilb.tamente,d~ ciêucia. A~ co~tráriode al!:.?uscientistas sociais,.uão poderiam cargo", "como" oe a1~brigada'" Surgir.aa condoçanh~mana,dispensara hlStóna da evoluçaodo homem,coa..deraud de de co~one1para geur e a chamade um fósforoque é nscado.pouca importânciapara a compreensãu da atual condição humana. repentíuamente,como su~g levaram a essa opinião geral, e.queO resultadoé que o problemada origemda cultura, apesar de muit" Há três grandes !'zoes q?';,. a arentemeutetremendo almmovezes ter rido iguorado como desprovido de importância, na ridicula- . a apóiaD).Empnmcu?I;gar,- .ti"d:homem e a de seus parOUte'rizado como Insoiúvel,contInuamentese apresentaante nós, exI- 'existente en!re~capaClrlae mcu.iID'ô. O homem é capaz de falar,gindo a maior ateução,à medida que recoustituimos,pouco a ponco'Viv.Os mais ,P.'Óx.mos,os ~d:~ :"iro;'entos ete. Nenhum sni,?a!,a hi.tória da evoluçãoflrica do homo "'piem. Constitui caracterio- . de adotar sunholos,de Ia nc e sequer reaIixaralgo que d.ssotica peculiar da ciência variada, que é a Antropologiaamericana,o 'dos que existematuahn"àte, c~...go.. dos pri;'at'" empreendeu,mes-lato de que o t<iunCode um de seu. ramos venha, justamente, expor "aproxime, Um ~I .e os .~soem seu lar, como se lôsse umos fracasso.dos outros,e . assimmesmoqUe" coustróia Ciência. . r mo, a heró"a ,:"peneu~ de cn.%t.amum chimpanzéa quemde-

~ Nos últimos cinqüenta anos, mais ou menos, a solução mais, moãozinho adoovo 'li. Idadqnea mesm~ educação e cuidado que s~aceita para o problema da origem da cultura tem sido a teoria que ram, com a maIOrd ICU a e,

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PANORAMA DA ANTROPOLOGIA ~ A TRANBIÇAO pARA HUMANIDADE

dá a uma .criança. Entretanto, embora b' , . . .' .boa quantidade de coi,as nada o c Imp:mzetenba aprendido a Psicologta Comparada, a Semântica e a Etnologta reumam-oezar um revólverde água tirar co~um ad

um chimpanzé(como utili- para apoiar a teoria do "ponto crítico"da origem da cultura,

Parafuso ' a ampa e latas com uh

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" ' e - momento de g'ória' . ma c ave de ' ;' Um dos ramos da Antropologia, porem, uao ve.o ar apo'o ano Por m

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' - puxar um bnnqued ' " ,,"'

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se CIO e um cordão também ima 'nário) o Imagma- essa teoria - a I'.aIe<mtologtaHumana, ~s~oe,~.a..ev,!!,!ç'!.o.quer, ~ ap!endera falar, e, iocapazde f;;ar I ,n~ começou, .~umaoapor meioda d"",-o~er!'!~ ,da anábsede r.,los fóssel'.Desdepor sua !rIDahumana, meoos ágil porém' ' ogo fm ultrapassado. qú.'o original médico Eogene J)u!IotS encontroU a 'ialota cerebrala desenvolver-separa chegar ou: dia ,;lIa" loquaz, 9ue continuou' do pi'hecan'h,opus ereelUS,o "homem-macaco ereto', no leito decomplexas teorias sôbre a singularida

'de

ed

e sedP~e~umIr,a elaborar um rio }"avanês em 1891 a Antropologia Física Histórica vem

Ea con lçao hum

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m segundo lugar a r ana. acumulando constantemente, dados que tornam ca a vez:{'latS IIC.

p:u=m ser, no cam~ pur::::'Ó .a abstração,..a~i~boli~ç.ão traçar uma' linha divisória nitida entre homem e nã~-ti.omem, sediante dos quais é necessári d

'I' gIC9, ass~t.os b~m definidos I

tomamos por base 'a Anatomia.' Apesar de algumas tlmldas tenta-

ou fal - o Izerc aramentesim - .. "'''' ' ' ' R b' b 1" t h,ti

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. a ou nao fala' ou fabri . 9!!-!!!!Q;alguéni I tivas para estabelecerum ' u .con cere ra - um aman o cn C<JImag

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na emomos ou não os ima ina N' o o, a nca; ou I. de cérebro, que, uma vez atlngt o, prooUZlssea capaCl a e e cou-conceber a existência de uma

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ao podemos nem mesmoI

' dutahumanaPerfeitamente desenvolvida, tal como Atenas brotou

, limela-re aião" ,,' '

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mCI~- nguagem, pois que o pro ~. ' uma me.a-arte, uma da testa da Zeus . - as d.scobertas dos estudIOSOSde Pa eonto ogta~OSlçãode um sistema da signi';ssO:Sse~ClaI 9ue as origina, a im- I têm, pouco a pouco, fóssil por fóssil, traçado claramente a ascendên.hdade, não é do tipo que

' Icaçoes simbólicas arbitrário à rea- r, cia humana até o P'onto' em que afirmações categóricas sôbre o

" ossa ser ' ' " "

pr<wesso haVl~ na passage':: da sim l;eaI.~~o peJa metade. - O " .que é ou não humano tomam-se puram"'" arb.tránas. podem?,respostas"condlc~onadas ',«:?9.com orta~e s atividade ref,le:1t:a.para as ,

\ ; afi~ar 'l?e o, ~orpo human? formou-se aOSpoucos, quer essa ~r-

a detCrtJlJn!!!!QmunI, e dai para ~. 'ens nto co~plexo. em~",posta , maçao seja válida em relaçao à mente ou alma humana, quer nao.rado como uma série de saltos e nã~ aIDentostmbóhc(),}oi enca- \

Em relação a êsse assunto, os mais sensacionais fósseis desco-

ascendente, 'Entre a percepção da recloam,,?um processo contínuo e bertos têm sido os diversos tipos de "homens-macacos" australopte-

nuvens escu hçao natural exist '

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" ras e c uva e o estabelecl"mento d ..ene entre I cos que vêm sendo achados na África onental e do sul, es e que

na entre nuv e uma relaça b"' ..' ,

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. ~~ escuras e desespêro não h o ar .tra- i Raymond DarI desenterrou Q primeiro, em 1924, no Transvaal. ons-qu..squer estagtos intermediários. ouv. - pensava"'e - i tituindo, certamente, a maior descoberta da história da pa!eontologia

.- .Havia ainda, em terceiro lu d . 1 Humana, ê<sesfósseis, que devem datar de 750000 a I 750000 anUS- umdadapslq.ulcado homem".~' 0ro:;'cadoproblema~chamada! a.trás, colocam.diante. d~.Uó, imP~ssionante mosaico de .caracteIb-a tese - hOJepràticamenteace't perna estava.relaclonadocom ~ Ucasmorfológu:asprmntivase m... avanç~das,das qu... as m..sse preze - que declara não h~v~'p0raqualqu~r antrupolugista que 1 interessante' são a formnção da polve e da perna, nltldam.nte seme-

I do process.omental das várias ra as r.;des dtfe.reuçasna natureza lhantes às do homem moderoo, e a ~pa~id~d~. crani.ana, \"'UCO,/ '

i' Se se adm.te que "cultura sur . ç.. anas aJO'tentesatualmente. superior à dos macacos atu..s. A tendeneta IDIÇlaIfOI conmderar

. m~tu de um periodo anteri;'u Ja ;o~pleta, e~ determinado mo- ,. que essa estranha conjunção, num só animal, de um sistema de loco-entllO a referida tese toma-se r a~ ;~.c.o da diferenciação racial i moção bipedal "tlpo homem", e de um cérebro "tlpo macaco", indi-nha-se a impressão de que lav.;.er a eira por SImplesdedução. Ti: i cava que os australoptecOSrepresentavam uma linha de evoluçãodIferençasna capacidadede ad

a~ ,o prolblema de que poderia haver i aberrante e fadada à extinção, independente tanto da linha humana

de ho " d ' qUlnr cu tura d d'f

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. . m~ eos, ISto é, dos vários ti os d " . as ,~erentes espécies como da dos grandes sIm'os. É melhor ser um macaco mUlto aper-e,}á extintos - era levantar ta p e homem então existentesdiferentes raças humanas d I problema, também, em relação às

tên~ia de tais diferençasme~t;~nas; e ,c?mo as provas da não-exis-saplens eram, e são, esmagadora os v~n?s grupamentos do homos, a hlpotese parecia falsa, Assim,

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. o autor alude à lenda da mitologia grega, segundo a qual Zeus, rei dosdeuses, acometido de violenta dor de cabeça, ordenou ao deus Vulcano que lhevibrasse um golpe de malho na testa. Vulcano obedeceu, e do crânio de Zeussaltou, armada de escudo e lança, sua filha Palas-Atenas, deusa da guerra e dasabedoria. (N.T.)

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36 PANORAMA DA ANTROPOLOGIA

feiçoado, do que meio-homem, disse certa vez Ernest Hooton. Aopinião atual, porém, é de que tais criaturas representaJ!1 as maisantigas formas conhecidas do processo de evolução que produziu,por fim, o homem moderno, ~ p-ar.!ir--~I::,uJ!1a..ra.ç!l,ÇoIDum,~k,sfl1J!o.s.Nesses bizarros semi-homens, encontram-se as raízes de nossa própriae completa humanidade.

Meu interêsse em tratar, aqui, dêsses "homens-macacos" é mo-tivado pelo quesuil existência implica para a t~9ria qq "ponto crí-ttco" da origem da cultura. ':E:s$es prato-homens, mais ou menoseretos, dotados de pequenos cérebros, não necessitando de utilizar asmãos para a locomoção, manufaturavam instrumentos e provàvel-roente caçavam pêquenos animais, ou, pelo menos" alguns dentreêles o faziam. Parece, entretanto, altamente improvável que taiscriaturas pudessem ter tido um desenvolvimento cultural comparável,digamos, ao dos aborígines australianos, ou que possuíssem uma lin-guagem, na moderna acepção da 'palavra, tendo, como tinham, umcérebro que media, apenas, cêrca de 1/3 do tamanho do nosso. Oaustralopteco parece ser, portapto, uma espécie de "homem" que,evidentemente, ,era capaz de adquirir alguns elementos de cultura- fabricação de instrumentos simples, caça esporádica, e talvez umsistema de comunicação mais avançado do que o dos macacos con-temporâneos, emborá ma~s atrasado do que o da fala humana,-,porém incapaz de adquirir qutros, o que lança certa dúvida sôbre ateoria do "ponto crítico'\ O que se supunha improvável, ou mesmologicamenteimpossível,tinha sido empiricamenteverdadeiro: ta!.como

i o próprio homem, a capacidade de aquisição de cultura surgiu gra-dual e continuamente, pouco a' pouco, durante ,longo período detempo., .

A situação, entretanto, tbrna-se ainda mais difícil, pois se osaustraloptecos possuíam forma elementar de cultura (denominada,por um antropologista, "protoêultura"), com um cérebro que media1/3 do tamanho do nos~o, segue-se, logicamente, que a maior partedo crescimento cortical hUIUanofoi posterior, e não anterior ao "iní-cio" da cultura. O hom~m era considerado, pela teoria do "ponto-crítico", como quase completo, neurologicamente,pelo menos, antesque a cultura tivesse começadq a se desenvolver, isso porque a capa-cidade biológica necessária à aquisição de cultura era tida comoalgo que não admitia meio-têrmo; uma vez adquirida, era-o porcompleto; tudo mais era II1era adição de novos hábitos, ou desen-volvimento dos antigos. A eyolução orgânica ia até certo ponto, eentão, uma vez cruzando o Rubicon cerebral, tinha lugar a evolu-ção cultural, processo autônomo, nem dependente nem produtor de

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A TRANSIÇAO PARA HUMANIDADE37

posteriores alterações n.0,sistema nervoso. O fato de ser errônea essateoria, ao que pare~eL(pois o desenvolvimento cultural já se vinhaprocessando bem antes de cessar o aesenvolvimento orgânico )~é deimportância fundamental para nosso ponto. de vista sôbre 'a naturezado homem, ,gue~..ton1:~. assim, não apenas o prod':1tor da cultura,fIl3.-stambém, num -sentido especificamente' biológico, o pródüto dacultura. ' ,,' , .

Na verdade, oppo. de pressões seleti,vas,que ocorreratn duranteas fases terminais da evolução do ànim~l humano foi parcialmentedeterminado pelas fases iniciais do desenvolvimento da cultura hu-mana, e não simplesmente pelos fatôres do meio ambiente. A de-pendência dos instrumentos manufaturados, por exemplo, exige odesenvolvimentoda destreza manual e da pontaria. Num grupo deaustraloptecos, um indivíduo mais bem dotado dessas característicasteria uma vantagem seletivaem relação a outro que não fôsse tão bemdotado. Caçar pequenos'animais com armas primitivas requer, entreoutras coisas, grande paciência e persistência. O indivíduo maisdotado dessas sóbrias virtudes levari.a uma vantagem em relação aoutro mais irrequieto e inconstante, menos dotado delas. Tôdas essasaptidõe~,habilidades, disposições, ou como quer que as chamemos,dependem, por sua vez, do desenvolvimento dI:?sistema nervosO.Dessa maneira, a introdução da manufatura de ins\rumentos e dacâça 'deve-ter' alterado o curso das pressões seletivas, de modo afavorecer o rápido,de,senvolvimentodo lobo frontal do cérebro, como~'fizeram, muito provàvelmente, os progressos na organi,zaç~osocial,nâ' comunicação,nas ):lorrriasde moral que - há razões que noslevam a crê':'lo- tambéfll ocorreram durante êsse período demu-danças culturais e biológicas inter-t:.elacionadas. ,

Grande parte do tr!lbalho, nesse setor, é claro, é ainda especula-tiva, e o que estamos co~eçando a fazer é muitp mais levantar ques-tões do que, propriamente, responder a elas. O estudo sistemáticoda conduta dos primatas, em seu habitat natural, por exemplo, quetanta influência tem exercido em nossas interpretações sôbre a vidados homens primitivos, mal data de uma década, com poucas ex-ceções. A documentação relativa aos' fósseis cresce em proporçãotão extraordinária, os métodos para a determinação da idade tor-nam-se dia a dia t&o minuciosos, que só um imprudente tentariaformar opiniões definitivas ~ respeito de determinadas questões.Pondo de parte, porém, os detalhes, as provas e as hipóteses especí-ficas, o fato essencial é que a constituição genérica e inata do homemmoderno, (o que antigamente, quandQ as coisas eram mais simples,

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! 38PANORAMA DA ANTROPOLOGIA

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se chamava "natureza humana"t parece-nos, agora, ser tanto u~produto cultural quanto biol6gico~

'. "E, provàveImente, mais correto - escreve o antropologistafísico Sherwood Washbum - encararmos nossa estrutura (física)como sendo, em grande medida, o resultado da cultura, em vez"deimaginarmos homens,' anatômicamente semelhantes a nós, descobrin-do, passo a passo, a cultura." O refrão "o homem se faz por sipr6prio" adquire, agora, significação mais literal do que o supostooriginalmente.

~ A idade glacial, que produziu modificações rápidas e radicaisno clima, nas forma~ões terrestres e na vegetação,.11ámuito vemsendo considerada como ulp p~ríodo e,Wque houve condições ideaispara um mais rápido e eficiente desenvolvimento evoJutivo do ho-meJ]]. Parece-nos, agora, que' êsse período também foi o em queo meio cultural passou a suplementar, cada vez mais, o meio am-biente natural no processo seletivo, intensificando, de maneira semprecedentes, e fazendo avançar aceleradamente o processo de evolu-ção do ser humano. Não parece tratar-se, unicamente, de' umaépoca em que se deu o desaparecimento das saliências frontais e adiminuição' da mandíbula, mas sim de uma época em que foramforjadas, quase_.~ôdas as, características mais tipicamente humanas:iodu--õ sistema nervoso,encefálico do homem, sua estrutura socialbaseada na proibição do incesto e sua capacidade de criar e utili-zar símbolos. O fato de terem essas características distintivas da-human'idadesurgido ao mesmo tempo, e em complexa interaçâo, enão umas após outras, como durante tanto tempo se supôs, é de

.sxcepcional importância para a interpretação da mente humanaÍpois!parece indicar que o sistema nervoso do homem não só o )ôrfia~j apto a adquirir cultura, Co~também exige, para funcionar, que/o homem adquira essa cultur~. A cultura, portanto, não agiria ape-lias suplementando, desenvo do e ampliando capacidades depen-dentes do organismo, geneticamente anteriores a ela, mas seria umacomponente dessas próprias capacidades. Um ser humano despro-vido de cultura não seria um macaco intrinsecamente talentoso, em-bora sem ter êsse talento desenvolvido,mas sim um ser inteiramentedesprovido de mente, e, conseqüentemente,uma monstruosidade ina-proveitáveI. Tal como o repôlho, com o qual tanto se parece, océrebro do homo .rapiens,tendo-se desenvolvidona estrutura cultural,humana, não seria viável fora dela.

~ Muitas são as implicações desta revisão da teoria da transiçãopara a humanidade, das quais mencionaremos apenas algumas, nesteartigo. Por um lado, tal revisão obrigou à reinvestigação e refor-

A TRANSIQAO PARA HUMANIDADE 39

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mulação das considerações teóricas sôbre as quais se apoiava, ante-, riormente, a teoria do pOQtocríti~o. ficou evidente, agora, que o

argumento da Psic910gia Prima~a Çomparada, por exemplo, esta.:belece não a singularidade do homem moderno, mas sim o caráterdistinto da linhagem hominídea, que tem de cinco a vinte e cinco'milhões de anos, e da qual o homem moderno é, apenas, o resul- jtado final e: casualmente, o' único 'representan,te vivo, mas que:inclui inúmeras espécies de animais diferentes, hoje extintos, e todos \muito mais "próximos" do ho~em do que qualquer dos macacos)atualmente existentes. O fato de que' chimpanzés não falam é in..-teressante, e também importante; mas concluir, daí, que a fala éum fenômeno que não admite meio-têrm9 seria o mesmo que suporque a girafa, já que é o único quadrupede dotado de tão grandepescoço, deve tê-Io adquirido por uma espécie de esticamento. Osgrandes símios podem ser os parentes mais próximos do homem,mas "próximo" é, também, para fazermos um trocadilho, um têrmorelativo.* Em se considerando uma escala de tempo que corres-ponda à realidade, os sÍmios não estão, de forma alguma, assim tãopróximos de nós, uma vez que o último antepassado comum viveuhá, pelo menos, cinqüenta mil séculos passados, no período denomi-nado pelos geólogos Plioceno, e talvez, mesmo, ainda há maistempo atrás. '

, Quanto ao argumento lógico, também sôpre êle pesam dúvidas,presentemente. O crescente interêsse, que ràpidamente se vem desen-

, volvendó, em relação à .comunicação, cdnsiderada como processo geral,e que se. vem manifestando há uma ou duas décadas, em diversasdisciplinas, desde a Engenharia até a Etnologia, veio, por um lado,reduzir a}a.l~_.~,_I!P~J}~~,_u~ Jl1ecapjsma.,==",embora,reconhecida-mente, de alta flexibilidade e eficiência - ,entre os muitos existeQtespara a transmissão' do p.t:nsamento, e, por Qutro lado, forneceu",nosuma base 'teórica; ~de--ácõrdp' com a qual é, possível conceber--umasérie de etapas progressivas, que' nos teriam conduzido, .fi,~,I!!w..~nte,à fala humana. '

Não nos ocuparemos, aqui, com' essa pesquisa, mas, apenaspara dar um exemplo, diremos que um lingüista comparou oito dife-rentes sistemas de comunicação, desde a dança das abelhas, a ma-neira pela qual os peixes fazem a côrte, o canto dos pássaros, atéos gritos dos gibões, à música instrumental e à linguagem humana.Em vez de fazer girar tôda sua análise em tôrno da distinção

* A palavra relative significa, em inglês, tanto "parente" como "relativo".dai o trocadilho.

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simplista, e já agora um tanto "batida" demais, sinal símbolo, dis-tingue êle treze características principais da linguagem, e procura,de acôrdo com elas, analisar as diferenças existentes entre a comu-nicação humana e a subumana, de maneira ~ais precisa, e traçara {>rováveltrajetória seguida, desde que se iniciou o desenvolvimento I

gradual da fala, a partir da protofala, durante a era glacial. Essetipo de pesquisa, também, está, ainda, apenas no início, mas, parece,estamos chegando ao fim da época em que a única coisa aproveitávelque se podia dizer, quanto às origens da linguagem, era que, assimcomo todos os sêres humanos a possuem, todos os não-humanos,por sua vez, são desprovidos dela.

Finalmente, a postulação da existência de diferenças na capa-cidade de adquirir cultura, entre os diversos tipos de proto-homens,não vem contradizer o fato comprovado de que não há diferençassignificativasna capacidade mental inata das várias raças humanasatuais, mas, pelo contrário, vem apoiar e fortalecer as afirmaçõesnesse sentido. f As diferenças físicas das raças humanas constituem,está claro, qualquer coisa de muito recente, tendo tido início, pro-vàvelmente, há apenas 50 000 anos, mais ou menos, ou seja, segun-do as mais conservadoras estimativas, menos de 1/100 do períodode duração de tôda a linhagemhominídea, isto é: a linha de formaçãodo homem.I Assim sendo, não só um processo comum de evoluçãoocupou imenso períado da história da humanidade, como tambémêsse período parece ter sido, precisamente, aquêle durante o qualforam forjadas as características fundamentais da natureza humana.

As raças modernas são, justamente, isso: modernas. Represen-tam adaptações, muito recentes e secundárias, da côr da pele, daestruturafacial etc - sem dúvida adaptaçõesàs diferençasclimá-ticas, principalmente - que se processaram quando o homo sapiensse dispersou pelo mundo, por volta do fim do período glacial. Taisadaptações são, portanto, tôdas elas, subseqüentes ao processo bási-co formativo do desenvolvimentoneural e anatômico, ocorrido desdeo início da linhagem hominídea, até o aparecimento', de cinqüentaa cento e cinqüenta milênios atrás, do homo sapiens.

Mentalmente, o homem foi formado na idade glacial, e a fôrçarealmente decisiva, que plasmou e produziu a singularidade da natu-reza humana - a interação das fases iniciais do desenvolvimentocultural com as fases culminantes da transformação biológica -é parte do passado comum de tôdas as raças modernas. Dessamaneira, a teoria de que a capacidade de conseguir cultura nãobrotou, já totalmente desenvolvida, em determinado momento, masque foi sendo forjada por longo período, na idade da pedra, à

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rmedida que o homem criava seus ~nstrumentos,longe de enfraquecer

. a doutrina da unidade física, torna-a ainda mais explícita e' espe-cífica, conferindo-lhe base histórica real, que anteriormente lhefaltava.

Mais importante, porém, que a revisão ou reinterpretação dasantigas teses, necessária à teoria que considera a relação entre' aevoluçãoda anatomia do homem e a origem da cu1tur~humana comorelação mais sincrônica do que sucessiva, são as implicações dessateoria para uma nova maneira de. encarar a própria cultura.

. Se o homem cresceu, por assim dizer, no contexto de um am-biente cultural em desenvolvimentQ,então êsse ambiente dev~ serencarado não apenas comó mera extensão,~xtra-somática, uma espé-~ie de ampliação artificial d~ capacidades inatas já existentes, massim como um fator indispensável da existência dessas própriascapacidades.

O fato, agora evideI).te,de que os estágios finais da evoluç~obiológica do homem ocorreram após os estágios iniciais do desen-volvimento da cultura implica, como já fizemos notar, que naturezahumana "básica", "pura" ou "incondicionada", no sentido de cons-tituição inata do homem, é noção tão funcionalmente incompleta,que chega a ser inutilizável.

Instrumentos, caça, orgánização familiar e, posteriormente,arte, religião é certa forma primitiva de "Ciência", moldaram o ho-mem somàticamente, sendo, portanto necessáriosnão só à sua sobre-vivência, ~as também à sua' realização existencial., :B verdade que,sem o homem, não haveria formas de cultura; m'as também é ver- .dade que sem formas de cultura não haveria o homem.

Tôda a estrutura de crença, expressão e valor, em que vivemos,fornece-nos os mecanismospara uma conduta ordenada, mecanismosêsses geneticamente estabe'ecidos no corpo dos animais inferiores,porém não no nosso. A singularidade da natureza humana tem~i4o,muitas vêzes',expressa em têrmos de quantas e quão diferentescoisas o homem é "capaz de aprender, e, embora a existência dechimpanzésque aprendem a brincar com brinquedos imagináriosnospossa criar alguma incerteza, essa formulação ainda é bastante válida,Entretanto, talvez 19~ importância teórica fundamental' ainda maior~ o quanto. o home:tI1tem que aprender. Sem os padrões orienta-oores da cultura humana, a vida intelectual do homem seria, apenas,um zunido, uma confusão ruidosa, como a denominava WilliamJames; a cognição, no homem, depende, de tal maneira, da existên-cia de modelos simbólicos externos da realidade, que não pode ser

. comparada à de nenhum macaco. Emocionalmente, dá-se o mesmo.

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Sem a orientação das idéias comumente aceitas, encontradas nosritos, no mito e na arte, não saberíamos, literalmente, como sentir.Tal como o. próprio cérebro anterior expandido, as idéias e emo-ções são, no homem,artefatosculturais. .

Essas afirmações prenunciam, na nossa opinião, uma revisãofundamental na própria teoria da,cultura. Estamos caminhando para,nas próximas décadas, encararmos os padrões culturais considerando,cada vez menos, a maneira pela qual êles se impõem à naturezahumana, atualizando-a para melhor ou para pior; considerando-os,cada vez menos, como uma acumulação de engenhosos estratage~spara expandir capacidades "inatas pré-existentes, e, cada vez mats,como parte dessas próprias capacidades; considerando-ós, cada vezmenos, como uma massa superorgânica de hábitos, e, cada vez mais,segundo a brilhante expressão do falecido Clyde Kluckhohn, comoprojetos para a vida. O homem é o único animal vivo que neces-sita de tais projetos, pois é também o único animal vivo a p.ossuir.tal história evolutiva, que seu ser físico foi, em grande parte, mol-dado pela existência dêsses projetos, sendo, portanto, irrevogàvel-mente por êles qualificado. À medida que se fôr reconhecendotôda a importância dêsse fato, irá desaparecendo o antagonismoentre a teoria que considera o homem apenas como um animal ta-lentoso e a que o considera um animal inexplicàvelmente único,juntamente com as concepções errôneas que deram origem a talantagonismo.

NOTA BIBLIOGRAFICA

A exposição de Kroeber da teoria do "ponto crítico" será en-contrada em sua obra Anthropology (Nova lorque: Harcourt Brace,1948, págs. 71-72). Uma formulação um tanto diferente e maisousada da mesma teoria, enfatizando a descontinuidade entre o usodo símbolo e as outras formas de pensamento, pode ser encontradaem White, L., The Science of Culture (Nova lorque: Grove Press,1949). Para breve discussão dos australoptecos e sua significação,vide Leakey, L.S.B. "The Origin of the Genus Homo", em Tax, S.(ed), The Evolution of Man (Chicago: University of Chicago Press,1960, págs. 17-22), e Washburn, S.L., e F. Clark Howell, "HumanEvolution and Culture", no 'mesmo volume, págs. 33-56; alguns co-mentários a respeito das realizações culturais dos australoptecospodem ser encontrados em Hallowell, A.I., "Self, Society and Cultu-re in Phylogenetic Perspective", ibid, págs: 309-372. O artigo deHaIloweIl, "Behavioral Evolution and the Emergence of the Self",'

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publicado por Meggers, B. em Evolution and Anthropology: a Cen-tennial Appraisal (Washington, D.C., Atithropological Society ofWashington, 1959), é também útil em relação ao assunto. Bomresumo, feito em têrmos simples, da teoria que admite a relaçãoentre o uso de instrumentos e a mudança neurológica, pode ser en-contrado em' Washington, S.L., "Tools and' Human Evolution",Scientific American, setembro de 1960, págs. 62-75, sendo que, aliás,tôda essa edição especial, ''The Human Species", é importante. Fi-nalmente, devo esclarecer que os argumentos aqui apresentados fo-ram por mim desenvolvidos mais extensamente e de forma maistécnica em "The Growth of Culture and the Evolution of Mind",Scher, J. (ed), Towarda Dejinitionof Mind (Nova lorque: FreePress, a ser publicado), e que, para o presente capítulo, adapteidiversas passagens dessa obra. .

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