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Capa da publicação original publicada em dezembro de 1998. · um zine de colagens com conteúdo ... Um simples exame da história da pena capital demonstra o esforço que o homem

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Saudações libertárias!

Já faz algum tempo que tenho vontade de publicar um zine de colagens com conteúdo retirado de outras publicações que ando lendo e dentro de um mesmo contexto político. Selecionei a temática “Poder e sociedade”, sem grandes aprofundamentos nas áreas específicas, visando que o resultado fosse um material de base para o leitor fazer as suas considerações e pesquisas que julgue necessárias.

A pena de morte deveria ser um assunto mais esclarecido do que de fato é. A maioria das pessoas não faz idéia do que representa a pena capital, pois não entendem o papel que o Estado representa na sociedade, muito menos o que gera a criminalidade. Quase que amortecidas, elas ainda saem repetindo como um papagaio tudo que a mídia “informa” através dos meios de comunicação de massa. A grande questão está em compreender porque a mídia desempenha esse papel de grande vilã e quais os interesses que estão em questão.

Para entendermos mais a fundo tudo isso, publiquei na íntegra o livreto lançado pela Anistia Internacional em 1998 (5ª edição) chamado “A Questão da Pena de Morte”, cujo o texto desmistifica as principais questões acerca do problema da pena capital.

Faleremos um pouco sobre Mumia Abu-Jamal no corredor da morte desde 1981, e atualmente sendo julgado para receber a prisão perpétua ou a pena capital nos próximos 180 dias.

Já o texto do Jaime Cubero complementa a discussão com apontamentos sobre uma possível sociedade sem Estado e com valores libertários impregnados no seio social.

Complementando com a matéria sobre as drogas, que esclarece as caracteristicas dos entorpecentes e expõe quem são os principais interessados em lucrar na “guerra” contra as drogas, que mentem e omitem para a sociedade.

Compëndix Projetc. Politizine é uma experiência de publicação digital e está totalmente aberta às críticas e sugestões.

Boa leitura!

O Editor.

http://anarcopunk.org/compendix [email protected]

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Capa da publicação original publicada em dezembro de 1998.

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Foram utilizados nesta brochura trechos do livro CUANDO ES EL ESTADO EL QUE MATA..., publicado em abril de 1989 pela Amnesty International Publications, e textos de autoria dos advogados gaúchos Carlos Alceu Machado e Marco Túlio de Rose.

SEÇÃO BRASILEIRA DA ANISTIA INTERNACIONAL

SECÇÃO PORTUGUESA DA ANISTIA INTERNACIONAL

Escritórios

SÃO PAULORua Vicente Leporace nº 833Campo BeloCEP 04619-032Telefone (011) 542-9819Fax(011)5561-5995

PORTO ALEGRERua Jacinto Gomes nº 573SantanaCEP 90010-321Telefax (051) 217-3220

Escritório

Rua Fialho de Almeida, 13-1. 1070-Lisboa Telefone (1)386 1652

5ª edição, revista, atualizada e ampliada Impressa no Brasil, em dezembro de 1998

(C) Todos os direitos reservados. Autorizada a transcrição parcial, desde que citada a fonte.

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Uma introdução

Matar ou não matar: Eis a questão

Na discussão a respeito da conveniência ou não da instituição da pena de morte para punir delinquentes que cometam delitos atrozes, há uma pergunta que necessita ser feita aos que defendem o castigo capital: qual a reação adequada quando um crime hediondo é perpetrado pelo próprio Estado?

Sabemos todos os que têm conhecimento da realidade internacional, que em inúmeros países o nível de violação dos direitos humanos chega às raias da insanidade. Indivíduos que nunca propugnaram pela violência são sumariamente executados pelas forças de segurança tão-só pela divulgação de suas ideias; políticos oposicionistas que jamais advogaram o uso da força são detidos, torturados e mortos sem qualquer julgamento; pessoas que se destacam nas lutas pacíficas pela melhoria das condições de vida de suas comunidades são sequestradas à luz do dia e desaparecem para sempre.

Na maioria absoluta dos casos a responsabilidade do Estado, conquanto notória, não é judicialmente apurada. Somente vez por outra, por descuido do poder ou pela alteração do quadro institucional de um país, a verdade vem à tona e o crime oficial é aclarado. Mas, e aí, quando o fato se torna público ou não mais pode ser ocultado, o que fazer? Eliminar o funcionário “zeloso” que sob ordens praticou a atrocidade? Enforcar seus superiores? Decapitar o governante? Destruir o Estado, para que não repita o ato? Ou nesses casos é suficiente indenizar a família da vitima com trinta moedas e esquecer o passado, como normalmente se faz?

Não há porque exterminar o delinquente, seja ele o cidadão ou o Estado. Como afirmou corretamente Cesare Beccaria, famoso penalista italiano, não é a crueldade da pena que inibe o criminoso, mas sim a crença de que ela será infalivelmente aplicada. Confiando-se que todos os delitos serão punidos de forma honesta, a criminalidade - inclusive a do “colarinho branco”, que indiretamente ceifa mais vidas do que a marginal - diminuirá.

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A pena de morte, utilizada como meio de proteçâo da sociedade comprovadamente desnecessária; usada como método de vingança é embrutecedora e reacionária. Um simples exame da história da pena capital demonstra o esforço que o homem vem fazendo há séculos para erradicá-la seja através da diminuição gradativa do número de delitos puníveis com a morte seja através da tentativa de suavizar os processos de execução.

Do “olho por olho, dente por dente”, da Lei de Talião, saltamos para as fogueiras da Idade Média. Das mutilações e torturas que precediam o enforcamento dos plebeus franceses, alcançamos a guilhotina instituída pela revolução burguesa de 1789. Do garrote vil espanhol, que aos poucos quebrava a espinha dos condenados, atingimos o pelotão de fuzilamento. Da cadeira elétrica, que descarrega dois mil volts sobre o corpo do sentenciado durante períodos alternados, chegamos até a injeçâo letal aplicada aos norte-americanos penalizados com a morte.

A pena capital tem progredido - se assim se pode dizer - não-só no concernente às formas pelas quais ela é posta em prática, mas também em relação à natureza dos delitos e ao tipo dos criminosos passíveis de condenação à morte. Se atualmente em algumas poucas nações mulheres adúlteras ainda são apedrejadas até que a vida se lhes acabe, na maioria apenas homicidas cruéis são levados ao patíbulo. Se no alvorecer do primeiro milénio os cristãos eram jogados aos leões para divertimento dos cidadãos de Roma, e se dava fim aos desequilibrados mentais por serem julgados endemoniados, hoje a maior parte dos ordenamentos penais existentes no mundo veda a aplicação da pena de morte a prisioneiros de consciência, a menores, a anciãos, a mulheres grávidas ou que acabem de dar à luz, a pessoas mentalmente enfermas

O empenho que o ser humano vem fazendo a centenas e centenas de anos para aprimorar o Direito, justificando sua condição de animal inteligente, é comprovado claramente pela contínua e definitiva restrição que as normas legais vigentes vêm fazendo à vingança pessoal ou estatal.

Carlos Alceu Machado

Diretor da Anistia Internacional - Seção Brasileira

“A pena de morte é um argumento político muito utilizado quando a

violência é discutida por pessoas que não têm a mínima idéia de como

resolver o problema da criminalidade.”Bryan Stevenson

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Parte 1

A discussão sobre a pena de morte

Os debates parlamentares e as discussões públicas podem ajudar os legisladores e a opinião pública a conhecerem melhor a lógica e a realidade da pena de morte, assim como a força dos argumentos contrários a ela. Ao analisar a derrota de uma moção que visava restabelecer a pena capital na Inglaterra, em 1983 na Câmara dos Comuns, jornalistas noticiaram que vários membros do parlamento britânico “mudaram de opinião porque nunca antes tinham ouvido argumentos fundamentados contra a pena de morte”. Um deputado que acabara de ser eleito disse aos jornalistas que havia mudado seu modo de pensar, favorável à pena capital. “Só quando alguém toma parte numa discussão é que os argumentos contra a pena de morte tornam-se extremamente óbvios”, declarou. Outro parlamentar admitiu que a maioria dos seus eleitores era a favor da pena de morte, mas afirmou que eles “não parecem ter pensado a fundo sobre a questão, pois ficam muito impressionados sempre que ouvem a argumentação dos abolicionistas”.

Segundo conhecido pensador italiano, o Estado não pode se colocar no mesmo plano do indivíduo. O indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, por defesa. O Estado responde meditadamente, reflexivamente, racionalmente. Ele também tem o direito de se defender, mas sendo muito mais forte do que o indivíduo - pois detém o privilégio e o beneficio do monopólio da força - não tem necessidade de matar em defesa própria.

Também do ponto de vista religioso existe, hoje em dia, no Ocidente, uma clara tendência das corporações mais representativas de se posicionarem contra a pena capital. Em recente manifestação, o Papa João Paulo II afirmou: “A Santa Sé, com empenho humanitário, recomenda clemência e até perdão àqueles condenados à morte, especialmente aos condenados por razões políticas”.

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A Anisitia Internacional, ao divulgar a presente obra, pretende contribuir para o debate da questão, mostrando alguns aspectos que vêm sendo significativamente omitidos sobre a pena de morte. Vale lembrar, porém, que a posição defendida pela organizaçâo não deve, de modo algum, ser confundida com uma apologia da impunidade. Absolutamente. A Anistia é contra a pena de morte pelas razões sucintamente expostas nesta publicação, que comprovam de forma eloquente que tal punição não passa de uma falsa solução para o problema da violência. A pena capital é o mais cruel, desumano e degradante dos castigos e a luta por sua erradicação, em todo o mundo, está intimamente ligada aos princípios que inspiram a estrita obser-vância dos direitos humanos.

Em todas as partes, a experiência mostra que as execuções embrutecem os que delas participam. Em nenhum lugar demonstrou-se que a pena capital reduziu a violência de forma eficaz. Nos países onde a pena de morte é aplicada, os pobres e os membros de minorias raciais ou étnicas são as suas principais vítimas. Com frequência ela é utilizada como instrumento de repressão política É um castigo irrevogável, que inevitavelmente dá lugar à execução ocasional de pessoas completamente inocentes.

Quando as nações do mundo reuniram-se há mais de cinco décadas para criar as Nações Unidas, não foi necessário lembrar o que pode acontecer quando um Estado pensa inexistirem limites sobre o que ele pode fazer a um ser humano. Em dezembro de 1948, quando a Assembleia Geral da ONU aprovou por unanimidade a Declaração Universal dos Direitos Humanos, ainda estava sendo revelada toda a brutalidade, todo o terror imposto por alguns Estados durante a Segunda Guerra Mundial, e as sequelas que ela havia deixado em milhões de pessoas em todo o planeta.

A Declaração Universal é um compromisso entre as nações para estimular os direitos fundamentais como base da liberdade, da justiça e da paz. Os direitos que o documento proclama são inerentes a toda pessoa humana. Não são privilégios que os Estados podem conceder por boa conduta e, portanto, não podem ser cassados por mau comportamento.

Uma vez que um Estado aplica a pena de morte, por qualquer razão, torna-se mais fácil para outros Estados utilizá-la com certa aparência de legitimidade por quaisquer outros motivos. Se é possível justificar a pena de morte para um deli-to sem dúvida serão encontradas desculpas para aplicá-la em outros casos, de acordo com a opinião que prevaleça em uma sociedade ou entre governantes. A ideia de que o Estado possa legitimar um castigo tão cruel como a morte entra em conflito com a própria concepção dos direitos humanos. A importância dos direitos humanos se apoia precisamente no fato de que certos métodos nunca podem ser usados para proteger a sociedade, já que seu uso infringe os mesmos valores

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que fazem com que a sociedade mereça ser protegi-da. Quando se esquece essa distinção essencial entre os meios apropriados e inapropriados em nome de algum “bem superior”, todos os direitos são vulneráveis e todos os indivíduos encontram-se ameaçados

Numerosos Estados já reconheceram que a pena de morte é incompatível com o respeito pelos direitos humanos. A própria ONU declarou-se a favor da abolição da pena capital. Atualmente, 57 países não penalizam qualquer tipo de delito com a morte. Outros 15 somente a mantêm para casos excepcionais, como certos crimes praticados em tempos de guerra. Outros 26 países e territórios podem ser considerados abolicionistas de fato, posto que não levam a cabo execuções. Por conseguinte, 98 países - mais de 50% do total - já aboliram a pena de morte ou não a aplicam na prática (dados de 1997).

Desde 1989, mais de vinte países e territórios aboliram a pena de morte para delitos comuns ou para todos os delitos, afirmando com isso seu respeito pela vida e pela dignidade do ser humano. Todavia, ainda existem demasiados governos que acreditam que podem resolver seus problemas sociais ou políticos executando alguns ou, em certos casos, centenas de presos.

“O que é a pena capital senão o mais premeditado dos assassinatos, ao

qual não pode comparar-se nenhum ato criminoso, por mais calculado que

seja? Pois, para que houvesse uma equivalência, a pena de morte teria que

castigar um deliquente que tivesse avisado sua vítima da data na qual lhe

infligiria uma morte horrível, e que a partir desse momento a mantivesse

sob guarda durante meses. Tal monstro não é encontrável na vida real.”Albert Camus

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Cadeira Elétrica

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Parte 2

A lógica da pena de morte

A defesa da pena de morte baseia-se na convicção de que as execuções correspondem a necessidades importantes da sociedade, que não poderiam ser satisfeitas de outra forma. O argumento utilizado é de que a pena capital é necessária, pelo menos provisoriamente, para o bem da sociedade.

Ocorre que, em primeiro lugar, jamais se pode justificar a violação de direitos humanos fundamentais. Não se pode justificar a tortura alegando-se que em algumas situações ela poderia ser útil. O Direito Internacional estabelece claramente que uma pena cruel, desumana ou degradante é sempre proibida, inclusive em situações excepcionais que ponham em perigo a vida de uma nação.

Em segundo lugar, apesar da experiência derivada de séculos de vigência da pena de morte e de numerosos estudos científicos acerca da relação entre este castigo e as taxas de criminalidade, até hoje inexistem provas convincentes de que ela proteja eficazmente a sociedade da delinquência ou satisfaça as exigências de justiça.

Normalmente, a pena de morte é apresentada como medida eficiente e apropri-ada para impedir e castigar o crime, mas numerosos estudos, realizados em diversos países e com metodologias diferentes, não puderam demonstrar que a pena capital dissuada mais fortemente do que outros métodos punitivos.

Os países que já aboliram a pena de morte ou não a aplicam na prática possuem diferentes culturas, tradições e sistemas sócio-políticos; têm níveis diferenciados de desenvolvimento económico e muitos deles enfrentam graves problemas sociais. Apesar disso, não se tem conhecimento de que qualquer um deles tenha sofrido prejuízos de ordem social ou política que pudessem estar claramente relacionados com a abolição da pena de morte, sendo raríssimo que uma sociedade restaure tal castigo após tê-lo abolido.

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Aqueles que acreditam que a pena de morte é uma poderosa medida preventiva estão atribuindo um poder excessivo à essa ameaça legal, à capacidade de tal castigo controlar comportamentos anti-sociais e à racionalidade do criminoso.

Esquecem-se que a perspectiva de prazer ou ganho imediato ultrapassa largamente todos os riscos remotos, incluindo o da morte. Um marginal em confronto com a polícia, por exemplo, enfrenta um risco de morte imediata muito maior do que o risco de uma execução legal.

Algumas estatísticas demonstram a ineficácia da aplicação da pena capital na prevenção dos crimes:

* Canadá: O índice de homicídios por 100.000 habitantes caiu de 3,09 em 1975 um ano antes da abolição da pena de morte para o crime de assassinato, para 2,41 em 1980. Em 1993, 17 anos depois da abolição da pena capital, o índice era de 2,19 por 100.000 habitantes, cerca de 27% inferior ao de 1975.

* E.U.A.: Estatísticas do FBI revelaram que, entre 1976 e 1986, a taxa agregada de homicídios era de 10,6 para cada 100.000 habitantes nos estados que executavam criminosos; de 6,6 para cada 100.000 habitantes nos estados que previam a pena de morte mas não a aplicavam na prática, e de apenas 5,3 para cada 100.000 habitantes nos estados em que a pena capital não estava prevista em lei. Pesquisas de 1983 demonstraram que, nos estados que adotaram a pena de morte, as taxas de homicídio eram maiores que nos estados abolicionistas. A Flórida teve, de 1976 a 1978, uma das mais baixas taxas de homicídios da sua história. Em 1979, com a reintrodução da pena, essas taxas aumentaram brutalmente, havendo uma elevação de 28% em 1980; em 1984, os índices ainda eram superiores aos do período em que não ocorreram execuções. Na Geórgia ocorreu o mesmo, pois no ano que se seguiu à retomada das execuções, houve um aumento de 20% nos homicídios (no mesmo ano, a taxa nacional elevou-se apenas 5%). Em 1990, oito das 20 maiores cidades do pais quebraram seus recordes de criminalidade, entre elas Washington, Dallas e Nova Iorque. O Texas, apesar de ser o campeão de execuções, é o estado norte-americano onde acontece o maior número de homicídios. Nos últimos 30 anos, dezenas de pesquisadores analisaram tais estatísticas para tentar descobrir se a pena de morte reduz a criminalidade. Revisando esses estudos, a Suprema Corte norte americana não pode concluir que a pena capital previna o crime violento. Isso em um país onde tal punição é aplicada há cerca de 150 anos.

* Inglaterra: Deputados britânicos que em 1990 rejeitaram uma moção que visava restabelecer a pena de morte, ressaltaram que as evidências estatísticas sobre

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o efeito dissuasório da pena capital no combate ao crime eram extremamente contraditórias. Segundo eles, de acordo com o anuário demográfico das Nações Unidas, a Inglaterra tinha uma das mais baixas taxas de homicídio do mundo, correspondente a 0,7 para cada cem mil habitantes. Tal taxa era alta nos EUA (8,5/100.000) e muito baixa no Japão (0,8/100.000), embora ambos os países castigassem o homicídio com a morte.

Um exame sério dos argumentos apresentados em favor da pena de morte revela que ela é inaceitável, desnecessária e até mesmo perigosa, na medida em que um delinquente pode optar por eliminar também as testemunhas do seu crime para que ele não seja descoberto.

Em suma, todos os dados estatísticos disponíveis indicam que, onde a taxa de homicídios está se elevando, a abolição da pena de morte não acentua o aumento. Onde está diminuindo, a abolição não interrompe este descenso. Onde a taxa é estável, a ausência da pena capital não a eleva. Estes fatos falam por si só.

As alegações para manter ou implantar a pena de morte também baseiam-se em argumentos fundados num pretenso “bom senso” e em “impressões” pessoais sobre seu poder preventivo. Em alguns casos, chega-se às raias do absurdo. Um legislador inglês, por exemplo declarou: “Estou absolutamente convencido de que o medo da morte violenta é um desencorajador eficaz e nenhuma estatística ou argumento me provará que não é”. Essa insistência acaba por trair os verdadeiros mecanismos psicológicos subjacentes às reivindicações pró-pena de morte quais sejam, sentimentos de raiva e de vingança - emoções que alimentam a violência e conduzem ao crime violento e ao terrorismo.

Segundo Erich Fromm, a vingança é um tipo de violência incluído na categoria das reativas. Como o mal já foi feito, a violência teria a função irracional de desfazer o que na realidade existe. Segundo o psicanalista, para quem se julga impotente e para restaurar a auto-estima, a saída é geralmente esse tipo de reação. O sentimento de vingança é característico das classes mais atrasadas, pobres econômica e culturalmente, que também desenvolvem sentimentos racistas e nacionalistas.

No estado de Nova Iorque (EUA), nos anos de 1907 a 1963, no mês subsequente a uma execução, ocorriam em média dois homicídios adicionais, demonstrando que as execuções legais transmitem à sociedade a inequívoca mensagem de que a vida deixa de ser sagrada quando se considera útil toma-la, e de que a violência é legítima quando considerada justificada, por razões pragmáticas, por aqueles que detêm o poder legal de matar.

É evidente que aquele que mata deve receber uma punição severa, de modo a exprimir a condenação social pelo assassinato. Porém, seria o uso da pena capital a forma mais correta de afirmar o valor da vida? É difícil imaginar como tal castigo, oficializado, possa promover o respeito pelo ser humano.

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A dissuasão

O argumento utilizado com mais frequência em favor da pena de morte é o da dissuasão. Ou seja, é necessário matar o criminoso para dissuadir outras pessoas de cometerem o mesmo tipo de delito.

À primeira vista, parece um argumento aceitável. O que poderia deter com maior eficácia aqueles que têm a intenção de matar ou de cometer outros crimes graves, senão a ameaça do mais terrível dos castigos - a morte? Ocorre que as provas empíricas não apoiam esse raciocínio. Mais: sua lógica se baseia em suposições discutíveis.

Não é correto pensar-se que todos - ou a maioria - aqueles que comentem delitos tão sérios como o assassinato o fazem depois de calcular racionalmente suas consequências. Na maior parte das vezes os assassinatos são perpetrados em momentos em que sentimentos ou emoções, levados a um alto grau de intensidade, sobrepõem-se à lucidez e à razão. Também podem ser praticados sob a influência do álcool ou de drogas, ou em situações de pânico, como quando o ladrão é surpreendido roubando. Algumas pessoas que cometem delitos violentos sofrem de fortes instabilidades emocionais ou são doentes mentais. Em nenhum desses casos pode-se aguardar que o medo da pena de morte sirva de dissuasão.

É sabido que a atitude do público diante da pena de morte varia conforme a

situação de maior ou menor tranquilidade social.”Norberto Bobbio

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Por outro lado, os assassinos, em uma grande proporção, estão tão tensos no instante do crime que ficam insensíveis às consequências que ele lhes acarretará. Outros, por sua vez, conseguem convencer-se de que poderão escapar da condenação. Este último ponto destaca outra debilidade da argumentação da dissuasão, visto que os delinquentes que planejam cometer crimes graves podem decidir seguir adiante apesar do risco, pensando que jamais serão descobertos. A chave da dissuasão, nesses casos, é aumentar a probalidade de que os criminosos sejam descobertos, detidos e condenados. A pena de morte pode inclusive ser contraproducente, ao distrair a atenção das autoridades e da opinião pública acerca dos esforços que se fazem necessários para melhorar as condições da luta contra a delinquência.

O argumento da dissuasão não está corroborado por fatos. Se a pena de morte realmente dissuadisse os criminosos em potencial com maior eficiência que outras penas, seria de se esperar um aumento das taxas de criminalidade nos países que abolem a pena de morte e uma diminuição da mesma taxa nos países em que a pena capital é adotada. No entanto, sucessivos estudos e pesquisas realizados em todo o mundo, por organizações oficiais e particulares, não puderam estabelecer, até hoje, nenhuma relação dessa natureza entre a pena de morte e os índices de delinquência.

Estudos científicos realizados em torno da pena de morte jamais demonstraram que essa punição dissuade mais do que outros castigos. O último estudo acerca da relação entre a pena capital e os índices de homicídios, elaborado pela ONU em 1988, concluiu que não se pode chegar a uma demonstração científica de que as execuções tenham um maior poder dissuasório do que a prisão perpétua.

A incapacitacão

Segundo o argumento da incapacitacão, um preso deve morrer (e portanto ficar “in-capacitado”) a fim de que a sociedade assegure-se de que ele nunca mais voltará a delinquir.

Uma vez morta, obviamente uma pessoa fica incapacitada para sempre. Inobstan-te, não se pode condenar alguém à morte baseado unicamente no inegável fato de que os mortos não agem. Uma política desse tipo está fundamentada na errônea suposição de que o Estado pode determinar, com absoluta precisão quais são os presos que reincidirão ou não (se não fosse assim, o Estado deveria estar ciente de que se arriscaria a incluir entre os executados um número considerável de presos

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que não reincidiriam). O argumento da incapacitação através da morte igualmente supõe que é impossível encontrar qualquer outro meio eficaz de impedir a rein-cidência. Nenhuma dessas hipóteses está respaldada pelos fatos.

É possível prevenir-se a reincidência internando-se os réus em prisões ou outras instituições semelhantes. Este método já é empregado no caso de indivíduos de conduta anti-social compulsiva ou loucos violentos, pois os princípios humanitários proclamados nas legislações nacionais e no Direito Internacional proíbem a ex-ecução de enfermos mentais - Assim, se os Estados descobriram que o encar-ceramento é um meio eficiente para incapacitar doentes mentais com tendências homicidas, por que não é possível utilizar esse mesmo método para incapacitar os réus qualificados como normais?

Os que defendem o argumento da incapacitação acenam com casos de apenados perigosos postos em liberdade condicional que voltaram a delinquir. Acontece que a resposta a esta questão não é a execução dos presos, mas sim um aprimoramento dos procedimentos judiciais que antecedem a soltura dos prisioneiros sob o regime de liberdade vigiada. Há meios bastante eficazes para se proteger a sociedade, como o cumprimento obrigatório de longas penas de prisão antes da concessão de liberdade condicional. O apoio à pena capital cai substancialmente quando a opin-ião pública toma conhecimento desta alternativa.

O internato, que aparta os delinquentes da sociedade, tem uma grande vantagem sobre a pena de morte como meio de incapacitação: eventuais erros judiciais, pos-síveis em qualquer sistema, podem ser corrigidos, pelo menos em parte. A pena de morte, ao contrário não só tira a vida de delinquentes que poderiam ser reabilita-dos, como também de pessoas inocentes condenadas injustamente.

Apenas na Inglaterra, na última década, ocorreram pelo menos três casos gra-ves de erro judiciário: os “Três de Bridgewater” (condenados como supostos au-tores do assassinato de um menino, foram libertados em 1997), os “Seis de Birmigham” (condenados como supostos autores da morte de 21 pessoas em um atentado a bomba, foram soltos em 1991) e os “Quatro de Guildford” (condenados como sup-ostos autores de um ataque terrorista a outro bar, onde morreram 5 pessoas, foram liberados em 1989). Como tais erros seriam reparados caso os réus tivessem sido condenados à morte?

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A retribuição

Diferentemente dos argumentos da dissuasão e da incapacitação, o do castigo mer-ecido (retribuição) sustenta que alguns criminosos devem morrer não para impedir a delinquência, mas como uma exigência de justiça. A execução é considerada o pagamento pelo mal cometido; ao matar o delinquente, a sociedade demonstra sua repulsa pelo crime perpetrado.

A crença de que alguns criminosos merecem morrer decorre da profunda aversão que os cidadãos comuns sentem pelos crimes atrozes, crimes tão ofensivos que a morte parece ser a única resposta justa.

Este é um raciocínio emocionalmente poderoso, mas também um argumento que, se considerado válido, abalaria os alicerces sobre os quais se estrutura o edifício dos direitos humanos. Se uma pessoa que comete um ato terrível “merece” a cru-eldade da morte, por que não poderiam outras, por razões similares, “merecerem” ser torturadas, presas sem julgamento ou simplesmente abatidas a tiros? A es-sência dos direitos humanos fundamentais é que eles são inalienáveis e deles não se pode privar o mais “inferior” dos indivíduos. Os direitos humanos são aplicáveis tanto às piores quanto às melhores pessoas e, precisamente por isso, protegem a todos.

O argumento da retribuição se reduz, com frequência, a não mais que um desejo de vingança, mascarado por um princípio de justiça. O desejo de vingança pode ser compreendido, mas deve-se resistir a ele. Se os ordenamentos penais não determinam que se queime a casa de um incendiário, que se viole um estuprador ou que se torture um torturador, não é porque tolerem tais delitos, mas porque as sociedades entendem que elas devem construir-se sobre um conjunto de valores diferentes daqueles que condenam. Uma execução não pode servir como mani-festação de censura a um assassinato, pois ela mesma consiste em matar. Tal ato, por parte do Estado, reflete idêntica disposição do criminoso de empregar a violên-cia física contra sua vítima.

“Quando vi a cabeça separar-se do tronco do condenado, caindo com

sinistro ruído no cesto, compreendi, e não com a razão, mas com todo o

meu ser, que nenhuma teoria pode justificar tal ato.”Leon Tolstoi

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Estritamente relacionado com a ideia de que algumas pessoas “merecem” morrer, encontra-se a concepção de que o Estado é capaz de determinar com absoluta precisão quem são essas pessoas; a experiência revela, no entanto, que nenhum sistema de justiça é capaz - nem se poderia conceber que fosse - de decidir de maneira justa coerente e infalível quem deve viver e quem deve morrer.

Todos os sistemas judiciais são vulneráveis a discriminação e ao erro. A capacidade técnica da polícia, a maior ou menor severidade dos juizes e jurados, a habilidade dos advogados, interpretações diferentes da lei e a opinião pública predominante são fatores que influem decisivamente em inquéritos e processos, desde a deten-ção do criminoso até o exercício da prerrogativa de graça, pela qual os governantes podem comutar a pena de morte em prisão perpétua.

Mesmo os que defendem ardentemente a morte como castigo merecido, seguida-mente exigem que a pena seja utilizada com moderação, temendo que, caso con-trário, embote a sensibilidade moral da população e perca seu efeito aterrorizante. Entendimento dessa natureza sugere um caráter de sacrifício no uso da pena capi-tal, posto que sendo impossível levar até as suas últimas consequências a lógica da retribuição, se executa - na realidade se sacrifica - um número simbólico de presos para satisfazer a exigência popular.

Observando-se, na prática, a aplicação da pena de morte, nota-se que o que con-stantemente define quem vai ser executado e quem vai ser perdoado não é so-mente a natureza do crime, mas principalmente os antecedentes étnicos, a raça, a classe social, o poder económico ou as opiniões políticas e religiosas do proces-sado. A pena de morte é aplicada no mais das vezes de forma desproporcional contra os pobres, os desvalidos, os marginalizados ou contra aquelas pessoas que os governos repressivos consideram oportuno eliminar.

“A história inteira do progresso humano tem sido uma série de transições

através da qual um costume ou uma instituição após outra passa, de

presumidamente necessária à existência social, à condição de injustiça

universalmente condenada.”John Stuart Mill

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Parte 3

A realidade da pena de morte

Atentados com explosivos, sequestros, assassinatos de funcionários públicos, sabotagens em aviões e outros atos de violência por razões políticas, com frequência resultam na morte e na mutilação não só das pessoas-alvo, como também de outras que ocasionalmente se encontram no local do ataque. É compreensível, assim, que esses atos provoquem uma forte reação da sociedade e tenham como resultado a exigência da aplicação da pena de morte aos terroristas. Entretanto, como os responsáveis pela luta contra esses delitos têm repetido várias vezes, as execuções têm tanta possibilidade de diminuir como de au-mentar o terrorismo.

Como observou um catedrático de criminologia canadense, “os que pensam realmente que o restabelecimento da pena de morte porá fim ou reduzirá o número de atos terroristas são extremamente ingénuos. Os castigos normais, incluindo a pena capital, não impressionam os terroristas ou outros delinquentes políticos, que agem por motivação ideológica e estão propensos a fazer sacrifícios em prol de sua causa (...) Além disso, as atividades terroristas estão cheias de perigos, e o terrorista corre todo tipo de riscos mortais sem ficar intimidado com a perspectiva da morte imediata. Pode-se conceber, desta forma, que vá ser dissuadido pelo risco escasso e remoto de ser condenado à morte?”

As execuções por crimes políticos violentos podem redundar em uma maior publicidade para os atos de terrorismo, atraindo uma grande atenção da opinião pública para as ideias dos terroristas. Essas execuções também podem criar mártires, cuja memória se torne um fator de coesão dos militantes das organizações clandestinas. Para alguns homens e mulheres convencidos da legitimidade dos seus atos, a perspectiva de sofrer a pena de morte pode até servir como incentivo. Longe de pôr fim à violência, as execuções são utilizadas como justificativa para novos atos de violência. Exemplo: as autoridades britânicas que governavam a

A violência política

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Palestina enforcaram vários membros da organização sionista “Irgun” durante a década de 40, depois de condenados por atentados a dinamite e por outros atos de violência Menahem Begin, antigo dirigente do “Irgun” e mais tarde primeiro-ministro de Israel, disse posteriormente que as execuções haviam “inflamado” seu grupo que em represália enforcou vários soldados ingleses. Menahem Begin afirmou que o enforcamento dos seus companheiros “resultou na adesão de novos membros à causa e nos tornou mais eficazes e dedicados (...) Vocês (britânicos) não estavam condenando à morte nossos terroristas; estavam condenando a muitos de sua própria gente, e nós é que decidíamos a quantos.”

A opinião pública

Uma razão que por vezes é dada para manter ou implantar a pena de morte - citada inclusive por governantes que dizem ser pessoalmente contra a pena capital - é que a opinião pública a exige. Mostram pesquisas que aparentemente comprovam um forte apoio popular à pena de morte para alegar que seria inclusive antidemocrático aboli-la ou deixar de institui-la.

A primeira resposta a este argumento é que o respeito pelos direitos humanos nunca deve depender da opinião pública. A tortura não seria admissível mesmo que tivesse apoio na opinião pública.

Em segundo lugar, a opinião pública sobre a pena de morte amiúde se baseia numa compreensão incompleta dos elementos a ela pertinentes, e o resultado das enquetes pode variar de acordo com a forma pela qual as perguntas são feitas. Incumbe aos políticos que tratam do tema não somente escutar a opinião pública, mas também assegurar-se de que ela está inteiramente informada.

Algumas investigações sugerem que o posicionamento das pessoas em relação à pena de morte pode mudar radicalmente depois de terem um melhor conhecimento dos fatos. Em um estudo realizado entre habitantes de uma cidade universitária norte-americana, comprovou-se que a maioria deles pouco sabia sobre os efeitos da pena de morte, e que o apoio ao castigo diminuiu acentuadamente após as pessoas terem se defrontado com as informações. Pediu-se a alguns dos entrevistados que lessem um ensaio que trazia dados e argumentos sobre os efeitos da pena de morte. Antes de lê-lo, 51 % das pessoas disseram que eram a favor da pena capital, enquanto que 29% estavam contra e 20% mostravam-se indecisos.

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Depois de lerem a obra, o apoio à pena de morte baixou para 38%, a oposição subiu para 42% e os demais 20% permaneceram indecisos. A outros membros do grupo pesquisado, pediu-se que lessem um ensaio sobre assunto não relacionado com a pena capital; constatou-se que nesse agrupamento as opiniões acerca da pena de morte praticamente não mudaram.

Algumas pesquisas repetidas ao longo dos anos têm indicado que, apesar da decisão de abolir a pena de morte ser inicialmente contrária à opinião pública sua revogação e bem aceita com o passar do tempo. Na Alemanha, por exemplo, o apoio da população à pena capital tem diminuído constantemente desde a sua extinção. Em 1950, um ano depois da abolição, 55% das pessoas consultadas disseram que eram a favor e 30% contra a pena de morte. Quando se procedeu a outra enquete, em 1973, somente 30% defenderam o castigo. A percentagem baixou para 26% em 1980, para 24% em 1983 e para 22% em 1986, ano em que 55% dos entrevistados se pronunciaram contra a pena de morte. Em 36 anos, uma completa inversão dos resultados obtidos anteriormente.

O custo econômico

Por vezes, tenta-se justificar a pena de morte com a alegação de que é mais barato matar alguns presos do que mante-los na prisão. Tal argumentação, além de torpe, por pretender avaliar a vida em moedas (não se pode perder de vista a grosseria e a falta de ética em fundamentar sobre bases financeiras a eliminação de vidas humanas), é falsa.

Estudos realizados no Canadá e nos Estados Unidos mostram que nesses países a imposição da pena de morte é mais cara para o Estado do que a reclusão perpétua do preso. Um levantamento realizado no estado de Nova Iorque comprovou que, em média, um processo que possa redundar na aplicação da pena capital, somente na sua primeira fase custa aos contribuintes aproximadamente um milhão e oitocentos mil dólares - mais do que o dobro da quantia que se supõe necessária para manter uma pessoa presa por toda a vida.

Inúmeros profissionais ligados à área jurídica, em todo o mundo, também se opõem à pena de morte porque acreditam que a enorme concentração de recursos humanos e financeiros, em uma quantidade de casos relativamente pequena, desvia tais recursos valiosos de outros setores do Judiciário.

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No Brasil, quem tiver um mínimo compromisso com a verdade, admitirá que nossas prisões, longe de parecerem “hotéis”, como propalam alguns, são verdadeiros infernos, centros de ensinamento de delinquência, às voltas com graves problemas de superlotação, de assistência médica e psicológica, de alimentação, de reeducação, todos rarissimas vezes enfrentados pelos governos. Uma possível alternativa para minorá-los, seria proporcionar trabalho decente aos detentos nas próprias penitenciárias, a fim de que eles pudessem se auto-sustentar.

“Um dos maiores freios aos delitos não é a crueldade da pena,

mas sua infalibilidade.”Cesare Beccaria

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Parte 4

A pena de morte na prática

A pena de morte não é uma questão abstrata. A decisão de aplicá-la significa que homens e mulheres serão selecionados para morrer. É a realidade da sua aplicação, e não meras teorias, o que destaca a necessidade de aboli-la.

A pena capital, como já se viu, não proporciona nenhuma proteção, nenhum benefício à sociedade. Quando tal castigo excepcional, extremamente cruel e irrevogável, é empregado por sistemas falíveis, sujeitos a erros humanos, tem-se como resultado não o aprimoramento da justiça, mas sim sua perversão, como veremos a seguir.

A discriminação

Seria surpreendente que a imposição de um castigo tão terrível e definitivo não recaísse principalmente sobre as camadas menos favorecidas de uma sociedade: os pobres e os membros das minorias raciais, políticas, religiosas ou étnicas. Em todo o mundo, a pena de morte é aplicada de maneira desproporcional contra os despossuídos de toda sorte, que comprovadamente não teriam que se defrontar com ela caso fizessem parte das camadas mais favorecidas. Isso acontece porque são incapazes de se defender eficazmente em um processo penal (por falta de conhecimentos, de amizades influentes ou de dinheiro) ou porque o sistema judicial reflete de alguma forma os preconceitos e as intolerâncias que a sociedade ou seus governantes têm contra eles. Também existem provas contundentes de que os criminosos têm mais possibilidades de serem condenados à morte se suas vitimas integram as classes mais abastadas da sociedade.

Tomando como exemplo os Estados Unidos, país pródigo em estatísticas e execuções, constata-se o seguinte quadro discriminatório:

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* De 1976 a 1991, das mais de 150 pessoas executadas, somente uma era um branco condenado pelo assassinato de um negro. É que se a vitima é branca e o réu é negro, a chance do acusado ser condenado à morte é quatro vezes mais alta do que quando acontece o contrário.

* Das mais de 16.000 pessoas executadas, apenas 30 eram brancos condenados pelo assassinato de negros. Por outro lado, embora constituíssem apenas 12% da população do país em 1991, 48% dos condenados à morte eram negros.

* Pesquisa realizada no estado da Geórgia demonstrou que quando a vítima é branca e o réu é negro, chega a 22% a possibilidade do acusado ser condenado à morte, todavia, quando a vítima é negra e o réu é branco, essa probabilidade é zero. No mesmo estado descobriu-se, durante a década de setenta, que os assassinos de pessoas brancas foram executados numa proporção onze vezes maior do que os assassinos de pessoas negras.

* Um estudo realizado no estado do Texas revelou que em cada grupo de 4 pessoas defendidas por advogados indicados pelo Estado (réus sem condições de pagar advogados), em processos onde a pena capital poderia ser aplicada, 3 eram condenadas à morte; por outro lado, em cada grupo de 3 pessoas defendidas por advogados particulares, somente 1 era condenada à morte.

* Na década de 70, cerca de 65% dos condenados que aguardavam execução eram trabalhadores não qualificados, sendo que 60% deles estavam desempregados no momento em que cometeram os crimes.

Nos E U.A., como em qualquer outro país, o réu, para escapar da cadeira elétrica, da forca ou do pelotão de fuzilamento, deve ter dinheiro para patrocinar uma boa defesa ou possuir ligações amistosas com a classe ou raça dominante. Não por outras razões, um governador do estado de Ohio comentou: “Durante a minha experiência como governante, descobri que as pessoas presas no “corredor da morte” tinham uma coisa em comum - não tinham dinheiro”. E um juiz da Suprema Corte norte-americana completou: “Pode-se procurar, em vão, nos anais da nossa justiça, a execução de qualquer membro das camadas ricas da sociedade.”

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Todos os estudos mostram que os crimes, especialmente os violentos, são resultados das condições sócio-econômicas e da evolução dos valores morais de uma sociedade em dado momento, independentemente da existência ou não da pena capital. Por exemplo, nos E.U.A., nos anos da Depressão, os homicidios aumentaram apesar das frequentes execuções. Um estudo realizado na Califórnia em 1981, parecia à primeira vista contradizer essa afirmação, mostrando um aumento dos assassinatos em 237% após a suspensão da pena de morte; na verdade, ocorreu aumento ainda maior (899%) de crimes não puníveis com a morte, indicando que a elevação nada tinha a ver com as execuções, dependendo de fatores mais complexos (a criminalidade é mais acentuada nas áreas de crescimento urbano rápido, associado à pobreza; notou-se também uma correlação entre o aumento do número de homicídios e a disseminação de armas de fogo)

Ainda nos Estados Unidos, aonde acontecem mais de 20.000 homicídios por ano, cerca de 4.000 pessoas são condenadas, 250 das quais à morte. Quase metade dessas sentenças acaba sendo comutada nos processos de apelação, mas o público imagina que o pequeno número de presos encarcerados no “corredor da morte” é o responsável pela totalidade dos crimes hediondos cometidos no país. Contudo, o fato é que os crimes hediondos punidos com a morte muitas vezes não podem ser distinguidos daqueles cometidos por centenas de outros criminosos, cujas vidas foram poupadas. Em alguns casos, duas pessoas envolvidas de forma idêntica em um mesmo assassinato recebem punições diversas: uma é enviada à prisão e outra à cadeira elétrica.

A pena de morte é um símbolo de terror e, nessa medida, uma confissão

de debilidade do Estado.

Os riscos

Mesmo que os efeitos da discriminação racial e da desigualdade económica pudessem ser eliminados, permaneceriam outras causas que possibilitariam erros em qualquer sistema judicial concebido e administrado por seres humanos, naturalmente falíveis. As decisões arbitrárias que privam indivíduos de sua liberdade são inaceitáveis e devem ser corrigidas, mas á decisão arbitrária que tira a vida de uma pessoa é simplesmente intolerável e não tem remédio.

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A deliberação sobre quem vai viver ou morrer pode estar viciada por fatores não diretamente relacionados com culpabilidade ou inocência, como pressões econômicas e da comunidade, interpretações diferentes da lei ou opiniões parciais de juizes e jurados. A descoberta de um erro técnico cometido pela policia ou pelas autoridades judiciárias pode dar lugar à anulação de uma sentença; a incompetência de um advogado ou uma prova importante não obtida a tempo pode conduzir a uma execução. A falibilidade humana torna impossível que a pena de morte seja aplicada de maneira imparcial e coerente.

Uma investigação realizada nos Estados Unidos, em 1987, apresentou provas de que 350 pessoas condenadas à morte entre 1900 e 1985 eram inocentes Na maior parte dos casos, o surgimento de novas provas teve como resultado a absolvição, o indulto ou a retirada das acusações. Alguns presos escaparam da morte por minutos, mas 23 deles foram executados.

Um relatório do Congresso dos EUA, elaborado pelo subcomitê da Câmara sobre Direitos Civis e Constitucionais, publicado em outubro de 1993, trazia os nomes de 48 homens condenados à morte que, desde 1972, haviam saído em liberdade dos “corredores da morte” norte-americanos, após sua inocência ter sido demonstrada. O relatório detalhou numerosas deficiências inerentes ao sistema de justiça penal e concluiu que: “A julgar pela experiência anterior, um número importante de condenados à morte são inocentes, existindo um grande risco de que alguns deles sejam executados”.

Quando os recursos judiciais são esgotados, a pena capital ainda pode ser comutada em pena de prisão mediante o exercício do “direito de graça”. Derivado de uma antiga prerrogativa atribuida aos reis e imperadores, que tinham poder de vida e de morte sobre seus súditos, o “direito de graça” é utilizado apenas pela autoridade máxima do país, e, embora se constitua em mais um obstáculo à pena de morte, não raras vezes é usado de modo arbitrário: a sorte de um prisioneiro é determinada pela vontade de uma só pessoa, sujeita ás influências de um partido político, de amizades ou de outros fatores que nada têm a ver com as circunstâncias jurídicas que originaram a condenação à morte.

A existência de um princípio básico de justiça penal, que diz que ninguém pode ser condenado a uma pena mais grave do que aquela prevista no momento em que o crime ocorreu, conquanto consista num grande avanço do Direito põe em relevo o risco que corre uma sociedade ao adotar a pena capital. Ademais, com a constante mudança dos costumes, um delito hoje castigado com a morte pode amanhã já não o ser. Desta forma, alguém que na atualidade pague com a vida por um certo tipo de delito, fica impossibilitado de, no futuro, favorecer-se com uma eventual lei nova, mais branda, que não puna o mesmo crime com a pena capital.

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A inaplicabilidade da pena de morte aos adolescente, anciãos, doentes mentais, mulheres gravidas ou que acabem de dar a luz, constante em quase todas legislações penais, embora também consista em um enorme progresso do Dreito, torna injusta a aplicação de tal castigo aos indivíduos não protegidos por essas normas legais, dentro da regra geral que todos são iguais perante a lei.

A crueldade

A pena de morte supõe que o Estado vai levar a cabo exatamente o mesmo ato que a lei pune mais severamente. Praticamente todos os ordenamentos jurídicos que prevêem a pena capital, a reservam para o homicídio deliberado e premeditado mas inexiste forma mais premeditada e deliberada de dar morte a um ser humano que mediante uma execução, um verdadeiro assassinato a sangue frio. E. assim como não é possível criar um processo que imponha a pena capital livre de arbitrariedades, discriminações ou erros, tampouco è possível encontrar uma maneira de executar uma pessoa que não seja cruel, desumana e degradante.

Uma execução, como a tortura física, implica em uma agressão programada contra o preso, e não em um ato de legítima defesa da sociedade, como querem alguns. A legítima defesa constitui-se sempre em uma reação frente a uma ameaça iminente, enquanto uma execução consiste em matar de forma planejada.

“Mesmo sendo uma pessoa cujo marido e sogra foram assassinados,

sou firme e decididamente contra a pena de morte... Um mal não se

repara com outro mal, praticado em represália. A justiça nunca progride

tirando-se a vida de um ser humano. O assassinato legalizado não

contribui para reforço dos valores morais.”

Kerta Scott King, viúva de Martin Luthert King - EUA

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A crueldade da pena de morte não se limita ao momento da execução. Seu horror singular, que não pode ser abrandado pela utilização de métodos de matar mais “humanos”, está no fato de que a partir do instante em que se dita a sentença, o condenado se vê obrigado a contemplar a perspectiva de que, em algum determinado momento, irão busca-lo para tirar-lhe a vida. Estudos já realizados acerca do tema mostram que as relações do preso com sua família e amigos começam a se deteriorar acentuadamente ante a expectativa de uma separação permanente, e que a perda de contato com o mundo exterior e as condições de isolamento em que se encontram os condenados à morte também produzem sentimentos generalizados de abandono, que conduzem a um estado denominado “morte da personalidade”, caracterizado por uma forte depressão, apatia, perda do sentido da realidade e degeneração da saúde física e mental.

A aflição sofrida pela família de uma vitima de assassinato é inimaginável, mas a agonia dos familiares de um preso executado é igualmente terrível. As famílias das vitimas que pedem perdão pela vida dos assassinos merecem respeito, como igual respeito merecem aqueles parentes que, perturbados pela dor e pelo sofrimento, pedem vingança. Porém, a argumentação sobre a pena de morte não deve basear-se em emoções, mas sim na razão. Se não é possível impedir-se que uma pessoa imponha sofrimentos a outra, pode-se e deve-se impedir que o Estado o faça, pois a evolução da Justiça, ao longo dos séculos, foi no sentido de superar a vingança particular.

Fazer justiça, como já se disse, não significa repetir um ato que a própria sociedade condena. Modificar a legislação penal, para introduzir penas mais duras para aqueles que praticam os chamados crimes hediondos e dificultar sua libertação condicional, bem como criar formas de amparo às famílias das vítimas, talvez seja uma forma adequada e humana de se enfrentar o problema.

“Pedirei a abolição da pena de morte enquanto não me provarem a

infalibilidade dos juízos humanos.”Marquês de Lafayette

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Parte 5

A questão brasileira

A instituição da pena de morte no Brasil para crimes comuns configuraria bem mais que um problema para os defensores dos direitos humanos. Seria uma autêntica tragédia nacional.

Em 1988, o País introduziu dispositivo que faz parte do cerne imutável da sua Constituição, pelo qual a pena capital só é possível em tempos de guerra. O fato dessa disposição conter-se em uma cláusula chamada pétrea implica, como a maioria dos juristas brasileiros corretamente entende, na impossibilidade jurídica, mesmo através de plebiscito, da Carta Magna ser emendada para acolher a pena de morte.

Por outro lado, pouco tempo após a promulgação da Lei Maior de 1988, os mesmos legisladores constituintes, na condição de membros do Parlamento, ratificaram o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, pelo qual torna-se muito difícil a reintrodução da pena capital no Direito brasileiro.

Essa situação, contudo, não deve implicar no afrouxamento da vigilância por parte daqueles que professam a causa dos direitos humanos. É preciso estar atento às propostas que volta e meia surgem para legalizar o assassinato oficial no Brasil.

O quarto de século do “milagre brasileiro” criou uma forma de partilha compartimentada e exclusiva do cenário social. Ricos e pobres, tal qual brâmanes e párias, moram em locais distintos, educam-se em escolas diversas, divertem-se separadamente, enfim dividem o ambiente urbano e rural de maneira absolutamente divorciada, como se fossem cidadãos de duas nações, uma desenvolvidíssima e pequena, a outra atrasadíssima e enorme. Este panorama, potencializado pelo gradativo desaparecimento da classe média, é a realidade evidenciável do cotidiano nacional, que faz do Brasil um dos campeões mundiais em violência.

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Realidade que a profunda crise econômica dos países latino-americanos transformou de triste em trágica. A estagnação econômica gerando o desemprego, que conjuntamente com o êxodo rural, filho de injusta distribuição fundiária, contribui para colocar os salários em patamares irrisórios e aqueles que vivem dele abaixo da linha da miséria. Se isso não fosse suficiente, o colapso dos serviços públicos de educação, saúde, saneamento e financiamento habitacional consegue o auge de agravar o calamitoso quadro.

A reação da maioria do povo a esta cena de discriminação e descaso pelo qual ela é, sem dúvida, a menos responsável, é naturalmente de revolta. Detentora de pouquíssima consciência capaz de transformar sua inconformidade em oposição consequente (único traço de afinidade que tem com o lado rico da cidadania), o caminho da marginalidade é aquele naturalmente trilhado.

Por conta disto, sucedem-se os furtos, os roubos à mão armada, os estupros, as depredações, os assassinatos. Os guetos não mais contêm as crianças e os adolescentes destes filhos ilegítimos do “milagre”, que se espalham nas cida-des como uma autêntica horda bárbara, mais temível ainda pelo fato de serem os seus integrantes, muitas vezes, menores de 15 anos de idade (estatísticas das Nações Unidas comprovam que os índices de homicídio são muito maiores nos países onde a desigualdade social é intensa, e não nos países mais po-bres).

A elite social brasileira não enfrenta esta situação influenciando uma política que confira reais oportunidades aos seus compatriotas desafortunados. Faz disso, como sempre fez, um caso de polícia. E como a polícia não tem hoje condições de reprimir, nos limites da lei, insatisfação deste porte, a lógica da exclusão, que comandou o relacionamento entre patrícios e plebeus, transformou-se na estratégia do extermínio.

Multiplicam-se as execuções extrajudiciais. Os esquadrões de assassinos profissionais atuam em todas as regiões do país, sendo o preço dos seus “serviços” de conhecimento público e notório. Os exterminadores de crianças e adolescentes são recrutados no seio das próprias corporações policiais e sua monstruosa atuação é de conhecimento internacional, tanto quanto a sua impunidade.

Tudo isso passa com a cumplicidade tácita e, às vezes (por exemplo, em programas de rádio e televisão de grande audiência), expressa da maioria dos nossos privilegiados. Os exterminadores são, hipocritamente, justificados pela incompetência estatal. Os autores dos massacres do Carandiru e da Candelária receberam telegramas de cumprimento oriundos das mais diversas regiões do País.

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Sabemos todos do caráter universalmente discriminatório da pena capital. Não seria nada diferente nestes tristes trópicos. Apenas que aqui, sob a alegação da incompetência e da morosidade do Judiciário, o segmento bem situado da sociedade, patrocinador dos esquadrões de extermínio, tomaria a si as responsabilidades do carrasco. O estado de guerra civil não declarado ficaria institucionalizado.

Uma história política brasileira bem ilustra o que aqui se quer dizer. No auge da ditadura militar, ministros do general-presidente Costa e Silva discutiam uma lei que lhe conferiria tremendos poderes. Contra ela postou-se Pedro Aleixo, ilustre advogado que ocupava a vice-presidência. Um áulico do general interpelou o vice-presidente, procurando intimidá-lo, com a capciosa pergunta se o mesmo não confiava na prudência do general. A resposta, lapidar, foi de que não havia nenhuma dúvida sobre os escrúpulos presidenciais, mas muitas a propósito das boas intenções do guarda da esquina, quando ambos tivessem o usufruto daquelas prerrogativas que a lei facultava.

Uma vez introduzida a pena de morte, os esquadrões de extermínio agiriam sob a proteção de um, por assim dizer, “habeas-corpus” legal. A lógica da exclusão teria sua “solução final” consagrada em texto de lei. Os pretos, pobres e meninos de rua receberiam a resposta de sua ousadia. Os avanços liberais de 1988 encontrariam um dique. As onipresentes tendências autoritárias da velha sociedade escravagista sairiam do subterrâneo. Contra a eventual censura, em nome da legalidade, que a multiplicação dos Carandirus e das Candelárias causasse, possivelmente ouviríamos uma paráfrase do título da bela novela de Horace Maecoy: “Mas a própria lei não condena à morte?”

“Nenhum ser humano é bastante perfeito para ter o direito de matar

aquele que considera como inteiramente nocivo.”Gandhi

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Câmera de gás

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Parte 6

Tratados internacionais abolicionistas

Uma das mais importantes novidades registradas nos últimos anos em relação ao tema foi a adoção de tratados internacionais mediante os quais os Estados se comprometem a não recorrer à pena capital. Em 1996, eram três os tratados vigentes nesse sentido:

* O Segundo Protocolo Facultativo do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, relativo à abolição da pena de morte, que já foi ratificado por 29 Estados. Outros 4 o assinaram, indicando sua intenção de tornarem-se Estados-partes no futuro.

* O Sexto Protocolo do Convênio Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos, referente à abolição da pena de morte, que já foi ratificado por 24 Estados europeus e assinado por outros 6.

• O Protocolo da Convenção Americana de Direitos Humanos para abolir a pena de morte, que foi ratificado por 4 Estados americanos e assinado por outros 3.

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ESTADOS-PARTES E SIGNATÁRIOSPosição em 31 de dezembro de 1996

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NÚMERO DE PAÍSES ABOLICIONISTAS AO FINAL DE CADA ANO 1980 a 1996

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O QUE É A ANISTIA INTERNACIONAL?A Anístia Internacional é um movimento mundial de pessoas que procuram assegurar, pelos meios mais práticos, um respeito maior a alguns direitos fundamentais proclamados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Pedimos a libertação dos prisioneiros de consciência. São assim chamadas as pessoas que foram presas, em qualquer parte do mundo, por suas crenças, cor, sexo, origem étnica, idioma ou religião, e que não usaram nem defenderam o uso da violência. Pedimos julgamentos justos e rápidos para todos os presos políticos. Nos opomos à tortura e às execuções, sem exceção.

A ANISTIA INTERNACIONAL TEM FINS POLÍTICOS?

A Anistia Internacional é independente e imparcial, não apoia nem se opõe a qualquer governo ou sistema político. Desde que o movimento nasceu, há quase 40 anos, temos mantido a nossa independência frente a qualquer governo, facção política, ideologia ou religião. Nosso único objetivo é defender os direitos humanos.

QUEM APOIA A ANISTIA INTERNACIONAL?

Contamos com mais de 1.000.000 membros e simpatizantes em mais de 150 países e territórios. Nosso movimento é aberto a todos aqueles que apoiam nossos objetivos. Os membros fazem parte das mais diversas camadas sociais e refletem um leque variado de pontos de vista.

O QUE FAZ A ANISTIA INTERNACIONAL?

Coletamos dados e recebemos denúncias sobre violações dos direitos humanos em todo o mundo. Se as informações estiverem corretas e se encaixarem no nosso mandato, contatamos com os governos violadores exigindo que suas autoridades respeitem os direitos das vítimas.

Com frequência, esse trabalho se desdobra em grandes campanhas mundiais, das quais participa uma grande quantidade de membros e simpatizantes. Vários prisioneiros hoje em liberdade nos disseram que foi precisamente o apoio da opinião pública mundial que lhes deu conforto na prisão, devolveu-lhes a liberdade ou sal-vou-lhes a vida.

DE ONDE VÊM OS RECURSOS PARA FINANCIAR AS ATIVIDADES DA ANISTIA INTERNACIONAL?

A Anistia Intemadonal depende das contribuições individuais dos seus membros e simpatizantes. A independência econômica é tão vital para o seu trabalho quanto a independência política. A quase totalidade dos recursos financeiros do movimento provém de pequenas doações e de campanhas locais para arrecadação de fundos.

RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

Em 1977, a Anistia Internacional recebeu o Prêmio Nobel da Paz pela sua contribuição em assegurar bases sólidas em favor da liberdade e da justiça e, portanto, em prol da paz no mundo. Por ocasião do 30º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1978, a Anistia Internacional recebeu o Prémio dos Direitos Humanos das Nações Unidas por notáveis realizações no campo dos direitos humanos.

NÃO ESTAMOS SOZINHOS

O rápido crescimento do movimento pelos direitos humanos tem gerado uma excepcional atividade mundial no setor.

Existem hoje milhares de grupos nacionais independentes e outras organizações que promovem os direitos humanos.

Jornalistas, advogados, políticos e sindicalistas do mundo todo tem desempenhado um papel relevante na divulgação dos direitos humanos, aumentando a pressão exercida sobre as autoridades e fazendo com que a balança pese a favor dos direitos humanos. O processo tem sido lento, mas hoje em dia, 50 anos após a adoçáo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, já cabe aos governos zelar pelo cumprimento das normas que eles mesmo estabeleceram. A pressão da opinião pública é fundamental para que isso aconteça.

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POR QUE LUTAMOS?

PORQUE APESAR DE

TODOS OS SERES HUMANOS NASCEREM LIVRES E IGUAIS, INDEPENDENTEMENTE DE SUA RAÇA, SEXO, RELIGIÃO, IDIOMA OU OPINIÃO POLÍTICA.TODOS OS SERES HUMANOS TEREM DIREITO A QUE SEUS DIREITOS SEJAM GARANTIDOS E RESPEITADOS PELA LEI.TODOS OS SERES HUMANOS TEREM DIREITO A VIDA. A INTEGRIDADE FÍSICA E A LIBERDADE,

TODOS OS DIAS, EM TODOS OS CONTINENTES,ESSES DIREITOS ESTÃO SENDO VIOLADOS E A

CADA VEZ QUE ISSO OCORRE SOMOS NÓS - TODAA HUMANIDADE - QUE ESTAMOS SENDO

ULTRAJADOS!

JUNTE-SE A NÓS!

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m primeiro lugar, algumas definições sobre o que é ANARQUISMO. É necessário clarear alguns conceitos como anarquia, poder, governo e socialismo. Anarquia significa ausência de poder ou de autoridade constituída. Há uma diferença sutil no discurso, mas importante na realidade, entre poder político e poder social. O primeiro

exerce o poder de coação: uma ou mais pessoas têm o poder de obrigar outras a fazer o que não desejam. Ocupam os governos do Estado, o KRATOS, o poder político no sentido grego, qualquer que seja a sua forma, teocracia, aristocracia, monarquia, oligarquia, democracia, em todas as suas instâncias. É contra esta poder hipertrofiado nos Estados Nacionais modernos que os anarquistas lutam hoje. Os anarquistas sabem e todos os estudos históricos o demonstram que o exercício deste poder sempre corrompe seus detentores, que acabam exercendo-o em benefício próprio, de uma forma ou de outra, em diferentes graus, sempre em detrimento do povo.

O outro poder, o poder social, é participado, exercido por todos nas decisões coletivas: o poder de uma assembléia de tomar decisões. Exemplo de proporções enormes foi o poder que tinha a CNT espanhola, com milhões de afiliados, durante a Guerra Civil, de decidir pela organização autogestionária e pelas experiências práticas do anarquismo durante a revolução. É o poder que é exercido por todos em qualquer prática autogestionária, nas decisões realmente coletivas.

E

RAZÃO, PAIXÃO E ANARQUISMO

por Jaime Cubero

Texto extraído da revista de cultura libertária “Libertárias” no 4 de 1998.

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O termo Governo tem o sentido de autoridade diretora e o sentido restrito é o de governo político, centralizador do KRATOS social. Mas por extensão, tem o sentido de gestão, organização, ordenamento. A expressão “desgoverno” (avião ou carro desgovernado) tem o sentido de desorganização e é análoga ao sentido pejorativo de anarquia. A proposta anarquista é pela organização e, neste sentido, pelo autogoverno, como sinônimo de autogestão.

Não há expressão mais aviltada do que o termo SOCIALISMO. Assim como para a imensa maioria das pessoas é inconcebível as sociedades humanas se organizarem sem Estado, tal a desinformação, para a maioria das pessoas, socialismo passou a ser sinônimo de estatização. Intelectuais das mais variadas tendências, nas universidades, na imprensa escrita e em todos os meios de comunicação repetem a mesma pregação. Tudo o que se refere a socialismo passa pelo Estado.

Quando dizemos que o anarquismo é antes de tudo sinônimo de socialismo, temos que dar um mínimo de clareza ao nosso conceito de socialismo: daí a expressão socialismo libertário. Socializar é tornar a propriedade e os instrumentos de trabalho, enfim toda a riqueza e o que a produz, disponível à sociedade, acabando com a exploração do homem sobre o homem. Mas, para o socialismo libertário, não basta socializar os bens materiais: é preciso socializar o saber, a informação e todos os bens culturais. Mas, o que é fundamental, jamais haverá socialismo se não se fizer a socialização do poder – a primeira coisa a ser socializada é o poder, que começa com a autogestão das lutas. Destruir o poder político e fortalecer o poder social, eis o que significa autogestão, a real igualdade e liberdade em todo o processo de transformação.

O anarquismo não é uma doutrina rígida, com artigos de fé, tábuas da lei, com profetas, com excomunhões, processos de heresia e sanções. É antes um conjunto de doutrinas e princípios cujos postulados cujos postulados básicos são convergentes, e que está sempre aberto a novas contribuições. Estes postulados básicos formam um fundo comum que, no amplo universo das múltiplas e alternativas atividades libertárias, são o anarquismo propriamente dito.

O sentido de justiça e eqüidade, a revolta contra a exploração econômica do homem pelo homem e o combate ao Estado – com a consciência plena de que é a instituição que garante o regime de exploração e privilégio como fonte geradora de opressão e violência sobre o indivíduo e a coletividade – têm a liberdade como um dos mais altos valores humanos; liberdade e autonomia plenas a partir do indivíduo para a associação livre

fundada na solidariedade e no apoio mútuo.

O anarquismo combate todas as formas de autoritarismo, combate todo o poder de coação, tudo o que restringe, limita, sufoca e asfixia o potencial criativo do ser humano.

Todo o ser humano tem necessidade de desenvolver seu físico e sua mente em graus e formas indeterminadas; todo o ser humano tem o direito de satisfazer livremente essa necessidade de desenvolvimento; todos os seres humanos podem satisfazer essas necessidades por meio da cooperação e da vida associativa voluntariamente aceita. Cada indivíduo nasce com determinadas condições de desenvolvimento. Pelo fato de nascer com aquelas condições tem necessidades – em termos políticos, tem o direito – de se desenvolver livremente. Sejam quais forem suas condições, ele terá a tendência de expandir integralmente. Ele

O anarquismo combate todas as formas de

autoritarismo, combate todo o poder de coação,

tudo o que restringe, limita, sufoca e as�xia o potencial criativo do ser

humano.

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terá o desejo de conhecer, saber, exercitar-se, gozar, sentir, pensar e agir com inteira liberdade. Esta necessidade é inerente ao próprio ser. Se o crescimento físico fosse limitado por qualquer meio artificial, tal fato seria qualificado de monstruoso. Também a limitação do desenvolvimento de sua sensibilidade, do seu desenvolvimento intelectual, moral e afetivo, anulando o seu potencial criativo seria lógico considerar-se uma monstruosidade. No capitalismo esse absurdo se dá em todas as instâncias da vida social e ninguém considera isso um absurdo, somente os anarquistas.

A descentralização, a autonomia e o federalismo são as vias pelas quais o anarquismo propões a construção de uma nova sociedade. A descentralização máxima é o indivíduo. De plena liberdade e autonomia individuais para a organização segundo os interesses e as necessidades, para as instâncias mais complexas até a completa malha social, os princípios não se alteram. Começando pelo indivíduo como unidade celular da sociedade até o mais amplo tecido social, o princípio da autonomia está presente. Os interesses específicos de cada instância não ultrapassam a própria esfera e não sofrem nenhuma interferência. Os interesses comuns de diferentes níveis e setores – profissionais, de produção de bens, planejamento, geográficos1, etc. – resolvem-se pelas federações que as necessidades práticas indicarão. A união de interesses com objetivos comuns, sem quebra da autonomia, é a característica básica do federalismo. Assim, as uniões locais se organizam em nacionais até confederações internacionais.

Em todos os atos, ante todos os fatos, o ser humano analisa, estima, aceita ou repudia o que se dá, o que acontece, formulando um juízo de valor. O tema é castíssimo e

se estudo pertence à ontologia2. Apenas alguns conceitos para nos situarmos como anarquistas. As vias de nosso conhecimento são a sensibilidade, a intelectualidade e a afetividade. Temos portanto uma intuição sensível, uma intuição intelectual e uma intuição páthica (do grego παθος = afeto, paixão). Há uma interatuação entre elas. Podemos racionalizar um sentimento de simpatia ou de antipatia3, como podemos, através de uma dedução lógica, provocar a nossa santa fúria.

Quase todos colocam os valores numa escala hierárquica: uns num grau mais elevado que outros4. O filósofo alemão MAX SCHELER (1874-1928) apresenta a seguinte ordem, que

não é aceita por todos:

Valores religiosos (santo e profano)

Valores éticos (justo e injusto)

Valores estéticos (belo e feio)

Valores lógicos (verdade e falsidade)

Valores vitais (forte e fraco)

Valores utilitários (conveniente e inconveniente)

Há variáveis, subordinação dos valores, que se refletem de pessoa para pessoa ou até na mesma pessoa conforme o momento, mas sempre, na maioria das circunstâncias que a vida oferece, um prevalece sobre os outros5. Para o anarquista todos os valores se subordinam aos valores éticos, porque todos os atos humanos são passíveis de juízo ético.

O que é ser anarquista? Ser anarquista é antes de tudo uma atitude ética. Ante a iniqüidade, um ímpeto de justiça leva o anarquista a romper racional e afetivamente com o sistema vigente. Romper com a autoridade é afirmar a própria independência humana. Ser anarquista é procurar realizar no quotidiano a plenitude do ato humano, e o ato humano

Ser anarquista é antes de tudo uma atitude ética. Ante a iniqüidade, um ímpeto de justiça leva o anarquista a romper

racional e afetivamente com o sistema vigente.

Romper com a autoridade é a�rmar a própria

independência humana.

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só o é quando livre, fundado na vontade, no conhecimento dos fins e no poder de realizá-lo. Contra toda a desmoralização do ato humano, a luta anarquista não tem limite. Ser anarquista é lutar pela liberdade de todos, tendo a consciência de que pela liberdade de todos, tendo a consciênciaq de que a liberdade dos outros aumenta a própria e não a limita.

As paixões humanas6 sempre foram objeto de estudo dos anarquistas. Apenas para ilustrar, vamos citar as teses apresentadas no 2o Certâmen Socialista, realizado no dia 10 de novembro de 1889 no palácio de Belas Artes de Barcelona.

Proposta do Círculo Operário de Barcelona: “Supondo uma sociedade verdadeiramente livre ou anarquista e sendo a instrução elevada ao grau máximo concebível, podem ser causas de desarmonia social as chamadas paixões humanas?” Foram apresentados seis trabalhos escritos sobre tal questão. No primeiro, apresentado por Teobaldo Nieva, é destacado o papel das paixões no desenvolvimento físico e mental da humanidade e como as religiões, as correntes filosóficas, os poderes político e econômico têm sufocado esta energia criadora. O autor se estende na crítica às religiões, a todas as formas autoritárias e repressivas e conclui que, apesar de tudo, elas continuam a ser seiva vivificante da vida. As paixões são definidas e, ao contrário dos pecados capitais que são sete (orgulho, avareza, luxuria, etc.), as paixões são infinitas: o amor sexual, a paixão pelo belo, pela arte, pelo bem comum, etc. E, na sua essência, as paixões são benéficas, libertam. O desequilíbrio e as injustiças que o capitalismo e o autoritarismo provocam são as causas dos desvios e das práticas viciosas.

Proposta do Centro de Amigos de Reus: “Benefícios ou prejuízos que a humanidade obteria adotando o amor livre”. Foram apresentados dois trabalhos, o primeiro de Soledad Gustavo. O trabalho começa

acrescentando ao título a expressão “Em plena anarquia”. A autora considera que o amor livre na atual sociedade seria desastroso, uma desmoralização. Seria irrealizável. Uma sociedade plenamente livre e igualitária, perfeitamente justa teria como base de todas as liberdades a união livre dos sexos. Considera que só a comunidade assumindo a subsistência das mulheres e crianças resolveria o problema da dissolução das uniões. Só uma sociedade anarquista possibilitaria a escolha livre. Para a autora, a maioria considera o amor livre uma variedade de prazeres sensuais. Pura ignorância do que significa liberdade7.

Já Anselmo Lorenzo, em seu trabalho, faz uma incursão nas civilizações antigas rasteando as diferentes formas e costumes que envolvem a união dos sexos. Desde povos que viviam na mais absoluta promiscuidade, aos que adotaram a poligamia e a poliandria, até a monogamia e os padrões que regem o casamento na atual sociedade, para concluir que não se tem direito algum de se afirmar que o conceito atual de casamento e família seja original, legítimo e unicamente natural. Havendo liberdade e igualdade os indivíduos e a sociedade se organizarão e praticarão a forma que mais lhes convier.

A expressão amor livre, hoje eivada de conotações perjorativas, se confunde com a amizade colorida dos anos 70, por isso preferimos a expressão amor libertário8. Simplesmente a união de dois seres que se amam, sem injunção de espécie alguma. Sem interferência do Estado, da Igreja, da família, dos fatores econômicos, etc. sem preconceitos de espécie alguma. O amor sexual é como uma florescência da vida9. Suas pr4áticas são tão diversas, tão diferentes seus graus de desenvolvimento, como imenso é o campo da afetividade. Impossível reduzir o amor a uma definição concreta. Impossível determiná-lo por condições particulares fixas. Nada mais variável. O amor sexual se apresenta sempre impregnado do sabor particular de cada associação humana; sujeito e normas,

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formalismos e rituais que variam com o organismo social. O amor sexual desprovido de ritualismos ridículos, fórmulas jurídicas, só será possível quando a sociedade tiver superado as contradições que a impedem de resolver os problemas que afetam as necessidades básicas das pessoas.

A história do movimento anarquista é pontilhada de extremos de paixão e lucidez10, de amor e de heroísmo, que seria impossível registrá-los todos aqui.

Há no ser humano um desejo inerente de ir além, de ter uma vida diferente da que vive. Há assim um ímpeto utópico. O desejo de alcançar uma realidade que ainda não existe. Há as utopias de evasão, que expressam um desejo de afastamento da realidade vivida, que denominamos fuga da realidade, e há utopias de superação, que condensam o desejo de alcançar estágios superiores ainda não vividos. Para que o homem alcance uma superação constante de si mesmo (o que seria a efetivação de uma revolução permanente não só em si, como também em seu meio) é necessário uma dose de utopia, porque sem o desejo de tornar tópicos os valores mais altos é impossível estimular a criação11. Os que julgam que o ímpeto utópico é uma fraqueza, resultado de uma deficiência humana, pouco sabem de psicologia.

É preciso muito sonho, muito desejo, muita crença nas possibilidades de cada um e na de todos para que possamos superar obstáculos, vencer dificuldades, construir possibilidades remotas, tornar em ato o que parecia um sonho impossível.

A história do anarquismo é, como dissemos, pontilhada por estes atos de lucidez, paixão, heroísmo e amor que sempre foram e serão muito gratificantes para os que viveram tais momentos de plenitude libertária.

Notas:

1 Que vão desde o espaço físico das comunidades até a ecologia de grandes regiões.

2 Axiologia (do grego axios = valor, valia + logos = teoria) é o termo atualmente utilizado para designar a teoria do valor, que investiga a natureza, a essência e os diversos aspectos que o valor pode tomar na especulação humana.

Timologia (do grego tumh’ = Avaliação + logos = teoria) é a disciplina que estuda o valor da avaliação, o valor extrínseco de alguma coisa. Ambas são disciplinas regionais da Ontologia. Dizemos que alguém faz valer algo, isto é, dá-lhe um valor, valoriza.

Há uma frase do grande anarquista MAX STIRNER, que tem servido de lemas para muitos anarquistas individualistas “…No limiar de nossa época não está gravada a antiga inscrição apolínea conhecete-te a ti mesmo mas sim a nova inscrição faze valer a ti mesmo.

3 No plano psicológico, nossos sentidos realizam sempre uma escolha entre diversos estímulos, recebendo apenas aqueles que correspondem aos esquemas sensório-motores e aos esquemas noéticos, intelectuais ou afetivos, racionais ou emocionais. Também no plano sociológico, os processos são os mesmos, desde as escolhas realizadas pelos indivíduos, que seguem normas afetivas, como na estruturação dos grupos sociais. O valor está presente em todos os atos que praticamos.

4 Exemplos práticos da aceitação e predominância de alguns valores sobre os outros: valores mercantis e utilitários da nossa época (padrão desde a pré-infância); “Lei do Gerson”; ter em oposição ao ser.

5 Todas as eras da Humanidade conheceram suas escalas de valores, ora predominando uns, ora outros. A classificação de SCHELLER pode ser ampliada, como muitos fazem, ou até mesmo INVERTIDA. Para os socialistas autoritários, os marxistas, no ápice encontram-se os valores; para os anarquistas os valores éticos prevalecem sobre os demais; para os fascistas são os valores vitais e utilitários que predominam, para os cristãos, socialistas ou não, os religiosos.

6 Todo o potencial criativo do ser humano é despertado por um impulso apaixonado, nas infinitas variáveis de sua manifestação. O último livro publicado de ROBERTO FREIRE, “Tesudos de Todo o Mundo: Uni-vos” é rico de exemplos deste aspecto.

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7 Não podemos esquecer que são conceitos emitidos em 1889, há 106 anos, quando a total dependência da mulher e dos filhos ao homem, em qualquer união conjugal, era objeto das discussões e de acerbas críticas dos anarquistas. Uma de suas trincheiras de propaganda. Hoje, em que pese todos os avanços e conquistas, a situação não mudou muito. A paternidade responsável e a solução para o problema das dissoluções conjugais só se verifica em casos isolados.

8 Em uma palestra, na CASA DA SOMA, sobre amor livre, abordamos o assunto, juntamente com ROBERTO FREIRE e concluímos por essa conceituação. A expressão amor libertário é do ROBERTO FREIRE, a quem considero, entre os autores anarquistas que conheço, o maior e mais profundo na abordagem do tema, em termos atuais.

9 O amor sexualo permeia e influi no comportamento humano e nas ações políticas porque é intrínseco à natureza humana e está presente na história da humanidade.

10 Citemos, entre muitos, os nomes de Louise MICHEL e de Emma GOLDMANN, os Mártires de Chicago, BAKUNIN, entre tantos, tantos outros. Bakunin, por exemplo, nos dá a seguinte definição de revolucionário: “…é aquele que, junto à inteligência, à energia, à lealdade e ao espírito de conspiração, possua também a paixão revolucionária e o diabo no corpo.” É literalmente impossível citar aqui os exemplos de paixão por uma causa e um ideal que transcedem todas as ideologias.

11 Os antigos denominavam jubileu a indulgência plenária, solene e geral, concebida pelos papas aos católicos, nos primórdios do cristianismo, do temor do castigo pelos pecados cometidos, ao livrarem-se das culpas. O termo

tomou depois outros sentidos, mas mantém o conteúdo conceitual de satisfação plena, ou seja de uma profunda alegria. Não se trata de uma alegria qualquer, como certas alegrias passageiras, que deixam atrás de si uma marca sombria, até mesmo um rastro de tristeza. Trata-se do júbilo: uma das mais belas manifestações da paixão humana. Essa alegria, esse júbilo é sempre excitante e criador de energias. O júbilo é predominantemente da intelectualidade e da afetividade implica um gozo mais profundo das coisas que almejamos. Para o anarquista, esta é a sua grande compensação.

Jaime Cubero (1926 – 1998)

Anarquista brasileiro

Nota Manuscrita de Jaime Cubero: EXTRATO DA PALESTRA PROFERIDA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA EM 01-12-94, a convite das professoras Christina Lopreatto e Jacy Seixas que também são sócias e colaboradoras do Centro de Cultura Social.

Originais preparados por JOSÉ CARLOS O. MOREL.

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Todas essas afirmações tem muito em comum: nelas se emitem conceitos falsos, julgam-se as pessoas através do grupo a que pertencem e cometem-se generalizações indevidas. Além disso, são crenças apenas emocionais, sem nenhuma base científica.

A espécie humana pode ser dividida em raças?

As numerosas populações existentes no mundo diferem umas das outras pela cor da pele, pelo tipo de cabelo, pelos olhos, pelo nariz, pelos lábios, pela estatura, etc. Essas e outras diferenças levaram aos cientistas a dividir a espécie humana em raças. Entretanto, com as migrações e o desenvolvimento dos meios de transporte, a mistura entre as populações tornou cada vez

menos nítida a separação da espécie humana em raças diferentes, tornando esse conceito muito impreciso.

O mito da “raça pura”ou da “raça superior”

A grande variedade genética da espécie humana torna absurda a idéia de uma “raça humana pura”. Sua existência não apenas é impossível como seria altamente indesejável, pois a variedade genética dentro de uma população é um fator importante para haver êxito na luta pela sobrevivência. Mais absurdo ainda do ponto de vista biológico( para não falar no aspecto ético e social ) é tendencia que alguns tem de conferir certas características( positivas ou negativas ) a toda uma raça, classificando-a, por exemplo,

por A.C.R - Anarquistas Contra o RacismoCriciúma - SC

“As crianças negras tem o coeficiente de inteligencia inferior ao das crianças brancas”. “Os judeus são avarentos”. “Os alemães pertencem à uma raça superior”. “A mulher é menos inteligente que o homem”.

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como “muito inteligente” ou “inferior”. Neste caso, ignora-se não apenas a grande diversidade genética de nossa espécie, mas também a influência do ambiente sobre diversas de suas características.

Algumas pessoas se servem da história para demonstrar teorias de superioridade racial. Argumentam elas que certas raças atingiram maior grau de civilização que outras. Entretanto, uam análise objetiva mostra que isso não é verdadeiro, pois na realidade a supremacia política e cultural não é privilégio de nenhum grupo étnico. Ao longo da história, quase todos os grupos étnicos conheceram fases de intenso desenvolvimento e fases de decadência. Além disso, qual é o critério para considerar um grupo mais desenvolvido que o outro? Será que o homem moderno, capaz de destruir toda a humanidade com armas nucleares pode ser considerado superior às civilizações indígenas, que vivem em equilíbrio com a natureza?

Como surge o racismo?

O preconceito racial é sempre adquirido através da aprendizagem. Em geral, a pessoa é levada desde criança a ter idéias e atitudes racistas, por viverem numa sociedade em que predominam valores racistas.

Sob o ponto de vista histórico, o racismo serviu frquentemente para justificar a dominação e a exploração de um grupo por outro. Durante a expansão colonial, por exemplo, os países da Europa que conquistaram e exploraram parte da Ásia, África e América obtinham vantagens econômicas ao negarem direitos iguais aos povos colonizados. Álem disso, considerando os povos dominados seres inferiores, os dominadores justificavam também o sofrimento que lhes infligiam – a escravidão, por exemplo.

No caso do anti-semitismo na Alemanha nazista, também houve motivos econômicos, já que os nazistas prometiam a seus adeptos os bens e os postos ocupados pelos judeus. Álem disso, os judeus funcionaram como “bodes expiatórios”, sendo responsabilizados por todas as dificuldades econômicas e sociais pelas quais passava a Alemanha na época. A luta racial funcionou então para desviar a atenção dos verdadeiros

problemas da sociedade.

O anti-semitismo serve ainda para mostrar que, concentrando as tensões políticas sobre uma vítima indefesa, aumenta-se a soliedariedade de grupo em face de um inimigo em comum, aumentando também a coesão social e fortalecendo o poder do grupo dominante.

O racismo traz gravíssimas dificuldades para as sociedades onde existe. Além de problemas sociais, como a violência, a degradação social, o aumento de doenças entre o grupo discriminado, etc., ele prejudica a sanidade mental não apenas dos indivíduos desse grupo mas também dos racistas.

Finalmente, como se todos esses problemas não fossem o suficiente, o racismo estabelece um círculo vicioso: a partir do momento em que uma sociedade considera um grupo como inferior e o trata com preconceito e discriminação, segregando-o economicamente e não lhe oferecendo condições adequadas de saúde e educação, ela dificulta que suas potencialidades floresçam. Isto por sua vez serve de argumento aos racistas, que atribuem tais limitações a fatores genéticos.

A solução para o racismo é fornecer uma boa educação às crianças estimulando o contato e a cooperação entre grupos étnicos diferentes e eliminando a segregação racial que consiste no confinamento de um determinado grupo étnico em locais específicos (guetos).

MANIFESTE-SE!

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Mumia Abu-Jamal, pseudônimo de Wesley Cook (24 de abril de 1954) é um ex-integrante do Partido dos Panteras Negras que se tornou jornalista na Filadélfia e ficou popular com o seu programa de rádio “A voz dos sem-voz”.

Mumia Abu-Jamal foi condenado a morte por, supostamente, matar um policial que espancava seu irmão, no início dos anos 80.

Em 27 de março de 2008, a Corte Federal de Apelações dos EUA anulou essa sentença, convertendo-a em prisão perpétua, além de conceder um novo julgamento a Mumia. Jornalista e militante negro anti-racista, Mumia foi preso em 9 de Dezembro de 1981, sob a acusação de ter assassinado o oficial de polícia Daniel Faulkner, em Filadélfia. Ao longo de 20 anos de uma incessante batalha judicial, repleta dos apelos por um julgamento justo por parte de personalidades e milhares de manifestantes, e apesar da constatação de inúmeras irregularidades em seu processo, a data de sua execução foi várias vezes marcada e depois suspensa. Por mais que as autoridades tentem tratá-lo como um criminoso comum, Jamal é atualmente, o único prisioneiro político dos Estados Unidos condenado à morte, embora não tenha sido o primeiro.

Segundo o relato de várias testemunhas, tudo começou quando Jamal interveio para socorrer seu jovem irmão, que estava sendo brutalmente espancado por Faulkner. Havia um outro homem, não identificado, no meio da briga. Houve muita confusão, gritos e disparos. Quando outros policiais chegaram ao local, Jamal estava ferido e Faulkner morto. As mesmas testemunhas declararam ter visto o homem não identificado – que não se parecia com Jamal – fugir do local.

Aqui começam as flagrantes irregularidades: nenhuma perseguição ou busca foi feita na hora pela polícia. A arma que foi encontrada com Jamal não poderia ter disparado as balas que mataram o policial. Nenhum exame de balística foi efetuado para saber se a arma de Jamal tinha sido utilizada. E mais: nenhuma das testemunhas que saíram em sua defesa foi arrolada no processo. Uma delas declarou que a polícia o ameaçou de prisão se testemunhasse. Alguns asseguraram que a polícia os havia intimidado para que eles mudassem seu testemunho. Para coroar essa montanha de irregularidades, o juiz que presidiu o processo, Albert Sabo, declarou publicamente sua hostilidade em relação a Jamal, que em sua juventude foi membro do movimento Black Panthers.

Jamal foi levado a julgamento em Junho de 1982 e condenado à morte em 3 de Julho. Sabo era já famoso como o “recordista” em número de condenações à morte (seis antigos promotores de Filadélfia declararam, sob juramento, que nenhum réu poderia esperar julgamento imparcial na Corte de Sabo). O júri só foi formado após a remoção de onze negros perfeitamente qualificados.

O advogado de defesa declarou publicamente que não havia entrevistado nenhuma das testemunhas, e que não estava preparado para o julgamento. Apesar disso, Sabo recusou a Jamal o direito de fazer sua própria defesa. Segundo a promotoria, Jamal teria confessado, no hospital, a autoria da morte de Faulkner, mas um relatório assinado pelo policial Gary Wakshul (que fez a guarda do réu), e não apresentado ao júri, diz que “o negro nada comentou”. Quando a defesa convocou Wakshul, a promotoria alegou que ele estava de férias e fora de alcance, e o juiz não aceitou esperar seu regresso; hoje se sabe que ele estava em casa.

O médico de Jamal também negou ter ouvido qualquer confissão. As supostas incongruências se acumulam, seriam necessárias várias páginas para as descrever.A promotoria não apresentou nenhuma prova material de suas acusações. Em contrapartida, foi comprovada a prática de intimidação de testemunhas. Veronica Jones, que primeiro depôs contra Jamal e depois mudou a história, declarou que fora obrigada a mentir: policiais haviam ameaçado usar contra ela antigas acusações de mau comportamento que poderiam custar-lhe a guarda dos filhos. Quando Verónica contou isso, foi imediatamente presa.

Mas o caráter político do julgamento pode ser inferido dado que o FBI (polícia federal) apresentou, como “prova” contra Jamal, um arquivo de mais de 600 páginas contendo um resumo de suas atividades como militante do movimento negro. Foi preso pela primeira vez, em 1968, aos 14 anos, durante o protesto contra o racista George Wallace, então em campanha presidencial. Aos 15 anos, participou do movimento para rebatizar sua escola com o nome Malcolm X e ajudou a criar o comitê do Partido dos Panteras Negras (Black Panther) em Filadélfia.

Mais tarde, tornou-se membro da redação central do jornal do movimento. Nos anos 70, passou a fazer parte de uma lista do FBI de pessoas que “ameaçam a segurança dos Estados Unidos” (ou seja, um dos que seriam imediatamente presos em casos de “emergência nacional”). Jornalista graduado, Jamal tornou-se locutor de rádios locais e de uma rede nacional de emissoras negras. Além de entrevistar

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gente como Bob Marley e Alex Haley, ficou conhecido como “a voz dos que não têm voz”.

Denunciava a violência policial – em particular, as de natureza racista – e os dramas diários da população pobre. Foi várias vezes ameaçado por policiais e autoridades, como o prefeito Frank Rizzo. Em 1994, a rede Rádio Pública Nacional o contratou para fazer comentários sobre a vida na prisão. O programa foi cancelado antes de começar, sob forte pressão do The New York Times, do senador Robert Dole (então, líder da maioria no Senado) e da Ordem Fraternal (que tentou, em 1995, proibir a publicação de seu livro Live from Death Row – Ao Vivo do Corredor da Morte, recentemente lançado no Brasil, editora Conrad).

Seguiu-se uma complexa e árdua batalha judicial e política logo após a sua sentença de morte em julho de 1982. A dimensão do caso, levou a que várias entidades e personalidades clamassem por justiça, em sua defesa, tais como : Congresso Nacional Africano, Amnistia Internacional, Parlamento Europeu, Ordem Nacional dos Advogados (dos Estados Unidos), Coalizão Nacional pela Abolição da Pena de Morte, Jacques Derrida, Stephen Jay Gould, Jesse Jackson, Danielle Mitterrand, Salman Rushdie, arcebispo Desmond Tutu, Elie Wiesel.

Exatamente por ter atingido tal dimensão, o seu julgamento tornou-se exemplar. Caso ele escape à execução, o estatuto da pena de morte terá sofrido um duro golpe, e não apenas nos Estados Unidos – que representam, hoje, no quadro da ONU, o maior obstáculo político à abolição total da pena de morte em todo o mundo. Em Abril, a Assembleia anual da ONU para os Direitos Humanos aprovou várias resoluções em que pede aos países membros que eliminem a pena de morte, cuja aplicação está em franco declínio no mundo. Em 1965, apenas doze países haviam abolido a ‘‘pena capital’’. Hoje, segundo a Amnistia Internacional, já somam 68, além de 14 que limitaram seu uso apenas a crimes hediondo e outros 23 que a eliminaram na prática (não praticando qualquer execução por um período de pelo menos dez anos). São 105 países contra 90 que ainda a mantêm em vigor – e a maioria destes 90 está discutindo a possibilidade de sua abolição total, seja sob pressão política seja porque concluíram que a pena máxima não diminui o índice de criminalidade. Um pequeno punhado de países é responsável pela maioria das sentenças de morte (Estados Unidos, China, Congo, Irã).

www.anarcopunk.org/mumialivre

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De Jornal do Brasil

http://www.jb.com.br/pais/noticias/2011/04/11/os-neonazistas-sao-bem-mais-que-meia-duzia-afirma-delegado/

Ana Cláudia Barros

A recente identificação de 25 gangues de skinheads pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), em São Paulo, e a participação de movimentos de ultra direita no ato de apoio ao deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) no último sábado (9), na Avenida Paulista, colocam em debate a presença, cada vez mais evidente, de grupos neonazistas no Brasil.

Mas há motivos reais para preocupação? Para o delegado Paulo César Jardim, da Primeira Delegacia de Policia de Porto Alegre, a resposta é sim, sobretudo, diante da possibilidade de conexão com outros tipos de criminosos. Responsável pelo comando do Grupo de Combate ao Movimento Neonazista da Polícia do Rio Grande do Sul, Jardim destaca que a quantidade de seguidores dos ideiais de Adolph Hitler é “bem maior do que a meia dúzia que as pessoas pensam”.

Sem revelar pormenores, o delegado, que, no ano passado, alertou o senador Paulo Paim (PT-RS) sobre possível ataque, expressa preocupação particular em relação à proximidade com a Argentina, país escolhido por oficiais nazistas como refúgio após a Segunda Guerra Mundial.

Sobre o perfil dos integrantes desses grupos, Jardim afirma que, em geral, são jovens entre 17 e 30 anos, de classes sociais diversas, movidos pelo ódio a judeus, homossexuais e negros. Ele destaca ainda que há diferenças entre os movimentos neonazistas do Sul e os de São Paulo.

- De forma nazi mais pura, encontramos no Rio Grande do Sul. Em São Paulo, vemos uma mescla. Há pessoas que se dizem neonazistas, mas são negras, mestiças. Estão meio confusas na ideologia. Mas em São Paulo, as tribos são muito maiores.

< Como é o trabalho desenvolvido pelo grupo de combate ao movimento neonazista da Polícia do Rio Grande do Sul e que tipo de informações já foram levantadas?

> Paulo César Jardim - É claro que não posso te dizer a forma como estamos trabalhando e o que conseguimos levantar, porque é um trabalho de inteligência. Eles são espertos do outro lado, são uma célula do mal. Dá para ver com base em tudo que estão propugnando por aí. Posso dizer que estamos monitorando o movimento neonazista no Rio Grande do Sul há mais

de 10 anos. Temos inúmeras prisões. Mais de 35 pessoas já foram indiciadas em inquéritos policiais e denunciadas por formação de quadrilha, tentativa de homicídio. Alguns estão na condição de foragido.

< Quando o senhor se refere às tentativas de homicídio, está falando de crimes de ódio contra negros e homossexuais?

> Contra negros, homossexuais e judeus. Esse pessoal entende que negros, judeus e homossexuais são sub-raça e há uma necessidade de fazer uma “oxigenação social”, eliminando o que consideram subespécie.

Confira a entrevista.

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No final do ano passado, conseguimos abortar cinco células que estavam no Rio Grande do Sul. Era um grupo, eu diria, de tamanho bastante preocupante.

< O que o senhor considera como “tamanho bastante preocupante”?

> Quando nós encontramos bombas nas células… Encontramos farto material de propaganda, farto material de livros de convencimento, além de munições. Quando nós chegamos a constatação de que essas bombas são iguais àquelas que explodiram em São Paulo, durante a Parada Gay, onde houve feridos e mortos.Chegamos à conclusão de que a situação era preocupante. Nós temos depoimentos que diziam qual era o objetivo (do grupo). O objetivo era explodir Sinagogas e agredir o movimento da passeata livre, aqui, no Rio Grande do Sul. Graças a Deus, conseguimos abortar isso. No final do ano passado, desmontamos mais uma célula onde encontramos material de propaganda contra o senador Paulo Paim (PT-RS).

< E como tem sido a atuação da polícia diante dessas informações?

> Continuamos com o trabalho de monitoramento. Sabemos quem são, onde andam, o que fazem. Esperamos que não façam nada, que continuem com suas convicções, mas fiquem nessa de proselitismo só, porque a partir do momento que decidirem cometer ilícito penal, temos todas as condições de agir. Por isso, o monitoramento.

Quando se fala em neonazistas, a primeira referência são grupos europeus. Há quem diga que os grupos daqui, do Brasil, são compostos por meia dúzia, que tentam importar este modelo. Acho que as pessoas estão muito equivocadas.

< Quantos neonazistas o senhor estima que há por aqui?

> É bem maior do que essa meia dúzia que as pessoas pensam. Só de indiciados, temos mais de 35. O movimento não é só em Porto Alegre. Ele se estende pelo Rio Grande do Sul, com diversos segmentos… Se a senhora sabe que o Rio Grande do Sul é fronteira com a Argentina, país onde os oficiais nazistas, quando no final da Segunda Guerra, se refugiaram…

< Há ligação entre movimentos neonazistas brasileiros e argentinos?

> Só posso dizer que estamos preocupados com a Argentina aqui perto.

< A preocupação é referente a outros países vizinhos também?

> É um movimento internacional, com mais de 60 anos, que prega o prazer pelo ódio. Em algumas cartas que encontramos em células, em conversas entre eles, havia coisas

assim: “meu ódio continua o mesmo”, “meu ódio aumentou”, “meu ódio não vai acabar nunca”, “o meu ódio é sair do presídio e dar um tiro na cara de um judeu”. Eles falam isso com orgulho.

< Há razões para preocupação de fato?

> Enquanto estivermos mantendo esse controle que estamos mantendo, enquanto eles souberem desse controle, acho que podemos ter uma relativa tranquilidade. A preocupação maior é quando eles se aproximam com outros vínculos, tipo bandidos, marginais.

< Isso tem ocorrido?

> Essa é a nossa preocupação. Essa é a nossa tensão maior.

< Qual o perfil dos integrantes dessas células? Existe um definido?

> Temos uma faixa de idade que varia de 17, 18 anos até 25, 30 anos. Às vezes, um pouco mais, porque muitos deles estão envelhecendo. Vários deles têm conhecimento doutrinário.

O objetivo era explodir Sinagogas e agredir o movimento do Passe

Livre, aqui, no Rio Grande do Sul.

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Alguns têm algum nível de conhecimento, principalmente, em relação à simbologia. Daí já parte para um estudo em função das tatuagens que eles usam. Dependendo do tipo da tatuagem, sei mais ou menos qual a filosofia ou o que já fizeram, porque as tatuagens para eles funcionam como medalhas.

< A que classe social esses grupos pertencem em geral?

> Temos alguns casos de pessoas bem situadas socialmente, inclusive, com apoio dos pais. Temos outros casos de pessoas bastante simples, que eu diria que são os mais grossos, truculentos. Tudo bem que todos são truculentos. Dentro da doutrina deles, não podem deixar, por exemplo, de praticar arte marcial. Isso consta nos códigos de conduta deles que eu tenho apreendido aqui. Eles têm que exercitar alguma arte marcial para quando forem enfrentar o inimigo, possam ter condições de vencê-los. Mas não tenho dúvidas de que são grandes convardes. Só atacam em grupo de quatro, cinco contra um. Essa é a regra. Nunca há um ataque de um para um. Dois para um é muito raro. Dois para um acontece quando vão apunhalar, esfaquear por traição. Mas num ataque direto, como normalmente funciona, são aqueles brutamontes contra um mais fraco. É a regra.

< Essas articulações entre células acontecem também pela internet?

> Há fóruns, páginas neonazistas… Posso lhe dizer uma coisa? Não acredite muito no que está na internet. É um jogo de inteligência. Para um lado e para o outro.

< O senhor está dizendo que eles plantam pistas falsas para dificultar a ação da polícia?

> Claro. Estamos num jogo de inteligência no qual eles tentam nos enganar, nos ludibriar. Como a minha avó dizia: “O passarinho canta

de um lado, mas está lá, do outro”.

< Recentemente, foram descobertas 25 gangues de skinheads em São Paulo. Há uma troca de informações entre as polícias?

> Sim. O pessoal de São Paulo e do Rio Grande do Sul conversa muito. Eles vêm a Porto Alegre, nós vamos a São Paulo. A senhora lembra o seguinte: o Sul do Brasil é basicamente originário de colonização alemã, italiana, polonesa. Não esquece que já tivemos, no Rio Grande do Sul, o partido nazista, funcionando de forma oficial na década de 1930. Aqui, também, nasceu o movimento integralista.

< Baseado nessas informações que vocês, da polícia, trocam, o que se pode dizer sobre o movimento neonazista no Brasil? A concentração maior é, de fato, no Sul do

País?

> De forma nazi mais pura, encontramos no Rio Grande do Sul. Em São Paulo, vemos uma mescla. Há pessoas que se dizem neonazistas, mas são negras, mestiças. Estão meio confusas na ideologia. Se bem que há tribos

neonazi que realmente têm esse sentimento de ódio. Mas em São Paulo, as tribos são muito maiores. Tem os hooligans também. Aqui, tivemos uma tentativa do movimento neonazi de se infiltrar na torcida geral do Grêmio. Eles foram expulsos da torcida. Não tentariam na torcida do Internacional, porque historicamente é um clube de negros.

< O senhor falou de uma aproximação com a Argentina, que preocupava. Agora, e com a Europa?

> Na Europa, o movimento neonazi é muito forte em Portugal. Eu diria que se fosse me preocupar em relação a Europa, Portugal seria o País de maior relevância.

Mas não tenho dúvidas de que são

grandes convardes. Só atacam em grupo de quatro, cinco contra um. Essa é a regra.

www.anarcopunk.org/antifaMaiores informações sobre luta anti-fascista:

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LOADCOMPLETODOWNLOADCOMPLETODOWNLOADIndisciplina:

Experimentos libertários e emergência de saberes anarquistas

no Brasil

de Rogério Humberto Zeferino Nascimento

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais – Política sob a orientação do Prof. Dr. Edson Passetti.

Resumo

Os estudos contemporâneos em torno das várias realizações dos anarquistas no Brasil, no período da Primeira República, estão, no geral, matizados por uma perspectiva disciplinar. Projetando sobre o movimento anarquista uma demanda que lhe é alheia, desconsideram aspectos significativos deste movimento. Os olhares disciplinados, estabelecidos no conjunto destas pesquisas, são cegos para apreender comportamentos e pensamentos refratários à disciplina. Ao contrário, aqui evidencio o caráter indisciplinar das iniciativas libertárias, focalizando-as como recusa tanto da hierarquia nas relações sociais como de um saber seccionado que outorga poder pastoral ao especialista. Poder este tão bem estudado por Foucault. A partir da análise de duas revistas e dois jornais anarquistas, publicados no eixo Rio-São Paulo entre os anos 1907 e 1915, sigo pistas que informam sobre a desoneração das linhas divisórias entre as áreas do conhecimento e, mais além, entre vida e saber. Não há como deixar de reconhecer aproximações com o nomadismo de Deleuze. Indisciplina como desrespeito às fronteiras; também como iconoclastia e antropofagia, concebendo a existência enquanto experimento. Por sua vez, produção e socialização de conhecimento acontecem numa vibração eminentemente coletiva. Neste processo, a noção de autodidatismo, como aporte conceitual explicativo, nada, ou quase nada, tem a dizer. As relações configuram vida e saber, devendo este, como afirma Max Stirner, morrer para se transformar em vontade, esta que é a força de oposição da pessoa. Stirner apresenta a educação disciplinar como adestramento, um constante cortar de asas, negando a singularidade do único. A indisciplina, para Stirner, é saudável!

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http://anarcopunk.org/biblioteca/wp-content/uploads/2009/01/indisciplina-tese-rogerio.pdf

Vigiar e Punirde Michel Foucault

Resumo

“Que as punições em geral e a prisão se originem de uma tecnologia política do corpo, talvez me tenha ensinado mais pelo presente do que pela história. Nos últimos anos, houve revoltas em prisões em muitos lugares do mundo. Os objetivos que tinham, suas palavras de ordem, seu desenrolar tinham certamente qualquer coisa de paradoxal. Eram revoltas contra toda uma miséria física que dura há mais de um século: contra o frio, contra a sufocação e o excesso de população, contra as paredes velhas, contra a fome, contra os golpes. Mas eram também revoltas contra as prisões modelos, contra os tranqüilizantes, contra o isolamento, contra o serviço médico ou educativo. Revoltas cujos objetivos eram só materiais? Revoltas contraditórias contra a decadência, e ao mesmo tempo contra o conforto; contra os guardas, e ao mesmo tempo contra os psiquiatras?”

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http://anarcopunk.org/biblioteca/wp-content/uploads/2009/01/foucault-vigiar-e-punir-michel-foucault.pdf

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LOADCOMPLETODOWNLOADCOMPLETODOWNLOADEntrevistas:

Jaime Cuberos

Resumo

“(…) Fizeram uma espécie de concurso: a primeira classe que fosse toda com o uniforme completo naquele dia não teria aula e poderia brincar, jogar bola. Isso era para entusiasmar a meninada! Então nós ganhamos. E claro, jogamos bola. Mas quando íamos embora o professor disse: “Os outros – eram duas classes de 4° ano – não conseguiram, tiveram dificuldades e não vão nos acompanhar. Vamos todos juntos lá, formar uma comissão e falar com o diretor para liberar a outra classe, para virem brincar com a gente também”. Solidário! Quer dizer, são atitudes que demonstram, pelo menos, um sentimento e uma prática em relação à pedagogia que contraria totalmente… Olha, você vai me desculpar, agora vou abrir um parênteses aqui: eu, por exemplo, falando da minha vida e das minhas experiências é que vou falando também de anarquismo.”

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http://anarcopunk.org/biblioteca/wp-content/uploads/2009/01/entrevistas-jaime-cubero.pdf

As Matanças de Anarquistas na Revolução Russade Juan Manuel Ferrario

O Mito do Partido, de Federação de Estudantes Libertários, & outros escritos.

Resumo

“(…) A verdadeira história é escrita pelos povos, com seu sacrifício, suasdores e sua coragem.

Estas páginas nos falam de uma porção da história que pretenderam apagar, nosso desafio é recuperá-la do esquecimento, porque as injustiças de ontem persistem e o caminho a seguir requer de memória e reconhecimento para com aquelas mulheres e homens que fizeram da solidariedade uma bandeira digna e luminosa.

Bandeira que empunhamos com coragem e alegria na luta pela emancipação integral dos indivíduos e dos povos. Por uma sociedade sem exploradores nem explorados, sem opressores nem oprimidos.”

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http://anarcopunk.org/biblioteca/wp-content/uploads/2009/01/as-matancas-de-anarquistas-na-rev-russa.pdf

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LOADCOMPLETODOWNLOADCOMPLETODOWNLOADREVOLUÇÃO CUBANA

Mais à esquerda que o Castrismo

de Júnior Bellé

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais – Política sob a orientação do Prof. Dr. Edson Passetti.

Resumo

Em 1º de janeiro de 2009 completa-se 50 anos da Revolução Cubana. Neste mesmo dia, em 1959, Fidel Castro destrona Fulgencio Bastista e torna-se o novo ditador da ilha. Este artigo trata das histórias desta revolução e daqueles que terminaram traídos por ela.

“Uma mudança política que apenas coloque as mesmas estruturas a serviço de um novo grupo social, de um partido ou de um chefe não muda para o trabalhador sua condição de explorado, e para o cidadão sua condição de dominado.

Uma mudança como esta não é uma revolução social, a menos que se entenda como tal uma simples substituição de governantes através de um golpe de Estado ou de uma insurreição armada. E foi isso que aconteceu em Cuba: Bastista foi substituído por Castro. E para consolidar sua hegemonia e perpetuar-se no poder, Castro serviu-se de um pretexto ideológico, a “revolução” marxista, identificando esta com a sua pessoa e vice-versa.” Mas não era isso que Octávio Alberola pensava 50 anos atrás.

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http://www.alquimidia.org/faisca/arquivosSGC/junior_belle_revolucao_cubana.pdf

O Libertário (jornal) jan/fev 2011

Resumo

Edição Janeiro/Fevereiro 2011 do jornal O Libertário

Distribua a versão impressa de O Libertário e contribua com o fortalecimento do Anarquismo em nossa região.

Pacote distribuição 10 exemplares – 8 reais

Pacote distribuição 20 exemplares – 14 reais

Efetue depósito em:

Banco Bradesco Agência: 0189 Conta Corrente: 0089120-7

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Informando também o endereço postal para envio do pacote.

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LOADCOMPLETODOWNLOADCOMPLETODOWNLOADO QUE É ANARQUISMO?

de Nicolas Walter

Resumo

O anarquismo é a ideologia dos anarquistas; os anarquistas são os partidários da Anarquia; a Anarquia (do grego anarkhia) é a ausência de governo, a ausência de autoridade instituída, a ausência de chefes permanentes numgrupo humano.

Pode-se interpretar a Anarquia de modo negativo ou positivo. Ela é amiúde condenada sob o pretexto de que conduz ao caos, que a liberdade depende da autoridade, que a sociedade depende do Estado, que a ordem depende de outras ordens, as regras de governantes e a lei de legisladores. Ela pode, bem ao contrário, ser positivamente esperada, pois permitiria à sociedade libertar-se do jugo do Estado e à humanidade da autoridade, ao mesmo tempo encorajando a espontaneidade, a autogestão, o apoio mútuo e a liberdade autêntica. O anarquismo é a teoria política do que denominaremos anarquia positiva.

Uma antiga idéia

Comportamentos favoráveis à Anarquia existiram durante mais de dois mil anos, e muito antes que surgisse o Anarquismo. Escritores dissidentes da Grécia e da Roma antigas, da China e da Índia antigas condenaram a autoridade e reivindicaram a Anarquia. Mais próximo de nós, autores como William Godwin, em 1793, ou Max Stirner, em 1844, por exemplo, refletiram sobre a Anarquia. Movimentos insurrecionais e comunidades utópicas, no transcurso da história, aboliram as formas tradicionais de governo sem adotar novas, ao menos durante um tempo. Experiências marcantes foram iniciadas na Europa e na América nos séculos XVIII e XIX. Mas a evolução da teoria e das práticas anarquistas no seio e uma ideologia anarquista permanente dependiamde uma estreita adequação entre as idéias e os atos.

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http://www.alquimidia.org/faisca/arquivosSGC/oquee_nicolaswalter.pdf

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Não podemos ignorar igualmente que vivemos hoje novos processos de exploração condicionadores e robotizadores introduzidos pela tecnologia e a eletrônica. O empilhamento das populações em espigões de aço e/ou concreto armado, em compartimentos estanques, implantados em cidades altamente poluídas pelas indústrias, a vigilância com ajuda dos computadores e a substituição do braço operário pelos robôs, isolando o homem, reduzindo-lhe a sensibilidade, o sentido da solidariedade humana, há cincoenta anos atrás praticamente não existiam.

Nesses anos distantes o homem não era “fiscalizado” pelos computadores, hoje à disposição dos Governantes, nas sedes da polícia para codificá-lo, numerá-lo, escrever-lhe a biografia com um apertar de botões e nem o império das informações, detentor e negociante dos Canais de Comunicações, encarregados de divulgar notícias desportivas, comerciais, músicas, cigarros, drogas milagrosas ilustradas com jovens nuas, repetidamente até saturar pela fantasia o poder de audição humana, reduzindo a

capacidade de recepção do ouvinte pelo bloqueio do cérebro, produzindo dificuldades à inteligência na escolha e decisão. Em 1925 o comerciante estava longe de transformar as pessoas, principalmente a juventude, em propagandistas itinerantes de seus produtos. Mas em que pesem os anos decorridos, as mudanças tecnológicas, políticas e sociais, A Doutrina Anarquista ao Alcance de Todos, de José Oiticica, ainda é uma mensagem emancipadora, um convite à reflexão, ao estudo do Anarquismo!

O anarquista não ignora que o ser humano, encarado individualmente, traz ao nascer disposições psíquicas que, no conjunto, refletem as influências atávicas, hereditárias, exercidas ao longo dos séculos transmitidas de gerações a gerações, e que esses males não desaparecem da noite para o dia, com castigos e/ou pancadas no exterior do homem quando o mal vêm do cérebro, é interno, nem com a marginalização e a punição. Do meio em que cresceu, do ambiente — dentro do lar, em torno do lar e na escola — em que vive os primeiros anos de vida, dependerá a formação de seu caráter e este guiará os seus

Escrito de Edgar Rodrigues, retirado do prefácio de “A doutrina anarquista ao alcance de todos” de José Oiticica - Econômica Editorial

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atos durante a sua existência.

As forças atávicas, o temperamento, as influências ambientais do meio que cercam as crianças e lhes impõem formas de vida, as pressões religiosas, políticas, económicas, sociais e a educação determinarão a sua personalidade, o seu comportamento positivo, negativo, variável e/ou artificial. O ser humano é fruto da sociedade em que viveram seus antepassados, do meio onde nasceu, dos padrões religiosos, políticos, econômicos, sociais, culturais, opressivos e repressivos predominantes com os quais teve de conviver. Aí estão as manchetes dos jornais, as notícias da imprensa falada e o que acontece nos bastidores, uma vez ou outra do conhecimento do público para mostrar aos jovens de hoje, o comportamento dos adultos do seu tempo, em cujas escolas aprendem a explorar, a punir e a governar os seus semelhantes. E não se diga que isto é fruto dos regimens capitalistas, porque nos “socialistas”, como a Rússia, os atos antissociais e de violência são frequentes, em muitos casos até em percentagens superiores aos regimens democráticos.

Logo, não é válida a concepção de que o poder e o Governo evitam, pela sua existência, e com suas punições, atos antissociais e violentos.

O anarquismo pode perfeitamente demonstrar que estes são o resultado da organização social baseada nas hierarquias e na desigualdade a todos os níveis. O roubo, os atentados contra pessoas e contra os bens resultam na organização viciada que impede uma imensa maioria de seres humanos, como nós, de satisfazer as suas necessidades físicas e psíquicas, materiais e emocionais! Têm suas raízes na propriedade privada, suas origens no “direito” de uns poucos estragarem aquilo que milhões carecem, em geral os que trabalham oito e mais horas diárias. E, quando

o impulso do temperamento é demasiado forte, quando a necessidade fala mais alto, a injustiça grita primeiro, o indivíduo “infringe” as leis estatais, estudadas, escritas, aprovadas e decoradas por uns poucos para submeter muitos à obediência, para consagrar a espoliação do homem pelo homem. Tais atos são qualificados de antissociais, quando eles na realidade têm origem na opressão, na desigualdade codificada e garantida pelos Governantes, que detêm as riquezas naturais, a ciência a tecnologia, e se transformaram em sócios do trabalho assalariado, recebendo sua parte em forma de imposto.

Numa sociedade em que cada indivíduo tenha a faculdade de se desenvolver livre e integralmente, enquanto educado dentro de padrões de liberdade responsável, como elemento ativo, participante e usufrutuário,

estes atos certamente serão reduzidos a um mínimo de desajustes psíquicos, dada a ausência das causas que hoje os determinam. Por outro lado, está provado cientificamente, que dentro da atual sociedade, não existe nenhum meio repressivo e/ou punitivo capaz de impedir que os atentados à criatura

humana e à propriedade privada aconteçam. A violência imposta em nível de sociedade gera a violência individual cada vez em maiores dimensões, e para punir os “infratores”, o Governo procura soluções externas. E, no entanto, o mal tem de ser combatido nas suas origens, está intrinsecamente ligado ao meio ambiente, às potencialidades hereditárias, à educação desigual a que o ser humano é submetido desde a infância!

O homem “infringe” códigos e leis elaboradas pelo seu semelhante acreditando poder burlar a vigilância e escapar à penalidade determinada para castigar seu ato. Comete delitos anti-humanos e antissociais a todos os níveis, porque sua vontade é insuficiente

E por mais violentas que as leis sejam, são sempre impotentes para prevenir

e evitar os delitos e os crimes, (a pena de morte nunca impediu o crime, logo comprova nossas

afirmações).

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para impedir os motivos psicológicos que o impulsionam a praticá-los! A insuficiência da sua vontade resulta da educação recebida, dos meios frequentados, faz parte dos seus vícios orgânicos, dos arquétipos hereditários e da deformação do caráter que lhe foi imposto pela sociedade. E por mais violentas que as leis sejam, são sempre impotentes para prevenir e evitar os delitos e os crimes, (a pena de morte nunca impediu o crime, logo comprova nossas afirmações).

Ao contrário, a vio-lência de cima ativa a violência de baixo, provoca-a, ajuda-a a crescer.

Por isso, sua im-potência reflete a sua incompetência! Nega a sua própria validade! É a sua autocondenação! Quando a auto-ridade irracional pensa acabar com a necessidade, a usur-pação que ela mesma representa e defende, contrariando o direito das pessoas e é impo-tente para cumprir sua pretendida missão, declara-se falida na realidade!

O Governo ou é dominação brutal, violenta, autoritária de uns poucos sobre muitos, ou é um mecanismo diplomático, criador de cercas jurídicas para assegurar o domínio e o privilégio daqueles que, por força, astúcia ou herança, monopolizaram todos os meios de vida: a ciência, a tecnologia, a eletrônica, os canais de comunicação, a energia, o maquinário, empórios imobiliários, o solo e o subsoío, fontes de matérias-primas, servindo-se deste potencial para manter o povo dependente, seu assalariado.

Tais sistemas políticos empregam dois métodos principais para dominar e punir

o homem: diretamente pela força bruta, a violência física e psicológica, e indiretamente, transformando o produtor em assalariado, reduzindo-lhe a subsistência, obrigando-o assim a submeter-se incondicionalmente às suas condições. O primeiro é originário do poder, do privilégio político; o segundo é proveniente do privilégio económico.

A opressão pode ser determinada também por condicionamentos segregacionais e/ou injetados na inteligência e nos sentimentos

por força da religião, do conceito de pá-tria, na escola, na Universidade e no seio da família, em doses homeopáti-cas. Mas da mesma forma que essa aceitação só existe como resultado das imposições materi-ais, também a men-tira e as organiza-ções fundadas para propagar esse sen-timento só viverão

enquanto forem consequência dos privilégios políticos, econômicos, hierárquicos e sociais.

No dia em que isso foi abolido, os meios para defender e consolidar as classes, os privilégios, ruirão por carência de utilidade. Para os anarquistas, abolir a autoridade irracional, dispensar os seus serviços e os do Governo do homem sobre o homem, não significa destruir as energias e as capacidades individuais e/ou coletivas existentes na espécie humana, pelo contrário, a sua intenção é desenvolvê-las, aperfeiçoá-las, usando como motor de propulsão a liberdade responsável e a solidariedade humana!

O anarquista não pretende reduzir as energias humanas, isto seria o mesmo que reduzir a humanidade ao estado de uma massa de átomos imóveis, sem ação nem movimentos,

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seria a destruição de todo organismo social, a sua morte.

Ao contrário, sua meta é fazer de cada indivíduo uma unidade átiva, capaz de dirigir seus movimentos, gerir sua produção, de se Autogovernar. O anarquista quer promover abolição do monopólio da força e da influência deformadoras, ou mais exatamente, substituir todos os maquinismos capazes de alienar o homem, de desmemoriá-lo e converter a desigualdade social em instrumento do pensamento, dos interesses de um pequeno número de indivíduos, que canalizam e absorvem energias usando-as exclusivamente em proveito próprio, impedindo assim que estas se convertam numa ordem social generosa e boa para todos.

Em contraposição ao sistema que tem como pilares de sustentação a autoridade irracional, o Governo e o clero incapazes de tornar o homem em irmão do homem, de uni-lo voluntariamente, o anarquista trabalha pela reconstituição de uma sociedade em que cada ser possa ser solidariamente produtor-consumidor, na medida as forças, capacidades, aptidões e necessidades; trabalha por uma Educação Nova, capaz de converter os seres humanos em irmãos convictos, conscientes de que o bem-estar ou a infelicidade de um dos seus membros, significa a alegria ou tristeza de cada um e de todos.

Os anarquistas firmam-se na falência político-administrativa dos Governos conhecidos até hoje, para proporem uma nova ordem social resultante da liberdade de relações entre indivíduos livremente associados, sempre dissolúveis, ligados por laços de

solidariedade humana.

Partindo deste ponto, a moral anarquista pretende o desenvolvimento da vontade individual, já, que só homens com vontade própria, conscientes, de mentes arejadas,

com amplas visões humanitaristas e ecológicas, serão individualmente capazes de se autodirigirem, de vencer os atavismos, de arrancar de dentro de si mesmo o “pequeno-reacionário” que cada um de nós carrega no inconsciente coletivo e que tanto dificulta o indivíduo de perceber verdades incontestáveis! Que não tem necessidades superiores ou inferiores às dos seus semelhantes, nem precisa de líderes ou chefes para construir uma Nova Sociedade onde um homem vale um homem. Que do livre concurso de todos mediante associações espontâneas dos indivíduos, segundo suas simpatias (afinidades de temperamento e/ou emocionais) e carências de baixo para cima, a partir de interesses e necessidades imediatas, até chegar às mais afastadas e gerais. Nascerá então uma organização social sempre sujeita a modificações em razão da maior experiência adquirida, já que o anarquista é um estudioso permanente, um pesquisador em busca da perfeição. Todos os dias abrem-se caminhos novos para o aperfeiçoamento em benefício da nova sociedade.

Em Anarquia nada é estável, definitivo, tudo evolui.

por Edgar Rodrigues

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Primitivo Raymundo Soares, mais conhecido como Florentino de Carvalho 1883-1947 cortesia de Rogério Nascimento - Pesquisador Anarquista e Doutor em Ciências Sociais – Política