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paulo-granja
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Detector de mentiras
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A ARTE REFINADADE DETECTAR MENTIRAS
A compreens„o humana n„o È um exame desinteressado, mas recebeinfusıes da vontade e dos afetos; disso se originam ciÍncias quepodem ser chamadas ìciÍncias conforme a nossa vontadeî. Pois umhomem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade.Assim, ele rejeita coisas difÌceis pela impaciÍncia de pesquisar;coisas sensatas, porque diminuem a esperanÁa; as coisas maisprofundas da natureza, por superstiÁ„o; a luz da experiÍncia, porarrog‚ncia e orgulho; coisas que n„o s„o comumente aceitas, pordeferÍncia ‡ opini„o do vulgo. Em suma, in˙meras s„o as maneiras,e ‡s vezes imperceptÌveis, pelas quais os afetos colorem econtaminam o entendimento.
Francis Bacon, Novum Organon (1620)
Meus pais morreram h· anos. Eu era muito ligado a eles. Ainda
sinto uma saudade terrÌvel. Sei que sempre sentirei. Desejo acreditar que sua
essÍncia, suas personalidades, o que eu tanto amava neles, ainda existe ñ real
e verdadeiramente ñ em algum lugar. N„o pediria muito, apenas cinco ou dez
minutos por ano, para lhes contar sobre os netos, pÙ-los ao corrente das
˙ltimas novidades, lembrar-lhes que eu os amo. Uma parte minha ñ por mais
infantil que pareÁa ñ se pergunta como È que estar„o. ìEst· tudo bem?î,
desejo perguntar. As ˙ltimas palavras que me vi dizendo a meu pai, na hora
de sua morte, foram: ìTome cuidadoî.
¿s vezes sonho que estou falando com meus pais, e de repente ñ
ainda imerso na elaboraÁ„o do sonho ñ sou tomado pela consciÍncia
esmagadora de que eles n„o morreram de verdade, de que tudo n„o passou
de um erro horrÌvel. Ora, ali est„o eles, vivos e bem de sa˙de, meu pai
fazendo piadas inteligentes, minha m„e muito sÈria me aconselhando a usar
uma manta porque est· frio. Quando acordo, passo de novo por um processo
abreviado de luto. Evidentemente, existe algo dentro de mim que est· pronto
a acreditar na vida apÛs a morte. E que n„o est· nem um pouco interessado
em saber se h· alguma evidÍncia sÈria que confirme tal coisa.
Por isso, n„o rio da mulher que visita o t˙mulo do marido e
conversa com ele de vez em quando, talvez no anivers·rio de sua morte. N„o
È difÌcil de compreender. E se tenho dificuldades com o status oncolÛgico
daquele com que ela est· falando, n„o faz mal. N„o È isso que importa. O que
importa È que os seres humanos s„o humanos. Mais de um terÁo dos adultos
norte-americanos acreditam que em algum nÌvel estabeleceram contato com
os mortos. O n˙mero parece ter dado um pulo de 15% entre 1977 e 1988. Um
quarto dos norte-amercaicanos acredita em reencarnaÁ„o.
Mas isso n„o significa que estou disposto a aceitar as pretensıes de
um ìmÈdiumî, que afirma canalizar os espÌritos dos seres amados que
partiram, quando tenho consciÍncia de que a pr·tica est· cheia de fraudes. Sei
o quanto desejo acreditar que meus pais sÛ abandonaram os cascos de seus
corpos, como insetos ou cobras na muda, e partiram para outro lugar.
Compreendo que esses sentimentos poderiam me tornar uma presa f·cil atÈ
para um trapaceiro pouco inteligente, de pessoas normais que desconhecem
suas mentes inconscientes, ou dos que sofrem de uma desordem psiqui·trica
dissociativa. Relutantemente, ponho em aÁ„o algumas reservas de ceticismo.
Como È, pergunto a mim mesmo, que os canalizadores nunca nos
d„o informaÁıes verific·veis que s„o inacessÌveis por outros meios? Por que
Alexandre, o Grande, nunca nos informa sobre a localizaÁ„o exata de sua
tumba, Fermat sobre o seu ˙ltimo teorema, James Wilkes Booth sobre a
conspiraÁ„o do assassinato de Lincoln, Hermann Gˆering sobre o incÍndio do
Reichstag? Por que SÛfocles, DemÛcrito e Aristarco n„o ditam as suas obras
perdidas? N„o querem que as geraÁıes futuras conheÁam as suas obras-
primas?
Se fosse anunciada alguma evidÍncia real de vida apÛs a morte,
desejaria muito examin·-la; mas teria de ser uma evidÍncia real cientÌfica, e
n„o simples anedota. Em casos como A Face em Marte e os raptos por
alienÌgenas, eu diria que È melhor a verdade dura do que a fantasia
consoladora. E, no cÙmputo final, revela-se freq¸entemente que os fatos s„o
mais consoladores que a fantasia.
A premissa fundamental da ìcanalizaÁ„oî, do espiritismo e de
outras formas de necromancia È que n„o morremos quando experimentamos
a morte. N„o exatamente. Continua a existir alguma parte de nÛs que pensa,
sente e tem memÛria. Seja o que for ñ alma ou espÌrito, nem matÈria nem
energia, mas alguma outra coisa ñ, essa parte pode entrar novamente em
corpos humanos ou de outros seres, e assim a morte perde grande parte de
sua ferroada. E ainda mais: se as afirmaÁıes do espÌrita ou canalizador s„o
verdadeiras, temos uma oportunidade de entrar em contato com os seres
amados que morreram.
J. Z. Knight, do estado de Washington, afirma estar em contato com
um ser de 35 mil anos chamado Ramtha. Ele fala inglÍs muito bem, usando a
lÌngua, os l·bios e as cordas vocais de Knight, com um sotaque que me parece
hindu. Como a maioria das pessoas sabe como falar, e muitas ñ de crianÁas a
atores profissionais ñ tÍm um repertÛrio de vozes a seu dispor, a hipÛtese
mais simples sugere que È a prÛpria sra. Knight que faz Ramtha falar, e que
ela n„o tem contato com entidades desencarnadas da Època plistocena glacial.
Se h· provas em contr·rio, gostaria muito de conhecer. Seria
consideravelmente mais impressionante se Ramtha pudesse falar por si
mesmo, sem a ajuda da boca da sra. Knight. Isso n„o sendo possÌvel, como
podemos testar a afirmaÁ„o? (a atriz Shirley MacLaine afirma que Ramtha foi
seu irm„o em Atl‚ntida, mas isso j· È outra histÛria.)
Vamos supor que Ramtha pudesse ser interrogado. PoderÌamos
verificar se ele È quem afirma ser? Como È que ele sabe que viveu h· 35 mil
anos, mesmo aproximadamente? Que calend·rio emprega? Quem est·
tomando nota dos milÍnios intermedi·rios? Trinta e cinco mil mais ou menos
o quÍ? Como È que eram as coisas h· 35 mil anos? Ou Ramtha tem realmente
essa idade, e nesse caso vamos descobrir alguma coisa sobre esse perÌodo, ou
È uma fraude e ele (ou melhor, ela) vai se trair.
Onde È que Ramtha vivia? (Sei que fala inglÍs com sotaque hindu,
mas onde È que falavam assim h· 35 mil anos?) Como era o clima? O que
Ramtha comia? (Os arqueÛlogos tÍm alguma noÁ„o do que as pessoas
comiam nessa Època.) Quais eram as lÌnguas autÛctones, e qual era a
estrutura social? Com quem Ramtha vivia ñ com a mulher, mulheres, filhos,
netos? Qual era o ciclo de vida, a taxa de mortalidade infantil, a expectativa
de vida? Eles tinham controle populacional? Que roupas vestiam? Como elas
eram fabricadas? Os instrumentos e as estratÈgias de caÁa e pesca? Armas?
Sexismo endÍmico? Xenofobia e etnocentrismo? E, se Ramtha descendia da
ìelevada civilizaÁ„oî de Atl‚ntida, onde est„o os detalhes ling¸Ìsticos,
tecnolÛgicos, histÛricos e de outra natureza? Como era sua escrita?
Respondam. Em lugar disso, a ˙nica coisa que recebemos s„o homilias
banais.
Para dar outro exemplo, eis um conjunto de informaÁıes que n„o
foram canalizadas de um morto antigo, mas de entidades n„o humanas
desconhecidas que faziam cÌrculos nas plantaÁıes, assim como foi registrado
pelo jornalista Jim Schnabel:
Estamos muito ansiosos por essa naÁ„o pecadora estar espalhando
mentiras sobre nÛs. N„o viemos em m·quinas, n„o pousamos na Terra em
m·quinas [...]. Viemos com o vento. Somos a ForÁa Vital. A ForÁa Vital do
solo [...]. Viemos atÈ aqui [...]. Estamos apenas a um sopro de dist‚ncia [...]
a um sopro de dist‚ncia [...] n„o estamos a milhıes de milhas de dist‚ncia
[...] uma ForÁa Vital que È mais potente que as energias do corpo humano.
Mas nÛs nos reunimos num nÌvel mais elevado de vida[...]. N„o
precisamos de nome. Vivemos num mundo paralelo ao seu, ao lado do seu
[...]. Os muros se romperam. Dois homens surgir„o do passado [...] o
grande urso [...] o mundo encontrar· a paz.
As pessoas d„o atenÁ„o a essas maravilhas pueris, principalmente
porque elas prometem algo parecido com a religi„o dos velhos tempos, mas
sobretudo a vida depois da morte, atÈ a vida eterna.
O vers·til cientista brit‚nico J. B. S. Haldane, que foi, entre muitas
outras coisas, um dos fundadores da genÈtica populacional, propÙs certa vez
uma perspectiva muito diferente para algo semelhante ‡ vida eterna. Haldane
imaginava um futuro distante em que as estrelas se obscureciam e o espaÁo
foi preenchido em sua maior parte por um g·s frio e fino. Ainda assim, se
esperarmos bastante tempo, ocorrer„o flutuaÁıes estatÌsticas na densidade
desse g·s. Ao longo de imensos perÌodos, as flutuaÁıes ser„o o suficiente
para reconstituir um Universo parecido com o nosso. Se o Universo È
infinitamente antigo, haver· um n˙mero infinito dessas reconstituiÁıes,
apontava Haldane.
Assim, num Universo infinitamente antigo com um n˙mero infinito
de nascimentos de gal·xias, estrelas, planetas e vida, deve reaparecer uma
Terra idÍntica em que vocÍ e todos os seus seres queridos voltar„o a se
reunir. Serei capaz de rever meus pais e apresentar-lhes os netos que eles n„o
conheceram. E tudo isso n„o acontecer· apenas uma vez, mas um n˙mero
infinito de vezes.
Entretanto, de certo modo isso n„o oferece os consolos da religi„o.
Se nenhum de nÛs vai lembrar o que aconteceu desta vez, a Època que o leitor
e eu estamos partilhando, as satisfaÁıes da ressurreiÁ„o do corpo, pelo menos
aos meus ouvidos, soam ocas.
Mas nessa reflex„o subestimei o que significa infinidade. Na
imagem de Haldane, haver· universos, na verdade um n˙mero infinito de
universos, em que nossas mentes recordar„o perfeitamente todas as vidas
anteriores. A satisfaÁ„o est· ‡ m„o ñ moderada, no entanto, pela idÈia de
todos esses outros universos que tambÈm passar„o a existir (novamente, n„o
uma vez, mas um n˙mero infinito de vezes) com tragÈdias e horrores que
superam em muito qualquer coisa que j· experimentei desta vez.
Entretanto, o Consolo de Haldane depende do tipo de universo em
que vivemos, e talvez de arcanos, como, por exemplo, saber se h· bastante
matÈria para finalmente reverter a expans„o do universo, e o car·ter das
flutuaÁıes no v·cuo. Ao que parece, aqueles que sentem um profundo desejo
de vida apÛs a morte poderiam se dedicar ‡ cosmologia, ‡ gravidade
qu‚ntica, ‡ fÌsica das partÌculas elementares e ‡ aritmÈtica transfinita.
Clemente de Alexandria, um dos padres da Igreja primitiva, em
suas ExortaÁıes aos Gregos (escritas em torno do ano 190), rejeitava as crenÁas
pag„s em termos que pareceriam hoje em dia um pouco irÙnicos:
Estamos realmente longe de permitir que os homens adultos dÍem
ouvidos a essas histÛrias. Mesmo aos nossos filhos, quando eles berram de
cortar o coraÁ„o, como se diz, n„o temos o h·bito de contar histÛrias
fabulosas para acalm·-los.
Em nossa Època, temos padrıes menos severos. Contamos ‡s
crianÁas histÛrias sobre o Papai Noel, o coelhinho da P·scoa e a fada do dente
por razıes que achamos emocionalmente sadias, mas depois, antes de
crescerem, nÛs os desiludimos sobre esses mitos. Por que nos desdizemos?
Porque o seu bem-estar como adultos depende de eles conhecerem o mundo
tal como È. NÛs nos preocupamos, e com raz„o, com os adultos que ainda
acreditam em Papai Noel.
Sobre as religiıes doutrin·rias, escreveu o filÛsofo David Hume que
os homens n„o ousam confessar, nem mesmo a seus coraÁıes, as d˙vidas
que tÍm a respeito desses assuntos. Eles valorizam a fÈ implÌcita; e
disfarÁam para si mesmos a sua real descrenÁa, por meio das afirmaÁıes
mais convictas e do fanatismo mais positivo.
Essa descrenÁa tem conseq¸Íncias morais profundas, como escreveu
o revolucion·rio americano Tom Paine em The age of reason:
A descrenÁa n„o consiste em acreditar, nem em desacreditar; consiste em
professar que se crÍ naquilo que n„o se crÍ. … impossÌvel calcular o dano
moral, se È que posso cham·-lo assim, que a mentira mental tem causado
na sociedade. Quando o homem corrompeu e prostituiu de tal modo a
castidade de sua mente, a ponto de empenhar a sua crenÁa profissional em
coisas que n„o acredita, ele est· preparado para a execuÁ„o de qualquer
outro crime.
A formulaÁ„o de T. H. Huxley foi:
O fundamento da moralidade È [...] renunciar a fingir que se acredita
naquilo que n„o comporta evidÍncias, e a repetir proposiÁıes ininteligÌveis
sobre coisas que est„o alÈm das possibilidades do conhecimento.
Clement, Hume, Paine e Huxley estavam todos falando de religi„o.
Mas a grande parte do que escreveram tÍm aplicaÁıes mais gerais ñ por
exemplo, para as importunidades disseminadas no pano de fundo de nossa
civilizaÁ„o comercial: h· um tipo de comercial de aspirina em que atores
fingindo ser mÈdicos revelam que o produto do concorrente tem apenas
determinada fraÁ„o do ingrediente analgÈsico que os mÈdicos mais
recomendam ñ eles n„o dizem qual È o misterioso ingrediente. Enquanto o
seu produto tem uma quantidade drasticamente maior (1,2 a 2 vezes mais por
comprimido). Por isso, comprem esse produto. Mas por que n„o tomar dois
comprimidos do concorrente? Ou considere-se o caso do analgÈsico que
funciona melhor do que o produto de ìpotÍncia regularî do concorrente. Por
que n„o tomar o produto de ìpotÍncia extraî do outro fabricante? E eles
certamente n„o falam nada sobre as mais de mil mortes por ano causadas
pelo uso de aspirina nos Estados Unidos ou os aparentes 5 mil casos anuais
de disfunÁ„o renal provocados pelo uso de acetaminofeno, de que a marca
mais vendida È o Tylenol. (Isso, contudo, talvez represente um caso de
correlaÁ„o sem causalidade.) Ou quem se importa em saber quais os cereais
que tÍm mais vitamina, quando podemos tomar uma pÌlula de vitamina no
cafÈ da manh„? Da mesma forma, que importa saber que um anti·cido
contÈm c·lcio, se o c·lcio serve para a nutriÁ„o e È irrelevante para a gastrite?
A cultura comercial est· cheia de informaÁıes errÙneas e subterf˙gios
semelhantes ‡ custa do consumidor. N„o se devem fazer perguntas. N„o
pensem. Comprem.
As explicaÁıes pagas dos produtos, especialmente se feitas por
verdadeiros ou pretensos especialistas, constituem uma saraivada constante
de logros. Revelam menosprezo pela inteligÍncia dos clientes. Criam uma
corrupÁ„o insidiosa das atitudes populares a respeito da objetividade
cientÌfica. Hoje, existem atÈ comerciais em que cientistas reais, alguns de
consider·vel distinÁ„o, atuam como garotos-propaganda para as empresas.
Eles nos ensinam que tambÈm os cientistas mentem por dinheiro. Como
alertou Tom Paine, o fato de nos acostumarmos com mentiras cria o
fundamento para muitos outros males.
Enquanto escrevo, tenho diante de mim o programa da Whole Life
Expo, a exposiÁ„o anual da Nova Era realizada em San Francisco. …
comumente visitada por dezenas de milhares de pessoas. Ali especialistas
muito question·veis fazem propaganda de produtos muito question·veis. Eis
algumas das apresentaÁıes: ìComo proteÌnas presas no sangue produzem
dor e sofrimentoî. ìCristais, talism„s ou pedras?î (Tenho a minha opini„o.)
Prossegue: ìAssim como um cristal focaliza as ondas sonoras e luminosas
para o r·dio e a televis„oî ñ o que È um erro insÌpido de quem n„o
compreende como o r·dio e a televis„o funcionam ñ, ìele pode amplificar as
vibraÁıes espirituais para o ser humano afinadoî. Ou mais esta: ìO retorno
da deusa, um ritual de apresentaÁ„oî. Outra: ìSincronismo, a experiÍncia do
reconhecimentoî. Essa È fornecida pelo ìirm„o Charlesî. Ou, na p·gina
seguinte: ìVocÍ, Saint-Germain e a cura pela chama violetaî. E assim
continua, com milhares de an˙ncios sobre as ìoportunidadesî ñ percorrendo
a gama estreita que vai do d˙bio ao esp˙rio ñ que se acham ‡ disposiÁ„o na
Whole Life Expo.
Algumas vÌtimas de c‚ncer, perturbadas, fazem peregrinaÁıes ‡s
Filipinas, onde ìcirurgiıes medi˙nicosî, depois de esconder na palma da
m„o pedaÁos de fÌgado de galinha ou coraÁ„o de bode, fingem tocar nas
entranhas do paciente e retirar o tecido doente, que È ent„o triunfantemente
exibido. Certos lÌderes de democracias ocidentais consultam regularmente
astrÛlogos e mÌsticos antes de tomar decisıes de Estado. Sob a press„o
p˙blica por resultados, a polÌcia, ‡s voltas com um assassinato n„o
solucionado ou um corpo desaparecido, consulta ìespecialistasî de ESP
(percepÁ„o extra-sensorial) (que nunca adivinham nada alÈm do esperado
pelo senso comum, mas a polÌcia, dizem os ESPs, continua a cham·-los).
Anuncia-se a previs„o de uma divergÍncia com naÁıes advers·rias, e a CIA,
estimulada pelo Congresso, gasta dinheiro dos impostos para descobrir se
podemos localizar submarinos nas profundezas do oceano concentrando o
pensamento neles. Um ìmÈdiumî ñ usando pÍndulos sobre mapas e varinhas
rabdom‚nticas em aviıes ñ finge descobrir novos depÛsitos minerais; uma
companhia mineira australiana lhe adianta elevada soma de dÛlares,
irrecuper·vel em caso de fracasso, garantindo-lhe uma participaÁ„o na
exploraÁ„o do minÈrio em caso de sucesso. Nada È descoberto. Algumas
est·tuas de Jesus ou murais de Maria ficam manchados de umidade, e
milhares de pessoas bondosas se convencem de que testemunharam um
milagre.
Todos esses s„o casos de mentiras provocadas ou presumÌveis.
Acontece um logro, ora de forma inocente, mas com a colaboraÁ„o dos
envolvidos, ora com premeditaÁ„o cÌnica. Em geral, a vÌtima se vÍ presa de
forte emoÁ„o ñ admiraÁ„o, medo, gan‚ncia, dor. A aceitaÁ„o crÈdula da
mentira talvez nos custe dinheiro: È o que P. T. Barnum apontou, ao afirmar:
ìNasce um ot·rio a cada minutoî. Mas pode ser muito mais perigoso do que
isso, e quando os governos e as sociedades perdem a capacidade de pensar
criticamente os resultados podem ser catastrÛficos ñ por mais que
deploremos aqueles que engoliram a mentira.
Na ciÍncia, podemos comeÁar com resultados experimentais, dados,
observaÁıes, mediÁıes, ìfatosî. Inventamos, se possÌvel, um rico conjunto de
explicaÁıes plausÌveis e sistematicamente confrontamos cada explicaÁ„o com
os fatos. Ao longo de seu treinamento, os cientistas s„o equipados com um kitde detecÁ„o de mentiras. Este È ativado sempre que novas idÈias s„o
apresentadas para consideraÁ„o. Se a nova idÈia sobrevive ao exame das
ferramentas do kit, nÛs lhe concedemos aceitaÁ„o calorosa, ainda que
experimental. Se possuÌmos essa tendÍncia, se n„o desejamos engolir
mentiras mesmo quando s„o confortadoras, h· precauÁıes que podem ser
tomadas; existe um mÈtodo testado pelo consumidor, experimentado e
verdadeiro.
O que existe no kit? Ferramentas para o pensamento cÈtico.
O pensamento cÈtico se resume no meio de construir e compreender
um argumento racional e ñ o que È especialmente importante ñ de reconhecer
um argumento falacioso ou fraudulento. A quest„o n„o È se gostamos da
conclus„o que emerge de uma cadeia de raciocÌnio, mas se a conclus„o derivada premissa ou do ponto de partida e se essa premissa È verdadeira.
Eis algumas das ferramentas:
• Sempre que possÌvel, deve haver confirmaÁ„o independente dos
ìfatosî.
• Devemos estimular um debate substantivo sobre as evidÍncias,
do qual participar„o notÛrios partid·rios de todos os pontos de vista.
• Os argumentos de autoridade tÍm pouca import‚ncia ñ as
ìautoridadesî cometeram erros no passado. Voltar„o a cometÍ-los no futuro.
Uma forma melhor de expressar essa idÈia È talvez dizer que na ciÍncia n„o
existem autoridades; quando muito, h· especialistas.
• Devemos considerar mais de uma hipÛtese. Se alguma coisa deve
ser explicada, È preciso pensar em todas as maneiras diferentes pelas quais
poderia ser explicada. Depois devemos pensar nos testes que poderiam servir
para invalidar sistematicamente cada uma das alternativas. O que sobreviver,
a hipÛtese que resistir a todas as refutaÁıes nesta seleÁ„o darwiniana entre as
ìm˙ltiplas hipÛteses eficazesî, tem uma chance muito melhor de ser a
resposta correta do que se tivÈssemos simplesmente adotado a primeira idÈia
que prendeu nossa imaginaÁ„o.*
• Devemos tentar n„o ficar demasiado ligados a uma hipÛtese sÛ
por ser a nossa. … apenas uma estaÁ„o intermedi·ria na busca do
conhecimento. Devemos nos perguntar por que a idÈia nos agrada. Devemos
compar·-la imparcialmente com as alternativas. Devemos verificar se È
possÌvel encontrar razıes para rejeit·-la. Se n„o, outros o far„o.
• Devemos quantificar. Se o que estiver sendo explicado È passÌvel
de mediÁ„o, de ser relacionado a alguma quantidade numÈrica, seremos
muito mais capazes de discriminar entre as hipÛteses concorrentes. O que È
vago e qualitativo È suscetÌvel de muitas explicaÁıes. H· certamente verdades
a serem buscadas nas muitas questıes qualitativas que somos obrigados a
enfrentar, mas encontr·-las È mais desafiador.
(*) Esse È um problema que afeta os j˙ris. Estudos retrospectivos mostram que
alguns jurados tomam a sua decis„o muito cedo ñ talvez durante a argumentaÁ„o de
abertura; depois guardam na memÛria as provas que parecem sustentar suas impressıes
iniciais e rejeitam as contr·rias. O mÈtodo das hipÛteses eficazes alternativas n„o est· em
funcionamento nas suas cabeÁas.
• Se h· uma cadeia de argumentos, todos os elos na cadeia devem
funcionar (inclusive a premissa) ñ e n„o apenas a maioria deles.
• A Navalha de Occam. Essa maneira pr·tica e conveniente de
proceder nos incita a escolher a mais simples dentre duas hipÛteses que
explicam os dados com igual eficiÍncia.
• Devemos sempre perguntar se a hipÛtese n„o pode ser, pelo
menos em princÌpio, falseada. As proposiÁıes que n„o podem ser testadas ou
falseadas n„o valem grande coisa. Considere-se a idÈia grandiosa de que o
nosso Universo e tudo o que nele existe È apenas uma partÌcula elementar ñ
um elÈtron, por exemplo ñ num Cosmos muito maior. Mas, se nunca obtemos
informaÁıes de fora de nosso Universo, essa idÈia n„o se torna impossÌvel de
ser refutada? Devemos poder verificar as afirmativas. Os cÈticos inveterados
devem ter a oportunidade de seguir o nosso raciocÌnio, copiar os nossos
experimentos e ver se chegam ao mesmo resultado.
A confianÁa em experimentos cuidadosamente planejados e
controlados È de suma import‚ncia, como tentei enfatizar antes. N„o
aprendemos com a simples contemplaÁ„o. … tentador ficar satisfeitos com a
primeira explicaÁ„o possÌvel que passa pelas nossas cabeÁas. Uma È muito
melhor do que nenhuma. Mas o que acontece se podemos inventar v·rias?
Como decidir entre elas? N„o decidimos. Deixamos que a experimentaÁ„o
faÁa as escolhas para nÛs. Francis Bacon indicou a raz„o cl·ssica: ìA
argumentaÁ„o n„o È suficiente para a descoberta de novos trabalhos, pois a
sutileza da natureza È muitas vezes maior do que a sutileza dos argumentosî.
Os experimentos de controle s„o essenciais. Por exemplo, se alegam
que um novo remÈdio cura uma doenÁa em 20% dos casos, temos de nos
assegurar se uma populaÁ„o de controle, ao tomar um placebo pensando que
ingere a nova droga, tambÈm n„o experimenta uma cura espont‚nea da
doenÁa em 20% das vezes.
As vari·veis devem ser separadas. Vamos supor que nos sentimos
mareados, e nos d„o uma pulseira que pressiona os pontos indicados pela
acupuntura e cinq¸enta miligramas de meclizina. Descobrimos que o mal-
estar desaparece. O que causou o alÌvio ñ a pulseira ou a pÌlula? SÛ ficaremos
sabendo se tomarmos uma sem usar a outra, na prÛxima vez em que ficarmos
mareados. Agora vamos imaginar que n„o somos t„o dedicados ‡ ciÍncia a
ponto de querer ficar mareados. Nesse caso, n„o separamos as vari·veis.
Tomamos os dois remÈdios de novo. Conseguimos o resultado pr·tico
desejado; aprofundar o conhecimento, poderÌamos dizer, n„o vale o
desconforto de atingi-lo.
Freq¸entemente o experimento deve ser realizado pelo mÈtodo
ìduplo cegoî, para que aqueles que aguardam uma certa descoberta n„o
fiquem na posiÁ„o potencialmente comprometedora de avaliar os resultados.
Ao testar um novo remÈdio, por exemplo, queremos que os mÈdicos que
determinam os sintomas a serem mitigados n„o fiquem sabendo a que
pacientes foi ministrada a nova droga. O conhecimento poderia influenciar a
sua decis„o, ainda que inconscientemente. Em vez disso, a lista dos que
sentiram alÌvio dos sintomas pode ser comparada com a dos que tomaram a
nova droga, cada uma determinada independentemente. SÛ ent„o podemos
estabelecer a correlaÁ„o existente. Ou, ao comandar uma identificaÁ„o policial
pelo reconhecimento de fotos ou dos suspeitos enfileirados, o oficial
encarregado n„o deveria saber quem È o principal suspeito, para n„o
influenciar a testemunha consciente ou inconscientemente.
AlÈm de nos ensinar o que fazer na hora de avaliar uma informaÁ„o,
qualquer bom kit de detecÁ„o de mentiras deve tambÈm nos ensinar o que n„ofazer. Ele nos ajuda a reconhecer as fal·cias mais comuns e mais perigosas da
lÛgica e da retÛrica. Muitos bons exemplos podem ser encontrados na religi„o
e na polÌtica, porque seus profissionais s„o freq¸entemente obrigados a
justificar duas proposiÁıes contraditÛrias. Entre essas fal·cias est„o:
• ad hominem ñ express„o latina que significa ìao homemî, quando
atacamos o argumentador e n„o o argumento (por exemplo: A reverenda dra.Smith È uma conhecida fundamentalista bÌblica, por isso n„o precisamos levar a sÈriosuas objeÁıes ‡ evoluÁ„o);
• argumento de autoridade (por exemplo: O presidente RichardNixon deve ser reeleito porque ele tem um plano secreto para pÙr fim ‡ guerra noSudeste da ¡sia ñ mas, como era secreto, o eleitorado n„o tinha meios de
avaliar os mÈritos do plano; o argumento se reduzia a confiar em Nixon
porque ele era o presidente; um erro, como se veio a saber);
• argumento das conseq¸Íncias adversas (por exemplo: Deve existirum Deus que confere castigo e recompensa, porque, se n„o existisse, a sociedade seriamuito mais desordenada e perigosa ñ talvez atÈ ingovern·vel.* Ou: O rÈu de um casode homicÌdio amplamente divulgado pelos meios de comunicaÁ„o deve ser julgadoculpado; caso contr·rio, ser· um estÌmulo para os outros homens matarem as suasmulheres);
• apelo ‡ ignor‚ncia ñ a afirmaÁ„o de que qualquer coisa que n„o
provou ser falsa deve ser verdade, e vice-versa (por exemplo: N„o h· evidÍnciaconvincente de que os UFOs n„o estejam visitando a Terra; portanto, os UFOsexistem ñ e h· vida inteligente em outros lugares do Universo. Ou: Talvez hajasetenta quasilhıes de outros mundos, mas n„o se conhece nenhum que tenha o
(*) Uma formulaÁ„o mais cÌnica feita pelo historiador romano PolÌbio: ìComo as
massas s„o inconstantes, presas de desejos rebeldes, apaixonadas e sem temor pelas
conseq¸Íncias, È preciso incutir-lhes medo para que se mantenham em ordem. Por isso, os
antigos fizeram muito bem ao inventar os deuses e a crenÁa no castigo depois da morteî.
progresso moral da Terra, por isso ainda somos o centro do Universo). Essa
impaciÍncia com a ambig¸idade pode ser criticada pela express„o: a ausÍncia
de evidÍncia n„o È evidÍncia da ausÍncia;
• alegaÁ„o especial, freq¸entemente para salvar uma proposiÁ„o em
profunda dificuldade teÛrica (por exemplo: Como um Deus misericordioso podecondenar as geraÁıes futuras a um tormento intermin·vel, sÛ porque, contra as suasordens, uma mulher induziu um homem a comer uma maÁ„? AlegaÁ„o especial:
VocÍ n„o compreende a doutrina sutil do livre-arbÌtrio. Ou: Como pode haver umPai, um Filho e um EspÌrito Santo igualmente divinos na mesma Pessoa? AlegaÁ„o
especial: VocÍ n„o compreende o mistÈrio da SantÌssima Trindade. Ou: Como Deuspermitiu que os seguidores do judaÌsmo, cristianismo e islamismo ñ cada umcomprometido a seu modo com medidas herÛicas de bondade e compaix„o ñ tenhamperpetrado tanta crueldade durante tanto tempo? AlegaÁ„o especial: Mais uma vezvocÍ n„o compreende o livre-arbÌtrio. E, de qualquer modo, os movimentos de Deuss„o misteriosos);
• petiÁ„o de princÌpio, tambÈm chamada de supor a resposta (por
exemplo: Devemos instituir a pena de morte para desencorajar o crime violento.Mas a taxa de crimes violentos realmente cai quando È imposta a pena de
morte? Ou: A bolsa de valores caiu ontem por causa de um ajuste tÈcnico e darealizaÁ„o de lucros por parte dos investidores. Mas h· alguma evidÍncia
independente do papel causal do ìajusteî e da realizaÁ„o de lucros?
Aprendemos realmente alguma coisa com essa pretensa explicaÁ„o?
• seleÁ„o das observaÁıes, tambÈm chamada de enumeraÁ„o das
circunst‚ncias favor·veis, ou, segundo a descriÁ„o do filÛsofo Francis Bacon,
contar os acertos e esquecer os fracassos** (por exemplo: Um Estado se
(**) Meu exemplo favorito È a histÛria que se conta sobre o fÌsico italiano Enrico
Fermi, recÈm-chegado ‡s praias norte-americanas, membro do Projeto Manhattan de
armas nucleares, e tendo de se defrontar com chefes-de-esquadra norte-americanos no
meio da Segunda Guerra Mundial.
ñ Fulano de tal È um grande general ñ disseram-lhe.
ñ Qual È a definiÁ„o de um grande general? ñ perguntou Fermi na sua maneira
caracterÌstica.
ñ Acho que È um general que ganhou muitas batalhas consecutivas.
ñ Quantas?
Depois de alguma hesitaÁ„o, decidiram-se por cinco.
ñ Quantos dos generais norte-americanos s„o grandes generais?
Depois de mais alguma hesitaÁ„o, decidiram-se por uma pequena porcentagem.
ñ Mas imaginem ñ replicou Fermi ñ que n„o exista isso que vocÍs chamam de
grande general, que todos os exÈrcitos tenham forÁas iguais, e que vencer uma batalha seja
uma simples quest„o de sorte. Nesse caso, a probabilidade de vencer uma batalha È de
uma em duas, ou 1/2; duas batalhas, 1/4; trÍs, 1/8; quatro, 1/16; e cinco batalhas
consecutivas, 1/32 ñ o que È mais ou menos 3%. VocÍs esperam que uma pequena
porcentagem dos generais norte-americanos ganhe cinco batalhas consecutivas ñ por uma
simples quest„o de sorte. Agora, algum deles j· ganhou dez batalhas consecutivas...?
vangloria do presidente que gerou, mas se cala sobre os seus assassinos que matam emsÈrie);
• estatÌstica dos n˙meros pequenos ñ fal·cia aparentada com a
seleÁ„o das observaÁıes (por exemplo: ìDizem que uma dentre cada cincopessoas È chinesa. Como È possÌvel? ConheÁo centenas de pessoas e nenhuma delas Èchinesa. Atenciosamenteî. Ou: Tirei trÍs setes seguidos. Hoje ‡ noite n„o tenho comoperder);
• compreens„o errÙnea da natureza da estatÌstica (por exemplo: Opresidente Dwight Eisenhower expressando espanto e apreens„o ao descobrir quemetade de todos os norte-americanos tÍm inteligÍncia abaixo da mÈdia);
• incoerÍncia (por exemplo: Prepare-se prudentemente para enfrentar opior na luta com um potencial advers·rio militar, mas ignore parcimoniosamenteprojeÁıes cientÌficas sobre perigos ambientais, porque eles n„o s„o ìcomprovadosî.
Ou: Atribua a diminuiÁ„o da expectativa de vida na antiga Uni„o SoviÈtica aosfracassos do comunismo h· muitos anos, mas nunca atribua a alta taxa demortalidade infantil nos Estados Unidos (no momento, a taxa mais alta dasprincipais naÁıes industrializadas) aos fracassos do capitalismo. Ou: Considererazo·vel que o Universo continue a existir para sempre no futuro, mas julgueabsurda a possibilidade de que ele tenha duraÁ„o infinita no passado);
• non sequitur ñ express„o latina que significa ìn„o se segueî (por
exemplo: A nossa naÁ„o prevalecer·, porque Deus È grande. Mas quase todas as
naÁıes querem que isso seja verdade; a formulaÁ„o alem„ era ìGott mit
unsî). Com freq¸Íncia, os que caem na fal·cia non sequitur deixaram
simplesmente de reconhecer as possibilidades alternativas;
• post hoc, ergo propter hoc ñ express„o latina que significa
ìaconteceu apÛs um fato, logo foi por ele causadoî (por exemplo, Jaime
Cardinal Sin, arcebispo de Manilla: ìConheÁo [...] uma moÁa de 26 anos queaparenta sessenta porque ela toma a pÌlula [anticoncepcional]î. Ou: Antes de asmulheres terem o direito de votar, n„o havia armas nucleares);
• pergunta sem sentido (por exemplo: O que acontece quando umaforÁa irresistÌvel encontra um objeto imÛvel? Mas se existe uma forÁa irresistÌvel,
n„o pode haver objetos imÛveis, e vice-versa);
• exclus„o de meio-termo, ou dicotomia falsa ñ considerando
apenas os dois extremos num continuum de possibilidades intermedi·rias
(por exemplo: Claro, tome o partido dele; meu marido È perfeito; eu estou sempreerrada. Ou: Ame o seu paÌs ou odeie-o.. Ou: Se vocÍ n„o È parte da soluÁ„o, È parte doproblema);
• curto prazo versus longo prazo ñ um subconjunto da exclus„o do
meio-termo, mas t„o importante que o separei para lhe dar atenÁ„o especial
(por exemplo: N„o temos dinheiro para financiar programas que alimentem crianÁasmal nutridas e eduquem garotos em idade escolar. Precisamos urgentemente tratar docrime nas ruas. Ou: Por que explorar o espaÁo ou fazer pesquisa de ciÍncia b·sica,
quando temos tantas pessoas sem teto?);• declive escorregadio, relacionado ‡ exclus„o do meio-termo (por
exemplo: Se permitirmos o aborto nas primeiras semanas da gravidez, ser·impossÌvel evitar o assassinato de um bebÍ no final da gravidez. Ou, inversamente:
Se o Estado proÌbe o aborto atÈ no nono mÍs, logo estar· nos dizendo o que fazer comos nossos corpos no momento da concepÁ„o);
• confus„o de correlaÁ„o e causa (por exemplo: Um levantamentomostra que È maior o n˙mero de homossexuais entre os que tÍm curso superior do queentre os que n„o o possuem; portanto, a educaÁ„o torna as pessoas homossexuais. Ou:
Os terremotos andinos est„o correlacionados com as maiores aproximaÁıes do planetaUrano; portanto ñ apesar da ausÍncia de uma correlaÁ„o desse tipo com
respeito ao planeta J˙piter, mais prÛximo e mais volumoso ñ o planeta Urano Èa causa dos terremotos);* ***
• espantalho ñ caricaturar uma posiÁ„o para tornar mais f·cil o
ataque (por exemplo: Os cientistas supıem que os seres vivos simplesmente sereuniram por acaso ñ uma formulaÁ„o que ignora propositadamente a idÈia
darwiniana central, de que a natureza se constrÛi guardando o que funciona e
jogando fora o que n„o funciona. Ou: ñ isso È tambÈm uma fal·cia de curto
prazo/longo prazo ñ os ambientalistas se importam mais com anhingas e corujaspintadas do que com gente);
• evidÍncia suprimida, ou meia verdade (por exemplo: Umaìprofeciaî espantosamente exata e muito citada do atentado contra o presidenteReagan È apresentada na televis„o; mas ñ detalhe importante ñ foi gravada antes
ou depois do evento? Ou: Esses abusos do governo pedem uma revoluÁ„o, mesmoque n„o se possa fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos. Sim, mas ser· uma
revoluÁ„o que causar· muito mais mortes do que o regime anterior? O que
sugere a experiÍncia de outras revoluÁıes? Todas as revoluÁıes contra
regimes opressivos s„o desej·veis e vantajosas para o povo?);
• palavras equÌvocas (por exemplo, a separaÁ„o dos poderes na
ConstituiÁ„o norte-americana especifica que os Estados Unidos n„o podem
travar guerra sem uma declaraÁ„o do Congresso. Por outro lado, os
presidentes detÍm o controle da polÌtica externa e o comando das guerras,
(*) Ou: As crianÁas que assistem a programas violentos na televis„o tendem a
ser mais violentas na vida adulta. Mas a TV causou a violÍncia, ou crianÁas violentas
preferem assistir a programas violentos? Muito provavelmente, as duas coisas. Os
defensores comerciais da violÍncia na TV argumentam que qualquer um sabe distinguir
entre a televis„o e a realidade. Mas os programas infantis das manh„s de S·bado tÍm hoje
em dia uma mÈdia de 25 atos de violÍncia por hora. No mÌnimo, isso torna as crianÁas
insensÌveis ‡ agress„o e ‡ crueldade gratuita. E, se podemos implantar falsas lembranÁas
nos cÈrebros dos adultos impression·veis, o que n„o estamos implantando em nossos
filhos, quando os expomos a uns 100 mil atos de violÍncia antes de terminarem a escola
prim·ria?
que s„o potencialmente ferramentas poderosas para que sejam reeleitos.
Portanto, os presidentes de qualquer partido polÌtico podem ficar tentados a
arrumar disputas, enquanto desfraldam a bandeira e d„o outro nome ‡s
guerras ñ ìaÁıes policiaisî, ìincursıes armadasî, ìataques de reaÁ„o
protetoresî, ìpacificaÁ„oî, ìsalvaguarda dos interesses norte-americanosî e
uma enorme variedade de ìoperaÁıesî, como a ìOperaÁ„o da Causa Justaî.
Os eufemismos para a guerra s„o um dos itens de uma ampla categoria de
reinvenÁıes da linguagem para fins polÌticos. Talleyrand disse: ìUma arte
importante dos polÌticos È encontrar novos nomes para instituiÁıes que com
seus nomes antigos se tornaram odiosas para o p˙blicoî).
Conhecer a existÍncia dessas fal·cias lÛgicas e retÛricas completa o
nosso conjunto de ferramentas. Como todos os instrumentos, o kit de
detecÁ„o de mentiras pode ser mal empregado, aplicado fora do contexto, ou
atÈ usado como uma alternativa mec‚nica para o pensamento. Mas, aplicado
judiciosamente, pode fazer toda a diferenÁa do mundo ñ ao menos para
avaliar os nossos prÛprios argumentos antes de os apresentarmos aos outros.
A ind˙stria do tabaco norte-americana fatura cerca de 50 bilhıes de
dÛlares por ano. H· uma correlaÁ„o estatÌstica entre o fumo e o c‚ncer,
admite a ind˙stria do fumo, mas n„o existe, dizem, uma relaÁ„o causal. Uma
fal·cia lÛgica est· sendo cometida, È o que afirmam. O que significa tudo
isso? Talvez as pessoas com predisposiÁıes heredit·rias para contrair o
c‚ncer tenham predisposiÁıes heredit·rias para drogas que viciam ñ assim,
poderia haver uma correlaÁ„o entre o c‚ncer e o fumo, mas aquele n„o seria
causado por este. Podem-se inventar conexıes deste tipo, cada vez mais
forÁadas. Essa È exatamente uma das razıes por que a ciÍncia insiste em fazer
experimentos de controle.
Vamos supor que se pintassem as costas de um grande n˙mero de
camundongos com alcatr„o de cigarro, e que tambÈm se observasse a sa˙de
de um n˙mero quase idÍntico de camundongos que n„o foram pintados. Se
os primeiros contraem c‚ncer e os segundos n„o, pode-se ter bastante certeza
de que a correlaÁ„o È causal. Trague a fumaÁa de tabaco, e a chance de
contrair c‚ncer aumenta; n„o trague, e a taxa permanece no nÌvel b·sico. O
mesmo vale para o enfisema, a bronquite e as doenÁas cardiovasculares.
Quando, em 1953, se publicou a primeira obra na literatura cientÌfica
mostrando que as subst‚ncias presentes na fumaÁa do cigarro, quando
espargidas nas costas de roedores, produzem tumores malignos, a reaÁ„o das
seis maiores companhias de tabaco foi comeÁar uma campanha de relaÁıes
p˙blicas para impugnar a pesquisa, patrocinada pela FundaÁ„o Sloan
Kettering. Uma reaÁ„o semelhante ‡ da Du Pont Corporation, quando em
1974 foi publicada a primeira pesquisa mostrando que seu produto Freon
ataca a camada protetora de ozÙnio. H· muitos outros exemplos.
… de se pensar que, antes de denunciar descobertas cientÌficas
indesejadas, as principais companhias deveriam empregar os seus
consider·veis recursos para verificar a seguranÁa dos produtos que se
propıem fabricar. E, se perdessem algo, se cientistas independentes
sugerissem um perigo, por que as companhias se oporiam? Prefeririam matar
pessoas a perder lucros? Se, nesse mundo incerto, um erro precisa ser
cometido, ele n„o deveria ter o objetivo de proteger os clientes e o p˙blico? E,
por outro lado, o que esses casos revelam sobre a capacidade de o sistema de
livre empresa policiar a si mesmo? N„o s„o exemplos em que a interferÍncia
do governo È claramente a favor do interesse p˙blico?
Um relatÛrio interno da Brown and Williamson Tobacco
Corporation, de 1971, lista como objetivo da companhia ìafastar das mentes
de milhıes a falsa convicÁ„o de que fumar cigarros causa c‚ncer de pulm„o e
outras doenÁas; uma convicÁ„o baseada em pressupostos fan·ticos, rumores
falaciosos, afirmaÁıes sem fundamento e declaraÁıes n„o cientÌficas de
oportunistas que buscam notoriedadeî. Eles se queixam do
ataque incrÌvel, sem precedentes e abomin·vel contra o cigarro,
constituindo o maior libelo e a maior difamaÁ„o j· perpetrados contra um
produto na histÛria da livre empresa; um libelo criminoso de t„o grandes
proporÁıes e implicaÁıes que È de se perguntar como essa cruzada de
cal˙nias pode se acomodar sob a ConstituiÁ„o pode ser t„o desrespeitada e
violada [sic].
Essa retÛrica È apenas um pouco mais inflamada do que a das
declaraÁıes que a ind˙stria do tabaco emite de tempos em tempos para
consumo p˙blico.
H· muitas marcas de cigarros que anunciam baixo nÌvel de alcatr„o
(dez miligramas ou menos por cigarro). Por que isso È uma virtude? Porque È
no alcatr„o refrat·rio que os hidrocarbonetos arom·ticos policÌclicos e
algumas outras subst‚ncias cancerÌgenas se concentram. As propagandas que
enfatizam baixos teores de alcatr„o n„o s„o uma admiss„o t·cita das
companhias de tabaco de que os cigarros realmente causam c‚ncer?
A Healthy Building International È uma organizaÁ„o lucrativa, que
recebe h· anos milhıes de dÛlares da ind˙stria do fumo. Ela realiza pesquisas
sobre fumo passivo, e presta declaraÁıes para as companhias de tabaco. Em
1994, trÍs de seus tÈcnicos reclamaram que altos executivos teriam falsificado
dados sobre partÌculas de cigarro inal·veis no ar. Em todos os casos, os dados
inventados ou ìcorrigidosî faziam a fumaÁa de cigarro parecer mais segura
do que as mediÁıes dos tÈcnicos haviam indicado. Os departamentos de
pesquisa da companhia ou as firmas do ramo contratadas j· descobriram
alguma vez que um produto È mais perigoso do que a empresa de tabaco
declarou publicamente? Em caso positivo, mantiveram o emprego?
O tabaco vicia; segundo muitos critÈrios, ainda mais do que a
heroÌna e a cocaÌna. Havia uma raz„o para as pessoas ìcaminharem uma
milha por um Camelî, como diziam os an˙ncios da dÈcada de 40. J·
morreram mais pessoas por causa do fumo do que em toda a Segunda Guerra
Mundial. Segundo a OrganizaÁ„o Mundial de Sa˙de, o fumo mata 3 milhıes
de pessoas por ano em todo o mundo. Esse n˙mero vai chegar a 10 milhıes
de mortes por ano em 2020 ñ em parte devido a uma grande campanha
publicit·ria que pinta o tabagismo como um h·bito avanÁado e elegante para
as jovens mulheres do mundo em desenvolvimento. … em parte por causa da
falta disseminada de conhecimento sobre a detecÁ„o de mentiras, o
pensamento crÌtico e o mÈtodo cientÌfico que a ind˙stria de tabaco consegue
ser o fornecedor bem-sucedido dessa mistura de venenos que viciam. A
credulidade mata.