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1 CAPÍTULO 5 O PROBLEMA DA EROSÃO NO BRASIL 5.1 Introdução O Brasil é um país de proporções continentais, que ocupa 8.511.965 km2 (3.286.488 milhas quadradas) do norte ao sul e, aproximadamente, a mesma distância do leste para o oeste. Sua área imensa representa quase a metade do continente da América do Sul. Ele é maior do que os Estados Unidos o tamanho equivalente ao do Texas e 2,6 vezes maior do que a Índia. A população brasileira era aproximadamente de 118.667.000 habitantes em 1980, de acordo com resultado de pesquisa do Censo. Isto significa que ela é aproximadamente igual à do Japão e mais ou menos 20% da população da Índia. A densidade média é baixa, totalizando 14 habitantes por km 2 . Contudo, a população está distribuída irregularmente por todo o território brasileiro: em contraste com o imenso vazio do interior – especialmente a Região Norte (1), ver Figura 5.1 – existem grandes concentrações de pessoas ao longo da Costa Atlântica, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro. A maior parte da área brasileira é formada por montanhas e serras, planaltos e morros. Só uma parte muito pequena do território nacional

CAPÍTULO 5 O PROBLEMA DA EROSÃO NO BRASIL · O Brasil é um país de proporções continentais, que ocupa 8.511.965 ... Tropical – (entre o Paralelo 10º e o Trópico de Capricórnio)

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CAPÍTULO 5

O PROBLEMA DA EROSÃO NO BRASIL

5.1 Introdução

O Brasil é um país de proporções continentais, que ocupa 8.511.965

km2 (3.286.488 milhas quadradas) do norte ao sul e, aproximadamente, a

mesma distância do leste para o oeste. Sua área imensa representa quase a

metade do continente da América do Sul. Ele é maior do que os Estados

Unidos o tamanho equivalente ao do Texas e 2,6 vezes maior do que a

Índia.

A população brasileira era aproximadamente de 118.667.000 habitantes

em 1980, de acordo com resultado de pesquisa do Censo. Isto significa que

ela é aproximadamente igual à do Japão e mais ou menos 20% da

população da Índia. A densidade média é baixa, totalizando 14 habitantes

por km2. Contudo, a população está distribuída irregularmente por todo o

território brasileiro: em contraste com o imenso vazio do interior –

especialmente a Região Norte (1), ver Figura 5.1 – existem grandes

concentrações de pessoas ao longo da Costa Atlântica, especialmente São

Paulo e Rio de Janeiro.

A maior parte da área brasileira é formada por montanhas e serras,

planaltos e morros. Só uma parte muito pequena do território nacional

2

(menos do que 20%) pode ser considerada plana. A maior área plana

localiza-se na bacia do Alto Amazonas. O vale do rio Amazonas separa as

montanhas do Brasil e da Guiana, as quais assemelham-se geologicamente e

nas características externas. Abaixo delas estão algumas das mais antigas

formações terrestres (2).

Uma grande parte das terras altas brasileiras consiste em planaltos,

formados por rochas sedimentares da Era Paleozóica. Acima dessas rochas

paleozóicas, especialmente em São Paulo e nos estados do sudeste,

localizam-se rochas arenosas avermelhadas do Período Triássico,

entremeadas por lençóis e rios de lava diabásica. O diabásio é muito

resistente e, onde quer que exista, ele suporta “cuestas” proeminentes

(superfícies levemente inclinadas de um lado e de outro, escarpadas

abruptamente) e mesas (tabuleiros planos) e os rios são freqüentemente

interrompidos por quedas e cachoeiras.

As terras altas brasileiras são drenadas por três grandes sistemas

fluviais. Ao norte, está o Rio Amazonas, com seus grandes afluentes. O

segundo maior sistema fluvial é formado pelos rios Paraguai, Paraná e Prata

( indo do sudoeste de Minas Gerais em direção ao sul). Finalmente, o

terceiro maior sistema fluvial do Brasil é formado pelo Rio São Francisco, o

maior rio brasileiro que nasce e desemboca dentro do país (vai do oeste de

3

Minas Gerais em direção ao norte, passando pelo estado da Bahia e

beirando a fronteira de Pernambuco até virar para o leste rumo ao oceano).

Existe, também, uma quantidade de rios menores que correm mais

diretamente para o Atlântico e são de grande importância por cortarem as

regiões mais densamente povoadas do Brasil. Entre eles está o rio Paraíba,

que nasce no estado de São Paulo e corre em direção ao oeste. Ao leste da

cidade de São Paulo, o curso do rio muda para a direção contrária, correndo

paralelamente à costa. Então, ele submerge, ao leste em um vale estreito

para finalmente emergir em seu delta ao norte do estado do Rio de Janeiro.

O clima pode ser classificado, de forma geral, em três grandes zonas:

(a) Equatorial – (do Equador até o paralelo 10º) temperatura média

variando de 25º a 27ºC e índice pluviométrico menos que 2.000mm.

(b) Tropical – (entre o Paralelo 10º e o Trópico de Capricórnio)

temperaturas médias variando de 19º a 28ºC, e o índice pluviométrico

menos que 2.000mm;

(c) Subtropical – (entre o Trópico de Capricórnio e os paralelos 33º e

46º) temperatura anual entre 17º e 19ºC, média de precipitações entre 1.000

e 2.500mm.

A tabela 5.1 apresenta dados sobre o clima de três cidades que

exemplificam as três maiores zonas climáticas.

4

As variadas condições climáticas, juntamente com as do solo e de

drenagem e refletem sobre a vegetação. No Brasil, existem sete tipos de

vegetação, os quais são resumidos na Tabela 5.2.

A diversidade do solo, clima e vegetação nativa favoreceu o

desenvolvimento de um setor agrícola diversificado. Das terras do sul e

sudeste, produtoras de café, soja, gado, etc. até o nordeste, onde o açúcar e

cacau dominam a produção agrícola, os produtores agrícola brasileiros

adaptaram-se ao clima e solo de cada região. Contudo, não há dúvida que

da região de florestas tropicais saiu o sustento da maior parte da agricultura

brasileira durante os 400 anos de colonização portuguesa. Desde o começo

desse século, a floresta de araucária tem sido substituída pela agricultura.

Mas recentemente, os cerrados e a selva também têm sido atingidos pela

expansão da agricultura. Mas, antes de considerar esse movimento, será

proveitoso discutir a importância da agricultura na economia brasileira e

sua performance recente.

5.2 A agricultura na economia brasileira

O setor agrícola contribuiu em 11% para o Produto Interno Bruto e

empregou cerca de 40% do total da mão-de-obra em 1979 (4). Além disso,

mais de 45% do total das exportações do país é de produtos agrícolas.

5

Contudo, o papel da agricultura na economia brasileira, como um todo,

e ainda maior do que sugerem os números em si.

No período de 1947 a 1980, o Produto Interno Bruto do Brasil cresceu

em termos reais a uma taxa anual geométrica de 6,35% (veja tabela C1 no

Apêndice C). A média do rendimento per capita, em 1979, foi algo em

torno de US$1.780. Entre 1960 e 1979, a renda per capita cresceu a uma

taxa de 4,8%, aproximadamente (5). Desde 1970, ela tem crescido perto de

6,1% ao ano.

Algumas coisas devem ser observadas sobre o padrão geral do

crescimento econômico. Primeiro, antes de 1968, havia uma variação anual

na taxa de crescimento, apesar de tender a subir. Segundo, de 1962 até

1967, a economia passou por um período de crescimento mais lento do que

o país teve, tanto antes de 1962 ou após 1967. Terceiro, de 1967 a 1974, a

economia expandiu-se a uma taxa estranhamente alta e sustentada de

crescimento. E quarto, após 1974, foram observadas taxas mais baixas

novamente.

A taxa de crescimento setorial tem variado consideravelmente, com o

setor industrial abarcando o índice mais alto. O setor agrícola tem crescido

a uma taxa substancialmente mais baixa, de 4,5% ao ano, por todo o

período e a um índice em torno de 5% no período desde 1967.

6

A agricultura, geralmente, pode contribuir para o desenvolvimento geral

da economia de cinco diferentes maneiras (6):

(a) Abastecendo toda a população com alimentos a preços reais

constantes ou em declínio;

(b) Cedendo a mão-de-obra para a expansão dos setores não

agrícolas

(c) Fornecendo capital ao setor não agrícola

(d) Fornecendo divisas para a importação de bens necessários à

expansão do setor não agrícola;

(e) Oferecendo um mercado para os bens e serviços produzidos

pelo setor não-agrícola (7).

5.2.1 Abastecimento de alimentos

À exceção do trigo, o Brasil é auto-suficiente na produção de alimentos

para a sua população (8). Às vezes, importa pequenas quantidades de

produtos como milho, feijão, arroz e carne bovina para compensar pequenas

quedas na produção ou para combater a retenção especulativa da produção

pelo mercado, cujo objetivo é encorajar o aumento dos preços.

De acordo com Martin (9), no final dos anos 60, o setor agrícola estava

apto a suprir as necessidades mínimas diárias de caloria e proteína per

7

capita do conjunto da população. Dados mais recentes mostram que a

situação era parecida em 1977 (10).

Os dados agregados das tendências da produção agrícola estão

resumidos na Tabela 5.3. A produção agrícola total nos 20 anos cresceu a

uma média geométrica de 4,5% ao ano. A criação de gado cresceu a um

índice de 4,4% ao ano. No setor de culturas, a produção de safras que são

plantadas basicamente para o consumo interno cresceu a 5% ao ano,

enquanto a produção de culturas para exportação foi somente um pouco

maior em 1968-69 do que foi em 1949. Isso representa um considerável

declínio na produção para exportação no período de 1958 a 1960, por

razões que serão discutidas à frente.

No conjunto, então, a produção do setor agrícola parece ter se

expandido o suficiente para proporcionar um crescimento na produção

percapita, confirmando, assim, a hipótese de alguns analistas, como Delfim

Neto (11) e Paiva (12). Uma tendência à queda na produção será

apresentada com mais detalhes na Tabela C2 e C3 do Apêndice C, com

dados das 13 mais importantes culturas mostrados na Tabela C2 e o total

dos dados sobre pecuária apresentados na Tabela C3 (13).

As tendências na produção de alimentos para a população estão, de

maneira uniforme, acima da taxa de crescimento populacional. A exceção

foi o feijão, no período de 1960 a 1970. A produção de trigo, por outro lado,

8

cresceu 10% na década de 60, quando o Brasil exercia uma política forte de

importação e substituição a respeito dessa cultura. Esses dados, como um

todo, sugerem que o conjunto das culturas do setor saiu-se razoavelmente

bem no abastecimento da população, em rápido crescimento, com um

aumento na produção de alimentos (14).

Não foi tão bem sucedido em relação às culturas basicamente de

exportação, como indica a Tabela C2, embaixo, no Apêndice C. Um

aumento significativo nesse grupo de produção ocorreu em relação ao

açúcar e, especialmente, a soja, cuja produção expandiu-se a uma taxa anual

de 22% na década de 60 e tem obtido um crescimento relativo muito grande

nos últimos anos (15).

Dos três tipos de criação de animais, cujos dados são apresentados na

Tabela C3, somente a produção de aves cresceu a uma taxa constantemente

alta e acima da taxa de crescimento da população. O rebanho suíno

aumentou a uma taxa relativamente baixa e o bovino cresceu mais rápido

que a taxa de aumento populacional, porém não muito, somente na década

de 60.

Maiores evidências da extensão a que a produção agrícola acompanha a

demanda interna pode ser observada se considerarmos as relações internas

de comércio. A esse propósito, os índices de preços atacadistas, publicados

pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) (16), podem ser consultados. Os

9

índices de deflação de preços constam da Tabela C4, Apêndice C. Contudo,

há um problema sério em usar índices de preços por atacado: eles não

refletem os preços cobrados pelo produtor, mas, sim, os que são pagos pelos

consumidores. Dessa forma, eles podem levar a conclusões errôneas.

Como podemos ver na Tabela C4, os dados mostram que, após o

período pós-guerra, as relações internas de comércio flutuavam, com uma

inclinação branda desde 1948 até 1968. Apesar de haver movimentos de

curta duração nos preços relativos, não houve tendência a queda nem alta

deles (17).

Até onde este autor sabe, os índices de preços a nível de produção

agrícola só estão disponíveis no estado de São Paulo. Porém, dada a

importância da produção agrícola de São Paulo para a produção nacional e a

confiabilidade dos dados apresentados pelo Instituto de Economia Agrícola,

vale a pena discutir o comportamento dos preços pagos pelos produtores

por produtos não agrícolas e o valor que eles mesmos recebem por seus

produtos em São Paulo. Os números são indicados na Tabela 5.4 (18).

Em 23 anos, as relações internas de comércio só têm sido favoráveis aos

produtos agrícolas de São Paulo por 6 anos. Novamente, é confirmada a

hipótese de Delfim Neto e Paiva (19) de que não é possível aceitar o

argumento de que as relações de comércio têm sido desfavoráveis aos

produtos não agrícolas. Contudo, não há uma tendência clara de baixa nos

10

preços reais dos produtos agrícolas. Martin (20) demonstra evidências de

que os preços dos produtos agrícolas tendiam a cair, enquanto os preços do

produtos de origem animal tendiam a cair no período até 1968. Após este

período, o aumento dos preços da produção agrícola deveu-se à combinação

de aumento dos preços tanto dos produtos agrícolas quanto de origem

animal. Mais uma vez, é importante notar que a análise de Martin baseia-se

nos preços por atacado, não levando em consideração fatores que podem ser

responsáveis pelo aumento e que estão fora do setor agrícola (o

intermediário e o custo do transporte), como sugerem os dados do Instituto

de Economia Agrícola.

5.2.2. Perda de mão-de-obra

A agricultura tem perdido um considerável fluxo de mão-de-obra com a

expansão dos outros setores. Tem havido muita mobilidade da população e

um desvio muito grande da mão-de-obra de uma região para outra, bem

como um fluxo volumoso e constante do campo para a cidade. Nesta parte,

a ênfase será dada sobre este último movimento. A migração tradicional de

uma área rural para outra, especialmente de regiões tradicionais e mais

antigas para lugares pouco explorados pela agricultura, será discutido mais

tarde, neste capítulo.

11

A Tabela 5.5 apresenta um resumo dos dados da população rural e

urbana. O conjunto da população rural estava ainda crescendo

absolutamente, como em 1980. A taxa de crescimento na década de 70 foi

muito maior do que na anterior. Apesar disso, a urbanização acontece

rapidamente. A população urbana tornou-se maior do que a rural em

meados da década de 60, e por volta de 1980, ela representava 61% do total.

Martin (21) faz estimativas duras a respeito da magnitude dessa

migração, concluindo que as populações rural e urbana tinham as mesmas

taxas de crescimento natural e, baseado nisso, estimou o tamanho que elas

poderiam ter na ausência da migração. Se compararmos essas estimativas

com as populações reais, teremos noção da magnitude desse movimento.

Seguindo o mesmo procedimento, Schuh (22) calculou que, perto de

2,5 milhões de pessoas mudaram-se do campo para a cidade entre 1940 e

1950. Isto equivale a mais de 8% da população rural em 1940. As

estimativas de Martin são apresentadas na Tabela 5.6. Aproximadamente

6,3 milhões de pessoas migraram, na década de 50 e 10 milhões, na década

de 60. O fluxo da década de 50 representava 19% da população rural e o

fluxo da década de 60, 26% da população da época.

No geral, a agricultura tem contribuído com sua mão-de-obra

largamente e em ritmo crescente para a expansão do setor não-agrícola. E,

12

como veremos abaixo, tem provido de trabalhadores a conquista de novas

terras e a expansão da agricultura (23).

5.2.3 Exportação

A exportação de produtos agrícolas chegou a 80% da exportação do

Brasil, durante muito tempo. Mesmo em 1970, quando aconteceu um

‘boom’ nas exportações do país, baseado, em parte, em produtos

subsidiados, os produtos agrícolas ainda chegavam a 70% do total de

exportações. Como pode-se observar na Tabela 5.7, somente no final da

década a participação da agricultura nas exportações caiu abaixo de 50%.

A exportação, em geral, estava estagnada do período pós-guerra até

1964 (24). Ela principiou a crescer em 1965 e, nos anos 70, sofreu uma

grande expansão, dobrando de volume tanto os produtos agrícolas como

também os outros, entre 1971 e 1974. É importante notar que, à exceção do

café, essa expansão deu-se em todos os setores de exportação (25).

O Brasil é um exportador mundial de produtos agrícolas, no cenário

do comércio mundial de produtos agrícolas e, recentemente, tornou-se um

dos países eminentes no comércio mundial 9 ver Tabela C6 do Apêndice

C). Ele colocou-se entre os dez maiores países exportadores (sem

considerar a importação de produtos agrícolas) durante os cinco últimos

anos.

13

Levando em consideração apenas os países exportadores de produtos

agrícolas, (isto é, os países que exportam mais do que importam), o Brasil

foi, em 1979, o quarto maior país exportador de produtos agrícolas,

perdendo apenas para os E.U.A, Austrália e Argentina. Em 1980, ocupou o

terceiro lugar, exportando US$6,7 milhões líquidos, com os E.U.A. e

Austrália ocupando o primeiro e o segundo lugar, respectivamente.

A tabela C7 do Apêndice C (26) apresenta dados das relações

externas de comércio, um índice de preços de exportação dividido por um

índice de preços de importação. Porém, no geral, não há evidências de um

declínio secular nas relações externas de comércio. Se excluirmos o café, o

índice (1940=100) mudou sucessivamente, aumentando de 96, em 1947

para 163 (1951); 170 (1955); 184 (1959); 212 (1967) e 226 (1973). Havia

flutuações no índice de ano a ano, mas elas faziam parte de uma tendência

crescente.

Ao incluirmos o café, o quadro muda de figura. Em 1954, as relações

comerciais atingiram um pico, mas declinaram no ano seguinte, apesar de

não terem chegado ao nível de 1957, e então caíram até 1962. Então, eles

voltaram a subir durante os dois anos seguintes, e permaneceram estáveis

até o aumento de 1973. Com o café, não havia a tendência persistente de

alta que ocorria quando ele estava excluído. Da mesma forma, se

14

excluirmos o ano de 1954, não há evidências de uma tendência ao declínio a

longo prazo.

A agricultura tem sido a principal fonte de divisas cambiais por

muitos anos e se ela não contribuiu nesse sentido durante o período pós-

guerra até final dos anos 60, foi porque, segundo Martin (27), ela impôs isso

a ela mesma. A exportação não cresceu naquele período porque as

autoridades políticas, propositadamente, direcionaram a produção para o

mercado interno, em uma tentativa de controlar a inflação. Quando a moeda

se desvalorizou, as exportações foram liberadas e as exportações agrícolas

cresceram como nos anos 70.

5.2.4 O mercado no setor não-agrícola

A renda per capita no setor agrícola é bem baixa, comparada à do

setor não-agrícola (Tabela 5.8), . Apesar do setor primário incluir mais do

que a agricultura, ela predomina sobre os outros componentes. Se a renda

média for usada como base, a renda do setor não-agrícola chega a duas ou

três vezes mais do que a do setor primário.

A renda per capita na agricultura também não está acompanhando a do setor

não-agrícola (Tabela 5.9), apesar do grande fluxo de mão-de-obra do campo

em direção à cidade. De 1960 a 1970, por exemplo, ela cresceu somente

14%, contra os 40% do setor não-agrícola. Portanto, em termos de renda, o

15

setor não possui um mercado forte , apesar da renda per capita Ter crescido

na agricultura.

5.2.5 Fornecimento de capital

Não há informações detalhadas disponíveis sobre o fluxo de capital

entre os setores, apesar de ser sabido que, historicamente, o capital estar

sendo transferido para fora através do sistema bancário e dos empresários

agrícolas que assumem atividades não-agrícolas, segundo Warren Dean

(28), em seu livro clássico. O mesmo foi ressaltado por Schuh (29):

“Muitos grandes produtores de café em São Paulo investiram seu lucro na indústria... Geralmente, o próprio sistema bancário desempenhou um papel importante ao reunir as economias do setor agrícola e investi-las no setor não-agrícola.”

Contudo, a transferência indireta (especialmente através dos

impostos) tem sido mais importante do que a direta, mencionada acima.

Martin (30) observou:

“As políticas comerciais brasileiras parecem haver discriminado duramente o setor agrícola... O cruzeiro foi seguidamente valorizado... e a cotação foi aplicada às exportações agrícolas. As exportações de café também foram taxadas indiretamente. ... A política do comércio também teve efeitos regionais importantes, já que discriminava as regiões fora de São Paulo, que são predominantemente agrícolas...”

Alves (31), Alves e Pastore (32), Baer (33) e Goodman e Redclift

(34) já discutiram esse tipo de transferência.

16

O cenário que se delineia é bem favorável. A agricultura tem provido

grandes quantidades de mão-de-obra ao setor não-agrícola e tem sido uma

fonte importante de lucros cambiais e de capital para o setor não-agrícola.

O mercado interno foi bem abastecido com seus produtos, apesar de

aumentos ocasionais dos preços relativos dos mesmos.

Contudo, foram observados níveis relativamente baixos de renda no

setor agrícola, demonstrando que ele não tem sido um mercado forte para o

setor não-agrícola, pelo menos até 1970. Isso tem sido alegado como

evidência de que a agricultura brasileira representa um obstáculo ao

crescimento industrial do Brasil, segundo afirma Castro (35).

“Essa questão nem merece um exame mais profundo, já que a produção industrial do período moderno de industrialização (1932-62) foi multiplicado por dez, isto é, ela cresceu 900%!” (36)

A relativa independência do processo de industrialização em relação

ao papel desempenhado pelo mercado de consumo agrícola somente

ocorreu devido às características do processo – substituição da importação.

Em outras palavras, o que aconteceu foi uma mudança na produção interna,

que passou a produzir aquilo que antes era importado, basicamente,

produtos consumidos pela classe alta (37).

5.3 Produtividade agrícola

5.3.1 Produtividade da mão-de-obra

17

Em 1970, a produção por trabalhador rural, no Brasil, era de apenas 1/20

daquela dos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, o Reino Unido

e o Canadá (Tabela 5.10). Ela era bem mais baixa do que a de outros países

latino-americanos, apesar de ser o dobro da produção da Índia.

Por outro lado, a produtividade da mão-de-obra no setor industrial era

relativamente alta, pelos padrões mundiais. Apesar de representar metade

daquela dos E.U.A e Canadá em 1970, era aproximadamente igual à do

Japão e maior do que a do Reino Unido.

A produtividade da mão-de-obra no setor industrial vem crescendo a um

índice muito mais alto do que no setor agrícola. Por exemplo, entre 1950 e

1970, a produção real por trabalhador rural cresceu aproximadamente 12%

(Tabela 5.11), enquanto no setor industrial ela dobrou (Tabela C8,

Apêndice C).

Existe, também, uma grande disparidade geográfica na força de

trabalho rural (38). A produtividade em São Paulo chegou a três vezes a

média do Brasil em 1970. De fato, a divergência entre São Paulo e o resto

do país tem aumentado. Essa disparidade aumentou cerca de 250% em 1950

para 300% em 1970.

5.3.2 Produtividade da terra

18

A tabela C9 (apêndice C) apresenta informações que permitem uma

comparação do rendimento por hectare entre as principais culturas do Brasil

com as de outros países do mundo. A tabela também nos permite uma

comparação entre São Paulo, o estado com a agricultura mais produtiva e o

resto do Brasil. As culturas elencadas na tabela representam 85% do total da

produção brasileira em 1970.

Ao final da década de 70, o rendimento médio no Brasil pela mandioca,

café, cacau e soja igualou-se ou ultrapassou o rendimento médio dessas

culturas no mundo todo. Por outro lado, o mesmo rendimento para o arroz,

milho, feijão, batata, trigo, açúcar e algodão foi mais baixo no Brasil do que

nos outros países, inclusive, em muitos casos, os da América do Sul.

O quadro não muda muito se compararmos as mudanças no rendimento

durante dez anos: somente a produção de batata, açúcar e cacau cresceu

mais no Brasil do que no mundo em geral ou na América do Sul. Houve um

declínio na produção de arroz, vagem , mandioca, café, algodão e soja. Os

três primeiro são presença necessária no cardápio do brasileiro (39).

Consequentemente, o rendimento das culturas no Brasil é lento, com

algumas exceções, de acordo com os padrões mundiais. Além disso, a

Tabela apresenta dados conflitantes entre o estado de S.P. e o resto do país

(40).

19

No final dos anos 70, o rendimento em São Paulo foi maior do que a

média do resto do Brasil, com exceção do arroz, café e cacau. Sem

considerar o café, os produtos com baixo rendimento em S.P. representam

uma contribuição modesta ao total da produção brasileira.

O crescimento percentual do rendimento em São Paulo, desde 1947, foi

maior do que o do restante do país para culturas como milho, batata, trigo,

açúcar, algodão e soja. Na realidade, em vários casos, como o das vagens,

mandioca, café, algodão e soja, o rendimento do estado de S.P. aproximou-

se aos níveis de rendimento dos mais importantes produtores mundiais das

respectivas culturas.

Os dados sobre os produtos de origem animal são esparsos ou não

confiáveis. Mas foram apresentadas evidências, por Martin (41), de que a

produção de ovos e carne é relativamente baixa em relação aos padrões

internacionais e, em relação ao Brasil, a produção de São Paulo é

substancialmente maior do que a do resto do país.

5.3.3 Uso de insumos modernos

A tabela 5.12 apresenta uma comparação internacional do nível de

mecanização e de uso de fertilizantes, além de outras informações sobre o

nível de modernização da agricultura. Dados sobre o uso de tratores e

fertilizantes dão uma idéia sobre a adoção de insumos modernos (42). Para

20

um país tão esparsamente povoado, o Brasil tem uma taxa de homem por

terra baixa. Isso deve-se ao fato da maior parte da população estar

concentrada na faixa ao longo da costa, com amplas áreas a serem

colonizadas no interior (43) e reflete o baixo nível de mecanização.

O consumo de fertilizantes por hectare era baixo, pelos padrões

internacionais, em 1970. Contudo, a partir de 1967, começou a crescer

rapidamente. Em 1978 era estimado em 791kg/ha (44)., ou seja, aumentou

27 vezes em nove anos!

As mesmas disparidades regionais citadas anteriormente estão refletidas

no uso desses modernos insumos. Em São Paulo, o consumo é bem mais

alto do que no resto do país, apesar da diferença ter diminuído nos anos 60

(Tabela 5.13) (45).

O mesmo acontece quanto à mecanização (Tabela 5.14): São Paulo

predomina sobre o total, com 42% dos tratores do Brasil, em 1970. Em

1975 (46), S.P., Rio Grande do Sul e Paraná respondiam por 74% do total

do país. O nível de mecanização cresceu acentuadamente entre 1950 e

1970.

Conclusão:

A produção brasileira expandiu-se a uma taxa alta e estável, no pós-

guerra. De 1947 a 1966, não houve crescimento dos preços relativos dos

21

produtos agrícolas em geral. A exportação agrícola estagnou-se nesse

período. Desde 1967, a produção não conseguiu acompanhar o crescimento

da demanda, quando a renda per capta subiu e os mercados exportadores

foram abertos pela desvalorização do cruzeiro e redução dos impostos. Os

preços no atacado subiram tanto para o setor agrícola quanto para o

industrial. Contudo, as tendências no comércio não são favoráveis à

agricultura.

No final dos anos 70, o Brasil bateu o recorde na produção agrícola,

particularmente, na exportação.

O setor tem sido uma fonte de mão-de-obra para a região urbana e de

capital para a expansão do setor industrial.

A produção de renda no setor agrícola é baixa pelos padrões

internacionais. A baixa renda per capita reflete o pouco aumento da

produção de recursos no geral.

Por quê o Brasil não busca (ou tenta) um crescimento mais rápido da

produção aumentando a produtividade de recursos, é uma questão

importante. A teoria de Hayami-Ruttan (47) sobre a indução de mudanças

técnicas oferece material para respondê-la. Eles sustentam que a indução ao

investimento em pesquisa e desenvolvimento da agricultura vem de

mudanças no fator escassez.

22

“ A tecnologia pode desenvolver-se para facilitar a substituição de fatores relativamente abundantes (logo, baratos) por outros relativamente escassos (logo, caros) na economia” (48). Segundo eles, existem múltiplos caminhos para o desenvolvimento

tecnológico que um país pode escolher seguir. Determinado pelo que ele

escolher, será a rapidez no crescimento da produtividade agrícola.

O modelo Hayami-Ruttan traz duas inovações: a biológica e a

mecânica. A primeira, relaciona o uso do fertilizante com o fator terra e

inclui sementes híbridas e novas variedades de um mesmo produto (49). As

sementes híbridas, extremamente sensíveis ao fertilizante, respondem com

um aumento de produção em larga escala.

A inovação mecânica relaciona a terra e o capital com o fator trabalho.

Com a força mecânica, um trabalhador pode arar mais terras e com mais

eficiência, aumentando o rendimento por trabalhador, o capital e a produção

agrícola (50).

As mudanças no fator preço são a chave para induzir o processo de

inovação. Na demanda por fatores de produção como um aumento nos

preços agrícolas a elasticidade de suprimentos para os fatores de produção

determinará a relatividade da mudança nos preços relativos. Se o fator

abastecimento tiver que ser elástico, por exemplo, não haverá troca nos

fatores relativos de preços quando mudar a demanda, e nem indução à

adoção de novas tecnologias de produção.

23

Até o final dos anos 60, houve pouco incentivo para fazer os

investimentos que possibilitariam um crescimento na produtividade da

agricultura brasileira. Segundo Oliveira (57):

“Uma combinação de uma reserva de trabalho com uma reserva de terras reproduz uma acumulação (de capital) primitiva e contínua na agricultura (brasileira)”.

Dessa forma simplificada, o modelo de Hayami-Ruttan nos dá uma

explicação da falta de modernização da agricultura brasileira. No período

pós-guerra, a média geométrica da taxa de crescimento da área agrícola foi

de 2,6% ao ano (de 1947 a 1978, Tabela 5.15), contudo, ela diminuiu se

considerarmos o crescimento em sucessivas décadas: 3,3% ao ano, entre

1947 e 1960, 2,9% de 60 a 70 e 2% de 70 a 78. Esse aumento na quantidade

de terras permitiu um aumento na produção, em resposta à crescente

demanda do mercado (52).

A construção de estradas de acesso e melhoria do sistema de

transporte permitiu que a fonte de abastecimento ficasse mais longe do

mercado sem aumentar os seus preços. Se o valor da terra não aumentasse

com a introdução de novas terras produtivas, e se os preços não estivessem

aumentando por causa da produção ir de encontro à demanda, haveria

pouco incentivo para investir em novas técnicas e medidas de conservação

do solo (53).

24

5.4 O progresso em expansão

5.4.1 Precedentes históricos

A indústria manufatureira só apareceu na Segunda metade do século 19 e

começou a desempenhar um papel importante na economia brasileira no

meio do presente século, apesar da colonização do Brasil Ter começado no

início do século 16. Até o final do século passado, o país era formado por

uma sociedade agrícola que abastecia o mercado internacional com seus

produtos e matéria-prima(54).

A história econômica do Brasil começou com a extração de Pau-Brasil, uma

atividade não muito importante, mas que era o primeiro contato dos

colonizadores com a terra descoberta (55). A verdadeira atividade começou,

em 1530, com a produção de cana-de-açúcar, uma cultura em demanda na

Europa. O clima costeiro era muito favorável ao seu cultivo e a cana-de-

açúcar foi cultivada, a princípio, no nordeste, na região costeira (próxima ao

primeiro Distrito Federal brasileiro – Salvador) (56). Durante um século e

meio, o açúcar foi o principal e único produto nacional e o Brasil foi o

maior produtor mundial até a metade do século 17.

Mas, obviamente, outras atividades eram necessárias além dessas, que

faziam a ligação do país com o mundo desenvolvido naquele tempo. Elas

eram necessárias para dar suporte às atividades de exportação e, no setor

agrícola, eram as chamadas atividades de subsistência. Elas tinham, e

25

ainda têm, outras formas diferentes de organização em relação à agricultura

de exportação. Por um lado, o cultivo de subsistência era produzido dentro

dos engenhos de açúcar para alimentar a população das fazendas. Por outro

lado, o sistema organizado para abastecer a população urbana (que trabalha

em atividades administrativas e comerciais) era a fazenda pequena

(minifúndio), onde a família trabalhava sozinha. A maioria dessas famílias

não possuía a terra e suas fazendas tinha que ser localizadas em áreas não

destinadas ao cultivo para exportação, e, quando os donos de latifúndios

precisavam de mais terras, as famílias de minifundiários tinham que mudar-

se para outro lugar(58).

A produção de subsistência foi amplamente desenvolvida durante o

“Ciclo do Ouro”, que aconteceu durante os primeiros 75 anos do século 18.

A procura pelo ouro (e por diamantes e pedras preciosas também) foi muito

importante no sentido de alargar as fronteiras brasileiras em direção ao

oeste e noroeste, criar novas cidades e ampliar suas “fronteiras agrícolas”.

Mas, foi um ciclo muito curto e, consequentemente, seu impacto na

economia colonial brasileira logo desapareceu na maior parte . Mas,

posteriormente, dois aspectos foram muito importantes ao desenvolvimento

do Brasil: primeiro, a transferência da capital para o Rio de Janeiro para

facilitar a comunicação entre as minas e Portugal; Segundo, a mudança do

eixo econômico da região açucareira, no Nordeste, para o sudeste do país.

26

Durante o século dezenove, a cultura cafeeira (o café) tornou-se o principal

produto brasileiro(59).

Dessa forma, ao longo dos séculos, a preponderância de cada produto

mencionado gerou o desenvolvimento de uma região diferente do Brasil. O

Ciclo da Cana de Açúcar está ligado ao desenvolvimento da região

Nordeste do Brasil; o Ciclo do Ouro, ao desenvolvimento da região central

de Minas Gerais e o Ciclo do Café, ao Sudeste do país.

A cultura do café, cuja primazia durou muito tempo, também foi

deslocada geograficamente, como vimos no capítulo 1. Desenvolvida,

inicialmente, no Vale do Paraíba, a cultura cafeeira deslocou-se para o sul,

por dentro do estado de São Paulo, até chegar ao Paraná.

5.4.2 Principais características

5.4.2.1 Cultura cafeeira

“Antes de mais nada, o carpinteiro da fazenda procurava por madeiras resistentes para a construção. A derrubada começava de madrugada, antes do sol nascer, com o ar frio dando arrepios nos escravos. O mato alto era cortado para dar caminho aos machados. Após limpar o chão em volta das árvores, os lenhadores começavam a cortá-las, na altura do ombro, e um observador avisava quando eles podiam deixar aquele tronco e partir para outro. Quando o tronco tremia eles o deixavam e, após quebrarem algumas árvores próximas umas das outras, eles as amarravam uma à outra para que ao cair a primeira levasse uma após outra, num grande estrondo que se escutava a milhas dali, aquela onda de árvores caindo no chão...Então, cortavam-se os galhos, e o carpinteiro marcava os troncos que seriam separados para secar. O fogo era aceso; a fumaça e as chamas envolviam

27

galhos e troncos, com suas plantas parasitas, tudo no chão. Dos tocos carbonizados saía fumaça durante vários dias e, quando os escravos chegavam para plantar, a terra costumava estar ainda quente.” (60)

Nesta descrição, Stein refere-se ao desmatamento da cidade de

Vassouras, no estado do Rio de Janeiro durante o período de 1850 a 1860.

Contudo, o mesmo procedimento foi adotado nas novas zonas cafeeiras em

São Paulo e Paraná na década de 30 e 40 deste século. Segundo Barros

(61), o primeiro emprego dos homens que moravam nas fronteiras

costumava ser na atividade de desmatamento.

Semear e cultivar o café na terra chamuscada pelo fogo do

desmatamento poluiu com troncos, galhos, raízes e tocos carbonizados era

um processo trabalhoso, para o qual a única ferramenta utilizada era a

enxada(62). A experiência mostrou que as fileiras de café plantadas

verticalmente morro acima facilitava o acesso aos pés de café e simplificava

a limpeza de ervas daninhas para os escravos(63).

Ao final de três anos a planta jovem produzia fruto, atingindo a

produção máxima aos seis anos de idade. Durante o período em que a planta

era pequena, havia um hábito freqüente de intercalar as fileiras de café com

outras culturas tais como milho, feijão e mandioca, as quais encobriam a

planta jovem e a protegiam do sol quente e consistiam na principal fonte de

alimentação para os escravos(64).

28

Plantar o café em fileiras verticais morro acima trouxe sérias

conseqüências. As enxurradas das fortes chuvas tropicais escorrendo pelas

encostas íngremes tendiam a seguir a linha dos pés de café, onde a terra

havia sido afundada no plantio e deixava as raízes do pé “expostas ao ar e

ao sol”. Certo escritor comentou criticamente:

“Olhe para qualquer encosta de morro cultivado após uma chuva abundante e contínua e você verá o triste aspecto que ela apresenta.”(65)

Waibel(66) também atribuiu ao desmatamento, à falta de uso de

fertilizantes e à intercalação de outras culturas de subsistência a degradação

do solo na zona de São Carlos – Ribeirão Preto(67), onde a produção de um

pé de café decaiu de uma média de 5 libras de grãos em 1900 para 0,3 libras

em 1950(68).

A análise do movimento do café em São Paulo traz a percepção de

outras características da expansão agrícola: o crescimento da população e o

desenvolvimento do sistema de transportes.

O aumento da densidade demográfica pode ser ilustrado pela “zona” de

São Carlos – Ribeirão Preto. Em 1920 esta zona era responsável por 73% de

toda a produção cafeeira de São Paulo (naquele tempo, o maior estado

produtor do Brasil) e tinha 1.200.000habitantes, ou 53% de toda a

população de São Paulo. Em 1886, a região tinha apenas 34.000 habitantes.

Menos notório foi o crescimento da produção e da população da última

29

zona cafeeira de São Paulo – “zona” de Botucatu. Aqui, a população

aumentou de 54.799 em 1886 para 304.852 em 1935, quando foi

responsável por 8,5% da produção de café do estado(69).

A região cafeeira de São Carlos – Ribeirão Preto e servida por

três estradas-de-ferro: Mogiana, Paulista e Araquara (70). As duas primeiras

são conhecidas como “ferrovias do café”. Mogiana teve o seu primeiro

trecho concluído em 1875, e foi estendida até Ribeirão Preto em 1883,

quando a produção cafeeira estava crescendo na região (ver Tabela 5.16).

“Daí em diante, a estrada-de-ferro Mogiana (cresceu, foi ampliada)seguiu para o norte, acompanhando a plantação de café” (71).

O mesmo padrão foi seguido por todas as ferrovias de São Paulo:

ampliando-se do leste para o oeste, na mesma direção da expansão cafeeira,

algumas vezes seguindo as fronteiras, outras, sendo seguida por elas (72).

Por volta de 1940, a expansão da fronteira agrícola acabou em São

Paulo (Tabela 5.17). Ela continuou no Paraná, Mato Grosso, Goiás e

Espírito Santo entre 1940 e 1960 (73). Naquele ano , o Paraná foi o oitavo

estado mais populoso do Brasil e produziu somente 7% de todo o café

brasileiro. Duas décadas depois, o Paraná tinha 4,2 milhões de pessoas

(Tabela 5.18), o quinto maior do Brasil e produzia 50% do café do país.

Especialmente a região noroeste do estado, apesar de representar apenas

26% da área total do estado, abarcava 40% da população total e 80% de

30

toda a produção cafeeira do Paraná em 1960. Durante os anos 60, a taxa de

crescimento populacional era ainda muito alta na região noroeste do Paraná

e mais alta do que a do estado como um todo.

A taxa média anual de crescimento da população no Brasil era de 3%

naquele tempo e não há razão para acreditar que a taxa anual de

crescimento natural da população era bem maior no Paraná do que no resto

do país, e sim, obviamente, considerar que o fantástico crescimento

populacional neste estado deveu-se à imigração.

Novamente, Padis(74) fornece algumas evidências disso.

Podemos observar na Tabela 5.19 que mais do que um terço de toda a

população do Paraná veio de outros estados, particularmente São Paulo e

Minas Gerais. Este fato ganha força pelos dados da Tabela 5.20. Mais da

metade da população de emigrantes cujo último domicílio situava-se em

São Paulo constitui o único grupo que morou no Paraná por mais de onze

anos, isto é, desde antes dos anos 60. A maioria dos outros grupos, vindos

de outras regiões do País, chegaram ao Paraná entre 1960 e 1970. As razões

para esse movimento extraordinário de pessoas entre São Paulo e Paraná

são discutidas mais tarde nesse capítulo.

A fronteira agrícola do Paraná, assim como das zonas mais

recentes de São Paulo (particularmente a “zona” de Botucatu) teve,

também, outra característica: a existência de pequenas propriedades (menos

31

do que 100 hectares), administradas pelos pioneiros, que destruíram o

monopólio da agricultura.

“Quando alguém costuma dizer que ‘colonizar é sinônimo de construir fazendas’ está certo em relação às antigas zonas cafeeiras. Esta afirmação não tem o mesmo significado no oeste de São Paulo e Paraná, porque, aqui, um outro tipo de propriedade também está relacionada ao ‘pioneirismo’ (o ato de ser pioneiro). O ‘sítio’, a pequena propriedade, que em outras regiões de são Paulo significava o produto de uma evolução de propriedades extensas... tornou-se, aqui, um elemento primário na estrutura da propriedade de terra”(75).

5.4.2.2. Pequena escala agrícola

Uma família de pioneiros começa o ciclo agrícola comprando um pedaço de terra em uma área de floresta inabitada. Então, a derruba e queima, seguindo o costume indígena; milho, feijão e mandioca são plantados com o auxílio de uma enxada e uma casa primitiva erguida, primeiro com folhas de palmeira e, mais tarde, com madeira,.... Para aproveitar o excedente de suas colheitas, eles criam porcos e vendem sua gordura com o objetivo de comprar artigos necessários que não são produzidos pela família... A família vive quase completamente isolada.....”(76).

Waibel descreveu um sistema de produção que ele observou em uma de

suas viagens ao Paraná nos anos 40. Ele chamou esse sistema de uso da

terra de ‘rotação primitiva de terra’(77), que é bem parecido ao que

Boserup(78)classificou de "bushfollow cultivation". Nesse sistema, pedaços

de terra são desmatados a cada ano e semeados ou plantados durante um

ano ou dois, após o que a terra é deixada para descansar por vários anos,

32

normalmente algo em torno de seis e dez anos. Nenhuma floresta de

verdade pode crescer em tão pouco tempo, mas a terra deixada a alqueivar é

gradualmente coberta com arbustos e, algumas vezes, com pequenas

árvores também. É importante observar que o tempo de cultivo ininterrupto

sob o sistema de alqueive varia consideravelmente. Ele pode ser tão longo

quanto o tempo de descanso, isto é, seis a dez anos. Para muitos autores,

todo sistema de exploração da terra com alqueive é denominado cultivo de

revezamento(79).

Esse sistema de exploração da terra tem sido usado basicamente

em pequenas propriedades na fronteira, durante o período inicial de

colonização. Ele é usado ainda hoje na fronteira recente da Amazônia (80).

“Após a maioria das árvores ter sido derrubada, a densidade populacional cresceu, foram abertas estradas e as condições técnicas e econômicas melhoraram consideravelmente... (o produtor) aumenta a sua produção de subsistência e introduz novos cultivos a serem comercializados. Além de porcos, e começa a criar algum gado também. “(81)

Nesse sistema, o período de pousio é reduzido para um ou dois anos

aproximando-se à classificação de Boserup sobre o cultivo com pequenos

períodos de descanso.

A introdução de cultivos comerciais significa campos maiores e

necessidade de mais trabalho para o fazendeiro e sua família.

33

“Então, ele substitui o trabalho humano pela tração animal e usa o arado puxado por cavalos em suas terras, caso estas não sejam muito acidentadas.”(82).

Contudo, o uso do arado não combinava com o uso de esterco e fertilizante.

“...(o produtor) não podia usar esterco nos seus campos pela simples razão

de não ter gado suficiente para produzir estrume o suficiente. A criação de

gado era completamente independente da produção agrícola. Esses dois

tipos de uso da terra estavam ainda separados e os solos exauriram-se em

um tempo muito curto”(83).

Waibel dá mais detalhes da deterioração do solo através desse sistema de

exploração da terra .

“Nos lugares que foram explorados por 15, 25 ou 30 anos, está tudo bem: as

colheitas são boas, o fazendeiro é próspero, e há um excedente considerável

de produção para o mercado. Contudo, a maioria dos solos em cultivo por

30 até 50 anos dá mostras evidentes de estagnação e mesmo decadência. A

produção passa a ser um terço ou a metade do que ela costumava ser há

duas ou três décadas antes. Para compensar essa redução na produção, os

fazendeiros cultivam áreas maiores. Isso significa encurtar o período de

alqueive, apesar da deterioração do solo ocorrer mais rapidamente do que

34

antes. Então, pela primeira vez, o solo está sujeito à erosão, mesmo nas

terras com desníveis baixos....”(84).

Mais aumento da densidade demográfica e/ou em contato com o

mercado forçará uma nova mudança no sistema de utilização da terra. Com

o objetivo de possibilitar essa mudança, surge a necessidade de introduzir

novos métodos de preservação ou recuperação da fertilidade do solo.

“Existe uma ligação íntima entre os sistemas de alqueive e as técnicas de

fertilização”.

Os produtores que não quiserem (ou não puderem) introduzir nenhum

método de fertilização continuarão usando a terra até que a produção não

seja suficiente para cobrir suas necessidades e as de sua família. Então ele

se muda para outra região, para outra fronteira se ele decidir continuar

sendo produtor. Ou ele pode deixar a região rural e tentar conseguir um

emprego no vilarejo ou na cidade. Ele pode, também, continuar na mesma

região rural e tornar-se um trabalhador casual nas fazendas próximas(85).

Considerando a conservação do solo, a questão mais urgente [e

saber para qual sistema o produtor optará. Waibel considerava como o

método mais avançado a alternância de plantio com criação de gado. Ele

descreve esse processo com detalhes em alguns relatos de viagens (86).

35

Contudo, ele foi preconceituoso em tentar encontrar nos trópicos e

subtrópicos brasileiros o mesmo método que ele conhecia na Alemanha, sua

terra natal. Mais tarde ele percebeu que a alternância de plantio com criação

de gado era quase exclusivamente praticada pelos produtores alemães que

se instalaram no sul do Brasil(87).

Existem poucas mostras que sugerem que o sistema anual de

plantio, de Boserup, era mais comum no sudeste do Brasil.

“Ele não é considerado um sistema de alqueive, mas pode ser classificado

como tal, uma vez que a terra é deixada sem cultivo normalmente por vários

meses entre a colheria de um produto e o plantio de outro...”(88).

Em um estágio posterior mais avançado, é introduzida a multisafra. Este

sistema de exploração da terra é o mais intenso, já que o mesmo campo

agüenta duas ou mais colheitas sucessivas a cada ano.

“O plantio de um novo produto, consequentemente, deve ocorrer logo após

a colheita do anterior e o período de alqueive, ou é pequeno ou não é

respeitado.”(89).

Além de outros produtos agrícolas (além do café) serem

cultivados em novos lugares e os novos métodos de exploração da terra

terem características de agricultura de pequena escala, o oeste de São Paulo

e Paraná (particularmente o norte do estado) tinha também um ...........

especial: o estabelecimento de fazendas aumentou através da subdivisões de

36

enormes pedaços de terra, normalmente possuídas por empresas privadas de

colonização. Algumas delas eram de origem japonesa(90) mas a maior e

mais bem-sucedida economicamente nos trópicos úmidos da América

Latina era a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (91),

originalmente da Inglaterra.

“Entre 1922 e 1925, uma companhia de terra construiu uma ferrovia de 350

km de S~çao Paulo até Ourinhos, na fronteira do Paraná. Durante o mesmo

período, a Companhia de Terras do Paraná adquiriu 1.250.000 hectares de

floresta virgem na famosa região de ‘terra roxa’ , 200km a oeste de

Ourinhos, e percorreu grandes distâncias para assegurar a sua posse, em

alguns casos, ‘comprando’ a mesma área duas ou três vezes. Em 1932, a

companhia terminou o trecho de 150km de ferrovia de Ourinhos até o limite

ao leste de suas propriedades. A subdivisão dessas terras começou em 1930

e a cidade de Londrina foi fundada dois anos depois”(92).

Durante a Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro proibiu a posse

de terra por companhias estrangeiras e a Companhia de Terras do Paraná foi

vendida para a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, que manteve o

programa original de ocupação da terra. Essa companhia de colonização

guiava-se por princípios básicos que eram similares aos adotados por outras

companhias no oeste de São Paulo e no Paraná:

37

Construção de ferrovias ou estradas para transportar a produção.

Normalmente, essas estradas eram construídas no alto dos espigões;

Ao longo das mesmas, foram criados centros de colonização com

uma distância média de 100km entre eles. Entre esses centros urbanos,

pequenas cidades foram fundadas para servir como locais de abastecimento

para a população rural;

Na área rural, a terra era dividida em pequenas propriedades, com

um tamanho, em média, de 35 hectares. Essas propriedades eram

demarcadas de um jeito que pudesse permitir a cada uma Ter uma parte

baixa, perto do rio e uma parte alta, no topo dos espigões, chegando até a

estrada. Algumas companhias de colonização tinham propriedades maiores

no alto das chapadas, de modo que o café pudesse crescer mais abrigado do

frio das geadas (comum nessas latitudes)(93).

Este tipo de propriedade tem a seguinte configuração: é paralela

ao declive da montanha, retangular, com uma alta proporção de altura e

largura e torna-se um problema quando o período de alqueive é reduzido.

Qualquer chuva forte transforma a ‘salsicha’ (como é conhecida entre os

trabalhadores dessa região) em um ‘rio’. Com o sistema de plantio anual

(e/ou multisafra), o problema torna-se muito sério. Além disso, a adoção de

medidas de controle mecânico é extremamente difícil, como veremos no

Capítulo 7.

38

5.4.3 ‘Funções’ e conseqüências das fronteiras

O objetivo desta parte é mostrar algumas características do movimento das

fronteiras. A ênfase foi dada naquelas características que podem explicar a

origem do problema da erosão no Brasil (basicamente, na sua parte sudeste)

e ajudar a compreensão do comportamento do governo e dos trabalhadores

rurais em relação à erosão do solo e seu controle. O autor não pretende nem

Ter escrito a história das fronteiras agrícolas do Brasil (uma história que

ainda não foi escrita), nem que os pontos listados aqui sejam os mais

relevantes para estudos de qualquer outro tópico além de erosão do solo.

Esta parte mostrou que as decisões acumuladas ao longo do tempo em

relação ao uso de recursos de produção, particularmente a terra, tem

influenciado a forma dada à produção agrícola e à sociedade brasileira em

décadas recentes.

A introdução da cana-de-açúcar, com o objetivo de abastecer o mercado

europeu, foi seguida por doações de grandes porções de terra àqueles que

quisessem produzi-la em um Brasil desconhecido e vazio. Durante séculos,

qualquer proprietário poderia Ter vastas extensões de terra, não apenas

como produtores de cana-de-açúcar como também criadores de gado e

donos de latifúndios improdutivos e abandonados.

39

A sociedade foi estruturada em senhores e escravos. Em tal sociedade,

quais as opções disponíveis à pequena população livre da colônia? Em

relação à agricultura, esta população ocupava uma pequena porção de terra

para obter comida. Em um território imenso e não cultivado, não era difícil

encontrar um pedaço de terra. Estes indivíduos produziam em pequenos

sítios e não se fixavam em um lugar por muito tempo. Eles sabiam que

seriam empurrados para o interior tão logo o latifúndio precisasse de novas

terras.

“Eles eram verdadeiros sítios errantes, que se estabeleciam em diferentes períodos de tempo e lugar ao longo de toda era colonial e eles sobreviveram até os nossos dias.”(94). Estes sítios deram origem às pequenas propriedades no Brasil

e foram criticados como se fossem preguiçosos, inúteis e ignorantes e outras

qualidades similares pelas autoridades do período colonial e em tempos

mais recentes. Eles têm sido sempre colocados à margem das atividades

consideradas importantes, por exemplo, da exportação (95).

Em resumo, a base da ocupação do território brasileiro foi a

“posse”, considerada ilegal já que esta não foi obtida através de doação da

Coroa.

O sistema de sesmarias findou em 17 de julho de 1820, pouco

antes da independência e não foi substituído, imediatamente, por nenhuma

outra legislação relativa à propriedade da terra. Durante um tempo, posse e

40

propriedade eram sinônimos. Em 1850, uma nova lei foi instituída: a Lei

das Terras, cujo artigo 1º., de maior importância para esta discussão, onde a

aquisição de terras através de qualquer meio que não fosse a compra era

proibida, consequentemente, retirou o aspecto legal do sistema de posse,

cuja validade teve curta duração(96).

Desde a metade do século dezenove, houve um crescimento de centros

urbanos como Rio de janeiro e São Paulo, devido, inicialmente, a atividades

relacionas à produção de café. Como foi dito, a trajetória do café moveu-se

para terras novas, deixando atrás de si solos exauridos. O pasto tomou conta

dessas regiões deixadas para trás mas, muitas vezes, a fazenda era

subdividida em pequenas propriedades, colocadas à venda aos

trabalhadores que já possuíssem terras à margem ou próximas à fazenda de

café ou mesmo a antigos trabalhadores da fazenda (97).

Com os projetos oficiais de povoamento, a produção em pequena

escala passou a receber uma atenção especial. Não apenas para

abastecimento de produtos para um crescente número de pessoas urbanas

tornou-se um fator crucial, mas também como solução para o problema do

trabalho temporário nas lavouras de café na época da colheita (98).

Contudo, a agricultura em pequena escala ainda tem um papel essencial nas

novas áreas de expansão da agricultura. onde o sistema de posse continua

prevalecendo, como pode ser observado na Tabela 5.2.1.

41

De acordo com as Estatísticas Cadastrais do INCRA (99),

analisado por Graziano da Silva, 16% de toda a área rural que sobrevive no

Brasil está sob a ocupação de posseiros, em 1972. Como é esperado, a

região de mais recente expansão das fronteiras agrícolas, o Norte, é onde a

posse é mais importante. Outra questão interessante é que 80% de todas as

propriedades sob posse são pequenas propriedades(menos que 16 ha)e, em

números absolutos, elas somavam 523.000 propriedades em 1972.

Dessa maneira, uma ‘função’ da fronteira começa a ficar definida:

permitir o acesso à terra a um grande número de pessoas sem qualquer

mudança na estrutura agrária de propriedade de terras e sem uma grande

explosão socio-política. O dualismo minifundio-latifúndio pôde ser

mantido ao longo dos séculos até os dias de hoje. Como pode ser

observado na Tabela 5.22, 85% de todas as propriedades do Brasil tinha

menos do que 100 hectares e ocupava menos que16% de toda área. Por

outro lado, propriedades com mais de 100 hectares, que não apenas

representam 15% do número total de propriedades, tinha 85% da área total.

Considerando somente as propriedades com mais de 1.000 há (1,5% de

todas as propriedades do país), elas ocupavam mais da metade (51,5%) de

toda área medida.

Essa desigualdade extrema na distribuição da propriedade de

terras(100) é o dado que completa o quadro e nos permite compreender a

42

segunda função da fronteira agrícola no Brasil: o crescimento da produção

através da utilização extensiva dos recursos da terra. Teoricamente, uma

combinação de capital, trabalho e terra são necessários para produzir

mercadorias. Quando a terra é abundante e de baixo custo, é vantajoso

aumentar a área cultivada. Se a mão-de-obra também é abundante, não há

incentivo para a adoção de novas técnicas que permitiriam o crescimento da

produtividade, tanto do trabalho quanto da terra, e de medidas de

preservação do solo. Dessa forma, a exigência do terceiro fator de

produtividade, o capital, é pequena.

Para o fazendeiro, a terra foi um presente e a mão-de-obra escrava

seria, basicamente, o único capital exigido. Quando o sistema de sesmarias

acabou, ele teve poder econômico e político para comprar áreas imensas de

terra e continuar seu processo de exploração do solo e de outros homens. A

abolição da escravatura exigiu certa adaptação de sua parte. Com a ajuda do

governo, ele descobriu que as pequenas fazendas perto de seus campos

poderia abastecê-lo com a mão-de-obra necessária durante a época da

colheita. A mecanização era uma opção difícil àquele tempo,

principalmente em se tratando do café. A motivação para conservar o solo

de seus campos só viria quando não houvessem terras apropriadas para o

plantio do café disponíveis para compra ou o seu preço se tornasse muito

alto.

43

Para o posseiro, a terra também era “grátis” e a mão-de-obra barata: ele e

sua família, com um pequeno ou nenhum capital. Seu principal objetivo era

alimentar sua família, vender o excedente de sua produção no mercado mais

próximo e comprar o que ele não produzia, além de juntar dinheiro para

comprar sua própria terra. O sistema utilizado para manter a produtividade

do solo baseia-se em deixar uma parte de suas terra descansar por alguns

anos. A eficácia desse método dependerá da extensão do próximo período.

“O uso de técnicas de irrigação e outros investimentos de capital está relacionado ao sistema de alqueive. Os recursos para irrigação e outras melhorias do solo, por exemplo, a terraplanagem, nunca são usados nos períodos longos e raramente nos períodos curtos de alqueive.”(101) Essas melhorias também dependem de sua disponibilidade e da vontade

do produtor de investir em um pedaço de terra que não é seu. Quando o

período de alqueive é reduzido em face à necessidade de maior produção e

nenhuma técnica de conservação é utilizada, o resultado é a decadência na

produtividade do solo até chegar ao ponto de o fazendeiro e sua família

serem forçados a se mudarem.

Se ele for o proprietário da terra a vontade de investir em melhorias do

solo pode ocorrer.

“O fato de que a manutenção da fertilidade e outras melhorias do solo dão

um retorno maior em produtividade em muitas áreas (é ignorado) devido à

falta de conhecimento tecnológico da parte de muitos fazendeiros, de certas

44

instituições e a fatores econômicos que impedem a ocorrência de uma

transição da exploração para a conservação do solo...”(102).

Esses fatores já foram teoricamente discutidos no capítulo 2 e 3 e a

verificação empírica foi desenvolvida no capítulo 6 e 7. Por isso, é

suficiente dizer que esses fatores podem impedir o fazendeiro de conservar

a fertilidade de seus campos e forçá-lo a mudar-se.

As atitudes da sociedade como um todo, normalmente refletida nas do

governo, dependerá de que tipo de sociedade se está considerando. Durante

o período colonial e por um longo período depois da independência, a

sociedade brasileira era formada por senhores de terra e escravos. Entre os

outros grupos sociais, o mais influente estava ligado indiretamente à

economia agrícola. Em, uma sociedade assim, as ações governamentais não

seriam muito diferentes das exigências dos senhores.

Quanto mais diversificados os grupos sociais, mais complexas se

tornam as ações do governo. Elas dependerão da representatividade de

cada grupo no processo de decisões políticas. Em uma situação onde a

industrialização por si só é vista como sinônimo de desenvolvimento, onde

os grupos de classe média urbana também exigem a melhoria de suas

condições de vida e os grandes senhores de terras ainda têm influência

política considerável, gerir a política é extremamente complicado.

45

Mas, novamente, aqui a expansão da fronteira em movimento

desempenha um importante papel. A agricultura pode cumprir seu papel no

processo de desenvolvimento, os interesses e a influencia dos senhores de

terra serem mantidos enquanto a instuição do direito de propriedade não for

mudado e também, forem feitos investimentos financeiros oficiais no

capital social ( especialmente nos transportes, educação, etc.). Nesse

sentido, a exploração foi puramente racional, dentro de um ponto de vista

econômico (e, provavelmente, político), exceto, quanto ao dano físico, que

foi longe demais para permitir uma reversão do processo a um custo

razoável quando as condições mudaram.

Se essa linha de pensamento estiver correta, as ações governamentais

para combater a deterioração do solo poderiam ser aplicadas somente nos

estados onde a expansão das fronteiras agrícolas acabou ou está perto de se

completar. Uma breve análise das ações para conter o problema da erosão é

feita no próximo capítulo, considerando o papel das instituições de

pesquisa, trabalhos de extensão, legislação e programas especiais.

5.5 Medidas contra o problema

5.5.1 Instituições de pesquisa

Quinze instituições, aproximadamente, realizaram pesquisa técnica

sobre a erosão do solo e o seu controle, em 1978 (Tabela 5.23) (103).

46

Provavelmente, mais de duzentos documentos técnicos foram publicados na

época (104) e 82 técnicos foram envolvidos em 87 projetos de pesquisa

durante o ano.

Conforme esperado, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) foi a

instituição pioneira em publicações sobre o assunto. Como foi dito no

capítulo 1, IAC foi o mais antigo e mais importante Departamento de

Conservação do Solo no Brasil.

A maioria das instituições da Tabela 5.2 começaram, recentemente,

suas pesquisas e a algumas ainda não chegaram a uma conclusão. Contudo,

os institutos do Rio Grande do Sul e a ESALQ, em São Paulo, superaram

em publicações e o IAPAR superou no montante de projetos de pesquisa

em andamento em 1978 e no número de pesquisadores envolvidos. Todas,

menos a ESALQ, foram visitadas pelo presente autor em 1980. IAC e

SNLCS também foram visitadas (105).

O I.A.C começou seu trabalho de pesquisa em março de 1943. Ele tem

desenvolvido diversos estudos sobre o nível da perda de solo e perda de

água devido à erosão em diferentes tipos de solo e para diferentes cultivos

sob diversos sistemas de cultivo daquele estado, utilizando variadas técnicas

de controle de erosão (106). Conta com17 estações experimentais em

diversos lugares do estado, mas possui apenas quatro pesquisas

47

desenvolvidas sobre a erosão do solo. O I.A.C contava com 299

pesquisadores de nível superior em 1977 (107).

Em entrevista com o chefe do Departamento de Conservação do Solo,

fomos informados que todos os fatores da USLE* (Equação Universal de

Perda do Solo) podem ser aplicados em todas as grandes regiões agrícolas

do estado, mas o fator C (gerência da produção) ainda não é muito

confiável. Contudo, ao ser questionado sobre o levantamento topográfico

das regiões mais afetadas pela erosão, ele respondeu que uma inspeção

como essa nunca foi realizada. As regiões foram elencadas de acordo com

as informações coletadas pelos diversos técnicos, em suas viagens para

diferentes regiões do estado.

Ele também salientou que a falta de adoção de medidas de controle da

erosão pelos fazendeiros vinha sendo frustrante. Além do plantio de

contorno e terraplanagem, pouquíssimas medidas foram adotadas. Na

realidade, poucos fazendeiros adotaram até mesmo o plantio de contorno

e/ou terraplanagem. Na sua opinião, as linhas de ação mais importantes que

deveriam ser adotadas para melhorar o nível do controle da erosão em São

Paulo eram: (a) mais contato entre o instituto de pesquisa e o serviço de

extensão; e (b) criação de uma mentalidade de conservação (ele não

explicou precisamente o que quis dizer com isto) desde a escola primária.

“com o objetivo de alcançar uma solução definitiva a longo prazo.”(108).

48

A Fundação do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) foi criada em

29 de junho de 1972. Os estudos sobre a erosão do solo e seu controle

foram começados em 1973/74. A preocupação inicial era a terraplanagem,

principalmente a de “broad base”. Posteriormente, eles seguiram a linha do

IAC, com duas diferenças importantes: (a) Não têm havido esforços no

sentido de calcular os parâmetros da USLE ; fazer isso não é prioridade; e

(b) pouco antes da nossa visita, eles passaram a enfatizar mais, em seus

estudos, a rotação de culturas como a principal medida de controle da

erosão.

Em relação às principais razões para que as medidas de controle não

sejam adotadas (a equipe do IAPAR parecia estar mais otimista do que seus

colegas do IAC quanto ao controle desempenhado, apesar de concordar que,

basicamente, a terraplanagem tem sido o recurso mais usado), os

pesquisadores “sênior” disseram: (a) tradição da monocultura,

imediatamente após a derrubada da mata, acelerou o processo de erosão e

tornou a mudança para a rotação de culturas muito lenta; (b) falta de

informação da parte dos trabalhadores rurais quanto ao uso adequado da

maquinaria; e (c) ausência de políticas governamentais que beneficiem o

setor agrícola, em geral, e a conservação do solo, em particular. Foi citado,

também, o pouco contato entre o instituto de pesquisa e o serviço de

extensão como uma das razões.

49

Inspeções feitas na região mais afetada não estavam disponíveis no

Paraná e Rio Grande do Sul, o último estágio de nossa visita ao Instituto.

Em ambos os estados, há uma boa noção de quais as áreas mais afetadas.

No Rio Grande do Sul, técnicos da EMBRAPA-CNPTrigo disseram que

todo o estado tem um problema com a erosão, exceto as áreas de pasto e

plantações de arroz, e que a parte mais afetada é a de plantação de soja e

trigo (4 milhões de hectares em 1979). A principal linha de pesquisa do

CNPTrigo tem sido a utilização de métodos de cultivo.

Também no Rio Grande do Sul existe o IPRNR e VFRGS, que têm

muitos pontos em comum, não apenas em termos de linhas de pesquisa

como também nos membros da equipe. Esses dois institutos têm

desenvolvido seus estudos em, praticamente, o mesmo padrão do IAC, em

São Paulo. As mesmas razões para a não adoção de medidas de controle da

erosão a nível de fazendas, apontadas em outros estados, foram encontradas

aqui (com especial ênfase na falta de uma mentalidade de conservação e de

políticas do governo) e foram sugeridas linhas de ação similares (109).

5.5.2 Serviço de extensão

Não existe nenhum serviço de extensão no Brasil que funcione de

maneira similar ao Serviço de Conservação do Solo, nos Estados Unidos,

50

com todos os esforços direcionados para a difusão do uso de medidas de

conservação entre os agricultores. No Brasil, o sistema de medidas para o

controle da erosão consiste em apenas um grupo de técnicas que um

funcionário do programa de extensão tem que convencer os fazendeiros a

usar.

A Coordenadoria de Assistência Integral (CATI) é responsável pelos

serviços de extensão em São Paulo. Sua sede é em Campinas, mas a CATI

tem 10 subdivisões (divisão agrícola – Dira) cada uma responsável por uma

grande região agrícola do estado. Cada Dira tem vários centros de serviço

de extensão (conhecidos como Casas da Agricultura). Em todo estado de

São Paulo existem 438 Casas da Agricultura; pelo menos uma em cada

município(110).

Em cada Casa da Agricultura há um engenheiro agrônomo e alguns

assistentes; o número varia de acordo com a importância da produção

agrícola do município. Em cada Dira há, também, um agrônomo

especializado em conservação do solo.

A CATI utiliza os seguintes métodos para a difusão das medidas de

controle:

(a) Atenção – através dos agrônomos, que estão em contato

direto com os produtores, jornais, revistas, rádio e televisão;

51

(b) Serviços oferecidos – Quase todas as Casas da Agricultura

estão equipadas para oferecer serviços de controle da erosão, como

planejamento de estradas internas, estabelecimento de linhas de borda,

escolha da área a ser cultivada de acordo com as possibilidades da terra;

(c) Acompanhamento – para a implementação e manutenção das

medidas.

Eles são basicamente os mesmos métodos aplicados pela EMATER-

Paraná, e pela Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul, órgãos

responsáveis pela assistência técnica em seus respectivos estados. No

estado do Paraná, há peculiaridades, como os serviços oficiais de extensão,

que executam a construção das medidas de controle, quando o serviço não

puder ser feito pelo fazendeiro ou empresa particular.

A EMATER-PR desenvolveu, também o sistema de participação

comunitária no controle da erosão. Um município é selecionado e dividido

em pequenas reservas de água (em geral, são 6, mas não necessariamente).

Em cada uma, as ações contra a erosão envolvem toda a comunidade; a

população rural e urbana é informada sobre o problema e instituições

públicas e privadas são convidadas a ajudar nesse combate, assim como

bancos, cooperativas, etc. Quando os técnicos de extensão julgam ter

acabado o trabalho, passam para uma outra reserva, até que todo o

município seja coberto. Somente aí é que eles passam para um novo

52

município e repetem todos os procedimentos. Não foi possível avaliar o

sucesso do sistema, já que somente um município havia sido coberto

completamente até 1980. Contudo, os funcionários de extensão estavam

muito otimistas, acreditando que ele era muito promissor (111).

Na verdade, não havia uma avaliação do progresso de nenhum desses

sistemas . De 1950 até 1978, 1.589.956 hectares e 60.713 propriedades

foram ‘conservadas’. Ou seja, fazendeiro solicitou ao agrônomo das ‘Casas

da Agricultura” os serviços de controle de erosão, especialmente para

estabelecer as linhas de contorno (112). A equipe da CATI é unânime ao

afirmar que esses números não são válidos para avaliar o sucesso na

conservação do solo. Eles não provam que o produtor que solicitou que as

linhas de contorno fossem traçadas plantou realmente no contorno, ou fez a

terraplanagem. Além disso, não representam aqueles que estão usando as

medidas de controle de erosão do solo e os que não solicitaram a ajuda da

CATI.

Ainda assim, podemos observar alguns pontos-chave. O citado número

total de propriedades ‘conservadas’ aproxima-se do número de propriedades

que informaram usar medidas de conservação do solo, reportadas pelo

Censo Agrícola de 1975: 76.978 (113). De acordo com os dados do Censo,

isso representa 28% de todas as propriedades do estado de São Paulo. Se

compararmos a área coberta pela CATI com a área de cultivos perenes ou

53

anuais dada pelo Censo, podemos concluir que 31% da área total cultivada

do estado era ‘conservada’ (114).

Mais interessante é o fato que 823.120,91 hectares foram ‘conservados’

entre 1970 e 1978. Ou seja, mais de 50% da área total coberta pelos

serviços de controle da erosão durante 29 anos foi assistida nos últimos

nove anos. Infelizmente, o significado real dessas conquistas não pode ser

avaliado devido à não existência de um levantamento topográfico da região

mais atingida.

Ainda assim, surgem duas possibilidades. Se as medidas forem adotadas

e se elas forem efetivas, o progresso do controle da erosão terá sido

relativamente grande (este ponto será analisado empiricamente no capítulo

6, ao discutirmos o nível da fazenda). Esse progresso tem sido acelerado

nos últimos anos.

Não há dados disponíveis, no Paraná, em ordem cronológica, que

registrem os trabalhos e conquistas no controle da erosão do solo. A única

informação disponível é uma avaliação feita pelo Programa Integrado de

Conservação do Solo em 1979 (115). Segundo esses dados, 23% das terras

de cultivo anual, 34% das terras de cultivo perene e 5% das pastagens

estavam adotando medidas de conservação. Isso representa 17,3% de todas

as terras cultivadas no estado (12.292.570 hectares em 1979). No Censo de

1975 (116), também, 71.811 propriedades agrícolas (15%) informaram usar

54

medidas de conservação do solo. “Ceteris paribus, 23 anos serão

necessários para conservar toda a terra cultivável do estado” (117).

De acordo com a Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul,

44.983 produtores receberam assistência técnica na conservação do solo

durante o período de 1957 e 1977. Esse número difere muito do que

registra o último Censo, quando 127.954 trabalhadores rurais relataram o

uso de medidas de conservação do solo (118).

A Secretaria de Agricultura também informou que 1.148.447 ha

estavam adotando medidas de conservação em 1977. Comparando esses

dados com os do Censo a respeito de áreas de cultivo perene, estima-se que

19% de toda a terra cultivada do Rio Grande do Sul era conservada. Esse

percentual chega bem perto daqueles de São Paulo e Paraná(119).

O progresso na conservação do solo no Rio Grande do Sul foi

acelerado, com 82% dos trabalhadores usando as técnicas de conservação

e74% da área ser conservada após 1970.

As razões para não adotar as medidas, na opinião da equipe foram as

mesmas apontadas pelo Instituto: falta de educação e mentalidade de

preservação são as mais comuns. Informaram-nos, no R.G.S. que eles se

preocupavam mais com a mudança de mentalidade do que com a difusão

das medidas de conservação.

A CATI classificou os trabalhadores em dois grupos:

55

1- Os desinteressados no controle da erosão (porque não sabem as

conseqüências)

2- Interessados, porém, sem condições econômicas, etc.

5.5.3 Legislação

A primeira referência à conservação do solo (120) apareceu na Lei

4.132, de 10 de Setembro de 1962, que definia casos de desapropriação:

“É considerado de interesse social (e por isso sujeita à desapropriação)... a proteção do solo e a preservação de reservas florestais”.

A Lei 4.504, de 30 de Novembro de 1964, sobre o “Estatuto da Terra”,

dizia, Capítulo 1, art.2, parág.1º:

“A propriedade da terra deve cumprir integralmente sua função social quando, simultaneamente o seu uso garanta a conservação de recursos naturais” E, mais à frente, no art.20:

“A desapropriação a ser feita pelo Governo nas áreas prioritárias (para reforma agrária) recairá sobre ... aquelas áreas onde os proprietários desenvolvem atividades predatórias, recusando-se a adotarem medidas para conservar os recursos naturais...”(121). Provisões similares aparecem no Decreto 58.380 (10/05/66); 59.428

(27/10/66); 4.504 acima e 68.153 (1/02/71) – Estatuto Geral do Instituto

Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)

A Segunda vez que foi feita referencia à conservação do solo em um

plano econômico nacional foi em 1974 (122) – Lei 6.151 (04/10),que criava

56

o Segundo Plano de Desenvolvimento Nacional para o período de 1975 a

1979. Finalmente, em 14 de julho de 1975, foi sancionada a Lei 6.225:

“ O Ministério da Agricultura, no período de 180 dias, listará regiões onde a terra possa ser cultivada ou explorada economicamente, através de planos de proteção do solo e controle da erosão feitos previamente” (art.1)

“ Os proprietários de terra localizada nas regiões discriminadas terão o prazo de seis meses para começar os trabalhos e de dois anos para concluí-los...... (art.2). No caso de arrendatários, o prazo será de um ano (para a conclusão)... e sancionam-se todas as outras disposições” (art.2) O Decreto 77.775 (8/06/76) e o 76.470 (16/10/75) regulavam a lei 6.225. “A exigência de crédito direcionado à agricultura nas regiões onde o uso de técnicas de conservação do solo e controle da erosão é obrigatória será aprovado somente pelas instituições de crédito, públicas ou privadas, se o pedido for apresentado junto com um certificado comprovatório.....sobre a realização dos trabalhos de conservação (esse certificado devia ser assinado por um agrônomo do Ministério da Agricultura ou agrônomo com credenciais dadas pelo Ministério).....” (art.9, Decreto 77.775)

O Decreto 76.470 criou o Programa Nacional de Conservação do Solo (PNCS): “O qual objetiva conservar 4.600.000 ha de terras cultiváveis no período de 1975 a 1977, 600.000 em 75, 2.000.000.há em 76 e 2.000.000 em 77, cobrindo uma área equivalente a 11% da área cultivada do Brasil “ (Exposição de Motivos do Ministério da Agricultura). “ O total de CR$ (cruzeiros) 1.507.100.000,00 (aproximadamente 166 milhões de dólares ) será destinado ao PNCS...” (art.3) (123).

5.5.4 Programas e projetos

57

Alguns programas de combate à erosão já foram citados (124). A

maioria não havia terminado até 1980.

O Programa Estadual de Conservação do Solo foi criado pelo Governo

de S. P. em 1970, para beneficiar 125.000 propriedades (44% do total do

estado) e uma área de 14.578.500 há (59% do estado). As principais

medidas sugeridas foram o plantio de contorno, terraplanagem e o plantio

em faixas estreitas.

Em 1980, os programas foram deixados de lado por falta de recursos

suficientes para atingir seus objetivos, apesar de alguns terem sido

atingidos, especialmente o plantio de café no contorno do terreno(125).

O primeiro PROICS foi concluído no Paraná, em 1979, cujos resultados

foram discutidos nesse capítulo, e a única medida aplicada foi a

terraplanagem (126) na área ‘conservada’ (1.622.281 há). Em 1979, o

governo do Paraná lançou outro PROICS para atingir 50% da terra

cultivável com as medidas de conservação do solo.

O Programa Nacional de Conservação do Solo (PNCS), lançado em

1975, deveria durar três anos, mas, em 1980 não havia iniciado ainda

porque não houve liberação de verbas suficiente, exceto um pequeno

percentual para pequenos trabalhos de levantamento topográfico da região.

E o PNCS não foi adiante.

5.6 Considerações finais

58

Entre 1960 e 1970 a expansão da agricultura parou nos estados do sul e

sudeste do Brasil (Tabela 5.17). As áreas que sobraram (cerrado e

pastagens) não eram atrativas para os produtores brasileiros (127).

Isso forçou a administração estadual a investir em serviços de extensão,

institutos de pesquisa e programas de conservação dos recursos do solo,

principalmente no Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul. São Paulo foi o

pioneiro no fechamento da expansão agrícola.

A legislação brasileira foi determinada principalmente pelo Governo

Federal, dada a centralização característica da administração do país, e

acompanhou o fechamento das áreas possíveis de expansão da agricultura.

Houve necessidade de se criar um novo padrão de produção agrícola

para essas regiões, deixando o cultivo extensivo da terra para introduzir

novas técnicas para o aumento da produção. A principal delas deveria ser a

preservação da fertilidade da terra, devido às características da superfície e

às chuvas, para conter a erosão do solo.

O PNCC admite:

“apesar da erosão estar presente, em graus diferentes, em todo o território

nacional, a relativa escassez dos recursos, tanto financeiros quanto

humanos, e das oportunidades alternativas de investimento no país forçam a

adoção de prioridades baseadas no grau de seriedade do problema, tanto sob

um ponto de vista físico quanto sócio-econômico” (128).

59

As regiões selecionadas localizavam-se exatamente nos estados do

Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa

Catarina e Rio Grande do Sul, todos no sudeste e sul do Brasil.

A expansão das fronteiras agrícolas acabou no sul e sudeste do país mas

não havia atividade agrícola no começo dos anos 70 no cerrado, cuja área

chega a 1,3 milhões de km2 e abrange 80% dos estados de Goiás, Mato

Grosso e Minas Gerais(129) e na selva amazônica, que abarca a metade do

território brasileiro (130). As primeiras tentativas de povoamento dessas

regiões obtiveram pouco sucesso e, na Amazônia, despertaram

controvérsias em todo o planeta(132).

A fertilidade do cerrado é muito baixa, devido ao desgaste feito pelo

sistema de queimadas, por isso o uso desse solo requer uma grande

quantidade de fertilizantes e outras técnicas de melhoria do solo (131).

Mas a expansão agrícola aumentou as fronteiras da terra cultivável em

relação à área total, segundo a Tabela 5.17, nos estados de Rondônia, Pará,

Maranhão, Bahia, Mato Grosso e Goiás, os três primeiros na Amazônia e os

outros na região do cerrado.

O Censo de 1980 evidenciou 14 cidades com um crescimento

populacional de 20% ou mais ao ano, entre 1970 e 1980. Sete dentre elas

estão no Mato Grosso, cinco em Rondônia e uma no Pará (133). O caso

60

mais impressionante foi o de Colider, Mato Grosso, que tinha 130

habitantes em 1970 e 35.600 em 1980, crescendo 74,8% ao ano.

Na Segunda metade dos anos 70, o governo brasileiro criou planos

estratégicos para expandir as fronteiras agrícolas, sem considerar a

degradação e os problemas acarretados ao solo. Deixou aos estados e aos

próprios fazendeiros a iniciativa de combater a erosão das terras cultivadas

mais antigas, o que não surtiu efeito suficiente, segundo os dados colhidos

em nosso trabalho de campo. As razões para tal fato serão apresentadas nos

próximos capítulos.

Antes de concluir, é necessário dizer que a exploração dos recursos

naturais pode ser uma decisão correta sob um ponto de vista econômico,

tanto para a sociedade quanto para o indivíduo produtor. È impossível fazer

estimativas sobre o custo-benefício para chegar ao lucro líquido da

exploração do solo, apesar de importante. Contudo, a contribuição da

agricultura brasileira para o crescimento econômico geral do país, em

termos de abastecimento, mão-de-obra, capital, divisas cambiais e bens e

serviços para o setor não-agrícola deveria ser comparada aos investimentos

em insumos modernos necessários para o desempenho daquelas atividades;

ao custo da recuperação do solo abandonado à erosão; aos efeitos da perda

de solo; aos custos da construção de novas estradas para o acesso às

61

fronteiras em movimento, etc. (evidências desses pontos foram apresentadas

neste e no capítulo 1).

O que parece, em determinado momento, ser um comportamento

irracional e míope pode ser o resultado de uma série de decisões

acumuladas ao longo do tempo e estar profundamente enraizado na história

e na cultura de das pessoas.

Qualquer economista que lide com a preservação e uso dos recursos

naturais precisa estar atento quanto a isso, para que as políticas que propor

para mudar a situação não sejam condenadas ao fracasso, devido à

superficialidade e simplismo das mesmas. Voltaremos a essa discussão no

capítulo final.