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Capítulo I As reformas do processo executivo: breve abordagem Introdução Desde a década de 90 do século passado que, em vários países da Europa, têm vindo a ser desenvolvidas reformas no âmbito do processo de execução. Também no quadro da União Europeia se tem procurado facilitar a execução de decisões e actos estrangeiros, nomeadamente com a recente criação do título executivo europeu 1 para créditos não contestados 2 . Ainda nesse âmbito, encontra-se prevista a harmonização dos regimes de penhora europeia de depósitos bancários. Em Portugal, tal como em outros países, a acção executiva tem estado, desde o início da década de 90 do século passado, na agenda de reformas dos sucessivos governos 3 . Neste Capítulo, analisaremos a evolução dos processos de reforma da acção executiva desde 1987, dando um enfoque especial à reforma de 2003 – a reforma em análise –, que criou uma nova profissão jurídica, procedeu à desjudicialização de certos actos e levou à criação de novos tribunais especializados. 1 O título executivo europeu permite a livre circulação de decisões judiciais e de actos executórios que impliquem a confissão do devedor sem ser necessário qualquer procedimento de exequatur no estado da execução e sem ser possível contestar o reconhecimento da decisão ou do acto (cf. Sousa, 2004: 11). 2 Criado pelo Regulamento CE/805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, tendo o Regulamento CE/1869/2005 da Comissão, de 16 de Novembro de 2005, vindo, posteriormente, substituir os anexos I a VI daquele. 3 De acordo com Teixeira de Sousa, tal facto deve-se à “completa falência do sistema da acção executiva singular” (Cf. Sousa, 2004: 10).

Capítulo I As reformas do processo executivo: breve abordagemopj.ces.uc.pt/pdf/rel_accao_executiva_cap _I.pdf · penhora logo no requerimento inicial, independentemente do momento

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Capítulo I

As reformas do processo executivo: breve abordagem

Introdução

Desde a década de 90 do século passado que, em vários países da

Europa, têm vindo a ser desenvolvidas reformas no âmbito do processo de

execução. Também no quadro da União Europeia se tem procurado facilitar a

execução de decisões e actos estrangeiros, nomeadamente com a recente

criação do título executivo europeu1 para créditos não contestados2. Ainda

nesse âmbito, encontra-se prevista a harmonização dos regimes de penhora

europeia de depósitos bancários. Em Portugal, tal como em outros países, a

acção executiva tem estado, desde o início da década de 90 do século

passado, na agenda de reformas dos sucessivos governos3.

Neste Capítulo, analisaremos a evolução dos processos de reforma da

acção executiva desde 1987, dando um enfoque especial à reforma de 2003 –

a reforma em análise –, que criou uma nova profissão jurídica, procedeu à

desjudicialização de certos actos e levou à criação de novos tribunais

especializados.

1 O título executivo europeu permite a livre circulação de decisões judiciais e de actos executórios que impliquem a confissão do devedor sem ser necessário qualquer procedimento de exequatur no estado da execução e sem ser possível contestar o reconhecimento da decisão ou do acto (cf. Sousa, 2004: 11). 2 Criado pelo Regulamento CE/805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, tendo o Regulamento CE/1869/2005 da Comissão, de 16 de Novembro de 2005, vindo, posteriormente, substituir os anexos I a VI daquele. 3 De acordo com Teixeira de Sousa, tal facto deve-se à “completa falência do sistema da acção executiva singular” (Cf. Sousa, 2004: 10).

2 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

1. A reforma da acção executiva da Comissão Antunes Varela e as Linhas Orientadoras da nova legislação processual civil (1992/1993)4

A Comissão de Reforma do Código de Processo Civil, presidida pelo Prof.

Antunes Varela, apresentou um Projecto de reforma, que veio a ser divulgado

como Anteprojecto de 1993 que, embora não muito significativas, previu

algumas alterações no processo executivo designadamente, as seguintes5:

- “Eliminação de tramitações diversificadas em função do valor da

causa e da natureza do título executivo, no processo executivo para

pagamento de quantia certa, mantendo-se regulamentações

distintas para o processo para entrega de coisa certa e para

prestação de facto;

- Eliminação dos requisitos de legalização notarial dos títulos

executivos quanto aos documentos particulares assinados pelo

devedor, desde que deles conste a obrigação de pagamento de

quantias determinadas ou entrega de coisas fungíveis (artigo 619º,

alínea c), e 624º – a assinatura dos documentos particulares só

carece de reconhecimento notarial quando se trate de assinatura a

rogo);

- No caso de se fundar a execução em sentença de condenação,

ainda que pendente de recurso, dever do exequente nomear bens à

penhora logo no requerimento inicial, independentemente do

momento em que foi instaurada a execução (artigo 638º, nº 3);

- Eliminação do recurso do despacho de citação como meio de

oposição à execução (artigo 640º);

4 Nos pontos 1, 2 e 3, seguimos de perto o relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa “A acção executiva: caracterização, bloqueios e propostas de reforma”, de 2001, coordenado por João Pedroso. 5 Acompanhamos neste ponto o artigo de Armindo Ribeiro Mendes, de 1993, “Novo processo executivo – As Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil e o Processo Executivo”.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 3

- Atribuição do efeito suspensivo de execução ao recebimento dos

embargos se, fundando-se a execução em escrito particular com

assinatura não reconhecida, o embargante alegar a não

autenticidade da assinatura (artigo 645º, n.º 1);

- Unificação do modo de nomeação de bens à penhora, através de

requerimento (artigo 664º, n.º 1);

- Imposição ao executado do dever de especificar, em detrimento da

parte, os bens susceptíveis de penhora que lhe pertençam, bem

como o lugar onde se encontram, sempre que tal seja

justificadamente requerido pelo exequente (artigo 665º, n.º 1);

- Estabelecimento de regra de que o resgate provisório da penhora

não impede o prosseguimento da execução, muito embora não

possam ser adjudicados ou vendidos, nem consignados os seus

rendimentos, os bens cuja penhora haja sido registada

provisoriamente e não tenha sido convertida em definitivo, salvo se

outros créditos com garantia sobre esses bens tiverem sido

reclamados e reconhecidos (artigo 666º, n.º 4 e 70º, n.º 2);

- Permissão, com maior latitude do que a estabelecida no direito

vigente, de venda por negociação particular, bastando que tal

modalidade seja requerida pelo exequente, pelo executado ou por

algum dos credores preferentes, e o juiz não encontre razões sérias

para se lhe opor, depois de ouvidos os restantes interessados (artigo

714º, a));

- Regulamentação de desistência do exequente, incluindo a

desistência da instância executiva (artigo 746º);

- Regulamentação da suspensão da entrega da coisa detida por

terceiro e por doença do executado (artigo 746º);

- Regulação da suspensão de entrega de coisa detida por terceiro e

por doença do executado, na execução para entrega de coisa certa

(artigo 755º e 756º)”.

4 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

Em 1993, o então Ministro da Justiça, Laborinho Lúcio, submeteu a

apreciação o “Anteprojecto do Código de Processo Civil” e as designadas

“Linhas Orientadoras da Nova Legislação Processual Civil”. Estas “Linhas

Orientadoras” haviam sido elaboradas por uma comissão de seis juristas

[Pereira Baptista, Lopes do Rego, Cristina Silva Santos (designados pelo

Ministério da Justiça), Lebre de Freitas, João Correia e António Telles

(designados pela Ordem dos Advogados)], que visava proceder a uma

remodelação do processo executivo mais profunda do que a apresentada pela

Comissão Antunes Varela. Para o Ministro da Justiça, o objectivo a alcançar

era a criação de um novo código que fosse um modelo de simplicidade e de

concisão, com o recurso frequente a cláusulas gerais que permitissem uma

tramitação maleável, adaptável à “realidade em constante mutação”. Pretendia

contrapor ao projecto de Antunes Varela uma alternativa, tendo enunciado as

suas linhas condutoras, entre as quais figurava a “menor judicialização do

processo executivo”.

Em Novembro de 1992, as linhas orientadoras do modelo alternativo ao

apresentado por Antunes Varela ficaram concluídas e, em Junho de 1993, os

dois modelos alternativos seriam publicados e distribuídos, com o período de

debate público a decorrer até final de 1993.

Era intenção do Ministro da Justiça realizar a reforma do processo civil em

dois planos: num plano a médio prazo, em função dos resultados da discussão

pública dos modelos alternativos, o Governo decidiria qual o modelo a adoptar;

num plano a curto prazo, a reforma do processo civil prosseguiria,

designadamente, com a introdução do novo procedimento de injunção.

As propostas sobre o processo executivo presentes nas “Linhas

Orientadoras” visavam “a modernização e a simplificação da respectiva

tramitação, de modo a alcançar eficácia na realização prática dos direitos”6. A

Comissão de elaboração das Linhas Orientadoras diagnosticou alguns

aspectos de estrangulamento no modelo em vigor e indicou linhas de reforma

6 Cf. Mendes, 1993.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 5

muito gerais, salientando que era urgente repensar e modernizar a tramitação

da acção executiva singular para lhe conferir eficácia na realização do direito,

designadamente quanto à efectivação da penhora e depósito dos bens

penhorados, na realização da venda e suas modalidades.

A Comissão salientava a necessidade de rever e corrigir aspectos que

considerava arcaicos, desnecessariamente complexos ou tecnicamente pouco

elaborados presentes no modelo vigente7.

7 Entre esses aspectos, refere-se a enumeração taxativa das excepções dilatórias que fundamentam a dedução de embargos do executado, a determinação de limites e excepções à penhorabilidade dos bens, a inexistência de um genérico meio de oposição à penhora privativo do executado, a estruturação em termos plenamente claros e satisfatórios da cumulação de execuções e do litisconsórcio na acção executiva. Quanto à efectivação da penhora, a Comissão entendia que o princípio da cooperação requeria um empenhamento maior do tribunal na tutela do direito do exequente, devendo o Tribunal poder requerer todas as informações necessárias e indispensáveis à realização da penhora, mediante solicitação do exequente. Ao executado, por seu lado, deveriam poder ser solicitadas todas as informações sobre o seu património, sendo responsabilizado no caso de incumprimento. Deveria caminhar-se para a desburocratização da penhora, eliminando-se todos os actos e formalidades inúteis, conferindo-lhe maior eficácia e celeridade. Quanto à venda executiva, a Comissão recomendava maior moralização, a revisão dos mecanismos de arrematação em hasta pública, bem como a venda em estabelecimentos de leilões. A Comissão alertava, ainda, para a necessidade de repensar toda a fase de convocação de credores, verificações e graduações de créditos; assim como conferir às execuções fundadas em sentença maior simplicidade, celeridade e eficácia. Poderia adoptar-se uma figura similar à execução sumaríssima para pagamento de quantia certa, realizando-se imediatamente a penhora e, só após esta, permitir a cumulação das oposições à penhora e a execução.

6 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

2. O debate pós-Linhas Orientadoras: a procura de uma reforma intercalar

2.1. O contributo de Lopes do Rego

Carlos Lopes do Rego (1993) defendeu a realização de uma reforma do

processo executivo de modo a conferir-lhe maior eficácia. O autor chamava a

atenção para a percepção, cada vez mais frequente, de que o incumprimento

“compensa”. Partindo de estrangulamentos existentes no sistema, propôs

soluções com incidência no título executivo, na estrutura geral da acção

executiva, quanto às partes processuais, formas da acção executiva, fase

liminar, oposição à execução, oposição à penhora, penhora e também venda

executiva.

Para Lopes do Rego, o sistema de acção executiva estruturava-se sobre

a “execução movida apenas por determinado credor visando a satisfação do

seu crédito, com intervenção limitada aos restantes credores com garantia real

(...) ou aos credores comuns que hajam obtido outra penhora sobre os mesmos

bens”8. Ora, este modelo da acção executiva singular nem sempre permitia o

tratamento igualitário dos credores, pois prejudicava aqueles que não haviam

conseguido obter uma penhora prioritária. O autor optaria, no entanto, por

manter a estrutura da acção executiva vigente, caso não se procedesse à

elaboração de um novo Código.

Os problemas mais graves no âmbito da acção executiva, de acordo com

este autor, situavam-se ao nível do direito material e de outros ramos de direito

adjectivo.

Relativamente ao título executivo, Lopes do Rego defendia,

designadamente, a ampliação do respectivo elenco, de modo a evitar

desnecessárias acções declarativas, conferindo força executiva, sem

necessidade prévia de processo declaratório, a qualquer documento particular

assinado pelo devedor, que implicasse a constituição ou reconhecimento de

8 Cf. Artigo 871º do CPC então vigente.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 7

obrigações pecuniárias de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto

determinado. Considerava, ainda, que se deveria conferir eficácia suspensiva

aos embargos de executado quando o embargante alegasse a não

autenticidade da assinatura que constasse no escrito particular com assinatura

não reconhecida; força de título executivo às decisões ou despachos judiciais

que importassem reconhecimento ou constituição de uma obrigação.

Propugnava, também, que a regra de que os sujeitos e o objecto da execução

são sempre moldados em função do título executivo devia ter, pelo menos,

duas excepções: quanto ao débito acessório de juros de mora não constante

do título executivo dado à execução; quanto ao reconhecimento da existência

de uma dívida comunicável ao cônjuge devedor constante do título. Na sua

opinião, a extensão do título executivo evitaria inúmeras acções declarativas,

intentadas unicamente com o objectivo de ser declarado o débito acessório de

juros moratórios ou o facto de o cônjuge do devedor responder também pela

obrigação que consta do documento a executar.

No que se refere às formas de acção executiva, o autor entendia que

deveria proceder-se à distinção entre a execução de sentença e a execução de

outros títulos, seguindo a execução de sentença o modelo da execução

sumaríssima. Considerou, ainda, necessário consagrar a possibilidade de

indeferimento liminar, ainda que parcial, da acção executiva.

E, no entendimento do autor, a fase da penhora carecia de profunda e

substancial reformulação, propondo que o tribunal deveria intervir, baseado no

princípio da cooperação, principalmente nas execuções de sentença quando o

exequente alegasse, justificadamente, dificuldades sérias na identificação ou

localização dos bens a penhorar, facto aceitável tendo em conta a realidade

social. Assim, mediante requerimento fundamentado do exequente, o tribunal

deveria obter as informações indispensáveis à realização da penhora.

Entendia, também, que se devia caminhar para a simplificação dos

mecanismos da efectivação da penhora, tornando-a célere e eficaz,

designadamente, eliminando-se o protesto no acto da penhora, permitindo a

realização da penhora de imóveis fora da área do tribunal onde pendesse a

8 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

acção sem necessidade de carta precatória; tornando possível o regime da

penhora de empresas e estabelecimentos comerciais, admitindo-se a sua

continuidade laboral, sob a gestão e administração do executado ou de um

administrador nomeado pelo Tribunal.

Quanto à fase da venda, seriam necessárias, na opinião de Lopes do

Rego, profundas alterações, com vista à sua plena transparência e

moralização, dignificando a actividade judicial realizada no âmbito da acção

executiva. As principais alterações propostas foram no sentido de substituir o

sistema de venda judicial através de arrematação em hasta pública por venda

judicial mediante propostas em carta fechada, como meio normal de venda;

proceder a uma correcta avaliação dos bens penhorados, recorrendo, se

necessário, ao arbítrio de um técnico qualificado e imparcial; antecipação do

momento de realização da venda, tendo em vista ultrapassar os problemas

originados pela guarda, administração e conservação dos bens penhorados;

consagração de soluções de consenso entre exequente e executado para a

satisfação do crédito, tornando possível, designadamente, o pagamento em

prestações da dívida exequenda; e revisão do regime legal relativamente a

anulação da venda de bens penhorados, simplificando-o e conciliando-o com a

venda de bens alheios consagrados no Código Civil. Quanto às formas de

venda extrajudicial, seria importante introduzir uma cláusula geral que

permitisse o recurso a qualquer outra modalidade de venda, no caso de haver

acordo entre exequente, executado e a maioria dos credores preferentes,

desde que o juiz a considerasse conveniente, ouvidos os interessados na

execução.

2.2. O contributo de Ribeiro Mendes: um apelo à reforma intercalar

Em 1993, Armindo Ribeiro Mendes manifestava-se favorável à

preparação, pelo Ministério da Justiça, a curto prazo, de uma alteração

intercalar ao Código de Processo Civil, pois previa que a aprovação de um

novo articulado demorasse largos anos a surgir. Assim, propunha a

consagração das propostas que recolhiam consenso entre os operadores que

As reformas do processo executivo: breve abordagem 9

se haviam manifestado, algumas inscritas no Anteprojecto da Comissão

Antunes Varela.

Na opinião deste autor, o Anteprojecto de Antunes Varela limitava-se a

“reproduzir a legislação existente com algumas simplificações e

melhoramentos” e, por seu lado, as Linhas Orientadoras apenas evidenciavam

“o diagnóstico dos males presentes descurando a apresentação das grandes

linhas de uma alteração futura”9.

Para Ribeiro Mendes, tal alteração intercalar deveria ser acompanhada de

uma “alteração substantiva” quanto às garantias reais conferidas por legislação

avulsa e que não carecem de registo (privilégios creditórios e direito de

retenção), acompanhado de uma reforma do Código de Processo Tributário,

por forma a harmonizar a execução cível e a execução fiscal (Mendes, 1993).

O autor defendia a necessidade de criação de um novo modelo de

processo executivo, assente nas seguintes propostas: “modificação do regime

substantivo de moratória forçada nas relações entre cônjuges; articulação das

regras sobre penhora e venda executiva com o sistema do registo predial,

tendo em especial conta a ampliação de duração de inscrições provisórias por

períodos relativamente longos; articulação do processo executivo com o

processo falimentar, nomeadamente através de reequaccionação do sistema

concursal vigente desde 1961; necessidade de remodelar o sistema de

penhora de bens móveis, criando-se uma forma de armazenamento dos bens

penhorados que implique imediato desapossamento pelo devedor; necessidade

de alterar todo o sistema de venda executiva, eliminando mercados

clandestinos e as distorções dele decorrentes” (Mendes, 1992).

Ribeiro Mendes, em 1993, entendia ser necessária a criação de medidas

de curto prazo baseadas naquilo que seria consensual no Anteprojecto da

Comissão Antunes Varela (1990) e no Relatório da Comissão das Novas

9 Neste ponto, segue-se a linha expositiva de Ribeiro Mendes (1992 e 1993). No artigo de 1993, Ribeiro Mendes dá continuidade à reflexão que efectuara no artigo anterior sobre o processo executivo e a economia (1992), de que salientamos a análise sobre a efectividade da penhora e da venda judicial.

10 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

Linhas Orientadoras do Direito Processual Civil (1992/1993), o que não

inviabilizaria uma futura reforma substancial do processo executivo. Propunha,

então, algumas alterações que deviam ser introduzidas num diploma intercalar

e que se referiam, na maioria dos casos, à execução para pagamento de

quantia certa:

“1 Eliminação das tramitações sumária e sumaríssima quanto a

todas as acções executivas, independentemente da respectiva

finalidade;

2. Alargamento da exequibilidade dos escritos particulares,

dispensando o reconhecimento de assinatura, quanto aos títulos

onde conste a obrigação de entrega de quantias em dinheiro e de

coisa fungíveis (...);

3. Alargamento do regime previsto no artigo 811º, n.º 3, e 928º, n.º 2,

do Código de Processo Civil a todas as execuções fundadas em

sentença independentemente da data de instauração da acção

executiva;

4. Atribuição de efeito suspensivo à dedução de embargos de

executado, quando se trate de título executivo com assinatura sem

legalização notarial e o executado afirme que a assinatura não foi

por si elaborada;

5. Eliminação do protesto previsto no artigo 832º do Código de

Processo Civil, alargando-se a possibilidade de oposição à penhora

por dedução de embargos de terceiro do próprio executado

(oposição por apenso);

6. Possibilidade da acção executiva prosseguir, não obstante o

registo de penhora ter natureza provisória, nos termos propostos

pelo Anteprojecto;

7. Regulamentação detalhada do regime de penhora de saldos de

contas de depósito bancário, estabelecendo precisos deveres de

As reformas do processo executivo: breve abordagem 11

informação para as instituições de crédito e regulando os termos da

indisponibilidade do saldo (...);

8. Estabelecimento da regra de que, normalmente, as vendas

executivas se fazem por propostas em carta fechada ou por venda

em negociação particular, exigindo-se neste último caso que, para

se seguir tal modalidade, não haja oposição fundada do exequente,

do executado ou de credores reclamantes (...); e

9. Estabelecimento da regra de que o exequente pode recorrer à

colaboração do Ministério Público para serem encontrados bens

penhoráveis ao executado, nos termos em que tal possibilidade se

encontre prevista no processo laboral e nas execuções por custas”.

12 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

3. A reforma intercalar introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro 10

No seguimento do debate público das Linhas Orientadoras, foram

efectuadas alterações ao Código de Processo Civil, através do Decreto-Lei n.º

329-A/95, de 12 de Dezembro e do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de

Dezembro, que promoveram, parcialmente, a reclamada reforma intercalar.

As alterações introduzidas no regime jurídico processual da acção

executiva não constituíram uma modificação substancial do paradigma

processual. Em síntese, a reforma da acção executiva de 1995 incidiu, entre

outros, nos seguintes aspectos:

a) ampliação do elenco dos títulos executivos, conferindo força executiva

aos documentos particulares assinados pelo devedor;

b) ampliação das situações em que os documentos autênticos ou

autenticados podem servir de títulos executivos;

c) aumento dos casos em que se permite a cumulação de execuções e a

coligação de exequentes ou de executados;

d) concessão de legitimidade passiva para a execução ao terceiro, possuidor

ou proprietário dos bens onerados com garantia real, quando o exequente

pretenda efectivar tal garantia, incidente sobre bens pertencentes ou na

posse de terceiro, sem se impor o litisconsórcio;

e) quanto às formas do processo de execução, operou-se uma diferenciação

entre a execução de sentença e a execução de qualquer outro título

executivo, ou de decisão judicial condenatória que careça de ser liquidada

em plena fase executiva: para a execução de sentença foi consagrado o

modelo da execução sumária, dispensando a citação inicial do executado

e realizando-se a penhora de imediato;

10 Como já referimos, seguimos de perto neste ponto o relatório do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa “A acção executiva: caracterização, bloqueios e propostas de reforma”, de 2001, coordenado por João Pedroso.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 13

f) na fase inicial da tramitação do processo executivo, é consagrada a

possibilidade de indeferimento liminar do requerimento executivo, total ou

parcialmente;

g) distinção entre impenhorabilidade absoluta, relativa, parcial e

penhorabilidade subsidiária, atribuindo-se ao juiz amplos poderes para

determinar a parte penhorável das quantias e pensões de índole social,

atendendo à real situação económica do executado;

h) clarificação da penhorabilidade de bens do executado em poder de

terceiro;

i) simplificação e desburocratização do regime de efectivação de penhora

de móveis e imóveis;

j) consagração da possibilidade de penhorar direitos ou expectativas de

aquisição de bens pelo executado;

k) criação de uma forma específica de oposição do executado à penhora

ilegalmente efectuada, caso tenham sido penhorados bens que o não

deveriam ter sido.

l) criação da possibilidade de pagamento da dívida exequenda em

prestações, mediante acordo entre exequente e executado, ficando

suspensa a execução e valendo como garantia do crédito a penhora já

efectuada.

m) estabelecimento da venda judicial mediante propostas em carta fechada,

eliminando-se a arrematação em hasta pública;

n) ampliação das situações em que é possível proceder às diversas

modalidades de venda extrajudicial; e

o) na venda de imóveis deixa de se atender ao valor matricial.

O Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, veio ainda consagrar, em

síntese, que:

14 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

a) a suspensão da execução só poderia ocorrer quando o embargante

juntasse documento que constituísse princípio de prova da sua alegação

relativa à não genuinidade da assinatura não reconhecida em escrito

particular;

b) o juiz poderia isentar excepcionalmente de penhora quaisquer

rendimentos auferidos a título de vencimentos, salários ou pensões, tendo

em conta a natureza da dívida e as condições económicas do executado;

c) o juiz teria a faculdade de sustar a desocupação até ao momento da

venda, quando fosse penhorada casa de habitação onde residisse

habitualmente o executado (artigo 840º, n.º 4);

d) a verificação de qualquer crédito reclamado e impugnado, qualquer que

fosse o valor (artigo 868º, n.º 1), seguiria a forma do processo sumário;

e) na venda mediante proposta em carta fechada foi eliminada a

possibilidade do executado se opor à aceitação das propostas,

oferecendo pretendente que se responsabilizasse por preço superior; e

f) nas execuções sumárias de decisões não transitadas em julgado passaria

a ser possível a substituição dos bens penhorados por outros de valor

suficiente.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 15

4. Do I Anteprojecto à Lei de Autorização Legislativa n.º 2/2002, de 2 de Janeiro

O processo de reforma da acção executiva, que teve o seu início em

2000, passou por diversas fases. Em Fevereiro de 2001, realizou-se uma

Conferência Internacional11, na Faculdade de Direito da Universidade de

Lisboa, na qual foi apresentado o relatório já referido do Observatório

Permanente da Justiça Portuguesa “A acção executiva: caracterização,

bloqueios e propostas de reforma”, estudo visto como o “ponto de partida da

discussão pública da esperada reforma”12. A Conferência contou com um

debate amplamente participado, tendo o OPJ incluído as soluções

apresentadas pelos oradores no relatório final sobre a acção executiva,

considerado “o «alicerce» das linhas de orientação da reforma da acção

executiva”13.

Em Junho de 2001, foi apresentado publicamente o primeiro Anteprojecto

de reforma da acção executiva, no qual foram consagradas quase todas as

medidas propostas pelo OPJ e pelos participantes na Conferência Internacional

de 2001, cujos objectivos principais eram a desjudicialização de vários actos da

acção executiva (com a previsão da existência de solicitadores de execução

com atribuições idênticas às dos huissiers de justice franceses), a eficácia (com

a criação de dois registos informáticos de execuções) e a simplificação e

agilização (designadamente, no início da execução, na investigação de bens a

penhorar, na previsão de uma ordem de bens a penhorar, na atribuição de

grande eficácia à penhora de depósitos bancários, na apreensão de bens

móveis e sua remoção para depósitos públicos)14.

Após a apresentação pública do I Anteprojecto de alteração legislativa,

decorreu uma fase para recolha de pareceres e sugestões sobre as soluções

11 Na Conferência Internacional estiveram presentes membros do Governo, representantes da Ordem dos Advogados e da Câmara dos Solicitadores, professores universitários portugueses e estrangeiros, assim como outros profissionais e operadores estrangeiros que vieram dar conta da experiência em curso nos seus países. 12 Cf. Lourenço, 2003: 263. 13 Idem. 14 Cf. Lourenço, 2003: 269-274.

16 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

apresentadas. Em Setembro de 2001, foi publicada a Proposta de Lei n.º

100/VIII e a lei de autorização legislativa (Lei n.º 2/200), em 2 de Janeiro de

2002.

Em Outubro de 2001, foi apresentada pelo Governo, na Assembleia da

República, a Proposta de Lei n.º 100/VIII/2, que autorizava o Governo a legislar

sobre o regime da acção executiva e o Estatuto da Câmara dos Solicitadores.

Na Exposição de Motivos desta Proposta de Lei assumia-se que os processos

de execução não asseguravam uma justiça rápida e eficaz, consistindo os

atrasos das execuções por parte dos órgãos jurisdicionais numa verdadeira

denegação de justiça, colocando-se, assim, em crise o princípio constitucional

do Estado de Direito Democrático e o direito de acesso à justiça15.

15 “Resultado de um intenso debate público (…) o repto da reforma ora empreendida move-se entre a necessidade de criar novas figuras que libertem dos tribunais uma massa significativa de processos de execução, e o cumprimento das garantias constitucionais de defesa do executado. O desiderato em questão só pode ser atingido através da criação de um sistema de equilíbrios que envolva todos os intervenientes no processo executivo de forma a que uma justiça certa e rápida se conjugue com os propósitos da segurança jurídica. O objectivo descentralizador do processo, integrado num contexto global de desjudicialização, resulta na atribuição de poderes até agora na titularidade do juiz, a agentes de execução - oficiais de justiça afectos a secretarias de execução e a solicitadores de execução - e a conservadores do registo predial, mantendo na esfera jurisdicional a competência para decidir, nomeadamente, das oposições à penhora e à execução e dos recursos dos actos praticados por conservadores. (…) No caso dos solicitadores de execução, a proposta de lei garante que os actos praticados no domínio do processo comum de execução respeitam a títulos executivos que impliquem a intervenção prévia dos tribunais ou de notários. Eliminam-se, assim, eventuais riscos de a desjudicialização funcionar como elemento de insegurança nas relações jurídicas. A intervenção judicial nos processos de execução será exercida através de magistrados judiciais afectos a tribunais ou juízos de execução, o que contribuirá para uma maior eficácia e consequente celeridade na administração da justiça. A realização da penhora por agentes de execução constitui, igualmente, uma importante inovação, na medida em que uma parte significativa dos atrasos nas execuções se verificam neste momento processual. As garantias do executado mantêm-se inalteradas através do direito que lhe assiste de se opor à penhora. A venda de bens imóveis e o processo especial de execução hipotecária, ambos a realizar em conservatórias do registo predial, libertam os tribunais da prática de actos instrumentais de administração da justiça, atribuindo-os a entidades mais aptas para a realização destes actos processuais. O sistema proposto não afecta direitos ou garantias, na medida em que dos actos do conservador cabe recurso para o juiz de instrução. Cabe, também, referir que os bons resultados desta reforma envolvem a necessidade de dotar os agentes de execução de meios para conhecer os bens do executado, prevendo-se a possibilidade de consulta de bases de dados fiscais, mediante prévia autorização do juiz, e de outras bases de dados com informação relevante.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 17

Em Janeiro de 2002, através da Lei n.º 2/2002, de 2 de Janeiro, a

Assembleia da República autorizava o Governo a legislar sobre o regime

jurídico da acção executiva e sobre o estatuto da Câmara dos Solicitadores.

Pela mesma lei ficava também o Governo autorizado, designadamente, a criar

tribunais ou juízos de execução e secretarias de execução, bem como a figura

do solicitador de execução, com a incumbência de realizar penhoras, e a venda

de bens penhorados nos depósitos públicos. A demissão do Primeiro-Ministro e

a convocação de eleições antecipadas implicou a caducidade da autorização

legislativa, inviabilizando a aprovação do diploma governamental de alteração

do Código de Processo Civil e protelando a reforma.

Neste primeiro processo legislativo, com descreve Paula Lourenço16, a

reforma da acção executiva foi orientada por “uma metodologia diferente

daquelas que até então se utilizava, v.g. o recurso ao labor de Comissões

Legislativas constituídas para o efeito ou ao projecto de um Professor

Universitário, merecendo destaque a prioridade que se concedeu à discussão e

participação públicas das soluções e dos projectos”.

A par desta medida entende-se que deve constar de base de dados criada para o efeito, o conjunto de pessoas sem património conhecido e que, por essa razão, tenham frustrado créditos” (cf. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 100/VIII/2). 16 Cf. Lourenço, 2003: 265.

18 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

5. A nova reforma da acção executiva (2003)

O novo Governo manteve a intenção de reformar a acção executiva,

continuando as linhas de orientação definidas pelo anterior Governo,

aproveitando o consenso existente sobre as soluções antes apresentadas e,

“quase na totalidade”, os trabalhos preparatórios antes empreendidos17. Foram,

contudo, introduzidas algumas alterações. Suprimiram-se o que se considerava

“pontos de praticabilidade discutível, como o da atribuição de competências

executivas às conservatórias do registo predial, demarcando mais nitidamente

o plano da jurisdicionalidade, estendendo o esquema de garantias do

executado e alargando o campo de intervenção do solicitador de execução, em

detrimento do oficial de justiça e do de outros intervenientes acidentais no

processo, (...) assim como alguns preceitos de direito substantivo com eles

conexos”18.

Em Agosto de 2002, a Assembleia da República, pela Lei n.º 23/2002, de

21 de Agosto, autorizava o XV Governo a alterar o Código de Processo Civil

quanto à acção executiva19, tendo o Governo implementado a reforma, através

do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março20 e de diplomas regulamentares

posteriores, designadamente, os Decretos-Lei n.os 199/2003, 200/2003,

201/2003 e 202/2003, todos de 10 de Setembro e que entraram em vigor no dia

15 de Setembro de 2003, diplomas que introduziram profundas modificações

ao Código de Processo Civil e demais legislação, vindo, assim, a ser instituída

a reforma da acção executiva em Portugal.

17 Idem. 18 Ibidem. 19 A nova lei de autorização legislativa – Lei n.º 23/2002, de 21 de Agosto – inseriu algumas alterações em relação à anterior lei de autorização legislativa – Lei n.º 1/2002. 20 Com as rectificações da Declaração de Rectificação n.º 5-C/2003, de 30 de Abril e alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro. O objectivo deste último diploma foi rectificar certas normas do Código de Processo Civil que pudessem vir a suscitar dúvidas de interpretação aos operadores judiciários aquando da aplicação do novo regime da acção executiva, o qual veio a entrar em vigor em 15 de Setembro de 2003.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 19

5.1. Os objectivos e as linhas orientadoras da reforma

De acordo com o legislador, em cumprimento do Programa do XV

Governo Constitucional para a área da justiça, a reforma visava introduzir maior

celeridade na obtenção de decisões judiciais, removendo obstáculos ao

funcionamento racional e eficaz do sistema, quer através da simplificação dos

processos e da desjudicialização de muitos actos, quer através do recurso a

meios informáticos.

Como o legislador refere no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, a

revisão do Código de Processo Civil levada a cabo pelo Decreto-Lei n.º 329-

A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro21,

manteve, de modo geral, o esquema dos actos executivos, “cuja excessiva

jurisdicionalização e rigidez tem obstado à satisfação, em prazo razoável, dos

direitos do exequente. Os atrasos do processo de execução têm-se assim

traduzido em verdadeira denegação de justiça, colocando em crise o direito

fundamental de acesso à justiça” 22.

A reforma da acção executiva, consubstanciada no Decreto-Lei n.º

38/2003, de 8 de Março, que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2003,

criou um novo paradigma de acção executiva assente na simplificação e

desjurisdicionalização de um conjunto de actos que passariam da esfera do juiz

para a esfera de um novo interveniente processual: o agente de execução. O

objecto da reforma era, assim, o de, mantendo a ligação aos tribunais, atribuir

ao agente de execução a competência para a direcção e prática de um

conjunto de actos, que, tradicionalmente, eram da competência do juiz, sem

quebra, todavia, da reserva jurisdicional e do controlo judicial.

De acordo com as Linhas Orientadoras da Reforma da Acção Executiva,

esta reforma teve por finalidade “retirar [as] acções [executivas] dos tribunais,

reservando a intervenção judicial para os casos em que entre as partes há um

21 Complementada pelo Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro, que alargou o âmbito do processo sumário de execução, e pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que introduziu o procedimento de injunção. 22 Cf. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março.

20 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

litígio. É uma reforma que se insere no processo de desjudicialização

actualmente em curso. Os tribunais judiciais ficam assim libertos para a sua

verdadeira função, que é a de julgar, e não a de dar solução a problemas que

nenhuma controvérsia suscitam”23

Ainda segundo este documento, as principais alterações desta reforma

incidiriam, basicamente, em dois aspectos: na organização e na tramitação

processual da acção executiva.

No que diz respeito à organização, estava prevista a criação de

secretarias de execução naquelas comarcas onde o volume processual de

acções executivas justificasse essa especialização; da figura do agente de

execução para assegurar o andamento do processo, em substituição do juiz,

mas sempre sob o seu controlo; e de um Registo Informático de Execuções no

qual constariam os dados referentes às acções executivas em curso, bem

como o resultado das execuções findas.

Em matéria de tramitação processual, foram várias as alterações

introduzidas nas diferentes fases do processo executivo, designadamente no

início da execução (entrega do requerimento executivo na secretaria judicial,

dispensa de despacho liminar e citação do executado em determinadas

situações); na fase de penhora (forte intervenção do agente de execução,

devendo investigar o património do devedor através da consulta de várias

bases de dados disponíveis; realizar a penhora, proceder à remoção dos bens

móveis penhorados para depósitos, etc.); na oposição à execução ou à

penhora (o recebimento destas oposições, quando não houvesse lugar à

citação prévia, suspenderia sempre o processo de execução, mas não

levantaria a penhora, devendo ser julgadas pelo juiz no prazo de três meses);

na convocação de credores (a citação seria apenas efectuada aos credores

que gozassem de garantias reais sobre os bens penhorados, limitar-se-ia o

valor a receber pelos credores titulares de privilégios creditórios, à excepção

23 Cf. http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC15/Ministerios/MJ/Comunicacao/Outros_Documentos/20030309_MJ_Doc_Accao_Executiva.htm (Abril de 2006).

As reformas do processo executivo: breve abordagem 21

dos trabalhadores); e na fase da venda (a venda de móveis seria, em regra,

realizada nos depósitos públicos e a de imóveis através de proposta de carta

fechada).

5.2. Um balanço da reforma: os primeiros meses da entrada em vigor

Após a entrada em vigor da reforma da acção executiva, foi criada a

Comissão de Acompanhamento e Monitorização da Acção Executiva, cuja

função consistia em fornecer ao Ministério da Justiça dados diários da

aplicação e concretização prática desta reforma.

Os primeiros resultados apresentados por esta Comissão, no final de dois

meses de funcionamento do novo regime da acção executiva, pareciam prever

o sucesso desta reforma, embora fosse considerado que ainda era necessário

proceder-se a alguns ajustamentos24.

Decorridos seis meses de vigência, nas palavras da então Ministra da

Justiça, “a reforma da acção executiva foi e tem sido um verdadeiro êxito.

Desde o dia 15 de Setembro que já foram distribuídas em todo o país cerca de

67.000 acções executivas. E cerca de 90% das acções dispensaram despacho

liminar do juiz. Na base de dados de execuções existem mais de 69.000 bens

registados, tendo sido feitas mais de 20.000 consultas, com mais de 75.000

sujeitos executados. Nestes seis meses de vigência de um novo regime, o

número de processos já entrados reflecte um aumento de mais de 350% em

relação ao primeiro mês. Os processos por custas já significam apenas 38% do

total de volume processual. E, por fim, os processos em que o agente de

execução é um solicitador de execução correspondem a mais de 57% do total

24 Cf. http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC15/ Ministerios/MJ/Comunicacao/Outros_Documentos/20031111_MJ_Doc_Accao_Executiva.htm . (Abril 2006).

22 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

dos processos”25. No entanto, apesar daquele balanço positivo, era já

reconhecida a existência de algumas falhas nos pressupostos em que

assentava, mostrando o Governo alguma preocupação na sua resolução,

nomeadamente procedendo ao levantamento de espaços existentes junto de

todas as comarcas do país para a criação de depósitos públicos e ao

desenvolvimento do processo de comunicações por meios telemáticos entre as

secretarias judiciais e os solicitadores de execução.

Com o objectivo de criar condições para um eficaz funcionamento da

reforma, foi assinado, em Dezembro de 2003, um protocolo entre o Ministério

da Justiça, a Câmara dos Solicitadores e a Associação Portuguesa de Bancos,

em matéria de penhora de depósitos bancários para possibilitar a realização

destas penhoras por meio electrónico26. Aquando da assinatura deste

protocolo, foi anunciada a criação, nos meses seguintes, de juízos de execução

onde, de acordo com a avaliação da Comissão de Acompanhamento da

Reforma da Acção Executiva, o movimento processual o justificasse.

Contudo, apesar do optimismo inicial, não se avistavam grandes sinais

positivos no funcionamento da reforma da acção executiva. De acordo com a

opinião de Mariana Gouveia, membro da Comissão de Acompanhamento e

Monitorização da Acção Executiva, numa comunicação proferida no II Encontro

Anual do Conselho Superior da Magistratura em Dezembro de 2004, tratava-se

de uma reforma ambiciosa e inovadora ao instituir práticas novas e arrojadas,

mas, também, de uma reforma complexa e de difícil concretização na sua

execução e aplicação. Considerava, por isso, necessário proceder-se a vários

melhoramentos na sua execução, alguns deles já constantes dos projectos a

curto ou médio prazo do Ministério da Justiça. Aqueles aperfeiçoamentos

deveriam incidir em várias aspectos da reforma em curso.

25 Cf. Intervenção da Ministra da Justiça na tomada de posse do Colégio de Especialidade dos Solicitadores de Execução. http://www.portugal.gov.pt/Portal/Print.aspx?guid={0892FDBA-D787-4992-B850-7AF11D2CECF0} (Abril 2006). 26 A penhora de saldos bancários passaria a ser realizada através de uma notificação enviada directamente à instituição bancária pelo agente de execução, de preferência por via electrónica. Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/ppdb.htm (Abril de 2006).

As reformas do processo executivo: breve abordagem 23

O primeiro era a premência da instalação no país dos restantes sete

juízos de execução previstos no Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, de

modo a possibilitar a especialização dos magistrados e funcionários judiciais,

bem como agilizar o contacto com os solicitadores de execução da comarca.

Outro aperfeiçoamento incidia em matéria de entrega do requerimento

executivo on-line, considerando-se necessário a simplificação e

aperfeiçoamento da aplicação, uma vez que o seu preenchimento

demonstrava, na prática, ser complexo e moroso. A criação de depósitos

públicos também ainda não estava concretizada, embora estivesse previsto a

abertura de um depósito no início de 2005, na zona de Lisboa. No que se

refere à penhora de saldos bancários através de meios electrónicos, a

execução prática do Protocolo assinado entre o Ministério da Justiça, a Câmara

dos Solicitadores e a Associação Portuguesa de Bancos, em Dezembro de

2003, ainda não tinha sido concretizada. Eram avançadas dificuldades de

ordem financeira e técnica, uma vez que se tratava de uma medida que

implicava um elevado custo financeiro. Era, ainda, levantado um ou outro

problema: o da actuação dos solicitadores de execução, cujo número se

mostrava insuficiente para responder à procura. Acresce que rapidamente se

verificou tratar-se de uma figura ainda pouco aceite no meio judicial.

Segundo aquela autora, era, também, essencial e urgente desenvolver

um conjunto de outras medidas, nomeadamente agilizar o acesso aos dados

de identificação do executado e dos seus bens por parte do solicitador de

execução, através do estabelecimento de vias de comunicação em rede entre

estes e as entidades detentoras dessas bases de dados; clarificar as bases de

dados sujeitas a regime de confidencialidade e criar acessos diferenciados (em

rede) entre esses dados e os solicitadores de execução; e dar a conhecer a

característica de oficial semi-público do solicitador de execução junto das

entidades e seus funcionários. Uma das medidas avançadas foi objecto de um

protocolo entre a Direcção-Geral dos Registos e Notariado e a Câmara dos

Solicitadores a 5 de Julho de 2005, com o objectivo de autorizar o acesso

directo dos solicitadores de execução às bases de dados do registo automóvel.

24 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

De acordo com a opinião de um outro membro da Comissão de

Acompanhamento e Monitorização da Acção Executiva, a prática também

demonstrava a existência de problemas a nível do regime fiscal dos

solicitadores de execução, isto é, na nova figura das contas-cliente27, em

especial a nível das regras da sua movimentação e das que derivam das

obrigações fiscais cuja resolução dependia de uma tomada de posição por

parte do Ministério das Finanças (Gouveia: 2004a).

27 Nos termos do artigo 124º, n.º 3 do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e do artigo 3º, n.º 3, da Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto que estabelece a remuneração do solicitador de execução, todas as quantias recebidas não destinadas ao pagamento de tarifas liquidadas (a título de provisão por honorários ou despesas) são depositadas em conta bancária, denominada conta cliente, não constituindo património próprio do solicitador. Surgiram conflitos entre advogados e solicitadores no que se refere ao documento que titula a entrega das provisões pelo advogado ao solicitador, uma vez que o primeiro considerava que deveria receber um recibo com relevância fiscal e o segundo que, estando estes montantes depositados numa conta cliente, deveria entregar apenas um recibo de quitação, sem relevância fiscal.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 25

6. Uma avaliação da reforma da acção executiva: o Relatório do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento (Junho de 2005)

Face aos vários problemas e bloqueios que a reforma da acção executiva

indiciava, foi apresentado pelo Gabinete de Política Legislativa e Planeamento

(GPLP), em Junho de 2005, um “Relatório de Avaliação Preliminar da Reforma

da Acção Executiva” 28.

Este relatório teve por objectivo identificar as disfuncionalidades da

reforma em curso e apresentar, sempre que necessário e possível, soluções

viáveis para o melhoramento do processo executivo.

O Relatório conclui que existiam, no país, duas realidades problemáticas,

ambas geradoras dos bloqueios desta reforma: a situação das Secretarias-

Gerais de Execução de Lisboa e do Porto e a que se verificava nas restantes

comarcas do país. No primeiro caso, a ineficácia da reforma da acção

executiva baseava-se no grande atraso na autuação e distribuição das acções,

em resultado do número considerável de processos entrados por correio

electrónico. No segundo caso, estava, sobretudo, em causa a capacidade de

resposta dos solicitadores de execução, quer por falta de meios adequados

para o desempenho das suas funções, quer por não conseguirem responder ao

volume de trabalho da comarca onde estavam inscritos e das comarcas

limítrofes ou do círculo (GPLP. 2005: 38).

6.1. Problemas e bloqueios identificados

No que diz respeito aos bloqueios da reforma, de acordo com o Relatório,

estes incidiam em seis áreas:

a) Em matéria de organização judiciária: a não instalação dos juízos de

execução nas comarcas de Guimarães, Loures, Oeiras e Sintra, criados pelo

28 Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/003%20-%20Acompanhamento%20da%20RAE%202005-06-09%20_VF_.pdf (Abril de 2006).

26 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho; e o surgimento de conflitos de

competência material nos juízos de execução existentes.

b) Na fase liminar da tramitação: escassa divulgação entre mandatários

da entrega electrónica do requerimento executivo e necessidade de esta

passar a ser efectuada exclusivamente através do recurso a um formulário

web; necessidade de agilização de alguns procedimentos (por exemplo, a

validação automática pela Câmara dos Solicitadores do nome do solicitador de

execução indicado pelo exequente no requerimento executivo, a validação pela

aplicação informática das custas do número de identificação de pagamento de

taxa de justiça); impossibilidade de utilização do formulário web nas execuções

instauradas pelo Ministério Público; e dificuldade de análise liminar da

execução pela secretaria – pela exigência de conhecimentos jurídicos que

pressupõe e pela conclusão eventualmente desnecessária ao juiz – o que

acabava por se traduzir no atraso de envio do processo ao solicitador de

execução (GPLP. 2005: 18-19).

c) Quanto ao agente de execução: insuficiência e desequilibrada

distribuição do número de solicitadores de execução no país, o que levava a

uma incapacidade de resposta adequada dos solicitadores de execução ao

volume processual em algumas comarcas; aparente deficiência da formação

dos solicitadores de execução e dos oficiais de justiça, quer a nível jurídico,

quer a nível técnico; inexistência de um entendimento jurisprudencial uniforme

sobre a sua competência para a realização de providências cautelares; uso

incipiente das comunicações telemáticas entre secretarias e solicitadores de

execução; e necessidade de melhorar as funcionalidades do registo informático

das execuções (GPLP. 2005: 19-25).

d) Relativamente aos meios coercivos: dificuldade no acesso às bases de

dados da justiça e outras, por parte dos solicitadores de execução que só

tinham acesso à base de dados do registo automóvel; a não realização, como

prevista por lei, da penhora de bens imóveis e móveis sujeitos a registo por

comunicação electrónica; impossibilidade de apreensão do veículo automóvel

prévia ao registo da penhora; a não isenção do pagamento de preparos nas

As reformas do processo executivo: breve abordagem 27

execuções promovidas pelo Ministério Público; surgimento de dúvidas sobre a

competência para o levantamento da penhora de bens sujeitos a registo, para

efeitos de cancelamento da penhora; inoperacionalidade da realização da

penhora de depósitos bancários por comunicação electrónica considerada

dispendiosa e de difícil concretização; difícil realização ou pouca agilização da

penhora de bens com recurso às autoridades policiais; inexistência de

depósitos públicos; o extenso elenco de títulos executivos provocou o aumento

de incidentes processuais que acabavam por ser apreciados em sede de

oposição à execução e aparente realização abusiva de penhoras; e falta de

consenso quanto ao entendimento sobre o regime de elaboração e entrega do

relatório de frustração da penhora ao executado (GPLP. 2005: 26-32).

e) Quanto à tramitação subsequente: número excessivo e

geograficamente disperso das entidades a citar para reclamação de créditos29;

e entendimento de que o prazo para reclamação de créditos pelo Ministério

Público é curto (GPLP. 2005: 32-33).

f) No que se refere à extinção da instância executiva e às custas do

processo: pouca clareza do regime de extinção da instância executiva;

aparente incompatibilidade do novo regime de custas com a tramitação

específica da acção executiva; e dificuldades orçamentais para o pagamento

das provisões de despesas e honorários dos solicitadores de execução nos

processos em que as partes estão isentas de custas ou beneficiam de apoio

judiciário (GPLP. 2005: 34-36).

6.2. As soluções avançadas

O Relatório apresenta um conjunto de medidas de intervenção

administrativa e legislativa. São elas:

29 Após efectuada a penhora, compete ao agente de execução citar, no prazo de cinco dias, os credores titulares de direito real de garantia (para que reclamem o pagamento dos seus créditos), das entidades referidas nas leis fiscais (para defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional) e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (para defesa dos direitos da segurança social). Cf. artigo 864.º, n.º 3 do Código do Processo Civil.

28 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

- a criação e instalação de juízos de execução nas comarcas onde o

volume processual assim o exija, em especial dos cinco juízos previstos pelo

Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho (Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e

Sintra);

- a clarificação da questão da competência material dos juízos de

execução e o ajustamento, em conformidade, dos recursos humanos e

materiais judiciários para garantir uma resposta adequada aos efeitos desta

medida;

- a criação do quadro de pessoal da Secretaria-Geral de Execução do

Porto;

- a simplificação dos procedimentos administrativos da fase inicial da

tramitação das acções executivas nas Secretarias-Gerais de Execução de

Lisboa e do Porto para recuperar o atraso na distribuição, autuação e

apreciação liminar dos processos aí pendentes;

- a adopção do formulário web como meio exclusivo de entrega do

requerimento executivo em formato digital, com um período prévio de

divulgação da medida;

- a possibilidade da entrega electrónica do requerimento executivo em

lote;

- a ponderação e eventual revisão da fase liminar do processo executivo;

- a dotação das comarcas de agentes de execução em número suficiente

para garantir uma capacidade de resposta adequada às necessidades do

mercado30;

- o incentivo à utilização das comunicações telemáticas entre as

secretarias judiciais e os solicitadores de execução;

30 Esta medida poderia passar pela alteração do regime de acesso e de exercício das funções de solicitador de execução, pela revisão das regras de competência territorial destes operadores e pela permissão de actuação de oficial de justiça nas comarcas onde se verificava um reduzido número de solicitadores de execução em exercício de funções (GPLP. 2005: 42).

As reformas do processo executivo: breve abordagem 29

- a simplificação do regime de acesso ao registo informático de execuções

pelos solicitadores de execução31;

- a concessão de acesso, pelos solicitadores de execução, às bases de

dados das Finanças, da Segurança Social, dos Serviços de Identificação Civil e

do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, mediante a celebração dos

protocolos específicos;

- a instituição da penhora por comunicação electrónica de bens sujeitos a

registo;

- a eventual revisão da ordem de realização das diligências de penhora de

veículos automóveis, de modo a possibilitar a apreensão prévia ao registo;

- a agilização da penhora de bens com recurso às autoridades policiais

através da concertação de procedimentos;

- a operacionalização das penhoras electrónicas dos saldos bancários;

- a criação de um depósito público, em regime de projecto-piloto, de forma

a testar a sua real utilidade;

- a revisão das regras de citação de credores32;

- a clarificação do regime de extinção da instância executiva, ajustando-o

com o novo regime das custas judiciais33 e;

- a promoção de programas de formação permanente sobre o novo

regime da acção executiva dirigida aos diferentes operadores judiciários

(GPLP. 2005: 41-44).

31 Algumas sugestões incidiriam sobre a possibilidade de remessa oficiosa do certificado de consulta aquando do envio do requerimento executivo ao agente de execução e em assegurar a realização de consultas posteriores, quer através do certificado e com dispensa de requerimento escrito, quer, por acesso directo, ainda que limitado ao registo do executado em causa (GPLP. 2005: 43). 32 As soluções propostas baseavam-se na eventual dispensa da citação dos credores, nos casos em que o crédito exequendo é inferior a um determinado valor; e na possibilidade de realizar a citação de entidades públicas através de afixação de anúncio on-line (GPLP. 2005: 44). 33 De acordo com o depoimento de vários funcionários judiciais, uma proposta de solução seria a concentração de toda a actividade processual num único sistema informático, bem como a emissão da nota de despesa e do seu pagamento através do mesmo programa informático (GPLP. 2005: 35).

30 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

7. O Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais e as 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva (Junho de 2005)

7.1. O Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais

O Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais visava três

objectivos, um deles o desbloqueamento da acção executiva34. Para o

Governo, o fracasso da reforma da acção executiva resultava, entre outros, do

não acompanhamento da reforma legislativa por uma reforma dos seus

procedimentos, da falta de preparação dos aplicadores da reforma, da

necessidade de formação dos seus utilizadores e da não criação de infra-

estruturas necessárias para o correcto funcionamento da reforma aquando da

sua entrada em vigor.

Um dos problemas visados era o da falta de solicitadores de execução a

nível nacional, uma vez que para realizar as diligências de execução, só podia

ser nomeado um solicitador de execução da comarca onde devesse correr

esse processo executivo, ou das comarcas limítrofes, prejudicando, deste

modo, a liberdade de escolha do solicitador de execução, agravado pelo

problema de carência de solicitadores de execução em determinadas zonas do

país. Previa-se, assim, o alargamento do âmbito territorial de competência

desses agentes de execução, atribuindo a possibilidade ao exequente de poder

escolher um solicitador de execução de qualquer comarca do país.

Este Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais foi

aprovado através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30

de Maio. No que se refere especificamente à acção executiva, uma medida

avançada foi a extinção de todos os processos executivos em matéria de

custas judiciais de valor até 400 euros, instaurados antes de 30 de Setembro

34 Os dois outros objectivos visavam, por um lado, o descongestionamento dos tribunais, diminuindo a pressão processual a que estão sujeitos e, por outro, a criação das condições para a desmaterialização de processos e para a utilização dos sistemas de informação e gestão nos tribunais. Cf. http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/imprensa/discussao-do-codigo (Maio de 2006).

As reformas do processo executivo: breve abordagem 31

de 2005. Com esta medida, pretendia-se retirar dos tribunais as dezenas de

milhar de acções executivas pendentes para cobrança de custas judiciais pelo

Estado, uma vez que os custos da sua cobrança eram quase sempre

superiores ao valores recuperados, e na maioria dos casos (cerca de 90%),

não seria possível recuperar a totalidade do crédito35.

Incentivos excepcionais para a desistência de acções

executivas por dívidas de custas

Ainda com o objectivo de actuar sobre os bloqueios da acção executiva,

foi publicada a Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro que, na sequência da

aprovação do orçamento de Estado para 2006, veio ratificar um conjunto de

incentivos excepcionais para descongestionar as pendências judiciais e

possibilitar a desistência de acções executivas por dívida de custas, entre

outras medidas36. Assim, estabeleceu-se a dispensa do pagamento das custas

judiciais nas acções executivas propostas até 30 de Setembro de 2005, ou que

resultassem da apresentação à distribuição de providências de injunção

requeridas até à mesma data, e viessem a findar por extinção da instância em

razão de desistência do pedido, de confissão, de transacção ou de

compromisso arbitral apresentados até 31 de Dezembro de 200637; e mediante

a verificação de certas condições, determinava-se a extinção da instância nas

acções executivas por dívidas de custas, multas processuais e outros valores

contados instaurados até 30 de Setembro de 2005 e a não instauração de

acções referentes a esses valores contados cujo prazo para pagamento

35 Cf. Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, in http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/plano-de-accao-para-o/ (Setembro de 2006). 36 Este diploma, também, veio alterar o regime fiscal dos créditos incobráveis, modificando o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. In http://www.mj.gov.pt/sections/documentos-e-publicacoes/temas-de-justica/incentivos-excepcionais/ (Abril de 2006). 37 É feita a ressalva de que não havia lugar à restituição do que já tivesse sido pago nem, salvo motivo justificado, à elaboração da respectiva conta (artigo 66º n.º 1 da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro).

32 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

voluntário tivesse decorrido até 30 de Setembro de 2005, não havendo, nestes

casos, lugar à elaboração dos processos extintos38.

Alterações ao Código de Processo Civil e ao Estatuto da

Câmara dos Solicitadores

Na senda das propostas apresentadas no Plano de Acção para o

Descongestionamento dos Tribunais foi publicada, em Abril de 2006, a Lei n.º

14/2006, de 26 de Abril, que inseriu um conjunto de alterações ao Código de

Processo Civil e ao Estatuto da Câmara dos Solicitadores. Assim, procedeu-se

à modificação da competência territorial dos solicitadores de execução no

âmbito do processo executivo, permitindo ao exequente a escolha de um

solicitador de execução inscrito em qualquer comarca39; transformou-se o

anterior dever de realização de diligências que implicassem deslocações do

solicitador designado para fora da área da comarca de execução e suas

limítrofes por agente de execução dessa área em uma mera faculdade40;

estabeleceu-se a delegação de competência para a prática de todos os actos

do processo noutro solicitador de execução desde que este facto seja

38 As condições a verificar cumulativamente eram: a) Não tivessem sido instauradas ao abrigo do n.º 3 do artigo 116.º do Código das Custas Judiciais; b) Não respeitassem a multa decorrente de condenação por litigância de má fé; c) Não tivessem de prosseguir para a execução de outra dívida; d) O seu valor fosse inferior a € 400, e, e) Não tivesse sido realizada a penhora de bens (artigo 67º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro). 39 Cf. artigo 1.º da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que confere a seguinte nova redacção ao n.º 2 do artigo 808.º do Código de Processo Civil “As funções de agente de execução são desempenhadas por solicitador de execução designado pelo exequente de entre os inscritos em qualquer comarca; na falta de designação pelo exequente, são essas funções desempenhadas por solicitador de execução designado pela secretaria, nos termos do artigo 811.o-A, de entre os inscritos na comarca e nas comarcas limítrofes ou, na sua falta, de entre os inscritos em outra comarca do mesmo círculo judicial; não havendo solicitador de execução inscrito no círculo ou ocorrendo outra causa de impossibilidade, são as funções de agente de execução, com excepção das especificamente atribuídas ao solicitador de execução, desempenhadas por oficial de justiça, determinado segundo as regras da distribuição”. 40 Nos termos do novo artigo 808º, n.º 5 do CPC: “As diligências que impliquem deslocação para fora da área da comarca da execução e suas limítrofes, ou da área metropolitana de Lisboa ou do Porto no caso de comarca nela integrada, podem ser efectuadas, a solicitação do agente de execução designado e, sendo este solicitador, sob sua responsabilidade, por agente de execução dessa área; a solicitação do oficial de justiça é dirigida à secretaria do tribunal da comarca da área da diligência, por meio telemático ou, não sendo possível, por comunicação telefónica ou por telecópia”.

As reformas do processo executivo: breve abordagem 33

prontamente comunicado à parte que o designou e ao tribunal e, quando a

designação haja sido feita pelo exequente, exista o seu consentimento41; foi

instituído o dever de utilização dos meios telemáticos na comunicação entre

secretaria judicial e solicitador de execução, sempre que os meios técnicos

assim o permitam42; e, de acordo com a recente alteração da Lei de

Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, em matéria de

competência dos juízos de execução, é restabelecida a tramitação da

execução de sentença por apenso, excepto quando, em comarca com juízo de

execução, aquela haja sido proferida por tribunal com competência específica

cível ou com competência genérica e, quando o processo tenha entretanto

subido em recurso, a execução correrá no traslado, podendo, todavia, o juiz do

processo, se entender conveniente, apensar à execução o processo já findo43.

Na sequência das alterações introduzidas pela Lei n.º 14/2006, de 26 de

Abril (modificação da competência territorial dos solicitadores de execução e o

carácter facultativo da realização de diligências que impliquem deslocações do

solicitador designado para fora da área da comarca de execução e suas

limítrofes por agente de execução dessa área), foi publicada a Portaria 436-

A/06, de 5 de Maio que veio adequar as disposições respeitantes à

remuneração e reembolso das despesas do solicitador de execução por

deslocações previstas na Portaria n.º 708/2003, de 4 de Agosto44.

41 Cf. a nova redacção do artigo 128º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores. 42 O artigo 5.º deste diploma altera os n.º 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 202/2003, de 10 de Setembro. 43 Cf. a nova redacção do n.º 3 do artigo 90.º do Código de Processo Civil. 44 Os n.º 3 e 4 do artigo 10º da Portaria n. º 708/2003, de 4 de Agosto passa, assim, a ter o seguinte conteúdo: “3 - Podem, todavia, ser cobradas despesas de deslocação, tendo por base os critérios estabelecidos no artigo 13.º, se o solicitador de execução praticar actos fora da sua comarca. 4 - Para os efeitos previstos no número anterior, deve o exequente ser previamente informado do custo provável da deslocação e de que, sendo o acto praticado por agente de execução da comarca em causa, não há lugar ao pagamento de tais despesas e ainda de que estas despesas de deslocação não integram as custas que o exequente tem a haver do executado”.

34 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

7.2. As 17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva

Em Junho de 2005, o actual Governo apresentou 17 Medidas para

Desbloquear a Reforma da Acção Executiva 45 46 englobadas em cinco grandes

áreas:

1. Ganhar tempo e acelerar a acção executiva, com mais automatismos nas

aplicações informáticas;

2. As novas tecnologias ao serviço de uma penhora mais rápida e eficaz;

3. Formação, para melhor aplicar a reforma da acção executiva;

4. Eliminar as dúvidas, os entraves e os bloqueios que hoje paralisam a acção

executiva;

5. Mais tribunais e equipamentos para desbloquear a acção executiva.

45 No primeiro documento apresentado pelo Governo, em Junho de 2005, estas medidas perfaziam apenas o número de 15, vindo posteriormente a ser acrescidas duas novas medidas respeitantes à área das “novas tecnologias ao serviço de uma penhora mais rápida e eficaz” (o acesso electrónico dos solicitadores de execução quer aos dados do registo comercial, quer aos do registo predial). In http://www.oa.pt/genericos/Arquivo/detalhe_arquivo.asp?idc=12&comboSeleccione=61&ida=28501 (Julho de 2005). 46 Essas 17 Medidas compreendem: 1) a entrega electrónica do requerimento executivo passar a ser feita exclusivamente através da aplicação informática; 2) também o Ministério Público passar a enviar o requerimento através da aplicação informática H@bilus; 3) os dados relativos aos intervenientes no processo, constantes do requerimento executivo electrónico passarem a entrar automaticamente na aplicação informática das custas; 4) entrar em funcionamento uma rotina informática que não permita a designação do solicitador de execução, no requerimento executivo, quando este se encontrar com a actividade suspensa ou interrompida; 5) o acesso electrónico aos registos da Segurança Social; 6) o acesso electrónico dos solicitadores de execução aos registos de identificação civil; 7) o acesso electrónico dos solicitadores de execução ao Ficheiro Central de Pessoas Colectivas; 8) o acesso electrónico aos registos de automóveis, a título definitivo; 9) o acesso electrónico dos solicitadores de execução aos dados do registo comercial; 10) o acesso electrónico dos solicitadores de execução aos dados do registo predial; 11) a formação extraordinária para advogados e solicitadores de execução; 12) a formação de magistrados e de outros profissionais que actuem no âmbito da acção executiva, por parte do Centro de Estudos Judiciários; 13) uma delimitação rigorosa das competências dos juízos de execução; 14) a autuação de todos os processos por autuar nas secretarias de execução de Lisboa e do Porto, o mais tardar, até ao final de Novembro; 15) a resolução do problema da falta de solicitadores de execução em certas zonas do país por se permitir que todos os solicitadores pratiquem actos de execução em qualquer ponto do território nacional; 16) a instalação de novos juízos de execução; e 17) a criação do depósito público de Vila Franca de Xira (cf. “17 Medidas para Desbloquear a Reforma da Acção Executiva”, in http://www.mj.gov.pt/sections/justica-e-tribunais/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01). (Abril de 2006).

As reformas do processo executivo: breve abordagem 35

Em relação à primeira área (“Ganhar tempo e acelerar a acção executiva,

com mais automatismos nas aplicações informáticas”), o Governo pretendeu

introduzir as seguintes alterações: a entrega electrónica do requerimento

executivo passar a ser efectuada exclusivamente através da aplicação

informática H@bilus, deixando de ser possível enviá-lo por e-mail47; o mesmo

sucederia na entrega do requerimento executivo por parte do Ministério

Público48; a entrada automática na aplicação informática das custas dos dados

respeitantes aos intervenientes no processo, constantes do requerimento

47 A informação constante do requerimento executivo passaria, de acordo com o Governo, a ser sempre carregada directamente na aplicação informática, sem necessidade da intervenção humana do oficial de justiça que o requerimento executivo enviado por e-mail implicava, evitando assim que o tempo dos oficiais de justiça fosse gasto com tarefas dispensáveis ou inúteis. Como veremos, esta, tal como outras medidas, ainda não se encontram totalmente concretizadas. Esta medida, na perspectiva do Governo, era fundamental, pois por cada processo, o oficial de justiça demorava pelo menos 15 minutos a abrir o e-mail com o requerimento executivo e a introduzir manualmente esses dados na aplicação informática H@bilus, pelo que cerca de 6.000 requerimentos executivos enviados por e-mail ficaram por abrir nos computadores dos tribunais, o que provocou o primeiro bloqueio da acção executiva. Esta medida entrou em vigor em finais de Julho de 2005. Era, também, intenção do executivo que o fim do envio por e-mail fosse precedido de uma acção de divulgação junto dos advogados e dos solicitadores, através das respectivas Ordem e Câmara, sendo também realizados testes em vários tribunais. In http://www.oa.pt/genericos/Arquivo/detalhe_arquivo.asp?idc=12&comboSeleccione=61&ida=28501 (Julho de 2005). In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). De acordo com uma informação da Direcção-Geral da Administração da Justiça “o requerimento electrónico - disponível, com carácter facultativo, desde 1 de Março de 2005 e obrigatório desde 1 de Agosto do mesmo ano - permitiu uma redução no tempo médio gasto no registo e autuação dos requerimentos da ordem dos 10 minutos por requerimento, em relação ao registo e autuação dos requerimentos em papel ou por mail. Se tivermos presente que, desde 1 de Março de 2005 até hoje, deram entrada nas secretarias de execução 167.966 requerimentos electrónicos, ter-se-ão poupado 27.994 horas de trabalho, ou seja, 3.999 dias de trabalho”. Cf. Portal do Ministério da Justiça “H@bilus - novas funcionalidades: mais eficiência, maior eficácia, mais poupança”. In http://www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/direccao-geral-da/ficheiros/fsfsdf/ (Setembro de 2006). 48 No que diz respeito ao requerimento executivo apresentado pelo Ministério Público, o oficial de justiça tinha de inserir à mão no sistema os dados constantes do mesmo. Com esta medida pretendia-se reduzir uma parte substancial do esforço humano dos magistrados do Ministério Público e dos oficiais de justiça. Estava agendado para os meses de Setembro e Outubro de 2005, uma acção de formação sobre esta nova aplicação informática para os magistrados do Ministério Público. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006).

36 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

executivo electrónico49; quando o solicitador de execução tiver a actividade

suspensa ou interrompida, o preenchimento do campo do requerimento

executivo destinado a indicar o solicitador de execução passaria a estar

vedado50.

No que diz respeito à segunda área, isto é, à utilização de novas

tecnologias para possibilitar uma penhora mais rápida e eficaz, as medidas

apresentadas consistiam em permitir o acesso electrónico dos solicitadores de

execução a várias bases de dados, designadamente aos registos da

Segurança Social; aos registos de Identificação Civil; ao Ficheiro Central de

Pessoas Colectivas; ao Registo de Automóveis, a título definitivo; ao Registo

Comercial; e ao Registo Predial51. Para a concretização de tais medidas foram

49 O oficial de justiça tinha de introduzir manualmente a informação constante do requerimento executivo na aplicação das custas, uma vez que não existia ligação electrónica entre a aplicação informática H@bilus e a aplicação das custas. Até ao final do mês de Junho de 2005 o Governo pretendia que fossem realizados os testes necessários para que, antes de 15 de Julho de 2005, passasse a existir uma comunicação automática entre as aplicações das custas e o H@bilus, o que evitaria a intervenção do oficial de justiça para introdução de dados. De acordo com o Governo, com esta medida, reduzir-se-ia, em cerca de 10 minutos, o tempo que o oficial de justiça gastava com cada processo. In http://www.oa.pt/genericos/Arquivo/detalhe_arquivo.asp?idc=12&comboSeleccione=61&ida=28501 (Julho de 2005). 50 Esta medida teve por finalidade evitar um dispêndio acrescido de tempo e dinheiro, uma vez que era possível designar no requerimento executivo um solicitador de execução que não pudesse ser nomeado por estar impedido ou impossibilitado de exercer essas funções. Quando tal acontecia, era necessário substituir o solicitador indicado, o que implicava a prática de novos actos e notificações por parte da secretaria judicial que poderiam ser evitados. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 51 Os solicitadores de execução não podiam aceder electronicamente aos registos da Segurança Social, efectuando-se cerca de 220.000 consultas/ano por carta ou fax à Segurança Social, das quais, 50% eram respondidas por carta. Ora, o acesso electrónico, além de eliminar os custos de envio da informação por carta ou telecópia, permitiria acelerar o tempo de resposta, e evitar o período de 10 a 15 minutos que os funcionários da Segurança Social gastavam com cada consulta da base de dados. Os solicitadores de execução também não tinham acesso electrónico aos registos de identificação civil, aos ficheiros do Registo Nacional de Pessoas Colectivas, aos dados do registo comercial, e do registo predial cuja informação solicitada era disponibilizada mediante um pedido escrito, o que implicava aguardar pela resposta e que a consulta fosse efectuada por pessoal dos registos. É de referir que estas duas últimas medidas foram acrscidas ao primeiro documento apresentado pelo Governo em Junho de 2005. Quanto aos registos de automóveis, os solicitadores de execução apenas tinham acesso à base de dados do registo automóvel a título provisório, passando agora a ter acesso electrónico directo ao registo automóvel, a título definitivo. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-

As reformas do processo executivo: breve abordagem 37

celebrados cinco protocolos entre a Câmara dos Solicitadores e a Direcção-

Geral dos Registos e Notariado (três a 5 de Julho e dois a 22 de Julho de 2005)

e um protocolo entre o Ministério da Justiça e a Segurança Social no dia 12 de

Julho desse mesmo ano52.

Quanto à terceira área - a formação -, o Governo previu, para uma melhor

aplicação da reforma da acção executiva, uma formação extraordinária para

advogados e solicitadores de execução, bem como para magistrados e outros

profissionais que actuassem no âmbito da acção executiva53.

No que se refere à quarta área (eliminar as dúvidas, os entraves e os

bloqueios que paralisavam a acção executiva), foram apresentadas as

seguintes medidas: a delimitação rigorosa das competências dos juízos de

execução54; a autuação dos processos que se encontravam por autuar nas

desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 52 Estes protocolos vieram permitir aos solicitadores de execução o acesso directo aos registos de identificação civil, ao Ficheiro Central de Pessoas Colectivas, ao registo automóvel, bem como estabelecer os termos de acesso electrónico daqueles e dos tribunais aos registos da Segurança Social, sendo o acesso efectivo aos respectivos dados previsto para Agosto e Outubro de 2005, respectivamente. No que se refere ao acesso electrónico aos dados dos registos comercial e predial, estava em curso a implementação de duas aplicação informáticas (a SIRCOM e a SIRP) que viria possibilitar a consulta directa dos dados pelos solicitadores de execução. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 53 Com o objectivo de melhorar a articulação entre os diversos agentes processuais, foram assinados protocolos de formação entre o Ministério da Justiça, a Ordem dos Advogados, a Câmara dos Solicitadores e o Centro de Estudos Judiciários (CEJ). O Ministro da Justiça solicitou ao CEJ a realização de uma formação integrada de magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público, funcionários judiciais e solicitadores de execução sobre a reforma da acção executiva, a ter início no último trimestre de 2005. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 54 O legislador entendeu que a lei deveria ser clarificada, na sequência de interpretações divergentes sobre o âmbito da competência dos juízos de execução, originando diversos conflitos negativos de competência, com o inerente prejuízo para a celeridade processual. Estabeleceu-se, assim, que os juízos de execução têm exclusivamente competência em matéria cível, evitando, deste modo, inúmeras decisões sobre a competência dos juízos de execução para as execuções de coimas, entre outras. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006).

38 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

secretarias de execução de Lisboa e Porto até ao final de Novembro de 200555;

e a possibilidade de todos os solicitadores de execução passarem a praticar

actos de execução em todo o território nacional56.

A quinta e última medida anunciada prende-se com a necessidade de

instalação de novos juízos de execução57 e com a criação do depósito

público58.

No que respeita à instalação dos novos juízos de execução, em Setembro

de 2005, entraram em funcionamento, através da Portaria 822/2005, de 14 de

Setembro, o 3º Juízo de Execução de Lisboa e o 2º Juízo de Execução do

Porto criados no Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho, de forma a resolver

a situação de cerca de 120 000 processos de cobrança de dívidas parados

nessas comarcas onde se encontram instalados os juízos de execução59.

No início de 2006, foi publicado o Decreto-Lei n.º 35/2006, de 20 de

Fevereiro que determinou a transição das acções executivas que se

55 Nas Secretarias de Execuções de Lisboa e do Porto estavam por autuar, respectivamente, cerca de 85.000 e de 40.000 processos. Para autuar todos estes processos até ao final de Novembro de 2005, o Governo decidiu contratar pessoal para o exercício exclusivo dessa tarefa, permitindo pôr em marcha, finalmente, estes processos. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 56 Em algumas zonas do país não existiam solicitadores de execução ou não existiam em número suficiente, uma vez que, por regra, o solicitador de execução só podia agir na comarca onde tivesse o seu domicílio profissional, nas comarcas limítrofes ou, em último caso, nas comarcas do círculo judicial. Para resolver este problema, o executivo propôs-se realizar as consultas necessárias para permitir que qualquer solicitador de execução pudesse ser designado para execuções em qualquer ponto do país. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 57 Apesar do Decreto-Lei n.º 148/2004, de 21 de Junho prever a criação de dez juízos de execução, em Junho de 2005, apenas estavam instalados dois juízos de execução em Lisboa e um no Porto. Neste documento, o Governo propõe-se instalar, até 15 de Setembro de 2005, o 3.° Juízo de Execução de Lisboa e o 2.° Juízo de Execução do Porto e, até ao final de 2005, um juízo de execução em Oeiras, em Guimarães e na Maia. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 58 O primeiro depósito público, situado em Vila Franca de Xira, entrou em funcionamento a 15 de Setembro de 2005. In http://www.mj.gov.pt/sections/destaques/destaques-jt/medidas-para-desbloquear/downloadFile/attachedFile_f0/MAExecutiva.pdf?nocache=1136654818.01 (Abril de 2006). 59 Cf. notícia do Público – Última hora (14/09/2005).

As reformas do processo executivo: breve abordagem 39

encontravam pendentes nos Tribunais das comarcas de Guimarães, Loures,

Maia, Oeiras e Sintra para os novos juízos de execução, aquando da

respectiva instalação. Em Março de 2006, esta medida pôde ser concretizada

com a instalação do Juízo de Execução de Guimarães e do Juízo de execução

de Oeiras através da Portaria n.º 262/2006, de 16 de Março60, sendo, também,

anunciada a instalação próxima de um juízo de execução na comarca da

Maia61, o que se verificou em 18 de Dezembro de 2006, pela Portaria n.º

1406/2006, continuando por instalar os juízos de execução das comarcas de

Loures e de Sintra.

Em 2006, foi, ainda, aprovado o Regulamento do depósito público e da

venda em depósito, através da publicação da Portaria n.º 512/2006, de 5 de

Junho. Este é definido como todo e qualquer local de armazenagem de bens

que tenha sido afecto, por despacho do Director-Geral da Administração da

Justiça, à remoção e depósito de bens penhorados no âmbito de um

procedimento executivo. O legislador adaptou, ainda, as condições de venda

em depósito público à possibilidade de realização da venda por meios

informáticos, nomeadamente através de leilão na Internet.

60 A Portaria declarou instalado, a partir de 20 de Março de 2006, o Juízo de Execução da Comarca de Guimarães e, a partir de 19 de Abril de 2006, o Juízo de Execução da Comarca de Oeiras. Aquando do anúncio desta nova medida, estimava-se que o Juízo de Execução de Guimarães viria a tramitar anulamente cerca de 5.000 acções executivas e ficaria composto por um juiz e dozes funcionários judiciais. In http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/juizo-de-execucao-de/ (Abril de 2006). 61 Cf. Ministério da Justiça. 2006. 2Justiça de A a Z – Um ano de Governo” In http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/justica-de-a-a-z-um-ano/downloadFile/attachedFile_f0/Justica_de_A_a_Z_-_Um_Ano_de_Governo_-_VersaoMJ_final.pdf?nocache=1146071322.88 (Abril de 2006).

40 A Acção Executiva em Avaliação: Uma Proposta de Reforma

8. O Manual de Boas Práticas

É de referir, ainda, a publicação, em Maio de 2006, de um Manual de

Boas Práticas resultado de um seminário sobre a reforma do processo

executivo promovido por diferentes instituições (Centro de Estudos Judiciários,

Ordem dos Advogados, Câmara dos Solicitadores, Centro de Formação dos

Oficiais de Justiça e GPLP) com a colaboração do Conselho Superior da

Magistratura e da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa realizado em

Novembro de 2005. Este documento pretende “tornar pública a concertação de

práticas e procedimentos que presidiu a sua realização e que se julgou

necessária. Nele, igualmente se dá nota das recomendações que os grupos

entenderam formular e que, em regra, consubstanciam aspectos a acautelar

em intervenções legislativas futuras”62. Trata-se, assim, de um conjunto de

recomendações sobre a prática dos actos e diligências do processo executivo

por parte dos diferentes intervenientes ao longo do processo.

62 Cf. http://www.gplp.mj.pt/home/concluidos/rae/RAE%20-%20Boas%20Praticas.pdf (Setembro de 2006).