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_______________________________________TÉCNICAS DE CARACTERIZAÇÃO EXPERIMENTAL______________ Capítulo IV 44 CAPÍTULO IV TÉCNICAS DE CARACTERIZAÇÃO EXPERIMENTAL 4.1. INTRODUÇÃO O fenómeno de solidificação é estudado e usado pela humanidade já há muitos séculos. A busca de novos materiais e modificação das suas propriedades físico-químicas para aplicações específicas na tecnologia são hoje fundamentais no desenvolvimento da nossa civilização. O crescimento de cristais e a solidificação de materiais é um trabalho que mistura arte e técnica, exigindo um conhecimento científico multidisciplinar nos campos da Física, Química, Metalurgia e Tecnologia na área de altas temperaturas e controle de processos. É um fenómeno bastante complexo e por isso, neste capítulo, fazemos uma breve descrição dos princípios fundamentais da cristalização. Neste capítulo falar-se-á também de forma bastante simplificada do crescimento de cristais em solução aquosa, fazendo-se uma breve abordagem aos fundamentos teóricos essenciais de cada uma das técnicas experimentais utilizadas para caracterização dos materiais obtidos na síntese e crescimento cristalino, com o objectivo de conhecer o maior número de propriedades e características dos materiais obtidos. As técnicas utilizadas foram: a difracção de raios-X em pó, o crescimento de cristais a partir de uma solução, teste de Kurtz para medidas de GSH e medidas da constante dieléctrica. 4.2. PRINCÍPIOS GERAIS DE CRISTALIZAÇÃO 4.2.1. NUCLEAÇÃO O processo de crescimento cristalino ocorre em duas etapas: a nucleação e o crescimento sucessivo dos núcleos. O procedimento normal para obter cristais de muitos compostos é usar uma solução sobressaturada. A existência de sobressaturação é uma condição necessária mas não suficiente para a formação de fase cristalina. Uma solução sobressaturada prepara-se por

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Capítulo IV 44

CCAAPPÍÍTTUULLOO IIVV –– TTÉÉCCNNIICCAASS DDEE CCAARRAACCTTEERRIIZZAAÇÇÃÃOO EEXXPPEERRIIMMEENNTTAALL

44..11.. IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO O fenómeno de solidificação é estudado e usado pela humanidade já há muitos

séculos. A busca de novos materiais e modificação das suas propriedades físico-químicas

para aplicações específicas na tecnologia são hoje fundamentais no desenvolvimento da

nossa civilização. O crescimento de cristais e a solidificação de materiais é um trabalho

que mistura arte e técnica, exigindo um conhecimento científico multidisciplinar nos

campos da Física, Química, Metalurgia e Tecnologia na área de altas temperaturas e

controle de processos. É um fenómeno bastante complexo e por isso, neste capítulo,

fazemos uma breve descrição dos princípios fundamentais da cristalização.

Neste capítulo falar-se-á também de forma bastante simplificada do crescimento de

cristais em solução aquosa, fazendo-se uma breve abordagem aos fundamentos teóricos

essenciais de cada uma das técnicas experimentais utilizadas para caracterização dos

materiais obtidos na síntese e crescimento cristalino, com o objectivo de conhecer o maior

número de propriedades e características dos materiais obtidos.

As técnicas utilizadas foram: a difracção de raios-X em pó, o crescimento de

cristais a partir de uma solução, teste de Kurtz para medidas de GSH e medidas da

constante dieléctrica.

44..22.. PPRRIINNCCÍÍPPIIOOSS GGEERRAAIISS DDEE CCRRIISSTTAALLIIZZAAÇÇÃÃOO 44..22..11.. NNUUCCLLEEAAÇÇÃÃOO O processo de crescimento cristalino ocorre em duas etapas: a nucleação e o

crescimento sucessivo dos núcleos.

O procedimento normal para obter cristais de muitos compostos é usar uma solução

sobressaturada. A existência de sobressaturação é uma condição necessária mas não

suficiente para a formação de fase cristalina. Uma solução sobressaturada prepara-se por

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Capítulo IV 45

arrefecimento muito lento de uma solução saturada de forma a impedir a formação de

cristais [38].

É possível arrefecer um material no estado líquido, temperaturas abaixo do ponto

de transição de fase sem que ocorra solidificação. Nesta situação o líquido está

sobrearrefecido, num estado metaestável. O sobrearrefecimento é a medida de quanto além

da temperatura de equilíbrio da transição de fase, o material foi arrefecido, ou seja:

eqTTT −=∆ (4.1)

onde T∆ é a diferença da temperatura de sobrearrefecimento, T é a temperatura de fase e

eqT a temperatura de transição entre as fases.

A explicação do sobrearrefecimento do líquido para promover a solidificação foi

dada por Gibbs, em 1876, e permaneceu ignorada pelos cientistas até ser redescoberta por

Volmer, em 1920. De acordo Gibbs, para o aparecimento de um sólido num líquido –

nucleação – dois tipos de energia competem para a energia livre deste processo: uma

energia volumétrica libertada para a formação de um núcleo sólido de volume V e, outra,

a energia superficial gasta para a criação da interface sólido-líquido de área S quando

aparecem os núcleos. Do balanço entre estas duas formas de energia livre obtém-se a

energia total necessária à formação dum núcleo [39]:

VS GVGSG ∆∆∆ ×−×= (4.2)

onde SG∆ é a energia gasta para a criação de uma interface sólido-líquido por unidade de

área e VG∆ a energia libertada na transição líquido-sólido por unidade de volume. Se o

núcleo sólido é esférico e de raio R , temos:

V3

S2 GR

34GR4G ∆π∆π∆ −= (4.3)

Representando graficamente a equação (4.3), vê-se que a energia livre apresenta um

máximo para um núcleo sólido de raio crítRR = , ou seja, um ponto de equilíbrio instável.

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Capítulo IV 46

Contribuição volumétrica

Contribuição Superficial

Rcrit

∆GHomV

3S

2 GR34GR4 ∆π∆π −

V3 GR

34 ∆π−

S2 GR4 ∆π

Contribuição volumétrica

Contribuição Superficial

Rcrit

∆GHomV

3S

2 GR34GR4 ∆π∆π −

V3 GR

34 ∆π−

S2 GR4 ∆π

Figura 4.1 – Contribuições volumétricas e superficiais para a energia livre no processo de nucleação de

um núcleo de raio R . [Adaptado: 40]

Da análise da figura 4.1, para critRR < , observa-se que G∆ decresce quando R

decresce, sendo estas duas grandezas directamente proporcional, o que significa que a

tendência natural é a dissolução do núcleo com esta característica. Se, por outro lado,

ocorrer no líquido a formação de um núcleo com critRR > , a energia livre total do sistema

( G∆ ) decresce quando R cresce, ou seja, as duas grandezas são inversamente

proporcionais e este núcleo sólido tende a crescer. A energia de activação necessária para a

formação de um núcleo com raio crítico de nucleação, ocorre quando 0drGd =∆ , ou seja

[40]:

0GR4GR8dr

GdV

2cSc =−= ∆π∆π∆

(4.4)

V

Scrit G

G2R∆∆

= (4.5)

Substituindo a equação (4.5) na equação de (4.3), obtém-se a energia livre crítica:

2V

3S

crit G3G16G

∆∆π∆ = (4.6)

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Capítulo IV 47

Esta nucleação é denominada de homogénea e exige um grande sobrearrefecimento

do líquido para que o processo de solidificação ocorra. Os valores típicos de critR estão na

faixa de 10 a 100 A . São raras as experiências de nucleação homogénea de sólidos em

líquidos, já que são necessários cuidados acrescidos na purificação da substância envolvida

e na escolha dos materiais onde se encontra.

Em geral, a presença de partículas, impurezas e a superfície do recipiente que

contém o líquido favorecem muito a diminuição da energia de activação para a nucleação.

Este tipo de nucleação, com o auxílio de um substrato, é denominado de nucleação

heterogénea.

A nucleação heterogénea tem energia de activação menor do que a homogénea

porque a energia livre no primeiro caso é função do ângulo de contacto entre as fases

líquidas sólidas e o substrato.

A figura 4.2 mostra as possibilidades de contacto de um núcleo sólido num líquido e

no substrato.

SubstractoSubstracto

SubstractoSubstracto

SubstractoSubstracto

SubstractoSubstracto

SubstractoSubstracto

SubstractoSubstracto

Figura 4.2 – Possibilidades de equilíbrio das forças interfaciais entre as fases fluidas (vapor ou líquido),

sólido e substrato. No caso A não ocorre contacto e a barreira para a nucleação heterogénea é igual à homogénea. Na situação C não existe barreira para nucleação heterogénea.

O ângulo de contacto θ pode variar de 0º a 180º, dependendo das energias entre as

interfaces sólido-substrato, sólido-líquido e líquido-substrato. Se o ângulo de contacto é

pequeno significa que o núcleo sólido molha bem o substrato e, neste caso, a barreira de

energia para a nucleação heterogénea é muito pequena. Ao contrário, se o ângulo está

Substrato

Substrato

Substrato

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Capítulo IV 48

próximo de 180º não existe muita diferença entre a nucleação homogénea e heterogénea e,

desta forma, o sobrearrefecimento necessário para activar a nucleação é muito elevado.

A relação entre as barreiras de energia para nucleação homogénea e heterogénea

com o ângulo de contacto é dado por:

)(hom θ∆∆ fGG ohet ×= (4.7)

onde hetG∆ representa a barreira de energia para a nucleação heterogénea e, )(θf ,

conhecida como função de contacto, é dada pela equação [40]:

21241f )cos)(cos()( θθθ −+= (4.8)

Esta relação entre a energia livre e o ângulo de contacto é a principal explicação da

nucleação preferencial da fase sólida nos centros activos das paredes do recipiente e

impurezas presentes no líquido sobrearrefecido.

O fenómeno da nucleação não está restrito somente à transição líquido-sólido mas

sim às transições de fase de uma fase desordenada para uma fase ordenada, o que envolve

a libertação de calor latente. As várias formas de produção da fase sólida dão origem às

diferentes técnicas utilizadas no crescimento de cristais.

Efectuando-se o cálculo de )(θf , para ºº 1800 << θ , obtém-se 1f0 << )(θ , o

que significa que a nucleação heterogénea é mais fácil do que a homogénea [41,42].

44..22..22.. CCRREESSCCIIMMEENNTTOO DDOOSS CCRRIISSTTAAIISS

Fazer crescer um único cristal constitui um desafio muito exigente e difícil. Há uma

tendência muito grande para ocorrer espontaneamente a nucleação dos cristais, o que se

traduz no crescimento simultâneo de um grande número de cristais.

Um dos aspectos mais importantes do processo de crescimento de cristais é o facto

de não ser um processo de equilíbrio, mas sim um fenómeno dinâmico, envolvendo um

grande número de partículas.

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Capítulo IV 49

De seguida abordaremos aspectos físicos do crescimento de cristais supondo que já

existe a fase sólida presente num ambiente fluído (líquido, vapor ou solução). Para que a

fase sólida cresça é necessário um desvio fora do equilíbrio termodinâmico através da

mudança numa ou em várias variáveis termodinâmicas, privilegiando o transporte de

massa da fase fluida para a sólida – sobressaturação. O crescimento envolve a troca de

átomos ou moléculas entre a fase fluida e a cristalina. No equilíbrio termodinâmico, o

balanço efectivo desta troca é nulo, ou seja, uma fase não aumenta em relação à outra.

O potencial químico (variação da energia livre de uma fase com a troca de unidades

de crescimento entre as fases) é a grandeza termodinâmica que descreve o crescimento. Se

o potencial químico da fase sólida é menor que seu valor de equilíbrio, a fase cristalina

cresce e este desvio do equilíbrio representa a sobressaturação necessária para aumentar o

número de átomos incorporados no sólido em relação à fase fluida.

A sobressaturação para o crescimento é menor que para activar a nucleação pois, na

generalidade, em algumas direcções cristalográficas do sólido cristalino a fase fluida molha

muito bem a sua superfície, não criando barreiras para a nucleação. O mecanismo e a

própria cinética de crescimento num cristal dependem da orientação cristalográfica da sua

superfície e do grau de sobressaturação do fluido.

A existência de sítios favoráveis ao crescimento é responsável pela sensibilidade

estrutural da cinética do crescimento. Degraus, deslocações de aglomerados de átomos e

lacunas influenciam a natureza de sítios presentes na superfície cristalina e,

consequentemente, a velocidade de crescimento. Este processo é conhecido como

mecanismo normal de crescimento.

44..22..22..11.. CCRREESSCCIIMMEENNTTOO EEMM SSOOLLUUÇÇÃÃOO AAQQUUOOSSAA.. Para conseguir o êxito no crescimento de um único cristal, deve-se determinar as

condições correctas para que isso aconteça. A condição mais importante para o

crescimento em solução é o conhecimento da variação da solubilidade com a temperatura.

O crescimento cristalino em solução aquosa só ocorre quando a concentração da

solução é superior à solubilidade do soluto. Nesta situação diz-se que a solução está

sobressaturada.

O crescimento cristalino em solução está baseado na existência de regiões

metaestáveis, regiões essas, em que a solução se encontra sobressaturada, mas onde a

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Capítulo IV 50

formação espontânea de núcleos cristalinos na solução é impossível. Nestas regiões, só é

possível crescer um único cristal através da introdução de um cristal semente na solução

[43].

Temperatura

Con

cent

raçã

o

subsaturadasubsaturada

(Zona estável)(Zona estável)

Temperatura

Con

cent

raçã

o

(Zona estável)(Zona estável)

A

SobressaturaçãoSobressaturação

(Zona Lábil)(Zona Lábil)

B

C

D

Temperatura

Con

cent

raçã

o

(Zona estável)(Zona estável)

Temperatura

Con

cent

raçã

o

(Zona estável)(Zona estável)

A

SobressaturaçãoSobressaturação

(Zona Lábil)(Zona Lábil)

B

C

Dmeta

estáv

el

metaes

tável

SobressaturaçãoSobressaturação

Zona LábilZona Lábil

Temperatura

Con

cent

raçã

o

subsaturadasubsaturada

(Zona estável)(Zona estável)

Temperatura

Con

cent

raçã

o

(Zona estável)(Zona estável)

A

SobressaturaçãoSobressaturação

(Zona Lábil)(Zona Lábil)

B

C

D

Temperatura

Con

cent

raçã

o

(Zona estável)(Zona estável)

Temperatura

Con

cent

raçã

o

(Zona estável)(Zona estável)

A

SobressaturaçãoSobressaturação

(Zona Lábil)(Zona Lábil)

B

C

Dmeta

estáv

el

metaes

tável

SobressaturaçãoSobressaturação

Zona LábilZona Lábil

Figura 4.3 – Diagrama funcional de cristalização: concentração versus temperatura.

O diagrama representado na figura 4.3 ajuda a entender o processo de crescimento

cristalino. A curva a cheio representa uma curva de solubilidade típica para um

determinado soluto em função da temperatura. A curva a tracejado representa a relação

entre as temperaturas e as concentrações às quais se dá a nucleação espontânea da solução.

A posição da curva metaestável não é bem conhecida no digrama pois depende de vários

factores, entre eles a concentração da solução e a intensidade da agitação do sistema. Este

diagrama pode ser descrito em termos de três zonas:

i) a zona estável de solução não saturada (subsaturada) onde o crescimento

cristalino é impossível;

ii) a zona metaestável – onde a cristalização é espontânea e inverosímil. Nesta zona

uma solução sobressaturada pode não gerar cristais por um longo período de

tempo, a menos que a solução seja mecanicamente perturbada com uma

semente;

iii) a zona lábil ou instável onde a nucleação é espontânea, ou seja, ocorre

nucleação muito rápida e crescimento cristalino.

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Capítulo IV 51

O estado de sobressaturação necessário à ocorrência de cristalização pode ser

executado essencialmente por dois métodos. No primeiro método é preparada uma solução

subsaturada a uma determinada temperatura, deixando depois evaporar o solvente

continuamente, pelo que a concentração da solução aumentará, tornando-se sobressaturada

e apta para a precipitação espontânea (recta CD). Para este método o tempo necessário à

obtenção dos cristais normalmente é longo, principalmente para soluções aquosas, uma vez

que a água é uma substância pouco volátil.

No segundo método é preparada uma solução saturada e, por arrefecimento lento,

espera-se o aparecimento do cristal sem ser necessário deixar evaporar o solvente (recta

AB). No entanto, é possível que, na ausência de partículas indutoras da nucleação, a

solução sobressaturada permanece várias semanas ou mesmo meses sem ocorra a

cristalização.

Se para induzir a nucleação se introduzir um cristal semente, pequeno, com boa

qualidade, em ambos os casos, o excesso de sólido em solução e em equilíbrio instável

permite obter em pouco tempo um cristal com dimensões razoáveis.

No desenvolvimento deste trabalho, fizeram-se crescer cristais em solução aquosa

sobressaturada, utilizando a técnica de arrefecimento lento em que, a temperatura foi

controlada utilizando um controlador com um software que foi permitindo a aquisição de

dados. Esse controlador encontrava-se ligado a uma lâmpada de infravermelhos que era

utilizada para ajustar a temperatura e a um sensor da temperatura que ia controlando a

temperatura do banho de água onde foi introduzida a solução.

O cristal utilizado como semente foi obtido por evaporação lenta da solução e foi

escolhido por apresentar boa qualidade óptica e faces bem definidas.

44..33.. TTÉÉCCNNIICCAASS DDEE MMEEDDIIÇÇÃÃOO DDOO EEFFEEIITTOO GGEERRAAÇÇÃÃOO DDEE SSEEGGUUNNDDAA HHAARRMMÓÓNNIICCAA

Como mencionado anteriormente, os efeitos não-lineares de segunda ordem são

descritos pelo tensor )2(χ e, só existem em sistemas não-centrossimétricos. Entre as

técnicas mais utilizadas para medir os coeficientes não-lineares de segunda ordem

podemos destacar a técnica de pó de Kurtz [44], a qual se abordará a seguir.

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Capítulo IV 52

44..33..11.. TTÉÉCCNNIICCAA DDEE PPÓÓ DDEE KKUURRTTZZ

A técnica de Kurtz é bastante versátil para se determinar a actividade óptica não

linear na geração de segunda harmónica de materiais policristalinos. Esta metodologia,

desenvolvida por Kurtz e Perry no final dos anos 60, representou um grande avanço na

medida de )2(χ , uma vez que os materiais a serem analisados não precisam ser cristais

perfeitos, mas sim estarem na forma policristalino. Este procedimento é efectuado sempre

que os cristais não cresçam em dimensões e qualidade óptica suficiente para efectuar

medidas de GSH em cristal único.

Esta técnica compara a intensidade da onda de segunda harmónica gerada numa

amostra em pó com a intensidade da onda gerada numa amostra de pó de uma referência.

Experimentalmente, os sólidos cristalinos das amostras a analisar são pulverizados

(dimensões das partículas entre mµ15050 − ) e compactados numa célula de espessura l

(geralmente mm2,0 ). Noutra célula de espessura idêntica é colocado um material de

referência, habitualmente ureia, quartzo ou fosfato de potássio di-hidrogenado (KDP). Depois,

um feixe laser de frequência angular ω e de diâmetro D é direccionado para a célula

contendo a amostra a analisar. O feixe de segunda harmónica produzido é separado do

feixe da radiação fundamental por intermédio de filtros e monocromadores, e as suas

intensidades são detectadas num tubo fotomultiplicador e observado num osciloscópio.

Depois repete-se o procedimento para a célula de referência.

Alguns artifícios podem ser utilizados para optimizar e melhorar a reprodutibilidade

das análises, entre os quais podem ser citados a homogeneização na granulometria do meio

através do auxílio de peneiros adequados e a imersão do pó num meio líquido transparente

(com um índice de refracção semelhante ao do material) com a finalidade de atenuar

possíveis dispersões dos raios emergentes da amostra.

Outro artifício é a utilização de um reflector na instrumentação que permita reunir a

radiação dispersa. A eficiência da geração de segunda harmónica da amostra é comparada

com a do padrão através da razão entre as respectivas intensidades

)referência(I/)amostra(I 22 ωω .

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Capítulo IV 53

A intensidade de geração de segunda harmónica depende do ângulo θ medido entre

o detector e a direcção do feixe incidente, da espessura da camada de pó l , do tamanho

médio das partículas ∧

r e do diâmetro do feixe laser D [44].

O sinal de segunda harmónica ω2I varia linearmente com a espessura l da camada

de pó para um dado tamanho médio de partículas∧

r , ou seja, a intensidade da geração de

segunda harmónica é proporcional ao número de partículas presentes.

A geometria da célula e o ângulo de incidência do feixe na amostra também são

estudados de forma que uma grande quantidade de partículas seja atravessada pelo feixe,

ou seja, que o percurso óptico seja bastante superior ao comprimento médio das partículas, ∧

r . Esta situação ocorre quando Dlr <<<<∧

.

A intensidade da segunda harmónica gerada pelos materiais depende, para além do

tamanho das partículas, da magnitude de )2(χ , do sistema de solventes usado na

cristalização dos compostos e do percurso óptico. Cada um destes factores é brevemente

analisado em seguida.

Diferentes valores de GSH têm sido obtidos para o mesmo material cristalizado

usando diferentes solventes. Este facto resulta da cristalização dos materiais em diferentes

estruturas cristalinas. Como a relação entre )2(χ e o correspondente parâmetro β depende

também do empacotamento cristalino, esta técnica não permite relacionar as propriedades

ópticas não-lineares macroscópicas dos materiais com a sua estrutura molecular. Como é

sabido, materiais que cristalizam em grupos espaciais centrossimetricos não exibem GSH

apesar das moléculas que o constituem possam ter valores não nulos de β . Uma

determinação mais precisa da susceptibilidade óptica ( )2(χ ) dos materiais é obtida usando

monocristais.

O factor mais importante que afecta a eficiência de GSH é o tamanho das partículas

como já foi referido. Kurtz e Perry desenvolveram uma teoria semi-quantitativa para

classificar e explicar o comportamento de vários materiais investigados, levando em

consideração a intensidade da segunda harmónica gerada e a sua relação com o tamanho

médio das partículas ou, mais precisamente, da razão entre o seu tamanho e o comprimento

de coerência médio, clr∧

. A correlação dessas grandezas possibilitou o agrupamento dos

materiais em duas classes: materiais com acordo de fase e materiais sem acordo de fase.

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Capítulo IV 54

A figura 4.4 mostra o comportamento observado do sinal de segunda harmónica ω2I

em função do tamanho médio das partículas com a existência ou não de acordo de fase.

Material com acordo de fase

Material sem acordo de fase

clr∧

ωI2

Material com acordo de fase

Material sem acordo de fase

clr∧

ωI2ωI2

Figura 4.4 - Resposta típica da dependência da intensidade da segunda harmónica gerada por sólidos

pulverizados com a razão clr∧

para materiais com ou sem acordo de fase. [Adaptado: 45]

A intensidade total da segunda harmónica é obtida pela soma das contribuições

individuais de cada partícula, sendo a contribuição de cada partícula dada pela média de

ω2I sobre todos os ângulos, uma vez que as partículas têm orientação aleatória [46].

Para materiais sem conjunção de fase, os melhores efeitos de GSH ocorrem apenas

quando o raio médio das partículas, ∧

r , é da ordem de grandeza do comprimento de

coerência médio ( clr ≅∧

).

Observe-se que, que para esta classe de materiais, o valor da intensidade da

segunda harmónica é inversamente proporcional ao tamanho da partícula, tendendo para

zero no caso de partículas maiores.

Quando o tamanho médio das partículas é menor que o comprimento de coerência

médio, ( clr <<∧

), a intensidade do sinal gerado tem a expressão:

2eff2

c2 d

lrLI∧

∝ω (4.9)

onde l é a espessura da amostra e, effd , o coeficiente efectivo não linear de segunda

ordem, que é proporcional a )2(χ . Já se encontram calculadas as expressões para os valores

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Capítulo IV 55

médios dos elementos 2effd de várias classes de simetria cristalina que geram segunda

harmónica. Quando o tamanho médio das partículas é muito maior que o comprimento de

coerência médio ( clr >>∧

), a intensidade de segunda harmónica é dada por:

⎟⎟⎟

⎜⎜⎜

⎛∝

∧∧

cceff l

rsenLlrdI πω 2

122

22 (4.10)

Em conclusão, se a amostra não possuir acordo de fase, existe um pico de

intensidade quando o tamanho médio das partículas está perto do comprimento de

coerência médio, havendo um crescimento na intensidade ω2I aproximadamente linear

quando o tamanho das partículas aumenta se clr <<∧

, e um decréscimo se clr >>∧

, como se

pode ver na figura 4.4.

Para materiais em conjunção de fase, o comportamento é diferente. Para partículas

pequenas, a intensidade da segunda harmónica aumenta linearmente com o aumento do seu

tamanho médio e, tende para um valor constante, para partículas grandes. Pode-se dizer

que, para um material em acordo de fase, o sinal de segunda harmónica é independente do

tamanho das partículas, quando clr >>∧

.

22 effdLI ∝ω (4.11)

onde effd é o coeficiente efectivo não-linear de segunda ordem associada às partículas que

obedecem à condição de acordo de fase. A fracção de partículas que obedecem a esta

condição é muito pequena pelo que a intensidade de segunda harmónica depende

essencialmente do comprimento de coerência obtido através da equação (4.11). O

coeficiente efectivo não-linear de segunda ordem associado às partículas que não

obedecem à condição de acordo de fase também contribuem para a intensidade de segunda

harmónica da mesma forma que os materiais em acordo de fase, podendo considerar-se

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Capítulo IV 56

esta contribuição desprezável quando o tamanho médio das partículas é grande clr >>∧

.

Para clr <<∧

, a solução detalhada da equação não é conhecida.

Para se verificar se um determinado material é susceptível de conjugação de fase

faz-se um estudo da intensidade da segunda harmónica em função do tamanho das

partículas. Para os materiais não susceptíveis de acordo de fase ou clr <<∧

a análise é

muito complicada, dada a intensidade da segunda harmónica ser bastante sensível a

pequenas variações do tamanho das partículas [44].

Portanto, conhecendo os coeficientes não lineares do tensor d , o comprimento de

coerência e os índices de refracção, é possível deduzir a eficiência de geração de segunda

harmónica dum material em relação ao material referência, admitindo que a dimensão das

partículas e a intensidade do feixe fundamental são idênticos.

Em suma, a análise dos dados de GSH através desta técnica não é trivial dada a sua

dependência de inúmeros factores.

O teste de Kurtz é um método bastante fiável para estabelecer a presença ou não de

centros de simetria, permitindo deduzir se novos materiais são ou não centrossimétricos.

44..44.. DDIIFFRRAACCÇÇÃÃOO DDEE RRAAIIOOSS--XX

44..44..11.. FFUUNNDDAAMMEENNTTOOSS TTEEÓÓRRIICCOOSS

Os raios-X foram descobertos por Wilhelm Röntgen em 1895 ao estudar as ondas

emitidas por uma ampola de raios catódicos. No entanto Röntgen não conseguiu medir o

comprimento de onda (λ ) dos raios-X, problema que só teve resolução mais tarde e que

levou à descoberta da difracção de raios-X pelos cristais, pois os raios-X são radiações

electromagnéticas com comprimentos de onda muito pequenos ( A10010 −, ).

Com a descoberta dos raios-X deu-se o desenvolvimento de três áreas da ciência; a

radiografia, difracção e espectrometria de raios-X.

Várias tentativas foram feitas para confirmar a natureza dual dos raios-X, ou seja, o

seu carácter corpuscular e ondulatório, as quais saíram frustrada dadas as dificuldades

experimentais sentidas ao nível do manuseamento de comprimentos de onda tão pequenos.

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Capítulo IV 57

Apenas em 1912, com von Laue, o carácter ondulatório foi confirmado através de

experiências de difracção num cristal simples. Com os resultados desta experiência

desenvolveu-se grandemente o campo da cristalografia de raios-X, no qual a difractometria

é um dos temas mais importantes.

A difracção de raios-X (XRD – X-ray Diffraction) é uma técnica experimental

muito importante na identificação de fases, na determinação de estruturas cristalinas

(geometria e parâmetros de rede), na determinação da orientação preferencial de cristalites

em substâncias policristalinas, etc. Apresenta como grandes vantagens o facto de ser uma

técnica não destrutiva e de não exigir uma preparação elaborada das amostras.

O fenómeno de difracção ocorre sempre que uma onda electromagnética encontra

um conjunto de objectos dispostos com uma periodicidade da mesma ordem de grandeza

do comprimento de onda da radiação incidente. Os comprimentos de onda dos raios-X

usados em experiências de difracção estão na faixa de comprimentos de onda que varia

entre 50 , e 52 , A . Assim, quando incidimos raios-X com esses comprimentos de onda

num cristal, há difracção, uma vez que as distâncias interatómicas nas estruturas cristalinas

são dessa ordem.

Os raios-X são difractados pelos átomos que se encontram nos diversos planos do

cristal. Parte da radiação incidente reflecte-se no primeiro daqueles planos, mas a restante

penetra na estrutura e é reflectida nos sucessivos planos hkl . A condição para que as ondas

difundidas por dois átomos vizinhos estejam em fase por isso, originem uma interferência

construtiva entre as ondas reflectidas pelos dois primeiros planos é a diferença de percurso

entre os raios incidentes e reflectidos ser um múltiplo inteiro do comprimento de onda λ

da radiação de raios-X incidente.

Tal situação é traduzida pela lei de Bragg:

hklhkl send2n θλ = (4. 12)

onde λ é o comprimento de onda da radiação incidente, hklθ é o ângulo formado pelos

planos atómicos e o feixe incidente, n representa a ordem de difracção e hkld é a distância

interplanar no cristal. A lei de Bragg resulta directamente da interferência entre as várias

frentes de onda difractadas, conforme mostra a figura 4.5.

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Capítulo IV 58

Figura 4. 5 – Esquema ilustrativo do fenómeno de difracção de um feixe de raios-X pelos planos ( hkl )

de um cristal.

Experimentalmente pode-se aplicar a lei de Bragg de duas formas: na primeira

usam-se raios-X com λ conhecido (monocromático) e faz-se variar o ângulo θ , girando o

cristal, de forma a obter a distância entre os planos, d ; na segunda, faz-se variar o

comprimento de onda λ da radiação incidente e fixa-se o cristal mantendo θ constante,

obtendo-se a distância entre os planos.

Há três métodos para o estudo de cristais por difracção de raios-X:

( i ) o método de Laue, que utiliza a segunda maneira de medida acima discutida e

consiste em fazer incidir um feixe de raios-X policromático num cristal e observar os

pontos difractados num filme;

( ii ) o método de difracção num cristal, onde o cristal é fixado com um eixo

cristalográfico (ou outro eixo importante) paralelo ao feixe monocromático de raios-X e

gira-se o cristal observando-se os raios difractados;

( iii ) o método de pó, onde o cristal a ser estudado é reduzido a pó fino e colocado

num plano perpendicular a um feixe de raios-X monocromático e as linhas difractadas são

observadas a um ângulo θ com relação ao plano onde a amostra foi colocada.

Nos dois últimos métodos é fixado λ e medem-se as linhas difractadas em função

de θ . Neste trabalho foi utilizada a difracção de raios-X em amostras policristalinas, ou

seja, o designado método do pó e também difracção de raios-X num cristal. No método de

pó observa-se todas as reflexões permitidas de uma única vez.

De facto, numa experiência de difracção de raios-X em pó, não se medem as linhas

difractadas em função de θ ou θ2sen , mas sim o ângulo que o detector faz com o feixe

incidente, como mostra a figura 4.6.

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Capítulo IV 59

Figura 4.6 – Representação esquemática do funcionamento de um aparelho de raios-X [26].

A interferência construtiva entre os feixes difractados depende do espaçamento

entre os planos, e este depende apenas da célula unitária através da relação:

222

2hkl c

lbk

ah

d1

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛= (4. 13)

ou

222hkl

cl

bk

ah

1d

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛+⎟

⎠⎞

⎜⎝⎛

= (4.14)

onde h , k e l são inteiros que descrevem a célula unitária no espaço recíproco, sendo

conhecidos como índices de Miller e, a , b e c são os parâmetros de rede.

Desta forma, pode-se obter o sistema cristalino e os parâmetros de rede apenas das

posições das linhas difractadas, sem ser necessário analisar as suas intensidades e a

larguras das linhas. É importante salientar que as intensidades dos feixes difractados são

determinadas pelas posições dos átomos na célula unitária. Assim, através da medição das

intensidades obtêm-se informações acerca das posições atómicas.

Para um sistema cúbico, a difracção apenas acorre para ângulos que satisfaçam a

relação:

⎟⎟⎟

⎜⎜⎜

++×= 2l2k2h

1a2

arcsen λθ (4.15)

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Capítulo IV 60

Esta equação relaciona os ângulos a que as reflexões aparecem num difractograma

com os índices de Miller. O conhecimento das direcções dos feixes difractados dá

informação apenas sobre a geometria e a dimensão da célula unitária.

O conhecimento das posições dos átomos no interior da referida célula pode ser

obtido pela intensidade dos feixes difractados.

Quando um feixe de raios-X incide num átomo, cada um dos seus electrões difunde

coerentemente parte da radiação. Seria de esperar que o núcleo também contribuísse para a

dispersão coerente da radiação mas, dada a sua massa ser bastante superior à do electrão,

não oscila o suficiente e, portanto, o resultado efectivo da radiação difundida por um átomo

depende apenas dos seus electrões. Daqui resulta a definição do factor de forma, f , que

descreve a eficiência da dispersão por um dado átomo, numa dada direcção, e é definido

por uma razão de amplitudes:

electrão um por difundida onda da amplitudeátomo um por difundida onda da amplitudef = (4.16)

Somando todas as ondas difundidas pelos átomos individuais da célula unitária

obtém-se a onda difundida resultante ou factor de estrutura, F . Se a célula unitária for

formada por N átomos, de coordenadas nx , ny e nz e factores de forma nf , o factor de

estrutura para a reflexão pelos planos hkl será dado por:

)( nnn zlykxhi2N

1nnhkl efF ++

=∑= π

(4.17)

O factor de estrutura é, em geral, um número complexo e exprime a amplitude e

fase da onda resultante. O seu valor absoluto é o valor da amplitude da onda resultante em

função da amplitude da onda difundida por um electrão:

electrão um por difundida onda da amplitudeunitária célula da átomos os todos por difundida onda da amplitudeF = (4.18)

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Capítulo IV 61

sendo a intensidade do feixe difractado por todos os átomos duma célula unitária, numa

direcção prevista pela lei de Bragg, proporcional a 2F . A equação (4.17) é fundamental em

estudos cristalográficos com radiação X, já que, conhecidas as posições atómicas permite

calcular a intensidade da reflexão para qualquer plano ( hkl ). O estudo da referida equação

mostra que determinadas combinações dos índices de Miller produzem o anulamento do

factor de estrutura e, consequentemente, da intensidade do feixe difractado pelos planos.

A intensidade do feixe difractado por uma família de planos { }hkl , sendo

proporcional a 2F , depende ainda de outros factores como são [26]:

factor de polarização de forma )cos( θ2121P 2+= , expressão válida para

feixes incidentes não polarizados; este factor tem natureza física, e é causado

pela passagem dos raios-X na amostra, em que a onda incidente no cristal

divide-se em duas direcções privilegiadas sendo a causa atribuída à falta de

paralelismo entre o feixe incidente e os planos de reflexão. Este factor provoca

na onda difractada um decréscimo na intensidade em função do ângulo de

incidência;

factor de multiplicidade ( p ) tem em conta o número de planos equivalentes

(com a mesma distância interplanar) que contribuem para uma mesma reflexão.

O seu valor depende do sistema cristalino;

factor de Lorentz ( L ) é devido à divergência do feixe de raios-X incidente e a

monocromatização parcial. Estas características podem favorecer a reflexão de

um determinado plano. A expressão para este factor é da forma:

)( θθ sen2sen1L = ;

factor de absorção ( A ), relacionado com a geometria do aparelho utilizado. O

factor de absorção não é incluído na expressão geral da intensidade difractada

mas é considerada para cada experiência individual, já que depende de factores

geométricos e da natureza da amostra;

factor temperatura, de forma ( ( )2sen2e λθ− ), é significativo para grandes valores

de θ , mesmo à temperatura ambiente.

Uma discussão mais aprofundada sobre tais factores é demasiado longa e não será

feita aqui. Essa discussão pode ser encontrada em livros sobre difracção de raios-X [26].

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Capítulo IV 62

A influência de cada um destes factores no cálculo da intensidade difractada

depende, do método utilizado. Por exemplo, no uso de difractómetros não é necessário

considerar o factor de absorção pois é independente de θ . De facto, considerando um feixe

incidente de secção recta constante, quando θ é pequeno, a área irradiada pelo feixe

incidente é grande e a profundidade de penetração aumenta de tal modo que o volume da

amostra efectivamente irradiada é constante e independente de θ . Assim, embora haja

absorção, ela implica uma diminuição da intensidade de todos os feixes difractados de um

mesmo factor e não é considerada no cálculo de intensidades relativas.

O factor temperatura também não é considerado em difractogramas em que as

linhas estejam suficientemente próximas.

No traçado de um curva de intensidade difractada obtida num difractograma, cada

pico de difracção representa a energia total do feixe difractado, medida pelo detector para

cada direcção. A essa energia dá-se o nome de intensidade integrada de reflexão e o seu

valor é dado pela área delimitada pelas respectivas curvas. É importante considerar a área e

não o valor máximo da intensidade, pois a área é uma característica do material enquanto

que o valor máximo da intensidade sofre a influência de pequenos ajustes do aparelho

experimental.

A intensidade relativa integrada de um pico de difracção, medido num

difractómetro de raios-X, pode ser escrita para uma determinada reflexão [47]:

θθθ

coscos2

22

hkl sen21pFI +

= (4.19)

A equação anterior calcula a intensidade em unidades arbitrárias. Em tabelas de

cristalografia, os materiais são catalogados de forma a informar a intensidade de cada pico

em relação ao pico de maior intensidade.

44..44..22.. DDIIFFRRAACCÇÇÃÃOO PPOORR CCRRIISSTTAALL ÚÚNNIICCOO A difracção de raios-X de um cristal único é o método mais poderoso de

determinação da sua estrutura porque fornece com muita precisão as posição e intensidade

de todas as reflexões, obtendo-se assim as coordenadas atómicas. No entanto, este método

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Capítulo IV 63

apresenta uma grande fragilidade, pelo facto de ser necessário ter cristais suficientemente

grandes (com cerca de 0,1 mm de lado), embora se consiga aplicar esta técnica a cristais

bem menores com o uso de radiação de alta intensidade.

Ao iluminar um cristal imóvel com radiação monocromática poderá não se verificar

qualquer difracção, pelo facto de não existir nenhuma família de planos orientada de forma

a permitir a satisfação da lei de Bragg. Mas, se se rodar o cristal durante a exposição à

radiação, verificar-se-ão várias direcções, cujo ângulo se altera bruscamente com a rotação

do cristal. Cada família de planos “espera pacientemente” o instante em que a sua

orientação relativamente à radiação incidente permita, nos termos da lei de Bragg, a sua

participação na difracção. Este processo é chamado método do cristal rotativo.

Devem ser criadas formas de satisfazer a lei de Bragg o que pode ser conseguido

variando de forma contínua o comprimento de onda λ ou o ângulo θ durante a realização

experimental. A maneira como estas quantidades variam permite distinguir o método de

difracção usado na realização experimental com já havia sido referido anteriormente [26].

44..44..33.. DDIIFFRRAACCÇÇÃÃOO PPEELLOO MMÉÉTTOODDOO DDOO PPÓÓ

Uma das mais importantes aplicações do método do pó é, a possibilidade de

identificação de substância cristalina a partir de um volume reduzido de amostra. Esta

técnica foi concebida pelos investigadores P. Debey e P. Scherrer em 1916 e,

independentemente, pelo norte – americano A. Hull, em 1917 [35].

Na técnica de difracção cristalina em pó, existem dois métodos distintos: o da

câmara de pó e o do difractometro de pó. No primeiro caso, o espectro obtém-se num papel

fotográfico enquanto que no segundo, obtém-se um registo gráfico dos sinais que se

produzem nos diferentes detectores electrónicos da radiação reflectida.

O difractómetro de pó é mais rápido e preciso na medida das intensidades, pois na

câmara de pó, se as intensidades das reflexões forem muito grandes, verifica-se um

escurecimento da película, o que dificulta a sua análise.

No método de pó, o cristal a estudar é reduzido pó e colocado num difractómetro

monocromático de raios-X. A radiação monocromática é proveniente de um gerador

(ampola) que incide sobre uma amostra plana colocada no eixo de um goniómetro. A

radiação difractada é recebida num detector de cintilação (ou contador proporcional) que a

converte em impulsos eléctricos.

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Capítulo IV 64

Quer o feixe incidente (à saída da ampola), quer o difractado, à entrada do detector,

atravessa um conjunto de fendas para limitar a divergência. O suporte da amostra e o

detector estão rigidamente ligados ao goniómetro de tal modo que a rotação do detector de

θ2 é automaticamente acompanhada de uma rotação da amostra de θ . Este acoplamento

garante que o ângulo de incidência e de reflexão sejam iguais entre si e iguais a metade do

ângulo de difracção.

Cada partícula de pó é um cristal muito fino, semelhante a pequenos cristais,

orientados aleatoriamente em relação ao feixe incidente. Na realidade, a massa de pó é

semelhante a um cristal único a rodar, não em relação a um eixo, mas em relação a todos

os eixos possíveis.

Quando o feixe monocromático de raios-X incide no pó cristalino, dada a

distribuição aleatória dos inúmeros grãos, qualquer plano reticular assume todas as

orientações possíveis relativamente ao feixe incidente. Desse modo, ocorre sempre uma

incidência segundo um ângulo tal que satisfaça a condição de Bragg. Por outras palavras, é

possível registar todas as direcções hkl estruturalmente possíveis, desde que

suficientemente intensas.

Em consequência da distribuição estatística das diferentes orientações assumidas

por um dado plano reticular, verifica-se que há sempre um feixe desses planos em

condições de reflectir a radiação incidente.

Num pó muito fino, os cristais assumem todas as orientações angulares possíveis e

o feixe difractado resulta em cones de difracção. Se o ângulo de Bragg é θ , então o ângulo

entre o feixe difractado e o não difractado é θ2 e o ângulo do cone é θ4 .

θ2θ2

Figura 4.7 - Formação de um cone de difracção no método de pó.

Na realidade, a rotação não ocorre no método de pó mas a presença de um elevado

número de partículas cristalinas, nas quais estão presentes todas as orientações possíveis, é

equivalente a uma rotação. Visto que entre todas as partículas existirá sempre uma certa

fracção nas quais os planos ( hkl ) fazem um ângulo de Bragg com o feixe incidente e que

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Capítulo IV 65

ao mesmo tempo, estabelecem todas as possíveis posições de rotação em relação ao eixo

do feixe incidente [26]. O padrão de difracção de uma amostra de pó, pelo facto dos eixos

cristalinos se encontrarem orientados aleatoriamente, é igual ao padrão de difracção obtido

por combinação de todas as possíveis orientações de um cristal simples.

O resultado mais frequente duma análise de rotina por Difracção de Raios-X é o

vulgarmente designado difractograma, que se reduz a uma linha horizontal (linha de base)

interrompida por picos com intensidades e distâncias entre si, que variam de substância

para substância. A posição dos diferentes picos encontra-se relacionada com o ângulo de

incidência do feixe de Raios-X sobre o material em estudo e com as características

estruturais do mesmo. O poder do XRD baseia-se num princípio simples. Diferentes

materiais (ou fases) possuem diferentes arranjos espaciais de átomos ou iões, e a interacção

com a radiação incidente resulta numa "assinatura" muito própria.

A principal aplicação do XRD pelo método de pó é a identificação do cristal, para

já que não obriga ao conhecimento prévias da estrutura ou simetria do cristal. O método de

pó é essencialmente usado para determinar os parâmetros da rede com elevada precisão. O

procedimento a seguir é fixar os índices hkl para cada uma das reflexões observadas e, a

partir do ângulo de Bragg medido para algumas reflexões, calcular os seis parâmetros,

recorrendo à lei de Bragg. No entanto, também é possível determinar a estrutura cristalina.

Cada substância tem o seu próprio diagrama de pó característico e, portanto,

diferente de qualquer outro. Para uma identificação mais rápida comparam-se os

espaçamentos calculados assim com as suas intensidades com os registos em fichas

próprias pelo Joint Committee on Powder Diffraction Standars (JCPDS).

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Capítulo IV 66

44..55.. CCAALLOORRIIMMEETTRRIIAA DDIIFFEERREENNCCIIAALL DDEE VVAARRRRIIMMEENNTTOO

Todas as transições ou transformações químicas e estruturais que ocorrem com

absorção ou libertação de calor são detectáveis por Calorimetria Diferencial de Varrimento

(DSC – Differencial Scanning Calorimetry).

A Calorimetria Diferencial de Varrimento pertence ao grupo de técnicas de análise

térmica. Estas técnicas investigam o comportamento de uma amostra, qualitativa e

quantitativamente, quando à alteração das suas propriedades físico-químicas em função da

temperatura [48].

O termo “diferencial” significa que as medições envolvem não só uma dada

substância, a amostra, mas também um material de referência [49].

A principal característica de todos os tipos de sistemas de medidas de DSC é o

desenho do tipo “gémeo”, onde o calor que passa através de um forno é dividido

igualmente entre uma amostra da substância que se quer investigar e uma referência. Esta

técnica assegura que o material da amostra e o de referência sejam mantidos à mesma

temperatura por aplicações próprias de energia eléctrica, quer sejam aquecidos ou

arrefecidos a um índice linear. O sinal medido é a diferença da temperatura ( T∆ ) entre a

amostra e a referência, que é proporcional à diferença entre os fluxos de calor que passa

através da amostra e da referência. Esta é a principal vantagem de uma medida diferencial,

pois em primeira aproximação, distúrbios tais como variações de temperatura no ambiente

do sistema de medida; afectarão ambos os sinais de temperatura (amostra e referência) da

mesma forma, sendo compensados quando se forma uma diferença entre os sinais

individuais.

44..55..11.. TTRRAANNSSIIÇÇÕÕEESS DDEE FFAASSEE

Quando um material sofre alterações no seu estado físico-químico, ou ocorre uma

transição de uma forma cristalina, ou quando reage quimicamente, verifica-se uma

absorção ou libertação de calor associada a essa alteração. Este fenómeno corresponde,

respectivamente, a uma alteração endotérmica ou exotérmica. Sendo assim, quando uma

amostra se funde, é necessário fornecer energia (sob a forma de calor) para ultrapassar as

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Capítulo IV 67

forças que a mantêm no seu estado sólido. A entrada de energia para o sistema corresponde

a um processo endotérmico. A ebulição e a vaporização são exemplos de processos

endotérmicos que também envolvem mudanças de estado. Inversamente, o congelamento

(cristalização) e os fenómenos de adsorção, são processos exotérmicos. Na tabela 4.1, estão

apresentadas algumas fontes de processos endo e exotérmicos [50].

FFEENNÓÓMMEENNOOSS EEXXOOTTÉÉRRMMIICCOOSS EENNDDOOTTÉÉRRMMIICCOOSS FFÍÍSSIICCOOSS Adsorção × Desorção × Transição cristalina × × Cristalização (congelamento) × Fusão × Vaporização × Sublimação × QQUUÍÍMMIICCOOSS Degradação por oxidação × Oxidação em atm gasosa × Redução em atm gasosa × Decomposição × × Desidratação × Desorção química × Reacções redox × × Reacções em estado sólido × ×

Tabela 4.1 – Algumas origens de processos endo e exotérmicos [50].

As transições de fase num material podem ser caracterizadas como transformações

de primeira ordem ou de ordem superior. Uma transição de fase ocorre em resposta a uma

variação nas condições normais de temperatura ou pressão. Se a energia de Gibbs é

descontínua em relação à temperatura a que ocorre a transição, esta designa-se de primeira

ordem. A sublimação e o ponto de fusão são exemplos de transições de fase de primeira

ordem. De maneira geral, as transições de primeira ordem são fáceis de verificar, uma vez

que os desvios aparecem sob a forma de picos endotérmicos ou exotérmicos [48]. Uma

descontinuidade no volume corresponde a uma variação na estrutura do cristal tal que a

densidade e volume da célula unitária apresentam valores diferentes.

As transições de fase de ordem superior mostram pouca ou nenhuma alteração

estrutural.

Nas transições de fase de segunda ordem mede-se uma propriedade que pode ser

expressa em função de uma segunda derivada da energia livre de Gibbs. Este tipo de

transições manifesta-se sob a forma de variações de nível da linha de base. Uma transição

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Capítulo IV 68

de fase de segunda ordem extremamente importante, no caso dos polímeros, é a transição

vítrea (ver figura 4.9).

A figura 4.8 representa a dependência da temperatura em função da entalpia e da

capacidade calorífica (a derivada da entalpia em ordem à temperatura, para pressões

constantes) para as duas transições.

temperatura

aaaa

temperatura

enta

lpia

aaaaaaaa

temperatura

aaaaaaaa

temperatura

enta

lpia

aaaaaaaa

temperatura

enta

lpia

bbbb

temperatura

enta

lpia

bbbb

temperatura

Cap

acid

ade

calo

rífic

a

aaaa

temperatura

Cap

acid

ade

calo

rífic

a

aaaa

temperatura

bb

Cap

acid

ade

calo

rífic

a

temperatura

bb

Cap

acid

ade

calo

rífic

a

Figura 4.8 – Entalpia e capacidade calorífica como função da temperatura para transições de fase de (a) primeira e (b) segunda ordem [51].

Recorrendo ao ponto de fusão de um sólido, como exemplo de uma transição de

primeira ordem, a descontinuidade verificada ao nível da entalpia é devida ao calor

absorvido pelas alterações estruturais. Durante este período a capacidade calorífica é

infinita, visto que todo o calor é aproveitado para a transformação e não para um aumento

da temperatura.

Numa transição de fase de segunda ordem, quando se atinge a temperatura crítica (a

temperatura à qual se dá a transição), o mecanismo de absorção da energia termina e a

curva da capacidade calorífica revela um declive infinito, implicando a presença de um

calor latente na transição. Contudo, este calor latente é mínimo quando comparado com a

transição de primeira ordem onde ocorrem apreciáveis alterações estruturais.

Numa analise de DSC as transições de fase de 2º ordem manifestam-se sob a forma

de variações de nível da linha de base, e medindo-se uma propriedade que pode ser

expressa em função da segunda derivada da energia de Gibbs, como já foi referido

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Capítulo IV 69

anteriormente. Por esta razão, a detecção das transições de segunda ordem é mais difícil e

o método é provavelmente a medição da capacidade calorífica [51].

A curva obtida é um registo gráfico do fluxo de calor em função da temperatura, e

designa-se por termograma [51].

Em geral, um termograma usual obtido via DSC pode mostrar as características

apresentadas na figura 4.9. Neste termograma podem-se observar alguns efeitos que podem

ocorrer numa medida, como variações da capacidade térmica calorífica, pC e transições de

primeira ordem. Variações de pC levam ao aparecimento da alteração da linha de base no

termograma. Já para uma transição de primeira ordem ocorre um pico activado pelo

consumo ou libertação de energia, chamado pico entalpico. Os picos positivos são

assinalados para processos endotérmicos, revelando que foi fornecida energia à amostra,

enquanto que os negativos para processos exotérmicos e, neste caso a energia tem que ser

fornecida à referência. A área compreendida entre os picos e a linha de base traduz a

medida do calor absorvido (entalpia) durante a transição [51]. Matematicamente, outra

forma de calcular a entalpia H∆ numa transição de primeira ordem, a pressão constante,

pode ser dada pela seguinte expressão:

dTCH 1

0

T

T p∫=∆ (4. 20)

onde 0T e 1T são o início e o fim da transição térmica. No entanto, durante a transição, pC

não permanece constante e, por isso, devemos usar a expressão do integral.

Quando se realiza uma experiência com o DSC o interesse não se centra apenas nas

entalpias referentes aos picos endo e exotérmicos que aparecem na curva, mas também nas

temperaturas características de todas as transições existentes.

As formas das curvas de DSC obtidas são influenciadas por muitos factores: massa

da amostra, estado físico inicial da amostra, velocidade de varrimento, composição dos

cadinhos, atmosfera dos fornos, resistência térmica e pela taxa do fluxo de calor [48].

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Capítulo IV 70

dtdQ

pC21 ∆

Hcrist.∆

Hfus.∆

gTcT mT.crist

setonT −

.crist

setoffT − T

End

otér

mic

aE

xoté

rmic

a

dtdQ

pC21 ∆

Hcrist.∆

Hfus.∆

gTcT mT.crist

setonT −

.crist

setoffT − T

End

otér

mic

aE

xoté

rmic

a

Figura 4.9 – Curva típica de DSC no sentido de aquecimento. Na figura gT - temperatura de transição vítrea ( há alteração da capacidade calorífica, observando-se alteração da linha de base,

.crist

setonT − - (“on-set temperature”) temperatura início da cristalização, .crist

setoffT − - (“off-set

temperature”) temperatura do fim da cristalização, cT - temperatura máxima de

cristalização, mT - temperatura máxima de fusão, Hcrist .∆ e Hfus .∆ são as entalpias de cristalização e de fusão, respectivamente.

A transição vítrea refere-se à transição de um sólido amorfo (vidro ou polímero, por

exemplo) para um líquido superarrefecido e caracteriza-se por uma temperatura gT ,

temperatura de transição vítrea. Calcula-se usualmente com sendo a temperatura

correspondente a pC21 ∆ , sendo pC∆ a variação da capacidade calorífica a pressão

constante. Nesta transição, que é endotérmica, verifica-se sempre uma alteração à linha de

base e da capacidade calorífica da amostra.

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Capítulo IV 71

Figura 4.10 – Variações reversíveis e irreversíveis [52].

No estudo de processos reversíveis ou irreversíveis são analisados os DSC obtidos

por aquecimento e arrefecimento da amostra. Por vezes, ocorrem transformações à mesma

temperatura, por exemplo uma exotérmica que aparece no arrefecimento origina uma

endotérmica no aquecimento, podendo indicar uma transição de fase de primeira ou de

segunda ordem.

A figura 4.10 mostra um temograma de uma determinada substância que foi sujeita

a um programa de aquecimento seguido de um outro de arrefecimento, permitindo

identificar o carácter reversível ou irreversível das transições de fase detectadas.

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Capítulo IV 72

44..66.. MMEEDDIIDDAASS DDEE PPEERRMMIITTIIVVIIDDAADDEE DDIIEELLÉÉCCTTRRIICCAA Em 1839, Faraday introduziu pela primeira vez o termo “dieléctrico” para corpos

actuados com forças eléctricas. Ele provou que nos dieléctricos sujeitos à influência de um

campo eléctrico, as cargas eléctricas que os constituem não podem mover-se livremente

através do meio. Estas cargas são localizadas e estão sujeitas a forças elásticas, sendo

impossível haver um fluxo de corrente, como acontece nos materiais condutores.

A reacção de um material à influência de um campo eléctrico é uma propriedade

mensurável, a qual pode revelar uma grande informação sobre a estrutura molecular da

substância. A constante dieléctrica (que não é uma constante) ou também denominada

permitividade eléctrica relativa de um material é a grandeza que caracteriza

convenientemente esta relação.

Quando um meio dieléctrico ideal é submetido a um campo eléctrico →

E , os

portadores de cargas constituintes do meio, tais como os electrões, ou os iões, apenas

sofrem um deslocamento em relação à posição de equilíbrio, desenvolvendo-se assim,

momentos dipolares eléctricos no material. Do ponto de vista macroscópico, este

fenómeno pode ser visto como um deslocamento das cargas positivas e negativas do meio

em sentidos opostos. Neste caso, o meio é polarizado. Então, se se considerar um elemento

de volume infinitesimal, v∆ , num meio polarizado, existe associado a este um momento

dipolar eléctrico, →

µ∆ , que depende de v∆ e determina o campo eléctrico devido a este

elemento de volume num ponto no espaço fora do elemento. Uma vez que →

µ∆ depende de

v∆ , é mais conveniente trabalhar-se com a densidade volumétrica de dipolos eléctricos ou

polarização →

P , dada por:

v∆µ∆→

=P (4.21)

Supondo um momento dipolar eléctrico médio →

µ , pode-se escrever:

→→

= µNP (4.22)

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Capítulo IV 73

onde N é o número de dipolos por unidade de volume.

A polarização é então, uma resposta do meio ao campo eléctrico aplicado. O grau

de polarização do meio depende da intensidade do campo eléctrico aplicado e também dos

constituintes do meio. Macroscopicamente falando, →→→

= E)(PP . Para meios lineares e

campos de baixa intensidade, a polarização depende linearmente do campo, ou seja, →→

= EP χε0 (como já havia sido abordado no capítulo II), onde χ é conhecida como

susceptibilidade eléctrica e mede o quanto o meio é polarizável. Assim, temos uma relação

causa efeito. Ao aplicar-se um campo eléctrico a um meio dieléctrico, esse campo induz no

meio uma polarização, e essa polarização induzida por sua vez, dá origem a um outro

campo.

Portanto, ao aplicar-se a lei de Gauss a uma região contendo não só cargas livres,

mas também um meio dieléctrico, deve-se ter em conta a polarização do meio.

Considerando as densidades de cargas ligadas pσ e pρ , dadas por:

→→

= n.Ppσ

(4.23) →→

∇−= P.pρ

onde →

n é um vector unitário normal à superfície do dieléctrico, obtém-se:

ρε =+∇→→→

)PE.( 0 (4.24)

onde ρ indica a densidade volumétrica de cargas livres e 0ε a permitividade eléctrica no

vácuo. É importante observar que pσ e pρ não são cargas livres. Elas medem

respectivamente, a componente normal da polarização na superfície do dieléctrico e a não-

uniformidade da polarização dentro do meio. Evidentemente, a carga total no dieléctrico é

nula, como pode ser verificado a partir das Equações 4.23.

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Capítulo IV 74

Desta forma, é conveniente então, considerar uma outra grandeza macroscópica,

denominada densidade de fluxo eléctrico total, ou deslocamento eléctrico →

D , dado pela

equação 1.8 (ou seja, →→→

+= PED 0ε ), de forma que:

ρ=∇→→

D. (4.25)

Para um meio linear, o deslocamento eléctrico é proporcional ao campo eléctrico

aplicado, →→

= ED ε , onde ε é a permitividade do meio. Assim, a polarização pode ser

escrita na forma:

→→→→→

−′=−=−= E)1(E)(EEP 000 εεεεεε (4.26)

A grandeza ε ′ é a permitividade eléctrica relativa, também conhecida como constante

dieléctrica, e pode ser escrita como:

00

1εχ

εεε +==′ (4.27)

descrevendo o campo gerado pela polarização em que χ é chamada susceptibilidade

eléctrica (EP1

0εχ = ) do dieléctrico e representa a resposta do dieléctrico ao campo

eléctrico.

A constante dieléctrica de um material surge como uma medida da extensão até à

qual a distribuição de carga eléctrica nesse material pode ser distorcida ou polarizada pela

aplicação de um campo eléctrico.

Para um material ser descrito adequadamente, não basta saber que tem uma

determinada constante dieléctrica, isto é, uma polarização que é essencialmente

proporcional ao campo eléctrico e independente da sua frequência, da temperatura e da

pressão. Do ponto de vista físico e molecular, o conhecimento das propriedades

dieléctricas desse material implica o estudo da variação da permitividade eléctrica com as

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Capítulo IV 75

variáveis à qual ela reponde, dependendo do campo, assim como de variáveis de estado

termodinâmicas, tais como concentração, temperatura e pressão.

Definindo a capacidade C como a quantidade de carga armazenada por unidade de

diferença de potencial aplicada, depois de aplicar a equação →→

= ED ε a um condensador de

placas paralelas, temos:

dAC ε= (4.28)

onde A é a área e d é a espessura do condensador. Assim, ao aplicar-se uma tensão entre

os terminais de um condensador de placas paralelas e medindo a capacidade, dispondo de

factores geométricos que descrevem o condensador ( A e d ), temos a constante dieléctrica

do meio.

Estabelecendo a relação entre as propriedades macroscópicas e as propriedades

microscópicas da polarização, a polarizabilidade (α ) é a grandeza que relaciona o campo

eléctrico local locE , sobre um constituinte elementar do meio, como o seu momento dipolar

eléctrico médio, →

µ , através da relação dada por:

→→

= locEαµ (4.29)

Assim obtém-se, uma outra expressão para a polarização:

→→

= locENP α (4.30)

Esta expressão relaciona a permitividade medida macroscopicamente (constante

dieléctrica) com os três parâmetros moleculares, o número de partículas elementares

contribuintes por unidade de volume ( N ), a sua polarizabilidade (α ), e o campo eléctrico

local actuante (→

locE ). Normalmente, este campo não coincide com o campo aplicado →

E ,

devido à polarização do próprio meio dieléctrico.

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Capítulo IV 76

Essa dependência da polarização com a polarizabilidade permite analisar quais os

factores que governam o comportamento da constante dieléctrica em função da frequência

do campo eléctrico aplicado ao meio.

Ao nível microscópico, existem várias maneiras de se polarizar um meio

dieléctrico, sendo as três principais a polarizabilidade electrónica ( eα ), onde a nuvem

electrónica de um determinado átomo é deslocada em relação ao núcleo atómico quando

submetida a um campo eléctrico (nestes caso o momento dipolar é proporcional ao campo

eléctrico) a polarizabilidade iónica ( iα ), quando um material onde as ligações são

predominantemente iónicas é colocado na presença de um campo e os aniões deslocam-se

em relação aos catiões; e a polarizabilidade dipolar ou orientacional ( dα ), que está

relacionada com a presença de dipolos eléctricos desordenados, os quais se alinham com a

aplicação do campo. A Fig.4.11 mostra os diversos tipos de mecanismos de polarização.

Polarização electrónica

Polarização atómica

Polarização dipolar

+ +

E=0 ≠ 0E

+ - + -

Polarização electrónica

Polarização atómica

Polarização dipolar

+ +

E=0 ≠ 0E

+ - + -

+ +

E=0 ≠ 0E

+ - + -+ -++ -- + -++ --

Figura 4.11 – Três mecanismos de polarização

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Capítulo IV 77

Assim, a polarizabilidade total é dada pela soma de todas as polarizabilidades.

die αααα ++= (4.31)

A relação entre a polarizabilidade e a constante dieléctrica macroscópica é

traduzida pela expressão de Clausius-Mossotti (4.32):

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

+′−′

=∑213N 0jj ε

εεα (4.32)

A polarização depende da frequência do campo aplicado. Desta forma a polarização

electrónica é a única que consegue responder a frequências na região do visível, devido à

pequena inércia dos electrões. A polarizabilidade iónica responde até à região do

infravermelho, enquanto a polarizabilidade dipolar contribui apenas para processos de

baixas frequências. De facto, devido ao momento de inércia das moléculas, haverá um

certo atraso na orientação das moléculas mais pesadas e, se se utilizar frequências na

região superior das microondas ou ainda frequências mais elevadas, a contribuição para a

polarização começara a decrescer e tornar-se-á eventualmente nula.

O comportamento da permitividade dieléctrica para frequências altas e baixas é

diferente como se pode verificar pela interpretação da figura 4.12

Figura 4.12 – Variação da parte real da constante dieléctrica ( 'ε ) e a parte imaginária da constante dieléctrica ou o factor de perda dieléctrica ( ''ε ) com a frequência do campo aplicado [53].

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Capítulo IV 78

A perda de capacidade de alinhamento dos dipolos com o campo eléctrico oscilante

aplicado ao material que se traduz por um abaixamento do valor da constante dieléctrica

com o aumento da frequência, designa-se por dispersão anómala.

Desta forma, percebe-se que a maior parte da diferença existente entre a constante

dieléctrica para frequência nula ( 0ε ) e para uma frequência elevada ( ∞ε ), além do visível,

fornece uma contribuição orientacional ou dipolar da constante dieléctrica.

Todo o dieléctrico leva um certo tempo (τ ) , chamado de tempo de relaxação, para

responder à aplicação de um campo, e a maior parte desse tempo é gasto pelos dipolos para

se orientarem com o campo. Na presença deste efeito de relaxação, é conveniente tratar a

constante dieléctrica como um complexo,

''' iεεε += (4.13)

onde 'ε é chamada de constante dieléctrica real e ''ε é chamada constante dieléctrica

imaginária ou factor de perda do dieléctrico.

Pelo que foi dito anteriormente pressupõe-se que, se se construir um condensador

de placas paralelas com um meio dieléctrico com constante dieléctrica ''' iεεε += , a

corrente eléctrica neste condensador não estará adiantada de 90º em relação à tensão

aplicada nos seus terminais, como no caso de um dieléctrico ideal ( ''ε = 0), mas sim de um

ângulo δθ −= 90 com:

'

''

gtanεεδ = (4.14)

Isso é equivalente a um circuito eléctrico formado por um condensador ideal (sem

perda) que pode ser representado pela constante dieléctrica 'ε em paralelo com uma

resistência, representado pela condutividade dieléctrica σ , a qual pode ser relacionada

com ''ε por:

''ωεσ = (4.15)

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Capítulo IV 79

onde ω é a frequência angular do campo aplicado. Essa condução pode estar relacionada

com o movimento de cargas livres e/ou com o movimento dos iões, a que se chama de

corrente iónica.

Até aqui não se discutiu as propriedades matemáticas das variáveis χεε , , ′ e σ .

No caso de materiais isotrópicos essas variáveis são apenas escalares. No entanto, quando

o material apresenta anisotropia, como normalmente acontece nos cristais, essas variáveis

são tensores de 2ª ordem e o módulo delas depende da direcção em que está a ser feita a

medida. O número máximo de componentes independentes num tensor de 2ª ordem que

representa uma grandeza física é 9, pois todo o tensor que representa uma quantidade física

é simétrico, ou seja, jiij εε = . Entre essas 9 componentes, algumas podem anular-se ou

estarem relacionadas às outras componentes dependendo da simetria apresentada pelo

cristal. Os tensores correspondentes às variáveis, σχε e ,′ , possuem a mesma simetria.

Assim, quando um cristal sofre uma transição de fase estrutural, observa-se uma

mudança na constante dieléctrica. A mudança mais óbvia dá-se quando, devido à transição

de base estrutural, ocorre alteração do sistema cristalino do cristal. Neste caso,

componentes que eram iguais passam a ser diferentes, como por exemplo a transição de

um sistema tetragonal 2211 εε = para um sistema ortorrômbico, 2211 εε ≠ . Mesmo quando

não ocorre mudança de sistema cristalino, mas apenas transição de fase estrutural do

cristal, podem registar-se variações nos valores das componentes independentes da

constante dieléctrica [54, 55, 56, 57].