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CAPÍTULO 1: É o fim do mundo que conhecemos

Arthur Scott não conseguia pensar em nada. É fácil sentir-se

assim quando seu corpo está rolando descontroladamente sobre

terra úmida até o fundo de uma cova. Eu deveria explicar como ele

chegou ali ou por que ele estava caindo, mas não seriam

informações muito úteis. Importante mesmo é saber que seu corpo

rapidamente chocou-se contra o chão. E não doeu tanto quanto ele

esperava. Na verdade, não doeu nada. Arthur estava apenas tendo

um sonho ruim, como ocasionalmente tinha.

O garoto apoiou-se sobre os cotovelos e, em um rápido

movimento, estava de pé dentro da cova escura. Já tinha estado ali

inúmeras vezes. Sabia que aquele sonho acabava rapidamente,

então se movia de maneira cada vez mais ágil para obter mais

informações. Como sempre, encontrou Olivia Grace à poucos

metros de distância. Ele quase sempre despertava antes de

conseguir se aproximar da garota. Em outras ocasiões, algo mais

legal acontecia, como um desmoronamento, e ele terminava

engolido pela terra pegajosa. Apesar disso, Arthur tinha

memorizado dois fatos importantes: Olivia era uma jovem

extremamente bonita; Olivia estava com os pés enfiados na terra e

os braços acorrentados às duas colunas ao seu redor.

Ao invés de acordar ou morrer em seu sonho, algo diferente

aconteceu. Arthur ouviu, pela primeira vez, a voz de Olivia Grace.

— Salve-me — ela implorou. Sua cabeça continuava baixa e

não havia nenhuma esperança em sua voz.

Um tremor aconteceu e Arthur quase perdeu o equilíbrio.

Blocos de pedra deslizaram ao seu redor e ele já conseguia sentir

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seus pés afundando na lama. A garota ergueu a cabeça e seus olhos,

negros como carvão, penetraram os de Arthur.

“Eu consigo”, pensou ele.

O garoto deu um salto para frente, recuou quando uma pedra

caiu diante dele, deu mais alguns passos e esquivou-se quando

parte do teto desmoronou ao seu lado. Prosseguiu em seu trajeto

mortal até alcançar Olivia. Seus olhos negros, tão surpresos e

amedrontados ao mesmo tempo, olharam a face de Arthur outra

vez.

— Arthur, como...?

— Também não sei. Mas preciso tirar você daqui.

Havia muita coisa que ele não sabia explicar. Ele nunca tinha

visto aquela garota no mundo fora de seus sonhos. Nunca

entendeu por que tinha aquele sonho recorrente ou por que tinha

uma conexão tão forte com ela. Não sabia por que tinha conseguido

chegar perto dela desta vez, já que o sonho encerrava antes de

colocar qualquer plano de salvamento em prática. Contudo, ele

tinha finalmente conseguido. Ouvir sua voz, checado. Chegar perto

dela, checado. Não tinha alternativa além de tentar libertá-la.

Olivia esticou os braços para mostrar o tamanho das

correntes.

— Não vamos conseguir — ela afirmou, encarando os fios de

terra que desciam do teto acima deles.

— Vamos, sim! — Seus olhos fitaram as mãos acorrentadas

dela.

As correntes terminavam fundidas em duas colunas de aço nos

cantos da cova. Eles não conseguiriam quebrá-las.

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— Precisamos da chave. Quem te prendeu aqui? Como posso

te soltar?

— Não há tempo. — Houve outro tremor e mais pedras

deslizaram, bloqueando boa parte do espaço por onde ele entrara

e levantando muita poeira. — Não vai me tirar daqui assim.

— Olivia, concentre-se — ele pediu. Havia tanta adrenalina em

seu corpo que ele nem percebeu que, inexplicavelmente, sabiam o

nome um do outro. — Onde encontro a chave?

A jovem agarrou o braço dele, com toda sua força.

— Você não precisa de uma, Arthur. Você é a chave.

Finalmente, o terceiro tremor aconteceu e todo o teto cedeu.

O momento de obter respostas e salvar a garota tinha se esgotado.

Quando Arthur menos esperava, já estava se debatendo em sua

cama no mundo real. E não morrendo soterrado com Olivia.

***

A luz do dia já brilhava sobre toda a torre onde ficava o

apartamento de Arthur. Ele tinha desistido de voltar a dormir

exatamente às três horas da manhã, quando escapou de seu sonho

na cova. Passou o resto da madrugada pesquisando na internet

sobre pesadelos, sonhos com estranhos e o significado de sonhar

com morte por desmoronamento de terra.

Não preciso dizer que ele não encontrou nada útil e nem

chegou à conclusão alguma, certo?

Ele bocejou uma última vez antes de fechar seu laptop e, em

seguida, puxou a ponta da cortina da janela e a abriu. Fez uma

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careta quando a claridade lá fora quase o cegou. Era uma típica

manhã de outono, o céu estava limpo, o sol já brilhava forte, no

entanto, o vento gelado exigia que todos se vestissem como se já

fosse inverno. Enquanto se acostumava com a luz, ele observava a

torre da frente, no mesmo condomínio. Conseguiu flagrar Brenda

fazendo o mesmo ao abrir a janela do quarto dela.

Brenda Marques era uma das melhores amigas de Arthur. Ela

tinha longos cabelos ruivos, pele clara — com algumas sardas sobre

as bochechas, algo que ela considerava terrivelmente

inconveniente — e olhos verdes. Além de muito bonita, Brenda era

também peculiarmente inteligente. Tinha boas notas, claro, mas

essencialmente dominava qualquer assunto com facilidade. Isso

era bastante útil, afinal ela conseguia fazer amigos em qualquer

lugar que estivesse. Não que ela precisasse disso, já que Arthur

Scott tinha para ela o valor de mil amigos.

Debruçada em sua janela, a garota olhou para baixo e teclou

algumas vezes sobre a tela de seu celular. No instante seguinte,

Arthur sentiu o seu próprio celular vibrar em seu bolso.

Brenda Marques:

Bom dia :) Aconteceu alguma coisa? Noite ruim?

Arthur Scott:

Sim :S Mas como descobriu?

Brenda Marques:

Pela sua cara amassada... rs Algum segredo de beleza

que queria compartilhar?

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A expressão de pânico que se formou no rosto de Arthur

provavelmente dispensava a resposta negativa. Todas as manhãs

ele tinha a tarefa de despertar seu tio, Giovanni. Isso acontecia

porque...

(1) Tio Giovanni trabalhava como motorista de uma van

escolar do Colégio Fulgor, buscando diariamente adolescentes e

crianças em suas casas.

(2) Tio Giovanni era menos responsável do que uma criança.

Arthur rapidamente guardou seu celular na mochila e correu

até a porta do quarto — nem pôde notar que na torre da frente,

Brenda Marques achava tudo aquilo muito divertido. Ele

atravessou o corredor em direção ao quarto de Giovanni, quando

ouviu vozes na sala e imediatamente reduziu a velocidade. Para sua

surpresa, seu tio já estava acordado, comendo uma tigela de cereais

em frente à TV. Como sempre, ele usava uma camiseta preta com

o nome de uma banda de rock na estampa, seu velho boné

Arthur Scott:

4 horas de sono ruim. Acordar a cada 20min dá o toque final. Terá olheiras invejáveis.

Brenda Marques:

Vc é um gênio! :P Conte-me mais sobre isso daqui a pouco. Ah, não que eu não ame chegar atrasada todos os dias, mas já acordou seu tio?

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vermelho sobre seus poucos e finos fios de cabelos negros e usava

a própria barriga como apoio para a tigela.

— Bom dia, Cinderela! — disse ele, meio sorrindo, meio

cuspindo cereais.

— Tio, se você está insinuando que eu dormi demais, o termo

correto seria “Bela Adormecida”. Cinderela é a do sapato.

— É? — perguntou ele, confuso. — Pensei nisso, mas Bela

Adormecida não pareceu um nome de verdade.

— É porque não é. Ela se chama Aurora.

Giovanni abriu a boca e, por um breve momento, não emitiu

som.

— Bem, — ele disse, finalmente, ao erguer uma sobrancelha —

já considerou que, talvez por saber esse tipo de informação, você

não tenha uma namorada?

— Touché! — Arthur respondeu. — Agora, sim! É assim que

zoamos uma pessoa.

Giovanni sorriu para ele, antes de sorrir para outra colherada

de cereal. Arthur também desviou o olhar ao perceber que sua mãe

se aproximava deles.

Fiona, diferente do irmão Giovanni, era bastante elegante.

Estava sempre bem vestida, seus cabelos negros sempre penteados

e ela poderia vencer uma maratona sobre seus saltos gigantescos.

Fiona e Giovanni não levavam o sobrenome Scott, pois pertencia

ao pai de Arthur. Ela nunca falava sobre o pai dele. Se o menino

sabia de algo, era porque tinha conseguido arrancar alguma

informação de Giovanni. Segundo ele, Fiona era completamente

apaixonada por um professor que conhecera na universidade onde

cursou Arquitetura. A paixão era correspondida e os dois

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decidiram morar juntos um ano após Fiona se graduar. Quando

Fiona ficou grávida, ele quis oficializar o casamento, mas

decidiram esperar o nascimento de Arthur. Infelizmente, Arthur

nunca conheceu, de fato, seu pai. Ficou sabendo por Giovanni que

um grave acidente de carro tinha tirado a vida do professor, pouco

tempo após a chegada de Arthur.

“É um assunto difícil para sua mãe”, dizia Giovanni.

Arthur lembrou-se dessa frase enquanto sua mãe beijava sua

testa. Difícil, para ele, era imaginar a mãe passar por tudo aquilo

sozinha. Claro, Giovanni estava sempre por perto, mas seu tio era

muitas vezes mais um filho para ela criar ao invés de um irmão

para dar apoio.

— Estou indo para o trabalho, filho. Tenha um ótimo dia.

— Obrigado — Arthur e Giovanni responderam juntos.

Fiona mordeu o lábio inferior e disfarçou uma careta.

— Eu estava falando com o Arthur. Mas entendo como a

palavra “filho” deve ter confundido você, Giovanni. Minhas

sinceras desculpas.

— Todos cometemos erros, sister — ele respondeu, sorrindo.

Fiona balançou a cabeça antes de tocar o braço de seu filho.

— Cuide do seu tio por mim — sussurrou ela.

— Não faço isso sempre? — ele sussurrou de volta.

Fiona desviou o olhar para Giovanni, com certa urgência.

Arthur perguntou a si mesmo se ela sequer tinha escutado sua

resposta.

— Dirija com cuidado — ela alertou o irmão, com mais

seriedade em sua voz. Em seguida, saiu em direção à porta.

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Giovanni prosseguiu, tranquilamente finalizando sua tigela de

cereais. Arthur, no entanto, pareceu intrigado. Deu um passo à

frente e sentou-se no braço do sofá, ao lado do tio.

— Está uma manhã estranha, não?

— Não. Sua mãe sempre me trata como se eu tivesse seis anos.

Ela só foi um tanto mais óbvia hoje.

— Eu não estava falando dela — ele garantiu. Suspirou antes

de fazer a próxima pergunta. — Por que acordou cedo hoje?

— Ah, isso? — ele pareceu surpreso. — Não consegui dormir.

Pesadelo super sinistro, mas não me lembro muito bem. Só sei que

estou acordado desde as três ou quatro da manhã.

Aquelas palavras trouxeram imagens horríveis de volta à

mente de Arthur. Pesadelo. Três da manhã. Sinistro. De repente,

Olivia e ele estavam novamente encurralados no túmulo, com

blocos de terra desabando sobre suas cabeças. Sentiu-se paralisado

sobre o braço do sofá. O ar ao seu redor parecia estar mais denso,

era quase impossível respirar. Foi tio Giovanni quem o tirou de seu

transe.

— Ei! Terra chamando Arthur! Qual é? Pronto para sair?

Arthur colocou uma mão sobre o peito, tentando controlar sua

respiração. Ele conseguia sentir quase fisicamente que aquele não

seria um dia qualquer. Algo muito ruim se aproximava.

— Arthur? Fiz uma pergunta. Pronto para sair?

Não sei, ele pensou. Apesar disso, balançou sua cabeça

afirmativamente.

***

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A van escolar de Giovanni já estava cheia quando ele dirigiu

pela Rua dos Engenheiros para buscar os dois últimos passageiros

antes do destino final no Colégio Fulgor. Brenda, como sempre,

estava sentada ao lado de Arthur. Seus cabelos ruivos estavam

presos em um rabo de cavalo e um caderno de capa dura vermelho

descansava sobre um fichário em seu colo.

A velha van branca sacudiu de um lado para o outro quando

Giovanni desajeitadamente girou o volante para desviar de um

buraco. O corpo de Brenda deslizou para o lado e Arthur,

instintivamente, agarrou-lhe o braço e a segurou perto de si. O

fichário e o caderno vermelho, no entanto, foram parar no chão.

Antes mesmo do veículo se estabilizar e prosseguir até o fim da rua,

a garota retirou os pertences do chão.

Somente naquele instante Arthur notou que Brenda não podia

ficar nem ao menos um segundo longe daquele caderno.

— Obrigada — ela finalmente disse. — Você tem bons reflexos.

Aquela era uma mentira. Das grandes.

Em situações comuns, Arthur era um garoto distraído,

descuidado e desprovido de qualquer reflexo. Pergunte a qualquer

um que já o tenha acertado uma bolada na cara. Apesar disso, ele

tinha bons instintos ao enfrentar uma situação de perigo. Claro,

uma van desviar de um buraco não seria considerado uma situação

perigosa. Mas a mente de Arthur estava em estado de alerta

naquela manhã. Ele sentia que algo terrível estava para acontecer.

E ele estava absolutamente certo.

Giovanni estacionou a van na esquina e fez uma careta ao ver

Dakota Moretto sozinha sobre a calçada. A garota usava um

cachecol cinza que caía sobre uma enorme blusa de frio. Seu cabelo

castanho e longo balançava por causa do vento.

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— Cadê seu amigo? — Giovanni gritou para ela, com seu braço

apoiado na janela da van.

— Ele não é meu amigo — ela respondeu, como se tivesse sido

absurdamente ofendida.

Arthur moveu os dedos sobre a porta e a deslizou para abri-la.

Brenda recuou quando o vento gelado invadiu o interior da van.

Dakota quase sorriu quando viu o amigo, mas o ar congelante a fez

tremer.

— Maldito inverno! — ela praguejou.

— Você dizia o mesmo sobre o verão — acusou Arthur. — Cadê

o Murilo?

— Por que vocês ficam me perguntando sobre ele? —

Revoltou-se ela, enquanto entrava no veículo. — Ele é meu vizinho.

Não significa que goste dele. Muito menos que eu saiba por que ele

está sempre atrasado.

Dakota sentou-se ao lado de Brenda e jogou sua mochila sobre

o que restava do banco, sem trocar olhares com os outros alunos

na van. Cutucou o piercing de argola que tinha no nariz e fez uma

careta. Os pelos no braço de Brenda eriçaram-se enquanto ela

observava a pele inchada e vermelha ao redor do objeto prateado.

— Meu Deus, Dakota! Vá ver um médico!

A garota retirou um pequeno espelho da mochila e olhou para

o reflexo de seu nariz.

— Já esteve pior — concluiu. — E se está vermelho é por que

está sarando. Você não entende.

— Claro. Eu não entendo.

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— Desculpe interromper a conversa das princesas — Giovanni

grunhiu. — Mas o que faço agora? Fico aqui esperando pra sempre?

Ou caio fora?

Dakota deu de ombros. Brenda encarou Arthur, que parecia

despreocupado.

— Não vai precisar esperar pra sempre, tio.

A poucos metros dali, vinha Murillo Krakowski. O garoto

corria pelo meio da rua na direção deles. Uma de suas mãos

segurava a alça da mochila e a outra, com ainda mais firmeza,

segurava uma torrada. Ele correu até a calcada, desviou de uma

lata de lixo, chacoalhou a mochila e deu uma mordida na torrada.

A cena tinha tudo para ser bizarra, mas Murillo, com seu porte

atlético, fazia tudo parecer uma cena de um filme de ação.

Murillo era um garoto alto e forte. Sua pele era morena, seus

olhos eram verdes e o cabelo, raspado. Era um garoto bastante

atraente e sempre tinha duas ou três garotas do colégio caindo de

amores por ele. De fato, Murillo poderia ser o verdadeiro príncipe

encantado de alguém. Desde que estivesse disposto a ser fiel à uma

única garota. E desde que sua sinceridade quase brutal não as

assustasse de vez em quando.

— Sentiram minha falta? — perguntou ele ao chegar na porta.

— Não! — Dakota gritou de dentro da van.

— Apenas entre na van! — Giovanni gritou, girando a chave e

fazendo o motor da van roncar. — Vamos logo!

— Como é bom ter uma recepção calorosa — suspirou ele.

Arthur fechou a porta após Murillo entrar. Giovanni acelerou

a van e sorriu, feliz e satisfeito, ao se imaginar chegando aos

portões do Colégio Fulgor no horário correto uma vez na vida. O

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tio fez os pneus cantarem ao virar a esquina e pisou com força no

acelerador ao dirigir-se à avenida, como se fosse Dominic Toretto.

Passados dois minutos, o pobre veículo estava preso em um

engarrafamento.

— Droga — ele murmurou.

Arthur encarou o vidro da janela e suspirou.

— É a obra do metrô — o garoto explicou. — Esta avenida está

assim desde que começaram a obra. Por que veio por aqui hoje,

tio? Você nunca fez este caminho antes.

— Sei lá — respondeu ele, impacientemente. — Às vezes é uma

boa ideia abraçar o diferente.

Uma sobrancelha de Arthur elevou-se quando ele fez uma

careta. “Abraçar o diferente”? Os hábitos mais comuns de tio

Giovanni incluíam cuspir enquanto comia com a boca aberta,

assistir desenhos e cantarolar músicas de rock ao batucar no

volante com a ponta dos dedos como se fosse uma bateria. Abraçar

o diferente não era algo que ele fazia ou sequer dizia.

— Estou com sede — Dakota reclamou, interrompendo os

pensamentos de Arthur. — Alguém tem algo para beber aí?

— Tenho água na minha mochila — disse Murillo. — Se pedir

com jeitinho, talvez eu te empreste minha garrafa.

— Eu disse que estou com sede, não que quero pegar herpes.

Murillo balançou a cabeça, em silêncio.

— Há quanto tempo estamos aqui, afinal? — ela continuou. —

Duas? Três horas?

— Uns vinte minutos, Dakota — Arthur respondeu, fazendo-a

cruzar os braços, impacientemente.

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—Eu sei — Brenda disse, demonstrando aparente compaixão

em sua voz. — Parece muito mais. Principalmente com você

reclamando sem parar.

Uma sequência de motoristas bravos batendo os punhos em

suas buzinas aconteceu. Um homem ruivo no carro à frente da van

colocou a cabeça para fora e gritou alguma coisa.

— Não sou a única irritada, como podem ver — Dakota se

defendeu.

— O que raios está acontecendo hoje? — perguntou Murillo,

enquanto pegava sua garrafa d’água. Ele não estava com a menor

sede, era apenas para irritar Dakota, mas ele conseguiu forçar o

gole com naturalidade.

— Hoje não será um dia comum — Arthur sussurrou,

intuitivamente. Apenas Brenda ouviu. Ela segurava o caderno

vermelho com uma mão e usou a outra para tocar o braço de

Arthur. Ele tremeu involuntariamente e suspirou aliviado por ela

não ter percebido.

— Sua mãe não trabalha nessa obra, Arthur? — perguntou ela.

— Sim — ele confirmou. — Está sempre assim por aqui desde

que começaram a construir a estação de metrô. Hoje só está pior.

— Arthur franziu a testa e olhou para seu braço. A mão de Brenda

ainda o tocava. — Tive um sonho estranho.

— A garota acorrentada de novo?

Ele fez que sim com a cabeça, pensativo.

— Por isso não dormi direito. Foi diferente dessa vez. Ela falou

comigo. E daí morremos soterrados.

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— Maneiro — comentou ela. Brenda não usava aquela palavra

normalmente, mas ficava nervosa quando qualquer assunto ficava

sério. — O que ela te disse?

— Um cara vendendo refrigerante! — Dakota gritou do outro

lado. Seus olhos brilhavam. — Ei, Arthur! Vamos lá!

Murillo apoiou o braço na janela e olhou para fora. O homem

dos refrigerantes caminhava ao redor dos carros do outro lado da

avenida. Aparentemente, eles não iriam se mover por um bom

tempo. Arthur e Dakota poderiam descer e atravessar a avenida

plantando bananeira se quisessem e nenhum carro iria atingi-los.

No entanto, Murillo sabia que havia um pequeno obstáculo de 120

quilos:

— Giovanni é meio abobalhado, mas nunca deixaria vocês

saírem no meio desse trânsito.

— Ele não precisa saber — a garota explicou. — Só precisamos

distraí-lo.

— E como vai fazer isso, gênio? —Murillo provocou. —

Contando histórias assustadoras, como a origem do seu piercing?

— Não, imbecil. Com música. Se deixarmos um som rolando,

algo que o atraia, ele vai começar a cantarolar e nem vai nos notar.

Arthur sorriu. Conhecia bem o seu tio e sabia que Dakota tinha

razão. E também já estava quase tão impaciente quanto ela por

ficar ali parado. Faria bom proveito até da menor possibilidade de

sair dali.

— Tudo bem, pode ser um bom plano — Murillo admitiu,

tirando seu celular do bolso e tocando a tela para selecionar a

música perfeita.

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— Não precisamos das suas músicas. Ninguém aqui acredita

que Taylor Swift vai atrair o Giovanni.

Murillo deu uma risada de nervosismo.

— Eu não escuto Taylor Swift — explicou. — Eu... eu juro.

Foi Brenda quem pegou o celular em seguida.

— Eu sei o que vai atraí-lo — ela disse. Sem largar o caderno

vermelho de uma das mãos, ela tocou a tela e o silêncio foi

subitamente quebrado pelos toques de bateria iniciais de It’s the

End of the World as We Know It da banda R.E.M.

— Não deixe muito alto — Dakota alertou.

— Sei o que estou fazendo — Brenda rebateu. Em seguida, deu

um único toque e aumentou o volume, quase imperceptivelmente.

Os quatro amigos, ansiosamente, olharam para o banco da

frente. Giovanni mal se mexia por causa do tédio. Brenda estava

prestes a aumentar o volume outra vez quando, como se fosse

mágica, o tio de Arthur deu algumas batucadas no volante.

— Caramba, está dando certo — Murillo murmurou.

Brenda aumentou o volume aos poucos. Os outros jovens e

crianças dos bancos traseiros também começaram a observar os

movimentos peculiares de Giovanni. O som, já em seu ápice,

finalmente o capturou por completo. O tio cantava — e com isso

matava lentamente a língua inglesa —, balançava a cabeça com o

ritmo e fingia ter uma guitarra nas mãos.

Dakota encarou Arthur e apontou para a porta. O garoto a

deslizou lentamente e saltou para a avenida. Sua amiga fez o

mesmo em seguida, sem se esquecer de olhar para as outras

crianças da van e fazer uma ameaça, passeando a ponta de seu

indicador ao redor de seu pescoço.

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— Sejam rápidos — Brenda avisou. — São quatro minutos de

música.

Ainda com os olhos fixos no desajeitado motorista com uma

guitarra imaginaria nos braços, Arthur deslizou a porta e a fechou.

Os dois prosseguiram rapidamente entre os carros em direção ao

outro lado da avenida.

Ouviu-se um ruído repentino. Arthur, distraidamente, deu um

passo à frente e Dakota, agarrando sua blusa, o puxou para trás

quando uma moto cruzou seu caminho. Brenda, que os observava

de dentro da van, levou as mãos à sua boca, assustada.

O garoto caiu nos braços de Dakota, mas logo recuperou

seu equilíbrio e olhou para ela.

— Acredito que a frase que está tentando formar seja

“Obrigado por salvar minha vida, Dakota Linda.”

— Vou ficar apenas com “valeu” mesmo — ele respondeu,

dando uma risada abafada. Dakota sorriu de volta. Suas mãos

ainda estavam coladas no braço dele.

Subitamente, o riso de Arthur esvaneceu-se de seu rosto. Atrás

de Dakota, a uns dois carros de distância, estava uma sombra.

“A Sombra” — e era exatamente assim que Arthur a chamava

— era um vulto que o garoto via ocasionalmente. Usava um manto

escuro que cobria desde a cabeça até o pescoço. Como sempre

mantinha certa distância e desaparecia em um piscar de olhos,

Arthur nunca conseguiu identificar quem era.

Às vezes, perguntava-se se aquele ser sequer era humano.

— O que foi? — Dakota o cutucou.

Para sua surpresa, A Sombra não desapareceu. Continuava ali.

Parada. Atenta. E, de alguma forma, Arthur sabia que ela o assistia.

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— Olhe ali — ele apontou. — Vê alguma coisa?

A garota soltou o braço dele e virou o corpo para trás.

E antes que ela pudesse confirmar alguma coisa, Arthur sentiu

o primeiro tremor. No entanto, não era um de seus sonhos com

Olivia Grace.

A terra estava cedendo bem abaixo de seus pés. No mundo real

e assustador.

Fim do Capítulo 1.

Capítulo 2 na página seguinte.

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CAPÍTULO 2: Nunca Pare de Correr. E não morra.

Fiona andava de um lado para o outro sobre seus saltos,

enquanto gritava com dois dos operários da obra no metrô. A mãe

de Arthur sentia um embrulho no estômago e vontade de socar

uma parede, simultaneamente, cada vez que olhava para o

caminhão da construtora completamente imóvel e bloqueando a

avenida.

— Pela última vez, tirem essa coisa daí! — ela gritou,

apontando para o largo veículo. O motorista colocou a cabeça na

janela e fez uma careta de indecisão.

— Não podemos fazer nada, doutora — disse um dos operários

ao lado dela. Fiona não conhecia muito bem nenhum deles. Nem

se incomodou por ter sido chamada de “doutora”, apesar não ter

doutorado. Discretamente, correu os olhos pelo uniforme dele e

encontrou um crachá.

— Escute, Jonas — disse ela, colocando uma das mãos sobre o

ombro dele, resistindo à vontade de estapeá-lo. —Tem um

caminhão do tamanho meu ódio causando um trânsito tão infernal

quanto sua vida vai ficar se não tirá-lo dali!

— Eu... o caminhão não pode mover...

— Já viu um motorista calmo nessa cidade? Não há! Eu não

ficaria surpresa se eles começassem um tumulto. Meu Deus! Se o

prefeito fica sabendo...

— Doutora... a senhora sabe o protocolo.

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— Protocolo? — disse ela, desta vez mais surpresa do que

irritada. — Encontraram alguma coisa?

— Acho que sim — arriscou ele. — É estranho. Não estava em

nenhuma das plantas, não detectamos aquilo em lugar algum

antes. Pode ser um duto de gás ou algo parecido. E você sabe, o

protocolo diz que devemos paralisar a obra até termos certeza do

que é.

— Sim, sim, eu conheço o protocolo — disse ela,

impacientemente. Em seguida, deu um passo à frente e encarou a

barreira de madeira montada ao redor do terreno onde a

construtora cavava um túnel. — Vou descer.

—Você não pode!— Jonas respondeu.

— Não me importo com o protocolo— ela avisou, já longe do

operário. Antes de entrar no terreno, olhou para trás. Esticou um

dedo, ainda indignada. — É bom este caminhão não estar aí

quando eu voltar.

Fiona desceu por um elevador improvisado e, em pouco

tempo, já estava dentro do túnel. Colunas de ferro estendiam-se

por toda estrutura. Apesar disso, ela não se sentia completamente

segura ali. Alguns operários estavam sentados, outros em pé

conversando. A obra estava congelada, todos obedecendo ao

protocolo.

— O que encontraram? — perguntou ela, firme.

Um dos operários disfarçou a surpresa por vê-la. Veio

correndo na direção dela, balançando uma lanterna em suas mãos.

— No fim do túnel —apontou ele. — Paramos as máquinas

assim que o atingimos.

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Ele parecia feliz. Era como estivesse se gabando por saber as

regras. Foi algo positivo ele ter acabado por ali. Fiona iria socar

qualquer um que mencionasse aquele maldito protocolo de novo.

A arquiteta tomou a lanterna das mãos dele e seguiu para a direção

apontada. Para sua surpresa, ao invés de tentar impedi-la, ele a

seguiu.

Por um breve momento, ela desejou ter prestado mais atenção

no crachá dele.

— Não podemos nem cogitar perder um dia de trabalho —

avisou ela, enquanto caminhava apressadamente para o fim do

túnel. — Quem mais sabe sobre isso?

— A construtora — respondeu ele, meio ofegante. — Ainda não

explicaram como devemos proceder.

— Continuaremos cavando. É assim que vamos proceder.

Ele não tentou impedi-la. Continuou seguindo e apontando o

caminho. Aquele operário tinha oficialmente se tornado o favorito

de Fiona.

Ela apontou a lanterna contra as paredes da estrutura ao final

do túnel. Um trator estava abandonado de um lado de uma parede

de terra arranhada. Um pedaço de aço estava evidente na parte

mais funda da parede e isso fez a arquiteta deduzir que aquela

placa de aço era o motivo para terem acionado o protocolo.

Fiona fechou os punhos e bateu algumas vezes na placa. O

forte som das batidas secas ecoou por toda a estrutura subterrânea.

O operário a encarou com espanto.

— É oco — afirmou ele. — Não tem nada aí dentro.

— Não sabemos disso — ela alertou. — Mas sabemos que não

é um duto de água.

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— Pode ser gás.

Ele estava certo. No entanto, Fiona estava longe de estar

convencida. Ela olhava fixamente para a placa quando algo

capturou sua atenção. Limpou a superfície de aço, coberta por

poeira, e subitamente seu queixo caiu.

Tanto Fiona quanto o operário deduziram que aquele metal

não era propriedade do governo. Afinal, quando ela limpou a

poeira, eles se depararam com o seguinte desenho, esculpido na

placa:

O símbolo, chamado Pentagrama, era uma estrela de cinco

pontas ao redor de um centro de cinco lados. Acredita-se que ele

seja um símbolo de proteção, especialmente quando há um círculo

ao redor da estrela. O círculo fechado também representa o

tradicional sigilo no mundo da magia.

A arquiteta não pôde resistir. Como se houvesse uma ligação

magnética entre seus dedos e a figura, Fiona imediatamente tocou

o pentágono central. Uma luz azul brilhou ao longo das linhas que

formavam a estrela e o círculo ao redor dela. A luz refletiu sobre o

rosto de Fiona, que não reagiu nem ao menos com um piscar de

olhos. Continuou ali, olhar fixo, inerte e quase hipnotizado.

E em seguida, aconteceu o primeiro temor.

***

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Metros acima do túnel, na superfície, Arthur sentiu seus

batimentos cardíacos acelerarem quando uma enorme rachadura

estendeu-se sobre a avenida, desde o homem que vendia

refrigerantes do outro lado até os pés de Dakota, bem à sua frente.

— O que foi isso? — ela perguntou.

Arthur continuava com o olhar fixo nos carros atrás de Dakota.

Sentiu-se frustrado porque A Sombra já tinha desaparecido

misteriosamente.

— Isso foi um terremoto? — perguntou ela, incrédula.

Ambos tinham sentido o tremor, mas pareciam ter sido os

únicos. Os motoristas continuavam mais preocupados com o

horrendo trânsito do que com a rachadura que dividia a avenida.

— Foi rápido demais — afirmou o garoto. — Não foi um

terremoto. Dá pra sentir terremotos na superfície e não sentimos

nada. Pareceu ter sido apenas interno. Placas tectônicas não

funcionam assim.

Ela estranhou toda aquela ciência saindo da boca dele.

— Você está passando tempo demais ao lado da Brenda —

concluiu Dakota.

Antes que ele reagisse, o segundo tremor aconteceu.

***

— Doutora! — gritou o operário que acompanhava Fiona. —

Vai cair tudo!

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A mãe de Arthur continuava tocando o centro do pentagrama.

O azul brilhava mais intenso sobre seu rosto hipnotizado. Fios de

terra desceram do teto quando a placa de aço começou a sacudir

na parede. Uma grande pedra desabou e amassou o trator ao lado

dela.

O operário balançou a cabeça, ansiosamente. Em um súbito

ato de coragem — ou instinto de sobrevivência — agarrou Fiona

pela cintura e a arrastou dali com toda sua força.

A luz continuou brilhando e a placa balançava com tanta forca

que não parecia mais estar presa à parede de terra.

***

— E agora? — gritou Dakota. — Isso classifica como

terremoto?

Arthur olhou ao redor, em desespero, à procura da van. O

segundo tremor tinha, em uma fração de segundo, transformado a

avenida no que parecia ser uma zona de guerra.

O asfalto balançava como se fosse gelatina. Mais rachaduras

se formaram por toda parte, fazendo um ruído ensurdecedor. Era

como se trovões acontecessem abaixo da avenida. Um poste

desabou e acertou a lateral de um ônibus. Alguns motoristas

aceleravam, outros davam ré, e os carros apenas chocavam-se uns

com os outros. Alguns, mais sensatos, simplesmente abandonaram

seus carros e correram para longe.

Dakota estava sem ar. Chegou a sentir os pulmões doerem

quando conseguiu gritar o nome de Arthur.

O garoto olhou para ela e ela estava... menor?

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O chão abaixo de Dakota estava abaixando, exatamente a

partir da rachadura que os separava. Um enorme buraco tinha

começado a se formar atrás dela e parte do asfalto, sobre o qual

Dakota pisava, era sugada pela cratera.

Ela pôde ver a expressão de pânico no rosto dele antes de

perder o equilíbrio e cair. O pedaço de asfalto já estava

completamente inclinado e seu corpo rolou sobre ele na direção do

buraco.

— Dakota! — Arthur gritou, imediatamente saltando acima da

rachadura em direção à garota, que tentava inutilmente se agarrar

a qualquer coisa.

Ele correu e conseguiu pegá-la pela mão, imediatamente,

jogando-se no chão. Por um segundo, achou que os dois desceriam

cratera abaixo, mas seu peso no chão foi suficiente para suportá-

la. Os pés dela pendiam no ar. Sua mão suava e escapava

lentamente da mão de Arthur. Ele olhou para Dakota e, em

seguida, para a cratera. Era muito mais profunda do que ele

imaginava e se tornava maior a cada segundo, engolindo tudo o

que havia ao redor. Pedaços de asfalto, carros, árvores, tudo o que

fazia parte da movimentada avenida era facilmente arrastado e

enterrado no fundo do abismo.

Arthur sentiu seu corpo inclinar mais. Não faltava muito para

aquele pedaço também ser sugado. Ele deslizou seu corpo e

agarrou o braço dela com a outra mão. Dakota segurou-o pelo

blusão do colégio e, com um joelho apoiado no asfalto, conseguiu

subir de volta. Os dois rapidamente ficaram em pé e correram pela

plataforma inclinada e mortal, saltando dela para o resto da

avenida ao mesmo tempo em que virava pó em direção ao fundo

da cratera.

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Os dois caíram abraçados ao lado de um carro, cujas rodas

dianteiras estavam suspensas no ar na direção do penhasco. A

terra abaixo deles ainda vibrava, com pouca força. Eles só se deram

conta de que ainda corriam perigo quando um terceiro tremor

aconteceu e o carro despencou, explodindo no fundo da armadilha

de terra. Pessoas corriam e gritavam desesperadamente por toda

parte. Mais pedaços de asfalto começaram a ceder enquanto

Arthur se colocava em pé e puxava Dakota consigo.

— A van! — gritou ela, com o braço estendido em direção ao

outro lado da avenida.

Arthur pareceu estar paralisado. Nem mesmo os tremores

abaixo de seus pés pareciam movê-lo enquanto, em choque,

observava a van ser atingida na lateral por um poste.

— Meu Deus, e se ainda estiverem lá dentro?

Uma nova faixa de asfalto foi engolida pelo fosso, abaixo das

rodas dianteiras da van.

— Não, não — ele tentou convencê-la. — A Brenda teria tirado

todos eles de lá logo no primeiro tremor. De qualquer forma, vou

checar se está vazia.

— Vou com você — ela avisou. — Não vou deixá-lo ir sozinho.

— Só vai levar dois segundos. — Arthur tentou lhe dirigir um

sorriso confiante. — Vou ficar bem. Logo estarei com você. Agora,

quero que corra. Para um lugar seguro. Nunca pare de correr. E

não morra.

Os olhos dela lacrimejaram um pouco, mas ela assentiu.

Finalmente, os dois amigos correram em direções opostas, abrindo

espaço entre o caos na avenida.

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Arthur saltou sobre um carro e se aproximou da van, que mais

parecia ser um brinquedo pisado por um adulto. As portas laterais

estavam bloqueadas pelo poste e a outra porta, do motorista, tinha

sido atingida por um carro. O teto estava amassado e coberto de

pedaços do poste e seus fios elétricos. A parte dianteira começava

a inclinar na direção da cratera.

O garoto sentiu um nó na garganta quando ouviu Brenda

gritar seu nome de dentro da van de Giovanni.

Ele correu para a porta, recém-destruída pelo poste, e

encontrou Murillo do lado de fora, inutilmente tentando puxá-la.

Havia uma abertura de alguns centímetros, porém estava muito

amassada para deslizar até o fim.

— O que aconteceu?

— Tentamos sair quando esse buraco começou a crescer —

Murillo explicou. — Mas esse poste bloqueou a porta! Não consegui

tirar todo mundo.

Arthur respirou fundou e olhou para dentro da van. Brenda e

pelo menos quatro outros estudantes se movimentavam ali dentro.

O veículo balançava junto com chão, que ainda roncava abaixo

deles. Giovanni colocou a cabeça para fora da janela. O tio

também estava encurralado, entre um abismo e portas bloqueadas.

— Arthur! — gritou ele. — O porta-malas!

O garoto olhou mais uma vez para Brenda e tentou disfarçar o

olhar de desespero em seu rosto. Entendeu o que o tio tinha

sugerido, no entanto, tinha sérias dúvidas sobre aquele plano.

Arrancou o blusão do colégio de seu corpo, enrolou um pedaço de

concreto do poste dentro dele e correu para a traseira da van.

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— Brenda, preciso de você aqui. — A menina obedeceu,

saltando entre os bancos para o fundo. — Tem alguma alavanca em

algum lugar no último banco. Você deve puxar para abaixar os

bancos.

Havia um carro abandonado logo atrás da van. Arthur apoiou

um pé sobre uma das rodas e logo estava em pé sobre o capô. Usou

toda sua força para atingir o vidro do porta-malas com o blusão.

Após duas pancadas, o vidro cedeu completamente. Brenda já

tinha abaixado os últimos bancos quando ele enfiou o braço entre

os cacos de vidro. Um deles cortou sua pele ao puxar a trava. O

outro carro não dava muito espaço para abrir a porta

completamente, mas tinha espaço suficiente para Brenda e os

outros passarem.

Murillo e Arthur puxaram todos os estudantes para fora.

Giovanni pulou de mal jeito do banco do motorista e a van inteira

balançou.

— Devagar, tio! — Arthur avisou. Os outros corriam para longe

da cratera. Somente Brenda e Murillo tinham ficado ao lado dele.

O tio conseguiu passar por entre os bancos e chegar ao porta-

malas. Para seu desespero, percebeu que seu corpo não passaria

pela abertura.

— Eu... sou muito gordo! — berrou ele.

Os amigos entreolharam-se, em pânico. Uma nova rachadura

estendeu-se na direção deles. Eles seriam todos engolidos pela

cratera em pouco tempo.

— Vocês têm que me deixar aqui — admitiu ele. Arthur

balançou a cabeça. — Prometi a sua mãe que o protegeria, guri.

Saia daqui enquanto há tempo. Me deixe aqui. Deixe-me morrer.

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O garoto mal podia respirar. Sabia desde o início que o dia

seria ruim. Só não esperava que terminasse tão tragicamente.

Brenda apoiou suas mãos na lateral do porta-malas e encarou os

meninos.

— Empurrem — anunciou ela. — Empurrem a van para a

cratera.

— Ficou maluca?! — Giovanni gritou outra vez. — Não quero

morrer! Foi só uma força de expressão!

Arthur conseguiu entender o que ela planejara.

— Você não vai morrer, tio — Arthur ajudou Brenda a

empurrar a van, ignorando a dor aguda no corte de seu braço.

Murillo também se juntou à eles. — Quando a van começar a

descer, não pense, apenas pule!

Giovanni sacudiu a cabeça. A van deslizou um pouco sobre o

chão trêmulo. Fez-se um som horrendo quando as rodas dianteiras

penderam-se no ar completamente e a parte inferior tocou a

beirada do precipício. Toda a van balançou para a cratera e o corpo

de Giovanni inclinou-se para trás.

— Não solte a porta! — Arthur alertou. — Se prepare para

pular.

Os três fizeram mais força e a van desfilou até o fim de onde

existia chão, liberando espaço para a porta traseira.

Imediatamente, o tio saltou, segundos antes da gravidade puxar o

veículo para o fundo da enorme cratera.

Seu corpo rolou pelo chão entre Arthur, Brenda e Murillo.

Eles ouviram o som da explosão enquanto a terra abaixo deles

finalmente parecia se acalmar.

— Arthur — Brenda disse, sua voz falhando —, seu braço...

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Ele avançou, em direção ao limite da cratera. O garoto podia

ouvi-la se aproximando dele. Em silêncio, os dois analisavam em

choque o que viam. Em meio à terra, restos de concreto e

explosões, uma caixa de aço do tamanho de um vagão de trem, com

desenhos de pequenos Pentagramas por toda sua superfície,

reinava bem no centro da catástrofe, como se tivesse provocado

tudo aquilo.

E tinha.

***

Pouco menos de trinta minutos foi tempo suficiente para a

polícia, os bombeiros, os repórteres e provavelmente metade da

cidade se espalharem pelo que restava da avenida. Toda a obra do

metrô tinha sido dizimada pelos tremores.

Fiona andava de um lado para o outro na beirada do

precipício, sem tirar os olhos da caixa. Sentia irritada e ansiosa,

mas acima de tudo, estava perturbada. Não tinha nem ao menos a

mais vaga lembrança de como tinha saído viva do túnel. Lembrava-

se de ter tocado o centro daquele Pentagrama e só. Blecaute total.

O operário que a tirou de lá se aproximava dela, lentamente.

Desta vez, ela lembrou de ler seu crachá. Seu nome era Celso.

— Doutora — começou ele —, a senhora precisa...

— Celso, sei que provavelmente salvou minha vida. Mas se

pedir para eu me acalmar, vou esquecer minha gratidão e jogá-lo

daqui de cima, entendeu?

Ele balançou a cabeça, afirmativamente. De repente, arquiteta

lembrou-se da última ameaça que tinha feito naquele dia.

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— Jonas! — gritou ela. O operário veio correndo em sua

direção. — Me atualize, por favor.

Jonas coçou a cabeça.

— A senhora mandou tirar o caminhão da avenida, né? Bem...

ele meio que caiu no buraco aí. Achei que o trabalho estava feito.

— Não estou falando disso! A construtora? A prefeitura? O que

sabemos até agora?

Antes que ele respondesse, um enorme sedan preto com

placas pretas e letras em dourado parou a poucos metros deles.

Duas motos, também oficiais, o acompanhavam.

Fiona encolheu os ombros.

— Será que é o prefeito? — Celso perguntou.

— Não — ela murmurou. — É pior.

A porta do sedan foi aberta. Um homem alto, vestido

formalmente, saiu e rapidamente encontrou o rosto dela em meio

à multidão. Ela não esperou por ele e caminhou às pressas até o

sedan.

— Olá, Fiona — disse ele, saudoso.

— Senador Dante — disse ela, firme. — O que quer aqui?

— Vim ajudar a limpar a bagunça. Minha equipe logo estará

aqui para retirá-la desta cratera.

Ela sabia que o Senador se referia a caixa de aço.

— Não vou permitir — disse ela, em tom de ameaça.

O Senador Dante era um homem de quarenta anos, alto, com

a pele clara e olhos acinzentados. Tinha o cabelo curto e castanho,

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e alguns fios grisalhos na barba por fazer. Com boa aparência e

poder político, não era um homem acostumado a ouvir “não.”

— Essa é a minha obra — continuou ela. —Você não tem

jurisdição para estar aqui.

— Sua obra fez um buraco onde deveria ser uma avenida. E

aquela caixa é agora propriedade do governo. Tenho total

jurisdição para estar aqui. Você é quem não tem.

Outros veículos oficiais estacionaram perto do sedan do

Senador. Oficiais uniformizados começaram a estender faixas

amarelas ao redor da cratera.

— Não vai ser tão simples assim — Fiona alertou, cerrando os

dentes. — Você não pode simplesmente me expulsar daqui.

— Então, observe — Dante encarou os oficiais e estalou os

dedos. Dois deles agarram os braços da arquiteta.

— Me soltem! Tirem suas mãos de mim!

Eles ignoraram o protesto dela. Pela segunda vez apenas

naquela manhã, Fiona era arrastada contra sua vontade. Mesmo

quando já tinham atravessado a faixa amarela, o Senador ainda

ouvia seus gritos. Ele, porém, tinha toda sua atenção voltada para

os Pentagramas cravados por todo o aço da caixa.

Após a faixa, os braços de Fiona finalmente estavam livres. Ela

praguejou algumas vezes e só paralisou quando sentiu o celular

vibrar em seu bolso. Com um dos braços avermelhados, puxou o

aparelho e se deparou com o rosto de Giovanni na tela.

— Alô? Giovanni, é uma hora bem ruim... — Sua voz falhou ao

repetir o que tinha acabado de ouvir. — Hospital?

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***

Ninguém parecia notar o Senador Dante desfilar entre os

corredores do edifício das Forças Armadas. Aquele, sim, era um

lugar onde ele não tinha jurisdição nenhuma para estar naquele

momento. Algumas horas haviam se passado desde a retirada da

caixa de aço de dentro da cratera e Dante sabia muito bem onde

ela estava sendo mantida e escondida da imprensa. O político

desceu por um elevador e prosseguiu por outro corredor. Dois

soldados armados protegiam uma porta de ferro no final dele.

— Durmam — Dante sussurrou, esticando sua mão na direção

deles.

Imediatamente, como mágica — de fato, era mágica —, os dois

soldados caíram no chão em um sono profundo. O Senador esticou

a mão novamente e a porta de ferro se abriu, com a leveza de uma

folha de papel.

O mago atravessou a porta e se deparou com um galpão

repleto de soldados, todos adormecidos, ao redor da caixa de aço.

Fios saiam de grandes máquinas e enrolavam-se nela. Só havia um

homem acordado, ao lado da máquina. Usava óculos grossos, um

avental branco e sua pele era sardenta e enrugada. Ele também não

pareceu se incomodar com a invasão de Dante. Movia-se

roboticamente, como se estivesse hipnotizado.

— Fale — o Senador sussurrou delicadamente. — O que sabem

até agora.

O senhor virou o rosto lentamente. Suas pupilas estavam tão

dilatadas que não havia sobrado parte branca em seus olhos.

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— A caixa estava enterrada há muito tempo — começou ele,

sem alterações de tom em sua voz. — Pelo menos uns cem anos.

Não há explicação para não terem detectado isso no planejamento

da obra do metrô.

O Senador Dante colocou um braço sobre um lado da caixa e

deslizou a palma da mão sobre um dos Pentagramas. As linhas e o

círculo acenderam.

— E o que mais? — perguntou ele, calmamente.

— Há sinais vitais dentro da caixa — continuou o cientista. —

Ainda estamos estudando o procedimento para abri-la. Este não é

um aço qualquer. Parece ser protegido.

— Sinais vitais, é? — Dante continuou tocando as estrelas.

Pouco a pouco, todas brilhavam em um azul vivo. — O que pode ter

sobrevivido aqui dentro por cem anos?

— Não sabemos. Nada disso faz sentido. Precisamos ser

discretos, afinal...

— Durma — ele disse, sem nem ao menos olhar para o homem,

que já roncava antes de atingir o chão.

Em seguida, deu alguns passos para trás. As paredes da caixa

tremiam e a forte luz azul iluminava todo o ambiente. De repente,

ouviu-se um ruído, como um grito abafado por um século. Uma das

paredes da caixa desabou para o lado e as luzes dos pentagramas

se apagaram.

Dante apressou os passos até a abertura que tinha se formado.

Sentiu imobilizado ao observar o interior da caixa de aço.

— Encontrei você — disse ele, emocionado. Um largo sorriso

se formou em seu rosto ao mesmo tempo em que uma lágrima

rolava sobre sua bochecha. — Finalmente! Encontrei você!

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Bem no centro da superfície de metal, de alguma forma,

preservado contra o tempo, descansava o corpo adormecido de

Olivia Grace.

Fim do Capítulo 2.