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99 CAPÍTULO III – A ATUAÇÃO PROCESSUAL CIVIL DO PROMOTOR DE JUSTIÇA 1. INTRODUÇÃO 1.1. Considerações gerais. A atuação do membro de um dos Ministérios Públicos brasileiros, proces- sual ou extra-processual, não pode ser reduzida a um comportamento instinti- vo ou biológico, repetitivos e irreflexivos por definição 115 . Com efeito, o comportamento orientado por regras transforma-se em ação, e somente as ações são intencionais 116 . Por isto, pode-se afirmar que a atuação de um membro do Ministério Público não deve jamais ser comparada a um mero comportamento automático, mecânico e repetitivo, devendo sempre ser orientada por uma intenção. Isto porque este agente político, ao agir no mundo, deve fazê-lo de for- ma estratégica, pois “os sujeitos que atuam estrategicamente não se limitam a intervenções instrumentais, senão que perseguem seus fins, visando influir sobre as decisões dos outros atores, tendo que, para tanto, ampliar seu aparato categorial, no tocante ao que se pode apresentar ao mundo (...)” 117 . Atuar é agir, e agir é se comunicar com o mundo, expressando sentidos e objetivos. Mas o membro do Ministério Público não deve apenas agir de forma 115 A fim de definir “comportamento”, diz Jürgen Habermas: “Sólo si se permite el ‘sentido’ como concepto sociológico básico, podemos distinguir entre acción (action) y comportamento (behaivor) (...) Al describirun movimento observable como comportamiento, lo atribuímos a un organismo que reproducesu vida adaptaándose a su entorno”; em tradução livre: “Somente se permite o ‘sentido’ como conceito sociológico básico se distinguirmos entre ação (action) e comportamento (behavior). (…). Ao descrever o movimento observável como comportamento, atribuimo-lhe a um organismo que reproduz a vida adaptando-se ao seu entorno (…) (Fundamentos de la sociología según la teoria del lenguage. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós, 2011, p. 39). 116 Id., Ibid., p. 40. 117 Id., Ibid., pp. 189/190 (no original: “Los sujetos que actúan estratégicamente, que non se limitam a intervenciones instrumentales, sino que persiguen sus fines por la vía de influir sobre las decisiones de otros actores, tienen que ampliar su aparato categorial en lo tocante a lo que pude presentarse en el mundo (...)”; tradução livre). MANUAL DO PROMOTOR1.indd 99 26/08/2014 18:37:14

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CaPÍtuLo iii – a atuaÇÃo ProCessuaL CiviL do ProMotor de JustiÇa

1. iNtroduÇÃo

1.1. Considerações gerais.A atuação do membro de um dos Ministérios Públicos brasileiros, proces-

sual ou extra-processual, não pode ser reduzida a um comportamento instinti-vo ou biológico, repetitivos e irreflexivos por definição115.

Com efeito, o comportamento orientado por regras transforma-se em ação, e somente as ações são intencionais116. Por isto, pode-se afirmar que a atuação de um membro do Ministério Público não deve jamais ser comparada a um mero comportamento automático, mecânico e repetitivo, devendo sempre ser orientada por uma intenção.

Isto porque este agente político, ao agir no mundo, deve fazê-lo de for-ma estratégica, pois “os sujeitos que atuam estrategicamente não se limitam a intervenções instrumentais, senão que perseguem seus fins, visando influir sobre as decisões dos outros atores, tendo que, para tanto, ampliar seu aparato categorial, no tocante ao que se pode apresentar ao mundo (...)”117.

Atuar é agir, e agir é se comunicar com o mundo, expressando sentidos e objetivos. Mas o membro do Ministério Público não deve apenas agir de forma

115 A fim de definir “comportamento”, diz Jürgen Habermas: “Sólo si se permite el ‘sentido’ como concepto sociológico básico, podemos distinguir entre acción (action) y comportamento (behaivor) (...) Al describirun movimento observable como comportamiento, lo atribuímos a un organismo que reproducesu vida adaptaándose a su entorno”; em tradução livre: “Somente se permite o ‘sentido’ como conceito sociológico básico se distinguirmos entre ação (action) e comportamento (behavior). (…). Ao descrever o movimento observável como comportamento, atribuimo-lhe a um organismo que reproduz a vida adaptando-se ao seu entorno (…) (Fundamentos de la sociología según la teoria del lenguage. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós, 2011, p. 39).

116 Id., Ibid., p. 40.

117 Id., Ibid., pp. 189/190 (no original: “Los sujetos que actúan estratégicamente, que non se limitam a intervenciones instrumentales, sino que persiguen sus fines por la vía de influir sobre las decisiones de otros actores, tienen que ampliar su aparato categorial en lo tocante a lo que pude presentarse en el mundo (...)”; tradução livre).

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estratégica: deve também elaborar um discurso, para converter em tema118 pre-tensões de validade problematizada119.

Por ser o humano um animal social e, em decorrência, a associação política a ele natural120, toda a ação social visa à construção de entendimento e, no agir processual, à construção de entendimentos jurídicos.

Por esta e outras razões, nenhuma atuação, individual ou coletiva, jurídica ou não, é neutra, pois carrega ínsita os valores e pré-conceitos de quem atua121, e as intenções de seu atuar, explícitas ou implícitas, verbalizadas ou não, cons-cientes ou inconscientes.

Tampouco o Direito é neutro. Veja-se o que disse a respeito disto Joaquín Herrera Flores: “Apesar da enorme importância das normas que buscam garan-tir a efetividade dos direitos no âmbito internacional, os direitos não podem re-duzir-se às normas. Tal redução supõe, em primeiro lugar, uma falsa concepção da natureza do jurídico e, em segundo lugar, uma tautologia lógica de graves consequências sociais, econômicas, culturais e políticas. O direito, nacional ou internacional, não é mais que uma técnica procedimental que estabelece formas para ter acesso aos bens por parte da sociedade. É óbvio que essas for-mas não são neutras nem assépticas. Os sistemas de valores dominantes e os processos de divisão do fazer humano (que colocam indivíduos e grupos em situações de desigualdade em relação a tais acessos) impõem ‘condições’ às normas jurídicas, sacralizando ou deslegitimando as posições que uns e outros ocupam nos sistemas sociais. O direito não é, consequentemente, uma técnica neutra que funciona por si mesma. (...)”122.

118 “Un tema surge en conexión con intereses y metas de acción de (al menos) un participante; ese tema circunscribe el ámbito de relevancia de los componentes de la situación susceptibles de ser tematizados y viene subrayado por los planes que los participantes conciben sobre la base de la interpretación que hacen de la situación, con el fin de realizar sus propios fines”; em tradução livre: “Um tema surge em conexão com interesses e metas de ação de (ao menos) um participante; este tema circunscreve o âmbito de relevância dos componentes da situação suscetíveis de serem tematizados e vem sublinhado pelos planos que os participantes concebem sobre a base de interpretação que fazem da situação, como fim de realizar os próprios fins.” (Jürgen Habermas, Fundamentos de la sociología según la teoria del lenguage. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós, 2011, pp. 194/195, itálicos no original; tradução livre).

119 “A ação comunicativa, isto é, o tipo de ação social que se caracteriza por um emprego de atos de fala simetricamente orientados a entender-se, haverá de ser distinguida do nível reflexivo que é o discurso, nível em que os participantes convertem pretensões de validade problematizadas”. (Id., Ibid., p. 19; itálicos no original; tradução livre).

120 Cf. Aristóteles, capítulo 1 de A Política. Rio de Janeiro: Ediouro, [1995?].

121 “Tutti no iprocediamo por stereotipi. Chi dice che non è vero è un bugiardo.” (CAROFIGLIO, Gianrico.Testimone inconsapevole. 50. ed. Palermo: Sellerio, 2011, p. 43; em tradução livre: “Todos nós agimos em função de estereótipos. Quem diz que não é um mentiroso.”).

122 A (re)invenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, pp. 23/24.

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Daí que a posição do ator jurídico em geral, e dos membros do Ministério Público, em especial, não é neutral, muito ao contrário.

De fato, tal posição de não neutralidade por definição do indivíduo mem-bro do Ministério Público, derivada de razões individuais de cunho socioló-gico, ético, moral, psicológico, religioso etc.123, também decorre de expressa dicção constitucional, a saber: “Art. 127. O Ministério Público é instituição per-manente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (negritos meus).

De se notar, portanto, que a posição de ativismo e, via de consequência, de não neutralidade dos membros dos Ministérios Públicos brasileiros, é uma imposição constitucional, ao lhes exigi ruma postura ativa para defender os interesses que aquelas instituições devem tutelar, por ordem constitucional, a fim de se fomentar mudanças tanto no mundo objetivo, como no mundo social.

Logo, posicionar-se não é uma opção: é uma obrigatoriedade àqueles in-vestidos nas carreiras dos Ministérios Públicos brasileiros, os quais têm que se postar pró-ativamente na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, tomando posicionamento claro, objetivo e concreto para o fim de ampliar a emancipação coletiva e indi-vidual dos cidadãos brasileiros, entendida tal emancipação como o aumento da liberdade e da inclusão social, em todas as suas vertentes (social, judicial, econômica etc.), bem como da igualdade material entre todos nós124.

Para tanto, devem adotar mecanismos de coordenação de suas ações, por meio de ações abertamente estratégicas125, a fim de se dominar situações e se

123 Estas circunstâncias caracterizam, na linguagem filosófica e no sentido atribuído por Habermas, o “mundo da vida”, consistente no “acervo linguisticamente organizado de supuestos de fondo, que se reproduce em forma de tradición cultural” (em tradução livre: “acervo linguisticamente organizado de pressupostos de fundo, que se reproduz em forma de tradição cultural”; Fundamentos de la sociología según la teoria del lenguage. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós, 2011, p. 197). Note-se que ele, assim como este autor, parte do pressuposto “de que no existe algo así como intenciones puras o previas del hablante; el sentido tiene o encuentra siempre una expresión simbólica; (...); em tradução livre: “de que não existe algo assim como intenções puras ou prévias do falante; o sentido tem ou encontra sempre uma expressão simbólica; ibid., p. 38).

124 Quanto ao conceito de emancipação social adotado no texto, cf. SANTOS, Boaventura de Souza.Sociología Jurídica Crítica: para un nuevo sentido comun en el derecho. Madrid/Bogatá: Trotta/Ilsa, 2009, p. 581.

125 As ações podem ser abertamente estratégicas, ou consistirem em “ações estratégicas encobertas”, nas quais ao menos um dos participantes da ação engana ou manipula o outro, simulando situações e/ou condições (Jürgen Habermas, Fundamentos de la sociología según la teoria del lenguage. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós, 2011, pp. 356/357). É evidente que o perfil constitucional da instituição, aliado a alguns princípios éticos e legais, como o da boa-fé processual, exigem dos membros dos Ministérios Públicos que somente atuem de maneira abertamente estratégica.

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estabelecer entendimentos126, especialmente porque “um ator somente pode in-tentar uma intervenção se na execução de seu plano de ação adotar uma atitude objetivante frente ao seu entorno e se orientar diretamente pelas consequências que vão derivar de sua ação, isto é, orienta-se diretamente ao êxito de sua ação”127.

1.2. Fluxograma

Atuação dos membros do Ministério Público

Ações estrategicamente abertas visando à emancipação social, entendida como o aumento daliberdadeedainclusãosocial,emtodasassuasvertentes(social,judicial,econômicaetc.),bem como da igualdade material entre todos nós.

2. do agir CiviL: a atuaÇÃo ProCessuaL CiviL do ProMotor de JustiÇa

2.1. Noções gerais. tipologia (atuação como órgão agente e como órgão interveniente). Poderes instrutórios. Produção de provas. Perícias. Prazos para contestar e recorrer. Forma de atuação em outros graus de jurisdição. Natureza jurídica da atuação.

O agir processual-civil de um Promotor de Justiça resume-se, esquematica-mente, a duas situações jurídico-processuais: a) a atuação como órgão agente e b) a atuação como órgão interveniente128.

126 “Si entendemos la acción como un dominar situaciones, entonces el concepto de acción comunicativa destaca sobre todo dos aspectos en tal domínio de la situación: el aspecto teleológico de ejecución de un plan de acción y el aspecto comunicativo de interpretación de la situación y de obtención de una cuerdo”; em tradução livre: “Se entendemos a ação como dominar situações, então o conceito de ação comunicativa destaca sobretudo dois aspectos em tal domínio da ação: o aspecto teleológico de execução de um plano de ação e o aspecto comunicativo de interpretação e de situação de obtenção de acordos” (HABERMAS, Jürgen Habermas.Fundamentos de la sociología según la teoria del lenguage. Barcelona-Buenos Aires-México: Paidós, 2011, p. 194). Os aspectos teleológicos das ações dos Promotores de Justiça são os de cumprir o disposto no artigo 127 da Constituição da República.

127 Id., Ibid., pp. 177/178; tradução livre. No original: “Un actor sólo puede intentar tal intervención si en la ejecución de su plan de acción adopta una actitud objetivante frente a su entorno y se orienta directamente por las consecuencias que vaya a tener su acción, es dicer, se orienta directamente al éxito de su acción”.

128 Ver, quanto a estas formas de atuação ministerial, dentre outros: MOREIRA, Jairo Cruz .A intervenção do Ministério Público no Processo Civil à luz da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, pp. 111/181; ZENKNER, Marcelo.Ministério Público e efetividade do processo civil.

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Em cada um destes distintos agires processuais, a atuação poderá ter con-tornos demandistas ou resolutivos129, ou mesmo os dois simultaneamente, a depender das características pessoais do Promotor de Justiça, da estratégia ado-tada, do permissivo legal para negociações ou não (vedação legal a acordo, no caso de improbidade administrativa130, por exemplo), da disposição da parte ex adversa a transacionar, de circunstâncias concretas dos casos específicos, além de um sem número de outras situações.

O agir como parte interveniente é a conhecida atuação como custos legis, muito embora, como bem asseveram Oto Almeida Oliveira Júnior e Robério Nunes dos Anjos Filho, “a expressão custos legis tem sido considerada ultra-passada, porque o Ministério Público defende toda a ordem jurídica, não ape-nas a lei. Não defende só o princípio da legalidade, mas também, por exemplo, os da moralidade, publicidade e eficiência. Essas razões levam à preferência pela expressão custos iuris, conforme explicitado, inclusive, em voto do Minis-tro Carlos Ayres de Britto (STF, HC 87.926, DJE de 25.04.2008)”131.

Ademais, a expressão “fiscal da lei”, ou da ordem jurídica, para designar a intervenção obrigatória do Ministério Público no processo, revela-se tecnica-mente inadequada, posto que, conforme acuradamente observado por Marcelo Zenkner, “nem sempre o Ministério Público desenvolverá atividade fiscaliza-tória da lei, podendo realizar sua atividade processual como auxiliar da parte hipossuficiente”132.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 98/106; e MAZZILLI, Hugo Nigro.Regime Jurídico do Ministério Público. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, capítulo 10.

129 Quanto às delimitações dos conceitos de Ministério Público demandista e de Ministério Público resolutivo, ver, com mais detalhes, o capítulo I desta obra.

130 Lei n. 8.429/92: “Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput. [...]”.

131 ANJOS FILHO, Robério Nunes dos; OLIVEIRA JÚNIOOR, Oto Almeida.Breves Anotações Sobre a atuação conjunta de membros do Ministério Público. In: CHAVES, Cristiano; ALVES, Leonardo Barreto Moreira; ROSELVALD, Nélson (Coord.). Temas Atuais do Ministério Público: a atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 250, nota de rodapé 17]. No mesmo sentido, também Gregório Assagra de Almeida e Elaine Martins Parise, os quais afirmam que: “na defesa dos interesses primaciais da sociedade, o Ministério Público deixou de ser o simples guardião da lei (custos legis). Assume agora, pelas razões já expostas, o papel de guardião da sociedade (custos societatis) e, fudamentalmente o papel de guardião do próprio direi-to (custos iuris) [...]” (O Ministério Público e a priorização da atuação preventiva: uma necessidade de mudança de paradigma como exigência do Estado Democrático de Direito, In:MPMG Jurídico, Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, ano I, n. 1, set. de 2005, p. 14). Também Marcelo Zenkner: “Desse modo, como designativo, mais apropriada seria a expressão custos iuris para explicitar a missão do Ministério Público de defender o ordenamento jurídico [...]” (Ministério Público e efetividade do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 114/115).

132 Ibid., p. 114.

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De toda a sorte, esta observação é feita apenas por rigor científico, pois a expressão “fiscal da lei” é consagrada pela prática jurídica brasileira (inclusi-ve, mencionada expressamente pelo CPC), de uso muito corriqueiro e que não significa que os órgãos de execução do Ministério Público devam ter apenas uma postura passiva de mera “fiscalização”, sem intervir no processo de for-ma pró-ativa em prol do interesse público e/ou social relevante que está ali a defender, pois o mesmo CPC, também de forma expressa, permite e fomenta esta atuação pró-ativa (que, no mais é uma obrigação constitucional, não custa repetir), ao dispor, in verbis: “Art. 83. Intervindo como fiscal da lei, o Ministério Público: I - terá vista dos autos depois das partes, sendo intimado de todos os atos do processo; II - poderá juntar documentos e certidões, produzir prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao descobrimento da verdade.”

Importa, ainda, ser ressaltado que a atuação como órgão agente pode colo-car o Ministério Público, ou o seu representante, tanto no pólo ativo de uma relação jurídico-processual, o que é infinitamente mais frequente, como no pólo passivo da mesma, sendo que, neste último caso, podem ser lembrados, como exemplos, as ações rescisórias contra a coisa julgada referente a ações propostas pela instituição; as ações declaratórias de nulidade de compromisso de ajustamento de condutas firmados com o Ministério Público; mandados de segurança contra membros da instituição; embargos de execução ou embargos de terceiro em face à execução na qual o Ministério Público seja exequente etc.

Como autor, o CPC, em seu artigo 81, dispõe que o”Ministério Público exer-cerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que às partes”, sendo que esta última expressão deve ser entendida em termos, diante das peculiaridades da atuação ministerial, na qual os seus membros, por exemplo, não podem prestar depoimento pessoal, por não poderem nem dispor, nem confessar, quanto aos interesses que repre-sentam, por serem estes indisponíveis133.

Tanto na atuação interventiva, como na atuação como órgão agente, tem o representante do Ministério Público legitimidade recursal irrestrita, a teor do disposto no art. 499 do CPC134.

133 Neste sentido: MOREIRA, Jairo Cruz.A intervenção do Ministério Público no Processo Civil à luz da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, pp. 111/181; e ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 98/106.

134 “Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público. § 1o Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de interdependência entre o seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial. § 2o O Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei.”

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Quando o Ministério Público for autor de ações, há isenção quanto “às des-pesas processuais e honorários do advogado; os eventuais encargos da sucum-bência, se houver, serão carreados ao Estado.”135 Nestes casos, também terá o prazo em quádruplo para contestar, e em dobro para recorrer136.

Tanto quanto autor, como parte interveniente, o órgão de execução do Mi-nistério Público poderá requerer qualquer tipo de prova, especialmente as peri-ciais, sendo que, na atuação como custos iuris, as despesas com a produção das provas pelo Ministério Público requeridas será adiantada pelo autor e pagas ao final pelo vencido, nos termos do art. 19, § 2°, do CPC137, assim como a de outros atos processuais requeridos por órgãos de execução desta instituição, como avaliações judiciais, citações, intimações, juntadas de certidões etc.

Nos casos em que o Ministério Público propõe e vence a demanda,”as des-pesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido” (art. 27 do CPC).

No curso das ações coletivas, propostas pelo Ministério Público ou não, “não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo com-provada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais” (art. 18 da Lei n. 7.347/85), afastamento, assim, a regra geral do art. 33 do CPC138, dada a especialidade daquela.

Contudo, esta norma cria um impasse: a menos que o perito aceite tra-balhar de graça e receber somente ao final; que o Ministério Público tenha rubricas orçamentárias para pagar perícias judiciais; ou que o requerido aceite arcar com a perícia solicitada processualmente pelo Ministério Público(o que é muito pouco provável, em todos os casos), a perícia não poderá ser realiza-

135 MAZZILLI, Hugo Nigro.Regime Jurídico do Ministério Público. 6. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 556.

136 CPC: “Art. 188. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público.”

137 “Art. 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença. § 1o O pagamento de que trata este artigo será feito por ocasião de cada ato processual. § 2o Compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos, cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público.”

138 “Art. 33. Cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado; a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz.

Parágrafo único. O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente a essa remuneração. O numerário, recolhido em depósito bancário à ordem do juízo e com correção monetária, será entregue ao perito após a apresentação do laudo, facultada a sua liberação parcial, quando necessária.”

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da faticamente, restando, desta sorte, prejudicado o interesse social defendido naquela ação.

A única saída possível hoje, na prática, é que se tente, em casos que tais, a realização de perícias processuais por meio de órgãos públicos, como universi-dades, autarquias especializadas (companhias de água e de luz, por exemplo) etc.139

A atuação do órgão de execução do Ministério Público em outros graus de jurisdição será da mesma natureza daquela feita em primeiro grau, isto é, se a atuação foi feita a título de custos iuris (órgão interveniente), também o será em segundo grau, e se o foi como órgão agente, isto se repetirá nas instâncias superiores.

Neste sentido, a “Consolidação dos Atos Normativos e Orientadores expe-didos pela Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de Minas Ge-rais” (Ato CGMP n.01, de 26 de abril de 2012), em seu artigo 148, assim dispõe: “A atuação do Procurador de Justiça, representante do Ministério Público em segundo grau – como parte ou fiscal da lei –, é determinada pela forma como ocorreu a intervenção ministerial em primeiro grau. Sua participação, portan-to, não é exclusivamente de fiscal da lei.”140

A importância prática deste entendimento é evidente, na medida que vin-cula a atuação dos Procuradores de Justiça às dos Promotores, quando a atua-ção se dê a título de autor da ação, dando consistência material ao princípio da unidade institucional, que, naturalmente, deve ser compatibilizado com o da independência funcional, posto que o Procurador de Justiça, acaso discorde da tese do seu colega de primeira instância, não estará obrigado a acompanhá-la, evidentemente.

Neste caso, “deverá, até para que não haja um prejuízo de todo o trabalho desenvolvido pelo colega de primeiro grau até então, que muitas vezes se es-

139 Trata-se, então, de uma situação que preme uma alteração legislativa, sendo de interesse a sugestão de Marcelo Zenkner, de se haver uma regulamentação do fundo previsto no art. 13 da Lei n. 7.347/85, permitindo a utilização de recursos dele para o pagamento de perícias judiciais requeridas pelo Ministério Público em ações por ele propostas (ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 106).

140 Neste sentido, também Marcelo Zenkner: “Vale aqui destacar, também, que a atuação do órgão do Ministério Público de segundo grau – como agente ou como interveniente – será sempre determinada pela forma como ela ocorreu em primeiro grau. Sua participação junto aos tribunais, portanto, não é exclusivamente de interveniente, como ainda pensam alguns.” (ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 100). Cabe ressaltar que este entendimento, adotado também por este autor, é minoritário, predominando o entendimento esposado, entre outros, por Emerson Garcia, que o expõe nestes termos: “Assim, ainda que a petição inicial seja subscrita por um Promotor de Justiça, em segunda instância intervirá obrigatoriamente um Procurador de Justiça: o primeiro atuando como órgão agente, o segundo como órgão interveniente” (GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuição e regime jurídico. 3. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 402).

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merou na conclusão de um inquérito civil e muitas dificuldades enfrentou du-rante o trâmite processual, apenas e tão-somente pugnar pelo prosseguimento do feito, sem qualquer consideração quanto ao mérito recursal”141.

Por fim, de ser asseverado, ainda que tal assertiva não seja pacífica na dou-trina142,que a atuação do Ministério Público, seja como órgão agente ou como órgão interveniente, coloca-o como parte da relação jurídico-processual, pois, conforme aduz Jairo Cruz Moreira, “o conceito de parte proposto por Liebman, já há muito consolidado no doutrina, diz que a parte é o sujeito do direito ao contraditório no processo instaurado perante o Estado-Juiz. Tal conceituação é aplicável ao Ministério Público mesmo quando atuar como puro fiscal da lei, uma vez que o Parquet objetiva ao final do processo um provimento de-finitivo conforme a real vontade do direito material, denotando a necessária presença do interesse público nas causas em que oficia, sujeitando-se sempre ao contraditório.”143

2.2. Fluxogramas.Figura 1:

Atuação processual Atuação processual civil do Promotor de civil do Promotor de

Justiça

Órgão interveniente (“custos iuris”:

art. 188 do CPC)

Órgão agente (pólo ativo Órgão agente (pólo ativo ou passivo de relaçõesjuridico-processuais)

141 ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 101.

142 Hugo Nigro Mazzili, por exemplo, afirma que “A natureza jurídica da intervenção do Ministério Publico em razão da qualidade da parte é a assistência” (Introdução ao Ministério Público. 3. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000).

143 MOREIRA, Jairo Cruz.A intervenção do Ministério Público no Processo Civil à luz da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 113. No mesmo sentido, aduz Marcelo Zenkner: “Por esse e outros motivos, modernamente a dicotomia que sempre se estabeleceu entre a atuação do Ministério Público como parte e como fiscal da lei teve seus postulados mitigados pela doutrina, inclusive porque o conceito de ‘partes da demanda’ não se confunde com o de partes do ‘processo’” (ZENKNER, Marcelo. Ministério Público e efetividade do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, pp. 115/116).

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Figura 2

Uso da recomendação administrativa pelo Ministério Público

naáreadoPatrimônioPúblico:

1) evitar a ocorrência ou a perpetuação de práticaslesivasao patrimôniopúblico.

2)configurarodolodoagente público, para finsdeimprobidadeadministrativa e de

delitos.

5.1.8. modelos.

5.1.8.1. Modelo de ação de improbidade administrativa por desobediência a ordem judicial.

excelentíssiMO senhOr dOutOr Juiz de direitO dA ____vArA cível dA cOMArcA de x/zz

O MinistériO PúblicO dO estAdO de zz, por meio de seu órgão de exe-cução infra-indicado, no exercício de suas atribuições constitucionais (artigo 127, caput,e art. 129, inciso III, ambos dispositivos da Constituição da República) e le-gais, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 17, caput, da Lei nº 8.429/92, promover a presente

AçãO civil POr AtO de iMPrObidAde AdMinistrAtivA

em face de:

tíciO, brasileiro, casado, Prefeito do Município de X, residente na Rua A, nº 00, em X/ZZ, portador do título eleitoral nº 0000, do CPF nº 0000 e do RG nº 0000, emitido pela SSP/ZZ, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos:

I. DOS FATOS

1. Através do Ofício nº 00, que instrui esta petição inicial, a Curadoria da Crian-ça e do Adolescente desta Comarca informou a esta Curadoria de Defesa do Patrimô-nio Público que a medida liminar proferida na Ação Civil Pública nº 0000, ajuizada

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junto à Vara local da Infância e da Juventude, vem sendo reiteradamente descumpri-da pelo Sr. Prefeito de X, o ora requerido.

2. Anexadas a tal ofício estão cópias da petição inicial da referida ação civil pú-blica, da decisão judicial descumprida e das diversas notificações ao ora réu, a fim de cientificá-lo daquela.

3. É o relatório dos fatos, no que interessa. Passemos à análise dos fatos e do direito.

II. DO DIREITO

4. Da própria descrição fática e da análise dos inclusos documentos, infere-se claramente que o Sr. TÍCIO, na qualidade de Prefeito do Município de X/ZZ, vem, reiterada e deliberadamente, descumprindo ordem judicial, o que, além de ser cri-me, afronta o princípio da legalidade, que, segundo o artigo 37 da Constituição da República, deve nortear as ações administrativas. Assim agindo, praticou ele ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/92, que tem a seguinte redação:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que aten-ta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, lega-lidade, e lealdade às instituições, e notadamente:(...)” (grifos meus)

5. Primeiramente, há de ser observado que o princípio da legalidade não consta no caput do artigo 11 da Lei nº 8.429/92 em seu sentido estrito, como equivalente de norma jurídica, mas sim em seu sentido amplo. Quanto a isto, esclarece Eurico Bitencourt Neto242:

“Aclara-se a distinção entre lei e Direito; legalidade estrita, sinô-nimo de regra jurídica, e legalidade ampla, que abarca os princípios e os valores nele inseridos.

A legalidade em sentido amplo, já se mencionou, caracteriza o princípio de juridicidade, vale dizer, o respeito ao sistema jurídico. A ofensa ao princípio da juridicidade significa ofensa a qualquer das regras ou dos princípios consagrados no sistema. (...)

O art. 11 da Lei nº 8.429/92, ao estabelecer que a ofensa a qual-quer dos princípios da Administração Pública caracteriza – ou pode, potencialmente, caracterizar – ato de improbidade administrativa, diz, de outro modo, que a ofensa ao princípio de juridicidade confi-gura improbidade.” (grifos meus)

6. Logo, como o desrespeito a ordem judicial implica numa grave ofensa ao sis-tema jurídico, pela aplicação do princípio da juridicidade, está-se, in casu, diante da configuração de ato de improbidade administrativa, por afronta ao princípio da legalidade, previsto na caput do art. 11 da Lei nº 8.429/92.

242 In “Improbidade Administrativa e Violação de Princípios”, Belo Horizonte: Del Rey, 2005, pp. 127/128.

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7. É comezinho que as disposições dos incisos dos artigos 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa são meramente exemplificativos, por força da utiliza-ção, neles, da expressão “notadamente”.

8. Na questão sob análise, há caracterização de ofensa à legalidade adminis-trativa, prevista no caput do artigo 11 da LIA. Mas, apenas a título de reforço de argumento, o desrespeito à ordem judicial também pode ser incluído em uma das exemplificações do art. 11 da Lei nº 8.429/92, in verbis:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que aten-ta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legali-dade, e lealdade às instituições, e notadamente:(...)

II. retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofí-cio;(...)” (grifos meus)

9. O agente público que, dolosamente, descumpre decisão judicial incide na conduta especificada neste inciso, conforme esclarece Marino Pazzaglini Filho243:

“Comete o ato de improbidade administrativa em exame, v.g., o agente público que, voluntária e desonestamente, recusa dar cumpri-mento a decisão judicial (...)” (grifos meus)

iii. dOs PedidOs

10. Ante os fatos e fundamentos jurídicos apresentados, o MinistériO Públi-cO dO estAdO de zz, por meio de seu órgão de execução ao final subscrito, vem requerer a V.Ex.a que:

A) Seja recebida esta petição inicial e os documentos que a lastreiam a instruem, com a autuação conjunta dos mesmos;

B) Seja determinada a notificação do ora réu da presente ação, Sr. tíciO, via correio, no endereço indicado no início desta petição inicial, para tomar ciência des-ta e manifestar-se acerca dela, caso assim opte, por escrito e no prazo de 15 (quinze) dias (art. 17, parágrafo 7º, da Lei 8.429/92);

C) Após decorrido tal prazo, com a juntada ou não da manifestação do réu, seja a presente petição inicial recebida e determinada a citação daquele (art. 17, parágrafo 9º, da Lei 8.429/92);

D) Seja notificado o Município de x/zz, na pessoa de seu representante legal, Sua Excelência o Senhor Prefeito, para os fins do art. 17, parágrafo 3º, da Lei nº 8.429/92, c/c o art. 6º, parágrafo 3º, da Lei nº 4.717/65;

E) A produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente as tes-temunhais, com a designação de audiência para a oitiva das testemunhas a serem oportunamente arroladas;

F) Ao final, o reconhecimento da procedência do pedido, com a condenação do agente público tíciO nas sanções cominadas no art. 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92;

243 In “Lei de Improbidade Administrativa Comentada”, 2ª edição, São Paulo: Atlas, 2005, p. 114.

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G) A condenação do ora réu no ônus da sucumbência e demais cominações legais.

Dá-se à causa o valor de R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais).X/ZZ, 05 de novembro de 0000.

FulAnO de tAlPromotor de Justiça

Curador do Patrimônio Público

5.1.8.2. Modelo de ação de reparação de danos.

excelentíssiMO(A) senhOr(A) dOutOr(A) Juiz(A) de direitO dA____ vArA cível dA cOMArcA de x/zz

O MinistériO PúblicO dO estAdO de zz, por meio de seu órgão de execu-ção ao final indicado, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, com fun-damento no art. 129, inciso III, da Constituição da República; no art. 120, inciso III, da Constituição do Estado de Minas Gerais; no art. 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/93; nos arts. 1º, inciso IV, 5º e 12, da Lei nº 7.347/85; no art. 66 da Lei Complementar Estadual nº 34/94; nos artigos 884 e 943 do Código Civil, bem como, nas demais disposições legais pertinentes à espécie, vem, com base no Inquérito Civil n°00, que instrui esta petição inicial, propor, com a finalidade de ressarcir os prejuízos sofridos pelo erário do Município de X/ZZ, a presente

AçãO civil de rePArAçãO de dAnO cOM PedidO cAutelAr liMinAr INADITA ALTERA PARS

Em face de:

tíciA, brasileira, viúva, do lar, residente na Rua A, nº 00, em X/ZZ, portadora do CPF nº 0000 e do RG nº 0000, emitido pela SSP/ZZ (fls. 440); e de

ticiAnA, brasileira, solteira, comerciante, residente na Rua A, nº 00, em X/ZZ, portadora do CPF 0000 e do R.G. nº 0000, emitido pela SSP/ZZ (fls. 440);

Na qualidade de sucessoras do extinto cAiO, nos termos do art. 943, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

i. dOs FAtOs

1. O Tribunal de Contas do Estado de ZZ, analisando a prestação de contas do Município de X referente ao exercício de 1988, constatou que o extinto CAIO (de quem as requeridas são sucessoras), na qualidade de prefeito daquela urbe naquele

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ção, seja para liquidação por arbitramento, seja para a liquidação por artigos (RSTJ, 17: 184; JTARS, 27:251). Por outro lado, deve o juiz, ‘ao fixar o valor, e á falta de critérios objetivos, agir com prudência, atendendo, em cada caso, às suas peculiaridades e à repercussão eco-nômica da indenização, de modo que o valor da mesma não deve ser nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo’. (TJMG, AP. 87.244, 3º Câm., j.9-4-1992, Repertório IOB de Jurisprudência, n. 3, p. 7679)”

45. Portanto, o quantum devido a título de dano moral deverá ser arbitrado pelo juiz, de forma razoável e proporcional.

46. As autoras pedem a quantia de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para cada uma. No meu sentir, atento à razoabilidade e às máximas de experiência comum, reputo ser exacerbado tal valor. Opino pelo seu estabelecimento em 150 (cento e cinquenta) salários mínimos para cada uma delas.

IV. CONCLUSÃO

47. Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO opina pela procedência parcial do pedido inicial, condenando-se CAIO e JULIO a indenizarem TICIANA e TICIA nos termos retro expostos.

X, 10 de setembro de 0000.

FULANO DE TALPromotor de Justiça

7. Questões de CoNCursos7.1 Questões

(MP-DFT – Promotor de Justiça – DFT/2011) Sob a sistemática atual das tutelas de urgência na ação de improbidade administrativa, conforme a legislação pertinente e a jurisprudência do Su-perior Tribunal de Justiça, marque a afirmativa correta:

A) A Lei de Improbidade Administrativa autoriza que a autoridade administrativa compe-tente determine o afastamento do agente público do cargo, emprego ou função, inclusive no âmbito do inquérito civil, devendo o Ministério Público, na hipótese, notificar a auto-ridade pública hierarquicamente superior ao agente, para o cumprimento da medida de afastamento do investigado até o ajuizamento da ação civil pública.

b) Não havendo o cometimento de crime em tese, não é possível o afastamento cautelar de parlamentar, estadual ou distrital, de suas funções legislativas, enquanto se aguarda de-cisão final em ação de improbidade administrativa, sob pena de subtração de mandato popular.

c) Em razão da excepcionalidade das severas sanções impostas na Lei de Improbidade Ad-ministrativa, o rol das medidas cautelares cabíveis, tanto no campo sancionatório, quan-

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