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Caracterização do comportamento frente à corrosão de um aço inoxidável austenítico para aplicações biomédicas com revestimentos PVD de Tin, TiCn e DLC
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INSTITUTO DE PESQUISAS ENERGTICAS E NUCLEARES
Autarquia associad
CARACTERIZAO DO COMPOAO INOXIDVEL AUSTENTIC
REVESTIMENTO
Renato
a Universidade de So Paulo RTAMENTO FRENTE CORROSO DE UM O PARA APLICAES BIOMDICAS COM S PVD DE TiN, TiCN E DLC
Altobelli Antunes
Tese apresentada como parte dos requisitos para obteno do grau de Doutor em Cincias na rea de Tecnologia Nuclear Materiais. Orientadora: Dra. Isolda Costa
So Paulo 2006
AGRADECIMENTOS
Dra. Isolda Costa por sua orientao, seu apoio e sua confiana sempre
presentes.
Ao amigo Dr. Ronaldo Ruas da Brasimet S. A., por sua ajuda imprescindvel e
constante na aplicao dos revestimentos de TiN, TiCN e DLC em todas as
amostras ao longo do trabalho. Sem ele, este trabalho no teria sido possvel.
minha esposa Msc. Mara Cristina Lopes de Oliveira por sua ajuda e seu
companheirismo que sempre nos mantiveram unidos ao longo deste trabalho.
Ao amigo e tcnico do Laboratrio de Corroso do IPEN Olandir Vercino Correa
por sua ajuda fundamental.
Dra. Olga Zazuco Higa do IPEN por sua ajuda e orientao nos testes de
citotoxicidade e genotoxicidade.
Ao amigo Dr. Srgio Luiz de Assis pelas valiosas discusses.
Ao tcnico do Laboratrio de Difrao de Raios-X do IPEN Ren Ramos de
Oliveira pelas anlises por difratometria de raios-X.
Aos tcnicos do Laboratrio de Microscopia & Microanlise do IPEN Celso Vieira
de Morais, Glauson Aparecido Ferreira e Nildemar Aparecido Messias pelas
anlises de microscopia eletrnica de varredura.
Ao pessoal do Laboratrio de Fenmenos de Superfcie da Escola Politcnica da
USP, em especial aos tcnicos Leandro Justino de Paula e Jovanio Oliveira
Santos pelas medidas de dureza. Dra. Maria Cristina Mor Farias pela ajuda
com a obteno e anlise dos resultados de ensaio de desgaste.
Dra. Andra Ceclia Dorin Rodas, aluna de ps-doutorado do IPEN, pela ajuda
na obteno e interpretao dos resultados do teste de genotoxicidade.
Dra. Mrcia Rizzutto do Instituto de Fsica da USP (IFUSP) pela ajuda na
obteno e anlise dos resultados de PIXE.
Msc. Solange G. Lorenzetti pela ajuda na preparao experimental de uma
grande etapa do trabalho, especialmente com relao soluo de Hanks.
Dra. Mitiko Saiki do IPEN pela anlise qumica por ativao com nutrons.
II
Dra. Dalva Lcia Arajo de Faria do Instituto de Qumica da USP (IQUSP) pela
ajuda na obteno dos espectros Raman.
Ao CNPq pelo apoio financeiro.
III
DEDICATRIA
minha esposa Mara Cristina Lopes de Oliveira
Aos meus pais Damastor e Helosa
IV
You are going to reap just what you sow
(Lou Reed)
V
RESUMO
CARACTERIZAO DO COMPORTAMENTO FRENTE CORROSO DE UM AO INOXIDVEL AUSTENTICO PARA APLICAES BIOMDICAS COM
REVESTIMENTOS PVD DE TiN, TiCN E DLC
Renato Altobelli Antunes Biomateriais metlicos devem apresentar uma combinao de propriedades
como resistncia corroso, biocompatibilidade e resistncia mecnica. Os aos
inoxidveis austenticos, especialmente do tipo AISI 316L, aliam estas
propriedades com a possibilidade de fabricao a um baixo custo. No entanto, so
susceptveis corroso nos fluidos fisiolgicos e seus produtos de corroso
podem causar reaes alrgicas ou infecciosas nos tecidos vizinhos ao implante.
No presente trabalho, a aplicao de revestimentos obtidos por processos de
deposio fsica de vapor (PVD) sobre um ao inoxidvel austentico do tipo AISI
316L foi realizada a fim de aumentar sua resistncia corroso e
biocompatibilidade. Os filmes depositados foram de nitreto de titnio (TiN),
carbonitreto de titnio (TiCN) e de carbono tipo diamante (DLC). Estes materiais
tm alta dureza e resistncia ao desgaste, alm de biocompatibilidade intrnseca,
caractersticas altamente desejveis para aplicaes biomdicas.
A caracterizao do comportamento eletroqumico do ao com os trs tipos
de revestimentos mostrou que a presena de defeitos na superfcie das camadas
depositadas exerce uma influncia negativa sobre a resistncia corroso do
substrato. A presena dos defeitos foi evidenciada por microscopia eletrnica de
varredura. Foi proposto um mecanismo, com base nos dados obtidos por
espectroscopia de impedncia eletroqumica, para explicar a evoluo do
comportamento eletroqumico do ao com os diferentes revestimentos ao longo do
tempo de imerso.
Foram tambm empregados dois tratamentos de passivao da superfcie
do ao em solues de cido sulfrico e cido ntrico, a fim de aumentar a
resistncia corroso do substrato. Os resultados indicaram que os tratamentos
VI
utilizados no foram eficientes para melhorar esta caracterstica, mas podem ser
modificados visando um desempenho superior.
As propriedades eletrnicas dos filmes passivos formados, tanto sobre o
ao sem tratamento de passivao como sobre o ao passivado, foram estudadas
utilizando a abordagem de Mott-Schottky. Os filmes apresentaram um carter
duplex, mostrando comportamento de um semicondutor altamente dopado acima
e abaixo do potencial de banda plana. A concentrao de dopantes no filme
passivo foi associada resistncia corroso do material.
Os trs revestimentos PVD investigados apresentaram comportamento no
citotxico. Considerando a diminuio do coeficiente de atrito do ao 316L, os
revestimentos de TiCN e o DLC foram os mais eficientes. Estas caractersticas,
aliadas ao fator custo, sugerem que a aplicao comercial destes materiais sobre
implantes ortopdicos pode ser vivel. No entanto, a resistncia corroso,
conforme a avaliao realizada no presente estudo, no foi adequada quando
comparada ao desempenho do ao sem nenhum tipo de revestimento. Ao final do
texto, so apresentadas algumas sugestes a fim de conseguir um desempenho
superior para a capacidade protetora dos revestimentos PVD.
VII
ABSTRACT
CHARACTERIZATION OF THE CORROSION BEHAVIOR OF AN AUSTENITIC STAINLESS STEEL FOR BIOMEDICAL APPLICATIONS COATED WITH TiN,
TiCN AND DLC PVD COATINGS
Renato Altobelli Antunes
Metallic biomaterials must present a combination of properties such as
corrosion resistance, biocompatibility and mechanical resistance. Austenitic
stainless steels, especially AISI 316L combine these properties with the easy of
fabrication at low cost. However, they are prone to corrosion in physiological
solutions. Furthermore, their corrosion products may lead to infectious ou
allergenic reactions in the tissues around the implant device. In the present work,
coatings produced by physical vapour deposition (PVD) methods have been
applied on the surface of a 316L stainless steel to increase its corrosion resistance
and biocompatibility. Three thin films were tested: titanium nitride (TiN), titanium
carbonitride (TiCN) and diamond-like carbon (DLC). These materials present high
hardness, wear resistance and intrinsic biocompatibility that are key features when
considering biomedical applications.
The characterization of the electrochemical behavior of the stainless steel
coated with the three different films showed that the presence of surface defects
are deleterious to the corrosion resistance of the substrate. These defects were
observed using scanning electron microscopy. The evolution of the electrochemical
behavior of the coated steel was explained through a mechanism based on the
experimental results obtained using electrochemical impedance spectroscopy.
Two different passivation treatments were carried out on the stainless steel
surface, either in sulfuric or nitric acid solutions, to increase its corrosion
resistance. The results suggested que these treatments were not efficient, but may
be modified to improve its performance.
The electronic properties of the passive films of the non-passivated and
passivated stainless steel were studied using the Mott-Schottky approach. The
VIII
films presented a duplex character. Below the flatband potential the behavior is
typical of a highly doped type-p semiconductor. Above the flatband potential is
typical of a highly doped type-n semiconductor. The doping concentration in the
passive film was determined and associated with the corrosion resistance of the
substrate.
All PVD coatings investigated showed non-cytotoxic behavior. DLC and
TiCN coatings decreased the friction coefficient of the stainless steel substrate.
These properties allied with the stainless steel low cost recommend their
commercial use for implants materials purposes. Nevertheless the corrosion
resistance presented by the coated-steel was inferior to that of the bare steel and
should be improved. At the end of the present text, some suggestions are
proposed in order to improve the corrosion protection performance of the PVD
coatings.
IX
SUMRIO AGRADECIMENTOS II DEDICATRIA IV RESUMO VI ABSTRACT VIII SUMRIO X 1. INTRODUO 1 2. OBJETIVOS 6 3. REVISO BIBLIOGRFICA 7 3.1 Informaes Bsicas 7
3.2 Mecanismos e causas de falhas dos implantes de ao inoxidvel 9
3.3 Comportamento eletroqumico 12
3.4 Biocompatibilidade 16
3.5 Estrutura do filme passivo 20
3.5.1 Composio do filme passivo e resistncia corroso 23
3.5.2 Propriedades eletrnicas do filme passivo 30
3.6 Tcnicas de modificao de superfcie: aumento da resistncia
corroso e da biocompatibilidade dos implantes de ao inoxidvel
39
3.6.1 Revestimentos por processo de deposio fsica de vapor (PVD
Physical Vapour Deposition)
44
3.7 Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica Modelamento com
Circuitos Eltricos Equivalentes
65
3.7.1 Modelamento com circuitos eltricos equivalentes para metais
passivos sem revestimento
67
3.7.2 Modelamento com circuitos eltricos equivalentes para metais com
revestimentos
73
3.8 Passivao da superfcie do ao 316L 79
4. MATERIAIS E MTODOS 82 4.1 Material 82
4.2 Revestimentos 82
4.3 Passivao 84
X
4.4 Anlise microestrutural 85
4.5 Corroso intergranular 85
4.6 Difratometria de raios-x (DRX) 86
4.7 Espectroscopia Raman 86
4.8 Ensaio de adeso 86
4.9 Nanodureza 89 4.10 Ensaio de Desgaste (esfera contra disco) 90 4.11 Teste de citotoxicidade in vitro 91 4.12 Genotoxicidade 93 4.13 Anlise qumica por ativao com nutrons 97 4.14 Medidas de PIXE 98 4.15 Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) 100 4.16 Ensaios eletroqumicos 101 4.16.1 Porosidade 101 4.16.2 Potencial versus tempo de imerso 102 4.16.3 Espectroscopia de impedncia eletroqumica (eie) 103 4.16.4 Polarizao potenciodinmica 104 4.16.5 Propriedades eletrnicas do filme passivo (grficos de Mott-
Schottky)
104
5. RESULTADOS 111 5.1 Anlise Microestrutural 111 5.2 Corroso intergranular 112 5.3 Difratometria de raios-x 114 5.4 Espectroscopia raman 117 5.5 Teste de Adeso (mtodo do riscamento - scratch test) 122 5.6 Nanodureza 125 5.7 Ensaio de desgaste (esfera contra disco) 128 5.8 Ensaio de citotoxicidade 134 5.9 Teste de genotoxicidade 135
5.10 Anlise qumica da soluo por ativao com nutrons 137
5.11 Emisso de raios-X induzida por prtons (PIXE) 139
XI
5.12 Microscopia eletrnica de varredura 149
5.13 Determinao da Porosidade dos Revestimentos PVD 160
5.14 Potencial de circuito aberto versus tempo de imerso 167
5.15 Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica (EIE) 170
5.16 Polarizao potenciodinmica 187
5.17 Propriedades Eletrnicas do Filme Passivo Grficos de Mott-
Schottky
191
6. DISCUSSO 210 6.1 Ajuste dos dados de EIE com circuitos eltricos equivalentes 210
6.2 Variao dos parmetros dos circuitos eltricos equivalentes com o
tempo de imerso para o ao 316L sem tratamento de passivao e sem
revestimento e passivado em solues de HNO3 30%v e H2SO4 15%v a
temperatura ambiente por 10 minutos
244
6.3 Variao dos parmetros dos circuitos eltricos equivalentes com o
tempo de imerso para o ao 316L sem tratamento de passivao com
revestimentos de TiN, TiCN e DLC
250
6.4 Porosidade 256
6.5 Polarizao potenciodinmica 262
6.6 Propriedades eletrnicas do filme passivo 269
6.7 Consideraes finais 279
7. CONCLUSES 281 8. SUGESTES PARA TRABALHOS FUTUROS 284 9. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 285 APNDICE 309
XII
1. Introduo
O uso de materiais em aplicaes biomdicas antigo. Existem registros de
que romanos, chineses e astecas utilizavam ouro em tratamentos dentrios mais
de 2000 mil anos atrs. Dentes de marfim ou madeira e olhos de vidro so outros
exemplos encontrados ao longo da histria da humanidade. No incio do sculo
XX, foram relatados os primeiros casos do uso de placas metlicas de fixao
para fraturas de ossos longos. Nos anos de 1930, tem-se o registro das primeiras
juntas artificiais de aos inoxidveis e ligas de Co-Cr-Mo. Durante a Segunda
Guerra Mundial, verificou-se que o polmero poli(metacrilato de metila) (PMMA)
no causava reao inflamatria quando em contato com tecidos. Os primeiros
enxertos vasculares, utilizando o tecido dracon foram feitos nos anos de 1950.
Na dcada de 1960, surgem as primeiras vlvulas cardacas. As juntas artificiais
cimentadas para prtese total de quadril foram desenvolvidas por John Charnley,
na Inglaterra, em 1961. Ainda hoje, o projeto de Sir Charnley base para o
desenvolvimento de novas estruturas de fixao e cimentao neste tipo de
implante. Na Figura 1.1, mostrada uma foto deste dispositivo, atualmente
conhecido como implante Charnley.
Figura 1.1. Implante Charnley de ao inoxidvel desenvolvido na dcada de
1960.
Foi somente h 19 anos, na Primeira Conferncia de Consenso da European
Society for Biomaterials que o termo "Biomaterial" foi definido de uma forma
1
racional e mundialmente aceita. Posteriormente, esta definio foi refinada na
Segunda Conferncia de Consenso da mesma sociedade. Abaixo, so mostradas
as duas definies estabelecidas pela European Society for Biomaterials, alm de
outras quatro mencionadas apenas para comparao.
i) Biomaterial um material no vivo usado em um dispositivo mdico,
com a inteno de interagir com sistemas biolgicos - I Consensus
Conference on Definitions in Biomaterials - European Society for
Biomaterials, 1987;
ii) Biomaterial um material que deve formar uma interface com sistemas
biolgicos para avaliar, tratar, crescer ou substituir qualquer tecido,
rgo ou funo do corpo - II Consensus Conference on Definitions in
Biomaterials - European Society for Biomaterials, 1991; essa uma
verso refinada da definio acima de modo que a referncia a
materiais no viveis foi removida, tornando as funes dos
biomateriais mais explcitas. Essa a definio recomendada.
iii) Biomaterial um material sinttico, natural ou modificado com a
inteno de estar em contato e interagir com o sistema biolgico; ISO
Technical Report; essa definio no recomendada, pois implica que
os tecidos so biomateriais, o que no verdade, e devido
ambigidade causada pelo termo "em contato".
iv) Biomaterial qualquer substncia (que no uma droga), sinttica ou
natural, que pode ser usada como um sistema ou parte de um sistema
que trata, cresce ou substitui qualquer tecido, rgo ou funo do corpo;
Dorland Medical - Note; essa definio no recomendada, pois no
faz qualquer referncia a uma interface com tecidos e, alm disso, inclui
qualquer componente eletrnico de um marca-passo como biomaterial
(normalmente, esse tipo de dispositivo no considerado um
biomaterial);
v) Biomaterial um material slido que ocorre em sistema biolgico e
constitudo por organismos vivos tais como quitina, fibrina ou osso; essa
2
definio no recomendada, pois enfoca materiais de origem biolgica
(bio-materiais) em vez dos materiais utilizados em dispositivos mdicos.
vi) Biomaterial uma substncia inerte, sistmica e farmacologicamente
projetada para implantao ou incorporao por sistemas vivos; essa
definio ultrapassada, remetendo poca em que se pensava que
um biomaterial deve ser inerte para conseguir uma caracterstica de
biocompatibilidade; atualmente, a possibilidade de crescimento sseo
(osseointegrao) tornou essa definio incorreta.
Williams (1987) coloca, ainda, outras caractersticas que se inserem na
definio recomendada pela Conferncia da European Society for Biomaterials:
biomateriais so aqueles utilizados em aplicaes mdicas, dentrias,
farmacuticas e veterinrias e que entram em contato ntimo e prolongado com
tecidos do corpo, sendo, geralmente, implantados nesses tecidos (Williams, 1987).
Os biomateriais metlicos devem apresentar propriedades como
biocompatibilidade, resistncia corroso e resistncia mecnica. O termo
biocompatibilidade definido como a capacidade de um material induzir uma
resposta apropriada do hospedeiro em uma aplicao especfica (Ratner et al.
1996; Hildebrand 2006). Os metais comumente utilizados para implantes
ortopdicos so os aos inoxidveis austenticos, as ligas de cobalto-cromo e as
ligas de titnio (Gallardo et al. 2004).
Os aos inoxidveis apresentam boas caractersticas de resistncia
mecnica, porm sua resistncia corroso a mais baixa entre esses materiais.
Entretanto, seu uso ainda bastante difundido, tanto em prteses de uso
permanente como em estruturas de fixao (pinos, parafusos) de uso temporrio.
Isto ocorre, especialmente, devido ao custo mais baixo em relao aos outros
materiais (Kannan et al. 2003).
Apesar de sua resistncia corroso mais elevada que os aos inoxidveis,
as ligas de cobalto-cromo e de titnio podem apresentar alguns problemas para
aplicaes in vivo. Ligas de titnio so mais susceptveis ao desgaste do que os
aos inoxidveis, gerando, assim, maiores quantidades de partculas metlicas
3
(Xulin et al. 1997; Oh et al. 2002). Windler et al. (2003), por exemplo, verificaram
que a liga Ti-6Al-7Nb apresentou uma taxa de corroso significativamente mais
elevada, sob condies de desgaste, do que o ao inoxidvel 316L e a liga Co-
28Cr-6Mo. Esse comportamento foi explicado pelos autores considerando dois
fatores: (a) durante o desgaste, a camada de xido de titnio formada
relativamente mais macia em comparao aos outros materiais testados, sendo
mais facilmente destruda e, (b) as densidades de corrente mais altas so geradas
durante o desgaste em razo dos quatro eltrons de valncia necessrios para a
repassivao do titnio (a camada passiva formada principalmente por TiO2).
Embora as ligas de cobalto-cromo, em geral, sejam conhecidas por possuir
excelente resistncia corroso e ao desgaste, elas produzem, ocasionalmente,
partculas e liberam ons em suas proximidades pelo mecanismo de corroso por
atrito ou desgaste. Tambm existem relatos de que partculas destas ligas,
preparadas a partir de testes de desgaste in vitro, foram muito txicas para
macrfagos (clulas que eliminam corpos estranhos dos lquidos corporais) e a
injeo intramuscular destas partculas produziu sarcomas locais em animais. Em
algumas operaes de reviso, reaes locais de tecido foram associadas com
implantes de Co-Cr. O cobalto pode ser carcinognico baseado em experimentos
com animais e pode causar danos hereditrios em clulas humanas (Xulin et al.
1997).
Todos os implantes entram em contato com clulas vivas, tecidos e fluidos
biolgicos, os quais constituem sistemas dinmicos e, at certo ponto, de natureza
agressiva para os metais. Uma falha em servio ocorre quando estes aparatos so
prematuramente removidos do corpo do paciente por no desempenharem sua
funo satisfatoriamente, em decorrncia de corroso ou fratura. Em toda falha de
um implante, o paciente experimenta o trauma de cirurgias repetidas e dor
acentuada durante o processo de rejeio.
Os aos inoxidveis possuem uma resistncia corroso relativamente
elevada, a qual devida a um filme passivo muito fino, rico em xido de cromo,
formado naturalmente sobre a superfcie do material (Abreu et al. 2006). Segundo
vrios autores, este filme exibe um carter duplex, com uma regio interna
4
formada essencialmente de xido de cromo e outra, externa, consistindo de uma
mistura de xidos de ferro e nquel. A estequiometria da camada interna
aproximadamente constante e se relaciona a Cr2O3. A camada externa muda sua
estequiometria e densidade atmica em funo de parmetros externos, como
potencial e tempo de passivao. Este processo est relacionado existncia de
diferentes formas de compostos de ferro, como Fe3O4 e Fe(OH)2, em baixos
potenciais, e Fe2O3 e FeOOH em potenciais andicos suficientemente elevados. A
caracterstica protetora do filme se deve camada interna (Milosev e Strehblow
2000).
No entanto, vrios trabalhos na literatura indicam problemas de corroso
dos aos inoxidveis para aplicaes cirrgicas, especialmente o ao AISI 316L,
devido quebra desta pelcula passiva (Giordani et al. 2003; Sumita et al. 2004).
Estudos in vitro sobre a corroso de aos inoxidveis em solues fisiolgicas
mostram que elementos txicos como Cr, Ni e Mo esto presentes, tanto em
soluo, como nos produtos de corroso. A presena destes ons pode resultar no
aparecimento de reaes inflamatrias e, em casos extremos, na perda do
implante (Fathi et al. 2003; Urban et al. 2003).
Diferentes tcnicas de modificao de superfcie podem ser utilizadas para
proteger a superfcie do ao inoxidvel contra a corroso e tambm para conferir
melhores propriedades de biocompatibilidade. Entre as possibilidades esto
adio de elementos de liga, modificao superficial por implantao de ons
(nitrognio, por exemplo) e deposio de revestimentos por uma variedade de
tcnicas de aplicao (plasma-spray, deposio fsica de vapor, deposio
qumica de vapor, sol-gel, mtodo biomimtico, laser pulsado).
Apesar dos problemas associados ao uso de implantes de ao inoxidvel
316L, esse material ainda um dos mais utilizados, tanto em aplicaes
ortopdicas como em estruturas de fixao. O Sistema nico de Sade, no Brasil,
s paga implantes de ao inoxidvel, devido s vantagens incontestveis de custo
desse material em relao s ligas de titnio e cobalto-cromo. Assim, existe um
mercado amplo e carente de materiais com melhores caractersticas de resistncia
corroso e de biocompatibilidade para uso em aplicaes biomdicas. No Brasil,
5
estima-se que o mercado de implantes ortopdicos alcana a cifra de U$ 64
milhes ao ano1 e que existam cerca de 200 mil pessoas vivendo em cadeiras de
rodas por falta de um implante ortopdico2. Em 2004, as cirurgias ortopdicas
representaram 5% do oramento de R$ 12 bilhes destinados a gastos com
ortopedia pelo Ministrio da Sade, que significam R$ 645 milhes2.
2. OBJETIVOS
Os objetivos principais deste trabalho foram a investigao do
comportamento frente corroso de um ao inoxidvel austentico 316L para
aplicaes biomdicas, com diversos tipos de revestimentos, a determinao da
resistncia ao desgaste apresentada pelo ao sem e com os revestimentos, alm
da avaliao da toxicidade in vitro dos produtos de corroso que podem ser
liberados nos fluidos corpreos.
O presente estudo ser fundamentado no ao inoxidvel 316L, recoberto
com revestimentos de nitreto de titnio (TiN), carbonitreto de titnio (TiCN) e
carbono tipo diamante (DLC), depositados por processos PVD (deposio fsica
de vapor). Os revestimentos foram escolhidos devido s suas caractersticas de
resistncia corroso e ao desgaste, alm da biocompatibilidade. As tcnicas de
aplicao utilizadas so comerciais e permitem a produo em grande escala das
peas revestidas para atender a uma possvel demanda pelos implantes de ao
inoxidvel com superfcie modificada.
Outra tcnica de modificao de superfcie empregada no trabalho foi a
passivao da superfcie do ao para comparao de sua resistncia corroso
com as peas revestidas.
Como objetivos especficos, o trabalho envolveu os seguintes itens:
a) Recobrimento de peas do ao inoxidvel 316L com os revestimentos de nitreto
de titnio, carbonitreto de titnio e de carbono tipo diamante (DLC) aplicados por
processos de deposio fsica de vapor.
b) Passivao da superfcie do ao.
6
c) Caracterizao do comportamento frente corroso das peas com superfcie
modificada e tambm de peas sem nenhum tipo de modificao, avaliando-se a
susceptibilidade corroso em soluo fisiolgica.
d) Caracterizao qumica dos produtos de corroso lixiviados nos meios de
ensaio, por meio de anlise por ativao com nutrons.
e) Investigao das propriedades eletrnicas do filme passivo formado sobre o ao
316L sem tratamento de passivao e passivado em diferentes condies.
f) Avaliao da adeso, dureza e resistncia ao desgaste dos revestimentos PVD.
g) Determinao da biocompatibilidade in vitro do ao inoxidvel 316L sem
revestimento e com os revestimentos de TiN, TiCN e DLC.
3. Reviso Bibliogrfica
3.1 Informaes Bsicas
Mudali et al. (2003) publicaram uma reviso bastante completa e recente
sobre a corroso de implantes metlicos, enfocando especialmente os aos
inoxidveis. Os autores descrevem os materiais utilizados, as causas de falhas, as
formas de corroso normalmente apresentadas pelos implantes, os mtodos de
proteo contra a corroso e de melhorar as caractersticas de biocompatibilidade.
Diversas tcnicas de aplicao de revestimentos protetores so descritas.
Uma reviso sobre os diferentes tipos de biomateriais e suas propriedades
foi feita por Nielsen (1987). O autor considera os diversos usos desses materiais
(placas, prteses totais de quadril, joelho, parafusos, vlvulas cardacas e
aplicaes dentrias) e a necessidade de uma combinao de resistncia
corroso e propriedades mecnicas. Os possveis problemas associados aos
implantes metlicos so tambm comentados: reaes alrgicas ou infecciosas,
fadiga, desgaste e corroso. Os materiais citados no texto so aos inoxidveis,
ligas de cobalto-cromo e titnio e suas ligas. Entre eles, os aos inoxidveis
possuem a menor resistncia corroso. No entanto, segundo os autores, todos
os materiais metlicos utilizados como implantes apresentam algum tipo de
7
deficincia, do ponto de vista de suas caractersticas de corroso. Os aos
inoxidveis so sensveis corroso localizada, as ligas de cobalto-cromo so
susceptveis corroso por fadiga e as ligas de titnio, embora apresentem uma
camada passiva altamente estvel nos meios fisiolgicos, podem desprender ons
em tecidos adjacentes.
Disegi e Eschbach (2000) publicaram um artigo sobre o uso de aos
inoxidveis como biomateriais. O texto fornece uma perspectiva bastante ampla
sobre essa aplicao dos aos inoxidveis, abordando temas como composio
qumica, microestrutura, propriedades mecnicas e tendncias de
desenvolvimento. Os autores ressaltam a combinao de caractersticas
adequadas de biocompatibilidade, resistncia corroso, propriedades mecnicas
e custo baixo como pontos favorveis ao uso de implantes de ao inoxidvel,
principalmente para estruturas de fixao. O desenvolvimento de materiais sem
nquel citado como um avano tecnolgico dos implantes de aos inoxidveis.
Essa classe de aos apresenta melhores propriedades de resistncia corroso e
menor risco de reaes alrgicas decorrentes da presena de nquel no organismo
humano.
Azevedo e Hippert Jr. (2002) publicaram um trabalho sobre anlise de
falhas de implantes cirrgicos no Brasil. Os autores investigaram falhas de duas
placas femorais fabricadas em ao inoxidvel, um parafuso de ao inoxidvel, uma
placa maxilo-facial para reconstruo de mandbula em titnio comercialmente
puro e diversos fios de Nitinol (ligas Ti-Ni de efeito memria de forma). As falhas
das placas de ao inoxidvel ocorreram por mecanismo de fadiga-atrito, enquanto
o parafuso de ao inoxidvel apresentou fratura por um mecanismo de fadiga. A
fratura, neste caso, foi nucleada em diversos pontos, provavelmente devido
presena de defeitos de fabricao, associados a problemas de projeto da pea,
na qual havia concentrao exagerada de tenses. A falha da placa maxilo-facial
de titnio ocorreu por corroso associada fadiga, em decorrncia de corroso
localizada e trincas intergranulares. J as falhas dos fios de Nitinol foram
causadas por sobrecarga, devida intensa formao de corroso por pite durante
8
servio. A formao de pites foi associada com a presena de defeitos superficiais
de fabricao.
Uma reviso sobre tcnicas de avaliao de biomateriais metlicos in vitro
foi publicada por Hanawa (2002). O autor cita aspectos relativos corroso e
anlise eletroqumica em solues que simulam fluidos fisiolgicos, superfcie dos
materiais metlicos (mudanas de composio no filme passivo), fadiga e atrito,
testes de citotoxicidade (viabilidade celular) e adeso celular. A importncia da
realizao desses testes ressaltada, pois permite a obteno de dados para o
desenvolvimento de novos materiais com melhores caractersticas biomdicas.
3.2 Mecanismos e causas de falhas dos implantes de ao inoxidvel
Sivakumar e Rajeswari (1992) investigaram os mecanismos de causas de
falhas em implantes de aos inoxidveis. Os autores avaliaram um parafuso de
fixao intramedular. Foram encontrados pites nas extremidades da pea e muitas
trincas associadas a eles. A morfologia das trincas era transgranular e ramificada,
sugerindo que a falha ocorreu por corroso sob tenso. A anlise dos produtos de
corroso no interior dos pites revelou a presena de quantidades substanciais de
cloreto, enxofre, alm de clcio e fsforo. Anlise qumica do implante aps falha
mostrou que o teor de molibdnio estava abaixo de 2%. Um exame microscpico
indicou que o teor de incluses da pea estava acima do limite mximo
recomendado pela norma ASTM.
Em outro estudo, Sivakumar et al. (1995) estudaram as causas da falha de
uma prtese de fmur de ao inoxidvel. Houve fratura da prtese. Anlise por
microscopia eletrnica de varredura mostrou a presena de microtrincas, cuja
nucleao ocorreu nas extremidades da pea. Havia muitos pites nessas
extremidades e as trincas estavam associadas a eles. A morfologia das trincas
indicou que a falha ocorreu por corroso associada fadiga do implante. Assim
como no trabalho descrito acima, o teor de molibdnio da pea, aps falha, estava
abaixo do limite mnimo recomendado de 2% (ASTM), o que pode ter levado
diminuio da resistncia corroso por pite do ao.
9
Giordani et al. (2004) investigaram o mecanismo de falha do ao inoxidvel
ISO 5832-9 em soluo de NaCl 0,9%p a 37C. Os autores verificaram que a falha
ocorreu por um mecanismo de fadiga associada corroso, como resultado da
nucleao e propagao de trincas em regies de incluses no metlicas ricas
em alumnio. As causas de falha de um implante tipo placa de ao inoxidvel 316L foram
investigadas por esse mesmo grupo (Sivakumar et al. 1994A). Os autores
avaliaram a composio qumica do implante, a resistncia corroso por pite em
soluo de Hanks e a resistncia corroso intergranular. Os resultados
indicaram um aumento no teor de cromo e nquel da placa aps o perodo em que
esteve implantada no paciente. No foi constatada a precipitao de carbetos de
cromo nos contornos de gros. O potencial de pite da placa apresentou pequena
elevao em relao ao material no implantado, o que foi atribudo ao maior teor
de cromo e nquel identificado na anlise qumica. Os autores concluram que a
falha prematura da pea ocorreu por fadiga devido fixao no adequada da
placa ao osso do paciente.
Em um estudo bastante similar ao descrito acima, os mesmos autores
analisaram as causas de falha em uma prtese de joelho feita de ao inoxidvel
316L (Sivakumar et al. 1994B). Tambm foram realizados ensaios para verificar as
caractersticas de resistncia corroso intergranular e por pite, bem como um
exame microscpico da superfcie do implante aps falha. A falha da prtese
ocorreu como resultado de um processo inadequado de soldagem durante a
fabricao da pea. A formao de macrocavidades, porosidade e ferrita delta foi
constatada. Esses problemas podem ser evitados quando procedimentos
adequados de soldagem so utilizados. No entanto, os autores sugerem o uso de
prteses fabricadas como uma pea nica, por processos de forja, sem
necessidade de soldar partes diferentes, evitando assim os problemas verificados
na pea analisada.
Cahoon e Nolte (1981) analisaram o comportamento de corroso associada
fadiga de um ao inoxidvel cirrgico tipo 316L em soluo fisiolgica sinttica.
Os resultados foram comparados com o mesmo material testado ao ar. A
10
resistncia fadiga de 10-15% inferior para o ao em soluo fisiolgica do que
para o ao ao ar. A susceptibilidade corroso em frestas em um ambiente, como
o caso do ao 316L na soluo salina utilizada por Cahoon e Nolte, pode
determinar a ocorrncia de fadiga associada corroso nesse ambiente.
Outro trabalho sobre investigao de causa de falhas de implantes de ao
inoxidvel 316L foi conduzido por Bombara e Cavallini (1977). O tipo de pea
analisada foi um parafuso de fixao. Os autores assumem que existem frestas
nos parafusos implantados no corpo humano, dando origem a um nmero de
stios crticos em que o acesso do oxignio bastante limitado. Isso poderia levar,
por meio de clulas de aerao diferencial, a um acmulo progressivo de ons Cl-
nas regies andicas locais, diminuindo o potencial de pite. A falha em servio dos
parafusos de ao 316L pareceu ser resultado de corroso sob tenso fraturante a
partir da formao de pites nas frestas. O alto teor de incluses de enxofre no ao
seria responsvel por sua susceptibilidade corroso por pite.
He et al. (2001) investigaram os mecanismos responsveis pela sinergia
entre atrito e corroso para trs biomateriais metlicos em soluo salina. Os
materiais testados foram ao inoxidvel 316L, liga cobalto-cromo e Ti-6Al-4V. Sob
condies de corroso associada ao atrito, a taxa de corroso foi
significativamente aumentada para os trs materiais. As perdas de massa foram
412, 956 e 864 vezes superiores em relao a condies de corroso pura (isto ,
apenas imerso em soluo salina) para o ao 316L, a liga cobalto-cromo e a liga
Ti-6Al-4V, respectivamente. O ao 316L apresentou a maior taxa de corroso por
atrito entre os trs materiais, provavelmente devido sua susceptibilidade
corroso em frestas.
Geringer et al. (2005) tambm avaliaram os efeitos de corroso por atrito
sobre o ao inoxidvel AISI 316L em contato com PMMA (polimetacrilato de
metila), simulando o uso desse material em aplicaes ortopdicas como prtese
total de quadril. Segundo os autores, a degradao da camada passiva do ao por
atrito causa dissoluo andica que fortemente acelerada pela caracterstica
confinada (fresta) da regio de contato. Em outro trabalho, os mesmos autores
(Geringer et al. 2006) avaliaram o efeito da variao do potencial aplicado sobre a
11
resistncia corroso por atrito do par 316L/PMMA. Prximo a -600mVECS a
evoluo do pH dentro da rea de contato mnima e a deteriorao muito
pequena, devido baixa solubilidade dos ons metlicos e repassivao da
pelcula passiva. Em potenciais acima de -600mVECS, o pH diminui dentro da rea
de contato. Conseqentemente, a dissoluo metlica aumenta, a repassivao
mais lenta e ocorre um aumento da corrente passiva.
Xie et al. (2002) propuseram um mecanismo para a iniciao de trincas de
corroso associada fadiga no ao inoxidvel tipo 316L, em soluo de Hanks.
Segundo os autores, as trincas iniciais foram geradas a partir do ataque nos
contornos de gros devido corroso intergranular dentro de pites. Essas trincas
se propagam, ento, para uma trinca de fadiga principal com a aplicao de
tenses cclicas, levando falha por fratura dos implantes. Com a propagao de
uma trinca transgranular, pites so gerados devido ao fluxo de soluo corrosiva
dentro da trinca. Ocorre, ento, corroso intergranular dentro desses pites devido
presena de soluo agressiva. A tenso cclica promove tanto corroso por pite
quanto intergranular durante o teste de corroso associada fadiga. O potencial
de quebra da pelcula passiva diminui e as densidades de corrente de corroso
por pite e intergranular aumentam com a aplicao das tenses cclicas. As trincas
iniciais so geradas facilmente ao longo dos contornos de gros
eletroquimicamente ativos com a multiplicao e acmulo de defeitos em linha
(discordncias).
3.3 Comportamento eletroqumico A simulao de solues fisiolgicas in vitro normalmente feita com
solues salinas (NaCl) em que so adicionadas outras espcies. Essa
simplificao pode causar diferenas entre os resultados obtidos in vitro e a
resposta in vivo de um biomaterial. Espcies orgnicas, como protenas podem
desempenhar um papel importante na dissoluo de metais. Sua adio em
eletrlitos de teste permite a obteno de dados mais prximos de um
comportamento real in vivo. Do mesmo modo, clcio e fsforo so encontrados in
12
vivo e podem ter influncia sobre o comportamento eletroqumico dos metais.
Sousa e Barbosa (1991) estudaram o comportamento eletroqumico de um ao
AISI 316L em solues de NaCl 0,9%p, contendo fosfato de clcio ou fosfato de
clcio em conjunto com protenas. Foram realizados experimentos
potenciostticos e de polarizao galvanosttica. As curvas galvanostticas
permitiram identificar os potenciais de quebra da pelcula passiva (formao de
pites) e de repassivao. O potencial de quebra aumentou nas solues com
fosfato de clcio e foi ainda maior na soluo contendo tambm protena. Curvas
de polarizao andica tambm foram obtidas. A mesma tendncia observada nos
experimentos galvanostticos, ou seja, aumento do potencial de pite para as
solues contendo fosfato de clcio e protena, foi observada. Os autores, no
entanto, consideraram os resultados das curvas de polarizao andica menos
claros, pois os valores de densidade de corrente passiva so muito prximos para
os trs tipos de solues avaliados. Por meio de experimentos potenciostticos, os
autores sugerem que h um espessamento do filme passivo nas solues
contendo fosfato de clcio e protena.
Um outro estudo sobre o comportamento eletroqumico de aos inoxidveis
para uso como implante, em soluo de NaCl contendo ons de clcio, fosfato e
protenas foi conduzido por Arumugam et al. (1998). Dois tipos de aos foram
comparados: 316L e 316L com nitrognio. Os autores utilizaram curvas de
polarizao cclica e anlise qumica da soluo para verificar os teores de
elementos lixiviados para o eletrlito em decorrncia de processos corrosivos. Os
resultados indicaram um efeito positivo da adio de nitrognio ao ao inoxidvel,
o qual mostrou maior resistncia corroso por pite do que o ao 316L comum. A
adio de ons de clcio e fosfato soluo de NaCl deslocou o potencial de
repassivao para valores mais nobres, inibindo a cintica de crescimento de
pites. J a adio de protenas soluo salina provocou uma diminuio
significativa do potencial de pite para ambos os aos testados. O desprendimento
de ons foi pequeno na soluo contendo ons de clcio e fosfato, enquanto, em
presena de protena, esse processo foi acelerado.
13
A resistncia corroso de diferentes biomateriais metlicos foi
caracterizada por Gurappa (2002). Os materiais avaliados foram titnio
comercialmente puro, Ti-6Al-4V, ao inoxidvel 316L e liga cobalto-cromo, em
soluo de Hanks a 37C. Testes potenciodinmicos foram realizados para
determinar os potenciais de quebra da pelcula passiva e as taxas de corroso. A
tcnica de polarizao potenciodinmica cclica foi empregada para avaliar a
resistncia corroso por pite e em fresta dos materiais. Os resultados indicaram
que o ao 316L apresenta taxa de corroso mais elevada e menor potencial de
quebra da pelcula passiva em relao aos demais biomateriais testados. As
curvas de polarizao cclica, por sua vez, mostraram tambm que o ao 316L
susceptvel corroso por pite e em fresta, fato no observado para as ligas
cobalto-cromo e Ti-6Al-4V.
Cheng et al (1990) compararam o comportamento eletroqumico de um ao
inoxidvel 316L com o de quatro tipos de aos inoxidveis duplex, em soluo de
Hanks. As principais diferenas de composio entre os aos duplex e o ao 316L
so o teor de nquel mais baixo e os teores de cromo e enxofre mais elevados. O
comportamento eletroqumico foi avaliado por tcnicas de polarizao
potenciodinmica cclica e espectroscopia de impedncia eletroqumica. A
resistncia corroso localizada tambm foi avaliada. Os autores verificaram que
no houve evidncias de corroso em fresta ou por pite para nenhum dos aos
testados, em soluo de Hanks. O filme passivo sobre o ao 316L se mostrou
mais estvel e compacto, apresentando maior resistncia de polarizao. Os
autores sugerem que o teor de enxofre mais elevado dos aos duplex pode ser
responsvel por sua resistncia corroso inferior do ao 316L.
O desempenho ante a corroso in vitro dos aos inoxidveis 316L, ferrtico
e duplex foi investigado por Sivakumar et al. (1993). As amostras foram
passivadas em cido ntrico antes da realizao dos ensaios eletroqumicos.
Foram obtidas curvas de polarizao andica cclica para avaliar a corroso por
pite dos materiais testados, em soluo de Hanks, a 37C. Alm da corroso por
pite, a corroso em fresta foi tambm avaliada e a composio qumica do
eletrlito foi analisada para verificao dos teores de elementos ferro, cromo e
14
nquel lixiviados dos aos para o meio de ensaio. Os resultados indicaram que o
ao ferrtico no apresentou corroso localizada, mesmo na presena de frestas.
A resistncia corroso tanto do ao ferrtico como do ao duplex foi superior do
ao 316L. A anlise qumica da soluo mostrou que houve um desprendimento
muito baixo de ons dos aos duplex e ferrtico em comparao ao ao 316L.
O comportamento de corroso in vitro de implantes dentrios de ao
inoxidvel recobertos com biocermicas e metais foi estudado por Fathi et al.
(2003). Os autores avaliaram trs tipos de revestimentos sobre ao inoxidvel
316L: hidroxiapatita (HA), titnio (Ti) e uma camada dupla de HA/Ti. O
revestimento de hidroxiapatita foi produzido pela tcnica de plasma-spray,
enquanto a camada de titnio foi depositada por processo PVD (deposio fsica
de vapor). A camada duplex foi feita pela aplicao de HA produzido por plasma-
spray sobre um filme de titnio depositado por processo PVD sobre o ao 316L. A
caracterizao estrutural foi feita por difratometria de raios-X, microscopia
eletrnica de varredura e espectroscopia de energia dispersiva. O comportamento
eletroqumico foi investigado por polarizao potenciodinmica, usando solues
de Ringer e de NaCl 0,9%p como eletrlitos. Os resultados indicaram que a
camada duplex de HA/Ti diminuiu significativamente a densidade de corrente de
corroso do ao 316L em relao ao material no revestido ou recoberto apenas
com hidroxiapatita. O revestimento de titnio tambm teve um efeito benfico
sobre a resistncia corroso do ao 316L. Os autores sugerem que a camada
duplex pode ser usada sobre o ao 316L para implantes endodnticos, atingindo
duas metas simultaneamente: melhora da resistncia corroso e da
osseointegrao do implante.
Seah e Chen (1993) estudaram as caractersticas de corroso de um ao
inoxidvel tipo 316, titnio slido e titnio poroso, em soluo de NaCl 0,9%p, a
37C. A resistncia corroso foi avaliada por meio de curvas de polarizao
andica. Os resultados indicaram que a quebra do filme passivo do ao 316 ocorre
para um potencial de 0,36V, enquanto para o titnio esse potencial chega a 2V. O
titnio poroso mostrou maior susceptibilidade corroso que o titnio slido, em
razo da maior rea exposta ao meio corrosivo no caso do material poroso.
15
A resistncia corroso associada ao atrito e a citocompatibilidade dos
produtos de corroso de um ao inoxidvel ferrtico foram avaliadas por Xulin et al.
(1997). O material caracterizado foi um ao inoxidvel tipo 317L com teor de
nquel bastante reduzido e alto teor de cromo. O teste de corroso associada ao
atrito foi do tipo pino contra placa (pin on plate). A citocompatibilidade foi avaliada
utilizando clulas fibroblsticas (L929) e osteoblsticas (MC3T3-E1) de
camundongo. O novo ao sem nquel mostrou maior resistncia corroso por
atrito e seus produtos de corroso provocaram menos danos s clulas do que o
ao 317L comum. Esses resultados indicam que possvel melhorar o ao
inoxidvel para uso como biomaterial.
Duisabeau et al. (2004) investigaram o efeito do ambiente (ar ou soluo
fisiolgica) sobre a resistncia corroso associada ao atrito de implantes de
Ti-6Al-4V e ao inoxidvel 316L. Segundo os autores, o ao inoxidvel 316L exibe
melhor comportamento em relao liberao de partculas, tanto sob atrito (ao
ar) como sob condies de corroso associada ao atrito (em soluo fisiolgica de
Ringer).
3.4 Biocompatibilidade
O potencial trombognico de xidos superficiais sobre implantes de ao
inoxidvel foi caracterizado por Shih et al (2003). As peas testadas foram
catteres de ao inoxidvel 316L para aplicao coronria. Os autores mediram o
potencial de circuito aberto e a densidade de corrente em funo do tempo de
imerso, em soluo de Ringer. Medidas de impedncia eletroqumica foram
realizadas para investigar a cintica da interface xido/eletrlito. A caracterizao
microestrutural do filme de xido foi feita por microscopia eletrnica de varredura,
espectroscopia de eltrons Auger (AES) e de fotoeltrons excitados por raios-X
(XPS). Os catteres foram testados em trs condies distintas: passivado com
xido amorfo (AO), passivado com xido policristalino (PO) e como recebido (AS).
A anlise por AES mostrou que a composio qumica dominante nas amostras
AS e PO mostrava xido de ferro na superfcie. Oxignio tambm foi encontrado
16
na superfcie PO. Por outro lado, a amostra AO apresentou uma superfcie rica em
cromo e oxignio. As densidades de corrente medidas em relao ao tempo de
imerso foram mais baixas para a amostra AO. Um outro fator indicativo de um
desempenho superior da amostra AO foi o valor mais alto de resistncia e mais
baixo de capacitncia obtidos por espectroscopia de impedncia eletroqumica. O
grau de trombogenicidade determinado pelos autores mostrou uma concordncia
com os resultados obtidos por espectroscopia de impedncia eletroqumica, ou
seja, a amostra AO, com maior resistncia corroso, apresentou o menor grau
de trombogenicidade.
Morais et al. (1998) avaliaram os efeitos de produtos de corroso de um ao
inoxidvel 316L na formao de osso sob condies de teste in vitro. Clulas
sseas de ratos foram cultivadas em condies experimentais que favoreciam a
proliferao e diferenciao de osteoblastos, na ausncia e na presena de
produtos de corroso de ao 316L. As culturas de clulas foram observadas por
microscopia eletrnica de varredura. Os resultados mostraram que uma
concentrao de produtos de corroso de 0,01% no causou efeitos biolgicos
detectveis nas culturas de clulas. O aumento da concentrao para 0,1%
prejudicou o comportamento osteoblstico e uma concentrao de 1% de produtos
de corroso provocou morte celular.
O efeito dos produtos de corroso do ao inoxidvel AISI 316L sobre a
proliferao e diferenciao celular de osteoblastos (clulas formadoras de tecido
sseo) foi investigado por Fernandes (1999). Os osteoblastos desempenham uma
srie de funes no processo de formao dos tecidos sseos que vo desde a
sntese de componentes da matriz de colgeno at a interao com hormnios e
fatores de crescimento atuantes no metabolismo sseo. Os resultados obtidos
pela autora mostraram que os produtos de corroso do ao tiveram efeitos
prejudiciais sobre a proliferao e diferenciao celular e a capacidade de formar
uma matriz ssea. Esses efeitos foram dependentes das concentraes de ons
de ferro, cromo e nquel.
Tracana et al. (1995) analisaram as alteraes causadas por produtos de
corroso de ao inoxidvel AISI 316L sobre as clulas do bao de camundongos.
17
O ao 316L foi eletroquimicamente dissolvido em uma soluo fisiolgica salina
(soluo salina balanceada de Hanks HBSS) por meio de um processo
cronoamperomtrico por imposio de uma corrente constante externa de 0,5 mA.
Um determinado volume da soluo foi, ento, injetado subcutaneamente nos
camundongos. Os baos foram analisados por espectrofotometria de absoro
atmica para determinar os teores de Fe, Ni e Cr. Os resultados indicaram que
houve acmulo de produtos de corroso no bao dos animais, os quais
provocaram alteraes histolgicas e mudanas nas populaes celulares como a
morte de linfcitos.
Em outro trabalho, Pereira et al. (1995) utilizaram a mesma metodologia
descrita acima (injeo intracutnea de extratos de Fe, Cr e Ni obtidos em soluo
HBSS, aps dissoluo cronoamperomtrica de ao AISI 316L) para avaliar os
efeitos citotxicos de produtos de corroso do ao 316L sobre o fgado de
camundongos. Os autores verificaram um aumento no tamanho do fgado, devido
absoro de gua e outros fluidos. Isso est, provavelmente, relacionado ao
acmulo de cromo que altera a presso osmtica das clulas do fgado. Como
este rgo funciona como um filtro para o sangue, alteraes morfolgicas so
preocupantes e podem prejudicar seu funcionamento.
A resposta celular induzida por contato com ons metlicos foi estudada por
Granchi et al. (1998) O principal objetivo dos autores foi determinar se os efeitos
citotxicos dos ons desprendidos de implantes metlicos so devidos a necrose
ou apoptose. Necrose pode ser produzida por infeces virais, hipertermia e
exposio a agentes qumicos txicos. Clulas que sofrem apoptose ou morte
celular programada mostram um padro caracterstico de mudanas estruturais
no ncleo e no citoplasma, incluindo fragmentao da molcula de DNA. Os
autores avaliaram extratos de cromo, nquel e cobalto por serem metais
amplamente empregados em implantes ortopdicos e dentrios e por seus
produtos de corroso serem associados a complicaes clnicas, como reaes
teciduais adversas e perda de componentes de prteses. Os resultados indicaram
que os produtos de corroso dos trs metais tiveram efeito citotxico sobre clulas
mononucleares isoladas. O efeito predominante (necrose ou apoptose) dependia
18
do tipo de on, da concentrao do extrato e do tempo de contato com as clulas
mononucleares.
Bailey et al. (2005) quantificaram a viabilidade celular e a resposta
inflamatria de colnias celulares induzida por contato com o ao inoxidvel AISI
316L e um ao inoxidvel nitretado. As clulas que tiveram contato com o ao
316L apresentaram maiores alteraes morfolgicas e maior necrose do que
aquelas que tiveram contato com o ao nitretado.
A morfologia e a composio qumica de produtos de corroso de implantes
de quadril de ao inoxidvel tipo 316L foram avaliadas por Walzack et al. (1998)
Os testes foram realizados em implantes recuperados de pacientes e com sinais
de corroso. As tcnicas investigativas utilizadas foram microscopia eletrnica de
varredura e espectroscopia de energia dispersiva (EDS). Os autores verificaram
que os produtos de corroso apresentam uma estrutura lamelar, cuja composio
consistia de cromo e enxofre ou ferro e fsforo. Tambm foram encontradas
quantidades variveis de clcio e cloro em todas as camadas, porm no foram
encontrados sinais de nquel, apesar de sua presena em todas as ligas
avaliadas.
A biocompatibilidade de amostras de ao inoxidvel 316L, Ti-6Al-4V e
Ti-5Al-2,5Fe com superfcies modificadas por meio de diferentes tcnicas foi
avaliada in vitro por Leito et al. (1998). As ligas de titnio e algumas amostras de
ao 316L foram modificadas pela implantao de ons nitrognio. Outras amostras
de ao 316L foram recobertas com nitrognio ou carbono pela tcnica de
sputtering. Ambos os tipos de amostras foram inoculados com clulas de rato
(osteoblastos) de modo a estudar a interface da superfcie com a cultura de
clulas e avaliar sua biocompatibilidade. Os autores utilizaram microscopia
eletrnica de varredura para verificar se houve crescimento de tecido sseo sobre
os materiais testados. Os resultados indicaram que apenas para as amostras
recobertas com nitrognio pela tcnica de sputtering no houve crescimento de
tecido sseo. Foi observada maior produo de glbulos sobre os metais
implantados com ons nitrognio, indicando que a formao de osso mais
provvel sobre esse tipo de superfcie modificada, tanto para as ligas de titnio
19
como para o ao 316L. As clulas cresceram de maneira heterognea sobre o ao
316L recoberto pela tcnica de sputtering, sugerindo que, nessa condio
superficial, o material no adequado para uso em aplicaes biomdicas. Em
outro trabalho (Feng et al. 2003), conduzido sobre titnio puro, verificou-se que,
quanto maior a rugosidade superficial e a presena de grupos superficiais OH,
maior a adeso de osteoblastos e maior a atividade celular. Esse fato estaria
associado natureza polar dos grupos OH e das clulas, produzindo uma
afinidade qumica entre ambos (fora polar).
Kim et al. (2005) verificaram o efeito positivo da adio de molibdnio sobre
a resistncia corroso localizada do ao inoxidvel AISI 316L. No entanto, um
ensaio de citotoxicidade in vitro mostrou que um aumento nos teores de
molibdnio e nquel no ao levou a um aumento no desprendimento de ons
metlicos e do ndice de citotoxicidade em comparao ao ao 316L convencional.
O desprendimento de ons de implantes de aos inoxidveis em aplicaes
ortodnticas foi estudado por Staffolani et al. (1999). Foram testados os aos 304
e 316 utilizados em aparelhos ortodnticos. O teste foi conduzido da seguinte
maneira: as peas foram mergulhadas em solues cidas (cido tartrico, ctrico
e ascrbico) orgnicas e inorgnicas, com pH variando entre 3,5 e 6,5. O
desprendimento de nquel e cromo foi determinado utilizando-se um
espectrofotmetro de emisso atmica. Os autores acompanharam o
desprendimento dirio desses ons e concluram que o teor desprendido a partir
das peas ortodnticas foi bastante inferior ao teor ingerido por uma pessoa em
uma dieta normal. Baseados nesse fato, os autores sugerem que o uso dos aos
304 e 316, nas condies testadas, no deve trazer problemas aos pacientes nas
aplicaes ortodnticas.
3.5 Estrutura do filme passivo Segundo Marcus (1998), alguns fatores que influenciam o crescimento, a
estabilidade e a quebra de camadas finas de xidos so composio qumica,
estados de valncia, espessura, estratificao de fases (estruturas em multi-
20
camadas), cristalinidade, rugosidade e presena de defeitos. Os defeitos como
lacunas, por exemplo, seriam stios preferenciais para interao da superfcie
passivada com ons Cl-, caso estes estejam presentes na soluo em contato com
o metal passivo, e assim poderiam contribuir para a quebra localizada do filme
passivo.
Sato (1990) publicou um extenso trabalho sobre a passividade dos metais,
considerando os processos de crescimento e quebra dos filmes passivos de
xidos. Segundo o autor, o crescimento do filme ocorre por transporte inico. ons
oxignio migram atravs da interface xido/metal e reagem com ons metlicos
para formar a parte interna do filme. ons metlicos migram atravs da interface
xido/eletrlito e reagem com ons oxignio ou outros nions presentes no
eletrlito para formar uma parte externa da camada de xido. Quando a camada
passiva possui uma espessura fina, apresenta caractersticas amorfas. Tenses
compressivas internas criadas no filme durante seu crescimento podem torn-la
parcialmente cristalina, influenciando as propriedades eletrnicas e a resistncia
corroso. Do ponto de vista da permeabilidade inica seletiva, o filme passivo
pode ser caracterizado por uma estrutura bipolar. Essa estrutura consiste de um
excesso de ons metlicos ou lacunas de oxignio na camada interna (carga
positiva - permeabilidade seletiva a nions) e um excesso de ons oxignio ou
lacunas de ons metlicos na camada externa (carga negativa - permeabilidade
seletiva a ctions). A carga negativa na camada mais externa evita a incorporao
de nions agressivos no filme e aumenta a resistncia corroso.
Em relao quebra dos filmes passivos, Sato descreve trs processos
diferentes: (1) mecnico; (2) eletrnico e (3) inico. O primeiro est relacionado
nucleao de trincas no filme devido a tenses internas desenvolvidas durante seu
crescimento. O segundo envolve o desenvolvimento de uma corrente eletrnica
(avalanche eletrnica) em filmes espessos. O terceiro processo parece ser mais
adequado para descrever a quebra localizada dos filmes passivos sobre aos
inoxidveis: a quebra inica comea com a competio por adsoro entre ons
hidroxila e nions agressivos como ons Cl-, na interface xido/eletrlito. A
adsoro local de cloretos pode introduzir lacunas de ons metlicos, as quais
21
migram para formar um aglomerado de lacunas na interface xido/metal ou induzir
tenses mecnicas suficientes para a formao de microtrincas, levando quebra
localizada do filme. Independentemente do mecanismo de quebra, o estgio final
a exposio de uma pequena rea da superfcie metlica ao eletrlito. Na maioria
dos casos, a quebra ocorre preferencialmente em regies de defeitos superficiais,
tais como incluses no metlicas.
Schultze e Lohrengel (2000) publicaram uma interessante reviso sobre a
estabilidade, reatividade e quebra de filmes passivos. Especificamente sobre a
quebra da passividade, os autores citam trs possveis mecanismos: (1) quebra
dieltrica caracterizada por um grande aumento espontneo local da
condutividade do filme passivo; (2) destruio por ons agressivos (corroso por
pite), citando o efeito de ons Cl- que podem provocar a quebra da passividade
devido a um mecanismo de penetrao/dissoluo ou de quebra/adsoro; no
primeiro caso, ons Cl- migram ou se difundem atravs da camada de xido,
desestabilizando-a e causando sua dissoluo; no segundo mecanismo,
inicialmente o filme de xido sofre uma quebra como conseqncia de tenses
mecnicas e, depois, ons Cl- so adsorvidos no metal base acelerando sua
dissoluo; (3) quebra catdica devido evoluo de hidrognio em potenciais
abaixo de 0V.
O crescimento de filmes passivos sobre superfcies metlicas foi modelado
por Chao et al. (1981). O modelo foi chamado Modelo de Defeito Pontual (Point
Defect Model) e se baseia em quatro suposies: (1) sempre que o potencial
aplicado mais nobre que o potencial de Flade (potencial de passivao) do
metal, um filme passivo ir se formar em sua superfcie; (2) assume-se que o filme
contm uma alta concentrao de defeitos pontuais (lacunas de ons metlicos ou
de ons oxignio); (3) os filmes passivos so caracterizados por elevados campos
eltricos (da ordem de 106 V.cm-1); assume-se que a resistncia do campo da
mesma ordem daquela requerida para a ruptura dieltrica. Desse modo, o filme
passivo se comporta como um semicondutor incipiente porque estvel prximo
ruptura dieltrica; a resistncia do campo independente da espessura do filme;
(4) assumindo que os filmes passivos sejam semicondutores incipientes,
22
considera-se que os eltrons e os buracos eletrnicos no filme estejam em estado
de equilbrio e as reaes eletroqumicas que os envolvem so cineticamente
controladas na interface metal/filme ou filme/soluo. Por outro lado, assume-se
que a etapa controladora da velocidade de reao para aqueles processos que
envolvem lacunas de ons metlicos ou de ons oxignio seja o transporte dessas
lacunas atravs do filme. Essa suposio implica que as lacunas de ons metlicos
e de ons de oxignio estejam em equilbrio tanto na interface metal/filme como na
interface filme/soluo. Com base nessas suposies, os autores desenvolveram
expresses matemticas para a cintica de crescimento do filme passivo e, em
uma segunda publicao (Lin et al. 1981), complementaram o modelo para a
quebra do filme e a iniciao de pites. Posteriormente, esse modelo foi utilizado
para a interpretao de dados de espectroscopia de impedncia eletroqumica em
filmes passivos sobre nquel em solues tamponadas de fosfato e borato
(Macdonald e Smedley 1990a e b). Macdonald (1992) estendeu os conceitos
analisando camadas passivas sobre tungstnio.
Uma outra abordagem, denominada abordagem da carga superficial, foi
proposta por Bojinov (1995) para o crescimento de filmes passivos andicos sobre
metais. O filme passivo seria representado como uma estrutura de um
semicondutor tipo-n isolante - semicondutor tipo-p (n-i-p) dopado com a injeo
de lacunas de oxignio (doadores) na interface filme/substrato durante o
crescimento do filme e lacunas de ons metlicos (receptores) na interface
filme/eletrlito, durante a dissoluo do filme. Assumindo que o transporte de
lacunas de ons metlicos mais lento do que sua taxa de aniquilao na interface
metal/filme, elas se acumulam na interface filme/soluo. Segundo Ahn e Kwon
(2005), apesar da abordagem de Bojinov se basear no Modelo de Defeito Pontual,
seu tratamento matemtico mais adequado para a determinao da difusividade
dos defeitos pontuais nos filmes passivos de metais.
3.5.1 Composio do filme passivo e resistncia corroso Olsson e Landolt (2003) investigaram a estrutura e o crescimento dos filmes
passivos sobre aos inoxidveis. O trabalho uma extensa reviso sobre os
23
mtodos experimentais para estudo do filme passivo. Existem tcnicas ex-situ
como XPS (espectroscopia de fotoeltrons excitados por raios-X), AES
(espectroscopia de eltrons Auger), SIMS (espectroscopia de on de massa
secundria) e ISS (espectroscopia de espalhamento inico) e in-situ como XANES
(espectroscopia de absoro de raios-X) e anlise qumica da soluo. O filme
tambm pode ser influenciado pelo ambiente (potencial, espcies em soluo, pH,
temperatura). Caractersticas microestruturais decorrentes da adio de diferentes
elementos de liga tambm alteram a estrutura e composio qumica do filme
passivo.
Leito et al. (1997) investigaram o comportamento eletroqumico por meio
de curvas de polarizao cclica e as modificaes superficiais por anlise com
XPS de um ao inoxidvel implantado com ons nitrognio. Os testes
eletroqumicos foram conduzidos em soluo salina balanceada de Hanks (HBSS)
a temperatura ambiente. Os valores de potencial de pite e densidade de corrente
passiva obtidos a partir das curvas de polarizao cclica so similares para as
amostras de ao 316L implantadas com ons nitrognio e aquelas sem nenhum
tratamento. Em relao estrutura da camada superficial, a anlise por XPS
indicou um enriquecimento em fsforo e clcio. A presena desses ons pode
influenciar o comportamento in vivo dos implantes de ao inoxidvel pois os
fosfatos de clcio aceleram a formao de osso em sua superfcie.
Wallinder et al. (1999) avaliaram os efeitos do acabamento superficial,
passivao em cido ntrico e envelhecimento ao ar sobre a resistncia corroso
de um ao 316L. Os autores utilizaram espectroscopia de impedncia
eletroqumica e polarizao potenciodinmica para investigar o comportamento de
corroso e anlise por XPS para estudar a composio qumica do filme passivo.
Valores de resistncia de polarizao e densidade de corrente passiva indicaram
que a resistncia corroso mais elevada para amostras com acabamento
superficial mais liso. A corroso mais acelerada das amostras com superfcie
rugosa pode estar relacionada sua maior rea superficial em relao s
amostras com superfcie mais lisa ou, ainda, ao grande nmero de sulcos que
devem ter uma taxa de dissoluo elevada. Outros parmetros que influenciam a
24
resistncia corroso do ao 316L so a concentrao de cido ntrico, o tempo
de passivao e a temperatura da soluo. Tempos mais longos e temperaturas
mais elevadas (da ordem de 70C) aumentam a resistncia de polarizao e
diminuem a densidade de corrente passiva. Esse efeito benfico pode ser
atribudo ao espessamento do filme passivo e ao aumento do teor de cromo no
filme. O envelhecimento ao ar aps tratamento de passivao em soluo de
cido ntrico aumentou a resistncia de polarizao. No entanto, o mesmo mtodo
de envelhecimento ao ar para amostra no passivada teve efeito insignificante
sobre a resistncia corroso do ao 316L.
Hultquist e Leygraf (1980) relacionaram a composio superficial de um ao
inoxidvel tipo 316L iniciao do processo de corroso em frestas. A anlise de
superfcie foi feita por espectroscopia de eltrons Auger. Os testes eletroqumicos
para verificao da iniciao de corroso em frestas foram realizados em soluo
de cloreto de sdio. As frestas foram criadas por um anel de borracha pressionado
contra a superfcie plana da amostra de ao 316L. Os resultados mostraram que
se o teor de nquel no filme protetor e o acabamento superficial so similares,
existe uma relao direta entre o teor de cromo na superfcie e a resistncia
corroso em frestas. Ligaes de Cr-O ou Cr-OH no filme protetor dificultam o
movimento de ctions para a soluo, retardando a quebra local do filme.
A microestrutura e a resistncia corroso de um ao inoxidvel tipo 316L
foram investigadas por Shieu et al. (1998). O enfoque do trabalho no sobre
aplicaes biomdicas e sim industriais. Informaes sobre a microestrutura e a
composio qumica do filme de xido superficial formado sobre o ao 316L foram
obtidas por microscopia eletrnica de transmisso e espectroscopia de perda de
energia eletrnica (EELS), respectivamente. Foi observado que o filme tem uma
estrutura em multicamadas, sendo a camada superior composta de -Fe2O3, seguida por uma mistura de -Fe2O3 e Fe3O4. A anlise qumica atravs da direo da espessura do filme revelou que o teor de oxignio diminui medida
que se avana da superfcie em direo interface xido/metal. Alm disso, o teor
de cromo no filme de xido apresenta variao oposta, ou seja, mais elevado
prximo interface xido/metal e mais baixo medida que se aproxima da
25
superfcie. Essa deficincia do teor de cromo na camada de xido pode ser
prejudicial para a resistncia corroso do ao 316L. Deve-se salientar, no
entanto, que essas caractersticas se referem ao ao 316L depois de
determinadas condies de imerso em soluo de cido sulfrico e no em
fluidos fisiolgicos.
O filme passivo de aos inoxidveis, formado em soluo fisiolgica
contendo agente complexante, foi estudado por Milosev e Strehblow (2000) por
espectroscopia de fotoeltrons excitados por raios-X (XPS). O agente
complexante utilizado foi citrato. Dois tipos de aos inoxidveis foram testados:
uma liga ortopdica Protema-42 e um ao AISI 304 comercial. As ligas foram
polarizadas em diferentes potenciais de oxidao em uma cmara eletroqumica
ligada ao espectrmetro. O filme passivo formado em soluo fisiolgica consiste
de dois xidos predominantes: de cromo e de ferro. xidos de nquel e molibdnio
foram tambm detectados no filme. Os autores sugerem que a resistncia
corroso do ao cirrgico devida ao enriquecimento de xidos em cromo e
molibdnio na camada passiva e tambm ao enriquecimento de molibdnio e
depleo de ferro na superfcie metlica sob a camada passiva. A adio do
agente complexante afeta significativamente o comportamento de passivao do
ao ortopdico, pois altera a distribuio dos elementos dentro da camada passiva
e abaixo dela, na superfcie do metal.
Ektessabi et al. (2001) utilizaram fluorescncia de raios-X e espectroscopia de absoro de raios-X (XANES) para investigar a distribuio e os estados
qumicos de traos dos elementos Fe, Cr e Ti incorporados em tecidos ao redor de
um implante de quadril que apresentou falha. O objetivo do estudo foi investigar as
interaes entre materiais de implante e tecidos vivos. O implante foi retirado de
uma paciente do sexo feminino com sintomas de artrose e era constitudo por uma
haste de liga de titnio, cabea feita de ao inoxidvel e acetbulo de polietileno.
Tanto a haste como a cabea estavam recobertos com hidroxiapatita. A
espectroscopia de absoro de raios-X permitiu verificar as mudanas de estado
qumico do ferro, o que pode estar relacionado dissoluo do ferro a partir das
partculas de ao inoxidvel.
26
O estudo da interface entre o implante e o tecido vivo importante para a
compreenso das reaes que ocorrem entre eles, no meio fisiolgico. Tcnicas
como espectroscopia de eltrons Auger (AES) e espectroscopia de fotoeltrons
excitados por raios-X (XPS) fornecem informaes qumicas da regio de
interface. Os aos inoxidveis so amplamente aplicados como materiais para
implantes ou como estruturas de fixao, tornando o estudo de sua interface um
tpico essencial na rea de biomateriais. Sundgren et al. (1985) estudaram a
interface de implantes de ao inoxidvel 316L com tecidos humanos por meio de
espectroscopia de eltrons Auger e microscopia eletrnica de perfil profundo. A
natureza e a espessura do filme de xido sobre os implantes mostraram ser
dependentes de sua localizao no corpo. Antes dos materiais serem implantados,
a camada de xido tem uma espessura de 50 , constituda principalmente por
xido de cromo. Para implantes posicionados no osso cortical, a espessura da
camada interfacial de xido permanece inalterada, enquanto, na matriz ssea, h
um aumento de trs ou quatro vezes. Em ambos os casos, clcio e fsforo so
incorporados nos xidos. Implantes localizados em tecidos moles tm uma
camada de xido interfacial com espessura superior quela encontrada nas
amostras ainda no implantadas (por volta do dobro da espessura). Nesse caso,
no foi verificada a presena de clcio e fsforo.
Castle e Clayton (1977) utilizaram XPS para analisar a camada passiva de
um ao inoxidvel austentico comercial 18% de cromo e 8% de nquel. Foi feita a
repassivao desse material em gua desaerada, neutra, a temperatura ambiente.
A camada passiva apresentou um carter duplex, sendo que camada interna
rica em cromo. A camada externa rica em ons OH- e sua espessura aumenta
quando a amostra exposta a volumes maiores de gua e no contm molculas
orgnicas. Este trabalho foi um dos primeiros a desenvolver uma metodologia de
anlise por XPS da camada passiva dos aos inoxidveis. Uma das principais
preocupaes dos autores foi superar dificuldades experimentais encontradas at
ento.
O comportamento do cromo e do molibdnio no processo de corroso
localizada dos aos foi estudado por Yang et al. (1984). Os autores avaliaram o
27
comportamento eletroqumico de molibdnio e cromo puros e de alguns aos
inoxidveis sob condies similares quelas existentes dentro das clulas de
corroso oclusas dos aos. As solues de ensaio foram de FeCl2 e CrCl3
desaeradas. Os filmes passivos foram analisados por AES e XPS. O filme
superficial existente na regio passiva em potenciais mais baixos (por volta de
50mVECS) mostrou a presena de Mo e oxignio, mas no de ferro, sugerindo
que o filme bastante protetor, nesta faixa de potenciais. Para potenciais mais
elevados (+350mVECS) foi verificada a presena de Fe, O e Cl na camada externa
do filme passivo e de Mo e Cl na camada interna. Curvas de polarizao andica
mostraram que o Cr passivo para valores de pH superiores a 3,8. Para
condies de pH mais baixo, o Cr3+ pode sofrer hidrlise promovendo corroso
localizada dos aos inoxidveis. Nessas condies mais cidas, o xido de
molibdnio (MoO2) estvel e muito protetor, retardando a propagao da
corroso localizada.
A influncia do molibdnio sobre o comportamento de passivao de ligas
de nquel foi estudada por Clark et al. (1990). Foram realizados testes de
polarizao andica potenciodinmica cclica em soluo 4N de HCl a 30C. Para
uma razo Fe/Ni constante, a adio de molibdnio diminuiu o potencial de incio
da passivao e tambm a densidade de corrente passiva. O molibdnio
contribuiria, portanto, para aumentar a estabilidade da camada passiva nos aos
inoxidveis. Qvarfort (1998) verificou que, durante o estgio inicial de propagao
do pite em aos inoxidveis, h a precipitao de uma camada de xido porosa e
espessa, rica em molibdnio nas paredes do pite. Essa camada diminui a taxa de
corroso, favorecendo a repassivao de pites metaestveis.
Marcus (1994) props um mecanismo interessante para descrever o papel
desempenhado pelo cromo e pelo molibdnio sobre a passividade dos aos
inoxidveis. A abordagem do autor se baseia em duas propriedades fundamentais
dos metais que so as resistncias das ligaes oxignio-metal e metal-metal. Um
aumento da passivao obtido com elementos que possuem uma elevada
energia de ligao oxignio-metal (alto calor de adsoro de oxignio ou hidroxila)
e uma baixa energia de ligao metal-metal. Isso ocorre porque a nucleao de
28
uma camada de xido estvel requer a quebra de ligaes metal-metal. O
principal exemplo dessa classe de elementos metlicos o cromo que combina
um elevado calor de adsoro de oxignio e uma energia de ligao metal-metal
relativamente baixa. Ainda segundo Marcus, os moderadores de dissoluo ou
bloqueadores so elementos com elevada energia de ligao metal-metal, pois
essa caracterstica aumenta a barreira de energia de ativao para a dissoluo.
Esse seria o papel desempenhado pelo molibdnio em razo da elevada energia
da ligao Mo-Mo.
Zabel et al. (1988) investigaram, por espectroscopia de eltrons Auger
(AES), o filme superficial de amostras de ao inoxidvel 316L submetidas a
corroso in vitro e in vivo. O objetivo dos autores foi estudar as mudanas
ocorridas no filme de xido do ao inoxidvel devido exposio a solues
contendo cloretos e protenas in vitro e a fluidos biolgicos in vivo. Foi aplicado um
potencial de +500mVECS por 30 minutos para acelerar o processo de corroso
andica. Experimentos realizados em soluo de cloreto de sdio (0,9%)
indicaram pequena alterao na natureza do filme superficial em comparao com
uma amostra de controle no atacada. A anlise por AES de amostras imersas em
soluo de soro ou in vivo revelou que a espessura do filme passivo depende do
ambiente corrosivo. Filmes de amostras imersas em soro ou in vivo foram
similares ao filme da amostra de controle. Picos de cromo e nquel no foram
observados aps corroso em soro e in vivo.
O filme passivo formado sobre ao inoxidvel 316L em soluo de cido
ntrico foi estudo por Wang et al. (2001). Os autores avaliaram o comportamento
eletroqumico do ao 316L em soluo de cido ntrico por meio de curvas de
polarizao. A estrutura do filme passivo foi investigada por microscopia de fora
atmica e XPS. A resistncia corroso foi significativamente melhorada aps
imerso das amostras na soluo de cido ntrico, especialmente em relao
formao de pites. Anlise por XPS mostrou que foi formada uma camada estvel
mista. Compostos do tipo FeOOH ou Fe(OH)3 e CrOOH e Cr(OH)3 estavam na
camada externa do filme passivo, a qual poderia promover a repassivao do filme
passivo e aumentar a resistncia corroso das amostras. Verificou-se a
29
presena de Mo6+ e Mo4+ na camada externa do filme passivo. A microscopia de
fora atmica mostrou que a superfcie do ao 316L, aps imerso na soluo de
cido ntrico, apresentou menor rugosidade.
3.5.2 Propriedades eletrnicas do filme passivo Segundo Lovrecek e Sefaja (1972), propriedades semicondutoras podem
ser esperadas para um xido defeituoso. Os autores estudaram a camada passiva
sobre eletrodos de cromo, medindo a capacitncia em soluo 1N H2SO4 na faixa
de freqncias de 60-20.000Hz. A partir das medidas de capacitncia, os autores
calcularam a concentrao de portadores de carga no filme e verificaram uma
dependncia linear desses valores com o inverso da temperatura. Esse
comportamento tpico de semicondutores.
Alm dessa referncia, uma srie de artigos encontrados na literatura
analisa o comportamento semicondutor dos filmes passivos sobre os aos
inoxidveis, associando suas propriedades eletrnicas com a resistncia
corroso. Szklarska et al. (1991) estudaram os filmes de xido formados sobre ao
inoxidvel AISI 304 exposto a gua litiada em uma faixa de temperaturas entre
100 - 350C. A composio do filme foi analisada por espectroscopia de eltrons
Auger (AES) e o comportamento semicondutor pelas curvas de polarizao
andica e catdica no sistema redox Fe(CN)3-6/Fe(CN)4-6. O comportamento de
um semicondutor tipo-n foi diferenciado de um semicondutor tipo-p com base nos
valores dos coeficientes de transferncia de carga andico (A) e catdico (C), dados pelas inclinaes das curvas de polarizao andica e catdica. Valores
pequenos de A ou AC caracterizam filmes cujo comportamento semicondutor do tipo-n, enquanto para A0,4 e A>C o comportamento o de um semicondutor tipo-p. A densidade de pites no filme passivo maior quando o
comportamento de um semicondutor tipo-n. Variaes de temperatura podem
alterar a estrutura eletrnica do filme passivo, transformando um filme tipo-n em
um filme tipo-p e vice-versa. No entanto, essa no a abordagem mais freqente
encontrada na literatura para o estudo das propriedades eletrnicas dos filmes
passivos sobre aos inoxidveis.
30
Segundo Hakiki et al. (1995), a estrutura eletrnica dos filmes passivos
formados sobre aos inoxidveis austenticos pode ser descrita por um modelo de
duas camadas. Uma camada externa de xidos e hidrxidos de ferro (prxima
soluo) que tem o comportamento de um semicondutor extrnseco tipo-n e uma
camada interna de xido de cromo que tem o comportamento de um semicondutor
extrnseco tipo-p. Sato (1990) tambm cita essa caracterstica dos xidos de ferro
e cromo em seu trabalho sobre a passividade dos metais. No caso de Hakiki et al.
(1995), a composio do filme foi confirmada por espectroscopia de eltrons
Auger (AES). Esses autores estudaram o filme passivo do ao inoxidvel AISI 304
e ligas Fe-Cr com diferentes concentraes de cromo com o objetivo de verificar a
influncia desse elemento sobre as propriedades eletrnicas do filme. O estudo
utilizou a abordagem de Mott-Schottky para determinar a estrutura eletrnica dos
filmes. Esse mtodo consiste em medidas de capacitncia, utilizando
espectroscopia de impedncia eletroqumica, em uma freqncia especfica, com
o eletrodo de trabalho imerso no eletrlito a uma temperatura determinada. A
interface filme passivo/eletrlito descrita pela expresso de Mott-Schottky
segundo a equao (1):
+++=ekTUU
qNCC fbqH 022
211 (1)
Nessa expresso, C a capacitncia da interface filme/eletrlito, U o
potencial aplicado, CH a capacitncia da dupla camada eltrica, a constante dieltrica do filme passivo, 0 a permissividade do vcuo, Nq a densidade de dopantes a qual representa as densidades de doadores ou receptores para um
semicondutor tipo-n ou tipo-p, respectivamente, q a carga elementar (-e para os
eltrons e +e para os buracos eletrnicos), k a constante de Boltzmann, T a
temperatura e UFB o potencial de banda plana. O grfico de 1/C2 vs. U
conhecido como grfico de Mott-Schottky. A inclinao desse grfico associada
com um semicondutor tipo-n (inclinao positiva) ou tipo-p (inclinao negativa). O
31
valor da inclinao fornece a concentrao de dopantes Nq se a constante
dieltrica do filme passivo conhecida. A extrapolao do grfico 1/C2 vs. U para 1/C20 fornece o valor do potencial de banda plana UFB (correspondente ao potencial em que no h excesso de carga no interior do semicondutor). Segundo
Dean e Stimming (1987), a validade desse mtodo se baseia nas suposies de
que a capacitncia da camada de carga espacial muito menor do que a
capacitncia da dupla camada eltrica e que o eletrodo pode ser descrito em
termos de um semicondutor com um estado ionizado doador ou receptor
posicionado prximo extremidade mais baixa da banda de conduo ou prximo
extremidade mais alta da banda de valncia.
No trabalho de Hakiki et al. (1995), o eletrlito utilizado foi uma soluo
tamponada de H3BO3 (0,05M) + Na2B4O7.10H2O (0,075M) com pH=9,2 desaerada
com nitrognio a temperatura ambiente. As amostras foram polarizadas por 2h a
-0,3V, +0,3V e +0,8V antes das medidas de capacitncia, a fim de representar
diferentes regies do filme passivo. Esse procedimento foi adotado tanto para o
ao inoxidvel AISI 304 como para as ligas Fe-Cr. Os autores concluram que o
comportamento de um semicondutor tipo-n associado camada mais externa do
filme passivo, formada por xidos de ferro. Por outro lado, na regio mais rica em
cromo (camada mais interna do filme), o comportamento o de um semicondutor
tipo-p.
A abordagem de Mott-Schottky utilizada em diversos outros trabalhos
encontrados na literatura para o estudo das propriedades eletrnicas dos filmes
passivos formados sobre aos inoxidveis e ferro (Montemor et al. 2000, Simes
et al. 1990, Hakiki et al. 1998, Montemor et al. 1997, da Cunha Belo et al. 1998,
Ahn e Kwon 2004, Carmezim et al. 2005). Normalmente, so utilizadas amostras
imersas em solues tamponadas temperatura ambiente e desaeradas a fim de
estudar o filme passivo em uma condio estvel.
Da Cunha Belo et al. (1998), por exemplo, investigaram as propriedades
eletrnicas do filme passivo formado sobre o ao inoxidvel 316L em soluo
tamponada H3BO3 (0,05M) + Na2B4O7.10H2O (0,075M) com pH=9,2 desaerada
com nitrognio a temperatura ambiente. O filme passivo havia sido previamente
32
formado pela exposio das amostras do ao 316L a um ambiente tpico de um
reator nuclear a gua pressurizada (PWR) por 2000h a 350h. O objetivo dos
autores era correlacionar as propriedades do filme passivo com o processo de
corroso sob tenso dos aos inoxidveis utilizados em reatores nucleares. Alm
de medidas de capacitncia com a abordagem Mott-Schottky, os autores tambm
avaliaram a estrutura e composio do filme passivo utilizando microscopia
eletrnica de transmisso, espectroscopia Raman, difrao de raios-X e
microscopia de fora atmica. O uso dessas tcnicas analticas permitiu a
identificao de trs regies distintas para a camada passiva formada sobre o ao
316L nas condies estudadas: uma camada mais externa de Ni0.75Fe2.25O4, uma
camada intermediria de Fe3O4 e Ni0.75Fe2.25O4 e uma camada mais interna rica
em xido de cromo. Os resultados de capacitncia foram muito semelhantes aos
obtidos no trabalho de Hakiki et al. (1995) sobre o ao inoxidvel AISI 304 e ligas
Fe-Cr na mesma soluo desaerada a temperatura ambiente. Na regio mais rica
em cromo (camada mais interna do filme), o comportamento o de um
semicondutor tipo-p, enquanto o comportamento de um semicondutor tipo-n
associado s camadas mais externa do filme passivo, formada por xidos de ferro
e nquel.
Simes et al. (1990) tambm utilizaram soluo tamponada H3BO3 (0,05M)
+ Na2B4O7.10H2O (0,075M) com pH=9,2 desaerada com nitrognio a temperatura
ambiente para estudar os filmes passivos formados sobre o ao inoxidvel AISI
304. O mesmo grupo, em outro trabalho (Hakiki et al. 1998) utilizou as mesmas
condies para avaliar as propriedades semicondutoras dos filmes passivos dos
aos inoxidveis AISI 316 e 304. Nesse caso, os resultados foram comparados
com ligas de cromo, nquel e molibdnio de alta pureza a fim de comparar os
resultados obtidos com os aos inoxidveis e verificar a influncia dos diferentes
elementos de liga desses materiais nas propriedades eletrnicas do filme passivo.
Em um outro trabalho do mesmo grupo (Montemor et al. 1997), o efeito do
molibdnio sobre as propriedades semicondutoras dos filmes passivos formados
sobre os aos inoxidveis AISI 304 e 316 foram estudadas nas mesmas
condies, ou seja, soluo tamponada H3BO3 (0,05M) + Na2B4O7.10H2O
33