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INSTITUTO DE PESQUISAS ENERGÉTICAS E NUCLEARES Autarquia associada à Universidade de São Paulo CARACTERIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO FRENTE À CORROSÃO DE UM AÇO INOXIDÁVEL AUSTENÍTICO PARA APLICAÇÕES BIOMÉDICAS COM REVESTIMENTOS PVD DE TiN, TiCN E DLC Renato Altobelli Antunes Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Ciências na Área de Tecnologia Nuclear – Materiais. Orientadora: Dra. Isolda Costa São Paulo 2006

Caracterização do comportamento frente à corrosão de um aço inoxidável austenítico para aplicações biomédicas com revestimentos PVD de Tin, TiCn e DLC

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Caracterização do comportamento frente à corrosão de um aço inoxidável austenítico para aplicações biomédicas com revestimentos PVD de Tin, TiCn e DLC

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  • INSTITUTO DE PESQUISAS ENERGTICAS E NUCLEARES

    Autarquia associad

    CARACTERIZAO DO COMPOAO INOXIDVEL AUSTENTIC

    REVESTIMENTO

    Renato

    a Universidade de So Paulo RTAMENTO FRENTE CORROSO DE UM O PARA APLICAES BIOMDICAS COM S PVD DE TiN, TiCN E DLC

    Altobelli Antunes

    Tese apresentada como parte dos requisitos para obteno do grau de Doutor em Cincias na rea de Tecnologia Nuclear Materiais. Orientadora: Dra. Isolda Costa

    So Paulo 2006

  • AGRADECIMENTOS

    Dra. Isolda Costa por sua orientao, seu apoio e sua confiana sempre

    presentes.

    Ao amigo Dr. Ronaldo Ruas da Brasimet S. A., por sua ajuda imprescindvel e

    constante na aplicao dos revestimentos de TiN, TiCN e DLC em todas as

    amostras ao longo do trabalho. Sem ele, este trabalho no teria sido possvel.

    minha esposa Msc. Mara Cristina Lopes de Oliveira por sua ajuda e seu

    companheirismo que sempre nos mantiveram unidos ao longo deste trabalho.

    Ao amigo e tcnico do Laboratrio de Corroso do IPEN Olandir Vercino Correa

    por sua ajuda fundamental.

    Dra. Olga Zazuco Higa do IPEN por sua ajuda e orientao nos testes de

    citotoxicidade e genotoxicidade.

    Ao amigo Dr. Srgio Luiz de Assis pelas valiosas discusses.

    Ao tcnico do Laboratrio de Difrao de Raios-X do IPEN Ren Ramos de

    Oliveira pelas anlises por difratometria de raios-X.

    Aos tcnicos do Laboratrio de Microscopia & Microanlise do IPEN Celso Vieira

    de Morais, Glauson Aparecido Ferreira e Nildemar Aparecido Messias pelas

    anlises de microscopia eletrnica de varredura.

    Ao pessoal do Laboratrio de Fenmenos de Superfcie da Escola Politcnica da

    USP, em especial aos tcnicos Leandro Justino de Paula e Jovanio Oliveira

    Santos pelas medidas de dureza. Dra. Maria Cristina Mor Farias pela ajuda

    com a obteno e anlise dos resultados de ensaio de desgaste.

    Dra. Andra Ceclia Dorin Rodas, aluna de ps-doutorado do IPEN, pela ajuda

    na obteno e interpretao dos resultados do teste de genotoxicidade.

    Dra. Mrcia Rizzutto do Instituto de Fsica da USP (IFUSP) pela ajuda na

    obteno e anlise dos resultados de PIXE.

    Msc. Solange G. Lorenzetti pela ajuda na preparao experimental de uma

    grande etapa do trabalho, especialmente com relao soluo de Hanks.

    Dra. Mitiko Saiki do IPEN pela anlise qumica por ativao com nutrons.

    II

  • Dra. Dalva Lcia Arajo de Faria do Instituto de Qumica da USP (IQUSP) pela

    ajuda na obteno dos espectros Raman.

    Ao CNPq pelo apoio financeiro.

    III

  • DEDICATRIA

    minha esposa Mara Cristina Lopes de Oliveira

    Aos meus pais Damastor e Helosa

    IV

  • You are going to reap just what you sow

    (Lou Reed)

    V

  • RESUMO

    CARACTERIZAO DO COMPORTAMENTO FRENTE CORROSO DE UM AO INOXIDVEL AUSTENTICO PARA APLICAES BIOMDICAS COM

    REVESTIMENTOS PVD DE TiN, TiCN E DLC

    Renato Altobelli Antunes Biomateriais metlicos devem apresentar uma combinao de propriedades

    como resistncia corroso, biocompatibilidade e resistncia mecnica. Os aos

    inoxidveis austenticos, especialmente do tipo AISI 316L, aliam estas

    propriedades com a possibilidade de fabricao a um baixo custo. No entanto, so

    susceptveis corroso nos fluidos fisiolgicos e seus produtos de corroso

    podem causar reaes alrgicas ou infecciosas nos tecidos vizinhos ao implante.

    No presente trabalho, a aplicao de revestimentos obtidos por processos de

    deposio fsica de vapor (PVD) sobre um ao inoxidvel austentico do tipo AISI

    316L foi realizada a fim de aumentar sua resistncia corroso e

    biocompatibilidade. Os filmes depositados foram de nitreto de titnio (TiN),

    carbonitreto de titnio (TiCN) e de carbono tipo diamante (DLC). Estes materiais

    tm alta dureza e resistncia ao desgaste, alm de biocompatibilidade intrnseca,

    caractersticas altamente desejveis para aplicaes biomdicas.

    A caracterizao do comportamento eletroqumico do ao com os trs tipos

    de revestimentos mostrou que a presena de defeitos na superfcie das camadas

    depositadas exerce uma influncia negativa sobre a resistncia corroso do

    substrato. A presena dos defeitos foi evidenciada por microscopia eletrnica de

    varredura. Foi proposto um mecanismo, com base nos dados obtidos por

    espectroscopia de impedncia eletroqumica, para explicar a evoluo do

    comportamento eletroqumico do ao com os diferentes revestimentos ao longo do

    tempo de imerso.

    Foram tambm empregados dois tratamentos de passivao da superfcie

    do ao em solues de cido sulfrico e cido ntrico, a fim de aumentar a

    resistncia corroso do substrato. Os resultados indicaram que os tratamentos

    VI

  • utilizados no foram eficientes para melhorar esta caracterstica, mas podem ser

    modificados visando um desempenho superior.

    As propriedades eletrnicas dos filmes passivos formados, tanto sobre o

    ao sem tratamento de passivao como sobre o ao passivado, foram estudadas

    utilizando a abordagem de Mott-Schottky. Os filmes apresentaram um carter

    duplex, mostrando comportamento de um semicondutor altamente dopado acima

    e abaixo do potencial de banda plana. A concentrao de dopantes no filme

    passivo foi associada resistncia corroso do material.

    Os trs revestimentos PVD investigados apresentaram comportamento no

    citotxico. Considerando a diminuio do coeficiente de atrito do ao 316L, os

    revestimentos de TiCN e o DLC foram os mais eficientes. Estas caractersticas,

    aliadas ao fator custo, sugerem que a aplicao comercial destes materiais sobre

    implantes ortopdicos pode ser vivel. No entanto, a resistncia corroso,

    conforme a avaliao realizada no presente estudo, no foi adequada quando

    comparada ao desempenho do ao sem nenhum tipo de revestimento. Ao final do

    texto, so apresentadas algumas sugestes a fim de conseguir um desempenho

    superior para a capacidade protetora dos revestimentos PVD.

    VII

  • ABSTRACT

    CHARACTERIZATION OF THE CORROSION BEHAVIOR OF AN AUSTENITIC STAINLESS STEEL FOR BIOMEDICAL APPLICATIONS COATED WITH TiN,

    TiCN AND DLC PVD COATINGS

    Renato Altobelli Antunes

    Metallic biomaterials must present a combination of properties such as

    corrosion resistance, biocompatibility and mechanical resistance. Austenitic

    stainless steels, especially AISI 316L combine these properties with the easy of

    fabrication at low cost. However, they are prone to corrosion in physiological

    solutions. Furthermore, their corrosion products may lead to infectious ou

    allergenic reactions in the tissues around the implant device. In the present work,

    coatings produced by physical vapour deposition (PVD) methods have been

    applied on the surface of a 316L stainless steel to increase its corrosion resistance

    and biocompatibility. Three thin films were tested: titanium nitride (TiN), titanium

    carbonitride (TiCN) and diamond-like carbon (DLC). These materials present high

    hardness, wear resistance and intrinsic biocompatibility that are key features when

    considering biomedical applications.

    The characterization of the electrochemical behavior of the stainless steel

    coated with the three different films showed that the presence of surface defects

    are deleterious to the corrosion resistance of the substrate. These defects were

    observed using scanning electron microscopy. The evolution of the electrochemical

    behavior of the coated steel was explained through a mechanism based on the

    experimental results obtained using electrochemical impedance spectroscopy.

    Two different passivation treatments were carried out on the stainless steel

    surface, either in sulfuric or nitric acid solutions, to increase its corrosion

    resistance. The results suggested que these treatments were not efficient, but may

    be modified to improve its performance.

    The electronic properties of the passive films of the non-passivated and

    passivated stainless steel were studied using the Mott-Schottky approach. The

    VIII

  • films presented a duplex character. Below the flatband potential the behavior is

    typical of a highly doped type-p semiconductor. Above the flatband potential is

    typical of a highly doped type-n semiconductor. The doping concentration in the

    passive film was determined and associated with the corrosion resistance of the

    substrate.

    All PVD coatings investigated showed non-cytotoxic behavior. DLC and

    TiCN coatings decreased the friction coefficient of the stainless steel substrate.

    These properties allied with the stainless steel low cost recommend their

    commercial use for implants materials purposes. Nevertheless the corrosion

    resistance presented by the coated-steel was inferior to that of the bare steel and

    should be improved. At the end of the present text, some suggestions are

    proposed in order to improve the corrosion protection performance of the PVD

    coatings.

    IX

  • SUMRIO AGRADECIMENTOS II DEDICATRIA IV RESUMO VI ABSTRACT VIII SUMRIO X 1. INTRODUO 1 2. OBJETIVOS 6 3. REVISO BIBLIOGRFICA 7 3.1 Informaes Bsicas 7

    3.2 Mecanismos e causas de falhas dos implantes de ao inoxidvel 9

    3.3 Comportamento eletroqumico 12

    3.4 Biocompatibilidade 16

    3.5 Estrutura do filme passivo 20

    3.5.1 Composio do filme passivo e resistncia corroso 23

    3.5.2 Propriedades eletrnicas do filme passivo 30

    3.6 Tcnicas de modificao de superfcie: aumento da resistncia

    corroso e da biocompatibilidade dos implantes de ao inoxidvel

    39

    3.6.1 Revestimentos por processo de deposio fsica de vapor (PVD

    Physical Vapour Deposition)

    44

    3.7 Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica Modelamento com

    Circuitos Eltricos Equivalentes

    65

    3.7.1 Modelamento com circuitos eltricos equivalentes para metais

    passivos sem revestimento

    67

    3.7.2 Modelamento com circuitos eltricos equivalentes para metais com

    revestimentos

    73

    3.8 Passivao da superfcie do ao 316L 79

    4. MATERIAIS E MTODOS 82 4.1 Material 82

    4.2 Revestimentos 82

    4.3 Passivao 84

    X

  • 4.4 Anlise microestrutural 85

    4.5 Corroso intergranular 85

    4.6 Difratometria de raios-x (DRX) 86

    4.7 Espectroscopia Raman 86

    4.8 Ensaio de adeso 86

    4.9 Nanodureza 89 4.10 Ensaio de Desgaste (esfera contra disco) 90 4.11 Teste de citotoxicidade in vitro 91 4.12 Genotoxicidade 93 4.13 Anlise qumica por ativao com nutrons 97 4.14 Medidas de PIXE 98 4.15 Microscopia Eletrnica de Varredura (MEV) 100 4.16 Ensaios eletroqumicos 101 4.16.1 Porosidade 101 4.16.2 Potencial versus tempo de imerso 102 4.16.3 Espectroscopia de impedncia eletroqumica (eie) 103 4.16.4 Polarizao potenciodinmica 104 4.16.5 Propriedades eletrnicas do filme passivo (grficos de Mott-

    Schottky)

    104

    5. RESULTADOS 111 5.1 Anlise Microestrutural 111 5.2 Corroso intergranular 112 5.3 Difratometria de raios-x 114 5.4 Espectroscopia raman 117 5.5 Teste de Adeso (mtodo do riscamento - scratch test) 122 5.6 Nanodureza 125 5.7 Ensaio de desgaste (esfera contra disco) 128 5.8 Ensaio de citotoxicidade 134 5.9 Teste de genotoxicidade 135

    5.10 Anlise qumica da soluo por ativao com nutrons 137

    5.11 Emisso de raios-X induzida por prtons (PIXE) 139

    XI

  • 5.12 Microscopia eletrnica de varredura 149

    5.13 Determinao da Porosidade dos Revestimentos PVD 160

    5.14 Potencial de circuito aberto versus tempo de imerso 167

    5.15 Espectroscopia de Impedncia Eletroqumica (EIE) 170

    5.16 Polarizao potenciodinmica 187

    5.17 Propriedades Eletrnicas do Filme Passivo Grficos de Mott-

    Schottky

    191

    6. DISCUSSO 210 6.1 Ajuste dos dados de EIE com circuitos eltricos equivalentes 210

    6.2 Variao dos parmetros dos circuitos eltricos equivalentes com o

    tempo de imerso para o ao 316L sem tratamento de passivao e sem

    revestimento e passivado em solues de HNO3 30%v e H2SO4 15%v a

    temperatura ambiente por 10 minutos

    244

    6.3 Variao dos parmetros dos circuitos eltricos equivalentes com o

    tempo de imerso para o ao 316L sem tratamento de passivao com

    revestimentos de TiN, TiCN e DLC

    250

    6.4 Porosidade 256

    6.5 Polarizao potenciodinmica 262

    6.6 Propriedades eletrnicas do filme passivo 269

    6.7 Consideraes finais 279

    7. CONCLUSES 281 8. SUGESTES PARA TRABALHOS FUTUROS 284 9. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 285 APNDICE 309

    XII

  • 1. Introduo

    O uso de materiais em aplicaes biomdicas antigo. Existem registros de

    que romanos, chineses e astecas utilizavam ouro em tratamentos dentrios mais

    de 2000 mil anos atrs. Dentes de marfim ou madeira e olhos de vidro so outros

    exemplos encontrados ao longo da histria da humanidade. No incio do sculo

    XX, foram relatados os primeiros casos do uso de placas metlicas de fixao

    para fraturas de ossos longos. Nos anos de 1930, tem-se o registro das primeiras

    juntas artificiais de aos inoxidveis e ligas de Co-Cr-Mo. Durante a Segunda

    Guerra Mundial, verificou-se que o polmero poli(metacrilato de metila) (PMMA)

    no causava reao inflamatria quando em contato com tecidos. Os primeiros

    enxertos vasculares, utilizando o tecido dracon foram feitos nos anos de 1950.

    Na dcada de 1960, surgem as primeiras vlvulas cardacas. As juntas artificiais

    cimentadas para prtese total de quadril foram desenvolvidas por John Charnley,

    na Inglaterra, em 1961. Ainda hoje, o projeto de Sir Charnley base para o

    desenvolvimento de novas estruturas de fixao e cimentao neste tipo de

    implante. Na Figura 1.1, mostrada uma foto deste dispositivo, atualmente

    conhecido como implante Charnley.

    Figura 1.1. Implante Charnley de ao inoxidvel desenvolvido na dcada de

    1960.

    Foi somente h 19 anos, na Primeira Conferncia de Consenso da European

    Society for Biomaterials que o termo "Biomaterial" foi definido de uma forma

    1

  • racional e mundialmente aceita. Posteriormente, esta definio foi refinada na

    Segunda Conferncia de Consenso da mesma sociedade. Abaixo, so mostradas

    as duas definies estabelecidas pela European Society for Biomaterials, alm de

    outras quatro mencionadas apenas para comparao.

    i) Biomaterial um material no vivo usado em um dispositivo mdico,

    com a inteno de interagir com sistemas biolgicos - I Consensus

    Conference on Definitions in Biomaterials - European Society for

    Biomaterials, 1987;

    ii) Biomaterial um material que deve formar uma interface com sistemas

    biolgicos para avaliar, tratar, crescer ou substituir qualquer tecido,

    rgo ou funo do corpo - II Consensus Conference on Definitions in

    Biomaterials - European Society for Biomaterials, 1991; essa uma

    verso refinada da definio acima de modo que a referncia a

    materiais no viveis foi removida, tornando as funes dos

    biomateriais mais explcitas. Essa a definio recomendada.

    iii) Biomaterial um material sinttico, natural ou modificado com a

    inteno de estar em contato e interagir com o sistema biolgico; ISO

    Technical Report; essa definio no recomendada, pois implica que

    os tecidos so biomateriais, o que no verdade, e devido

    ambigidade causada pelo termo "em contato".

    iv) Biomaterial qualquer substncia (que no uma droga), sinttica ou

    natural, que pode ser usada como um sistema ou parte de um sistema

    que trata, cresce ou substitui qualquer tecido, rgo ou funo do corpo;

    Dorland Medical - Note; essa definio no recomendada, pois no

    faz qualquer referncia a uma interface com tecidos e, alm disso, inclui

    qualquer componente eletrnico de um marca-passo como biomaterial

    (normalmente, esse tipo de dispositivo no considerado um

    biomaterial);

    v) Biomaterial um material slido que ocorre em sistema biolgico e

    constitudo por organismos vivos tais como quitina, fibrina ou osso; essa

    2

  • definio no recomendada, pois enfoca materiais de origem biolgica

    (bio-materiais) em vez dos materiais utilizados em dispositivos mdicos.

    vi) Biomaterial uma substncia inerte, sistmica e farmacologicamente

    projetada para implantao ou incorporao por sistemas vivos; essa

    definio ultrapassada, remetendo poca em que se pensava que

    um biomaterial deve ser inerte para conseguir uma caracterstica de

    biocompatibilidade; atualmente, a possibilidade de crescimento sseo

    (osseointegrao) tornou essa definio incorreta.

    Williams (1987) coloca, ainda, outras caractersticas que se inserem na

    definio recomendada pela Conferncia da European Society for Biomaterials:

    biomateriais so aqueles utilizados em aplicaes mdicas, dentrias,

    farmacuticas e veterinrias e que entram em contato ntimo e prolongado com

    tecidos do corpo, sendo, geralmente, implantados nesses tecidos (Williams, 1987).

    Os biomateriais metlicos devem apresentar propriedades como

    biocompatibilidade, resistncia corroso e resistncia mecnica. O termo

    biocompatibilidade definido como a capacidade de um material induzir uma

    resposta apropriada do hospedeiro em uma aplicao especfica (Ratner et al.

    1996; Hildebrand 2006). Os metais comumente utilizados para implantes

    ortopdicos so os aos inoxidveis austenticos, as ligas de cobalto-cromo e as

    ligas de titnio (Gallardo et al. 2004).

    Os aos inoxidveis apresentam boas caractersticas de resistncia

    mecnica, porm sua resistncia corroso a mais baixa entre esses materiais.

    Entretanto, seu uso ainda bastante difundido, tanto em prteses de uso

    permanente como em estruturas de fixao (pinos, parafusos) de uso temporrio.

    Isto ocorre, especialmente, devido ao custo mais baixo em relao aos outros

    materiais (Kannan et al. 2003).

    Apesar de sua resistncia corroso mais elevada que os aos inoxidveis,

    as ligas de cobalto-cromo e de titnio podem apresentar alguns problemas para

    aplicaes in vivo. Ligas de titnio so mais susceptveis ao desgaste do que os

    aos inoxidveis, gerando, assim, maiores quantidades de partculas metlicas

    3

  • (Xulin et al. 1997; Oh et al. 2002). Windler et al. (2003), por exemplo, verificaram

    que a liga Ti-6Al-7Nb apresentou uma taxa de corroso significativamente mais

    elevada, sob condies de desgaste, do que o ao inoxidvel 316L e a liga Co-

    28Cr-6Mo. Esse comportamento foi explicado pelos autores considerando dois

    fatores: (a) durante o desgaste, a camada de xido de titnio formada

    relativamente mais macia em comparao aos outros materiais testados, sendo

    mais facilmente destruda e, (b) as densidades de corrente mais altas so geradas

    durante o desgaste em razo dos quatro eltrons de valncia necessrios para a

    repassivao do titnio (a camada passiva formada principalmente por TiO2).

    Embora as ligas de cobalto-cromo, em geral, sejam conhecidas por possuir

    excelente resistncia corroso e ao desgaste, elas produzem, ocasionalmente,

    partculas e liberam ons em suas proximidades pelo mecanismo de corroso por

    atrito ou desgaste. Tambm existem relatos de que partculas destas ligas,

    preparadas a partir de testes de desgaste in vitro, foram muito txicas para

    macrfagos (clulas que eliminam corpos estranhos dos lquidos corporais) e a

    injeo intramuscular destas partculas produziu sarcomas locais em animais. Em

    algumas operaes de reviso, reaes locais de tecido foram associadas com

    implantes de Co-Cr. O cobalto pode ser carcinognico baseado em experimentos

    com animais e pode causar danos hereditrios em clulas humanas (Xulin et al.

    1997).

    Todos os implantes entram em contato com clulas vivas, tecidos e fluidos

    biolgicos, os quais constituem sistemas dinmicos e, at certo ponto, de natureza

    agressiva para os metais. Uma falha em servio ocorre quando estes aparatos so

    prematuramente removidos do corpo do paciente por no desempenharem sua

    funo satisfatoriamente, em decorrncia de corroso ou fratura. Em toda falha de

    um implante, o paciente experimenta o trauma de cirurgias repetidas e dor

    acentuada durante o processo de rejeio.

    Os aos inoxidveis possuem uma resistncia corroso relativamente

    elevada, a qual devida a um filme passivo muito fino, rico em xido de cromo,

    formado naturalmente sobre a superfcie do material (Abreu et al. 2006). Segundo

    vrios autores, este filme exibe um carter duplex, com uma regio interna

    4

  • formada essencialmente de xido de cromo e outra, externa, consistindo de uma

    mistura de xidos de ferro e nquel. A estequiometria da camada interna

    aproximadamente constante e se relaciona a Cr2O3. A camada externa muda sua

    estequiometria e densidade atmica em funo de parmetros externos, como

    potencial e tempo de passivao. Este processo est relacionado existncia de

    diferentes formas de compostos de ferro, como Fe3O4 e Fe(OH)2, em baixos

    potenciais, e Fe2O3 e FeOOH em potenciais andicos suficientemente elevados. A

    caracterstica protetora do filme se deve camada interna (Milosev e Strehblow

    2000).

    No entanto, vrios trabalhos na literatura indicam problemas de corroso

    dos aos inoxidveis para aplicaes cirrgicas, especialmente o ao AISI 316L,

    devido quebra desta pelcula passiva (Giordani et al. 2003; Sumita et al. 2004).

    Estudos in vitro sobre a corroso de aos inoxidveis em solues fisiolgicas

    mostram que elementos txicos como Cr, Ni e Mo esto presentes, tanto em

    soluo, como nos produtos de corroso. A presena destes ons pode resultar no

    aparecimento de reaes inflamatrias e, em casos extremos, na perda do

    implante (Fathi et al. 2003; Urban et al. 2003).

    Diferentes tcnicas de modificao de superfcie podem ser utilizadas para

    proteger a superfcie do ao inoxidvel contra a corroso e tambm para conferir

    melhores propriedades de biocompatibilidade. Entre as possibilidades esto

    adio de elementos de liga, modificao superficial por implantao de ons

    (nitrognio, por exemplo) e deposio de revestimentos por uma variedade de

    tcnicas de aplicao (plasma-spray, deposio fsica de vapor, deposio

    qumica de vapor, sol-gel, mtodo biomimtico, laser pulsado).

    Apesar dos problemas associados ao uso de implantes de ao inoxidvel

    316L, esse material ainda um dos mais utilizados, tanto em aplicaes

    ortopdicas como em estruturas de fixao. O Sistema nico de Sade, no Brasil,

    s paga implantes de ao inoxidvel, devido s vantagens incontestveis de custo

    desse material em relao s ligas de titnio e cobalto-cromo. Assim, existe um

    mercado amplo e carente de materiais com melhores caractersticas de resistncia

    corroso e de biocompatibilidade para uso em aplicaes biomdicas. No Brasil,

    5

  • estima-se que o mercado de implantes ortopdicos alcana a cifra de U$ 64

    milhes ao ano1 e que existam cerca de 200 mil pessoas vivendo em cadeiras de

    rodas por falta de um implante ortopdico2. Em 2004, as cirurgias ortopdicas

    representaram 5% do oramento de R$ 12 bilhes destinados a gastos com

    ortopedia pelo Ministrio da Sade, que significam R$ 645 milhes2.

    2. OBJETIVOS

    Os objetivos principais deste trabalho foram a investigao do

    comportamento frente corroso de um ao inoxidvel austentico 316L para

    aplicaes biomdicas, com diversos tipos de revestimentos, a determinao da

    resistncia ao desgaste apresentada pelo ao sem e com os revestimentos, alm

    da avaliao da toxicidade in vitro dos produtos de corroso que podem ser

    liberados nos fluidos corpreos.

    O presente estudo ser fundamentado no ao inoxidvel 316L, recoberto

    com revestimentos de nitreto de titnio (TiN), carbonitreto de titnio (TiCN) e

    carbono tipo diamante (DLC), depositados por processos PVD (deposio fsica

    de vapor). Os revestimentos foram escolhidos devido s suas caractersticas de

    resistncia corroso e ao desgaste, alm da biocompatibilidade. As tcnicas de

    aplicao utilizadas so comerciais e permitem a produo em grande escala das

    peas revestidas para atender a uma possvel demanda pelos implantes de ao

    inoxidvel com superfcie modificada.

    Outra tcnica de modificao de superfcie empregada no trabalho foi a

    passivao da superfcie do ao para comparao de sua resistncia corroso

    com as peas revestidas.

    Como objetivos especficos, o trabalho envolveu os seguintes itens:

    a) Recobrimento de peas do ao inoxidvel 316L com os revestimentos de nitreto

    de titnio, carbonitreto de titnio e de carbono tipo diamante (DLC) aplicados por

    processos de deposio fsica de vapor.

    b) Passivao da superfcie do ao.

    6

  • c) Caracterizao do comportamento frente corroso das peas com superfcie

    modificada e tambm de peas sem nenhum tipo de modificao, avaliando-se a

    susceptibilidade corroso em soluo fisiolgica.

    d) Caracterizao qumica dos produtos de corroso lixiviados nos meios de

    ensaio, por meio de anlise por ativao com nutrons.

    e) Investigao das propriedades eletrnicas do filme passivo formado sobre o ao

    316L sem tratamento de passivao e passivado em diferentes condies.

    f) Avaliao da adeso, dureza e resistncia ao desgaste dos revestimentos PVD.

    g) Determinao da biocompatibilidade in vitro do ao inoxidvel 316L sem

    revestimento e com os revestimentos de TiN, TiCN e DLC.

    3. Reviso Bibliogrfica

    3.1 Informaes Bsicas

    Mudali et al. (2003) publicaram uma reviso bastante completa e recente

    sobre a corroso de implantes metlicos, enfocando especialmente os aos

    inoxidveis. Os autores descrevem os materiais utilizados, as causas de falhas, as

    formas de corroso normalmente apresentadas pelos implantes, os mtodos de

    proteo contra a corroso e de melhorar as caractersticas de biocompatibilidade.

    Diversas tcnicas de aplicao de revestimentos protetores so descritas.

    Uma reviso sobre os diferentes tipos de biomateriais e suas propriedades

    foi feita por Nielsen (1987). O autor considera os diversos usos desses materiais

    (placas, prteses totais de quadril, joelho, parafusos, vlvulas cardacas e

    aplicaes dentrias) e a necessidade de uma combinao de resistncia

    corroso e propriedades mecnicas. Os possveis problemas associados aos

    implantes metlicos so tambm comentados: reaes alrgicas ou infecciosas,

    fadiga, desgaste e corroso. Os materiais citados no texto so aos inoxidveis,

    ligas de cobalto-cromo e titnio e suas ligas. Entre eles, os aos inoxidveis

    possuem a menor resistncia corroso. No entanto, segundo os autores, todos

    os materiais metlicos utilizados como implantes apresentam algum tipo de

    7

  • deficincia, do ponto de vista de suas caractersticas de corroso. Os aos

    inoxidveis so sensveis corroso localizada, as ligas de cobalto-cromo so

    susceptveis corroso por fadiga e as ligas de titnio, embora apresentem uma

    camada passiva altamente estvel nos meios fisiolgicos, podem desprender ons

    em tecidos adjacentes.

    Disegi e Eschbach (2000) publicaram um artigo sobre o uso de aos

    inoxidveis como biomateriais. O texto fornece uma perspectiva bastante ampla

    sobre essa aplicao dos aos inoxidveis, abordando temas como composio

    qumica, microestrutura, propriedades mecnicas e tendncias de

    desenvolvimento. Os autores ressaltam a combinao de caractersticas

    adequadas de biocompatibilidade, resistncia corroso, propriedades mecnicas

    e custo baixo como pontos favorveis ao uso de implantes de ao inoxidvel,

    principalmente para estruturas de fixao. O desenvolvimento de materiais sem

    nquel citado como um avano tecnolgico dos implantes de aos inoxidveis.

    Essa classe de aos apresenta melhores propriedades de resistncia corroso e

    menor risco de reaes alrgicas decorrentes da presena de nquel no organismo

    humano.

    Azevedo e Hippert Jr. (2002) publicaram um trabalho sobre anlise de

    falhas de implantes cirrgicos no Brasil. Os autores investigaram falhas de duas

    placas femorais fabricadas em ao inoxidvel, um parafuso de ao inoxidvel, uma

    placa maxilo-facial para reconstruo de mandbula em titnio comercialmente

    puro e diversos fios de Nitinol (ligas Ti-Ni de efeito memria de forma). As falhas

    das placas de ao inoxidvel ocorreram por mecanismo de fadiga-atrito, enquanto

    o parafuso de ao inoxidvel apresentou fratura por um mecanismo de fadiga. A

    fratura, neste caso, foi nucleada em diversos pontos, provavelmente devido

    presena de defeitos de fabricao, associados a problemas de projeto da pea,

    na qual havia concentrao exagerada de tenses. A falha da placa maxilo-facial

    de titnio ocorreu por corroso associada fadiga, em decorrncia de corroso

    localizada e trincas intergranulares. J as falhas dos fios de Nitinol foram

    causadas por sobrecarga, devida intensa formao de corroso por pite durante

    8

  • servio. A formao de pites foi associada com a presena de defeitos superficiais

    de fabricao.

    Uma reviso sobre tcnicas de avaliao de biomateriais metlicos in vitro

    foi publicada por Hanawa (2002). O autor cita aspectos relativos corroso e

    anlise eletroqumica em solues que simulam fluidos fisiolgicos, superfcie dos

    materiais metlicos (mudanas de composio no filme passivo), fadiga e atrito,

    testes de citotoxicidade (viabilidade celular) e adeso celular. A importncia da

    realizao desses testes ressaltada, pois permite a obteno de dados para o

    desenvolvimento de novos materiais com melhores caractersticas biomdicas.

    3.2 Mecanismos e causas de falhas dos implantes de ao inoxidvel

    Sivakumar e Rajeswari (1992) investigaram os mecanismos de causas de

    falhas em implantes de aos inoxidveis. Os autores avaliaram um parafuso de

    fixao intramedular. Foram encontrados pites nas extremidades da pea e muitas

    trincas associadas a eles. A morfologia das trincas era transgranular e ramificada,

    sugerindo que a falha ocorreu por corroso sob tenso. A anlise dos produtos de

    corroso no interior dos pites revelou a presena de quantidades substanciais de

    cloreto, enxofre, alm de clcio e fsforo. Anlise qumica do implante aps falha

    mostrou que o teor de molibdnio estava abaixo de 2%. Um exame microscpico

    indicou que o teor de incluses da pea estava acima do limite mximo

    recomendado pela norma ASTM.

    Em outro estudo, Sivakumar et al. (1995) estudaram as causas da falha de

    uma prtese de fmur de ao inoxidvel. Houve fratura da prtese. Anlise por

    microscopia eletrnica de varredura mostrou a presena de microtrincas, cuja

    nucleao ocorreu nas extremidades da pea. Havia muitos pites nessas

    extremidades e as trincas estavam associadas a eles. A morfologia das trincas

    indicou que a falha ocorreu por corroso associada fadiga do implante. Assim

    como no trabalho descrito acima, o teor de molibdnio da pea, aps falha, estava

    abaixo do limite mnimo recomendado de 2% (ASTM), o que pode ter levado

    diminuio da resistncia corroso por pite do ao.

    9

  • Giordani et al. (2004) investigaram o mecanismo de falha do ao inoxidvel

    ISO 5832-9 em soluo de NaCl 0,9%p a 37C. Os autores verificaram que a falha

    ocorreu por um mecanismo de fadiga associada corroso, como resultado da

    nucleao e propagao de trincas em regies de incluses no metlicas ricas

    em alumnio. As causas de falha de um implante tipo placa de ao inoxidvel 316L foram

    investigadas por esse mesmo grupo (Sivakumar et al. 1994A). Os autores

    avaliaram a composio qumica do implante, a resistncia corroso por pite em

    soluo de Hanks e a resistncia corroso intergranular. Os resultados

    indicaram um aumento no teor de cromo e nquel da placa aps o perodo em que

    esteve implantada no paciente. No foi constatada a precipitao de carbetos de

    cromo nos contornos de gros. O potencial de pite da placa apresentou pequena

    elevao em relao ao material no implantado, o que foi atribudo ao maior teor

    de cromo e nquel identificado na anlise qumica. Os autores concluram que a

    falha prematura da pea ocorreu por fadiga devido fixao no adequada da

    placa ao osso do paciente.

    Em um estudo bastante similar ao descrito acima, os mesmos autores

    analisaram as causas de falha em uma prtese de joelho feita de ao inoxidvel

    316L (Sivakumar et al. 1994B). Tambm foram realizados ensaios para verificar as

    caractersticas de resistncia corroso intergranular e por pite, bem como um

    exame microscpico da superfcie do implante aps falha. A falha da prtese

    ocorreu como resultado de um processo inadequado de soldagem durante a

    fabricao da pea. A formao de macrocavidades, porosidade e ferrita delta foi

    constatada. Esses problemas podem ser evitados quando procedimentos

    adequados de soldagem so utilizados. No entanto, os autores sugerem o uso de

    prteses fabricadas como uma pea nica, por processos de forja, sem

    necessidade de soldar partes diferentes, evitando assim os problemas verificados

    na pea analisada.

    Cahoon e Nolte (1981) analisaram o comportamento de corroso associada

    fadiga de um ao inoxidvel cirrgico tipo 316L em soluo fisiolgica sinttica.

    Os resultados foram comparados com o mesmo material testado ao ar. A

    10

  • resistncia fadiga de 10-15% inferior para o ao em soluo fisiolgica do que

    para o ao ao ar. A susceptibilidade corroso em frestas em um ambiente, como

    o caso do ao 316L na soluo salina utilizada por Cahoon e Nolte, pode

    determinar a ocorrncia de fadiga associada corroso nesse ambiente.

    Outro trabalho sobre investigao de causa de falhas de implantes de ao

    inoxidvel 316L foi conduzido por Bombara e Cavallini (1977). O tipo de pea

    analisada foi um parafuso de fixao. Os autores assumem que existem frestas

    nos parafusos implantados no corpo humano, dando origem a um nmero de

    stios crticos em que o acesso do oxignio bastante limitado. Isso poderia levar,

    por meio de clulas de aerao diferencial, a um acmulo progressivo de ons Cl-

    nas regies andicas locais, diminuindo o potencial de pite. A falha em servio dos

    parafusos de ao 316L pareceu ser resultado de corroso sob tenso fraturante a

    partir da formao de pites nas frestas. O alto teor de incluses de enxofre no ao

    seria responsvel por sua susceptibilidade corroso por pite.

    He et al. (2001) investigaram os mecanismos responsveis pela sinergia

    entre atrito e corroso para trs biomateriais metlicos em soluo salina. Os

    materiais testados foram ao inoxidvel 316L, liga cobalto-cromo e Ti-6Al-4V. Sob

    condies de corroso associada ao atrito, a taxa de corroso foi

    significativamente aumentada para os trs materiais. As perdas de massa foram

    412, 956 e 864 vezes superiores em relao a condies de corroso pura (isto ,

    apenas imerso em soluo salina) para o ao 316L, a liga cobalto-cromo e a liga

    Ti-6Al-4V, respectivamente. O ao 316L apresentou a maior taxa de corroso por

    atrito entre os trs materiais, provavelmente devido sua susceptibilidade

    corroso em frestas.

    Geringer et al. (2005) tambm avaliaram os efeitos de corroso por atrito

    sobre o ao inoxidvel AISI 316L em contato com PMMA (polimetacrilato de

    metila), simulando o uso desse material em aplicaes ortopdicas como prtese

    total de quadril. Segundo os autores, a degradao da camada passiva do ao por

    atrito causa dissoluo andica que fortemente acelerada pela caracterstica

    confinada (fresta) da regio de contato. Em outro trabalho, os mesmos autores

    (Geringer et al. 2006) avaliaram o efeito da variao do potencial aplicado sobre a

    11

  • resistncia corroso por atrito do par 316L/PMMA. Prximo a -600mVECS a

    evoluo do pH dentro da rea de contato mnima e a deteriorao muito

    pequena, devido baixa solubilidade dos ons metlicos e repassivao da

    pelcula passiva. Em potenciais acima de -600mVECS, o pH diminui dentro da rea

    de contato. Conseqentemente, a dissoluo metlica aumenta, a repassivao

    mais lenta e ocorre um aumento da corrente passiva.

    Xie et al. (2002) propuseram um mecanismo para a iniciao de trincas de

    corroso associada fadiga no ao inoxidvel tipo 316L, em soluo de Hanks.

    Segundo os autores, as trincas iniciais foram geradas a partir do ataque nos

    contornos de gros devido corroso intergranular dentro de pites. Essas trincas

    se propagam, ento, para uma trinca de fadiga principal com a aplicao de

    tenses cclicas, levando falha por fratura dos implantes. Com a propagao de

    uma trinca transgranular, pites so gerados devido ao fluxo de soluo corrosiva

    dentro da trinca. Ocorre, ento, corroso intergranular dentro desses pites devido

    presena de soluo agressiva. A tenso cclica promove tanto corroso por pite

    quanto intergranular durante o teste de corroso associada fadiga. O potencial

    de quebra da pelcula passiva diminui e as densidades de corrente de corroso

    por pite e intergranular aumentam com a aplicao das tenses cclicas. As trincas

    iniciais so geradas facilmente ao longo dos contornos de gros

    eletroquimicamente ativos com a multiplicao e acmulo de defeitos em linha

    (discordncias).

    3.3 Comportamento eletroqumico A simulao de solues fisiolgicas in vitro normalmente feita com

    solues salinas (NaCl) em que so adicionadas outras espcies. Essa

    simplificao pode causar diferenas entre os resultados obtidos in vitro e a

    resposta in vivo de um biomaterial. Espcies orgnicas, como protenas podem

    desempenhar um papel importante na dissoluo de metais. Sua adio em

    eletrlitos de teste permite a obteno de dados mais prximos de um

    comportamento real in vivo. Do mesmo modo, clcio e fsforo so encontrados in

    12

  • vivo e podem ter influncia sobre o comportamento eletroqumico dos metais.

    Sousa e Barbosa (1991) estudaram o comportamento eletroqumico de um ao

    AISI 316L em solues de NaCl 0,9%p, contendo fosfato de clcio ou fosfato de

    clcio em conjunto com protenas. Foram realizados experimentos

    potenciostticos e de polarizao galvanosttica. As curvas galvanostticas

    permitiram identificar os potenciais de quebra da pelcula passiva (formao de

    pites) e de repassivao. O potencial de quebra aumentou nas solues com

    fosfato de clcio e foi ainda maior na soluo contendo tambm protena. Curvas

    de polarizao andica tambm foram obtidas. A mesma tendncia observada nos

    experimentos galvanostticos, ou seja, aumento do potencial de pite para as

    solues contendo fosfato de clcio e protena, foi observada. Os autores, no

    entanto, consideraram os resultados das curvas de polarizao andica menos

    claros, pois os valores de densidade de corrente passiva so muito prximos para

    os trs tipos de solues avaliados. Por meio de experimentos potenciostticos, os

    autores sugerem que h um espessamento do filme passivo nas solues

    contendo fosfato de clcio e protena.

    Um outro estudo sobre o comportamento eletroqumico de aos inoxidveis

    para uso como implante, em soluo de NaCl contendo ons de clcio, fosfato e

    protenas foi conduzido por Arumugam et al. (1998). Dois tipos de aos foram

    comparados: 316L e 316L com nitrognio. Os autores utilizaram curvas de

    polarizao cclica e anlise qumica da soluo para verificar os teores de

    elementos lixiviados para o eletrlito em decorrncia de processos corrosivos. Os

    resultados indicaram um efeito positivo da adio de nitrognio ao ao inoxidvel,

    o qual mostrou maior resistncia corroso por pite do que o ao 316L comum. A

    adio de ons de clcio e fosfato soluo de NaCl deslocou o potencial de

    repassivao para valores mais nobres, inibindo a cintica de crescimento de

    pites. J a adio de protenas soluo salina provocou uma diminuio

    significativa do potencial de pite para ambos os aos testados. O desprendimento

    de ons foi pequeno na soluo contendo ons de clcio e fosfato, enquanto, em

    presena de protena, esse processo foi acelerado.

    13

  • A resistncia corroso de diferentes biomateriais metlicos foi

    caracterizada por Gurappa (2002). Os materiais avaliados foram titnio

    comercialmente puro, Ti-6Al-4V, ao inoxidvel 316L e liga cobalto-cromo, em

    soluo de Hanks a 37C. Testes potenciodinmicos foram realizados para

    determinar os potenciais de quebra da pelcula passiva e as taxas de corroso. A

    tcnica de polarizao potenciodinmica cclica foi empregada para avaliar a

    resistncia corroso por pite e em fresta dos materiais. Os resultados indicaram

    que o ao 316L apresenta taxa de corroso mais elevada e menor potencial de

    quebra da pelcula passiva em relao aos demais biomateriais testados. As

    curvas de polarizao cclica, por sua vez, mostraram tambm que o ao 316L

    susceptvel corroso por pite e em fresta, fato no observado para as ligas

    cobalto-cromo e Ti-6Al-4V.

    Cheng et al (1990) compararam o comportamento eletroqumico de um ao

    inoxidvel 316L com o de quatro tipos de aos inoxidveis duplex, em soluo de

    Hanks. As principais diferenas de composio entre os aos duplex e o ao 316L

    so o teor de nquel mais baixo e os teores de cromo e enxofre mais elevados. O

    comportamento eletroqumico foi avaliado por tcnicas de polarizao

    potenciodinmica cclica e espectroscopia de impedncia eletroqumica. A

    resistncia corroso localizada tambm foi avaliada. Os autores verificaram que

    no houve evidncias de corroso em fresta ou por pite para nenhum dos aos

    testados, em soluo de Hanks. O filme passivo sobre o ao 316L se mostrou

    mais estvel e compacto, apresentando maior resistncia de polarizao. Os

    autores sugerem que o teor de enxofre mais elevado dos aos duplex pode ser

    responsvel por sua resistncia corroso inferior do ao 316L.

    O desempenho ante a corroso in vitro dos aos inoxidveis 316L, ferrtico

    e duplex foi investigado por Sivakumar et al. (1993). As amostras foram

    passivadas em cido ntrico antes da realizao dos ensaios eletroqumicos.

    Foram obtidas curvas de polarizao andica cclica para avaliar a corroso por

    pite dos materiais testados, em soluo de Hanks, a 37C. Alm da corroso por

    pite, a corroso em fresta foi tambm avaliada e a composio qumica do

    eletrlito foi analisada para verificao dos teores de elementos ferro, cromo e

    14

  • nquel lixiviados dos aos para o meio de ensaio. Os resultados indicaram que o

    ao ferrtico no apresentou corroso localizada, mesmo na presena de frestas.

    A resistncia corroso tanto do ao ferrtico como do ao duplex foi superior do

    ao 316L. A anlise qumica da soluo mostrou que houve um desprendimento

    muito baixo de ons dos aos duplex e ferrtico em comparao ao ao 316L.

    O comportamento de corroso in vitro de implantes dentrios de ao

    inoxidvel recobertos com biocermicas e metais foi estudado por Fathi et al.

    (2003). Os autores avaliaram trs tipos de revestimentos sobre ao inoxidvel

    316L: hidroxiapatita (HA), titnio (Ti) e uma camada dupla de HA/Ti. O

    revestimento de hidroxiapatita foi produzido pela tcnica de plasma-spray,

    enquanto a camada de titnio foi depositada por processo PVD (deposio fsica

    de vapor). A camada duplex foi feita pela aplicao de HA produzido por plasma-

    spray sobre um filme de titnio depositado por processo PVD sobre o ao 316L. A

    caracterizao estrutural foi feita por difratometria de raios-X, microscopia

    eletrnica de varredura e espectroscopia de energia dispersiva. O comportamento

    eletroqumico foi investigado por polarizao potenciodinmica, usando solues

    de Ringer e de NaCl 0,9%p como eletrlitos. Os resultados indicaram que a

    camada duplex de HA/Ti diminuiu significativamente a densidade de corrente de

    corroso do ao 316L em relao ao material no revestido ou recoberto apenas

    com hidroxiapatita. O revestimento de titnio tambm teve um efeito benfico

    sobre a resistncia corroso do ao 316L. Os autores sugerem que a camada

    duplex pode ser usada sobre o ao 316L para implantes endodnticos, atingindo

    duas metas simultaneamente: melhora da resistncia corroso e da

    osseointegrao do implante.

    Seah e Chen (1993) estudaram as caractersticas de corroso de um ao

    inoxidvel tipo 316, titnio slido e titnio poroso, em soluo de NaCl 0,9%p, a

    37C. A resistncia corroso foi avaliada por meio de curvas de polarizao

    andica. Os resultados indicaram que a quebra do filme passivo do ao 316 ocorre

    para um potencial de 0,36V, enquanto para o titnio esse potencial chega a 2V. O

    titnio poroso mostrou maior susceptibilidade corroso que o titnio slido, em

    razo da maior rea exposta ao meio corrosivo no caso do material poroso.

    15

  • A resistncia corroso associada ao atrito e a citocompatibilidade dos

    produtos de corroso de um ao inoxidvel ferrtico foram avaliadas por Xulin et al.

    (1997). O material caracterizado foi um ao inoxidvel tipo 317L com teor de

    nquel bastante reduzido e alto teor de cromo. O teste de corroso associada ao

    atrito foi do tipo pino contra placa (pin on plate). A citocompatibilidade foi avaliada

    utilizando clulas fibroblsticas (L929) e osteoblsticas (MC3T3-E1) de

    camundongo. O novo ao sem nquel mostrou maior resistncia corroso por

    atrito e seus produtos de corroso provocaram menos danos s clulas do que o

    ao 317L comum. Esses resultados indicam que possvel melhorar o ao

    inoxidvel para uso como biomaterial.

    Duisabeau et al. (2004) investigaram o efeito do ambiente (ar ou soluo

    fisiolgica) sobre a resistncia corroso associada ao atrito de implantes de

    Ti-6Al-4V e ao inoxidvel 316L. Segundo os autores, o ao inoxidvel 316L exibe

    melhor comportamento em relao liberao de partculas, tanto sob atrito (ao

    ar) como sob condies de corroso associada ao atrito (em soluo fisiolgica de

    Ringer).

    3.4 Biocompatibilidade

    O potencial trombognico de xidos superficiais sobre implantes de ao

    inoxidvel foi caracterizado por Shih et al (2003). As peas testadas foram

    catteres de ao inoxidvel 316L para aplicao coronria. Os autores mediram o

    potencial de circuito aberto e a densidade de corrente em funo do tempo de

    imerso, em soluo de Ringer. Medidas de impedncia eletroqumica foram

    realizadas para investigar a cintica da interface xido/eletrlito. A caracterizao

    microestrutural do filme de xido foi feita por microscopia eletrnica de varredura,

    espectroscopia de eltrons Auger (AES) e de fotoeltrons excitados por raios-X

    (XPS). Os catteres foram testados em trs condies distintas: passivado com

    xido amorfo (AO), passivado com xido policristalino (PO) e como recebido (AS).

    A anlise por AES mostrou que a composio qumica dominante nas amostras

    AS e PO mostrava xido de ferro na superfcie. Oxignio tambm foi encontrado

    16

  • na superfcie PO. Por outro lado, a amostra AO apresentou uma superfcie rica em

    cromo e oxignio. As densidades de corrente medidas em relao ao tempo de

    imerso foram mais baixas para a amostra AO. Um outro fator indicativo de um

    desempenho superior da amostra AO foi o valor mais alto de resistncia e mais

    baixo de capacitncia obtidos por espectroscopia de impedncia eletroqumica. O

    grau de trombogenicidade determinado pelos autores mostrou uma concordncia

    com os resultados obtidos por espectroscopia de impedncia eletroqumica, ou

    seja, a amostra AO, com maior resistncia corroso, apresentou o menor grau

    de trombogenicidade.

    Morais et al. (1998) avaliaram os efeitos de produtos de corroso de um ao

    inoxidvel 316L na formao de osso sob condies de teste in vitro. Clulas

    sseas de ratos foram cultivadas em condies experimentais que favoreciam a

    proliferao e diferenciao de osteoblastos, na ausncia e na presena de

    produtos de corroso de ao 316L. As culturas de clulas foram observadas por

    microscopia eletrnica de varredura. Os resultados mostraram que uma

    concentrao de produtos de corroso de 0,01% no causou efeitos biolgicos

    detectveis nas culturas de clulas. O aumento da concentrao para 0,1%

    prejudicou o comportamento osteoblstico e uma concentrao de 1% de produtos

    de corroso provocou morte celular.

    O efeito dos produtos de corroso do ao inoxidvel AISI 316L sobre a

    proliferao e diferenciao celular de osteoblastos (clulas formadoras de tecido

    sseo) foi investigado por Fernandes (1999). Os osteoblastos desempenham uma

    srie de funes no processo de formao dos tecidos sseos que vo desde a

    sntese de componentes da matriz de colgeno at a interao com hormnios e

    fatores de crescimento atuantes no metabolismo sseo. Os resultados obtidos

    pela autora mostraram que os produtos de corroso do ao tiveram efeitos

    prejudiciais sobre a proliferao e diferenciao celular e a capacidade de formar

    uma matriz ssea. Esses efeitos foram dependentes das concentraes de ons

    de ferro, cromo e nquel.

    Tracana et al. (1995) analisaram as alteraes causadas por produtos de

    corroso de ao inoxidvel AISI 316L sobre as clulas do bao de camundongos.

    17

  • O ao 316L foi eletroquimicamente dissolvido em uma soluo fisiolgica salina

    (soluo salina balanceada de Hanks HBSS) por meio de um processo

    cronoamperomtrico por imposio de uma corrente constante externa de 0,5 mA.

    Um determinado volume da soluo foi, ento, injetado subcutaneamente nos

    camundongos. Os baos foram analisados por espectrofotometria de absoro

    atmica para determinar os teores de Fe, Ni e Cr. Os resultados indicaram que

    houve acmulo de produtos de corroso no bao dos animais, os quais

    provocaram alteraes histolgicas e mudanas nas populaes celulares como a

    morte de linfcitos.

    Em outro trabalho, Pereira et al. (1995) utilizaram a mesma metodologia

    descrita acima (injeo intracutnea de extratos de Fe, Cr e Ni obtidos em soluo

    HBSS, aps dissoluo cronoamperomtrica de ao AISI 316L) para avaliar os

    efeitos citotxicos de produtos de corroso do ao 316L sobre o fgado de

    camundongos. Os autores verificaram um aumento no tamanho do fgado, devido

    absoro de gua e outros fluidos. Isso est, provavelmente, relacionado ao

    acmulo de cromo que altera a presso osmtica das clulas do fgado. Como

    este rgo funciona como um filtro para o sangue, alteraes morfolgicas so

    preocupantes e podem prejudicar seu funcionamento.

    A resposta celular induzida por contato com ons metlicos foi estudada por

    Granchi et al. (1998) O principal objetivo dos autores foi determinar se os efeitos

    citotxicos dos ons desprendidos de implantes metlicos so devidos a necrose

    ou apoptose. Necrose pode ser produzida por infeces virais, hipertermia e

    exposio a agentes qumicos txicos. Clulas que sofrem apoptose ou morte

    celular programada mostram um padro caracterstico de mudanas estruturais

    no ncleo e no citoplasma, incluindo fragmentao da molcula de DNA. Os

    autores avaliaram extratos de cromo, nquel e cobalto por serem metais

    amplamente empregados em implantes ortopdicos e dentrios e por seus

    produtos de corroso serem associados a complicaes clnicas, como reaes

    teciduais adversas e perda de componentes de prteses. Os resultados indicaram

    que os produtos de corroso dos trs metais tiveram efeito citotxico sobre clulas

    mononucleares isoladas. O efeito predominante (necrose ou apoptose) dependia

    18

  • do tipo de on, da concentrao do extrato e do tempo de contato com as clulas

    mononucleares.

    Bailey et al. (2005) quantificaram a viabilidade celular e a resposta

    inflamatria de colnias celulares induzida por contato com o ao inoxidvel AISI

    316L e um ao inoxidvel nitretado. As clulas que tiveram contato com o ao

    316L apresentaram maiores alteraes morfolgicas e maior necrose do que

    aquelas que tiveram contato com o ao nitretado.

    A morfologia e a composio qumica de produtos de corroso de implantes

    de quadril de ao inoxidvel tipo 316L foram avaliadas por Walzack et al. (1998)

    Os testes foram realizados em implantes recuperados de pacientes e com sinais

    de corroso. As tcnicas investigativas utilizadas foram microscopia eletrnica de

    varredura e espectroscopia de energia dispersiva (EDS). Os autores verificaram

    que os produtos de corroso apresentam uma estrutura lamelar, cuja composio

    consistia de cromo e enxofre ou ferro e fsforo. Tambm foram encontradas

    quantidades variveis de clcio e cloro em todas as camadas, porm no foram

    encontrados sinais de nquel, apesar de sua presena em todas as ligas

    avaliadas.

    A biocompatibilidade de amostras de ao inoxidvel 316L, Ti-6Al-4V e

    Ti-5Al-2,5Fe com superfcies modificadas por meio de diferentes tcnicas foi

    avaliada in vitro por Leito et al. (1998). As ligas de titnio e algumas amostras de

    ao 316L foram modificadas pela implantao de ons nitrognio. Outras amostras

    de ao 316L foram recobertas com nitrognio ou carbono pela tcnica de

    sputtering. Ambos os tipos de amostras foram inoculados com clulas de rato

    (osteoblastos) de modo a estudar a interface da superfcie com a cultura de

    clulas e avaliar sua biocompatibilidade. Os autores utilizaram microscopia

    eletrnica de varredura para verificar se houve crescimento de tecido sseo sobre

    os materiais testados. Os resultados indicaram que apenas para as amostras

    recobertas com nitrognio pela tcnica de sputtering no houve crescimento de

    tecido sseo. Foi observada maior produo de glbulos sobre os metais

    implantados com ons nitrognio, indicando que a formao de osso mais

    provvel sobre esse tipo de superfcie modificada, tanto para as ligas de titnio

    19

  • como para o ao 316L. As clulas cresceram de maneira heterognea sobre o ao

    316L recoberto pela tcnica de sputtering, sugerindo que, nessa condio

    superficial, o material no adequado para uso em aplicaes biomdicas. Em

    outro trabalho (Feng et al. 2003), conduzido sobre titnio puro, verificou-se que,

    quanto maior a rugosidade superficial e a presena de grupos superficiais OH,

    maior a adeso de osteoblastos e maior a atividade celular. Esse fato estaria

    associado natureza polar dos grupos OH e das clulas, produzindo uma

    afinidade qumica entre ambos (fora polar).

    Kim et al. (2005) verificaram o efeito positivo da adio de molibdnio sobre

    a resistncia corroso localizada do ao inoxidvel AISI 316L. No entanto, um

    ensaio de citotoxicidade in vitro mostrou que um aumento nos teores de

    molibdnio e nquel no ao levou a um aumento no desprendimento de ons

    metlicos e do ndice de citotoxicidade em comparao ao ao 316L convencional.

    O desprendimento de ons de implantes de aos inoxidveis em aplicaes

    ortodnticas foi estudado por Staffolani et al. (1999). Foram testados os aos 304

    e 316 utilizados em aparelhos ortodnticos. O teste foi conduzido da seguinte

    maneira: as peas foram mergulhadas em solues cidas (cido tartrico, ctrico

    e ascrbico) orgnicas e inorgnicas, com pH variando entre 3,5 e 6,5. O

    desprendimento de nquel e cromo foi determinado utilizando-se um

    espectrofotmetro de emisso atmica. Os autores acompanharam o

    desprendimento dirio desses ons e concluram que o teor desprendido a partir

    das peas ortodnticas foi bastante inferior ao teor ingerido por uma pessoa em

    uma dieta normal. Baseados nesse fato, os autores sugerem que o uso dos aos

    304 e 316, nas condies testadas, no deve trazer problemas aos pacientes nas

    aplicaes ortodnticas.

    3.5 Estrutura do filme passivo Segundo Marcus (1998), alguns fatores que influenciam o crescimento, a

    estabilidade e a quebra de camadas finas de xidos so composio qumica,

    estados de valncia, espessura, estratificao de fases (estruturas em multi-

    20

  • camadas), cristalinidade, rugosidade e presena de defeitos. Os defeitos como

    lacunas, por exemplo, seriam stios preferenciais para interao da superfcie

    passivada com ons Cl-, caso estes estejam presentes na soluo em contato com

    o metal passivo, e assim poderiam contribuir para a quebra localizada do filme

    passivo.

    Sato (1990) publicou um extenso trabalho sobre a passividade dos metais,

    considerando os processos de crescimento e quebra dos filmes passivos de

    xidos. Segundo o autor, o crescimento do filme ocorre por transporte inico. ons

    oxignio migram atravs da interface xido/metal e reagem com ons metlicos

    para formar a parte interna do filme. ons metlicos migram atravs da interface

    xido/eletrlito e reagem com ons oxignio ou outros nions presentes no

    eletrlito para formar uma parte externa da camada de xido. Quando a camada

    passiva possui uma espessura fina, apresenta caractersticas amorfas. Tenses

    compressivas internas criadas no filme durante seu crescimento podem torn-la

    parcialmente cristalina, influenciando as propriedades eletrnicas e a resistncia

    corroso. Do ponto de vista da permeabilidade inica seletiva, o filme passivo

    pode ser caracterizado por uma estrutura bipolar. Essa estrutura consiste de um

    excesso de ons metlicos ou lacunas de oxignio na camada interna (carga

    positiva - permeabilidade seletiva a nions) e um excesso de ons oxignio ou

    lacunas de ons metlicos na camada externa (carga negativa - permeabilidade

    seletiva a ctions). A carga negativa na camada mais externa evita a incorporao

    de nions agressivos no filme e aumenta a resistncia corroso.

    Em relao quebra dos filmes passivos, Sato descreve trs processos

    diferentes: (1) mecnico; (2) eletrnico e (3) inico. O primeiro est relacionado

    nucleao de trincas no filme devido a tenses internas desenvolvidas durante seu

    crescimento. O segundo envolve o desenvolvimento de uma corrente eletrnica

    (avalanche eletrnica) em filmes espessos. O terceiro processo parece ser mais

    adequado para descrever a quebra localizada dos filmes passivos sobre aos

    inoxidveis: a quebra inica comea com a competio por adsoro entre ons

    hidroxila e nions agressivos como ons Cl-, na interface xido/eletrlito. A

    adsoro local de cloretos pode introduzir lacunas de ons metlicos, as quais

    21

  • migram para formar um aglomerado de lacunas na interface xido/metal ou induzir

    tenses mecnicas suficientes para a formao de microtrincas, levando quebra

    localizada do filme. Independentemente do mecanismo de quebra, o estgio final

    a exposio de uma pequena rea da superfcie metlica ao eletrlito. Na maioria

    dos casos, a quebra ocorre preferencialmente em regies de defeitos superficiais,

    tais como incluses no metlicas.

    Schultze e Lohrengel (2000) publicaram uma interessante reviso sobre a

    estabilidade, reatividade e quebra de filmes passivos. Especificamente sobre a

    quebra da passividade, os autores citam trs possveis mecanismos: (1) quebra

    dieltrica caracterizada por um grande aumento espontneo local da

    condutividade do filme passivo; (2) destruio por ons agressivos (corroso por

    pite), citando o efeito de ons Cl- que podem provocar a quebra da passividade

    devido a um mecanismo de penetrao/dissoluo ou de quebra/adsoro; no

    primeiro caso, ons Cl- migram ou se difundem atravs da camada de xido,

    desestabilizando-a e causando sua dissoluo; no segundo mecanismo,

    inicialmente o filme de xido sofre uma quebra como conseqncia de tenses

    mecnicas e, depois, ons Cl- so adsorvidos no metal base acelerando sua

    dissoluo; (3) quebra catdica devido evoluo de hidrognio em potenciais

    abaixo de 0V.

    O crescimento de filmes passivos sobre superfcies metlicas foi modelado

    por Chao et al. (1981). O modelo foi chamado Modelo de Defeito Pontual (Point

    Defect Model) e se baseia em quatro suposies: (1) sempre que o potencial

    aplicado mais nobre que o potencial de Flade (potencial de passivao) do

    metal, um filme passivo ir se formar em sua superfcie; (2) assume-se que o filme

    contm uma alta concentrao de defeitos pontuais (lacunas de ons metlicos ou

    de ons oxignio); (3) os filmes passivos so caracterizados por elevados campos

    eltricos (da ordem de 106 V.cm-1); assume-se que a resistncia do campo da

    mesma ordem daquela requerida para a ruptura dieltrica. Desse modo, o filme

    passivo se comporta como um semicondutor incipiente porque estvel prximo

    ruptura dieltrica; a resistncia do campo independente da espessura do filme;

    (4) assumindo que os filmes passivos sejam semicondutores incipientes,

    22

  • considera-se que os eltrons e os buracos eletrnicos no filme estejam em estado

    de equilbrio e as reaes eletroqumicas que os envolvem so cineticamente

    controladas na interface metal/filme ou filme/soluo. Por outro lado, assume-se

    que a etapa controladora da velocidade de reao para aqueles processos que

    envolvem lacunas de ons metlicos ou de ons oxignio seja o transporte dessas

    lacunas atravs do filme. Essa suposio implica que as lacunas de ons metlicos

    e de ons de oxignio estejam em equilbrio tanto na interface metal/filme como na

    interface filme/soluo. Com base nessas suposies, os autores desenvolveram

    expresses matemticas para a cintica de crescimento do filme passivo e, em

    uma segunda publicao (Lin et al. 1981), complementaram o modelo para a

    quebra do filme e a iniciao de pites. Posteriormente, esse modelo foi utilizado

    para a interpretao de dados de espectroscopia de impedncia eletroqumica em

    filmes passivos sobre nquel em solues tamponadas de fosfato e borato

    (Macdonald e Smedley 1990a e b). Macdonald (1992) estendeu os conceitos

    analisando camadas passivas sobre tungstnio.

    Uma outra abordagem, denominada abordagem da carga superficial, foi

    proposta por Bojinov (1995) para o crescimento de filmes passivos andicos sobre

    metais. O filme passivo seria representado como uma estrutura de um

    semicondutor tipo-n isolante - semicondutor tipo-p (n-i-p) dopado com a injeo

    de lacunas de oxignio (doadores) na interface filme/substrato durante o

    crescimento do filme e lacunas de ons metlicos (receptores) na interface

    filme/eletrlito, durante a dissoluo do filme. Assumindo que o transporte de

    lacunas de ons metlicos mais lento do que sua taxa de aniquilao na interface

    metal/filme, elas se acumulam na interface filme/soluo. Segundo Ahn e Kwon

    (2005), apesar da abordagem de Bojinov se basear no Modelo de Defeito Pontual,

    seu tratamento matemtico mais adequado para a determinao da difusividade

    dos defeitos pontuais nos filmes passivos de metais.

    3.5.1 Composio do filme passivo e resistncia corroso Olsson e Landolt (2003) investigaram a estrutura e o crescimento dos filmes

    passivos sobre aos inoxidveis. O trabalho uma extensa reviso sobre os

    23

  • mtodos experimentais para estudo do filme passivo. Existem tcnicas ex-situ

    como XPS (espectroscopia de fotoeltrons excitados por raios-X), AES

    (espectroscopia de eltrons Auger), SIMS (espectroscopia de on de massa

    secundria) e ISS (espectroscopia de espalhamento inico) e in-situ como XANES

    (espectroscopia de absoro de raios-X) e anlise qumica da soluo. O filme

    tambm pode ser influenciado pelo ambiente (potencial, espcies em soluo, pH,

    temperatura). Caractersticas microestruturais decorrentes da adio de diferentes

    elementos de liga tambm alteram a estrutura e composio qumica do filme

    passivo.

    Leito et al. (1997) investigaram o comportamento eletroqumico por meio

    de curvas de polarizao cclica e as modificaes superficiais por anlise com

    XPS de um ao inoxidvel implantado com ons nitrognio. Os testes

    eletroqumicos foram conduzidos em soluo salina balanceada de Hanks (HBSS)

    a temperatura ambiente. Os valores de potencial de pite e densidade de corrente

    passiva obtidos a partir das curvas de polarizao cclica so similares para as

    amostras de ao 316L implantadas com ons nitrognio e aquelas sem nenhum

    tratamento. Em relao estrutura da camada superficial, a anlise por XPS

    indicou um enriquecimento em fsforo e clcio. A presena desses ons pode

    influenciar o comportamento in vivo dos implantes de ao inoxidvel pois os

    fosfatos de clcio aceleram a formao de osso em sua superfcie.

    Wallinder et al. (1999) avaliaram os efeitos do acabamento superficial,

    passivao em cido ntrico e envelhecimento ao ar sobre a resistncia corroso

    de um ao 316L. Os autores utilizaram espectroscopia de impedncia

    eletroqumica e polarizao potenciodinmica para investigar o comportamento de

    corroso e anlise por XPS para estudar a composio qumica do filme passivo.

    Valores de resistncia de polarizao e densidade de corrente passiva indicaram

    que a resistncia corroso mais elevada para amostras com acabamento

    superficial mais liso. A corroso mais acelerada das amostras com superfcie

    rugosa pode estar relacionada sua maior rea superficial em relao s

    amostras com superfcie mais lisa ou, ainda, ao grande nmero de sulcos que

    devem ter uma taxa de dissoluo elevada. Outros parmetros que influenciam a

    24

  • resistncia corroso do ao 316L so a concentrao de cido ntrico, o tempo

    de passivao e a temperatura da soluo. Tempos mais longos e temperaturas

    mais elevadas (da ordem de 70C) aumentam a resistncia de polarizao e

    diminuem a densidade de corrente passiva. Esse efeito benfico pode ser

    atribudo ao espessamento do filme passivo e ao aumento do teor de cromo no

    filme. O envelhecimento ao ar aps tratamento de passivao em soluo de

    cido ntrico aumentou a resistncia de polarizao. No entanto, o mesmo mtodo

    de envelhecimento ao ar para amostra no passivada teve efeito insignificante

    sobre a resistncia corroso do ao 316L.

    Hultquist e Leygraf (1980) relacionaram a composio superficial de um ao

    inoxidvel tipo 316L iniciao do processo de corroso em frestas. A anlise de

    superfcie foi feita por espectroscopia de eltrons Auger. Os testes eletroqumicos

    para verificao da iniciao de corroso em frestas foram realizados em soluo

    de cloreto de sdio. As frestas foram criadas por um anel de borracha pressionado

    contra a superfcie plana da amostra de ao 316L. Os resultados mostraram que

    se o teor de nquel no filme protetor e o acabamento superficial so similares,

    existe uma relao direta entre o teor de cromo na superfcie e a resistncia

    corroso em frestas. Ligaes de Cr-O ou Cr-OH no filme protetor dificultam o

    movimento de ctions para a soluo, retardando a quebra local do filme.

    A microestrutura e a resistncia corroso de um ao inoxidvel tipo 316L

    foram investigadas por Shieu et al. (1998). O enfoque do trabalho no sobre

    aplicaes biomdicas e sim industriais. Informaes sobre a microestrutura e a

    composio qumica do filme de xido superficial formado sobre o ao 316L foram

    obtidas por microscopia eletrnica de transmisso e espectroscopia de perda de

    energia eletrnica (EELS), respectivamente. Foi observado que o filme tem uma

    estrutura em multicamadas, sendo a camada superior composta de -Fe2O3, seguida por uma mistura de -Fe2O3 e Fe3O4. A anlise qumica atravs da direo da espessura do filme revelou que o teor de oxignio diminui medida

    que se avana da superfcie em direo interface xido/metal. Alm disso, o teor

    de cromo no filme de xido apresenta variao oposta, ou seja, mais elevado

    prximo interface xido/metal e mais baixo medida que se aproxima da

    25

  • superfcie. Essa deficincia do teor de cromo na camada de xido pode ser

    prejudicial para a resistncia corroso do ao 316L. Deve-se salientar, no

    entanto, que essas caractersticas se referem ao ao 316L depois de

    determinadas condies de imerso em soluo de cido sulfrico e no em

    fluidos fisiolgicos.

    O filme passivo de aos inoxidveis, formado em soluo fisiolgica

    contendo agente complexante, foi estudado por Milosev e Strehblow (2000) por

    espectroscopia de fotoeltrons excitados por raios-X (XPS). O agente

    complexante utilizado foi citrato. Dois tipos de aos inoxidveis foram testados:

    uma liga ortopdica Protema-42 e um ao AISI 304 comercial. As ligas foram

    polarizadas em diferentes potenciais de oxidao em uma cmara eletroqumica

    ligada ao espectrmetro. O filme passivo formado em soluo fisiolgica consiste

    de dois xidos predominantes: de cromo e de ferro. xidos de nquel e molibdnio

    foram tambm detectados no filme. Os autores sugerem que a resistncia

    corroso do ao cirrgico devida ao enriquecimento de xidos em cromo e

    molibdnio na camada passiva e tambm ao enriquecimento de molibdnio e

    depleo de ferro na superfcie metlica sob a camada passiva. A adio do

    agente complexante afeta significativamente o comportamento de passivao do

    ao ortopdico, pois altera a distribuio dos elementos dentro da camada passiva

    e abaixo dela, na superfcie do metal.

    Ektessabi et al. (2001) utilizaram fluorescncia de raios-X e espectroscopia de absoro de raios-X (XANES) para investigar a distribuio e os estados

    qumicos de traos dos elementos Fe, Cr e Ti incorporados em tecidos ao redor de

    um implante de quadril que apresentou falha. O objetivo do estudo foi investigar as

    interaes entre materiais de implante e tecidos vivos. O implante foi retirado de

    uma paciente do sexo feminino com sintomas de artrose e era constitudo por uma

    haste de liga de titnio, cabea feita de ao inoxidvel e acetbulo de polietileno.

    Tanto a haste como a cabea estavam recobertos com hidroxiapatita. A

    espectroscopia de absoro de raios-X permitiu verificar as mudanas de estado

    qumico do ferro, o que pode estar relacionado dissoluo do ferro a partir das

    partculas de ao inoxidvel.

    26

  • O estudo da interface entre o implante e o tecido vivo importante para a

    compreenso das reaes que ocorrem entre eles, no meio fisiolgico. Tcnicas

    como espectroscopia de eltrons Auger (AES) e espectroscopia de fotoeltrons

    excitados por raios-X (XPS) fornecem informaes qumicas da regio de

    interface. Os aos inoxidveis so amplamente aplicados como materiais para

    implantes ou como estruturas de fixao, tornando o estudo de sua interface um

    tpico essencial na rea de biomateriais. Sundgren et al. (1985) estudaram a

    interface de implantes de ao inoxidvel 316L com tecidos humanos por meio de

    espectroscopia de eltrons Auger e microscopia eletrnica de perfil profundo. A

    natureza e a espessura do filme de xido sobre os implantes mostraram ser

    dependentes de sua localizao no corpo. Antes dos materiais serem implantados,

    a camada de xido tem uma espessura de 50 , constituda principalmente por

    xido de cromo. Para implantes posicionados no osso cortical, a espessura da

    camada interfacial de xido permanece inalterada, enquanto, na matriz ssea, h

    um aumento de trs ou quatro vezes. Em ambos os casos, clcio e fsforo so

    incorporados nos xidos. Implantes localizados em tecidos moles tm uma

    camada de xido interfacial com espessura superior quela encontrada nas

    amostras ainda no implantadas (por volta do dobro da espessura). Nesse caso,

    no foi verificada a presena de clcio e fsforo.

    Castle e Clayton (1977) utilizaram XPS para analisar a camada passiva de

    um ao inoxidvel austentico comercial 18% de cromo e 8% de nquel. Foi feita a

    repassivao desse material em gua desaerada, neutra, a temperatura ambiente.

    A camada passiva apresentou um carter duplex, sendo que camada interna

    rica em cromo. A camada externa rica em ons OH- e sua espessura aumenta

    quando a amostra exposta a volumes maiores de gua e no contm molculas

    orgnicas. Este trabalho foi um dos primeiros a desenvolver uma metodologia de

    anlise por XPS da camada passiva dos aos inoxidveis. Uma das principais

    preocupaes dos autores foi superar dificuldades experimentais encontradas at

    ento.

    O comportamento do cromo e do molibdnio no processo de corroso

    localizada dos aos foi estudado por Yang et al. (1984). Os autores avaliaram o

    27

  • comportamento eletroqumico de molibdnio e cromo puros e de alguns aos

    inoxidveis sob condies similares quelas existentes dentro das clulas de

    corroso oclusas dos aos. As solues de ensaio foram de FeCl2 e CrCl3

    desaeradas. Os filmes passivos foram analisados por AES e XPS. O filme

    superficial existente na regio passiva em potenciais mais baixos (por volta de

    50mVECS) mostrou a presena de Mo e oxignio, mas no de ferro, sugerindo

    que o filme bastante protetor, nesta faixa de potenciais. Para potenciais mais

    elevados (+350mVECS) foi verificada a presena de Fe, O e Cl na camada externa

    do filme passivo e de Mo e Cl na camada interna. Curvas de polarizao andica

    mostraram que o Cr passivo para valores de pH superiores a 3,8. Para

    condies de pH mais baixo, o Cr3+ pode sofrer hidrlise promovendo corroso

    localizada dos aos inoxidveis. Nessas condies mais cidas, o xido de

    molibdnio (MoO2) estvel e muito protetor, retardando a propagao da

    corroso localizada.

    A influncia do molibdnio sobre o comportamento de passivao de ligas

    de nquel foi estudada por Clark et al. (1990). Foram realizados testes de

    polarizao andica potenciodinmica cclica em soluo 4N de HCl a 30C. Para

    uma razo Fe/Ni constante, a adio de molibdnio diminuiu o potencial de incio

    da passivao e tambm a densidade de corrente passiva. O molibdnio

    contribuiria, portanto, para aumentar a estabilidade da camada passiva nos aos

    inoxidveis. Qvarfort (1998) verificou que, durante o estgio inicial de propagao

    do pite em aos inoxidveis, h a precipitao de uma camada de xido porosa e

    espessa, rica em molibdnio nas paredes do pite. Essa camada diminui a taxa de

    corroso, favorecendo a repassivao de pites metaestveis.

    Marcus (1994) props um mecanismo interessante para descrever o papel

    desempenhado pelo cromo e pelo molibdnio sobre a passividade dos aos

    inoxidveis. A abordagem do autor se baseia em duas propriedades fundamentais

    dos metais que so as resistncias das ligaes oxignio-metal e metal-metal. Um

    aumento da passivao obtido com elementos que possuem uma elevada

    energia de ligao oxignio-metal (alto calor de adsoro de oxignio ou hidroxila)

    e uma baixa energia de ligao metal-metal. Isso ocorre porque a nucleao de

    28

  • uma camada de xido estvel requer a quebra de ligaes metal-metal. O

    principal exemplo dessa classe de elementos metlicos o cromo que combina

    um elevado calor de adsoro de oxignio e uma energia de ligao metal-metal

    relativamente baixa. Ainda segundo Marcus, os moderadores de dissoluo ou

    bloqueadores so elementos com elevada energia de ligao metal-metal, pois

    essa caracterstica aumenta a barreira de energia de ativao para a dissoluo.

    Esse seria o papel desempenhado pelo molibdnio em razo da elevada energia

    da ligao Mo-Mo.

    Zabel et al. (1988) investigaram, por espectroscopia de eltrons Auger

    (AES), o filme superficial de amostras de ao inoxidvel 316L submetidas a

    corroso in vitro e in vivo. O objetivo dos autores foi estudar as mudanas

    ocorridas no filme de xido do ao inoxidvel devido exposio a solues

    contendo cloretos e protenas in vitro e a fluidos biolgicos in vivo. Foi aplicado um

    potencial de +500mVECS por 30 minutos para acelerar o processo de corroso

    andica. Experimentos realizados em soluo de cloreto de sdio (0,9%)

    indicaram pequena alterao na natureza do filme superficial em comparao com

    uma amostra de controle no atacada. A anlise por AES de amostras imersas em

    soluo de soro ou in vivo revelou que a espessura do filme passivo depende do

    ambiente corrosivo. Filmes de amostras imersas em soro ou in vivo foram

    similares ao filme da amostra de controle. Picos de cromo e nquel no foram

    observados aps corroso em soro e in vivo.

    O filme passivo formado sobre ao inoxidvel 316L em soluo de cido

    ntrico foi estudo por Wang et al. (2001). Os autores avaliaram o comportamento

    eletroqumico do ao 316L em soluo de cido ntrico por meio de curvas de

    polarizao. A estrutura do filme passivo foi investigada por microscopia de fora

    atmica e XPS. A resistncia corroso foi significativamente melhorada aps

    imerso das amostras na soluo de cido ntrico, especialmente em relao

    formao de pites. Anlise por XPS mostrou que foi formada uma camada estvel

    mista. Compostos do tipo FeOOH ou Fe(OH)3 e CrOOH e Cr(OH)3 estavam na

    camada externa do filme passivo, a qual poderia promover a repassivao do filme

    passivo e aumentar a resistncia corroso das amostras. Verificou-se a

    29

  • presena de Mo6+ e Mo4+ na camada externa do filme passivo. A microscopia de

    fora atmica mostrou que a superfcie do ao 316L, aps imerso na soluo de

    cido ntrico, apresentou menor rugosidade.

    3.5.2 Propriedades eletrnicas do filme passivo Segundo Lovrecek e Sefaja (1972), propriedades semicondutoras podem

    ser esperadas para um xido defeituoso. Os autores estudaram a camada passiva

    sobre eletrodos de cromo, medindo a capacitncia em soluo 1N H2SO4 na faixa

    de freqncias de 60-20.000Hz. A partir das medidas de capacitncia, os autores

    calcularam a concentrao de portadores de carga no filme e verificaram uma

    dependncia linear desses valores com o inverso da temperatura. Esse

    comportamento tpico de semicondutores.

    Alm dessa referncia, uma srie de artigos encontrados na literatura

    analisa o comportamento semicondutor dos filmes passivos sobre os aos

    inoxidveis, associando suas propriedades eletrnicas com a resistncia

    corroso. Szklarska et al. (1991) estudaram os filmes de xido formados sobre ao

    inoxidvel AISI 304 exposto a gua litiada em uma faixa de temperaturas entre

    100 - 350C. A composio do filme foi analisada por espectroscopia de eltrons

    Auger (AES) e o comportamento semicondutor pelas curvas de polarizao

    andica e catdica no sistema redox Fe(CN)3-6/Fe(CN)4-6. O comportamento de

    um semicondutor tipo-n foi diferenciado de um semicondutor tipo-p com base nos

    valores dos coeficientes de transferncia de carga andico (A) e catdico (C), dados pelas inclinaes das curvas de polarizao andica e catdica. Valores

    pequenos de A ou AC caracterizam filmes cujo comportamento semicondutor do tipo-n, enquanto para A0,4 e A>C o comportamento o de um semicondutor tipo-p. A densidade de pites no filme passivo maior quando o

    comportamento de um semicondutor tipo-n. Variaes de temperatura podem

    alterar a estrutura eletrnica do filme passivo, transformando um filme tipo-n em

    um filme tipo-p e vice-versa. No entanto, essa no a abordagem mais freqente

    encontrada na literatura para o estudo das propriedades eletrnicas dos filmes

    passivos sobre aos inoxidveis.

    30

  • Segundo Hakiki et al. (1995), a estrutura eletrnica dos filmes passivos

    formados sobre aos inoxidveis austenticos pode ser descrita por um modelo de

    duas camadas. Uma camada externa de xidos e hidrxidos de ferro (prxima

    soluo) que tem o comportamento de um semicondutor extrnseco tipo-n e uma

    camada interna de xido de cromo que tem o comportamento de um semicondutor

    extrnseco tipo-p. Sato (1990) tambm cita essa caracterstica dos xidos de ferro

    e cromo em seu trabalho sobre a passividade dos metais. No caso de Hakiki et al.

    (1995), a composio do filme foi confirmada por espectroscopia de eltrons

    Auger (AES). Esses autores estudaram o filme passivo do ao inoxidvel AISI 304

    e ligas Fe-Cr com diferentes concentraes de cromo com o objetivo de verificar a

    influncia desse elemento sobre as propriedades eletrnicas do filme. O estudo

    utilizou a abordagem de Mott-Schottky para determinar a estrutura eletrnica dos

    filmes. Esse mtodo consiste em medidas de capacitncia, utilizando

    espectroscopia de impedncia eletroqumica, em uma freqncia especfica, com

    o eletrodo de trabalho imerso no eletrlito a uma temperatura determinada. A

    interface filme passivo/eletrlito descrita pela expresso de Mott-Schottky

    segundo a equao (1):

    +++=ekTUU

    qNCC fbqH 022

    211 (1)

    Nessa expresso, C a capacitncia da interface filme/eletrlito, U o

    potencial aplicado, CH a capacitncia da dupla camada eltrica, a constante dieltrica do filme passivo, 0 a permissividade do vcuo, Nq a densidade de dopantes a qual representa as densidades de doadores ou receptores para um

    semicondutor tipo-n ou tipo-p, respectivamente, q a carga elementar (-e para os

    eltrons e +e para os buracos eletrnicos), k a constante de Boltzmann, T a

    temperatura e UFB o potencial de banda plana. O grfico de 1/C2 vs. U

    conhecido como grfico de Mott-Schottky. A inclinao desse grfico associada

    com um semicondutor tipo-n (inclinao positiva) ou tipo-p (inclinao negativa). O

    31

  • valor da inclinao fornece a concentrao de dopantes Nq se a constante

    dieltrica do filme passivo conhecida. A extrapolao do grfico 1/C2 vs. U para 1/C20 fornece o valor do potencial de banda plana UFB (correspondente ao potencial em que no h excesso de carga no interior do semicondutor). Segundo

    Dean e Stimming (1987), a validade desse mtodo se baseia nas suposies de

    que a capacitncia da camada de carga espacial muito menor do que a

    capacitncia da dupla camada eltrica e que o eletrodo pode ser descrito em

    termos de um semicondutor com um estado ionizado doador ou receptor

    posicionado prximo extremidade mais baixa da banda de conduo ou prximo

    extremidade mais alta da banda de valncia.

    No trabalho de Hakiki et al. (1995), o eletrlito utilizado foi uma soluo

    tamponada de H3BO3 (0,05M) + Na2B4O7.10H2O (0,075M) com pH=9,2 desaerada

    com nitrognio a temperatura ambiente. As amostras foram polarizadas por 2h a

    -0,3V, +0,3V e +0,8V antes das medidas de capacitncia, a fim de representar

    diferentes regies do filme passivo. Esse procedimento foi adotado tanto para o

    ao inoxidvel AISI 304 como para as ligas Fe-Cr. Os autores concluram que o

    comportamento de um semicondutor tipo-n associado camada mais externa do

    filme passivo, formada por xidos de ferro. Por outro lado, na regio mais rica em

    cromo (camada mais interna do filme), o comportamento o de um semicondutor

    tipo-p.

    A abordagem de Mott-Schottky utilizada em diversos outros trabalhos

    encontrados na literatura para o estudo das propriedades eletrnicas dos filmes

    passivos formados sobre aos inoxidveis e ferro (Montemor et al. 2000, Simes

    et al. 1990, Hakiki et al. 1998, Montemor et al. 1997, da Cunha Belo et al. 1998,

    Ahn e Kwon 2004, Carmezim et al. 2005). Normalmente, so utilizadas amostras

    imersas em solues tamponadas temperatura ambiente e desaeradas a fim de

    estudar o filme passivo em uma condio estvel.

    Da Cunha Belo et al. (1998), por exemplo, investigaram as propriedades

    eletrnicas do filme passivo formado sobre o ao inoxidvel 316L em soluo

    tamponada H3BO3 (0,05M) + Na2B4O7.10H2O (0,075M) com pH=9,2 desaerada

    com nitrognio a temperatura ambiente. O filme passivo havia sido previamente

    32

  • formado pela exposio das amostras do ao 316L a um ambiente tpico de um

    reator nuclear a gua pressurizada (PWR) por 2000h a 350h. O objetivo dos

    autores era correlacionar as propriedades do filme passivo com o processo de

    corroso sob tenso dos aos inoxidveis utilizados em reatores nucleares. Alm

    de medidas de capacitncia com a abordagem Mott-Schottky, os autores tambm

    avaliaram a estrutura e composio do filme passivo utilizando microscopia

    eletrnica de transmisso, espectroscopia Raman, difrao de raios-X e

    microscopia de fora atmica. O uso dessas tcnicas analticas permitiu a

    identificao de trs regies distintas para a camada passiva formada sobre o ao

    316L nas condies estudadas: uma camada mais externa de Ni0.75Fe2.25O4, uma

    camada intermediria de Fe3O4 e Ni0.75Fe2.25O4 e uma camada mais interna rica

    em xido de cromo. Os resultados de capacitncia foram muito semelhantes aos

    obtidos no trabalho de Hakiki et al. (1995) sobre o ao inoxidvel AISI 304 e ligas

    Fe-Cr na mesma soluo desaerada a temperatura ambiente. Na regio mais rica

    em cromo (camada mais interna do filme), o comportamento o de um

    semicondutor tipo-p, enquanto o comportamento de um semicondutor tipo-n

    associado s camadas mais externa do filme passivo, formada por xidos de ferro

    e nquel.

    Simes et al. (1990) tambm utilizaram soluo tamponada H3BO3 (0,05M)

    + Na2B4O7.10H2O (0,075M) com pH=9,2 desaerada com nitrognio a temperatura

    ambiente para estudar os filmes passivos formados sobre o ao inoxidvel AISI

    304. O mesmo grupo, em outro trabalho (Hakiki et al. 1998) utilizou as mesmas

    condies para avaliar as propriedades semicondutoras dos filmes passivos dos

    aos inoxidveis AISI 316 e 304. Nesse caso, os resultados foram comparados

    com ligas de cromo, nquel e molibdnio de alta pureza a fim de comparar os

    resultados obtidos com os aos inoxidveis e verificar a influncia dos diferentes

    elementos de liga desses materiais nas propriedades eletrnicas do filme passivo.

    Em um outro trabalho do mesmo grupo (Montemor et al. 1997), o efeito do

    molibdnio sobre as propriedades semicondutoras dos filmes passivos formados

    sobre os aos inoxidveis AISI 304 e 316 foram estudadas nas mesmas

    condies, ou seja, soluo tamponada H3BO3 (0,05M) + Na2B4O7.10H2O

    33