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1 CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO DE MULHERES DAS MARGARIDAS NO ASSENTAMENTO MARGARIDA ALVES – CÁCERES/ MIRASSOL D’OESTE – MT 1 Talita Sgobi Martins Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS / Campus de Três Lagoa [email protected] Resumo As mulheres rurais estão ganhando espaço na vida cotidiano dos assentamentos em suas produções atraves das associações. O Grupo das Margaridas, está inserido em um projeto maior onde mulheres extrativistas do Alto Pantanal trabalham com o bioma cerrado para fazer seus produtos artesanais, contribuindo com a merenda escolar através dos programas de politicas publicas com o Governo Federal como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Tendo em vista a produção semanal, a potencialidade dessas mulheres desperta um olhar maior para a identidade da mulher no campo, consolidando novos espaços conquistados nas estruturas familiares. O artigo visa mostrar como se estruturou o Grupo das Margaridas, as facilidades e dificuldades enfrentadas, principalmente em um estado onde o agronegócio ganha espaço e pressiona os pequenos produtores. Palavras – chave: Mulheres. Assentamentos Rurais. Reforma Agrária. Extrativismo. Introdução O Estado de Mato Grosso é um dos maiores polos de produção de grãos do Brasil, e consequentemente, onde ocorre uma intensa massificação dos setores do agronegócio, liderado pela produção de gado para a pecuária de corte, além da produção de soja e algodão. A presença de camponeses que vivem em assentamentos rurais, que produzem e vivem da terra, e outros que ainda almejam a conquista da terra, revelam outra característica presente no campo mato-grossense composta por uma classe social que vai na contramão dos interesses de fazendeiros e grileiros, maiores responsáveis pela agricultura do tipo capitalista. Contudo, o apoio e os incentivos que o setor do agronegócio recebe, via políticas públicas do Estado, é imensamente superior ao oferecido à agricultura familiar, que fica em segundo plano, marginalizada, e que muitas vezes sofre com a pressão vinda da agricultura capitalista. Diante desta realidade deve-se considerar que a luta por terra, por uma identidade cultural das comunidades tradicionais, revela que o campesinato em si, é uma classe que resiste mesmo com suas dificuldades.

CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO DE MULHERES DAS … · A fala de uma das assentadas que participam do ... A Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, incorporada junto ao PNAE pelo Governo

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CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO DE MULHERES DAS MARGARIDAS NO ASSENTAMENTO MARGARIDA ALVES – CÁCERES/

MIRASSOL D’OESTE – MT1

Talita Sgobi Martins

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS / Campus de Três Lagoa [email protected]

Resumo As mulheres rurais estão ganhando espaço na vida cotidiano dos assentamentos em suas produções atraves das associações. O Grupo das Margaridas, está inserido em um projeto maior onde mulheres extrativistas do Alto Pantanal trabalham com o bioma cerrado para fazer seus produtos artesanais, contribuindo com a merenda escolar através dos programas de politicas publicas com o Governo Federal como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Tendo em vista a produção semanal, a potencialidade dessas mulheres desperta um olhar maior para a identidade da mulher no campo, consolidando novos espaços conquistados nas estruturas familiares. O artigo visa mostrar como se estruturou o Grupo das Margaridas, as facilidades e dificuldades enfrentadas, principalmente em um estado onde o agronegócio ganha espaço e pressiona os pequenos produtores. Palavras – chave: Mulheres. Assentamentos Rurais. Reforma Agrária. Extrativismo.

Introdução

O Estado de Mato Grosso é um dos maiores polos de produção de grãos do Brasil, e

consequentemente, onde ocorre uma intensa massificação dos setores do agronegócio,

liderado pela produção de gado para a pecuária de corte, além da produção de soja e

algodão.

A presença de camponeses que vivem em assentamentos rurais, que produzem e vivem

da terra, e outros que ainda almejam a conquista da terra, revelam outra característica

presente no campo mato-grossense composta por uma classe social que vai na

contramão dos interesses de fazendeiros e grileiros, maiores responsáveis pela

agricultura do tipo capitalista.

Contudo, o apoio e os incentivos que o setor do agronegócio recebe, via políticas

públicas do Estado, é imensamente superior ao oferecido à agricultura familiar, que fica

em segundo plano, marginalizada, e que muitas vezes sofre com a pressão vinda da

agricultura capitalista.

Diante desta realidade deve-se considerar que a luta por terra, por uma identidade

cultural das comunidades tradicionais, revela que o campesinato em si, é uma classe que

resiste mesmo com suas dificuldades.

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As entrevistas orais demonstram que a luta para conquistar seu espaço vai além dos

acampamentos, é uma luta diária, e revela um modo de vida.

A terra é muita coisa, significa muita coisa, sossegado, fica tranquilo, não tem aquela perturbação, aquele barulho da cidade, eu nem me sinto bem em cidade, eu acho muito importante a terra, aqui é meu lugarzinho, meu cantinho, deu ficar meus últimos dias.2 (Informação verbal).

O objetivo deste artigo é investigar como se estruturou a organização do “Grupo das

Margaridas”, formado exclusivamente por mulheres assentadas, bem como qual é a sua

importância econômica hoje, tanto na renda familiar como na produção do

Assentamento Margarida Alves. Objetiva também identificar o que mudou na vida

dessas famílias a partir da atuação deste grupo e como tem sido sua participação em

políticas públicas como o Programa de Aquisição de Alimentos - PAA e do Programa

Nacional de Alimentação Escolar - PNAE.

O artigo visa entender a recriação do campesinato através da criatividade das mulheres

campesinas, que com suas atividades têm contribuído com a rentabilidade econômica do

assentamento, e fortalecimento do papel da mulher na participação da produção

familiar.

A metodologia de pesquisa baseia-se na leitura do referencial teórico acerca da temática

central, ou seja, participação das mulheres na composição de renda do Assentamento

Margarida Alves e a questão do gênero, seguida de trabalho de campo. Este último se

constitui na aplicação de questionário estruturado e semi estruturado (entrevistadas

gravadas), que foi realizado com 100% das mulheres que formam o “Grupo das

Margaridas” visando apreender as seguintes questões: participação das mulheres na

rentabilidade econômica do assentamento, fortalecimento do papel da mulher na

participação na produção familiar, discussões periódicas pela informação dos direitos

das mulheres vinculados com as questões de gênero.

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Desenvolvimento

A caracterização do grupo das Margaridas

O Grupo das Margaridas pertence a um projeto maior, a ARPEP - Associação Regional

de Produtores Extrativistas do Pantanal, que é uma entidade civil sem fins lucrativos,

formada por agroextrativistas, ecologistas e está no processo de transição da agricultura

tradicional para a agroecológica.

Fundada em 23 de novembro de 2009 com sede em Cáceres-MT, estimula seus

associados à produção diversificada para o autoconsumo e para a comercialização dos

excedentes em feiras livres dos municípios da região.

Possui 108 associados/as em 08 assentamentos e comunidades rurais: Assentamento

Margarida Alves, Corixinha, Facão- São José, Sadia, Bom Jardim, Katira, e comunidade

Nossa Senhora da Guia e Guanandi, possui 04 unidades de beneficiamento de frutos do

cerrado: cumbaru, babaçu e pequi.

Atualmente a associação realiza reuniões semestrais com a coordenação dos grupos para

o planejamento de suas atividades, capacitações e monitoramento dos planos produtivos

dos grupos. A associação ainda conta com um quadro de técnicos agroextrativistas que

contribuem para o planejamento e execução das atividades produtivas individuais e

coletivas.

Além de explorar novas ideias para sua reprodução nos assentamentos faz um trabalho

periódico de formação política com os participantes do grupo sobre direitos das

mulheres, a questão do gênero, entre outros assuntos relacionados com o projeto.

O Grupo das Margaridas, apesar de fundado em 2003, já existia, enquanto grupo

informal, antes do surgimento da ARPEP, e posteriormente começou a participar do

projeto que engloba os outros assentamentos.

O assentamento Margarida Alves, entre os municípios de Cáceres e Mirassol D’Oeste

no estado do Mato Grosso, conta com uma área de 3902,0000 (dado incorreto. Não seria

3.902?) mil hectares, e possui 145 famílias assentadas.

O Grupo das Margaridas é composto de nove mulheres do assentamento Margarida

Alves, utilizam-se de métodos criados por elas próprias e pela troca de experiências

entre os grupos, tanto regional, como em encontros periódicos do qual elas participam,

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inclusive no âmbito de Brasil. Realizam o trabalho de produção fazendo o aproveitando

do bioma local, que se faz por meio do beneficiamento dos frutos do cerrado.

O Assentamento Margarida Alves teve foi criado em 1996, como resultado das pressões

exercidas pelo grupo de famílias acampadas, que durou cerca de seis meses, e contou

com 1.500 famílias. Um dos pontos marcantes da fase do acampamento é a “Caminhada

até Cuiabá” que não é esquecida pelos assentados, que foram a pé até a capital. Esta foi

uma mobilização que teve como objetivo a luta pela viabilização do assentamento, o

primeiro consolidado na região de Cáceres/Mirassol – MT.

A origem do Grupo das Margaridas foi contada pela fundadora Rita Julia de Souza

Zocal, 51 anos, moradora do assentamento, na qual percebeu que as mulheres eram

desinformadas de seus direitos, então tomou iniciativa para criar esse grupo.

Inicialmente começou suas atividades com palestras, depois um curso de plantas

medicinais e posteriormente a ideia de uma horta de plantas medicinais proposta por

Dona Marlene, que ministrava o curso. Atualmente esta horta encontra-se presente no

Posto de Saúde do assentamento.

O nome escolhido possui dois motivos. O primeiro motivo se deve ao plantio da

margarida que na seca sobreviveram, demonstrando a força e resistência para enfrentar

o déficit hídrico. E o segundo nome – Alves – é em homenagem a sindicalista que

dedicou sua vida, como pioneira das lutas pelos direitos dos trabalhadores e

trabalhadoras rurais do Brasil, e com isso, o nome simboliza força, resistência, e luta.

Destaca-se que ela foi brutalmente assassinada.

O assentamento teve varias associações que não surtiram resultados. Algumas

assentadas que pertencem ao Grupo das Margaridas chegaram a retratar que as

“associações dos homens” possuem muitas desavenças, pois as opiniões são divergentes

e isso dificulta o sucesso e que trabalhar coletivamente é difícil, principalmente na

convivência. Estes são desafios que hoje agradam as mulheres, visto que conseguiram

se manter firmes e continuar na luta,. A fala de uma das assentadas que participam do

grupo demonstra este orgulho: “são mulheres de garra porque o trabalho coletivo,

trabalho em grupo não é fácil, mas nós temos aquela força, que a gente tem

conseguido, manter esse grupo em pé, erguido.”

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A produção das mulheres rurais e sua representação na renda familiar

Parte da produção do assentamento gira em torno de produtos caseiros como o pão

enriquecido (86 kg/semana), a bolacha enriquecida (50,25 Kg/semana), e o mesocarpo

(99,58 kg/semana), totalizando uma produção de 235,83 quilos por semana.

Este é um projeto de complementação de renda criado em 2011, e que atua também

junto ao PAA, e o PNAE, sendo que a quantidade a ser produzida muitas vezes

depende da nutricionista que determina quanto deve ser passado para cada escola a fim

de ser utilizado na merenda escolar.

A tabela 1 demonstra o quanto é eficaz essa produção de 235,83 kg por semana, pois

beneficia principalmente as escolas, creches, pastorais e asilos que são atendidos pelos

programas e que por isso precisa ser visto com mais atenção pelo Estado.

Tabela 1: Tabela de produção e dos consumidores do projeto do Grupo

das Margaridas (2011). ARPEP

Consumidor Pão Enriquecido (kg)

Bolacha Enriquecida (kg)

Mesocarpo

Centro de Educação Edson Tamandaré

40 kg/sem

12,5 kg -

Centro social João Paulo II

14 kg/sem

15,75 kg/sem

-

Escola Municipal Enedi Pontes Castilho

20 kg/sem

12 kg/sem

-

Escola Municipal Zumbi dos Palmares

12 kg/sem

10 kg/sem

-

Pastoral Santissima Trindade

-

-

48,58 kg/mês

Pastoral Nossa Sr. ª Aparecida

-

-

50 kg/mês

Total Semana (grupo)

86 kg/semana

50,25 kg/semana

99,58 kg/semana

Fonte: ARPEP

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A Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, incorporada junto ao PNAE pelo Governo

Federal, obriga que as prefeituras de todo o país comprem no mínimo 30% de alimentos

da merenda escolar junto à agricultura familiar:

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), implantado em 1955, garante, por meio da transferência de recursos financeiros, a alimentação escolar dos alunos de toda a educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas e filantrópicas. Seu objetivo é atender as necessidades nutricionais dos alunos durante sua permanência em sala de aula, contribuindo para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes, bem como promover a formação de hábitos alimentares saudáveis. (BRASIL – FNDE).

De acordo com as participantes do Grupo das Margaridas, os produtos

comercializados são feitos a partir de matéria-prima natural, provinda do próprio

assentamento. Exemplo disto é o babaçu produzido cultivado no assentamento e

utilizado na fabricação de produtos caseiros.

A entrega dos produtos destinados ao PNAE é feita em Creches e Pré-Escolas situadas

em Mirassol do Oeste, como a Sonho Azul e a Zumbi dos Palmares. Estas recebem

através deste programa de alimentação escolar a bolacha enriquecida com farinha de

babaçu, o pão enriquecido também com a farinha de babaçu, e as verduras do

Assentamento Margarida como alface, rúcula, almeirão, tomatinho, mandioca, batata

doce, abobora e cheiro verde. A tabela 2 trás alguns dos valores fornecidos pelas

agricultoras, como categoria extrativista, visto que os frutos são coletados pelas

mesmas, e através das DAP’s (Declaração de Aptidão ao Pronaf) elas se

regularizam para fornecer para o PAA e PNAE.

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Tabela 2: Fornecedores do Assentamento Margarida Alves/2012. Categoria Município Valor

Contratado

Ana Angélica de Souza Silva

Agroextrativista Mirassol d”Oeste

4.499,85

Eni Batista da silva

Agroextrativista Mirassol d”Oeste

4.499,85

Maria Alves Miranda

Agroextrativista Mirassol d”Oeste

4.499,85

Maria Neuza Martins

Agroextrativista Mirassol d”Oeste

4.499,85

Maria Rosa Borges da Silva

Agroextrativista

Mirassol d”Oeste

4.499,85

Rita Julia de Souza Zocal

Agroextrativista

Mirassol d”Oeste

4.499,85

Santina de Jesus Santos

Agroextrativista

Mirassol d”Oeste

4.499,85

Fonte: ARPEP

Os produtos também são comercializados em feiras, como a que irá ser realizada em

Brasília e no Rio de Janeiro, em Junho de 2012, onde serão apresentados por uma

integrante, os produtos de todos os grupos pertencentes à ARPEP (Associação das

Produtoras Extrativistas do Pantanal), incluindo o Grupo das Margaridas.

Foto 1 – Local onde situa a Cozinha Industrial no Assentamento Margarida

Alves.

FONTE: MARTINS, TALITA. 2012

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O grupo em questão é formado por nove mulheres, representantes das famílias

associadas, sendo que o grupo possui algumas mulheres que apenas ajudam

voluntariamente com seus trabalhos em outras atividades, como nas discussões, mas

não fazem parte do processo de fabricação de produtos caseiros na cozinha industrial.

Uma das principais atividades desenvolvidas pelo grupo é no sentido de formação

pessoal de cada integrante individualmente, através de reuniões, intercâmbios com os

outros grupos. É todo um trabalho de conscientização que busca conhecer e garantir a

efetivação de seus direitos.

Além disso, destaca-se a contribuição que cada mulher participante proporciona para

com a família, salientando a busca pelo ideal de permanecer na terra conquistada.

Outro aspecto importante que chama atenção é com relação à interação social

proporcionada dentro do grupo, que são as amizades e a alegria de pertencer ao Grupo

das Margaridas.

Foto 2 – Assentada e os filhos com o fruto nas mãos. Exterior da cozinha.

FONTE: MARTINS, Talita. 2012.

Nas falas das mulheres entrevistadas se dá importância a vários elementos do

cotidiano vivido, na qual se percebe a criação da identidade do Grupo das Margaridas,

como a lembranças de momentos de alegria e tristeza que surgiram no decorrer dos

questionamentos, concluindo que além de ser uma formação pessoal o Grupo das

Margarida está vinculado com a rentabilidade econômica que gerou para o bem estar

dessas famílias.

As vantagens são inúmeras, de acordo com uma das camponesas deste assentamento,

antes a maioria das mulheres cortava cana, e os sonhos eram desenvolver trabalhos no

assentamento, visto que trabalhar no corte é sofrido, como demonstra a seguir:

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Trabalhei cinco anos na cana, na Usina. Ah é difícil, hein. Trabalhar na cana, não é fácil não. Você tem que levantar cedo. No primeiro ano que eu entrei eu via meus filhos só de domingo, eu saia na segunda, duas horas da manhã, eu chegava meus filhos tava dormindo néh, eu sai de novo eles tavam dormindo, e pra conversa, de mãe e filho. Levantar de manha cedo com sol e com chuva é difícil pra nós que é mulher. Vai tomando sol, você só tem uma hora de almoço, e me deu uma dor de cabeça, que meu marido não deixou mais eu ir, e depois nós viemos para cá, só que não estou aquela pessoa 100%, porque você toma muito sol, acaba com a saúde da gente, eles não quer saber, se você não for um dia, desconta dois dias, aí depois a madrinha Rita me convidou e eu aceitei entrar no grupo. (Informação verbal) 3.

A FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional) contribuiu

e ainda contribui muito com o grupo. Através dela que os projetos foram apresentados,

montados e entregues. A cozinha industrial que o Grupo das Margaridas conseguiu foi

por meio de um projeto elaborado por técnicos desta Federação e que desde o começo,

acompanham o grupo dando acessibilidade nas documentações.

Conclusão

Percebe-se que a condição econômica destas mulheres melhorou, pois o dinheiro no

final do mês é garantido, bastando que a produção seja entregue, o que torna atraente o

PAA e o PNAE para as mulheres.

As dificuldades enfrentadas hoje são os períodos dos projetos (PAA e PNAE), que em

2011 teve duração de nove meses, e quando se iniciou o ano de 2012, não havia ainda

sido aprovado o novo, com doze meses agora de duração, o que atrasou o início dos

trabalhos de fornecimento dos produtos, pois se não tem o dinheiro do projeto, não tem

como fazer as compras dos ingredientes para iniciar a produção.

Na visão das assentadas pertencentes ao grupo as vantagens de vender para o PAA são

inúmeras, visto que o pagamento é certo, efetuado mensalmente e não precisa mais de

atravessadores. Para estas camponesas assentadas a estabilidade destes programas

governamentais motivam a produção mesmo que o preços pagos sejam inferiores ao da

venda ao mercado convencional, pois este é incerto.

Pelo menos 30% da renda familiar vêm das mulheres que pertencem ao Grupo das

Margaridas e para elas é uma mudança significativa no contexto do assentamento.

Dessa forma pode-se perceber através desses projetos que a rentabilidade econômica

das mulheres do Grupo das Margaridas aumentou, e a condição de vida melhorou.

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Umas das camponesas participantes do grupo, disse: “esse sofá que você está sentada

foi comprada com o dinheiro do Grupo, era meu sonho..”, demonstrando, assim, a

importância deste espaço conquistado por estas mulheres camponesas.

A estrutura familiar de uma unidade de produção camponesa tende a ser hierarquizada,

tendo no homem o chefe da família. Neste sentido, geralmente a mulher é responsável

pelos trabalhos do lar podendo ainda exercer outras atividades no lote, o que pode

influenciar diretamente sobre a questão do trabalho fora do estabelecimento, pois as

vezes isto tende a aumentar muito as atividades das mulheres.

Quando indagado às mulheres participantes do Grupo das Margaridas se recebiam ajuda

do marido e da família, elas garantiram que sim e disseram que no início eles não

confiavam no projeto da ARPEP, mas a experiência mostrou a importância do trabalho

da mulher dentro de um contexto de trabalho familiar camponês.

Desta forma, destaca-se na fala de umas das produtoras, uma mudança na hierarquia

destas famílias camponesas, consequência de uma nova realidade econômica da mulher

dentro destas famílias, “(...) hoje se tem alguma prestação que está vencendo ele não

tem o dinheiro eu tenho, eu dou para ele pagar...”.

Consta que hoje os homens admiram e até contribuem com os trabalhos mais pesados,

por exemplo, retirando o floco do babaçu, que posteriormente é triturado, tornando-se

farinha.

Foto 3 – O floco do babaçu é triturado se transformando em farinha.

Fonte: MARTINS, Talita. 2012.

A quantidade de associadas ainda é relativamente baixa tendo em vista o número de

assentados que é grande, muitas mulheres queriam participar, mas por causa da

proibição dos maridos, isso não é possível.

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Diante isto, é bom lembrar Farias (2005) que considera que as famílias nos

assentamentos hoje vivem em uma definição produtiva que tem como base as

referências anteriores e as novas necessidades, tendo a mulher o papel principal nesse

processo, e complementa:

Elas procuram criar mecanismos de discussão e participação para decidirem alternativas de produção com características coletivas e solidarias, imprimindo novas conotações nas relações de trabalho, criando mecanismos para o reconhecimento de seu estatuto de trabalhadora rural. (FARIAS, 2005, p.163)

Assim, destaca-se a capacidade de criatividade, que vem com a própria necessidade de

implantar projetos coletivamente e ajudar outras famílias a se recriarem no lote dos

assentamentos de Reforma Agrária, contribuindo para que o campo alcance o objetivo

de ter maior produção, e que se estruture com seu devido sentido para a vida social.

O Grupo das Margaridas, tem tido um reconhecimento notório e é visto como exemplo

em vários locais, e por onde as mulheres passam com seus produtos, que foram receitas

criadas e aprimoradas por elas próprias, e isso contribuiu para que a rentabilidade e a

participação econômica no assentamento e nas famílias cresçam.

Hoje, as mulheres participantes deste grupo contam com certa independência

econômica, podem comprar e ajudar a família, e desfrutar da convivência do grupo,

cujas discussões são intensamente valorizadas pelas participantes que não medem

elogios para esta iniciativa concretizada no Grupo das Margaridas.

Notas ________________________ 1 Este artigo faz parte do projeto de pesquisa que está em andamento, intitulado “Caracterização dos assentamentos rurais localizados nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra em Mato Grosso.”, financiada pela Rede Centro-Oeste, Pesquisa e Inovação (Rede PRO-CENTRO-OESTE) financiada pelo CNPq. ² Entrevista com assentado do Projeto Margarida Alves, 07 de maio de 2012. ³Entrevista com assentada do Projeto Margarida Alves, dia 07 de maio de 2012.

Referências

BRASIL - FNDE. Alimentação Escolar. Apresentação. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/index.php/programas-alimentacao-escolar Acessado dia 26/06/2012.> Acessado dia 26 de junho de 2012. BRASIL – PNAE. Apresentação - Ministério do Desenvolvimento Agrário e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Disponível em:

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<http://www4.planalto.gov.br/consea/plenarias/2010/reuniao-do-dia-22-e-23-de-novembro-de-2010/pnae_implementacao-da-lei-11.947/view> Acessado dia 27 de junho de 2012.

CPT. Conflitos no campo diminuem, mas trabalho escravo cresce, diz Pastoral da Terra. Disponível em: <http://sul21.com.br/jornal/2011/12/conflitos-no-campo-diminuem-mas-denuncias-de-trabalho-escravo-crescem/> Acessado dia 26 de junho de 2012. FARIAS, Maria de Fátima Lomba de. O cotidiano dos assentamentos de reforma agrária: entre o vivido e o concebido. In: FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta; WHITAKER, Dulce Consuelo Andreatta. (Orgs.) Reforma Agrária e Desenvolvimento: desafios e rumos da política de assentamentos rurais. São Paulo: Uniara/MDA, 2008. p. 151 -170. FERRANTE, Vera Lúcia Silveira Botta, WHITAKER, Dulce Consuelo Andreatta (Orgs). Reforma Agrária e Desenvolvimento: desafios e rumos da política de assentamentos rurais. Brasília: MDA. São Paulo: Uniara [co-editor], 2008, 348p. MOTA, Maria Dolores B. Margarida Alves, símbolo da luta da mulher no campo. (2010) Disponível em: <http://www.mst.org.br/node/10399> Acessado dia 26 de junho de 2012.