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ISSN 2238-2534 1 O NOVO POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF ACERCA DA PRISÃO A PARTIR DA DECISÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA Carlos Eduardo Virgílio Oliveira 1 José Natanael Ferreira 2 RESUMO O presente artigo foi elaborado como atividade do Programa de Iniciação Científica vinculado à Faculdade de Direito da AJES-Faculdades de Ciências Contábeis e Administração do Vale do Juruena, da cidade de Juína, no Estado de Mato Grosso, e teve como objeto de estudo o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, proferido em 17 de fevereiro de 2016, possibilitando a prisão do condenado na seara penal já a partir da decisão de segunda instância, revendo sua anterior jurisprudência, que aceitava a prisão apenas após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Essa decisão, por ser bastante recente, ainda não possui doutrina consolidada, apenas entrevistas de juristas aos órgãos de imprensa, e este artigo, por ser bastante atual, ressente-se do entendimento doutrinário assentado, no entanto, apresenta à discussão um assunto em que, doravante, trará profundas alterações no sistema de punibilidade de condenados que, invariavelmente, serviam-se das possibilidades recursais para postergarem, por vias legais, porém, nem sempre, morais, o cumprimento das penas a que foram condenados pelas Cortes brasileiras. Prevê-se, desde logo, a expedição de várias ordens de prisão e de recolhimento de condenados que se encontram nessa condição: condenados em segunda instância, livres e soltos no aguardo de julgamento de recursos nas Cortes Superiores. Agora, iniciarão o cumprimento da pena, enquanto aguardam a decisão desses seus recursos. Trata-se de um novo paradigma para os sentenciados pela prática de crimes. PALAVRAS-CHAVE: Habeas Corpus 126.292/SP. Presunção de inocência. Prisão. STF - novo entendimento. 1 OLIVEIRA, Carlos Eduardo Virgílio. Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade do Vale do Juruena – AJES; servidor público do Estado de Mato Grosso, Gestor em Segurança Pública — . <[email protected]> 2 FERREIRA, José Natanael. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP – Campinas/SP; Mestre em Educação pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo — UNISAL — Americana/SP; Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP – Piracicaba/SP; Professor da AJES-Faculdades do Vale do Juruena (Juina-MT); [email protected]

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O NOVO POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF ACERCA DA PRISÃO A PARTIR DA DECISÃO DE SEGUNDA INSTÂNCIA

Carlos Eduardo Virgílio Oliveira1

José Natanael Ferreira2 RESUMO

O presente artigo foi elaborado como atividade do Programa de Iniciação Científica vinculado à Faculdade de Direito da AJES-Faculdades de Ciências Contábeis e Administração do Vale do Juruena, da cidade de Juína, no Estado de Mato Grosso, e teve como objeto de estudo o novo entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, proferido em 17 de fevereiro de 2016, possibilitando a prisão do condenado na seara penal já a partir da decisão de segunda instância, revendo sua anterior jurisprudência, que aceitava a prisão apenas após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Essa decisão, por ser bastante recente, ainda não possui doutrina consolidada, apenas entrevistas de juristas aos órgãos de imprensa, e este artigo, por ser bastante atual, ressente-se do entendimento doutrinário assentado, no entanto, apresenta à discussão um assunto em que, doravante, trará profundas alterações no sistema de punibilidade de condenados que, invariavelmente, serviam-se das possibilidades recursais para postergarem, por vias legais, porém, nem sempre, morais, o cumprimento das penas a que foram condenados pelas Cortes brasileiras. Prevê-se, desde logo, a expedição de várias ordens de prisão e de recolhimento de condenados que se encontram nessa condição: condenados em segunda instância, livres e soltos no aguardo de julgamento de recursos nas Cortes Superiores. Agora, iniciarão o cumprimento da pena, enquanto aguardam a decisão desses seus recursos. Trata-se de um novo paradigma para os sentenciados pela prática de crimes.

PALAVRAS-CHAVE: Habeas Corpus 126.292/SP. Presunção de inocência. Prisão. STF - novo entendimento.

1 OLIVEIRA, Carlos Eduardo Virgílio. Acadêmico do curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade do Vale do Juruena – AJES; servidor público do Estado de Mato Grosso, Gestor em Segurança Pública — . <[email protected]> 2 FERREIRA, José Natanael. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP – Campinas/SP; Mestre em Educação pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo — UNISAL — Americana/SP; Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP – Piracicaba/SP; Professor da AJES-Faculdades do Vale do Juruena (Juina-MT); [email protected]

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ABSTRACT

This article was elaborated as an activity of the Scientific Research Program linked to AJES Law School – College of Accounting Sciences and Business Administration of Vale do Juruena, city of Juína in Mato Grosso state, and had as study object the new understanding of the Federal Court of Justice pronounced in February 17th, 2016, enabling the prison of the convicted in the criminal law from the decision of the second instance, reconsidering it’s previous jurisprudence, which accepted the prison only after the unappealable final judgment of conviction. This decision, being very recent, still doesn’t have a consolidated doctrine, only interviews of jurists to the press agencies, and this article, being reasonably current, resents the fixed doctrinaire understanding. However, it presents itself to the discussion of a subject that, henceforth, will bring deep changes to the convicted punishability system which, invariably, took advantage of the appellate possibilities in order to postpone – through legal means, yet not always moral – the fulfillment of sentences to which were convicted by Brazilian Courts. It is soon foreseen the expedition of several arrest and gathering warrants of convicts which find themselves in this position: convicted in second instance, free and awaiting judgment of resources in Supreme Courts. Now, they will begin serving time while await the decision of their resources. It’s a new paradigm for the sentenced for committing a crime. KEY WORD: Habeas Corpus 126.292/Sp. Presumption of innocence. Prison. Federal Court of Justice – new understanding.

Sumário: 1. Introdução. 2. O Caso Objeto Do Habeas Corpus Nº 126.292 / Sp, Que Ensejou A Mudança No Entendimento Do Supremo Tribunal Federal. 3. Considerações Sobre O Princípio Da Presunção Da Inocência. 4. Considerações Finais. Referências Bibliográficas. Referências em sítios da rede mundial de computadores (internet) 1. INTRODUÇÃO

No mês de fevereiro de 2016, a Corte Suprema do Judiciário brasileiro, o Supremo

Tribunal Federal – STF, no julgamento do Habeas Corpus nº 126.292 / SP, sob a Relatoria do Eminente Ministro Teori Albino Zavascki, tomou importante decisão, a qual repercutiu de imediato entre os profissionais de Direito, especialmente entre os advogados, entres os

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Membros do Ministério Público, e entre os magistrados e Desembargadores dos diversos Tribunais brasileiros. Por extensão, o assunto também foi motivo de discussões acadêmicas nas salas de aulas das Faculdades de Direito. E tudo porque essa Corte Suprema, no julgamento do Habeas Corpus em questão, decidiu, por maioria de sete votos a quatro ( 7 x 4 ), ser possível a imediata execução da pena privativa de liberdade depois de decisão condenatória confirmada em colegiado de segunda instância (por um Tribunal de Justiça ou por um Tribunal Regional Federal, conforme a natureza do caso in concreto). Até então, e desde 5 de fevereiro de 2009, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 84.078 / MG, vigia, na ótica do direito brasileiro, a consolidada jurisprudência de que a prisão somente seria possível após o trânsito em julgado da sentença condenatória que conformasse a coisa julgada formal e material, não possibilitando mais recursos em quaisquer processos ou juízos. Essa era a jurisprudência que espelhava, com rigor literal, as disposição do artigo 5º, LVII, da Constituição Federal (CF/88): “...ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória...”. Esse dispositivo constitucional resguarda o princípio da não-culpabilidade ou, por outras palavras, o princípio da presunção da inocência.

E o princípio da presunção da inocência é uma das grandes conquistas do homem no processo de civilidade e de humanização das penas aplicadas aos condenados por infrações penais. Ele impõe ao Estado-Juiz o dever de respeitar o acusado como inocente até o final do processo em que se encontra sendo julgado, e o dever do Estado de provar a culpa do processado, sob pena de não valer as imputações que lhes são feitas pelas instituições estatais encarregadas da persecução penal. No ordenamento brasileiro, o princípio da presunção da inocência encontra-se elevado ao status de direito e de garantia fundamental, impossível de ser derrogado por norma infraconstitucional ou por emenda constitucional, haja vista tratar-se ele de cláusula pétrea (CF/88, artigo 60, § 4º, IV): “...Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV - os direitos e garantias individuais...”.

Ante a importância desse princípio da presunção da inocência, causou estranheza nos meios jurídicos a nova decisão do STF acerca da possibilidade de cumprimento imediato da pena restritiva de liberdade já a partir da decisão de segunda instância, confirmatória da condenação proferida em sede do juízo monocrático, ainda que esteja pendente nos Tribunais Superiores julgamento de recursos interpostos pelo condenado, o qual deverá, a partir de agora, aguardar esses julgamentos recolhido à prisão.

Dado que, em razão da atualidade da decisão, ainda não há doutrina ou jurisprudência firmada, este trabalho busca entender esse novo posicionamento do Supremo

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Tribunal Federal que, sob a ótica de determinados operadores do Direito, relativiza o princípio da presunção da inocência, fazendo recair sobre ele o mantra de que não há direito e ou princípio absoluto. A realidade concreta, amparada na legislação de regência, e nas interpretações das Cortes, é que estampa os limites dos princípios e dos direitos reclamados.

Por fim, e dado ao dinamismo dos fatos sociais, por questões e necessidades práticas, este artigo manteve, como referência para seu termo final, o mês de março de 2016, pois se torna impossível aguardar e abarcar todos os acontecimentos, decisões e consequências que, certamente, advirão desse posicionamento paradigma adotado pela Suprema Corte brasileira. 2. O CASO OBJETO DO HABEAS CORPUS Nº 126.292 / SP, QUE ENSEJOU A

MUDANÇA NO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Coube ao Ministro Teori Zavascki a relatoria do Habeas Corpus nº 126.292 / SP, no

qual se discutiu, por parte do sentenciado, a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao negar seguimento ao recurso exclusivo da defesa, expediu mandado com ordem para cumprimento imediato da pena restritiva de liberdade. Contra essa ordem de prisão, o condenado impetrou o Habeas Corpus nº 126.292 / SP, cujo julgamento em 17 de fevereiro de 2016, pelo Supremo Tribunal Federal, o tornou em novo paradigma para interpretação do princípio da presunção da inocência, estampado no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal.

Antes de tratar, especificamente, desse novo paradigma, cumpre esclarecer que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, o entendimento firmado no âmbito do Supremo Tribunal Federal – STF, acerca das disposições do artigo 5º, LVII, era no sentido de que, sim, era possível o início do cumprimento da pena de prisão já a partir da confirmação, por acórdão de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Regional Federal (de segunda instância), da sentença condenatória imposta pelo juízo a quo. Nesse sentido, havia variados julgados daquela Corte Suprema decidindo que a pendência de julgamento de recursos especiais e ou de recursos extraordinários não impedia o imediato cumprimento da pena de prisão, dado que tais recursos eram — e são — dotados apenas do efeito devolutivo, e não servem para discutir matéria fática relativa a provas ou ao mérito. Eis exemplos:

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HABEAS CORPUS - CONCURSO DE AGENTES - IMPOSIÇÃO DE PENAS DIVERSAS (CP, ART. 29) - POSSIBILIDADE - REGIME PRISIONAL - FIXAÇÃO - SURSIS - RECUSA - SENTENÇA SUFICIENTEMENTE MOTIVADA - REEXAME DOS CRITÉRIOS SUBJETIVOS QUE NORTEARAM A SENTENÇA - IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO HABEAS CORPUS - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL - CONCESSÃO DE FIANCA - INADMISSIBILIDADE – [...] - O REMEDIO CONSTITUCIONAL DO HABEAS CORPUS NÃO SE REVELA INSTRUMENTO JURÍDICO ADEQUADO AO EXAME DOS CRITÉRIOS DE INDOLE PESSOAL SUBJACENTES AO ATO DECISORIO QUE, MOTIVADAMENTE, DEFINIU O REGIME PRISIONAL INICIAL E RECUSOU O BENEFÍCIO DO SURSIS. - A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL NÃO IMPEDE - PRECISAMENTE POR SE TRATAR DE MODALIDADE DE IMPUGNAÇÃO RECURSAL DESVESTIDA DE EFEITO SUSPENSIVO - A IMEDIATA EXECUÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA, INVIABILIZANDO, POR ISSO MESMO, A CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISORIA MEDIANTE FIANCA. (STF, Primeira Turma; HC 70662 / RN - RIO GRANDE DO NORTE, Relator CELSO DE MELLO; Julgamento: 21 jun 1994, DJ 4 nov 1994) HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. NÃO-CONFIGURAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de ser possível a execução provisória da pena privativa de liberdade, quando os recursos pendentes de julgamento não têm efeito suspensivo. 2. Não configurada, na espécie, reformatio in pejus pelo Tribunal de Justiça do Paraná. A sentença de primeiro grau concedeu ao Paciente "o benefício de apelar" em liberdade, não tendo condicionado a expedição do mandado de prisão ao trânsito em julgado da decisão condenatória. 3. Habeas corpus denegado. (STF, Primeira Turma, HC 91675 / PR - Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA; julgamento: 4 set 2007; DJe 6 dez 2007, public. 7 dez 2007)

Perceptível, portanto, por ambos os julgados aqui citados, que o original entendimento

do STF, já no vigor do atual sistema constitucional democrático, coadunava-se com o início do cumprimento da pena restritiva de liberdade já com a confirmação, por acórdão de segunda instância, da sentença condenatória à pena privativa de liberdade proferida em juízo de primeiro grau. Entretanto, em 5 de fevereiro de 2009, ao julgar o Habeas Corpus nº 84.078 / MG, relatado pelo Eminente Ministro Eros Roberto Grau, aquela Corte reviu sua jurisprudência original acerca desse tema, passando a entender, então, que a denominada “execução antecipada da pena”, antes de transitada em julgado a sentença condenatória,

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ofendia o princípio constitucional da presunção da inocência, sendo, portanto, contrária à Constituição Federal. Ao fundamentar seu voto, o Eminente Relator asseverou: “A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal”. E esse julgado tornou-se precedente de jurisprudência que se consolidaria no âmbito do STF e do ordenamento jurídico brasileiro até agora, em fevereiro de 2016. E é por sua importância histórica que a ementa do julgamento do Habeas Corpus nº 84.078 / MG segue transcrita, na íntegra, no rodapé da página, para possibilitar consultas futuras àqueles que se interessarem em escrever sobre o tema3. 3 HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados --- não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subseqüentes agravos e embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque --- disse o relator --- "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (STF, Tribunal Pleno; HC nº 84.078 / MG; Relator Ministro Eros Grau; julgamento: 5 fev 2009, public. 26 fev 2010).

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Não obstante o respeitável entendimento expresso por Sua Excelência, o Ministro Eros Grau, o certo mesmo é que, ao longo de todos esses anos, a sociedade brasileira assistiu, estarrecida, não pessoas inocentes sendo presas, mas pessoas culpadas, sentenciadas e condenadas, mantidas soltas às custas do extremismo a que se elevou o princípio da presunção da inocência, o qual, a partir do julgado de 5 de fevereiro de 2009, tornou-se mantra de condenados que, sob sua guarida, e sob recursos aos Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça – STJ e Supremo Tribunal Federal – STF), fugiam, por anos e até por décadas, ao cumprimento das suas sentenças condenatórias em penas privativas de liberdade.

Nesse ínterim (fevereiro de 2009 a fevereiro de 2016), foi promulgada a Lei Federal nº 12.403, de 4 de maio de 2011, alterando a anterior redação do artigo 283 do Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, que dispõe sobre o Código de Processo Penal – CPP. O texto original do Decreto-Lei nº 3.689/1941 dizia: “Art. 283. A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”. Com a Lei Federal nº 12.403/2001, alterou-se redação de tal dispositivo do Código de Processo Penal:

Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Essa alteração no artigo 283 do CPP coadunou-se com a jurisprudência do Supremo

Tribunal Federal firmada com o julgamento do Habeas Corpus nº 84.078 / MG. E foi sob o amparo desses dois institutos que a sensação de impunidade de condenados espalhou-se pela sociedade brasileira, que assistiu, consternada, pessoas sentenciadas nos juízos monocráticos, com sentenças confirmadas pelos Tribunais de Justiça (dos Estados) ou por Tribunais Regionais Federais (da Justiça Federal nos crimes de sua competência) saírem livres, leves e soltos dos seus julgamentos, porque poderiam recorrer em liberdade em recursos especiais (ao Superior Tribunal de Justiça – STJ) ou em recursos extraordinários (ao Supremo Tribunal Federal – STF), mesmo sabendo que, pela legislação de regência, esses recursos não se prestavam à rediscussão da matéria de prova ou da matéria de mérito do fato criminoso, e não possuíam efeito suspensivo, o qual sempre era buscado por medidas tutelares em regime de liminares.

O Recurso Especial, previsto no artigo 105, III, da Constituição Federal, de competência do Superior Tribunal de Justiça, presta-se ao julgamento das “causas decididas,

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em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal”. Ao seu tempo, o Recurso Extraordinário, de competência do Supremo Tribunal Federal – STF, previsto no artigo 102, III, da Constituição Federal, presta-se a julgar “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal”. Ambos os recursos possuem normas procedimentais perante o STJ e perante o STF estabelecidas pela Lei Federal nº 8.038, de 28 de maio de 1990, a qual, em seus artigos 26 a 29. Essa Lei nº 8.038/1990 determina:

Art. 26 - Os recurso extraordinário e especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos no prazo comum de quinze dias, perante o Presidente do Tribunal recorrido, em petições distintas [...] (...) Parágrafo único - Quando o recurso se fundar em dissídio entre a interpretação da lei federal adotada pelo julgado recorrido e a que lhe haja dado outro Tribunal, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, ou indicação do número e da página do jornal oficial, ou do repertório autorizado de jurisprudência, que o houver publicado. Art. 27 - Recebida a petição pela Secretaria do Tribunal e aí protocolada, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista pelo prazo de quinze dias para apresentar contra-razões. (...) § 2º - Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo. (...) Art. 28 - Denegado o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo de instrumento, no prazo de cinco dias, para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, conforme o caso. (sem grifos no original)

Além desses recursos, outros há no sistema processual brasileiro que cuidam de, em

tese, corrigir eventuais falhas no curso processual mas que, em realidade, na seara penal, servem — e vinham servindo — como meras interposições postergatórias do trânsito em julgado das sentenças condenatórias à penas privativas de liberdade. São exemplos de tais recursos que são utilizados mais como postergação os denominados recursos regimentais,

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previstos nos Regimentos Internos de todos os Tribunais, que cuidam, em regra, de levar decisões monocráticas de Desembargadores e Ministros para conhecimento e julgamento pelos respectivos Plenos. Além do arsenal de recursos do sistema processual penal brasileiro que, em sentido lato, servem, grosso modo, para postergar o trânsito em julgado da sentença condenatória expedida pelo juízo originário, também são aceitos, no sistema processual penal, os embargos, principalmente os embargos declaratórios, que servíveis para elucidação de omissões, contradições ou obscuridades nas decisões dos magistrados, não raro eles são opostos como mera intenção procrastinatória, e conseguem, assim, atrasar o trâmite processual e o trânsito em julgado das decisões condenatórias.

E, sob o leque amplíssimo do princípio da presunção da inocência, no entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento do Habeas Corpus nº 84.078 / MG (fevereiro de 2009) e pela redação atual do artigo 283 do Código de Processo Penal, milhares de condenados por crimes contra a vida e por crimes em desfavor do erário livraram-se soltos por anos e décadas a fio, porque, além das infindáveis possibilidades recursais, os Tribunais Superiores são superlotados com recursos de diversas matérias e oriundos de todos os Tribunais locais. No Brasil, os Tribunais Superiores funcionam como verdadeiras terceiras instâncias recursais, contrariando suas gêneses de Cortes que deveriam funcionar apenas como corretoras de eventuais desacordos processuais em face da legislação infraconstitucional (STJ) ou ofensivos à ordem constitucional (STF – CF/88, artigo 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição...”).

A se reforçar essa assertiva a respeito da gênese das Cortes Superiores (STJ e STF) e da impossibilidade de, em seus julgamentos por vias recursais especiais e extraordinárias, respectivamente, rever matéria fática ou mérito do julgado, tem-se nas súmulas por elas editadas, cuja interpretação bem posta embasaria, sim, o cumprimento da pena privativa de liberdade quando confirmada por acórdão de Tribunal local em sede recursal. A respeito, citam:

SÚMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ Súmula 7 - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso

especial. (Corte Especial, 28 junho 1990) Súmula 9 - A exigência da prisão provisória, para apelar, não ofende a

garantia constitucional da presunção de inocência. (Terceira Seção, 6 setembro 1990)

SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF Súmula 279 - Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.

(Sessão Plenária, 13 dezembro 1963)

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Não obstante a clareza das Súmulas aqui citadas, e das disposições da Lei Federal nº

8.038/1990, no tocante à impossibilidade de se rever matéria fática nas Cortes Superiores e no que se refere aos efeitos dos recursos especiais e extraordinários (efeito meramente devolutivo), o fato é que o Supremo Tribunal Federal – STF, a partir do julgamento do Habeas Corpus nº 84.078 / MG (fevereiro de 2009), deu interpretação literal e restritiva ao disposto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, para somente permitir a prisão de condenado após o trânsito em julgado da sentença condenatória (às vezes) proferidas anos ou década atrás. Mas, isso até agora, em fevereiro de 2016, quando o mesmo STF decidiu o Habeas Corpus nº 126.292 / SP, o qual cuidou de paciente que fora condenado em primeira instância por uma das Varas Criminais do Judiciário do Estado de São Paulo

à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de roubo circunstanciado (art. 157, 2º, I e II do CP), com direito de recorrer em liberdade; (b) inconformada, somente a defesa apelou para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado de prisão contra o paciente; (c) contra a ordem de prisão, a defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que o Ministro Presidente indeferiu o pedido de liminar4:

Subindo esse caso ao Supremo Tribunal Federal, em 5 de fevereiro de 2016, por

recurso interposto pelo réu-condenado após a denegação da liminar pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Teori Zavascki deferiu ao condenado recorrente

o pedido de liminar, para suspender a prisão preventiva decretada contra o paciente nos autos da Apelação Criminal 0009715-92.2010.8.26.0268, do TJ-SP, com a ressalva de que fica o juízo competente autorizado a impor, considerando as circunstâncias de fato e as condições pessoais do paciente, medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal. Expeça-se alvará de soltura, se por al não estiver preso, ou contramandado de prisão, conforme o caso. Comunique-se, com urgência.

Entretanto, em 15 de fevereiro de 2016, a Segunda Turma, por votação unânime,

afetou o julgamento do feito ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, por indicação do Ministro Relator5, o que, de fato, aconteceu em 17 de fevereiro de 2016. No Plenário, ao 4 STF, Tribunal Pleno; HC nº 84.078 / MG; Relator Ministro Eros Grau; julgamento: 5 fev 2009, public. 26 fev 2010 5 Em <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=126292&classe=HC-MC&codigoClasse=0&origem=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em 12 mar 2016, às 21h40

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proferir seu voto em favor da alteração da jurisprudência, o Relator Ministro Teori Zavascki assentou que o tema atinente à execução provisória de sentenças penais condenatórias envolve reflexões sobre o alcance do princípio da presunção da inocência e a busca de equilíbrio necessário entre esse princípio e a efetividade da função jurisdicional penal, atendendo valores caros aos acusados e à sociedade. E ressaltou que essa possibilidade — de cumprimento da sentença condenatória penal após a decisão de segunda instância, confirmatória da sentença condenatória de primeiro grau — era aceita pacificamente pelo ordenamento constitucional de 1988, situação essa que se alterou apenas em fevereiro de 2009, com o julgamento do Habeas Corpus nº 84.078 / MG, relatado pelo então Ministro Eros Grau.

E prosseguindo em seu voto, o Relator, Ministro Teori Zavascki ainda afirmou com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão, para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. Faz sentido, portanto, negar efeito suspensivo aos recursos extraordinários, como o fazem o art. 637 do Código de Processo Penal e o art. 27, § 2º, da Lei 8.038/1990. O estabelecimento desses limites ao princípio da presunção de inocência tem merecido o respaldo de autorizados constitucionalistas, como é, reconhecidamente, nosso colega Ministro Gilmar Ferreira Mendes

E o Relator, mencionando a possibilidade trazida pela Lei Complementar nº 135, de 4

de junho de 2010, que consagrou a inelegibilidade de pessoas com condenações por órgãos colegiados por crimes nela tipificados, ressaltou que “a presunção de inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”. E citando o direito comparado (Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina), e mais argumentos que apontou para justificar a proposta de orientação que apresentou, como seu voto, para a restauração do anterior entendimento do Supremo Tribunal Federal, expôs a sua proposta-entendimento no sentido de que: “a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência”. Levado esse voto ao Plenário, o Relator foi

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seguido por mais seis Ministros da Corte: Luiz Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, José Antonio Dias Toffoli, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Gilmar Ferreira Mendes. Contra a proposição, e favoráveis à manutenção do entendimento vigente, votaram os Ministros Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, José Celso de Mello Filho e Enrique Ricardo Lewandowski. A discordância foi aberta pela Ministra Rosa Weber, entretanto, é interessante citar parte dos votos dos Ministros mais antigos da Corte:

O Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello assim concluiu seu voto: (...) Eu queria, também, finalizar e dizer o seguinte: eu tenho trazido sempre a esta egrégia Corte alguns números que são muito impressionantes relativos ao nosso sistema prisional, dizendo que nós temos hoje no Brasil a quarta população de presos, em termos mundiais, logo depois dos Estados Unidos, da China e da Rússia, nós temos seiscentos mil presos. Desses seiscentos mil presos, 40%, ou seja, duzentos e quarenta mil presos são presos provisórios. Com essa nossa decisão, ou seja, na medida que nós agora autorizamos, depois de uma decisão de segundo grau, que as pessoas sejam presas, certamente, a esses duzentos e quarenta mil presos provisórios, nós vamos acrescer dezenas ou centenas de milhares de novos presos. [...] Então, no meu modo de ver, o que vai ocorrer, diante dessa modificação da jurisprudência do Supremo, vai ser a liberação de quem está injustamente preso, provisoriamente ou preventivamente, e o recolhimento daqueles que foram condenados em segundo grau; sai um, entra outro, eu acho que vai ser mais ou menos isso. [...] Mas eu acho que a Suprema Corte chegou a uma decisão. Todos os argumentos foram extremamente muito bem fundamentados. O Ministro Teori Zavascki, como sempre, nos brindou com um belíssimo e profundíssimo voto, atento à realidade brasileira que se caracteriza por uma crescente criminalidade, seja ela urbana e rural. Mas, então, eu peço vênia, mesmo diante desses argumentos muito sólidos, para manter a minha posição e, acompanhando os argumentos da Ministra Rosa Weber, do Ministro Marco Aurélio e do eminente Ministro Decano Celso de Mello, conceder a ordem. (...)

O Ministro José Celso de Mello Filho, Decano do STF, após historiar a evolução do

princípio da presunção da inocência na doutrina e nos ordenamentos jurídicos de vários Estados, decidiu contrariamente à maioria do Tribunal, optando por manter o anterior entendimento consubstanciado na jurisprudência consolidada desde 2009:

(...) Vê-se, portanto, qualquer que seja o fundamento jurídico invocado (de caráter legal ou de índole constitucional), que nenhuma execução de condenação criminal em nosso País, mesmo se se tratar de simples pena de multa, pode ser implementada sem a existência do indispensável título judicial definitivo, resultante, como sabemos, do necessário trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Lamento, Senhores Ministros, registrar-se, em tema tão caro e sensível às liberdades fundamentais dos cidadãos da

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República, essa preocupante inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista, revelada em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do Estado. Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, peço vênia para acompanhar, integralmente, na divergência, os eminentes Ministros ROSA WEBER e MARCO AURÉLIO e deferir o pedido de “habeas corpus”, mantendo, em consequência, o precedente firmado no julgamento plenário do HC 84.078/MG, Rel. Min. EROS GRAU, reafirmando, assim, a tese de que a execução prematura (ou provisória) da sentença penal condenatória antes de consumado o seu trânsito em julgado revela-se frontalmente incompatível com o direito fundamental do réu, assegurado pela própria Constituição da República (CF, art. 5º, LVII), de ser presumido inocente. É o meu voto. (...).

Com o resultado firmado em 7 x 4, em 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal

Federal - STF, julgando o Habeas Corpus nº 126.292 / SP, derrubou a liminar anteriormente concedida pelo próprio Ministro-Relator em 5 de fevereiro de 2016, e decidiu que o sentenciado cumprisse de imediato a pena de prisão a que fora condenado no Tribunal paulista. Com essa decisão, o Supremo Tribunal Federal reviu sua jurisprudência firmada a partir do julgamento do Habeas Corpus nº 84.078 / MG (fevereiro de 2009), para, a partir de então (17 de fevereiro de 2016), permitir a prisão do condenado à pena privativa de liberdade já a partir da confirmação da sentença condenatória por órgão colegiado na instância recursal, independentemente da pendência de recursos aos Tribunais Superiores.

Informando sobre essa decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal, em sua página na rede mundial de computadores, assim expôs o conteúdo e o alcance dessa decisão:

Pena pode ser cumprida após decisão de segunda instância, decide STF Ao negar o Habeas Corpus (HC) 126292 na sessão desta quarta-feira (17), por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a possibilidade de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção da inocência. Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena. A decisão indica mudança no entendimento da Corte, que desde 2009, no julgamento da HC 84078, condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava a possibilidade de prisão preventiva. Até 2009, o STF entendia que a presunção da inocência não impedia a execução de pena confirmada em segunda instância. O habeas corpus foi impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que indeferiu o pedido de liminar em HC lá apresentado. A defesa buscava afastar mandado de prisão expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). O caso envolve um ajudante-geral condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão pelo crime de roubo qualificado. Depois da condenação em

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primeiro grau, a defesa recorreu ao TJ-SP, que negou provimento ao recurso e determinou a expedição de mandado de prisão. (...) O relator do caso, ministro Teori Zavascki, ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. “Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado”, afirmou. Como exemplo, o ministro lembrou que a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, expressamente consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória proferida por órgão colegiado. “A presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”. No tocante ao direito internacional, o ministro citou manifestação da ministra Ellen Gracie (aposentada) no julgamento do HC 85886, quando salientou que “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”. Sobre a possiblidade de se cometerem equívocos, o ministro lembrou que existem instrumentos possíveis, como medidas cautelares e mesmo o habeas corpus. Além disso, depois da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004, os recursos extraordinários só podem ser conhecidos e julgados pelo STF se, além de tratarem de matéria eminentemente constitucional, apresentarem repercussão geral, extrapolando os interesses das partes. O relator votou pelo indeferimento do pleito, acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Divergência A ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte, ficaram vencidos. Eles votaram pela manutenção da jurisprudência do Tribunal que exige o trânsito em julgado para cumprimento de pena e concluíram pela concessão do habeas corpus.6

De imediato essa decisão refletiu nas demais instâncias do Judiciário brasileiro. Os

Tribunais regionais e os juízos monocráticos passaram, então, a emitir ordens de prisão para condenados que se encontravam nas condições análogas àquela decidida no Habeas Corpus nº 126.292 / SP. Como meros exemplos: em São Paulo, em 23 de fevereiro de 2016, recolheu-se à prisão um ex-seminarista, condenado em 2004 pela morte de seus pais, que, desde então, permanecia em liberdade aguardando julgamento de recursos nas Cortes Superiores; ainda na mesma semana dessa decisão do STF, a Justiça Federal expediu ordem de prisão a um ex-governador de Roraima, condenado em 2009 por desvio de recursos públicos do Estado que governou; nos primeiros dias de março de 2016, a Primeira Vara da Justiça Federal em São 6 Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310153>. Acesso em 12 mar 2016, às 22h30

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Paulo expediu ordem de prisão para um ex-senador da República, condenado em 2006 por desvio de recursos públicos na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Esses são alguns simples exemplos de condenados que, há anos, escusavam-se de cumprimento das suas penas privativas de liberdade confirmadas em sede recursal de segunda instância. Todos eles, condenados há mais de dez anos de prisão, e que estavam livres à custa dos infindáveis recursos possibilitados pelo sistema processual penal. No entanto, a aceitação desse novo paradigma trazido pelo julgamento do Habeas Corpus nº 126.292 / SP não foi pacífico, tanto que a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, por seu Conselho Federal, em 25 de fevereiro de 2016, expôs, por nota publicada em página na rede mundial de computadores, a decisão de

ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) para questionar o entendimento da corte, tomado em 17 de fevereiro, que autoriza a prisão do réu logo após decisão em segunda instância. O ajuizamento da ADPF por parte entidade se dará em breve, em data a ser estudada pela diretoria da OAB. O presidente nacional da Ordem, Claudio Lamachia, exteriorizou a posição do plenário. “Somos voz da advocacia e somos também a voz do cidadão. Quando uma condenação acontece sem derivar do respectivo trânsito em julgado, tira-se a oportunidade do cidadão de defender-se em todas as instâncias que lhe couber por meio da atuação de seu advogado. O Conselho Pleno entende que devemos ajuizar a ação”, apontou7.

Também no Legislativo Federal houve reações imediatas à decisão do STF. E uma das

reações veio na forma do Projeto de Lei nº 4.577, de 1º de março de 2016, de autoria do Deputado Federal pelo Partido dos Trabalhadores, Wadhi Damous(RJ), propondo alterações no “art. 27, § 2º da Lei 8.038, de 28 de maio de 1990, que institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal e o art. 637 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal”, para alterar a redação do § 2º do artigo 27 da Lei Federal nº 8.038/1990, dando-lhe redação (tipicamente casuística), para dizer que os recursos especial e extraordinário (ao STJ e ao STF, respectivamente) seriam recebidos com o efeito devolutivo, mas, “quando questionarem decisões de natureza criminal e forem interpostos pelo réu, no efeito suspensivo”. Casuística por que tal projeto de lei foi interposto após a decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus nº 126.292 / SP, e pelo fato de que vários integrantes do 7 Disponível em <http://www.oab.org.br/noticia/29332/oab-contestara-prisao-antes-do-transito-em-julgado?argumentoPesquisa=(formsof(inflectional, "prisão%23") and not formsof(inflectional, "%23prisão"))>. Acesso em 12 mar 2016, às 23h10

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Partido ao qual se encontra filiado o Deputado Federal já se encontram condenados em primeira e em segunda instância por crimes em desfavor do erário e da Administração Pública, em diversas ações conhecidas do povo brasileiro sob as denominações de “Mensalão” e de “Petrolão”, que, em síntese, são escândalos protagonizados por agentes políticos, servidores públicos e agentes privados em desfavor da Administração Pública Direta e da sociedade de economia mista federal Petrobrás.

Percebe-se, portanto, que embora esse novo entendimento do STF possa encontrar amparo e acolhida na sociedade, e nas forças policiais, no Ministério Público, e na magistratura, que veem seus trabalhos respaldos pela Corte Superior, que impede que condenados, principalmente, por crimes contra a vida e contra a Administração Pública, continuem livres, ele não conta com a atenção da entidade representativa dos advogados, que possui entendimento no sentido do expressado pelos quatro Ministros que foram voto vencido no julgamento de 17 de fevereiro de 2016 (Habeas Corpus nº 126.292 / SP). O tempo dirá em qual sentido a justiça se fará mais efetivamente, e, inclusive, em qual sentido se posicionará a doutrina dos constitucionalistas e dos penalistas. Por ora, a sociedade saiu em vantagem. 3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

O princípio da presunção da inocência, hodiernamente adotado no regramento penal e

processual penal dos Estados de Direito constituídos a partir das Revoluções Liberais das décadas finais do século XVIII, especialmente daqueles formados a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão emanada da Revolução Francesa (1789), representa uma lenta e gradual evolução no processo de abrandamento da repressão e punição aos infratores das regras de conduta social, particularmente aos infratores das regras estabelecidas pelo ordenamento jurídico das distintas formas de governo estabelecidas ao longo do processo histórico de civilidade do ser humano. No passado distante, prendia-se e matava-se arbitrariamente em nome do mandatário (faraó, imperador, senhor feudal, rei etc.). A assimilação e assunção do princípio da presunção de inocência nos ordenamentos jurídicos pressupôs a observação mais severa, por parte dos agentes do Estado, dos procedimentos processuais aptos a provar a culpabilidade dos acusados.

Na consolidação do Estado Moderno (Estado Constitucional / Estado de Direito), do final do século XVIII em diante, definhou a arbitrariedade dos governantes, substituída que foi pela ideia do Direito — elaborado por órgãos do Estado (em regra, pelo Poder Legislativo, representado pelo Parlamento composto por representantes da sociedade eleitos para tal

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função pública) — como condutor da vivência e convivência em sociedade. E, como baluartes dos direitos e garantias dos indivíduos em face do poder do Estado e da arbitrariedade dos governantes, também se consolidou o princípio de que todos são inocentes até prova em contrário. Todos são presumivelmente inocentes até que os órgãos do Estado provem a culpabilidade do acusado (princípio da presunção da inocência). E essa prova deverá ser feita dentro de um processo previamente definido por lei própria (princípio do devido processo legal), no qual se garanta ao processado o direito, a oportunidade e o prazo para contraditar a acusação e para dela se defender (princípio do contraditório e da ampla defesa). Esses são princípios caros ao Estado de Direito, e foram, no ordenamento constitucional brasileiro de 1988, transmutados em norma expressa na Constituição Federal, no Título II, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais (artigo 5º, LIV e LV):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; (...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

O princípio da presunção da inocência não se trata de um dado concreto na história do

homem sobre a Terra, mas trata-se, sim, de uma evolução na relação Estado (agentes do Estado) x cidadão (agente infrator das normas jurídicas do Estado). Nesse processo evolutivo, destaca-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des Droits de l'Homme et du Citoyen), de 26 de agosto de 17898, elaborado e divulgado pelos revolucionários franceses reunidos em Assembleia Nacional. Esse documento, marco da Revolução Francesa de 1789, ganhou importância por ter sido o primeiro instrumento jus-político a declarar os direitos do homem e do cidadão com caráter universalizante, contrariamente às anteriores Declarações de Direitos que possuíam pretensão local (a exemplo da Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 16 de junho de 1776 — Declaration 8 Disponível em <http://www.senat.fr/lng/pt/declaration_droits_homme.html>. Acesso em 20 fev 2016, às 14h00

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of Rights —, que declarava, como base e fundamento do governo, os direitos do povo de Virgínia, então colônia inglesa na América). A Declaração francesa de 1789 previa, em seu artigo 9º:

Art. 9. Tout homme étant présumé innocent jusqu'à ce qu'il ait été déclaré coupable, s'il est jugé indispensable de l'arrêter, toute rigueur qui ne serait pas nécessaire pour s'assurer de sa personne doit être sévèrement réprimée par la loi. Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.

Na sequência histórica, outro documento importante, também pelo caráter

universalizante, trata-se da Declaração Universal dos Direitos do Homem (Universal Declaration of Human Rights - UDHR) de 10 de dezembro de 1948, promulgada pela Organização das Nações Unidas – ONU (United Nations), no contexto do pós-guerra (Segunda Guerra Mundial – 1939 a 1945), no qual se conheceram as atrocidades e desumanidades cometidas pelas setenta e duas nações que, direta ou indiretamente, se envolveram nesse conflito bélico que afetou países dos cinco continentes, cujo morticínio é estimado entre cinquenta e setenta milhões de mortos. Essa Declaração da ONU também menciona o princípio da presunção da inocência como valor a ser observado “tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição”, e ele se encontra formal e oficialmente expresso no artigo 11:

Article 11. (1) Everyone charged with a penal offence has the right to be presumed

innocent until proved guilty according to law in a public trial at which he has had all the guarantees necessary for his defence.

(2) No one shall be held guilty of any penal offence on account of any act or omission which did not constitute a penal offence, under national or international law, at the time when it was committed. Nor shall a heavier penalty be imposed than the one that was applicable at the time the penal offence was committed9.

Artigo XI 1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser

presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

9 Disponível em < http://www.un.org/en/universal-declaration-human-rights/>. Acesso em 9 jun 2016, às 10h45

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2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Ainda a respeito do princípio da presunção da inocência como valor social

transmutado em norma jurídica, o Eminente Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal –STF brasileiro, no voto que proferiu por ocasião do julgamento do referenciado Habeas Corpus nº 126.292 / SP, historiou a evolução e consolidação desse tal princípio.

Mostra-se importante assinalar, [...], que a presunção da inocência, legitimada pela ideia democrática — não obstante golpes desferidos por mentes autoritárias ou por regimes autocráticos que absurdamente preconizam o primado da ideia de que todos são culpados até prova em contrário (!?!?) — tem prevalecido ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana. Não foi por outra razão que a Declaração Universal de Direitos da Pessoa Humana, promulgou em 10/12/1948, pela III Assembleia Geral da ONU, e reação aos abusos abomináveis cometidos pelos regimes totalitários nazi-facistas, proclamou, em seu art.11, que todos presumem-se inocentes inocentes até que sobrevenha definitiva condenação judicial. Essa mesma reação do pensamento democrático, que não pode nem deve conviver com práticas, medidas ou interpretações que golpeiem o alcance e o conteúdo de tão fundamental prerrogativa assegurada a toda e qualquer pessoa, mostrou-se presente em outros importantes documentos internacionais, alguns de caráter regional, como a Declaração Americana dos Direitos e Deveres dos Homem (Bogotá, 1948, Artigo XXVI), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (São José da Costa Rica, 1969, Artigo 8º, § 2º), a Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Roma, 1950, Artigo 6º, § 2º), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Nice, 2000, Artigo 48, § 1º), a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos/Carta Banjul (Nairobi, 1981, Artigo 7º, § 1º, “b”) e a Declaração Islâmica sobre Direitos Humanos (Cairo, 1990, Artigo 19, “e”) e outros de caráter global, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14, § 2º), adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966.

No âmbito interno, o princípio da presunção da inocência encontrou-se abrigado

praticamente (e conforme as características dos regimes políticas das respectivas épocas) em quase todos os textos constitucionais desde os tempos imperiais, haja vista que se expressava, na Constituição do Império (1824), por interpretação, no artigo 179, na combinação dos incisos VIII a X; na primeira Constituição da República (1891), com as alterações a ela impostas pela Emenda Constitucional nº 3, de setembro de 1926, ele constava, também por interpretação, no artigo 72, parágrafos 13 a 16; na Constituição “polaca” de 1937 há exceção,

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pois o dispositivo que poderia ser entendido com expressão da presunção de inocência (inciso 11 do artigo 122) foi suspenso pelo Decreto nº 10.358, de 31 de agosto de 1942, da Presidência da República, o qual declarou o estado de guerra em todo o território nacional; na Constituição de 1946, que restaurou a democracia no país após o longo período varguista (1930 a 1945), tal presunção observava-se, também por interpretação, nos parágrafos 19 a 22 do artigo 141; na primeira Constituição do regime militar pós-64 (1967), nada constou a respeito da inocência presumível do cidadão, mas apenas que ninguém seria preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente (artigo 150, § 12); a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, à Constituição Federal de 1967, manteve o mesmo texto, porém, no § 12 do artigo 153. Essa inserção da presunção de inocência nos textos constitucionais pretéritos deve ser analisada e interpretada, pois, desde a proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, o Brasil mais viveu e conviveu com regimes patrimonialistas (1889 a 1930) e regimes ditatoriais civis ou militares (1930 a 1945 e 1964 a 1985), nos quais o direito positivo, mesmo aquele contido no texto constitucional, em aspectos referenciados aos cidadãos, constituía-se em mera formalidade legal, nada valendo na concretude da vida real. Entretanto, com a redemocratização havida a partir de 1985, conformada com a elaboração e promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, a presunção da inocência ganhou relevo tanto como princípio integrador da dignidade da pessoa humana, quanto como direito subjetivo do cidadão brasileiro e dos estrangeiros residentes no País (artigo 5º, caput e inciso LVII):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

E essa nova configuração jurídica da presunção da inocência, como princípio

constitucional que também se insere no âmbito da dignidade da pessoa humana como objeto de cláusula pétrea irrevogável, consolidou-se no novel ordenamento jurídico brasileiro, sendo assim aceito passivamente pela doutrina e pela jurisprudência nacional, a tal de ponto de Flávia Piovesan, em sua obra Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, afirmar que:

é no princípio da dignidade humana que a ordem jurídica encontra o próprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, para a

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hermenêutica constitucional contemporânea. Consagra-se, assim, a dignidade humana como verdadeiro superprincípio, a orientar tanto o Direito Internacional como o Direito Interno [...], a dignidade da pessoa humana é um princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade10.

E, ainda sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, Fábio Konder Comparato,

em A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, leciona que a “compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral”11. E essa luta histórica dos indivíduos em face da arbitrariedade dos governantes resultou, dentre outros, na conformação do princípio da presunção da inocência como barreira à arbitrariedade estatal, dado que, atuando originalmente como mandamento principiológico foi, no processo histórico de elaboração das Constituições dos Estados que se formavam no pós-Revolução Francesa, elevado a princípio e dispositivo positivado em tais normas constitucionais, tanto como limitação ao despotismo estatal, como norma norteadora do sistema processual penal. No Brasil pós militarismo também foi assim. A presunção de inocência também se encontra como orientador do ordenamento penal e processual penal.

Segundo Marcos Garcia Hoeppner, tal princípio, por ele denominado de princípio da não-culpabilidade, assegura que o “acusado será somente considerado culpado quando a sentença legal for transitada em julgado para que o fato seja passível de punição através da execução da pena”12. Tem-se, portanto, que a presunção da inocência, na nova ordem constitucional brasileira, é tanto um princípio constitucional quanto um direito subjetivo do indivíduo em face do Estado, condições essas que a faz incidir e irradiar efeitos sobre as condutas dos agentes do Estado quando atuarem nessa condição, impedindo-os de, no âmbito penal, impor penalidades aos acusados antes de esgotadas todas as instâncias recursais possibilitadas pelo direito processual penal, e também, inclusive, incide e irradia efeitos sobre o labor do legislador constituinte derivado, que não poderá nem sequer deliberar sobre proposta de emenda constitucional tendente a aboli-la, dado que se trata de direito e garantia fundamental sobre o qual paira o status de cláusula pétrea, imodificável por deliberação

10 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 12º ed. — São Paulo : Saraiva, 2011, p. 82 e 83 11 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 7ª ed. — São Paulo : Saraiva, 2010, p. 50 12 HOEPPNER, Marcos Garcia (org). Síntese de Direito Penal (Coleção Síntese Jurídica). — São Paulo : Ícone, 2006, p. 16

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legislativa (CF/88, artigo 5º, LVII, cc. 60, § 4º, IV). E sobre tal princípio, Alexandre de Moraes assevera que a Constituição Federal:

estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, consagrando a presunção da inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal. Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal. Essa presunção de inocência é uma presunção juris tantum [...] consagrado constitucionalmente pelo art. 5º. LVII, possui quatro básicas funções: limitação à atividade legislativa; critério condicionador das interpretações das normas vigentes; critério de tratamento extraprocessual em todos os seus aspectos (inocente); obrigatoriedade do ônus da prova da prática de um fato delituoso ser sempre do acusador.13

O mesmo autor, ensinando sobre a competência precípua do Supremo Tribunal

Federal – STF, estabelecida no caput do artigo 102 da Constituição Federal de 1988, afirma que tal Tribunal “nasceu republicano com a Constituição de 1891 e com competência para o exercício da jurisdição constitucional”14. E essa importantíssima função (missão) conferida pela Constituição Federal àquela Suprema Corte está sendo, pelo próprio STF, respeitada e seguida, a exemplo do seguinte julgado:

CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL. LEGITIMIDADE RECURSAL. DESCABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL. CONSEQUENTE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA PROCESSUAL AUTÔNOMA. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. As premissas do julgado foram fixadas com fundamento na Lei Orgânica distrital e na Constituição Federal, para concluir pelo vício invencível que acompanha o recurso extraordinário, porquanto interposto de recurso sem previsão legal. [...] 3. No que diz respeito ao fundamento de ausência de amparo legal para recurso especial em representação por inconstitucionalidade, este Tribunal já firmou a natureza objetiva das ações do controle concentrado com regramento processual próprio e autônomo. Precedentes. [...] 5. Com base nas regras de interpretação sistemática e teleológica é intuitivo e razoável concluir-se pelo não cabimento de recurso especial na hipótese de ADIN estadual por incompatibilidade de conformação entre o sistema recursal previsto no ordenamento jurídico para processos de natureza subjetiva com o

13 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 7ª ed. — São Paulo : Atlas, 2007, p. 339 14 MORAES, op. cit., p. 1443

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modelo de controle abstrato de constitucionalidade das normas adotado pela Constituição da República. Na linha desse raciocínio e, por decorrência lógica, compatível se mostra a possibilidade de interposição de recurso extraordinário contra decisão em representação por inconstitucionalidade estadual, mas somente na hipótese de ofensa a norma constitucional federal de reprodução obrigatória pelos Estados, e com fundamento no art. 102, III, “a”, da CF. É que, como compete ao Supremo Tribunal Federal a última palavra sobre o sentido normativo das regras constitucional, não poderia haver submissão deste Tribunal ao pronunciamento de Tribunal hierarquicamente inferior, deixando, pois, de exercer a missão precípua de Guardião da Constituição. (STF, Primeira Turma; RE 599633 AgR-AgR / DF - Distrito Federal — AG.Reg. no Ag.Reg. no Recurso Extraordinário; Relator(a): Ministro LUIZ FUX; Julgamento: 02/04/2013; Acórdão Eletrônico DJe-077; Divulg 24-04-2013; Public 25-04-2013)

Posto isto, tem-se que, no ordenamento constitucional brasileiro, o princípio da

presunção da inocência ampara e decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (CF/88, artigo 1º, III), e, como tal, deve nortear não somente a função legislativa, mas, também, e principalmente, deve conduzir a ação e decisão dos agentes do Estado, em especial a ação e as decisões dos magistrados, sejam eles monocráticos de instâncias inferiores, sejam eles integrantes de órgãos colegiados de instâncias superiores (dos Tribunais). No entanto, a ordem constitucional encontra-se sob guarda do Supremo Tribunal Federal – STF que é, em última instância, e por expressa disposição do artigo 102 da Constituição Federal, o órgão do Poder Judiciário da União responsável por zelar pela integridade dessa mesma Constituição Federal, cabendo-lhe, inclusive interpretar os dispositivos da legislação infraconstitucional para verificar suas respectivas adequações à essa Constituição do Estado brasileiro. Nesse seu mister, e diante da dinâmica dos fatos sociais, compete-lhe também (ao próprio STF) rever suas decisões jurisprudenciais, para lhes dar nova interpretação que, no contexto histórico social, mais se adeque às condições sociais presentes, sem, no entanto, descuidar dos princípios e cláusulas (especialmente as cláusulas pétrea) que dão consistência e uniformidade ao texto constitucional. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio da presunção da inocência, imbricado, umbilicalmente, com o princípio da

dignidade humana, é valor caro à sociedade brasileira e, principalmente, ao ordenamento

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jurídico-constitucional brasileiro, constituindo-se, também, em cláusula pétrea albergada pela Constituição Federal, imodificável por deliberação do constituinte derivado.

A mesma Constituição Federal que oferta respeito e valor ao princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III) e ao princípio da presunção da inocência (artigo 5º, LVII), também agasalha a responsabilidade do Supremo Tribunal Federal – STF por protegê-la e guardá-la (artigo 102). E, por proteger e guardar a Constituição Federal deve ser entendido, também, o poder-dever da interpretá-la e de dar aos seus dispositivos e às suas disposições o entendimento mais compatível com a própria Constituição, com o ordenamento jurídico e com a evolução das relações jurídico-sociais que se desenvolvem na materialidade da vida cotidiana.

O sistema processual brasileiro deve se coadunar com a Constituição brasileiro, pois dela é que recebe sua autoridade jurídica para manter-se na ordem jurídica, e, como tal, o sistema processual penal não pode se prestar a acobertar atitudes e recursos que se põem contra a moralidade, a ética, o direito, e, principalmente, contra o bem-comum. O anterior entendimento do STF, vigente de fevereiro de 2009 a fevereiro de 2016, de exigir o trânsito em julgado de sentenças penais para, só então, permitir o recolhimento à prisão dos condenados (principalmente dos condenados por crimes contra a vida e por crimes contra o erário e contra a Administração Pública), não se coadunava, na materialidade da vida cotidiana, como os princípios e preceitos que fundamentam a Moralidade, a Ética, o Direito e o Bem-Comum, haja vista que, sob o abrigo da presunção da inocência, abrigava-se a inimputabilidade, a impunidade e a ofensa à moralidade e à dignidade do brasileiro honesto.

O novo entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF, esposado no julgamento do Habeas Corpus nº 126.292 / SP, em 17 de fevereiro de 2016, não fere nem o princípio da dignidade da pessoa humana, e também não fere o princípio da presunção da inocência, haja vista que não impede que o acusado em processo penal exerça o contraditório e a ampla defesa nas instâncias judiciais propícias ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Os eventuais recursos especial e extraordinário ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal não se prestam, conforme a ordem constitucional e infraconstitucional brasileira, à discussão de matéria de prova ou de matéria de mérito (essas matérias devem ser discutidas na primeira instância e na instância recursal).

Nada impede que o sentenciado, recolhido à prisão, recorra e continue exercendo seus direitos recursos, entretanto, já estará, desde então, cumprindo a pena a que foi condenado, e que não será modificada nas instâncias do STJ ou do STF. E, ao mesmo tempo, estará, preso, ofertando efetividade à sentença condenatória.

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Como conclusão, tem-se que o atual entendimento do STF, possibilitando a prisão do condenado em sentença penal em primeira instância e na instância recursal por órgão colegiado, coaduna-se com a ordem constitucional brasileira, e com os princípios e desejos basilares do homem brasileiro honesto, que deseja o mesmo de suas instituições estatais.

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