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Ministro Carlos Maximiliano Memória Jurisprudencial Brasília 2010 Supremo Tribunal Federal

Carlos Maximiliano - História da Jurisprudencia

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Livro de Excelente qualidade

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Ministro Carlos MaximilianoMemória Jurisprudencial

Brasília2010

Supremo Tribunal Federal

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Memória JurisprudencialMINISTRO CARLOS MAxIMILIANO

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOyBrasília

2010

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Diretoria-Geral Alcides Diniz da SilvaSecretaria de Documentação Janeth Aparecida Dias de MeloCoordenadoria de Divulgação de Jurisprudência Leide Maria Soares Corrêa Cesar

Seção de Preparo de Publicações Cíntia Machado Gonçalves SoaresSeção de Padronização e Revisão Rochelle QuitoSeção de Distribuição de Edições Maria Cristina Hilário da Silva

Diagramação: Eduardo Franco Dias e Ludmila AraujoCapa: Jorge Luis Villar PeresEdição: Supremo Tribunal Federal

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Supremo Tribunal Federal – Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Godoy, Arnaldo Sampaio de Moraes.Memória jurisprudencial : Ministro Carlos

Maximiliano / Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy. – Brasília : Supremo Tribunal Federal, 2010. – (Série memória jurisprudencial)

ISBN 978-85-61435-19-6

1. Ministro do Supremo Tribunal Federal. 2. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). 3. Maximiliano, Carlos - Jurisprudência. I. Título. II. Série.

CDD-341.4191081

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), PresidenteMinistro Carlos Augusto AyRES de Freitas BRITTO (25-6-2003), Vice-PresidenteMinistro José CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989)Ministro MARCO AURÉLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990)Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000)Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002)Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003)Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006)Ministra CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha (21-6-2006)Ministro José Antonio DIAS TOFFOLI (23-10-2009)

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Ministro Carlos Maximiliano

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APRESENTAÇÃO

A Constituição de 1988 retomou o processo democrático interrompido pelo período militar.

Na esteira desse novo ambiente institucional, a Constituição significou uma renovada época.

Passamos para a busca de efetividade dos direitos no campo das pres-tações de natureza pública, como pelo respeito desses direitos no âmbito da sociedade civil.

É na calmaria institucional que se destaca a função do Poder Judiciário.É inegável sua importância como instrumento na concretização dos valo-

res expressos na Carta Política e como faceta do Poder Público, em que os hori-zontes de defesa dos direitos individuais e coletivos se viabilizam.

O papel central na defesa dos direitos fundamentais não poderia ser alcançado sem a atuação decisiva do Supremo Tribunal Federal na construção da unidade e do prestígio de que goza hoje o Poder Judiciário.

A história do SUPREMO se confunde com a própria história de constru-ção do sistema republicano-democrático que temos atualmente e com a conso-lidação da função do próprio Poder Judiciário.

Esses quase 120 anos (desde a transformação do antigo Supremo Tribunal de Justiça no Supremo Tribunal Federal, em 28-2-1891) não significaram sim-plesmente uma seqüência de decisões de cunho protocolar.

Trata-se de uma importante seqüência político-jurídica da história nacio-nal em que a atuação institucional, por vários momentos, se confundiu com defesa intransigente de direitos e combate aos abusos do poder político.

Essa história foi escrita em períodos de tranqüilidade, mas houve tam-bém delicados momentos de verdadeiros regimes de exceção e resguardo da independência e da autonomia no exercício da função jurisdicional.

Conhecer a história do SUPREMO é conhecer uma das dimensões do caminho político que trilhamos até aqui e que nos constituiu como cidadãos brasileiros em um regime constitucional democrático.

Entretanto, ao contrário do que a comunidade jurídica muitas vezes tende a enxergar, o SUPREMO não é — nem nunca foi — apenas um prédio, um ple-nário, uma decisão coletada no repertório oficial, uma jurisprudência.

O SUPREMO é formado por homens que, ao longo dos anos, abraçaram o munus publicum de se dedicarem ao resguardo dos direitos do cidadão e à defesa das instituições democráticas.

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Conhecer os vários “perfis” do SUPREMO.Entender suas decisões e sua jurisprudência.Analisar as circunstâncias políticas e sociais que envolveram determi-

nado julgamento.Interpretar a história de fortalecimento da instituição.Tudo isso passa por conhecer os seus membros, os valores em que acre-

ditavam, os princípios que seguiam, a formação profissional e acadêmica que tiveram, a carreira jurídica ou política que trilharam.

Os protagonistas dessa história sempre foram, de uma forma ou de outra, colocados de lado em nome de uma imagem insensível e impessoal do Tribunal.

Vários desses homens públicos, muito embora tenham ajudado, de forma decisiva, a firmar institutos e instituições de nosso direito por meio de seus votos e manifestações, são desconhecidos do grande público e mesmo ignora-dos entre os juristas.

A injustiça dessa realidade não vem sem preço.O desconhecimento dessa história paralela também ajudou a formar uma

visão burocrática do Tribunal.Uma visão muito pouco crítica ou científica, além de não prestar homena-

gem aos Ministros que, no passado, dedicaram suas vidas na edificação de um regime democrático e na proteção de um Poder Judiciário forte e independente.

Por isso esta coleção, que ora se inicia, vem completar, finalmente, uma inaceitável lacuna em nossos estudos de direito constitucional e da própria for-mação do pensamento político brasileiro.

Ao longo das edições desta coletânea, o aluno de direito, o estudioso do direito, o professor, o advogado, enfim, o jurista poderá conhecer com mais pro-fundidade a vida e a obra dos membros do Supremo Tribunal Federal de ontem e consultar peças e julgados de suas carreiras como magistrados do Tribunal, que constituem trabalhos inestimáveis e valorosas contribuições no campo da interpretação constitucional.

As Constituições Brasileiras (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) consubstanciaram documentos orgânicos e vivos durante suas vigências.

Elas, ao mesmo tempo em que condicionaram os rumos político-insti-tucionais do país, também foram influenciadas pelos valores, pelas práticas e pelas circunstâncias políticas e sociais de cada um desses períodos.

Nesse sentido, não há como segmentar essa história sem entender a dinâ-mica própria dessas transformações.

Há que se compreender os contextos históricos em que estavam inseridas.

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Há que se conhecer a mentalidade dos homens que moldaram também essa realidade no âmbito do SUPREMO.

A Constituição, nesse sentido, é um dado cultural e histórico, datada no tempo e localizada no espaço.

Exige, para ser compreendida, o conhecimento dos juristas e dos polí-ticos que tiveram papel determinante em cada um dos períodos constitucio-nais tanto no campo da elaboração legislativa como no campo jurisdicional de sua interpretação.

A Constituição, por outro lado, não é um “pedaço de papel” na expressão empregada por FERDINAND LASSALE.

O sentido da Constituição, em seus múltiplos significados, se renova e é constantemente redescoberto em processo de diálogo entre o momento do intér-prete e de sua pré-compreensão e o tempo do texto constitucional.

É a “espiral hermenêutica” de HANS GEORG GADAMER.O papel exercido pelos Ministros do SUPREMO, como intérpretes ofi-

ciais da Constituição, sempre teve caráter fundamental.Se a interpretação é procedimento criativo e de natureza jurídico-polí-

tica, não é exagero dizer que o SUPREMO, ao longo de sua história, completou o trabalho dos poderes constituintes que se sucederam ao aditar conteúdo nor-mativo aos dispositivos da Constituição.

Isso se fez na medida em que o Tribunal fixava pautas interpretativas e consolidava jurisprudências.

Não há dúvida, portanto, de que um estudo, de fato, aprofundado no campo da política judiciária e no âmbito do direito constitucional requer, como fonte primária, a delimitação do pensamento das autoridades que participaram, em primeiro plano, da montagem das linhas constitucionais fundamentais.

Nesse sentido, não há dúvida de que, por exemplo, o princípio federativo ou o princípio da separação dos Poderes, em larga medida, tiveram suas fron-teiras de entendimento fixadas pelo SUPREMO e pela carga valorativa que seus membros traziam de suas experiências profissionais.

Não é possível se compreender temas como “controle de constitucionali-dade”, “intervenção federal”, “processo legislativo” e outros tantos sem se saber quem foram as pessoas que examinaram esses problemas e que definiram as pautas hermenêuticas que, em regra, seguimos até hoje no trabalho contínuo da Corte.

Por isso, esta coleção visa a recuperar a memória institucional, política e jurídica do SUPREMO.

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A idéia e a finalidade é trazer a vida, a obra e a contribuição dada por Ministros como CASTRO NUNES, OROZIMBO NONATO, VICTOR NUNES LEAL e ALIOMAR BALEEIRO, além de outros.

A redescoberta do pensamento desses juristas contribuirá para a melhor compreensão de nossa história institucional.

Contribuirá para o aprofundamento dos estudos de teoria constitucional no Brasil.

Contribuirá, principalmente, para o resgate do pensamento jurídico-polí-tico brasileiro, que tantas vezes cedeu espaço para posições teóricas construídas alhures.

E, mais, demonstrará ser falaciosa a afirmação de que o SUPREMO deve ser um Tribunal da carreira da magistratura.

Nunca deverá ser capturado pelas corporações.

Brasília, março de 2006Ministro Nelson A. Jobim

Presidente do Supremo Tribunal Federal

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SUMáRIO

ABREVIATURAS 13DADOS BIOGRÁFICOS 15NOTA DO AUTOR 171. TRAJETóRIA INTELECTUAL DE CARLOS MAxIMILIANO 192. A CORTE DE CARLOS MAxIMILIANO 303. MANDADO DE SEGURANçA E DIREITO ADMINISTRATIVO 364. Habeas corpus 70 4.1 Questões políticas 77 4.2 Expulsão de estrangeiros e extradição 119 4.3 Lei de Imprensa 132 4.4 Natureza, validade e nulidade das provas 133 4.5 Questões gerais e processuais 143 5. DIREITO PENAL 1886. DIREITO TRIBUTÁRIO 2217. CONFLITOS DE JURISDIçãO 285REFERÊNCIAS 308APÊNDICE 311ÍNDICE NUMÉRICO 448

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ABREVIATURAS

ACi Apelação CívelACr Apelação CriminalAg AgravoAgP Agravo de PetiçãoAI Agravo de InstrumentoCJ Conflito de JurisdiçãoCR Carta RogatóriaCT Carta TestemunhávelDen DenúnciaED Embargos de DeclaraçãoExt ExtradiçãoHC Habeas corpusMS Mandado de SegurançaRC Recurso CriminalRE Recurso ExtraordinárioRHC Recurso em Habeas corpusRMS Recurso em Mandado de SegurançaRvC Revisão CriminalSE Sentença Estrangeira

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DADOS BIOGRáFICOS

CARLOS MAxIMILIANO PEREIRA DOS SANTOS, filho de Acelino do Carmo Pereira dos Santos e de D. Rita de Cassia Pereira dos Santos, nasceu em 24 de abril de 1873, em São Jerônimo, província do Rio Grande do Sul.

Fez o curso de Humanidades em Porto Alegre e formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Escola de Direito de Belo Horizonte, recebendo o grau de bacharel em março de 1898. Depois de formado, advogou em várias comarcas do Rio Grande do Sul e perante o Supremo Tribunal durante trinta e seis anos.

Ingressou na política sendo eleito Deputado ao Congresso Nacional nas legislaturas de 1911-1914 e 1919-1923, pelo Estado do Rio Grande do Sul.

Convidado pelo Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes para auxiliar do seu governo presidencial, iniciado em 15 de novembro de 1914, aceitou a pasta da Justiça e Negócios Interiores, sendo nomeado na referida data.

Grande auxiliar do Governo em época bem agitada, em vista da guerra mundial, Carlos Maximiliano, nos quatro anos de sua gestão, deixou bem evidenciada a ação que exerceu, conforme se verifica dos três relatórios que apresentou ao Chefe do Governo e dos decretos que referendou constantes da Coleção de Leis.

Dotado de grande cultura e brilhante inteligência, organizou vários ser-viços, entre eles o alistamento e processo eleitoral e o ensino secundário e supe-rior da República.

Carlos Maximiliano foi o Ministro que referendou o Código Civil Brasileiro e a Consolidação das disposições legais e regulamentares concernen-tes aos territórios das freguesias urbanas e suburbanas do Distrito Federal, que formaram as circunscrições judiciárias das pretorias.

Ocupou interinamente a pasta da Agricultura, Indústria e Comércio, no período de 19 de janeiro a 5 de outubro de 1917.

Em 1932, foi nomeado Consultor-Geral da República, por decreto de 4 de novembro e, em seguida, por decreto de 14 do mesmo mês, também Consultor Jurídico do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

Passou depois para o alto cargo de Procurador-Geral da República, em decreto de 2 de agosto de 1934, exercendo-o até 3 de maio de 1936.

Convidado pelo Dr. Getúlio Vargas, aceitou o cargo de Ministro da Corte Suprema, sendo nomeado em decreto de 22 de abril de 1936, preenchendo a vaga proveniente do falecimento de Arthur Ribeiro de Oliveira; tomou posse no dia 4 de maio seguinte.

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Dados biográficos extraídos da obra supremo Tribunal de Justiça e supremo Tribunal Federal: da-dos biográficos (1828-2001), de Laurenio Lago. Este texto também pode ser encontrado no sítio do Supremo Tribunal Federal na Internet.

Escritor de elevado mérito, publicou as notáveis obras repletas de ensinamentos: comentários à constituição brasileira de 1891 (3v., 1918), Hermenêutica e aplicação do Direito (1925), Direito das sucessões (3v., 1937) e condomínio: terras, apartamentos e andares perante o Direito (1944).

Carlos Maximiliano foi uma das mais eloqüentes afirmações da cultura jurídica e uma figura de invulgar projeção da intelectualidade brasileira.

A notável obra comentários à constituição brasileira retrata com fide-lidade sua brilhante cultura e legitima plenamente o excepcional conceito que desfrutou nos meios científicos.

Aposentado em 13 de junho de 1941, compareceu à Corte para despedir-se, em 18 seguinte, sendo saudado pelo Ministro Eduardo Espinola, Presidente, e pelo Ministro Laudo de Camargo; pelo Juiz Dr. Ribas Carneiro e pelo Dr. Miranda Jordão, Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros.

Depois de aposentado, retornou ao exercício de atividades advocatícias.Faleceu em 2 de janeiro de 1960, na cidade do Rio de Janeiro, sendo regis-

trado o fato na sessão do Tribunal de 4 seguinte, quando o Presidente, Ministro Lafayette de Andrada, comunicou haver comparecido ao enterro, manifes-tando-se, a seguir, o Ministro Luiz Gallotti, pela Corte; o Dr. Carlos Medeiros Silva, pela Procuradoria-Geral da República; e o Dr. Justo de Moraes, pelos advogados, sendo aprovado voto de profundo pesar e comunicado à família.

Foi homenageado pelo Supremo Tribunal Federal, no centenário de nas-cimento, em sessão de 2 de março de 1973, quando falou pela Corte o Ministro Oswaldo Trigueiro; pela Procuradoria-Geral da República, o Prof. José Carlos Moreira Alves; e, pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, e Instituto dos Advogados do Distrito Federal, o Prof. Roberto Rosas.

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NOTA DO AUTOR

A presente pesquisa, na busca da trajetória de Carlos Maximiliano como Ministro do Supremo Tribunal Federal, identifica, em primeiro lugar, a cola-boração de Maximiliano na definição dos contornos de nosso mandado de segurança. Em seguida, apresenta um levantamento das decisões de Carlos Maximiliano proferidas em habeas corpus. Nesse momento, é desenhado pano-rama da história do Direito brasileiro ao longo da ditadura de Vargas.

O estudo inclui também conjunto de decisões conduzidas por Carlos Maximiliano em âmbito de Direito Tributário. Maximiliano era cauteloso com temas fiscais. Em excerto doutrinário, observou:

Dádiva espontânea ao chefe, a princípio, esperada depois, reclamada em seguida, quando exígua ou tardia, tornou-se, por fim, obrigatório o imposto, pago em animais, em produtos da terra ou em trabalho, ultimamente em moeda.

Readquiriu, com a evolução política, o caráter de relativa espontaneidade: só é exigível quando votado pelo povo por intermédio dos seus representantes.

Como reminiscência do antigo lançamento arbitrário, perdura a denomi-nação derivada do particípio do verbo latino imponere.

Como quer que se encarem as funções do Estado, desde a amplitude socialista até o sistema restrito do individualismo teórico, em qualquer hipótese avultarão para os poderes públicos encargos perenes, constantes necessidades de dinheiro, urgência imperiosa de exigir sacrifícios dos que moram no país ou ali possuem bens de qualquer natureza.

O imposto é o doloroso produto do progresso; nasceu da crescente com-plexidade das funções do Estado moderno. (...)

As guerras, flagelos, casamentos principescos e outras necessidades cria-das pelo progresso social forçaram os soberanos a exigir sacrifícios dos particu-lares, em dinheiro, trabalho ou produtos da agricultura. “Nasceram no mesmo dia, relembra um economista, aquelas duas necessidades terríveis: o imposto e o exército permanente.” Surgiu o tributo, a princípio a título excepcional, como o dízimo saladino, pago pelos que não tomavam parte nas Cruzadas. (...)

(...) Onera nacionais e estrangeiros, e até os que não residem na circuns-crição político-administrativa, porém ali possuem propriedades ou valores de qualquer natureza. Em geral é exigido em moeda corrente, ouro ou papel; entretanto, ainda hoje, embora abolido o trabalho forçado (corvée), admite-se a contribuição facultativa, em serviço pessoal em vez de dinheiro, sobretudo nos municípios; e deste modo se observa o terceiro canon de Adam Smith com aten-der à comodidade do tributo, que prefere o labor à entrega de valores.

(...) Basta comparar, p. ex., o ensino, a higiene e a viação de hoje, com o que, sob aparência semelhante, existia há um século no Brasil ou no exterior, para se convencer de que o aumento contínuo da despesa é uma conseqüência imediata do progresso. Tantos benefícios propiciados pelo Estado devem ser pagos por aqueles que dos mesmos tiram proveito, ou direto, como habitantes do

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país, ou indireto, como proprietários de terras, sócios de empresas ou herdeiros de fortunas radicadas em alguma das circunscrições administrativas1.

Estuda-se em seguida o perfil de Carlos Maximiliano em matéria penal. Mais uma vez, tem-se desenho nítido de nossa história jurídica em tempos de exceção.

Por fim, no estudo dos conflitos de jurisdição revela-se outra especiali-dade de Carlos Maximiliano, relativa a conflito de leis no espaço e no tempo.

Em relação a esse tema, Direito Intertemporal, Carlos Maximiliano tam-bém escreveu livro clássico, em que fixou o conceito de que a matéria rege o “alcance do império de duas normas que se seguem reciprocamente”2.

Na continuação do texto, são apresentadas algumas decisões de Carlos Maximiliano em âmbito de Direito do Trabalho, que confirmam a impressão de que o Ministro possuía mente arejada e avançada.

A pesquisa pretende constatar a coerência que marcou a trajetória inte-lectual de Carlos Maximiliano. Humanista, experimentalista, culto, avançado, Carlos Maximiliano é atemporal. Viveu no Supremo Tribunal Federal os agi-tados tempos da ditadura de Vargas. Espírito compenetrado e generoso, Carlos Maximiliano marcou a magistratura brasileira com as cores de uma prosa jurí-dica elegante e de um raciocínio conciso e objetivo. Em qualquer época, preté-rita ou presente, Carlos Maximiliano é referência perene de segurança jurídica e de equilíbrio institucional.

1 MAxIMILIANO, Carlos. comentários à constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954. v. I, p. 265 et seq.2 MAxIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 7.

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Ministro Carlos Maximiliano

1. TRAJETóRIA INTELECTUAL DE CARLOS MAxIMILIANO

Carlos Maximiliano foi Ministro do Supremo Tribunal Federal de 22 de abril de 1936 a 13 de junho de 1941. Ao longo de cinco anos Carlos Maximiliano colaborou, entusiástica e definitivamente, na fixação de nosso modelo de man-dado de segurança, bem como na definição do habeas corpus, em seus aspec-tos de competência e de procedimento. O estado de guerra que se avizinhava bem como os reflexos normativos da ditadura que se instalou com o golpe de 1937 marcaram época difícil. Maximiliano foi Ministro do Supremo Tribunal Federal nos turbulentos anos do Estado Novo.

Carlos Maximiliano plasmou coerentemente em seus julgados a orien-tação que seguia em portentosa obra teórica, brilhante e marcante na literatura jurídica nacional. Notabilizou-se pela autoria de nossa mais conhecida obra de Hermenêutica, Hermenêutica e aplicação do direito. Nada obstante avanços na Filosofia da Linguagem e nos aportes do Realismo Jurídico, a par dos marcos conceituais do Neoconstitucionalismo, que alteraram profundamente o pano-rama da interpretação do Direito, a obra de Carlos Maximiliano ainda é referên-cia recorrente na concepção de linguagem comum entre os juristas.

Nesse sentido, Carlos Maximiliano entendia que a Hermenêutica Jurídica tinha por “objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito” 3. Para Maximiliano, a Hermenêutica qualificava “a teoria científica da arte de interpretar” 4.

As fontes que oxigenaram a obra de Carlos Maximiliano estão disper-sas nos pensadores do liberalismo jurídico continental e em quantidade menos significativa na sociologia jurídica norte-americana. Maximiliano conhecia muito bem os autores que citava. Os seus enunciados hermenêuticos eram substancializados por atraente honestidade intelectual. Montesquieu, François Geny, Rudolf Stammler, Edmund Picard, Marcel Planiol, Rudolf von Iehring, Hermann Kantarowicz e Roscoe Pound, entre tantos outros, transcendem as notas de rodapé e realmente dão os contornos conceituais aos problemas e solu-ções evidenciados pelo autor de Hermenêutica e aplicação do direito e Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Carlos Maximiliano representa a hermenêutica clássica e é com freqüên-cia referido como o príncipe dos hermeneutas pátrios. Foi Ministro da Justiça do governo Wenceslau Brás Pereira Gomes e nessa qualidade rubricou o Código Civil de 1916. Foi consultor-geral da República e mais tarde procurador-geral, exercendo ambos os cargos durante o período de Getúlio Vargas, que o nomeou

3 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 13.4 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., loc. cit.

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Memória Jurisprudencial

Ministro do Supremo Tribunal Federal em 1936, cargo que exerceu até 1941, quando se aposentou. Carlos Maximiliano faleceu em 1960, aos 87 anos5. Probi-dade, ilustração e critério são as qualidades que Maximiliano julgava imperiosas no hermeneuta6. Conseqüentemente, exigia alto conteúdo ético, muita cultura e grande capacidade de discernimento para o intérprete do direito. Maximiliano caracterizava a hermenêutica com romantismo e apelo retórico efusivo:

A Hermenêutica é ancila do Direito, servidora inteligente que o retoca, aformoseia, humaniza, melhora, sem lhe alterar a essência. Ora as leis devem ser concebidas e decretadas de acordo com as instituições vigentes; logo a exe-gese, mero auxiliar da aplicação das normas escritas, nada procura, nem con-clui em desacordo com a índole do regime7.

Maximiliano indicava que a hermenêutica tinha “por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito” 8. A interpretação é definida como a aplicação da hermenêutica, que então é elevada à categoria “de teoria científica da arte de interpretar” 9. Valendo-se de dicionários de equivalência, Carlos Maximiliano identificou o conteúdo semântico da palavra hermenêutica, enquanto substan-tivo, identificador da ciência da interpretação.

Em doutrina de expressão inglesa, Carlos Maximiliano aproximava hermenêutica a interpretation e construction 10. Uma leitura contemporânea da passagem indica sutil diferença entre essas duas palavras, dada a forma como são utilizadas no direito norte-americano. Interpretation caracteriza um modelo interpretativo que busca a intenção original do legislador (principalmente o constitucional), o chamado original meaning; construction suscita uma visão imaginativa, a imaginative vision, possibilitando a criatividade do intérprete, de onde a sinonímia com creative meaning, com o sentido de busca de um signifi-cado oculto que possibilita uma interpretação mais livre, com maior garantia de acepções de reserva de sentido.

A propósito, há um debate no direito norte-americano relativo a referen-ciais hermenêuticos, sobremodo em âmbito de interpretação constitucional. As distinções radicam no desenvolvimento do pensamento originalista, que insiste que o intérprete deve seguir a literalidade do texto constitucional, de

5 RODRIGUES, Leda Boechat. História do supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. v. 4, p. 390.6 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 112.7 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 174.8 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 13.9 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., loc. cit.10 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 14.

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Ministro Carlos Maximiliano

modo a alcançar a intenção exata dos constituintes norte-americanos do século xVIII (drafters). Tal atitude conceitual, textualista, encontra utilização ampla em modelos interpretativos mais conservadores. De acordo com as tendências jurisprudenciais norte-americanas, percebe-se que esses modelos são identifi-cados politicamente com as teses do Partido Republicano dos Estados Unidos, e justificadores de votos de juízes como Antonin Scalia, Clarence Thomas, Sandra Day O’Connor e William Rehnquist, recentemente falecido, caracteri-zando um minimalismo judicial.

Em contrapartida, os não-originalistas afirmam que compete ao intér-prete atualizar o texto constitucional, de forma construtivista, criativa, cabendo à autoridade judiciária determinar o alcance do texto a ser interpretado. Tal ten-dência é de mais utilização por intérpretes liberais, identificados com o Partido Democrata. Ambas as posições encetam grande conteúdo ideológico, qual uma permanente lembrança de que o direito não é matemática. No entanto, a avançar-mos no debate, há quem hoje afirme que a oposição entre interpretation e cons-truction exprima uma falsa dicotomia, justificando-se de tal forma a imagem de Carlos Maximiliano, que não contava também com o benefício da clarividência.

Com simplicidade, Maximiliano escrevera que “[a] aplicação do Direito consiste no enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada” 11, formulando um juízo descritivo de subsunção. Ainda, “[a] aplicação não pres-cinde da Hermenêutica: a primeira pressupõe a segunda, como a medicação a diagnose” 12. Em seguida lecionava que “[i]nterpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair da frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém” 13.

Maximiliano partia da premissa de que a lei era imperfeita e de que essa imperfeição refletia sua origem, o fato de que o legislador é o próprio homem. Esse estigma da imperfeição justificaria a necessidade de interpre-tação. Segundo Maximiliano, então, “[t]oda lei é obra humana e aplicada por homens; portanto imperfeita na forma e no fundo, e dará duvidosos resultados práticos, se não verificarem, com esmero, o sentido e o alcance das suas pres-crições” 14. Uma atitude pragmática desenhava o pano de fundo das concepções de Carlos Maximiliano quanto à interpretação da lei, que deveria “revelar o sentido apropriado para a vida real” 15. Identificada como arte, a Hermenêutica

11 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 18.12 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 20.13 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 21.14 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 21-22.15 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 22.

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Memória Jurisprudencial

não seria adorno intelectual ou província cultural do litoral das curiosidades. A disciplina respirava na vida concreta. De tal modo,

Não se trata de uma arte para simples deleite intelectual, para o gozo das pesquisas e o passatempo de analisar, comparar e explicar os textos; assume, antes, as proporções de uma disciplina eminentemente prática, útil na atividade diária, auxiliar e guia dos realizadores esclarecidos, preocupados em promover o progresso, dentro da ordem; bem como dos que ventilam nos pretórios os casos controvertidos, e dos que decidem os litígios e restabelecem o Direito postergado.16

Hermenêutica e linguagem, já reconhecia Maximiliano, convergiam na mesma realidade epistemológica, dado que “[t]alvez constitua a Hermenêutica o capítulo menos seguro, mais impreciso da ciência do Direito; porque partilha da sorte da linguagem” 17. Emergia a palavra como necessária de entendimento, de revelação, dada sua condição de veicular a lei. Por isso,

A palavra, quer considerada isoladamente, quer em combinação com outra para formar a norma jurídica, ostenta apenas rigidez ilusória, exterior. É por sua natureza elástica e dúctil, varia de significação com o transcorrer do tempo e a marcha da civilização. Tem, por isso, a vantagem de traduzir as rea-lidades jurídicas sucessivas. Possui, entretanto, os defeitos das suas qualidades; debaixo do invólucro fixo, inalterado, dissimula pensamentos diversos, infinita-mente variegados e sem consistência real. Por fora, o dizer preciso; dentro, uma policromia de idéias18.

Carlos Maximiliano adiantou-se em temas de filosofia da linguagem e insistia em aspectos analíticos de consideração de mecanismos de fala. Em pas-sagem de impressionante riqueza conceitual, típica de textos de teoria da comu-nicação, deixou consignado que

Presta-se a língua para estabelecer e cimentar as relações entre os homens. Quando alguém pretende despertar em outrem idéia semelhante à que irrompeu no seu próprio cérebro, por meio dos nervos motores engendra um produto físico, o qual, por sua vez, impressiona os órgãos sensitivos do outro indivíduo, em cuja alma faz brotar a imagem planejada. O mais importante desses produtos físicos é a linguagem, falada ou consistente em escrita, gestos, figuras, sinais. A comunicação completa-se desde que a imagem criada por um se reproduz com impressionar o intelecto do outro.19

Maximiliano enaltecia a atividade do intérprete, tido como “renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito” 20. O esclarecimento da norma e sua

16 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 22.17 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 23.18 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 28.19 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 118.20 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 24.

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Ministro Carlos Maximiliano

inserção na vida real qualificavam o ato interpretativo. Desprezando elementos ideológicos e psicológicos, Maximiliano, em linguagem apologética, ainda a respeito do intérprete, insistia que “[o] seu trabalho [do intérprete] rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. Esta é a estática, e a função interpreta-tiva, a dinâmica do Direito” 21. Carlos Maximiliano imaginava um legislador que pairava acima de tudo e de todos, desprezando elementos políticos e socio-lógicos, centrando a produção da regra na subjetividade de quem a concebia normatividade. Maximiliano escreveu que

O indivíduo que legisla é mais ator do que autor; traduz apenas o pensar e o sentir alheios, reflexamente às vezes, usando meios inadequados de expressão quase sempre. Impelem-no forças irresistíveis, subterrâneas, mais profundas do que os antagonismos dos partidos. De outro modo se não explica o fato, verifi-cado em todos os países, de adotar uma facção no poder as idéias, os projetos e as reformas sustentadas pelo adversário, dominador na véspera; um grupo realiza o programa dos contrários e, não raro, até as inovações que combatera.22

Pretendia que o intérprete complementasse a obra legislativa, subsu-mindo comandos normativos a específicas circunstâncias não presumidas pelo legislador, em que pese suposta onisciência. Assim,

Ante a impossibilidade de prever todos os casos particulares, o legislador prefere pairar nas alturas, fixar princípios, estabelecer preceitos gerais, de largo alcance, embora precisos e claros. Deixa ao aplicador do Direito (juiz, autori-dade administrativa, ou homem particular) a tarefa de enquadrar o fato humano em uma norma jurídica, para o que é indispensável compreendê-la bem, deter-minar-lhe o conteúdo. Ao passar do terreno das abstrações para o das realidades, pululam os embaraços; por isso a necessidade da Interpretação é permanente, por mais bem formuladas que sejam as prescrições legais.23

Maximiliano defendia o pensamento de Rudolf von Ihering, posterior-mente desenvolvido por Hans Kelsen, concebendo o Estado como único deten-tor do poder de coagir, fonte única do Direito, revelado pelo jurista, “esclarecido pela Hermenêutica” 24. O Direito, como um espelho, refletiria sua fonte produ-tora, e, por ela determinado, caminharia de modo lento, identificando evolução, conceito que plasmava o pensamento da época, profundamente influenciada pelas doutrinas de Herbert Spencer. A imagem de evolução é inclusive título de um dos livros de Ihering. Para Maximiliano, neste sentido:

21 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 24.22 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 32.23 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 25.24 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 26.

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O Direito Positivo é o resultado de ação lenta e reação oportuna. O am-biente age sobre a inteligência, moderando-a, imprimindo-lhe caracteres deter-minados; afinal o indivíduo reage sobre a natureza, dominando-a, por sua vez, com a sua atividade modificadora, transformadora, indiscutivelmente eficiente. A natureza humana amolda as instituições jurídicas; por sua vez estas reagem sobre aquela; dessa influência recíproca afinal resulta o equilíbrio almejado, uma situação relativamente estável.25

Carlos Maximiliano concebia uma historiografia que abominava a grande façanha e o líder carismático, no sentido weberiano em que a palavra carisma é utilizada. A história não é “façanha de reis” e nem “heróis fundam nações” 26. Maximiliano apontava para os dois extremos perigosos no manejo da história, “o excessivo apreço e o completo repúdio” 27. E é a partir da história, e das com-parações que Maximiliano estabelecia entre a disciplina de Clio e o Direito, que se alcançava a manifestação normativa como mero reflexo do movimentar social. De tal maneira,

[a] prova de que o indivíduo influi em escala reduzida no desenrolar dos fatos sociais, ressalta de não se deter a marcha vitoriosa de um exército, nem retardar o progresso vertiginoso de um grande país, após o traspasse de um chefe aparentemente insubstituível. Por outro lado, o homicídio de um déspota não faz raiar a liberdade; o revolucionário sincero de hoje será o descontente de amanhã, pelo contraste entre as promessas de oposicionistas e as realizações de triunfadores. Também a ciência do Direito abrange um conjunto de fenômenos sociais; como a História, deve atender menos ao esforço do homem isolado do que à ação complexa da coletividade.28

Carlos Maximiliano pulverizava o legislador na coletividade, dissol-vendo o agente concreto de confecção da lei no ambiente social, sem nenhuma concessão ou economia de recursos retóricos. Assim, “[o] legislador não tem personalidade física individual, cujo pensamento, pendores e vontades se apre-endam sem custo. A lei é obra de numerosos espíritos, cujas idéias se fundem em um conglomerado difícil de decompor” 29. Carlos Maximiliano tocou na questão da autonomia da norma em relação ao legislador. Para ele, a lei ganhava existência distinta de seu criador, depois de gerada e inserida no mundo norma-tivo. A seguinte passagem empolgou gerações de juristas:

Com a promulgação, a lei adquire vida própria, autonomia relativa; separa-se do legislador; contrapõe-se a ele como um produto novo; dilata e até

25 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 33.26 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 32.27 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 152.28 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 32.29 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 39.

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Ministro Carlos Maximiliano

substitui o conteúdo respectivo sem tocar nas palavras; mostra-se, na prática, mais previdente que o seu autor.30

Maximiliano abominava a parêmia in claris cessat interpretatio, isto é, “disposições claras não comportam interpretação”, taxando-a de “afirmativa sem nenhum valor científico” 31. Ele duvidava do próprio conceito de clareza, que reputava relativo32. E observou:

Que é lei clara? É aquela cujo sentido é expresso pela letra do texto. Para saber se isto acontece, é força procurar conhecer o sentido, isto é, interpretar. A verificação da clareza, portanto, ao invés de dispensar a exegese, implica-a, pressupõe o uso preliminar da mesma.33

Carlos Maximiliano propugnava por modelos interpretativos ponderados e bem refletidos. Procurava relativizar a engenhosidade criativa do intérprete, vinculando-o à letra da regra, postura edificadora, de apego aos postulados de Montesquieu. É o que se percebe na leitura do seguinte excerto:

Entretanto, o elemento moderado, conservador, se detém em um meio-termo discreto, tira todas as deduções exigidas pelo meio social, porém compa-tíveis com a letra da lei; evita os exageros dos revolucionários, mas também se não conforma com a imobilidade emperrada, produto lógico da dogmática.34

Defendendo a necessidade de interpretação, Maximiliano criticou Jus-tiniano e Napoleão, legisladores que abominavam os hermeneutas, “defor-madores de códigos e estatutos fundamentais” 35. Mas Maximiliano também condenava os excessos, o sobejo e a sobra interpretativa, fazendo-o na crítica à jurisprudência sentimental, ao bom juiz Magnaud, magistrado francês que defendia fracos e oprimidos. E escreveu que, “[q]uando o magistrado se deixa guiar pelo sentimento, a lide degenera em loteria, ninguém sabe como cumprir a lei a coberto de condenações forenses” 36.

Maximiliano afirmava que a interpretação é uma só, que não se fraciona, mas que se exercita por vários processos. O modelo gramatical, ou filológico, preocupar-se-ia com a letra do dispositivo. O modelo lógico, fracionado em lógico propriamente dito e sociológico, ocupar-se-ia com “o espírito da norma em apreço” 37. Carlos Maximiliano advertia também para o apego às palavras 30 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 42-43.31 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 45.32 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 49.33 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 50.34 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 62.35 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 68.36 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 95.37 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 118.

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sagradas, imobilizadas, que configurariam formas atrasadas de civilização38, ade-rindo aos conceitualistas, em oposição aos nominalistas, a lembrar-nos da questão das universais, que sacudiu o ambiente cultural medieval, na discussão do que vale mais, se as coisas ou os nomes que a elas imputamos e pelos quais as chamamos.

Carlos Maximiliano pranteava o legislador e duvidava das antinomias; a culpa seria do intérprete despreparado. Afinal, “[s]empre que descobre uma contradição, deve o hermeneuta desconfiar de si; presumir que não compreen-deu bem o sentido de cada um dos trechos”.39

Empolgado com a sociologia jurídica norte-americana e com o realismo jurídico a ela vinculado, Carlos Maximiliano hostilizava a lógica em favor de uma compreensão menos geométrica e mais social do direito, escrevendo:

Desapareceu nas trevas do passado o método lógico, rígido, imobilizador do Direito: tratava todas as questões como se foram problemas de Geometria. O julgador hodierno preocupa-se com o bem e o mal resultantes de seu veredic-tum. Se é certo que o juiz deve buscar o verdadeiro sentido e alcance do texto; todavia este alcance e aquele sentido não podem estar em desacordo com o fim colimado pela legislação — o bem social.40

Maximiliano, por outro lado, esposou com firmeza o dogma positivista da separação entre direito e moral, declinando que as órbitas dessas realidades cul-turais são “concêntricas” 41. Relativizava a jurisprudência como fonte interpreta-tiva, anotando que “[a] jurisprudência auxilia o trabalho do intérprete; mas não o substitui, nem dispensa. Tem valor; porém relativo. Deve ser observada quando acorde com a doutrina” 42. Carlos Maximiliano prezava a independência do magistrado-intérprete, defendendo intransigentemente o livre-arbítrio do juiz.

Tanto o magistrado que lançou uma exegese nova, como os de categoria inferior à dele, gozam da liberdade de a desprezar, ou seguir, em outras deci-sões sobre espécies judiciárias iguais ou semelhantes. Quantas vezes se observa achar-se no voto vencido, de alto juiz, ou na sentença reformada, do pequeno, do novo, estudioso e brilhante, a boa doutrina, tímida, isolada, incipiente hoje, triunfante, generalizada amanhã! 43

Carlos Maximiliano prescreveu enunciados que se tornaram clássicos, a exemplo do conceito de analogia, que consiste em “aplicar a uma hipó-tese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante” 44. Para

38 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 132.39 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 146.40 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 169.41 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 172.42 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 195.43 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 197.44 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 220.

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Ministro Carlos Maximiliano

Maximiliano, até o silêncio se interpreta, dado que “ele traduz alguma coisa” 45. Elaborou distinções entre prescrições de ordem pública e de ordem privada: entre as primeiras, sobreleva-se o interesse social; entre as últimas, “a proteção do direito do indivíduo constitui o objetivo primordial” 46. A finura da exposição de Carlos Maximiliano invocava equilíbrio olímpico, marca característica de seu pensamento. Essa percepção intelectual altaneira é qualificada na célebre passagem na qual o hermeneuta insiste que “apaixonar-se não é argumentar” 47.

Carlos Maximiliano fundamentava uma hermenêutica diretiva, na me-dida em que orientava, sugeria, advertia. Ele tocou em temas de intensa uti-lização e de imensa importância na vida prática, a exemplo de tópicos de interpretação autêntica e doutrinal; direito comparado; sentido de disposições transitórias; concepções de história legislativa (ocassio legis) e de política judi-ciária (ratio legis); eqüidade; valor do uso da jurisprudência; importância dos costumes para aferição do direito; analogia; nulidades; uso de brocardos e ane-xins; decadência; prescrição; princípios gerais de direito, a par de hermenêuti-cas setorizadas, em temas constitucionais, comerciais, penais, fiscais; além de reflexões em âmbito de pequenas sutilidades, como distinções entre revogação e anulação. Carlos Maximiliano também expôs com rigidez conceitual outros temas, como coisa julgada48, e em planisfério mais amplo, direito constitucional positivo, conforme percebe-se nos comentários que anotou à nossa primeira Constituição republicana49. Maximiliano é um clássico.

Adiante de seu tempo, Carlos Maximiliano expressava idéia avançada, relativa à concepção de Constituição. Para Maximiliano, a Constituição deveria “condensar princípios e normas asseguradoras do progresso, da liberdade e da ordem, e precisa evitar casuística minuciosidade, a fim de se não tornar dema-siado rígida, de permanecer dúctil, flexível, adaptável a épocas e circunstâncias diversas, destinada, como é, a longevidade excepcional” 50.

Ainda, em outro passo que marcava percepção avançada do papel dos textos constitucionais, Maximiliano escrevia que se supunha que não fora “a Constituição escrita em linguagem arrevezada e difícil, inçada de termos técni-cos, e, sim, em estilo simples, claro, chão, como uma obra do povo, adotada pelo povo e pelo mesmo povo lida e observada” 51.

45 MAxIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965. p. 220.46 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 228.47 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 289.48 MAxIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955. p. 202 et seq.49 MAxIMILIANO, Carlos. comentários à constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954.50 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., v. I, p. 128.51 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 133.

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A simplicidade na escrita era característica de suas intervenções. A litera-lidade tinha, em seu pensamento, um sentido menos hierático e mais pragmático. Segundo Maximiliano, não prevaleceria “exegese nenhuma em desacordo com o sentido comum da letra expressa da lei, muito embora se invoque o elemento histórico, ou o chamado Direito Natural” 52. De tal modo, formulava regra, nos seguintes termos: “recorra-se aos vários elementos de Hermenêutica a fim de decidir entre duas interpretações possíveis da palavra escrita, sem atingir jamais a uma exegese que o texto expresso não poderia razoavelmente permitir” 53.

Hostil à interpretação literal, estrita, e não criativa ou integrativa, Carlos Maximiliano percebia na literalidade inconseqüente o desate da lei do menor esforço. Inimigo de jurisprudência centrada na falta de ousadia na interpretação do Direito, advertia:

Nunca será demasiado insistir no combate ao abuso da chamada inter-pretação gramatical. Preferem-na às vezes até aos mais formosos talentos bra-sileiros, obedientes à lei do menor esforço, ou compelidos pelas necessidades da casuística. De fato, ela oferece o encanto da simplicidade; fica ao alcance de todos; impressiona agradavelmente os indoutos, e convence os próprios letrados não familiarizados com a ciência do Direito. Empresta-lhe menor valor o profis-sional de boa escola verdadeiro jurisconsulto.54

Carlos Maximiliano equilibrava suas decisões a partir dos textos norma-tivos que havia, e que interpretava nos limites estreitos da Constituição. Assim, em comentários aos nossos textos constitucionais, trabalho incansável que começara ainda na década de 1910, readaptando-o às alterações que conhece-mos em função de nossas vicissitudes políticas, Maximiliano afirmava:

O espírito da lei suprema pode ser invocado somente como incluído na letra de um dispositivo, e não pra se pronunciarem inconstitucionalidades não previstas pelo texto.

Não podem os tribunais declarar inexistente um decreto legislativo, ape-nas por ser contrário aos princípios da justiça, às boas normas republicanas, à soberania popular, às conquistas da democracia ou às noções fundamentais do Direito; é de rigor que violem a Constituição, implícita ou explicitamente.55

Em época na qual ainda não se havia pacificado a idéia de que a Cons-tituição qualificasse efetivo vetor da normatividade, Carlos Maximiliano adiantava-se na esperança de que o texto constitucional marcasse dimensão atem-poral, recebendo do intérprete a carga interpretativa dos momentos presentes.

52 MAxIMILIANO, Carlos. comentários à constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954. v. I, p. 133.53 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., loc. cit.54 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 135.55 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 134.

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Ministro Carlos Maximiliano

Inspirado em Joseph Story, a quem reverenciava, Maximiliano lembrava que a Constituição aplicava-se “aos casos modernos, não previstos pelos que a elabo-raram” 56. Não era um originalista. Assim, a Constituição seria também “a égide da paz, a garantia da ordem, sem a qual não há progresso nem liberdade. (...) For-çoso se lhe torna acompanhar a evolução, adaptar-se às circunstâncias imprevis-tas, vitoriosa em todas as vicissitudes, porém aparentemente imutável” 57.

Para Carlos Maximiliano, a Constituição era “a lei suprema do país: con-tra a sua letra ou espírito não prevalecem as resoluções dos poderes federais, constituições, decretos ou sentenças estaduais, nem tratados, ou quaisquer atos diplomáticos” 58. Dignificava o texto constitucional.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal, no qual trabalhou Carlos Maximiliano, era menos uma Corte Constitucional do que uma Corte revisora. Por isso, multiplicavam-se julgados que tratavam de temas infraconstitucio-nais, embora se perceba, nas entrelinhas, que emergiam problemas que con-temporaneamente ainda agitam nossa Corte Suprema, em âmbito de liberdades fundamentais.

56 MAxIMILIANO, Carlos. comentários à constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954. v. I, p. 136.57 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 137.58 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 142.

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2. A CORTE DE CARLOS MAxIMILIANO

Carlos Maximiliano viveu duas realidades constitucionais ao longo dos anos em que foi Ministro do Supremo Tribunal Federal. Quando tomou posse, em 1936, nosso tribunal superior era denominado de Corte Suprema; estava em vigência a Constituição de 1934. Em 1937, com a Constituição outorgada naquele ano, retomou-se a denominação de Supremo Tribunal Federal; vigia a Constituição de 1937.

Nos termos da Constituição de 1934, a Corte Suprema tinha sede na Capi-tal da República e jurisdição em todo o território nacional. Era composta por onze Ministros59. Por proposta da própria Corte Suprema poderia o número de Ministros ser elevado por lei até dezesseis. De qualquer modo, o número era irre-dutível60. O Tribunal poderia conceber divisão funcional em Câmaras ou Turmas, cujas matérias, nos termos de lei, poderiam ser revistas, ou não, pelo Pleno61.

Os Ministros eram nomeados pelo Presidente da República, com apro-vação do Senado Federal, dentre brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada, eleitores, não devendo ter, salvo os magistrados, menos de 35, nem mais de 65 anos de idade62.

A competência da Corte Suprema consistia em processar e julgar origi-nariamente: a) o Presidente da República e os próprios Ministros da Corte, nos crimes comuns; b) os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, os juízes dos tribunais federais, além dos juízes das cortes de apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros diplomáticos nos crimes comuns e nos de responsabilidade; c) os juízes federais e os seus substitutos, também nos cri-mes de responsabilidade; d) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes; e) os litígios entre as nações estrangeiras e a União ou os Estados; f) os conflitos de jurisdição entre juízes ou tribunais federais, entre esses e os Estados, e entre juízes e tribunais de Estados diferentes, incluídos, nas duas últimas hipóteses, os do Distrito Federal e os dos Territórios; g) a extradição de criminosos, requisitada por outras nações, e a homologação de sentenças estrangeiras; h) o habeas corpus, quando fosse paciente, ou coator, tribunal, funcionário ou autoridade cujos atos estivessem sujeitos imediatamente à juris-dição da corte; e ainda se houvesse perigo de se consumar a violência antes que outro juiz ou tribunal pudesse conhecer do pedido; i) o mandado de segurança contra atos do Presidente da República ou de Ministro de Estado63.

59 Constituição de 1934, art. 73.60 Constituição de 1934, § 1º do art. 73.61 Constituição de 1934, § 2º do art. 73.62 Constituição de 1934, art. 74.63 Constituição de 1934, art. 76.

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A Corte Suprema julgava ainda as ações rescisórias dos próprios acór-dãos, bem como em recurso ordinário: a) as causas, inclusive mandados de segurança, decididas por juízes e tribunais federais; b) algumas questões resolvidas pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral; c) as decisões de última ou única instância das justiças locais e as de juízes e tribunais federais, dene-gatórias de habeas corpus; em recurso extraordinário, as causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância, nas seguintes hipóteses: a) quando a decisão fosse contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se houvesse questionado; b) quando se questionasse vigência ou validade de lei federal em face da Constituição, e a decisão do tribunal local negasse aplicação à lei impugnada; c) quando se contestasse validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgasse válido o ato ou a lei impugnada; d) quando ocorresse diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre cortes de apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou entre um desses tribunais e a Corte Suprema, ou outro tribunal federal. A Corte Suprema também revia, em benefício dos condenados, nos casos e pela forma que a lei determinasse, os processos findos em matéria criminal, inclusive os militares e eleitorais, a requerimento do réu, do Ministério Público ou de qualquer pes-soa64. Ao Presidente da Corte Suprema competia conceder exequatur às cartas rogatórias das justiças estrangeiras65.

Com a Carta outorgada de 1937, retomou-se o nome Supremo Tribunal Federal. Manteve-se a sede na Capital da República e a jurisdição em todo o ter-ritório nacional, permanecendo a composição de onze Ministros66. Os Ministros seriam nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Conselho Federal (como então se denominou o Senado Federal), dentre brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada, não devendo ter menos de 35, nem mais de 58 anos de idade67. O Conselho Federal detinha competência para processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade68.

O Supremo Tribunal Federal era competente para processar e julgar ori-ginariamente: a) os próprios Ministros; b) os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, os juízes dos tribunais de apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros diplomáticos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade; e) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes; d) os litígios

64 Constituição de 1934, art. 76.65 Constituição de 1934, art. 77.66 Constituição de 1937, art. 97.67 Constituição de 1937, art. 98.68 Constituição de 1937, art. 100.

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entre nações estrangeiras e a União ou os Estados; e) os conflitos de jurisdição entre juízes ou tribunais de Estados diferentes, incluídos os do Distrito Federal e os dos Territórios; f) a extradição de criminosos, requisitada por outras nações, e a homologação de sentenças estrangeiras; g) o habeas corpus, quando fosse paciente, ou coator, tribunal, funcionário ou autoridade, cujos atos estivessem sujeitos imediatamente à jurisdição do tribunal, ou quando se tratasse de crime sujeito a essa mesma jurisdição em única instância; e, ainda, se houvesse perigo de consumar-se a violência antes que outro juiz ou tribunal pudesse conhecer do pedido; por fim, h) a execução das sentenças, nas causas de competência origi-nária, com a faculdade de delegar atos do processo a juiz inferior 69.

De acordo com a Constituição de 1937, também competia ao Supremo julgar: as ações rescisórias de seus acórdãos; e, em recurso ordinário: a) as cau-sas em que a União fosse interessada como autora ou ré, assistente ou opoente; b) as decisões de última ou única instância denegatórias de habeas corpus; bem como julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas justiças locais em única ou última instância nas seguintes hipóteses: a) quando a decisão fosse contrária a letra de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se tivesse ques-tionado; b) quando se questionasse sobre a vigência ou validade da lei federal em face da Constituição, e a decisão do tribunal local negasse aplicação à lei impugnada; c) quando se contestasse a validade de lei ou ato dos governos locais em face da Constituição, ou de lei federal, e a decisão do tribunal local julgasse válida a lei ou o ato impugnado; d) quando decisões definitivas dos tribunais de apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou decisões definitivas de um desses tribunais e do Supremo Tribunal Federal, dessem à mesma lei federal inteligência diversa70. Do mesmo modo do previsto na Constituição de 1934, competia ao Presidente do Supremo Tribunal Federal conceder exequatur às cartas rogatórias das justiças estrangeiras.

A natureza revisora e minudente da Corte ficava muito nítida quando se investigavam os contornos de recursos extraordinários que a ela chegavam. Do ponto de vista fático, tinha-se uma casa revisora. De tal modo, por exemplo, no RE 2.107/RS, julgado em 4 de setembro de 1936, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão, decidiu-se pelo não-provimento do recurso, porquanto a parte não comprovara com certidões o que alegara. Carlos Maximiliano discor-dou de tal orientação.

A recorrente era a Companhia Francesa do Porto do Rio Grande do Sul e a recorrida era a Senhora Maria Rosa Bella Saldanha. Tratava-se da execução de sentença numa ação de indenização. A recorrente fora condenada a pagar à recorrida-viúva, por causa da morte do esposo, que fora vitimado por um

69 Constituição de 1937, art. 101.70 Constituição de 1937, art. 101.

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Ministro Carlos Maximiliano

acidente quando viajava num bonde da recorrente. A recorrida não teria com-provado com as necessárias certidões dos julgados que invocou a interpretação que lhe era favorável, relativa ao art. 1.064 do Código Civil de 1916. A recorrida havia mencionado decisões do Tribunal de Apelação do Rio de Janeiro, porém as citara como foram publicados na revista de Direito e no Jornal do comércio. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Tenho opinião divergente: entendo que a orientação de qualquer tribunal sobre determinado assunto, sempre apu-ramos simplesmente pelas publicações científicas. Se se tratasse de matéria de fato, exigiria a certidão. Nós mesmos, quando arrazoamos, ao elaborarmos as nossas próprias sentenças, em tais fontes haurimos a jurisprudência. Já susten-tei este parecer, em um livro, e continuo a mantê-lo. Absolutamente, não há lei alguma que exija certidão da sentença divergente. Semelhante critério é, para mim, inexeqüível: se quero, por exemplo, citar um acórdão do tribunal do Acre ou do Amazonas, dentro do prazo da lei, não tenho tempo para obter uma certi-dão; recorremos, por isso, às publicações. Desde que o Sr. Relator informa haver a Companhia Francesa do Porto do Rio Grande do Sul, a recorrente, se utilizado da revistas do Direito, fundada e dirigida pelo Sr. Ministro Bento de Faria, nada tenho a opor. O meu modo de pensar, como disse, é esse, e, não existindo lei alguma tornando obrigatória a certidão, preliminarmente, tomo conhecimento; por outro fundamento, não conheceria; mas, segundo informa o Sr. Relator, outro não é o ponto que está em votação. Por isso, repito: conheço do recurso.

Outro exemplo. No RE 2.810-embargos/SP, relatado por Carlos Maxi-miliano e julgado em 24 de junho de 1940, discutiu-se interrupção da prescri-ção, no que se refere a requerimento de vistoria. Ementou-se que ao promover vistoria ad perpetuam rei memoriam, o segurado ou o respectivo cessionário, interromperiam a prescrição da ação para haver o seguro. Na seqüência, o rela-tório e a ata, de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Antonio de Camillis, na qualidade de cessionário de N. Bernardo, acionou a Companhia Ítalo-Brasileira de Seguros Gerais, para haver o seguro a ser pago ao cedente, em virtude de incêndio no esta-belecimento comercial denominado “Cidade de Roma”. A Sentença de primeira instância julgou prescrita a ação, por decorrer mais de um ano entre a propositura da mesma e a data do sinistro; desprezou, assim, a alegação de que uma vistoria ad perpetuam rei memoriam interrompera o lapso prescricional; o veredictum foi confirmado, em grau de apelação. O vencido propôs ação rescisória, cumulando o pedido com o de novo julgamento da causa. A 2ª Câmara da Corte de Apelação de São Paulo, por acórdão de fl. 36v., julgou procedente a ação, — “para declarar nulo o acórdão rescindendo, que acolheu a preliminar da prescrição, e mandar que o juiz julgasse a causa como fosse de direito”. Opostos embargos, estes foram recebidos, para se julgar improcedente a rescisória. O vencido interpôs recurso extraordinário, baseado no art. 76, nº 2, inciso III, letras a e d, da Cons-tituição de 1934. A Primeira Turma do Supremo Tribunal conheceu do recurso e lhe deu provimento, para restabelecer o acórdão de fl. 36v. Houve Embargos, repelidos in limine pelo Relator, Exmo. Sr. Ministro Barros Barreto, ao examinar

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a relevância dos mesmos, porém admitidos pela maioria do Supremo Tribunal. Houve sorteio de novo Relator, depois de contestados os embargos de fl. 92, nos quais se reiteraram as anteriores alegações da seguradora.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de embargos cíveis, em que é embargante a companhia Ítalo-brasileira de seguros Gerais e embargado antonio de camillis, como cessionário de direitos de N. bernardo: Conforme o relatório anexo, que fica fazendo parte integrante desta decisão, na presente causa não se discutiu direito em espécie, porém a seguinte tese: uma vistoria requerida pelo segurado ad perpetuam rei memoriam constitui meio hábil para interromper a prescrição da ação de seguros. Um acórdão concluiu afirmativa-mente; outro, pela negativa. Era caso, pois, de ação rescisória. A Ítalo-Brasileira foi citada para a vistoria e acudiu à citação.

Para interromper a prescrição, basta qualquer ato judicial ou extrajudi-cial, por meio do qual o sujeito ativo da ação denote a vontade inequívoca de agir para obter o cumprimento da obrigação, conforme admite carpenter — Da prescrição, n. 124 —, citando Mirabelli. Ora, a citação para vistoria ad perpe-tuam rei memoriam torna evidente aquele propósito de fazer valer o seu direito. almeida oliveira — a prescrição, p. 167 — considera o simples compromisso, que sujeita as partes à decisão de árbitros, capaz de interromper a prescrição. Ora, quem assina compromisso não reconhece dívida alguma; pode o juízo arbitral visar exatamente a validade da dívida; entretanto, vale o compromisso como prova de estar vigilante o titular do direito, tal qual acontece na hipótese de promoção de vistoria por parte dele.

Enfim, baudry-Lacantinerie & Tissier, que, em seu livro — De la prescription —, se mostram muito parcimoniosos em admitir hipóteses de interrupção de lapso prescricional, prestam, no n. 532, este esclarecimento:

Tem sido julgado em matéria de seguros, e é uma solução que parece das mais equitativas e das mais jurídicas, que a decadência da ação para o pagamento da indenização não se verifica, se foram nomea-dos peritos pelas partes antes de seis meses, para avaliar o dano.O exposto afeiçoa-se perfeitamente ao caso em apreço, substituído

apenas o lapso de seis meses pelo de um ano, fixado pelo Código Brasileiro. Os mestres franceses colocam a sua observação debaixo da epígrafe interrup-ção civil resultante do reconhecimento do que prescreve, exatamente aludindo, pois, à colocação da espécie no texto em que a situou o acórdão embargado.

Enfim, o caso era de recurso extraordinário; porque se decidira contra a letra de lei federal.

Pelos motivos expostos, acorda o Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos admitidos liminarmente para discussão.

E segue ainda outro exemplo. No RE 3.799/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 24 de dezembro de 194071, discutiu-se questão hermenêutica afeta à obra teórica de Carlos Maximiliano a propósito de inter-pretação literal da legislação, no sentido de se vincular o texto legal à prova

71 Com efeito, na fl. 217 do RE 3.799/DF, lê-se excerto manuscrito dando conta da data de 24 de dezembro de 1940 como data de julgamento do caso, com os respectivos nomes, também em letras manuscritas, do então Presidente da Corte, Ministro José Linhares, e do Relator, Ministro Carlos Maximiliano.

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Ministro Carlos Maximiliano

produzida. Ementou-se que o tribunal que julga tratar-se não de arrendamento, mas de aforamento à vista da prova dos autos, não decide contra a letra de lei alguma; aplicaria os textos de acordo com a prova, e, conseqüentemente, não daria margem a recurso extraordinário:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O Dr. Francisco Pinto da Fonseca

Teles requereu o despejo de um terreno ocupado por Luiz César de Siqueira, sob a alegação de que este comprara benfeitorias pertencentes ao Barão da Taquara e ficara no terreno como arrendatário, porém ali não ia nem pagava aluguéis. Opôs embargos o Rec. alegando nem ser locatário do autor, nem ter sido do pai deste, o Barão da Taquara, que não era dono do terreno em questão, e sim apenas das ben-feitorias, que lhe foram pagas. A sentença, de fl. 21v., julgou provada a ação, para o efeito do despejo impetrado; foi reformada, unanimemente, e em parte, pelo acórdão de fl. 32, depois de baixarem os autos para uma vistoria (fl. 30). Houve embargos por parte de Siqueira, os quais foram por se tratar de enfiteuse, e não de locação, recebidos, para ser julgada improcedente a ação. (acórdão de fl. 37v.).

O Dr. Fonseca Teles interpôs recurso extraordinário, baseado no art. 101, n. III, letras a e d, da Constituição vigente, por violação literal dos arts. 492 e 551 do Código Civil e do art. 148 da Constituição Federal.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso extraordinário, em

que é recorrente o Dr. Francisco Pinto da Fonseca Teles e recorrido Luiz César de Siqueira: Conforme o relatório anexo, que faz parte integrante desta decisão, o recorrente promoveu o despejo de terreno que considerava arrendado pelo seu pai ao recorrido; mas a Justiça local, à vista da prova dos autos, decidiu tratar-se de aforamento, não de locação; ora, o tribunal que assim decide não viola a letra de lei alguma nem diverge de outro sobre assunto de Direito; aprecia a prova, como lhe parece acertado e conclui de acordo com ela, o que faz soberanamente, sem restar margem para recurso extraordinário.

Demais, com um dia de diferença, foram interpostos dois recursos — o de revista e o extraordinário, o que torna este inadmissível, se o recorrente não desistiu do primeiro, o que não consta. Enfim, o recurso está indevidamente instruído; pois não oferece elementos para se verificar se foi interposto dentro do prazo legal.

Por estes motivos, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em não conhecer do recurso, por não ser caso dele.

À Corte não tocavam, recorrentemente, apenas matérias afetas à discus-são de constitucionalidade. A competência era ampla, de modo que se conhecia uma casa revisora dos julgados. Essas, em linhas gerais, as características do Supremo Tribunal Federal nos anos em que Carlos Maximiliano fora Ministro, e que serão em seguida tratadas em pormenor.

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3. MANDADO DE SEGURANÇA E DIREITO ADMINISTRATIVO

Carlos Maximiliano exerceu grande influência na fixação dos contornos do mandado de segurança no Direito brasileiro. Exemplo de nossa criatividade, o mandado de segurança é, de certa forma, o resultado da evolução de uma dou-trina que se originou de algumas peculiaridades do habeas corpus.

O mandado de segurança fora inicialmente previsto no item 33 do art. 13 da Constituição de 1934. Dispunha-se que se daria mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifesta-mente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. Dispunha-se também que o processo seria o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. A regra constitucional previa também que o mandado de segurança não prejudicaria as ações petitórias competentes.

A Lei 191, de 16 de janeiro de 1936, regulou o processo do mandado de segurança. Seguiu-se a linha geral da previsão constitucional e dispôs-se no art. 1º que se daria mandado de segurança para defesa de direito certo e incon-testável, ameaçado, ou violado, por ato manifestamente inconstitucional, ou ilegal, de qualquer autoridade. A lei considerava ato de autoridade os atos de entidade autárquica e de pessoas naturais ou jurídicas, no desempenho de ser-viços públicos, em virtude de delegação ou de contrato exclusivo, ainda quando houvesse transgressão do aludido contrato72. Confirmava-se que o mandado de segurança não prejudicaria as ações petitórias competentes73.

A decisão do mandado de segurança não impediria que a parte reite-rasse a defesa de seu direito por ação competente, nem, tampouco, que por esta pleiteasse efeitos patrimoniais não obtidos74. O pedido poderia ser renovado na hipótese de ação de decisão denegatória que não lhe houvesse apreciado o merecimento75. O mandado era cabível em face de quem executasse, mandasse ou tentasse executar o ato que o tivesse provocado76.

O prazo decadencial era fixado em 120 dias, contados da data da ciên-cia do ato impugnado77. Não se permitia o mandado de segurança quando se tratasse da liberdade de locomoção (exclusivamente), de ato em face do qual houvesse recurso administrativo com efeito suspensivo — independente-

72 Lei 191, de 16 de janeiro de 1936, parágrafo único do art. 1º.73 Lei 191, de 1936, art. 2º, caput.74 Lei 191, de 1936, § 1º do art. 2º.75 Lei 191, de 1936, § 2º do art. 2º.76 Lei 191, de 1936, § 3º do art. 2º.77 Lei 191, de 1936, art. 3º.

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Ministro Carlos Maximiliano

mente de caução, fiança ou depósito —, de questão puramente política ou de ato disciplinar78.

Exigia-se petição inicial em três vias, com qualificação e identificação do impetrante, exposição circunstanciada do fato, demonstração de que o direito alegado era certo e incontestável, indicação precisa da autoridade coatora, bem como o pedido de garantia ou de restauração do direito79. A petição inicial deve-ria ser instruída com os documentos probatórios do direito alegado e da sua ameaça ou violação; a segunda e a terceira via da petição inicial deveriam ser instruídas com cópias de todos os documentos80.

No caso de o requerente afirmar que o documento necessário à prova se achava em repartição pública, ou em poder de autoridade, o juiz deveria requisi-tar, de ofício, a sua exibição, no original ou em cópia autenticada, no prazo que fixasse, entre três a oito dias úteis 81.

Nos mandados de segurança, a União seria representada, na Corte Suprema, pelo Procurador-Geral da República; na Justiça Eleitoral, pelos órgãos do Ministério Público respectivos; nos demais juízos e tribunais, por procurador-seccional designado, na Justiça Federal, pelo juiz do feito e, nas jurisdições locais, pelo Procurador da República82.

Cabia recurso, no prazo de cinco dias, contado da intimação, da decisão que indeferisse liminarmente o pedido ou que, afinal, concedesse ou denegasse o mandado; não se atribuía recurso suspensivo ao recurso previsto, que subia nos próprios autos originários 83.

A Lei 191/1936 dispunha também que o processo de mandado de segu-rança teria preferência sobre qualquer outro, exceto o habeas corpus; poderia iniciar e correr nas férias forenses, bem como admitia intervenção de terceiro, como assistente, em qualquer uma de suas partes 84. Tratava-se de uma ação civil de rito sumaríssimo.

O mandado de segurança centrava-se prioritariamente em questões de Direito Administrativo. Problema comum em mandados de segurança era a fixa-ção da autoridade coatora. Em âmbito de Corte Suprema, a questão era ainda mais dramática, porquanto não havia como responsabilizar o Presidente da

78 Lei 191, de 1936, art. 4º.79 Lei 191, de 1936, art. 7º.80 Lei 191, de 1936, § 1º do art. 7º.81 Lei 191, de 1936, § 2º do art. 7º.82 Lei 191, de 1936, letra a do art. 9º.83 Lei 191, de 1936, art. 11.84 Lei 191, de 1936, art. 16.

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República por todas as ações e omissões da administração. Carlos Maximiliano, no MS 184/DF, julgado em 15 de julho de 1936, assentou o seguinte:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Voto contra a preliminar.Na minha prática de homem de Parlamento, nunca vi dirigir-se ao

Presidente da República, diretamente, nem sequer Poder igual ao dele. Eu, mesmo, agora, nos meus despachos, adotei a fórmula parlamentar: “Peçam-se informações ao Poder Executivo, por intermédio do Ministro de tal pasta”.

É o mais lógico. O Presidente da República não sabe de nada e nem pode saber, em casos semelhantes ao d’agora, por exemplo.

Na questão vertente, de fato, S. Exa. apenas assinou ato de administra-ção, que, aliás, antigamente, era resolvido, somente, pelo Ministro. O chefe do Governo Provisório, na verdade, centralizou em si muitos atos administrativos secundários; basta dizer que a licença a um servidor da Polícia, anteriormente despachada pelo chefe ou pelo comandante, conforme se tratasse da Civil ou da Militar, nem indo ao Ministro — hoje, é dada pelo Presidente! Originou-se isto de decreto do Governo Provisório que nenhuma lei posterior revogou.

Ora, o Ministro é quem conhece, é quem pode conhecer, perfeitamente, a questão; aliás, nem mesmo S. Exa. propriamente; pois a sua Secretaria é que fornece esclarecimentos.

Não há, pois, creio, motivo para se oficiar ao Presidente. O ilustre Relator deixou bem claro que se tratava, apenas, de questão de escrúpulo. Assim, em se tratando de processo de urgência, prefiro conhecer, logo, do mérito do caso. Voto, pois, contra a preliminar.

É o meu voto.

No MS 219/ES, julgado em 4 de setembro de 1936, discutiu-se questão que tinha como pano de fundo a fixação de competência para apreciação de mandado de segurança, em sua forma originária, em face de autoridade coatora, um juiz federal da Seção do Espírito Santo.

Um residente em Vitória requereu mandado de segurança contra o refe-rido juiz, que teria impedido o impetrante de ver, visitar e receber visitas das três filhas, ao longo de uma ação de desquite, que corria na Justiça Federal de Vitória. Originalmente, a ação fora proposta na Justiça comum. Ocorre que o autor era de nacionalidade portuguesa. Por isso, a competência fora deslocada para a Justiça Federal.

O requerente argumentava que detinha direito certo e incontestável de ver as filhas, por prerrogativa de pátrio poder. E insistia que pouco importava que a Constituição outorgasse competência à Corte Suprema apenas para conhecer de pedidos de mandado de segurança contra atos do Presidente da República e de Ministros de Estado. O requerente observava que o cumprimento literal do texto constitucional o deixaria sem remédio imediato. É que deveria requerer ao próprio juiz, aguardar a negativa, e somente em seguida recorrer para a Corte Suprema, em grau de recurso.

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Ministro Carlos Maximiliano

O Procurador-Geral da República juntou parecer, forte na letra i do n. 1 do art. 76 da Constituição então vigente, no sentido de que o pedido não poderia ser conhecido, porquanto a Corte Suprema não detinha competência para apreciar originariamente a questão. Observou também que o mandado de segurança não era meio idôneo para invalidação de decisões judiciárias. O Relator, Ministro Laudo de Camargo, opinou pelo não-conhecimento do pedido. Carlos Maximiliano acompanhou o Relator. No entanto, como razão mais forte, optou por não aceitar o uso do mandado de segurança como instru-mento para revisão de decisões judiciais:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Quanto a ser originário, fico em dúvida; sendo ato do Dr. Juiz Federal, acho que dele podemos conhecer.

A questão, porém, morre por outro lado. É que, sendo decisão da Justiça, há dela recurso legal, por meios ordinários; não pode, na hipótese, ser requerido mandado de segurança.

Por esse fundamento, improcede o pedido.É o meu voto.

No MS 223/PR, julgado em 24 de julho de 1936, relatado por Carlos Maximiliano, um tenente farmacêutico reformado compulsoriamente aos 48 anos afirmou que tinha direito certo e incontestável de ser reformado aos cinquenta anos. O problema consistia em se fixar o regime jurídico que alcançava combaten-tes e não-combatentes. Maximiliano indeferiu o pedido, em decisão simples, que revela a singeleza dos problemas que a Corte Suprema então enfrentava:

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Álvaro da Costa Lima foi reformado

compulsoriamente no posto de 1º Tenente farmacêutico, ao completar 48 anos de idade; pede mandado de segurança, a fim de ser anulada a reforma, visto que a mesma só aos 50 anos poderia ser a ele imposta. Argumenta que a lei que reduziu de dois anos a idade para a compulsória, visara os oficiais combatentes, e o impe-trante fazia parte de outra categoria. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral pôs em realce a nenhuma liquidez do alegado direito do solicitante: se a situação deste não está regulada pelo Decreto 24.068, de 29-3-1934, porque este repositório de nor-mas entrou em vigor em 29 de março de 1936 e a reforma ocorreu em 2 de janeiro deste ano; se, por outro lado, o Decreto 12.800 não o atinge, por não ser oficial combatente o peticionário; será o caso de invocar o Decreto 193 a, de 30 de janeiro de 1890, que o Decreto 1.800 revogou na parte que fixa a idade para a compulsória dos oficiais combatentes, sem nada dispor sobre a dos oficiais não-combatentes; donde se deve inferir o propósito do legislador de não alterar, a respeito destes, a lei derrogada; ora o Decreto 193 a, no art. 1º, fixava em 48 anos a idade da reforma compulsória de todos os primeiros tenentes, sem distinguir entre combatentes e não-combatentes. Cumpriu-se a lei; não se violou direito algum, muito menos direito evidente, claro, líquido, indiscutível. Por este motivo, indefiro o pedido.

No MS 239/DF, julgado em 11 de setembro de 1936, relatado pelo Ministro Ataulpho de Paiva, o requerente postulou nomeação como magistrado

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na Corte de Apelação, no então Território do Acre. Alegava que era juiz de direito em xapuri e que, por ato de 25 de janeiro de 1935, o Presidente da República nomeara para a vaga naquele tribunal um desembargador que estava em disponibilidade do Tribunal de Cruzeiro. Alegava que o Presidente da Corte daquele Território o indicara para a vaga aberta.

O requerente apontava que a nomeação do desembargador afrontava o direito vigente, no sentido de que a aludida vaga deveria de ser ocupada por um juiz efetivo, como ele, o requerente. O retorno do desembargador em disponi-bilidade, segundo o requerente, suscitava aumento de despesa; além do que, o referido desembargador já fora preterido por três vezes.

O Ministro da Justiça encaminhou informações dando conta de que a nomeação do desembargador em disponibilidade decorria de um decreto de 1931, que mandava aproveitar, nas vagas que surgissem, os adidos e os em dis-ponibilidade, obrigatoriamente. Segundo o Ministro da Justiça, o mencionado decreto fora aprovado pelas Disposições Transitórias do texto constitucional de 1936. O Procurador-Geral da República afirmou que o requerente não detinha direito certo e incontestável, e o fez com base nas informações encaminhadas pelo Ministro da Justiça.

O Relator acatou o parecer do Procurador-Geral e declarou que não mais se discutiria se magistrados eram (ou não) funcionários. Afirmou que a Constituição de 1936 dava por encerrada essa questão, dispondo que magistra-dos eram funcionários, e não mais, simplesmente, membros do Poder Judiciário. Por isso, agira adequadamente o governo, ao aplicar o decreto que determinava o aproveitamento dos funcionários que estivessem em disponibilidade.

Carlos Maximiliano acompanhou o Relator e insistiu que o Presidente do Tribunal não tinha competência para indicar o requerente para a vaga pretendida:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O próprio requerente, na sua petição, dá a entender bem que não tem direito certo e incontestável: em vez de ser indi-cado pela Corte de Apelação, o foi pelo seu Presidente, pura e simplesmente sob o pretexto de que não se achavam presentes os demais desembargadores. Ora, o Presidente da Corte não tem direito de indicar quem quer que seja para ser pro-movido. À vista disso, indefiro o mandado requerido.

É o meu voto.

No MS 246/DF, julgado em 10 de julho de 1936 e relatado pelo Ministro Costa Manso, discutiu-se a organização interna do Ministério da Fazenda. Debatia-se a propósito da classificação de fiéis e de tesoureiros; aqueles eram indicados por estes, e, em nome destes, desempenhavam uma série de funções. Fiéis não detinham direitos, especialmente de estabilidade, embora à época se utilizasse a expressão “vitaliciedade”.

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Ministro Carlos Maximiliano

Ao longo da discussão — inclusive após intervenção do Ministro Costa Manso —, Maximiliano explicitou lição de Hermenêutica, afirmando que o principal meio de interpretar uma lei consistiria em saber a sua finalidade. É que a designação do fiel era feita pelo tesoureiro, até o advento do Governo Provisório de Getúlio Vargas, quando um decreto dispôs que a competência para tal seria doravante do Poder Executivo.

No caso, surgira uma vaga, mas o requerente não fora indicado pelo Executivo para ocupá-la, embora contasse com apoio do tesoureiro. Reviu-se a posição, determinando-se que o requerente fosse aproveitado na vaga aberta. No entanto, a determinação não foi implementada, por falta de ação das auto-ridades competentes. A decisão de Carlos Maximiliano corrigiu a omissão, na forma que segue:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, examinarei os dois argumentos apresentados pelo interessado e discutidos pelo Sr. Ministro Relator.

Quanto ao primeiro, o ilustre Ministro Costa Manso o colocou, a meu ver, em seu legítimo lugar. Se a organização do funcionalismo da Fazenda tivesse sido feita em sentido inverso ao que se deu, isto é, se os ajudantes do tesoureiro houvessem passado a fiéis, ainda não caberia razão ao requerente; porque um ato que, anteriormente, era do Presidente da República fora transfe-rido para as atribuições do tesoureiro.

O fiel era um indivíduo indicado pelo tesoureiro; afiançado por ele, em sua companhia deixava as funções. Não tinha vitaliciedade nem direito algum. A lei determinou o contrário, para proteger os fiéis, prejudicando o serviço público, e o digo porque todos os tesoureiros se queixam.

Quando o fiel foi indicado para o cargo, essa indicação era do tesou-reiro; tratava-se de pessoa de sua direta e absoluta confiança; quando, porém, o Governo despachou que o impetrante devia ser aproveitado, essa mesma atribui-ção se transferira para o Poder Executivo.

O Sr. Ministro Costa Manso (Relator): Ainda não.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Em todo o caso, ficou sendo, de modo

que o argumento prova em contrário; agora, o Governo nomeia. O Sr. Relator conclui muito bem: esse argumento não procede.

Examinemos o outro.Para que se fez o decreto? É princípio de hermenêutica: o principal

meio de interpretar uma lei é saber o fim dela. Foi para evitar que, pelos meios judiciários, se reformasse a deliberação do Governo, para impedir as ações de perdas e danos, e outras. Entretanto, o próprio Governo, examinando esses atos, entrando no estudo minucioso das provas produzidas, chegou à conclusão de que, no delírio da vitória, o que é muito comum, talvez houvesse praticado injustiças, e teve a nobreza de reconhecer o seu erro, mandando que fosse apro-veitado na primeira vaga.

Já a Corte Suprema teve ocasião de deliberar sobre um desses casos. Refiro-me ao do engenheiro Romero Zander, da Estrada de Ferro Central do Brasil, exer-cendo eu, nessa ocasião, a Procuradoria-Geral da República. Dei parecer favorável à pretensão do requerente, que obteve um despacho ordenando o seu aproveita-mento também na primeira vaga. Verificada esta, um seu colega foi nomeado; e

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nada fez, porque estava este nas mesmas condições. Ocorrida a segunda, recla-mou, vindo bater às portas deste Tribunal, que lhe deu ganho de causa.

No instante a que me reporto, o chefe do Governo dispunha de pode-res discricionários, o que não acontece agora: tem que se submeter às leis que ele próprio fez, desde que não tenham sido revogadas ou não colidam com a Constituição em vigor. Anteriormente, tão grande era o seu poder que mandava parar a marcha dos processos em curso no Judiciário. Agora, não; a situação modificou-se completamente; nada disso é possível.

No entanto, o Poder Executivo, reconhecendo, como disse, o seu erro, determinou que o suplicante fosse aproveitado na primeira vaga. Por isso, Senhor Presidente, concedo o mandado requerido. O interessado deve ser apro-veitado na primeira vaga e até devia receber os seus vencimentos em disponibi-lidade. Não pode ficar na rua depois que o Governo mandou fosse aproveitado.

Defiro o pedido nesse sentido e para, enquanto não reassumir as funções, perceber os estipêndios a que tiver direito.

No MS 249/DF, julgado em 15 de julho de 1936, relatado por Carlos Maximiliano e impetrado por Oswaldo Miranda de Vasconcelos, discutiu-se a idoneidade moral de um policial, no caso, o requerente. Ao que consta, foram presos alguns chefes de uma quadrilha de arrombadores. Um dos presos denun-ciou o investigador de polícia que o prendeu, o que ensejou o mandado de segu-rança e os fatos aqui narrados.

O denunciante afirmara que o investigador era indivíduo ligado a ban-didos, e que não perfilava qualidades morais para trabalhar na polícia. Com pormenores, informou que o denunciado lhe fornecia as armas com as quais praticava os assaltos.

Da denúncia veio processo administrativo que resultou na expulsão do policial, qualificado como indigno de pertencer à corporação. O objeto do man-dado de segurança era a pronta reintegração no cargo. Objetou que era con-cursado e que com onze anos de serviço detinha estabilidade. Nos termos do relatório do Ministro Carlos Maximiliano, percebe-se que o impetrante alegava também que não lhe concederam a ampla defesa.

Consignou-se ainda que do processo administrativo originou-se processo penal, no qual se absolveu o impetrante, por falta de provas. Cuida-se do típico caso de condenação no processo administrativo e de absolvição no processo criminal.

Carlos Maximiliano formulou o voto condutor, indeferiu o pedido e cen-trou sua linha de raciocínio no fato de que a intimidade entre um investigador de polícia e um ladrão é circunstância que justifica o afastamento do policial:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o Rio de Janeiro

era perturbado por uma quadrilha de ladrões arrombadores, que ainda assal-tavam os transeuntes, inclusive os choferes. Procedidas as diligências, foram

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Ministro Carlos Maximiliano

presos os chefes da quadrilha, João dos Santos e Argentino Leite, aquele pelo requerente, investigador de polícia.

Acontece que este último ladrão, ao ser apresentado às autoridades supe-riores, declarou que o citado investigador era indivíduo sem idoneidade para exercer o cargo de policial, porquanto estava indiretamente ligado à quadrilha, tendo tanta intimidade com um companheiro dele, denunciante, a ponto de lhe fornecer o revólver com que andava assaltando as vítimas.

Daí resultou, naturalmente, processo administrativo, que concluiu pela expulsão do impetrante da corporação por indigno de a ela pertencer.

Por isso, vem o requerente pedir mandado de segurança para ser reinte-grado no cargo.

Alega, em primeiro lugar, que era funcionário de concurso e tinha muito mais até do tempo exigido para a estabilidade, pois contava cerca de onze anos de serviço. Assegura, ainda, que não houve, propriamente, processo administra-tivo, com plenas garantias de defesa, como manda a Constituição.

Vale dizer que ao administrativo seguiu-se processo criminal, em que foi o requerente absolvido por falta de provas e até com a contraprova de boa con-duta. Da sentença não houve recurso e, assim, passou em julgado.

Recebido o processo, pedi informações ao Sr. Ministro da Justiça e S. Exa. me mandou esclarecimentos, que constam de fl. 24 (lê).

O Dr. Procurador-Geral emitiu parecer à fl. 40:O requerente alega que, nomeado investigador da polícia do Dis-

trito Federal, em virtude de concurso, foi, contudo, exonerado por haver sido movido contra si processo como incurso no art. 238 da Consolidação das Leis Penais.

Não obstante ter sido absolvido, por sentença passada em julgado, do crime que se lhe imputara, não logrou reintegração no seu antigo cargo, apesar de requerê-lo ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça.

Para ver realizada a sua pretensão impetra o presente mandado de segurança.

Não tem, porém, direito a ser atendido.A alegada absolvição do crime que motivou o procedimento con-

tra o requerente não o isenta automaticamente da exoneração.Para a condenação judicial os elementos de conceituação do delito

deverão ser mais rigorosamente apreciados, não tendo o juiz ampla mar-gem de arbítrio, eis que firma convicção para aplicar determinada pena ao passo que na condenação em processo administrativo a perda do emprego não é uma penalidade imposta ao faltoso, senão uma medida conveniente aos interesses da administração. Numa, é principalmente atendida a sorte ou situação do indivíduo; na outra, são apreciados, de preferência, os interesses do serviço.

A punição judiciária é uma reparação social o afastamento do ser-viço, por falta grave, é uma restauração dos interesses que o serviço visa.

O processo penal a que se submeteu o requerente não levou ao julgador a convicção de que houvesse elementos bastantes para uma condenação do paciente; mas, ao par do procedimento administrativo, revelou graves faltas que desrecomendam a sua continuação no serviço da Polícia Civil.

Assim é que naquele não ficou provado que o requerente se con-luiasse com criminosos notórios para a prática de delitos, ou mesmo que

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Memória Jurisprudencial

houvesse emprestado armas para um assalto; mas nele se evidenciou que o requerente investigador de polícia, mantinha relações cordiais com tais criminosos, que um destes lhe furtou o revólver com que praticou o crime de assalto, sem que o requerente se sentisse obrigado a prendê-lo, ou denunciá-lo ou tomar-lhe a arma. Ora, esse procedimento não deu margem a uma condenação em juízo, mas é excessivo para a continuação da carreira de um policial.

Se um investigador se mostra assim complacente com quem lhe furta a própria arma, que garantia dará de melhor zelo pela defesa e segu-rança de outrem?

Evidentemente, tal cidadão não serve para policial; foi isso o que apurou o inquérito administrativo, e, agindo em conseqüência, não admitiu o Sr. Ministro da Justiça o reingresso do requerente ao quadro de investigadores da Polícia do Distrito Federal.

O procedimento da autoridade se ajusta perfeitamente aos casos em que os funcionários nomeados por concurso e com mais de dois anos de serviço podem ser exonerados (art. 169 da Constituição).

Não pode, em conseqüência, ser amparado pelo mandado de segurança, porque a Autoridade não praticou ato inconstitucional ou ilegal, mas sim usou atribuições constitucionais, para a salvaguarda do interesse da administração, quando lhe negou readmissão no quadro de investigadores da Polícia do Distrito Federal.Sustenta-se que, embora diversas as conclusões de ambos os processos,

as do último não prevalecem contra as do primeiro, visto como, no adminis-trativo, se podem apurar fatos que, conquanto não constituam crime, já não recomendam o acusado ao serviço; aí, se verificou, devidamente, não merecer o referido investigador confiança para exercer o cargo.

É o relatório.

VOTOSenhor Presidente, o único ponto de importância é este da estabilidade

do cargo, garantida pela Constituição, no art. 169. Para a demissão dos funcio-nários, estabelece-se, ainda, o processo administrativo ou o criminal.

Ora, no caso presente, houve ambos os processos. Entretanto, num, no primeiro, concluíram pela demissão do funcionário, visto a sua indignidade; noutro, o criminal, absolveram-no.

Militam a favor do paciente a circunstância de que o denunciante é ladrão profissional, não podendo, assim, as suas argüições ser levadas muito em conta, e a circunstância de que, no processo criminal, tanto as testemunhas de acusação como as de defesa sustentaram a boa conduta, como funcionário, do investigador.

Chamo a atenção de V. Exas. para o fato de que a própria sentença abso-lutória declara que o depoimento do acusado, no processo administrativo — que serviu, até, para a sua condenação —, não foi confirmado, no criminal.

Isto vem dar a entender, primeiramente, que houve processo administra-tivo, confirmado, pois, o que disse o Sr. Chefe de Polícia.

Do próprio processo criminal se vê que o ladrão entrou no aposento do requerente, arrombou um armário e, deste, retirou um revólver. Não se alega, porém, que o criminoso, para cometer o ato, forçou a porta do quarto ou usou

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Ministro Carlos Maximiliano

chave falsa; isto prova a intimidade entre os dois; da mesma forma, nada é refe-rido quanto às providências que o investigador furtado tomara, como devia, em relação ao ladrão. Prova-se, todavia, por outro lado, por exame somático, efetu-ado no Gabinete Médico Legal, que o acusado não tinha pendores inconfessá-veis com relação ao ladrão.

Ora, a intimidade de um investigador com um ladrão, ainda mesmo que não se revista de aspectos ultra-imorais, é coisa muito séria. É qualidade nega-tiva para um bom policial. Releva-se, outrossim, notar que o investigador ale-gara, para não prender um dos ladrões, que não tinha competência para tanto, visto não pertencer à Seção de Vigilância; entretanto, efetuou a prisão de outro.

Em ação comum, que pode propor, talvez consiga o acusado provar que tudo isso não passa de mera perseguição contra si. Entretanto, em mandado de segurança, não lhe reconheço direito certo e incontestável. Por isso, indefiro o pedido.

No MS 259/DF, julgado em 22 de julho de 1936, relatado por Carlos Maximiliano e impetrado por Raul Netto dos Reys, discutiu-se o direito de pro-moção, alegado pelo requerente, então funcionário do Ministério da Agricultura. O Relator percebeu que o requerimento excedia o prazo, então também fixado em 120 dias, e julgou de modo simples, e firme, tocando também no mérito:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, trata-se de fun-

cionário do Ministério da Agricultura, que alega direito a promoção, em vaga que deveria ser provida por merecimento. Diz o requerente que, a fim, justa-mente, de apurar o merecimento, o Ministro nomeou Comissão, ato que consi-dera irregular; por isso, pede o mandado.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Senhor Presidente, a deci-

são do Ministro é de 29 de outubro de 1935; a petição foi apresentada em 11 de maio de 1936, mais de 120 dias, portanto, após. Assim, o direito está perempto. Não tomo, pois, conhecimento do pedido.

Se rejeitada a preliminar, voto, quanto ao mérito, indeferindo o pedido. Se o critério para a promoção é o merecimento, e não a antiguidade, o seu direito não é certo e incontestável.

É o meu voto.

No MS 268/RS, julgado em 16 de setembro de 1936, relatado pelo Ministro Ataulpho de Paiva, e impetrado por Aníbal Barbosa, discutiu-se ques-tão afeta ao Tribunal Militar. Ao que consta, o interessado praticara duas frau-des, e ainda pretendia invocar direito certo:

VOTO O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: A doutrina do Tribunal Militar é

correta: ninguém pode tirar partido da própria torpeza.

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Memória Jurisprudencial

O requerente praticou duas fraudes: falsificou a idade, ao se alistar, e, posteriormente, procurando retificá-la, fê-lo com autoridade incompetente. Não tem, pois, direito algum ao que pede — quanto mais direito certo e incontestável.

Nego, portanto, a ordem.

No caso do MS 270/MA, relatado por Hermenegildo de Barros e, depois, por Bento de Faria, impetrado pelo Dr. Achilles de Faria Lisboa, governador do Maranhão, e julgado em 8 de julho de 1936, em voto extremamente sinuoso e muito bem engendrado, Carlos Maximiliano tangenciou a relação entre a atua-ção do Poder Judiciário e as questões políticas. Antes, no entanto, reproduzo a ementa do julgado, que fornece os contornos da discussão:

Intervenção federal nos Estados — Competência dos Poderes da União para decretá-la e para conhecer da sua constitucionalidade, conveniência ou oportunidade.

— A faculdade de intervir, em tais casos (art. 12, n. I a III, da Constituição Federal), foi reservada aos poderes políticos da União, ou seja, ao Legislativo e ao Executivo, desde que somente a estes, como decorre dos dispositivos sub-seqüentes, foi deferida a iniciativa da intervenção, conforme o caso emergente.

— À Corte Suprema e ao Superior Tribunal de Justiça Eleitoral, como aos representantes dos poderes estaduais eletivos, somente é permitido requi-sitar ou solicitá-la, os primeiros, para garantir as ordens e decisões dos juízes e tribunais federais e o livre exercício do Judiciário local; os outros, para garantir o livre exercício de qualquer dos poderes públicos estaduais (art. 12, § 5º e § 8º).

— A interferência da União nos negócios dos seus Estados não pode ser compreendida entre as questões judiciais, porquanto, fundamentalmente, há de sempre expressar uma questão de caráter essencialmente político. Assim sendo, sob esses aspectos, o requerimento em apreço é inadmissível, pois importaria em sujeitar ao contraste judicial um ato de natureza exclusivamente política, contra o disposto no art. 68 da Constituição Federal.

— Interpretação dos arts. 12; 56, n. 12; e 68 da Constituição Federal.— Item, Decreto Federal 881, de 5-6-1936.

Carlos Maximiliano em seu voto observou que, concomitantemente, havia ainda problema de dubiedade de decisões, porquanto no pano de fundo perce-bia-se competência oriunda da Constituição Federal, bem como da Constituição do Estado do Maranhão:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: A Constituição afastou-se, em parte, do seu modelo de 1891. Neste se negava ao Poder Judiciário tomar conhecimento de questões políticas; agora, explicitamente, permitiu-se que, em certos casos, que são aqueles subordinados ao Poder Eleitoral, pudéssemos conhecer de casos semelhantes. Sempre, em todo caso, repetiu o preceito genérico da Carta ante-rior. Assim, parece ser este a regra e aquele a exceção.

No caso em apreço, trata-se de julgamento feito por tribunal previsto, normalmente, pela Constituição Federal e pela Carta do Estado. Logo, da deli-beração desse tribunal caberia recurso para o poder fixado pelas próprias leis;

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Ministro Carlos Maximiliano

ora, se as leis locais não dão recurso para outra autoridade, naturalmente é por-que tal tribunal é soberano, único, em última instância decide.

É claro que, todavia, existe recurso do ato do Presidente da República, que decreta a intervenção. Esta é já outra questão; mas o recurso, aqui, é para o próprio Poder Legislativo, recurso até ex officio, pois a Constituição determina que o Poder Executivo submeta o caso ao referendum do Legislativo. Ora, aí, há defesa, ainda; valendo-se o prejudicado dos seus procuradores e, na hipótese, dos deputados que são seus partidários, os quais podem examinar a constitucio-nalidade da medida.

O impetrante levanta, mais, dois argumentos.Um é que o Governador Lisboa foi processado e condenado por atos que

não constituem crime. Ora, tomarmos conhecimento desse ponto já seria entrar-mos no mérito da questão, para o que não temos competência.

Admitindo-se, porém, a hipótese de sermos competentes, ainda negaria o mandado. Creio não ser este o meio de libertar qualquer indivíduo de processo e condenação por atos que se reputem não constituir crime.

Há outro argumento que o impetrante sustenta. Este agora é mais sério. É que o Governador Achilles Lisboa requereu e obteve mandado de segurança das autoridades judiciárias locais e que, em desrespeito a tal decisão, foi decre-tada a intervenção.

Ora, em primeiro lugar, tal mandado não foi concedido contra a autori-dade federal, contra, no caso, o Senhor Presidente da República; sim, contra a maioria da Assembléia.

Por outro lado, a mesma maioria alega que obteve do mesmo Tribunal, a Corte de Apelação do Estado, habeas corpus, no sentido de que o seu Presidente assumisse o Governo do Maranhão.

Temos, pois, caso típico de dualidade de Poder Judiciário. Assim, não sabemos qual, de fato, é a verdadeira autoridade: se a que concedeu o mandado ao Governador ou se a que, cassando o mandado, deu o habeas corpus.

Por isso tudo, parece que o único remédio é a intervenção. Todavia, não quero examinar essa questão, que já é de mérito.

Como a Constituição, explicitamente, não dá ao Poder Judiciário compe-tência para conhecer da espécie, e atribui, explícita, ou, pelo menos, indireta-mente, autoridade ao Legislativo para tal, não conheço do pedido. É o meu voto.

No MS 271/DF, relatado por Bento de Faria, e depois por Eduardo Espinola, impetrado por Aristóteles de Sousa Imenes, julgado em 5 de agosto de 1936, colhe-se voto do Ministro Carlos Maximiliano, que aprecia importan-tíssima questão política. Cuidava-se de disposição do art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição de 1934, que afastava do Poder Judiciário a apre-ciação dos atos do Governo Provisório de Getúlio Vargas, que durou de 1930 — quando da deposição de Washington Luís — até 1934 — data da promulgação de nosso terceiro texto constitucional.

Carlos Maximiliano apreciou especificamente questão referente à criação de comissão de expertos que emitia pareceres referentes aos atos do Governo Provisório. Definiu que a emissão de parecer era mera peça opinativa, e que não possibilitava nenhum conteúdo decisório. O voto do Ministro é libelo em defesa

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da legalidade, concluindo que: “mercê dos céus, acima de nós em autoridade, só existe a lei”:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: A Constituinte, no art. 18 das Disposições Transitórias do estatuto básico, afastou, explícita e absolutamente, da competência do Poder Judiciário a apreciação e, portanto, a reforma de ato do Governo Provisório. Admitiu, entretanto, como lenitivo a tanto rigor, que fosse nomeado um grupo de homens cultos, a fim de emitir parecer sobre a injustiça das demissões e conveniência das reintegrações de bons servidores do país.

“Emitir parecer” é opinar, deduzir, aconselhar; não é mandar, impor, exigir. Parecem-nos consultivas as funções da Comissão; não imperativas, deci-sórias. Sugere; não ordena, reforma ou desfaz.

Jamais prevalece exegese que atribuía ao legislador um desvio flagrante da boa doutrina, da ciência jurídica universal das normas fundamentais do regimen. Incidiria nesse erro deplorável, quando conferisse a particulares auto-ridade jurisdicional negada até ao pretório supremo da República; teriam eles, no conceito do impetrante de mandado de segurança, mais alto império que um dos grandes poderes constitucionais; ficariam superpostos ao mesmo e no lugar que aos mesmos cabia.

Admitamos, entretanto, por um momento, a hermenêutica do ilustre peticionário. Nesse caso, devemos levá-la às suas conseqüências lógicas. Se a Comissão nomeada pelo chefe de Estado tem autoridade superior à da Corte Suprema, por que e com que fundamento pedir a esta que ampare e converta em realidade um ato daquela? Como reclamar do fraco o remédio contra o ludíbrio sofrido pelo forte? Se à Comissão foi atribuída autoridade decisória em relação a certas demissões injustas e à Corte se negou toda e qualquer ingerência em tal matéria, incumbiria à própria Comissão, e não ao juízo ordinário, impor ao Executivo a obediência aos arestos por ela proferidos. Portanto, improcede o pedido. Diante da Corte continua intransponível a barreira formidanda do art. 18.

Ao menos esse sinal de onipotência hão de convir que o legislador não outorgou à Comissão: o de converter o mais alto tribunal do Brasil em mero juízo executivo das decisões dos cidadãos conspícuos que a integram. Semelhante regalia humilharia, ainda mais, a Corte; pois o juízo executório é, em todas as legislações, o mais baixo; é inferior ao decisório.

Mercê dos céus, por enquanto no Brasil, acima de nós em autoridade, só existe a lei; esta nos inibe de contribuir para a reforma de atos do Governo Provisório.

Indefiro o pedido, pois.

No MS 273/DF, relatado pelo Ministro Plínio Casado, impetrado por Ary Monteiro e julgado em 4 de agosto de 1936, Carlos Maximiliano confec-cionou voto de fortíssimo fundo processual, a propósito de identidade de objeto e de pessoa.

Tratava-se de mandado de segurança protocolado por professor com o objetivo de garantir posse e exercício do cargo de professor da antiga Escola de Auxiliares Especialistas da Armada, que então se chamava Escola Almirante Wandenkolk. O impetrante invocava que fora ilegal e arbitrariamente despo-jado, por mera ordem verbal do Ministro da Marinha, Almirante Protógenes

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Ministro Carlos Maximiliano

Guimarães; e a ordem fora posteriormente confirmada por decreto do Governo Provisório, datado de 19 de janeiro de 1933.

O pedido já fora apreciado pela Corte Suprema, e fora indeferido por unanimidade, com voto condutor do Ministro Laudo de Camargo. É que o impetrante detinha cargo em comissão, o que não justificava o procedimento que invocava, afeto a servidores estáveis. Com o indeferimento do pedido, o interessado requereu a entrega dos documentos com os quais instruíra a petição inicial. Em seguida, protocolou outro pedido, que não passava de mera repeti-ção do primeiro deles, no entendimento do Relator, Ministro Plínio Casado. Nos termos do ementado:

Mandado de segurança — Procede a renovação do pedido se fundado em causa diversa.

— Não havendo identidade de “causa”, mas somente de “coisa” e de “pessoa”, pode o autor repetir o pedido, ainda que o Tribunal tenha apreciado o mérito, no julgamento anterior.

— O parecer da Comissão Revisora, instituída nos termos do parágrafo único do art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição Federal, vale como opinião, como conselho, como esclarecimento, como sugestão, mas não obriga juridicamente o Governo e muito menos a Corte Suprema.

— Interpretação do art. 18, parágrafo único, das Disposições Transitórias da Constituição Federal.

— Idem, do art. 2º, § 2º, da Lei 191, de 16-1-1936.

O impetrante justificava o segundo pedido em parecer da Comissão Revisora dos Atos do Governo Provisório, que entendera que a perda do cargo de professor fora inadequada. No entanto, firmou-se na época o entendimento de que os pareceres dessa comissão não eram vinculantes, isto é, que não tinham força de sentença. E o próprio Carlos Maximiliano vinha capitaneando esse entendimento, mais uma vez aqui sufragado:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o meu primeiro

movimento foi no mesmo sentido do voto proferido pelo Sr. Ministro Relator. Parece-me que há identidade de objeto e de pessoa, mas a causa de pedir não é inteiramente a mesma. Na realidade, o requerente apresenta um fato novo, pos-terior ao outro fundamento, e esse fato novo encontra-se consubstanciado no parecer da Comissão Revisora. Logo, a meu ver, o terceiro requisito não existe.

Liberalmente, na dúvida, tomo conhecimento do pedido, para o indeferir, porém.

No MS 279/DF, relatado pelo Ministro Hermenegildo de Barros e julgado em 19 de agosto de 1936, Carlos Maximiliano divergiu do Ministro Relator, em discussão relativa ao fato de que mandado de segurança contra ato de juiz fede-ral não poderia ser apreciado pela Corte Suprema, em âmbito de competência originária. Cuidava-se de ato de juiz federal que fora confirmado por Ministro

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Memória Jurisprudencial

de Estado, o que, na visão de Carlos Maximiliano, fixava competência originá-ria da Corte Suprema para apreciar a questão:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Sinto divergir do Sr. Ministro Relator.Quando a lei proíbe que um juiz federal tome conhecimento ou anule

atos de Ministro, isto é, quando manda que, originariamente, a Corte Suprema conheça dos atos do governo, é porque não reconhece no juiz federal autoridade para anular um ato de Ministro de Estado.

O ato em apreço, embora praticado por autoridade inferior, foi confir-mado pelo Ministro. De maneira que, se o juiz federal o anular, implicitamente anula o ato do titular da pasta, isto é do Ministro.

O espírito da lei é este: os atos dos Ministros e os praticados pelo Pre-sidente da República só podem ser anulados pela Corte Suprema; esta, em se tratando de habeas corpus, conhece originariamente.

Quanto à prescrição, não está provado que a parte teve conhecimento do ato há mais de 120 dias. Tratando-se de direito estrito, também não conheço da caducidade; por este motivo, tomo conhecimento do pedido.

No MS 288/DF, julgado em 11 de agosto de 1936, relatado por Carlos Maximiliano e impetrado pelo Tenente-Coronel Cássio Paiva de Souza, dis-cutiu-se questão interna da Escola Naval. Levantou-se preliminar, relativa à impossibilidade de que menor de vinte anos fosse representado por advogado, que exibia procuração apenas do pai, e não do filho, representado pelo pai. Maximiliano não tomou conhecimento do pedido, nos estritos limites da legis-lação de regência então aplicável, e com fundamento ainda nas Ordenações, em excerto lacônico, porém de extrema precisão:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o regulamento

da Escola Naval, aprovado pelo Decreto 19.877, de 16 de abril de 1931, comina, para os alunos, a perda da matrícula, nos seguintes casos:

Art. 76, b) falta de aproveitamento ou inabilitação em mais de duas disciplinas de um mesmo período;

d) nota de aptidão para o oficialato inferior a quatro;Art. 77, c) repetição de inabilitação na mesma disciplina.

O rigor das disposições transcritas foi atenuado pelo Decreto 24.633, de 19 de julho de 1934, nos termos seguintes:

Art. 20. Os alunos dos Cursos Prévio e Superior que incidirem nos casos previstos nas letras b do art. 76 e b e c do art. 77 do atual Regulamento poderão repetir o ano superior apenas uma única vez, desde que tenham revelado aptidão para o oficialato da Marinha, provi-dência que deverá ser observada a partir do ano letivo corrente.Como sucede em vários institutos, na Escola Naval, o aluno que deixa de

prestar exame, ou é reprovado em uma só matéria, não fica preso pela mesma a um ano do curso; freqüenta as aulas do ano superior; depois de aprovado na cadeira que lhe faltava, entra em exame das referentes ao ano superior, na mesma época ou na segunda época (art. 65 do Regulamento).

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Ministro Carlos Maximiliano

O jovem Heitor foi julgado deficiente em disciplina do 2º período do 1º ano; pelo que repetiu a mesma e cursou o 2º ano superior, em 1934; porém, não prestou exames senão da disciplina restante do 1º ano. Em 1935 cursou o 2º ano.

Nas vésperas dos exames deu parte de doente. Os médicos militares acharam que ele não precisava abandonar o serviço, sendo suficiente o trata-mento em ambulatório.

Médicos civis atestaram o contrário; o Exmo. Sr. Ministro da Marinha conformou-se com o parecer destes e deu licença de noventa dias ao jovem, a 3 de janeiro.

O despacho, entretanto, só foi publicado muitos dias depois; pelo que Heitor foi chamado a exame no dia 5; por não comparecer, teve, nos termos do Regulamento, nota zero.

Como as médias dos exames parciais não eram bastante altas para lhe garantirem a aprovação independentemente do exame final, foi considerado reprovado.

Em obediência ao disposto no art. 77 do Regulamento, combinado com o art. 20 do Decreto 24.633, foi excluído da matrícula, apesar de ter obtido nota cinco de aptidão para o oficialato.

Como o Decreto, posterior, n. 787, de 30 de abril de 1936, deu aos colegas de ano do jovem Heitor o direito a seguirem o curso na categoria de guardas-marinhas; requer o presente mandado, para o fim de ser Heitor matriculado no 2º ano da Escola Naval e seguir o curso como guarda-marinha.

É o relatório.

VOTOPreliminarmente; é lícito a um advogado agir em defesa de um moço de

vinte anos de idade, exibindo só procuração do pai e não do filho assistido pelo pai?A negativa me parece evidente (Decreto 3.084, de 1898; part. 3ª, art. 4º,

com referência às ordenações, Liv. 3º, Tít. 41, § 8º, 2ª parte). Por isso, do pedido, não tomo conhecimento.

No MS 298/DF, relatado por Carlos Maximiliano, requerido por Adolpho Constant Bur May, assistido por sua tutora, Alda Santos Carvalho, e julgado em 11 de setembro de 1936, julgou-se novamente matéria de regimento da Escola Naval, no que se refere à aprovação de aluno. Maximiliano aplicou juízo de equidade, e confeccionou a passagem que segue:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Este é outro mandado para o mesmo

fim do de número 288, há pouco julgado, porém dele se diferencia porque o menor instituiu procurador com a assistência do pai. Não se verificou o fato de pedido de licença para tratamento da saúde; houve uma segunda reprovação.

É o relatório.

VOTOGira o desacordo entre o impetrante e o Exmo. Sr. Ministro da Marinha

em torno das seguintes questões:

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Memória Jurisprudencial

1º — quando o Regulamento proíbe repetir um ano mais de uma vez, inclui-se na contagem o ano que o aluno cursou sem matrícula definitiva no mesmo, visto estar na dependência de uma cadeira do ano anterior?

2º — A força maior constatada, a doença, é motivo suficiente para se não cumprir a disposição que, de modo absoluto, proíbe repetir a segunda vez um ano?

É de notar que o culpado do mal é, pelo menos em parte, o aluno; pois, embora não estivesse doente em 1934, não prestou exames, nem na primeira, nem na segunda época, das matérias concernentes ao 2º ano superior.

Por outro lado, parece que a tolerância da repetição se dá exatamente para o caso de no primeiro ano o aluno não prestar exame por haver adoecido. Parece, também, que o regulamento não admite exceção alguma. Ocorre ainda a circunstância de que, se o jovem fosse estudioso, teria obtido nos exames par-ciais média superior a seis, e nesse caso prescindiria do exame final para ser aprovado no 2º ano. Ora, o Regulamento tem em mira exatamente excluir os que obtêm pouco aproveitamento.

Enfim, por eqüidade, poder-se-ia atender ao impetrante; porém direito certo, claro, indiscutível a cursar mais uma vez o 2º ano e ser promovido a guarda-marinha, não lhe assiste.

Pelas razões aduzidas, indefiro o pedido.

No MS 289/DF, relatado pelo Ministro Hermenegildo de Barros, proto-colado pelo Bacharel Antonio Leitão Vieira de Mello e julgado em 14 de agosto de 1936, quando se discutiram, mais uma vez, as demissões feitas pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas. Maximiliano insistiu na imprestabilidade da força decisória dos pareceres emitidos pela Comissão Revisora criada pelo Governo Federal:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, desde que o

Sr. Relator afirma que o Sr. Procurador-Geral foi ouvido e o processo, portanto, se encontra em ordem, para ser julgado, só por este fundamento, indefiro o pedido.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, pela exposição

do brilhante advogado do impetrante, parece que S. S. faz uma pequena confu-são entre as várias decisões da Corte Suprema. É verdade que houve casos em que o indivíduo demitido pelo Governo Provisório, mais tarde, obteve, desse mesmo Governo, um despacho anulatório da decisão anterior. Esses despachos é que foram objeto de votações repetidas aqui, neste recinto.

Invariavelmente, Senhor Presidente, votei para que se considerassem tais despachos como revogatórios dos anteriores, porque era o mesmo Governo, com a mesma autoridade, que reconhecia, aliás, nobremente, o erro em que incorra no delírio da vitória, e resolvera fazer justiça a uma pessoa.

Numa das vezes, esta minha opinião foi vencedora. Na segunda, porém, creio que houve três votos apenas, inclusive o meu favorável; já a maioria não aceitou essa orientação.

Quanto à aplicação do art. 18, com referência aos atos da Comissão Revisora, só conheço dois julgados: um muito anterior ao de 5 de agosto; se me

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Ministro Carlos Maximiliano

não engano, o Sr. Ministro Costa Manso foi o Relator, ou apresentou um dos votos longamente fundamentados; e o de 5 de agosto em que a decisão foi uniforme. Não vale a pena, por conseguinte, repetir os argumentos, inclusive os meus, sobre-tudo quando o meu parecer foi publicado, em três jornais, no dia seguinte.

Indefiro o pedido porque a hipótese não é idêntica às anteriores. Além disso, jamais alguém reconheceu força decisória nos pareceres formulados pela Comissão Revisora.

A franqueza e os modos simples e diretos do Ministro Carlos Maximiliano ficam muito bem identificados no MS 306/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly, impetrado por Manoel Cardoso Nunes e julgado no dia 11 de novembro de 1936. Discutia-se incompetência de parte e de juízo. Para Maximiliano, à Corte cabia, nesse tipo de caso, apenas observar que era incompetente: a parte é que deveria pesquisar qual o juízo competente para a causa que patrocinasse:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, diariamente,

estamos, nesta Corte, repelindo, in limine, mandados de segurança e habeas corpus quando a parte é incompetente. Ora, o caso presente não é previsto em lei nem na Constituição.

Concordo, por conseguinte, com o eminente Ministro Relator: a parte que se dirija ao juiz competente.

Quanto à questão de declarar qual o magistrado competente, nada temos com ela. Basta dizer não sermos nós competentes. À parte mesma é que incum-birá, pelo estudo do caso, verificar a que juiz se deve dirigir.

No MS 309/DF, relatado pelo Ministro Hermenegildo de Barros, impe-trado por Luiz Marianno de Barros Fournier e julgado em 31 de janeiro de 1937, Carlos Maximiliano confeccionou voto em que discutiu o termo a quo para a contagem do prazo do mandado de segurança, isto é, se o prazo seria contado do momento em que o interessado se dirigia ao governo, protestando por um direito, ou do instante em que as autoridades negassem a providência pretendida:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, temos de consi-derar, em primeiro lugar, se está perempto o direito que tem a parte de requerer o mandado de segurança. Parece-me que não está.

Não se trata — como bem informou o Sr. Ministro Relator e se deduz da exposição impressa, que recebi, e do discurso do ilustre advogado — de ato positivo, mas negativo, do Governo, recusando-se a tomar uma providência. Ora, não julgo razoável que se comece a contar o prazo para perempção do direito, do momento em que o indivíduo se dirige ao Governo, pedindo o cum-primento de uma sentença. O requerente pediu o mandado não por causa deste requerimento, mas porque não conseguiu solução alguma, nem positiva, nem negativa. Sendo a prescrição de direito estrito e regendo-se a perempção pelas mesmas regras, não existe meio algum de contar os 120 dias. Não considero, pois, perempto o direito.

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Em segundo lugar, temo o seguinte: se o indivíduo não obtém o man-dado, ir-se-ia, em conseqüência, encaminhá-lo às vias ordinárias? Seria o mesmo que mandá-lo ao Bispo...

Passada em julgado uma sentença, o Governo, nobremente, a cumpriu, mandado pagar uma soma vultosa, para a qual, naturalmente, pediu o crédito necessário ao Legislativo. Depois dirigiu-se ao Consultor-Geral da República, a fim de que este promovesse ação rescisória.

Que pede, porém, atualmente, a parte? Solicita ela o seguinte: o Governo cumpriu a sentença, em parte; depois o requerente pediu, simplesmente, fosse incluído na folha mensal de pagamento, a fim de receber os vencimentos anterio-res, acrescidos da quantia que a sentença mandou pagar. Recusam-se, todavia, a incluí-lo na folha!

Se o Sr. Ministro da Guerra tivesse dado a informação, que a palavra sempre eloqüente e criteriosa do Sr. Procurador-Geral deu, quando disse que a Fazenda não sofre penhora, de modo que, havendo direito novo a atender, é necessário pedir ao Congresso a concessão de verba; se S. Exa. tivesse decla-rado que se ia dirigir ao Legislativo, solicitando a inclusão, no orçamento, do necessário crédito, estaria tudo muito bem. S. Exa., porém, não deu resposta alguma, limitando-se, na informação do Sr. Relator, a dizer que o Presidente agirá como melhor lhe parecer.

Evidentemente, já que não deu motivo algum, o Governo não incluiu o impetrante na folha por não querer fazê-lo, visto como isso lhe era fácil, tendo sido o Orçamento votado depois de agosto, época de que data a causa. Se o impetrante reclamasse, agora, esse dinheiro, negar-lhe-ia o mandado. Pede, porém, só para ser incluído em folha.

Ora, já está estabelecido, por sentença, que ele deverá receber a diferença en-tre os vencimentos do posto que tinha, antes de propor a ação, e os que, agora, tem.

Iremos, portanto, encaminhá-lo à justiça comum, aos recursos ordiná-rios? Há, evidentemente, denegação de justiça. Assim, não há outro meio para fazer respeitar o seu direito, que o mandado de segurança.

Aliás, o Governo não nega nem afirma. O Procurador-Geral, entretanto, fala em propor uma ação rescisória. Ora, o prazo para a propositura dessa ação é de cinco anos. Considerando-se que a demora de julgamento em ações ordiná-rias é de dez anos, até a última instância haveria um lapso de quinze anos.

A ação rescisória, é sabido, não tem efeito suspensivo. Como pode o Governo, pois, alegar que não incluiu o nome do funcionário da lista de paga-mento, porque a vai propor? Se tivesse alegado que não pagava por falta de verba, o caso seria muito diferente.

Nessas condições, concedo a ordem.É o meu voto.

No MS 334/DF, relatado pelo Ministro Costa Manso, requerido pelo Dr. Nero de Macedo Junior, julgado em 25 de novembro de 1936, Carlos Maximiliano montou voto curtíssimo, mas muito bem engendrado, relativo ao problema da competência do Presidente da Corte, em se tratando de alegação de inconstitucionalidade.

O postulante havia requerido ao Desembargador Presidente da Corte de Apelação do Distrito Federal inscrição em concurso aberto para preenchimento

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Ministro Carlos Maximiliano

de vaga em cargo de pretor, que então compunha a estrutura judiciária do Distrito Federal. Declarou que tinha 23 anos, e o limite mínimo para o o cupante da vaga era fixado em 25 anos. Indeferiu-se o pedido, por força da idade do requerente, que ainda não contava com 25 anos. Contra esse ato é que o man-dado de segurança foi ajuizado. Depois de distribuído, o pedido foi liminar-mente indeferido pelo Relator, em face de incompetência da Corte Suprema, que somente poderia apreciar originariamente mandados de segurança contra o Presidente da República e Ministros de Estado.

O requerente agravou do despacho em petição reputada pelo Relator como não fundamentada. Inferiu-se que o interessado fixava a competência da Corte Suprema porquanto argüia a inconstitucionalidade da lei que fixava a idade de 25 anos para o exercício do cargo de pretor (Lei 256, de 28 de setembro de 1936). O Ministro Costa Manso afirmou em seu voto que a Corte Suprema, “de acordo com elementaríssimos princípios de direito, não poderia se pronun-ciar, em tese, sobre a inconstitucionalidade de leis ou regulamentos”.

O Ministro Relator argumentou que o perigo que o interessado invocava era um perigo remoto, que não se traduzia em ameaça direta do direito do peti-cionário, e que ameaçava, em tese, qualquer pessoa que pretendesse concorrer para o cargo e que também não contasse com 25 anos.

Carlos Maximiliano engendrou voto minimalista e inteligentíssimo, observando que, se o problema de ordem constitucional era de competência do Presidente da Corte Suprema, e se esse já havia se manifestado, não havia mais o que ser dito:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: As alegações de inconstitucionali-dade podem ser procedentes ou não; de qualquer maneira, têm de caber dentro do pedido.

O Sr. Ministro Costa Manso: É o que digo.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Ora, se, de um lado, a razão consti-

tucional é o fundamento do pedido, a autoridade coatora é o Presidente da Corte.De fato, o requerente diz que o Presidente da Corte já atentou e está

na iminência de atentar contra um direito seu. Se assim é, temos de dizer que somos incompetentes.

Nestas condições, nego provimento ao agravo, para confirmar o despa-cho agravado.

É o meu voto.

No RMS 336/DF, relatado pelo Ministro Ataulpho de Paiva, impetrado por Roberto Alexandre Hashett e julgado em 6 de janeiro de 1937, Carlos Maximiliano elaborou voto no qual discorreu sobre a natureza do mandado de segurança, no sentido da possibilidade (ou não) da renovação do pedido. Explicitou que o mandado de segurança não era mais do que uma ação cível, embora de rito célere e especialíssimo.

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O impetrante era auditor da 8ª Circunscrição Judiciária Militar, que fora extinta; atuava como adido junto à 1ª Região Militar. Insurgia-se contra ato do Presidente do Supremo Tribunal Militar, invocando que não fora nomeado substituto de auditor corregedor, em virtude da nomeação de outro interessado, o que ofendia direito seu.

O mandado de segurança fora proposto no Supremo Tribunal Militar. Pretendia o impetrante ser aproveitado nas auditorias dependentes do Ministério da Guerra, e invocava capacidade e competência do Supremo Tribunal Militar para correção do ato. O Supremo Tribunal Militar não tomou conhecimento do pedido. Alegou-se incompetência.

Lê-se no acórdão originário que o Supremo Tribunal Militar decidira que, “nem na Constituição Federal, nem na lei ordinária, está atribuída ao Supremo Tribunal Militar competência para o reconhecimento de direitos por meio de mandado de segurança”. É nesse núcleo conceitual que o problema se revela: poderia o Supremo Tribunal Militar apreciar mandados de segurança? Em face da negativa daquele Tribunal, o interessado levou a questão à Corte Suprema.

O impetrante alegava que o Supremo Tribunal Militar era órgão do Judiciário, que a Justiça Militar era alcançada pela legislação do habeas corpus, e que não havia palavras supérfluas na lei: “in legibus nullum verbum superflum est.” O Procurador-Geral da República enviara ofício ao Presidente do Supremo Tribunal Militar, invocando que a insurgência se dava contra ato de administra-ção, e não contra ato judiciário. E que o Supremo Tribunal Militar era, “irrecu-savelmente”, um tribunal federal, “isto é, instituído pela União e com jurisdição em todo território nacional”.

Carlos Maximiliano via a questão sob outra ótica. Entendia que o man-dado de segurança era uma ação cível e que ações cíveis não podiam ser propos-tas junto a tribunais militares:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, estou, mais ou menos, de acordo com o Sr. Relator, mas não vou tão longe como S. Exa., dizendo que não examina o caso, porque me parece que, para negar o recurso, teria que o examinar.

Quando tratamos de decidir se o mandado de segurança poderia ou não ser renovado, estabelecemos que ele não é mais que uma ação cível, embora de rito muito rápido, especialíssimo. Ora, não se propõem ações cíveis no Supremo Tribunal Militar, seja contra quem for. Eis a razão por que não entro no mérito da questão — aliás, o Sr. Ministro Carvalho Mourão vai ainda mais longe, entroncando os mandados de segurança nos interditos romanos. De qualquer forma, trata-se de ações cíveis, que não se propõem no foro militar.

Não se diga que o recorrente ficará sem justiça. De fato terá o recurso das ações sumárias especiais, como se fazia antigamente, ao tempo em que não havia ainda o mandado de segurança.

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Ministro Carlos Maximiliano

Por conseguinte, entendendo que mandados de segurança não podem ser propostos no foro militar, chego à mesma conclusão que o ilustre Relator.

No MS 432/DF, relatado pelo Ministro Costa Manso, impetrado por Silva Ferreira e julgado em 20 de outubro de 1937, discutiu-se mais uma vez questão referente ao regime de matrícula na Escola Militar. Carlos Maximiliano explicitou em seu voto percepção de direito adquirido tonificada pela realidade dos fatos então apreciados:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, quando exa-minamos este caso, aqui, a primeira vez, tomamos, como base do pedido, um direito adquirido. Tenho sempre sustentado doutrina contrária e esta prevaleceu de maneira que eu agora não podia deixar de mantê-la. O aluno que se matri-cula num colégio não tem, só por isso, o direito de seguir até o fim o seu curso de acordo com a lei vigente na época da matrícula. Se fosse este o fundamento do pedido, não o examinaria mais: reportar-me-ia a pareceres e votos anterio-res sobre este e outros assuntos semelhantes. Para mim, porém, existem, neste momento, vários fatos novos.

Em primeiro lugar, levanta o Sr. Ministro Relator a questão de que um ato do Governo, dispondo sobre as matrículas no Colégio Militar, dispensou a aplicação do regulamento em 1933. Esta matéria não foi ainda apreciada.

Parece, pelo que ouvi expor o ilustre advogado dos impetrantes e o Sr. Ministro Relator, que há uma série de regulamentos, avisos, etc., como sem-pre acontece em assuntos militares, uns atrapalhando e dificultando o entendi-mento e aplicação dos outros.

Passo a examinar, porém, antes de resolver definitivamente os fatos acima apontados, dois outros aspectos posteriores, para mim da maior gravidade.

Quando os alunos, requerentes do primeiro mandado, alegaram direito adquirido, tiveram vitória na primeira instância. Havendo recurso para esta Corte, o mandado de segurança foi cassado e o Sr. Ministro da Guerra não cumpriu a decisão da Corte, que mandava cassar o mandado, alegando que os rapazes já se haviam matriculado na Escola Militar e não lhe era mais possível cancelar essa matrícula. Em conseqüência dessa resolução do Ministro, ficaram estes moços em situação privilegiada sobre todos os que, em igualdade de con-dições, tinham vindo ao Judiciário: foram repelidos, mas a derrota para eles se transformou em vitória.

Depois desse fato, isto é, na minha ausência, esta Corte resolveu, por maioria absoluta, segundo me parece, que alguns moços deviam ser matricula-dos na Escola Militar.

É verdade que os tribunais só decidem em espécie e uma decisão não irradia o seu efeito para todos os casos similares, de maneira que obrigue o Executivo a cumprir, em favor de outros indivíduos, que não obtiveram sentença, o arresto que deu vitória a algum impetrante. Em virtude, porém, do princípio da harmonia dos poderes, sempre que os tribunais decidem uma tese de direito, definitivamente — como é de supor que o fazem sempre que decidem por maio-ria absoluta —, o Poder Executivo e o Legislativo imediatamente se conformam, não só com a sentença — que não se pode discutir —, mas com o espírito e a doutrina desta sentença. Do contrário, quase que não valia a pena pleitear a inconstitucionalidade de uma lei ou de um decreto, desde que só determinados

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indivíduos — impetrantes, autores, réus, solicitantes, etc. — seriam alcançados pela decisão. Tal não se dá em virtude do referido princípio da harmonia dos poderes. Desde que o Tribunal, por maioria absoluta de seus membros, decide um caso, o Governo deve estender essa deliberação a todos os casos semelhantes.

A espécie em estudo é de eqüidade evidente. Cumpre acentuar, até, que se deu um fato mais grave: o Ministro não quis, quando o Tribunal negou o mandado, cumprir o julgado e deixou os rapazes matriculados; posteriormente, quando o Tribunal concedeu o mandado, não permitiu que os rapazes se matriculassem.

Isso influi, forte e decididamente, no meu espírito, para compelir os outros Poderes, sobretudo o Poder que dispõe da força, a obedecer e atender às nossas decisões e deliberações frias, serenas e soberanas.

Bastava esse aspecto do caso para conceder o mandado e, parece-me, não vale a pena examinar os outros fundamentos: concedo o mandado de segurança.

No MS 452/DF, relatado pelo Ministro Costa Manso, requerido por Urbano Burlier Filho e julgado em 8 de outubro de 1937, Carlos Maximiliano expôs sua visão referente a problema gravíssimo de Direito Administrativo, e relativo à inamovibilidade de servidor público.

O requerente, escrevente, letra F, quadro I, do Ministério da Guerra, pre-tendia invalidar ato daquele ministério, que o transferiu da Diretoria da Aviação para o Quartel General da 2ª Divisão de Cavalaria, em Alegrete, no Rio Grande do Sul.

Carlos Maximiliano percebera que a remoção de servidor, especialmente em âmbito militar, poderia qualificar eventual castigo. No entanto, ponderou, a situação não se apresentava assim do ponto de vista regimental, e era nesse sentido legalista que deveria de ser encarada:

VOTO O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, adoto a argu-

mentação feita pelo Sr. Ministro Relator, com quem estou de acordo. Faço, porém, uma inversão na ordem.

Entendo que, não sendo inamovível o funcionário em questão, podia o Ministro mandá-lo para o lugar onde julgasse serem os seus serviços mais convenientes.

Bem sei que, quando um oficial procede de maneira desagradável para os seus superiores, quando vem com representações, etc., é removido, precisamente como um castigo; porém, regimental e legalmente, não se pode considerar como tal. É, até, pelo fato de não haver recurso que a autoridade faz estas remoções.

Nestas condições, exatamente por não constituir a remoção de um fun-cionário, que não é inamovível e que deve ser colocado onde convier ao serviço, um castigo disciplinar, é que a preliminar não procede.

Devemos, portanto, tomar conhecimento do pedido para o indeferir.

Matéria administrativa também foi objeto do MS 453/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly, impetrado por Carlos Eugenio Chauvin e julgado em 8 de outubro de 1937. Tratava-se de servidor extranumerário, que não detinha

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Ministro Carlos Maximiliano

estabilidade e, tendo perdido função por meio de decreto do Governo Provisório, invocava o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias à Constituição de 1934 para obter provimento do pedido de recondução.

O impetrante era engenheiro, major da 2ª linha, e não admitia que per-desse função de topógrafo auxiliar da Inspetoria Especial de Fronteiras, em que fora investido em 29 de maio de 1934. Argumentava que o referido serviço era de caráter militar, e que o desempenho da função era prerrogativa de oficiais disponíveis da ativa ou da reserva.

O impetrante também alegava que havia prestado serviços de 1890 a 1899, junto ao antigo Ministério da Viação. Fora também subchefe da Delegacia do Departamento do Exército, de 1918 a 1921. Em 1936 fora chamado pelo Ministro da Guerra para ir até o Rio de Janeiro, e que fora surpreendido por publicação no Boletim do Exército, que dispunha que comandantes e chefes de serviço deve-riam exigir dos oficiais de reserva designados para o exercício de emprego no Ministério confecção e encaminhamento de declaração expressa, dando conta de que recebiam tão-somente a remuneração prevista no orçamento.

Por força dessa disposição o impetrante enviara um memorial a uma Comissão de Eficiência que havia no Exército. Não se deu prosseguimento ao pedido, alegando-se que um aviso do Ministro da Fazenda arbitrava os ven-cimentos do impetrante. Concomitantemente, este fora deslocado no quadro de carreira, sendo remanejado para as funções de contratado extranumerário. Assim, entendia que fora dispensado e que a dispensa era ilegal, por violar o estatuto que regia a matéria.

O que se constatou foi que o impetrante não conseguira demonstrar que era titular de cargo efetivo na administração federal. Como oficial do Exército, fora tão-somente designado para servir na Comissão de Fronteiras, onde perma-necera por muito tempo, como se lê no voto do Ministro Relator.

Nas informações prestadas pela autoridade coatora, adiantou-se que o impetrante fora contratado para o exercício de determinadas funções e não era membro do quadro de funcionários efetivos. Poderia, portanto, ser dispensado discricionariamente.

Nos termos do curtíssimo voto de Carlos Maximiliano, que inverteu a lógica do impetrante:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, estou de acordo com o Sr. Ministro Relator. Trata-se, no caso, de funcionário extranumerário, cujo lugar podia ser suprimido a qualquer momento.

O requerente invoca o art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição. Esse artigo, porém, não garante coisa alguma ao indivíduo; pelo contrário, garante o Governo contra a ação do indivíduo. É essa, exatamente, a

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Memória Jurisprudencial

finalidade desse dispositivo: garantir o Governo contra a ação dos prejudicados pelos seus possíveis erros.

Nestas condições, nego a ordem requerida.

No MS 463/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly, impetrado pela União dos Sindicatos dos Proletários de Belém, do Estado do Pará, e julgado em 20 de outubro de 1937, Carlos Maximiliano insistia na necessidade de demons-tração imediata, por parte do impetrante, de direito líquido, certo e incontestável:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, preliminarmente,

tomo conhecimento do mandado de segurança. Acho que a alegação do Mi- nistro não se refere, especialmente, ao atual estado de guerra.

Quanto ao fato em si, porém, acho que a lei invocada é duvidosa, quando declara que, dos atos da Diretoria e da Assembléia Geral, há recurso para a auto-ridade competente.

O ilustre advogado, que patrocina a causa, entende que a “autoridade competente” é o Poder Judiciário. Não me parece seja este o espírito da lei, porque, existindo sempre o recurso para o Judiciário, em virtude da própria Constituição, desnecessário se torna que venha ele declarado em um simples decreto. O decreto em questão está, portanto, omisso; não declara qual é a auto-ridade que receberá o recurso; diz, simplesmente, que “haverá recurso para a autoridade competente.” Destes termos decorre que o direito não é tão claro assim e, desde que está em dúvida qual é a autoridade referida no decreto, não é, absolutamente, líquido o direito.

Como se trata de mandado de segurança e não de uma ação comum, acho que o direito não é líquido, certo e incontestável; e, por essa razão, nego o mandado.

Carlos Maximiliano era implacável para com os requisitos exigidos pela lei do mandado de segurança, a exemplo da correta fixação do prazo de deca-dência. É o que se vê no MS 471/SP, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo, impetrado por Gastão de Araujo Jordão e julgado em 13 de outubro de 1937, no qual se discutia demissão do cargo de Procurador da República:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O requerente alega que foi, irregu-

larmente, demitido do cargo de Procurador da República. Quanto a essa parte, o Sr. Ministro Relator já deu a solução.

De resto, o direito de reclamar contra o fato está prescrito, porque, segundo a lei que regula o mandado de segurança, todos deviam apresentar suas reclamações, contra atos anteriores, dentro dos 120 dias subseqüentes à sua promulgação.

O requerente baseia-se, primeiramente, em que tem parecer favorável da Comissão Revisora. Parece-me que até este fundamento lhe falta.

Na verdade, se a Comissão foi além do pedido, isto ao réu nada pode valer. O que o requerente pediu foi a reintegração no cargo de Consultor Jurídico da Delegacia Fiscal, pedido a que se devia ater a Comissão.

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Ministro Carlos Maximiliano

Demais, como muito bem disse o Sr. Ministro Relator, as decisões da Comissão não são compulsórias, mas meramente informativas, podendo o Governo dar-lhes ou não atenção.

Invoca o requerente, ainda, a lei que restabeleceu a Vara de São Paulo, lei cujo texto, um tanto ambíguo, parece indicar que o Governo deveria aproveitar o procurador que já estava na Vara. Aliás, a lei não diz isso duramente; entretanto, mesmo que assim dissesse, não lhe obedeceria porque a consideraria inconsti-tucional, uma vez que o são — conforme já até afirmei em livro — todas as leis que obrigam o Executivo a nomear um determinado indivíduo, porque o direito de nomear é do Executivo. A lei pode estabelecer as regras, as condições para obtenção do cargo; não é, porém, possível tirar, integralmente, absolutamente, ao Executivo o direito de escolha.

Por todas estas razões, acompanho o Sr. Ministro Relator, indeferindo o pedido.

Carlos Maximiliano partia da premissa de que as informações presta-das pela autoridade coatora qualificavam, em princípio, interpretação realista e ortodoxa da questão discutida. É a conclusão que se tira da leitura de seu voto, confeccionado para o MS 473/DF, relatado pelo Ministro Ataulpho de Paiva, requerido por Paulo Cesar de Aranha Hoppe e julgado em 22 de outubro de 1937:

VOTO O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a primeira parte

da petição levar-me-ia à mesma conclusão a que chegou o Sr. Ministro Relator; a segunda, entretanto, me faz repelir a preliminar.

O requerente alega que foi afastado da comissão em que se encontrava e proibido de voar, porque era suspeito de atividades comunistas, fato que lhe foi comunicado pelo comandante da Base Naval em que serviu. Em seguida, porém, essa proibição foi revogada e ele ficou, apenas, afastado da comissão. O pedido, portanto, ficou prejudicado quanto à parte de poder continuar a voar, pois é ele mesmo quem declara que essa proibição cessou.

Devia, então, guiar-me pelas informações do Governo — que é por onde nos guiamos —, para não tomar conhecimento do pedido. Ora, o Ministério não diz que o requerente foi afastado da comissão por ser comunista; mas sim que ele, Ministro, tem o direito de indicar esta ou aquela pessoa para de ter mi-na da comissão.

Tal afirmação exclui a certeza, pelo menos, de que o requerente foi afas-tado por ser comunista. Ao contrário, foi reintegrado nas fileiras, conforme ele próprio declara.

Nestas condições, tomo conhecimento do pedido, mas nego o mandado pela segunda razão dada pelo Sr. Ministro Relator, que é, aliás, a única que figura na informação do Governo, ou seja, a de caber a este o direito de escolher os oficiais para o exercício de comissões de caráter administrativo-militar.

Carlos Maximiliano separava objetivamente o campo do habeas corpus do núcleo do mandado de segurança. É o que se percebe no curtíssimo voto elaborado para o MS 527/AC, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo, impe-

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Memória Jurisprudencial

trado por Nilo Bezerra de Oliveira e julgado em 27 de julho de 1939, portanto já no Estado Novo:

VOTO O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o Sr. Ministro

Relator informa tratar-se de multa criminal, cobrada executivamente, com pressa, com irregularidade; informa, ainda, que, a propósito disto, há pedido de habeas corpus, de que é Relator o Sr. Ministro Plínio Casado.

Nestas condições, acredito resolvermos a questão, dentro da lei, no habeas corpus; que é o meio hábil no caso.

Por conseguinte, voto pela incompetência do Supremo Tribunal.

No MS 235/SP, julgado em 17 de julho de 1936, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e que subiu à Corte Suprema em grau de recurso, concluiu-se que não se devia tomar conhecimento do pedido de mandado de segurança, quando a parte dispusesse de recurso administrativo com efeito suspensivo. Os limites da questão estão indicados no relatório do Ministro Carvalho Mourão:

O Sr. Ministro Carvalho Mourão (Relator): Senhor Presidente, o impe-trante alega ser licenciado em São Paulo para exercer a profissão de arquiteto por força da Lei 2.822, de 1924, confirmada pelo Decreto Federal 23.569, de 1933, que veio regular o exercício da engenharia no país. Todavia, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura baixou, depois, resolução (de n. 1) esta-belecendo, no art. 2º, restrições de ordem técnica.

Aí se declara que a profissão de arquiteto se limita, na construção de edi-fícios, a obras que não exijam cálculos de estabilidade e resistência.

O requerente considera certo e incontestável o seu direito e, por conse-guinte, ilegal a resolução do Conselho, pede o presente mandado de segurança a fim de que possa exercer sem restrições a sua profissão, encarregando-se da construção de edifícios e obras complementares, ainda que exijam cálculos de resistência e de estabilidade.

O MM. Juiz Federal, apreciando o pedido, levantou duas preliminares: a primeira consistente em que se não deve tomar conhecimento do pedido, porque são decorridos mais de 120 dias, contados do ato que o recorrente con-sidera lesão, ou ameaça de lesão, de seu direito; a segunda em que do ato do coator cabe recurso suspensivo, independentemente de caução, fiança ou depó-sito. Desprezando as preliminares, o juiz concedeu o mandado e recorreu ex officio. Também recorreram o Conselho de Engenharia e o Dr. Procurador da República. Ambos arrazoaram os seus recursos. Nesta instância superior, man-dei dar vista ao Dr. Procurador-Geral, que se reportou a um outro parecer que dera em mandado de que foi Relator nosso eminente colega, Sr. Ministro Laudo de Camargo, e que, segundo S. Exa. afirmara, é absolutamente idêntico ao atual.

É o relatório.

Carlos Maximiliano entendia que, na pendência ou na possibilidade de recurso, não se poderia manejar o mandado de segurança:

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, estou de acordo

com as conclusões do Sr. Ministro Costa Manso, embora, nos fundamentos de seu voto, me pareça S. Exa. haver incorrido em contradição com o voto anterior.

Em caso de que tratamos há tempo, a lei era do Governo Provisório.Agora, trata-se de provimento de comissão pelo Governo; é ato do qual

cabe recurso, com efeito suspensivo.Assim sendo, já que determinava a lei sobre mandado de segurança que

este não cabe enquanto houver recurso, com efeito suspensivo, para instâncias administrativas superiores, dou provimento ao recurso. Casso o mandado por não terem sido esgotados os recursos administrativos.

O Ministro Laudo de Camargo lembrou em plenário que de ato de Conselho Regional caberia recurso para instância superior, dotado de efeito sus-pensivo. Por isso, somente depois do julgamento do caso, em âmbito adminis-trativo, é que o ato guerreado tornar-se-ia definitivo, admitindo-se, só a partir daí, o uso do mandado de segurança.

A pendência do recurso administrativo obstaculizando o mandado de segurança também foi discutida no RMS 543/PE, julgado em 25 de outubro de 1938, relatado pelo Ministro José Linhares, em que o recorrente era o Instituto do Açúcar e do Álcool e o recorrido Antonio xavier de Andrade. Nos termos do singelo — porém preciso — voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a lei, quando proíbe que a parte impetre o mandado de segurança, havendo recurso admi-nistrativo, declara que é só quando o recurso tiver efeito suspensivo e este deve estar declarado em lei.

A parte fica entre as duas pontas do dilema: ou o recurso é devido contra o ato do delegado do Instituto de Álcool de Pernambuco — neste caso, passou o prazo porque do ato teve conhecimento há mais de 120 dias —, ou, ao contrá-rio, não é contra esse ato, mas sim contra o Instituto em pessoa, porque ele quer contar o prazo não do ato que ele praticou, mas do ato posterior. Provavelmente, neste segundo caso, o recurso devia ter sido interposto na capital da República. Das duas uma: ou ele pede contra o ato do delegado exclusivamente — nesse caso, passaram-se os 120 dias da lei —, ou pede contra o Instituto em conjunto, e o Delegado não está mais em caso.

Por um motivo ou por outro, não pode prevalecer o processo.Dou provimento ao recurso para cassar o mandado.

O modelo de funcionalidade do mandado de segurança firmava-se nesse conjunto de julgados da Corte Suprema, na segunda metade da década de 1930. No RMS 238/DF, cujos recorridos eram Ícaro Garcia e Luiz Gastão Lessa Bastos, na relatoria de Octavio Kelly, acentuou-se que não se poderia conceder mandado de segurança, nem a quem tivesse direito ao que pedia, se o direito invocado fosse controvertido, não certo, incontrastável, e, acima de tudo, razo-ável, como se colhe na ementa do aludido julgado.

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Memória Jurisprudencial

Os impetrantes do mandado de segurança haviam concluído o 6º ano do Colégio Militar do Rio, sob regime de decreto que fora alterado e em seguida lhes fora impedido o ingresso na Escola Militar, por entender o Chefe do Estado Maior do Exército que um novo decreto era aplicável, e que seria necessário um exame vestibular, em face da nova legislação e em decorrência das médias obtidas pelos impetrantes. Levaram a liminar e a decisão de primeira instância, razão do apelo, dirigido pela União, à Corte Suprema. Houve informação de que a ordem fora cumprida, no sentido de que se matriculassem os interessados, pelo que, nos termos de passagem do Relator, o pedido estava prejudicado.

O Procurador-Geral da República juntou explicação, dando conta de que fora informado que o Ministro da Guerra não apenas cumprira a decisão de pri-meira instância, em relação aos recorridos, como também determinara que se estendesse o conteúdo da decisão a todos quantos estivessem na mesma situação.

A situação não convenceu a Carlos Maximiliano, que não vislumbrou direito certo e incontestável em favor dos recorridos, bem como não admitiu a decisão de primeira instância, cassando-a:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, do processo

infiro que há longo debate entre o Gabinete do Sr. Ministro da Guerra e o Estado Maior do Exército.

No Exército Brasileiro, como no de todos os povos cultos, existe essa cor-poração, composta de oficiais de grande preparo, talvez os mais adestrados da tropa, que opinam, exatamente, sobre os casos mais difíceis, quer propriamente militares, quer regulamentares. No labirinto formidável, que constitui a legisla-ção militar do Brasil, não há autoridade mais competente do que o Estado Maior.

Entretanto, no caso presente, há divergência, como se vê, entre o Gabinete e o Estado Maior. Ora, diante desse contraste, argumentos contrários sendo apresentados de parte a parte, não encontro, no impetrante, direito certo e incontestável.

Também não posso concordar em julgar prejudicado o pedido.Quanto ao fato de o Sr. Ministro da Guerra ter mandado cumprir a sen-

tença, S. Exa. não fez mais do que a sua obrigação. Fez cumprir porque assim estava obrigado, por lei. De fato, diz o art. 10 da Lei 191:

Recebendo cópia da sentença, o representante da pessoa jurídica de direito público, sob pena de responsabilidade, ou no caso do art. 1º, parágrafo único, dará, imediatamente, as providências necessárias para cumprir a decisão judiciária.Por outro lado, do mandado de segurança não há recurso suspensivo. Assim,

cabendo ao Sr. Ministro da Guerra, no caso, fazer cumprir a sentença, S. Exa. disto se executou. Fez o que devia. Não quer dizer que se submeteu. Pelo contrário, pois o órgão do Governo junto ao Judiciário, o Sr. Procurador-Geral, recorreu da sen-tença; assim, não houve conformidade, como se quer dar a entender — pois, sim-plesmente, o que houve foi pura obediência à lei que regula o mandado.

Por tudo isso, não julgando prejudicado o pedido, dou provimento para o recurso, para mandar cassar o mandado de segurança.

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Ministro Carlos Maximiliano

As linhas gerais do mandado de segurança, especialmente no que se refe-ria à competência da Justiça Federal, foram também discutidas no RMS 254/SP, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e que tinha como recorrente a firma A. Ribeiro & Cia. Ltda. e como recorridas a Fazenda do Estado de São Paulo e a União Federal. A questão foi julgada em 1º de julho de 1936.

A matéria era de fundo tributário. O Estado de São Paulo vinha exigindo dos impetrantes imposto incidente sobre vendas mercantis, com base em lei estadual, a partir do exercício de 1936. Até 1935, o tributo era de competência federal. O impetrante alegava que houvera majoração, de cerca de 20%, quando da mudança de competência, de federal para estadual, de 1935 para 1936, no cumprimento de disposição da Constituição de 1934.

O Procurador Fiscal do Estado de São Paulo contestou a demanda, mediante informações, alegando que o direito do interessado, “de pagar imposto sobre rendas e consignação mediante tarifa menor do que a fixada na lei esta-dual”, não se mostrava certo e incontestável, bem como o impedimento ao seu exercício decorria de ato ilegal ou manifestadamente inconstitucional.

Invocou também que, ao fixar o novo modelo, inclusive com novas alí-quotas, teria o Estado de São Paulo praticado ato de sua atribuição, nos estritos moldes da letra e do inciso I do art. 8º da Constituição de 1934. Argumentava também que as modalidades tributárias discutidas não eram exatamente as mes-mas. Isto é, o imposto estadual sobre vendas e consignações, de competência estadual, não era o mesmo imposto federal que no pretérito incidia sobre as vendas mercantis.

O Procurador da República foi ouvido. Opinou pela incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o pedido, por força do disposto na letra h do art. 81 da Constituição Federal, “pois que a impetrante se queixava de ame-aça de direito seu, certo e incontestável, por ato manifestadamente inconstitu-cional, praticado por autoridade estadual”.

O Juiz Federal que apreciou a questão julgou-se competente, vencendo a preliminar. No mérito, denegou o mandado, especialmente porque não se lhe afigurava evidente e manifesta a alegada inconstitucionalidade da lei paulista então impugnada. Seguiu então recurso para a Corte Suprema.

Como Procurador-Geral ad hoc, manifestou-se Themistocles Cavalcanti, para quem o recurso fora interposto fora do prazo legal. Além disso, para ele, a regra constitucional que fixava a competência deveria ser lida de modo res-trito, não se admitindo nenhuma ampliação; isto é, mandados de segurança, em âmbito de Justiça Federal, eram protocolados em face de autoridades federais. Não se tratava da hipótese, porquanto a autoridade coatora era do governo do Estado de São Paulo.

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Por fim, e no mérito, alegou que o direito pleiteado não era certo e incon-testável, nem era certa a inconstitucionalidade argüida. E remendou observando que “os debates doutrinários verificados naqueles autos sobre o ponto de vista da técnica jurídica como do ponto de vista da técnica tributária, quando não levassem a conclusão que se lhe afigurasse mais acertada, ainda assim levariam a dúvidas que tornariam incerto e incontestável o direito do recorrente”.

O Relator afastou todas as preliminares e decidiu que a competência era da Justiça local, e, portanto, não se estava em face de matéria de fundo federal. No mesmo sentido votou Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o primeiro man-dado de segurança discutido pela Corte Suprema colocava mais à margem a competência da Justiça Federal do que este.

Naquele, V. Exa. deve estar lembrado, alegava-se a inconstitucionalidade de uma lei federal — o Regulamento da Inspetoria de Veículos —, mas, apesar disso, prevaleceu a preliminar de não se tomar conhecimento, porque se tratava de ato do Chefe de Polícia, o que também era duvidoso, visto ser nomeado pelo Presidente da República, isto é, considerou-se que a autoridade contra a qual se pedia o mandado era local.

O caso em apreço só se ocupa de autoridades estaduais, indiscutivel-mente estaduais.

Havendo, nesse sentido, uma jurisprudência firmada há mais de dois anos, que já se tornou pacífica, concordo com o Sr. Ministro Relator em negar provimento, mas por outro fundamento, isto é, incompetência do juiz, que, aliás, examinou o mérito do caso.

Carlos Maximiliano voltava a apreciar matéria administrativa no RMS 256/DF, relatado pelo Ministro Costa Manso, impetrado por Hermínia da Con-ceição Silva e julgado em 10 de julho de 1936.

A impetrante inscrevera-se em concurso aberto pelo Ministério da Agricultura para o preenchimento de dez vagas de terceiro-oficial. Foi classi-ficada em 41º lugar. Constava do edital que o concurso seria válido pelo prazo de dois anos, contados da data da sua aprovação pelo Ministro da Fazenda, e os candidatos nele classificados do 11º lugar em diante seriam nomeados para as vagas de terceiro-escriturário das diretorias gerais técnicas. O concurso fora aprovado por ato de 20 de janeiro de 1934, e o prazo de validade, portanto, esgotar-se-ia em 20 de janeiro de 1936.

Ao longo desse prazo foram aproveitados os candidatos até o 40º classifi-cado. Para a impetrante corresponderia a próxima vaga. Nomeou-se, no entanto, no lugar da impetrante, o arquivista Silvio Nunes dos Santos. A requerente alegou que isso ofendia o art. 170, 2, da Constituição, que exigia concurso de provas ou de títulos para a primeira investidura nos postos de carreira das repar-tições administrativas. Segundo a impetrante, o arquivista não se submetera a concurso nem tinha direito a promoção.

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Ministro Carlos Maximiliano

O Ministro da Agricultura, nas informações prestadas, observou que o edital fixava que a nomeação (a partir do 11º colocado) seria para o cargo de terceiro-escriturário, e não para o cargo de terceiro-oficial, como pretendia a impetrante. Com base nessa informação, o Ministro Relator indeferiu o pedido da impetrante, de modo que se ementou como segue: “As condições do concurso aberto pelo Ministério da Agricultura para a nomeação de terceiros escriturá-rios não conferem aos candidatos o direito à nomeação de terceiros oficiais.”

Carlos Maximiliano seguiu a mesma linha, invocando que a interessada não tinha direito subjetivo à nomeação. O voto é curtíssimo, porém impressio-nantemente rico na dimensão que desenha, no que refere ao papel do Estado nos concursos públicos que organiza.

Senhor Presidente, julgo que o fato de ser aprovado em concurso não dá direito à nomeação pela ordem de classificação, embora isto seja de justiça. É regra de ética, mas não de direito. O Governo até pode anular o concurso, se não estiver de acordo com a classificação.

Por tudo isso, não acho que haja direito certo e incontestável. Assim, voto com o Relator.

À época, a Corte Suprema também sufragou entendimento no sentido de que nulo seria o mandado de segurança impetrado contra autoridade que não era coatora. Trata-se do RMS 308/MG, julgado em 25 de setembro de 1936, relatado por Carlos Maximiliano. O relatório dá os contornos da questão, e o voto, sintético, explicita a posição do Ministro aqui estudado:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Alega o jovem José Marcelino que

a lei federal sobre o ensino facultava aos ginasianos, já aprovados em mais de seis preparatórios, prestar exame dos que lhes faltassem conjuntamente com o exame vestibular. O impetrante tentou, em março de 1935, aproveitar-se dessa disposição, o que não foi possível, por achar-se fechado o curso de Química Industrial da Escola de Engenharia da Universidade de Minas Gerais. Reaberto o curso, entrou como ouvinte; porém, quando pretendeu, em março de 1936, submeter-se a exame dos preparatórios que lhe faltavam, foi-lhe respondido pela diretoria da escola haver a Diretoria-Geral da Educação do Ministério da Educação, em Aviso de 29 de dezembro de 1935, declarado ter deixado de vigo-rar em 1936 a concessão de que pretendia aproveitar-se o impetrante. Este achou estar sendo violado direito seu; pelo que requereu ao Juiz Federal de Minas Gerais mandado de segurança, dando como autoridade coatora o Diretor da Escola de Engenharia. Ouvido este, respondeu ter apenas cumprido ordem do Departamento-Geral da Educação, e estar pronto a atender ao suplicante, uma vez revogada a dita ordem. O Juiz, apesar do parecer favorável do Procurador da República, não tomou conhecimento do pedido, por ser autoridade coatora a Diretoria-Geral de Ensino, com sede na Capital da República e, portanto, ser competente o Juízo Federal do Distrito Federal. O Sr. Dr. Procurador-Geral opina ser competente o Juiz de Belo Horizonte.

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VOTOO ser a autoridade coatora a Diretoria-Geral da Educação é coisa que se

não infere somente da informação do Diretor da Escola, mas também se deduz da própria inicial. Logo, contra a mencionada Diretoria-Geral deveria ser diri-gido o mandado. Na verdade, só esta poderia informar em que se fundou para declarar não vigorante em 1936 a faculdade concedida em 1931. Como, pois, o processo foi intentado contra autoridade que não era a coatora, e a coatora não foi ouvida, está nulo, ab initio, todo o processado (Lei 191, de 16 de janeiro de 1936, arts. 7º e 8º).

Se considerássemos autoridade coatora a Diretoria da Escola, então, anu-laríamos o processo, por incompetência da Justiça Federal, visto ser estadual a Escola, e, portanto, autoridade local o Diretor.

Por todos estes motivos, nego provimento ao recurso.

O campo temático do mandado de segurança era similar ao que percebe-mos no modelo atual. Por exemplo, no RMS 2.880/RJ, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo, tendo por recorrente José Serpa de Carvalho e por recorrido o Procurador-Geral do Estado do Rio de Janeiro, discutia-se o regime de promo-ção do Ministério Público estadual, no que se refere a interesse do recorrente, então Promotor de 3ª Entrância na Comarca de Iguaçu.

Carlos Maximiliano deferiu o pedido, acolhendo a pretensão do recor-rente, invocando direito adquirido, da forma que segue:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a disposição da

Constituição estadual, que dá poderes ao procurador local para remover os pro-motores, não me parece violadora da Carta federal. Todavia, não há contradição alguma entre este texto de lei e o que pretende o impetrante invocar.

Alega o Dr. Procurador que, para remover um promotor de entrância infe-rior para superior, são necessárias certas qualidades, alguns requisitos. Ora, não é isso exigível, no caso presente, que é, manifestamente, de direito adquirido.

De fato, imaginemos o caso de funcionário que está fixo em determinado lugar. Posteriormente, a lei vem a criar certas condições para o acesso a este cargo. É fora de dúvida que essas condições só podem atingir aqueles nomeados ou promovidos depois da promulgação da lei.

Ora, segundo as informações prestadas pelo eminente Ministro Relator, creio que é esse o caso ocorrido no Estado do Rio, que está em debate.

Nestas condições, dou provimento ao recurso, para conceder a medida impetrada.

Percebe-se nas intervenções de Carlos Maximiliano importante papel na fixação dos contornos do mandado de segurança no direito brasileiro. A relação entre o mandado de segurança e o papel do Poder Judiciário no que se refere a questões políticas, o papel do mandado de segurança nas discussões de maté-ria tributária, problemas de fixação de competência — originária ou recur-sal —, situações de servidores públicos, classificação em concurso, promoções,

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definição precisa e objetiva de direito líquido e incontestável, matéria criminal, limites entre mandado de segurança e habeas corpus, regulamento da Escola Naval, entre outros, são assuntos tratados nos mandados de segurança aqui indicados, nos quais se percebe a presença firme de Carlos Maximiliano, que, nesse sentido, exerce papel central na fixação dessa criação típica do direito bra-sileiro, que é o mandado de segurança.

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4. Habeas corpus

Carlos Maximiliano exerceu também muita influência na fixação da competência e do campo de atuação do habeas corpus. Especialmente, como se verá, miríade de assuntos foram discutidos, de modo que se tem um panorama da história do direito à época, especialmente sob a ótica das intervenções de Carlos Maximiliano como Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Na Corte Suprema, repudiou-se o uso do habeas corpus para discussão de matéria de fato. Isto é, firmou-se jurisprudência no sentido de que não se poderia usar do habeas para revisão de provas. Assuntos de feição mais pri-vada, bem como, e especialmente, temas de alto relevo político foram debatidos no Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, entre os vários temas debatidos em habeas corpus, discutiu-se pronúncia de menor, definição de atividade nociva, segurança nacional, estado de guerra, estado de sítio, ordem pública, terro-rismo, partidos políticos, atuação da Ação Integralista Brasileira e liberdade de expressão, entre tantos outros assuntos.

Do ponto de vista de registros históricos mais conhecidos, foram apre-ciados em habeas corpus o caso de Ernesto Gattai — pai da memorialista Zélia Gattai —, a expulsão de Olga Prestes — que esperava um filho de Luís Carlos Prestes —, bem como o famoso caso do deputado baiano João Mangabeira. Advogados de renome, como Sobral Pinto, atuaram intensamente no Supremo Tribunal Federal que Carlos Maximiliano conheceu.

Na Corte Suprema, definiram-se também as linhas gerais da doutrina das nulidades, tema procedimental relativo ao habeas corpus, em sua dimensão fática. Princípio da bagatela, expulsão de estrangeiros, extradição, controle de estrangeiros no território nacional, competência de magistrados para, de ofício, reverem as próprias decisões, crimes políticos, prescrição, competência da Jus-tiça Militar, federalismo (a partir do alcance de lei federal em todo o território nacional), competência do Tribunal do Júri, natureza da Constituição de 1937, Lei de Imprensa, crime de defloramento e ação penal privada, a par de questões de muita atualidade, a exemplo da discussão relativa à possibilidade ou não de o réu responder em liberdade, ainda que foragido, encontram-se entre os inúmeros temas discutidos no Supremo Tribunal Federal, ao longo dos anos em que Car-los Maximiliano foi Ministro da Corte Suprema. É do que se trata em seguida. Antes, no entanto, cabe fazer uma rápida contextualização do texto constitucio-nal de 1937, bem como da Lei de Segurança Nacional então vigente, porquanto ambos os textos dão os contornos históricos e normativos da época aqui estudada.

O texto constitucional de 1937, atribuído ao jurista Francisco Campos, em linhas gerais, dava conta de regime ditatorial. A hipertrofia do Executivo federal ficava clara em regra que apontava que o Governo federal interviria nos Estados,

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mediante a nomeação, pelo Presidente da República, de interventor, que assu-miria no Estado as funções que, pela sua Constituição, fossem de competência do Poder Executivo, ou as que, de acordo com as conveniências e necessidades de cada caso, lhe fossem atribuídas pelo Presidente da República para impedir invasão iminente de um país estrangeiro no território nacional, ou de um Estado em outro; para restabelecer a ordem gravemente alterada, nos casos em que o Estado não quisesse ou não pudesse fazê-lo; para administrar o Estado, quando, por qualquer motivo, um dos seus Poderes estivesse impedido de funcionar; para reorganizar as finanças do Estado que suspendesse, por mais de dois anos conse-cutivos, o serviço de sua dívida fundada, ou que, passado um ano do vencimento, não houvesse resgatado empréstimo contraído com a União; para assegurar a execução de princípios constitucionais, a exemplo da forma republicana e repre-sentativa de governo, do governo presidencial, dos direitos e garantias assegu-rados na Constituição; e para assegurar a execução das leis e sentenças federais.

O poder central plasmava-se na figura presidencial. A norma vigente determinava que o Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordenaria a atividade dos órgãos representativos de grau superior, dirigiria a política interna e externa, promoveria e orientaria a política legislativa de inte-resse nacional e superintenderia a administração do País.

Em âmbito de competência privativa, competia ao chefe da nação sancio-nar, promulgar e fazer publicar as leis e expedir decretos e regulamentos para a sua execução; expedir decretos-leis; manter relações com os Estados estran-geiros; celebrar convenções e tratados internacionais ad referendum do Poder Legislativo; exercer a chefia suprema das forças armadas da União, adminis-trando-as por intermédio dos órgãos do alto comando; decretar a mobilização das forças armadas; declarar a guerra, depois de autorizado pelo Poder Legislativo, e, independentemente de autorização, em caso de invasão ou agressão estran-geira, fazer a paz ad referendum do Poder Legislativo; permitir, após autorização do Poder Legislativo, a passagem de forças estrangeiras pelo território nacional; intervir nos Estados e neles executar a intervenção; decretar o estado de emer-gência e o estado de guerra; prover os cargos federais, salvo as exceções previs-tas na Constituição e nas leis; autorizar brasileiros a aceitar pensão, emprego ou comissão de governo estrangeiro; determinar que entrassem provisoriamente em execução, antes de aprovados pelo Parlamento, os tratados ou convenções internacionais, se a isso o aconselhassem os interesses do País; indicar candida-tos à própria sucessão; dissolver a Câmara dos Deputados; nomear Ministros de Estado; designar membros do Conselho Federal reservados à sua escolha; adiar, prorrogar e convocar o Parlamento, bem como exercer o direito de graça.

Disposições transitórias ao referido texto constitucional fortaleciam a autoridade presidencial. Indicavam, por exemplo, que, dentro do prazo de sessenta dias, a contar da data da Constituição, poderiam ser aposentados ou

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reformados, de acordo com a legislação em vigor, os funcionários civis e mili-tares cujo afastamento se impusesse, a juízo exclusivo do Governo, no interesse do serviço público ou por conveniência do regime. Declarava-se o estado de emergência, nos termos do art. 168 da Constituição.

É dessa época também uma lei de segurança nacional (Lei 38, de 4 de abril de 1935), articulada pelo jurista Vicente Rao. Essa lei definia os crimes contra ordem política e social. Principiava indicando conjunto de crimes contra a ordem política, não excluindo outros definidos em lei. O primeiro tipo consis-tia em tentar, diretamente e por fato, mudar, por meios violentos, a Constituição da República, no todo ou em parte, ou a forma de governo por ela estabelecida. A pena prevista era a de reclusão, de seis a dez anos para os líderes e de cinco a oito anos para os co-réus.

Também cometia crime quem se opusesse diretamente — ou de fato — à reunião ou ao livre funcionamento de qualquer dos poderes políticos da União. A pena era de reclusão, de dois a quatro anos. Indicativo da hipertrofia do Executivo central, a par do desacerto histórico do federalismo brasileiro, a pena seria reduzida de um terço se o crime fosse cometido contra poder político estadual, bem como pela metade, se cometido contra poder municipal.

O art. 3º previa pena de prisão celular de um a três anos a quem fizesse oposição, por meio de ameaça ou violência, ao livre e legítimo exercício de fun-ções de qualquer agente do poder político da União. De igual modo ao descrito na modalidade anterior, a pena seria reduzida se o ofendido fosse o Estado ou o Município.

O art. 4º prescrevia as penas acima mencionadas, diminuídas de um terço, para os que cometessem os crimes acima descritos mediante a prática de uma série de atos, a saber: aliciamento ou articulação de pessoas; organização de planos e plantas de execução, mediante aparelhamento de meios ou recursos; formação de juntas ou de comissões para direção, articulação ou realização dos referidos planos; instalação ou funcionamento clandestino de estações radio-transmissoras ou radiorreceptoras e, por fim, transmissão, por qualquer meio, de ordens ou instruções para a execução dos crimes previstos pela lei.

O art. 5º previa penas de três a nove meses de prisão celular para quem impedisse funcionário público de tomar posse do cargo para o qual tivesse sido nomeado, para quem usasse de ameaça ou violência para forçá-lo a praticar ou deixar de praticar qualquer ato de ofício, ou para quem obrigasse funcionário público a exercer o cargo, em determinado sentido.

O art. 6º previa pena de um a três anos de prisão celular para quem inci-tasse publicamente à prática dos crimes previstos nos três primeiros artigos da lei. O art. 7º prescrevia a mesma pena para quem incitasse funcionários públi-cos ou servidores do Estado à cessação coletiva, total ou parcial, dos serviços.

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A previsão atingia a greve no serviço público, que ficava terminantemente proi-bida. A perda de cargo era a pena prevista para o funcionário público que para-lisasse suas atividades. A instigação da desobediência coletiva ao cumprimento da ordem pública era também penalizada com um a três anos de prisão celular.

A incitação de militares — inclusive policiais — à desobediência da lei ou à infração de qualquer forma de disciplina, bem como à rebelião e à deser-ção, suscitavam prisão celular, pelo prazo de um a quatro anos. Incorreria na mesma pena quem distribuísse ou procurasse distribuir entre soldados e mari-nheiros quaisquer papéis, impressos, manuscritos, datilografados ou mimeo-grafados, nos quais se incitasse diretamente à indisciplina. A pena era extensiva a quem introduzisse ou procurasse introduzir semelhantes papéis em qualquer estabelecimento militar ou vaso de guerra. De igual modo, para quem afixasse, apregoasse ou vendesse tais papéis nas imediações de estabelecimentos de cará-ter militar, ou de local em que soldados se reunissem, se exercitassem ou prati-cassem manobras. Previa-se também a apreensão e a destruição de tais papéis.

O art. 11 da Lei de Segurança previa penas de um a três anos de prisão celular para quem provocasse animosidade entre classes armadas, inclusive poli-ciais militares, ou contra elas, ou delas contra instituições civis. O art. 12 pres-crevia penas de quinze a noventa dias de prisão celular para quem divulgasse, por escrito, ou em público, notícias falsas, sabendo ou devendo saber que o eram, especialmente se tais notícias gerassem na população desassossego ou temor.

O art. 13 previa pena de um a quatro anos de prisão celular para aque-les que fabricassem, ou tivessem sob guarda ou posse, ou que importassem ou exportassem, comprassem ou vendessem, trocassem, cedessem ou emprestas-sem, por conta própria ou de outrem, ou que transportassem, sem licença da autoridade competente, substâncias ou engenhos explosivos, ou armas utilizá-veis como de guerra ou como de instrumento de destruição. O parágrafo único esclarecia que não dependia de licença de autoridade policial — que, no entanto, deveria ser comunicada, sob pena de apreensão — a posse de arma necessária à defesa do domicílio do morador rural, bem como a de explosivos necessários ao exercício de profissão ou à exploração da propriedade.

Em seguida listavam-se os crimes contra a ordem social, com obser-vação de que não se excluíam outras modalidades definidas em lei. Com penas variáveis, indicavam-se como crimes: incitação direta do ódio entre as classes sociais; instigação das classes sociais à luta pela violência; incitação de luta reli-giosa pela violência; incitação ou preparação de atentado contra pessoa ou bens, por motivos doutrinários, políticos ou religiosos; instigação ou preparação de paralisação de serviços públicos ou de abastecimento à população; indução de empregadores ou empregados à cessação ou suspensão do trabalho por motivos estranhos às condições inerentes a ele; promoção, organização ou direção de

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sociedade de qualquer espécie, cuja atividade se exercesse no sentido de subver-ter ou de modificar a ordem pública ou social por meios não consentidos em lei. Previa-se a dissolução das referidas sociedades, bem como se impediria que seus membros se reunissem para os mesmos fins. A mera afiliação a essas sociedades suscitava penalização. Por fim, prescrevia-se pena de seis meses a dois anos para quem tentasse, por meio de artifícios fraudulentos, promover a alta ou baixa dos preços de gêneros de primeira necessidade, com o fito de lucro ou proveito.

O art. 22 da lei indicava que não seria tolerada a propaganda de guerra ou de processos violentos para subversão da ordem política ou social. O § 1º definia ordem pública como aquela que resultasse da independência, soberania e integridade territorial da União, bem como da organização e atividade dos poderes políticos, estabelecidos na Constituição da República, nas dos Estados e nas leis orgânicas respectivas. O § 2º definia ordem social, indicando-a como aquela estabelecida pela Constituição e pelas leis relativamente aos direitos e garantias individuais e à sua proteção civil e penal, ao regime jurídico da pro-priedade, da família e do trabalho, bem como à organização e ao funcionamento dos serviços públicos e de utilidade geral e aos direitos e deveres das pessoas de direito público para com os indivíduos e reciprocamente.

O art. 23 prescrevia pena de um a três anos de reclusão para quem fizesse propaganda de processos violentos para subversão da ordem pública; a pena seria de um a três anos de prisão celular para quem fizesse propaganda de processos violentos para subversão da ordem social. Idêntica pena era prescrita para quem fizesse propaganda de guerra.

Quando os crimes previstos pela lei de segurança fossem cometidos pela imprensa, as respectivas edições seriam apreendidas, sem prejuízo das res-pectivas ações penais. A execução da medida competia, no Distrito Federal, ao chefe de polícia, e, nos Estados e no Território do Acre, à autoridade policial de maior graduação no local. A autoridade que determinasse a apreensão deveria comunicar imediatamente o fato ao juiz federal da seção, inclusive remetendo-lhe exemplar da edição apreendida.

O art. 26 vedava a impressão, exposição à venda, venda ou qualquer modo de circulação de gravuras, livros, panfletos, boletins ou quaisquer publi-cações não periódicas, nacionais ou estrangeiras, em que se verificasse prática de ato definido como crime na lei, devendo a autoridade apreender os exem-plares, sem prejuízo da ação penal competente. A mesma prática, por meio de radiodifusão, ensejava a aplicação de multas pecuniárias, além da suspensão do funcionamento por prazo não excedente a sessenta dias, ou o fechamento, cons-tatada a reincidência. Seriam multadas também as agências de publicidade ou transmissoras de notícias e informações que praticassem atos definidos como delituosos pela lei de que se cuida.

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O art. 29 previa que as sociedades que houvessem adquirido persona-lidade jurídica mediante falsa declaração de seus fins, ou que, depois de regis-tradas, passassem a exercer atividade subversiva da ordem política ou social, seriam fechadas pelo governo, por até seis meses, devendo, sem demora, ser proposta ação judicial de dissolução.

O art. 30 proibia a existência de partidos, centros, agremiações ou jun-tas, de qualquer espécie, que visassem a subversão, pela ameaça ou violência, da ordem política ou social. O art. 32 previa afastamento ou demissão (essa, por sentença judiciária ao funcionário vitalício, como se chamava o estável) para servidor público civil que se filiasse ostensiva ou clandestinamente a partido, centro, agremiação ou junta de existência proibida pela lei, bem como se prati-casse quaisquer dos crimes descritos pela norma que se estuda. O art. 33 pre-via afastamento do cargo, comando ou função militar para o oficial das forças armadas que praticasse atos definidos como criminosos pela lei de segurança nacional. O art. 34 previa incompatibilidade com o oficialato, por parte do ofi-cial militar que cometesse algum crime previsto na Lei de Segurança Nacional, o que seria declarado pelo Superior Tribunal Militar. O art. 36 prescrevia que, sem prejuízo de ação penal, perderia o cargo o professor que, na cátedra, prati-casse quaisquer dos atos definidos como crime pela Lei de Segurança, provado o fato em processo administrativo, ou, se estável, mediante sentença judiciária.

O art. 37 previa que seria cancelada a naturalização, tácita ou volun-tária, de quem exercesse atividade política nociva ao interesse nacional. Considerava-se essa última a prática de qualquer dos delitos previstos na Lei de Segurança, sem prejuízo de outros casos previstos na legislação.

O art. 38 prescrevia o rito para o cancelamento da naturalização, bem como para a punição dos demais crimes capitulados na lei. Apresentada a denún-cia, instruída com documentos comprobatórios, se existissem, ou com rol de três testemunhas, pelo menos, se houvesse, o juiz determinaria a citação do acusado para a primeira audiência. Não sendo encontrado o acusado, a citação seria feita por edital, com dez dias de prazo. Se o acusado não comparecesse em audiência, o procedimento seguiria à revelia, com designação de curador. Se presente o acu-sado, seria qualificado, em seguida seria lida a denúncia — ou queixa —, com concessão de prazo de cinco dias para que o acusado apresentasse defesa escrita e indicasse rol de testemunhas e elementos da defesa. Findo esse prazo, seriam inquiridas as testemunhas de acusação e de defesa. Seriam também praticadas as diligências requeridas pelas partes. O acusado, depois de qualificado, poderia defender-se por procurador e deixar de comparecer à formação da culpa, se não houvesse sido preso em flagrante ou preventivamente. A inquirição das testemu-nhas e as diligências requeridas deveriam ser realizadas no prazo de vinte dias. Terminada a dilação probatória, o autor teria cinco dias para arrazoar e, depois dele, o réu teria idêntico prazo para a mesma finalidade. Ao fim desse prazo, o

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Memória Jurisprudencial

processo seria julgado, e a sentença seria proferida dentro de dez dias. Dessa última caberia recurso a ser interposto no prazo de cinco dias. O recurso não teria efeito suspensivo, salvo quando se tratasse de crimes afiançáveis ou quando o recurso dissesse respeito ao regime de cumprimento de pena.

O art. 39 previa o rito para o processo administrativo para exoneração de funcionário público, nos casos previstos pela lei. O processo seria iniciado mediante representação, ou ex officio, instruído com os documentos de acu-sação. O acusado seria, então, ouvido; a ele seria dado o prazo de cinco dias para resposta, sob pena de revelia. Se o acusado, em defesa, alegasse fatos que dependessem de prova, o prazo para resposta seria dobrado. Depois de conclu-sos os autos para a autoridade, essa teria cinco dias para preparar e apresen-tar relatório minucioso. O processo seria, então, remetido ao Ministro ou ao Secretário de Estado, ou ao Prefeito, conforme o caso, para decisão. Da decisão caberia recurso para autoridade superior, no prazo improrrogável de cinco dias.

Em capítulo relativo a disposições gerais, a lei previa que seriam ina-fiançáveis os crimes por ela punidos, cujo máximo da pena fosse prisão celular ou reclusão superior a um ano. Em alguns casos que a lei indicava, a pena de prisão seria cumprida em estabelecimento distinto dos destinados a réus de crimes comuns, e sem sujeição a qualquer regime penitenciário ou carcerário. No interesse da ordem pública, ou a requerimento do condenado, poderia o juiz executor da sentença ordenar que a pena fosse cumprida fora do lugar do delito. Poderia a autoridade judiciária, igualmente, a qualquer tempo, determinar a alteração do local de cumprimento da pena.

Previa-se que o local do cumprimento da pena, salvo requerimento do interessado, não poderia ser situado a mais de mil quilômetros do local do delito, “asseguradas sempre boas condições de salubridade e de higiene”, na dicção da lei, pelo menos. A competência para o processamento dos crimes defi-nidos na Lei de Segurança Nacional era da Justiça Federal, e sempre sujeitos a juízo singular. O art. 46 previa que a prisão provisória do expulsando não pode-ria exceder de três meses. Previa-se também que, em caso de demora de visto consular no respectivo passaporte, poderia o governo localizar o expulsando em colônias agrícolas ou fixar-lhe domicílio.

O art. 47 determinava que somente o poder público teria a prerro-gativa de constituir milícias de qualquer natureza, vedando-se organizações militares, caracterizadas por subordinação hierárquica, quadros ou formações. Excluíam-se do alcance do artigo as associações de escoteiros, os tiros de guerra e outras autorizadas em lei. Aparentemente de modo liberal, porém com pequeno alcance prático, o art. 48 previa que a exposição e a crítica de dou-trina, feitas sem propaganda de guerra ou de processo violento para subverter a ordem política ou social, não motivariam nenhuma das sanções previstas na

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lei. O art. 50 indicava como circunstância agravante, quando não elementar do delito, a condição de funcionário civil ou militar.

A Lei de Segurança Nacional projetou-se intensamente nos temas que em seguida serão tratados. O Supremo Tribunal Federal vivia dias de angústias e de incertezas, como se a Corte fosse um vulcão pronto para entrar em erup-ção. Iniciou-se o Governo Provisório com vendeta desse último, diminuindo-se os vencimentos dos Ministros e demitindo-se alguns deles; as razões, suposta-mente, vinculavam-se a julgamentos anteriores em desfavor dos tenentes.

4.1 QUESTõES POLíTICAS

Em decisão de 30 de novembro de 1938, Carlos Maximiliano enfren-tou cautelosamente a questão da natureza da Constituição de 1937. Em muito bem engendrada construção conceitual, Maximiliano indiretamente — e a partir da ótica do paciente — cotejou os textos constitucionais de 1934 e 1937, a propósito de efeitos práticos de eventual anistia. Apreciou-se a petição ini-cial, que Maximiliano qualificou como digressão elegante. É do que se trata o HC 26.941/PE, relatado pelo Ministro Washington de Oliveira e julgado em 30 de novembro de 1938:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o ilustre impe-

trante alega que a nova Constituição eliminou os delitos cometidos pelos pacien-tes e, por conseguinte, o réu devia ser absolvido ou, como seja a condenação anterior, devia ter o remédio do habeas corpus.

Ora, a Constituição de 10 de novembro, assim como todas as Constituições do mundo, prevê, exatamente, o contrário, ou seja, a reação legal contra aqueles que querem mudar as instituições. A de 1937, no seu art. 122, n. 17, diz o seguinte:

Os crimes que atentarem contra a existência, a segurança e a integridade do Estado, a guarda e o emprego da economia popular serão submetidos a processo e julgamento perante tribunal especial, na forma que a lei instituir.É, exatamente, o que se dá com os pacientes, que foram submetidos a

processo e julgamento perante tribunal especial, de acordo com esse dispositivo.Pela argumentação do ilustre advogado, pareceria, à primeira vista, qui-

sesse ele chegar à conclusão de que o crime praticado pelos pacientes seria igual ao do Senhor Presidente da República e, como o Chefe da Nação não é conside-rado criminoso, os seus constituintes também não o deveriam ser. Na tribuna, porém, deixou P.S. bem claro, insistentemente, não ter a idéia de atacar, nem sequer indiretamente, S. Exa.

Ao que me parece, pois, a sua argumentação teria por fim concluir que a Constituição de 10 de novembro foi produto de golpe de Estado. Nesse caso, ela seria ilegal, inexistente. Ora, tal argumento destrói a base do seu pedido; se é inexistente, está de pé a de 1934 e, à sua sombra, eles foram processados e condenados.

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Nenhum dos fundamentos, portanto, me parece jurídico. Só posso crer tenha o ilustre advogado querido fazer digressão elegante.

Assim, indefiro o pedido.

No HC 26.556/DF, relatado por Ataulpho de Paiva e julgado em 8 de outubro de 1937, o paciente, Willy Baungarten, supostamente envolvido em ati-vidades perigosas à ordem pública e nocivas à segurança nacional, tornara-se alvo da vigilância policial. E porque fora preso por razões de ordem pública e de segurança nacional, o Ministro Relator seguiu jurisprudência da Corte que dene-gava habeas corpus nesses casos. De tal modo, julgou-se prejudicado o pedido.

Carlos Maximiliano avaliou o problema sob outro ponto de vista. Tomou informações da chefatura de polícia, das quais não subsumiu nenhuma ativi-dade nociva, e julgou a questão à luz do fato de que o prazo de permanência no País autorizado ao paciente estava esgotado:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, segundo as infor-

mações que acabo de ouvir, prestadas pela Chefia da Polícia do Distrito Federal e lidas pelo Sr. Ministro Relator, parece-me que se trata de um caso vulgar de estrangeiro que, tendo vindo ao Brasil com passaporte de turista, aqui se encontra por prazo excedente aos três meses de permanência, a que dá direito essa espé-cie de passaporte. Intimado a deixar o país, declarou às autoridades que não tem dinheiro para comprar passagem de volta; deve, por isso, ser compelido a sair.

Não se trata, porém, de indivíduo prejudicial à ordem pública. Não se encontra, nas informações da Polícia, qualquer referência a esse respeito. É caso semelhante ao dessa moça alemã, de que tive notícia pelos jornais europeus, coagida pelas nossas autoridades a deixar o país por ter excedido o prazo que lhe facultava o passaporte.

Acho que o indivíduo em questão pode ser obrigado a embarcar, a deixar o país, porque excedeu o prazo durante o qual lhe era permitido aqui permane-cer. Não me parece, porém, que deva ficar preso, uma vez que não se trata de elemento prejudicial à ordem pública.

Nestas condições, concedo o habeas corpus, para que seja posto em liberdade sem prejuízo da expulsão.

Segurança nacional foi também tema do RHC 26.287/BA, relatado pelo Ministro Plínio Casado e julgado em 16 de novembro de 1936. Nesse processo, debateu-se prisão por medida da referida segurança nacional, em virtude do estado de guerra:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, pela sistemática

do nosso direito, o juiz competente para tomar conhecimento de um fato deli-tuoso, ao ponto de julgar um fato concernente a esse delito ou ao delito em si, é também o competente para conhecer do habeas corpus requerido por pessoas presas ou ameaçadas de prisão, como incursas na mesma disposição legal.

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De sorte que, se há um tribunal especial para conhecer de determinada figura delituosa, esse tribunal será também o competente, em primeira ins-tância, para conhecer do habeas corpus. Por conseguinte, se se trata, como o reconhecem os impetrantes e afirma o juiz federal, de um delito de esfera de um tribunal especial, organizado há pouco tempo, a esse tribunal caberia conhecer do habeas corpus.

Não me impressiona o hábil argumento de que o aludido tribunal será sempre um tribunal a quo. Sê-lo-ia se a prisão fosse determinada por ele. E, então, o caso de prisão preventiva ou de prisão em virtude de pronúncia ou de sentença. Mas, desde que a prisão não foi determinada pelo tribunal em questão e sim por uma autoridade policial, seria um tribunal ad quem.

Surge aí uma dificuldade: a Constituição manda que, toda vez que um tri-bunal superior verificar que não é o competente para conhecer da espécie, deve remeter os autos a magistrado que lhe pareça competente.

Nesse ponto, não opinaria pela remessa do processo, porque essa ordem importaria, de minha parte, resolver, preliminarmente, uma questão de compe-tência, que não cabe. Só devo conhecer ou não do despacho, sobretudo porque o caso está colocado num terreno em que o Judiciário não pode intervir.

No estado de sítio, se a autoridade informar falsamente, ficará, mais tarde, sujeita a um processo de responsabilidade; durante o estado de guerra, desde que informe ao Poder Judiciário que o indivíduo está preso ou ameaçado de prisão, tolhido em sua liberdade, por motivo de segurança nacional, não se executa in limine o pedido.

Se assim é no estado de guerra, com maioria de razão no estado de sítio, que não é mais que um estado de sítio terrivelmente agravado, onde diminuem ao invés de aumentarem as garantias constitucionais.

Por esses motivos, limito-me a confirmar o despacho do juiz, isto é, nego provimento ao recurso. E não tomo conhecimento originário do pedido por causa do estado de guerra.

Estado de guerra, estado de sítio e ordem pública também foram temas apreciados por Carlos Maximiliano no RHC 26.299/DF, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo e julgado em 23 de novembro de 1936:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a primeira

informação era no sentido de que o paciente estava preso por motivo de ordem pública. Depois, a parte alegava que se achava preso em lugar destinado aos réus de crime comum.

Ora, a Constituição, quanto ao estado de sítio, é que faz exceção, decla-rando, no art. 175, n. 2, letra b, que a detenção só se pode dar em lugar não desti-nado a réus naquelas condições. Todavia, não estamos em estado de sítio e sim em estado de guerra. E a este respeito a Constituição nada diz, determinando, apenas, no art. 161, que “o estado de guerra implicará a suspensão das garantias consti-tucionais, que possam prejudicar, direta ou indiretamente, a segurança nacional”.

Infiro, portanto, que o estado de guerra é o mesmo que estado de sítio, sem essas exceções, porque, se assim não fosse, seria a mesma coisa, ou até des-necessário. Por conseguinte, não daria habeas corpus para um indivíduo que, no estado de guerra, estivesse preso em lugar destinado aos réus de crimes comuns.

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Em segundo lugar, as informações divergem. A polícia declara que o paciente está preso por motivo de segurança nacional e o defensor do acusado, na tribuna, disse encontrar-se o mesmo respondendo a processo perante o Juiz da 3ª Vara.

Ainda por esse motivo, não podemos tomar conhecimento, porque, se o réu está preso à ordem do juiz da 3ª Vara, não nos é possível conhecer do recurso.

Por todos esses motivos, concordo com o Sr. Relator, para ne gar-lhe provimento.

Prisão por motivo de ordem pública foi tema debatido no RHC 26.652/DF, relatado pelo próprio Ministro Carlos Maximiliano e julgado em 4 de janeiro de 1938:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o caso, que à

primeira vista se apresenta interessante, é o seguinte: Genaro André, conhecido como dado a crime de furto, foi preso, durante o estado de sítio, e posto à dispo-sição do Governo, por motivo de ordem pública. Os processos contra ele instau-rados seguiram os trâmites regulares e ele foi condenado, duas vezes, por crime de furto. Da segunda vez, porém — exatamente da segunda vez —, alegou que era delinqüente primário e, portanto, devia ser-lhe reconhecida a atenuante do exemplar comportamento anterior. A Corte de Apelação, certamente por não ter sido informada de que o ora recorrente tinha outro processo, aplicou pena mais baixa do que a que ele tivera no primeiro. É outro motivo, entretanto, que o leva a pedir a presente ordem de habeas corpus.

A questão suscitada pelo recorrente no presente pedido é a de que, geral-mente, quando o indivíduo é condenado e já estava preso, se desconta, no tempo de prisão, aquele durante o qual ele esteve preso. Entretanto, ele declara que esteve preso por motivo de ordem pública, mas que, na realidade, foi preso por ser gatuno; por essa razão, pede que seja descontado do tempo de prisão o tempo em que esteve preso aparentemente por motivo de ordem pública.

Não tendo o Dr. Juiz da 1ª Vara Criminal concordado com a argüição do paciente, impetrou ele ordem de habeas corpus à então Corte de Apelação, para o mesmo efeito acima declarado. Esta acordou em denegar a ordem, conside-rando improcedente a fundamentação do pedido.

É o relatório.

VOTO Parece-me que só se pode descontar, em favor do condenado, o tempo da

prisão preventiva quando esta seja motivada pelo crime em virtude do qual foi condenado. No caso, porém, não se trata desta hipótese. O ora recorrente esteve preso por motivo político, isto é, por motivo de ordem social, à ordem e disposi-ção do Exmo. Sr. Chefe de Polícia.

Ora, pela Constituição de 1934, vigente ao tempo em que ocorreu o ato sub judice, o indivíduo preso por motivo político não ia para o mesmo lugar dos criminosos comuns, tinha prisão especial, isto é, numa sala ou num quartel, sempre isolado dos delinqüentes comuns. Por conseguinte, não se pode levar

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em conta este tempo de prisão política para ser descontado na pena a que foi condenado, por crime comum.

A verdade, aliás, é que ele cumpriu uma das penas e que, para o cum-primento desta segunda, faltam, apenas, 30 ou 40 dias. De modo que se formos descontar aquele período, é caso de habeas corpus porque ele entrará imediata-mente em liberdade.

Nego, porém, a ordem, pelas duas razões invocadas: em primeiro lugar, porque o que se desconta é o tempo da prisão preventiva; em segundo, porque esta prisão por motivo de ordem pública, de acordo com a Constituição de 34, então vigente, não podia ser executada no mesmo lugar onde eram cumpridas as penas comuns. Por conseguinte, esse tempo que ele pede seja descontado não pode, absolutamente, ser considerado como cumprimento prévio da pena.

O meu voto, pois, é para negar provimento ao recurso e confirmar o acór-dão recorrido, que é, alias, unânime.

Discutiu-se inclusive terrorismo, a propósito do que se observa no RHC 26.353/DF, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano, em julgamento de 18 de janeiro de 1937:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Tarquinio Joaquim da Silva foi

processado e condenado como homicida e terrorista. Numa agitação terrorista, praticada em padarias, exerceu ele pressão sobre os colegas, para obrigá-los a seguir a sua doutrina e os seus processos, violência que chegou até o homicídio.

Por esse crime foi condenado como incurso nos arts. 294, § 2º, e 362 do Código Penal.

Tendo cumprido metade da pena, pediu livramento condicional, mas o Conselho Penitenciário deu parecer contrário ao seu pedido. O Juiz negou o livramento condicional, motivo pelo qual requereu habeas corpus à Corte de Apelação. Esta negou-o, o que deu lugar ao presente recurso.

O paciente se declarou miserável.Para instrução do Tribunal, vou ler as informações do Juiz:

Exmo. Sr. Desembargador Presidente das Câmaras Criminais da Corte de Apelação:

Atendendo à requisição de V. Exa. respeitante ao pedido de habeas corpus impetrado em favor de Tarquinio Joaquim da silva, cumpre-me informar que o paciente se encontra condenado por este Juízo, em defi-nitivo, a 14 anos de prisão celular. Pleiteando ele livramento condicional, contra cuja concessão opinou o Conselho Penitenciário, indeferiu-lhe este Juízo a medida visada, fazendo-o nos seguintes termos: “Vistos etc. Tarquinio Joaquim da Silva, preso e recolhido à Casa de Correção em cumprimento de pena imposta por este Juízo e posteriormente reduzida a 14 anos pela egrégia Corte Suprema, alegando haver cumprido mais da metade da pena que lhe foi imposta, e mais de uma quarta parte dessa pena em serviços externos de utilidade pública, requereu à fl. 423 lhe fosse concedido o benefício do livramento condicional. Nos termos da lei, esse pedido veio encaminhado pelo Conselho Penitenciário, com parecer contrário à concessão desse livramento. Ouvido por este Juízo, o ilustrado doutor Promotor Público concordou com o parecer referido.

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Foi então convertido o julgamento em diligência a fim de que fossem prestados esclarecimentos pelo Diretor da Casa de Correção, a quem ainda se requisitou a remessa, a este Juízo, do prontuário relativo ao requerente, prontuário que se encontra em apenso. Dele consta a cópia de um ofício dirigido por aquele funcionário ao Sr. Ministro da Justiça, em o qual declara o seguinte: ‘trazendo Tarquinio para o presídio idéias comunistas e verificando que andava a aliciar outros companheiros para o seu credo, mandei recolhê-lo ao cubículo para averiguação, onde o deixei em observação de 21 de fevereiro a 26 de abril de 1935.’ Posta de lado a singularidade de ser o sentenciado recolhido ao cubículo ‘para averiguação’ de estar ele fazendo propaganda de doutrinas subversivas da ordem social, eis que, na solitária, era-lhe impossível prosseguir nessa propaganda, pela inexistência de convívio com os outros sentenciados, o certo é que o diretor do presídio afirma positivamente ter mandado recolher esse sentenciado ao cubículo, por haver ‘verificado que andava a aliciar outros companheiros para o seu credo’. É verdade que aquele fun-cionário, no mesmo ofício, acrescenta ‘não ter sido possível apurar a ver-dade da denúncia’, mas é evidente que essa impossibilidade decorreu do próprio ato do diretor, fazendo recolher ao cubículo o sentenciado, pois, aí não tinha ouvintes para sua doutrinação. É fora de dúvida, pois, que o requerente de fl. 423 se entregou, no presídio, à propaganda de doutrinas. Tal circunstância, por si só, seria suficiente para justificar a denegação do benefício que pleiteia o sentenciado, mas é de acentuar que o delito praticado por esse sentenciado foi de natureza terrorista, pois praticado fora para obrigar, pela violência, aos proprietários de padarias, a conce-der-lhe, e aos seus companheiros operários em greve, aumento de salá-rios, isto em abril de 1929. Como bem apreciou o parecer do Conselho Penitenciário, seria arriscado conceder ao paciente o livramento que impetra, ‘num momento como este em que se votam leis muito mais rígidas para esses delitos, e quando a Polícia, preventivamente, e ainda usando de prerrogativas estabelecidas no estado de sítio e no estado de guerra, toma outras providências acauteladoras da ordem pública, em luta sem tréguas contra o comunismo’. Por estes fundamentos, indefiro o pedido de fl. 423 e denego o livramento condicional impetrado pelo sen-tenciado Tarquinio Joaquim da silva. P.R.I. Rio de Janeiro, 19 de setem-bro de 1936. (a). Francisco de Paula Rocha Lagôa Filho.

Para melhores esclarecimentos, remeto a V. Exa. os autos origi-nais do processo, consistentes em dois volumes, a que respondeu, com outros, o paciente em questão.

Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Exa. os protestos da minha alta estima e distinta consideração.

O Juiz de Direito da 5ª Vara Criminal, no impedimento do titular desta Vara.

(a) Nelson Hungria.

VOTOO peticionário não juntou prova alguma de se ter portado bem na prisão

e de se haver regenerado.

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Ministro Carlos Maximiliano

Pelo contrário, a única prova que existe nos autos é a de que, tendo sido preso e condenado como terrorista, começou, dentro da cadeia, a aliciar os pró-prios companheiros para o seu credo.

Foi por essa razão que o Conselho Penitenciário opinou contra o livra-mento condicional do réu e o juiz e a Corte de Apelação indeferiram o pedido.

Por esse mesmo motivo, eu também nego provimento ao recurso.

No RHC 27.757/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly e julgado em 16 de abril de 1941, no qual se debateu aplicação retroativa da lei, no que se refere a crimes políticos, Carlos Maximiliano fundamentou voto em princípio de direito que dá conta de que lei nova não pode ser aplicada com o resultado de agravar a situação do delinqüente:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, é um princípio de direito universal que a lei nova não se aplica desde que agrave a situação do delinqüente.

Ora, a lei antiga dava ao delinqüente, sem restrição alguma, desde que se portasse bem na prisão e provasse um índice de regeneração total, o direito ao livramento condicional. A lei nova obriga o delinqüente político a ficar na pri-são esta terça parte da condenação. Portanto, na realidade, a pena foi agravada. Tomando-se, como no presente caso, uma pena de três anos, cumpridos dois, pela lei antiga, o bom preso, obediente, poderia readquirir a liberdade. Pela lei nova, apesar de toda a sua correção, o preso ficará mais um ano na cadeia. Foi ou não agravada a pena? É evidente que sim. Logo, a nova lei é inaplicável à espécie e assim tem julgado o Tribunal, em outros casos idênticos.

Também concordo com o Sr. Ministro Cunha Mello em que não é neces-sário que o paciente renuncie aos seus ideais, porque não se pode exigir de homem algum esta barbaridade. O que se exige é que ele não pretenda mais fazer revoluções.

Qual de nós não foi, já, um terrível revolucionário e hoje não quer ouvir sequer falar de revolução! Seria iníquo exigir-se de um homem que ele renun-ciasse aos seus ideais, que perdesse o caráter e a vergonha.

O Conselho Penitenciário não tem razão quando afirma que o criminoso político não endireita, não se corrige e que é inútil dar-lhe o livramento condicio-nal. Apesar de muito respeito às opiniões contrárias, inclusive a do nobre Relator, voto contra a diligência, por desnecessária, e concedo imediatamente a ordem.

Carlos Maximiliano julgou questão política gravíssima, a propósito da atuação da Ação Integralista Brasileira, no RHC 26.356/DF, relatado pelo Ministro Eduardo Espinola e julgado em 29 de janeiro de 1937. Carlos Maxi-miliano manteve coerência com julgamentos anteriores, negando-se a exami-nar o mérito da questão, porquanto a questão envolvia prova e matéria de fato. Ao longo do voto observa-se sutil observação de Carlos Maximiliano, no sentido de que se tinha objetivamente um habeas corpus em favor de partido político:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Os peticionários englobam na sua petição duas solicitações: pedem a liberdade de locomoção para uns membros do partido — Ação Integralista Brasileira — que se acham presos como suspeitos de

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conspirarem contra a ordem política e social, ou pelo menos contra a ordem polí-tica vigente, e estendem o pedido a todo o partido, pelo menos na Bahia, que eles avaliam em 80 a 100.000 pessoas, para quem pedem permissão para exercerem livremente a sua atividade, não só política como educativa, altamente social, etc.

Quanto à segunda parte, não me parece fácil dar competência ao Poder Judiciário para num habeas corpus conceder um direito impetrado de modo abstrato, sem indicar quais são os titulares desse direito, não me parecendo possível dar habeas corpus para 80.000 ou 100.000 pessoas, embora essas pes-soas aleguem e provem que o pedido era feito para prestar serviços relevantes à ordem pública e à sociedade. Quando muito, como se trata de um partido que deseja exercer a sua atividade perfeitamente regular, eu admitiria que eles se dirigissem ao Tribunal Eleitoral para realizar a sua propaganda, tanto mais que se aproximam as eleições e era lógico que o partido, neste sentido, quisesse exercer a sua atividade. Até aí não vai, porém, a nossa competência, porque não nos envolvemos em questões essencialmente políticas e não podemos examinar se é ou não lícito darmos num dia habeas corpus para 80 ou 100.000 pessoas exercerem propaganda política na Bahia.

São, todavia, mencionadas algumas pessoas como presas por serem julgadas prejudiciais à ordem pública. Alegam os impetrantes que o estado de guerra foi decretado para combater o comunismo que tentava apoderar-se do Brasil para entregá-lo à 3ª Internacional, sendo eles, impetrantes, visceralmente, os inimigos desse partido. É esta uma questão toda de fato que não se afeiçoa aos processos de habeas corpus. Eu sei que isto é uma verdade, mas num pro-cesso rápido como é o de habeas corpus, não se poderá provar qual é o programa de um partido e o de outro, mormente quando o outro partido nega os seus planos, disfarça as suas atividades, esconde tudo o que pretende realizar, e até mesmo ordena aos seus subordinados que neguem serem comunistas. Torna-se, pois, muito difícil o confronto.

Além disso, há alegação que o Sr. Ministro Relator examinou longa-mente. É que o Governador da Bahia agiu por motivo de política interna e não como delegado do Presidente da República. Também seria uma questão mais de ordem moral, a de saber se ele abusa ou não da confiança que nele deposita o Presidente da República. Quando muito caberia então aos impetrantes dirigirem-se ao próprio Presidente da República solicitando que S. Exa. desaprovasse esse ato ou o revogasse, uma vez que se trata de um ato de seu subordinado; mas o Presidente da República não teve gesto algum reprovando o ato do Governador, assumindo assim a responsabilidade pelo mesmo. Aliás, sempre julgamos desta maneira; quando uma pessoa está sob as ordens de outra e pratica um ato antiju-rídico, é responsável pelo ato o indivíduo a quem está subordinado o praticante do mesmo. Seria necessário, para desfazer essa presunção, que existisse prova em contrário. No caso essa prova deveria constar de um ato do Presidente da República desfazendo o do Governador da Bahia, tanto mais quanto esse ato do Governador teve repercussão em outros Estados, importando numa guerra con-tra o Integralismo, que já cessou por completo, mediante atos oficiais.

Quanto aos indivíduos presos, é o único ponto que nos interessa no momento, uma vez que acho difícil podermos conceder habeas corpus a um partido político, a não ser que eles se organizassem em sociedade particular e cada um requeresse de sua vez. Contra os indivíduos presos, porém, as infor-mações únicas que constam do processo são que eles foram realmente dados como seriamente comprometidos numa conspiração. O brilhante advogado

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Ministro Carlos Maximiliano

que ocupou a tribuna alega que encontraram um material bélico insignificante; mas tudo isso é matéria de fato, que não podemos examinar em habeas corpus, sobretudo quando das informações se conclui justamente o contrário.

Por essas considerações, embora com grande pesar, eu não examino o mérito. Desejaria examiná-lo; mas, coerente com a minha orientação em habeas corpus anteriores, nego provimento ao presente pedido.

Questões de fundo político, e que se relacionavam a atividades do Partido Comunista eram julgadas com muita freqüência. Por exemplo, no RC 918/SP, julgado em 10 de agosto de 1936, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano, e que tinha como recorrente o Jornal de Notícias, e como recorrida a Justiça Federal, Carlos Maximiliano votou e julgou como segue:

RELATóRIOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso criminal, em que é

recorrente o Jornal de Notícias de São Paulo, e recorrida a Justiça Federal:Certo diário, a propósito da revolta comunista do Norte do Brasil, insi-

nuou que era esperada a dilatação do movimento ao Sul, aí, porém, com o caráter político de luta entre o poder estadual e o federal; demais, reproduziu a notícia, já oficialmente desmentida, de remessa de forças para guarnecerem Itararé. Por isso, teve a folha apreendida a sua edição. Remetido o auto de apre-ensão, acompanhado do número do jornal, ao Juízo Federal, o diretor do diário impugnou o ato da autoridade, com os seguintes fundamentos: 1º — a Lei de Segurança declara competir a apreensão à mais graduada autoridade policial do lugar; logo, deveria ter sido feita pelo Secretário da Segurança; porém, a efetuou um delegado adido; 2º — a lei autoriza a inutilizar a edição depois de julgada definitivamente a apreensão; entretanto, logo a autoridade destruiu as matrizes; 3º — as notícias publicadas o foram também por outros jornais não apreendidos e versavam apenas sobre telegramas recebidos.

O Secretário da Segurança defendeu, ut fl. 20, o seu ato, com alegar: 1º — a ordem de apreensão foi dada por ele próprio, por portaria de 25 de novembro, protocolada em 25 e cumprida no mesmo dia, estando o original junto aos autos, à fl. 4, por haver sido remetido ao Juízo Federal; 2º — o jornal se não limitou a reproduzir telegramas; reproduziu notícia local, dada por outros, mas desmen-tida oficialmente antes da reprodução; 3º — houve, apenas, o cumprimento do estatuído no art. 12 da Lei de Segurança, de 4 de abril de 1935. A apreensão foi julgada regular, por sentença, à fl. 20. O jornal recorreu. Na segunda instância opinou o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 51:

Já esta Egrégia Corte Suprema, em hipótese semelhante à de que trata o presente recurso, (RC 878), decidiu que o intuito da Lei 38, de 4 de abril de 1935, foi autorizar a apreensão, sem qualquer demora, das edições de jornais infringentes da proibição nela contida (art. 25), pois, ao contrário, seria inútil o efeito desejado, porque a demora daria lugar a que a publicação se tornasse conhecida, pela propagação. Não era possí-vel exigir que tal diligência fosse feita pessoalmente, pela mais graduada autoridade policial, no caso em apreço — o Secretário da Segurança Pública, o que seria materialmente impraticável pois a apreensão é quase sempre feita em lugares diversos, só podendo, portanto, ser realizada por intermédio de auxiliares da dita autoridade.

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Foi o que se fez, em virtude da portaria de fl. 4, e não é possível negar que se justificava tal medida, de conformidade com o art. 12 da dita lei, pois a notícia de que dois batalhões da Força Pública partiriam para Itararé “era falsa, e evidente o propósito de alarmar a população”.

Em tudo foi respeitada a lei, não merecendo, assim, provimento o recurso.

VOTOÉ raro que autoridade superior cumpra em pessoa qualquer diligência; e a

lei sempre se presume referir-se ao que sucede vulgarmente — quod plerumque fit. Quando se atribui a competência para um ato à autoridade superior, apenas se exige que da mesma decorra a ordem para a prática do mesmo, a fim de evitar os males resultantes de abuso ou ignorância de subalterno. Improcede, pois, a primeira alegação da defesa.

A lei manda só inutilizar a edição depois de passar em julgado a sentença relativa à apreensão; e o próprio contestante confessa que só inutilizaram as matrizes. Demais, se isto fora errado, poderia dar margem à responsabilidade; não a ficar nula a apreensão.

Enfim, uma das notícias foi dada depois de desmentida, e a da primeira coluna era editorial da folha apreendida. Em uma e outra se procurava insinuar o que nunca sucedeu, e constituída alarmante inverdade: que o Sul viria, nas águas da insurreição marxista, uma revolta política, com as forças estaduais em armas e o Governador do Rio Grande à frente, conforme a leitura procedida pelo Relator perante a Corte. A defesa alude a passagem à opinião de Fabreguettes, à página 308 do v. II, da sua obra — Traité des Délits politiques et des Infractions par la parole, l’ecriture et la presse. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que o escritor se refere ao crime e sua punição, e, por enquanto, só se trata de medi-das administrativas anteriores ao processo criminal; em segundo, nem assim Fabreguettes aproveita; ao recorrente; antes, o fulmina.

Na página citada, o escritor começa o comentário ao art. 27 da Lei Francesa de 29 de julho de 1881, o qual pune “A publicação ou reprodução de notícias falsas, quando essa publicação ou reprodução perturbe a paz pública e tenha sido feita de má-fé”.

Nos números 237 a 240, assim o mestre comenta o texto positivo:Notícia é a narração de um fato. Quando se trata de um fato errô-

neo ou inexato, existe notícia falsa. É preciso evidentemente, que se trate de um fato recente, de um fato de atualidade.

La nouvelle c’est la narration d’un fait. Quand il s’agit d’un fait erroné ou inexat, il y a fausse nouvelle. Il faut, évidemment, qu’il s’agisse d’un fait récent, d’un fait d’actualité.Este requisito foi satisfeito, tratava-se de notícia sobre fatos atuais

e inverídicos.A publicação não foi negada, está documentada. Existe, pois, o segundo

requisito, publicaram, em primeira mão, a falsa nova da revolta política no Sul, e reproduziram o boato, já desmentido, da remessa de forças para Itararé, fron-teira Sul de São Paulo.

Acrescenta Fabreguettes:A perturbação poderá ser tanto moral como material.La trouble pourra être aussi bien moral que matériel.

Mais clara, ainda, se nos antolha, a respeito, a Lei de Segurança:

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Ministro Carlos Maximiliano

Art. 12. (...) notícias falsas que possam gerar na população desas-sossego ou temor.Ora, quem negará que o boato de que viria a situação a ser agravada por

um levante do próprio Governo do Rio Grande geraria o desassossego e o temor nas regiões ameaçadas de invasão armada?

Existiu, pois, o terceiro requisito, para apreender e punir.Nem falta o último, o quarto: o concernente ao dolo, à má-fé; posto que este

requisito só seja exigível para aplicação da pena, e não para a simples apreensão.barbier — code expliqué da la presse, v. I, n. 355, explica:

A publicação é punível quando haja sido feita com intenção de prejudicar, por pessoas que sabiam ser falsa a notícia (o grifo encontra-se no livro de barbier).

La publication n’est punisable qu’autant au’elle a eté faite avec intention de nuire, par personnes qui savaient que la nouvelle était fausse.Acrescenta o expositor:

Esta intenção decorre da vontade de tornar acreditada e propagar entre o público uma notícia falsa, que, em razão da sua gravidade mesma, seja de natureza a perturbar a paz pública.

cette intention doit s’entendre de la volonté d’acrediter et de propager dans le public une fausse nouvelle, qui, á raison de sa gravité même, est de nature á troubler la paix publique.Ora, o autor da publicação sabia ser falsa a notícia da remessa de forças

para Itararé; e o artigo inicial prova o intuito de lançar entre os leitores a con-vicção de que uma revolta, isto é, um fato gravíssimo estava ocorrendo, a rumo do Sul para Norte.

O mesmo barbier emite outro conceito, para caracterizar o dolo, da má-fé (p. 297, n. 350), que é assim também exposto pelo citado Fabreguettes (v. II, n. 240):

É precisa também a intenção. Assim, a apreciação inexata de um fato, por um jornalista, não pode constituir o delito, quando aquele fato seja em si verdadeiro. O mesmo, porém, se não concluiria, se as aprecia-ções falsas sobre os fatos fossem apresentadas de maneira tendente a os desnaturar ou a lhes mudar o caráter.

Il faut assi l’intention. ainsi, l’appréciation inexate d’un fait, par un jornaliste, ne peut, quan ce fait est vrai en lui-même, constituer le délit. Mais, il n’on serait pas de même, se les fausses appréciations por-tées sur les faits, étaient presentées de maniére á les dénaturer et á en changer de caractére.O conceito transcrito afeiçoa-se, como uma luva, ao caso em apreço: o

jornal procurou desnaturar os fatos presentes, dar-lhes outro caráter, fazendo crer que o Governo do Rio Grande se aproveitava da ação comunista ao Norte para fazer deflagrar uma revolta política no Sul. Mais ainda: o escritor francês prevê o comentário sobre fatos verdadeiros em si; entretanto, o jornal paulista fez pior; um dos fatos em que baseou o comentário, o embarque de forças esta-duais para a fronteira sul de São Paulo era sabidamente inverídico, já oficial-mente contestado.

Considerando, em conclusão, que houve justo motivo para o ato prati-cado pela autoridade policial, acordam os Ministros da Corte Suprema em negar provimento ao recurso, para confirmar a decisão recorrida, condenando nas custas o recorrente.

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Memória Jurisprudencial

Carlos Maximiliano também participou do julgamento histórico de Er-nesto Gattai, pai da memorialista Zélia Gattai. Ernesto viveu a iminência de ser expulso do território nacional, porquanto era italiano e fora acusado de conspi-rar ao lado dos comunistas. Cuida-se do HC 26.643/SP, relatado pelo Ministro Armando de Alencar e julgado em 5 de janeiro de 1938:

VOTO (Preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a Constituição de 1934, no art. 76, 1, h, e a atual, no art. 101, I, g, declaram que se conhecerá, aqui, de habeas corpus originários, quando o paciente ou coator for tribunal, funcionário ou autoridade que esteja diretamente subordinada a este Tribunal.

É de notar, porém, que, quando a Constituição de 1934, tratando da res-ponsabilidade do Presidente da República, nos crimes comuns, sujeitava-o ao julgamento da então Corte Suprema, sendo esta, expressamente, competente para processar e julgar o Presidente da República. Tal não ocorre, entretanto, na Constituição vigente, de 10 de novembro de 1937, que excluiu da competência deste Tribunal o julgamento do Presidente da República e a ele incumbiu apenas de processar e julgar os seus Ministros, os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, etc., declarando, até, na parte relativa à responsabilidade do Presidente, que este será processado perante o Conselho Federal, depois de se ter pronunciado a Câmara dos Deputados. Cumpre salientar, ainda mais, que o art. 73 da Carta atual declara ser o Presidente da República a autoridade suprema do Estado; é, portanto, superior a este Supremo Tribunal Federal.

Foi além o estatuto básico: isentou o Chefe do Estado de qualquer pro-cesso por delito comum (art. 87), de sorte que, se o Presidente pratica uma vio-lência de qualquer natureza, se assassina um homem ou viola uma dama, por exemplo, cruzam os braços perante ele os juízes, durante todo o período presi-dencial. A lei é expressa:

Art. 87. O Presidente da República não pode, durante o exercício de suas funções, ser responsabilizado por atos estranhos às mesmas.Em resumo: se é coação funcional, o Presidente responde perante tribu-

nal especial; se o não é, não responde em pretório nenhum; logo, não está sujeito imediatamente à jurisdição do Supremo Tribunal. Não somos, pois, competentes para conhecer originariamente do pedido, com fundamento no art. 101, letra g, da Constituição vigente.

No HC 26.739/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 11 de maio de 1938, decidiu-se que em estado de emergência não se poderia conceder habeas corpus a indivíduo perigoso à ordem pública:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O paciente pediu habeas corpus

porque está recolhido à Casa de Detenção, à ordem do Sr. Ministro da Justiça, para ser expulso. Solicitadas informações ao titular desta Pasta, remeteu-me S. Exa. cópia do relatório policial, onde se diz que o inquérito foi instaurado pela Delegacia de Segurança Política e Social, dada a situação irregular do paciente no País, e pelo fato de se saber ser o mesmo evadido das prisões da Guiana

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Ministro Carlos Maximiliano

Francesa, onde cumpria pena de prisão perpétua, sendo, ainda, nocivo à ordem pública, em vista de agir como espião a serviço de comunistas franceses.

No inquérito, o réu não apresentou defesa.É o relatório.

VOTONego a ordem, pela razão de que estamos em estado de emergência, que

foi decretado, precisamente, para manter a ordem pública. Ora, o paciente é con-siderado perigoso à mesma.

É o meu voto.

Carlos Maximiliano enfrentou questões políticas gravíssimas, em tema de segurança nacional, assunto recorrente na ditadura de Getúlio Vargas. A Lei de Se- gurança Nacional suscitava críticas, porquanto era por muitos vista como texto normativo que fixava um tribunal de exceção. É o que se observa no HC 26.897/DF, relatado por Laudo de Camargo e julgado em 19 de outubro de 1938.

Discutia-se crime de injúria. O paciente, ao que consta, publicara boletim em que teria ofendido autoridades federais. O paciente era o Dr. Caio Monteiro de Barros, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação Brasileira de Imprensa. O habeas corpus era preventivo e revelava insurgência em face do Tribunal de Segurança Nacional, que havia condenado o paciente.

O assunto radicava em episódio ocorrido na campanha de sucessão presidencial, em Minas Gerais. O paciente apoiara o candidato da União Democrática Mineira, braço da União Democrática Brasileira. Tais agremia-ções faziam oposição a Getúlio Vargas. Apurou-se que, ao longo da campanha presidencial, aparecera um impresso, divulgado na cidade de Mariana, no qual havia acusações a autoridades públicas. A discussão chegara ao Tribunal de Segurança Nacional, que condenou o paciente.

Carlos Maximiliano deferiu o pedido, qualificando, para aquele caso — bem entendido —, o Tribunal de Segurança Nacional como incompetente para apreciar a matéria. A decisão, à luz de um efeito prático, fixava o Tribunal de Segurança Nacional como juízo de exceção:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, trata-se de con-

denação proferida por tribunal de exceção.Pelo próprio nome que este tribunal tem, na classificação da judicatura

brasileira, só deve julgar os casos que, estritamente, ficarem compreendidos na sua competência.

Desde que haja dúvidas sobre a competência do tribunal, elas se resolvem contra o mesmo, isto é, a favor do impetrante e da Justiça comum.

O paciente é acusado de haver injuriado autoridades e, como tal, incurso numa das Leis de Segurança. A denúncia, porém, declara que a base do processo é, exclusivamente, o boletim junto aos autos; logo, não se trata, propriamente,

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Memória Jurisprudencial

de prova cujo exame o habeas corpus não comporta, pois basta ler a própria denúncia, onde se alude ao boletim junto, para verificar a veracidade do alegado.

Em tese, não se pode dizer que tais boletins tivessem o intuito de injuriar. De fato, visavam propaganda eleitoral e, como sempre se faz em tais propagan-das, eleva-se o candidato próprio e, para o mesmo fim, esmaga-se o candidato oposto, de maneira que a diferença entre ambos fique colossal. É este o processo comum das propagandas eleitorais: desfazer os méritos de um e elevar, desme-suradamente, os do outro.

Por conseguinte, não se pode dizer que tais fatos constituam crime, desde que se sabe que o intuito do indivíduo não é de injuriar, mas, somente, o de fazer triunfar o seu candidato.

Entretanto, no caso, o acusado pode ter cometido crime de calúnia, posi-tivamente; porque atribuiu àquelas autoridades a prática de violências, as quais constituem crime.

A Lei de Segurança, porém, não previu isso; quis, apenas, manter o maior respeito pelas autoridades, evitando injúrias, palavras grosseiras.

A injúria tem a sua qualificação especial; desde que o indivíduo declara qual o fato atribuído às autoridades, pode estar caluniando, não injuriando.

Não considero, pois, que não tenha cometido crime; mas entendo, como o Sr. Ministro Relator, que o fato não é da competência do tribunal de exceção, e, assim, não examino os outros aspectos do caso.

Nestas condições, concedo a ordem, por entender nulo o processo, ab ini-tio, pela manifesta incompetência do Tribunal processante e julgador.

Questões do referido Tribunal de Segurança Nacional eram muito co-muns. Por exemplo, no HC 26.904/DF, relatado pelo Ministro Carvalho Mou-rão, impetrado pelo advogado Heráclito de Fontoura Sobral Pinto, em favor de Jatyr de Carvalho Serejo (capitão da Marinha) e julgado em 19 de outubro de 1938, discutiu-se prisão celular decretada pelo aludido Tribunal. Comedido, Maximiliano precisava de mais informações, suscitava diligências, pretendia confecção de conjunto probatório robusto:

VOTO (Preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o Sr. Ministro Relator teve um argumento forte dizendo que a ele não competia completar a prova. Entretanto, aceitamos outro fundamento: quando solicitamos uma infor-mação e a autoridade não a presta ou presta de maneira insuficiente, considera-mos a autoridade como confessando o alegado na inicial, que é coisa muito mais grave, e sempre concedemos o habeas corpus.

Não vou tão longe, mas acho que as informações prestadas ao Sr. Ministro Relator estão, exatamente, nos termos de uma que acabo de receber, agora — porque tenho um pedido igual — e em que nada ou quase nada se diz. De fato, consta que o paciente foi mandado para a polícia e que esta nada resolveu, e assim por diante.

De acordo com os meus votos precedentes, até, eu daria a ordem. Uma vez, porém, que as circunstâncias do fato não estão bem claras, prefiro a dili-gência, a fim de que se pergunte ao Ministro da Marinha quando, por que e

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Ministro Carlos Maximiliano

para que este homem foi preso; isto é, a pergunta, tal qual foi feita, de acordo com a inicial.

Entendendo assim, dispenso, inteiramente, o auto de flagrante. A falta deste auto é mais um motivo para dar o habeas corpus, porque o ato de lavrar o termo não é do réu e sim do juiz e quando não é feito prejudica o réu. Por que não terá ele o benefício da computação do tempo de prisão apenas porque deixou de ser cumprida uma formalidade que não dependia dele? Se não foram cumpri-das as formalidades legais, em relação a ele, este não é motivo para negarmos o habeas corpus e sim para darmos.

Nessas condições, peço as informações. Aliás, tenho um caso semelhante e não trago os autos ao Tribunal, porque entendo que as informações prestadas são extraordinariamente incompletas e vou pedir outras, por despacho.

É o caso também do decidido no HC 26.818/DF, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e julgado em 20 de julho de 1938. Carlos Maximiliano não conheceu do habeas corpus porquanto não admitia que o Supremo Tribunal Federal apreciasse questões afetas ao Tribunal de Segurança Nacional, em estrita leitura do texto constitucional então vigente:

VOTO (Primeira preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, diz o art. 101 da Carta Constitucional:

Ao Supremo Tribunal Federal compete:I — processar e julgar originariamente:(...)g) o habeas corpus, quando for paciente, ou coator, tribunal, fun-

cionário ou autoridade cujos atos estejam sujeitos imediatamente à ju-risdição do Tribunal, ou quando se tratar de crime sujeito a essa mesma jurisdição em única instância; e, ainda, se houver perigo de consumar-se a violência antes que outro juiz ou tribunal possa conhecer do pedido.Logo, o Supremo Tribunal Federal só poderá conhecer, originariamente,

de habeas corpus quando a autoridade coatora estiver a ele subordinada, ime-diatamente. A mesma Carta Constitucional diz, no art. 90, que estabelece a hierarquia judiciária:

São órgãos do Poder Judiciário:a) o Supremo Tribunal Federal;b) os juízes e tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos

Territórios;c) os juízes e tribunais militares.

Por conseguinte, a meu ver, esses juízes e tribunais das letras b e c são os diretamente subordinados a este Supremo Tribunal. O Tribunal de Segurança não está compreendido nessa nomenclatura.

Ao tratar dos crimes cometidos contra a segurança do Estado, a Carta Constitucional apenas estabelece que ficarão sujeitos a justiça e processo espe-ciais, que a lei prescreverá. Se não está incluído ali, se está colocado completa-mente à parte, é claro que não está subordinado ao Supremo Tribunal.

Por conseguinte, não conheço do habeas corpus.

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Também foi o caso do discutido no RHC 27.732/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly e julgado em 29 de janeiro de 1941. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, num e noutro caso os réus tinham sido condenados no grau mínimo; a diferença é que uns foram considerados como incursos em uma lei anterior, enquanto que outros, por se entender que se tratava de crime continuado, foram abrangidos pela lei posterior.

Entendeu o Tribunal que, não havendo crime continuado de usura, devia aplicar-se a estes últimos réus, também, a lei anterior. Este foi o fundamento da decisão.

Nós não mudamos a pena. Julgamos, apenas, que se devia aplicar a lei anterior. Se se aplicou uma lei em vez de outra, o caso é de nulidade da sentença.

Naturalmente, o Tribunal de Segurança Nacional se sentiu constrangido, de vez que apreciamos a questão da prescrição e a repelimos, quando ele a havia aceito.

Para mim, é o caso de dar-se provimento ao recurso, para anular a sen-tença condenatória. Abro, assim, uma oportunidade para que o Tribunal de Segurança proceda corretamente, modificando a sua sentença.

Dou, pois, provimento ao recurso, mas para anular a sentença condenatória.

Os contornos da Lei de Segurança Nacional foram discutidos no HC 26.836/PE, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e julgado em 10 de agosto de 1938. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, estou de acordo com o peticionário e o seu ilustre advogado em que a nova lei de segurança cons-titui, realmente, um sistema integral, de maneira que todos os dispositivos da anterior, que não estejam explicitamente restabelecidos, se consideram revogados.

Este crime, porém, como bem ficou demonstrado, é o mesmo previsto no art. 112 do Código Penal, que diz:

Usar de violência ou ameaças, contra os agentes do poder execu-tivo federal, ou dos Estados, para os forçar a praticar ou deixar de praticar um ato oficial.Este dispositivo foi modificado pela Lei 38, art. 3º:

Opor-se alguém, por meio de ameaça ou violência, ao livre e legí-timo exercício de funções de qualquer agente de poder político da União.E a nova lei:

Usar de ameaça ou violência para forçá-lo (ao funcionário público) a praticar ou deixar de praticar qualquer ato do ofício, ou obrigar a exercê-lo em determinado sentido.Está-se vendo que é a mesma disposição, mudando apenas a redação.

Como, afinal, a pena foi discriminada, aplica-se o art. 3º do Código Penal, que, como bem concluiu o Sr. Ministro Relator, não foi revogado pela Constituição.

Não foi isto o que visou a nossa Carta Magna; o que ela teve em vista foi dar garantias e não tirá-las. Houve, apenas, uma redação apressada, que não previu claramente a hipótese, mas não revogou expressamente o dispositivo do Código Penal.

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Ministro Carlos Maximiliano

Como bem disse o Sr. Ministro Carvalho Mourão, trata-se de princípio seguido universalmente e que somente por dispositivo claro de lei podia ser considerado revogado.

Por esses motivos, estou de acordo com o Sr. Ministro Relator. Se a pena foi diminuída, concedo a ordem, porque o paciente já cumpriu a pena a que devia ter sido condenado.

Entendia-se que em estado de emergência não se concederia habeas cor-pus a quem estivesse preso por motivo de ordem e segurança públicas. É o teor do decidido no RHC 27.654, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 20 de novembro de 1940:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é recorrente João da silva araujo e recorrido o Tribunal de apelação do Distrito Federal: O paciente, tendo sido condenado pelo crime de furto, impe-trou habeas corpus duas vezes, alegando nulidades no processo e errada con-tagem de tempo de prisão. Nada conseguiu; porém teve a pena comutada pelo Chefe do Governo. Cumprida a pena, foi preso, por motivo de ordem e segu-rança pública. Pediu novo habeas corpus; negado, recorreu e solicitou a requi-sição de sua presença ao julgamento, a fim de se defender pessoalmente, visto não ter advogado. Foi atendido pelo Relator, neste particular. Como, porém, não se concede habeas corpus a indivíduo preso por motivo de ordem e segurança pública, em se achando o País em estado de emergência, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso.

Desavenças políticas que identificavam a presença do patrimonialismo e do caciquismo entre nós também foram apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal em âmbito de habeas corpus. É o que se extraiu do HC 26.945/GO, julgado em 16 de novembro de 1938, relatado pelo Ministro Costa Manso, no qual a natureza e os limites de questões políticas muito localizadas ficaram muito nítidas:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Lamento divergir, e radicalmente,

do voto do ilustre Relator.Trata-se do seguinte: mataram o chefe político de um Município, sem

dúvida partidário do Governo, pois que era funcionário público, o Promotor da Comarca. Por este intróito, já se fica sabendo como é administrada a Justiça em Goiás, quais as garantias asseguradas aos adversários processados; pois a chefia do Ministério Público local é confiada ao próprio chefe político.

Imediatamente, o Executivo do Estado lançou mão da regalia consignada no art. 59 da Constituição goiana, que dá ao Governador a faculdade de afas-tar da direção e julgamento do processo criminal o juiz de direito da Comarca onde se verificou o delito, e designar, à vontade, a dedo, entre os quarenta ou cinqüenta juízes do Estado, o que mais a seu gosto pareça para agir contra os adversários suspeitos de conivência em criminosa prática.

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Isto aberra dos comezinhos princípios de Direito; grita contra a doutrina da divisão e independência dos poderes; e até contra a inamovibilidade dos juí-zes, que, no sábio pensar de Garsonnet, é estabelecida, mais em proveito dos jurisdicionados que do magistrado, exatamente o contrário do que asseverou o ilustre Relator. Em que situação desgraçada ficam os adversários do poder em Goiás, desde que se deixa ao arbítrio do Governador investir da Promotoria o chefe político local e, denunciados por este até os inocentes, ainda ao Executivo cabe a regalia que não teve nunca imperador algum do mundo, de designar, a dedo, o mais dúctil magistrado da região!

Objeta o Sr. Relator ser o Governador obrigado a escolher entre os juízes vitalícios, e a todos acoberta a presunção de altivez e independência de cará-ter. Esta presunção existe em teoria, mas nem sempre corresponde à realidade: pululam por este Brasil afora os magistrados dignos ao lado de cortejadores sistemáticos de todos os poderosos, em cujas mãos se acham as promoções por merecimento e as nomeações dos parentes dos cortesãos.

Alega, também, o Sr. Relator que existe, em Goiás, na hipótese vertente, o recurso ex officio; portanto o magistrado procederá com integridade, pela cer-teza de que o seu veredictum será sempre examinado no pretório superior. Isto não é remédio, é remendo; pois bem se sabe que os réus recorreriam voluntaria-mente; mas depois de haver o juiz conduzido a jeito a prova e usado de todas as traças que a maldade e a paixão humanas inspiram.

Existe em outros Estados providência semelhante à de Goiás, porém mais discreta: o Governador remove, a pedido, o juiz efetivo; obtém que se demita o primeiro suplente; nomeia para o lugar deste o mais apto para agir contra o adversário, ou dissidente político, adrede envolvido em processo. Isto mesmo, aliás, é inqualificável. Em geral, só se admite o desaforamento da causa; porém sem a mínima intervenção do poder público, mediante simples acórdão do Tribunal de Apelação.

Objeta, enfim, o Sr. Relator que o juiz vacilou em aceitar a comissão, prova de que era íntegro. Falo em tese; não alvejo nunca as pessoas quando dis-cuto; observo, entretanto, que a vacilação do magistrado, longe de exculpar o erro do legislador e do Governador, põe em realce a monstruosidade da medida, a que os juízes se curvam a medo, de má vontade, sob o penso da censura cole-tiva e da grave suspeita possível, entre o povo, de que ele haja sido o escolhido por ter, como diz Victor Hugo, um caniço na espinha dorsal.

Replica o Sr. Relator que a certa altura do processo o magistrado fez ver que não podia estar servindo como juiz designado, na sua própria Comarca, o que prova que ele apenas fora passado a agir no termo da própria Comarca; e o Tribunal de Apelação repelira as alegações dos réus (...).

No RHC 26.701/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 19 de abril de 1938, decidiu-se que o tempo de prisão por motivo de ordem pública não seria descontado no cômputo do tempo de cumprimento da pena criminal. Esta decisão fixava posição firme do Supremo Tribunal Federal, no sentido de se separar o delito relativo à ordem pública, e portanto político, dos crimes comuns:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Trata-se de questão muito simples.

O recorrente, condenado várias vezes pelo mesmo crime, esteve preso durante

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Ministro Carlos Maximiliano

84 dias declaradamente por motivo de ordem pública — prisão política, por-tanto. Após esses 84 dias, foi requisitado à Casa de Detenção para responder a um dos diversos processos contra ele instaurados. Tendo sido condenado, em um dos processos, a três anos de prisão, pediu à Corte de Apelação para con-tar os 84 dias já como cumprimento da pena de três anos.

Considerando que não havia no processo a menor prova que excluísse o caráter de ordem pública, atribuído à prisão inicial, não obstante alegar o paciente que fora preso, desde essa época, em virtude dos delitos por que foi condenado, a então Corte de Apelação não atendeu ao pedido e negou a ordem.

É o relatório.VOTO

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Fui Relator de caso seme-lhante e não descontei o período da prisão por motivo político. O preso polí-tico — segundo a própria lei — não deve estar no lugar de criminosos comuns e não se pode considerar a prisão política como prisão celular.

O pedido consiste apenas nisto: que se contem os 84 dias de prisão por motivo de ordem pública para, considerando-os cumprimento da pena de três anos, serem descontados, reduzido o período de prisão.

Só nos casos de prisão preventiva é que se faz o desconto e, na hipótese, não houve prisão preventiva a não ser depois de ter sido o paciente requisitado pelo Juiz, já tendo sido descontado esse período.

Nessas condições, nego provimento ao recurso, de acordo com voto ante-riormente proferido.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: indeferiram o pedido una-

nimemente, digo, negaram provimento, por unanimidade.

No HC 27.350/RS, relatado pelo Ministro Octavio Kelly e julgado em 6 de dezembro de 1939, Carlos Maximiliano explicitou seu entendimento a pro-pósito do alcance da anistia:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, um dos efeitos

da anistia é, precisamente, libertar os acusados de qualquer processo. Por con-seguinte, se nós, agora, exigíssemos que cada anistiado fosse a processo para provar sua inocência, o decreto seria desnecessário.

Todas as anistias decretadas no Brasil deram margem a inúmeros pedi-dos de habeas corpus e o Tribunal deles sempre tomou conhecimento. Aliás, não há outro meio. Como vamos mostrar a conexidade entre dois fatos sem entrar no exame da prova das circunstâncias que os determinaram?

Se não se examinassem os fatos e suas circunstâncias, a anistia a favor dos crimes conexos seria medida inócua. Como podemos provar, repito, que o crime é conexo sem examinarmos as provas determinantes do fato?

Na hipótese dos autos, o crime se deu na própria fazenda do indivíduo apontado como matador. Quer dizer que o assassino e a vítima eram mais ou menos camaradas; separaram-se e brigaram por motivos políticos. Aquele que atirou primeiro — por sinal o mais fraco e menos valente — foi mais feliz; morreu

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Memória Jurisprudencial

o outro. A política, pois, foi a razão única do crime. Ora, sem se examinarem todas essas circunstâncias, não se pode, de modo algum, aplicar a lei de anistia.

Quando da outra Revolução, no Rio Grande do Sul, em São Gabriel, certo fazendeiro teve, também, rixa, matando peões do adversário. Houve pedido para se aplicar a anistia, que fora decretada e o Tribunal, unanimemente, a concedeu, exatamente em virtude da anistia, pelo fato de considerar que vítimas e assas-sino eram adversários políticos, até inimigos figadais por este motivo.

Temos, pois, de examinar a prova.(...)No caso, a vítima foi morta quando procurava afastar o capataz que ia

para a Revolução.Tenho de examinar este fato, para ver a conexidade com a causa política,

e, examinando-a, não posso chegar a outra conclusão senão a de que o motivo determinante desse fato lamentável foi a exaltação provocada pela Revolução de 1930.

Por todos esses fatos, concedo a ordem.

Carlos Maximiliano participou de um dos mais importantes julgamentos de nossa história política. Trata-se do RHC 26.330/DF, relatado pelo Ministro Costa Manso e julgado em 11 de janeiro de 1937. O recorrente era o deputado baiano João Mangabeira, irmão de Octávio Mangabeira (que fora Ministro das Relações Exteriores no Governo Washington Luís), tio-avô de Roberto Mangabeira Unger, filósofo e jurista brasileiro conhecido internacionalmente, professor de Direito da Harvard Law school. Nos termos do relatório do refe-rido habeas corpus, que bem dá os contornos da discussão:

O Sr. Ministro Costa Manso: O deputado João Mangabeira requereu ao Supremo Tribunal Militar uma ordem de habeas corpus, a fim de não serem, ele, impetrante, e seu filho Dr. Francisco Mangabeira, sujeitos a processo perante o Tribunal de Segurança Nacional, criado pela Lei 244, de 11 de setembro de 1936. A petição expõe desenvolvidamente as razões por que o impetran- te considera inconstitucional a referida lei. Deixo de lê-la, porque o impetrante declarou, à fl. 65 dos autos, que ela se achava publicada no Diário do poder Legislativo e seria enviada, na íntegra, a todos os Srs. Ministros da Corte Suprema. Limito-me, pois, a informar, em resumo, que a argüição de inconsti-tucionalidade repousa nos seguintes motivos:

1º — Os pacientes são acusados de delitos políticos ou contra a ordem social. Somente aos juízes seccionais, com recurso para a Corte Suprema, com-pete processar e julgar tais delitos, como está expresso nos arts. 81, letras i e l, e 76, 2, II, letra a, da Constituição. Logo, não podia o legislador ordinário trans-ferir o processo para a Justiça Militar.

2º — A Lei 244 criou um tribunal de exceção, pois funciona apenas durante o estado de guerra, para o julgamento de determinados delitos, profere decisões pela livre convicção do julgador, processa os feitos sem as necessárias garantias para o direito de defesa, não tem juízes vitalícios e nomeados na forma do art. 80 da Constituição, e, embora das sentenças finais caiba recurso, este não suspende a execução da pena porventura imposta. Violou, assim, o art. 113, n. 25, da Constituição.

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3º — O art. 4º da Lei 244 sujeita ao Tribunal de Segurança Nacional e ao processo nela instituído os delitos praticados em data anterior à sua vigência. Esse dispositivo ofende o art. 113, n. 26 e 27, da Constituição.

O Supremo Tribunal Militar, no acórdão de fl. 54, depois de mostrar que era competente para julgar o habeas corpus, decidiu não tomar conhecimento do pe-dido, por estar suspenso aquele remédio constitucional durante o estado de guerra.

Dessa decisão recorreu o impetrante para esta Corte Suprema, impug-nando, nas razões que apresentou, a conclusão do acórdão recorrido, e insistindo nas alegações anteriores.

Como era alegada a aplicação retroativa da Lei 244, pareceu-me conve-niente requisitar cópia das denúncias apresentadas contra os pacientes, a fim de ficar o Relator habilitado a fornecer quaisquer esclarecimentos à Corte. Foi essa a causa da relativa demora do presente julgamento.

Segue o voto do Ministro Relator:I — Quando foi impetrado o habeas corpus, os pacientes não se acha-

vam sequer denunciados ao Tribunal de Segurança Nacional. Eu jamais concedi habeas corpus para impedir a instauração ou a marcha de processo civil ou criminal, antes de se manifestar a ameaça, pelo menos, de um constrangimento à liberdade de locomoção. Conseqüentemente, não tomaria conhecimento do pedido, nos termos em que foi formulado, e no qual há, na realidade, um ataque à lei em tese e não a ato de qualquer autoridade. E por este fundamento — não pelo acórdão recorrido — confirmaria a conclusão a que chegou a colenda Corte de Justiça Militar.

(...)II — A Corte Suprema tem decidido diversas vezes que o estado de

guerra só suspende o habeas corpus nos termos do art. 161 da Constituição, isto é, naquilo que possa prejudicar, direta ou indiretamente, a segurança nacional. As medidas de polícia política não são, pois, atingidas pelo habeas corpus. Não assim os atos judiciários, como os decretos de prisão preventiva, os despachos de pronúncia e as sentenças condenatórias. Podendo os tribunais e juízes de primeira instância praticar tais atos, e sendo lícito aos tribunais superiores con-firmá-los ou reformá-los em grau de recurso, é para mim evidente que também podem obstar os seus efeitos mediante a concessão do habeas corpus, quando se demonstre serem manifestamente ilegais.

O habeas corpus, na hipótese, apenas elimina os efeitos do ato judicial, ressalvada a ação da autoridade administrativa, na defesa da ordem pública. Todas as ordens de habeas corpus levam a cláusula de ser o paciente posto em liberdade “se por al não estiver preso”. Assim, a ordem, por ventura concedida, nenhum prejuízo poderá acarretar à segurança nacional.

Dir-se-á que, sendo possível a mantenção da prisão, por ato do Poder Executivo, nenhum resultado produzirá a eliminação, por habeas corpus, dos efeitos do ato judicial. Não procede a objeção, porque o constrangimento decor-rente do ato judicial não só perdurará após a terminação do estado de guerra, mas também impedirá que a autoridade administrativa mande, antes disso, pôr os pacientes em liberdade, se reputar desnecessária à ordem pública a sua con-servação na prisão — como, aliás, o fez em relação a diversos detidos.

Discordando, assim, da conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Militar, dou provimento ao recurso, para declarar admissível o pedido de habeas

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corpus, e para que a Corte Suprema dele tome conhecimento, nos termos do art. 23, parágrafo único, letra a, da Lei 221, de 1894.

III — Passando ao mérito, declaro desde logo que não entrarei no exame intrínseco do despacho do Tribunal de Segurança Nacional, que decretou a prisão preventiva dos pacientes. Essa questão não foi submetida ao exame do Supremo Tribunal Militar. Não é, portanto, objeto do recurso. Se os pacientes entenderem que a prisão foi decretada sem provas, ou sem que fosse necessária, deverão requerer outro habeas corpus ao Juízo competente, trazendo-o a esta Corte, em grau de recurso, se o remédio constitucional for denegado.

Meu voto versará, pois, unicamente sobre a matéria da petição inicial.IV — No art. 81 da Constituição, vêm enumeradas, entre as atribuições

dos juízes seccionais, asde processar e julgar, em primeira instância:(...)i) os crimes políticos e os praticados em prejuízo de serviço

ou interesses da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral ou Militar;

(...)l) os crimes praticados contra a ordem social, inclusive o de

regresso ao Brasil de estrangeiro expulso.A ressalva constante da letra i não se refere unicamente, segundo me

parece, aos crimes “contra serviços ou interesses da União”, mas também aos crimes políticos. Basta atender a que os crimes eleitorais, pelo menos, embora sejam crimes políticos, estão sujeitos, nos termos do art. 83, letra h, à Justiça Eleitoral, donde se vê que nem todos os delitos políticos devem ser processados e julgados pela Justiça Federal comum.

A letra h do art. 81 não contém ressalva alguma. Pareceria, à primeira vista, que estabelece uma regra de caráter absoluto. Tal, porém, não acontece. As exce-ções à competência dos juízes federais devem estar expressas na Constituição. Portanto, haja ou não uma ressalva no art. 81, o juiz federal será incompetente se, em outro ponto, a Lei Suprema conferir a atribuição a Juízo diverso.

Ora, o art. 84, depois de estabelecer, como regra, que “os militares e as pes-soas que lhes são assemelhadas terão foro especial nos delitos militares”, permite seja esse foro estendido aos civis, nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do País ou contra as instituições militares.

Esta medida pode ser adotada tanto na paz como na guerra, já porque a Constituição não distingue, já porque a ação da Justiça Militar em tempo de guerra vem regulada de modo mais amplo no art. 85. E, de fato, os crimes contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares podem ser praticados antes da declaração de guerra e mesmo que ela não sobrevenha. Basta lembrar a espionagem, a revelação de segredos políticos ou militares, as intrigas internacio-nais, a propaganda contra as forças armadas, o incitamento delas à rebelião, etc.

Nas hipóteses do art. 84, pois, os crimes políticos ou contra a ordem social podem ser transferidos da Justiça Federal comum para a Militar.

A transferência é facultativa e depende de preceito legal expresso, como declara o texto, in verbis: “poderá (...) nos casos expressos em lei (...)”.

Logo, na ausência de lei expressa, os mencionados delitos permanecem na competência dos juízes federais comuns. Nesse sentido orientou-se o Poder Legislativo, logo após a promulgação do Pacto Político de 16 de julho de 1934, pois a Lei 38, de 4 de abril de 1935, no art. 44, determinou fossem todos os

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crimes nela definidos processados pela Justiça Federal. A Lei 38, assim como a Lei 136, que a modificou em parte, sem alterar a competência dos juízes fede-rais, definem, entretanto, crimes contra a ordem política ou social, e que podem não só pôr em perigo a segurança nacional, mas também prejudicar as institui-ções militares, como os dos arts. 10 e 11 do primeiro daqueles atos legislativos e 8 e 11 do segundo. O legislador de 1935, deliberadamente, não quis, portanto, exercer a faculdade conferida no art. 84 da Constituição.

Sobreveio, porém, a Lei 244, de 11 de setembro de 1936, que pôs em prática o preceito constitucional, mandando, no art. 3º, que passassem a ser jul-gados pelo Tribunal de Segurança Nacional, órgão da Justiça Militar, os civis e militares acusados de crimes:

a) contra a segurança externa da República, havidos como tais os previs-tos nas Leis 38 e 136, citadas, quando praticados em concerto, com o auxílio ou sob a orientação de organizações estrangeiras ou internacionais;

b) contra as instituições militares, previstos nos arts. 10, parágrafo único e § 11 da Lei 38.

Portanto, esses delitos passaram regularmente para a jurisdição militar, nos termos do art. 84 da Constituição. Podia o legislador ter determinado que tal acontecesse tanto na paz como na guerra. Preferiu, entretanto, aplicar par-cialmente o art. 84, sujeitando ao Tribunal de Segurança Nacional unicamente os delitos que “derem causa a comoção intestina grave, seguida de equiparação ao estado de guerra, ou durante este forem praticados” (Lei 244, art. 3º, n. 3).

Concluo esta parte do meu voto julgando improcedente a argüição de inconstitucionalidade da Lei 244, por sujeitar à Justiça Militar delitos políticos ou praticados contra a ordem social.

Não sou incoerente com o voto que proferi a respeito do encaminha-mento ao Supremo Tribunal Militar dos feitos já decididos pelos juízes seccio-nais, voto que se encontra à p. 260 do v. xL do arquivo Judiciário. Tratava-se, então, de feitos em que os referidos juízes, ainda competentes, haviam profe-rido sentenças. Nos termos do art. 76, 2, II, letra a, da Constituição, somente a Corte Suprema pode julgar os recursos das decisões por eles proferidas. E não sendo eles juízes militares, não me pareceu possível sujeitar as suas sentenças à revisão do Supremo Tribunal Militar. O caso de agora é diferente, pois me ocupo de processos intentados originariamente perante o Tribunal de Segurança Nacional — tribunal militar de primeira instância.

V — O art. 113, n. 25, da Constituição preceitua:Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção; admitem-

se, porém, juízos especiais em razão da natureza das causas.O legislador não exigiu, neste dispositivo, uniformidade na constituição e

no modo de funcionamento dos diversos órgãos do Poder Judiciário, pois admite a criação de Juízos especiais em razão da natureza das causas. A lei pode, pois, ins-tituir tribunais para o processo de menores delinqüentes, de falências, dos delitos de imprensa, dos crimes funcionais, das infrações chamadas policiais, e quaisquer outras, inclusive os delitos políticos e os praticados contra a ordem social.

Os tribunais especiais podem ser constituídos de modo diverso dos tribu-nais ordinários; o processo, nesses tribunais, pode deixar de ser — e isso geral-mente acontece — o processo comum. O essencial é que se observem certos princípios fundamentais decorrentes da Constituição.

O intuito do legislador constituinte, quando aludiu aos tribunais de exceção, foi impedir a instituição das “comissões extraordinárias”, com que os

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governos despóticos sufocavam violentamente os movimentos de opinião con-trários à tirania — tribunais irregulares, que julgavam de plano, sem forma e figura de Juízo, e sem recurso para outra autoridade judiciária permanente.

Ora, o Tribunal de Segurança Nacional não pode ser equiparado a tais “comissões extraordinárias”. Basta observar que das suas decisões há recurso para o Supremo Tribunal Militar, podendo, ainda, ser examinadas, em revisão criminal, pela Corte Suprema. Está, portanto, colocado na engrenagem judiciá-ria do País, sujeito, nos seus movimentos, ao ritmo impresso pelo Direito a todo o mecanismo.

Objeta o recorrente que o recurso não tem efeito suspensivo, que o pro-cesso estabelecido sacrifica o direito de defesa, que os juízes decidem segundo a sua livre convicção.

Já declarei que admito se estabeleça processo especial para os feitos jul-gados pelos tribunais especiais. A natureza das causas pode exigir que se não observem as formas comuns, e isso — repito — é o que geralmente acontece. Os crimes confiados ao julgamento do Tribunal de Segurança Nacional são os que determinarem grave comoção intestina e a declaração do estado de guerra. Neles, portanto, há de estar sempre envolvido um grande número de indivíduos. O julgamento, mediante as fórmulas ordinárias, exigiria tão dilatado tempo, que os réus, presos preventivamente ou em conseqüência de pronúncia, cum-pririam as penas que lhes fossem impostas antes de proferida a sentença final. Quando a ação criminosa se estendesse a diversos pontos do País, cada delin-qüente ou grupo de delinqüentes, segundo as regras ordinárias da competência, teria de ser processado e julgado por um juiz diferente. E um só fato, ou um fato complexo, desdobrado em ações múltiplas mas articuladas, seria apurado e apreciado diversamente, segundo a maior ou menor inteligência, severidade, honestidade ou tendência espiritual de cada julgador!

Impunha-se, pois, a criação de um tribunal único, com jurisdição em todo o território nacional, e que observasse um processo rápido e enérgico para a apuração das responsabilidades.

É verdade que a Lei 244 estabeleceu certas normas visivelmente incompa-tíveis com o direito de defesa assegurado na Constituição. Se, porém, o Tribunal de Segurança Nacional aplicar essas normas, e delas resultar efetivamente pre-juízo substancial para a defesa dos réus, nulas serão as sentenças proferidas, podendo a nulidade ser pronunciada em grau de recurso, em revisão criminal e talvez mesmo, conforme o caso, sumariamente, em processo de habeas corpus.

Mas a prescrição de normas viciosas de processo não influi na estrutura do órgão judiciário incumbido de executá-las. Suponha-se que surja uma lei regulando o processo dos juízes federais pela Corte Suprema, e que contenha preceitos restritivos de direito de defesa. Passará a Corte Suprema, por esse motivo, a constituir um tribunal de exceção, uma vez que nos outros Juízos tais preceitos restritivos não existam? É claro que a conseqüência única da incons-titucionalidade da lei restritiva será a não aplicação do texto. A ofensa a direito substancial da defesa destrói a sentença, não o tribunal que a profere.

O recurso não suspensivo já figurava no art. 38, parágrafo único da Lei 38 e art. 17, parágrafo único da Lei 136. Subsiste, quando os crimes defi-nidos nas referidas leis sejam da competência dos juízes seccionais. Logo, se tal circunstância bastasse ou concorresse para que o Tribunal de Segurança Nacional fosse um tribunal de exceção, também daria lugar a que aos juízes seccionais se aplicasse o mesmo epíteto!

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Realmente, o art. 10, parágrafo único, da Lei 244 dispõe que “os mem-bros do Tribunal de Segurança Nacional julgarão, como juízes de fato, por livre convicção”. Note-se, que, na publicação oficial, foi omitida uma vírgula depois da palavra “julgarão”. Como juízes de fato, é que os membros do Tribunal jul-garão de livre convicção, o que não quer dizer que não sejam também juízes de direito, ou que possam aplicar arbitrariamente a lei.

O dispositivo, aliás, é absolutamente inócuo. É possível que o legislador tivesse tido a intenção de conferir aos juízes a faculdade, que têm os jurados, de julgar de consciência, com abstração da prova colhida no processo, atendendo ao conhecimento pessoal dos fatos ou à conveniência da sociedade. Mas não foi isso que ficou escrito.

Em primeiro lugar, o próprio art. 10 estabelece o recurso para o Supremo Tribunal Militar, que, nos termos do art. 376 do Código da Justiça Militar, não julga de consciência. Aliás, a Lei 244 alude unicamente aos “membros do Tribunal de Segurança Nacional”. Não foi determinado que, no recurso, o tribunal superior apenas apreciasse o processo na sua parte formal, como, em relação ao Júri, determinara o Código de Processo Criminal de 1932, arts. 301 a 303. Portanto, sempre que o tribunal de primeira instância se afaste do alegado e provado nos autos, a sua decisão será necessariamente reformada, porque o superior não encontrará elementos para confirmá-la.

Demais, não há juiz que não julgue livremente, segundo as suas próprias convicções, embora adstrito ao sistema legal de provas. Essa livre e íntima con-vicção é que leva o juiz a decidir se o fato está ou não provado e como a lei deva ser aplicada. As divergências que diariamente se manifestam entre os membros dos tribunais coletivos revelam a liberdade com que cada um deles aprecia a questão submetida a julgamento.

O que resulta do art. 10, parágrafo único, da Lei 244, é, pois, na reali-dade, unicamente isto: o Tribunal de Segurança Nacional não é obrigado a fun-damentar as suas sentenças, embora moralmente deva fazê-lo. É o que sucede com relação a todos os juízes federais, pois as nossas leis de processo não con-sideram nulas as sentenças não fundamentadas.

Ficam, assim, afastadas as objeções relativas ao processo, às quais, entretanto, voltarei, na última parte deste voto, quando estudar a questão da retroatividade.

Os tribunais militares de primeira instância, no Brasil e creio que em todo o mundo, jamais foram permanentes ou constituídos por juízes permanen-tes. Até a expedição do Decreto 14.450, de 30 de outubro de 1920, a jurisdição militar inferior era exercida pelos Conselhos de Investigação e de Guerra, cons-tituídos por um auditor, juiz togado, e por oficiais do Exército ou da Armada, nomeados, para cada processo, pelos comandantes das guarnições ou unidades. O referido decreto criou os Conselhos de Justiça, formados pelo auditor e quatro juízes militares, designados mediante sorteio. No Conselho incumbido de jul-gar as praças de pret, os juízes sorteados serviam durante seis meses, em todos os processos que surgissem (art. 15, § 9º). Sendo o acusado oficial, o Conselho era constituído para cada processo (art. 22). Tal sistema, nas suas linhas gerais, foi mantido pelo “Código da Justiça Militar”, mandado executar pelo Decreto 17.231-A, de 26 de fevereiro de 1926, reduzida a três meses a vida dos Conselhos julgadores de praças de pret (arts. 9º, § 3º; 10, § 2º; 21; e 24). O art. 9, § 5º, permite a constituição de Conselhos extraordinários, no caso de acúmulo de serviço ou de outro motivo relevante. Esses conselhos se dissolvem logo que

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estejam concluídos os processos submetidos ao seu julgamento. Em tempo de guerra, entretanto, procede-se como antigamente: os Conselhos são nomeados pelo Ministro da Guerra ou da Marinha ou pelo comandante-chefe das forças em operações (art. 349).

Logo, a temporariedade do funcionamento (não da existência jurídica) do Tribunal de Segurança Nacional e a sua constituição por juízes também tem-porários não o colocam em situação excepcional, em face dos demais tribunais militares. Nem seria concebível a nomeação de juízes permanentes para um tri-bunal que só tem processos para julgar quando é decretado o estado de guerra, situação excepcional que poderia não ocorrer mais de uma vez na vida do juiz.

Dir-se-á que o art. 64 da Constituição determina sejam todos os juízes vitalícios e inamovíveis. Esse preceito, porém, não é aplicável aos juízes mili-tares, como sempre se entendeu desde que o Brasil existe como nação indepen-dente e sob a vigência de duas Constituições que, como a de 1934, asseguravam aos juízes aquelas regalias.

A lei pode, sem dúvida, criar juízes militares com os atributos dos magis-trados civis. E, efetivamente, assim procedeu o legislador, quanto aos Ministros do Supremo Tribunal Militar e aos auditores. A esses é que alude o art. 87 da Constituição, para lhes restringir a inamovibilidade no caso ali previsto. Mas, não tendo a Constituição estabelecido normas especiais (vide o art. 86), poderá a lei ordinária organizar do modo mais conveniente às instituições militares os órgãos da respectiva justiça, desde que obedeça aos princípios fundamentais a que já aludi, indispensáveis ao direito de defesa.

Pelo exposto, não considero o Tribunal de Segurança Nacional incluído entre as instituições condenadas pelo art. 113, n. 25, da Constituição: é um tri-bunal especial; não é um tribunal de exceção.

VI — O art. 4º da Lei 244 manda sejam os seus preceitos aplicados retroa- tivamente. Eis o texto:

São também da competência do Tribunal, na vigência do estado de guerra, o processo e julgamento de todos os crimes a que se refere o art. 3º, praticados em data anterior à desta lei, e que não tenham sido jul-gados, cabendo ao Supremo Tribunal Militar conhecer dos julgados em primeira instância.

Parágrafo único. Os processos em andamento na primeira ins-tância serão remetidos ao Tribunal de Segurança Nacional para os fins da presente lei. Para os mesmos fins, serão encaminhados ao Supremo Tribunal Militar os que se acharem em andamento na segunda instância, ou penderem de recurso.Suscitei a declaração da inconstitucionalidade do preceito, na parte em

que sujeitou ao Supremo Tribunal Militar os feitos julgados pelos juízes seccio-nais. Fui vencido, com os eminentes Srs. Ministros Laudo de Camargo e Octavio Kelly, que comigo concordaram. Tratava-se, então, de aplicar o art. 76, 2, II, letra a, da Constituição. Cogita-se agora da questão da retroatividade das leis de orga-nização judiciária e de processo. É invocado o art. 113, ns. 26 e 27, que dispõem:

Ninguém será processado nem sentenciado, senão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior ao fato e na forma por ela prescrita.

A lei penal só retroagirá quando beneficiar o réu.Sustenta o recorrente que a palavra “lei”, do inciso 26, e a locução “lei

penal”, do 27º, abrangem tanto a lei substantiva, como a adjetiva. E, assim, o delinqüente há de ser julgado pelo tribunal que era competente ao tempo do

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crime, e segundo a forma processual então vigente. Examinemos a interessante questão, em face da jurisprudência, da doutrina e do texto constitucional.

a jurisprudência pátria. Os nossos tribunais sempre admitiram a apli-cação das leis orgânico-judiciárias e de processo aos fatos pretéritos. As cole-tâneas de julgados estão repletas de decisões proferidas nesse sentido. Uma das mais importantes foi a sentença do Supremo Tribunal Federal, lavrada na Apelação Criminal 1.009, de São Paulo, a 23 de dezembro de 1927, no processo instaurado contra os implicados no movimento militar que explodira na capi-tal daquele Estado a 5 de julho de 1924. O acórdão se encontra no “Arquivo Judiciário”, v. VI, p. 571 a 712. Os decretos legislativos 4.848, de 13 de agosto de 1924, e 4.861, de 29 de setembro do mesmo ano, haviam transferido do Tribunal do Júri para os juízes seccionais, o julgamento dos delitos políticos, estabe-lecendo a forma que tais juízes deveriam observar nos respectivos processos. O Supremo Tribunal Federal, pelos votos dos Srs. Ministros Muniz barreto, Heitor de sousa, cardoso ribeiro, bento de Faria, pedro dos santos, arthur ribeiro, soriano de sousa, Firmino Whitaker e pedro Mibielli (9 votos), contra os dos Srs. Ministros Hermenegildo de barros e Leoni ramos (2 votos), decla-rou aplicáveis os referidos atos legislativos. Ainda um Ministro, o Sr. pires e albuquerque, então Procurador-Geral da República, sustentara vigorosamente a tese vencedora. O acórdão é largamente fundamentado e menciona a existên-cia de numerosas leis de forma, aplicadas a fatos anteriores, sem objeções dos tribunais. Vou ler o acórdão, na parte que interessa: (lê). Lerei também o voto vencido do Sr. Ministro Hermenegildo de barros (lê).

a jurisprudência norte-americana. As decisões com que a Suprema Corte norte-americana construiu o maravilhoso sistema político-judiciário, que se irradiou para as demais nações da América, são sempre invocadas com pro-veito. O recorrente cita diversos julgados. O princípio neles dominante, porém, é o de serem inconstitucionais as leis que ofendam certos direitos do acusado, como os meios de prova, a fiança e outras garantias essenciais — preceitos que, segundo a melhor doutrina, são de direito substantivo, embora geralmente figu-rem intercalados nas leis de processo.

Admitamos, porém, que existam decisões no sentido da irretroatividade das leis de forma. Serão casos esporádicos, porque a generalidade dos arestos do famoso tribunal sustenta que tais leis não são “leis ex post facto”, condenadas pela Constituição norte-americana. Tenho à mão a obra de Nicolás calvo — Decisiones constitucionales —, e dela extraio diversos julgados referentes ao assunto.

(...)a doutrina. Como em todas as questões de direito, há controvérsia a res-

peito do caso que examino. A opinião preponderante, entretanto, é pela aplica-ção das leis de processo e de organização judiciária aos fatos anteriores, por se tratar de normas fundadas no interesse público.

Poderia trazer para aqui uma biblioteca, a fim de ler as lições dos mais notáveis escritores. Seria abusar inutilmente da paciência dos eminentes colegas, que, melhor do que eu, conhecem o assunto. Citarei, porém, os constitucionalis-tas da casa, os ilustres Srs. Ministros carlos Maximiliano e bento de Faria, nos comentários à constituição, n. 203, do primeiro, e na aplicação e retroatividade da lei, n. 9, do segundo. Aí vem abundante documentação, à qual me reporto. carlos Maximiliano invoca a autoridade de p. Mazzoni, beandant, clovis bevilaqua, capitant, ribas Mac-clain, Martinho Garcez e barbalho. E bento de Faria a de bianchi, Faggella, Delacourt, reverend, De Villeneuve, Josserand,

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Memória Jurisprudencial

Garsonnet e bru, Ferrara, stolfi, coviello, Guillot, Felício dos santos, ribas, Vampré, bevilaqua, barbalho, carlos Maximiliano. Vejamos, porém, como pensa rui barbosa, cujo nome glorioso menciono com respeito, e que figura na petição do recorrente. Na anistia Inversa, efetivamente, rui barbosa escreveu que a expressão “forma”, do art. 72, § 15, da Constituição de 1891, compreende tanto o direito material como o processual. Isto, porém, depois de ter demons-trado, em face da doutrina e da jurisprudência norte-americana, que a aplicação retroativa só era vedada quando esbulhasse o réu de quaisquer direitos substan-ciais, e de transcrever a lição de Hardcastle constante desta regra: “as alterações na forma do processo são retroativas, quando a reforma entende exclusivamente com os tramites da ação, sem interessar os direitos das partes”.

Aliás, o assunto versado pelo Mestre era a inconstitucionalidade da Lei 310, de 21 de outubro de 1895, que, depois de conceder anistia a todas as pes-soas envolvidas em movimentos revolucionários até 23 de agosto daquele ano, suspendia os efeitos da medida de clemência em relação aos oficiais do Exército e da Armada, durante dois anos, e ainda depois desse prazo, se o Governo o julgasse conveniente. Para rui, este dispositivo piorava a situação dos militares, que, submetidos a julgamento, poderiam ser absolvidos. O Poder Legislativo, conseguintemente, apostrofou o Mestre:

suprime a prova,julga sem juiz,condena sem processo.

A referência à retroatividade das leis de processo constituiu mero inci-dente de argumentação. O que ele na realidade combatia era o que os ingleses e norte-americanos denominam bill of attainder.

A anistia Inversa foi publicada em 1896. Pois bem! Nove anos depois, em discurso proferido no Senado, rui abordava diretamente a questão que agora examinamos. E manifestou categoricamente o seu pensamento, dizendo, como se vê a p. de 3113 a 3116 do Diário do congresso Nacional, n. 201, de 30 de novembro de 1905:

(...)Quer ante os princípios gerais do Direito, quer ante os precedentes

do Direito americano, as leis de processo criminal são retroativas.A nossa Constituição veda, é verdade, as leis retroativas — é esta

a fórmula constitucional —, mas a fórmula da Constituição brasileira não é nossa: ela reproduz simplesmente a fórmula da Constituição americana.

A Constituição americana vedou igualmente aquilo que na nossa língua se traduziria — leis retroativas; e, todavia, a jurisprudência ame-ricana tem entendido sempre assim esta disposição, apesar da sua feição e aparência absolutas, de acordo com as restrições a elas postas pelos princípios universais do Direito.

A Constituição declara no art. 72 que ninguém será sentenciado senão perante a autoridade competente, em virtude de lei anterior e na forma por ela regulada.

Poder-se-á supor que a última cláusula deste texto, isto é, as expressões na forma por ela regulada, se referem às leis de processo; quer dizer que, não existindo lei de processo no momento em que se per-petrou o delito, o delito não seja processável?

Penso que não.

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Ministro Carlos Maximiliano

Ambas as cláusulas da Constituição se referem à mesma idéia; ambas elas se referem à lei substantiva, à lei que estabelece a pena e por isso diz — pela autoridade competente, em virtude de lei anterior e na forma por ela regulada.

(...)A forma aqui é a forma pela qual a lei substantiva estabelece a

punição do delito. Ambas as cláusulas se referem à mesma lei penal.A lei penal define o crime, estabelece a pena e a forma da sua apli-

cação, isto é, as condições em que a pena se aplica, as circunstâncias que podem minorá-la ou agravá-la, os caracteres que definem o delito, etc.

Tudo isto constitui a forma pela qual a pena se aplica. E quando nós, na linguagem legislativa, usamos da expressão na forma da lei, que-remos dizer do modo como a lei dispõe. Não costumamos empregar a expressão forma da lei como forma de processo

Não quero estender-me, Senhor Presidente, e vou terminar. Em todo caso, quero provar ao Senado que não há espírito de sofisma nesta opinião, que é universal.

(...)Do que se tem escrito sobre o direito brasileiro, anterior à nossa

Constituição, peço licença para citar as palavras de ribas:As leis de processo civil e criminal aplicam-se tanto aos

processos pendentes como aos fatos anteriores a elas, mas que sob o seu império são trazidas a juízo (RIBAS, Direito civil, 1º Tomo, p. 222).Este era o direito universalmente conhecido.Poderia citar Gabba e todos os tratadistas que largamente desta

matéria se têm ocupado; mas, para resumir tudo em uma só proposição de uma só autoridade, capaz de exprimir cabalmente a opinião geral, hoje dominante no direito, eu lerei ao Senado as palavras de aubry et rau, cuja obra é considerada na França como um dos dois ou três grandes monumentos da literatura jurídica do século passado.

aubry et rau, v. I, p. 106, § 30:Leis de processo civil e criminal. Estas leis se aplicam

ao processo e julgamento dos processos a que hajam dado lugar ainda os fatos anteriores à promulgação delas. É assim quanto às leis do processo criminal, bem que se trate de feitos começados antes que elas se tornassem obrigatórias.Pelo que toca ao direito americano, peço permissão para ler duas

linhas ao Senado; são de tratado de Wade, sobre a retroatividade das leis; é uma obra clássica entre os americanos.

Diz o autor:As mudanças na lei que interessarem aos processos pelos

quais se punam os crimes têm efeito sobre os atos anteriores, sem violarem a proibição constitucional das leis retroativas.Estas palavras se referem a crimes e não a processo criminal.Antes de Wade, todos os autores americanos que se ocuparam do

assunto, até story, todos eles, unanimemente, firmaram a mesma dou-trina. E ainda há pouco, na última edição publicada, em 1903, da obra de cooley, assim se exprime este grande mestre da interpretação do direito constitucional nos Estados Unidos:

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Memória Jurisprudencial

Mas enquanto se trata de simples modo de processo, a parte não tem direito nem em uma ação civil, nem em uma ação criminal, em insistir que o seu feito seja julgado sob a lei em vigor quando se deu o ato que se investiga.Os meios do direito devem ficar sempre sob o critério da legisla-

tura, e seria criar confusões intermináveis nas formas legais, se todos os processos tivessem de ser dirigidos unicamente de acordo com as regras e julgados pelas autoridades existentes quando os fatos se deram.

A legislatura pode abolir tribunais e criar outros, pode prescrever inteiramente modos diversos de processos, conquanto, a meu modo de ver, procedendo assim não possa legitimamente abolir estes meios com que a lei existente protege a pessoa do acusado.

(...)Quando os jurisconsultos estabelecem os princípios da retroatividade

das leis em um processo criminal, fazem sempre essa reserva e ainda há pouco a li no trecho de cooley, por mim aqui citado.

Toda a vez que um novo processo corta ou destrói garantias anteriores, ele não se pode aplicar; mas se a lei se limita a organizar o processo, mantidos os direitos constitucionais do acusado, se é simplesmente ordinatoria liti, essa lei se refere aos fatos anteriores.

Imaginemos um caso. O legislador chega à convicção de que é necessá-rio punir como criminosa uma falta até então não sujeita a pena. A essa falta, mediante a lei nova, imprime o estigma de fato criminoso.

Naturalmente entre a decretação da lei que caracteriza o delito e a pro-mulgação da lei que dá forma ao processo, o tempo decorre e se, nesse meio tempo, acaso se pratica o crime que a lei de que se trata veio exatamente punir, ficará esse crime irresponsável pela simples circunstância, acidental, de não estar ainda organizado o processo, quando a organização do processo não inte-ressa absolutamente às garantias da defesa? Não pode ser!

Esta lei ordinatoria liti, como bem diz o meu honrado colega do Estado do Rio de Janeiro, tem aplicação retroativa porque ela não interessa às garantias da defesa, nem diminui os direitos do acusado.

o texto constitucional. Observa o impetrante que, se, em face da Constituição de 1891, as leis de forma pudessem ser aplicadas aos fatos pre-téritos, outro conceito seria imposto pelo Código Político de 1934. Dispunha o art. 72, § 15, da primeira que “ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, em virtude de lei anterior e na forma por ela regulada”, enquanto que o segundo, no art. 113, n. 26, intercalou a palavra “processado”, para expres-samente incluir no preceito as leis adjetivas.

A mim me parece, entretanto, que o sentido do texto é precisamente o mesmo. “Ninguém será processado nem sentenciado” quer dizer que “ninguém será submetido a processo nem sujeito a sentença”. E, como ninguém é senten-ciado sem ser submetido a processo, segue-se que a expressão — “ninguém será sentenciado” — é equivalente à outra — “ninguém será processado nem senten-ciado”. Podemos, pois, decompor deste modo o texto da Constituição de 1934:

— Ninguém será submetido a processo senão perante a autoridade com-petente, e ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente.

— Ninguém será sujeito a processo nem sentenciado senão em virtude de lei anterior ao fato.

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Ministro Carlos Maximiliano

— Ninguém será submetido a processo nem sentenciado senão na forma prescrita pela “lei” (ou “pela lei anterior”).

A primeira proposição visa impedir a sujeição dos réus a pessoas ou cor-porações destituídas do poder de julgar. Eis o que ensina João barbalho:

Esta proibição tem um duplo caráter. Tem um fim de natureza política e outro de ordem jurídica. Garante o indivíduo: 1º, contra jul-gamentos por pessoas, comissões ou tribunais que não pertençam à magistratura instituída segundo a Constituição e leis a ela conformes, e 2º, contra as decisões proferidas por membros dessa corporação, mas excessivas do círculo de jurisdição que a cada um deles é atribuído, ou porque o caso não se compreenda nos de que consta seu poder de julgar, ou porque envolva indivíduo alheio à sua circunscrição judiciária.Não se cogita, pois, de uma norma de irretroatividade, porque a sentença

do juiz incompetente é nula, seja o fato anterior, seja posterior à lei reguladora da competência, ou melhor, da jurisdição dos tribunais.

A segunda proposição — “ninguém será sujeito a processo nem senten-ciado senão em virtude de lei anterior ao fato” — é que determina a irretroati-vidade da lei penal substantiva, salvo na hipótese do inciso 27. A Constituição proíbe a aplicação da lei:

a) que declare criminoso um fato que, quando praticado, era inocente;b) que agrave a pena cominada na lei vigente ao tempo do delito;c) que altere, em prejuízo do réu, as regras legais da prova e outros direi-

tos substanciais da defesa.À terceira e última proposição pode-se gramaticalmente atribuir dupla

inteligência, segundo se entenda que o pronome “ela”, da oração — “na forma por ela prescrita” — esteja em lugar do substantivo “lei” ou da locução “lei anterior”, da cláusula precedente. Na primeira hipótese, o legislador ter-se-ia referido às leis de forma. Na segunda, ao modo de aplicação da lei substantiva, como, aliás, sustentou rui barbosa, no discurso que há pouco li.

Adotada a primeira inteligência (“ninguém será processado nem sen-tenciado senão na forma prescrita pela lei”), teremos firmada na Constituição a regra de que os tribunais não dispõem da faculdade de processar as causas de modo arbitrário: são obrigados a obedecer aos trâmites legais. E essa regra se aplica não só aos fatos anteriores, como aos subseqüentes à lei processual. Não é um preceito pertinente à irretroatividade das leis de processo.

Na segunda hipótese (“ninguém será processado senão na forma pres-crita pela lei anterior”), teremos uma norma de irretroatividade, mas da lei substantiva, pois que a locução “lei anterior”, da cláusula antecedente, subs-tituída pelo pronome “ela”, não se refere às leis de forma. E repetiremos, com rui barbosa: “A forma, aqui, é a forma pela qual a lei substantiva estabelece a punição do delito. A lei penal define o crime, estabelece a pena e a forma da sua aplicação, isto é, as condições em que a pena se aplica, as circunstâncias que podem minorá-la ou agravá-la, os caracteres que definem o delito, etc.”

Conceda-se, porém, que o texto possa ter a inteligência pleiteada pelo recorrente. A conseqüência seria que existe uma “dúvida” a respeito da consti-tucionalidade da Lei 244. Mas a “dúvida” acerca da constitucionalidade de uma lei — ensinam os escritores norte-americanos — nunca é motivo suficiente para que os tribunais deixem de aplicá-la. A discordância entre a Constituição e a lei deve ser tal (esse conceito é de cooley), que se apodere do juiz a clara e viva convicção da incompatibilidade entre uma e outra; isto não é outra coisa senão

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um decoroso respeito à sabedoria, à integridade e ao patriotismo do legislador, devendo-se admitir que toda lei tem a seu favor a presunção de validade.

Encontra-se na citada obra de calvo esta ementa extraída de diversos julgados relativos ao assunto:

2538 — La cuestión de si una ley es nula ó no, por ser repugnante a la constitución, es en todos tiempos una cuestión tan delicada, que, raras veces, si alguna vez se hace, debe ser decidida por la afirmativa, en un caso dudoso. el tribunal, cuando se siente impelido por el deber, para pronunciar ese juicio, seria indigno de su posición, si olvidara las solemnes obligaciones que ella le impone. No es sobre una implicancia ligera, y una vaga conjetura, que puede declararse que la legislatura ha ultrapasado sus poderes, y que sus actos hayan de ser considera-dos como nulos. La oposición entre la constitución y la ley debe ser tal que el juez sienta una clara y fuerte convicción de su recíproca incompatibilidad.Não sendo, pois, manifesta a inconstitucionalidade, a aplicação da lei é

de rigor. É, aliás, o que dispõem expressamente o art. 13, § 10, da Lei 221, de 1894, o art. 267 do Decreto 3.084, de 1898, Parte I, e a própria Constituição de 1934, no art. 113, n. 33. Este Código Político resguarda de tal modo os atos dos Poderes Legislativo e Executivo impugnados perante o Poder Judiciário, que exige a maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes, para que os tribunais possam pronunciar a inconstitucionalidade (art. 179). E quando a inconstitucionalidade seja declarada por uma das cortes de apelação, e até pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, permite seja o caso submetido em grau de recurso à Corte Suprema (art. 76, 2, III, letra b; e art. 81, § 1º).

Se o juiz assim deve proceder geralmente, que dizer de um caso, como o que estamos julgando, em que a aplicação da lei aos fatos pretéritos é apoiada pela doutrina e pela jurisprudência?

VII — A Lei 244 contém, efetivamente, como já reconheci, dispositivos contrários à Constituição. Como tais eu reputo, em rápido exame do texto:

— o que submete ao Supremo Tribunal Militar as causas já decididas pelos juízes seccionais (ofensa ao art. 76, 2, II, letra a, da Constituição);

— o que marca o prazo manifestamente exíguo de oito dias para a citação edital do réu ausente (ofensa ao art. 113, n. 24);

— o que limita a cinco as testemunhas de defesa, sem limitar o número das de acusação, e manda aplicar esse preceito restritivo da prova aos fatos pre-téritos (ofensa ao art. 113, n. 24 e 26);

— o que obriga o réu a apresentar as suas testemunhas, estabelecendo a presunção de desistência delas quando não compareçam (ofensa ao art. 113, n. 24);

— o que estabelece, com efeito retroativo, a presunção da criminalidade contra o réu preso com arma na mão (ofensa ao art. 113, n. 26).

Tais dispositivos não deverão ser aplicados, porque não são meramente ordinatórios da lide. Isso, porém, não quer dizer que, por figurarem na lei, deva ser dissolvido o Tribunal de Segurança Nacional. Ainda que todas as normas de processo estabelecidas na Lei 244 fossem inconstitucionais, não podería-mos chegar a essa absurda conseqüência. A solução, indicada no art. 113, n. 37, da Constituição, seria considerá-las inexistentes, aplicando-se as leis do pro-cesso militar comum, prescritas no Código da Justiça Militar de 1926 para os Conselhos de Justiça.

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Ministro Carlos Maximiliano

VIII — Meu voto é pelo indeferimento do pedido. A existência do Tribunal de Segurança Nacional, que o Estado instituiu no uso do poder e do dever de resguardar a ordem jurídica e a organização social, não colide com os princípios constitucionais. Pode ele prosseguir na sua alta missão, de acordo com a respectiva lei orgânica, escoimada dos senões que indiquei.

Seguiu votando o Ministro Carvalho Mourão:

VOTO (preliminar)

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Também dou provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Costa Manso; a ele farei, porém, ligeira modificação, em virtude de idéias que tenho sustentado.

Entendo que se deve conhecer do habeas corpus, mesmo em estado de guerra; não tanto, contudo, pelas razões que S. Exa. aduziu, de modo tão notá-vel e refletido, cuja procedência é digna de ser meditada. De fato, tenho sempre sustentado que, mesmo em estado de guerra ou em estado de sítio, visto que a nossa Constituição não determinou, nem em um nem em outro, que ela própria ficará suspensa e a proclamação da ditadura; visto que os poderes do Legislativo e do Executivo são limitados pela Constituição, ainda no estado de sítio como no de guerra; tenho sustentado que o habeas corpus só está suspenso para as medidas ou providências legislativas e executivas que forem tomadas dentro dos limites dos poderes excepcionais que a Constituição lhes outorgou, nesse estado anormal, de perigo público.

Por conseguinte, desde que se argúa que o Legislativo, ou o Executivo, excederam os próprios poderes constitucionais, que lhes são conferidos durante a vigência do estado de sítio ou de guerra, entendo que o habeas corpus é admissí-vel. Do contrário, essa limitação não teria qualquer garantia; ponto sobre o qual, aliás, já tive ocasião de me externar. Afirmei, então, que o habeas corpus vai até onde vai a garantia constitucional; é a túnica de Nessus da garantia constitucional; quando esta cessa; cessa, igualmente, o habeas corpus, mas quando reaparece, renasce o habeas corpus. Ela, com efeito, não existe sem a medida protetora.

Nestas condições, desde que os impetrantes alegam que o Poder Legislativo, criando esse tribunal extraordinário ou de exceção, como eles o qualificam, excedeu os próprios poderes que a Constituição outorga ao Legislativo no estado de guerra, acho que é caso de se conhecer do pedido.

VOTO

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: 1 — O presente recurso só deverá ser pro-vido se julgar-se evidentemente inconstitucional a Lei 244, de 11 de setembro p.p.:

1º — quando instituiu como órgão da Justiça Militar o Tribunal de Segurança Nacional, com sede no Distrito Federal, para processar e julgar em primeira instância (sempre que for decretado o estado de guerra e até que ultime os processos de sua competência), não somente os militares e assemelhados, senão também os civis que cometerem os crimes previstos nos incisos 1º, 2º e 3º do art. 3º; ou (na hipótese de se considerar constitucional semelhante instituição, em tais condições); 2º — quando dá competência ao mesmo Tribunal para pro-cessar e julgar os ditos crimes; ainda que anteriores à lei que o criou (“sempre

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que derem causa à comoção intestina grave, seguida de equiparação ao estado de guerra” — art. 3º, n. 3, in fine).

2º — As demais alegações do recorrente sobre inaplicabilidade aos casos pretéritos de várias disposições da cit. lei, referentes à produção das provas, à sua eficácia e ao sistema adotado para sua apreciação, ao rito processual pro-priamente dito no que entende com as garantias da defesa, e às penalidades aplicáveis, são inoportunas. O Tribunal de Segurança ainda não as aplicou. É de presumir (porque é do seu dever) que não aplique as que, na verdade, forem inconstitucionais (quando aplicadas a processos por fatos pretéritos); sendo de notar que algumas das disposições criticadas são de caráter facultativo; são coisas que o Tribunal “poderá” fazer ou não (por exemplo, as que se contêm no art. 9º, n. 11 e 14, e no art. 13).

Sentenciar neste momento sobre a constitucionalidade ou não de tais pre-ceitos legais seria apreciar a constitucionalidade da lei, em tese, em processo de habeas corpus; o que nos não é permitido.

À vista do exposto, passo a examinar, uma após outra, as duas questões pertinentes no caso sub judice.

3 — Quanto à constitucionalidade da criação do Tribunal de segurança Nacional, com o caráter que lhe foi dado e com a competência que lhe foi atri-buída, durante o estado de guerra — não me parece contestável.

A Constituição de 1934 deixou à lei ordinária a organização da Justiça Militar de primeira instância. Reza, na verdade, o art. 86:

São órgãos da Justiça Militar o Supremo Tribunal Militar e os tri-bunais e juízes criados por lei.Deixou também à lei ordinária regular “a jurisdição dos juízes militares

e a aplicação das penas da legislação militar, em tempo de guerra, ou [note-se bem] na zona de operações durante grave comoção intestina” (art. 85). Foi o que fez a Lei 244, no art. 3º, § 3º. Nada obsta, por conseguinte, à criação, por lei ordinária, de tribunais militares extraordinários, ou de exceção, na zona de operações, quer em tempo de guerra internacional, quer durante grave como-ção intestina, que assuma o caráter de guerra civil (só em casos de guerra civil poder-se-á cogitar de “zona de operações”).

Para obviar qualquer dúvida a este respeito, foi que se votou a Emenda 1 à Constituição.

Dir-se-á que, nos termos do citado art. 85, não se autoriza a criação de semelhantes tribunais senão para os militares, assemelhados e pessoas estra-nhas ao Exército que hajam cometido, em tempo de guerra, externa ou civil, crimes previstos nas leis penais militares (espiões etc.). Responde à dúvida o art. 84 da Constituição, onde, depois de preceituar que “os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas terão foro especial nos delitos militares”, acrescentou o legislador constituinte de 1934 (afastando-se nisso da Constituição de 1891 e até da tradição do regime monárquico):

Este foro poderá ser estendido aos civis, nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do País, ou contra as instituições militares.Note-se que, aqui, nem sequer se distingue entre tempo de paz e tempo

de guerra.Entender-se-á talvez que, ante os textos acima citados, autorizará a

Constituição Federal a criação de tribunais militares extraordinários, ou de exceção, e a transferência da jurisdição ordinária, comum, para os tribunais

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Ministro Carlos Maximiliano

militares (cit. art. 84), na zona de operações; não na zona do interior (chamada), isto é, fora do teatro da guerra.

Ir-se-á talvez mais longe, e, invocando o art. 113, n. 25, da Constituição, afirmar-se-á, com o recorrente, que ela não permite, em caso algum, a criação de tribunais de exceção. É preciso, porém, não esquecer que o texto do invocado n. 25 do art. 113, inscrito sob a epígrafe: Dos direitos e garantias constitucionais (Cap. II do Título III), nada mais é que a declaração de uma das referidas garan-tias, cuja suspensão, nos termos do art. 161 da mesma Constituição, “o estado de guerra implica”, desde que “possam prejudicar direta ou indiretamente a segu-rança nacional”; do que só o legislador ordinário pode ser juiz, tendo em vista as contingências do momento e as necessidades da guerra.

Para a zona do interior, “em caso de guerra, ou de emergência de guerra” (é claro que aqui — oposta a “caso de guerra” — “emergência de guerra” quer dizer: guerra iminente, perigo iminente de guerra), criou a Constituição de 1934, no § 15 do art. 175, o “estado de sítio agravado” de que já temos tratado nesta Corte Suprema e cujos efeitos — diz a Constituição — “uma lei especial regulará”. Enquanto não vem essa lei orgânica, é claro que ao Poder Legislativo ordinário, em caso de guerra, compete indicar quais as garantias constitucionais que ficam suspensas. Foi o que fez (muito constitucionalmente, por conseguinte) o Decreto 702, de 21 de março de 1936, autorizado pelo Decreto Legislativo 8, de 21 de dezembro de 1935, por sua vez promulgado em execução da Emenda 1 à Constituição; decreto, aquele, que, em seu art. 2º, excluiu, das garantias constitu-cionais que ficam mantidas, a que está consagrada no § 25 do art. 113, em questão.

Se consultarmos a doutrina e a legislação comparada dos países de cons-tituição rígida, que se regeram ou se regem por instituições democráticas; vere-mos que em grande número deles, longe de ser considerada inconstitucional a criação de tribunais extraordinários em tempo de guerra ou de grave comoção intestina, bem como a transferência para eles da jurisdição comum ou ordinária, em parte (para certos crimes previstos na lei penal comum — em regra crimes políticos), estas providências são autorizadas, ou por lei expressa, ou pela juris-prudência e pela prática parlamentar.

Em caso de guerra e na zona das operações, a prática e a doutrina são quase unânimes, senão unânimes (vide Ranelletti, La polizia di sicurezza, no trattato completo di diritto amministrativo italiano, de Orlando, v. IV — Parte 1ª, p. 1160 e 1161). A controvérsia surge, quanto à criação de tais tribunais, com tal competência, em caso de estado de sítio ficto ou político. Mas, ainda assim, mesmo em estado de sítio, propriamente dito, permitiam expressamente tais providências excepcionais ou, ao menos, a jurisdição excepcional dos tribunais militares para julgarem crimes de direito comum; antes da Guerra Mundial, a lei francesa de 9 de agosto de 1849, arts. 7 a 9, não modificada pela lei de 4 de abril de 1878; a legislação imperial alemã (vide Ranelletti, op. cit. n. 1.228, nota 2) e a Constituição Monárquica portuguesa, art. 145, § 34. Na Itália de antes da guerra, não obstante a proibição absoluta de se criarem tribunais ou comissões extraordinários, contida no art. 71 do Estatuto de 1848, e embora houvesse divergência séria na doutrina, a jurisprudência dominante nos tribunais e no Parlamento era no sentido da legitimidade de tal jurisdição excepcional dos tri-bunais militares (op. cit., p. 1222 e 1223 do 4º v. V, Parte 1ª).

Das constituições democráticas, promulgadas depois da Grande Guerra, permitem, ou permitiam, a criação de tribunais extraordinários em tempos de guerra: a de Weimar, art. 105; a Constituição Federal Austríaca, de 1º de outubro

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de 1920, art. 83, n. 3; a da Tchecoslováquia, § 94, n. 3; a da Estônia, § 74 (limitada, porém, a sua jurisdição à que estiver estabelecida na lei); a da Grécia, de 2 de junho de 1927, art. 97, 1ª alínea; a da Lituânia, art. 70, 1ª alínea; a nova Constituição da Polônia, de 23 de abril de 1935, art. 68, inciso 5º (a anterior, de 1º de março de 1921, já os permitia; limitando embora a sua competência para os crimes cometi-dos depois de criados os ditos tribunais de exceção); finalmente, a Constituição da República Espanhola, de 9 de dezembro de 1931, art. 95, 3ª alínea, in fine.

Somente proíbem em absoluto a instituição de tribunais extraordinários (dentre as Constituições anteriores à Grande Guerra, ainda em vigor): a belga, arts. 67, 94 e 130, que só os permite em praças sitiadas pelo inimigo; a holan-desa, de 30 de novembro de 1887, arts. 7, 9, 158, 159, 156, § 1º, e 187; e (dentre as posteriores): a da cidade livre de Dantzig, de 11 de maio de 1922, art. 62; a da Finlândia, de 1919, § 60, alínea; a da Rumania, de 29 de março de 1923, art. 101, 1ª alínea; e finalmente a da Iugoslávia, de 28 de junho de 1921 (abolida a 6 de janeiro de 1929 por um golpe de estado) art. 109, 2ª alínea.

A Constituição do Estado Livre da Irlanda, de 6 de dezembro de 1922, art. 70, não fala em tribunais extraordinários; mas autoriza expressamente, em caso de guerra ou de rebelião armada, a extensão da jurisdição militar à “popu-lação civil”, por atos cometidos em tempo de guerra ou de rebelião armada.

Permitem criar tais tribunais, mesmo durante o simples estado de sítio (além da Itália, como vimos) as seguintes Constituições: a da Áustria (que deixa o caso à lei ordinária do processo penal); a da Tchecoslováquia (só exige prévia deter-minação legal); e a nova Constituição da Polônia, que deixa o caso à lei ordinária.

Deste vasto estudo comparativo, vê-se que, na grande maioria das consti-tuições democráticas promulgadas depois da guerra, quer dizer, sob a influência do perigo que ora correm as instituições democráticas, é permitida a criação de tribunais de exceção em tempo de guerra e, em algumas, mesmo para funcio-narem durante o estado de sítio ficto ou político; donde se conclui que tudo leva a crer que a interpretação dada, nesta parte do meu voto, aos textos a princípio citados da nossa Constituição — uma das últimas em data depois da Grande Guerra e, assim, promulgada sob a influência desta nova corrente de idéias — seja a lídima expressão de seu pensamento.

4 — Quanto à alegada inconstitucionalidade da Lei 244, na parte em que dá ao Tribunal de segurança competência para processar e julgar os auto-res e cúmplices, em crimes cometidos antes de sua criação “sempre que derem causa à comoção intestina grave, seguida de equiparação ao estado de guerra” (interpretação confirmada pelo confronto do art. 3º, n. 3, in fine, com o disposto no art. 4º e seu parágrafo único). — A inconstitucionalidade de uma lei ordi-nária há de ser examinada, exclusivamente, em face de algum texto expresso da própria Constituição, ou de preceito implícito em algum texto expresso; não em face de princípios doutrinários (preconizados embora pelos maiores mestres), ou aplicados por tribunais estrangeiros. Quais os textos expressos da Constituição de 1934, ou os preceitos implícitos em textos expressos dela, que os impugnados dispositivos da Lei 244 violam ou contradizem? — Os números 26 e 27 do art. 113 — diz o recorrente. Mas, ainda mesmo pondo de lado o fato de não haverem essas garantias constitucionais, contidas nos dois incisos invo-cados, sido incluídas entre as que ficam mantidas durante o estado de guerra, pelo art. 2º do Decreto 702, de 1936 (enumeração esta expressamente autorizada pela Emenda constitucional 1, promulgada pelo Decreto Legislativo 6, de 18 de dezembro de 1935), os invocados incisos do art. 113 da Constituição de 1934 não

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Ministro Carlos Maximiliano

têm a significação que lhes dá o recorrente, de consagrarem os princípios — tão controvertidos na doutrina e na jurisprudência, sobretudo quanto à sua extensão e alcance — da irretroatividade da lei penal processual e da aplicação, sempre, da lei processual mais favorável ao réu. Na verdade, o 1º (o n. 26 do art. 113), quando preceitua que “ninguém será processado, nem será sentenciado, senão pela autoridade competente em virtude de lei anterior ao fato, e na forma por ela prescrita”, refere-se a três requisitos distintos para a legalidade do processo e da sentença: 1º — competência do juiz (não diz que o deva ser por lei anterior ao processo ou ao fato que o determina); 2º — lei anterior que defina como crime o fato imputado (é, por outras palavras, a máxima de direito material, substantivo-penal: nullum crimen sine lege); 3º — “na forma por ela prescrita” — quer dizer: para ser punido com a pena nela (lei anterior) prescrita ou melhor, cominada (é a máxima também de direito substantivo: nulla pene sine lege). Que são três requisitos distintos, uns dos outros, revela-o até a pontuação do texto, onde cada um deles se vê separado dos outros por vírgulas. É assim que Marnoco e Souza (citado por Araújo Castro — a nova constituição brasileira, p. 365) entende dispositivo idêntico da Constituição portuguesa de 1911.

Afirma o sábio comentador que a “lei anterior” refere-se à lei substantiva e a “forma nela prescrita” quer dizer: “nos termos que ela (a lei substantiva, é claro) determinar”.

Dar ao citado inciso a inteligência que lhe dá o recorrente é atribuir ao legislador constituinte a consagração da absoluta irretroatividade das leis do processo — coisa que ninguém sustenta.

Num caso de habeas corpus de São Paulo em que se discutia (invocando este mesmo n. 26 do art. 113) a aplicação da lei nova, que viera restaurar a ape-lação ex officio do Presidente do Tribunal do júri, a um fato ocorrido quando semelhante apelação não existia, mas julgado na vigência dela (lei nova), eu já votei, dando ao dito preceito constitucional a mesma inteligência que agora lhe estou dando.

Outra vez assim votei no HC 26.259.O segundo preceito constitucional, apontado como violado pela Lei 244,

o n. 27 do mesmo art. 113, que diz: “A lei penal só retroagirá quando beneficiar o réu”, refere-se igualmente à lei substantiva; não à processual. É reprodução do art. 3º do Código Penal, quando dispõe:

A lei penal não tem efeito retroativo; todavia o fato anterior será regido pela lei nova:

a) se não for considerado passível de pena;b) se for punido com pena menos rigorosa.

Assim o entende Araújo Castro, comentando-o.Quem diz: “lei penal” (tout court) quer dizer: “lei penal substantiva”.

Não se compreende que, pretendendo inovar e consagrar em princípio a aplica-ção irrestrita de todas as normas que sejam mais favoráveis ao réu, não se refe-risse o legislador expressamente a ambas as classes de leis penais: substantivas e processuais.

Nenhuma razão científica justifica a aplicação de um rito processual que se revelou inidôneo ou de uma jurisdição que se mostrou inapta para o desco-brimento da verdade; só porque é mais favorável ao réu. Se a nova lei cerceia a defesa, será inconstitucional por isso mesmo; não por ser retroativa. Tanto que não deve ser aplicada a nenhum processo; nem aos que são movidos por fatos pretéritos; nem aos que por fatos posteriores se moverem.

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Memória Jurisprudencial

A jurisprudência desta Corte Suprema, bem como a do antigo Supremo Tribunal Federal e a dos tribunais superiores dos Estados, foi sempre no sentido da imediata aplicação aos processos ainda não iniciados, ou pendentes, mas ainda não julgados definitivamente, das leis sobre competência (de outras não se deve agora cogitar, como a princípio demonstrei). Assim se procedeu, no Distrito Federal e nos Estados, com as leis que retiraram do júri, para atribuir ao juiz singular (caso grave que importa piorar a sorte do réu e diminuir as possibi-lidades de sua absolvição) a competência para o julgamento de diversos crimes.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso, para, reformando o acórdão recorrido, julgar admissível o pedido; não obstante o estado de guerra. Assim conhecendo do pedido: de meritis, nego a ordem impetrada.

Na seqüência, pronunciou-se o Ministro Eduardo Espinola:

VOTOO Sr. Ministro Eduardo Espinola: Conheço do pedido:Nas razões de rec., publicadas no correio da Manhã, de 3 de dezembro

último, diz o recorrente, invocando a jurisprudência da Corte Suprema: “(...) o estado de guerra não importa na abolição ou suspensão do instituto do habeas corpus, como tem decidido a Corte Suprema, ao conhecer, durante essa medida de exceção, de inúmeros pedidos, entre os quais os de n. 26.178, 26.206 e 26.243, relativos ao recorrente. O que ela tem feito é, conhecendo do habeas corpus, não o deferir, quando a sua concessão, embora assegurada na garantia do indivíduo, colide com a segurança nacional. Se, porém, o que está em causa não é uma garan-tia individual, o direito violado pelo ato de arbítrio há de encontrar amparo no Poder Judiciário. Ora, o que, no presente habeas corpus se reclama, sobretudo e antes de tudo, é o respeito ao Poder Judiciário, cuja competência const. se arranca, por um golpe de força, a um dos seus órgãos”. Nos pedidos de habeas corpus a que acima se refere o recorrente, a Corte, preliminarmente, tomou conhecimento da matéria para apreciá-la, porque se alegava a violação das prerrogativas do Poder Legislativo. Agora o que antes de tudo e acima de tudo, se declara é o desrespeito flagrante da competência constitucional do Poder Judiciário.

Cumpre, portanto, examinar se tem razão o recorrente. Se afirmativa a conclusão, deve ser atendido, a despeito da situação anormal resultante do estado de guerra, por se não tratar de simples garantia ou direito individual assegurado pela Constituição.

O caso é delicado e não será de estranhar que surgirão interpretações divergentes.

O dispositivo da Constituição que se invoca, fundamentalmente, é o do art. 81: “aos juízes federais compete processar e julgar, em 1ª instância: (...) 1) os crimes políticos e os praticados em prejuízo de serviços ou interesses da União, ressalvada a competência da justiça eleitoral ou militar”.

Argumenta-se: aí se compreendem todos os crimes políticos, portanto, também os contemplados na Lei 244, art. 3º. Sendo assim, a criação do tribunal de que se ocupa esta lei é contrária à Constituição e fere fundamento o Poder Judiciário, subtraindo-lhe atribuições, que lhe competem nos termos da mesma Constituição.

Não creio, porém, que assim seja.

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Ministro Carlos Maximiliano

Segundo o art. 84, os militares e as pessoas que lhes são assemelha-das terão foro especial nos delitos militares, foro que poderá ser estendido aos civis nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do País ou contra as instituições militares.

O art. 85 determina que a lei regulará a jurisdição dos juízes militares e a aplicação das penas da legislação militar, em tempo de guerra, ou na zona de operações durante grave comoção intestina.

A Emenda 1 admite que seja o Presidente da República autorizado, pela Câmara e Senado, a declarar a comoção intestina grave, com finalidades sub-versivas das instituições políticas e sociais, equiparada ao estado de guerra, em qualquer parte do território nacional.

Sem me alargar sobre o assunto e sem procurar aprofundá-lo, direi, no momento, que bem me parece que, no caso previsto na Emenda 1, da mesma sorte que no caso de guerra previsto nos arts. 84 e 85, pode a lei regular a juris-dição militar e estendê-la aos civis, especialmente para a segurança interna do país, e das instituições políticas e sociais.

Essa matéria, que é nova na Constituição de 1934, inspirada em consi-derações atinentes a fatos de gravidade excepcional, que exigem repressão e repulsa tão imediatas e radicais como as que se opõem às expressões externas, não pode ser encarada à luz dos princípios puros da Constituição de 1891 e ao critério de seus liberais comentadores.

Para o caso especialmente contemplado, a medida especialmente esta-belecida com os seus consectanos jurídicos, sem dúvida, deduzidos teleologi-camente, afastada a falsa orientação que leve à inutilização prática da medida.

Quanto ao art. 113, n. 25, da Constituição, que proíbe o foro privilegiado e os tribunais de exceção, creio, em primeiro lugar que se não trata de tribunal de exceção, no sentido da lei, mas de tribunal especial para uma situação espe-cial, abrangendo todos os que nela se encontrem e entrando em função sempre que ela se apresente; e cuja constituição, aliás, não destoa da dos tribunais mili-tares; além disso, seria de atender a que se trataria de garantia individual sus-pensa por força do estado de guerra.

No que diz respeito ao n. 26 do mesmo art. 113, já tive ensejo de me pro-nunciar sobre a inteligência do princípio constitucional, procurando demonstrar que o novo texto não diverge substancialmente do da Constituição de 1891; fiz ver também que as próprias leis de processo não retroagem quando daí possa advir prejuízo ao processado. Quanto às leis de organização judiciária, aplicam-se sempre aos processos pendentes.

Mas esse dispositivo também constitui uma garantia individual que se não poderá invocar, suspensa como está, no período de estado de guerra.

Em seu voto preliminar, o Ministro Bento de Faria seguiu pronunciamen-tos anteriores, recusando-se a apreciar habeas corpus em período de estado de guerra. Por isso, não conheceu do pedido.

Em seguida votou Carlos Maximiliano, que debateu com Costa Manso:O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Estou de acordo com o Sr. Relator, no

seu muito brilhante voto, devendo acrescentar, apenas, algumas considerações.Nem a letra da Constituição nem a da lei ordinária declaram que as leis

de organização judiciária não se aplicam aos casos pendentes. Não se pode

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Memória Jurisprudencial

inferir isso de qualquer texto legal e, igualmente, nada de semelhante se encon-tra em qualquer autor; afirmam todos justamente o contrário.

Basta lembrar a seguinte hipótese: suponhamos que o legislador ordi-nário, ou até mesmo o constituinte, suprimisse certo tribunal e criasse outro. Como se iriam julgar os crimes que estavam sujeitos à jurisdição desse tribunal? Ficariam impunes, simplesmente porque o tribunal, que os devia julgar, havia deixado de existir? Não! Nunca se pensou, nem é possível pensar, que o legis-lador esteja impedido de melhorar a organização judiciária, sem obrigação de deixar, provisoriamente, funcionando os aparelhos defeituosos anteriores, até que todos os processos em andamento, ou em possível andamento, fossem con-clusos. Nem mesmo teoricamente isso se poderia pensar.

O Sr. Ministro Costa Manso (Relator): Até que prescrevessem crimes de réus foragidos, por exemplo.

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Se o tribunal anterior foi suprimido, é de supor-se que o foi porque não servia. Esta questão principal.

Quanto ao processo, peço licença para acrescentar, ainda, um argumento. Não daria habeas corpus a um acusado para não ser processado.

O Sr. Relator foi, até, liberal, pois o paciente não juntou prova alguma de que estava denunciado perante o Tribunal de Segurança. Por conseguinte, pede habeas corpus contra uma lei e não contra qualquer ato.

O Sr. Ministro Costa Manso (Relator): É fato notório a denúncia contra o impetrante.

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Estamos julgando, simplesmente, um recurso e, há dias, aliás, já tivemos ocasião de examinar essa questão: desde que, no juízo recorrido, uma prova não foi feita ou uma questão levantada, o juiz ad quem não toma conhecimento. Do contrário, suprimiríamos uma instância quanto à matéria.

Por essas razões, nem examino esta questão, em primeiro lugar, porque não foi ventilada e decidida no juízo recorrido. Por outro lado, nulidades de pro-cesso, sejam de que qualidade forem, só podem ser conhecidas se forem aplica-das em prejuízo do réu. Ora, o próprio impetrante confessa que se lhe não foi aplicada penalidade alguma; declara, ainda, que, como todos os outros presos, não se irá defender ante aquele tribunal.

Ora, não é direito de pessoa alguma — deixar de comparecer perante um tribunal organizado por lei. O direito do réu — e também o seu dever — é com-parecer perante o Tribunal, seja ele bem ou mal organizado, e precisamente ali argüir o seu direito, inclusive a defeituosa organização do juízo. Desatendido, então, em grau de recurso, deve sustentar a mesma tese.

Fizemos, pois, um ligeiro acréscimo, quase desnecessário, porque o bri-lhante Relator esgotou o assunto; e eu estou de acordo com S. Exa.

Quanto ao mérito, manifestou-se Bento de Faria:O Sr. Ministro Bento de Faria: Indefiro o pedido, de acordo com a opi-

nião dos meus ilustres colegas.Consola-me, grandemente, a decisão do Tribunal, por ver que não me

havia equivocado quando afirmei que o Tribunal de Segurança é perfeitamente constitucional e que os crimes atribuídos ao impetrante e seus companheiros de prisão podem ser submetidos ao seu julgamento.

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Ministro Carlos Maximiliano

A votação seguiu com o Ministro Laudo de Camargo, que indeferiu o pedido.O Sr. Ministro Laudo de Camargo: Não dou pela inconstitucionalidade

do Tribunal de Segurança Nacional, porquanto o considero antes especial que de exceção.

Fosse desta natureza e contaria com a proibição constitucional.Mas foi a própria Constituição que o permitiu nestes termos: são órgãos

da Justiça Militar o Supremo Tribunal Militar e os tribunais e juízes inferiores criados por lei (art. 86).

Logo, a lei que a criou não é ofensiva ao preceito.Nem se argumente com a temporariedade das funções.Embora certo que, em geral, os tribunais são permanentes, como vita-

lícios os juízes, nem por isso se poderá dizer o mesmo quanto aos tribunais militares de primeira instância, em regra temporários, como temporários conse-qüentemente os seus membros.

Dir-se-á ainda que a competência dos juízes federais, para o processo e julgamento dos crimes de que se trata, se tornou expressa pelo art. 81, letras i e l, da Constituição.

Bem de ver, entretanto, que os preceitos legais não se interpretam isola-damente, senão em confronto uns com os outros.

E, com esse procedimento, vamos encontrar o legislador constituinte permitindo fosse alterada essa competência, quando feita por lei e em casos expressos, nos termos do art. 84.

Segue-se daí que a alteração se apoiou em uma lei, sem ofensa à Constituição, que, aliás, previu a alteração, segundo o art. 9, parágrafo único, das Disposições Transitórias.

Releva ainda consignar que, no HC 25.625 e por acórdão de 5 de novem-bro de 1934, decidiu a Corte Suprema não haver o direito de exigir, como adquirido, a subsistência de um poder jurisdicional revogado, para o fim de ser julgado por certo juiz ou tribunal de preferência a outro.

Por último, objeta-se não serem retroativas as leis penais, a menos que beneficiem o réu.

Na de número 244, deparam-se, realmente, certas normas colidentes com a Constituição, restringindo a defesa, que ampla é.

Mas nem tudo que ela encerra se poderá dizer inaplicável.Não obstante o estabelecimento de algumas normas irregulares, outras

há e regulares, sendo que o processo poderá noticiar a inobservância daquelas e assim a nenhuma ofensa aos direitos do acusado.

Só, portanto, com a apreciação de caso concreto, e após julgamento, é que se poderá dizer a respeito.

Antes disso, e não incompetente o juiz, nada se poderá invalidar prema-turamente no processo.

Indefiro assim o pedido.

Votou em seguida Octavio Kelly:O Sr. Ministro Octavio Kelly: Para o meu voto não preciso abordar a

questão de ser, ou não, constitucional, a lei que instituiu o Tribunal de Segurança e deu ao Supremo Tribunal Militar a 2ª instância de seus julgamentos.

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Memória Jurisprudencial

Desde quando juiz federal da 2ª Vara, sustentei que a irretroatividade das leis penais compreende as materiais, de organização judiciária e do processo, sofrendo apenas restrição se abrandam as sanções ou melhoram as condições da defesa. Esse ponto de vista levou-me, então, a suscitar um Conflito de Jurisdição ao se cuidar da aplicação dos arts. 2º, § 2º, do Decreto 4.848, de 1924, e 2º, in fine, do Decreto 4.861, do mesmo ano. E apoiava a opinião na regra do art. 72, § 15, da Constituição de 1891, que dispunha: “Ninguém será sentenciado senão pela auto-ridade competente etc.”, consagração do princípio do art. 11, n. 3, do mesmo esta-tuto: “É vedado aos Estados, como à União (...) 3º prescrever leis retroativas”.

E João Barbalho, que comentara aquele texto, ensinava que a expressão final do parágrafo — “em virtude da lei anterior e na forma por ela regulada” — equivale às regras e formalidades que a lei tem estabelecido para a regular e reta administração da justiça (Com. 2. ed. p. 435) — e que outras não são senão as que se relacionam com a extensão do poder dos juízes, demarcando-lhes os limi-tes de sua jurisdição e competência e traçando-lhes normas indeclináveis de agir.

A Constituição de 1934 foi mais rígida e desfez todas as dúvidas ao ins-tituir — “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente em virtude de lei anterior e na forma por ela prescrita” — (art. 113, n. 26). Assim disciplinado, o novo preceito reputou contrário aos direitos de defesa que linhas antes formulara (art. cit., n. 24), permitir-se a modificação das leis do processo após a verificação do crime, como já proscrevera a alteração da competência para o julgamento e a retroação majorativa da pena (art. cit. n. 27). E foi, por assim entender, que, ao se tratar da remessa dos autos já sentenciados pelos juízes federais à nova jurisdição de recurso, votei no sentido de continuar esta Corte com a incumbência de exercitá-la.

Verifico, entretanto, que, na espécie, se cogita, liminarmente, de subtrair-se aos mandamentos da lei de organização e processo do Tribunal de Segurança, acusados por delitos deferidos à competência julgadora desse órgão judiciário. Convenho em que certos preceitos do invectivado diploma afetam direitos e garantias que a Constituição superiormente tutela, mas porque não me cabe repeti-los, desde já, sem um exame mais detido do conflito do seu texto com a magna lei, só possível em recurso que admita maior discussão e controvérsia, deixo de os examinar no pedido de habeas corpus, sem, com isso, renunciar o propósito de fazê-lo, quando em grau de recurso vierem os respectivos autos à nossa apreciação para um pronunciamento final.

Por estas razões, adotando a conclusão do Sr. Ministro Relator, conheço do recurso, mas indefiro a súplica.

Como se vê, os Ministros do Supremo Tribunal admitiram o habeas cor-pus e, no mérito, indeferiram o pedido, unanimemente.

O habeas corpus de João Mangabeira foi um dos casos de mais impor-tância política, que marcou a Era Vargas e a atuação do Supremo Tribunal Federal, especialmente, como visto, com a intervenção de Carlos Maximiliano. Do ponto de vista mais dogmático, a ação acima identificada representou ten-tativa frustrada de se fazer controle de constitucionalidade via habeas corpus. No pano de fundo, a questão recorrente dos limites da retroatividade da lei.

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Ministro Carlos Maximiliano

4.2 ExPULSÃO DE ESTRANGEIROS E ExTRADIÇÃO

Expulsão de estrangeiro foi tema decidido no HC 26.870/DF, relatado pelo próprio Maximiliano e julgado em 19 de outubro de 1938. Percebe-se posi-ção liberal, que retoma jurisprudência que se consolidara ainda com o texto constitucional de 1934. Na ocasião ementou-se que, desde que transcorressem mais de três meses sem ser decretada a expulsão de estrangeiro indesejável, não poderia este continuar preso. Nos termos da decisão de Carlos Maximiliano:

ACóRDãOPela segunda vez pede habeas corpus Luiz Vilela, preso desde 7 de feve-

reiro do corrente ano, para ser expulso do território nacional, como indesejável dado à exploração do lenocínio. Sob o regime da Constituição de 1934, a Corte Suprema firmou a seguinte jurisprudência liberal: se não se consumasse dentro de noventa dias a expulsão do alienígena prejudicial aos interesses do país, seria o mesmo posto em liberdade, sem prejuízo da expulsão posterior. Por sugestão do então Procurador-Geral da República, atual Relator deste habeas corpus, feita pessoalmente à comissão de Justiça da Câmara dos Deputados, o prece-dente judiciário foi convertido em lei. Tal preceito foi revogado; na verdade, houve motivo para isto: vários representantes de nações estrangeiras retardam, adrede, o visto nos passaportes; por conseguinte, a autoridade coatora passa a ser, de fato, cada um daqueles diplomatas, contra os quais não pode agir o Judiciário do Brasil, e, sim, o Executivo. Entretanto, em relação aos ainda não expulsos, a responsabilidade é do Governo Nacional. Concordei em admitir um prazo razoável para ser ultimado o processo de expulsão; achei estar isto no espírito dos últimos decretos referentes à matéria; por isso, hei negado habeas corpus a qualquer expulsando.

Não é de presumir, entretanto, pretender o legislador sancionar a iniqüi-dade em que consistiria o deixar eternamente alguém preso, sem ter contra si um decreto que o exclua da comunhão com os brasileiros; por assim entender, volto, em parte, à jurisprudência liberal mencionada; concederei habeas corpus, sem prejuízo da expulsão, aos que estiverem detidos há mais de três meses, sem ter sido contra eles lavrado decreto de expulsão. Neste sentido, eu defiro o pedido, porque, em ofício de 6 de outubro corrente, informou o Exmo. Sr. Ministro da Justiça que o paciente foi recolhido ao presídio em 7 de fevereiro e até hoje não foi lavrado o decreto de expulsão.

Decidiu-se também que só era brasileiro — e, portanto, não poderia ser expulso do Brasil — quem, alegando ter nacionalidade brasileira, provasse, de modo pleno, compra de imóvel, mediante escritura válida e registrada, bem como casamento com brasileira, ou o nascimento de filho brasileiro. É o que emergiu no RHC 26.143/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 12 de junho de 1936, em que se percebe ainda animado debate:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, Agostinho da

Trindade, dado como português e na iminência de ter ordem de expulsão do

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Memória Jurisprudencial

território nacional, pede uma ordem de habeas corpus, juntando à inicial certi-dões em que prova haver desposado mulher brasileira e possuir filhos também brasileiros. Só isso.

O meu primeiro movimento foi trazer o processo ao conhecimento da Corte Suprema, porque ele próprio declarava que era considerado, pela polícia, como homem perigoso à ordem pública. Porém, num liberalismo, atendendo a que solicitava fosse ouvido, primeiramente, o titular da pasta da Justiça, resolvi pedir informações. Em resposta, S. Exa. asseverou que o requerente espalhava boletins subversivos, exercia abertamente uma atividade comunista na capital da República, acrescentando: ainda que tivesse bens imóveis no Brasil, não era aconselhável conceder o habeas corpus, para evitar a expulsão em virtude da lei de segurança nacional; e S. Exa. chega a citar o artigo. É o dispositivo em que se declara que, mesmo que o indivíduo contenha bens imóveis no Brasil, será expulso se exercer atividade contrária à ordem pública.

Na mesma data em que o Sr. Ministro da Justiça mandou esses informes, o advogado do requerente entrou com uma petição a mim dirigida, pleiteando a juntada de uma certidão, a fim de provar que o seu cliente havia comprado um imóvel no Distrito Federal.

É o relatório.

VOTOSenhor Presidente, este habeas corpus comporta duas questões muito

interessantes e completamente novas, e vou declará-las no Tribunal, para que reconheça a necessidade de prestar muita atenção e meditar sobre elas.

A primeira é esta: um indivíduo brasileiro, tendo ordem de expulsão do território nacional, durante o período de estado de guerra, pode requerer habeas corpus, apesar de a lei declaratória do estado de guerra ter suspenso essa garan-tia constitucional e o Tribunal haver resolvido — e eu próprio o sustentei em parecer na qualidade de Procurador-Geral — que não se deve conhecer de pedi-dos dessa natureza desde que a autoridade dada como coatora informe sofrer o mesmo indivíduo coação porque é prejudicial à ordem pública?

A segunda é a seguinte: quando a Constituição diz ser brasileiro todo aquele que tiver bens imóveis no País, deve entender-se o que, no momento da expulsão, ainda os possui, ou o texto abrange aos que, por acaso, hajam possuído e deles se tenham desfeito?

O documento apresentado pelo paciente não prova que, atualmente, seja proprietário; prova, apenas, que, em certa época, assinou uma escritura de compra.

O Sr. Ministro Bento de Faria: Nessa ocasião, já era casado com mulher brasileira e tinha filhos brasileiros?

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Creio que não, mas essa circunstância não importa.

O Sr. Ministro Costa Manso: Foi antes de ser promulgada a Constituição?O Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): O caso, ponto por ponto.

O brasileiro, em hipótese alguma, pode ser expulso. E, como salientei, a Corte Suprema já resolveu que, durante o estado de guerra, não se concede habeas corpus à pessoa cuja atividade seja prejudicial à ordem pública e nociva aos interesses do País. As informações ministeriais, aliás, bem curtas, dizem (...)

A mim parece que o brasileiro não pode ser expulso. Por isso, é nosso dever deferir uma ordem de habeas corpus nesse sentido? Se um indivíduo é

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Ministro Carlos Maximiliano

mandado para fora do País, durante o estado de guerra, sendo brasileiro, ipso facto, essa expulsão não prevalecerá depois de terminado esse mesmo estado de guerra. Logo, há, somente, um defeito de expressão: em vez de expulso é banido, justamente o que se fez na Revolução de 1930. Mas a pena de banimento está proibida pela Constituição. O Governo, receoso de que uma interpretação libe-ral abrangesse às pessoas banidas durante o aludido estado de guerra, quando o decretou, entre garantias que não mantinha, colocou a do n. 29 do art. 113, justamente a que proíbe o banimento.

Por conseguinte, não existe garantia contra a pena de banimento. Mas, o requerente, enviado para Portugal, sendo brasileiro, ficaria, de fato, não expulso — pouco importa o termo, quando a verdade é esta —, porque, acabado o período de estado de guerra, impetraria uma ordem de habeas corpus para regressar ao Brasil.

Entretanto, essa questão subordina-se à outra circunstância.Na polícia, houve um longo processo de expulsão, onde se admitiu a

prova e contraprova. Agostinho da Trindade nunca provou que tinha bens imó-veis no Brasil e nem procurou fazê-lo. Na inicial, também não o diz: declara que era casado com mulher brasileira antes de promulgada a Constituição de 1934 e possuía filhos nascidos aqui e, ainda, haver exercido duas profissões no Brasil — a de chofer e a de barbeiro —, exatamente duas das três que contam maior número de comunistas, a saber: padeiro, barbeiro e chofer.

Como disse, solicitei informações ao Sr. Ministro da Justiça. No dia 3 recebi a resposta de S. Exa., e nessa mesma data também despachei uma petição do interessado em que declarava ter adquirido um imóvel no Distrito Federal, sem que, no entanto, tivesse o cuidado de anexar à mesma uma certidão do Registro de Imóveis, a fim de provar o que asseverava.

O Sr. Ministro Ataulpho de Paiva: Não juntou documento probatório?O Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Não.O verbo “possuir”, empregado na Constituição, quer dizer que possui

atualmente bens imóveis. No processo, realmente, encontra-se certidão de uma escritura de compra e venda, passada a 26 de março. Nessa data, adquiriu, na Freguesia do Irajá, um terreno medindo 22 metros de frente por 22 de largura, com extensão de 30 metros.

O Sr. Ministro Bento de Faria: De que data é?O Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): A aquisição se fez em

1919; porém, da certidão do Registro de Imóveis não consta que, atualmente, a propriedade ainda lhe pertença.

O Sr. Ministro Bento de Faria: O interessado não prova que, quando se casou, possuía esse terreno?

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Não se sabe se a propriedade continua em seu poder. A certidão do Registro de Imóveis silencia a respeito.

Agostinho da Trindade juntou também a certidão do casamento, reali-zado em 14 de dezembro de 1920, antes da aquisição. A 16 de abril de 1921, nasceu-lhe um filho e em janeiro de 1923 uma filha. Anexou também outra certidão, fornecida pelo Consulado de Portugal, na qual está consignado não haver declarado manter a nacionalidade de origem (portuguesa). O Consulado foi além: informa que nem sequer sabe se o paciente é português.

Preliminarmente, não tomo conhecimento do pedido, porque entendo não estar suficientemente provado que o requerente seja brasileiro e possua, atualmente, bens imóveis no País. E, se o fosse, pedia ser banido, não expulso.

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Memória Jurisprudencial

Terminado o período de estado de guerra, se voltasse ao Tribunal, provavel-mente eu examinaria o caso com outra orientação.

No presente momento, como disse, não conheço do pedido; se dele conhecesse, seria para indeferi-lo.

Fixou-se jurisprudência que dava conta de que a prova de ter filhos brasi-leiros, e de estarem vivos, era indispensável ao estrangeiro, para evitar a expul-são. É o caso do HC 26.790/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 20 de julho de 1938:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o presente habeas

corpus é o primeiro a ser submetido ao nosso julgamento apoiando-se na nova lei de expulsão, na parte em que abre exceção para certa categoria de estrangeiros.

Isaias Chaba já estava expulso do território nacional quando foi promul-gada essa lei, cujo um dos dispositivos estatui que não serão expulsos os estran-geiros residentes no Brasil há mais de 25 anos e que tenham filhos brasileiros vivos, oriundos de justas núpcias; prevalecendo-se dela, então, pediu habeas corpus, alegando aquele tempo de residência e juntando certidão de nascimento de uma filha.

As informações das autoridades competentes dizem que a ordem de expulsão fora expedida por ser o paciente vagabundo sem profissão e que ainda não havia sido cumprida em virtude de dificuldades na obtenção do passaporte, uma vez que o paciente ora dizia ser de uma nacionalidade, ora de outra; conse-guira-se, afinal, que o cônsul inglês visasse o passaporte. Todavia, o expulsando não comparecia à aludida chancelaria, a fim de regularizar a sua situação.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): A regra é que só brasileiros

não podem ser expulsos. Assim, parece-me que a disposição da lei, a que me referi, favorável a determinados estrangeiros, constitui preceito excepcionalís-simo. Devo, portanto, interpretar o seu texto com o máximo rigor.

Declara ela que não serão expulsos os estrangeiros que contarem mais de 25 anos de residência no Brasil e tiverem filhos brasileiros vivos, oriundos de justas núpcias. Não basta, pois, que tenham filhos nascidos no Brasil; é preciso que esses filhos estejam vivos.

Ora, o paciente juntou certidão de casamento e de nascimento de uma menina, mas não provou que esta esteja viva, como não provou, também, ter mais de 25 anos de residência no País. Afirma-o, apenas, e sendo, como é, indi-víduo de péssimos antecedentes, tal afirmativa não basta.

Nego, por conseguinte, o habeas corpus impetrado.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negaram a ordem, unani-

memente.

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Ministro Carlos Maximiliano

Questão de expulsão de estrangeira também foi debatida no famoso caso Olga, quando se discutiu a propósito da expulsão de Maria Prestes, alemã que esperava um filho de Luís Carlos Prestes, e que fora entregue às autoridades da Alemanha nazista. O voto do Ministro Carlos Maximiliano é histórico, e segue na íntegra, tal como se encontra no HC 26.155/DF, decidido em 17 de junho de 1936:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o advogado, na petição inicial, publicada na imprensa e remetida a todos nós, faz certas alega-ções que precisam ser examinadas. Uma delas, e talvez a mais séria, é que a pes-soa acusada de crime inafiançável ou de crime em geral, e contra a qual se hajam extraído provas convincentes, não é expulsa preliminarmente, ao contrário, é processada primeiro, condenada a cumprir a pena e depois expulsa. Lembra, por isso, que, no caso em apreço, se devia proceder desta maneira, diante as notícias circulantes, isto é, que se trata de pessoa terrivelmente perigosa e comprova-damente delinqüente, sujeita aqui a cumprimento de pena; só depois devia ser expulsa do território nacional. Mas, em apoio dessa sua afirmativa, tanto quanto coligi da leitura, produzida com a maior clareza, pelo Sr. Ministro Relator, o advogado não juntou prova alguma...

O Sr. Ministro Bento de Faria (Relator): Até prova em contrário.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: ...quando podia tê-lo feito. Por outro

lado, os tribunais devem aceitar como verdadeiras as informações das autorida-des, até prova em contrário. Não as há, e fica de pé a informação da autoridade declarando que não existe um processo criminal no qual tenha sido apurada res-ponsabilidade suscetível de determinar o recolhimento dessa senhora à cadeia, por alguns anos.

Este argumento, portanto, e que me parece, repito, o mais interessante, na espécie em julgamento, desaparece por falta de prova do impetrante.

S. S., no entanto, com certeza não satisfeito, invoca um outro: essa senhora, regenerando-se pelo amor, como a Dama das Camélias, iria, e deseja mesmo, no recinto da prisão, com afagos, carinhos e conselhos, regenerar tam-bém o revolucionário Luís Carlos Prestes!

Não acredito que este seja um fundamento para habeas corpus, tanto mais quanto, nos presídios, os casais jamais se unem, pelo fato de os homens serem alojados em compartimentos isolados dos destinados às damas, salvo se o Regulamento não é obedecido, quando, então, dar-se-ia a lamentável promis-cuidade dos dois sexos, permitindo, aí sim, a conversão ou a rendição de um revoltoso às atitudes ternas da mulher amada.

Ainda existe, Senhor Presidente, outro motivo que me obriga a examinar o caso em debate.

O advogado declara que se vai expulsar ou banir uma brasileira.Se tal estivesse na iminência de acontecer, isto é, se uma autoridade pre-

tendesse expulsar ou banir um nacional, a questão, sem dúvida, seria objeto de exame por parte desta Corte Suprema. E desde que o advogado levantou a tese, sou forçado a apreciá-la, considerando a espécie em plenário.

A paciente Maria Prestes é brasileira? O seu advogado não o provou; ape-nas limitou-se a articular, para a sua defesa, as notícias publicadas nos jornais, e referentes a acontecimentos anteriores. No entanto, essas notícias apontam-na como amante de um terrível revolucionário alemão, ao qual deu fuga das pri-sões alemãs. E por isso foi expulsa da Alemanha, comprometendo o seu direito

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Memória Jurisprudencial

de permanecer no país. É brasileira, afirma o advogado, porque está para lhe nascer um filho.

A Constituição só considera brasileiro o nascido no Brasil e não aquele que tenha sido arranjado no Brasil.

Salienta o advogado, para sustentar o seu ponto de vista, que a criança tem, por direito, a proteção e o apoio das nossas leis. Assim, o presente habeas corpus seria para um feto, para lhe reconhecer o direito de sair das entranhas maternas. Não compreendo habeas corpus dessa natureza. Pelo contrário, até julgo uma tese difícil de ser defendida com êxito. Ainda mais: a maternidade, no caso, é certa, o que não sucede quanto à paternidade, pois ao tempo da con-cepção não se sabe onde se encontrava Luís Carlos Prestes, talvez mesmo no Paraguai... No nosso país não se achava.

Desse ponto de vista, ainda não poderia deferir o pedido. Mas o advo-gado assevera que, implicitamente, a criança será expulsa.

Esse fato acontece com todas as expulsandas; todas levam em sua companhia, fora ou dentro do ventre, os filhos que tenham. É um direito e até uma obrigação.

A Constituição de 1891 e a atual, excepcionalmente, proíbem a expulsão de quem tenha filhos brasileiros possuindo imóveis no País. Logo, o direito de ter filhos não impede a expulsão; é preciso que seja proprietário. Esta não é a situação de Maria Prestes; pelo contrário: não é casada com brasileiro, não pos-sui imóveis, e o filho ainda não nasceu.

Incansável na defesa da sua constituinte, o advogado apela para a exis-tência de um processo de extradição eivado de nulidades, sem provar quais sejam, e ainda que o conseguisse, o Poder Executivo, desde que não se trata de nacional, pode expulsar, uma vez fique evidenciada a periculosidade do indi-víduo à ordem pública. O direito do Governo para expulsar é absoluto, em se tratando de estrangeiro.

Por todos estes motivos, conheço do pedido, mas o indefiro, de acordo com o Relator, Sr. Ministro Bento de Faria.

No HC 26.745/DF, relatado por Laudo de Camargo e julgado em 15 de junho de 1938, discutiu-se a expulsão de indivíduo que chegou ao Brasil com seis anos de idade, casou-se com brasileira, e que exercia a profissão de moto-rista. O habeas corpus objetivava evitar a expulsão da paciente. No voto de Carlos Maximiliano há impressionante observação, no sentido de que a lei que se aplicava era mal redigida, mas que o fato era regra, há mais de 30 anos:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, também nego a ordem.Da vez passada, examinando este artigo segundo o qual, enquanto não

se consumar a expulsão, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores poderá ordenar ou manter a prisão do expulsando, ou, quando for o caso, mandar que continue preso, tive oportunidade de dizer que já não podíamos conceder ordem de habeas corpus nesses casos. O art. 2º, no meu entender, estabelecia que o indivíduo proxeneta, por exemplo, fosse primeiro pronunciado e condenado e só depois expulso.

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Ministro Carlos Maximiliano

Ora, estes crimes, por uma lei especial, se tornaram inafiançáveis, de modo que os indivíduos podiam imediatamente ter uma ordem de prisão pre-ventiva, que seria confirmada, depois, por uma sentença condenatória. Então, o Governo manteria a prisão.

A lei atual modificou esta situação — e vim a saber que o meu voto influiu, em grande parte, para essa mudança, eis que uma autoridade o levou a outra, a fim de mostrar que, em virtude dessa disposição, não se podia expulsar o proxeneta nem o vagabundo.

Revogado implicitamente o art. 2º, hoje qualquer um pode ser imediata-mente expulso, sem qualquer pronunciamento judiciário.

Estamos, portanto, diante de uma mudança de orientação evidente da parte do Governo. Acrescente-se, ainda, que o Presidente da República é o único juiz da conveniência da expulsão, uma vez que, com exceção de dois casos, o Judiciário não toma conhecimento das expulsões.

Reconheço que a lei está mal redigida. Mas todas as leis, de há uns trinta anos para cá, são mal redigidas.

Por conseguinte, nego a ordem.

No HC 26.770/DF, relatado por Carlos Maximiliano, também se discutiu expulsão. No caso, havia inúmeros elementos fáticos, que Maximiliano tomou do relatório policial, e que explicitou e enfrentou:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O presente pedido de habeas corpus

é impetrado em favor de Antonio Nunes.Alega-se que, ao ser preso o paciente, como suspeito de comunista, para

ser solto mais rapidamente, preferiu ser expulso e deu a identidade falsa de Belsario dos Anjos, português. Assim seguiu todo o processo de expulsão e, finalmente, foi lavrado o respectivo decreto.

No entanto, Antonio Nunes é funcionário da Marinha Mercante, onde foi matriculado como brasileiro.

Junta, então, carteira de identidade, donde, aliás, não está a naturalidade.Pedi informações, por achar difícil, em habeas corpus, apurar questão

de identidade, porque ele mesmo declarara ser português e se chamar Belisario dos Anjos.

Vieram-me elas em cópia do relatório da polícia, que passo a ler:polícia civil do Distrito Federal, Delegacia especial de segurança

política e social, seção de segurança social. Data do início desta ficha: 7-11-1934. Fotografado em: de... de 193... Nome do identificado: Belisario dos Anjos. Nome do Pai: João Bernardino. Nome da mãe: Adelaide Rosa. Nacionalidade: português — Naturalidade Localidade — Idade: 24 anos. Nascido em — Estado civil — Profissão atual: garçom — Sabe ler e escrever — Residência atual: Rua Carolina Machado, 1016 — Pessoas que conhecem o identificado: nome de policiais que o conhe-cem. Histórico: foi preso no Sindicato dos Garçons, à Rua dos Arcos, 26, em uma reunião comunista, presidida pela C.G.T.B., sob a dire-ção do Partido Comunista em 6-11-1934. Foi recolhido ao Depósito de Presos, em 6-11-1934. Foi posto em liberdade em 8-11-1934. Preso, por ordem do Sr. Delegado Especial, como medida preventiva de segurança

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política e social, em virtude de reiteradas atividades pró-bolchevisação do Brasil, em 23-10-1937. Procedendo-se busca em sua residência, foram ali apreendidos os seguintes livros: Berzin — o amor no país dos soviets, Nach, Moscou Ville rouge e uma cópia da defesa do comunista antonio Maciel bomfim, em 23-10-1937. Foi identificado, fotografado e recolhido à Sala de Detidos, em 23-10-1937. Prestou as declarações, cujo termo se acha por cópia, neste prontuário, em 3-11-1937. Transferido para a Casa de Detenção, à disposição do Exmo. Sr. Chefe de Polícia (Of. 570/S-2), em 3-11-1937. Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1937. Confere: Encarregado do Expediente J. de Oliveira Dias — Conforme: Seraphim Braga. Chefe da Seção. Termo de declarações que presta belisario dos anjos, na forma abaixo: Aos três do mês de novembro do ano de mil novecentos e trinta e sete, nesta Seção de Segurança Social, da Delegacia Especial de Segurança Política e Social, onde se achava o respectivo Chefe, Sr. Seraphim Braga, comigo João de Oliveira Dias, Encarregado do Expediente, compareceu belisario dos anjos, português, natural de Trás-os-Montes, onde nasceu a quatorze de fevereiro de mil novecen-tos e dez, filho de João Bernardino Revoredo e de Adelaide dos Anjos, solteiro, garçom, trabalhando no Restaurante “Alba Mar” — Mercado Municipal, e residente à rua Riachuelo, duzentos e quarenta e cinco, o qual tendo sido preso no dia vinte e três do mês último, inquirido, disse: que, conhecendo embora Manoel Passos Gil, do “Centro Cosmopolita”, quando ambos foram sócios desse Centro, desde o Carnaval de mil nove-centos e trinta e três, não mais se avistou com ele; que só veio a saber que Passos Gil era comunista, depois da prisão do mesmo, e isto por intermédio de companheiros de trabalho; que, conhecendo Assis Halem, na mesma época, da “União dos Garçons”, mais tarde, quando este foi solto, o encontrou, isto há cerca de dois meses, no “Café Indígena” — Largo da Lapa, esquina de Men de Sá, e que, nessa ocasião, vendo o estado de penúria em que o mesmo se achava, ofereceu-lhe uma camisa que não pôde dá-la no momento, porque essa camisa estava na lava-deira; que, desde então, não mais se avistou com o referido Assis Halem; que, sabendo ser este adepto do comunismo, o aconselhou a deixar esse credo; que, quanto aos livros e folhetos arrecadados pela polícia em sua residência, e que ora lhe são apresentados, o explica: o livro “cento por cento de amor, de volúpia, de especulação — o amor no país dos soviets”, o trouxera do “Centro Cosmopolita”; que o outro livro “Moscou Ville rouge”, ele, declarante, desconhece o seu conteúdo, por ser o mesmo escrito em francês, língua que ele ignora; que, finalmente, quanto ao folheto (Defesa de Antonio Maciel Bomfim), estava dentro do último livro acima referido, o qual foi encontrado pelo declarante numa gaveta da casa onde trabalha (restaurante Alba Mar), parecendo-lhe que tanto o livro como o folheto fossem ali deixados (na chapelaria) por algum freguês, como freqüentemente acontecia. E como nada mais disse nem lhe fosse perguntado, mandou o Sr. Chefe da Seção se encer-rasse o presente termo que, depois de lido e achado conforme, assina o declarante com o referido Sr. Chefe da Seção e comigo Encarregado do Expediente. Eu, João Pires de Camargo n. 882 — Investigador n. 882 — oitocentos e oitenta e dois — o datilografei. Seraphim Braga.

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Ministro Carlos Maximiliano

J. Oliveira Dias. Belisario dos Anjos. confere: (a) A. de Saldanha, Datilógrafo. conforme: (a) M. L. M. Medeiros.

polícia do Distrito Federal — auto de Qualificação e de perguntas na forma abaixo. Aos nove dias do mês de novembro do ano de mil nove-centos e trinta e sete, neste Distrito Federal e na Terceira Delegacia Auxiliar, onde se achava o respectivo Delegado, Senhor Doutor Dulcidio Gonçalves, comigo, escrivão da classe F de seu cargo adiante declarado, aí presente o acusado Belisario dos Anjos, o Dr. Delegado o qualifi-cou, fazendo-lhe as seguintes perguntas: Qual o seu nome? Respondeu chamar-se Belisario dos Anjos. Qual a sua filiação? Respondeu ser filho de João Bernardino Rivoredo e de Adelaide Rosa. Qual a sua idade? Respondeu ter vinte e sete anos de idade. Qual o seu estado civil? Respondeu ser solteiro. Qual a sua residência? Respondeu residir à Rua do Riachuelo n. 245. Sabe ler e escrever? Respondeu sim. Qual o lugar de sua última residência no país de origem? Respondeu ser no Lugar de Jou, Conselho de Murça de Trás-os-Montes. Qual a data em que chegou ao Brasil? Respondeu ser no mês de dezembro do ano de 1923, não se recordando o dia. Qual o meio de transporte que utilizou para esse fim? Respondeu ter sido o navio alemão “Sante Sá”. Qual o lugar em que resi-diu imediatamente antes de vir para o Brasil? Respondeu no Lugar de Jou, Conselho de Murça do Trás-os-Montes. É reservista do Exército ou da Armada do seu país de origem? Respondeu não. Possui passaporte ou outra qualquer prova de nacionalidade? Respondeu que não. E mais não respondeu, nem lhe foi perguntado, pelo que o Doutor Delegado mandou encerrar este auto, que depois de lido e achado conforme, assina com o acusado e com Salvador Corrêa Gonçalves, residente à Rua General Pedra, número duzentos e vinte e um, casa um, e Thyerre Barreto, resi-dente à Rua Dona Minervina, número quarenta e dois, que assistiram a lavratura deste termo. Eu, Daniel Cardoso Real — Escrivão da Classe F, o datilografei. E eu, assinatura ilegível, Escrivão da Classe J, o subscrevo. Dulcidio Gonçalves. Belisario dos Anjos. Salvador Corrêa Gonçalves. Thyerre Barreto. confere: (a) A. de Saldanha — Datilógrafo. conforme: (a) M. L. M. Medeiros.É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Senhor Presidente, em

habeas corpus, é muito difícil examinar questão de prova. O paciente tem outros meios judiciais de que se socorrer; pode propor ação, baseada na nacionalidade, durante a qual não será preso, de acordo com a lei.

Não há, aliás, aqui, prova plena de que seja cidadão brasileiro.Além do mais, está preso como comunista, por medida de segurança pública.Por tudo isso, denego a ordem.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Denegaram a ordem, una-

nimemente.

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Memória Jurisprudencial

Em tema de extradição, Carlos Maximiliano fixou entendimento realista em voto que proferiu no HC 26.311/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly e julgado em 9 de dezembro de 1936:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Como Relator do pedido de extra-dição apresentado pela Embaixada do respectivo país ao nosso, peço a palavra para dar alguns esclarecimentos à Corte.

Nesse assunto de extradição, acho que devemos encarar, sempre, a maté-ria com muito realismo, de forma a evitar, o quanto possível, aumente no Brasil o número de criminosos. Assim, como Procurador da República — e sei que os meus antecessores também procediam da mesma forma — sempre que faltava ao pedido quaisquer formalidades, como no caso presente, opinava no sentido de que a Embaixada completasse, na forma legal, o pedido. No caso sub judice, o que acontece é, justamente, coisa semelhante. De fato, falta, apenas, certo texto do código português, referentemente à prescrição. Como Relator do pedido de extradição, verificando essa falha, dei despacho no sentido de que a Embaixada completasse os papéis. Aliás, fui informado, particularmente, de que funcioná-rio da mesma aqui esteve, ontem, indagando a respeito, a fim de providenciar.

Agora, entretanto, o interessado alega que procedi contrariamente à juris-prudência da Corte Suprema, desde quando esta, encontrando os papéis em desor-dem, tem negado a extradição. Tanto isso não é exato que, ainda há poucos dias, em causa de que foi Relator o Sr. Ministro Ataulpho de Paiva, julgamos que se deviam solicitar as informações necessárias à Embaixada. Assim se fez e, na ses-são seguinte, continuando a discussão da matéria, foi ela julgada definitivamente.

Aliás, o Ministério das Relações Exteriores já nos devia enviar os papéis completos. Isso faz-me lembrar, até, o Visconde de Cabo Frio, que se gabava de não passar por ali coisa alguma que não fosse completada. E ele sabia fazê-lo de maneira diplomática e até elegante. Basta citar o caso de uma nota escrita em tom jacobino, no tempo de Saldanha, que ele redigiu de modo tal que nenhum outro o faria.

Eram estes, Senhor Presidente, os esclarecimentos que desejava dar aos meus eminentes colegas.

Expulsão também foi questão enfrentada no HC 26.682/DF, relatado pelo Ministro Armando de Alencar e julgado em 11 de maio de 1938. O paciente era acusado da prática de lenocínio e de falsamente se atribuir a qualidade de brasileiro nato, embora, ao tirar a carteira de motorista, se identificasse como argentino. Nos termos do voto do Ministro Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, concedo a ordem em atenção, exatamente, ao Decreto-Lei 392, de 27 de abril de 1838, invo-cado pelo Sr. Ministro José Linhares, o qual, longe de prejudicar, é muito mais benigna para com os indesejáveis do que a legislação anterior.

A legislação anterior sobre a matéria foi iniciada com o Decreto 1.641, de 7 de janeiro de 1907, cujo art. 2º estatuía:

São também causas bastantes para a expulsão:(...)§ 3º A vagabundagem, a mendicidade e o lenocínio competente-

mente verificados.

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Ministro Carlos Maximiliano

Entendia-se que, para se dar cumprimento a esse “competentemente veri-ficados”, bastava o inquérito policial.

Depois, veio o Decreto 2.741, de 8 de janeiro de 1913, que revogou, jun-tamente com outros, esse § 3º do Decreto 1.641.

Em seguida, a Constituição, com as emendas de 7 de setembro de 1926, no art. 72, § 33, estabeleceu:

É permitido ao Poder Executivo expulsar do território nacional os súditos estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses da República.E, igualmente, a Constituição de 1934, no art. 113, n. 15, determinou:

A União poderá expulsar do território nacional os estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses do país.Nos termos da Constituição, portanto, foi autorizada, pura e simples-

mente, a expulsão do indivíduo prejudicial.Isso acontece na legislação de todos os povos cultos. O decreto atual,

porém, modificou inteiramente o assunto.O art. 1º contém um preceito geral quando dispõe que é passível de expul-

são o estrangeiro que, por qualquer motivo, comprometer a segurança nacional, a estrutura das instituições ou a tranqüilidade pública. O art. 2º, n. 4, declara que, depois de cumprida a pena que lhe tenha sido imposta, fica sujeito a expul-são imediata o estrangeiro que houver sido condenado como autor ou cúmplice, em qualquer forma ou grau, nos crimes referentes a: venda de tóxicos e entorpe-centes, tráfico de mulheres, lenocínio, corrupção de menores, estupro. Por outro lado, o art. 3º, n. 4, preceitua que poderá ainda ser expulso, depois de cumprida a pena que tenha sido imposta, o estrangeiro que haja sido condenado no Brasil por crime inafiançável ou que, condenado por crime dessa natureza, se tenha evadido de outro país.

Por conseguinte, o indivíduo só pode ser expulso depois de condenado e cumprida a pena de lenocínio. Agora, não é possível a expulsão.

Temos de atentar, ainda, para os arts. 10o e 11o.Art. 10. Enquanto não se consumar a expulsão, o Ministro da

Justiça e Negócios Interiores poderá ordenar ou manter a detenção do expulsando, ou, quando for o caso, mandar que continue preso.

Art. 11. A alegação documentada da nacionalidade brasileira importa suspensão da expulsão; admitido, apenas, neste caso, o recurso ao Judiciário.

Parágrafo único. Enquanto não houver sentença definitiva, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores poderá usar da atribuição que lhe confere o art. 10.O Sr. Ministro José Linhares: A expulsão não pode ser decretada

enquanto não houver sentença definitiva.O Sr. Ministro Costa Manso: Haverá sentença judicial quando a parte

reclamar em juízo contra a expulsão, por ser brasileira.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Por conseguinte, era muito fácil

decretar a prisão preventiva e, nesse caso, teríamos de negar o habeas corpus. Em face da lei, entretanto, não se pode expulsar ninguém por lenocínio antes do processo.

Nessas condições, concedo a ordem, sem prejuízo do processo de expulsão.

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Memória Jurisprudencial

O controle da presença de estrangeiros em tempo de guerra era assunto reiteradamente apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. No HC 26.917/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 14 de dezembro de 1938, em que se ementou que não constituía constrangimento ilegal a prisão de estrangeiro que entrara irregularmente no País, justificando-se o repatriamento, julgou-se, como segue, na forma exposta por Carlos Maximiliano:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é paciente Alfredo Micael: este lituano impetrou habeas corpus, pelo fato de estar preso desde fevereiro para ser expulso do Brasil. Solicitadas informações ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça, verificou então, pela resposta, o Relator que o pedido era o segundo; ordenada a apensação dos autos do anterior habeas corpus, apurado ficou tratar-se de inicial absolutamente idêntica à primeira, que fora desatendida, contra o só voto do Relator, por se tratar de estrangeiro que entrara irregularmente no país. Se liminarmente o Relator verificasse ter em estudo segundo pedido igual ao primeiro, tê-lo-ia indeferido in limine. Trata-se de péssimo elemento, entrado irregularmente no país, dado ao vício da embriaguez e não dedicado a nenhuma espécie de trabalho: é o que informa a autoridade apontada como coatora. É caso de manter a decisão anterior; por isso, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

À época, definiu-se também que não constituía constrangimento ilegal a prisão de estrangeiro contra o qual fora expedido decreto de expulsão, não con-sumada em virtude da dificuldade na obtenção de passaporte visado por autori-dade diplomática ou consular competente. É o que foi decidido no HC 26.966/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 7 de dezembro de 1938, cujo acórdão é em seguida reproduzido:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é paciente Stefano Macaroff: Trata-se de um russo várias vezes preso como terro-rista; o próprio impetrante junta aos autos recortes de jornais em que se noticia haver ele feito falhar manifestações ao Dr. Armando Sales em Marília, mediante o expediente de interromper a iluminação, para o fim de facilitar atentados (fl. 23). Existe o decreto de expulsão, datado de 10 de março de 1937, e o Delegado de Vigilância e Capturas fez certificar não ter sido ainda consumada a medida, por dificuldade na obtenção de visto em passaporte para um russo, que, aliás, está preso desde 28 de julho deste ano, segundo a certidão de 23, embora ale-gue o peticionário achar-se detido há 880 dias. Infelizmente foi revogada a lei que em tais casos mandava recolher o expulsando a uma colônia agrícola. Nas circunstâncias atuais, e havendo já um decreto de expulsão, nada pode fazer o Judiciário. Pelas razões expostas, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

Decidiu-se também que o fato de residir um estrangeiro no Brasil há cinco anos, bem como de ser delinqüente primário, não seria obstáculo à sua expulsão. É o que se percebe na leitura da decisão proferida no HC 27.126/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 28 de junho de 1939:

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Ministro Carlos Maximiliano

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é paciente cesário pinto da cunha: O impetrante é português, explorador do leno-cínio; por isto, foi preso para ser expulso do país. Depois de quase três meses de reclusão, obteve habeas corpus. Volta, agora, ao pretório excelso, alegando que está domiciliado há mais de cinco anos no Brasil e é delinqüente primário; por isto, se achava convencido de não mais ser perseguido pelas autoridades; entre-tanto foi novamente preso e o informou a Polícia de haver sido expulso desde 4 de outubro de 1938; pede habeas corpus a fim de ser solto e não mais enviado para a sua terra. Solicitadas informações ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça, este não respondeu; impetrou o interessado a reiteração de diligência; veio então um ofício, no qual se comunicava o que, aliás, constava da inicial: ter sido lavrado decreto de expulsão e haver apenas dificuldade em conseguir o passaporte; mas o Ministério da Justiça acabava de oficiar ao das Relações Exteriores insistindo no sentido de se afastarem os embaraços na obtenção do documento necessário para o embarque do paciente. Como se vê, a autoridade coatora não é brasileira; da prolongada detenção deve queixar-se o paciente ao Governo de seu país. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

À época decidiu-se pela legalidade da prisão preventiva do extradi-tando, desde que fossem oferecidos pela autoridade diplomática impetrante do- cumen tos justificativos do pedido de entrega do criminoso comum. Tratava-se do HC 27.214/DF, julgado em 30 de agosto de 1939 e relatado por Carlos Maximiliano:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário, em que é paciente o engenheiro francês Pedro Guilherme Dreyffus: Alegando achar-se preso há mais de 45 dias para ser extraditado a pedido do Exmo. Sr. Encarregado de Negócios da República Argentina, sem que tivessem sido encaminhados os papéis justificativos da medida solicitada, Dreyffus fez impe-trar habeas corpus. A inicial veio desacompanhada de qualquer prova; por isto, o Relator a indeferiu in limine, de acordo com o disposto no art. 11, § 1º, do Decreto 19.656, de 3 de fevereiro de 1931. O advogado Dr. Raymundo Nonato da Costa Cruz pediu reconsideração do despacho, alegando que lhe negavam todas as certidões pedidas sobre o assunto e até o impediam de se comunicar com o paciente, e juntou o atestado de dois advogados militantes no foro do Distrito Federal afirmando terem visto Dreyffus preso na Casa de Detenção. Como se alegava outro constrangimento e talvez mais grave, a dificultação da defesa, o Relator atendeu à solicitação e pediu informações ao Exmo. Sr. Ministro da Justiça. Vieram estas e se encontram à fl. 19; por sua vez o advogado juntou documentos concernentes aos antecedentes de extraditando (fls. 14 a 17).

Não consta dos autos que o paciente se ache preso além do tempo legal, sem serem oferecidos, como alegou, os documentos justificativos da extradição. Não há prova nenhuma da data da detenção; e o Exmo. Sr. Ministro da Justiça informou o contrário do afirmado pelo impetrante, declarou haver recebido os papéis indispensáveis e os remetido, já, ao Supremo Tribunal. Por isto, acorda este em indeferir o pedido.

É também o caso do decidido no HC 26.934/SP, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo e julgado em 28 de dezembro de 1938. Em pequeno excerto

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Memória Jurisprudencial

do julgado, Carlos Maximiliano explicitava que não concebia a extradição como pena: tratar-se-ia de medida de ordem pública:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, também aplico a lei nova, não porque considere a expulsão como pena, pois ela me parece sim-ples medida de ordem pública; mas porque o próprio Governo achou não ser necessário expulsar do País estrangeiros que nele residam há mais de 25 anos e tenham filhos brasileiros.

Assim, concedo a ordem.

Outra expulsão de estrangeiro foi matéria decidida no HC 27.250/RS, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e julgado em 20 de setembro de 1939. Nos termos do voto do Ministro Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, parece-me que o que houve, na Polícia de Porto Alegre, foi o interesse de cumprir a lei; se o expulsando cometeu qualquer crime comum, deve, primeiro, cumprir a pena e, só depois, ser expulso. Ora, tendo notícia, certa ou não, de que havia contra o ora paciente processo, na Justiça comum de Bagé, foi ele remetido para lá, sem prejuízo da expulsão.

Aliás, esse caso de Bagé não seria da nossa competência originária: se foi preso, sem processo, devia ele dirigir-se ao Tribunal de Apelação do Estado.

Quanto ao outro fato, está claro que é legal a prisão, desde que está preso à ordem do Sr. Ministro da Justiça, para ser expulso.

Nestas condições, denego a ordem.

4.3 LEI DE IMPRENSA

A Lei de Imprensa e o julgamento dos crimes lá previstos pelo júri comum foi assunto debatido recorrentemente no Supremo Tribunal Federal durante a Era Vargas. No HC 26.241/BA, relatado pelo Ministro Octavio Kelly e julgado em 16 de outubro de 1936, a questão foi discutida. O voto de Carlos Maximiliano explorou aspectos finalísticos da norma que se discutia, nos termos seguintes:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, diante da controvér-sia que se esboçou, procurarei trazer ao debate elemento outro de exegese, que é o teleológico. — por que e para que o legislador exigiu que, no caso especial de deli-tos de imprensa, em vez de ser o indiciado sujeito a processo e julgamento perante o juiz comum, fosse submetido à apreciação de seus pares, os quais, conhecedores do efeito maléfico ou benéfico do ato incriminado, cientes do interesse social, cole-tivo, afetado, poderiam, melhor que o juiz togado, pronunciar o veredicto?

Foi este e não poderia ser outro o objetivo do legislador: fazer retirar o julgamento das estreitezas da técnica, exigir nele o pronunciamento do povo, dos jurados. Como, pois, se admitir que, em segunda instância, em tribunal inteiramente diferente, se reforme, de tal maneira, a decisão do pequeno júri?

De fato, o juiz da segunda instância, pela sua modalidade, critério, até pela consciência natural de seus deveres, só poderia examinar a questão sob o aspecto técnico, jurídico.

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Ministro Carlos Maximiliano

Mesmo achando a decisão contrária à prova dos autos, o tribunal de segunda instância só poderia mandar o réu a novo júri, como se faz com os tri-bunais populares comuns.

Não procedeu assim a Corte de Apelação da Bahia, pois resolveu refor-mar a sentença para condenar o réu absolvido. Foi um lapso, um escorregão dos magistrados, que não acompanho.

Estou, por conseguinte, com o ilustre Relator: concedo a ordem.É o meu voto.

Lei de Imprensa também foi objeto do julgamento proferido no HC 26.279/DF, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo e julgado em 9 de novembro de 1936. Entendeu-se que, quando a Lei de Imprensa falava em multa ou prisão, propiciava uma alternativa. Assim, condenado o agente em multa, a prisão, como acréscimo, qualificaria constrangimento ilegal:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Entendo que o pensamento do legis-

lador, proibindo se convertesse a multa em prisão, foi exatamente no sentido de regular o caso quando houvesse as duas penas. O costume era, em vários códi-gos, como no do Rio Grande do Sul, por exemplo, de se mandar fazer a avaliação da multa por peritos; para o efeito da conversão, estabelecia-se que o indivíduo, que não pagasse a multa, teria tantos dias de prisão quantos fossem os de traba-lho correspondentes à pena pecuniária. Destarte, elevava-se a multa, às vezes a proporções fantásticas.

O caso, porém, de pena alternativa, prisão ou multa, já é diferente. Na Inglaterra, onde estive em 1913, presenciei, nos pequenos tribunais, casos inte-ressantes nesse sentido. Nos delitos menos graves, o juiz, resumindo a falta do delinqüente, dava a sentença da seguinte forma: “Ou três dias de prisão, ou multa de cinco libras”, por exemplo. O criminoso, naturalmente preferindo satisfazer a multa, retirava-se, logo.

Ora, não creio seja este o caso previsto na Constituição, de maneira proibitiva.

Na verdade, o que a Carta Magna pretendeu vedar foi a conversão da multa em prisão, a transformação de uma em outra. Não, porém, as duas consi-deradas cada qual de per si — a prisão, uma pena; a multa, outra pena.

Nessas condições, nego a ordem impetrada.É o meu voto.

4.4 NATUREzA, VALIDADE E NULIDADE DAS PROVAS

Nulidade de prova foi questão decidida no RHC 26.228/DF, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e julgado em 4 de setembro de 1936. Ementou-se que não se concederia habeas corpus se alegada, apenas, a nulidade de prova. Não se poderia invocar lei estadual sobre prova, visto ser a matéria de direito substan-tivo, regulável pela União. Colhe-se do voto do Ministro Carlos Maximiliano, com pequena intervenção do Relator, o excerto que segue:

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Memória Jurisprudencial

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Em geral, não poderia, em habeas cor-pus, tomar conhecimento dessa nulidade, em falta do auto de corpo de delito. Creio bem que este não constitui formalidade essencial. Leu, porém, o ilustre colega Relator dispositivo do Código Judiciário do Estado do Rio, por onde se vê que, lá, é indispensável o corpo de delito direto, desde que o fato deixou vestígio. O habeas corpus, porém, nessas condições, equivaleria, sempre, à absolvição do réu.

O Sr. Ministro Carvalho Mourão (Relator): Poderia ser renovado o processo.

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Não se trata de questão de prelimi-nar, mas de prova.

Por todas essas razões, poderia dar o habeas corpus para anular o pro-cesso. Por não ter havido o corpo de delito direto, anularia o processo, para ser feito o corpo de delito indireto.

Caso seja vencido, neste ponto, negarei a ordem.É o meu voto.

Prova também foi o assunto discutido no HC 26.321/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly e julgado em 6 de janeiro de 1937, em que se indeferiu o pedido porquanto se verificou matéria estranha ao habeas corpus, e que depen-dia de exame minucioso de prova. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano, com pequena intervenção do Relator:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, sinto divergir, por várias razões, do Sr. Relator.

Em primeiro lugar, trata-se de despacho de pronúncia, para o qual existe recurso adequado. Por outro lado, não é tão fácil julgar o mérito da questão, sem examinar os autos em conjunto; saber, por exemplo, como foi questionado, a todo momento, pelo Relator, sobre se se tratava ou não de delito funcional, etc. Uma série de circunstâncias de fato, que não se podem apurar em habeas cor-pus, precisariam ser elucidadas.

Além disso, no meu espírito, pesam certos argumentos: se não damos extradição a brasileiros, qual seria, então, a sorte do acusado? Ele não prejudi-cou a Portugal, prejudicou ao próprio Brasil. Ajudava, de fato, os portugueses que eram indesejáveis — e tanto o eram que não podiam obter os papéis, pelos meios regulares, para vir para o Brasil — a entrarem, irregularmente, no nosso País, valendo-se da sua função de cônsul. Se vamos soltar esse homem, por um simples habeas corpus, qual é o meio que tem o Governo do Brasil para punir os seus funcionários consulares e diplomáticos, em suas faltas, desde que as cometam em Paris, Berlim, etc.?

O Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): Nesse caso, é preciso revogar a lei.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Não há meio algum. Não é possível,

portanto.Há, ainda, um princípio de Direito Internacional a considerar: desde que

não restituímos o homem para ser punido, temos obrigação de puni-lo. É um preceito de Grotius, muito antigo, pois se não o restituímos, porque brasileiro não pode ser extraditado, logo, nosso dever é o punir.

Como se vê, a matéria não dá para ser discutida, toda ela, com a plenitude necessária, em rápido habeas corpus. Fico mesmo surpreso de que, tratando-se de recurso de despacho proferido nessa mesma Casa, noutro andar, o acusado, em

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Ministro Carlos Maximiliano

lugar de vir com o recurso de pronúncia, que é o adequado, venha com um habeas corpus, para nos surpreender com argumentos e provas que não podemos examinar.

Por todos esses motivos, nego a ordem.

É tema que também informou o RHC 26.908/DF, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano e julgado em 25 de outubro de 1938, quando se emen-tou que matéria de fato não poderia ser apreciada e resolvida em processo de habeas corpus:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus, em que é recorrente Nathaniel do Rego Macedo e recorrido o Tribunal de Apelação do Distrito Federal: O recorrente foi processado como peculatário, implicado em desfalque nos cofres da Prefeitura do Distrito Federal; pediu habeas corpus, sob o duplo fundamento de não ter havido desfalque nenhum e não se ter feito prova pericial do delito. Foi aberto inquérito contra o tesoureiro; no correr deste procedimento preliminar, surgiram acusações contra o Fiel de Pagador, o atual impetrante de habeas corpus. O Tribunal de Apelação indeferiu o pedido, pelo acórdão de fl. 14; pelo que o paciente recorreu para o Supremo Tribunal.

A própria certidão oferecida pelo paciente, à fl. 30v., mostra que houve exame pericial da contabilidade da Prefeitura, a fim de apurar o desfalque; logo, a mais reiterada argüição do impetrante cai pela base. Demais, o processo está no início ainda; não há, portanto, base para apurar se houve, ou não, desfalque e se é culpado o mesmo, ou não, o solicitante, sendo de notar que se trata de maté-ria de fato, inapreciável em habeas corpus.

Pelas razões expostas, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso.

Prova é também tema que marcou o HC 26.323/DF, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano e julgado em 13 de janeiro de 1937:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Um médico, talvez por suspeitar

que um dentista lhe estava requestando a esposa, armou-lhe uma cilada, em combinação com um parente que sabia dirigir automóvel e mais dois homens: à meia-noite, mandou pedir ao dentista que fosse com ele servir de árbitro numa discussão travada nas Laranjeiras entre a esposa e a amante do médico. O den-tista embarcou no automóvel; ao chegarem perto de uma bomba de gasolina, o condutor avisou: aqui está bom, porque está escuro. Atiraram o dentista à rua, justamente quando passavam um bonde com velocidade e outro automóvel, de sorte que por um milagre não foi esmagado o dentista, que caíra sobre os trilhos; armado de rebenque o médico e de pau e bambu os outros, bateram à vontade no dentista, malgrado os esforços do empregado da bomba, que afinal correu a chamar a polícia. Foram todos presos, menos um que fugiu no começo do ataque, e levados, com a vítima desacordada, ao próximo posto policial, onde soltaram, sob fiança, os agressores. Foram condenados às penas de 9 meses, 22 dias e 12 horas de prisão, grau submáximo do art. 303 da Consolidação das Leis Penais, por militarem contra eles os agravantes do art. 39, § 1º, § 7º e § 13, como preponderantes sobre a atenuante do exemplar comportamento anterior. A sen-tença atribuiu, portanto, ao médico, o haver procurado a noite ou lugar ermo,

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Memória Jurisprudencial

para mais facilmente perpetrar o delito, ter procedido com surpresa, traição ou disfarce, ajustado o crime entre dois ou mais indivíduos. A Corte de Apelação confirmou o veredictum. Alegando a sua conduta anterior e ser delinqüente pri-mário, o facultativo impetrou o sursis; a Justiça local o negou, à vista da perver-sidade revelada pelo réu ao praticar o crime, decisão esta mantida pela Corte de Apelação. Daí o pedido de habeas corpus, ao qual se juntam atestados abonado-res de bons serviços prestados pelo condenado, antes da prisão, como médico. Foram pedidas informações à Câmara que negou o sursis; (...).

Conheço do pedido, por ser apontada a Corte de apelação como autori-dade coatora.

Trata-se de uma questão de fato, muito melhor apreciável pelo juiz que assistiu à formação da culpa, que apreciou a conduta dos réus na prisão e durante as audiências, e leu todo o processo, como o fez a Câmara da Corte de Apelação, que confirmou o veredictum. Nem está provado, senão indiretamente pelo depoimento do réu, que ele agiu por motivo de honra; porquanto ele ape-nas declara que o dentista lhe requestava a consorte, mas nega obstinadamente o crime, não diz que agrediu o dentista por aquele motivo; e a lei explicita-mente manda recusar o sursis quando o acusado haja revelado caráter perverso. Realmente, o marido ofendido e bom pode esbordoar o sedutor da esposa, embora não deva; mas o faz como homem, frente a frente, sozinho, leal e valo-rosamente, dando e arriscando-se a apanhar; o réu chamou em seu auxílio mais três homens, armando-se, eles, de revólver, faca, rebenque e pau, e, de surpresa, caíram todos sobre a vítima inerme; e por tudo isso pretende não sofrer nada; pois dos autos não consta que esteja recolhido à detenção; antes, está provado ter sido solto, logo depois do fato, mediante fiança.

Parece, pois, não merecer habeas corpus, sobretudo porque o acórdão se funda em matéria de fato, inapreciável em processo de habeas corpus; é este o meu voto — pelo indeferimento do pedido.

Prova também foi o tema discutido no RHC 26.780/DF, relatado por Carlos Maximiliano, no qual se ementou que em processo de habeas corpus não se poderia examinar matéria simplesmente probatória:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o paciente alega

que foi processado e condenado por haver, juntamente com outro, atacado e sub-jugado um transeunte, na Esplanada do Castelo, para roubar. O que faziam era o seguinte: um amordaçava o indivíduo enquanto o outro, que é o ora recorrente, lhe dava busca nos bolsos, ao mesmo tempo que o ameaçava com uma faca.

Segundo consta da petição, o processo girou em torno da confissão do co-réu que, preso, confessou, também, tudo quanto a ele se referia. Faz o recor-rente uma digressão científica, dizendo que se tratava de confissão qualificada porque o indivíduo, além de confessar o crime de apropriar-se do alheio, con-fessou a violência e, sendo qualificada, a confissão não valeria por si só, depen-dendo de provas suplementares.

É o próprio recorrente, entretanto, quem informa que foi feita essa prova suplementar porque uma das testemunhas arroladas declarara que, procurando intervir para liberar o agredido, foi ferido a faca pelo ora recorrente, o que coin-

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Ministro Carlos Maximiliano

cide, exatamente, com a confissão do outro, de vez que era ele quem estava de faca, para assustar.

É em torno desse fato que baseia o recorrente o pedido de habeas corpus, alegando não estar aquele suficientemente provado, nem justificado o acórdão que lhe negou a ordem.

É o relatório.

VOTOÉ certo que o Tribunal de Apelação não justificou a denegação do habeas

corpus, limitando-se a apreciar a questão de incompetência.Entretanto, o ora recorrente, iniciando a sua petição de recurso com a

frase de rui barbosa “O que é nulo nenhum efeito pode ter”, só se ocupa da prova dos autos, insistindo em que o processo é radicalmente nulo.

Nego provimento ao recurso por se tratar de argüição toda ela fundada em prova. Quando muito, poderíamos examiná-la em revisão, mas, mesmo assim, acho que não procederia a alegação.

Nessas condições, não concedo o habeas corpus.

O problema da prova remetia à questão das diligências e a fixação de entendimento relativo à falta de encaminhamento de informações, por parte da autoridade coatora. Esse assunto foi discutido no HC 26.904/RS, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e julgado em 19 de outubro de 1938. Nos termos do voto do Ministro Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o Sr. Ministro Relator teve um argumento forte dizendo que a ele não competia completar a prova. Entretanto, aceitamos outro fundamento: quando solicitamos uma infor-mação e a autoridade não a presta ou presta de maneira insuficiente, considera-mos a autoridade como confessando o alegado na inicial, que é coisa muito mais grave, e sempre concedemos o habeas corpus.

Não vou tão longe, mas acho que as informações prestadas ao Sr. Ministro Relator estão, exatamente, nos termos de uma que acabo de receber agora — porque tenho um pedido igual — e em que nada ou quase nada se diz. De fato, consta que o paciente foi mandado para a polícia e que esta nada resolveu, e assim por diante.

De acordo com os meus votos precedentes, até, eu daria a ordem. Uma vez, porém, que as circunstâncias do fato não estão bem claras, prefiro a diligên-cia, a fim de que se pergunte ao Ministro da Marinha quando, por que e para que este homem foi preso; isto é, a pergunta, tal qual foi feita, de acordo com a inicial.

Entendendo assim, dispenso, inteiramente, o auto de flagrante. A falta deste auto é mais um motivo para dar habeas corpus, porque o ato de lavrar o termo não é do réu e sim do juiz e quando não feito prejudica o réu. Por que não terá ele o benefício da computação do tempo de prisão apenas porque deixou de ser cumprida uma formalidade que não dependia dele? Se não foram cumpri-das as formalidades legais, em relação a ele, este não é motivo para negarmos o habeas corpus e sim para darmos.

Nessas condições, peço as informações. Aliás, tenho um caso semelhante e não trago os autos ao Tribunal, porque entendo que as informações prestadas são extraordinariamente incompletas e vou pedir outras, por despacho.

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Memória Jurisprudencial

Ainda em tema de prova, no RHC 26.978/DF, relatado pelo Ministro Cunha Mello e julgado em 23 de dezembro de 1938, decidiu-se que não se concederia o remédio, quando requerido por motivo de nulidade do processo, e quando, em face da prova, inexistisse a alegada nulidade. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano, que inclusive menciona questão fática, relativa ao des-cuido do paciente:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, não me parece que tenha havido surpresa por parte do paciente, que era homem de bem, con-forme alegou o advogado da tribuna. É inacreditável que um homem de bem, acusado de ter dado um desfalque de cento e tantos contos, tivesse se esquecido de que estava sendo processado em razão de um negócio de tanto valor.

Não houve surpresa alguma, e sim um enorme descuido ou, até mesmo, indiferença pelo processo por parte do paciente. Foi intimado para um processo gravíssimo e tinha advogado e, no entanto, não se importou com ele e disse, até, ter ficado espantado quando foi preso. Deveria ficar espantado, sim, se não fosse parar na cadeia.

Nessas condições, nego a ordem.

Foi ainda o caso do RHC 27.736/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 29 de janeiro de 1941, no qual se ementou que em habeas corpus não se examinaria a prova e que, para dar queixa, seria necessária procuração com poderes especiais; porém, nem por isto se exigiria, na própria procuração, individualização e classificação do delito. Na expressão de Carlos Maximiliano:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é recorrente o Dr. Nilson carvalho da silva e recorrido o Tribunal de apelação do pará: o recorrente foi processado e pronunciado como havendo deflorado a menor Maria Graziella brigido dos santos. Pediu habeas cor-pus ao Tribunal do Estado, alegando estar o processo radicalmente nulo, por haver a queixa sido dada por procurador sem poderes especiais para isto, tanto que se não menciona, na procuração, o nome da vítima, nem o crime em suas minúcias; demais, é deficiente a prova do fato, isto é, de ser a moça honesta, havendo fundada suspeita de que praticava atos contra a natureza. O Tribunal do Estado negou a ordem (acórdão à fl. 18); o paciente recorreu. Realmente, só o procurador com poderes especiais pode dar queixa. Os escritores citados pelo recorrente, entretanto, só exigem poderes especiais — para dar queixa; não exigem a especificação do crime, com as suas minúcias, o nome da vítima, etc. Ora, a procuração oferecida pelo recorrente, como Doc. n. 3, a fls. 11A, con-fere — “amplos e ilimitados poderes com a cláusula ad juditia para o foro em geral; especialmente para oferecer, no juízo competente, queixa-crime contra o Dr. Nilson Carvalho da Silva, médico, como autor do defloramento de Maria Graziella Brigido dos Santos, filha menor do casal outorgante, e incurso nas san-ções do art. 267 da Consolidação das Leis Penais”. Esta procuração é de 22 de julho; antes, a 8, o pai dera outra, com poderes para o foro criminal, dar queixa-crime, jurar, n’alma dele, outorgante (fl. 11, doc. 2).

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Ministro Carlos Maximiliano

Os poderes, outorgados antes de começar a ação judicial, são suficientes. O mais constitui matéria de fato, que se não examina em habeas corpus. Por esses motivos, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso.

No HC 27.333/RS, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano e julgado em 1º de novembro de 1939, decidiu-se que matéria de fato, apurável pelo simples exame da prova criminal, constituiria assunto de revisão, e não de habeas corpus:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário, em que é paciente Luiz Krasuski: Foi este absolvido pelo júri, pela dirimente da legítima defesa, e condenado a doze anos de prisão pelo Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul; pede habeas corpus, sob o fundamento de que ele era um homem tímido, ameaçado a cada momento pelo seu irmão, indivíduo forte e violento; para se livrar de mal certo, matou-o. Analisa longamente a prova dos autos, para concluir ser caso de legítima defesa, devendo, pois, prevalecer o veredictum do juízo popular.

O assunto melhor se afeiçoa a revisão criminal; matéria de fato, apurável pelo simples exame da prova, não fundamenta habeas corpus. Por isso, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

Caso parecido, o julgado no HC 27.679/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 4 de dezembro de 1940:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário,

em que é paciente agostinho José da silva: Este foi condenado, em primeira e segunda instância, como incurso na sanção do art. 297, grau mínimo, da consolidação das Leis penais, por haver atropelado, com o automóvel que diri-gia, um transeunte que faleceu, depois, em conseqüência dos ferimentos recebi-dos. Alegou menoridade, desde o primeiro momento, apresentando como prova da idade um atestado de assentamentos em Consulado Português, feitos recen-temente. A Justiça local concedeu a atenuante respectiva, porém não a prescri-ção correspondente, porque a favor do réu, que tinha maus antecedentes como motorista, não era probante o atestado fornecido pelo Consulado (decisões de fls. 6 e 9v). Matéria de fato, simples questão de prova, não pode ser apreciada em habeas corpus; sendo, aliás, de notar que os julgados estão certos. O fato delitu-oso ocorreu em 31 de outubro de 1939; a denúncia é de 2 de fevereiro de 1940; julgada em 5 de agosto e 7 de novembro de 1940. Por esses motivos, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

Ainda em tema de prova, no HC 27.342/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 10 de janeiro de 1940, decidiu-se que a prova de que se fora vítima de apropriação indébita seria suficiente para oferecer queixa à polícia contra o delinqüente; em crime de tal natureza, não se faria indispensá-vel o auto de corpo de delito. É o que se colhe do julgado de Carlos Maximiliano:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário, em que é paciente Joaquim Gomes de carvalho: Este pediu habeas corpus

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Memória Jurisprudencial

ao Tribunal de Apelação de São Paulo, por ter sido condenado em processo nulo; indeferida a súplica, ele recorreu; a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou o acórdão em que se julgou incompetente o pretório local por ser um dos autores das sentenças atacadas pelo suplicante; porém resolveu remeter os autos ao Tribunal Pleno, para este julgar o pedido como originário. Alega o paciente ter sido condenado a 21 meses de prisão pelo crime de apro-priação indébita, em processo eivado das seguintes nulidades: a) falta de corpo de delito; b) ter sido dado como em lugar incerto e não sabido, quando tinha resi-dência fixa; c) ilegitimidade da queixa, visto haver sido oferecida por Jurandir Brito Figueiredo, aceitante de duplicatas, objeto do processo, e não por credor das mesmas. Solicitadas informações, o Tribunal paulista remeteu os autos ori-ginais. Eis o fato criminoso: Jurandir Brito Figueiredo confiou duas duplicatas a Joaquim Gomes de Carvalho, para as descontar na praça; este assim procedeu; mas se apossou do produto do negócio; por isto, aquele deu queixa-crime contra este, na Delegacia de Furtos. Apurado o fato delituoso, o Promotor Público ofe-receu denúncia contra o acusado. Na Polícia, o denunciado confessara, na essên-cia, os fatos alegados contra ele. Perante a Justiça local foram feitas as mesmas alegações de nulidade, repelidas sumariamente nas duas instâncias (fls. 69 e 128 v. do processo criminal). O queixoso foi positivamente a pessoa que confiou os documentos ao paciente, que os descontou sem restituir a importância recebida. Quanto à falta de corpo de delito, é irrisório que a exijam, em se tratando de apropriação indébita de dinheiro. A citação foi regular. Por todos os motivos expostos, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

No HC 27.389/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 20 de dezembro de 1939, decidiu-se que não se concederia habeas corpus a quem fizesse simples alegações desacompanhadas de prova. Julgar-se-ia como pedido originário recurso de habeas corpus quando este remédio processual fosse negado por tribunal que fora autoridade coatora:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que são pacientes angelo sarzano e Miguel sarzano: Ambos impetraram habeas corpus ao Tribunal de Apelação de São Paulo, por estarem sofrendo constrangimento ilegal; aquela corporação não conheceu do pedido, por ter sido ela própria co-autora do mal de que se queixaram os solicitantes. Recorreram os pacientes. A Segunda Turma do Supremo Tribunal negou provimento ao recurso, por ser correto o julgado paulista; porém deliberou remeter o processo ao Tribunal Pleno, a fim de que este conhecesse do pedido como originário. Limitaram-se os impetrantes a transcrever um acórdão do Tribunal do Estado, no qual se con-cede habeas corpus a um acusado que, apesar de se achar preso, foi conside-rado como em lugar incerto e não sabido; e concluíram ser esta a condição dos pacientes. As informações prestadas à Justiça não corroboram essa afirmativa, e os solicitantes não juntam prova alguma do alegado: apenas se sabe, pelos autos, tratar-se de amigos do alheio, condenados, ora por furto, ora pelo crime de roubo. Por isso, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir a súplica.

Matéria similar foi debatida no RHC 27.432/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 24 de abril de 1940, no qual se entendeu que não se

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Ministro Carlos Maximiliano

atenderia a pedido de habeas corpus que fosse simples reiteração de outro e que estivesse desacompanhado de prova do alegado:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é recorrente sebastião bonifacio e recorrido o Tribunal de Apelação do Distrito Federal: O recorrente solicitou três vezes habeas corpus, e pelo mesmo motivo, dirigindo-se originariamente duas vezes ao Supremo Tribunal, onde foram Relatores o Exmo. Sr. Ministro Cunha Mello e o atual Relator deste recurso concernente a solicitação dirigida ao Tribunal de Apelação, que se julgou incompetente, por ter sido a autoridade coatora uma das suas Câmaras. O pedido é simples reiteração dos anteriores e vem desacompanhado de quais-quer provas. Acorda, por isso, o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso, porque bem decidiu o Tribunal local e, conhecendo originariamente da espécie, indefere pelas duas razões já aduzidas.

Reiterava-se o entendimento de que o habeas corpus não era campo sus-cetível para a apreciação de provas. No HC 26.242/DF, relatado pelo Ministro Ataulpho de Paiva, julgou-se queixa-crime, por parte de irmão e tutor provisó-rio de menor, que fora estuprada pelo paciente. Este invocara ilegitimidade da parte, porquanto a mãe da menor ainda era viva. Esta fora investida no pátrio poder, com a morte do pai da ofendida; do pátrio poder a mãe fora destituída por decisão de juiz municipal, o que se vislumbrava como incorreto, porquanto a competência para a aludida destituição era exclusiva do juiz de direito. Colhe-se do voto do Ministro Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: A exposição do ilustre Relator já deixa a impressão de que se trata, quase exclusivamente, de matéria de fato, que não se aprecia em habeas corpus. Na verdade, dizer-se que a ofendida era miserá-vel, para se justificar a intervenção do Ministério Público, já é questão de prova.

Na minha opinião — e, aqui, sinto divergir de S. Exa. —, quando a lei diz que o Promotor só intervirá quando a ofendida for miserável, quer enunciar que isso só se dará no caso dela não poder custear a demanda. E afirma S. Exa. que a menor possuía propriedade no valor de um conto de reis e que dava renda; ora, a renda de tal propriedade absolutamente não dá para custear semelhante feito.

De qualquer forma, isso será questão de prova, alegável no processo, mas que nunca poderá servir para impedir o seu prosseguimento, por habeas corpus.

Nessas condições, nego a ordem.

Matéria de prova ainda outra vez também foi discutida no RHC 26.269/DF, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo e julgado em 21 de outubro de 1936:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, sinto divergir,

porque, há pouco, tive um caso semelhante.

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Memória Jurisprudencial

Se fosse possível aplicar ao requerente o artigo, seria o 7º, que manda contar da intimação ou da data em que devia ser incorporado. Geralmente, é chamado por edital. E deve fazer a prova de que é arrimo de mãe viúva perante a junta de sorteio, o que não praticou, embora tivesse obrigação de apresentar a prova. Este, a meu ver, já é um motivo bastante para negar o pedido de habeas corpus, porque questões de prova não se coadunam com a natureza desse insti-tuto constitucional e jurídico.

O art. 8º diz respeito a um caso superveniente: se o sorteado, embora arrimo de mãe viúva, é incluído nas fileiras. Nesta hipótese, deve dirigir-se ao Ministro da Guerra, que julgará da procedência ou não da prova oferecida.

Assim sendo, nego a ordem.

No HC 26.840/DF, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano e julgado em 9 de agosto de 1938, a questão da prova voltou a ser debatida. Na ocasião ementou-se que em falta de prova plena em contrário, deveriam prevalecer como verdadeiras as informações da autoridade apontada como coatora:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, em geral, resumo

o relatório; no caso de hoje, porém, vou ler a inicial, porque a questão é muito importante e, também, as alegações estão redigidas de maneira correta, por advogado.

O recorrente junta três números do jornal em que se vê a notícia da prisão dos pacientes e, em um deles, até entrevista do Sr. Chefe de Polícia, em que este diz que os pacientes foram presos e demitidos dos respectivos cargos por espan-camento de presos políticos e extorsão feita a vários outros.

O Tribunal de Apelação pediu informações ao Sr. Chefe de Polícia, que respondeu dizendo estarem eles detidos à sua própria disposição, por estarem envolvidos em ocorrências que dizem de perto com a segurança das instituições; assim, por motivo de ordem pública. À vista destas informações, o Tribunal de Apelação não tomou conhecimento do pedido.

Houve, então, recurso para o Supremo Tribunal.É o relatório.

VOTOAs provas apresentadas são três números de jornal em que se diz que

os pacientes estão presos por crime não políticos: espancamento e extorsão a detentos; entretanto, a informação do Sr. Chefe de Polícia declara que se acham eles detidos por motivo de ordem pública. Ora, jornais não são documentos sufi-cientes para destruir informações oficiais.

Nestas condições, de acordo com a tradição invariável deste Tribunal, nego provimento ao recurso.

Como informação extra-autos, sem influir no meu voto, lembrarei que neste meio tempo, impetrado habeas corpus ao Tribunal de Segurança, dadas pelo Sr. Chefe de Polícia idênticas informações, aquela Corte denegou a ordem. Ora, o Tribunal de Segurança é mais competente do que nós para tratar da questão.

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Ministro Carlos Maximiliano

4.5 QUESTõES GERAIS E PROCESSUAIS

O Supremo Tribunal Federal recorrentemente apreciava questões de dimensão menos política, e indicativas de que se tinha uma casa muito mais pragmaticamente revisora do que instância única para o debate dos grandes temas constitucionais. É o que se infere do estudo do HC 26.927/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 23 de novembro de 1938, quando se deci-diu que não poderia livrar da condenação o cúmplice, pelo simples fato de que se anulara o processo contra os autores do crime. Anulação, na hipótese, não tinha os mesmos efeitos da absolvição. O motivo de toda a discussão radicava no furto de dois animais. Nos termos da decisão de Carlos Maximiliano:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário, em que é paciente Clarindo Pinheiro: Oscar Siqueira de Souza e José Lucio Ferreira furtaram dois animais; Clarindo Pinheiro ocultou-os e vendeu-os; os três eram useiros e vezeiros em tais práticas. Processados, foi anulado o processo em relação aos dois primeiros, sendo desclassificado o delito em relação ao último, considerado cúmplice pelo Tribunal de Apelação, embora denunciado, pronun-ciado e condenado como co-autor. Pede habeas corpus, sob o fundamento de que onde não existem autores, não pode haver cúmplice. Seria verdadeira a tese, se os autores tivessem obtido sentença absolutória; mas ocorreu coisa diversa; o processo foi anulado, por não terem sido citados para o julgamento, apesar de estarem presos. Serão julgados de novo; a pronúncia convence de que houve autores, e foram precisamente os indivíduos os quais o paciente, nesta e em oca-siões anteriores, prestou a mesma espécie de auxílio. O pedido é, pelo menos, prematuro; pois se não deu a absolvição dos autores. Pelas razões expostas, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

Carlos Maximiliano prendia-se à literalidade também como mecanismo de simplificação de suas decisões. Sintetizava o caso e da letra da lei alcançava solução imediata. Colhe-se exemplo dessa afirmação no HC 26.930/DF, rela-tado pelo Ministro José Linhares e julgado em 9 de novembro de 1938. Carlos Maximiliano negou o pedido, em matéria de fixação de fiança, e com base em indicação de pena concreta:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, nego o habeas corpus.Parece-me que, com habilidade, se quer emprestar ao caso a questão da

pena concreta e não é isto que o Código tem em vista. Realmente, se se tomasse por base a pena aplicada ao indivíduo, no caso de atenuantes, todos teriam o habeas corpus para prestarem fiança.

O Código, porém, não diz tal coisa; declara que os crimes, para os quais o máximo da pena é de quatro anos acima, são inafiançáveis. Assim, o indivíduo que está incurso num artigo do Código, cuja pena máxima é quatro anos de pri-são, embora não seja condenado a esse período, não pode ser admitido a prestar fiança: é réu de crime inafiançável.

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Essa mesma literalidade, que substancializava segurança jurídica, encon-tra-se também no HC 26.965/AM, julgado em 14 de dezembro de 1938 e relatado por Octavio Kelly, quando se discutiu a quantidade de testemunhas arroladas no libelo:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, os textos lidos da

tribuna pelo advogado e confirmados pelo Sr. Ministro Relator dão a impressão de que o que a lei amazonense determina é que o Promotor Público ou acusador tem a faculdade de arrolar, no libelo, cinco testemunhas. Não diz, entretanto, que as testemunhas do processo sejam somente cinco, nem diz, tampouco, que somente cinco sejam citadas.

O que ficou claro, apenas, é que no libelo podem ser arroladas cinco tes-temunhas. Na inicial, porém, podia apresentar número maior e como não há lei alguma proibindo que fossem levadas a sumário as demais testemunhas, é de crer que o Tribunal tivesse empenho em exigir que fossem todas citadas.

Por conseguinte, entendo que não há constrangimento ilegal e, de acordo com o Sr. Ministro Relator, nego a ordem.

Em matéria de habeas corpus discutiu-se, inclusive, autorização para atuação de advogado em juízo. Exemplifica-se com o HC 26.937/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 23 de novembro de 1938. Ementou-se que não poderia um tribunal deixar de conhecer de apelação interposta por solicitador que perante a Ordem dos Advogados provasse o exercício contínuo da advocacia criminal durante mais de dez anos anteriores à promulgação do regulamento da mesma Ordem. Nos termos do julgado de Carlos Maximiliano:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário, em que é paciente Eduardo Mautret Muzer: Este fora condenado como incurso em crime afiançável; solto mediante fiança, apelou; o Tribunal de Apelação do Distrito Federal não tomou conhecimento do recurso, por haver sido interposto por pessoa não habilitada para advogar; por isto, o réu pede habeas corpus, visto estar na iminência de ser preso em conseqüência do acórdão, que ele acha destituído de apoio em Direito. O alegado está provado por certidões e confir-mado nas informações prestadas pelo Exmo. Senhor Presidente do Tribunal de Apelação. O impetrante juntou documentos no sentido de demonstrar que o recurso foi interposto pelo solicitador Paulo Lerroux, o qual está inscrito no quadro dos solicitadores para o exercício da advocacia criminal, tendo-lhe sido concedido o benefício constante do art. 8º da Lei 510, de 22 de setembro de 1937 (doc. às fls. 3, 4 e 5). À fl. 6, encontra-se um jornal onde é exarada a íntegra do ofício dirigido à Assistência Judiciária pelo Presidente da Seção da Ordem dos Advogados no Distrito Federal, Dr. Philadelpho de Azevedo, que assim conclui:

Aproveito, ainda, a oportunidade para declarar a V. Exa. que, tendo a Lei 510, de 22 de setembro p.p. esclarecido o disposto no art. 2º do regulamento da Ordem aprovado pelo Decreto 22.478, de 20 de fevereiro de 1933, de modo a impedir, mesmo no foro criminal, a advo-cacia às pessoas não habilitadas legalmente, discriminando, ainda, nitidamente as funções de advogados e solicitadores, contudo permitiu

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Ministro Carlos Maximiliano

excepcionalmente a estes o exercício da plena advocacia no crime e na primeira instância do cível desde que preencham certas condições de longo exercício anterior à execução do regulamento, o que a Ordem vai apurar em cada caso, lançando a competente averbação na respectiva carteira profissional.Não se encontra nos autos a carteira profissional do solicitador; mas

existe à fl. 3 certidão passada pelo 2º Secretário da Ordem, em que se afirma ter Paulo Lerroux obtido a concessão a que se refere o ofício acima transcrito em parte.

O art. 8º da Lei 510, de 22 de setembro de 1937, estatuiu: “No foro crimi-nal, sempre o próprio acusado se poderá defender pessoalmente; sendo também facultado o exercício da advocacia aos solicitadores que, por mais de dez anos contínuos, contados até o início da vigência deste regulamento, hajam exercido, permanentemente, essa advocacia, desde que o provem perante o conselho e seja averbado, por determinação do mesmo, na respectiva inscrição.”

Ora, a certidão, já referida, de fl. 3, evidencia estar satisfeita a condição exarada no final do art. 8º, isto é, achar-se averbada no processo de inscrição no quadro dos solicitadores a concessão mencionada no mesmo artigo e feita a Paulo Lerroux. Como o fato de haver este profissional assinado o termo de Apelação foi o fundamento único do veredictum contrário ao réu, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em conceder a ordem para que o paciente não seja preso enquanto não for julgada a apelação do paciente.

A competência do Supremo Tribunal Federal alcançava miríade de assuntos, que revelavam sociedade multifacetada e que vivia a transição de um modelo rural e artesanal para um sistema típico de sociedade industriali-zada, como decorrência do regime econômico de substituição de importações, que então se fixava entre nós. Ilustro com o HC 26.947/DF, julgado em 16 de novembro de 1938 e relatado por Carlos Maximiliano, em que se discutiu quiro-mancia, na forma que segue:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é paciente Joanna Grego: Esta impetrante foi autuada em flagrante quando, auxiliada por uma filha, praticava a cartomancia, para inculcar cura a uma con-sulente; pelo que foi condenada a um mês de prisão celular, grau mínimo do art. 157 do Código Penal. Pediu habeas corpus, alegando não constituir crime o fato narrado na denúncia, visto ser pacífica a jurisprudência no sentido de não considerar delito a quiromancia, e ser nulo o processo, por figurar como testemunha numerária pessoa que foi mera auxiliar da polícia para a descoberta do fato incriminado. O que a denúncia de fl. 4 expõe é o mesmo que o art. 157 do Código considera crime; logo, improcede a primeira argüição. Quanto à segunda, também não merece acolhida: certa Jurema Amaral se compraz em apresentar-se como necessitada de auxílio de feiticeiras e quiromantes e, avi-sando a Polícia, facilita os flagrantes; isto, porém, não a impede de depor como testemunha, que foi, da prática vedada por lei. Pelas razões expostas, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

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Ilustra-se também com o decidido no HC 26.822/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 17 de agosto de 1938, quando se fixou entendimento de que não seria necessária prova de menoridade da ofendida para a caracteri-zação do estupro, desde que se comprovasse que a vítima sofrera violência real:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Jayme Luiz da Silva, recolhido à

Casa de Detenção, em cumprimento da pena de um ano de prisão celular, como incurso nos arts. 268 e 272 da Consolidação das Leis Penais, pede habeas cor-pus em virtude de considerar radicalmente nulo o processo, em primeiro lugar, porque a sentença, ao mesmo tempo se refere a defloramento e a estupro, coisas completamente distintas; em segundo lugar, quanto à divergência da idade da ofendida, nos autos não há prova de que seja menor de 16 anos, a ofendida.

Alegou também estado de miserabilidade, no entanto, esqueceu-se de provar todas estas alegações.

Havendo declarado ter sido condenado pelo juízo da 8ª vara criminal, solicitei informações a esse magistrado, que m’as deu nos termos seguintes:

(...)É o relatório.

VOTOSenhor Presidente, parece-me que a prova de idade seria até desnecessá-

ria. Na verdade, há um artigo do Código Penal que dispõe que, em se tratando de sedução de menor de 16 anos, se conclui que houve violência. Na hipótese dos autos, porém, houve violência real. O paciente agarrou a menina, atirou-a sobre os trilhos e violentou-a. Ora, o Código diz que a violência é crime, até mesmo cometida contra pessoa maior e não virgem. Daí afirmar eu que a prova de idade seria até desnecessária.

Quanto à outra legação, no sentido de que houve duas classificações para o crime, uma opondo-se à outra, também não procede. Como tivesse havido violência real e a ofendida fosse menor de 16 anos, o juiz classificou o crime também como estupro. Isso, porém, não significa que as duas classificações se repilam. Pelo contrário, uma completa a outra.

Por essas razões, indefiro o pedido.

Matéria processual, em sentido estrito, também provocava recorrente-mente o Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, no HC 26.960/DF, relatado pelo Ministro Washington de Oliveira e julgado em 21 de dezembro de 1938, discutiu-se conflito de jurisdição, ainda que em sede de habeas corpus. Colhe-se do voto de Carlos Maximiliano, com intervenção do Ministro Costa Manso:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Quando este Tribunal julgou o con-

flito, este não mais existia, visto haver já sentença definitiva em uma das justiças e, se esta era absolutória, seria muito esquisito que anulássemos uma sentença, num conflito de jurisdição. Ela só seria anulável, se o Juiz tivesse desobede-cido uma ordem expressa do Supremo Tribunal, revelando, assim, um pouco

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Ministro Carlos Maximiliano

de má-fé, ou se nós mandássemos parar o processo e ele mandasse prosseguir, absolvendo o réu.

Não havendo ordem para parar o feito, esta fica ao arbítrio do Relator — e é necessário que assim seja, porque, muitas vezes, os conflitos são propostos até com fins protelatórios.

O Sr. Ministro Costa Manso: Até para provocar a prescrição da ação.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Tanto assim que as partes, muitas

vezes, no final da petição, pedem para parar o processo e o Relator tem a facul-dade de verificar a procedência ou não do pedido e mandar que o processo pros-siga. Desde que a sentença passou em julgado, segundo temos sempre decidido aqui, não há mais conflito algum, pois, para isso, seria necessário que estivesse prosseguindo o feito.

Por essas razões, concedo a ordem.

É o caso também de discussão relativa a nulidade por conta de réu citado por edital, porque o oficial de justiça certificara que este se encontrara em local incerto e não sabido. É o conteúdo do decidido no HC 27.076/DF, julgado em 3 de maio de 1939 e relatado por Carlos Maximiliano:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é paciente João Fernandes de Carvalho: Este foi condenado por haver sido preso quando levava utensílios próprios para a perpetração de furtos e roubos; pede habeas corpus, alegando que o oficial de justiça, incumbido de o citar para o processo, certificou achar-se o acusado em lugar incerto e não sabido, mas não fez diligência para o encontrar; por isso é nulo o processo e sem vigor a sentença condenatória. Requisitadas informações, vieram os autos originais. À fl. 5 se encontra impressionante relação de instrumentos encontrados em poder do preso e por ele reconhecidos (fl. 7v.). Ao ser interrogado, informou residir à Rua do Núncio, n. 19 (fl. 7). Com esta indicação foi lavrado o mandado de fl. 27. O oficial encontrou o prédio desabitado e certificou achar-se o acusado em lugar incerto e não sabido. Logo, o culpado único de não ter sido feita pessoalmente a citação inicial foi o paciente, ao qual o juiz deu advogado (fl. 40), que produziu a defesa. O crime é afiançável; porquanto o réu foi condenado, em 1ª e 2ª instância, no grau máximo, a três anos de prisão celular (art. 361 da Consolidação das Leis Penais).

Não ocorreu nulidade substancial nenhuma; por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

Questão semelhante, relativa a nulidade de citação, foi debatida no HC 26.813/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 20 de julho de 1938:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, João Batista do

Nascimento pediu habeas corpus ao Tribunal de Apelação porque, como afirma, tinha sido condenado, ilegalmente, pelo crime de arrombamento e roubo; alega, justificando o que diz, que o oficial de justiça que o fora intimar, achando que morava muito longe, lá não apareceu, limitando-se a declarar, falsamente, que não o encontrara; foi, então, intimado por edital. O Tribunal de Apelação, na 1ª Câmara Criminal, não tomou conhecimento do pedido, porque a sentença con-

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denatória fora confirmada pela 2ª Câmara Criminal; à vista disso, ele recorreu para o Supremo Tribunal.

A Segunda Turma, onde fui Relator, recebendo os autos, resolveu devolvê-los ao Tribunal Pleno, para que conhecesse, originariamente, visto que, em grau de recurso, não se pode conhecer do caso, pois o Tribunal de Apelação se limitara a declarar sua incompetência.

É o relatório.

VOTOO paciente junta, como prova, carta de vizinho onde este afirma aquilo

que o peticionário alega, sem sequer ter a missiva firma reconhecida, porém; o fato de morar em determinado lugar não prova que, na ocasião de ser intimado, lá estivesse, pois até é comum que quem comete crime procure afastar-se do local onde costuma citar.

Não há, também, prova alguma de que o oficial de justiça não tenha ido a sua casa.

Nestas condições, tomo conhecimento, originariamente, do pedido e o indefiro.

No HC 27.473/PB, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 17 de abril de 1940, decidiu-se que a lei federal sobre o júri aplicar-se-ia a todos os Estados do Brasil. E ainda que, matéria de fato, dependente de exame da prova, não fundamentaria habeas corpus:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário,

em que são pacientes elias bezerra, José Mangueira, sabino pereira ramalho, Martiniano corrêa, pedro corrêa e raymundo de souza Leite. Foram estes con-denados pelo Juiz de Direito da Comarca de Itaporanga, no Estado da Paraíba, à pena de três anos, nove meses e quinze dias de prisão pelo crime previsto pelo art. 304, parágrafo único, da Consolidação das Leis Penais (ferimentos graves). Os três primeiros já se acham presos; todos impetraram habeas corpus, sob dois fundamentos: incompetência do Juiz de Direito para julgar a causa; errada classificação do delito. Segundo a Lei de Organização Judiciária do Estado da Paraíba, de 28 de janeiro de 1937, os crimes de ferimentos graves eram da com-petência do júri; porém a Justiça local considerou esta norma implicitamente revogada pelo Decreto-Lei de 5 de janeiro de 1938, que restabeleceu e regulou o júri. Entendem os pacientes que a lei federal só se aplica ao Distrito Federal e ao Território do Acre; seria inconstitucional estendê-la aos Estados; deveriam ser eles levados à barra do tribunal popular. Por outro lado, argumentam com a prova pericial, para concluir tratar-se de ferimentos leves. Jurisprudência uni-forme e pacífica deste alto pretório já fixou a aplicabilidade da lei do júri aos Estados, tendo sido anulados vários julgamentos de Cortes locais em desacordo com o Decreto-Lei federal 167; improcede, pois, o primeiro fundamento do pedido; e do segundo não se deve conhecer, porque matéria de fato, dependente de exame da prova, não serve de base para se conceder habeas corpus. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

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Ministro Carlos Maximiliano

A competência da Justiça Militar foi questão apreciada no HC 27.056/MG, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano e julgado em 5 de abril de 1939. Ementou-se que a Justiça Militar detinha competência para processar e julgar crimes cometidos por militares e nos quais se evidenciasse desrespeito à hierar-quia e à disciplina. Nos termos do acórdão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é paciente Aldrovando da Silva Braga: questões íntimas, de família, levaram o soldado Aldrovando da Silva Braga a agredir e ferir o cabo Humberto Alves da Rocha, seu superior hierárquico, visto pertencerem ambos ao Exército Nacional; por isso, foi condenado pela Justiça Militar a dois anos de prisão com trabalho; antes de condenado, pediu habeas corpus ao Supremo Tribunal Militar, por excesso de demora no processo; desatendido, recorreu; mas a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal julgou prejudicado o pedido, por ter sido solto o paciente. Impetra ele, agora, habeas corpus originário, sob o fundamento de incompetência da Justiça que o condenou, visto tratar-se de navalhadas dadas na residência da vítima, portanto fora de estabelecimento militar e por motivo alheio à profissão dos contendores. Improcede o pedido; desde que o ferido era superior hierárquico do réu, houve desrespeito à hierarquia e à disciplina mili-tar; portanto, compete ao foro militar o exame e julgamento da espécie. Por isso, acorda o Supremo Tribunal em indeferir o pedido.

A natureza e a competência do Tribunal do Júri foram assuntos que Carlos Maximiliano abordou no HC 27.084/SP, relatado pelo Ministro Costa Manso e julgado em 19 de abril de 1939. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano, que era um crítico do Tribunal do Júri:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o brilhante voto do ilustre colega Ministro Costa Manso leva-me, exatamente, à conclusão oposta, com a devida vênia.

Desde que a Constituição atual, que estabelece a forma de se organizar o Poder Judiciário, não fez referência ao júri, a dúvida que poderia surgir era esta: se podia haver um outro tribunal que não aqueles previstos pela Constituição, isto é, se poderia haver um tribunal formado por cidadãos ignorantes de direito, sem toga, sem tirocínio técnico, sem cultura jurídica alguma, ponto este que já foi levantado e decidido, uma vez que o Tribunal aceitou a lei do júri como não incompatível com a Constituição.

Tendo a Carta Constitucional aberto mão do júri — esta forma especia-líssima inglesa de julgamento dos criminosos e desastrada para os povos lati-nos —, o legislador ordinário teve a tolerância de atender a uma certa corrente de opinião e restabelecê-lo com restrições.

Desde que se não considere inconstitucional o júri em si, por ser uma forma de organização comum não prevista na Constituição, ele é uma criação exclusiva do legislador ordinário, não se regulando por princípio constitucional algum.

Inconstitucional é aquilo que está em desacordo com o que preceitua a Constituição. Ora, a Constituição nada preceitua sobre o júri. Como pode uma lei que regula esta instituição estar em desacordo com uma coisa que não existe?

Desde que se restabeleceu o júri, julgo, até, que foi uma idéia feliz res-tringir a sua competência. As decisões do júri são clamorosas. É mais perigoso

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matar uma vaca que matar uma mulher, porque o indivíduo que mata bovino alheio será certamente condenado, ao passo que o que mata uma mulher é sem-pre absolvido pelo júri. Via de regra, os nossos jurados reconhecem a privação dos sentidos e inteligência. Verifica-se, entretanto, o contrário na Inglaterra. Ali, o júri é muito mais rigoroso que o tribunal comum. É raríssimo o assassino que não é enforcado.

Conheci um cidadão que, viajando a bordo de um navio inglês, teve gra-ves perturbações devido ao enjôo, ficou semilouco e matou a mulher. Porque o crime se consumara em navio inglês, embora o passageiro fosse português e se destinasse a Portugal, movimentou-se a diplomacia e ele só se salvou porque Portugal entrou na guerra naquela ocasião. O juiz presidente recomendou o caso à clemência do soberano, e este perdoou o réu, com a condição, porém, de este sair imediatamente da Inglaterra, aonde ele nunca pretendera ir.

O júri, na Inglaterra, foi instituído para evitar perseguições políticas e, neste terreno, é inexorável: os criminosos políticos são sempre absolvidos, a menos que o crime seja claríssimo; mas, quando se trata de crime comum, é certíssima a condenação.

No Brasil, uma vez que se restabeleceu a instituição do júri, é natural, e foi justo, que se desse ao juiz togado a possibilidade de reformar as sentenças dos juízes de fato.

Nego a ordem.

No HC 27.107/PA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 10 de maio de 1939, discutiu-se questão de pormenor processual, relativa a anulação do processo de habeas corpus, pelo fato de que o promotor retardara por um dia o termo de apelação, ainda que por motivo de doença comprovada. Nos termos da decisão de Carlos Maximiliano:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário,

em que é paciente conrado penha Diniz: Este foi processado por crime de defloramento; absolvido, houve apelação, interposta dentro do prazo legal, con-tado da intimação da sentença às partes, mas o Dr. Promotor Público assinou o Termo de Apelação 24 horas depois de transcorrido o prazo para apelar; sob este fundamento, o réu pediu ao tribunal superior que não conhecesse do recurso; porém o acórdão de fl. 9, que reformou a sentença absolutória e condenou o acu-sado, assim justificou o desprezo pelas alegações da defesa:

Não ser absoluta a doutrina invocada com apoio na Jurisprudência dos tribunais, qual a de, constituindo o termo parte integrante do recurso, só lhe reconhecer validade quando foi o mesmo assinado pela parte que o interpôs, dentro do prazo fatal e improrrogável para a sua interposição. É assim que este Tribunal tem aberto exceção à referida regra, em casos como o da espécie, quando o recurso é de parte que não pode transigir.

Tendo o Promotor apelado em tempo útil, só pelo fato de ter sido o respectivo termo assinado, aliás, por motivo de moléstia comprovada, no dia seguinte ao da expiração do prazo, não se torna imprestável a apelação, de vez que, em razão do seu ofício, o representante da Justiça Pública não podia desistir da mesma.

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Ministro Carlos Maximiliano

A alegação da defesa está devidamente documentada. Em regra, o termo é complemento do recurso; portanto deve, como este, ser completado dentro do prazo para recorrer, salvo impedimento justo, como, por exemplo, a demora do juiz em despachar, ou do escrivão em cumprir o despacho; também a moléstia intercorrente deve ser atendida, sobretudo quando a demora tenha sido muito curta, como no caso em apreço, e, como afirmou o acórdão, o impedimento foi documentado; demais está o julgado acorde com a jurisprudência do pretório local, que o Supremo costuma e deve acatar. Por todos estes motivos, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido de habeas corpus.

Matéria processual também foi objeto do julgamento no HC 27.190/RN, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 23 de agosto de 1939. Na ocasião ementou-se que recurso interposto antes de promulgada a lei que o suprimira deveria ser processado e julgado. De acordo com a decisão de Carlos Maximiliano:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que são pacientes Jerônimo Alves Simplício, Pedro Alves Simplício e Vicente Manoel da Silva: Havendo sérias suspeitas de haver Saturnino Nunes da Silva, residente em Macaíba, Estado do Rio Grande do Norte, participado do assassínio de Manoel Simplício de Araújo, perpetrado pelo seu cunhado Clovis Batista da Silva, foi, em provável revindita, morto pelos parentes da sua vítima. Processados três des-tes, foram absolvidos pelo júri. Não houve apelação voluntária; mas o Presidente do tribunal popular, cumprindo disposição de lei estadual, recorreu ex officio. Depois de interposta a apelação, entrou em vigor a nova lei do júri, que extin-guiu este remédio contra as absolvições imerecidas. Entendem os pacientes que, por ser a lei nova mais favorável aos réus e tratar-se de matéria criminal, retroage o texto, morre o recurso, embora interposto quando vigorava lei que o permitia. Ocorreu o julgamento em 24 de agosto de 1937; o tribunal popular foi reformado pelo Decreto-Lei 167, de 5 de janeiro de 1938; e a apelação foi pro-vida em 27 de junho de 1938, isto é, interposta quatro meses antes de entrar em vigor a nova norma, teve decisão cinco meses após a promulgação do mencio-nado decreto-lei federal.

Não parece defensável a tese da defesa: a lei processual não retroage, como se afirma.

Doutrina Vicenzo Manzini — Trattato di procedura penale, v. I, n. 32:Todos os procedimentos e atos processuais realizados sob o impé-

rio da lei revogada ou suspensa mantêm plena eficiência sob o domínio da lei nova, que dite normas processuais diversas.

Quando, portanto, se diz que as leis judiciárias são retroativas, enuncia-se um erro; porque a sua pretensa retroatividade se refere aos crimes, isto é, a coisa sobre a qual elas não dispõem, ao passo que são absolutamente irretroativas a respeito dos procedimentos e atos proces-suais, que constituem o verdadeiro objeto de suas disposições. (...)Precisamente no capítulo que tem por epígrafe — Della retroattività in

materia penale, escreveu — Gabba — Teoria della retroattività delle leggi, 3. ed., v. II, p. 479:

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Memória Jurisprudencial

Se a lei sob cujo império a sentença emanou, concedia qualquer remédio contra a mesma, não pode uma lei nova tolher este direito a quem o tem, mas não fez ainda uso dele. A lei vigente no dia em que foi proferida a sentença deverá seguir-se para decidir se e qual remédio possa dar-se contra a sentença mesma.Ora, se até mesmo na hipótese de ser o recurso eliminado quando não

havia ainda sido interposto, deve ele ter seguimento, desde que existia em lei quando foi proferida a decisão, com evidente cópia maior de argumentos preva-lecerá, se fora iniciado antes de promulgada a nova norma que o suprimiu.

Ensina roubier — Les conflits des lois dans le temps, v. II, p. 728:As vias de recurso não podem ser definidas senão pela lei em vigor

no dia do julgamento: nenhuma via de recurso nova pode resultar de lei posterior, e, inversamente, nenhuma via de recurso existente contra um julgamento poderia ser suprimida sem retroatividade por uma lei posterior.É esta a boa doutrina: a lei nova não cria nem suprime recursos contra

sentenças emanadas antes da sua promulgação.Ainda outro argumento, de menor monta, aliás, aparece na inicial: o

Tribunal superior anulou o processo, por não terem sido observadas formalida-des que a lei nova não reproduz. Pouco importa: o processo correria de acordo com a norma reguladora do mesmo, na época em que tais formalidades deve-riam ser cumpridas.

Improcedem, pois, os argumentos todos dos pacientes; pelo que o Supremo Tribunal Federal acorda em conhecer originariamente do pedido, por ser apontada como autoridade coatora o Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte, e o indeferir, por não existir a alegada coação contrária à lei.

Contagem de prazos prescricionais em matéria penal é tema que mereceu percuciente análise de Carlos Maximiliano no HC 27.243/RS, julgado em 30 de agosto de 1939, e pelo próprio Carlos Maximiliano relatado, quando se decidiu que entre a denúncia e a sentença o prazo para a prescrição é contado de acordo com a capitulação do crime feita na denúncia:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é

paciente Abílio Albrecht Sehn: Condenado pelo crime de apropriação indébita, o paciente impetrou habeas corpus, que lhe foi concedido; baseara o pedido em ser afiançável aquele delito; agora, renova o pedido, mas com outro fundamento; alega estar prescrito o crime, contados os prazos de acordo com a pena concreta, como lhe parece jurídico. Como em última instância foi reduzida a pena a sete meses de prisão, sobre esta base o solicitante calcula o lapso prescricional da ação ab initio. O pedido está instruído apenas com dois acórdãos, referente o primeiro à condenação do paciente, o segundo a embargos de declaração; não se encontra nos autos certidão da denúncia ou queixa, concernente ao delito que a inicial diz ocorrido entre 1º de agosto de 1934 e 30 de junho de 1936. O paciente alega ter-se consumado a prescrição entre a data do crime e a da sentença de primeira instância. Nem o teor da sentença condenatória se encontra nos autos. Entretanto, pelos acórdãos se apura a data do delito e a da primeira condenação; trata-se de desfalques sucessivos que ocorreram entre agosto de 1934 e 30 de abril de 1937 (acórdão à fl. 2v.); e a sentença condenatória foi proferida em 11 de fevereiro

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Ministro Carlos Maximiliano

de 1939 (acórdão a fls. 4v.). O paciente foi processado como incurso nas penas do art. 331, n. 2, da consolidação das Leis penais, por haver-se apropriado de 144:726$850, pertencentes a uma sociedade cooperativa, de que era adjunto da Diretoria e Guarda Livros; a pena máxima a que estava sujeito era de três anos de prisão com aumento da sexta parte, três anos e seis meses, portanto; prescreve-ria, pois, em oito anos (art. 85 da Consolidação citada). Ora, a sentença foi de 11 de fevereiro de 1939, e o crime continuado foi perpetrado entre agosto de 1934 e abril de 1937; não decorreram os oito anos entre a prática delituosa e a sentença. A primeira condenação foi por dois anos e quinze dias de prisão, decisão esta pro-ferida em 11 de fevereiro de 1939; este julgado fixa a pena básica em referência à prescrição; o prazo desta seria de seis anos; ora, o acórdão que diminuiu a pena tem a data de 25 de maio de 1939, isto é, dois meses após a primeira sentença. Portanto, não é verdade que quando foi julgado o paciente, em qualquer das ins-tâncias, já estivesse prescrita a ação penal, como afirma o impetrante. Afinal, o acórdão reduziu a condenação a sete meses de prisão celular, o que daria a pres-crição de dois anos; o acórdão é deste ano. Não houve prescrição em hipótese nenhuma. Por isso, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

No HC 27.793/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 30 de abril de 1941, definiu-se que só a nulidade indiscutível e insanável — e não sim-ples irregularidade — suscitaria a possibilidade de habeas corpus:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é

paciente Antonio Joaquim Gomes: Este foi condenado a 28 meses de prisão celular pelo crime de roubo; pede habeas corpus, alegando estar o processo radicalmente nulo, porque o exame pericial procedido no local do delito por dois peritos tem a assinatura de um só. Isso seria, quando muito, uma irregula-ridade; jamais nulidade capaz de inutilizar duas decisões uniformemente con-denatórias de um indivíduo destituído de probidade. Contra sentença final só se admite habeas corpus em caso de nulidade indiscutível e insanável, sobretudo hoje, quando se consideram sanadas as nulidades não argüidas antes da primeira apreciação final das provas. Por isso, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido originário de habeas corpus.

Competência para apreciar habeas corpus fomentou ementa que dava conta que, em sendo o habeas corpus impetrado ao Tribunal de Apelação e por este negado, não poderia a parte dirigir-se originariamente ao Supremo Tribunal. A este sodalício somente chegaria em grau de recurso. É o que se infere do HC 27.825/RN, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 23 de maio de 1941:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que

são pacientes Romualdo do Nascimento, vulgo Tutu, e Djalma Maurício de Barros: Os pacientes impetraram habeas corpus ao Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte; porque estavam presos em virtude de sentença do juiz de

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Memória Jurisprudencial

Direito, a qual foi anulada pelo Supremo Tribunal. Desatendidos, dirigiram-se, originariamente, ao Pretório Excelso, alegando que o Tribunal de Apelação se considerara incompetente para conhecer da espécie. O que não ocorria; por-quanto o magistrado julgador era subordinado àquela coletividade.

O pedido não se baseia no mesmo fundamento do anterior, que teve, aliás, o mesmo Relator do atual; por isto, não foi indeferido liminarmente. Releva, entretanto, notar que os pacientes baralham os fatos, para tirar proveito. No HC 27.769, cujos autos foram apensados aos da nova súplica, o Supremo Tribunal concedeu a ordem, para anular o processo criminal, sem prejuízo do despacho de prisão preventiva; porque a nulidade a este não alcançava e o crime era inafiançável (homicídio voluntário). Os réus dirigiram-se ao Tribunal de Apelação, alegando estarem presos em virtude de sentença, anulada, do juiz de Direito; entendeu o pretório local persistir a privação de liberdade em conse-qüência de acórdão do Supremo Tribunal, que a Corte estadual era incompetente para examinar e reformar. Os pacientes não articularam uma só palavra contra o acórdão que manteve a prisão. Demais, desde que se dirigiram ao Tribunal de Apelação, deveriam vir ao Pretório Excelso por meio de recurso; não origina-riamente. Por todos esses motivos, acorda o Supremo Tribunal Federal em não tomar conhecimento do pedido originário.

No HC 27.398/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 24 de janeiro de 1940, decidiu-se que se deveria recorrer ao Supremo Tribunal, e não se dirigir diretamente a ele, quem tivesse denegado pedido de habeas corpus por outro pretório superior:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário, em que é paciente Manoel bello de souza: Este foi condenado a seis anos de prisão e, por ter sido indeferido o seu requerimento de livramento condicional pelo Dr. Juiz de Direito da 6ª Vara Criminal, impetrou habeas corpus. À primeira vista, já parecia caso de não conhecer do pedido originário, visto existir um pretório local superior ao apresentado como coator; como, porém, o suplicante alegasse miserabilidade, o Relator solicitou informações àquele magistrado, pelas quais ficou evidente haver o paciente requerido livramento condicional três vezes; nas duas primeiras, o parecer do Conselho Penitenciário lhe foi contrário; na última, favorável; o Juiz não concedeu a medida pleiteada, porque, na opinião do próprio Conselho, tivera má conduta na prisão o liberando, só ultimamente, após as duas denegações, passara a proceder melhor; o paciente impetrou habeas corpus ao Tribunal de Apelação, porém este confirmou o despacho do Juiz de Direito. Em caso de Recurso, não de súplica originária, conforme tem uniforme-mente decidido o Supremo Tribunal; por esse motivo, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em não conhecer do pedido.

Percebe-se coerência e visão muito firme de Carlos Maximiliano, no que se refere aos propósitos do processo criminal em geral, e do habeas corpus em particular. Trata-se do decidido no RHC 27.412/SP, relatado pelo Ministro Costa Barreto e julgado em 24 de janeiro de 1940:

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, entendo que todo

processo criminal consiste num constrangimento, embora nem sempre seja este ilegal. A pessoa envolvida em processo dessa natureza, mesmo ainda que ele não conclua, obrigatoriamente, pela prisão, não pode ausentar-se do distrito da culpa, é obrigada a comparecer às audiências a que é chamada, ficando, de certo modo, pois, tolhida no direito de ir e vir. Por conseguinte, não acho procedente a razão dada pelo Tribunal de Apelação de que não é caso de habeas corpus, uma vez que não houve prisão do paciente.

Resta saber se o constrangimento é ilegal ou não. Aí, devo regular-me, não pela conclusão da prova, que não examino em habeas corpus, mas pelos termos da denúncia. Ora, por aí, o fato impugnado não constitui crime.

Por isso, concedo a ordem, apesar de estar o paciente pronunciado.

No HC 26.133/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 15 de maio de 1936, em tema de crime de imprensa, entendeu-se que não se podia reformar, por meio de novo pedido de habeas corpus, decisão na qual não se tomava conhecimento do pedido, por não se tratar de ato ou de decisão de tri-bunal superior:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, Paulino Botelho

Vieira, advogado, vem fazer pedido à Corte Suprema, de maneira um pouco original. Alega o seguinte: que há tempos se dirigiu à Corte de Apelação de São Paulo, impetrando habeas corpus, por estar sendo processado e julgado por crime de imprensa. Recordo-me perfeitamente desse julgamento; na hipótese a lei mandava aplicar ao crime ou a pena de prisão ou a de multa, alternativa-mente. A Primeira Câmara da Corte de Apelação do Estado declarou-se incom-petente para decidir do assunto, por se tratar de matéria constitucional; pelo que o impetrante se dirigiu a esta Corte. Aqui, em habeas corpus de que foi Relator o Sr. Ministro Bento de Faria, foi decidido que não se tomaria conhecimento da espécie; porque se tratava de recurso, mas não da mais alta Corte estadual, tendo havido, entretanto, alguns votos divergentes, que aceitavam preliminarmente o pedido e até julgavam de meritis.

Agora, alega o impetrante que outro advogado se dirigiu à Corte de Apelação de São Paulo, a qual, em corte plena, conhecendo do caso, declarou que a lei não é inconstitucional, porquanto se trata de alternativa de penas e não da conversão da multa em prisão. Se esta alegação fosse provada, demonstraria, mais uma vez, o acerto da decisão da Corte Suprema, não tomando conheci-mento da espécie por não se tratar de recurso da mais alta Corte estadual.

Ocorre, entretanto, que o impetrante junta apenas retalhos de jornais para provar a sua alegação e pede não um novo habeas corpus e, sim, que a Corte Suprema julgue de novo o mesmo caso que julgou há tempos apenas quanto a uma preliminar. Alega ele, para isso, que, já tendo a Corte plena estadual resol-vido que a lei é constitucional, torna-se inútil baixarem os autos ao tribunal local, porquanto ali obedecerão, naturalmente, essa deliberação da Corte plena.

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Memória Jurisprudencial

Pede, por conseguinte, conforme já acentuei, não um novo habeas cor-pus, mas sim que a Corte Suprema reveja o seu julgamento e o reforme para o efeito de conhecer do mérito da questão e decidi-la imediatamente.

É o relatório.

VOTOSenhor Presidente, no primeiro momento e como o impetrante pede

apenas, que a Corte reforme a decisão anterior, despachei no sentido de serem apensos os autos anteriores.

Como, porém, o impetrante alega urgência e a possibilidade de sofrer vio-lência e como, de outro lado existem preliminares que podem ser levadas e deci-didas imediatamente, achei melhor anular o despacho e mandar os autos à Mesa.

As preliminares que tenho a levantar são duas e as seguintes:Em primeiro lugar, o paciente não recorre da decisão da Corte plena estadual

e, sim, pede que esta Corte reveja o seu próprio despacho e o substitua pelo conhe-cimento do mérito da questão, processo que não me parece perfeitamente regular.

Em segundo lugar, o paciente, para justificar o seu pedido, junta apenas retalhos de jornais de São Paulo, nos quais se encontra a transcrição do acórdão da Corte estadual e um transunto do julgamento.

Por conseguinte, não conheço do pedido, por essas duas razões, isto é, por não solicitar novo habeas corpus e sim a revisão do despacho anterior —impor-tando, portanto, o pedido numa espécie de embargos ao acórdão, mas sem ter a forma de embargos — e, em segundo lugar, por estar deficientemente instruído.

Isenção de serviço militar também era matéria apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, bem entendido, no contexto de discussão relativa à possibi-lidade de apreciação de matéria de fato, em âmbito do remédio heróico que se estuda. No RHC 26.233/DF, relatado pelo Ministro Carlos Maximiliano, lê-se, como segue:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Manoel Antonio de Barros Filho

recorreu do acórdão do Supremo Tribunal Militar que lhe negou habeas cor-pus tendente a isentá-lo das penas de insubmissão. Alega, à fl. 8, haver, em tempo útil, requerido a sua isenção do serviço militar, por ser o arrimo de sua mãe viúva e pobre, e ser a entrega desse requerimento confessada pela 1ª Circunscrição de Recrutamento à fl. 9 do processo primitivo.

Ora, a informação prestada pela 1ª Circunscrição ao Supremo Tribunal Militar diz o contrário: que ele deixou de anexar ao requerimento os documen-tos exigidos pelo art. 124 do Regulamento do Serviço Militar; pelo que teve a sua petição este despacho: “Indeferido, por falta de fundamento legal. Faça prova perante a Junta de Revisão e Sorteio.”

Ele não cumpriu o despacho, nem se apresentou, quando sorteado em 1931; pelo que foi considerado insubmisso e como tal sub judice; capturado em 20 de março de 1936, foi encaminhado ao seu destino.

Provou, agora, com docs., que a sua mãe não recebe pensão, nem paga impostos, e com duas testemunhas que ele a sustenta com o seu trabalho; mas o Supremo Tribunal Militar negou habeas corpus, nos termos seguintes (lê fl. 6).

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO processo de habeas corpus não comporta o exame de matéria de fato;

e esta deve ser esclarecida, em tempo, perante a Junta de Revisão e Sorteio. O impetrante disto sabia; e ele próprio mostra que foi informado pelo despacho de fl. 9, só por seu desrespeito à lei, está na fileira. Quis ex culpa sua damnum sentit, non intelligitur damnum sentire: este aforismo concernente ao dano, bem se aplica a todos os que sofrem males por culpa sua.

Nego provimento ao recurso.

No RHC 26.253/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 28 de setembro de 1936, discutiu-se tema até hoje debatido, relativo à possibilidade de réu responder processo em liberdade, ainda que tenha fugido:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o art. 21 da Lei

1.849 nega efeito suspensivo à sentença condenatória quando o réu se apresentar à prisão logo depois da denúncia; o réu, que é o embargante, assim procedeu e foi absolvido, mas, absolvido, evadiu-se e, dado o segundo julgamento, não compareceu para ser julgado. No entanto, conseguiu absolvição pela segunda vez. Houve, então, apelação ex officio.

Aqui está toda a questão.O juiz, ao prolatar a sentença, declarou que não expediu o alvará de sol-

tura porque o embargante não se apresentara para o julgamento. Pelo contrário, fugira logo após ao primeiro veredictum, não mais aparecendo.

Requereu, mais tarde, um habeas corpus à Corte de Apelação, tendo esse tribunal pedido informações ao juiz, que as deu neste sentido:

Acuso o recebimento do Ofício 3.885/m.a., de 24 do corrente, de V. Exa., requisitando-me informações sobre uma ordem de habeas cor-pus, impetrada pelo Dr. José Veríssimo Filho, a favor de Arnoldo Bulle.

Respondendo-o, informo a V. Exa. o seguinte: — O paciente foi julgado pela segunda vez pelo Júri desta comarca, por crime de homi-cídio (art. 294, § 1º), tendo sido absolvido por seis votos; como Juiz Presidente do Tribunal do Júri apelei ex officio, com fundamento no art. 36, do Decreto 4.784, de 1º de dezembro de 1930.

Prolatando a sentença absolutória, não determinei a expedição de alvará de soltura dando, assim, ao recurso, efeito suspensivo.

Realmente, de acordo com a jurisprudência firmada pela Egrégia Primeira Câmara da Corte de Apelação, o efeito suspensivo da apela-ção ex officio do Juiz Presidente do Júri decorre da inafiançabilidade do crime e da absolvição não unânime. São os dois requisitos exigidos e que ocorrem no caso. E assim é porque o art. 36, do citado Decreto 4.784, restabeleceu a apelação ex officio “na forma das leis e decretos que a regulavam” e, estes davam o efeito suspensivo ao recurso desde que se tratasse de crime inafiançável e absolvição não unânime.

É o que edita o art. 17, § 4º, da Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871:A apelação do parágrafo 1º, do art. 79, da Lei de 3 de

dezembro de 1841, só tem efeito suspensivo, quando interposta de sentença absolutória do acusado de crime inafiançável, e não sendo unânime a decisão do júri que a determinar.

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Memória Jurisprudencial

A sentença por mim proferida deu, como motivo da não expedição de alvará de soltura, a favor do paciente, a falta de apresentação à prisão, considerando que o réu não se apresentara à prisão para o segundo julga-mento, invalidando, destarte, a apresentação feita logo após a prática do crime, mas, de acordo com a jurisprudência da E. Primeira Câmara não é de se cogitar da apresentação à prisão, por isso que a Lei 1.849 não se aplica à apelação ex officio.

A prisão do paciente não é, porém, ilegal, pelos outros motivos apontados, que bem a autorizam.

É o que cumpre informar a V. Exa. a quem renovo meus protestos de elevada estima e profunda admiração.Diante dos esclarecimentos prestados, aquele colégio judiciário elaborou

o seguinte acórdão:Acordam negar a ordem de habeas corpus impetrada pelo Dr. José

Veríssimo Filho a favor de Arnoldo Bulle.Tendo sido este absolvido pelo Júri da acusação que lhe foi inten-

tada (art. 294, § 1º, do Código Penal), não podia, entretanto, o paciente ter sido posto em liberdade, visto não ter sido unânime a decisão absolu-tória, e ter o Dr. Juiz de Direito interposto apelação ex officio.

Pouco importa que o paciente se tivesse apresentado à prisão; circunstância é esta atendível nas apelações interpostas pelo Ministério Público, que não que o sejam oficialmente pelo Juiz de Direito, Presidente do Tribunal do Júri.

Neste sentido se tem manifestado a Jurisprudência da Corte.Custas pelo impetrante.

É o relatório.

VOTOSenhor Presidente, parece-me que, quando a lei paulista declara que o

indivíduo absolvido será posto em liberdade, no caso de se haver apresentado, espontaneamente, à prisão, admite a presunção de inocência, conseqüente à absolvição, e que o mesmo não embarace a ação da justiça, na hipótese de vir a precisar dele. Nesta situação, justo é que tenha liberdade.

No entanto, quando a justiça dele necessitou, pela segunda vez, não compareceu, não atendeu ao seu chamamento. Fugiu, desaparecendo assim o espírito da lei.

A jurisprudência do Estado entende que a apelação ex officio foi resta-belecida depois dessa lei, que permitia a liberdade; só se apelava nos casos de apelação da Promotoria Pública e nunca ex officio.

Em virtude da jurisprudência estadual e das razões que dou, confirmo o despacho, para negar provimento ao recurso.

A natureza do habeas corpus foi fixada no HC 26.340/MG, relatado pelo Ministro Costa Manso e julgado em 20 de janeiro de 1937. Naquela ocasião entendeu-se que o habeas corpus não só protegeria a liberdade de locomoção, como também impediria que um constrangimento legítimo fosse executado de modo irregular com prejuízo para o indivíduo. O oficial do Exército ou da Armada, condenado a dois ou mais anos de pena restritiva da liberdade, não

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Ministro Carlos Maximiliano

perderia o posto, devendo cumprir a pena em praça de guerra ou estabele-cimento militar adequado. Essa regra também era extensiva aos oficiais das Polícias Militares. No entender de Carlos Maximiliano, que insistiu que não aplicava leis penais por analogia:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Concordo com o Sr. Ministro

Relator. Impera, porém, no meu espírito ainda, uma razão: baseou-se S. Exa., inicialmente, em uma disposição do Código Penal Militar relativa aos cri-mes militares e aplicou o art. 409, o qual estabelece que, enquanto não entrar em plena execução o sistema penitenciário (chamo a atenção da Corte para o assunto, visto tratar-se de lei penal) a pena de prisão celular será cumprida, como a de prisão com trabalhos, nos estabelecimentos penitenciários existentes, segundo o regime atual; nos lugares em que não os houver, será convertida em prisão simples, com aumento da sexta parte do tempo.

Por conseguinte, só na hipótese de não haver penitenciária é que se aumenta a pena da sexta parte. Foi por analogia, parece-me, que o Sr. Ministro Relator aplicou o aludido dispositivo ao presente caso, em que o réu vai para uma fortaleza onde não há regime penitenciário. Embora de acordo com S. Exa., quanto à concessão do habeas corpus, não aplico, como S. Exa., o art. 409 ao caso, porque não faço, por analogia, aplicação de leis penais. Aliás, isto não é mesmo da nossa competência, mas da do juiz da execução.

Por tudo isto e pelas razões de S. Exa., defiro o pedido.

Fixou-se também o entendimento de que em simples processo de habeas corpus não se anularia processo por falta de corpo de delito, sobretudo em caso para o qual havia previsão de recurso ordinário. É o conteúdo do decido no RHC 26.363/SP, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano e julgado em 25 de janeiro de 1937:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O advogado José Adriano Marrey

Junior impetrou à Corte de Apelação de São Paulo habeas corpus a favor de João Cardoso de Almeida processado à revelia e pronunciado como incurso nas penas do art. 221, combinado com o 222, da Consolidação das Leis Penais, e também no art. 248 da mesma consolidação. Trata-se dos crimes de peculato e falsidade, previstos pelos arts. 1º a 3º, e 17, do Decreto 4.780, de 27 de dezembro de 1923.

Alega estar o processo radicalmente nulo, por dois únicos fundamentos: 1º — apesar de ser o réu pessoa de família muito conhecida em São Paulo e de residir na Alameda Lorena, nº 489, foi dado como ausente em lugar incerto e não sabido e, conseqüentemente, não citado inicialmente para se ver processar; 2º — em se tratando de crime de falsidade, constituía formalidade substancial o exame de corpo de delito, este se não efetuou. A Corte de Apelação negou a ordem conforme o acórdão de fl. 20, aliás unânime. Para maior esclarecimento, lerei a denúncia de fl. 12, o despacho de pronúncia de fl. 13 e as informações prestadas à Corte de Apelação pelo juiz processante, à fl. 17.

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Memória Jurisprudencial

VOTOA certidão juntada pelo próprio impetrante, à fl. 13v. in fine, convence

de que houve a necessária diligência para encontrar o acusado, que não foi encontrado. (...)

Nunca aceitamos a opinião de se poder em simples processo de habeas corpus, quando ainda cabe outro meio mais apropriado para examinar o mérito da decisão, anular o despacho de pronúncia, pela simples falta de auto de corpo de delito direto. Por outro lado, é dever da Corte Suprema, ao examinar a apli-cação da lei estadual, consultar, com interesse, a jurisprudência dos tribunais locais, e o acórdão do tribunal superior do Estado foi contrário ao exame do assunto em habeas corpus; o impetrante cita outro acórdão, mas proferido em recurso criminal. É deste que deve o impetrante lançar mão; por isto, eu nego provimento ao recurso de habeas corpus.

Habeas corpus era remédio no qual também se discutia competência, a exemplo no julgado no RHC 26.582/SP, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo, em 13 de outubro de 1937. Carlos Maximiliano negou a ordem, nos termos seguintes:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o fato de alguém

falsificar o registro civil, a meu ver, não se enquadra na competência da Justiça federal, porque o registro é feito em cartório onde se efetua serviço estadual.

Demais, a competência federal é exceção, sendo que a estadual cons-titui a regra. Só poderíamos, portanto, reconhecer a competência federal se o acusado tivesse falsificado o registro aqui e dele fizesse uso no Ministério da Justiça, procurando embair a autoridade federal.

Apesar disso, poderia ainda ter falsificado o registro com outro intuito, qual o de, provando que tinha um filho, beneficiar-se com a sua morte pela herança do sogro.

Nestas condições, nego a ordem.

O realismo de Carlos Maximiliano é recorrente. No HC 26.586/DF, rela-tado pelo próprio Maximiliano e julgado em 20 de outubro de 1937, fixou-se, como segue:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O advogado Miguel Pimenta impe-

tra habeas corpus para João Costa Affonso, alegando que este fora condenado a 7 meses e 15 dias de prisão celular, em processo radicalmente nulo. Diz que o Código de Processo exige número legal de testemunhas, sob pena de nulidade insanável; e que tal nulidade houve, uma vez que as testemunhas arroladas nada ou quase nada disseram sobre a questão, com exceção de uma, o que não pode fazer prova, motivo pelo qual a sentença deve ser cassada.

É o relatório.

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTONa petição, o advogado conclui pedindo que eu requisite os autos,

embora não alegue pobreza. Na verdade mesmo, porém, a petição está selada e o paciente teve meios de constituir procurador.

Não há, junto aos autos, documento algum, nem sequer a certidão da sentença.

Por todos esses motivos, não achei necessário requisitar o processo. Indubitavelmente, o paciente não é miserável.

Além do mais, ainda mesmo verdadeiro o que alega o impetrante, não concederia o habeas corpus. O fato alegado quanto às testemunhas quando muito seria causa de revisão; se elas não depuseram contra o réu, a sentença estaria contra a prova dos autos.

Assim, não tomo conhecimento do pedido.É o meu voto.

Questões simples eram encaradas com muita elegância por Carlos Maximiliano, que confeccionava decisões factíveis, do ponto de vista do pragma-tismo forense; é o que se percebe também na decisão proferida no HC 26.592/DF, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo e julgado em 20 de outubro de 1937:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, devemos, em

primeiro lugar, tomar em consideração que estamos tratando de simples habeas corpus contra uma sentença. Portanto, só se se tratasse de nulidade claríssima, evidente e indiscutível, poderíamos tomar conhecimento.

O Promotor Público não recorreu, simplesmente, da parte da sentença refe-rente à prescrição. Ao contrário, examinou a decisão inteiramente, o mesmo acon-tecendo ao Tribunal, que, por esse motivo, achou ter o Juiz julgado mal, quanto à prescrição e, por um certo escrúpulo — que me parece aceitável, até certo ponto — atendendo a que o réu ainda tinha tempo para recorrer, não resolveu logo a questão principal. O Promotor, por conseguinte, devolveu-lhe o conhecimento pleno da causa. Assim, o Tribunal andou muito bem conhecendo da apelação.

Concordo, pois, com o Sr. Ministro Relator e nego o habeas corpus.

É com simplicidade também que Carlos Maximiliano diferenciava perempção de prescrição, nos termos do decidido no RHC 26.605/PA, relatado pelo Ministro Ataulpho de Paiva e julgado em 3 de dezembro de 1937:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, estou de acordo

com o voto do Sr. Ministro Relator.É evidente que o impetrante confunde, não sei se propositadamente,

perempção com prescrição da ação. A perempção, sim, se verificaria depois de decorrido o prazo de 2 anos; ora, ele mesmo confessa que a denúncia foi ofere-cida antes de transcorrido esse prazo. A ação, assim, não está perempta.

Quanto à prescrição, esta nada tem a ver com a perempção. Segue a regra geral da Consolidação Penal; não pode prescrever com dois anos crime cujo máximo de pena é de 8 anos.

Nego, portanto, provimento ao recurso.

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Memória Jurisprudencial

A meticulosidade dos relatórios de Carlos Maximiliano não prejudicava a concisão e a objetividade de seus textos decisórios. É o que se comprova no HC 26.596/SC, relatado pelo próprio Maximiliano e julgado em 8 de dezem-bro de 1937:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: À primeira vista, pareceu-me que o

objeto do presente pedido era, muito simplesmente, fazer com que se respeitasse decisão deste Supremo Tribunal, desobedecida pelo Tribunal local, de Santa Catarina. Por isso, vi-me na contingência de requisitar os autos de anterior habeas corpus, que é, por assim dizer, a primeira parte do que ora nos é apresentado.

Há meses atrás, Altamiro Bianchini paciente, foi impetrado pedido de habeas corpus, em crime de homicídio. O réu fora a júri e este o absolvera, havendo apelação do Dr. Promotor, sob a alegação de que a decisão fora contra a prova dos autos. Conhecendo do recurso, porém, a Corte de Apelação, não entrando no mérito, anulou o julgado, porque funcionara, como advogado de defesa, um solici-tador. O caso veio a nós, em habeas corpus, como disse e, aqui, embora por fraca maioria — votos vencidos dos Srs. Ministros Costa Manso, Laudo de Camargo, Plínio Casado e Hermenegildo de Barros, — concedemos a ordem, sob o funda-mento, aliás também sustentado pelo Dr. Procurador-Geral do Estado, de que a nulidade invocada era daquelas que só à defesa competiria levantar.

Nessas condições, como se vê, a nossa decisão foi no sentido de que deveria prevalecer o julgado do Tribunal do Júri, reformando, por conseguinte, o acórdão da Corte de Apelação, que o anulara.

Estranhamente, porém, o réu, que deveria ter sido solto, foi mandado a novo júri.

É aqui que começa o motivo do segundo habeas corpus.No novo júri, todavia, o réu foi novamente absolvido. Nova apelação do

Dr. Promotor.Aí, entretanto, o Dr. Juiz a quo entrou em dúvida sobre se deveria

continuar o réu em prisão e, nesse sentido, consultou a Corte de Apelação. O Presidente desta, por sua vez, telegrafou sobre o fato ao Presidente Edmundo Lins, que entregou o estudo do caso ao Sr. Ministro Ataulpho de Paiva, que fora o Relator do pedido anterior.

A resposta de S. Exa., naturalmente por um lapso, foi dizendo que o acór-dão da Corte Suprema fora perfeitamente cumprido, produzira todos os efeitos legais; quanto ao novo julgamento, deveria regulá-lo a Lei de Organização Judiciária do Estado. À Justiça local, portanto, cabia solucionar a dúvida.

Foi à vista desse despacho, rigorosamente acatado pelo Dr. Juiz a quo, que o réu foi, novamente, preso e, mais uma vez, habeas corpus subiu, no mesmo sentido, ao Supremo Tribunal Federal. Já que, em julgamento anterior, decidimos não dever prevalecer a decisão da Corte de Apelação, entende o paciente que resolvemos só estar de pé o primitivo julgado do Tribunal do Júri e, assim, deve ele ser posto em liberdade, definitivamente, sem mais recurso de espécie alguma.

É o relatório.

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTONão tenho dúvida em dizer que as autoridades locais de Santa Catarina

procederam lealmente para conosco. Na verdade, suscitada a questão, desde logo trataram de se entender com o Presidente da então Corte Suprema, o qual se apressou, igualmente, em submeter o caso à apreciação do Relator.

Parecem-me, todavia, ter havido engano por parte do Sr. Ministro Ataulpho de Paiva, no despacho que deu em resposta à consulta efetuada; de fato, o que ocorreu foi que S. Exa. afirmou estar sendo cumprido o habeas corpus.

O que a Corte Suprema decidiu foi tornar nulo o Acórdão da Corte de Apelação que reformara a decisão do Tribunal do Júri. Logo, só ficou de pé a sentença do tribunal popular, sentença absolutória, devendo, conseqüentemente, o ora paciente ser, imediatamente, posto em liberdade.

A questão colocada nessas condições, parece-me que nem podemos vol-tar ao exame do mérito. Assim, não examino mais essa tese.

Por conseguinte, é indubitável que devemos conceder o presente habeas corpus, a fim de que o decidido no anterior seja restaurado, ficando de pé, por-tanto, só a sentença do Tribunal do Júri que absolveu o acusado, o qual deve ser, imediatamente, posto em liberdade.

Em pedido de habeas corpus requerido por Evandro Lins e Silva, Carlos Maximiliano negou-se a apreciar decisão prolatada por juiz da vara de família. Trata-se do RHC 26.598/DF, relatado pelo Ministro Bento de Faria e julgado em 5 de novembro de 1937. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a questão, parece-me, entrelaça-se com a dúvida sobre o pátrio poder. Pela informação do Juiz, é esse homem acusado de ter falsificado o assentamento do menino, dando este como filho seu e de outra mulher que não a mãe verdadeira, para o fim de dele se apossar. Ora, depende ainda de muito estudo a questão do pátrio poder, em se tratando de filhos naturais. Daí resulta ser inadmissível o remédio jurí-dico invocado, pois o que se quer é reformar o despacho do juiz sobre assunto do Direito Civil, de Direito de Família. Nego, pois, a ordem.

A competência do Supremo Tribunal Federal foi também questão apre-ciada em âmbito de habeas corpus. Discutia-se condenação do paciente pela prática do jogo do bicho. O interessado argüia nulidade da condenação, por força de que sofrera cerceamento de defesa. O recurso subira ao Supremo por provocação do juízo originário do feito, que concedera a ordem de habeas cor-pus, mas recorrera ex officio da própria decisão. Alegava-se que a Constituição de 1934 havia implicitamente abolido o recurso ex officio das decisões que con-cedessem ordem de habeas corpus.

No RHC 26.601/DF, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e julgado em 8 de novembro de 1937, Carlos Maximiliano votou da forma que segue, com base no modelo de competência fixado pelo modelo constitucional então vigente:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, não estou de acordo com a conclusão a que chegou o ilustre colega, Sr. Ministro Relator.

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Memória Jurisprudencial

A Constituição teve em vista tornar excepcional o recurso dos tribunais locais para a Corte Suprema, restringindo quanto possível a nossa competência. Natural era, por conseguinte, que determinasse, como fez, quer quanto a recur-sos extraordinários quer quanto a habeas corpus, casos taxativos em que hou-vesse probabilidade de se recorrer da deliberação da Justiça local para a federal.

Teve em vista, igualmente, a Constituição não aumentar em demasia a nossa competência. Dado, porém, que, somos, sobretudo, a salvaguarda da liberdade, permitiu, então, que recorressem para esta Corte sempre que a liber-dade ficasse em constrangimento, isto é, quando fosse negado o habeas corpus. Quando o habeas corpus é concedido, tornava-se dispensável o recurso porque, aí, a liberdade da pessoa não periclita. A nossa função principal é a de estarmos acima de todas as autoridades do País quando se trata da liberdade humana.

Estas considerações são as suscitadas pela Constituição, mas é, até, regra de hermenêutica que, na dúvida, existe sempre o direito de recorrer. Não posso, portanto, considerar que nunca há recurso, quando a Constituição apenas o proí-be em caso de matéria eleitoral e em outros por ela enumerados.

Se entendêssemos assim, iríamos transformar uma exceção em regra: a nossa competência é excepcional e não podemos transformar esse preceito, feito para a exceção, em regra geral porque isto seria generalizar a exceção.

Sob este fundamento, nego provimento ao recurso.

No HC 26.606/DF, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano e julgado em 24 de novembro de 1937, discutiu-se prisão de funcionário público, ocorrida por ordem do Ministro da Fazenda:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, Henrique Tedim

Pessoa está preso desde 8 de julho do corrente ano. Pedia habeas corpus, ale-gando que foi excedido o prazo de 90 dias marcado em lei. Solicitei informações ao Sr. Ministro da Fazenda, por cuja ordem foi o paciente preso, e S. Exa. declarou que dito funcionário estava preso por motivo administrativo e citou, até, o dispo-sitivo da Consolidação das Leis Federais que dá ao Governo tal direito. Juntou uma série de certidões para provar que não está preso por nenhum outro motivo.

É o relatório.

VOTOSenhor Presidente, decidimos, há pouco, que, quanto a habeas corpus

originários, não foi a Constituição antiga, de modo algum, modificada pela atual: mantendo o princípio de dar habeas corpus, originariamente, contra atos de autoridades dependentes deste Tribunal, a Constituição colocou os Ministros de Estado sob a nossa dependência, estabelecendo que só nós os podemos pro-cessar. Não pode, pois, haver dúvida sobre a questão de competência levantada pelo ilustre advogado: continuam os Ministros a ser autoridades sujeitas, ime-diatamente, à nossa jurisdição; logo, cabe dos seus atos recurso a este Tribunal.

Quanto ao mais, a prova é completa; declara o Ministro que o impetrante foi preso, administrativamente, por sua ordem, ato que se funda na lei citada pelo advogado, a qual é a Consolidação das Leis Federais; deu-se a prisão a 17

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Ministro Carlos Maximiliano

de julho, há quatro meses, portanto, quando a lei não permite que a prisão dure mais de 90 dias.

Conheço, pois, do pedido e o defiro, sem prejuízo de qualquer processo contra o paciente.

Nulidade fora questão também debatida no RHC 26.624/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 14 de dezembro de 1937. No caso, tinha-se como pano de fundo julgamento, pelo tribunal do júri, de crime de atentado ao pudor:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Florindo Brito Figueiredo foi pro-

cessado e pronunciado — o feito está à espera de julgamento definitivo — pelo júri da Capital do Estado — por crime de atentado ao pudor.

Não se conformando com aquela decisão, impetrou ordem de habeas corpus à então Corte de Apelação, alegando: primeiro, que, em outro caso, levado à barra da Justiça militar, aí fora absolvido, porque o declararam sem integridade mental suficiente para ser responsabilizado, e, segundo, que, no atual processo, uma das testemunhas, em vez de ser inquirida pelo Dr. Promotor Público, o fora por um estagiário.

No seu parecer, o Dr. Procurador-Geral do Estado diz que a alegação do paciente, relativamente ao estagiário, não é inteiramente destituída de funda-mento. Em outro caso, manifestara-se de acordo com esse parecer; entretanto, no presente feito assim não pode opinar, uma vez que, embora verdadeira a alegação, não consta dos autos originários a ausência do Dr. Promotor naquela audiência, nem a designação do estagiário pelo Dr. Juiz. Por isso, concordando em que, desde que a lei exige a presença do Promotor nas ações públicas, a sua falta acarretará a nulidade, aqui não pode dizer o mesmo, uma vez que o fato não está inteiramente provado.

A corte de Apelação, à vista desse parecer e do mais que dos autos cons-tava, negou a ordem. É dessa decisão que o impetrante recorre para nós.

É o relatório.

VOTOSenhor Presidente, não estou de acordo, primeiro, com a opinião do

Dr. Vicente de Azevedo, Procurador do Estado de São Paulo.De fato, acho que, quando o Promotor falta àquela obrigação, deve ser

multado ou receber qualquer outra pena, mas isso não acarretará a nulidade do processo.

Como Procurador-Geral da União fui compelido, certa vez, a chamar a atenção do Procurador Criminal, que não assistia às inquirições. Isso prejudi-cava enormemente a prova testemunhal. Entretanto, não pensei ser isso caso de anulação do feito.

Ademais, o impetrante nada provou. Só há prova de que o paciente está preso. O próprio fato relativamente ao estagiário não foi demonstrado.

Assim, se fosse originário o pedido, eu o indeferiria, por não estar devi-damente instruído. Pelas mesmas razões, sendo caso de recurso, eu lhe nego provimento.

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Memória Jurisprudencial

Matéria relativa à fixação de competência da Justiça Militar foi também discutida por ocasião do HC 26.681/DF, relatado pelo Ministro Armando de Alencar e julgado em 11 de maio de 1938. Decidiu-se que cometia crime militar o sargento que ferisse colega no momento de ser por este preso por ordem do comandante. O voto de Carlos Maximiliano é rico em pormenor e bem explicita a natureza da matéria que então se enfrentava:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o fundamento do

habeas corpus é que, conforme doutrinam pareceres do atual Dr. Procurador-Geral da República, pareceres meus e, também, alguns acórdãos desse Supremo Tribunal, o crime não sendo genuinamente militar, exclusivamente militar, não é da competência da Justiça Militar; por conseguinte, na espécie em debate, o caso sendo desta natureza, o processo está visceralmente nulo.

O paciente, da guarnição de S. João Del Rey, destacado para servir como instrutor do Tiro de Guerra de Mar d’Espanha, aí recebeu carta anônima, denun-ciando a infidelidade da esposa; voltando àquela cidade para tomar informa-ções, segundo declara, mal chegando à casa, foi, entretanto, fazendo fogo contra a esposa, não conseguindo, todavia, feri-la. Dando-se o escândalo, reuniu-se muita gente em frente à casa do criminoso e o Comandante do Regimento, sabendo do ocorrido, mandou que uma escolta ali comparecesse para trazê-lo ao quartel. Contudo, o criminoso, convidando o sargento, que chefiava a escolta, a entrar na casa, tentou explicar-lhe que, não tendo o crime caráter militar, nada tinha o Comandante do Regimento com o fato. Nessa ocasião, passando um tenente por ali e sabendo do que se tratava, gritou ao sargento que não aceitasse qualquer explicação e cumprisse a ordem do superior hierárquico, conduzindo o delinqüente ao quartel. Querendo obedecer, o sargento viu-se, inopinadamente, alvejado pelo companheiro; outro sargento, que ficara com a escolta à porta da casa, tentou desarmar o criminoso, mas, também, à queima-bucha, recebeu feri-mentos de natureza tal que, posteriormente, lhe ocasionaram a morte.

É o relatório.

VOTOPenso que o crime, ao contrário do que diz o paciente, é genuinamente

militar: ele matou o sargento que cumpria ordem do superior, confirmada por outro superior; portanto, ofendeu a disciplina militar. O fato primitivo, isto é, a tentativa contra a esposa, é que nada tinha a ver com a vida militar. Todavia, os outros têm inteira relação com ela.

Nestas condições, indefiro o pedido.

No HC 26.711/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 10 de agosto de 1938, discutiu-se imprestabilidade do edital e inexistência de defen-sor. O que se constatou, efetivamente, foi o julgamento do réu à revelia, em delito inafiançável; o Ministro Costa Manso foi o único a votar nesse sentido. Ementou-se que o julgamento à revelia era legal, na medida em que o réu, citado por edital, não comparecesse em juízo. Colhe-se do relatório e do voto de Carlos Maximiliano, como segue:

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Ministro Carlos Maximiliano

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, Augusto Ferreira

de Souza foi condenado a 8 anos de prisão, por crime de roubo. Pede habeas corpus, alegando que estava em lugar certo e sabido e, apesar disso, citaram-no por edital e, não estando presente ao julgamento, não lhe deram defensor.

Não provou, entretanto, nenhuma dessas alegações, juntando, porém, atestado de miserabilidade.

Em vista desse atestado, pedi informações ao Juiz da 5ª Vara, que ele dá como o tendo condenado, e o Juiz informou que os autos estavam na Corte de Apelação. Dirigindo-me ao Presidente desse Tribunal, recebi a seguinte informação (...).

É o relatório.

VOTOComo se vê, as alegações do paciente são perfeitamente desfeitas pela

informação do Tribunal. Deu uma residência em lugar onde não existia casa e os moradores do local disseram que não o conheciam. Além disso, diz que foi condenado sem defesa e a informação dá, até, o nome do advogado que o defen-deu, por nomeação do juiz.

À vista disso, indefiro o pedido.

No HC 26.725/GO, relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se interes-santíssima questão, relativa à competência de magistrado recorrer de ofício das próprias decisões.

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o paciente foi

processado pelo crime de co-autoria num homicídio, tendo sido absolvido.Acontece que, pouco antes, outro indivíduo, em circunstâncias seme-

lhantes, fora, também, absolvido; o juiz que presidiu o júri, organizado de acordo com a lei atual, recorreu ex officio. Todavia, foi pedido por este réu habeas corpus ao Tribunal de Apelação. Este denegou a ordem, considerando que a lei federal, que organizara o júri, não tinha revogado a disposição do decreto estadual 396, de 10 de junho de 1918, no sentido de, em regra, os recur-sos serem voluntários; dependeriam, porém, da confirmação da instância supe-rior as sentenças condenatórias privativas da liberdade por 20 ou mais anos, ainda que a decisão tivesse sido unânime, e a primeira sentença absolutória por crime a que estivesse imposta igual pena.

Após esse julgamento, o Presidente do Tribunal de Apelação de Goiás passou circular a todos os juízes do Estado, declarando que, em vista dessa decisão, o Tribunal resolvera continuar vigente a exigência do recurso ex officio.

No caso, ora em debate, o paciente absolvido foi conservado preso, em virtude de despacho do Juiz Presidente do Tribunal do Júri, onde S. Exa. dizia que, embora absolvido, o réu continuava preso, em virtude de recurso ex officio que fizera ao Tribunal de Apelação, em virtude daquela circular referida.

É o relatório.

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Memória Jurisprudencial

VOTOEntro em pequena dúvida sobre a competência: o juiz declarou que

recorrera ex officio, premido pela circular do Tribunal de Apelação. Parece-me, porém, que recebeu, apenas, telegrama do Presidente do Tribunal, comunicando o resultado do habeas corpus; portanto, a ordem não partiu, diretamente, do Tribunal. Não está provado ainda que o Tribunal tivesse resolvido em sessão que o Presidente passasse aquela circular.

Entretanto, devido a esta dúvida, submeto o caso ao exame prévio do Tribunal. É indubitável que o réu continua sem a liberdade; por liberalidade, tomaria conhecimento do recurso, como se o constrangimento emanasse direta-mente do Tribunal. Todavia, prefiro ouvir, antes, a opinião dos colegas.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Não conheceram do pedido,

contra os votos dos Ministros Carvalho Mourão e Plínio Casado.

No HC 26.789/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly e julgado em 22 de junho de 1938, apreciou-se questão relativa a ameaça de prisão preven-tiva, por parte do Ministro da Fazenda, em desfavor de funcionário do Lloyd Brasileiro. O que se debatia, concretamente, era a natureza do cargo exer-cido pelo funcionário do Lloyd, isto é, se poderia ser considerado funcionário público. Carlos Maximiliano não entendia que funcionário do Lloyd fosse fun-cionário público, nada obstante a incorporação à União que então se observou; conseqüentemente, ilegal a prisão, porquanto, naquele caso, decretada pelo Ministro da Fazenda, a prisão só era aplicável a funcionários públicos:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, também concedo

o habeas corpus.O único argumento que, aparentemente, podia influir — e talvez tenha

influído — para esta prisão era o fato de estar o Lloyd incorporado à União, podendo esta, conseguintemente, ser prejudicada com o crime de que se trata. Isto seria motivo, exatamente, para estabelecer a competência da Justiça Federal antiga e, atualmente, do Supremo Tribunal, a fim de conhecerem, em grau de recurso, de ações a respeito deste desfalque, furto ou apropriação indébita. Tal competência, porém, não é fixada só para os crimes de funcionários públi-cos. Ao contrário, todo indivíduo que rouba da União pode não ser funcioná-rio público e, no entanto, é processado e pode o processo chegar ao Supremo Tribunal. Não é, portanto, aquele argumento suficiente para justificar a prisão.

Aliás, como demonstrou o Sr. Ministro Relator e já o havia feito o advo-gado do impetrante, aos empregados do Lloyd foi, explicitamente, excluída a qualidade de “funcionário público”, que não lhes pode, assim, ser atribuída em hipótese alguma.

Ora, o oposto é que devia ser exigido; devíamos exigir que, clarissima-mente, explicitamente, fosse declarado que os empregados do Lloyd passavam a ser funcionários públicos, porque só são funcionários públicos aqueles que,

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Ministro Carlos Maximiliano

como tais, são declarados em lei. Não há lei alguma que os declare funcionários públicos e há um regulamento, autorizado por lei, que os exclui dessa categoria.

Tenho, por conseguinte, duplo motivo para conceder o habeas corpus. Além da consideração já feita, entendo que, não sendo funcionário público, não pode sofrer uma prisão que só para estes funcionários foi autorizada.

Insubmissão relativa ao não-comparecimento para o serviço militar, após o sorteio, foi assunto ventilado no RHC 26.796/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 21 de junho de 1938, quando se ementou que a falta de citação pessoal do sorteado isentava-o da pena de insubmissão, porém não de servir a pátria militarmente, embora ao lado de classe posterior à sua:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, Mauro de Oliveira

Johas foi preso como insubmisso, em São Paulo, por não se ter apresentado para prestar serviço militar. Pediu habeas corpus ao Supremo Tribunal Militar, ale-gando, em primeiro lugar, não ter sido intimado, pessoalmente, do sorteio; em segundo, que o Governo, talvez em virtude da revolução constitucionalista de 1932, concedera anistia aos sorteados de 1932. Ainda, fundamentando o pedido, fez referência ao fato de já ter passado a idade legal para prestar o serviço.

O Supremo Tribunal Federal, apreciando o pedido, concedeu o habeas corpus sob o fundamento concordante com sua jurisprudência uniforme, de que, pedidas informações ao Comando da Região, foi por ele declarado que não se havia intimado pessoalmente o sorteado porque não era conhecida a sua resi-dência, tendo a intimação sido feita por edital.

O Tribunal, entretanto, como já disse, na conformidade de sua jurispru-dência, entendeu que a citação por edital não era suficiente e concedeu o habeas corpus sem prejuízo, porém, de sua incorporação.

O paciente recorreu dessa decisão, por entender que se lhe concedeu pouco, isto é, achava que não só devia ter ficado livre da pena de insubmissão como da obrigatoriedade da incorporação do Exército.

Alega, novamente, que em conseqüência da anistia concedida pelo Governo Federal, o Comando da Região declarou em boletim que deixavam de servir os sorteados da 2ª chamada de 1932 e todos os de 1933. Alegou, ainda mais, que todos são obrigados a servir na sua classe, isto é, quando completam 21 anos e já tendo passado dessa idade — por ter quase 29 anos — não deve mais ser chamado.

É o relatório.

VOTOJá havia começado um despacho pedindo informações acerca da cha-

mada. Depois, não só por entender que é obrigação da parte provar aquilo que alega, mas, sobretudo, pela leitura mais atenta da informação já prestada, veri-fiquei que o peticionário não afirmara a verdade, de vez que não tem 29 anos e, sim, 26, conforme certidão de idade por ele junta ao processo. Além do mais, este argumento não influi no meu espírito porque, assim, todo indivíduo que fal-tasse ao serviço, ficaria isento. Ora, o recorrente foi chamado na ocasião própria e, como não serviu, pode ser chamado posteriormente. Aliás, nem consta do

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Memória Jurisprudencial

processo que ele vá servir agora; o que consta é que foi preso como insubmisso, já estando, porém, livre dessa prisão em virtude do habeas corpus.

Quanto à anistia, por ele alegada, é de salientar que não se trata de lei, mas de simples boletim. Declara, entretanto, o boletim, que não estão obrigados a prestar serviço os sorteados da 2ª chamada de 1932 e todos os de 1933, quando o telegrama que dá informações, constante do processo, diz que o ora recorrente foi da primeira chamada.

Nestas condições: 1º — não procede o argumento de ser da segunda chamada porque não provou o recorrente esse fato e, ao contrário, há prova de que foi da primeira chamada; 2º — nada significa o argumento da idade; 3º — no pedido não está esclarecido o último ponto abordado no recurso, porque só pediu para ser livre da insubmissão. Se esta parte já lhe foi concedida, para que viesse pedir o que ora pretende era necessário que formulasse novo pedido.

Por todas essas considerações nego provimento ao recurso, sendo de considerar, além do mais, que o recorrente está livre em vista da concessão do habeas corpus.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de habeas corpus,

em que é recorrente Mauro de Oliveira Johas e recorrido o Supremo Tribunal Militar: acordam, em junta julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao Recurso, pelas razões constantes das notas taquigráficas incorporadas aos autos.

Carlos Maximiliano também teve a oportunidade de se pronunciar sobre a natureza do habeas corpus, inclusive suscitando riquíssima imagem de habeas corpus platônico, no RHC 26.928/DF, relatado pelo Ministro Armando de Alencar e julgado em 28 de outubro de 1938:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a lei que rege

a admissibilidade dos recursos é a lei vigente na data da sentença recorrenda. Nessa data, havia recurso do despacho de pronúncia. Quanto a essa tese, parece-me que tem razão o impetrante e não a desenvolvo, no momento, porque já tive ocasião, em longo acórdão de que fui Relator, de esgotar esta questão.

A dúvida, para mim, é de outra espécie e refere-se ao seguinte: não con-cedemos, e, em geral, os Tribunais do País negam habeas corpus platônicos. Realmente, o habeas corpus é uma medida para restituir a liberdade. No caso, o recorrente está regularmente preso, em virtude do próprio despacho de pro-núncia. Nestas condições, ainda mesmo que concedêssemos o habeas corpus, teríamos de declarar que o paciente continuasse preso.

Ora, o recorrente, ele mesmo, declara que o habeas corpus é apenas uma medida para, futuramente, ser utilizado.

Nisto é que repousa minha dúvida. Parece-me que o pedido é intempestivo. De fato, a denegação do recurso de pronúncia constituiu nulidade insanável do processo; porém, a pronúncia está de pé e, não estando eivada de nulidade, a pri-são é justa, não podendo, pois, ser concedido o habeas corpus. Se for condenado, definitivamente, aí, sim, poderá pedir habeas corpus e até acho, se me permitem,

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Ministro Carlos Maximiliano

que não foi hábil, da parte do requerente, levantar essa questão que poderia dar em resultado perder ele a oportunidade de anular o processo; seria melhor esperar ocasião oportuna, após a condenação do constituinte, porque, então, a prisão seria irregular desde que não lhe fora concedido o recurso da pronúncia.

Atualmente, porém, conceder o habeas corpus, para esse efeito e, ao mesmo tempo, declarar que o indivíduo continua preso, parece-me que não está de acordo com a essência do habeas corpus.

Além disso, deve haver outro recurso, no Código de Processo, contra essa decisão que negou o recurso.

Teoricamente, pois, estou de acordo com o ilustre advogado: o recurso do despacho de pronúncia está de pé porque admitido pela lei vigente na data em que a sentença de pronúncia foi proferida. Não dou, porém, habeas corpus para o indivíduo continuar preso. Parece-me, assim, que o habeas corpus é intempes-tivo ou, pelo menos, não é meio adequado.

No HC 26.940/DF, relatado pelo Ministro José Linhares, julgado em 16 de novembro de 1938, Carlos Maximiliano com simplicidade expôs torneio her-menêutico, relativo à interpretação literal de lei, quando se discutia a obrigato-riedade de o promotor público apresentar denúncia:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a mim, me parece

que há equívoco em afirmar que, durante 15 dias, a denúncia devia ser dada pelo Promotor Público e depois dos 15 dias pelo síndico ou por qualquer credor.

Não há tal. A lei declara que “o representante do Ministério Público, dentro do prazo de 15 dias, depois do recebimento desses papéis, requererá o arquivamento deles ou promoverá o processo penal contra o falido, seus cúmpli-ces ou outras pessoas sujeitas à penalidade. O arquivamento dos papéis, a reque-rimento do representante do Ministério Público, não prejudica a ação penal por parte do liquidatário ou dos credores”.

Assim, no caso do Promotor requerer o arquivamento — e só neste caso — é que o liquidatário e os credores poderão intentar a ação.

Quer dizer que a ação pública existe sempre; o Promotor é sempre obri-gado a dar denúncia. Não o fazendo, deve ser responsabilizado. No caso, porém, de entender que a omissão é isenta de culpa e, até, que faliu muito regularmente, e requerer o arquivamento, só neste caso, podem ou o liquidatário ou os credo-res, em geral, dar a denúncia em lugar do Promotor.

É esta a exceção que a lei formula. Fora desta exceção, portanto, é sempre competente o Ministério Público.

Nestas condições, nego a ordem.

O assunto de certa forma também foi discutido no HC 27.009/PE, relatado pelo Ministro José Linhares; nos termos do curtíssimo voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, também nego o habeas corpus. Já resolvemos que o que a lei marca é o prazo para o Ministério Público dar a denúncia; se o faz fora do prazo, naturalmente, poderá ser respon-sabilizado, mas a lei não diz que não será mais competente para dar a denúncia.

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Memória Jurisprudencial

O que está expresso na lei é que, no caso de ele mandar arquivar o processo, por entender que não é o caso, do mesmo podem os credores dar a denúncia e pro-mover o processo.

Não é disto, porém, que se trata. Como considero que a ação não está perempta, nego a ordem.

Simplicidade também se colhe do voto proferido no HC 26.999/DF, rela-tado pelo Ministro José Linhares e julgado em 18 de janeiro de 1939. Observe-se a crítica de Carlos Maximiliano ao Código de Processo Penal do Distrito Federal:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o Código do Processo Penal do Distrito Federal encerra evidente velharia jurídica, exigindo número determinado de testemunhas para fazer prova, o que não é mais por nin-guém aceito. Ora, quando há erro de técnica, cabe a quem aplica a lei interpretá-la com o maior rigor possível; precipitando-lhe a aplicação. Na hipótese, pois, desde que existam três testemunhas, o processo está, suficientemente instruído, sejam elas quais forem.

Nego a ordem.

No RHC 27.059/MG, relatado pelo Ministro José Linhares e julgado em 11 de abril de 1939, Carlos Maximiliano manifestou-se a propósito de matéria relativa a suspeição de promotor público, de um modo muito peculiar:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, nego provimento

ao recurso, não só pelas razões do Sr. Ministro Relator, como também porque essa suspeição alegada pelo Dr. Promotor só existia em favor do réu; assim, quem devia argüir essa suspeição, como prejudicial, era a parte contrária a este. Se o Dr. Promotor declarou ter relações de família com o réu, era favorável a este. Alegando ter motivos de coração relativamente ao acusado, quem se deve-ria opor a ele era, não o réu, mas a vítima deste. O que não consigo compreender é que essa suspeição seja alegada pelos próprios indivíduos a quem ela aprovei-tava. Aliás, já tive um caso semelhante, no Rio Grande do Sul, onde se alegava ser um dos jurados parente do acusador. Ora, nesse caso, a parte prejudicada era o réu e a ele competia alegar a suspeição; aqui, o contrário é dado pelo fato de ser o acusador amigo do réu.

De resto, tudo isso está bastante confuso, dando até margem a descon-fianças, mas, como não podemos julgar por conjecturas, nego provimento ao recurso, não só, como disse, pelas razões aduzidas pelo Sr. Ministro Relator, como também pelas que acabo de expor.

No RHC 27.263/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 9 de janeiro de 1940, fixou-se que não se poderia dar provimento a recurso de habeas corpus indevidamente instruído; e, em termos mais específicos:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus, em

que é recorrente e paciente Antonio Roldão de Oliveira e recorrido o Tribunal de

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Ministro Carlos Maximiliano

Apelação do Distrito Federal: o recorrido pediu habeas corpus ao Tribunal de Ape-lação, porque, tendo sido condenado pelo júri, e requerido livramento condi-cional, alcançou parecer favorável do Conselho Penitenciário e do Ministério Público; mas o Dr. Presidente do Tribunal do Júri indeferiu a súplica. À vista das informações de fl. 6 solicitadas por aquele pretório, foi o habeas corpus negado. Nenhum novo esclarecimento trouxe o paciente; contudo o Relator despachou determinando que ele juntasse o parecer do Conselho Penitenciário, o que até hoje não foi feito. Neste caso, deve o Supremo Tribunal louvar-se nas razões de decidir expostas pelo juízo recorrido; isto é, que o sentenciado só prestou servi-ços comuns de oficinas da casa de correção, os quais não bastam para justificar o livramento condicional concedido mediante cumprimento da quarta parte da pena bem servindo o país; por isto, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribu-nal Federal em negar provimento ao recurso.

Decisão no mesmo sentido, de que havia necessidade de adequada ins-trução, é tema do RHC 27.323/DF, julgado em 7 de novembro de 1939, no qual ementou-se que não se daria provimento a recurso de habeas corpus, desde que o fundamento do pedido não se encontrasse satisfatoriamente documentado:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus, em que é recorrente Irineu churruarim e recorrido o Supremo Tribunal Militar: Ao mais alto pretório militar do País o recorrente impetrou habeas corpus visto o estar constrangendo ilegalmente a Auditoria da cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul, a qual o condenou como assassino de um seu colega e não tomou providências para ser cumprido o alvará de concessão de livramento condi-cional. Acha-se o paciente preso, cumprindo pena, na fortaleza de Sta. Cruz. Solicitadas informações, respondeu a Auditoria do São Gabriel, por não mais existir a de Bagé, que recebera uma comunicação firmada pelo Conde Candido Mendes e a devolvera com a observação de não caber livramento condicional no foro militar. À vista deste ofício, o Supremo Tribunal Militar negou a ordem impetrada. Recorreu o paciente, alegando que só o Código de Justiça Militar vedou a mencionada concessão; mas ele se não aplica aos condenados antes da promulgação daquele novo repositório de normas processuais punitivas. Para se conceder habeas corpus baseado em concessão de livramento condicional, é mister conhecer a íntegra da deliberação do Conselho Penitenciário; por outro lado, os autos indicam ter o Conselho recebido uma sugestão, e não consta se se conformou ou não com a mesma. Faltam, pois, elementos para apreciar devida-mente a espécie, e trata-se de réu que tem advogado; por enquanto, não é possí-vel conceder a medida solicitada; por isto, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso.

E com pano de fundo em instrução inadequada é que se decidiu, no HC 27.353/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 22 de novembro de 1939, quando se ementou que o lapso prescricional posterior à pronúncia seria o cor-respondente ao máximo da pena cominada no artigo do código aplicado ao assunto:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário, em que é paciente benigno de castro Lagreca: Este foi condenado à pena de seis meses de prisão por apropriação indébita, na Comarca de Araras, em São Paulo;

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o veredictum obteve confirmação do Tribunal Superior. O acusado pede habeas corpus, por estar sofrendo constrangimento ilegal, uma vez que não fora, como devia, ser decretada ex officio a prescrição da ação penal. Deu-se a pronúncia em 14 de abril de 1937, confirmada pelo Acórdão de 16 de agosto do mesmo ano. Entende o suplicante que na época do julgamento, 11 de janeiro de 1939, estava prescrita a ação, por haver decorrido entre a pronúncia e a sentença o lapso de 1 ano, 4 meses e 25 dias. O Ministério Público absteve-se de recorrer, tanto da pronúncia como da sentença condenatória; foi o réu o único recorrente, sempre.

O pedido está deficientemente instruído; porquanto, em vez do teor das decisões, apenas se encontra uma certidão narrativa, em que se declara a data da pronúncia, sem especificar, sequer, o artigo do Código em que foi incurso o Réu; quanto ao Acórdão confirmatório, também só a data é mencionada; afinal se informa haver a Sentença condenatória qualificado o acusado como incurso nas penas do grau mínimo do art. 331, n. 2, combinado com o art. 330, § 4º, da consolidação das Leis penais, tendo o veredictum a data de 11 de janeiro de 1939. Em face da imprecisão, talvez propositada, do único documento que instrui a Inicial, cumpre concluir, como em geral acontece, que o despacho de pronúncia não fixou máximo nem mínimo; deu o Réu como incurso na sanção do art. 330, § 4º, da Consolidação citada, isto é, sujeito às penas de 6 meses a 3 anos de prisão celular; neste caso, a prescrição ocorreria seis anos depois, portanto em 1943. Por este motivo, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

No HC 27.361/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 15 de maio de 1940, decidiu-se que não constituía constrangimento ilegal a demora no processo causada por motivo justo, no que se refere a conflito de jurisdição:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que são pacientes Francisco pinkovski, João betoni, José Ferreira Lima, José Ferreira de azevedo Filho, José evangelista de santana, Tolentino custódio da silva, José eugênio ribeiro, Moacyr de Jesus Moreira da Motta, Fortunato Valença da costa, agripino Ferreira da costa e Hodácio Dias da rocha: Impetraram o remédio excepcional, porque se achavam presos há mais de seis meses, sem ter havido flagrante, nem ordem de prisão preventiva. Ocorreu a demora; porque, em se tratando de sargentos do Exército, o juízo militar os enviou ao Tribunal de Segurança, e este os devolveu ao Militar, suscitando conflito de jurisdição. A Inicial está desacompanhada de provas; pelo que o Relator ia indeferir in limine, quando recebeu uma petição para anexar aos autos de habeas corpus os da ação, que se achavam juntos aos do Conflito. Este foi decidido no sentido da competência do Foro militar, em 17 de janeiro deste ano (autos apensos). Trata-se de um levante planejado contra lei prejudicial aos sargentos; estes foram presos administrativamente e processados; a demora na formação da culpa adveio do conflito de jurisdição; nada mais consta nos autos; resolvido o conflito, prossegue o processo; não há constrangimento algum. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

Erudição é marca do voto proferido no HC 27.003/DF, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo. A matéria referia-se a questão de prisão de jorna-lista, condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional, por força de crônica que o paciente publicara no jornal correio da Manhã:

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Preliminarmente, eu timbro em frisar

bem que, no caso em apreço, trata-se de réu definitivamente condenado, e, em seu prol, intentaram, não a revisão da sentença, porém, simples habeas corpus. Se de revisão se cogitasse, examinaríamos, na maior minúcia, as provas de acu-sação, isto é, o artigo de jornal provocador do incidente, e as da defesa, tendentes a demonstrar o amor do réu pelas instituições vigentes e pelo Exército Nacional.

Com a habitual habilidade, antevendo com a sua inteligência percuciente e experimentada o recife pela frente, o advogado afirmou que se não deve tra-tar apenas do exposto na denúncia, mas do fato em si. Seria isto defensável em revisão criminal; nunca em habeas corpus; em se tratando de condenação, só se concede o remédio liberador, se não constitui crime, definido em qualquer lei penal, o que a denúncia expõe. Que está ali apontado?

Em linguagem agressiva e irreverente afirmou o jornalista representar melhor o Exército que o comandante-chefe das forças brasileiras na última guerra externa, o negro Henrique Dias. O propósito deprimente ressalta à evidência: o preto pernambucano vale mais, como expressão militar, que o emérito marechal!

Objeta-se que a tanto avançou o plumitivo, por entender que o soldado raso é que representa as Forças Armadas. A doutrina é anárquica; só na Rússia foram colocados em plano superior os soldados e operários; quem representa a tropa, entre qualquer povo disciplinado, é o respectivo chefe: Hindenburgo, na Alemanha; Joffre, Foch ou Petain, em França; Osório ou Caxias, no Brasil.

Lembra-se, ainda, que foi colocado em supremacia o Dias, não por ser negro, mas pela sua qualidade de soldado raso. Não é lícito ao juiz aceitar a defesa baseada em presunção absurda, a de ignorância de escritor público em assunto familiar a todos os escolares: Henrique Dias não pode corporificar o Exército Brasileiro; porque nunca ao mesmo pertenceu, porquanto tal cole-tividade não existia no século xVII; o guerrilheiro nem do Exército regular português foi membro; demais, na força em que lutou em prol de Portugal con-tra a Holanda, ele não era soldado raso; todo o mundo o conhece como sagaz e destemido caudilho, um dos chefes da insurreição pernambucana. Desde a escola primária aprendemos que o levante contra os colonizadores que entrega-ram o Governo de Pernambuco a estadistas do valor de Nassau, chefiado fora, precipua mente, por João Fernandes Vieira, Vital de Negreiros, Antonio Felipe Camarão e Henrique Dias. Este herói não era simples praça de pret, humilde homem do povo: estancieiro nas proximidades da cidade Maurícia, organizou uma legião de pretos e bugres, calculada pelo historiador southey em 1.700 homens, à frente da qual combateu, ao lado dos outros grandes capitães da insurreição, até expulsarem os batavos (ROCHA POMBO. História do brasil, v. IV, p. 499, 507, 517, 544, 545, 547, 548, 561, 587, 600 e 602). Logo, general de guerrilheiros é solevado acima de um generalíssimo das forças de terra nacio-nais. Ora, nada mais contrário à disciplina militar e cívica do que proclamar valer menos, como personificação da bravura patrícia e representante espiritual do Exército, o pacificador generoso e hábil de quatro províncias e comandante geral da nossa tropa em guerra externa do que um negro que não combateu pelo Brasil, mas a favor de Portugal contra a Holanda. Reduzem-se as proporções ciclópicas de Caxias, pelo fato de ser fidalgo, embora batalhador indefesso e filho de outro general notável e administrador brasileiro.

A denúncia acrescenta: “Há ainda na publicação de fl. 4, assinalado sob n. 2, um trecho que consubstancia doutrina de origem francamente comunista, induzindo soldados à indisciplina.”

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Objetam ser esta asserção contrária à verdade, insustentável em face da prova, quer da acusação, quer da defesa. Pouco importa: em habeas corpus, só se aprecia a denúncia em si; a matéria de fato, a prova, não é examinada a pro-pósito do writ invocado.

Também não colhe a argüição de incompetência de foro; pois esta se aquilata, no processo de habeas corpus, pelos termos da denúncia; ora, a pro-paganda comunista e, sobretudo, o incitamento dos soldados à indisciplina constituem assunto da alçada do Tribunal de Segurança. A incompetência, na melhor das hipóteses, não é manifesta, indiscutível; basta isto para não funda-mentar a reforma, por habeas corpus, de sentença definitiva. Não sei, aliás, se seria melhor para o paciente responder ante pretório militar, pelo achincalhe a um glorioso cabo de guerra!

Enfim, alegam estar o crime erradamente dado como violador do inciso 24 do art. 3º do Decreto-Lei 431, de 18 de maio de 1938; ao passo que se enquadraria, pela denúncia, no inciso 13 do mesmo artigo. Quando a sentença condenatória erra a classificação do delito, o pretório excelso jamais ordena, por isto, a soltura do acusado; corrige a classificação, e isto mesmo somente quando o erro prejudica o réu. No caso vertente, se houve o defeito apontado, ocorreu em proveito do paciente, ao qual, em vez de três anos de prisão, cominados com o inciso 13, impuseram a pena de seis meses, prescrita pelo inciso 24. Não é lícito decretar habeas corpus in pejus, isto é, para agravar a penalidade; desde que o lapso aproveitou ao impetrante, mantém-se o benefício ocasional, não se modifica o veredictum.

Por todos os motivos expostos, indefiro o pedido.

No HC 27.415/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 15 de abril de 1940, entendeu-se que não constituía nulidade de julgamento o fato de haver sido um falido pronunciado, em grau de recurso, por uma câmara crimi-nal. Os termos do acórdão bem qualificam a visão integradora do direito, que se revelava em Carlos Maximiliano:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é

paciente José Ignácio Pastura: O solicitante foi processado por crime de falên-cia fraudulenta; absolvido pelo Juiz da Falência, foi pronunciado pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Apelação do Distrito Federal. Pede habeas corpus, sob dois fundamentos: 1º — nulidade do julgamento por uma Câmara Criminal, quando deveria ser por uma Cível, em virtude dos arts. 175 da Lei de Falências e 430 do Código do Processo Penal; 2º — falta de inquirição do número de testemunhas exigido por lei. Solicitadas informações, foram presta-das só depois de reiterado o pedido, a fl. 30. O art. 175, invocado pelo impetrante, reza: “§ 1º O processo correrá até a pronúncia perante o Juiz que declarou a falência”. Assim aconteceu: foi ainda um Juiz do Cível que absolveu o acusado. Nenhuma lei declara que em segunda instância, se efetuará o julgamento em Câmara Cível; pois o invocado art. 430 declara: “A ação penal correrá até à pro-núncia ou não pronúncia, perante o juiz que declarou aberta a falência”. Assim ocorreu. A razão da lei está em que este magistrado conhecerá melhor os inci-dentes da falência e tudo quanto foi descoberto ou alegado no curso do processo

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comercial; isto não se dá com os Desembargadores das Câmaras Cíveis: sabem tanto da matéria como os das Câmaras Criminais, tendo estes sobre aqueles a superioridade da especialização em matéria crime.

Na arena judiciária surgiu dúvida, porém em sentido contrário ao espo-sado pelo solicitante; afirmaram ser inconstitucional o texto que manda um juiz comercial formar a culpa criminal. Apoiando um Acórdão do Supremo Tribunal contrário à inconstitucionalidade argüida, escreveu o professor octavio Mendes — Falências e concordatas, cap. xxVII, p. 381:

A competência para o julgamento do processo será sempre do juiz criminal da sede do estabelecimento principal do falido. Dissemos para o julgamento, porque a competência para a formação da culpa até o des-pacho de pronúncia ou não pronúncia será sempre do Juiz Comercial que declarou a falência.Depois de aludir à argüição de inconstitucionalidade, conclui o mestre:

Parece-nos que o Supremo Tribunal decidiu bem, porque dar ao juiz comercial competência para presidir a formação da culpa contra os falidos, não é lhe dar competência para julgar em matéria criminal; e força a reconhecer que, se tratando apenas de averiguações para a pronún-cia ou despronúncia, com recurso, aliás, para o Tribunal Superior, o juiz da falência está muito mais habilitado para decidir do que o juiz criminal, que não acompanhou, como juiz comercial, a falência desde o início.Ora, a Câmara Cível também não acompanhou, desde o início, o pro-

cesso; não há, portanto, razão para a preferir à Criminal.Quanto ao outro fundamento, é de notar que se trata de causa cuja prova

é toda documental e pericial; esta prova é abundante; a que viriam adentrar sim-ples testemunhos?

Ante a evidente improcedência das alegações do impetrante, a carência de prova de nulidade insanável e evidente do processo e da decisão impugnada, contra a qual, existe, aliás, o remédio no julgamento final e respectiva apelação, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

No HC 27.424/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 17 de abril de 1940, decidiu-se que o fato de haver um delito ter sido classificado por tribunal superior de modo diverso do adotado por juiz inferior não redundaria em nulidade do processo ab initio:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é

paciente simeão pires ou simeão Gerônimo pires: Este respondeu a processo como incurso na sanção do art. 330, § 4º, da Consolidação das Leis Penais; condenado, apelou, e uma das Câmaras do Tribunal de Apelação do Distrito Federal classificou o delito em artigo diferente, o 331; o Réu pede habeas cor-pus, por lhe parecer nulo radicalmente o processo, visto ter corrido perante juiz incompetente para processar a espécie a que se referiu o Acórdão do pretório superior. A denúncia o dá como subtraindo relógios do patrão e empenhando na Caixa Econômica; a Sentença o condenou como autor de furto a três anos de prisão; o Acórdão concluiu tratar-se de apropriação indébita e reduziu a pena a um ano e nove meses de prisão (certidão a fls. 3 a 7). Não está radicalmente nulo o processo; correu perante juiz competente para processar a denúncia;

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posteriormente, a prova atenuou a culpa; daí a redução da pena. Tais desclassifi-cações são normais, quase diárias, e nunca se anulou por causa delas o processo. Demais, se, como alega o paciente, seria o caso de anular o processo, não de condenar a pena mais branda, deveria ele opor embargos ao Acórdão; não lançar mão de habeas corpus originário. Pelos motivos expostos, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

No RHC 27.440/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 24 de abril de 1940, ementou-se que não constituiria nulidade de acórdão o fato de haverem os juízes retificado o seu voto depois de proclamado o resultado porém antes de ser encerrada a sessão:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus, em

que é recorrente ottoni Leal de Figueiredo e recorrido o Tribunal de Apelação de São Paulo: o recorrente impetrou habeas corpus ao Tribunal de Apelação de São Paulo contra decisão da 6ª Câmara do mesmo pretório, proferida em grau de apelação, e sob o fundamento de estar o Acórdão radicalmente nulo. A espé-cie é a seguinte: ao julgar-se a Apelação 3.306, da Comarca de Casa Branca, assumiu a presidência da Sexta Câmara o Presidente do Tribunal, por ser impe-dido o Presidente efetivo da Câmara referida, Desembargador Manoel Carlos. Procedendo-se a julgamento, o Relator Mario Pires concluiu pela confirmação da sentença absolutória; do mesmo modo votou o Revisor, Desembargador Passalaqua; afinal o Presidente proferiu o voto pela negação de provimento, e assim redigiu a nota sobre o resultado. Antes de encerrarem a sessão, o Relator pediu a palavra e requereu que fosse retificado o julgamento; atendido, tomaram de novo os votos, que unanimemente concluíram dando provimento à apela-ção, para condenar o Réu no grau sub-máximo do art. 294, § 1º, e art. 303 da consolidação das Leis penais. Acha o recorrente que a mudança de decisão é absolutamente nula, por se não fundar em lei alguma; pois, se é certo que o invocado art. 152, § 8º, do Regimento Interno permitia que os Desembargadores retificassem ou modificassem os seus votos antes de terminada a sessão, isto não justifica o que de fato houve — um novo julgamento. O Relator informou haver verificado que se enganara na conclusão; pois o seu voto era pela condenação; como assim também pensava o Revisor, combinou com ele retificarem os votos. Alega o paciente que a votação é pública; logo, jamais será feita mediante com-binação prévia entre desembargadores. Não se nega, antes se confirma, que a retificação se deu em sessão, convocado de novo o Presidente do Tribunal para substituir o Presidente da Câmara, impedido. Os fatos alegados foram documen-tados de acordo com o resumo acima feito (fls. 4, 5, 12v., 14 e 26).

O Tribunal de Apelação não conheceu do pedido, por se julgar incom-petente para conhecer da espécie, visto não considerar o Tribunal Pleno supe-rior às Câmaras. De acordo com a sua jurisprudência uniforme, o Supremo Tribunal Federal acorda em negar provimento ao recurso; porém conhece ori-ginariamente do pedido, cujos fundamentos examina. Neste, como em todos os pretórios do mundo, sempre se admitiu que os juízes retificassem os seus votos antes de encerrada a sessão. Concluído o julgamento da Apelação, saiu do recinto o Presidente do Tribunal paulista e tomou assento o Presidente da Câmara, Manoel Carlos. Antes de terminar a sessão, o Relator Pires requereu

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que se convocasse para voltar ao recinto o Presidente Achiles Ribeiro, a fim de se proceder à retificação dos votos; assim se fez, sendo efetuada em sessão aberta, publicamente, a retificação. Foi legal tudo o que ocorreu. Outrora se per-mitia, explicitamente, muito mais — a reforma dos votos depois de encerrada a sessão, antes de ser a sentença levada para fora da Relação. O assento transcrito no auxiliar Jurídico de candido Mendes, p. 94/95, esclarecia: “É permitido aos juízes a todo o tempo, antes de a sentença ser dada e levada para fora da Relação, emendar e revogar as suas tenções”. candido Mendes, em nota, observa ser isto contrário à ordenação do liv. 1º, tít. 6º, § 6º, e ao direito adquirido. O § 6º, citado, trata de agravos; nada refere sobre o caso em apreço. Alhures se disse ter havido engano na citação, que deveria visar o § 3º; mas também este não está em desacordo com o Assento; indica a maneira de resolver a causa em caso de empate na votação. Precisamente em nota sobre este § 3º, candido Mendes pôs este esclarecimento: “As dúvidas que suscitou esta ordenação foram resolvidas pelo Assento de 21 de Fevereiro de 1619.”

Quanto ao direito adquirido com a lavratura da sentença, sim, parece ter razão o comentador; mas no caso em apreço não houvera lavratura ainda; apenas retificaram as conclusões dadas por engano, antes de publicado em folha oficial o resultado e de ser lançada nos autos e assinada a sentença; só então haveria direito adquirido. Se se bastasse a proclamação do Presidente, para que serviria a trabalhosa do acórdão?

O caso concreto é interessante; mas o alegado não basta para substituir embargos por habeas corpus e assim, em processo que não admite exame de prova, dar liberdade a quem um Acórdão do tribunal local reconheceu ser um homicida frio, que, de surpresa e premeditadamente, assassinou um vizinho laborioso e pacífico e feriu outro (acórdão à fl. 26). Pelas razões expostas, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Senhor Presidente, o advo-

gado reiterou, na Tribuna, a exposição que já fora feita, com igual brilho, pelo pro-fessor Noé de Azevedo, impetrante do habeas corpus, asseverando que a obrigação nossa seria mandar que o Tribunal de São Paulo julgasse do mérito do pedido; porquanto nós apenas temos competência para julgar originariamente nos habeas corpus em que for coatora autoridade imediatamente dependente deste Tribunal.

A objeção não é nova; foi levantada há muitos anos, quando se impetra-ram os primeiros habeas corpus contra decisões do Supremo Tribunal Militar e, aí, existia até o nome “Supremo” indicando, como diziam, que esse Tribunal era superior a todos.

Todavia, a questão foi assim explicada: quando a Constituição se refere a Tribunal imediatamente subordinado, quer dizer que entre aquele e o Supremo Tribunal não existe terceiro. Por exemplo: não se poderia julgar originariamente um habeas corpus contra decisão de Juiz de Direito, porque entre este e o Supremo Tribunal existem os Tribunais de Apelação. Entretanto, desde que entre os dois Tribunais não exista terceiro, considera-se aquele como imediatamente inferior ou imediatamente subordinado.

Há pouco ainda, julgamos casos, dos quais outros colegas e eu fomos Relatores, nesse sentido, o que, aliás, estamos fazendo todos os dias; desde que a Câmara do Tribunal local condena réu, esta Câmara o faz em nome do Tribunal, é

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o próprio Tribunal quem condena. Nós, aqui, quando julgando em Turma, fazêmo-lo em nome do Supremo Tribunal; o réu é condenado pelo Supremo Tribunal.

Por conseguinte, na espécie, o réu foi condenado pelo Tribunal de Apelação paulista.

Assim, de acordo com a jurisprudência e pelas razões que acabo de dar, manifesto-me contra a tese defendida pelo advogado e nego provimento ao recurso, para confirmar, neste particular, o acórdão.

Todavia, conheço originariamente do pedido; e peço ao Senhor Presidente consulte os colegas sobre esse ponto preliminar.

No HC 27.495/BA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 7 de maio de 1940, decidiu-se que se deveria verificar nulidade decorrente da refor-matio in pejus desde que só recorressem os réus e que a decisão superior cas-sasse a fiança arbitrada pelo juiz a quo:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originá-

rio, em que são pacientes José rivas Garrido e renato alban pinheiro: Estes foram processados e pronunciados como compradores de furtos a João Cruz, empregado da firma chilazzi & Irmão; o despacho de pronúncia, de fl. 10, jul-gou os acusados incursos nas penas do art. 330, § 1º, da Consolidação das Leis Penais, combinado com o § 3º do art. 21, e arbitrou a fiança de Rivas Garrido em 1:000$, e a de Renato Alban em 400$. As fianças foram prestadas e julgadas. Recorreram só os Réus; o Tribunal Superior confirmou a decisão, menos quanto à fiança, que achou inadmissível. É contra este veredictum que se impetra habeas corpus. De fato, desde que o Promotor não recorreu da parte da sentença relativa à fiança, apenas impugnou a concessão em Razões de Recurso, houve reformatio in pejus, isto é, agravação da situação dos únicos recorrentes; por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em deferir o pedido de habeas corpus, para restabelecer a fiança concedida pelo Juiz de primeira instância.

Ainda em âmbito de fixação de contornos de habeas corpus, Carlos Maximiliano relatou o HC 27.513/DF, julgado em 15 de maio de 1940, quando se ementou que se deveria conceder habeas corpus ao condenado, se o ato atri-buído ao paciente, tal como se achasse narrado na denúncia, não constituísse crime; e não quando a prova conduzisse a supor tratar-se de negócio comercial comum, e não de crime:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é paciente alcides rezende Torres: este foi condenado, como incurso na sanção do art. 338, n. 1 e 5, da consolidação das Leis penais, por se haver apropriado de um aparelho de rádio pertencente à casa Glória; defendeu-se alegando ter apenas efetuado um negócio comercial, tanto que exibe o recibo da primeira prestação. Condenado, pediu revisão, que lhe foi negada por simples maioria. A questão é mais de fato do que de direito, e o juízo próprio para a examinar já o fez, o de revi-são. Ao condenado só se concede habeas corpus quando o fato, tal como foi nar-rado na denúncia, não constitui crime; ora, o paciente já foi condenado por delitos contra a propriedade; simulou querer comprar um rádio; obteve que o mesmo

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fosse para a sua casa, para experiência; pagou, depois, duzentos mil réis como prestação, e vendeu o aparelho, como fizera com outro. Semelhante conduta é criminosa. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

De igual modo, no voto que Carlos Maximiliano proferiu no RHC 27.517/CE, relatado pelo Ministro José Linhares e julgado em 4 de junho de 1940:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Raymundo Salomão Carioca foi processado, mantido em custódia, em virtude de prisão preventiva decretada pelo Juiz Municipal da 1ª Vara da Cidade de Fortaleza, o qual impronunciou o acusado, por não encontrar, nos autos, elementos que autorizassem um despa-cho de pronúncia, e recorreu ex officio para o Juiz de Direito. Este se declarou incompetente, por entender aplicável à espécie o art. 17 do Decreto-Lei 167, de 5 de janeiro de 1938, o qual manda julgar o recurso pelo Tribunal de Apelação.

O acusado pediu habeas corpus ao Tribunal de Apelação do Ceará, com a dupla finalidade de ser solto, por excesso de prazo na formação da culpa, e ser determinado que o Juiz de Direito julgue o recurso; pois não regula o caso a Lei do Júri e, sim, a estadual, que manda recorrer dos despachos do Juiz Municipal, para o de Direito. O Tribunal de Apelação achou fundada a segunda conclusão; porém recusou a ordem; porque não é lícito alegar excesso de prazo em forma-ção de culpa há muito encerrada, e o habeas corpus visa a liberdade humana; jamais se concede para mandar este ou aquele juiz pronunciar-se acerca do mérito de denúncia. Parece-me irrespondível o duplo fundamento do Acórdão:

a) não se concede liberdade por excesso de prazo na formação de culpa já encerrada há muito tempo;

b) habeas corpus não é remédio para fazer intervir na causa o Juiz a em vez de o Juiz b; desde que se não pode soltar o paciente, o pedido é indeferido.ex abundantia, examinarei o fundamento do pedido. A respeito do

recurso do despacho referente à pronúncia, a Lei do Júri encerra duas disposi-ções. O § 1º do art. 15 declara: “Da sentença de impronúncia caberá recurso, que somente terá efeito suspensivo na hipótese do art. 13 in fine.”

O art. 13 manda resolver sobre a pronúncia ou impronúncia do Presidente do Júri; porém a alínea final admite que o legislador estadual prefira conferir a atribuição a outro juiz; especifica: “Nos Estados onde a lei não atribuir a pronún-cia ao Presidente do Júri, o juiz competente procederá na mesma conformidade”.

Confrontando os dois textos, resulta que a impronúncia só terá efeito suspensivo, quando decretada por outro juiz que não o Presidente do Júri. Nada menciona a Lei sobre o juiz ou tribunal competente para decidir o recurso refe-rente à impronúncia decretada por falta de provas.

No art. 17 determina a Lei do Júri que, absolvido o Réu, por ter ficado provada a existência de dirimente ou justificativa em seu favor, haverá recurso de ofício sempre para o Tribunal de Apelação e com efeito suspensivo. Portanto, a lei só impõe, até a despeito da Lei de Organização Judiciária Estadual, o recurso para o Tribunal de Apelação, no caso de absolvição, isto é, de impro-núncia definitiva, irrevogável; nada diz sobre a impronúncia por falta de provas, hipótese em que apenas deixa expresso, no § 2º do citado art. 15, que a mesma não impede a renovação do sumário e conseqüente pronúncia.

Inclusio unius alterius est exclusio: na hipótese de impronúncia por falta de provas, a Lei do Júri, à semelhança do esclarecido no art. 13, deixou o

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Memória Jurisprudencial

assunto ao critério do legislador local; este fixou, para o caso, a competência do Juiz de Direito, por ser primeiro julgador e imediatamente inferior a este, o Juiz Municipal. Assim entendendo eu a lei federal.

Entretanto (repito) quer a solução seja esta, quer se prefira em todos os casos de impronúncia mandar os autos ao Tribunal de Apelação, a solução será a mesma: o habeas corpus não é o meio idôneo para fazer passarem os autos de um pretório para outro; é apenas, como o denominam os norte-americanos, o writ da liberdade: se o próprio impetrante mostra dever continuar preso, não há como lhe conceder semelhante remédio inidôneo para o fim colimado.

Insisto num ponto: a Lei do Júri só regulou recursos no caso de decisão definitivamente absolutória; silenciou sobre o caso de impronúncia por falta de provas; logo, deixou este caso ao arbítrio do legislador estadual. Mais ainda: no art. 19, explicitamente declarou ser o recurso de pronúncia regido pelas leis proces-suais dos Estados; logo, por analogia e pela regra inclusio unius alterius est exclu-sio, no caso de impronúncia por falta de provas do fato ou da autoria, incumbe ao legislador local fixar os recursos. Ele o fez, no Ceará: estabeleceu o recurso ex officio. Não há constrangimento, desde que apenas se cumpriu lei válida.

Nego provimento.

No RHC 27.540/MG, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 19 de junho de 1940, ementou-se que só se concederia habeas corpus ao réu pro-nunciado quando o fato ao mesmo imputado não constituísse crime, quando o juiz processante ou julgador fosse incompetente, ou quando o processo estivesse devidamente nulo. Nulidade fortemente controvertida não poderia se enquadrar entre as evidentes; por isto, a sua ocorrência, qualquer que fosse a opinião pessoal dos julgadores sobre a mesma, não daria margem a ordenar-se soltura imediata de homicida pronunciado. Nos termos do excerto condutor de Carlos Maximiliano:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é paciente e recorrente João Fernandes ou João Fernandes Ferro: o recor-rente foi processado e pronunciado, por haver assassinado a sua companheira; absolvido pela dirimente da privação dos sentidos, houve apelação interposta pelo Promotor Público, o qual não assinou termo de apelação; o paciente aponta esta falta como nulidade insanável, e, conseqüentemente, sem efeito o recurso e passada em julgado a sentença do júri. O Tribunal de Minas Gerais não lhe deu razão; daí o recurso em apreço.

Só se concede habeas corpus a réu pronunciado, quando o fato a ele imputado não constitua crime, quando o juiz seja incompetente e quando o processo esteja evidentemente nulo. Ora, não é lícito considerar como nulidade evidente, irrefragável, acima de toda dúvida, aquela sobre a qual reina diver-gência forte, tanto na doutrina como na jurisprudência; neste caso, qualquer que seja a opinião individual dos julgadores sobre a nulidade, não lhes é lícito ordenar a soltura imediata de homicida regularmente processado e pronunciado. A própria petição de habeas corpus mostra que os Tribunais de Apelação de São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco entendem que, por não haver a Lei do Júri exigido expressamente o termo, este deixou de ser formalidade essencial do recurso. No mesmo sentido se pronunciaram, ainda no conceito do recorrente,

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Ministro Carlos Maximiliano

Magarinos Torres e edgard costa. No Supremo Tribunal Federal, o impetrante refere julgados em prol da exigência do termo, transcritos no v. 49, p. 223, e v. 53, p. 4, do arquivo Judiciário. O primeiro não se refere a habeas corpus: logo, não era o caso de exigência de nulidade evidente, acima de toda dúvida; o seu objeto é Apelação Criminal. Ademais, a apelação foi interposta em novem-bro de 1936, na vigência, portanto, da Consolidação de 1898, que, na Parte 2ª, art. 314, mandava, explicitamente, tomar por termo a apelação. A Lei do Júri suprimiu, no art. 91, a exigência contida no art. 314 da Consolidação; só impôs a interposição por escrito, mencionada na primeira parte do art. 314. Hoje, não há texto algum impondo a lavratura do termo, excrescência formalística injustificá-vel, imprópria da nossa época; ora, só é nulo o que é feito contra o determinado em lei; se a lei não fala em termo, como anular, por falta do mesmo, um recurso interposto em tempo? O art. 91 da Lei do Júri contém só a primeira parte do art. 314 da consolidação advinda com o Decreto 3.084.

Por outro lado, se um acórdão, publicado no arquivo Judiciário, v. 53, p. 4, concedeu habeas corpus, por falta do termo de apelação; na mesma revista, v. 54, p. 4, há outro acórdão, relatado pelo Ministro Espinola, e unânime, em contratio. À vista de tão profunda divergência, não pode alguém afirmar tratar-se de nulidade evidente, irrefragável, acima de toda dúvida.

Enfim, tudo leva a crer ter sido propositado o silêncio do legislador a respeito do termo de recurso; não houve lapso, nem acaso; porém de propósito deliberado; porquanto no Código de Processo Civil não há referência a termo, nem no tocante a apelações (art. 821), nem a agravos comuns (arts. 844 e 847) ao contrário do que se nos depara na Consolidação das Leis da Justiça Federal; Parte 3ª, arts. 695 e 719. Só a respeito de agravo no auto do processo, talvez por-que comporta interposição verbal, o novo repositório de normas formais exige o termo. Não decorre nulidade evidente da supressão do que a lei não impõe em termos explícitos. Pelas razões expostas, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso.

À época havia previsão de prisão com trabalhos. E discutia-se a natu-reza de alguns serviços, a exemplo de obras de carpintaria e de marcenaria, no sentido de se esses serviços poderiam qualificar atividade laboral ao longo da reclusão. Foi esse o assunto que se debateu no RHC 27.563/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 26 de junho de 1940, quando se ementou que serviços de carpinteiro e marceneiro efetuados nas oficinas das casas de cor-reção constituíam os trabalhos a que foram condenados os réus; isto é, não se consideravam externos e de utilidade pública:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é recorrente o paciente José Lourenço de Mello e recorrido o Tribunal de Apelação do Distrito Federal: O paciente foi condenado pelo júri à pena de doze anos de prisão, e pelo juiz da 5ª Pretória à de cinco meses, sete dias e doze horas; cumpriu seis anos, seis meses e oito dias; pediu livramento condicio-nal, alegando serviços externos de utilidade pública; concordaram o Conselho Penitenciário e o Ministério Público; mas o juiz da execução negou a soltura do réu; porque este fora condenado à prisão com trabalho; os serviços alegados

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Memória Jurisprudencial

eram os efetuados na carpintaria e marcenaria da Casa de Correção, precisa-mente os próprios de condenados nas circunstâncias referidas (informação à fl. 7). O réu pediu habeas corpus, que foi negado pelo acórdão de fl. 12. Ele recorreu. Os serviços alegados são precisamente os próprios dos condenados à prisão com trabalho; nada têm de excepcionais, nem de externos; por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso.

No RHC 27.581/RJ, relatado pelo Ministro Carlos Maximiliano e julgado em 22 de julho de 1940, ementou-se que, apesar de evidentemente nulo o processo instaurado contra dois réus, não seria o mesmo renovado contra o que foi absol-vido por sentença de que não houve recurso. Nos termos da orientação do Relator:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é recorrente Mario Furtado da rosa e recorrido o Tribunal de Apelação do Estado do Rio de Janeiro: Seguiam em direções opostas um caminhão guiado por Mario Furtado da Rosa e o automóvel particular conduzido por Heitor Bravo; chocaram-se os veículos, morrendo um passageiro que viajava no estribo do automóvel. Processados os dois motoristas, foi absolvido o do caminhão e condenado o do automóvel. Este réu apelou; nem pelo Ministério Público, nem por parente da vítima, houve recurso contra a parte absolutória do veredictum. Subindo os autos à superior instância, o Tribunal de Apelação anulou todo o processo, em relação aos dois acusados (fl. 12); porque, arroladas três testemunhas de acusação, só duas foram intimadas para depor. O que fora absolvido pediu habeas corpus; a 1ª Câmara do Tribunal de Apelação indeferiu o pedido, por não ser competente para rever decisão da 3ª. Apesar de eviden-temente nulo o processo, não podia o mesmo ser renovado contra o acusado definitivamente absolvido, uma vez que se não recorreu da sentença de primeira instância, na parte absolutória; entretanto, se a 3ª Câmara decidiu menos bem, a primeira tem razão; pelo que o Supremo Tribunal Federal acorda em negar pro-vimento ao recurso, e, conhecendo da matéria originalmente, conceder a ordem, para ser o paciente posto em liberdade e ficar livre do novo processo instaurado pelo mesmo motivo daquele em que foi o paciente absolvido.

No HC 27.745/DF, relatado pelo Ministro Annibal Freire e julgado em 31 de janeiro de 1941, decidiu-se que o pedido de livramento condicional deveria ser indeferido, por não se ter provado que o paciente preenchia todos os requisi-tos legais para a obtenção do aludido livramento. Colhe-se do voto do Ministro Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, temos sempre, quando a parte se dirige a um Tribunal inferior e aí não obtém provimento e vem ao Supremo Tribunal, exigindo que o faça como recurso, a fim de que nós conhe-çamos as razões e as provas que levaram o Tribunal inferior a negar. Entretanto, pela premência de tempo, dada a proximidade das férias, o advogado achou que para recorrer teria de esperar a publicação e por esta razão impetrou habeas cor-pus originário. Por uma razão de eqüidade, conheço do habeas corpus.

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Ministro Carlos Maximiliano

O advogado, porém, alegou da tribuna motivos que absolutamente não coincidem com os documentos lidos pelo Sr. Ministro Relator. Ao contrário; o advogado alegou que o Tribunal de Segurança, contra a nossa jurisprudência, tinha decidido que os indivíduos processados, tornados delinqüentes, antes da lei que pôs termo ao benefício do livramento condicional ou do sursis, não teriam direito aos benefícios em questão.

Ora, o tribunal não entrou em semelhante indagação; antes, examinou a espécie, como quem queria aplicar a lei referente ao sursis e ao livramento con-dicional e achou que o peticionário não reunia os requisitos necessários.

Nestas condições, só posso indeferir o pedido, atendendo a que o Tribunal de Segurança não concedeu o habeas corpus porque achou que não tinha o paciente os requisitos exigidos pela lei para que obtivesse o livramento condi-cional e absolutamente por haver o mesmo Tribunal interpretado erradamente a lei, que entendo haver interpretado corretamente e cumprido convenientemente.

Por estes motivos, indefiro o pedido. Conheço, por liberalismo, dada a proximidade do encerramento dos trabalhos, e indefiro.

Carlos Maximiliano também relatou o HC 27.769/RN, julgado em 2 de abril de 1941, quando se ementou que seria concedido habeas corpus para anular o processo em que não estivesse provada a citação de um dos réus nem tivesse sido dado curador a outro, que era menor:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que são

pacientes romualdo do Nascimento, vulgo Tutu, e Djalma Mauricio de barros: Os impetrantes foram condenados pelo Tribunal de Apelação do Rio Grande do Norte a cumprir a pena de 22 anos, 5 meses e 15 dias de prisão, grau submédio do § 1º do art. 294, combinado com os arts. 409 e 66, § 2º, da Consolidação das Leis Penais; pedem habeas corpus, alegando ser manifestamente nulo o processo e a pena aplicada, ultra petita. As nulidades consistem em não ter sido dado curador ao segundo réu, que era menor; ademais, expediram precatória para citar o outro; esta não foi junta aos autos, conforme se mostra com certidão à fl. 20, e afirmou o juiz da primeira instância; requisitaram a própria presença do acusado, a qual se não deu, por estar o mesmo recolhido ao Hospital de Alienados.

O acórdão não faz a menor alusão a tais nulidades, embora apontadas pelo juiz de direito, às fls. de 12 a 14. Os fatos apontados pelos impetrantes constituem nulidades manifestas; por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em conceder o habeas corpus, para anular o processo ab initio; porém nega a liberdade, aliás não solicitada, porque prevalece a ordem de prisão preventiva e se trata de crime inafiançável.

No RHC 27.773/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 9 de janeiro de 1941, decidiu-se que o prazo para prescrição da ação penal contra o falido contava-se da sentença que encerrava a falência, e não do dia em que esta deveria estar encerrada:

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ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que são recorrentes renato Justino saraiva e Illidio augusto Naidinho: Estes dois portugueses exerciam o comércio e tiveram a sua falência decretada em julho de 1935; logo, em fevereiro de 1936, foi contra eles iniciada ação penal. Em maio de 1940, os falidos requereram a decretação da prescrição, sob o fun-damento de que a falência deveria estar encerrada dois anos depois de aberta e a responsabilidade criminal concernente à falência prescreve dois anos depois de encerrada esta; embora o encerramento se não desse, mas porque devesse dar-se, achavam os denunciados militar em seu prol o benefício da prescrição. Negado o pedido, requereram habeas corpus ao Tribunal de Apelação, que o não concedeu (...); daí o presente recurso.

A questão suscitada é controvertida, havendo os tribunais, a princípio, se orientando no sentido da pretensão dos impetrantes; depois, em rumo contrário. O próprio Relator da decisão recorrida confessa nobremente que mudara de pare-cer, melhor orientado posteriormente à emissão de votos de seus sobre a matéria.

Eis os textos vigentes sobre o assunto, extraídos da Lei de Falências (Decreto 5.746, de 9 de dezembro de 1929):

Art. 137. A falência deve estar encerrada dois anos depois do dia da sua declaração salvo o caso de força maior devidamente provado, como ação em juízo tendente a completar ou indenizar a massa.

Art. 177. A ação penal dos crimes definidos nesta lei prescrevem dois anos depois de encerrada a falência ou de cumprida a concordata.Exatamente com o mesmo número e palavras idênticas, existia o primeiro

preceito acima, na Lei de Falências anterior, a de número 2.024, de 17 de dezem-bro de 1908; a segunda regra atinente à prescrição, se nos deparava sob o número 176, reduzido, porém, o lapso a um ano. Logo, a doutrina e a jurisprudência expos-tas a respeito do diploma de 1908 aproveitam à exegese do promulgado em 1929.

J. X. carvalho de Mendonça — Tratado de Direito comercial, v. VIII, n. 1.381 — assim se exprime, a propósito do texto antigo:

A ação penal dos crimes definidos na Lei n. 2.024 prescreve um ano depois de encerrada a falência ou de cumprida a concordata e sempre que o falido for reabilitado. O encerramento da falência, o cum-primento da concordata e a reabilitação provam-se pelas respectivas sentenças, que julgarem qualquer uma dessas soluções.Na nota 2, o mestre acrescenta: “É indispensável a prova da data em que

a falência foi encerrada por sentença.”Logo, no conceito do grande expositor, não basta que a falência devesse

estar encerrada; exige-se que haja sido efetivamente encerrada por sentença.Está certo; porquanto a prescrição constitui matéria de direito estrito,

isto é, só se aplica aos casos expressos; e a lei não diz quando: deveria estar encerrada; esclarece — depois de encerrada.

Mendonça invoca dois acórdãos em apoio da sua opinião; o veredictum recorrido alude a outros dois, e recentes, do pretório supremo, relatado um pelo Ministro carvalho Mourão, outro pelo Ministro cunha Mello.

Textos concernentes à prescrição, como todos os relativos a direito excepcional, não se estendem, por analogia aos casos semelhantes e não expres-sos; por isto, quando a lei fala em — “estar encerrada”, não se compreende também — “quando deveria estar encerrada”. Pelos motivos expostos, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso.

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Ministro Carlos Maximiliano

No HC 27.774/DF, julgado em 7 de maio de 1941 e relatado pelo Minis-tro José Linhares, Carlos Maximiliano expressou opinião relativa ao alcance de leis gerais:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a Lei 628, de

1899, declarou serem inafiançáveis os crimes de furto e o Tribunal local con-siderou estar a apropriação indébita incluída entre os furtos; não podendo, por conseguinte, os pacientes prestar fiança.

Entretanto, as leis gerais se devem entender restritamente. Assim, se os pacientes forem denunciados como incursos no art. 331, que trata da apropriação indébita, especialmente; e se aquela lei geral diz respeito a furtos, de que trata o art. 330 — penso que, sendo ela interpretada taxativamente, deve ser admitido que os pacientes dêem fiança.

No RHC 27.785/PR, julgado em 16 de abril de 1941 e relatado por Carlos Maximiliano, decidiu-se que só se concederia habeas corpus ao réu condenado quando a sentença estivesse eivada de nulidade evidente. Na expressão de Carlos Maximiliano:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é recorrente Moacyr Guarneri e recorrido o Tribunal de Apelação do Paraná. O recorrente foi processado e condenado como incurso na sanção do grau médio do art. 330, § 4º, da Consolidação das Leis Penais; impetrou habeas corpus ao Tribunal de Apelação, sob os seguintes fundamentos: 1º — A Lei de Organização Judiciária do Estado proíbe o juiz de entrar em férias enquanto pende de julgamento causa cuja instrução ela haja dirigido; o Juiz de Direito da Comarca do Paranaguá, tendo presidido ao preparo do processo criminal contra o paciente, passou a vara ao substituto, que foi o condenador, enquanto o efetivo estava em férias; a condenação (conclui o réu) foi sentenciada por magistrado incompetente. 2º — Serviu como advogado do réu causídico ainda não inscrito na Ordem dos Advogados; logo, funcionou procurador incapaz; está nulo o processo (conclui o impetrante); pois não houve licença do juiz, nem termo de responsabilidade. O acórdão de fl. 12, conformando-se com o parecer do Procurador-Geral, à fl. 11, indeferiu o pedido; o solicitante recorreu. O réu apenas truncou o texto em que funda o seu pedido; pois a lei manda fazer precisamente o que ocorreu, como evidenciou o Procurador-Geral. Ademais, a incapacidade do Procurador poderia ser argüida contra o mandante, não em seu prol. Por estes motivos, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar pro-vimento ao recurso; pois se trata de acusado já condenado; e contra a sentença final só se concede habeas corpus quando se trata de nulidade evidente.

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5. DIREITO PENAL

A percepção do Ministro Carlos Maximiliano em matéria penal é apreen-dida também nos julgados que conduziu e nos votos que proferiu em âmbito de revisão criminal. Há também inúmeras manifestações de Carlos Maximiliano em âmbito penal, em tema de habeas corpus.

Percebe-se uma linha arejada, porém centrada nos textos então aplicá-veis, com grande dose de ponderação, o que se desdobrava por conta da aferição entre circunstâncias atenuantes e agravantes. Por exemplo, na RvC 4.133/DF, relatada pelo Ministro Octavio Kelly e julgada em 17 de julho de 1936, Carlos Maximiliano, atuando no Supremo como Procurador-Geral da República, pesou atenuantes e agravantes, indeferindo o pedido, por causa de comprovada perversidade do réu. Chamava-se também atenção para a preocupação exter-nada com os elementos fáticos, de modo que se comprova no voto uma linha discursiva que revela a confecção de outro relatório:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Arthur Marques da Silva pede revisão

do processo em que foi condenado no grau médio do art. 304, parágrafo único do Código Penal, à prisão celular por dois anos e seis meses. Alega estar nulo o pro-cesso, por não ter sido fundamentada a sentença; ocorrer a seu favor a dirimente do art. 32 da Consolidação das Leis Penais (não explica se trata do § 1º) (mal maior) ou do 2º (legítima defesa); não caber a agravante de agir contra superior, porque ferira um homem que deixara de ser seu patrão. Não procede a primeira alegação: a sentença de fls. 86 a 91, do juiz Espinola Filho, fundamenta longa-mente as respectivas conclusões, através de seis folhas de papel, datilografadas.

Para forjar a dirimente, o réu, só ele, depôs que o patrão o agredira armado de revólver e ele com o mesmo se atracara, para não ser morto; parti-ram-se vidros; daí os ferimentos no patrão.

Existe uma só testemunha presencial, outro empregado, de nome Angelo Prinzo. Este viu discutirem o impetrante e o patrão; em dado momento notou estar o patrão ensangüentado e o réu empunhando uma navalha (fl. 6). O sol-dado que prendeu o criminoso ouviu gritos avisando-o de que o réu ferira um homem a navalha, e notou que o acusado procurava fazê-la cair no ralo do esgoto; prendeu-o, e apreendeu a navalha, ensangüentada, entalada no ralo (fls. 5 e 22). Outro soldado teve a atenção voltada para um homem ensangüen-tado que se dizia ferido a navalha pelo réu; logo se lhe deparou em rumo oposto, um colega trazendo preso o denunciado e tendo na mão a navalha apreendida (fl. 5v.). Um marinheiro ao transpor os umbrais do estúdio fotográfico da vítima, viu sair, fugindo, o impetrante tendo na mão uma navalha (fl. 44v.).

A narrativa do patrão, ao contrário da do réu, é confirmada pelo processo e bem verossímil. Diz ele (à fl. 12): tinha como empregado incumbido de agen-ciar retratos, havia 2 meses, o réu; este lhe foi pedir o pagamento das comis-sões da venda; redargüiu-lhe o patrão que isto se daria quando fossem pagos pelos fregueses os retratos por ele encomendados; o réu voltou dois dias depois, renovou a exigência e obteve a mesma resposta. Então, puxando do bolso uma

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Ministro Carlos Maximiliano

navalha, o impetrante gritou: “agora você paga mesmo”. Encurralando o patrão num canto da sala, o acusado feriu-o, e, como o ofendido gritasse por socorro, o criminoso saiu a correr.

Está evidente até a agravante da premeditação, que a sentença não reco-nheceu, talvez porque o Promotor não a articulou.

O próprio réu confessa, à fl. 6, que era empregado do ofendido: diz que na ocasião do crime declarara ao patrão que preferia retirar-se, por não ser pago pontualmente; o outro empregado também afirma que, na ocasião do crime, o réu era empregado da casa (fl. 6).

A outra agravante, da superioridade de armas, esta evidente. Se o patrão tivesse nas mãos um revólver, teria com ele alvejado o réu, no momento de este fugir; não ficaria a gritar por socorro.

Nenhuma prova, absolutamente nenhuma, existe — de exemplar com-portamento anterior, do acusado. Entretanto o juiz reconheceu esta dirimente, só por ser delinqüente primário o réu. Declarou assim julgar; porque o réu já fora processado por ferimentos, porém absolvido.

O juiz considerou as duas agravantes compensadas pela atenuante, e por isto o condenou no grau médio. Foi muito benigna a sentença. Como, porém, não é lícito, em revisão, agravar a pena, o meu voto é no sentido de indeferir o pedido. O art. 38 do Código Penal foi aplicado com benignidade pelo digno julgador. O criminoso mostrou grande perversidade; a atenuante, muito liberal-mente reconhecida, do bom comportamento, quando muito, deveria compensar uma das agravantes, e o honrado magistrado a deu como compensando todas.

ACóRDãOVistos e relatados os autos de Revisão Criminal em que é peticionário

Arthur Marques da Silva,Acordam os Ministros da Corte Suprema, indeferir o pedido, de acordo com

os votos especificados na conformidade das notas taquigráficas juntas aos autos.Custas ex lege.

Na RvC 4.134/DF, julgada em 14 de dezembro de 1936, Carlos Maxi-miliano mais uma vez centrou-se na inexistência de atenuantes, indeferindo o pedido. Chama-se a atenção para os aspectos fáticos levados em conta, especial-mente no que se refere a folha de antecedentes. Na conclusão, a observação de que a pena estava bem aplicada:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Elviro Agricola Lopes e João Lopes

de Almeida, pintor o primeiro, soldado da Polícia Militar o segundo, devida-mente ajustados, penetraram num armazém e, de armas em punho, forçaram o gerente a abrir o cofre, do qual roubaram 725$000; dividiram o dinheiro entre si. Processados, foram condenados, o primeiro, às penas de 8 anos de prisão e multa de 20%, grau máximo do art. 356 combinado com os arts. 357 e 363 da Consolidação das Leis Penais, e o segundo, às penas de 5 anos de prisão e multa, grau médio dos mesmos artigos. O último pediu revisão, e não obteve deferi-mento, conforme se depreende dos autos respectivos, apensos juntamente com

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Memória Jurisprudencial

os do processo original. O primeiro faz, agora, igual solicitação, alegando ser contrária à prova dos autos a sentença condenatória.

Os depoimentos do gerente do armazém, às fls. 5 e 52; das testemunhas, às fls. 15v., 18v., 25, e 53 a 55, corroborados pela confissão dos réus, às fls. 8 e 13, prestada livremente, perante testemunhas que o atestaram, tornam provadíssimo o fato criminoso. Contra Elviro ainda ocorre a circunstância de ser tio de João Lopes e quem o induziu à prática do delito; demais, era de maus precedentes; con-forme a Folha de Antecedentes, à p. 22, já cumpriu pena por crime de ferimentos.

A sentença de fl. 86 achou que a agravante do ajuste é elementar do crime praticado; pelo que reconheceu só a atenuante a favor de João Lopes, conde-nando-o no grau mínimo, e no grau médio a Elviro, isto é, a 2 anos de prisão, o primeiro, e a 5 o segundo. Apelaram o promotor e os réus; a Corte de Apelação reconheceu, contra os dois, a agravante do ajuste, servindo a atenuante, de João Lopes, somente para compensar, não para prevalecer sobre a agravante; pelo que condenou João Lopes a 5 anos de prisão, grau médio, dos artigos já citados; e Elviro, a 8 anos, grau máximo dos mesmos artigos.

Em grau de revisão, houve divergência na Corte Suprema, somente quanto a prevalecer ou não a atenuante, votando pela afirmativa os Srs. Ministros Laudo de Camargo e Octavio Kelly; pela negativa, os Srs. Ministros Carvalho Mourão, Costa Manso e Ataulpho de Paiva. Todos acharam provadíssimo o crime. Atualmente só se trata do pior, do que não tem atenuante. Está bem apli-cada a pena; indefiro o pedido.

Na RvC 4.135/SP, julgada em 14 de dezembro de 1936, Carlos Maximi-liano indeferiu pedido para anular julgamento de tribunal do júri, ainda outra vez em tema de atenuantes e agravantes. Perceba-se que a defesa, em caso gra-víssimo, de homicídio, invocava, em favor do réu, minudências de formalidade:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: João Citro, italiano, casado com a

portuguesa Maria Teixeira Citro, muito a maltratava; pelo que a esposa abando-nou o lar e recolheu-se à casa paterna. O marido, sob o pretexto de que a mulher levara consigo 3:500$000, tentou matá-la, a princípio com atirar duas vezes o seu automóvel contra ela; falhando o expediente, desceu, discutiu rapidamente e em seguida assassinou a desditosa consorte, a tiros (Relatório à fl. 38). Processado e condenado às penas do art. 294, § 1º, no grau submáximo, isto é, a 25 anos e seis meses de prisão celular (processo originário, fls. 369 e 396v.), pede revisão, com alegar o seguinte: 1º — dado por ele o seu endereço, outro figurou no man-dado de citação; pelo que não foi encontrado; 2º — marcado o sumário para o dia 15 de setembro, dado conhecimento ao advogado do réu, foi antecipado para 13; de sorte que, ao comparecer o advogado a 15, já encontrou o réu sumariado e pronunciado; 3º — que, por meio de rasuras, corrigiram o 15, fazendo-o 13; 4º — no julgamento, entre outras nulidades, ocorreu a concernente a de simples-mente perguntar o juiz se houve circunstâncias atenuantes; mais ainda, apesar da reposta afirmativa, o juiz não reconheceu nenhuma, por lhe não parecer provada. De fato, na petição, de fl. 46, despachada a 22 de julho, o réu declarou poder ser encontrado à Rua Piratininga n. 25; decretada a prisão preventiva, à fl. 63, o réu não foi encontrado (certidão à fl. 65v.). Houve, apenas, troca de número da casa, 60 em vez de 25; mas isto não constitui nulidade de processo. Não é verdade que

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Ministro Carlos Maximiliano

a data da audiência haja sido 15, rasurada para 13; pois existe rasura à fl. 65v.; mas se vê, no corpo do mandado, no anverso da mesma folha, a data 13, bem clara e não rasurada. O júri respondeu afirmativamente ao último quesito — existem circunstâncias atenuantes a favor do réu? (fls. 367 e 368v.) —; porém, o juiz condenou no grau submáximo — “visto não encontrar provada nenhuma das circunstâncias atenuantes previstas no art. 42 do Código Penal” (fl. 369). Houve, pois, dupla ilegalidade: não se deu ao júri a prerrogativa de indicar as circunstân-cias atenuantes, de as especificar; e se desobedeceu abertamente ao seu veredic-tum, com recusar reconhecer na sentença o que ele afirmara em suas respostas soberanas. Por estes últimos motivos, defiro o pedido, para anular o julgamento.

Na RvC 4.142/ES, julgada em 9 de novembro de 1936, Maximiliano manteve decisão originária, focado na personalidade do réu, o que revelou em voto muito bem engendrado, no que se refere às circunstâncias fáticas:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Conforme se depreende da abun-

dante prova testemunhal colhida no inquérito policial e no sumário, ut fls. 9, 10, 11, 19, 40, 41, 42 e 43, dos autos originais, e das confissões dos réus prestadas na Polícia perante testemunhas (fls. 14, 15, 17 e 18), o peticionário bernardo João baptista, homem desocupado, induziu Victor Jesuino dos Santos a matar o sexa-genário José Eloy Bragança, que vivia só em plena campanha e passava como tendo dinheiro em casa; o móvel do assassínio era o roubo. De fato, bateram à porta da casa do ancião; quando este abriu, Bernardo o segurou, enquanto Victor o apunhalava. Roubaram o que encontraram. Testemunhas e autoridades viram em poder dos acusados, sobretudo de Victor, objetos pertencentes ao velho (Auto de Apreensão à fl. 19; corpo de delito à fl. 5). O júri negou as agravantes, com exceção apenas da referente à traição, e reconheceu, no vagabundo, exem-plar comportamento anterior. O juiz condenou o réu Bernardo no grau médio do art. 359 da Consolidação das Leis Penais (20 anos de prisão). Em geral, os tribunais entendem prevalecer a atenuante do exemplar comportamento sobre a da traição; neste caso, deve a pena descer ao grau submédio. Eu prefiro manter a sentença; pois, no crime, tal como está provado, “preponderam a perversidade do criminoso e a extensão do dano; e o delito foi revestido de circunstância indi-cativa de maior perversidade” (Código Penal, art. 38, § 1º, letra a, e § 2º, letra c): o malvado ainda procurou um auxiliar para matar o pobre ancião trabalhador e econômico, que nenhum mal lhe fizera; matou o velho, para roubar as suas eco-nomias; isto tudo, de surpresa, à traição.

Na RvC 4.150/SP, julgada em 14 de setembro de 1936, Carlos Maximiliano proferiu elaborado voto, centrado em circunstâncias fáticas, como sempre fazia em matéria penal, com foco na existência (ou não) de atenuantes. Esse raciocínio, que conduziu o voto, matizava suas intervenções com grande rigor lógico:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Januario Funicelli, Isaac Assunção

e outros urdiram trama criminosa para se apoderarem de uma partida de fumo trazida por um negociante do interior para vender na cidade de São Paulo.

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Memória Jurisprudencial

Propuseram a compra, paga à vista; conseguiram recolher a mercadoria a um armazém; ganharam tempo, enquanto obtinham execução contra suposto ter-ceiro devedor de uma cambial; penhoraram o fumo como daquele terceiro e o depositaram nas mãos de um preto empregado do impetrante; foram-no ven-dendo aos poucos, até ser o restante apreendido pela Polícia.

Exculpa-se o peticionário, com alegar passar ele, apenas, como autor moral do estelionato, a ele não aludir diretamente o prejudicado Costa Manso, nem se referirem, em geral, às testemunhas.

Não é verdade. A leitura atenta do processo convence, logo, de que o autor principal, moral e material, da trama delituosa foi o impetrante; Assunção, o co-autor, o seu comparsa useiro e vezeiro.

Costa Manso, o dono do fumo, depôs, à fl. 3, perante a Polícia, e à fl. 137, no sumário, ter Assunção com ele negociado a venda e declarado que o preço deveria ser havido no escritório de Funicelli; este lhe propôs receber uma promissória, facilmente descontável e confessou-se devedor de maior soma a Assunção; de promessa em promessa, sempre adiadas em sua realização, foram Funicelli e Assunção ganhando tempo; o prejudicado, que levara o fumo ao armazém por eles indicado, rondou o mesmo; viu a tentativa de retirada, que colaborava Funicelli; protestou inutilmente, correu à Polícia.

Assunção confessou ter agido a convite de Funicelli, que lhe daria só 2:000$000, ficando com o resto dos 13:500$000, preço do fumo (fls. 7 e 27). A co-ré Florinda Delmonte declara ter assinado a falsa letra de câmbio, a pedido do impetrante (fl. 5). Trivellato, que propôs o executivo contra Florinda e fez penhorar, como a ela pertencente, o fumo de Costa Manso, declara ter sido Funicelli que constituiu advogado o Dr. Oliveira Pinto para proceder à execu-ção (fls. 10 e 13).

Acrescentou ter a sua datilógrafa, a pedido e mediante ditado de Funicelli, enchido a letra de câmbio.

As testemunhas Antunes de Lima (fl. 15), Bento Pimenta (fls. 16 e 148), Luiz Capasso (fl. 17) e Antonio Cardoso (fl. 36) descrevem toda a velhacaria, pondo sempre em relevo a figura de Funicelli, como presente a tudo, agindo e dirigindo. O chofer que levou parte do fumo, depôs ter agido por ordem de Funicelli (fl. 35). A datilógrafa afirma ter enchido a letra a pedido de Funicelli e Assunção, que compareceram, para esse fim, no escritório comercial de Trivellato. Vicente Henrique declarou, na Polícia e no sumário (fls. 34 e 158) que à sua casa comercial compareceram Funicelli e dois desconhecidos, instando muito para que ele lhes comprasse o fumo.

Da ficha de antecedentes de Funicelli, à fl. 19, se infere ter o mesmo, auxiliado pelo co-réu Assunção, tentado apropriar-se de 75:000$000 como falso credor de um espólio, tocando 15:000$000 a Assunção; o 10º Ofício de Tabelião denunciou-o como tendo levado lá um título falso; sofreu processo por explora-ção praticada de parceria com Nicola Gorrese; outro por tentativa de assassínio; e esteve, também, envolvido em casos de falsidade, ferimentos graves, apropria-ção e corrupção de menores. É péssima, portanto, a folha de antecedentes do impetrante, pretenso advogado, não formado.

Parece bem aplicada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão celular e multa de 12 e meio por cento sobre o valor do objeto do crime, como incurso na sanção do art. 338, combinado com o 18, § 1º, do Código Penal grau médio, desprezada a agravante articulada do ajuste, por ser elementar do estelionato, e na ausência de atenuantes (Acórdão à fl. 398).

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Ministro Carlos Maximiliano

Na RvC 4.151/SP, em cujo desdobramento se discutiam embargos, em 28 de dezembro de 1936, Carlos Maximiliano revela ainda outra vez a riqueza de sua prosa jurídica, especialmente quando explicita por que lhe horrorizava o uso da navalha:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Empenham-se dois homens em luta

corporal; ambos saíram feridos a navalha; as testemunhas afirmam que foram os dois os únicos a tomar parte na briga, embora nenhuma afirme ter visto o réu ferir a vítima. Baseado nisto, o condenado por ferimentos graves pediu revisão; não obteve; embarga, com o mesmo fundamento — de falta de prova da autoria do delito; acrescenta o que o ilustre Sr. Ministro Ataulpho de Paiva aceitou — que, estando provados os socos dados pelo réu, apenas o condenava por aqueles socos, isto é, por ferimentos leves.

Justamente o que horroriza no uso da navalha como arma, é o seu aspecto de instrumento de traição; um homem luta com outro, empregando só os próprios punhos, enquanto o adversário empalma a navalha e a vibra de surpresa, sem que a vítima pressinta o golpe, note o perigo, tenha tempo de se acautelar e defender.

A prova está feita. O auto de exame de corpo de delito consigna o feri-mento por instrumento cortante (fl. 8). As testemunhas Doracy Assunção (fl. 18), José Avelino (fl. 31) e Arthur Barbosa (fl. 33) declararam que os dois brigaram, por haver um atirado gracejos ao outro, e ambos saíram feridos a navalha. O auto de exame de sanidade, (à fl. 49), constata ter a vítima, Romeu, sofrido mutilação ou deformidade, restringido parcialmente e de modo per-manente o uso da mão esquerda, em conseqüência do ferimento a navalha. A Polícia processou os dois, Romeu e Rainha. Agiu bem, e bem agiu também a Justiça, condenando a ambos, não por darem socos, mas por ferirem a navalha.

Quem mais poderia ter ferido a Romeu e a Setta, ou Rainha, se foram os dois que se atracaram e logo depois cada um gritou ter sido ferido pelo outro?

Rejeito os embargos.

Na RvC 4.167/BA, julgada em dezembro de 1936, Carlos Maximiliano não acatou agravante de que o crime fora premeditado, tal como julgado origi-nariamente; considerou algumas atenuantes e concordou com a revisão de pena:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Paulo Ignácio Conceição penetrava

habitualmente, de dia, como pedreiro, numa casa, da qual desapareceram vários objetos, que foram encontrados em casa de penhores. Preso e processado, foi condenado a 8 anos de prisão, grau máximo do art. 356 combinado com o 357 do Código Penal, por militarem contra ele as agravantes do § 1º e § 2º do art. 39.

Uma mulher, dizendo-se sua esposa, pede revisão, alegando falta de cita-ção inicial e tratar-se de crime de furto, não de roubo, como qualificou a sentença.

Logo depois de preso, o acusado confessou o crime perante testemunhas que depuseram no sumário. Para este houve ordem de citar o acusado; como o oficial certificasse estar ele em lugar incerto e não sabido (fl. 51v.) citaram-no por edital (fl. 54v.). A prova de haver ele se servido da noite para perpetrar o

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crime, é plena, fazendo parte da mesma prova a confissão. Apenas os testemu-nhos de fls. 59, 70, 71 e 77v. convencem de que ele se não serviu de chave falsa, como afirmou à Polícia: possuía a chave da casa, para entrar ali e trabalhar; havia objetos vários fechados num quarto; o réu verificou que uma chave, dei-xada na porta de outro aposento, servia também para abrir o quarto referido; tirou-a, quando na qualidade de pedreiro se achava no prédio; voltou de noite e retirou, com o auxílio de cúmplice, máquina de costura, uma colcha e outros objetos, que empenhou em seguida. Os seus precedentes eram maus; pois que o Gabinete de Identificação o deu como já fichado ali por crime de furto (fl. 40v.).

Ora, segundo o art. 357 do Código Penal, constitui violência caracte-rizadora de roubo o entrar de noite no prédio, embora servindo-se de chave verdadeira. O juiz achou, ainda, que, havendo o réu se munido das chaves e ido depois, com um cúmplice, praticar o crime, de certo houve premeditação. Esta não está muito clara; existem as agravantes do § 6º e § 13º não reconhecidos pela sentença; e a entrada de noite é circunstância constitutiva do crime de roubo; por isso, eu concedo a revisão, em parte, para reduzir a pena ao grau médio do art. 356, isto é, a 5 anos de prisão.

Na RvC 4.171/DF, cujos embargos foram discutidos em 18 de maio de 1938, Carlos Maximiliano apreciou assunto que dominava com precisão, rela-tivo ao direito intertemporal. No caso, ementou-se que o direito ao recurso abolido por lei nova prevalecia para os autores ou réus de ações anteriormente propostas e julgadas:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de Revisão Criminal, em grau

de embargos, em que é embargante Francisco Martins Bermudes e embargada a Justiça Pública; Bermudes requereu revisão do processo em que fora condenado a 24 meses de prisão celular e multa de 13 1/3 por cento, grau máximo do art. 330, § 4º, combinado com o art. 13 da Consolidação das Leis Penais; alegou terem sido as sentenças de primeira e segunda instância, proferidas contra a evidência dos autos. Foram-lhe contrários o Parecer, de fl. 14, do Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República, e o Acórdão, unânime 16 a 21. Veio com embargos.

Cumpre liminarmente resolver uma dúvida: pode ser embargado um Acórdão unânime?

O pedido de revisão foi feito em 15 de maio de 1936 e julgado em 7 de dezembro do mesmo ano. Como o réu não foi intimado do Acórdão, contra ele não transcorreu o prazo para embargar; por isso, entrou a interposição do novo recurso em 25 de abril de 1938, isto é, depois de entrar em vigor o Decreto Lei 6, de 16 de novembro de 1937, que estipulou:

Art. 6º Admitem-se embargos para o Tribunal Pleno dos julga-mentos das turmas: I, quando o Acórdão embargado não confirmar por unanimidade a decisão recorrida.A Revisão é um recurso: assim a denomina o Decreto 3.084, de 5 de

novembro de 1898, Parte Segunda, art. 309. No caso em apreço a Corte Suprema confirmou, por unanimidade, as duas sentenças condenatórias. É verdade que não houve julgamento por turma; isto, porém, longe de infirmar a aplicabilidade do texto transcrito, daria mais razão à sua observância; porquanto, se é recusar o novo exame de decisões de uma parte do tribunal; maior razão militaria contra

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Ministro Carlos Maximiliano

o concernente a um aresto de toda a Corte. Resta, entretanto, outro aspecto da questão a examinar: o relativo ao Direito Intertemporal.

Leciona Paul Roubier — Les conflits de Lois dans lê Temps, v. II, p. 728: “A regra segundo a qual a lei do dia do julgamento é competente para definir os efeitos da sentença tem ainda como conseqüência dever esta lei definir o caráter do julgamento e as vias de recurso de que ele é suscetível. Com efeito, a admis-sibilidade de um recurso constitui uma verdadeira qualidade inerente à própria sentença: por exemplo, esta sentença será em último turno, ou comportará apelação. Do exposto resulta que nenhuma via de recurso nova pode resultar de uma lei posterior, e, inversamente, nenhum recurso existente contra um jul-gamento poderia ser suprimido sem retroatividade por uma lei posterior.” (...)

Pronunciaram-se no mesmo sentido: Gabba — Teoria della retroattivitá delle Leggi, 3. ed., v. IV, p. 539-40; Faggella — retroattivitá delle Leggi, p. 310.

Ora, na época em que foi proferido o acórdão embargado, vigorava o Decreto 20.106, de 13 de junho de 1931, o qual, no art. 9º, admitia embargos ao Acórdão unânime, desde que, apresentados os autos em mesa pelo relator, o tribunal os considerasse relevantes. Portanto, o Decreto 6 de 1937 não elimi-nou o direito a embargos, por parte do peticionário; cabe ao Pretório Excelso pronunciar-se a respeito da relevância da matéria contida nos embargos. Esta não existe. Limita-se o embargante, ao discutir, como fizera antes, a prova dos autos. Por este motivo, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em rejeitar in limine os embargos, por serem irrelevantes.

Na RvC 4.177/MG, julgada em novembro de 1936, Carlos Maximiliano jul-gou interessante caso de estelionato, que nos dá conta do conto do bilhete premiado. Chama a atenção, mais uma vez, a finura da prosa jurídica de Carlos Maximiliano:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: José Ferreira da Silva, auxiliado

por João Garcia e Gregório Lima, passou em Belo Horizonte o conto do bilhete premiado, arrancando assim 35:000$000 ao fazendeiro Francisco xavier da Costa. Este (às fls. 12v. e 13) declarou o nome do réu, dado por este, e os seguin-tes sinais característicos: mulato alto, corpulento, gago e aparentando mais de trinta anos de idade. Lendo isto num jornal, o agente da Estação de Sarzedo encontrou os sinais referidos, inclusive a gagueira (fl. 23) em um indivíduo que tentava comprar passagem para o Rio, ou, ao menos, para Barra do Piraí; avisou a Polícia, que prendeu José Ferreira, depois de conversar com ele um dos poli-ciais e verificar os sinais, inclusive a gagueira (fl. 15). Dada busca no indivíduo, acharam, a princípio, só 350$500 em seu poder; revistado mais rigorosamente, encontraram, num pé de meia em poder do mesmo, 14:000$000. Então, o crimi-noso confessou tudo, (fls. 14v. e 15). Levado à presença do delegado de polícia de Belo Horizonte, narrou, minuciosamente, em presença de jornalistas e outras pessoas, que tudo confirmam (fls. 14, 15, 16, 17 e v.), o seguinte: havia oito anos, profissional de vigarice, no Rio e outras cidades; só fora preso por vadiagem, por lhe não provarem o crime principal; descreveu todo o fato delituoso (fls. 15 a 16). Acareado com a vítima, foi por esta reconhecido (fl. 18v.). Na Polícia Mineira tinha na ficha: uma prisão em São Salvador, na Bahia, para averiguações, e uma em Pouso Alegre (Minas), por tentar passar o conto do vigário (fls. 19v., 20).

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Memória Jurisprudencial

Pede desclassificação do delito, para furto; ou a atenuante do exemplar comportamento, por ser delinqüente primário.

O crime está bem classificado, como estelionato; a denúncia o colocou bem no art. 338, n. 5, da Consolidação das Leis Penais; assim foi julgado, por sentença de fl. 37, confirmada à fl. 40v. pela Corte de Apelação, ficando o réu condenado a 4 anos de prisão celular e multa de 20% sobre 14:350$500, dada a confessada agravante do ajuste e faltando a alegada atenuante do exemplar comportamento anterior. Achou o Juiz não ser elementar do estelionato o ajuste.

De fato, posto que, em regra, os vigaristas ajam em conjunto, pode um homem sozinho praticar um estelionato.

Indefiro, pois, o pedido.

Na RvC 4.179/MG, julgada em 30 de novembro de 1937 e relatada pelo próprio Carlos Maximiliano, em excerto minimalista, identifica-se o pano de fundo fático que justificou o indeferimento do pedido:

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O peticionário foi acusado de se

haver mancomunado com outros três indivíduos, para manter e roubar um homem bom, habituado a trazer consigo bastante dinheiro. Declara que se achava no lugar e hora do assassínio; mas ocasionalmente, de passagem, oculto na mata.

Verifica-se, pelo depoimento da 4ª, 6ª, 9ª e 10ª testemunhas, às fls. 9, 11, 17 e 17v., que ele se achava em casa da vítima, a cuja filha disse que iria à casa de Juvenal, marido da 4ª testemunha; entretanto, lá não foi; tomou exatamente o rumo que sabia dever a vítima seguir. As outras testemunhas acima referidas também ouviram da filha da vítima que o impetrante ficara tomando conta dos filhos da vítima enquanto esta se dirigia à fazenda próxima; entretanto saiu a rumo da mesma fazenda. Enfim, acareado com o co-réu Antonio Roberto, confessou haver sido convidado para o crime e aceitado a empreitada, armando-se com um machado pertencente à própria vítima (fl. 20). Processado e condenado, não apelou.

As sentenças de fls. 70 a 80 e 114 a 117 esclarecem bem a criminalidade do réu e devem ser mantidas. Indefiro o pedido.

Na RvC 4.186/SP, julgada em 1936, relatada pelo próprio Maximiliano, proveu-se o recurso, porquanto, entre outras formalidades essenciais em direito processual penal, não constava dos autos o sorteio de jurado suspeito:

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Vistos, relatados e discutidos estes

autos de revisão criminal, em que é peticionário Antonio Figueiredo de Almeida: o suplicante foi condenado pelo júri a 25 ½ anos de prisão celular; a Corte de Apelação reduziu a pena para 21 anos de prisão, grau médio do art. 294, § 1º, do Código Penal. O réu baseia o seu pedido de revisão em quatro fundamen-tos: 1º — o Presidente do Júri, em vez de oferecer aos jurados oportunidade de especificar as circunstâncias atenuantes favoráveis ao acusado, perguntou, apenas, se havia circunstâncias atenuantes, e, na sentença, declarou, ele pró-prio, que existia uma, a do bom comportamento anterior; 2º — não consta dos

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Ministro Carlos Maximiliano

autos o sorteio de jurado que jurou suspeição; 3º — não se repetiu, a respeito de cada descanso dos juízes de fato, a certidão de incomunicabilidade; só uma foi lavrada; 4º — o despacho de pronúncia não menciona a premeditação, e este figura no libelo. Provada, como está, a primeira nulidade argüida, acordam os Ministros da Corte Suprema em dar provimento ao recurso de revisão, para anu-lar o julgamento, de acordo com a jurisprudência da mesma Corte e o Parecer do Exmo. Sr. Procurador-Geral da República.

Na RvC 4.192/DF, julgada em 30 de novembro de 1936, Maximiliano explicitou linha de conduta no sentido de que, em revisão, a sentença recorrida deveria, necessariamente, mostrar-se contrária às provas obtidas:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, se se tratasse de

apelação, a prova teria de ser examinada com mais cuidado. É caso, porém, de revisão. É preciso que a sentença seja, evidentemente, contra a prova dos autos.

Dizem os investigadores que, por diligências a que procederam, chega-ram à conclusão de que o requerente era um dos autores do crime, o que ele, também, confessa.

Há os precedentes: para minha escola criminal, são de grande impor-tância. Seria coisa muito grave se se concluísse, de um homem de bem, que era um gatuno. Aqui, trata-se de um gatuno pela segunda vez. É, pois, indivíduo perigoso, devendo ser afastado da sociedade. Mantenho, assim, a condenação, defendendo a sociedade.

Na RvC 4.194/DF, julgada em 25 de novembro de 1937, Carlos Maximi-liano concebeu voto sintético, mas que captava toda uma situação complexa, na qual se argüiam nulidades:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Raymundo Telles assassinou um sírio; saindo a correr, foi detido por um trabalhador da Quinta da Boa Vista, e o criminoso matou a este também. Pelo primeiro crime foi condenado pelo juiz da 5ª Vara Criminal; pelo segundo, pelo Tribunal do Júri. Pede revisão, sob três fundamentos: 1º — incompetência do juiz da 5ª Vara, por ser da alçada do júri o julgamento; 2º — pena mal aplicada; porquanto não houve circunstâncias agra-vantes, e, sim, a atenuante do exemplar comportamento anterior, devendo, pois, ser condenado no mínimo; não a 21 anos de prisão; 3º — crime continuado; pelo que foi errada a dupla condenação.

A disposição do Código de Processo Criminal do Distrito Federal, em virtude da qual, no concurso entre a jurisdição do júri e a especial, prevalece a última, entrou em vigor depois da sentença condenatória do réu, acusado tam-bém de delito contra a propriedade, da competência do juiz singular; procede, pois, a primeira nulidade argüida, conforme a Corte Suprema decidiu já a res-peito do co-réu Fernando Basilio (processo apenso). Anulo o julgamento, porém para ser o réu julgado de novo pelo juiz atualmente competente para conhecer da espécie, que é, aliás, o mesmo da 5ª Vara. Da ata do julgamento, à fl. 109 dos autos apensos, se infere que o júri reconheceu a circunstância atenuante do § 9º do art. 42 do Código Penal. O júri, porém, reconheceu, também, a agravante da surpresa e a da superioridade em armas. O juiz condenou no grau médio,

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Memória Jurisprudencial

havendo duas agravantes e uma só atenuante. Não procede, pois, a segunda ale-gação do réu. Muito menos a terceira: não houve crime continuado; porém, um assassínio para roubar, e outro, para se livrar da prisão; os dois crimes se não deram, tão pouco pelo mesmo fato e com uma só intenção.

Defiro, em parte, o pedido, para mandar o réu a novo julgamento pelo assassínio cometido para roubar, o primeiro homicídio perpetrado.

Na RvC 4.200/BA, relatada por Carlos Maximiliano e julgada em 18 de janeiro de 1937, não se proveu revisão de processo, em recurso interposto pela mãe do réu. O relatório é denso em pormenor e a conclusão segue logicamente a nar-rativa dos fatos, característica muito nítida nas decisões de Carlos Maximiliano:

RELATóRIO E VOTOA mãe de Eduardo Costa Lopes pede revisão do processo em que o seu

filho foi condenado às penas do grau mínimo dos arts. 359 e 363 do Código Penal, combinado com o art. 42, § 10, do mesmo Código, doze anos de prisão celular e multa de 5%. A impetrante confessa que o réu era desertor da força policial da Bahia; pede revisão, por lhe parecer não provada a sua criminali-dade, baseada só em indícios a condenação.

Lopes, em companhia do soldado de polícia Manuel Pereira Gonçalves, esteve numa taberna, onde também se encontrava um marinheiro, Manoel Apostolo de Assunção. Beberam cachaça, que o marinheiro quis pagar com uma cédula de 10$000; como o empregado não tivesse troco, Manuel pagou a despesa e foi trocar a nota. Saíram os três; e no dia seguinte apareceu o marinheiro morto num capinzal próximo. Caíram logo as suspeitas sobre os dois companheiros, embora pairasse um certo mistério sobre o assassínio. Lopes era homem de maus precedentes, desertor, vagabundo, sem profissão, tendo já se evadido de uma localidade vestido de padre (fl. 71). Uma testemunha, Deocleciano de Sant’Anna, depôs, às fl. 33 e seguintes, que vira o morto bebendo em compa-nhia do réu; este, aproveitando-se da embriaguez do marinheiro e percebendo ter ele nos bolsos mais de 200$000, forcejava para os tirar, no que era obstado por Manuel. No dia seguinte, de propósito, a testemunha falou a Lopes acerca do aparecimento do cadáver; Lopes fingiu não ouvir e desconversou; daí a convicção de ser Lopes o assassino e ladrão. Outra testemunha, José Alves Pinheiro, disse, à fl. 19v., que era empregado da taberna onde bebera o assassino e a vítima; viu que Lopes não tinha dinheiro nem para pagar a cachaça, e saiu em companhia do marinheiro bêbado; no dia seguinte, voltou à taberna, pediu bebida e, como o caixeiro mostrasse pouca vontade de o servir por sabê-lo sem dinheiro e caloteiro, mostrou possuir uma cédula de 20$000, outra de 5$000 e algumas pratas; entretanto, nunca o vira senão com alguns níqueis, jamais com dinheiro em papel; por tudo isto ficou convencido de ser Lopes assassino do marinheiro, ao qual matou para roubar. Várias outras testemunhas, às fls. 88, 91v., 102, 123 e 124, asseveraram ser voz geral terem sido os matadores Lopes e Manuel; aquele nega a sua co-participação no delito; acusa Manuel (fls. 44-45). O auto de corpo de delito, à fl. 80, mostra ter sido a blusa do marinheiro aberta violentamente a ponto de saltarem dois botões, o mesmo acontecendo com as calças, indícios todos de violência para roubar. Deu-se o óbito em conseqüên-cia de ferimentos por instrumento contundente, e o cadáver demonstrava ter havido luta entre a vítima e o seu matador. Foi Lopes condenado, por sentença

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de fl. 230, confirmada por acórdão de fl. 248, a penas muito brandas; Manuel foi impronunciado (fls. 167-68). O libelo, de fl. 172, pedira as penas do art. 359, combinado com o 18, § 1º, do Código Penal, dado o concurso das agravantes dos § 1º e § 4º. Negadas pela sentença as agravantes, deveria o réu ser condenado no grau médio, e o foi no mínimo; porque o juiz ainda lhe deu a atenuante da embriaguez. A sentença é, pois, muito benigna; não tem cabimento a revisão.

Na RvC 4.208/DF, julgada em 21 de dezembro de 1936, Maximiliano conduziu o seu voto no sentido de não se absolver estudante de medicina, acu-sado de deflorar uma moça humilde. No voto, percebe-se o conhecimento de Carlos Maximiliano em assuntos de Medicina Legal:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Um quintanista de Medicina é acusa-do de, mediante promessa de casamento a mocinha pobre, filha de humilde car-pinteiro naval, haver conseguido privá-la da virgindade. Defende-se com alegar: 1º — que a ofendida depõe ter sido deflorada em julho, e a perícia afirmou, em janeiro seguinte, ser de 9 meses a gravidez, o que impressionou o próprio Promotor Público; 2º — o acusado foi apenas namorado, não noivo da moça e jamais freqüentou a casa da mesma, conforme depõe o próprio pai da menor. Não contesta, em seu pedido de revisão, a honestidade da ofendida. Estão prova-das a idade da vítima (fl. 13) e a miserabilidade (fl. 12). Foi condenado a 1 ano de prisão e recolhido à Casa de Detenção em 26 de março de 1936. Os depoimentos prestados pela menor, longe de traduzirem simulação, propósito de enganar os julgadores, fazer recair em uma pessoa a culpa de outra, ressumbram ingenui-dade e sinceridade. Por eles, às fls. 8 a 9 e 55v., se percebe como o mancebo, deslumbrando a moçoila paupérrima com a perspectiva de desposar um doutor, foi, premeditadamente, friamente, procurando inspirar-lhe paixão, amortecer, pouco a pouco, durante anos a fio, a resistência natural do pudor, excitando-a, praticando libidinagens de natureza cada vez mais graves até consumar, de sur-presa, o defloramento. Longe de constituir defesa a alegação de não freqüentar a casa e não ser noivo oficial, ao contrário, corrobora a má fé, a intenção perversa com que agiu sempre o acusado. Conforme declararam a vítima e os vizinhos, morava esta em avenida sem iluminação; o réu a namorava de noite, levando-a para conversarem perto da casa da mesma, que ficava no fundo da avenida; paravam junto a um prédio em ruínas; prolongava-se o namoro até às dez horas; lentamente ele foi passando dos beijos às lubricidades. Várias testemunhas, segundo depõem às fls. 31, 34, 54, 54v., surpreenderam-no levantando as vestes da moça e praticando atos reprováveis. Ele próprio, embora negue o deflora-mento, confessa que namorava a jovem e a beijava freqüentemente.

Os vizinhos declaram que a moça era séria, não tinha outro namorado, passeava de noite nas proximidades da casa paterna com o acusado, em ave-nida sem iluminação, onde morava, e só ele poderia ser o autor da desonra da jovem (fls. 16, 27v., 28, 29v., 31, 33, 34, 54 e 54v.).

À última hora, foram apresentadas testemunhas de defesa, as quais afir-maram o que antes não se leu nas alegações nem no depoimento do réu (fls. 18 a 49); ser a moça leviana, ter outros namorados, com os quais saía a passeio depois que o doutorando se retirava: é a defesa habitual, prestada pelos cama-radas dos defloradores. Eles dão os nomes dos namorados, irmãos Manoel, Tertinho e Adenil (fls. 59 a 60). Entretanto, como bem observou à fl. 94, o

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Dr. Procurador-Geral do Distrito, não foram trazidos a Juízo esses namorados, para deporem e serem acareados com as testemunhas de defesa. O próprio réu, depondo à fl. 18, assevera haver tido notícia de ter a vítima outro namorado, motivo pelo qual rompera com ela em dezembro, mas depois se reconciliaram; entretanto, o nome do namorado não é Manoel, nem Tertinho, nem Adenil; é Edgard. É impossível que os outros moradores da avenida não vissem a vítima sair com outros rapazes ou namorá-los; e eles dão espontâneo testemunho da honestidade da moça e afirmam ser o estudante de medicina o único namorado da mesma; este estudante confessa que namorava nas horas e lugar em que as testemunhas o viram com a jovem; enfim, várias testemunhas o surpreenderam abusando da moça (fls. 31, 34, 54 e 54 v.). Se a moça fosse leviana ou desonesta, não resistiria durante mais de dois anos ao homem que amava.

Resta examinar um argumento da defesa: o desacordo entre o depoi-mento da moça e a perícia.

A jovem depôs, às fls. 8 a 9, que o defloramento se dera, depois de meses de intimidade e anos de namoro, há uns três ou quatro meses. Isto declarou em 2 de outubro. A perícia, a princípio, declarara não poder precisar a data do defloramento e da gravidez, por ser esta incipiente (fl. 25v.); o laudo é de 3 de outubro. Em 29 de janeiro, à fl. 66, positivou tratar-se de uma gravidez — “no curso do 8º para o 9º mês de evolução”. Daí conclui a defesa que, na data em que a jovem disse ter sido deflorada pelo depoente, já estava grávida de 3 meses. Não é bem assim. Ela depôs, nos primeiros dias de outubro, que fora deflorada uns 3 a 4 meses antes; logo poderia ter o fato se verificado em junho; em janeiro, teriam decorrido 7 meses; o erro seria de 1 mês; não de 3. É verdade que poste-riormente a menor depôs haver sido deflorada em julho; ainda naturalmente se enganou; pois se, logo depois da queixa não sabia bem a data do mal causado, muito menos saberia meses depois, em todo caso, de julho a janeiro decorrem 6 meses; seria, pois, de 2, não de 3 meses o engano.

Admitindo mesmo estar certa a data de julho; poderia estar errada a fixada pela perícia; porquanto nenhum perito pode determinar, com segurança, a época do início da gravidez; se esta é de 7, 8 ou 9 meses.

afranio peixoto — Medicina Legal, p. 74, ao indicar o meio de fixar a data do começo da gravidez ou de quantos meses é a mesma, observa: “ressalva feita de numerosas variações pessoais”.

Diariamente sabemos de moças casadas, que vão ao médico saber a época provável do parto futuro, e, informadas, têm a surpresa de dar à luz muito depois da data fixada pelo profissional, que é um ginecologista de valor, não um médico de polícia.

Vibert — Médicine Légale, declara, à p. 357, que só aproximadamente se pode resolver a questão concernente ao período em que ocorreu a gravidez. À p. 359 acrescenta:

A época, em que teve começo a gravidez, não deve também ser fixada senão com uma — larga aproximação.

L’époque à laquelle est parvenu la grossesse no doit aussi être fixée qu’avec une large approximation.briand & chaudé — Médicine Légale, v. I, p. 194, vão mais longe; asse-

veram que — “só o parto determinará se a época da concepção coincide com a data da primeira cópula carnal com o réu.”

Do processo não consta a época do parto.

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Ministro Carlos Maximiliano

À p. 201 mostram como o princípio da gravidez, a data provável do mesmo, só aproximadamente é possível determinar.

(...)Enfim, não se trata de apelação; porém de revisão, esta se concede, não por

ser deficiente a prova; mas unicamente quando se haja julgado contra a evidência dos autos (Decreto 3.084, de 5 de novembro de 1898, Parte Segunda, art. 343, letra f ). Ora, os autos, ao contrário, deixam a impressão de que o autor da desonra da moça pobre foi o estudante de medicina. Por isso, indefiro o pedido.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos este autos de revisão criminal que reque-

reu, em seu favor, Roberto Cataldi, acordam, em maioria, os Ministros da Corte Suprema, constituídos em turma julgadora, pelas razões e fundamentos cons-tantes das notas taquigráficas que precedem, em deferir o pedido para absolver, como absolvem, o réu. Custas como de lei. Distrito Federal, 21 de dezembro de 1936 (data do julgamento).

Na RvC 4.209/DF, julgada em 18 de janeiro de 1937, relatada por Carlos Maximiliano, discutiu-se crime de estupro, mantendo-se a condenação. Insiste-se na qualidade da prosa jurídica de Carlos Maximiliano, objetiva, sin-tética, reveladora de uma mente que captava todos os fatos que diziam respeito ao assunto levado a juízo:

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Francisco Peixoto, estabelecido com

uma panificação em Campo Grande, no Distrito Federal, fez ir a sua empregada Zelia a um compartimento do primeiro andar do prédio onde tinha o escritório, a pretexto de procederem à verificação de algumas contas e (diz a denúncia) ali sub-jugou a jovem e tapou-lhe a boca, até a moça desmaiar, estuprando-a em seguida.

Processado em virtude de representação da mãe da ofendida, foi conde-nado, em 1ª e 2ª instância.

O Sr. Dr. Procurador-Geral assim se manifestou à fl. 25:No presente pedido de revisão, o Requerente, sob o fundamento

de ser sua condenação contra a prova dos autos, limita-se a reproduzir as alegações de defesa já minuciosamente apreciadas na sentença condena-tória, como se verifica das certidões juntas.

Seja ou não a prova bastante para a condenação, é coisa que não cabe apreciar no recurso extraordinário da revisão, somente autorizado pela lei com relação à prova, quando há contradição entre as asseverações ou contradições da sentença e os elementos de convicção existentes nos autos.

E o que se conclui, no entanto, da leitura da que o condenou é que o estupro ficou cumpridamente provado, e o Peticionário, ainda agora, não convence de sua inocência, pelos mesmos motivos bem repelidos pelo juiz da 1ª instância, pois nenhum elemento de convicção novo ofe-rece em seu favor.

Não havendo necessidade da requisição dos autos originais, como tem entendido esta Egrégia Corte em casos semelhantes, opino pelo res-pectivo indeferimento.

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A certidão de nascimento, à fl. 6, mostra haver a vítima nascido em 2 de maio de 1917; contava, portanto, 17 anos de idade, quando sofreu a violência, em 4 de setembro de 1934. A queixa foi dada pela mãe da ofendida, a qual declarou ter a esposa de Peixoto oferecido dinheiro para que ela retirasse a queixa; repelida a proposta, foi repetida, por intermédio de Pizarro, amigo do réu. Este fato consta dos depoimentos das testemunhas, às fls. 14, 60 e 61. O próprio réu declara ter mandado Pizarro trabalhar para ser o escândalo abafado (fl. 19); e Pizarro não diz que ofereceu dinheiro; mas declara que Peixoto lhe confessou o crime e pediu para obter da mãe da vítima o silêncio (fls. 24 e 70). Todas as testemunhas e o próprio réu depuseram a favor da honestidade da menor e da sua mãe, e várias afirmaram que, em conseqüência do fato, um moço que pretendia desposar a jovem, não mais a procurou (fls. 61 e 111v.). Peixoto gozava da má fama como homem dado a conquistas e desrespeitador de senhoras até na sua casa de negó-cio (fls. 30v., 33v. a 34 e 61v.). Duas testemunhas, José Quinan (fl. 89v.) e Nelson Monteiro (fl. 97v.), afirmam a violência empregada contra a menor; a última viu quando a esposa do réu foi à casa da mãe da vítima propor-lhe que abafassem o escândalo. O réu promoveu uma vistoria, para mostrar que se não podia subir ao sobrado sem ser visto pelos demais empregados, o que nada prova a seu favor.

O Promotor, a princípio, capitulou o crime no art. 267 da Consolidação das Leis Penais (Denúncia de fl. 2 dos autos do processo); depois, retificou, à fl. 76, no sentido de ser o delito o do art. 268 combinado com o 269 da mesma Consolidação.

A defesa insistiu sempre e ainda insiste em afirmar não provada a violên-cia, o que a Promotoria Pública destruiu (...).

A sentença, de fls. 178 a 189, condenou-o às penas do art. 268, combinado com o 269 da Consolidação das Leis Penais; porque, não sendo de encarar a agra-vação determinada pelo art. 273, § 3º, ante o silêncio da Promotoria a respeito, não é possível opor contra a atenuante do bom comportamento anterior decorrente de folha limpa de antecedentes a articulada agravante. Em resumo, declaradamente, condenou o réu à insignificante pena de prisão celular por um ano.

Como se vê, a sentença excluiu a provadíssima agravante do art. 273, § 2º, ou melhor, o aumento da sexta parte da pena, por ser casado o réu, e do sim-ples fato de se tratar de delinqüente primário deduziu a atenuante do exemplar comportamento anterior. Não podia ser mais benigna. A prova circunstancial da violência impõe-se; pois não seria possível que uma jovem honesta e trabalha-dora, de família honrada, se entregasse voluntariamente a um homem maduro e casado, quando era quase noiva de um bom rapaz; o seu depoimento é bem verossímil e uniformemente prestado em várias ocasiões; e, até mesmo, na falta de prova de violência, a pena de um ano de prisão seria muito branda; pois, bem examinada a prova, a pena seria, pelo menos, de defloramento, e aplicada no grau médio, 2 anos e meio; o mínimo seria o que foi aplicado — 1 ano. Deve-se, pois, indeferir o pedido; assim decido. (Recolheu-se à prisão, para poder apelar, a 16 de abril de 1936.)

Na RvC 4.243-embargos/DF, julgada em 18 de outubro de 1937, em que o Ministro Carlos Maximiliano proferiu voto, mais uma vez fixou-se a natureza do procedimento relativo à apreciação de provas.

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o réu é o agre-

dido. Já se vê que não é natural que fosse procurar superioridade em armas. O outro tinha um cacete e ele uma navalha. Ora, na briga, esta levou vantagem sobre aquele, o que, em via de regra, não acontece. Geralmente, o cacete é arma muito mais poderosa do que a navalha, pois quem o maneja, pode atingir a cabeça do adversário e colocá-lo fora de combate.

Quanto à alegação de que, na revisão, não se podem examinar provas, não é ela procedente. Na revisão, examinam-se, exatamente, as provas. E estas deram, como resultado, que o agressor tinha um cacete e o réu estava armado de uma navalha para resistir à agressão.

Nestas condições, mantenho o meu voto anterior. Nego a legítima defesa, mas acho que não há a agravante da superioridade em armas. O crime é de homicídio e o réu deve ser condenado, mas reduzida a pena ao grau mínimo.

Na RvC 4.273/MG, julgada em 25 de outubro de 1937, Carlos Maximi-liano mostrou que transitava com muita segurança em matérias de fato e de prova, em questão discutida em turma. Centrou seu voto em questões de preme-ditação, de prova feita, e da necessidade de que decisão eventualmente revista fosse explicitamente contrária às provas obtidas:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, pelo menos a

agravante da premeditação está clara, porque o indivíduo dizia abertamente que se vingaria do ofendido e o mataria. Ora, para haver a revisão, era de se exigir que a decisão fosse contra a evidência.

A alegação de que na Polícia confessou constrangido é um fato que o réu precisa provar e, em geral, é falso. Quem conhece um pouco a vida forense, sabe que se dá sempre exatamente o oposto: o indivíduo preso, diante do acúmulo de provas contra ele, confessa tudo. Depois, entram em cena os advogados, os amigos, e não tem ele outra saída senão essa, vulgaríssima: aquilo que dissera, de início, fizera por constrangimento. O que diz, depois da intervenção de advogados, é que, em geral, é falso, é feito por insinuação; antes, sempre diz a verdade. É certo que há casos em que se verifica o constrangimento, mas este se prova porque o indiví-duo comparece a exame médico legal, apresentando sevícias, etc. Qual é, porém, o interesse da Polícia? Não tem ela outro interesse senão a verdade. Não aceito, portanto, a alegação de constrangimento, que constituiria um péssimo precedente.

Nestas condições, voto de acordo com a maioria da turma.

Na RvC 4.275/PB, julgada em 25 de janeiro de 1937, discutiu-se, mais uma vez, crime de defloramento, tema recorrente à época:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Antonio Pequeno, condenado pelo

crime de defloramento às penas do art. 267 combinado com o 409 e 276 da Consolidação das Leis Penais, no grau máximo, isto é, a 4 anos e 8 meses de pri-são simples, pede revisão, alegando não ter sido a menor seduzida e pairar dúvida sobre a idade da mesma. A jovem compareceu a um baile; ali conheceu o acusado;

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a convite deste, saiu a passeio; logo adiante meteu-se com ele atrás de uma oficina, onde foi deflorada; em seguida, voltou ao baile; notando que todos estavam con-vencidos do seu erro, pois que, até pessoa do baile seguira o casal e o espreitara, obrigando-o a esconder-se mais, saíram; nem à casa paterna voltou a moça.

O auto de corpo de delito constatou defloramento recente; a sentença achou provada a miserabilidade da ofendida, a sedução e o defloramento. Dos autos não consta certidão de haver a sentença condenatória passado em julgado; pelo que não parece poder a Corte Suprema tomar conhecimento do pedido, instruído, aliás, com outros documentos, inclusive a íntegra da sentença (João Mendes — processo criminal, v. III, p. 134; Galdino siqueira — processo criminal, p. 371; Decreto 3.084, de 5 de novembro 1898, parte 2ª, art. 342).

Vencido nesta preliminar, eu deferirei o pedido para absolver o réu.O Código Penal preceitua: “Art. 267. Deflorar mulher de menor idade,

empregando sedução, engano ou fraude”.Não é bastante, pois, a perda da virgindade, para justificar a condenação;

considera-se indispensável outro requisito — ter havido, da parte do autor, sedu-ção, engano ou fraude. Ora, a jovem depôs, em juízo, ut doc. à fl. 3, que apenas conhecia de vista o acusado, que o encontrou na casa de um soldado, onde dan-çaram; o rapaz a convidou para saírem a passeio; ela recusou a princípio; depois concordou, ante a insistência do mancebo; encaminharam-se imediatamente para trás de uma oficina, onde o rapaz a privou da virgindade. Portanto, ela não era namorada, nem noiva do jovem; bastou dançar um pouco e receber o con-vite, para ir direto a um lugar escuso com ele e ali deixar-se gozar. Mais ainda, voltaram depois para a sala e dançaram de novo.

O pai da ofendida depôs, ut certidão à fl. 4: “apesar dos conselhos e admo-estações que ele fazia sempre a sua dita filha, para que a mesma procedesse bem e não freqüentasse festas nesta cidade, bailes etc., indo quase sempre a essas reu-niões sozinha; pois raramente comparecia a tais festas na companhia da esposa dele respondente, nunca foi acompanhada para tal fim pelo interrogado”. Era, no conceito do próprio pai, uma jovem que desprezava os conselhos no sentido de proceder bem, ia de noite, sozinha, às festas e bailes. O homem conclui: “a ofen-dida é uma moça que sabe trabalhar e dançar, não sendo amatutada e inexpe-riente, sendo esperta”. Logo, não se trata de ingênua, fácil de corromper e lograr.

Galdino de siqueira — Direito penal brasileiro, Parte Especial, p. 446, encampa estes conceitos de Viveiros de castro:

A mulher que, na linguagem vulgar se denomina seduzida, por-que o seu pudor foi vencido pelas súplicas, lágrimas, assíduas atenções, pelas blandícies do insistente apaixonado, ou, então, por impulsos de ambição, de avidez, ou devido à excitada exaltação dos sentidos, não se pode dizer seduzida no sentido jurídico.No caso, nem houve amante apaixonado; mas um quase desconhecido,

cortejador da última hora, triunfante na primeira investida.Abunda nos mesmos conceitos João Vieira de araujo — o código penal

Interpretado, Parte Especial, v. I, p. 336, apoiado em carrara.O texto vigente adveio do Código Criminal do Império. Comentando-o,

escreveu Thomaz alves — anotações ao código criminal, v. III, parte 1ª, p. 378:Esta espécie compreende: a) o defloramento; b) a cópula carnal

com violência; c) a ofensa pessoal para fins libidinosos; d) a sedução de mulher honesta.Isto foi exposto em comentário ao seguinte mandamento:

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Ministro Carlos Maximiliano

estupro — Art. 219. Deflorar mulher virgem, menor de dezessete anos. Penas — de desterro para fora da comarca em que residir a deflo-rada, por um a três anos, e de dotar esta.A lei nem falava em sedução, como faz o Código atual; entretanto, o

comentador exigia a prova da sedução e de ser mulher honesta a vítima. Com abundância maior de razão, isto tudo deve ser agora reclamado, em face de uma norma muito mais explícita.

Sobre disposição semelhante do antigo Código Português, opinou silva Ferrão — Teoria do Direito penal, v. VII, p. 229:

O legislador não admite assim aqui a sedução não fraudulenta, e conseqüentemente parece excluir todos os meios francos, diretos ou indiretos, seja de excitação ao prazer, seja de promessas de dinheiro, ou outros semelhantes de sedução, quando no emprego deles não há falsi-dade ou mentira.Ora, a moça não diz que o jovem era seu velho apaixonado, nem que lhe

prometeu casamento; só afirma que ele insistiu para irem passear, e, de saída, já se encaminharam para lugar apropriado para o prazer animal.

Faltou o engano, a fraude, a sedução verdadeira, em suma; carece de base jurídica o veredictum condenatório.

Entretanto, se prevalecer a condenação, ainda eu deferirei em parte o pedido, para reduzir a pena ao médio; pela falta de agravantes.

Na RvC 4.276/DF, julgada em 30 de novembro de 1937, debateu-se outra vez a natureza da revisão criminal, ementando-se que, quando se tratasse de ale-gada injustiça da condenação, só se concederia revisão quando a sentença fosse proferida contra a evidência dos autos. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de Revisão Criminal, advindos

da Justiça Militar e nos quais figura como impetrante José Maria Halfeld, cabo do Exército, condenado como réu de falsificação de documentos para isentar do serviço militar vários indivíduos. Alega haver confessado o delito ao capitão Miguel Sayão, forçado por este, sendo além disto, de notar ter sido a confissão feita, não perante a autoridade competente, o encarregado do inquérito policial-militar, Capitão Guterres Valle, porém a oficial que não fora investido de igual incumbência; a prova complementar é toda favorável ao impetrante.

Desapareceu máquina de escrever do S.E.R. O Capitão Cramer Ribeiro, auxiliado por dois hábeis investigadores policiais, procedia a pesquisas para descobrir o objeto referido e a causa do desaparecimento. Acharam mais do que buscavam: foram falsificadas folhas do Boletim do D.P.E., de certo com o fito de ganhar dinheiro de sorteados; os acréscimos eram os seguintes:

O Sr. Ministro manda declarar que concede isenção de serviço militar ao sorteado do 4º R.I. Amleto Santorro, filho de João Santorro etc.

O Sr. Ministro concede licenciamento aos sorteados Victorio Bisson, filho de Augusto Bisson, e Marcilio Machado, filho de Joaquim Machado etc.Levado o fato ao conhecimento do Capitão Sayão, este obteve a confis-

são plena de Halfeld (fls. 6 a 7 e 201); porém não é verdade que este haja deposto somente ante o seu chefe imediato; no inquérito policial-militar, presidido pelo

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Capitão Guterres, Halfeld renovou e completou a confissão (fls. 22 a 23 dos autos do processo criminal-militar). Alega, ainda, o impetrante que declarara ter agido de acordo com o rádio-telegrafista Manoel Vianna e o sargento Ovidio Coelho; entretanto, estes foram absolvidos. Outra inverdade: absolvidos pelo Conselho de Justiça, tiveram Acórdão do Supremo Tribunal Militar dando provimento à ape-lação do Dr. Promotor, para os condenar (fl. 199). Quanto ao peticionário, tanto o Conselho de Justiça (fl. 150) como o Supremo Tribunal Militar (fls. 196-99), o condenaram. O exame pericial, de fls. 63 a 82, evidenciou a falsificação efetuada pelo impetrante. O peticionário ainda disse a Lafayette Machado que arranjaria dinheiro falsificando papéis em proveito de sorteados (fls. 27v. a 28), tendo um faltado com a entrada de quinhentos mil réis. A testemunha Elpidio Moreira Prado explica a maneira de fazer o impetrante a falsificação dos boletins (fl. 31). Enfim, é abundante a prova da criminalidade do peticionário. Pelas razões adu-zidas, acordam os Ministros da Corte Suprema em indeferir o pedido de revisão.

Na RvC 4.285/MG, julgada em 31 de novembro de 1937, Carlos Maxi-miliano cotejou questões referentes às formalidades do júri com percepções de Medicina Legal, matéria que dominava:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Pede-se revisão com os seguintes fun-

damentos: 1º — serviu como Promotor, no julgamento, o que não o era efeti-vamente; não foi nomeado ad hoc e não prestou juramento; 2º — o Dr. Nicolau Navarro, Promotor no primeiro julgamento, serviu de advogado no segundo, sendo, pois, suspeita a defesa; 3º — não foi proposto aos jurados o quesito da legítima defesa, apesar de o réu haver declarado na Polícia que agira em legítima defesa.

A primeira alegação não merece o menor apreço; porquanto Navarro serviu como Promotor no primeiro julgamento; o réu protestou por novo júri e a sentença condenatória, ora em revisão, é a do segundo, em que funcionou o Promotor efetivo da Comarca. O próprio réu o confessa na Inicial e prova com certidão (fls. 13v. e 15v.).

Quanto à segunda alegação — de que o Dr. Navarro, Promotor no pri-meiro julgamento, serviu de advogado do réu no segundo (o que está provado) —, é preciso que se saiba constar de certidão, junta pelo próprio réu (fl. 16) que — este “se apresentou acompanhado dos seus advogados Drs. Nicolau Tolentino de Moraes Navarro e Adriano Pinto”. Como dar como suspeito advogado levado ao júri por ele próprio Peticionário?

Os advogados não propuseram o quesito da legítima defesa; preferiram o concernente ao art. 27, § 4º, do Código Penal — completa privação dos sentidos e de inteligência (certidão, junta pelo Peticionário, fl. 16v.).

Não procedem, pois, as nulidades argüidas.Argumenta, ainda, o impetrante que, tendo dado uma facada na vítima, o

instrumento cortante pouco interessou o fígado; entretanto a autopsia deu como causa mortis necrose do fígado. Pede, pois, que se baixe a pena para a do art. 295, § 1º, do Código Penal. Entretanto, não há prova alguma de que a necrose não fosse conseqüência da facada; o próprio réu confessa haver a faca atingido o fígado; segundo a certidão do laudo pericial à fl. 12 e verso apenas notaram os peritos — um processo de necrose na parte externa, em torno do orifício da entrada da faca; enfim, declararam ter tido a necrose por causa do ferimento (fls. 13).

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Ministro Carlos Maximiliano

Os peritos ligaram a necrose do fígado à facada confessada pelo réu na Inicial; não a condições personalíssimas do ofendido. Ora, a revisão só se con-cede quando a sentença foi proferida contra a evidência dos autos.

Nada demonstra que a necrose proviesse das condições do ofendido; e uma faca, sobretudo faca de desordeiro, suja, eternamente exposta na cintura ao pó e às intempéries, usada para cortar, fumo, etc. é suficiente para infeccionar um órgão delicado com é o fígado.

Eis por que ainda não aceito a última alegação; em conseqüência, inde-firo o pedido.

Na RvC 4.306/MG, julgada em 7 de dezembro de 1937, Carlos Maximi-liano enfrentou questões de nulidade e observou, inclusive, de modo cáustico, que a decisão questionada fora até benigna para com o réu:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de Revisão criminal em que é

peticionário antonio Miguel Filho: Alega o impetrante: 1º — não ter tido testemu-nhas de defesa e haver ficado sem meios de se defender; 2º — terem sido compra-das as testemunhas de acusação; 3º — confissão extorquida; 4º — testemunhas, todos, por ouvir dizer; 5º — não haver sido dada a palavra ao Réu para fazer decla-rações perante o júri; 6º — ser o peticionário vítima de horríveis perseguições. Foram requisitados os autos do processo, por ser pessoa miserável o paciente; o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 18, opinou pelo indeferimento do pedido.

Deu-se o fato delituoso da maneira seguinte: numa taverna travaram-se de razões José Valério da Costa e Sebastião Miguel, irmão do impetrante. O dono da casa pediu que se retirassem; Sebastião saiu e desafiou Valério. Este aceitou a contenda; porém mal deixou a taberna, foi agarrado por Generoso de Tal; rolaram os dois pelo chão, engalfinhados; Sebastião aproveitou o ensejo e deu uma facada na cabeça de Valério, que se levantou logo para enfrentar o novo contendor; mas recebeu de inopino dois tiros desfechados por Antonio Miguel e Octavio Borges; faleceu imediatamente. O auto de corpo de delito concluiu ter sido a morte cau-sada por projétil de arma de fogo. A exposição clara dos fatos decorre do depoi-mento das testemunhas presenciais — Manoel Amâncio Bispo (fl. 7); Casimiro Gondim, dono da taverna (fl. 11); José Luiz Queiroz (fl. 12 e outras). O peticio-nário tudo confirmou, ao ser interrogado (fl. 15). O co-réu Octavio Borges (fl. 16), embora arranjando uma legítima defesa, informa ter o peticionário matado Valério com um tiro. No sumário, além de Bispo (fl. 27), Casimiro (28) e Queiroz (fl. 30), depôs Clemente Silva (fl. 31) informando ter ouvido de Antonio Miguel e Octavio Borges terem sido eles os autores dos tiros. É de notar que as teste-munhas são visivelmente pessoas da camaradagem dos réus, e estes, segundo se depreende dos autos, lhes fizeram perguntas (fl. 27 e seguintes).

Não procedem as alegações do peticionário: 1º — Não há propriamente testemunhas de acusação; depuseram todas as pessoas presentes ao fato, e algu-mas, até, apresentam o peticionário como agindo para evitar ser esfaqueado o irmão, o covarde que feriu na cabeça um homem deitado. 2º — Nada consta sobre suborno de testemunhas; vítima e réus eram pobres; nem houve advogado de acusação. 3º — Nenhuma prova se fez de violência para arrancar confissão. O próprio peticionário, ao retratar a confissão (fl. 33), disse que a fizera para sal-var o seu irmão Sebastião; este, por sua vez, assevera (fl. 34) que Valério morreu

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Memória Jurisprudencial

dos tiros que recebeu, não da facada; silencia sobre a autoria dos tiros; não acusa, nem defende o peticionário. 4º — As testemunhas depõem de ciência própria; apenas, a maioria diz ter ouvido os tiros e vindo a saber depois ou tendo depois ouvido dizer que partiram das garruchas de Antonio e Octavio. 5º e 6º — O júri se processou regularmente, e não há nem indício de perseguições ao impetrante. O peticionário apresentou-se ao júri acompanhado de advogado (fl. 53); foi con-denado a 10 anos e 6 meses de prisão, grau sub-médio do art. 294, § 2º do Código Penal (fl. 67), tendo o advogado dos réus apelado imediatamente. O recurso foi provido, por haver contradição nas respostas do júri (fls. 74-75). Submetidos a novo julgamento, baixou a pena para 6 anos de prisão celular, pena evidentemente benigna demais para matadores tão desalmados, agressores na proporção de qua-tro contra um (fl. 95). Houve nova apelação, que não obteve provimento (112-13). Não houve nulidade alguma e a sentença definitiva foi até muito benigna. Por este motivo, acordam os Ministros da Corte Suprema em indeferir o pedido.

Na RvC 4.315/MG, julgada em 24 de outubro de 1937, Carlos Maxi-miliano discutiu informações contidas no auto de corpo de delito, em tema de construção de provas, o que fixava a natureza recursal do Supremo Tribunal Federal, à época de Getúlio Vargas:

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Alcides José dos Santos pede revi-

são do seu processo, alegando ter agido em legítima defesa, porquanto fez fogo sobre a vítima depois de agredido e ferido a facão pela mesma. O auto de corpo de delito (fl. 5 dos autos originais) só revela a existência de ferimento contuso na cabeça e escoriações no rosto do peticionário. Este, depondo à fl. 8, disse que se apresentara numa festa trazendo no pé uma espora; José Ribeiro perguntara onde a obtivera; respondera ter achado; ao que Ribeiro observou: “achou na minha casa”; por isto, o peticionário arrancou de um revólver e quis fazer fogo: até confessa ter tido o intuito de matar; porém foi impedido; afirma, então, que interveio o dono da casa, armado de facão e o agrediu, motivo pelo qual foi morto. As testemunhas José Ribeiro (fls. 16 a 25), Pedro Thomé da Silva (fls. 17 a 27), José Francisco (fls. 17v.), e José Romano da Silva (fls. 18 a 29) narram coisa diferente: quando o peticionário quis fazer fogo contra Ribeiro, Pedro Thomé procurou impedi-lo; foi atirado à distância; interveio o dono da casa, que estava fazendo um cigarro com um facão, e pediu ao impetrante que não atirasse, acrescentando não querer brigas ali; Alcides fez fogo sobre Custódio, que, só então, já ferido, lhe bateu com o facão. Esta versão está de acordo com o auto de corpo de delito, que só acusa no peticionário ferimento contuso. Não houve legítima defesa; foi justa a condenação; indefiro o pedido.

Na RvC 4.383/SP, julgada em 30 de novembro de 1937, em pequeno excerto, colhe-se debate entre Carlos Maximiliano e Bento de Faria, a propó-sito da constitucionalidade do tribunal do júri, numa das poucas vezes em que o debate relativo à constitucionalidade tomava conta do Supremo Tribunal Federal:

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a Constituição

não manteve o júri.O Sr. Ministro Bento de Faria: Não o manteve como garantia consti tucional.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Não digo que terminou com o júri;

agora, não sendo mais garantia constitucional, cada estado pode organizá-lo como quiser. Na ocasião do julgamento, porém, o júri ainda era constitucional; e a própria lei do Estado de São Paulo, que o modificou, foi posterior ao julgamento.

Nestas condições, no caso presente, voto de acordo com o Sr. Ministro Relator, mas, nos futuros, assim não acontecerá.

Na RvC 4.528/DF, julgada em 7 de novembro de 1939, Carlos Maxi-miliano indeferiu pedido, com base em informações que colhera no processo, estritamente relacionadas às provas, plasmando-se o cuidado que tomava para com a natureza fática das discussões que apreciava:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Vários guardas de armazém da Estrada

de Ferro Central do Brasil mancomunaram-se com negociante e carroceiro, para desviar café sob a sua guarda e vender na praça. Processados, foram condenados, como peculatários, cinco dos culpados. Dois deles pedem revisão do seu processo: Luiz Gonzaga da Cunha e José Ovídio de Oliveira. A causa é conhecidíssima do pretório excelso; nenhum argumento novo se apresenta; várias vezes foi julgado que se tratava de peculato e ficou provada a autoria dos ora impetrantes.

Voltam eles com as mesmas alegações: 1º — não é de peculato a espécie jurídica em apreço, por não serem funcionários públicos os guardas do arma-zém; 2º — nem de furto se trata; pois era cisco, varredura de café, destinado, pois, a ser atirado ao lixo, o que foi vendido. Quando a lei comina pena mais grave para o caso dos autos, não visa o funcionário público em sua acepção res-trita, isto é, de indivíduo que receba vencimentos mensais, seja indemissível e tenha direito a aposentadoria. O Estado confiou a certo indivíduo determinada função; ele serviu-se da mesma para pôr mão baixa nos bens do mesmo Estado, ou de estranhos, mas pelos quais o Estado é responsável. Este procedimento é mais grave do que o do furto como particular e de particular. Foi o que fizeram os solicitantes: incumbidos da guarda de armazéns, indicados para evitar que saísse irregularmente o café pelo qual era responsável a Estrada, pagos pelos cofres públicos para este mister, foram os primeiros a ensacar a rubiácea e a ven-der na praça, com o auxílio de motorista de caminhão e de comerciante. Tinham a função de guardar o café; furtaram e alienaram o que estava sob a sua guarda. Por outro lado, não colhe a desculpa de se tratar de simples varreduras. Nenhum empregado tem o direito de vender o que cai dos sacos, tais varreduras, se não reclamadas pelos donos da mercadoria, pertencem à Estrada. Na hipótese em apreço evidentemente elas foram aumentadas criminosamente e propositada-mente; pois atingiram a mais de mil quilos. Só Luiz Gonzaga entregou ao chofer de caminhão Antonio Ferreira 9 sacas de café, e José Ovídio 3. Os dois impe-trantes desviaram e venderam doze sacas de café, que estavam sob sua guarda. Merecida a condenação. Eu indefiro o pedido.

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Memória Jurisprudencial

Na RvC 4.226/DF, julgada em 12 de janeiro de 1937, relatada por Carlos Maximiliano, ementou-se que não se absolveria por legítima defesa o réu que tivera, com os seus comparsas, a possibilidade de evitar ser agredido pela vítima. No sentido do pronunciamento de Carlos Maximiliano:

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Octavio Joaquim Theodoro, vulgo

Reco-Reco, passeava no Morro de São Carlos com os seus camaradas Virgílio Sousa, vulgo Pedrinho, e Sebastião Rezende, vulgo Dedé; Virgílio convidou o marinheiro da Armada Nacional, Lourival Gonçalves, que se achava num barracão, a ir com eles beber Paraty na tendinha do Bico Doce. Ali discutiram Lourival e Sebastião, por pretender aquele voltar às relações amorosas que man-tivera com Orandiva, amante de Sebastião. Da discussão passaram aos socos. Achando-se em minoria, Lourival foi a uma casa próxima e pediu uma arma, a fim de se defender de uma dupla que lhe estavam armando (fls. 13 e 46). Negada a arma, ele muniu-se de uma enxada e voltou ao grupo; conseguiu ferir um dos adversários, Octavio Theodoro, mas foi por este morto com uma navalhada, que lhe cindiu a artéria femural. Preso o assassino, pronunciado (fl. 65v.) e condenado a 15 anos de prisão, grau médio do art. 294, § 2º, do Código Penal, pede revisão, repetindo a alegação de legítima defesa, desatendida pelo júri (fls. 129 a 130).

A folha de antecedentes do réu, à p. 35 dos autos do processo, mostra ter ele duas entradas na Casa de Detenção e condenações por ferimentos, e uma por man-ter casa de tavolagem. No Gabinete de Identificação nada consta contra a vítima, dada pelo réu e seus comparsas como desordeiro; e nos assentamentos da Marinha consta uma só prisão por briga, algumas por faltas comuns — fumar em hora proi-bida, exceder as horas de licença para sair e sair sem licença; aparecem, ao con-trário, numerosas as notas de conduta exemplar, durante anos a fio (fls. 75 e 80).

A mulher, causa da briga, narra que viu o réu preso e, como chorasse e perguntasse por que não ferira a vítima numa perna ou num braço, ele respon-dera ter agido assim para evitar que o marinheiro se vingasse depois (fls. 8v. a 9). Todas as testemunhas confirmaram que a vítima fora armar-se para poder lutar contra os três; e tanto era verdade que mais de um a atacava, que a briga era por uma rivalidade com Sebastião, e o matador Octavio Theodoro, o reco-reco. Os outros correram, e assim evitaram os golpes de enxada; ao passo que Octavio comprou a briga e rasgou a navalha a artéria do marinheiro. Feriu porque quis; podia muito bem proceder como os outros, sobretudo porque não era com ele a contenda; ele nada tinha com a mulher Orandiva, causante da tragédia. Não houve, pois, impossibilidade de evitar o mal, requisito da legítima defesa; e a sen-tença ainda foi branda, não reconhecendo agravante alguma. Indefiro o pedido.

Na RvC 4.244/DF, relatada pelo Ministro Octavio Kelly e julgada em 28 de dezembro de 1937, em discussão de embargos, ementou-se que os embargos deveriam ser rejeitados, de vez que a sentença condenatória se mostrasse con-forme com o direito e a prova. Lê-se no voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: João de Mattos ofereceu a venda e afinal vendeu por dois contos de réis um terreno pertencente a Antonio Manoel Colito, apresentando, em cartório, um terceiro como sendo Colito. Foi processado

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Ministro Carlos Maximiliano

e condenado às penas do art. 338, 5º, do Código Penal, no grau médio — 2 anos e 6 meses de prisão (sentença de fl. 177, confirmada pelo acórdão de fl. 218). Pede revisão, alegando: 1º — nulidade da instrução criminal, por não haverem deposto 3 testemunhas; 2º — nulidade do processo, por falta de citação edital; 3º — inco-erência da sentença condenatória.

O impetrante é useiro e vezeiro em tais crimes. Basta lembrar que se apresentava com deferentes nomes; hábito de desonestos; ao ser identificado, nas vezes diversas em que passou pelo Gabinete de Identificação, disse chamar-se, ora — João da Cruz Carquejo, ora João da Cruz Barbosa, ora João de Mattos (fl. 70). A perícia demonstrou a falsificação da firma de Colito; portanto o homem levado por Mattos a cartório, como sendo Colito, era outro. De fato, apresentado o verdadeiro Colito, os que assistiram à lavratura, declararam não ser o que ao car-tório comparecera para assinar a escritura. A prova testemunhal é completa; deu-se, até, uma coincidência, prejuízo do suplicante e em favor do esclarecimento da verdade: denunciado outro indivíduo na qualidade de co-réu, apresentou tes-temunhas de defesa; estas, a fls. 162 e 163, tornaram bem clara a culpabilidade de Mattos, embora exculpassem a José Ribeiro Lages. Daí resultou ficar o fato provado por mais de 5 testemunhas. Houve edital afixado nos auditórios e publi-cado pela imprensa (fls. 128 e 129). A sentença não contém incoerência nenhuma.

Pelas razões expostas, eu indefiro o pedido.

No HC 26.721/DF, julgado em 20 de abril de 1938 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se a nulidade de dois processos, nos quais fora conde-nado o paciente, Carlos Lima Câmara Júnior. A decisão dá conta da percepção pragmática que Maximiliano mantinha, no que se referia à teoria das nulidades:

RELATóRIOO paciente foi condenado em dois processos e alega que ambos estão vis-

ceralmente nulos; por isso, pede habeas corpus.No primeiro processo, uma das nulidades que alega é que, em cartório,

antes que tivesse terminado o prazo para a defesa, foi declarado que o mesmo já havia terminado; de fato, o prazo começando a 18, já a 21 o escrivão o deu por findo. Ora, isso é, no seu entender, indiscutivelmente cerceamento de defesa.

A outra nulidade é que houve falta de vista para o paciente requerer dili-gência, conforme ordena o art. 399 do Código de Processo Criminal.

Intimado para trazer testemunhas, compareceu o réu a cartório, acom-panhado do advogado, e requereu fossem intimadas algumas, que não haviam querido comparecer, o que foi deferido pelo magistrado. Todavia, decorridos dois meses, o Dr. Juiz a quo determinou fosse encerrado o processo, embora as testemunhas não tivessem sido ouvidas.

Pede o paciente sejam os autos requisitados e, ainda mais, seja ele trazido à presença deste Tribunal.

É o relatório.

VOTOQuanto aos pedidos do réu, não os atendi por achar que, em primeiro

lugar, quanto às nulidades apontadas, as certidões juntas aos autos já dizem bas-tante; e quanto a sua presença, também se me afigurou dispensável, uma vez que

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Memória Jurisprudencial

a petição vem assinada por advogado, ao qual competirá defendê-lo da tribuna, se assim julgar necessário.

Quanto às nulidades do primeiro processo, muito possível é que o escrivão, só no fim do terceiro dia, antes de cerrar o cartório, tivesse feito constar, nos autos, a terminação do prazo. Assim, não foi apresentada defesa porque não se quis; seria cerceada, se, terminando o prazo a 21, o paciente viesse com ela nesse dia.

Quanto à segunda nulidade, não tem fundamento a citação do art. 399.De fato, diz esse artigo:

Terminada a inquirição das testemunhas, as partes — primei-ramente, o Ministério Público, o queixoso ou denunciante, no prazo de dois dias, e depois, nos dois dias imediatos, o réu ou réus — requererão as diligências que quiserem.O réu tinha dois dias para requerer as diligências que quisesse; como

se vê dos autos e ele próprio diz, só depois de dois meses é que o Juiz mandou encerrar o processo. Por isso, como se nota, nulidade aí também não existe.

No segundo processo, a alegação de nulidade é a de que não foi intimado do despacho do Juiz; também isso não constitui nulidade insanável. O Código de Processo Penal declara que só são citações indispensáveis a citação do réu para se ver processar e os prazos concedidos à defesa: e a intimação do réu para a audiência ou sessão do julgamento. Daquele despacho, portanto, ainda mesmo não tendo sido intimado, não deriva qualquer nulidade; aliás, ele poderia recla-mar contra isso no curso do processo.

Por todos esses motivos, indefiro o pedido.

No HC 26.622/DF, relatado pelo Ministro Octavio Kelly e julgado em 12 de dezembro de 1937, discutiu-se também interessante questão, que tinha como pano de fundo a posse de um aparelho de rádio. O impetrante era o advogado Sobral Pinto. O voto do Ministro Carlos Maximiliano explicita o curioso pro-blema que se debatia:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o proprietário do rádio afirma que o ora paciente vendeu o aparelho a Oswaldo Cunha de acordo com ele, mas que, faltando o comprador ao pagamento, o rádio não fora devol-vido, embora o referido Oswaldo declarasse havê-lo restituído.

Depreende-se, daí, que todo o processo gira, simplesmente, em torno da palavra de Oswaldo Cunha, uma vez que não há declaração escrita dele de que devolveu o rádio não aparecendo, aliás, na causa nem como testemunha. Entretanto, afirma-se, no feito, que ele próprio fora quem fornecera documentos para garantia da dívida.

Por conseguinte, pela própria queixa dada pelo interessado, se vê que o indivíduo era, tão-somente, encarregado de vender rádios, acontecendo que vendeu a Oswaldo Cunha e este não pagou.

Não se trata, pois, de um comprador de rádio com o doloso fito de passar adiante o objeto alheio.

Da vez passada estendi-me, além disso, em outras considerações, que não vale a pena repetir.

Sugiro, apenas, uma questão que me parece muito interessante. A Cons-tituição não declara que é proibido nem que é nulo o contrato usurário, mas que ele será punido. Portanto, a usura é um crime ou uma contravenção. Pergunto

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Ministro Carlos Maximiliano

eu: adquire um indivíduo, através de um crime ou de uma contravenção por ele praticada, direito para, pelo mesmo fato, processar um terceiro? É possível, comparativamente, que um indivíduo que quis matar outro o processe, depois, como ladrão de revolver porque este, no momento, lhe arrebatou a arma? A hipótese é mais ou menos análoga. O indivíduo — por isso que a usura se con-sidera um furto e é punida — queria roubar o dinheiro alheio e, na ocasião em que ia fazê-lo, foi roubado.

É mais uma tese que levanto e que se liga a este fato, que aduzi, da pró-pria queixa declarar, até, o nome do terceiro comprador.

Por todos esses motivos, mantenho o meu voto anterior, concedendo a ordem.

O problema parece que voltou a ser discutido, em suas linhas gerais, no HC 26.722/DF, relatado pelo Ministro Armando de Alencar e julgado em 20 de abril de 1938, quando se discutiu crime de apropriação indébita, relativo a posse de rádio que não fora restituído pelo réu. Carlos Maximiliano concedeu a ordem, forte no fato de que não haveria crime, porquanto o objeto fora vendido pelo réu com o acordo do dono:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o que constitui

crime não é receber o rádio, nem deixar de o restituir; se o paciente não restitu-ísse o rádio — e aí mesmo está previsto, no contrato segundo vi na outra vez — sofreria, apenas, ação possessória.

O crime consiste, pois, em vender o rádio.Ora, o que constitui o crime de apropriação de indébita ou furto é apos-

sar-se alguém de objeto contra a vontade do dono.No caso, porém, o paciente vendeu o rádio de acordo com o dono; logo,

não existe crime. Não pode ser o fato de um vendedor, na praça, vender esses apa-relhos com ordem do patrão, o que era sua função, até o seu dever, remunerado.

Não sendo, pois, crime o fato que é imputado ao paciente, concedo a ordem.É o meu voto.

Em voto minimalista, confeccionado para o HC 26.731/DF, julgado em 20 de abril de 1938, relatado por ele mesmo, Carlos Maximiliano, tem-se a dimensão fática e pragmática de sua atuação no Supremo Tribunal Federal. Dis-cutia-se o fato de que o réu ferira um desafeto, mediante o uso de uma navalha:

RELATóRIOO paciente, condenado por ter ferido um desafeto a navalha, foi preso em

flagrante e confessou o crime.Não junta documento algum; a respeito desses fatos só há o que está na

petição.Como fundamento do habeas corpus, diz que a única base para que fosse

condenado constitui na sua confissão e esta é prova de pouco valor e, até, inva-lidada. Sobre isso, aliás, desenvolve vastíssima literatura.

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Memória Jurisprudencial

VOTOÉ evidente que semelhante habeas corpus não poderia ser concedido. As

alegações são precaríssimas. Indefiro o pedido.

No HC 26.302/PR, relatado por Ataulpho de Paiva e julgado em 4 de julho de 1937, discutiu-se novo arbitramento de fiança, matéria que também era deduzida em recurso criminal. Carlos Maximiliano percebeu matéria de fato que não poderia ser deduzida em habeas corpus:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, vejo, pela, expo-

sição do Sr. Ministro Relator e pela do ilustre advogado, que: em primeiro lugar, há um recurso exatamente sobre o mesmo assunto; em segundo lugar, o impe-trante alega ter sido a fiança arbitrada muito alto, relativamente ao objeto do crime. Há, pois, uma matéria de fato que não se adapta ao processo de habeas corpus. Além disso, já existe um recurso neste sentido. Concordo, assim, com o Sr. Ministro Relator.

No HC 26.313/DF, relatado por Carlos Maximiliano, estava em disputa a possibilidade de pronunciar um menor que cometera crime sob influência de maior. Como este confessou o crime, e também porque se tratava de insurgência contra ato de juiz de direito — o que retirava a natureza originária do remédio —, Maximiliano não conheceu do pedido, no que foi por unanimidade seguido:

RELATóRIOO caso é muito simples. Alega-se que um menor cometeu um crime de

roubo, influenciado por um maior, que confessou perante o juiz.É o relatório.

VOTOAssim sendo, não devia ter sido processado e condenado, de vez que o

autor confessou o delito. Não tomo conhecimento do pedido por ser originário, quanto se trata de ato de Juiz de Direito.

No RHC 27.696/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 26 de dezembro de 1940, decidiu-se que o lapso prescricional de crime seria contado de acordo com a pena prevista na denúncia, e não conforme a fixada na condenação:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus, em que é recorrente achiles Masetti e recorrido o Tribunal de segurança Nacional: o recorrente, baseado evidentemente na teoria da prescrição da pena concreta, pediu habeas corpus ao Tribunal de Segurança, de cuja sentença des-favorável recorreu. Com efeito, Masetti e outros assinaram um compromisso de honra, pelo qual se obrigavam reciprocamente a forçar alta de preços de mate-rial e instrumental de Odontologia; por isto, foram processados e condenados como incursos na sanção do art. 3º, n. I, do Decreto-Lei 869, de 18 de novembro

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Ministro Carlos Maximiliano

de 1938, grau mínimo, isto é, 6 meses de prisão (o máximo é de 2 anos). o com-promisso de honra, base da denúncia, foi assinado em 26 de janeiro de 1939 e a denúncia apareceu em juízo em 20 de maio de 1940, mais de um ano depois. Em primeiro lugar, cumpre salientar que, depois de subscrito o compromisso de honra, o recorrente promoveu a expulsão do Sindicato de Negociantes de Materiais de Odontologia, da firma Freitas & assunção, por haver vendido artigos dentários por preço inferior ao combinado, e logrou o seu intento; logo, prosseguiu na senda criminosa. Demais, a denúncia, de fl. 23, apenas declara os acusados como incursos nas penas do art. 3º, n. I, do Decreto-Lei 869; não fala em máximo, nem em mínimo. A primeira sentença teve a data de 19 de agosto de 1940, e a última, confirmatória da anterior, a de 1º de outubro (há dois meses); logo, não estava, nem está prescrito o crime, muito menos a condenação. Por este motivo, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença denegatória de habeas corpus preventivo.

No mesmo processo, Carlos Maximiliano proferiu antecipação ao voto escrito, no qual apreciou a questão da prescrição:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, parecia-me, pela leitura do processo, que o ponto nuclear da questão era a prescrição do crime. Entretanto, o ilustre advogado abandonou, quase completamente, essa questão, para insistir em duas outras.

A primeira é que, no libelo, o promotor não argüiu circunstâncias agra-vantes. Com a devida vênia, é a primeira vez que vejo advogado reclamar sobre semelhante coisa. O promotor, na verdade, não achou agravantes e, por isso, não as argüiu, a conseqüência sendo favorável para o réu, que foi condenado no mínimo. Se o promotor não tivesse feito assim, teria piorado a situação do réu. Este argumento, pois, não procede, queixando-se o advogado, como se vê, de não ter havido agravante contra o seu constituinte.

A segunda alegação é que não poderia ter havido trust de, apenas, três pessoas. Todavia, diz-se que o trust foi de vinte e tantos, de, talvez, todos os negociantes do artigo no Rio e em São Paulo. Como, muitas vezes, acontece, por descuido ou erro, na Polícia, só foram processados três, dos quais dois foram condenados e um absolvido. O argumento também não procede. A combinação, se é criminosa, pode ser de duas, quatro, duzentas pessoas, etc. O crime é o mesmo, o crime está em conluiarem-se vários indivíduos para forçar a alta dos preços. Como foram vinte, podiam ter sido dois, apenas. Vou, agora, examinar a questão que me parece principal e que, realmente, é interessante: a prescrição fixado o lapso pela pena concreta.

De acordo com a legislação então vigente, tinha-se como inafiançável o crime de furto. E porque o crime de apropriação indébita estava inserido na lista dos crimes de furto, não se previa a fiança para os aludidos crimes. É o tema do HC 27.774/DF, relatado pelo Ministro Armando de Alencar, em substituição ao Ministro José Linhares, e julgado em 7 de maio de 1941. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

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Memória Jurisprudencial

Senhor Presidente, a Lei 628, de 1899, declarou serem inafiançáveis os crimes de furto e o Tribunal local considerou estar a apropriação indébita inclu-ída entre os furtos; não podendo, por conseguinte, os pacientes prestar fiança.

Entretanto, as leis gerais se devem entender restritamente. Assim, se os pacientes forem denunciados como incursos no art. 331, que trata da apropriação indébita, especialmente; e se aquela lei geral diz respeito a furtos, de que trata o art. 330 — penso que, sendo ela interpretada taxativamente, deve ser admitido que aos pacientes dêem fiança.

No HC 27.651/RS, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 13 de novembro de 1940, decidiu-se que o crime de defloramento seria de ação pri-vada; portanto, em regra, a parte ofendida poderia apelar, sozinha, da sentença absolutória:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é

paciente Marceli costa da conceição: Este indivíduo deflorou a sua noiva, pes-soa menor e pobre; processado, foi absolvido; apelou a ofendida; o Tribunal de Apelação deu provimento ao recurso, para condenar o acusado, no grau mínimo do art. 267 da Consolidação das Leis Penais. O réu pede habeas corpus preven-tivo, alegando que se trata de caso de ação pública e o promotor não recorreu.

A hipótese não é tão simples como se afigura ao impetrante, nem é abso-lutamente igual a outras decididas pelo Supremo Tribunal. Em regra, o crime de defloramento é de ação privada; portanto, a ofendida pode recorrer, sozinha, isto é, sem a colaboração do Ministério Público. De fato, este deu a denúncia, e o acórdão se refere à apelação da assistente; porém, não se prova não ter o pro-motor apelado também; demais, é duvidoso, se em caso que em regra é de ação privada, só porque a denúncia foi dada pelo Promotor, perdeu a ofendida o direito de recorrer. A mais elementar prudência aconselha a se não inutilizar um acórdão com semelhantes fundamentos, e em simples processo de habeas corpus. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido, sobretudo em não se achando preso o suplicante: quando a lei obriga o Ministério Público a substi-tuir, na ação penal, a intervenção de progenitor miserável, o fim da lei é proteger, não pode tornar-se pior a posição da menor destituída de haveres patrimoniais.

No RHC 26.890/SP, relatado pelo próprio Carlos Maximiliano e jul-gado em 4 de outubro de 1938, discutiu-se matéria penal em sentido estrito. Ementou-se que o fato de haver sido desclassificado o crime de um réu não conferiria ao co-réu o direito a igual desclassificação, independentemente de julgamento. Observe-se na decisão a concisão e o minimalismo do Relator:

RELATóRIOSenhor Presidente, o caso pode ser assim resumido: José Picchi e José

Caputo, empregados na mesma Companhia, serviram-se dos respectivos cargos para prejudicar a terceiros e foram pronunciados como autores de um estelionato. Começado o processo, o ora recorrente fugiu e o outro, apresentando-se à prisão, recorreu do despacho de pronúncia, conseguindo a desclassificação do delito.

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Ministro Carlos Maximiliano

José Picchi, que nunca se apresentou à prisão, nem recorreu de despacho de pronúncia, aproveitando-se desse provimento ao recurso do outro réu, pediu habeas corpus para também lucrar com a desclassificação do delito.

O Tribunal de Apelação de São Paulo, em câmaras conjuntas criminais, negou a ordem, recorrendo, então, o paciente para este Supremo Tribunal.

Vê-se, por conseguinte, que o pedido se baseia, apenas, no fato de ter sido o crime do co-réu desclassificado, julgando o recorrente que o do outro também o deve ser, independentemente dos recursos legais. Não está, porém, o ora recor-rente preso, de vez que nem se apresentou para esse fim.

É o seguinte o teor do despacho de pronúncia, constante à fl. 4 do pro-cesso: (Lê.)

Recorreu José Caputo desse despacho, obtendo acórdão favorável, nestes termos: (Lê fls. 5/6.)

Vê-se, pois, que, para decidir o recurso de José Caputo, entrou a aludida 1ª Câmara no exame das provas oferecidas. Nada disto, porém, foi feito em relação ao ora recorrente, que, no entanto, pediu habeas corpus, baseado no dito acórdão. Antes de julgar esse habeas corpus, o Presidente do Tribunal de Apelação pediu informações ao Juízo de Direito da 5ª Vara e elas foram presta-das pelo ofício de fl. 10. (Lê.)

O Procurador-Geral do Estado que, em São Paulo, tem vista dos proces-sos de habeas corpus, deu este parecer: (Lê fls. 14/15.)

De posse dessas informações e tendo em consideração o parecer do Procurador-Geral do Estado, decidiu o Tribunal de Apelação:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus nº 765, da capital, em que o Dr. Otto de Fretas Backheuser, impetrante, e José Picchi, paciente, acordam, em câmaras conjuntas criminais do Tribunal de Apelação, por votação unânime, denegar a ordem impetrada, em vista das informações do Juiz (fl. 10) e os fundamentos do parecer de fls. 14 e 15, que adotam. Custas pelo impetrante.É o relatório.

VOTONego provimento ao recurso, porque o paciente tem outros meios e este

não é cabível na espécie.

No HC 27.371/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 6 de dezembro de 1939, decidiu-se que não haveria nulidade do processo pelo fato de não se ter corrigido a classificação do crime dada na denúncia; o auto do corpo de delito direto não seria essencial para a condenação do autor em lesão corporal:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é paciente argentino da Trindade: Alega o impetrante haver sido condenado, em primeira e segunda instância, em processo nulo, porque, denunciado como incurso na sanção do art. 306 da consolidação das Leis penais, foi retificada a denúncia, para o considerar atingido pelo art. 303; demais, faltou o corpo de delito direto, por não ter sido encontrada a vítima, para se proceder ao exame pericial. Provou o alegado, com certidões das sentenças condenatórias. O paciente trazia na mão uma navalha, com a qual feriu na orelha e no pescoço Aluízio Brauna; tentou fugir em seguida, sendo preso em flagrante; defendeu-se, alegando as

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mesmas nulidades ora apontadas, que se não verificam; porquanto foi, antes de se iniciar o sumário, corrigido o engano do Promotor; o réu já se defendeu como incurso na sanção do art. 303; e o corpo de delito direto não é indispensável. Por estes motivos, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

No HC 27.465/PE, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 17 de abril de 1940, entendeu-se que dois furtos perpetrados em meses diferentes não constituiriam crimes continuados:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus originário,

em que é paciente oswaldo Lira da silva ramos: O indivíduo conhecido pela alcunha “Pé de Gancho”, no mês de setembro de 1938, subtraiu de um cami-nhão estacionado em uma rua do Recife uma caixa de sardinhas e vendeu por preço ínfimo ao comerciante oswaldo Lira da silva ramos; pelo que foram os dois denunciados em 3 de dezembro, como incursos na sanção do art. 330, § 2º, da Consolidação das Leis Penais, o primeiro como autor, o segundo como cúmplice de furto. Em agosto do mesmo ano, já o mesmo Pé de Gancho fur-tara de uma carrocinha de mão, que estava parada na rua Duque de Caxias, uma caixa com 55 dúzias de sabonete Limol, avaliada por 558$, e vendeu ao mesmo oswaldo ramos por 70$000; pelo que foram os dois denunciados em 15 de dezembro, o primeiro como autor, o segundo como cúmplice do furto. No primeiro caso, a vítima foi a firma Lopes Araújo & Cia.; no segundo, Costa Rego Junior. Condenados os dois delinqüentes, oswaldo obteve sursis, por ser criminoso primário. Requereu depois unificação das penas, o que o Tribunal de Apelação indeferiu, de acordo com o parecer do Procurador-Geral; embargado o acórdão, foram desprezados os embargos. Então, oswaldo ramos impetrou habeas corpus originário ao Supremo Tribunal, documentando com certidões os fatos narrados acima. Não se trata de crime continuado, porém de dois furtos cometidos em épocas diferentes, tendo o último dado margem à descoberta do anterior; não se pode dizer que houve uma só intenção: ao ver uma carrocinha desprotegida, o delinqüente furtou a caixa de sabonetes; um mês depois, ao se lhe deparar um caminhão nas mesmas condições, arrematou as sardinhas; o comprador foi o mesmo; nada, porém, se demonstra quanto à unidade da inten-ção; antes, o que parece certo, é que, por ter achado comprador na primeira vez, o gatuno voltou a oferecer-lhe o produto do furto. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido.

No RHC 27.566/DF, relatado pelo Ministro Carvalho Mourão e julgado em 3 de julho de 1940, discutiu-se interessante caso de extorsão. O réu, agente comercial, encarregado pelas casas comerciais de fiscalizar e eventualmente denunciar irregularidades, teria exigido dinheiro de um comerciante, em rela-ção ao qual constatara problemas, em troca de não levar adiante a denúncia, inclusive comprometendo-se a não relatar os fatos às autoridades policiais. Foi preso em flagrante, ao receber os valores, pelo que se defendeu alegando que se tratava de uma cilada. Insistia que não havia cometido crime de extorsão. Colhe-se do voto do Ministro Carlos Maximiliano:

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Ministro Carlos Maximiliano

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, também julgo irrespondíveis os argumentos expendidos pelo eminente Sr. Ministro Carvalho Mourão. Permitam-me, porém, V. Exa. acrescentar mais um.

Não se trata, na hipótese, de funcionário público, de fiscal que ganhe dos cofres públicos; porém de agente comercial, encarregado pelas casas comerciais de descobrir e denunciar os abusos praticados comumente na venda de mercado-rias. Todo seu interesse estava em servir seus clientes. Ora, esse homem ganha das casas comerciais de acordo com a sua esperteza, habilidade e seriedade. Esse o seu mister, o seu meio de vida, a sua profissão. Teria em vista lucros enormes, porquanto o denunciante participa das multas oriundas dos referidos abusos por ele descobertos e denunciados. Assim, não me parece haver crime, pois é evidente que isto foi arranjado pelo comerciante denunciado, para se vingar da denúncia.

O argumento principal, para mim, é, pois, ao lado destes do Sr. Ministro Carvalho Mourão, o da inverossimilhança da denúncia. Pois então indivíduo, que não conhece bem o outro, que é, naturalmente, até inimigo dele, ou o tem por inimigo, porque este foi por ele denunciado, fez negócio duvidoso, perigoso, que não pode, amanhã, ter cumprimento, e vai contratar por 4 contos de réis para só receber 100$00: Poderia fazer o abatimento, mas nunca receber 100$00 por 4 contos de réis e deixar o comerciante completamente livre.

O Sr. Ministro José Linhares (Relator): Era o começo do negócio.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Isso é inverossímil e essa inverossi-

milhança mostra que a denúncia nada vale.O Promotor foi evidentemente iludido. Teve excesso de boa fé ou excesso

de vontade de processar.Por esse motivo e, mais, pelos já expendidos pelo ilustre Ministro

Carvalho Mourão, concedo a ordem de habeas corpus, dando provimento ao recurso.

No RHC 27.775/DF, relatado pelo Ministro Cunha Mello e julgado em 9 de abril de 1941, ementou-se, no que se referia ao crime consistente em falsifi-cação de documento público, que seria diferente na legislação a correspondente pena repressiva, segundo se tratasse ou não de funcionário ou oficial público. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, evidentemente o

erro na interpretação desse dispositivo partiu da Consolidação das Leis Penais que reuniu num só artigo e diferentes parágrafos dois artigos de lei, considerando, assim, § 3º do art. 23 o que, na realidade, era art. 24. A lei tinha dois dispositivos diferentes: o art. 23 é para o funcionário público, e o 24 para o não funcionário.

Pela interpretação que disso resultaria, teríamos o seguinte absurdo: o particular que se serve do documento, sem falsificá-lo, é condenado à pena inte-gral, ao passo que o mesmo particular, que, além de utilizar-se do documento, também o falsifica — o que é muito mais grave do que dele apenas se servir, porque nesse caso pode não haver nenhum dolo — teria a pena reduzida de um terço, interpretação essa que desde logo se evidencia como radicalmente absurda.

O delinqüente não funcionário sofre a pena de quatro anos, que está prescrita.

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Memória Jurisprudencial

No caso de não haver crime ou o no caso de se tratar de crime prescrito, é evidente o constrangimento por que passa a paciente, mormente por se tratar de uma mulher.

Demais, o crime é inafiançável: portanto, se a ação penal prossegue, a paciente poderá ser presa, isto é, ser privada de liberdade em virtude de um crime que não existe mais. Bastava, aliás, o processo, para existir o constrangi-mento, já agora injustificável.

Pelos motivos expostos, dou provimento para conceder a ordem de habeas corpus.

No HC 27.812/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 7 de maio de 1941, ementou-se que a usura constituiria prática delituosa, ainda que fosse disfarçada sob a aparência de compra e venda:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é recorrente Manoel Rodrigues Segundo e recorrido o Tribunal de Segurança Nacional:

O recorrente foi processado e condenado pelo Tribunal de Segurança; porque, na qualidade de proprietário da Tinturaria Aliança, recebia roupas a título de beneficiamento ou compra, mas de fato constituíam penhor de emprés-timos a juros, que oscilavam entre 20% e 30% ao mês. Pediu habeas corpus, alegando que o fato exarado na denúncia não constitui crime, e foram absolvidos dois co-réus, apontados como intermediários nos negócios usuários (fls. 3 e 11). Negado o habeas corpus, recorreu.

A absolvição dos co-réus somente prova que eles não foram intermediá-rios; este papel não é essencial ao delito, e poderia ter sido exercido por outrem, o fato, tal como está narrado na denúncia, que, no Tribunal de Segurança, é substituída pela classificação do crime pelo Ministério Público, constitui crime, assim definido no art. 4º, letra a, do Decreto-Lei 869, de 18-11-1938:

Constitui crime da mesma natureza (contra a economia popular) a usura pecuniária ou real, assim se considerando: a) — cobrar juros supe-riores à taxa permitida por lei.Alega o impetrante ter mostrado serem lícitas e reais as transações feitas,

como provou; matéria de prova não se examina em habeas corpus concernentes a condenação; julga-se pelos termos da denúncia e da sentença.

O disfarce do empréstimo sob a capa de compra e venda não ilide a pena-lidade. Pelos motivos expostos, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso de habeas corpus.

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Ministro Carlos Maximiliano

6. DIREITO TRIBUTáRIO

Carlos Maximiliano relatou vários processos em tema de Direito Tributário, especialmente em seus aspectos processuais. A linha assumida indica posição segura, equilibrada, que não qualifica leitura fiscalista ou exage-radamente liberal.

Entre outros temas, fixou-se, à época, a competência do Ministério Público para a condução das execuções fiscais. Assuntos recentemente retoma-dos, a exemplo da questão da intimação pessoal do representante da Fazenda Pública, também marcaram a passagem de Carlos Maximiliano pelo Supremo Tribunal Federal.

Leitura das pautas de julgamento indica animadas discussões em torno do cumprimento de obrigações tributárias acessórias, de legislação aduaneira, de taxa de ocupação de terrenos de marinha, da presunção da certidão de dívida ativa, de citação do contribuinte por via postal, de bitributação internacional, de regimes de isenção de imposto de renda, de federalismo fiscal, da situação tributária de usineiros, da competência do Ministro da Fazenda, de problemas de execução de multas fiscais, da responsabilidade tributária entre marido e mulher, bem como de problemas de prescrição e de decadência, entre tantos outros temas, em seguida tratados.

Os julgados que seguem, em tema de Direito Tributário, decorrem, especialmente, de discussões travadas em agravos, nas quais fica evidente a presença de Carlos Maximiliano na condução das conclusões do Tribunal, nos casos que relatou.

No entanto, antes, e com o objetivo de clarificar a percepção que Carlos Maximiliano tinha das questões fiscais, segue reprodução de alguns de seus comentários à Constituição, no que se refere a matéria tributária:

A prosperidade de uma região aproveita a todos os que ali têm interes-ses; portanto, é justo que contribuam para ela. Entretanto, por isso mesmo que o imposto é em sacrifício exigido pelo poder público em prol da coletividade, não parece justo dispendê-lo em benefício exclusivo de particulares. Pode-se graduá-lo ou suprimi-lo com intuito de animação, para desenvolver a agricul-tura e promover o surto de novas indústrias, ou o aperfeiçoamento das antigas, quer extrativistas, quer manufatureiras; porque de melhorias tais resultam bene-fícios para todos. Não seria lícito, ao contrário, que os poderes públicos auxi-liassem com dinheiro, endosso de empréstimo ou emissão de títulos, o início ou o aumento de fábricas, ou quaisquer outros negócios ou associações particu-lares, embora com o intuito de obter que se fixassem no Estado, ou Município. Toleram-se as concessões e favores em termos gerais, aproveitando a todos os que estejam em condições idênticas; porém não as explícita ou implicitamente reservadas a determinados indivíduos ou sociedades. A jurisprudência norte-americana muito corretamente fulminou todos esses abusos, e condenou até o auxílio direto a igrejas ou a escolas de freqüência gratuita, por serem estas

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pertencentes aos apologistas de uma seita e destinadas à instrução religiosa, à propaganda de uma crença por meio do livro.

Além do fim social, do benefício da comunidade, deve o imposto satisfazer outro requisito: o da igualdade. Vários autores confundem os dois; reúnem em um só; porque em sua amplitude o segundo abrange o primeiro: com favorecer o particular, sociedade ou seita, o poder público abandona o propósito de colimar o benefício geral, o interesse de todos; auxilia ao só indivíduo, ou grupo; concede a um o que nega aos outros; contravém o princípio da igualdade perante a lei.

O art. 141, § 1º, da Constituição aplica-se a todos os assuntos governamen-tais, a todos os atos de autoridade, rege também o lançamento de impostos. “A igualdade no tributar, com ser máxima de política, significa igualdade de sacrifí-cio”. Não se imponham a indivíduo, classe social ou pessoa jurídica, ônus, encargos ou penas de que outros fiquem aliviados, ou isentos, em circunstâncias idênticas.

De fato, o poder de tributar externa-se por meio de regras fixas e pre-cisas, aplicadas imparcialmente; jamais será exercido de modo arbitrário, e, sim, de acordo com princípios estabelecidos de relativa justiça, que amparam o contribuinte contra exações odiosas e excepcionais. O preceito fundamental de taxação não impede que se distribuam os artigos em classe; porém exige que todos os indivíduos possuidores ou adquirentes de determinada classe, ou colocados em certa condição prevista em lei fiscal, paguem o mesmo imposto.

Portanto se não aplica em sentido absoluto a máxima de Economia Política transplantada para os domínios do Direito Público. Há justiça na distribuição dos encargos, igualdade quanto às pessoas; não quanto às coisas tributáveis, ao critério no organizar a pauta e ao objetivo colimado pelas elevações, reduções ou isenções de impostos. Fica à discrição do Poder Legislativo determinar com que fim, em que tempo, de que maneira e sobre que objeto será cobrada a contribui-ção obrigatória para as despesas do Estado. Daí advém o direito de instituir taxas proibitivas de importações prejudiciais, bem como as de animação, destinadas a promover o surto ou o desenvolvimento de indústria manufatureira ou processo agrícola. Também seria lícito isentar de imposto os bens ou a renda de certas classes de instituições, como bibliotecas, igrejas, associações de caridade, desde que o benefício não seja nominal, e, sim, destinado a todas as que se acharem ou fundarem nas mesmas condições ou para o mesmo fim.

Sem infringir o preceito constitucional, variam os encargos fiscais con-forme as profissões e espécies de comércio ou indústria; os artigos fabricados, adquiridos ou expostos à venda; o capital ou os lucros do negócio, o grau de parentesco entre o defunto e o herdeiro ou legatário. É essencial, entretanto, que se não eleve, baixe, institua ou dispense o imposto de modo arbitrário, opressivo ou caprichoso, nem com atender a diferenças de raça, nacionalidade, religião, opiniões políticas ou filosóficas.

O princípio da igualdade não só não exclui o imposto variável conforme a renda do indivíduo, corporação ou propriedade; como também exige que se guarde aquela eqüitativa proporcionalidade entre os proventos do contribuinte e os encargos fiscais. Dos quatro cânones célebres e clássicos de Adam Smith, os autores consideram como destinado a assegurar a igualdade justamente o primeiro assim concebido: “Para as despesas do Governo devem contribuir os súditos de cada Estado relativamente, quanto possível, às suas faculdades res-pectivas, isto é, cada um na proporção da renda que desfruta sob a proteção do Estado”. É, portanto, constitucional o imposto progressivo.

Dentre os tributos proibitivos já foram assinaladas as modalidades compatíveis com o estatuto fundamental: a que embaraça a manufatura ou a

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Ministro Carlos Maximiliano

importação de artigos determinados, com o objetivo de combater a intempe-rança, o vício e, em geral, o uso, embora moderado, de coisas prejudiciais à saúde ou aos bons costumes; bem como a que promove o surto ou a expansão de uma indústria, processo agrícola, ou sistema de criação ou aperfeiçoamento de raças de animais. Contrariam, entretanto, as disposições do art. 141, § 1º, § 14 e § 16, os impostos que evidentemente proíbem, embora de modo indireto, uma indús-tria ou profissão lícita, criam restrições arbitrárias ao direito de propriedade, embaraçam a atividade útil, ou pelo menos legal, de um em proveito de outrem.

Violam o princípio da igualdade as leis fiscais que estabelecem a dife-rença entre brasileiros residentes e os não residentes no país, Estado, Município, distrito ou paróquia; bem como as que entre os habitantes de uma circunscrição distribuem os encargos conforme a nacionalidade, raça ou cor. Todos os brasi-leiros, onde quer que se achem, são iguais perante as leis federais ou locais do seu país; o alienígena residente em qualquer circunscrição administrativa con-tribui para as despesas públicas em proporção igual à observada relativamente aos nacionais. A regra liberal tanto aproveita aos indivíduos, como às empresas ou corporações: também quanto a estas não indagará o fisco se têm sede dentro ou fora do País, Estado ou Município; se empregam somente europeus ou admi-tem a colaboração de brasileiros.

Nos Estados Unidos não é lícito estabelecer diferença quanto aos encar-gos fiscais, entre os que moram dentro e os que vivem fora de uma cidade, entre Municípios e estranhos, entre os habitantes do Estado e os de outros membros da federação. Assim também se interpreta o código básico do Brasil.

Pode-se, entretanto, na pátria de Washington, onerar mais o estrangeiro; criar até, para ele só, o imposto de licença para comerciar no país. É mais liberal o estatuto sul-americano: equipara o nacional ao alienígena residente no país. Qualquer empresa de indústria, agricultura ou divertimentos, um banco ou casa comercial que tenha a matriz no Velho Mundo, pagará só as contribuições exi-gidas de institutos congêneres pertencentes aos que nasceram no território da República. A regra é geral: aplica-se à União, Estados e Municípios.

Não se exagere, entretanto, o preceito constitucional: o indivíduo ou firma social que se não estabelece também no Brasil, isto é, o estrangeiro resi-dente no exterior não goza das garantias asseguradas pelo art. 141; pode sobre ele recair ônus mais forte, e até proibitivo: p. ex., é lícito tributar os produtos da sua indústria em benefício dos fabricantes nacionais; bem como exigir mais alto imposto de transmissão causa mortis, se o de cujus vivera e morrera no País e o herdeiro ou legatário se encontra em Portugal.

O poder de exigir dinheiro dos particulares para as despesas com os serviços públicos está sujeito, em toda parte, ao que em Economia e Direito se denomina limitação territorial. Dentro da jurisdição do Governo que lançou o imposto, deve achar-se a pessoa, a propriedade ou o valor tributado. Os que ali não vivem, nem possuem bens, não gozam de proteção alguma das autoridades federais ou locais, e, portanto, não podem ser compelidos a concorrer para a manutenção das mesmas.

Não é necessário que o indivíduo habite o País, Estado ou Município e ali possua propriedade. Para ser tributado, basta que se verifique um só dos requi-sitos: ou resida, somente, ou tenha ali algum imóvel, ou apenas valores móveis. Pode o imposto recair sobre o crédito hipotecário ou qualquer soma devida pelo habitante ao não residente; bem como o capital e o juro de títulos possuídos por aquele, embora de empresa ou governo estranho.

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Memória Jurisprudencial

Excluem-se da tributação os bens e as pessoas em trânsito, as que não têm domicílio, estabelecimento, escritório, situs, na circunscrição, e quando muito por ali se encontram de passagem.

O imposto é cobrado dentro da jurisdição do poder que o instituiu, salva a hipótese de um convênio com autoridades do exterior para arrecadar no terri-tório destas as contribuições lançadas na zona tributária de outra.

Interpretam-se estritamente as limitações gerais do direito de tributar, bem como as isenções particulares. Em regra, a prerrogativa governamental de exigir contribuições para as despesas públicas é exercida de modo geral e absoluto, estende-se ao conjunto das pessoas e bens, dentro da jurisdição do poder que decreta o ônus; todas as presunções militam a favor do uso efetivo da faculdade ilimitada de tributar. As exceções devem ser expressas em lei, e com a maior clareza; da isenção ou redução de um imposto não se deduz a de outro, embora de semelhante incidência.

Quando as isenções de impostos são dadas de um modo geral, como um benefício ou medida de previsão ou prudência, podem ser em qualquer tempo revogadas. O mesmo não acontece quando outorgadas com o caráter de per-petuidade, ou a prazo fixo e com aspecto contratual, isto é, se a lei exige do beneficiado esforço dispendioso, obra cara, imobilização de capitais próprios ou tomados a juros; os favores prometidos constituem em tais casos um direito adquirido. Se nas circunstâncias enunciadas houvesse possibilidade, juridica-mente irremediável, de cessar de plano o benefício pelo restabelecimento par-cial ou total de ônus fiscais, quem ousaria arriscar o seu futuro financeiro com empreender a tarefa colimada pelos poderes públicos ao acenarem aos esforça-dos com o engodo da isenção de tributos?

(...)Embora verdadeiro o princípio que torna o poder de criar impostos exclu-

sivo e inalienável, não deve aplicar-se com excessivo rigor. O Congresso legisla em termos gerais. A própria atividade habitual do Executivo torna-o mais apto para conhecer a infinita variedade de interesses do Estado e de negócios e ocupa-ções particulares; bem como para avaliar qual a melhor, mais equitativa e menos penosa incidência do tributo, de acordo com o espírito da lei fiscal e dentro dos limites por ela demarcados. As Câmaras traçam a regra ampla; jamais descem a minúcias com o intuito de fixar todas as particularidades da arrecadação, indi-car a soma precisa exigível de cada indivíduo ou correspondente a cada unidade tributável. Indicado em lei, com elastério relativo, o quantum (às vezes máximo e mínimo, apenas), a incidência, a época e o modo de cobrar, confia-se o mais ao critério discricionário do Executivo, quer ao aplicar diretamente os textos, quer no exercício da sua prerrogativa de regulamentar os atos do Congresso85

(...)Merece especial reparo a dissimulação de um imposto proibido, sob a

capa de tributo diverso. Raras vezes violam um preceito fiscal, de frente; o infra-tor tergiversa, torce o texto, tenta iludir a letra, sofisma o espírito e, em último caso, falsifica o rótulo, disfarça o contrabando que pretende introduzir pelas fronteiras do Direito. Pululam os exemplos de semelhante fraude, planejada até mesmo pelos próprios responsáveis pela observância de disposições ordinárias e estatutos básicos86. (...)

85 MAxIMILIANO, Carlos. comentários à constituição brasileira. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954. v. I, p. 268 et seq.86 MAxIMILIANO, Carlos. op. cit., p. 335.

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Ministro Carlos Maximiliano

Observe-se, em seguida, como tais idéias, relativas ao Direito Tributário, eram implementadas. Por exemplo, no RE 2.824/SP, julgado em 27 de dezem-bro de 1939, relatado pelo Ministro José Linhares e que tinha como partes uma sociedade imobiliária e a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, discutiram-se também embargos opostos ao acórdão. Por maioria, os embargos foram rejeitados. Cuidava-se, na origem, de uma execução fiscal, na qual se discutia a prestabilidade de cobrança de imposto, não previsto em lei. No pano de fundo discussão recorrente à época, no sentido de se definir se a versão de bens pelo sócio para a formação de capital social importava (ou não) em transmissão da propriedade, o que justificaria, objetivamente, a tributação. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: José Martinelli e outros condôminos do prédio Martinelli constituíram uma sociedade civil, em que versaram, como seu capital, os direitos sobre o referido imóvel; por isto, a Fazenda do Estado lhes cobrou imposto de transmissão. É caso de recurso extraordinário; porque foi dado como inconstitucional o ato do Governo do Estado e a Justiça local o consi-derou válido. Desde que o imóvel passou a fazer parte do ativo de uma sociedade, cada primitivo condômino deixou de o ser; em vez de parte de imóvel possui ações; o proprietário é outro, é a sociedade; foi, portanto, regular a cobrança, uma vez que se deu transmissão de domínio. Ora, desde que se deu transmissão de propriedade, houve um ato equivalente à venda, como previu desde 1910 a legis-lação paulista; os condôminos explicitamente transferiram à sociedade os seus direitos e até se obrigaram a responder pela evicção; cada um dos atuais sócios deixou de ser dono da sua parte primitiva no imóvel; não a pode vender nem hipotecar; por sua morte, a família não partilha a fração primitiva no imóvel; pro-move a dissolução da sociedade e divide o que na liquidação couber ao espólio.

Pelas razões expostas, eu rejeito os embargos.

Discutiu-se também, no Tribunal, o papel do mandado de segurança em matéria tributária. É o que se colhe do MS 338/CE. Os recorrentes eram Desembargadores da Corte de Apelação do Estado do Ceará, encabeçados pelo Dr. Abner Carneiro Leão de Vasconcelos.

Os Desembargadores cearenses consideravam-se isentos do recolhi-mento do imposto de renda à União. E, porque eram funcionários públicos do Estado do Ceará, requereram ao Juiz Federal do Ceará mandado de segurança contra ato da Diretoria do Imposto de Renda, naquela unidade da federação, que os havia intimado para o pagamento da aludida exação.

Instruíram a inicial, entre outros, com parecer do próprio Carlos Maximiliano, datado de 1931. Alegavam que não era lícito ao fisco federal tributar vencimentos de funcionários estaduais. A tese encaixa-se no modelo presente, quando há, por força do regime da imunidade recíproca, impossibili-dade de a União recolher imposto de renda de servidores estaduais. No contexto

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Memória Jurisprudencial

atual, no entanto, isso não significa que não se faça o recolhimento, porquanto é aos Estados que cabe descontar, e reter, os referidos valores.

A autoridade coatora informou que a isenção invocada de fato ocorrera, em momento pretérito, e que deixara de existir por força do Decreto 19.723, de 20 de fevereiro de 1931, recepcionado e aprovado pelo art. 18 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1934. A questão também estava pacificada no então regulamento do imposto de renda, Decreto 21.554, de 20 de junho de 1932.

O Procurador da República levantou preliminar importante. Invocou que o Procurador-Geral do Estado, que representava os Desembargadores, estava advo-gando contra os interesses da Fazenda, o que vedado pelo art. 47 da Constituição vigente. No mérito, observou que não se tratava de ato ilegal, porque as declara-ções de rendimentos foram encaminhadas pelos próprios requerentes.

O Juiz Federal denegou o mandado de segurança. Foi dessa decisão que os Desembargadores recorreram para a Corte Suprema. O Procurador da República que oficiou no feito opinou pela inidoneidade do mandado de segu-rança para obstar a cobrança do imposto de renda. Observou que os requerentes deveriam se defender em execução fiscal, se eventualmente proposta. A Corte entendeu que matéria tributária poderia ser apreciada em mandado de segu-rança, segundo se infere da ementa que segue:

Mandado de segurança; é meio idôneo para obstar a cobrança de imposto não devido; direito certo e incontestável; conceituação. Imposto sobre a renda; a declaração de rendimentos não implica no reconhecimento de que é justo o lançamento, visando, antes evitar a ação executiva para a cobrança do imposto que se considera indevido.

Carlos Maximiliano elaborou voto em que atacou a questão processual — se era caso de mandado de segurança —, bem como determinou que o caso fosse remetido para o Juízo originário, que deveria pronunciar-se sobre o mérito:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, parece-me que o que os desembargadores fizeram — declaração com ressalva — foi para evitar mal maior. Todos nós fazemos isso.

(...)Eu mesmo, como profissional, sempre aconselhei essas declarações com

ressalva, no intuito de impedir que o cliente, caso perdesse, fosse obrigado a pagar uma multa enorme. Tive, até, uma questão nesta Corte, conseguindo ganho de causa.

Assim, o fato em debate constitui uma providência geralmente tomada. Nestas condições, mantenho meu voto anterior, conhecendo do mandado e dando provimento em parte, para que o juiz se pronuncie sobre o mérito.

É o meu voto.

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Ministro Carlos Maximiliano

Matéria tributária também foi debatida nos embargos de declaração no RMS 484/DF, julgados em 28 de outubro de 1938 e relatados por Carlos Maximiliano. Seguem a ementa e o acórdão, que substancializam o problema e a solução dada, que, de certa forma, sugere problema atual, de efeitos infrin-gentes a julgado:

EMENTANão se consideram de declaração os embargos em que, de fato, se pleiteia

a mudança na conclusão do acórdão, concedendo-se o que o Tribunal negara.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos de declaração,

em que é embargante a Companhia Sul-Mineira de Eletricidade e embargada a União Federal: A embargante impetrou, em setembro de 1937, mandado de segurança, a fim de não ser obrigada a pagar imposto federal sobre a renda, visto explorar serviço público estadual. A sentença de primeira instância, à fl. 197, lhe foi desfavorável; recorreu; a Segunda Turma do Supremo Tribunal considerou tratar-se, não de executivo para cobrança de imposto anterior, mas de remédio contra futura exigência do tributo federal, portanto regido pela Constituição vigente: esta extinguiu a equiparação, na tela tributária, entre os Estados e os exploradores de serviços estaduais; portanto seria legal a exigência futura de imposto federal sobre a renda; motivo este pelo qual se devia negar o mandado. Vem com embargos de declaração a Companhia, alegando divergência entre o julgado da segunda e outro da Primeira Turma; demais, os fundamentos do acórdão não são os mesmos da sentença recorrida; por isto, pede que se declare que a isenção só se não concede — a partir de 10 de novembro de 1937, data da promulgação da Constituição vigente. (...) Os fundamentos do pedido envolvem, antes, matéria de embargos infringentes, e improcedem. O acórdão, da Primeira Turma, versou a respeito de executivo fiscal, de cobrança de imposto; ao passo que o acórdão embargado, à fl. 279, tratou de remédio contra cobrança futura. Também carece de importância o fato de ser um o fundamento da sentença recorrida, e outro o do acórdão. Ainda a embargante pretende que se afirme estar facultada a tributação posterior a novembro de 1937, continuando inco-bráveis impostos sobre a renda anterior àquela data. Só se declara o que foi já resolvido no acórdão, e isto não o foi; ali não se examinou a possível distinção entre renda líquida e renda bruta, como assevera a embargante; abandonou-se toda a questão ventilada na sentença recorrida, para só atender a uma prelimi-nar: se era de conceder remédio preventivo contra uma cobrança facultada pela Constituição vigente. A turma decidiu pela negativa, e assim se tem julgado no pretório excelso. Deu-se mandado de segurança a funcionários estaduais, mas exatamente por se entender que, em favor deles, foi pela Constituição de 1937 mantida a isenção. Nada, portanto, há a declarar. Em suma: sob o nome de simples declaração, o que se pretende, de fato, é a reforma do acórdão, isto é, que se conceda, para um fim restrito, o mandado negado pela turma, o que só caberia por meio de embargos infringentes, cujo prazo está extinto, agora. Resta à embargante repetir a matéria em executivo fiscal, como fez o recorrente aco-lhido pela Primeira Turma. Pelas razões expostas, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos.

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Memória Jurisprudencial

A Constituição de 1934 isentava professores do recolhimento de quais-quer impostos que incidissem sobre os proventos recebidos pelo exercício do magistério. A questão foi debatida pela Corte Suprema em 3 de outubro de 1939, no RMS 630/PR, relatado por Carlos Maximiliano, como consta da ementa e do acórdão em seguida reproduzidos:

EMENTAA Constituição de 1934 liberava os professores de todo e qualquer

imposto que incidisse sobre os seus proventos profissionais.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de mandado de

segurança, em que são recorrentes o Juiz dos Feitos da Fazenda de Curitiba, ex officio, e o Dr. Procurador da República, e é recorrido o Dr. Benjamin Baptista Lins de Albuquerque: Ao fazer a sua declaração de renda auferida em 1935, o Dr. Benjamin Lins esclareceu ter um crédito hipotecário, proveniente da venda de uma casa, mas não percebera os juros e, afinal, os perdoara, recebendo só o capital de 5:000$000; como professor de Direito, auferira os vencimen-tos de 1:200$000 mensais, com o desconto de 100$000, para montepio; pela Constituição, esta renda não era tributável; também não o eram, por lei ordiná-ria, os juros não pagos pelo devedor. A repartição competente exigiu o tributo correspondente às duas parcelas mencionadas. Então o professor pediu e obteve mandado de segurança, a fim de não ser molestado por penhora, etc. À fl. 36 o Exmo. Sr. Procurador-Geral opinou pela reforma da sentença.

As alegações do autor estão plenamente provadas; a esse respeito, nenhuma impugnação foi feita; apenas se afirma visar a lei básica só os impos-tos de indústrias e profissões; não o sobre a renda.

A Constituição de 1934 estabelecia:Art. 113, n. 36 — nenhum imposto gravará diretamente a profissão

de escritor, jornalista ou professor.Não fala em tributo sobre a profissão; generaliza — nenhum imposto.

O ônus fiscal concernente à renda é imposto direto, recai, portanto, diretamente sobre a profissão do mestre, na hipótese vertente. Apenas, ficam fora do alcance da regra suprema os impostos indiretos, como o de importação, o predial, etc. A refe-rência à profissão visa, apenas, evitar a isenção em geral; não colima restringir ao caso do imposto de indústrias e profissões; porquanto, se fora este o alvejado, como se tratava de ônus tradicional, figuraria explicitamente no texto, conforme se nos depara no art. 8º, letra g; não se preferiria a linguagem genérica — nenhum imposto. Pelas razões aduzidas, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento aos recursos e confirmar a sentença recorrida.

No MS 187/DF, julgado em 7 de julho de 1936, enfrentou-se tema de fundo tributário. A autoridade coatora era a Estrada de Ferro Central do Brasil, que insistia na cobrança de taxas sobre fretes, com o objetivo de custear novas obras. O impetrante recolhia impostos de exportação de minério, então de competência estadual, e não se julgava obrigado ao recolhimento da referida taxa, de competência federal. Porque o mandado de segurança era originário e

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Ministro Carlos Maximiliano

protocolado em face do diretor da Estrada de Ferro, Maximiliano acatou pare-cer do Procurador-Geral da República, no sentido de não tomar conhecimento da demanda, nos termos seguintes:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Vistos, relatados e discuti-dos estes autos de mandado de segurança, em que é impetrante a firma A. Thun & Cia Limitada e apontada como coatora a Estrada de Ferro Central do Brasil.

Alega a peticionária que, apesar de proibidos pela Constituição os impos-tos de viação, continua a Estrada de Ferro Central do Brasil a aplicar o Decreto 14.618, de 11 de janeiro de 1921, que estabeleceu o tributo referido; bem como o de n. 16.842, de 24 de março de 1925, que instituiu a taxa de 10% calculada sobre os fretes e destinada ao custeio de obras novas da Estrada. Como a impetrante paga imposto de exportação de minério ao Estado de Minas Gerais, julga-se desobri-gada de atender a qualquer exigência federal; por isso, impetra o mandado.

Solicitadas informações ao Ministério da Viação, este se dirigiu à Diretoria da Estrada, a qual declarou não estar mais executando o Decreto de 1921, visto o mesmo haver sido revogado a partir de 1º de janeiro deste ano. Apenas usava uma lei do Governo Provisório, o Decreto 22.278, de 2 de dezem-bro de 1932, cujo art. 3º determina:

A taxa adicional sobre as tarifas de transporte das estradas de ferro da União, que era arrecadada para o fundo de construção e melho-ramentos das mesmas estradas, continuará a ser cobrada, nos termos da legislação em vigor, escriturando-se, porém, a respectiva receita na Renda Industrial de cada estrada.Acrescenta a Diretoria tratar-se de simples remuneração de serviços,

aprovada, aliás, pelo art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição.Tendo-se dado como impedido o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, foi desig-

nado um Procurador ad hoc; este declara inaceitável preliminarmente o pedido, por ser originário e ter por fundamento o ato do Diretor da Central do Brasil.

Concordamos com este parecer, e julgamos não tomar conhecimento do caso.Releva, ainda, acrescentar que a própria impetrante confessa haver a

Corte Suprema, por acórdão de 26 de novembro de 1934, proferido o MS 33, dei-xado de conhecer do pedido, por se tratar de alegada violação de direito causada por uma lei; e é precisamente o caso em apreço: do que se trata, é exatamente da aplicabilidade ou não de um decreto do Governo Provisório; se este fere ou não o estatuto supremo. Basta ato do Diretor da Estrada basear-se em lei expressa, para se não poder considerar extreme de discussão o pretendido pela impetrante. Por todos estes motivos acordam os Ministros da Corte Suprema em não tomar conhecimento do pedido.

No AgP 6.870/PE, julgado em 11 de novembro de 1937 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se cumprimento de obrigação tributária aces-sória. A matéria de fundo era imposto de renda, e o caso envolvia uma situ-ação curiosa: o agravado argumentava que não encaminhara as declarações de rendimentos nos prazos estabelecidos em lei, porquanto estaria extrema-mente ocupado com um inquérito administrativo que presidia. Cuidava-se de defesa calcada na desigualdade, dado que o agravado pretendia tratamento diferenciado, porque presidia um inquérito administrativo. A decisão foi

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Memória Jurisprudencial

historicamente importante, na medida em que desconsiderou situação de excep-cionalismo, fixando muito claramente que a lei deveria ser seguida por todos. Nos termos do acórdão:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que são agravantes a Fazenda Nacional e o Juiz Federal ex officio, e é agravado Humberto de Paula Batista: O agravado foi constrangido ao pagamento da quan-tia de 251$000, correspondente ao imposto de renda e multa respectiva, por não ter feito as declarações de rendimentos no prazo da lei; executado, veio com embargos, à fl. 10, alegando que sempre obedecera aos preceitos regulamenta-res, porém, este ano, por estar muito ocupado com o inquérito administrativo a que presidia, não se lembrou daquele dever, tanto fácil de cumprir quanto era certo nada ter que pagar, em virtude dos descontos legais a que tinha direito. A sentença de fl. 40 aceitou as escusas e mandou que se desse baixa na execu-ção; entretanto, improcedia a defesa. A lei, muito sabiamente, manda proceder ao lançamento ex officio, desde que o interessado não se apresente para declarar o que durante o ano granjeou e quais as deduções ou isenções a que tem direito; impõe, ainda, multa aos faltosos; agiu, pois, com acerto o Fisco, uma vez que o contribuinte se não apresentou a cumprir o exigido pelo texto positivo. A des-culpa de estar ocupado é de todo inaceitável; pois todos têm suas ocupações, e em regra mais prementes que as de um funcionário público; com semelhante escapatória, ninguém mais seria multado por faltar ao cumprimento das leis fiscais. Pelas razões expendidas, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao duplo agravo, para reformar a sentença recorrida e julgar subsistente a penhora, válida a execução.

No AgP 6.959/RJ, julgado em 31 de dezembro de 1937 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiram-se diferenças de direitos aduaneiros. Efetivamente, o que se tinha era a comprovação de que os prazos não foram respeitados pelo advo-gado do agravante, que reteve os autos, a propósito de anotar embargos. Os autos foram devolvidos em cartório, com os embargos, com prazo já expirado, o que foi reconhecido no acórdão que segue, conduzido por Carlos Maximiliano:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que é agravante Gaspar José Soares e agravada a Fazenda Nacional: Soares foi intimado a entrar com 2:591$300, diferença de direitos aduaneiros pagos a menos pela Nota de Importação 59.781. Veio com embargos, alegando nada dever; mas os autos foram com vista ao advogado em 11 de janeiro, e só voltaram a cartório, com os embargos, em 14 de março, datados, embora, os artigos, de 28 de janeiro (fl. 12). O Procurador da República impugnou-os como oferecidos fora do prazo (fl. 17); a sentença, por essa preliminar, desprezou os embargos e julgou regular a penhora (fl. 19). Agravando, o executado não tentou sequer justificar o retardamento; por esse motivo, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo, e declarar subsistente a penhora.

No AgP 7.023/PE, julgado em 28 de dezembro de 1937 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se o pagamento de taxa de ocupação de marinha. Ao que consta, a matéria fora discutida em âmbito de execução fiscal. Discutiram-se

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Ministro Carlos Maximiliano

domínio e posse, assuntos que não se incluíam no conjunto de matérias afetas à execução. No entanto, reconheceu-se a imprestabilidade da pretensão do Estado, pelo que a Turma julgou nula a execução. Nos termos do acórdão:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que é

agravante a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz Federal de Pernambuco, e agravados Tigre & Companhia: a firma ora agravada foi executada para o paga-mento de 9:814$600, concernentes a taxa de ocupação de terrenos de marinha; veio com embargados, procurando provar ter domínio pleno sobre as terras a que se refere a Delegacia Fiscal, adquirido mediante títulos e confirmado por usu-capião. Travou-se no executivo fiscal prolongado debate sobre domínio e posse imemorial; por fim, o juiz concluiu julgando provados os embargos; daí o agravo e o recurso ex officio. O executivo fiscal não comporta amplo debate sobre domí-nio; desde, pois, que não era líquido e certo o direito da exeqüente, o dever do juiz era remeter as partes para as vias ordinárias. Acordam, pois, em turma julga-dora, os Ministros da Corte Suprema em dar provimento, em parte, ao agravo e ao recurso ex officio, para julgarem nulo o executivo, por não ser líquida a dívida, e mandar que as partes liquidem a questão do domínio e posse das terras questio-nadas pelas vias ordinárias, levantada, entretanto, a penhora.

No AgP 7.033/CE, julgado em 28 de dezembro de 1937 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se recolhimento de imposto de renda. Fixou-se entendimento no sentido de que o lançamento do tributo poderia ser revisto pela autoridade fazendária, inclusive com possibilidade de determinação para o recolhimento de diferenças eventualmente apuradas:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que

é agravante Jan Grossens, e agravada a Fazenda Nacional: Jan Grossens foi intimado a pagar 3:775$600, por infração do art. 116 do Decreto 17.390, de 26 de julho de 1926; veio com embargos, alegando que se trata de imposto sobre a renda, e ele fizera em tempo as suas declarações e pagara de acordo com as mesmas; tendo, pois, quitação da Fazenda, improcedia a nova cobrança. Teve sentença desfavorável (fl. 52) por isso agravou; na superior instância, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela confirmação da decisão recorrida (fl. 74). Improcede a defesa. É de lei a revisão dos lançamentos e da mesma resulta a cobrança da diferença encontrada. Conforme esclarece o parecer exarado no processo administrativo, à fl. 45v., o executado pagou apenas o imposto de 1%, correspondente a exportações para o estrangeiro; como, porém, ele próprio confessasse fazer todas as suas exportações para o rio de Janeiro, foi constran-gido a entrar com a diferença — entre 4:276$500, que devia, e 844$100, que pagara; por desobedecer, ainda, ficou sujeito a multa e custas. Como a defesa ficou circunscrita ao fato de haver pago já o imposto sobre a renda e o Fisco mostrou ter sido deficiente a contribuição alegada, acordam, em turma julga-dora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e confirmar a decisão agravada.

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Memória Jurisprudencial

No AgP 7.265/PE, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 29 de abril de 1938, entendeu-se que o fato de que a cobrança feita pela Fazenda trans-cendesse aos valores efetivamente devidos não significava que a cobrança era imprestável. Entendeu-se tão-somente que a questão era de emenda ao pedido, a qualquer tempo, espelhando-se objetivamente os valores líquidos e certos que seriam cobrados:

EMENTAPelo fato de ser exigida do contribuinte quantia maior do que a devida,

não é anulado o executivo por iliquidez da quantia reclamada; reduz-se a conde-nação à soma efetivamente reclamável.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo e recurso ex offi-

cio, em que é recorrente o Juiz Federal de Pernambuco, agravante a Fazenda Nacional e agravado Francisco de Sá Brito da Costa: Brito Costa foi executado para o pagamento de 29:556$300 de imposto sobre a renda no exercício de 1931 e multa respectiva. Veio com embargos, articulando ter sido arbitrário o lançamento; porquanto inclui juros no valor de 53:980$500 pagos pelo London Bank, o qual só lhe deu 41:797$400; 22:409$950 entregues pelo Banco Francês Italiano, que pagou apenas 20:409$950; 10:604$200 do Banco Ultramarino, o qual nenhuma quantia entregou ao executado; além disto, foram adicionados aluguéis de prédios que não existiam em 1931; concluiu pedindo que se julgasse improcedente o executivo, por não representarem a verdade das verbas que ser-viram de base para a cobrança e ser ilíquida a dívida. Nada aduziu quanto aos juros no total de 36:924$900 e 44:686$500 pagos pelos Bancos Inglês (british bank) e pelo Central, respectivamente. Juntou prova do articulado, às fls. de 15 a 20. A Fazenda contestou os embargos, mostrando que o embargante não escla-receu o Fisco no momento oportuno; só em juízo veio com as alegações já resu-midas, e a Fazenda juntou o processo administrativo em original, no qual se vê a nenhuma declaração de recebimento de juros, tendo sido trazidos ao conheci-mento do Fisco apenas aluguéis de prédios e lucros em firmas comerciais.

A sentença de f l. 44 recebeu os embargos, julgou ilíquida a dívida e excessiva a multa de 75%; pelo que anulou o processo ab initio. Houve agravo, por parte da Fazenda, minutado à fl. 50, e recursos ex officio; o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou “pelo provimento”.

O fato de ser devida quantia menor do que a ajuizada não torna incabí-vel o executivo: procede-se à redução. O culpado do erro foi o próprio contri-buinte, ao qual se não concede a regalia de tirar proveito da sua falta voluntária, premeditada, evidentemente dolosa. Foram lançados juros na importância de 128:398$850, donde o imposto de 10:271$900. Descontada, nos juros, a dife-rença entre a soma recebida efetivamente e a lançada, 24:580$100, resulta um abatimento correspondente a esses 24:580$100, isto é, 1:875$000. O imposto de 10:271$900 desce a 8:396$900. Na verba e deduzam-se os acréscimos feitos pelo Fisco; fica o imposto correspondente à quantia declarada — 6:532$000, isto é, 391$930. Como o contribuinte nem depois de convidado a completar as declarações, deu explicações sinceras, está sujeito à multa de 50%, como, aliás, estipulara o despacho administrativo, à fl. 34. O executado declarara ainda, a

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Ministro Carlos Maximiliano

renda de lucros comerciais de 6:000$500 (cédula F). Na cédula e, portanto, se incluam 391$930, em vez de 1:710$000. O imposto cairá de 11:981$900 (fl. 33), para 8:798$830. Na mesma base se façam as reduções para o cálculo da renda global líquida e da multa de 50%. Feitas todas estas deduções, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao agravo e ao recurso ex officio, para julgar subsistente a penhora e válido o executivo, com as reduções mencionadas acima.

No AgP 7.283/SP, julgado em 31 de dezembro de 1937, relatado por Carlos Maximiliano, discutiram-se embargos à execução fiscal, em tema de imposto de renda. Os termos do acórdão indicam realismo jurídico que era marcante na atuação de Carlos Maximiliano. O contribuinte invocava que não instruíra o feito com provas porquanto nas repartições públicas a obtenção de certidões públicas seria difícil e trabalhosa. Maximiliano conduziu o acórdão, no sentido de que não se aceitasse a argumentação do interessado. Isto é, aco-modando-se a jurisprudência à hipótese, ter-se-ia uma perene fórmula para que se desafiasse ao Fisco. Acordou-se como segue:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que é

agravante Candido Soares Amorim, e agravada a Fazenda Nacional: Amorim foi acionado para o pagamento da quantia de 194$100, de imposto sobre a renda e multa; veio com embargos, articulando nada dever; porquanto, feitas as dedu-ções a que tinham direito, restavam menos de 10:000$000. O Juiz Federal rejeitou os embargos, porque o executado nenhuma prova fez do alegado. Este agravou e, em sua minuta, confessa a falta de provas; mas se desculpa de que estas se acham no processo administrativo e nas repartições públicas toda certidão custa muito a ser obtida. Semelhante escusa não merece o mínimo acolhimento; pois, uma vez aceita, a todos os devedores da Fazenda asseguraria a vitória contra o Fisco, e sem o menor esforço da parte deles; bastaria alegar fatos inverídicos, que levariam à absolvição do devedor, se fossem verdadeiros. Pelas razões adu-zidas, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e confirmar a sentença recorrida.

No AgP 7.353/PB, julgado em 7 de janeiro de 1938, relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se também o cumprimento de obrigações tributárias aces-sórias. É que o Fisco exigira que comerciante apresentasse declaração de renda instruída com balanço subscrito por contador. O próprio comerciante (cujos herdeiros então litigavam) é quem havia assinado o balanço. A Turma enten-deu que o comerciante agira adequadamente, porque o Código Civil isentava o comerciante de enviar documentação fiscal subscrita por contador. Manteve-se a decisão originária. A discussão, no entanto, é uma entre tantas outras que quali-ficava o Supremo Tribunal Federal como mera casa revisora. Segundo o acórdão:

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Memória Jurisprudencial

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que é

agravante a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz Federal da Paraíba, e são agravados a viúva e herdeiros de Nicola Porto. Nicola Porto era comerciante sob a firma individual e apresentou em tempo sua declaração de renda, instruída com uma cópia do balanço. Os funcionários do Fisco acharam deficientes as expli-cações dadas e exigiram o próprio Diário, que foi também apresentado. A escrita estava em ordem; porém, os representantes da Fazenda a repeliram, sob o único pretexto de ser feita pelo próprio comerciante e não por um perito contador diplo-mado, tanto que o Balanço lançado no Diário era assinado por Nicola, e não por guarda-livros. Ainda assim, apenas encontraram, contra o negociante, a soma de 493$100 acima da que ele pagara, quando inicialmente foram aceitas as suas declarações e comprovações. A sentença de fl. 43 decidiu que o Código Comercial, no art. 10, n. 4, e no art. 12, alínea 2, apenas exige lançamento do Balanço no Diário, datado e assinado pelo comerciante, não pelo guarda-livros; demais, a perícia evidenciou estarem os lançamentos acordes com a declaração feita pelo negociante; concluiu julgando procedentes os embargos e insubsistente a penhora. O Procurador não fez prova alguma; apenas arrazoou na primeira instância e agravou, tendo o juiz recorrido ex officio. Pelas razões constantes da sentença, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo ao recurso ex officio e confirmar a sentença recorrida.

No AgP 7.412/PE, julgado em 11 de janeiro de 1938, discutiu-se imposto de renda, à luz de suposta bitributação, porquanto se tributava o agravado tam-bém no que se referia ao exercício da profissão de corretor. A discussão espe-lha, indubitavelmente, a profusão de normas fiscais, em época que antecede ao modelo que presentemente vivemos, e que também conhece as mesmas carac-terísticas. A Fazenda Pública, à luz do que se lê no acórdão abaixo transcrito, pretendia tributar duas vezes, especialmente mediante suposta confusão entre imposição tributária e multa:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em

que é agravante a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz Federal de Pernambuco, e agravado Edgard Luiz Bezerra Cavalcanti: Este foi executado para o pagamento de 1:475$100 de imposto sobre a renda no exercício de 1934 e multa; veio com embargos, articulando: primeiro, ser dado como devedor de três quantias — 3:656$400, 2:534$400 e 1:475$100 —, correspondentes aos impos-tos sobre a renda em 1932, 1933 e 1934; pelo que sofreu três penhoras no mesmo dia 5 de agosto de 1936, acusadas todas no dia 6, quando o Decreto 10.902, de 20 de maio de 1914, art. 81, manda reunir em uma só petição e ajuizar conjun-tamente todas as certidões de dívida relativas a um só devedor; segundo, nulo é ainda o executivo, por não especificar o imposto distinto da multa, tanto mais quando se alude ao regulamento aprovado pelo Decreto 21.554, de 6 de junho de 1932, sem declarar o artigo, e o art. 116, parágrafo único, ofende o art. 184, parágrafo único, da Constituição, que proíbe multa superior a 10%; terceiro, ser inconstitucional o imposto, por incidir sobre profissão de corretor, já taxado por tributo próprio, o de indústrias e profissões. A sentença de fl. 37 acolheu a

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Ministro Carlos Maximiliano

primeira nulidade argüida; agravou a Fazenda e recorreu o Juiz ex officio. Ficou provado existirem três dívidas e terem sido feitas três penhoras no mesmo dia. O devedor era um só, a origem do crédito da Fazenda uma só; transgrediu-se a lei, art. 81 do Decreto 10.902, de 20 de maio de 1914. Ficou provado que as três penhoras se efetuaram no mesmo dia, com evidente prejuízo para o executado, que reclamou; portanto, embora se não tratasse de nulidade insanável deveria o Juiz pronunciá-la, desde que a parte argüiu na primeira oportunidade.

Eis o texto do art. 81:As contas-correntes, certidões e documentos serão especiais, isto

é, um para cada devedor, juntando-se, porém, a uma só petição para serem ajuizados todos os que forem relativos a um só devedor, contanto que a dívida seja de origem idêntica.Pelos motivos expostos, acordam, em turma julgadora, os Ministros do

Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio e confir-mar a sentença que anulou o executivo.

No AgP 7.523/SP, julgado em 18 de janeiro de 1938, relatado por Carlos Maximiliano, cuidou-se de execução fiscal, relativa ao recolhimento de imposto de renda; no núcleo da discussão, a tentativa de se fixar adequadamente a ati-vidade do contribuinte, que se identificara originariamente como corretor. Do ponto de vista fático, o contribuinte buscava comprovação de que seria mero intermediário na venda do café e não comerciante atuando por intermédio de firma individual:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que é

agravante Mario Pacheco e agravada a Fazenda Nacional: o agravante foi exe-cutado para o pagamento de 716$300, proveniente do imposto sobre a renda do exercício de 1934; veio com embargos, articulando que deixara de contribuir por lhe exigirem o que não devia; porquanto era zangão ou intermediário na venda do café, e não — comerciante em firma individual (fl. 15). A sentença, de fl. 38, baseou-se no processo administrativo, do qual se infere ter o agravante feito declarações de renda como devedor ao Fisco, declarações estas que foram acei-tas, acrescentando-se apenas a multa da mora; nas declarações ele se disse cor-retor. O vencido agravou. A hipótese é semelhante à do Agravo 7.583, no qual o Juiz Federal chegou à mesma conclusão. carvalho de Mendonça — Tratado de direito comercial, v. II, n. 313 —, doutrina:

Já dissemos em o n. 326 do 1º volume deste Tratado que os corre-tores eram comerciantes.Em nota 1 o escritor cita, em apoio do seu pensar, os pareceres de João

Mendes, pedro Lessa e brasílio Machado, bem como de expositores franceses, italianos e alemães. Razoavelmente, pois, foi o agravante lançado como comer-ciante, não é verdade que a lei que instituiu o imposto, isentasse os corretores; isto só ocorreu em 1937, muito depois de efetuada a tributação ora em exame. Disposições anteriores, como, por exemplo, o Decreto Legislativo 4.899, de 30 de dezembro de 1924, regulamentado pelo Decreto 16.766, de 2 de janeiro de 1925, explicaram caber na categoria referente ao — comércio e qualquer exploração industrial — “negócios de comissões, consignações e corretagens,

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Memória Jurisprudencial

equiparados, assim, explicitamente à — “compra e venda de produtos da agri-cultura, matéria prima e produtos manufaturados”.

Bem resolveu, pois, a sentença agravada; pelo que os Ministros do Supremo Tribunal Federal acordam, em turma julgadora, em negar provimento ao agravo (...).

No AgP 7.583-embargos/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 27 de novembro de 1938, discutiu-se, para efeitos de imposto de renda, a equiparação entre corretor e comerciante, assunto que era recorrente à época, como aqui se tenta expor:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que é em-

bargante José pinto Novaes Junior e embargada a Fazenda Nacional: O embar-gante, na qualidade de corretor, foi executado para pagamento do imposto sobre a renda, por ser por lei e pela doutrina equiparado aos comerciantes; vencido, opôs embargos ao acórdão sobre agravo, os quais foram julgados rele-vantes e recebidos para discussão. Impugnando o novo recurso, alega o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 104 v., que o Decreto-Lei 960, de 17 de dezembro de 1938, no art. 73, repele qualquer recurso de julgamento confirmativo de deci-são recorrida, e, no art. 75, manda aplicar as novas regras aos processos penden-tes; portanto deveriam ter sido liminarmente rejeitados os embargos. O acórdão embargado é anterior ao Decreto-Lei; é de 14 de janeiro; logo, segundo a regra geral, a admissibilidade dos embargos seria regulada por outra norma que não a referida; mas esta manda aplicar-se aos processos pendentes — “não se per-mitindo, depois de sua vigência, outros termos e atos além dos por ela permiti-dos”; ora, os embargos só foram requeridos em julho e oferecidos em agosto de 1939, oito meses depois de entrar em vigor o decreto-lei, que tem efeito decla-radamente retroativo.

Demais, conforme demonstraram a sentença, de fl. 57, e o acórdão, de fl. 82, só depois de entrar em vigor a Lei 389, de 6 de fevereiro de 1937, os cor-retores deixaram de ser equiparados, para os efeitos fiscais, aos comerciantes, e o lançamento em apreço refere-se ao exercício de 1935.

Por todos estes motivos, acorda o Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos.

Questão de incidência de imposto de renda também foi objeto do deci-dido no AgP 9.287/BA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 13 de outubro de 1940. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal manteve a linha deci-sória que vinha seguindo, com o apoio de Carlos Maximiliano, no sentido de que não se poderia tributar juros de apólice que foram emitidas antes da legisla-ção que então regia a matéria:

EMENTANão se tributa a renda decorrente de juros de apólices emitidas antes de

instituído no Brasil aquele tributo.

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Ministro Carlos Maximiliano

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é

recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda na Bahia e recorrido Gustavo adolpho pereira da silva: O recorrido foi executado para o pagamento de 55:891$800, sendo 26:921$700 de imposto sobre a renda, do exercício de 1937, 10:352$900, do mesmo tributo, no exercício de 1934, e 13:460$800 mais 5:176$400, de multa. Defendeu-se com articular que declarara a renda de prédios, excluindo a de juros de apólices emitidas antes de 1926; porque já propusera ação para impugnar lançamento sobre tais proventos, e, em execução anterior, por outros exercí-cios, já obtivera ganho de causa no Supremo Tribunal, visto tratar-se de juros de apólices emitidas antes de instituído o referido ônus fiscal. A sentença de fl. 31 julgou insubsistente a penhora. Houve, só, o recurso necessário. À fl. 40v. o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral declara que o veredictum está contra a opi-nião por ele sustentada, mas se acha de acordo com a jurisprudência do pretório excelso. Em obediência à jurisprudência estabelecida, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio.

No AI 7.661/PB, relatado por Carlos Maximiliano, e decidido em 14 de janeiro de 1938, deu-se pela legalidade de redução de multa a 30%, desde que o devedor do tributo fizesse normalmente a respectiva declaração de imposto de renda. A recorrida invocava que não deixara de cumprir obrigação tributá-ria acessória. Objetivamente, a interessada alegava que apenas não recolhera o tributo devido:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é re-

corrente o Juiz Federal da Paraíba, e recorrida Da. Maria das Neves Ataíde: a recorrida foi executada para o pagamento de 1:202$700 de imposto sobre a renda e multa. Veio com embargos, articulando que, feitas as deduções legais nas ren-das de prédios, nenhum imposto ficaria devendo, sendo, também, excessiva a multa, uma vez que só houve falta de pagamento, não de declaração. A sentença julgou procedentes os embargos, em parte, para reduzir a multa a 30%, uma vez que foi feita a declaração de renda normalmente. Conformaram-se a executada, a Procuradoria da República e o Exmo. Sr. Procurador-Geral. Acordam, pois, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, pelos seus jurídicos fundamentos.

No AgP 7.688/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 14 de janeiro de 1938, discutiu-se multa de ofício, por descumprimento da legislação aduaneira. No pano de fundo, ainda que implicitamente, assuntos de atualidade presente, a exemplo da insignificância e da proporcionalidade. Na hipótese, dis-cussão em torno de 250 gramas de rótulos, enviados por empresa norte-americana:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que é

agravante a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz Federal de São Paulo, e são agravados Martins & Cia. ou Touglet Martins & Cia.: Foram os agravados

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multados em 1:000$000, por terem recebido, pelos colis postaux, etiquetas de determinado produto, quando a declaração alfandegária consignava somente folhetos de propaganda. Vieram com embargos, articulando nulidade do execu-tivo, por não estar acompanhado do auto de infração, e falta de culpa dos execu-tados, porque não respondem pelo erro da remetente, The chi-Namel company, de Chicago, que logo lhes escreveu lamentando e demonstrando o engano da seção de remessas. A sentença de fl. 48 repeliu a nulidade; porém acolheu a defesa quanto ao mérito, por ficar provado ter sido a remessa feita independente do pedido da firma multada, sendo de notar a insignificância da quantidade de rótulos, 250 gramas, e ser incrível que The chi-Namel company enviasse rótulos para serem apostos em mercadorias brasileiras a serem vendidas como da fabricante norte-americana. Acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e ao recurso ex offi-cio e confirmar, pelos seus jurídicos fundamentos, a sentença recorrida.

No AI 7.727/RS, julgado em 18 de janeiro de 1938 e relatado por Carlos Maximiliano, teve-se como tema isenção em matéria de imposto de renda. Discutia-se regime de dedução indireta de base de cálculo, em torno do que à época nominava-se de encargos de família:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento,

em que é agravante Francisco Raya Diaz, e é agravada a Fazenda Nacional: O agravante foi executado para o pagamento de 3:785$300, correspondentes ao imposto sobre a renda e multa, imposto do exercício de 1932. Veio com embar-gos, articulando nada dever, em virtude das isenções alegadas e aceita com refe-rência aos exercícios de 1933 e 1934. A sentença, de fl. 22, rejeitou os embargos. O próprio embargante confessa que só em exercícios posteriores alegou encar-gos de família que reduziam a sua renda líquida, de 42:960$000 a 6:000$000; em 1932 nem sequer declaração apresentou ao Fisco, nem perante ele, nem em juízo provou a existência dos encargos de família a que se refere; devia, pois, ser condenado, como foi. Por estes motivos, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e con-firmar a sentença agravada.

No AI 7.747/MA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 14 de janeiro de 1918, negou-se provimento a agravo e confirmou-se a sentença agra-vada, em tema de pagamento de multa, relativa a disposições da legislação do imposto de renda. Discutia-se também a nulidade de processo administrativo anterior, o que, no entender do executado original, redundaria na nulidade do processo judicial. A multa, no entender do devedor, era despropositada e incabível, uma vez que seria supostamente devida pela falta de apresentação de esclarecimentos junto à repartição fazendária competente. No entender do acórdão, eram justas as exigências do Fisco porque visavam precisamente aos elementos justificativos (ou não) da diminuição do ônus tributário pretendido pelo contribuinte:

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Ministro Carlos Maximiliano

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento, em

que são agravantes Jorge & Santos e é agravada a Fazenda Nacional: os agra-vantes foram executados para o pagamento da multa de 2:000$000, por infra-ção de disposições legais concernentes ao imposto sobre a renda. Vieram com embargos, articulando: 1º — nulidade do processo judicial, por haver começado sem que no administrativo se tivesse dado oportunidade ao devedor para se defender; 2º — não ter cabimento a multa por falta de esclarecimentos pedidos pela repartição competente. A sentença, de fl. 17v., julgou improcedentes os embargos. Falta, em absoluto, a prova de não se ter dado aos contribuintes opor-tunidade para se defenderem no processo administrativo; por outro lado, a lei é expressa; o art. 168 do decreto 21.554, de 20 de junho de 1932, estatui:

Na mesma multa incorrerá qualquer pessoa ou entidade que não prestar, quando lhe forem exigidos, os esclarecimentos de que o Fisco tiver necessidade.Ora, os executados, convidados a prestar esclarecimentos, recusaram, e

ainda agora, longe de negar este fato, procuram justificá-lo, alegando constituir o pedido verdadeira devassa na sua vida comercial. Reclamou o Fisco, segundo informam os próprios embargantes: demonstração das contas de lucros etc., declarando-se os juros pagos e a quem em 1932; juros pagos e a quem, em 1930, e os de 1931. Como se vê, as exigências visaram precisamente os elementos para os descontos legais; nada mais justo. Por este motivo, acordam, em turma julga-dora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e confirmar a sentença agravada.

No AgP 7.817/SP, julgado em 18 de janeiro de 1938 e relatado por Carlos Maximiliano, negou-se provimento ao agravo e confirmou-se a decisão agra-vada, a propósito de auto de infração relativo ao qual o denunciado não se defendera em processo administrativo, nada obstante regularmente intimado. Avançou-se em questões fáticas, de prova, ainda que ligadas ao desdobramento do procedimento. Isto é, o acórdão repudiou os embargos, não os reconhecendo como tais, porque vagos e evasivos, apenas indicando que não se tinha infração e que o executado nada devia. Além disso, o executado deixara de se defender no processo administrativo, o que robusteceria a tese da Fazenda Pública:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que é

agravante Azis Acras, e agravada a Fazenda Nacional: o agravante foi executado para o pagamento de Rs. 14:295$600, correspondendo 7:147$800 a imposto sobe artefatos de tecidos e adicional de 10% e outros 7:147$800 de multa. Veio com embargos, articulando ser todo o processado o fruto de engano; pois não houve infração alguma e o imposto foi pago na forma regular; pelo que, improcede o executivo. A sentença, de fl. 50, julgou improcedentes os embargos; daí, o agravo.

Os embargos não o são propriamente; pois nada explicam; limitam-se a afirmar que não houve infração e o executado nada deve. Ao contrário, o auto de infração, de fl. 36, esclarece bem a hipótese, e não é ilidido, antes confirmado, pela perícia de fl. 27; por isto adveio a decisão administrativa condenatória, à fl. 44v. O denunciado não se defendeu no processo administrativo, apesar de

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intimado para isso, ut fl. 37, nem recorreu da decisão contrária; no processo judi-ciário se limitou a negar. Por todos estes motivos, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e confirmar a sentença agravada.

Questão de cumprimento de formalidades em processo administra-tivo também foi objeto do discutido no AgP 9.305/PB, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 1º de outubro de 1940. Questionava-se se o descum-primento das formalidades legais anularia o processo administrativo, como um todo, ou se se deveria julgar improcedente toda a execução fiscal. A obje-tividade e o realismo de Carlos Maximiliano influenciaram na concepção do acórdão, optando-se por solução mais pragmática, no sentido de que o executivo fiscal não seria improcedente, apenas a certidão seria nula, pelo que, nesse sen-tido, necessário que se identificassem novamente os valores:

EMENTAEm se não cumprindo no processo administrativo formalidades necessá-

rias à defesa, nem por isto se julga improcedente o executivo fiscal; o mesmo é anulado, apenas.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Dr. Juiz de Direito da comarca de campina Grande e agravada a Massa Falida de claudino Nobrega & cia.: A Fazenda executou a Massa Falida da firma referida para o pagamento do imposto sobre a renda, revalidação de selo e multas respectivas; opôs embargos a Massa, alegando nulidade do processo; porque na certidão de dívida não se declara o número do processo administrativo nem do auto de infração, processo que deveria existir, sendo intimado o faltoso para se defender; ao contrário, a Massa junta prova de haver a firma falida pago o imposto no exercício a que se refere a certidão junta aos autos; porém na revisão se apurou deficiência na declaração de lucros. A sentença, de fl. 85, julgou procedentes os embargos, relativamente ao imposto sobre a renda, e improcedentes quanto à revalidação de selo, à vista da prova dos autos. A Fazenda agravou; conformou-se a Massa. À fl. 101v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral pediu a reforma do veredictum.

Houve o processo administrativo, para o qual foi a firma intimada (docs. às fls. 41 e 44); entretanto, depois de ultimado o mesmo, dever-se-ia dar o prazo de 20 dias para o interessado recorrer para o delegado fiscal (Decreto 21.554, completado pelo 24.036, de 26 de março de 1934, art. 158); entretanto, prosse-guiram no preparo da execução antes de decorridos os 20 dias, e não deram ciência ao síndico ou liquidatário, para oferecer defesa, visto ter entrado em falência a firma; isto tudo, entretanto, não constitui motivo para julgar improce-dente o executivo quanto ao imposto exigido; porém, apenas para o anular, por faltarem formalidades intrínsecas do processo administrativo; por esta razão, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao agravo e ao recurso ex officio, para anular o processado.

No AgP 7.844/PE, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 18 de janeiro de 1938, decidiu-se que o imposto proporcional que incidia sobre contratos

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Ministro Carlos Maximiliano

de mútuo e abertura de crédito não se aplicaria às hipotecas em garantia de con-tratos em que não houvesse empréstimo em dinheiro. Discutia-se efetivamente a possibilidade de interpretação extensiva, em matéria tributária. Adiantando-se ao Código Tributário Nacional, e à solução fixada por Rubens Gomes de Souza e por Aliomar Baleeiro, o acórdão capitaneado por Carlos Maximiliano fixou entendimento de que a legislação tributária não comporta interpretação analó-gica, para efeitos de imposição fiscal, nos moldes do acórdão que segue:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em

que é agravante a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz Federal de Pernambuco, e agravada a Atlantic Refining Company of Brazil: A agravada foi multada em 2:000$000, por não haver pago imposto proporcional por uma hipoteca a seu favor feita pelo casal Joviniano de Andrade Rocha. Veio com embargos, à fl. 13, articulando que o imposto incide sobre os contratos de mútuo garantidos por hipoteca; esse texto, sobre matéria tributária, não comporta inter-pretação extensiva; a embargante não fez empréstimo algum; efetuou simples contrato de comissão mercantil, com a obrigação del credere, em virtude do qual Joviniano se obrigava a vender os produtos da Atlantic; para garantia do contrato, das quantias por ventura existentes em poder do comissário e das mercadorias a ele confiadas, deu em hipoteca um prédio. A sentença de fl. 68 recebeu os embar-gos e os julgou provados; daí o agravo e o recurso ex officio. À fl. 78v. o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela confirmação da sentença recorrida.

Efetivamente o contrato, de fls. 15-16, e a escritura de hipoteca, de fls. 17-20, mostram ter a garantia sido dada somente para os efeitos declarados nos embargos, sendo Joviniano o comissário. A companhia foi autuada, como infratora do art. 5º do Regulamento aprovado pelo Decreto 21.949, de 12 de outubro de 1932; entretanto, o art. 2º do mesmo decreto esclarece que —“o imposto é devido sobre as quantias: a) estipuladas nos contratos de mútuo garan-tido por hipoteca, seja a mutuante firma social, estabelecimento de crédito ou sociedade civil, quer simples particular, faça ou não profissão habitual de presta-mista; b) emprestadas efetivamente no caso de abertura de crédito com garantia hipotecária, nos termos da letra anterior”.

No caso em apreço, não houve mútuo nenhum. Nem seria possível saber sobre que soma se calcularia o imposto proporcional; pois a hipoteca é garantia das mercadorias e valores que o comissário receber e guardar, quantia indetermi-nada e variável. Como nenhum empréstimo se fez e as leis fiscais não comportam aplicação por analogia, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e ao recurso ex officio e confir-mar a sentença recorrida.

No AgP 7.920/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 25 de janeiro de 1938, julgou-se interessante caso no qual matéria trabalhista e fiscal con-vergiam. As autoridades fiscais haviam comprovado que empregado da firma exe-cutada praticara fraude, deixando de selar vias de saque para cobrança. No entanto, porque outros documentos apareceram, também não selados, as autoridades impu-seram multa na executada. Comprovou-se, mais tarde, que o empregado agira

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dolosamente, e que o fizera num contexto no qual ele já tinha conhecimento de demissão iminente. Era notório seu interesse em prejudicar a executada. O pró-prio empregado confessara ter agido dessa forma. Negou-se a remessa ex officio e confirmou-se a sentença recorrida, que sufragava a tese da empresa executada:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é

recorrente o Juiz Federal da 3ª Vara do Distrito Federal e são recorridos Sinner & Cia. Limitada: Sinner & Cia. despediram, por má conduta inclusive a embriaguez habitual, um seu empregado, o qual os denunciou como tendo desprovidas de selo terceiras vias de saques para a cobrança; por isto os comerciantes foram execu-tados para pagar 102$000 de selo devido e a multa de 10:000$000. Perante a pró-pria Recebedoria e ante a Fiscalização Bancária provaram que as terceiras vias estavam seladas, apenas o ex-empregado sonegara outros exemplares dos mes-mos saques e em terceiras vias, deixara de pôr os selos, de propósito, por saber que ia ser despedido. Os funcionários do Fisco acharam evidente a fraude do ex-empregado; porém, como apareceram terceiras vias não seladas, embora iguais às seladas, acharam do seu dever impor a multa. Os negociantes embargaram o executivo, e a sentença, de fl. 111, julgou procedentes os embargos. Vale a pena ler a brilhante decisão que liquida o caso. O empregado confessa ter ele ocultado as terceiras vias; não houve apreensão nenhuma, porém entrega dos papéis pelo ex-empregado ao Fisco, confessando ele que, na data em que isto fizera, a sua demis-são era assunto resolvido. Por todos estes motivos, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio e confirmar, por seus fundamentos, a sentença recorrida.

No Ag 7.984-embargos/MA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 26 de abril de 1939, julgou-se matéria de processo tributário, relativa à natu-reza e contornos dos embargos. Basicamente, em todas as peças juntadas pelo contribuinte mantinha-se a mesma linha de raciocínio, não se apresentando nenhum fato novo ou circunstância justificativa de mudança de entendimento, por parte do Supremo Tribunal Federal, ementando-se e acordando-se, da forma que reproduzo em seguida:

EMENTASão irrelevantes os embargos que reproduzem, apenas, a matéria já ale-

gada anteriormente e apreciada na decisão recorrida.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que é embar-

gante a Companhia Fluvial Maranhense, e embargada a Fazenda Nacional: A embargante foi executada para o pagamento de 6:080$400, de imposto sobre a renda correspondente ao exercício de 1934, e mais 552$800, de multa; articulou, em embargos à penhora, nulidade do processo, por ter sido ajuizada a multa antes de se permitir ao contribuinte ampla defesa; sustentou, ainda, a improce-dência do executivo; porque a exeqüente cobrou imposto do exercício de 1935 em processo referente ao exercício de 1934 e baseado na renda auferida em 1933, quando em 1935 nenhum lucro houve; e nenhum juro fora pago a residente no

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Ministro Carlos Maximiliano

estrangeiro. A princípio, o Juiz de primeira instância repeliu a defesa (fl. 64); porém, havendo agravo da executada, ele reformou a sua decisão (fl. 93), reco-nhecendo o alegado pela agravante, isto é, estar errado o cálculo feito pela Seção do Imposto sobre a Renda para fixar o quantum da dívida ajuizada, achando-se 5:527$600, em vez do que deveria constar, — 5:593$594; demais, no processo administrativo não se fala em multa; portanto, não era líquida a quantia recla-mada; por isto, concluía o magistrado julgando improcedente a ação. Houve agravo e recurso necessário; o Supremo Tribunal deu provimento a ambos os recursos, para reformar a decisão de primeira instância; porque a falta de lucros se refere ao ano social de 1935, e a base do lançamento foram os proventos de 1933; demais, do laudo pericial, de fl. 26, consta o contrário do alegado pela exe-cutada, isto é, consta haver a mesma pago juros devidos aos sócios Blagden & Cia., de Londres. Veio com embargos a executada, reproduzindo as mesmas ale-gações já apreciadas em primeira e segunda instância, isto é, que o cálculo feito pela Seção do Imposto sobre a Renda estava errado, e que os juros a residentes no estrangeiro não foram pagos, embora tivessem sido escriturados. Não juntou nenhum documento novo, e a matéria é toda velha, três vezes ventilada, em embargos à penhora, na Minuta de Agravo e nas Razões de fl. 99. Acorda, por isto, o Supremo Tribunal Federal em rejeitar in limine os embargos, por serem irrelevantes (Decreto-Lei 6, de 16 de novembro de 1937, art. 6º, n. I e § 2º).

No AgP 8.044/DF, julgado em 31 de maio de 1938 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se matéria fiscal de fundo constitucional, relativa ao art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição de 193487, entendido pelo Supremo Tribunal Federal como dispositivo excepcional, demandando interpre-tação também excepcional. Discutiram-se também os efeitos de ato pendente de aprovação, enquanto a Assembléia Nacional Constituinte promulgava o texto constitucional de 1934:

EMENTAO art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição de 1934 constitui

preceito de natureza excepcional; portanto, na dúvida, não se deve considerar como aplicável a determinada espécie judiciária. Atos ainda não aprovados, de Ministros, não constituíam, no dia 16 de julho de 1934, deliberações do Governo Provisório ou dos seus auxiliares não sujeitas a apreciação judiciária.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

a Standart Oil Company of Brazil e agravada a União Federal: A agravante foi

87 Art. 18 do ADCT da Constituição de 1934: “Ficam aprovados os atos do Governo Provisório, dos interventores federais nos Estados e mais delegados do mesmo Governo, e excluída qualquer apre-ciação judiciária dos mesmos atos e dos seus efeitos. Parágrafo único. O Presidente da República organizará, oportunamente, uma ou várias Comissões presididas por magistrados federais vitalícios que, apreciando de plano as reclamações dos interessados, emitirão parecer sobre a conveniência do aproveitamento destes nos cargos ou funções públicas que exerciam e de que tenham sido afasta-dos pelo Governo Provisório, os seus Delegados, ou em outros correspondentes, logo que possível, excluído sempre o pagamento de vencimentos atrasados ou de quaisquer indenizações.”

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multada em 4.925:458$000, por infração dos regulamentos sobre vendas mer-cantis. Pareceu aos fiscais, pelo exame da escrita e documentos da companhia, ter esta deixado de pagar o imposto proporcional sobre vendas efetuadas; defen-deu-se a Standart Oil, com alegar que os papéis examinados não eram faturas, porém simples relatórios de agentes seus, que nada compraram, pois eram sim-ples mandatários e agiram nesta qualidade.

A Recebedoria do Distrito Federal manteve a multa (Despacho à fl. 28). A companhia intimada a depositar a importância respectiva para poder recorrer, atendeu, sob protesto. O Conselho dos Contribuintes deu provimento ao recurso, por unanimidade (fls. 54 e 60). O Ministro da Fazenda, para o qual recorreu o representante da Fazenda Pública, declarou-se impedido de julgar; por isto foi o processo ao da Justiça, que confirmou a decisão da Recebedoria, em 14 de julho de 1934, dois dias antes de promulgada a Constituição (fl. 63v.), despacho este que ficou pendente de aprovação do Chefe do Governo provisório — Deu-se a aprovação; porém, o despacho que a exarava não tinha data. A 30 de julho, em pleno regime constitucional, a Diretoria das Rendas Internas do Tesouro oficiou ao Conselho dos Contribuintes, fazendo-o ciente de que o Ministro da Fazenda, por ato de 25 do mesmo mês, mandara cumprir o despacho do chefe do Governo (não disse “do Governo provisório”) exarado no processo fichado sob n. 47.897, que aprovou a decisão de 14 deste mês, do Sr. Ministro da Justiça (fl. 63v., onde vem toda a decisão aprovada).

A Standart Oil propôs ação sumária especial, para anular os despachos do Ministro e do Chefe do Governo; a Procuradoria da República levantou a preliminar de ser insuscetível de apreciação judiciária a confirmação da multa, por se tratar de ato do Governo Provisório aprovado pelo art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição de 1934. A sentença, de fl. 236, acolheu esta prelimi-nar, e, sob este único fundamento, julgou carecedora de ação a Companhia. Houve agravo, interposto no prazo legal e com a citação da lei permissiva e da ofendida.

O caso é de agravo, visto haver a sentença concluído por uma preliminar terminativa do feito (art. 13 do Decreto 4.381, de 5 de dezembro de 1921).

Duas vezes a Standart Oil pediu certidão do despacho do Chefe do Governo, e em ambas foi reproduzida sem data a decisão referida. A publicação só se deu no Diário oficial de 2 de agosto (fls. 63v. a 66v.); não declara quando foi a espécie resolvida superiormente. Um despacho ministerial de 14 de julho, provavelmente, na melhor das hipóteses, só a 15 chegaria às mãos do Chefe do Governo; não parece verossímil que assunto tão complicado, como se vê do longo parecer do Procurador-Geral da República, ouvido a respeito pelo Ministro da Justiça, fosse decidido em 24 horas, e em que 24 horas? precisamente naque-las que antecediam a promulgação do estatuto básico e a eleição presidencial!

Objeta a Procuradoria da República incumbir à autora o ônus da prova do momento em que foi despachado o processo. Não parece: trata-se de preli-minar exclusiva da ação; cabia à ré provar a existência do fato fundamental da preliminar. O caso é de norma excepcional; portanto, na dúvida, decide se con-tra a sua aplicação: não provado discutir-se ato anterior a 16 de julho de 1934, dele conhece o Judiciário, por ser este conhecimento acorde com a regra geral. Objeta-se que o Ministro da Fazenda mandou cumprir o despacho do Chefe do Governo; não disse — “despacho do Presidente da República”; logo, a decisão foi anterior a 16 de julho. Ora, o Ministro usa de expressão dúbia — “Chefe do Governo”; não esclarece — “Governo provisório”; e o Presidente da República é o Chefe do Governo; permanece, pois, a dúvida, motivo para se não aplicar o preceito excepcional. Lembra-se, enfim, que o art. 18 aprovou não só os atos do Chefe do Governo Provisório, mas também os de seus delegados; nesta categoria se incluem os Ministros; e o Ministro da Justiça decidira em 14 de

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Ministro Carlos Maximiliano

julho. O ato de auxiliar não era perfeito e acabado, no dia 16 de julho; pendia de confirmação; tanto que não foi publicado, nem teve ordem de cumprimento ou execução; e a Constituição extinguiu o apelo ao Judiciário, porém não o recurso ex officio para o Chefe do Governo.

Juridicamente, portanto, o ato ministerial não estava completo; faltava-lhe a aprovação, necessária, obrigatória, e teria efeito contra as partes só depois de aprovado e publicado. Nada disto ocorreu antes de 16 de julho: a aprova-ção se deu presumivelmente depois, e a publicação, só em agosto. É duvidoso sobre se se tratava ou não de um ato definitivo; duvidoso, se qualquer despacho, até em processos administrativos, se inclui no art. 18, que parece referir-se ao que os escritores chamam atos do Governo, e não a simples atos de gestão. Quando tanta dúvida persiste, parece injurídico aplicar um preceito de natureza excepcional, sobretudo quando ainda nova dúvida surge: se, havendo sido a regra eliminada da Constituição de 1937 e sendo a sentença de 20 de dezembro do ano passado, ainda poderia aplicar o art. 18. Por todos estes motivos, acor-dam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao agravo, para determinar que o juiz a quo se pronuncie sobre o mérito da causa, como lhe parecer de direito.

No Ag 8.097/BA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 10 de junho de 1938, decidiu-se, nos termos da ementa e do acórdão reproduzidos a seguir, que execução fiscal só se justificaria se ao longo do processo administra-tivo fossem implementadas todas as formalidades legais.

EMENTAImprocede o executivo para cobrança de multa imposta em processo

administrativo não revestido das formalidades legais.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que

é recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda Pública na Bahia e recorrido José Agostinho de Paiva: O recorrido pôs no jornal “O Imparcial” o seguinte anúncio:

agostinho paiva(construtor)Avisa ao Comércio, aos seus amigos e fregueses que mudou-se da

Boa Vista de Brotas para a Rua D. Pedro I, n. 22 (Calçada), onde se acha à disposição dos mesmos.Imediatamente o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura impôs

ao Sr. Paiva a multa de 500$000, cominada pelo Decreto 23.569, de 11 de dezem-bro de 1933, por — “estar anunciado, em jornais, usando o título de construtor sem estar devidamente habilitado”. Recusado o pagamento, o Procurador da República iniciou o executivo. Nos embargos à penhora, Paiva articulou (fl. 24): 1º — não conter o jornal referido um anúncio, porém simples comunicação de mudança, às pessoas amigas, e não ter sido por ele promovida nem autorizada a publicação; 2º — não se haverem observado no processo administrativo os trâ-mites regulares. O juiz, na sentença de fl. 60, nenhuma referência fez à primeira alegação, evidentemente desarrazoada; porém aceitou a segunda. Na verdade, o Decreto citado, no art. 17, invocado pelo Conselho, determina: “Todo aquele que, mediante anúncios, placas, cartões comerciais e outros meios quaisquer,

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se propuser ao exercício da engenharia, da arquitetura, ou da agrimensura, em algum de seus ramos, fica sujeito às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver devidamente registrado”.

Entretanto, o próprio Conselho regulou o processo; estabeleceu dever o infrator ser intimado para apresentar defesa; e, no caso presente, apenas o intimaram a suspender o anúncio e recolher a multa imposta sem audiência do culpado; demais, deveria ser enviada ao Juízo uma cópia autêntica da ata do jul-gamento; remeteram somente certidão de ata em que um conselheiro reclamara contra o não pagamento da multa, e o Conselho, atendendo-o, deliberara enviar o processo ao Procurador da República, a fim de este promover a cobrança. Foi claramente postergada a observância do estabelecido nos arts. 3º e 5º da resolução 7, votada pelo mesmo Conselho e anexa, mediante cópia, aos autos, à fl. 3: o primeiro obriga a notificar o infrator e a lhe dar o prazo de 10 dias para defesa; o segundo manda juntar aos autos uma certidão da ata do julgamento. Irregular o processo de imposição da multa, não documentado legalmente o executivo, ficou este eivado de nulidade visceral; como, porém, o Juiz a quo o declarou improcedente, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, componentes da Segunda Turma, em dar provimento ao recurso ex officio, para julgar nulo o executivo e insubsistente a penhora.

No AgP 8.264/BA, relatado pelo Ministro Carlos Maximiliano e julgado em 29 de novembro de 1938, debateu-se a incidência de imposto de renda em vencimentos de magistrados. Entendia-se à época que não se podia tributar com o imposto de renda, de competência federal, vencimentos de juiz estadual. Esse entendimento, de certa forma, anuncia o modelo contemporâneo, que mantém essa regra, embora indiretamente. Tributa-se a renda do magistrado estadual (como se tributam as rendas de todos os servidores públicos estaduais). No entanto, não se repassam à União os valores recolhidos, por força de dispo-sição constitucional expressa, nesse sentido. No caso em apreço ementou-se, e acordou-se, como segue:

EMENTAOs vencimentos de magistrado estadual não servem de base para o lan-

çamento de imposto federal sobre a renda.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em

que é recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda Pública na Bahia e recorrido o Desembargador Cyrillo Nunes Leal Filho: Este magistrado estadual foi lan-çado para o pagamento de imposto sobre a renda consistente em vencimentos percebidos do erário local; recusando-se a pagar, foi executado; a sentença de primeira instância, baseada na jurisprudência do pretório excelso, julgou pro-cedentes os embargos e insubsistente a penhora; houve só o recurso necessário, tendo o Exmo. Sr. Procurador-Geral opinado estar o veredictum acorde com os julgados do Supremo Tribunal. De fato, isto se verifica; pelo que, os Ministros do Supremo Tribunal Federal acordam, em turma julgadora, em negar provi-mento ao recurso ex officio.

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Ministro Carlos Maximiliano

No Ag 8.312/DF, julgado em 23 de dezembro de 1938 e relatado por Carlos Maximiliano, debateu-se intrigante tema de bitributação internacional. Já à época criticava-se a bitributação. Porém, nesse caso específico, as rendas foram auferi-das no Brasil, o que justificava a pretensão do governo brasileiro, no sentido de lançar o que reputava devido, nos termos da ementa e do relatório que seguem:

EMENTACita-se inicialmente o procurador do contribuinte ausente, para os dois

processos, administrativo e judicial. O fato de cobrar Governo estrangeiro impostos sobre rendas auferidas no Brasil, não isenta de igual ônus o contri-buinte perante o erário deste País.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

José de Oliveira Brizida e agravada a Fazenda Nacional: O agravante foi exe-cutado para o pagamento de imposto sobre a renda correspondente ao exercício de 1931; defendeu-se com articular em embargos: 1º — ser nulo o processo, por haver sido feita a procurador sem poderes especiais a citação inicial; 2º — tendo o contribuinte pago igual imposto em Portugal, está conseqüentemente livre de semelhante ônus no Brasil, por se não admitir a dupla tributação; 3º — quando estivesse sujeito ao tributo, estaria livre da multa, alcançada pela prescrição de um ano (fl. 22). A sentença de fl. 27 repeliu a defesa, porque o executado atendeu à citação, compareceu no prazo em juízo, antes de efetuada a penhora, e nada alegou sobre nulidade; demais, a cobrança pelo erário lusitano em nada influi nos direitos do Tesouro do Brasil, e a prescrição é de 5, não de 1 ano, quanto à multa fiscal. O Decreto 3.084, de 5 de novembro de 1898, Parte Quinta, arts. 58 e 59, admite a citação do procurador ou sócio, em se achando ausente o devedor; ora, o executado mora em Portugal e os dois indivíduos citados declararam ao oficial esta qualidade de procuradores (certidão à fl. 9v.) e foi precisamente um desses procuradores, Virgilio Silva, que substabeleceu os seus poderes no advogado, somente desta forma habilitando-se a oferecer embargos à penhora (fl. 21); o mesmo Virgílio fez, em pessoa, a defesa administrativa do contribuinte (fl.5); e a procuração, de fl. 6, é de uma amplitude extraordinária. Por outro lado, não há bis in idem, pelo fato de também o Governo Português tributar a renda auferida no Brasil; e o lapso prescricional das multas não se confunde com o das penas crimi-nais. Enfim, o próprio agravante prova ter pago ao Brasil imposto pela renda aufe-rida em outros anos, tentando, aliás, fazer confusão entre renda de 1931 e imposto de 1931, que se baseia na renda auferida no ano anterior, como bem demonstrou o Dr. Procurador da República à fl. 49, em contraminuta de agravo, apoiada, à fl. 59, pelo Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral. Por todos esses motivos, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

Julgado de alcance internacional também se registrou no voto proferido pelo Ministro Carlos Maximiliano no AgP 8.886/SP, relatado pelo Ministro José Linhares. A questão também evidenciou discussão em torno de fixação de responsabilidade tributária, no sentido de que o pagador de juros de debêntures deveria recolher os impostos incidentes sobre a aludida operação:

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Memória Jurisprudencial

EMENTAÉ sempre devido o imposto sobre a renda de quantias pagas como juros

de debêntures, ainda que seus portadores sejam residentes no estrangeiro. A Cia. pagadora deveria ter retido o imposto relativo a esses debenturistas estrangeiros, não o tendo feito, é por ele responsável. Inteligência do art. 174 do Reg. do Imposto sobre a Renda.

(...)

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, há ainda um fato

a respeito do qual não houve precedentes e que separa um pouco esta hipótese das outras: ou a Companhia remete os juros das debêntures e paga na fonte o imposto correspondente a esta remessa ou, como fazem outras, talvez mesmo para se libertarem do ônus fiscal, leva parte destes juros a uma conta de capital e emite novas ações.

Ainda há, de fato, um pagamento, porque o credor não recebe o juro, mas recebe novos títulos valiosos, o que vem a dar no mesmo.

No caso em apreço, há uma parte desta soma que é levada a lucros e per-das. Não é capitalizada nem paga.

Nós sempre mandamos tributar na fonte os juros remetidos. Entretanto, os juros de que se trata, não foram remetidos, não foram pagos. Apenas, a Companhia, para evitar deficits futuros, tomou a providência de os lançar em conta especial no desígnio de os pagar mais tarde, naturalmente de acordo com os próprios subscritores. Assim, se, agora, formos cobrar o imposto sobre essa soma, acontece que, se, mais tarde, a Companhia resolver pagar tais juros, ela será lançada de novo, pagando o imposto pela segunda vez. Ela mesma já se esqueceu de que, quanto juros de 35 e 36 foi lançada noutro processo e, hoje, é lançada de novo. É a conseqüência do lançamento antes da remessa.

Por isso tudo, dou provimento ao agravo, em parte, para excluir a soma levada à conta de lucros e perdas.

Percepção de federalismo, em seu sentido fiscal, pode ser observado no conteúdo do julgado no Ag 8.967/MG, relatado por Carlos Maximiliano e deci-dido em 13 de setembro de 1940. Discutia-se a possibilidade de a União tributar juros de debêntures garantidos por unidade federativa, em intrigante questão que também ventilava aplicação retroativa de legislação tributária. A pretensão da União, no sentido de tributar as operações realizadas pelos Estados, onerava esses últimos, no entender do acórdão que segue, orquestrado por Carlos Maximiliano:

EMENTANão pode a União tributar juros de debêntures integralmente garantidos

por um dos Estados da Federação.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz dos Feitos da Fazenda e agra-vado o banco Hipotecário e agrícola do estado de Minas Gerais: O agravado foi executado para o pagamento de 107:455$900, sendo 95:942$300 de imposto

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Ministro Carlos Maximiliano

sobre a renda constante de juros remetidos a correspondentes estrangeiros, no total de 1.199:285$500, e 11:513$100, de multa. Defendeu-se o Banco, alegando que os juros se referem ao ano de 1931, quando vigorava a Lei 4.783, de 31 de dezembro de 1923, que excluía do pagamento os devedores que se obrigaram a pagar juros livres de impostos; acresce que esses juros foram garantidos pelo Estado de Minas Gerais e, portanto, não poderia a União tributá-los sem onerar diretamente o Estado. Está provada só a segunda circunstância alegada pelo agravado, o qual juntou, à fl. 101, certidão de Acórdão excluindo da tributa-ção o Banco, pelo segundo fundamento. Vencedor o Banco (fl. 87v.), o Exmo. Sr. Dr. Procurador Geral, à fl. 115, pediu a reforma da Sentença. Quanto ao primeiro fundamento, a lei favorável ao Banco foi revogada em 1932; portanto, aproveita a hipótese ocorrida em 1931; porém falta a documentação de haver ele emitido as debêntures livres de impostos. O documento de fl. 21v., certidão do contrato entre o Estado e o Banco, estatui: “As obrigações garantidas pelo Estado, nos termos da Lei 551, de 23 de junho do corrente ano, do Decreto 3.210, deste mês, e Contrato de 4 de fevereiro de 1911, começarão a gozar do juro de seis por cento ao ano, inclusive taxa de 1% para amortização, a datar de pri-meiro de junho corrente”. Naquele tempo, isto é, em dezembro de 1934, data do executivo, vigorava a Constituição de 1934, que isentava de impostos federais os serviços contratados pelos Estados. Demais, debêntures, ao contrário das ações, rendem só os juros estipulados, ou melhor, juros certos, e estes, no caso em apreço, são precisamente os garantidos pelo Estado. O Banco triunfou duas vezes, em caso análogo (acórdãos de 17-1-1938 e 28-9-1939). Por isto, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo, interposto da sentença de fl. 87v.

No Ag 8.322/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 30 de dezembro de 1938, discutiu-se problema ligado a fábrica de cigarros, em âmbito de cumprimento de obrigação tributária acessória, relativo ao recolhimento de selos. Percebia-se evasão fiscal, porquanto, com o objetivo de furtar-se ao recolhimento do selo de controle de cigarros, a agravante vendia o produto a granel, em flagrante afronto ao imposto de consumo, cuja legislação de regência se aplicava integral-mente, em âmbito de Supremo Tribunal Federal. Além disso, havia farta produção de prova, dado que o contribuinte mantinha também atividade em fábrica clandes-tina, cuja existência explicara invocando que no local apenas realiza experiências:

EMENTAQuem mantém fábrica de cigarros sem pagar a respectiva patente e vende

o produto a granel, para se libertar da obrigação de selar, incorre em multa.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

Armando Trappani e agravada a Fazenda Nacional: o agravante foi multado em 5:000$000, em virtude de acórdão do Conselho dos Contribuintes, por violação de preceitos regulamentares concernentes ao imposto de consumo, visto fabricar cigarros sem pagar o imposto respectivo. Veio com embargos, apoiado em deci-são favorável do Diretor da Recebedoria Federal em São Paulo, o qual não achou

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provada a sonegação do tributo referido. A sentença, de fl. 108, julgou subsistente a penhora; agravou o executado; o Juiz sustentou o seu ato, à fl. 124; o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 129, opinou pela confirmação do veredictum.

O fundamento principal da sentença é terem sido os embargos assinados pelo próprio executado, que não é advogado; não pode, na esfera cível, procurar em juízo. Além disto, o termo de declaração, de fl. 24, convence de que a pró-pria esposa do executado, gerente da fábrica na ausência do marido, confessou ao funcionário fiscal a existência de fábrica de cigarros, os quais eram vendidos embrulhados em qualquer papel e sem selos; mostrou, a pedido do fiscal, os maquinismos e os cigarros não selados; por isto, foi lavrado o auto de infração e apreensão, à fl. 26, subscrito pela mesma senhora. A decisão do Diretor da Recebedoria encontra-se à fl. 92; está em flagrante discordância com os pare-ceres dos funcionários da mesma Recebedoria, por lei obrigados a opinar no caso, sobretudo os de fls. 65 v. e 90 v. O acórdão do Conselho de Contribuintes, à fl. 94, põe em evidência a falta punível; pois o executado só depois de autuado pagou a patente para fabricar cigarros, e mantinha verdadeira fábrica clandes-tina, alegando, apenas, que assim procedia por estar só realizando experiências. Pelos motivos expostos, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e confirmar a sentença recorrida.

No AgP 8.368/PR, julgado em 11 de abril de 1939 e relatado por Carlos Maximiliano, retomou-se, ainda outra vez, a relação entre a execução fiscal e a defesa do executado em esfera administrativa. O caso centrava-se na impresta-bilidade dada a execução que radicava em processo administrativo em que não se implementou toda a defesa em favor do interessado:

EMENTAÉ nulo o executivo fiscal promovido contra pessoa à qual se não facultou

prazo legal para se defender, no processo administrativo.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que

é recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda de Curitiba e recorrido Luiz G. A. Valente: O Delegado do Trabalho Marítimo de Paranaguá multou Luiz Valente em 400$000, por infração do art. 11, parágrafo único, do Decreto 24.743, de 14 de julho de 1934; o executado defendeu-se, fazendo, entre outras alegações, a de que lhe não deram o prazo legal para a defesa, no processo administrativo, e isto provou com certidão. A sentença, de fl. 31, julgou procedentes os embargos e anulou o processado. Houve só o recurso necessário, tendo o Dr. Procurador da República, à fl. 33, declarado que não agravara; porque, por equívoco, se não abrira o prazo para a defesa administrativa do embargante. A sentença recorrida baseou-se em jurisprudência constante do pretório excelso; pelo que merece confirmação. Acorda, pois, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio e confirmar a decisão recorrida.

No Ag 8.378/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 11 de abril de 1939, o assunto era a aplicabilidade de penalidade no importador de eti-

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Ministro Carlos Maximiliano

quetas e o uso que fazia do material importado, à luz de implicações tributárias, nos termos que seguem:

EMENTANão incorre em penalidade o que importa simples etiquetas-reclames,

para usar em envelopes ou cartas, em propaganda de mercadoria.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo e recurso ex officio,

em que é agravante a Fazenda Nacional, recorrente o Juiz Federal de São Paulo, e recorrido Frank Brykrman: Este comerciante foi multado por ter importado rótulos estrangeiros; executado, opôs embargos articulando e provando que, em vez de rótulos, fizera vir simples etiquetas-reclames, para colar em envelo-pes e cartas, em propaganda de artigo estrangeiro, como se usa em toda parte. O Dr. Procurador da República limitou-se a afirmar ser indiscutível o direito da Fazenda, desde que esta junta certidão de inscrição de dívida. A sentença, de fl. 51, julgou provados os embargos e insubsistente a penhora. Houve agravo e recurso necessário. O texto que se disse violado é o art. 1º do Decreto 2.742, de 17 de dezembro de 1897, assim concebido: “É proibido importar e fabricar rótulos que se prestem à fabricação de bebidas e quaisquer outros produtos nacionais, com o fim de vender estes como se fossem estrangeiros”. Logo, desde que se não verifique a condição final — de se pretender mascarar artigo nacional para intro-duzir no comércio como estrangeiro —, não há transgressão da lei citada. Ora, o embargante provou, até com declaração escrita dos fabricantes suecos, ter man-dado vir os reclames de lâminas suecas para propaganda das mesmas; à fl. 19 se mostra que não se trata de rótulos, porém de uma espécie de selo-reclame, desti-nado a ser aposto em envelopes e cartas, não em lâminas fabricadas no Brasil. Por isso, acorda o Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma julgadora, em negar provimento ao agravo e ao recurso ex officio e confirmar a sentença recorrida.

No julgado cujo acórdão acima se reproduziu, verifica-se que o repre-sentante da Fazenda, então o Procurador da República, limitara-se a insistir na prestabilidade da certidão de dívida ativa, e em seus elementos informadores, de certeza, de exigibilidade e de liquidez, não levando em conta os elementos probatórios em geral.

No AgP 8.388/PE, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 28 de abril de 1939, discutiu-se imposição de multa aplicada pelo Departamento Nacional de Saúde Pública. A questão propiciava investigação em torno de elementos fáticos de muito relevo, a exemplo do noticiado suborno de represen-tante do Departamento, que atestara o bom estado de um barracão. Além disso, comprovou-se que a demora no atendimento da intimação dos funcionários da Saúde Pública justificava a imposição da penalidade, que fomentou o processo administrativo que redundou na execução fiscal proposta:

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Memória Jurisprudencial

EMENTAO fato de se cumprir, com excessiva demora, uma intimação de funcio-

nários da Saúde Pública, é motivo suficiente para imposição de multa.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é

recorrente o Juiz Federal e recorrido Eduardo Marques Paulo: o recorrido foi executado para o pagamento de multa concernente a desobediência à intimação feita pelo Departamento Nacional de Saúde Pública; preliminarmente, pediu, por malícia, que se sustasse a execução, visto já ter efetuado o pagamento; o Dr. Cunha Melo, juiz federal, mandou ouvir, sobre o requerido, o Procurador da República, e este opinou tratar-se de segunda multa; pelo que o Juiz mandou prosseguir na execução. Veio com embargos o executado, alegando e provando que tardara em demolir um barracão condenado pela Diretoria de Saúde Pública por estar o mesmo alugado; cumprira a intimação. A sentença, de fl. 47, acolheu os embargos; a Fazenda não recorreu; e o Exmo. Sr. Procurador Geral, à fl. 55, declarou esperar que o Supremo Tribunal decidisse com a costumada sabedoria. É certo que o diretor da Saúde Pública prometeu, como refere a sentença, per-doar a multa, se cumprida a intimação, porém cumprida no prazo, e na mesma folha 14 manteve a multa, por haver o executado subornado um guarda, para este atestar o bom estado do barracão, ocasionando assim a demissão daquele funcionário. Demais, a demora foi excessiva, de um ano. Por todos estes moti-vos, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao recurso ex officio, para julgar subsistente a penhora e ordenar que se prossiga na execução.

No Ag 8.398/DF, julgado em 28 de abril de 1939, com relatoria de Carlos Maximiliano, tocou-se em importante questão relativa a extensão da multa administrativa a adquirentes de imóvel, nos termos seguintes:

EMENTAMulta administrativa não constitui ônus real, transmissível aos adqui-

rentes de imóvel.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é

recorrente juiz federal, e recorrido Adriano Gouvêa Mourão: Maria Caetano foi multada em 100$000 pela 3ª Delegacia de Saúde Pública, isto por haver violado interdito imposto ao sobrado do prédio n. 53 da Rua S. Cláudio; em execução, penhoraram metade daquele imóvel; veio com embargos de terceiro senhor e possuidor Adriano Gouvêa Mourão, alegando e provando que comprara aquele prédio, com pleno conhecimento e quitação da Fazenda Nacional, e não era res-ponsável por dívidas da D. Maria Caetano. O Procurador da República argüiu nulidade dos embargos, repelida pelo Juiz Federal, e afirmou — baseado no Decreto 169-A, de 1890, art. 5º, § 4º; no Regulamento 370, de 1890, art. 242; no Decreto 3.084, de 1898, Parte III, cap. xI, art. 49, § 3º, e no Código Civil, art. 677 — estarem as multas equiparadas aos impostos e serem, como estes,

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Ministro Carlos Maximiliano

transmissíveis aos adquirentes de imóveis. O Juiz Federal Cunha Mello repeliu esta doutrina; outro Procurador concordou com a sentença e pediu a anulação do executivo (fl. 29v.); assim opinou também o Exmo. Sr. Procurador Geral. Nenhum dos textos invocados pelo representante da Fazenda equipara as mul-tas administrativas aos impostos. O § 4º do art. 5º do Decreto 169-A declara: “Ficam salvos, independentemente de transcrição e inscrição, e considerados como ônus reais, a décima e outros impostos respectivos aos imóveis”. Idêntica é a redação do art. 242 do Regulamento 370, citado: o Decreto 3.084, Parte III, art. 649, § 3º apenas diz que —“os ônus reais passam com o imóvel para o domínio do comprador ou sucessor”; não afirma serem as multas ônus reais; e o art. 677 do Código Civil só menciona impostos sobre prédios; nem ao menos nivela todos os impostos. Nenhum fundamento jurídico teve, pois, a ação do Procurador da República; por isto, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio e con-firmar a sentença recorrida.

No julgado acima reproduzido, entendeu-se que a plena quitação dada pela Fazenda Pública instrumentalizava o interesse do contribuinte. Além disso, fixou-se entendimento de que a multa administrativa não se transmitia por res-ponsabilidade, a exemplo do que ocorria com os impostos.

No AgP 8.446/PE, julgado em 12 de maio de 1939 e relatado por Carlos Maximiliano, debateu-se aspecto da situação fiscal do usineiro, sob um viés de igualdade, na medida em que se equiparou o agricultor proprietário de usina de uso próprio com os agricultores em geral, que foram contemplados com bene-fícios de moratória. Discutiu-se se usineiro era agricultor, isto é, se proprietário de usina (ainda que também atuante na agricultura) poderia receber benefícios fiscais ordinária e originalmente deferidos apenas a agricultores.

EMENTAO agricultor, que tem usina própria, nem por isso deixa de gozar dos bene-

fícios da moratória concedida aos que exploram a terra e os respectivos produtos.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de petição, em que é

agravante a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz dos Feitos da Fazenda em Pernambuco, e agravados os sucessores do Dr. Estácio de Albuquerque Coimbra: o Dr. Estácio Coimbra foi executado, como proprietário da Usina Central Barreiros, para o pagamento do imposto sobre a renda; veio com embar-gos, articulando haver sobrevindo a cobrança judicial no decurso da morató-ria aos agricultores, concedida pelo Decreto-Lei 1.001, de 29 de dezembro de 1938, em prorrogação da outorgada pelo de n. 150, de 30 de dezembro de 1937; demais, estando a usina em princípio de funcionamento, não houvera paga-mento de juros. A sentença, de fl. 80, anulou o executivo, por intempestivo em face do Decreto-Lei sobre moratória à lavoura. Houve agravo e recurso necessá-rio. De fato, o Dr. Estácio Coimbra, ao tempo do lançamento de tributo cobrado, era exclusivamente agricultor usineiro, e a lei abrangia a exploração agrícola,

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Memória Jurisprudencial

“ainda quando à mesma associem o beneficiamento ou transformação indus-trial dos respectivos produtos”, (art. 3º). A própria defesa da Fazenda reconhece (fl. 30) ser o Dr. Estácio industrial somente como fabricante de açúcar e álcool, precisamente a transformação do produto da sua plantação de cana de açúcar. Acha o Procurador que usineiro não é propriamente agricultor; sim, o simples e exclusivo usineiro não o será; mas, nos termos do Decreto-Lei citado, a mora-tória abrange o agricultor com usina própria, na qual transforma os produtos da sua lavoura, como sucedia, com o executado; e as leis de anistia se interpre-tam amplamente. Pelas razões expostas, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e ao recurso ex officio.

No AgP 8.503/PA, julgado em 20 de junho de 1939 e relatado por Carlos Maximiliano, estava em jogo o regime de competência do Ministro da Fazenda, relativo a questões de redução de impostos e taxas aduaneiras, em tema que do ponto de vista fático poderia ser afeto a outros ministérios. Fixou-se enten-dimento no sentido de que, em tema de sonegação de impostos, a autoridade superior competente seria o Ministro da Fazenda, embora a fraude tivesse sido praticada por explorador de serviço público contratado com outro ministério:

EMENTAEm questões referentes a reduções de impostos e taxas aduaneiras, a au-

toridade suprema é o Ministro da Fazenda, embora a fraude parta de companhia que tem contrato com outro ministério.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio. Em que é

recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda em Belém do Pará e recorrida a compa-nhia port of pará: A companhia foi executada, para o pagamento de 51:613$300 de impostos de importação, 202$400 de imposto de consumo, e 13:442$500 de multa; porque consentiu em empregar em obras de terceiros material importado com redução de taxas como destinado aos seus serviços. Procedida a penhora, veio com embargos a executada, articulando que estava nulo o processo, base-ado em despacho do Ministro da Fazenda, quando o assunto era da competên-cia do Ministério contratante, o da Viação; este, por um aviso, estendera aos consertos feitos em navios não pertencentes à Companhia e executados por terceiros os favores aduaneiros assegurados para o material importado para uso da port of pará; entretanto, confessa que outro Ministro da Viação revogou o aviso interpretativo de contrato, aviso de lavra de antecessor seu, faculdade que a executada nega ao novo titular da pasta da Viação; demais, é inconstitucional o segundo aviso, por violar direito adquirido em conseqüência do anterior. A sen-tença, de fl. 59, julgou improcedentes e não provados os embargos da executada; esta agravou. O Juiz reformou a sua decisão (fl. 75).

O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, por ter o Juiz esposado os argumen-tos da embargante opinou pela reforma do segundo veredictum (fl. 80).

A primeira sentença está correta e deveria ter sido mantida. Em matéria de sonegação de impostos, a autoridade superior competente é o Ministro da Fazenda, embora a fraude haja sido praticada por explorador de serviço público

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Ministro Carlos Maximiliano

contratado com outro Ministério. Demais, o próprio Ministério da Viação revo-gou a cerebrina exegese dada em aviso de antecessor seu. Enfim, aviso interpre-tativo não constitui direito adquirido; para os casos anteriores, quando muito, provaria boa fé, por parte da companhia.

Já pela Ordem 31, de 6 de dezembro de 1927, expedida pelo Ministério da Fazenda, a companhia foi cientificada de não poder empregar em obras de terceiros o material que pagou taxa reduzido; entretanto, continuou a abusar até 1930, quando foi autuada (processo administrativo apenso, fl. 1).

O Sr. Juiz, ao reformar a sua decisão anterior, afirma terem os documen-tos juntados às fls. de 16 a 49 pela embargante provado o seu direito. Ao contrá-rio, à fl. 18 v. está a certidão, junta pela própria embargante, do ofício cuja cópia ela recebeu, declarando, em 1927, que só com autorização prévia poderia ela dar outro destino, empregando em serviços efetuados por terceiros o material importado com abatimento de taxas; e em 1930 ela desatendia a esta observação. O contrato, constante de folheto juntado pela embargada, à fl. 20, não contém nada que justifique o aviso interpretativo em boa hora revogado. O contrato, no § único do art. Ix, dá a taxa de 5% “para os materiais necessários à execução, conservação e custeio das obras e serviços da concessão”; logo, não poderia autorizar a empregar tal material em reparos de navios pertencentes a particu-lares e executadas por terceiros. Este parágrafo apenas substituiu a antiga isen-ção de direitos e taxas por uma taxa única, de 5% ad valorem; não estendeu os favores a obras aproveitáveis por particulares, embora em navios que também trabalhassem para a companhia, como explicou o aviso liberal.

Pelas razões expostas, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao recurso ex officio, para julgar improcedentes os embargos e subsistente a penhora, prosseguindo-se a execução.

No Ag 8.531/PE, julgado em 18 de julho de 1939 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se outra vez a natureza jurídica da presunção que matiza a execução fiscal. Na hipótese, havia indícios de apropriação indébita, dado que se cogitava de tributo recolhido pelo Presidente da Junta de Corretores do Estado do Pernambuco e não repassado à União. No entanto, verificaram-se divergências entre cálculos produzidos pela Alfândega e pelos agentes fiscais. A matéria era de estrita verificação de provas, o que mais uma vez identificava o Supremo Tribunal Federal como casa revisora:

EMENTANão prevalece a cobrança executiva de dívida cuja liquidez não está evidente.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz dos Feitos da Fazenda em Pernambuco, e agravado Manoel Gomes de Mattos Junior: O Sr. Procurador da República em Recife propôs executivo fiscal contra o Sr. Mattos Junior, para haver do mesmo a quantia de Rs. 10:424$700, de imposto sobre operações a termo, arrecadado por ele nos anos de 1932 a 1934, como Presidente da Junta de Corretores de Pernambuco, e não recolhido aos cofres da União; mais 500$000,

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Memória Jurisprudencial

de multa, e 3:422$400, correspondente à comissão de 2%, que retirou, porém perdeu em virtude do art. 16 do Decreto 17.537, de 10 de novembro de 1926. O Juiz anulou o processado, por não vir o executivo acompanhado de título líquido de dívida (fl. 115); o Supremo Tribunal julgou válido o processo, por ter sido juntada certidão da dívida, considerando matéria concernente ao mérito a relativa à liquidez do crédito, que deveria ser apreciada pelo Juiz a quo (fls. 127-32). Este julgou provados os embargos e insubsistente a penhora (fl. 137 v.); houve agravo da Fazenda e recurso necessário; o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma do veredictum (fl. 149).

Existem várias decisões divergentes do acórdão mencionado; entretanto, não cabe a uma turma reformar decisão da outra: foi considerado mérito a dúvida suscitada a respeito da liquidez do pedido.

Conforme bem acentuou a sentença recorrida, os autos evidenciam diver-gência entre os cálculos da Alfândega e os dos agentes fiscais; só em um dos cál-culos aparece a soma de 10:424$700; e nada se fez para esclarecer a divergência. Demais, fala-se em restituir a comissão de 2%; mas, conforme objetou o réu, 2% sobre 10:424$700, atingiriam, apenas, a 208$940, não a 3:422$400.

O art. 16 do Decreto 17.537 prescreve:O síndico das juntas de corretores de mercadorias e os chefes de

instituições oficiais congêneres ficarão sujeitos à multa de 500$000, se não for feito o recolhimento diário do imposto, além da perda de comissão.É claro que se trata da comissão correspondente às somas não recolhi-

das; não a calculada sobre toda a arrecadação feita; pois sobre as quantias rece-bidas e entregues ao Tesouro, a percentagem fora muito legalmente auferida. Quanto à própria soma de 10:424$700, parece tratar-se menos de apropriação de imposto que de extravio de provas de entrada com as quantias arrecadadas.

Como se vê, não houve cobrança líquida e certa; seria caso de mandar que a Fazenda agisse pelas vias ordinárias; mas, em conseqüência do acórdão de fl. 127-32, que considerou a iliquidez da dívida, matéria concernente ao mérito e, portanto, motivo de repulsa definitiva da cobrança, à Segunda Turma resta, somente, julgar improcedente o executivo e insubsistente a penhora. Acorda, portanto, em negar provimento ao agravo e ao recurso ex officio e confirmar a sentença recorrida.

No Ag 8.540/DF, julgado em 20 de junho de 1939, estava em jogo a fixa-ção da plausibilidade da intimação (ainda que administrativa) feita a empregado de contribuinte, nos seguintes termos:

EMENTAA intimação administrativa feita a empregado de companhia incumbido

de receber a correspondência é suficiente para se considerar inteirada de pro-cesso contra a mesma instaurado por uma repartição fiscal.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo e recurso ex offi-

cio, em que é agravante a Fazenda Nacional, recorrente o Dr. Juiz dos Feitos da Fazenda e recorrido o Cassino Balneário da Urca: Esta empresa deixou de fazer declaração de renda do exercício de 1935; pelo que foi feito o lança-mento ex officio e a Fazenda Nacional tratou de promover a cobrança do tributo

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Ministro Carlos Maximiliano

correspondente. Correu a empresa a impedir a penhora, mas nem sequer segu-rou o juízo. Por isto, se procedeu à penhora de apólices por ela oferecidas. Veio com embargos, articulando ser nula a penhora, por haver recaído em bens de valor superior à dívida; demais, a lei exige intimação pessoal do devedor, e este foi intimado na pessoa de empregado seu. A sentença, de fl. 82, acolheu esta última alegação e julgou improcedente o pedido. O Procurador da República agravou; o Juiz recorreu ex officio e à fl. 118 sustentou a sua decisão. À fl. 122 o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma do veredictum.

Não há excesso de penhora. Esta recaiu nos bens oferecidos pelo Cassino, que ofereceu à penhora 120 apólices, de valor nominal de 1:000$000, para garan-tir dívida de 108$000, juros da mora de quase quatro anos e custas. Não há nada de excessivo em tal penhora, aliás, recaindo no que o próprio executado ofereceu.

O art. 114 da então vigorante lei sobre o imposto relativo à renda man-dava fazer o lançamento ex officio mediante processo, ou simplesmente por um despacho do chefe da repartição competente, intimado pessoalmente, com a declaração de ciente no processo, ou por meio de registrado postal com direito a recibo de volta ou por edital.

Não se trata de pessoa física; e, sim, de uma empresa. Se preferissem a intimação por meio de registrado, o recibo teria sido assinado pelo empregado incumbido de receber a correspondência; pois bem, foi precisamente este que tomou conhecimento da intimação, assinou o ciente, e ainda carimbou o papel com o carimbo do cassino. Não parece indispensável intimar a própria dire-toria, como pretende a sentença. À fl. 100 está, em processo administrativo, o recibo de registrado, repetido à fl. 102. Além disto, consta também, à fl. 99v., ter sido a empresa notificada por meio do Diário oficial, o que se repete à fl. 101v. Houve o processo, que se acha apenso às fls. 98 e seguintes. Tanto a empresa estava ciente de tudo, que, entrando em juízo a inicial da execução no dia 26 de outubro, antes de ser citada, em 28, ela entrou com a defesa prévia; de sorte que a petição da Fazenda foi despachada em 26, a da empresa tem a data de 27, despachada a 28. Não existe, pois, nulidade visceral. Quando houvesse, entre-tanto, seria o caso de anular o processado; não de julgar improcedente a ação; pois a dívida existe; a falta de declaração de renda não foi sequer contestada; o lançamento ex officio e a multa foram, portanto, legais. Pelos motivos expostos, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao agravo e ao recurso necessário, para julgar válidos o processo administrativo e o judicial e determinar que o Dr. Juiz a quo se pronuncie sobre o mérito do pedido.

No Ag 8.570-embargos/RJ, julgado em 31 de janeiro de 1941 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se, ainda outra vez, incidência de imposto de renda em face de proventos de magistrado, nada obstante a questão tenha alcan-çado o Supremo Tribunal Federal por força de necessidade de se esclarecerem valores de alçada:

EMENTANa vigência do Decreto-Lei 6, de 16 de novembro de 1937, era de rigor o recur-

so ex officio, em se tratando de matéria constitucional, ainda que se tratasse de causa fiscal de valor inferior a dois contos de réis e fosse vencedora a Fazenda Nacional.

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Memória Jurisprudencial

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que é embargante

a união Federal e embargado o Desembargador João Maria Nunes perestrello:A Fazenda Nacional executou o embargado, para o pagamento de 254$

de imposto sobre a renda e multa, relativo ao ano de 1934. Opôs embargos o exe-cutado, articulando estar isento do tributo, por incidir esse sobre os proventos de magistrado estadual. Foi-lhe desfavorável a sentença de primeira instância; mas, em grau de agravo, a Primeira Turma do Supremo Tribunal, pelo acórdão de fl. 42, acolheu a defesa. Veio a União com embargos infringentes, alegando somente que se não admite recurso de sentença proferida em causa fiscal de valor inferior a dois contos de réis (fl. 50). De fato assim foi estabelecido pelo Decreto-Lei 6, de 16 de novembro de 1937, art. 19. Entretanto, a Procuradoria da República invocou esta defesa, mas cometeu o erro de situar a hipótese em lei posterior, a de n. 960, de 17 de dezembro de 1938 (fl. 34), que a Primeira Turma recusou aplicar à espécie. Entretanto, como a alegação foi feita em tempo, embora com citação inadequada de texto positivo, cumpre, agora, ao tribunal conhecer da alegação da Fazenda. Não é verdade que o Decreto-Lei 960 tenha apenas ratificado o estabelecido pelo de nº 6; este, no art. 19, exclui do recurso as causas de valor inferior a dois contos; mas, no respectivo parágrafo, acres-centa: “Se a decisão envolver matéria constitucional, o Juiz recorrerá ex officio”. O magistrado não o fez; mas se trata de recurso necessário; portanto, o Tribunal do mesmo conhece, ainda que não haja sido interposto. O acórdão teve outro fundamento; porém o certo é que devia a Turma conhecer da espécie. Por este motivo, o veredictum está certo, em sua conclusão, e acorda o Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos, visto ser a tributação referente ao tempo em que vigorava a Constituição de 1934.

No Ag 8.542/MA, julgado em 4 de julho de 1939, relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se a incidência de imposto de renda em relação a juros de apólices federais emitidas antes da criação do imposto de renda no Brasil. Tratava-se de matéria afeta a Direito Intertemporal, especialidade de Carlos Maximiliano, que sobre esse assunto escrevera livro que é reputado como um clássico de nossa literatura jurídica:

EMENTAJuros de apólices federais emitidas antes de ser instituído o imposto sobre

a renda não entram no cômputo dos proventos sujeitos ao mencionado tributo.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio em que

é recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda no Maranhão e recorrida D. esther ribeiro cavalcanti: Contra D. Esther foi requerido executivo para o pagamento de 2:456$600, de imposto sobre a renda, 245$700 de multa de mora, e 540$500, de emolumentos de 20% aos empregados incumbidos da execução da causa; veio com defesa prévia aquela senhora, antes de ser citada, para o que segurou o juízo. Alegou ter feito em tempo a sua declaração de renda, inclusive a concernente a apólices federais, que esclareceu não serem objeto de tributo em virtude da data da respectiva emissão, anterior à instituição do imposto sobre a renda; pagou o

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Ministro Carlos Maximiliano

devido, com exclusão do que poderia corresponder aos juros dos títulos referidos. Juntou prova plena do articulado (fl. 38). A sentença, de fl. 43v., apoiando-se na jurisprudência do Supremo Tribunal e na prova oferecida, julgou procedentes e provados os embargos e improcedente o executivo. Não recorreu o representante da Fazenda, embora intimado do veredictum; houve só o recurso necessário. O Exmo. Sr. Dr. Procurador Geral opinou pela reforma da sentença (fl. 51v.).

De acordo com os fundamentos da decisão recorrida, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio.

No AgP 8.571/BA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 8 de agosto de 1939, debateu-se a anulação da execução fiscal, instruída por certidão de dívida ativa prenhe de erros, assunto que era recorrente, e que freqüente-mente era enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal:

EMENTAAnula-se o executivo fiscal, desde que a certidão de dívida inscrita está

eivada de erros, não somente quanto ao cálculo do débito, mas também no tocante às fontes da renda tomada como objeto de imposto cobrado.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que

é recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda na Bahia, e recorrido Francisco Soares Baía: A Fazenda Nacional executou o recorrido, para o pagamento de 2:749$200, sendo 1:832$800 de imposto sobre a renda exigível no exercício de 1932 e 916$400 de multa; opôs embargos o contribuinte, articulando a falta de liquidez e certeza do débito ajuizado; porquanto aparecem parcela repetida, rendimento de prédio pertencente a terceiro e erro de cálculo concernente ao imposto complementar progressivo. A sentença, de fl. 29, julgou provados os embargos e anulou o processo. Não recorreu ao representante da Fazenda. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, embora achasse que efetivamente a certidão que instruiu a inicial não traduziu o débito verdadeiro, opinou pelo provimento do recurso necessário, a fim de que o Dr. Juiz a quo se pronuncie sobre o mérito da causa. Efetivamente, à primeira vista, surge a suspeita de que o próprio jul-gador achou meios de reduzir simplesmente o quantum reclamado, caso em que, em vez de anular o processo, deveria fazer a correção aritmética. Entretanto, logo adiante, contradizendo-se, o digno magistrado mostra que se incluíram aluguéis de um prédio, em vez dos de outro, confirmando, assim, o articulado pelo embargante, tendo servido como base de cálculo o rendimento do imóvel que nunca pertenceu ao executado, e não incluído o de outro que o mesmo alu-gara. A certidão não contém, portanto, simples inexatidão aritmética; está bem errada; por isto, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal componen-tes da Segunda Turma em negar provimento ao recurso ex officio e confirmar a anulação do processo executivo fiscal.

No mesmo sentido, o conteúdo do acórdão lavrado para o Ag 9.769/RS, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 13 de maio de 1941, em que se fixou que as presunções que plasmam a certidão de dívida ativa podem ser contraria-das, e que a prova definitiva em desfavor da Fazenda prejudica o desdobramento da execução fiscal. No pano de fundo, também o descumprimento de obrigação

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Memória Jurisprudencial

tributária acessória, na modalidade “tolerar”, na medida em que o executado não franqueara o seu estabelecimento comercial às autoridades fazendárias, para devi-das investigações. O executado invocava que fora maltratado pelos representantes do Fisco, e que a própria filha sofrera muito, por força de forte crise nervosa:

EMENTAAs certidões oferecidas pelo Fisco cedem em face da prova contrária.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é re-

corrente o Juiz de Direito da Comarca de Cachoeira, no Rio Grande do Sul, e recorrido Pedro Neme Ache: Este foi executado para pagar multa de 5:000$000, por não haver franqueado o seu estabelecimento comercial ao exame dos agen-tes do Fisco. Opôs embargos, articulando que tudo facilitara, apesar de maltra-tado pelos funcionários, os quais agiram com violência tal que a filha, doente, do negociante teve forte crise nervosa; acharam bebidas não seladas, mas em casa de um vizinho, pessoa não dependente do multado. A sentença de fl. 48, julgou provados os embargos e improcedente o executivo. Houve só o recurso neces-sário. À fl. 56, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela confirmação do veredictum. Na verdade, a prova é toda contrária aos agentes do Fisco e favorá-vel ao executado; por isto, acorda, por sua Segunda Turma, o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio.

No Ag 8.623-embargos/DF, julgado em 19 de junho de 1940 e relatado por Carlos Maximiliano, debateu-se a prestabilidade de embargos opostos a acórdão que deu pela Fazenda Pública em execução fiscal. Do ponto de vista substancial, a discussão centrava-se na incidência de imposto sobre a renda referente a juros de debêntures pertencentes a residentes no estrangeiro, em face do que o executado insistia que incidência dava-se no que se referia a juros remetidos, e não a juros creditados. Do ponto de vista processual, o acórdão conduzido por Carlos Maximiliano apegou-se em disposição regulamentar que não permitia o prosseguimento de recursos, em instância superior, em face de eventual julgamento confirmatório de decisão recorrida e proferida em agravo:

EMENTANão cabem embargos a acórdão confirmativo de decisão proferida a

favor da Fazenda em executivo fiscal.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que embar-

gante o crédit Foncier du brésil et de l’amérique du sud e embargada a Fazenda Nacional: O crédit Foncier foi executado para o pagamento de 1.008:880$100, de imposto sobre a renda e multa por não haver sido satisfeito pela atual embargante o imposto sobre a renda concernente a juros de debêntures pertencentes a resi-dentes no estrangeiro. Defendeu-se com articular recair o imposto sobre os juros

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remetidos e não sobre os creditados, simplesmente, à matriz do próprio banco (embargos à fl. 27). A sentença de fl. 67 julgou improcedentes os embargos e sub-sistente a penhora. Foi confirmada pelo acórdão unânime, de fl. 100 a 109. Veio com embargos o executado, com alegar ter sido o veredictum discordante de outro da mesma turma, do qual junta certidão, e de um da Segunda Turma, no sentido de não estar o devedor obrigado a entrar com o imposto concernente aos juros de debêntures, desde que as emitiu com a garantia de pagar juros livres de impostos (Decreto de 1926, art. 164). O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 120, opinou pelo não cabimento dos embargos, por ter sido confirmada a sentença favorável à Fazenda. Efetivamente, o acórdão tem a data de 5 de outubro de 1939 (fl. 109), e o Decreto-Lei 960, de 17 de dezembro de 1938, estipulou: “Art. 73. Não se admitirá recurso algum, na instância superior, contra o julgamento confirmatório da deci-são recorrida e proferido no agravo ou na testemunhal destinada a torná-lo efe-tivo”. Por esta razão, acorda o Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos.

Aspecto de formalidade, relativo à assinatura do infrator no auto de infra-ção de lei fiscal, foi o tema do Ag 8.628/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 12 de setembro de 1939. Nele, discutiu-se a resistência do executado, que teria obstaculizado ação de fiscalização de funcionários da Saúde Pública, circunstância agravada pelo fato de que se dera em público, junto a uma multi-dão de curiosos. O assunto também ventilava aplicação e interpretação literal de lei. É que o texto normativo dispunha sobre a faculdade de o infrator assinar o auto, que deveria ser também subscrito por testemunhas; mas não se mencio-nava a obrigação de que o acusado assinasse o aludido documento, como se lê no excerto em seguida reproduzido:

EMENTAEm auto de infração de lei fiscal não é indispensável a assinatura do infra-

tor. Não se recebem embargos de terceiro que se limita a defender o executado.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Dr. Juiz da 3ª Vara dos Feitos da Fazenda e agravado Izaias Gomes de Pinho: O agravado foi multado por se opor à ação fiscalizadora dos funcionários da Saúde Pública, desacatando-os perante multidão de curiosos (auto de infração à fl. 18). Procedendo-se a penhora, a firma Oliveira & Souza, alegando ter a penhora recaído em bens seus, veio com embargos, articulando, também, nulidade da execução, por falta de assina-tura do auto de infração pelo autuado e por estar este sendo punido duas vezes pela mesma falta; pois a inicial o dava como incurso no art. 668 do Decreto 16.300, combinado com o mesmo artigo. A sentença, de fl. 23, acolheu a ale-gação concernente ao vício no auto de infração e julgou improcedente o débito e insubsistente a penhora. Houve agravo e recurso necessário; à fl. 41 o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma da decisão recorrida.

Não se trata de auto de flagrante criminal, mas de auto de infração.Rege-se este pelo regulamento aprovado pelo Decreto 16.300, de 31 de

dezembro de 1923, que estatui:Art. 1.650. A autoridade sanitária ou o funcionário que verificar

a infração lavrará um auto circunstanciado e testemunhado, que poderá

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ser também assinado pelo infrator, procedendo, em seguida, se for o caso, à apreensão dos feitos, ou documentos que comprovem a infração e de tudo fará remessa dentro de 24 horas ao chefe do serviço.Como se vê, a lei não exige assinatura do infrator; diz que o auto poderá

ser por ele, também, assinado; reclama-se apenas a assinatura de testemunhas; este requisito foi atendido. Alega-se que, pela falta atribuída ao infrator, mais se trata de auto de desacato, o qual se rege pelas leis processuais criminais, e estas exigem assinatura do autuado, ou de testemunhas que atestem não ter ele querido subscrever. O título do auto é auto de infração; a pena imposta não é de desacato; o motivo é a recusa ou dificultação dos atos fiscalizadores, tudo da competência dos empregados incumbidos da fiscalização; apenas é narrada, a mais, a circunstância de haver o infrator injuriado os funcionários perante mul-tidão de pessoas. Trata-se, portanto, de auto de infração, circunstanciado, como reclama a lei; com o intuito de atender a este requisito, tudo foi exposto, inclusive o tom injurioso da resistência; nem por isso o auto perdeu valor; ao contrário, atendeu, com a maior segurança e minúcia, às exigências do artigo 1.650, trans-crito. Por outro lado, os embargantes, longe de provar serem seus os bens penho-rados, única alegação própria de terceiro, se limitaram a sustentar a invalidade do executivo em si. Também se não pediram duas penas pela mesma falta; nem sequer houve lapso de expressão, a ponto de capitular a falta no art. 668 duas vezes; o auto só declara classificar a infração no mencionado artigo; não o faz duas vezes. Enfim, como a sentença já apreciou o mérito e julgou insubsistente a penhora e improcedente o crédito, também a Segunda Turma do Supremo Tribunal julga de meritis e acorda em dar provimento ao agravo e ao recurso ex officio para julgar subsistente a penhora e mandar que se prossiga na execução.

A natureza da certidão de dívida ativa foi também discutida no AgP 8.652/BA, relatado por Carlos Maximiliano e decidido em 22 de setembro de 1939, em que se definiu que a desconstrução do título executivo da Fazenda Pública exige prova robusta:

EMENTAContra a certidão de dívida oferecida pela Fazenda em executivo fiscal,

só prevalece prova plena, incontrastável, em contrário.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

Francisco Coqueijo Sampaio e agravada a Fazenda Nacional: O agravante foi executado para o pagamento de imposto sobre a renda, na importância de 2:073$800, correspondente ao exercício de 1931, e multa de 207$400. Nos embargos apenas articulou nada dever. A sentença de fl. 52 julgou não provados os embargos; agravou o executado; à fl. 72, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela confirmação do veredictum. O exame do processo administrativo apenso aos autos dá a impressão, colhida pela sentença, de que as pretensas pro-vas oferecidas pelo executado, além de serem documentos graciosos, não apre-sentam os requisitos de liquidez necessários para ilidir a certidão apresentada pela Fazenda. Com efeito, aparece uma declaração de Feliciano Gonzalez & Cia., de ser de 1:000$000 mensais o aluguel de prédio pertencente ao agravante e por aquela firma ocupado; mas o exame da escrita da mesma firma, feito pelos funcionários da repartição do imposto sobre a renda, deu mais — 12:600$, por

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ano, conforme confessa o Agravante na minuta de fl. 60; este não acha outra explicação senão a possibilidade de erro na escrita do inquilino. Também, junta o executado carta de Magalhães & Cia., declarando terem recebido, no ano de 1930, de juros hipotecários devidos pelo agravante, a quantia de 3:961$280; entretanto a mesma firma havia declarado à seção fiscal competente estar o exe-cutado em débito relativo aos mesmos juros, e em quantia maior — 3:961$280 em vez de 3:696$850. Por outro lado, as deduções concernentes a encargos de família foram pela repartição competente achadas em desacordo com os fatos e a lei. Bastariam, entretanto, os dois casos referentes aos negócios com Feliciano Gonzalez & Cia. e Magalhães & Cia., para ficar evidente a falta de prova plena dos embargos; pelo que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal acorda em negar provimento ao agravo.

Foi esse também o tema da discussão que animou o AgP 8.811/SP, rela-tado por Carlos Maximiliano e julgado em 26 de dezembro de 1939. Mais uma vez examinou-se questão fática, de prova. É que o executado fora multado por-que manteria armazém de secos e molhados em situação irregular, uma vez que não era comerciante devidamente matriculado. O executado, que ganhou a ação, insistia que mantinha as mercadorias para atender aos colonos que tra-balhavam em sua fazenda, bem como argumentou que as demais mercadorias encontradas em sua casa eram destinadas ao uso da própria família:

EMENTACertidão de dívida fiscal pode ser ilidida por prova plena em contrário.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de gravo, em que é agravante a

Fazenda Nacional, e agravado benedito rodrigues Moreira: Este foi executado para pagar a multa de 200$000, penalidade mínima estabelecida pelo art. 30, § 4º, letra d, do Decreto 22.061, de 9 de novembro de 1932, por manter em sua fazenda agrícola um armazém sem o livro competente sobre vendas mercantis. A sentença, de fl. 90, julgou procedentes os embargos do executado, que alegara não ser comerciante e só fornecer aos seus colonos gêneros produzidos na pró-pria fazenda. Houve agravo e faltou o recurso necessário. À fl. 113v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma da decisão recorrida. O executado juntou prova documental de nunca ter sido lotado como negociante (fls. 25 e 70). A Fazenda Nacional contesta, à fl. 28, os embargos, articulando tratar-se apenas de questão de fato; o fazendeiro vendia, além dos artigos produzidos em sua fazenda — feijão, farinha, toucinho —, também aguardente, fumo, fósforos, sal e açúcar. O processo administrativo proveio de denúncia de um ex-capataz despedido pelo réu (denúncia à fl. 36). Testemunhas afirmaram terem sido os artigos não produzidos na fazenda vendidos diretamente por negociantes aos colonos, de sorte que os encontrados na despensa do executado se destinavam ao consumo de sua família (fls. 74-76). O Conselho dos Contribuintes manteve a multa (fl. 47). A Fazenda limitou-se ao auto de infração; só o executado pro-duziu prova, e toda ela lhe foi favorável, sendo de notar a origem espúria, sus-peitíssima da denúncia. Por isto, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

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Trata-se também do assunto discutido no Ag 9.468/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 3 de dezembro de 1940, em que se eviden-ciou engano por parte da administração fiscal. Além disso percebe-se, na linha argumentativa do julgado, certa confusão relativa aos lançamentos fiscais, por-quanto opõe-se imposto de renda a imposto de licenças:

EMENTADesde que a certidão de dívida oferecida pela Fazenda não dirime toda

dúvida a respeito do crédito fiscal, não é possível condenar, em simples execu-tivo, o contribuinte.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante a

Fazenda Nacional; recorrente ex officio o Juiz dos Feitos da Fazenda; e agravado Humberto Garcez: O agravado foi executado para o pagamento de 522$600, de imposto sobre a renda e multa; opôs embargos à penhora, articulando ser a renda proveniente do exercício da advocacia e, como figurassem nos assentamentos da repartição duas casas, a do escritório e a de residência, lançaram-no, talvez por engano, duas vezes, quando não se trata de negócio comercial; ele pagou o devido, e ficou debitado pelo indevido. O articulado foi julgado provado pela sentença de fl. 19. Houve agravo e recurso necessário; à fl. 32v. o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pelo provimento dos recursos. Trata-se de evidente engano da repartição competente; ainda mesmo que o advogado tivesse dois escritórios, não pagaria dois impostos sobre a renda; pois se não trata de imposto de licença.

É verdade que o documento de fl. 12 fala, na parte impressa, em exercí-cio de 1927, quando de trata de imposto de 1931; mas evidentemente se apro-veitou um velho impresso e corrigiu com o carimbo, havendo o esquecimento de riscar a parte impressa concernente ao exercício; porquanto, se o advogado fosse pagar, só em 1932 o imposto de 1927, cobrar-lhe-iam multa, e o talão dá o pagamento sem multa, isto é, em vez de 234$400 mais 117$200, apenas 234$400 desde que a certidão da dívida oferecida pela Fazenda não dirime toda dúvida a respeito do crédito fiscal, não é possível condenar, em simples executivo, o contribuinte. Pelos motivos expostos, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e ao recurso ex officio.

No julgamento do Ag 9.684/DF, relatado por Carlos Maximiliano e jul-gado em 6 de maio de 1941, discutia-se a recusa da Administração, no sentido de enviar processo administrativo requisitado por autoridade judicial. A decisão demonstra que o Supremo Tribunal Federal não sufragava arbitrariedades, por parte da Administração, ainda que vivêssemos regime autoritário. É o que obje-tivamente sugere a ementa e o acórdão que seguem:

EMENTAA demora causada pela administração não prejudica a defesa do contri-

buinte. Não pode a Fazenda negar ao Juízo a remessa do processo administra-tivo, requisitada em tempo e regularmente.

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Ministro Carlos Maximiliano

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante a

Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública, e agravada a Companhia Perfumarias Beija-Flor: A agravada foi pro-cessada administrativamente para o pagamento de imposto em dobro; como a lei lhe facultava depositar ou dar fiador idôneo, preferiu esse último alvitre; mas as repartições competentes demoraram muito em decidir se era idôneo o fiador e autorizar, conseqüentemente, a assinar a fiança, prosseguindo-se, então, e só então, no processo; entretanto, consideraram perempta a defesa, pela demora em sua apresentação.

Invocando, em caso análogo, decisão do Supremo Tribunal, a propósito de execução contra Theodor Wille, que obteve mandado de segurança (fl. 35), a Companhia opôs embargos à penhora; a sentença de fl. 68 julgou provados os embargos, porém pelo fato de se haver negado a remessa do processo adminis-trativo ao Juízo.

À fl. 94, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma da sen-tença. Não só houve o abuso de se negar a remessa do processo administrativo, mas se descontou à executada o tempo que a administração tardou em resolver sobre a fiança; por isto, acorda, por sua Segunda Turma, o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

Nulidades em execução fiscal foi tema do AgP 8.655/DF, relatado pelo Ministro Carlos Maximiliano e julgado em 3 de outubro de 1939, no qual se definiu que nulidades insanáveis não poderiam ser supridas por acordo entre exeqüente e executado. Leitura acurada da decisão indica aspectos específicos de prova, de matéria fática, de certa forma apreciada pelo Supremo Tribunal Federal:

EMENTANem mesmo em executivo fiscal o assentimento das partes supre nulida-

des insanáveis.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que são agra-

vantes Borges & Irmão e é agravada a Fazenda Nacional: Os agravantes foram executados para o pagamento da multa de 10:000$000, por haverem operado sobre cambiais sem o pagamento de selo respectivo. Ofereceram defesa pré-via, isto é, anterior à penhora (fl.9), alegando tratar-se de cambiais de pronta entrega, não das que deveriam ser liquidadas em prazo superior a 5 dias; havendo, apenas, retardamento da entrega, não prazo superior ao mencionado. A sentença, de fl. 38, julgou improcedente a defesa e procedente o depósito com força de penhora, portanto, subsistente esta; daí o agravo. À fl. 71, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pelo não provimento do recurso interposto.

O Decreto 17.538, de 10 de novembro de 1926, dispunha:Art. 56. Incorrerão na multa de 10:000$000 os bancos e compa-

nhias nacionais ou estrangeiras e respectivas agências ou quaisquer outras instituições, que operarem sobre cambiais sem pagamento do selo devido. Esta multa atingirá a cada um dos que interferirem em tais operações.

Art. 38, n. b. São isentos de selo proporcional as operações sobre letra de câmbio, até cinco dias de prazo e inferiores a L. 1000.

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Tabela a, § 2º. Se a operação for contratada para um prazo maior de 30 dias úteis, o selo será pago em cada período de 30 dias ou fração de 30 dias.Conforme o auto de infração, constante do processo administrativo, à

fl. 20v., Borges & Irmão contrataram com a firma exportadora S. Pereira & Cia., por intermédio de corretor, duas operações cambiais para liquidação pronta, sendo uma de 45 libras, dezesseis shillings e quatro pence, e outra, de £.24-13-5, datadas de 8 de julho de 1935; porém os dois contratos só foram apresentados à fiscalização respectiva em data posterior aos 5 dias da lei. À vista do trecho transcrito da Tabela A, § 2º, desde que hajam decorridos mais de 5 dias, isto é, 30 dias ou fração, incorrem na multa de 10:000$000 os responsáveis pelo selo. A defesa alega ter havido demora na entrega, por causa do retardamento na par-tida do navio, a qual fixaria o dia da entrega referida. Logo, o prazo não era, de fato, de menos de 5 dias: negociaram para entregar quando partisse tal navio; isto poderia ocorrer depois de 5 dias; assim aconteceu: era devido o selo, aliás, insignificante, de 2$000. Segundo a própria defesa, os documentos determina-vam pronta entrega; mas esta estava sujeita a prorrogação tácita; pois ficaria dependente da partida de certo navio. Deviam, ou substituir os documentos, depois dos 5 dias, ou selá-los. Só em minuta de agravo, os executados alegaram nulidades. Consistiram estas em não ter o auto de infração mencionado o nome da pessoa em cujo poder foram encontradas as cambiais sem selo; não terem sido intimados, para a defesa, os próprios Borges & Irmão; faltar no auto a assinatura de testemunhas. O Juiz já achara que o assentimento manifestado em audiência pelos executados, a respeito das nulidades, sanara todas, conforme preceitua o Decreto-Lei 960, de 1938. Realmente, advogado e Procurador da República, explicitamente, no termo de audiência de fl. 37, acordaram em dar como ratifi-cado o processado e considerar supridas quaisquer nulidades porventura ocor-ridas. Do auto de infração consta haverem sido intimados borges & Irmão, na pessoa de um seu empregado, cujo nome ele não quis declinar, declarando o auto que, por isto, não foi a firma intimada (fl. 21); assim como a falta de testemunhas no auto de infração. O Decreto-Lei 960, de 17 de dezembro de 1938, no art. 19, manda suprir as nulidades sanáveis, e pronunciar as insanáveis; ora, o acordo ou assentimento das partes não supre nulidades insanáveis, como são as referen-tes à citação para se defender e à regularidade do auto de infração. Isto é tanto mais exigível quando se trata de multa muito superior ao valor do negócio feito (menos de 70 libras), e cobram 10:000$000 pela falta de 2$000, de selo. Pelas razões expostas, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao agravo, para anular o processado.

Isenção de impostos federais, em favor de concessionários de serviço público, foi assunto discutido no Ag 8.661-embargos/GO, relatado pelo Minis-tro Carlos Maximiliano e julgado em 16 de abril de 1941. A questão também apontava para a fixação de nosso modelo federalista, ainda que em época de hipertrofia do Poder Executivo central, o que era característica da Carta autori-tária de 1937. Não obstante, o lançamento tributário então discutido reportava-se ao texto constitucional de 1934:

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Ministro Carlos Maximiliano

EMENTAOs concessionários de serviço público sem garantia de juros nem parti-

cipação do Estado, ou Município, nos lucros, nunca estiveram isentos do paga-mento de imposto federal sobre a renda auferida mediante a concessão.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que são embar-

gantes Guedes ratto & cia. e embargada a união Federal: Os embargantes foram executados para o pagamento de 5:676$000, de imposto de renda no exer-cício de 1937 e multa respectiva. Opuseram embargos, articulando ter sido a renda tributada adquirida no desempenho de serviços públicos locais, em virtude de contrato para iluminação e força elétrica na cidade de Goiás. A sentença, de fl. 38, acolheu a defesa; foi reformada, em grau de recurso ex officio, pelo acór-dão de fl. 43. Vieram com embargos infringentes os vencidos, articulando que, em caso igual e entre as mesmas partes, a propósito do Agravo 7.648, o Tribunal Pleno decidira de modo diverso. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral mostrou o contrário, em parecer à fl. 60v. O art. 17, n. x, da Constituição de 1934, vigente na época do lançamento, apenas isentava de tributo federal os próprios serviços con-cedidos e o respectivo aparelhamento; não incluía os lucros do capital; assim se tem decido em casos semelhantes, como bem demonstrou a Procuradoria-Geral.

No caso invocado pelos embargantes, o Tribunal Pleno não se pronun-ciou sobre o mérito; rejeitou in limine os embargos por sua irrelevância, ut fl. 57 (certidão junta pelos próprios embargantes); logo, não firmou exegese contrária à dos casos mencionados pela Fazenda. Por todos os motivos expostos, acorda o Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos.

A relação entre preço da arrematação e custas em execução fiscal, matéria processual, foi tema discutido no Ag 8.664/MT, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 22 de setembro de 1939:

EMENTAAinda mesmo que seja a Fazenda Nacional o credor em execução que

abranja todos os bens do devedor, desconta-se do preço da arrematação o mon-tante das custas devidas aos funcionários da Justiça local.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

a Fazenda Nacional e agravado o espólio de Modesto Dauzacker, a Fazenda executou o espólio pelo imposto sobre a renda; não houve embargos à penhora; procedendo-se à arrematação, determinou o Juiz estadual que, descontada a importância das custas processuais da execução, se remetesse o restante à exe-cutada. Agravou do despacho o Dr. Procurador da República, sob o fundamento de que, tendo a Fazenda privilégio sobre qualquer outro credor e não bastando o preço da arrematação para o pagamento do débito do executado, nada perce-beriam os escrivães; porquanto o art. 1.569, do Código Civil, que dá à Fazenda o sexto lugar, entre os credores privilegiados, e aos que tem direito a custas, o segundo foi revogado pelo Decreto 22.866, de 28 de junho de 1933, que dispôs:

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Memória Jurisprudencial

Art. 1º Os impostos e taxas devidos à Fazenda Pública, em qual-quer tempo, são pagos preferencialmente a quaisquer outros créditos, seja qual for a sua natureza.Pareceu ao Juiz que este texto se refere aos demais credores, inclusive os

hipotecários ou pignoratícios; não às custas processuais.Objeta o Procurador citando o art. 8º do Decreto 23.055, de 9 de agosto

de 1933, que especifica:Arrematados os bens penhorados por preço inferior ao da dívida,

juros de mora e custas, serão deduzidas as despesas feitas com a publi-cação de editais, com as diligências dos oficiais de justiça e avaliadores e com outras indispensáveis para a venda dos bens e recolhido o saldo aos cofres públicos, mediante guia do respectivo escrivão, prosseguindo a execução até o integral pagamento do pedido e custas.Afirma o Dr. Procurador excetuar a lei só às custas dos oficiais e avaliado-

res. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou, à fl. 133 v., pelo provimento do agravo.O próprio trecho transcrito do Decreto 23.055 mostra que as custas não

se compreendem no Decreto 22.866. Se o novo decreto não fala em custas dos escrivães, é porque naquele tempo as execuções se faziam no foro federal, onde a União não pagava custas; o trabalho para ela feito pelos escrivães era justa compensação das vantagens que a mesma lhes dava com os investir de funções rendosas; e isto advinha de texto especial, do citado Decreto 23.055, art. 2º, não das normas referentes à classificação dos credores privilegiados. Por outro lado, nenhum benefício deu a União aos escrivães locais, para a tornar credora de serviços que a lei estadual manda retribuir. Se a classificação estabelecida pelo Código Civil foi, na íntegra, substituída pelo Decreto 22.866, nem os oficiais de justiça, nem os avaliadores, nem os jornais que publicarem editais deveriam escapar à rasura em prol da Fazenda.

Os escrivães estaduais devem ser compreendidos no disposto no § 1º do art. 2º do Decreto 23.055, que estabelece o direito a custas, até mesmo para o caso de ser a Fazenda vencida. Eis o texto, tanto do artigo como do parágrafo.

Art. 2º A União Federal ou a sua Fazenda sendo vencida, não fica su-jeita ao pagamento de custas ou quaisquer emolumentos aos serventuários ou funcionários, aos quais são abonados vencimentos pelos cofres públicos.

§ 1º Os serventuários ou funcionários, sem vencimentos, terão direito a essas custas e emolumentos no caso acima referido, com relação aos atos que forem requeridos pelos representantes da união ou da Fazenda.Portanto, em relação aos atos requeridos pelos Procuradores da

República, a Fazenda paga as custas aos serventuários que nada recebem dos cofres públicos; assim decidiu, e bem, o Dr. Juiz a quo. Por isto, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal acorda em negar provimento ao agravo.

Competência para a execução de multa penal foi o tema debatido no AgP 8.684/RS, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 24 de outubro de 1939. O julgado esboçou, também, os efeitos de decisão penal em relação a execução fiscal, no que se refere ao lançamento de multas:

EMENTANão se executa civilmente para cobrar multa resultante de falta julgada

inexistente no juízo criminal.

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Ministro Carlos Maximiliano

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

a Fazenda Nacional, recorrente ex officio o Juiz dos Feitos da Fazenda em Porto Alegre, e agravado Gustavo Kauffmann: O agravado e sua mulher foram pro-cessados criminalmente por haverem sido encontradas em sua casa, ocultas na varanda, 17 garrafas de aguardente, e, no jardim, um quarto de barril, com a capacidade de 100 litros, tudo desprovido de rótulo, selo e nota de venda. Por sentença, ut certidão à fl. 14, foi julgada não provada a imputação, sendo os acusados absolvidos. Em seguida, o Dr. Procurador da República propôs con-tra o marido, Gustavo Kauffmann, executivo fiscal, para haver a multa comi-nada para a mesma infração. A sentença, de fl. 26, acolheu os embargos do executado e os julgou procedentes, determinando o levantamento da penhora. Intimado da sentença o Procurador, que pôs o seu ciente a 23 de junho, agra-vou a 26, tendo, também, o Dr. Juiz a quo recorrido ex officio. À fl. 41 o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma do veredictum. É certo que existe independência entre o processo civil e o criminal; porém com uma limitação, a do art. 1.525 do Código Civil, precisamente a norma que proclama tal inde-pendência: “não se poderá questionar mais sobre a existência do fato, ou quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo crimi-nal”. Quando a lei fala em fato, entende-se o fato delituoso incriminado. Ora, na esfera criminal julgaram inexistente a fraude e inocentes os apontados como autores; logo, não mais se pode renovar o debate, sobre semelhante assunto, no campo executivo civil; mas, não existindo falta, nem autoria, impossível se torna a execução por infração de leis fiscais. O Dr. Procurador deveria ter recor-rido da sentença absolutória, em vez de correr ao juízo civil. Por este motivo e pelos outros fundamentos da sentença recorrida, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo e ao recurso ex officio e confirmar a decisão de primeira instância.

Citação de contribuinte, por via postal, foi tema discutido no AgP 8.746-embargos/DF, julgado em 16 de abril de 1941 e relatado por Carlos Maximiliano. À época a questão era relevante, embora houvesse previsão legal para a aludida forma de citação, e o Ministro Carlos Maximiliano conduziu ementa e acórdão com os conteúdos seguintes:

EMENTAEm processo administrativo fiscal é válida a citação do contribuinte, por

via postal, sobretudo se pessoa íntima do interessado, no escritório do mesmo, assinou o recibo de volta.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que é embar-

gante o Dr. eduardo Guinle e embargada a Fazenda Nacional: A embargada executou o embargante, para o pagamento de 74:252$400, de imposto sobre a renda do exercício de 1931 e multa respectiva; ele opôs embargos, julgados procedentes pela sentença de fl. 84, reformada pelo acórdão de fls. 133-41 e 148-50. A Primeira Turma requisitou o processo administrativo, argüido de nulo pelo executado, que alegou defeitos na citação. Veio com embargos o ven-cido; impugnou-os à fl. 167 o Exmo. Sr. Dr. Procurador Geral. O embargante

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propositadamente confunde dois processos administrativos: no primeiro a sua intimação foi irregularmente feita; mas a repartição fiscal atendeu à reclamação do interessado, anulou tudo, fez novo processo; logo, só em relação a esse é lícito argumentar. Fez-se a intimação por via postal, como a lei prevê; houve recibo de volta, sinal de que o contribuinte foi inteirado do que se passava e da oportuni-dade de se defender pela segunda vez, assinado o recibo, na casa designada, pelo filho do embargante. Apresentou-se um advogado, com plenos poderes, e fez as declarações de renda; mais uma prova de que o Dr. Eduardo Guinle sabia do que se passava a seu respeito e de que fora informado da intimação. Entretanto, o procurador só preencheu os claros referentes ao nome, etc. do contribuinte; não se importou com os lugares em que devia apor os proventos do mesmo cidadão. Continuou o contribuinte a ser notificado de tudo, pelo mesmo modo, e prosse-guiu em desprezar a lei. Afinal, ainda a Primeira Turma, em vez de o condenar, apenas mandou que o Juiz a quo se pronunciasse acerca do mérito da execução: era o mais que poderia fazer, ante a conduta insólita do contribuinte em face do Fisco. Por isto acorda o Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos.

Multa por infração de legislação alfandegária, relativa a representante de firma estrangeira, foi tema que marcou o Ag 8.749/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 28 de novembro de 1939. Verifica-se que a questão também dava conta de relevação de multa, por parte do Ministro de Estado da Fazenda, por equidade:

EMENTADe quem se declara representante de firma estrangeira é cobrável a multa

imposta à mesma por infração de lei no tocante a mercadorias remetidas à ordem daquele.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que são agravan-

tes cohen schwegler & cia. e é agravada a Fazenda Nacional: Os agravantes foram executados para o pagamento da quantia de 67:360$500, correspondente a multa imposta pela Alfândega do Rio de Janeiro, por infração do regulamento de faturas consulares. Defenderam-se com alegar serem simples representan-tes comerciais, no Brasil, da firma japonesa Liebermann Waelchli & Cia.; esta remeteu mercadorias, desacompanhadas da respectiva fatura consular, para a firma Lojas Brasileiras S.A., a qual recusou receber a encomenda em tais con-dições; pelo que, a pedido da remetente, intervieram os agravantes, procurando resolver o caso, por meio de requerimentos do Ministro da Fazenda; indeferido o pedido, foram os documentos que o instruíam enviados à Alfândega, onde se extraviaram; ficando, assim, os mencionados comerciantes privados dos seus instrumentos de defesa, e, afinal, multados nos direitos em dobro, sendo de notar ter sido alterado o despacho do Inspetor da Alfândega concernente à matéria pelo funcionário a quem aproveitaria a multa; enfim, não sendo os agra-vantes donos, nem consignatários da mercadoria, a eles não podia ser imposta a multa. Está provado ter sido a mercadoria faturada à ordem, embora com a marca Lobras, que parece ser das Lojas Brasileiras; serem os agravantes repre-sentantes da firma japonesa Liebermann Waelchli & Cia., no Rio de Janeiro, e, neste caráter, se haverem dirigido ao Ministério da Fazenda (docs. às fls. de 37 a 98). A sentença, de fl. 136, julgou improcedentes os embargos e subsistente a

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penhora. Agravaram os executados. A argüição de que foi alterado o despacho do Inspetor só se refere ao fato de haverem acrescentado citações de disposi-ções legais a mais do que as invocadas em apoio da decisão referida, o que nada influi no resultado final. Quanto ao mérito, não há dúvida de que, sendo o faltoso domiciliado no estrangeiro, só ao seu representante pode ser a multa cobrada; ele naturalmente irá reaver do expedidor o que por ele pagou. Isto é tanto o mais justo quanto é certo que, embora as mercadorias fossem destinadas às Lojas Brasileiras, as faturas traziam a nota — a ordem; quem lhes daria, pois, o ver-dadeiro destino seria o representante da remetente; também este responderia, perante as repartições aduaneiras do Brasil, pelas faltas cometidas pela firma japonesa. Se a lei manda aplicar a multa — aos donos ou aos consignatários da mercadoria, claro está que a mesma é cobrável dos representantes autorizados pelos donos, caráter que os próprios agravantes a si próprios atribuíram, ao plei-tear ante a Alfândega e o Ministério da Fazenda a relevação da multa, por equi-dade: desatendida a súplica, impunha-se a execução contra os representantes do faltoso, como sempre acontece na esfera fiscal, no tocante às penas impostas a residentes no estrangeiro e a impostos e multas por esses devidos. A cláusula à ordem tornava consignatários os representantes do remetente. Pelas razões expostas, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal componentes da Segunda Turma em negar provimento ao agravo.

A propósito da prestabilidade de lançamento fiscal de ofício relativo a comerciante que deixara de exercer a atividade mercantil, decidiu-se no Ag 8.821/PE, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 12 de janeiro de 1940. Observe-se que se fez confusão em relação ao nome do executado, de modo que a inscrição fora em desfavor de uma pessoa, e a execução corria contra outra, no caso o recorrido. No entanto, nada obstante o erro, reconhecido, centrou-se a decisão no fato de que o recorrido não mais exercia atividade que suscitava o lançamento discutido:

EMENTAImprocede o lançamento ex officio para pagar imposto como comerciante

quem cessara de exercer atividade mercantil.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é

recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda Pública em Recife e recorrido alipio de Figueiredo: Este foi executado para o pagamento de 351$900, correspondentes ao imposto de renda do exercício de 1932 e multa respectiva. Opôs embargos o executado, alegando que a dívida fora inscrita em nome de alipio de azevedo e a execução movida contra alipio de Figueiredo. A Fazenda Nacional che-gou a requerer mandado contra Azevedo; ante a informação da Secretaria de Segurança Pública indicadora do engano, requereu novo mandado, em desa-cordo, aliás, com a primitiva certidão da dívida. Quanto ao mérito, alegou não ser mais comerciante em 1932, por ter sido infeliz nos negócios a ponto de requerer concordata preventiva; desde março de 1932, outra pessoa, Ignácio Gomes, tinha negócio no prédio onde comerciara o réu. Concluiu pedindo a

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juntada do processo administrativo. Este foi sempre dirigido contra alipio Figueiredo (fls. 18-31); houvera engano ao extrair a certidão. A sentença, de fl. 45, repeliu as nulidades argüidas; mas julgou provada a improcedência do lançamento ex officio; porque em 1932 o executado não mais exercia o comércio, tendo ficado evidenciado que na mesma casa negociara Ignácio Gomes, neste caráter lançado para o imposto sobre a renda, que pagou. O Dr. Procurador da República absteve-se de recorrer, tendo havido só o recurso necessário. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral limitou-se a fazer votos para que o Supremo Tribunal se pronunciasse com a habitual sabedoria. De acordo com os jurídicos fundamentos da sentença de primeira instância, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio.

Matéria muito próxima foi objeto do julgado no Ag 9.630/DF, apreciado em 22 de abril de 1941 e relatado por Carlos Maximiliano. Discutia-se se cons-trutor seria comerciante. Carlos Maximiliano capitaneou ementa e acórdão no sentido de que essas duas figuras não se confundiam:

EMENTAConstrutor não é comerciante; por isto, não está sujeito ao pagamento de

imposto sobre vendas mercantis.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é

recorrente Juiz de Direito da primeira Vara da Fazenda pública e recorrida a companhia construtora continental: A recorrida foi executada para o paga-mento de 1:791$000 de imposto sonegado e 5:373$000, de multa, por falta de selos em vendas mercantis; opôs embargos, articulando estarem os construtores isentos de semelhante ônus fiscal, conforme tem os tribunais decidido. A sen-tença, de fl. 26, acolheu a defesa; conformou-se o Ministério Público; houve só o recurso necessário; o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 38v., opinou de modo vacilante, sem pedir a confirmação, nem a reforma do veredictum. A parte ven-cedora juntou certidão de julgado da Primeira Turma do Supremo Tribunal a seu favor, no caso Graça couto & cia. (fl. 30). De fato, o construtor, puro e simples, não é comerciante; por isto, não está sujeito ao imposto de vendas mercantis. Por isto, acorda, por sua Segunda Turma, o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio.

À época, a competência para a condução de execuções fiscais era da Procuradoria da República. O registro é histórico. A situação permaneceu como tal até a promulgação da Constituição de 1988, quando se reservou ao Ministério Público a tutela de interesses difusos, coletivos, e não estritamente de governo. Especialmente, é o que se observa no Ag 8.841/RN, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 12 de janeiro de 1940:

EMENTAO Ministério Público Federal, representado nos Estados pelos procurado-

res da República, é competente para cobrar toda e qualquer dívida ativa da União.

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ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que

é recorrente o Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, e são recorridos M. Martins & cia.: Estes foram executados para o pagamento de 714$400, de taxa de ocupação de terrenos de marinha nos exercícios de 1921 a 1939, e 142$900, de multa. Defenderam-se, com alegar nuli-dade do processo, por haver sido iniciado pelo Procurador da República, quando deveria sê-lo pelo procurador junto à Delegacia Fiscal e ao Serviço Regional do Domínio da União. A sentença, de fl. 9 v., acolheu a alegação de nulidade; houve só o recurso necessário. À fl. 15, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opi-nou pela reforma do veredictum. Basearam-se a defesa e a sentença no art. 13, letras d e f, do Decreto 3.102, de 23 de setembro de 1938, e no art. 15, letra d, do regulamento que baixou com o Decreto 3.777, de 2 de março deste ano de 1939. As atribuições do Ministério Público Federal foram fixadas por disposições especiais, do Decreto-Lei 986, de 27 de dezembro de 1938, aliás, posterior ao invocado Decreto 3.102, de 23 de setembro do mesmo ano; simples regulamento não derroga, nem ab-roga decreto-lei; a Lei Orgânica do Ministério Público ao mesmo atribui o poder de representar a União em juízo e, conseqüentemente, o de cobrar a dívida ativa. Determina o Decreto-Lei 986:

Art. 9º São atribuições dos procuradores regionais:I — propor quaisquer ações e requerer as diligências que se torna-

rem necessárias à defesa dos interesses da União e seguir-lhes os termos na forma da lei.

(...)Art. 11. São atribuições dos procuradores adjuntos:(...)II — promover o andamento das ações para a cobrança da dívida

ativa da união.Nos Estados, não há procurador adjunto; as funções deste são exerci-

das pelo procurador da República, e, nas Comarcas, pelos promotores públicos. Improcede, pois, a nulidade apontada; pelo que a Segunda Turma do Supremo Tri-bunal Federal acorda em dar provimento ao recurso ex officio, para julgar válido o processo e determinar que o Dr. Juiz a quo se pronuncie sobre o mérito da causa.

Questão de fraude fiscal foi discutida no Ag 8.849/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 23 de janeiro de 1940, quando se verticalizou pro-blema relativo a crimes capitulados na legislação de imposto de consumo:

EMENTAMerece a pena cominada para os violadores do regulamento do imposto

de consumo quem confessa ter dado saída a mercadoria não selada e possui escrita especial para ocultar fraudes fiscais.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

J.e. bitter & cia., e é agravada a Fazenda Nacional: Os agravantes foram autu-ados e executado para o pagamento de 18:776$700, de imposto sonegado, e 18:776$700, de multa, por infração do art. 81, combinado com o art. 204, pará-grafo único, letra c, ex vi do artigo 220, todos do regulamento aprovado pelo Decreto 17.464, de 6 de outubro de 1926. A falta, confessada, em parte, nos embargos dos executados à fl. 15, constituiu em dar tecido de seda em troca de fio, sem pagar o imposto de consumo. Asseveraram os embargantes dever o

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total atingir a 9:124$500, e não a 21:669$300, só o imposto, como pretenderam os autuantes em Mogi das Cruzes, nem a 18:776$700, como achou a decisão administrativa; para provar o articulado, protestaram por perícia nos seus livros comerciais. Houve o almejado exame dos livros exigidos (fl. 30-37). A sentença, de fl. 172, julgou improcedentes os embargos. Agravaram os executados. À fl. 191, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela manutenção do julgado. Realmente, a perícia foi favorável aos embargantes, por tomar por base de cál-culo os livros exigidos pelos executados; porém estes, como muita gente faz, tinham duas escritas; habilmente os fiscais se apossaram de outro livro, que dava a produção, por operário, e deixava clara a fraude fiscal, os próprios con-tribuintes começam os articulados queixando-se da cilada que lhes foi armada; assim apurou a Delegacia Fiscal, cuidadosamente, tanto que no segundo exame introduziu pequenas modificações em prol do faltoso, o montante geral das saí-das clandestinas de tecidos sem o pagamento do imposto respectivo. A sentença recorrida põe em evidência a má fé, aliás, em parte confessada pelos executados, o que reduz a nada a verossimilhança da defesa; pois eles próprios confessaram ser autêntico o livro que serviu de base para o cálculo do volume das saídas frau-dulentas de seda não selada (Termo de Declarações à fl. 55). Portanto, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

Classificação alfandegária de mercadoria, tema de muita especificidade, marcou a discussão que se processou no Ag 8.969-embargos/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 7 de agosto de 1940:

EMENTANa dúvida sobre classificação alfandegária de mercadoria, deve decidir-

se pela feita em primeiro lugar e favorável ao contribuinte.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que é embar-

gante a Fazenda Nacional e embargada a sociedade anônima Indústrias reunidas Matarazzo: a Fazenda Nacional executou a embargada para o paga-mento de 537:558$400, correspondentes a diferença de direitos de importação, 10% adicionais, e multa administrativa. Submetidos a despacho 5.997.210 quilos de óleo combustível, foram classificados como diesel oil, sujeito ao imposto de 38$200 por tonelada; pago o tributo, a Alfândega de Santos considerou aquela mercadoria omissa na pauta aduaneira, e, por isto, devendo pagar direitos ad valorem, à razão de 40%, tarifa geral, e 33%, tarifa mínima; resultou, daí, a exi-gência a mais, assinalada acima, em vez de 229:213$400, pagos.

A sentença de primeira instância à fl. 262 repeliu os embargos da execu-tada; foi reformada pelo acórdão de fls. 204-208; pelo que a Fazenda Nacional opôs embargos à última decisão.

O assunto não é novo; tem sido muito debatido; e ainda a propósito do caso em apreço, ficaram de um lado o Inspetor da Alfândega de Santos e o Ministro da Fazenda; de outro, a Comissão de Tarifas da Alfândega do Rio de Janeiro e o Conselho Superior de Tarifa.

O Laboratório Nacional de Análises, à fl. 39, concluiu não se tratar de óleo para motores de explosão (diesel oil), nem para fabricação de gás pintsch (gas oil); porém de um óleo de petróleo não classificado. Apoiada neste laudo, a Comissão de Tarifas da Alfândega de Santos, fl. 46, opinou tratar-se de óleo

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não classificado, e, como tal, sujeito à tarifa mínima de 33%. À fl. 67 o Conselho Superior de Tarifa observou que se não procedeu às diligências por ele próprio aceitas e pedidas pelo contribuinte, a fim de se ouvirem, sobre o assunto da classificação disputada, os Laboratórios da Central do Brasil e do Ministério da Marinha; porém, no intervalo, foi julgado pelo Conselho caso idêntico, de The calotic company; ele dava provimento ao recurso interposto pela contribuinte, porque a curva de destilação do óleo examinado se aproxima bastante da curva do diesel oil, sendo, por isto, improcedente a acusação de se tratar de querosene impuro. Como o diesel oil consta da pauta alfandegária, não se pode considerar o produto em litígio como artigo não classificado. O Sr. Ministro reformou esta decisão, sem fundamentar o seu veredictum (fl. 69). Persiste, pois, a controvér-sia; pelo que se deve decidir em prol do contribuinte, cuja má-fé não foi sequer alegada. Assim, aliás, já tem decidido o pretório excelso. Por este motivo, acorda o Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos.

Matéria de fixação de responsabilidade passiva em tema de imposto de renda foi assunto que marcou o Ag 8.983/MG, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 3 de maio de 1940. A discussão reportava-se a nulidade de lança-mento de imposto de renda, por erro, de modo que a execução decorrente não poderia prosperar:

EMENTAProvado o erro no lançamento do imposto sobre a renda, é absolvido da

execução o contribuinte.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que

é recorrente o Juiz de Direito de Araguari e recorrido José Lemos de souza: O recorrido foi executado para o pagamento de 109$800, de imposto de renda e multa respectiva. Opôs embargos, articulando residir noutro Município, no de Estrela do Sul, e dever ali correr a execução; demais, o imposto é cobrado como atinente a comércio em Araguari, onde não teve o executado casa de negócio. A sentença de fl. 38 julgou procedentes os embargos e improcedente a ação; visto ter sido provada a defesa. Houve só o recurso necessário. À fl. 38v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral fez votos para que o Supremo Tribunal julgasse com a sua habitual sabedoria.

À vista da prova produzida, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio.

Fraude à execução fiscal foi assunto discutido nos Ag 9.011 e 9.043/RN, relatados por Carlos Maximiliano e julgados em 21 de junho de 1940, quando também se discutiu em turma matéria de extrema especificidade, de prova. O tema reportava-se ao imposto do sal:

EMENTANão se considera efetuada em fraude de execução fiscal a venda de mer-

cadoria realizada antes de inscrita a dívida em prol da Fazenda, tendo só se dado a lavratura do auto de infração.

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ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, sendo agravantes,

no primeiro, Guilherme Gomes & Cia., e, no segundo, a Fazenda Nacional; e agravados, num, a Fazenda Nacional e, no outro, Francisco Ferreira Souto: Guilherme Gómez & Cia. foram executados, no foro de Mossoró, para o paga-mento de multa de 118:982$200, por infração do art. 81, combinado com os arts. 204 e 219 do regulamento expedido com o Decreto 739, de 24 de setembro de 1938, sendo a firma citada na pessoa do procurador Olívio Costa, domici-liado em Areia Branca. Opuseram embargos, articulando serem os executados domiciliados e residentes em Corumbá, Estado de Mato Grosso, tendo no Rio Grande do Norte apenas um escritório com um representante seu; logo, era nulo o processo, por dever correr no domicílio dos Réus; demais, o próprio escritório está na cidade de Areia Branca, e não em Mossoró, onde se iniciou o executivo. Quanto ao mérito, consiste em sonegação de impostos, que não ocorreu. Trata-se de uma salina, denominada Augusto Severo, pertencente a Jorge Caminha e arrendada aos executados; houve verificação administrativa da fraude quanto ao imposto de sal. A indústria referida existia no Município de Areia Branca. A Fazenda impugnou os embargos (fl. 22), com articular terem as sociedades comerciais tantos domicílios quantos sejam as suas sucursais, agên-cias, ou filiais, conforme jurisprudência pacífica, inspirada pelo art. 35, nº IV, § 3º, do Código Civil; silenciou em relação à preferência pela cidade de Mossoró, quanto ao mérito, declarou não caber ao Juiz apurá-lo, em se tratando de multa fiscal. A sentença, de fl. 26, rejeitou os embargos, por ter a firma domicílio no lugar da salina e não haver provado a improcedência da multa. Agravaram os executados. À fl. 38, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela confirmação da sentença, em virtude dos seus jurídicos fundamentos. Improcede a alegação concernente à preferência pelo foro de Corumbá; visto ter a firma executada outro estabelecimento em Areia Branca. Esta cidade não é sede da comarca; por isto, a autora agiu perante o Juiz de Direito de Mossoró. Estava o Agravo 9.011, com dia para julgamento, quando o advogado dos executados requereu se adiasse o pronunciamento da Segunda Turma, a fim de se efetuar conjuntamente com o atinente ao Agravo 9.043, referente à mesma penhora. Na sessão de 14 de junho, o Sr. Ministro Cunha Mello, Relator do Agravo 9.043, sugeriu fosse o mesmo apreciado pelo mesmo Relator do 9.011, o que a Turma aprovou. De fato, a penhora recaíra sobre sal a granel, parte do qual, 3.000 toneladas, pertencia a Francisco Ferreira Souto; este opôs embargos de terceiro senhor e possuidor. À fl. 39 o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral se pronunciou contra o embargante. Os embargos foram plenamente provados com documentos; a Fazenda alegou ter sido a venda posterior ao auto de infração e, portanto, em fraude de execução contra devedor insolvente. Não provou insolvência alguma. Demais, não exis-tia decisão definitiva sobre a multa; a dívida em prol da Fazenda não se achava inscrita, quando venderam parte do sal. O próprio Sr. Dr. Procurador-Geral funda a sua impugnação no seguinte trecho de Decreto-Lei 22.866, de 1933: “Art. 2º Consideram-se feitas em fraude da Fazenda Pública as alienações ou seu começo, realizadas pelo contribuinte em débito”.

Ora, enquanto não está inscrita a dívida, não há débito; houve só um auto de infração, que poderia não ser confirmado pela autoridade superior, depois de ouvida a defesa do autuado. Pelas razões expostas, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento aos dois agravos e confirmar as decisões agravadas.

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Fixação de pólo passivo em execução fiscal, no que se refere à responsa-bilidade entre marido e mulher foi tema julgado no Ag 9.021/BA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 10 de maio de 1940, como se lê da ementa e do acórdão conduzidos pelo Relator. No núcleo da discussão, também se veri-fica a necessidade de fixação exata do nome do executado, para efeitos de des-dobramento do processo de execução:

EMENTAÉ indispensável a citação inicial do marido em executivo para o pagamento

de impostos relativos a bens trazidos pela mulher para a comunhão conjugal.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que são agravan-

tes Manoel da Costa Macedo e sua mulher D. Vitorina pereira da silva Macedo e agravada a Fazenda Nacional: D. Vitorina foi acionada para pagar 13:500$000, sendo 9:006$100, de imposto de renda concernente ao exercício de 1932, e 4:503$500, de multa. Atribuiu-se-lhe o nome da viuvez — Vitorina Pereira Dias da Silva. Opuseram embargos Manoel da costa Macedo e sua mulher D. Vitorina Pereira da Silva Macedo, alegando imprecisão de certidão oferecida pela Fazenda, quanto ao nome exato da devedora, sua residência, data da inscri-ção da dívida, número do processo administrativo e cédula em que se situara o tributo, apesar de haver D. Virginia e seu marido em cartas feito saber à reparti-ção fiscal serem casados pelo regime da comunhão universal de bens; por estes motivos, concluíram pedindo a anulação do processo. Os embargantes provaram o casamento, nas condições por eles articuladas. Foi juntado o processo admi-nistrativo. A sentença, de fl. 60, repeliu todas as alegações da defesa e manteve a penhora. Reconheceu, entretanto, estar D. Virginia casada pelo regime da comu-nhão de bens; e a certidão de fl. 29 mostra ter-se efetuado o matrimonio civil em 21 de junho de 1922; à fl. 83v. o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela confirmação do veredictum. A penhora foi requerida em 26 de maio de 1939, portanto quando já existia o regime da comunhão de bens entre o português Manoel da Costa Macedo e a brasileira D. Virginia Pereira da Silva Macedo; segundo o doc. de fl. 29, os cônjuges não declararam qual seria o seu regime de bens; porém, neste caso, prevalece o comum, o da comunhão universal (Código Brasileiro, arts. 258 e 195 nº VII, e Código Português, arts. 1.098 a 1.108).

Aliás, nova certidão à fl. 55 esclarece ser a comunhão universal o regime.A certidão do oficial de justiça mostra haver ele citado D. Virginia em

a Avenida princesa Izabel, n. 68 (fl. 5v.), e a intimação feita pela Delegacia do Imposto Sobre a Renda, à fl. 14, convence de ter sido intimado Macedo ao paga-mento daquele tributo, no total de 9:546$300 e multa, na mesma casa, em 23 de junho de 1939. O documento de fl. 37, fornecido pela Diretoria do Imposto de Renda, prova haver Macedo declarado, em 1932, para os fins tributários, a renda dos prédios registrados como de D. Vitorina. Tudo indica, à vista dos autos, que era indispensável a citação do marido; por isto, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao agravo, para anular o executivo.

Processo tributário, em matéria de interesse de agir, por parte de con-tribuinte, foi o objeto do julgado no AgP 9.089/PR, relatado por Carlos

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Maximiliano e julgado em 25 de junho de 1940. A notificação regular, relativa ao lançamento e à inscrição em dívida ativa, foi fixada como elemento essencial no desdobramento da cobrança fiscal, nos termos da ementa e do acórdão con-duzidos pelo Ministro Carlos Maximiliano:

EMENTANão se considera irrecorrível e, como tal, insuscetível de exame judicial

posterior a 90 dias decisão administrativa concernente a imposto sobre a renda e proferida contra contribuinte que nunca foi regularmente notificado de lança-mento ou inscrição de dívida.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é

recorrente o Juiz de Direito da 1ª Vara da comarca de Ponta Grossa, no Estado do Paraná, e recorrido alfredo osternack: O recorrido foi executado para o pagamento de 434$600, de imposto de renda concernente ao exercício de 1931, e 144$800, de multa. Opôs embargos, articulando a incompetência do juízo, por serem aforadas no juízo da capital do Estado as causas todas em que a União figure como autora; demais, cercearam a defesa do contribuinte, na esfera admi-nistrativa. O juiz, à fl. 96, repeliu a argüição de incompetência, e determinou diligências esclarecedoras; afinal, à fl. 112, julgou procedente a defesa e ordenou o levantamento da penhora. À fl. 117, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pelo provimento do recurso; porque antes de opostos os embargos decorreu o prazo de 90 dias para alegar a nulidade do lançamento. Não se trata propria-mente de anulação do lançamento; mas de se não ter dado ao contribuinte o recurso para a Delegacia Fiscal previsto em lei (embargos à fl. 28). Demais, o recorrido nunca foi intimado regularmente do processo administrativo; portanto contra ele não correu o prazo de caducidade; a lei invocada estabelece: “A ação judicial para obter a anulação ou a reforma do lançamento prescreve em 90 dias, contados da data em que o ato se tornar irrecorrível, na órbita administrativa. Prescrita a ação, não será permitido, quer diretamente, quer em defesa no execu-tivo, impugnar a legalidade do lançamento” (Decreto-Lei 1.168, de 22 de março de 1939, art. 25 e seu parágrafo).

Enquanto não fosse intimado o contribuinte, estaria de pleno direito de recorrer para a Delegacia Fiscal; portanto, não seria irrecorrível o lançamento. Acresce que o processo de lançamento terminou em 17 de março de 1938; não poderia ser regido por lei de março do ano seguinte. Pelas razões expostas, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso ex officio.

No AgP 9.077/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 25 de junho de 1940, o Relator conduziu voto importantíssimo no qual diferenciou prescrição de decadência, para efeitos de impugnação de lançamento de imposto:

EMENTAO prazo para alguém impugnar o lançamento de imposto, é de caduci-

dade ou decadência; não, de prescrição; a ele, portanto, se não aplica a regra da imprescritibilidade da defesa.

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Ministro Carlos Maximiliano

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

D. Maria olimpia cerquinho Malta e agravada a Fazenda Nacional: A agra-vante foi executada para o pagamento de 6:548$600, de imposto sobre a renda, do exercício de 1931, e 654$900, de multa. Opôs embargos, articulando haver pago o imposto devido e serem injustas as glosas efetuadas pela repartição com-petente, quanto a deduções feitas pela contribuinte. Impugnando os embargos, lembrou o representante da Fazenda que a embargante deixara passar o prazo fatal de 90 dias para anular judicialmente o lançamento realizado; demais, arro-lara despesas que ascendiam a cerca de 50% do rendimento de prédios, dando 15% para impostos, outros 15% para conservação, 10% para comissões, além de seguros; a repartição reduziu a 10% o quantitativo para impostos, 15% para reparos, e excluiu as verbas para seguros e comissões, por não provadas regu-larmente. A sentença, de fl. 61, acolheu a preliminar da prescrição e houve por subsistente a penhora e procedente o executivo. Agravou a executada, alegando a imprescritibilidade do direito de defesa (fl. 65). A Fazenda, por sua vez, invo-cou acórdãos do Superior Tribunal favoráveis à validade da prescrição (melhor seria dizer decadência), estabelecida pelo texto invocado pela exeqüente (fl. 71). À fl. 78, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou contra a agravante. Inútil invocar a imprescritibilidade da defesa, quando se não trata de prescrição; mas de caducidade ou decadência; a esta se não aplica o brocardo — quae tempora-lia sunt ad agendum, perpetua sunt ad excipiendum (dissertação sobre decadên-cia, na revista o Direito, v. I, no qual, na nota 31, o Relator deste acórdão invoca a autoridade de grandes civilistas).

Há numerosos casos de decadência estabelecidos por lei: por exemplo, os referentes a reclamações de objetos transportados pelo Correio, por Estrada de Ferro, etc.; nenhum fere o estatuto básico. Aliás, nem a imprescritibilidade da defesa constitui cânon constitucional; pode, portanto, a norma ordinária criar exceções à mesma. Demais, as deduções feitas pela executada foram exagera-díssimas. Por tudo isto, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

O mesmo assunto foi objeto do julgado no AgP 9.393/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 17 de novembro de 1940. Na hipótese fixou-se entendimento de que temas de prescrição e de decadência exigem interpretação estrita e literal. Definiu-se que é princípio de hermenêutica tal modalidade de interpretação, em tema de prescrição e de decadência, bem entendido:

EMENTAInterpretam-se estritamente as disposições sobre prescrição, ou deca-

dência. A lei nova aplica-se aos prazos de prescrição em curso, porém não aos de decadência.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

The Liverpool & London Globe Insurance cº e agravada a união Federal: A agravante foi obrigada ao pagamento de imposto de renda correspondente aos exercícios de 1935, 1936 e 1937, na importância de 3:009$000 e efetuado em maio de 1940 (doc. fl. 11). Com alegar tratar-se de juros de apólices federais

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isentas de semelhante ônus, pleiteou a restituição do recebido pela Fazenda. A ação foi proposta em julho de 1940. A certidão, de fl. 16, prova tratar-se de títulos emitidos em 1917. O mesmo se infere do doc. à fl. 18.

A ré impugnou a Inicial, com alegar a prescrição estabelecida pelo art. 25 do Decreto-Lei 1.168, de 22 de março de 1939, que estabelece:

A ação judicial para obter a anulação ou a reforma do lançamento prescreve em 90 dias, contados da data em que o ato se tornar irrecorrí-vel, na órbita administrativa.Quanto ao mérito, afirmou a Fazenda que todos os juros de apólices são

sujeitos a impostos, seja qual for a data da emissão daqueles títulos. Objetou a autora (fl. 39) tratar-se de prazo de decadência, e, portanto, não aplicável a um direito já existente; não sendo de prescrição a hipótese. Autora e ré invocam a mesma autoridade — roubier. A sentença, de fl. 49, julgou prescrito o direito da autora, que agravou. À fls. 66v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela manutenção da sentença agravada.

É princípio de Hermenêutica o interpretar estritamente as disposições sobre prescrição, ou decadência. O texto citado refere-se a lançamento; não se trata de tal coisa; mas de restituição do indébito; o que se impugna, é a cobrança; o lançamento, só indiretamente seria atingido pelo julgado. Acresce, ainda, que a hipótese não é de prescrição; quando a lei fixa um prazo para reclamar ou agir judicialmente, este é de decadência. A este respeito observa roubier — Les conflits de Lois dans le Temps, v. II, n. 92, p. 170:

Se se trata, não mais de prescrição propriamente dita, mas de prazo estabelecido para o exercício de um direito sob pena de decadência, a jurisprudência tem uma tendência para admitir que a lei nova não pode mais atingir os prazos em curso (por assimilação aos prazos processuais).

s’il s’agit, non plus de prescription proprement dite, mais de délai donné pour l’exercice d’un droit á peine de decheance, la jurisprudence a une tendance á admettre que la loi nouvelle ne peut non plus toucher aux délais en cours (par assimilation aix délais de procédure).O direito de acionar (di-lo muito bem roubier no número 141) é subs-

tantivo; não se confunde com o processual, que é adjetivo; portanto é regido pelos preceitos atinentes ao fundo de direito; aplicam-se os preceitos vigentes na data em que o direito surgiu e se tornou definitivo, adquirido; ora, o direito em exame versa acerca dos anos de 1935 a 1937; e a ele se pretende aplicar as regras de 1939, no tocante à perda do direito de acionar, o que importa em uma retroatividade que nenhum texto autorizou explicitamente. Pelos motivos expos-tos, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao agravo, para determinar que o Dr. Juiz a quo se pronuncie sobre o mérito da causa, depois de decorridos os termos legais da mesma.

A relação entre as intimações no processo administrativo e a prescrição em face da Fazenda Nacional foi assunto que qualificou a discussão travada no Ag 9.431/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 3 de dezembro de 1940:

EMENTAEnquanto prossegue o processo administrativo, com sucessivas intima-

ções ao contribuinte, não corre a prescrição contra a Fazenda Nacional.

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Ministro Carlos Maximiliano

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

Mucio Whitaker e agravada a Fazenda Nacional: O agravante foi executado para o pagamento de 15:635$600, de imposto sobre a renda do exercício de 1932 e multa respectiva. Opôs embargos à penhora, articulando estar prescrita a dívida e ser a multa excessiva, visto não poder prevalecer a supermor de 10%. A sen-tença de fl. 70 julgou subsistente a penhora. Agravou o contribuinte; à fl. 91v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela confirmação do veredictum.

A prescrição foi interrompida administrativamente, por sucessivas inti-mações feitas ao contribuinte; e é assente que, enquanto o processo administra-tivo se acha em curso, não corre a prescrição contra a Fazenda; tal processo foi apenso aos autos do executivo. Demais, a dívida versava sobre o exercício de 1932; naquele tempo, nenhum texto limitava o alcance da multa, o que só se fez em 1934 e não se renovou em 1937. Pelos motivos expostos, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

Carlos Maximiliano também relatou o Ag 9.223/DF, julgado em 3 de setembro de 1940, no qual se definiu que a Administração poderia fazer o lan-çamento de ofício relativo ao imposto de renda, como resultado da inação do contribuinte que não apresentou em tempo a declaração competente:

EMENTADesde que o contribuinte não faz em tempo a sua declaração de renda,

fica ao critério da repartição competente o lançamento ex officio, base do paga-mento do tributo e da multa respectiva.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante a

S. A. Cassino balneário da urca, e agravada a Fazenda Nacional: A agravante, apesar de explorar negócio rendosíssimo, não fez declarações de renda; pelo que a repartição competente procedeu ao lançamento ex officio, tomando por base os proventos de casa similar, o Cassino de Copacabana; procedeu a Fazenda à cobrança do tributo. A empresa argüiu nulidades, acolhidas pelo juiz da primeira instancia, porém o Supremo Tribunal, em aresto que teve o mesmo Relator deste agravo, reformou o veredictum, considerou válido o executivo e determinou que o Dr. Juiz a quo se pronunciasse acerca do mérito da ação (acórdão à fl. 125). A sociedade anônima ainda tentou opor embargos ao acórdão; foram despre-zados in limine, tendo oficiado outro Relator, o Exmo. Sr. Dr. Washington de Oliveira (acórdão à fl. 137). Baixando os autos, o Dr. Juiz dos Feitos da Fazenda condenou a executada (sentença à fl. 150). Agravou a empresa, alegando: 1º — não ter fundamento em lei o critério adotado para o lançamento ex officio; 2º — ter sido a multa arbitrariamente imposta; porquanto foi baseada na soma arbitrada para o lançamento, o qual se ressente de eiva já apontada. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 172v., opinou ser meramente protelatório o agravo.

Desde que a opulenta empresa se absteve de fazer declaração de renda, ficou ao critério da Fazenda fazer o lançamento como parecesse acertado; tomou o caminho da maior equanimidade; funcionam nas praias do Rio de Janeiro três grandes cassinos; dois cumpriram a lei; um resistiu; a repartição competente tomou por base o cálculo dos lucros de um o que nos livros oficiais consta a respeito de outro; talvez assim até haja favorecido a ré... Quanto à multa, esta é

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baseada, sempre, na soma do lançamento. A defesa não tem o menor fomento de justiça, por isto, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

Assunto de muita atualidade, relativo à execução fiscal, e à intimação pes-soal do representante da Fazenda Pública, foi objeto da discussão travada no Ag 9.317/MA, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 15 de outubro de 1940:

EMENTAContinua a ser obrigatória a intimação pessoal do representante da

Fazenda, em se tratando de sentença atinente a executivo fiscal, por não ser este feito regido pelo Código de Processo Civil.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que é

recorrente o Juiz dos Feitos da Fazenda, em São Luiz do Maranhão, e recorrido Gabriel Hitanite: Este foi executado para o pagamento de multa por infração do art. 32, e alíneas a e b do Decreto 22.033, de 29 de outubro de 1932. Opôs embargos à penhora, mostrando cumprir as leis trabalhistas e, portanto, não merecer multa por qualquer ligeira falha na observância dos textos novos e mal conhecidos no comércio. A sentença, de fl. 51v., julgou insubsistente a penhora; foi apenas publicada; não intimada ao Procurador da República, o qual, por isto, não agravou, nem minutou o recurso ex officio. À fl. 54 v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral alegou não ser a causa regida pelo Código de Processo, mas por lei especial; por isto propunha que se devolvesse os autos à instância inferior, a fim de ser intimado o representante da Fazenda e se lhe dar vista dos autos para arrazoar ou minutar. Por achar procedentes as alegações da exe-qüente e escudada no art. 1º do Código do Processo Civil, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em dar provimento ao recurso ex officio, para determinar que os autos baixem à instância inferior e ali se intime da sen-tença o Procurador Regional e se lhe dê ensejo de arrazoar ou minutar o recurso.

Constitucionalidade de cobrança de imposto de vendas mercantis pela União foi assunto que afetou o Ag 9.415/MG, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 3 de dezembro de 1940. A decisão, com efeito, cuidava de direito pré-constitucional, porquanto, em 1940 (com vigência da Constituição de 1937), discutia-se exação dos anos de 1934 e 1935, relativa, portanto, às Constituições de 1891 e de 1934:

EMENTAEra constitucional a cobrança de imposto de vendas mercantis pela

União, quanto aos exercícios de 1934 e 1935.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante

Leonidas Pereira Dias e agravada a Fazenda Nacional: O agravante foi executado

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Ministro Carlos Maximiliano

para o pagamento de 5:328$000, proveniente do Imposto de Vendas Mercantis, dos exercícios de 1934 e 1935, e multa respectiva. Opôs embargos, articulando ser inconstitucional o tributo, estar nulo o auto de infração e não ter o réu exer-cido no Estado de Minas Gerais a atividade que daria lugar à dívida fiscal. A sen-tença, de fl. 23, julgou procedente o executivo. Agravou o executado; à fls. 48v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela manutenção da sentença agravada.

A única alegação séria é a concernente à inconstitucionalidade; porque o estatuto de 1934 transferiu a cobrança para os Estados (art. 8º); porém, nas Disposições Transitórias, art. 6º, determinou entrar em vigor a nova discrimi-nação de rendas em 1º de janeiro de 1936, e o tributo concerne aos exercícios de 1934 e 1935. O auto foi lavrado de acordo com a lei, e nenhuma prova foi feita de não operar o executado em negócios de gado em Minas Gerais; ao contrário, houve prova de tal atividade. Pelas razões expostas, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

O tema da prescrição fora retomado por ocasião do julgamento proferido no Ag 9.496/SP, relatado por Carlos Maximiliano e levado a julgamento em 3 de dezembro de 1940. Ao longo de ação ordinária relativa a apólices da dívida pública federal o processo ficara sobrestado:

EMENTAConsidera-se prescrita ação contra a União Federal, desde que no seu

decurso esteve duas vezes parada por mais de dois anos e meio.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que são agravan-

tes José e antonio de castro pinho e é agravada a união Federal: Os agravantes propuseram ação ordinária, para reaverem apólices de dívida pública federal, ou o seu valor, por terem as mesmas sido alienadas dolosamente. A ré alegou prescrição, à fl. 55, reconhecida pela sentença, de fl. 59; agravaram os venci-dos. À fl. 71v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela confirmação do veredictum. A ação foi proposta em tempo; mas esteve parada, na vigência do Decreto 20.910, de 6 de janeiro de 1932, quatro anos; a propositura interrompera o prazo por metade; acresce que, posteriormente, houve nova parada por outros quatro anos; portanto, ainda que se exigisse no curso da ação o prazo total — cinco anos, não socorreria aos autores esta exegese, por terem eles silenciado, de novo, por mais de 2 e meio anos. Por este motivo, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

Efeitos de penhora em execução fiscal, no que se refere a herdeiros, foi o tema debatido no Ag 9.596/PB, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 20 de janeiro de 1941. A decisão fixa entendimento que é hoje comum, no sen-tido de que as obrigações tributárias do herdeiro não podem ser superiores ao montante recebido:

EMENTANão prevalece a penhora que haja recaído em bens dos filhos do execu-

tado e concernente a dívida superior às forças da herança do mesmo havida pela sua prole.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo e recurso ex officio, em que é agravante o Procurador da República, recorrente o Juiz de Direito da 1ª Vara da Paraíba e são recorridos os herdeiros de Henrique Justa: Henrique Justa deveria ser executado para o pagamento de 234$000 de imposto sobre a renda no exercício de 1935, e mais 1:201$400, de imposto relativo ao exercício de 1936, e multas respectivas; a ação correu contra os filhos, que opuseram embargos de terceiros senhores e possuidores, e também alegaram só responder pelos bens do pai, dentro das forças da herança, e este nada lhes deixou. A sen-tença, de fl. 50, acolheu a defesa. À fl. 59v. o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma do veredictum. A sentença está de acordo com o direito e a prova; os filhos não respondem por dívida paterna superior às forças da herança, e a penhora recaiu em prédio pertencente a um filho, não ao executado. Por isto, acorda, por sua Segunda Turma, o Supremo Tribunal Federal em negar provi-mento ao agravo e ao recurso ex officio.

As decisões acima elencadas indicam um Direito Tributário em forma-ção, especialmente no que se refere ao processo tributário, fixando-se, por exem- plo, as linhas gerais da execução fiscal.

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7. CONFLITOS DE JURISDIÇÃO

No CJ 1.124/RJ, julgado em dezembro de 1936 e relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se o juízo competente para apreciar matéria afeta à Lei de Segurança Nacional. A questão envolvia, especialmente, contravenção, decorrente do fato de que o acusado portava arma de guerra. Após a apresen-tação de sucinto relatório e voto, usou da palavra o Ministro Carvalho Mourão, que apresentou seu voto, divergindo do Relator. Ao fim, mantendo a posição encampada em seu voto, Carlos Maximiliano apresentou uma explicação:

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Um indivíduo foi a Niterói levando

em seu poder uma arma parabellum, e o acusaram de pretender matar o Comandante Guayer de Azevedo. Pelo fato de ser arma de guerra a pistola, consideraram crime contra a Lei de Segurança, e, portanto, da competência da Justiça Federal, o porte de tal arma. Assim pensou o Dr. Juiz de Direito da 3ª Vara de Niterói; opinou de modo contrário o Dr. Juiz Federal da Seção do Rio de Janeiro; porque do simples porte de arma de guerra se não pode inferir a intenção de atentar contra a ordem política e social em vigor. Daí o conflito de jurisdição.

Conforme demonstrou longamente o Dr. Procurador da República, à fl. 44, o foro competente para conhecer de espécie é o estadual: o porte de arma proibida sempre foi contravenção; porém, nunca se considerou crime federal; e a Lei de Segurança não podia mudar as competências entre a União e os Estados, matéria só alterável por nova Constituição.

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: Parece-me, divergindo com muito

pesar do ilustre Sr. Relator, que, embora a Lei 38 estabeleça pena muito grave — um a quatro anos — para punir o fato, este tem o caráter de contravenção. Será uma contravenção especial, diversa do simples porte de armas; porque a con-travenção do porte de armas consiste em trazer arma de qualquer natureza; enquanto que, depois, a Lei de Segurança entendeu que o fato de trazer arma uti-lizável como arma de guerra é muito mais grave do que o porte de arma que não seja propriamente de guerra. Como este último fato fazia presumir a intenção de usar da arma para perturbar a ordem e a segurança, a lei o erigiu em infração especial contra a segurança pública.

Não se trata, como diz o parecer, embora muito bem lançado, do Sr. Procurador-Seccional, de delito formal; porque, nesta classe de delitos, se exige a prova de dolo e ele se distingue do delito material pela circunstância de que, neste último, o fato incriminado consiste no resultado; no caso de homicí-dio, por exemplo, se a vitima não morrer, não há homicídio.

No delito formal, porém, a lei se contenta com o dano potencial. Na con-travenção, o dano é, mesmo, meramente eventual; isto é, desde que o fato seja perigoso, a lei já o incrimina por isso. Incrimina o próprio fato; não apreciando a questão do dolo ou da culpa; porque o que a lei incrimina, no fato, é o perigo de facilitar a insurreição. Ora, em determinadas circunstâncias da ordem social, não basta protegê-la contra o dano efetivo, nem contra o dano potencial ou

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Memória Jurisprudencial

iminente; faz-se mister protegê-la contra a simples periclitação. Pune-se, então, o fato como contravenção.

A contravenção não se caracteriza pela pena; em regra são fatos de somenos importância, punidos com penas exíguas. Isto não impede, porém, que a lei possa erigir em contravenção um fato que tenha pena grave. Não é a pena que caracteriza a contravenção; é o modo de incriminação, é a circunstância do legislador definir como infração penal o simples fato, prescindindo do dolo ou culpa. Só se exige, como em todas as contravenções, que o fato seja voluntário. O indivíduo pratica, voluntária e conscientemente, o ato proibido pela lei, que se presume ninguém ignora, nem pode ignorar. A violação consciente e voluntária da lei proibitiva é a única coisa que se exige na contravenção.

Ocorre, entretanto, que o crime só deve ser definido e incriminado de acordo com o que está expresso na lei e, relendo o art. 13 da Lei 38, vejo agora que ela não incrimina o simples porte de armas e, sim, o transporte. Ora, o indi-víduo que leva consigo uma única arma não está transportando armas, não está realizando uma operação de transporte. Penso, portanto, que não foi intenção do legislador incriminar o simples porte ou uso de armas, e, sim, o seu transporte. Por essa razão, concluo de acordo com o Sr. Ministro Relator.

ExPLICAçãOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O fato de possuir arma, Senhor

Presidente, não é a mesma coisa que o transporte de arma. A Lei 38 considera-o crime, e não contravenção, e se a lei declara que é crime, é preciso que tenha os característicos do crime, dos quais faz parte o dolo, enquanto que, na con-travenção, o indivíduo pode não ter intenção criminosa, basta que pratique ato proibido. Por conseguinte, quando a lei considera determinado fato como crime, é preciso procurar, na ação do indivíduo, aquela característica do crime, que é o dolo. Como a lei de segurança foi feita para garantir a ordem política e social, o dolo deve consistir no intuito de perturbar essa ordem política e social e não no simples fato de possuir, como diz a lei, uma arma. É necessário que a possua com intenção dolosa de perturbar a ordem política e social vigente, porque a lei foi feita só para isso. Por essas razões, mantenho meu voto.

No CJ 1.126/DF, julgado em 30 de dezembro de 1936, em pequeno excerto, Carlos Maximiliano fixou a percepção de que o prejuízo da União jus-tificaria a competência da Justiça Federal para apreciar a matéria:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Se não me engano, houve caso seme-

lhante, nesta Corte, de juiz do Estado do Rio, que foi processado exatamente porque se mancomunara com meia dúzia de desonestos para retirar juros de apólices, na Caixa de Amortização. A Justiça Federal foi julgada competente e o acusado foi processado por esta, sendo a sentença mantida diante da minha promoção como Procurador-Geral.

Assim, tenho pesar de divergir do Sr. Ministro Relator, por entender que a União é prejudicada indiretamente: o indivíduo foi retirar dinheiro que não lhe era devido, e a União pagou a quem não o podia fazer, isto é, a falso procurador.

Nestas condições, julgo competente a Justiça Federal.É o meu voto.

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Ministro Carlos Maximiliano

Em outro voto, também minimalista, relativo ao CJ 1.128/SP, suscitado pelo Juiz Federal da Seção do Estado de São Paulo, e tendo como suscitante o Juiz de Direito da 2ª Vara de órfãos da Capital, Carlos Maximiliano entendeu que a pretenção de desquite, por casal português, não era problema que carac-terizasse conflito de leis:

Acho que, no caso, na há conflito de leis. Se assim é, não temos em vista qualquer questão de direito internacional privado. São, como informa o emi-nente Relator, dois portugueses, que se querem desquitar — competente, pois, a Justiça estadual.

A Justiça Federal, segundo Carlos Maximiliano, só poderia ser provo-cada se sua competência não indicasse qualquer dúvida. É o que se infere em discussão relativa a uso de passaporte, no CJ 1.131/RJ, relatado pelo Ministro Octavio Kelly, tendo por suscitante o Juiz Federal na Seção do Estado do Rio de Janeiro e por suscitado o Juiz de Direito da 3ª Vara da Comarca da Capital. Nos termos do voto de Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, se o acusado tivesse falsificado o passaporte para entrar no Brasil e sair de Portugal, prelimi-narmente, eu não teria dúvida em julgar competente a Justiça Federal, porque o acusado deu ao documento finalidade diferente, diversa da que lhe é inerente. O passaporte só serve para entrar e sair de um território. Nada mais. Isso, ele o fez com o documento em ordem; não prejudicou, em coisa alguma, nem Portugal nem o Brasil. Aqui, se apresentou às autoridades com o passaporte em ordem. Mais tarde, porém, planejou um crime comum, da competência da Justiça local, casando, sem ter dissolvido o vínculo primitivo; e, para tanto, se utilizou do passaporte que falsificou; mas a Justiça Federal é de exceção; só reconhecemos a sua competência quando é clara, evidente, manifesta.

(...)

Caso interessante, referente à fixação de competência para julgamento de falsificação de bebidas, foi o CJ 1.141/SP, julgado em 22 de janeiro de 1937 e relatado por Carlos Maximiliano, tendo por suscitante o Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Santos e por suscitado o Juiz Federal na Seção do Estado de São Paulo. Após apresentação de relatório extremamente sinté-tico, seguiu-se a posição de Carlos Maximiliano, não obstante voto vencido do Ministro Bento de Faria:

RELATóRIOTrata-se de falsificação de bebidas: crime contra a saúde pública.É o relatório.

VOTOÉ competente a Justiça local.

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Memória Jurisprudencial

VOTOO Sr. Ministro Bento de Faria: Sou vencido, porque acho competente a

Justiça Federal.

DECISãOComo consta da ata a decisão foi a seguinte: Julgaram procedente o

conflito e competente a Justiça estadual contra o voto do Sr. Ministro Bento de Faria, que julgava competente a Justiça Federal.

No CJ 1.144/DF, julgado em 28 de outubro de 1936, discutiu-se compe-tência da Suprema Corte, em curioso caso no qual a quitação de obrigação não fora apresentada ao longo do processo de execução. No rápido debate colhe-se a opinião de Carlos Maximiliano, bem como os apartes de Bento de Faria, de Carvalho Mourão e de Laudo de Camargo:

VOTO (Preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Acho que a execução deve pros-seguir até o concurso de preferência, porque, se vamos apreciar a quitação oferecida somente agora, ipso facto entraremos no mérito da questão; mas é aconselhável ou sequer possível conhecer de documento dessa natureza que não foi apresentado na primeira instância?

O Sr. Ministro Bento de Faria: Não é a própria parte interessada que afirma ter pago a dívida?

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Juntou a quitação agora, em vez de fazê-lo na fase da execução. Parece-me esquisito.

O Sr. Ministro Bento de Faria: Logo, acabou a penhora.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: A questão é a seguinte: o juiz nos

mandou dizer, através dos autos, que esse homem é devedor de determinada quantia. O interessado, na execução, não fez a prova de que nada devia. Só agora é que se lembrou de apresentar uma quitação, para que a Corte Suprema o considere isento de qualquer pagamento, sem a audiência do juiz da execução. Há uma verdadeira surpresa.

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Realmente, ele provou que satisfez o pagamento, mas não o fez regularmente.

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Não estamos processando executivo algum.

O Sr. Ministro Laudo de Camargo: A nossa decisão resume-se, a meu ver, em declarar qual o juiz competente. Nada mais.

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Perfeitamente; por isso mesmo con-cordo com o voto do Sr. Relator para que os autos baixem; porque, na execução, liquidar-se-á se se fez ou não o pagamento da importância reclamada.

No CJ 1.151/SP, julgado em 30 de dezembro de 1936 e relatado por Carlos Maximiliano, tendo por suscitante Bernardino Fornellas Garnier e por suscitados o Juiz de Direito da Sexta Vara Cível da Capital do Estado de São Paulo e a Justiça Federal do mesmo Estado, Maximiliano fixou entendimento de

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Ministro Carlos Maximiliano

que haveria conflito de jurisdição quando dois juízes se declarassem competen-tes para funcionar num feito, ou quando dois se considerassem incompetentes, nos termos que seguem:

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Vistos, relatados e discutidos estes

autos de conflito de jurisdição, em que é suscitante Bernardino Fornellas Garnier e são suscitados o Dr. Juiz de Direito da 6ª Vara da Capital do Estado de São Paulo e o Juiz Federal do mesmo Estado: O suscitante propôs no juízo da 6ª Vara Cível da Cidade de São Paulo um executivo hipotecário contra Francisco Greco e sua mulher; a isto se opôs Germaine Lucie Burchart com embargos de terceiro senhor e possuidor. Os executados, como eram enfiteutas do imóvel penhorado, requereram o chamamento à autoria do senhorio, que era a União. O Juiz de Direito indeferiu o pedido; pelo que os executados agravaram para a Corte de Apelação, a qual, por acórdão de 18 de setembro de 1935, transcrito à fl. 28, negou provimento ao agravo. Então os executados pediram ao Juiz Federal que avocasse o feito; aquele magistrado recusou, sob o fundamento de não ser lícito à Justiça Federal interferir em causas sujeitas ao exame da Estadual. Conformaram-se os executados; porém o credor, até então silencioso, indiferente a tudo, suscitou um conflito de jurisdição.

Evidentemente o credor não lançou mão do remédio adequado na espé-cie. Dá-se conflito de jurisdição quando dois juízes se declaram competentes para funcionar num feito, ou quando dois se consideram incompetentes. No caso vertente o estadual agiu, e o federal recusou agir; logo, não houve conflito nenhum. O mais que se pode inferir da conduta do magistrado federal, é ter ele reconhecido a competência do estadual; nesse caso, ainda não haveria conflito, embora a inicial baralhe um pouco os fatos, de modo que deixe dúvidas no espí-rito desprevenido do leitor; mas o acórdão citado esclarece tudo. Pelas razões expostas, acordam os Ministros da Corte Suprema, nos termos do parecer do Exmo. Sr. Dr. Procurador da República, em julgar improcedente o conflito.

DECISãOJulgaram improcedente o conflito unanimemente.

Em outro excerto de decisão, colhido do CJ 1.193/DF, julgado em 11 de outubro de 1937, alcança-se o modo simples e direto como Carlos Maximiliano entendia a matéria:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, os conflitos de

jurisdição são levantados e julgados para evitar a anomalia de correrem, parale-lamente, dois processos. Por isso mesmo, consideramos que há conflito a resolver quando dois juízes se julgam competentes ou incompetentes, na mesma causa.

Ora, no caso em apreço, a Justiça Militar agiu e julgou em última ins-tância. A Justiça civil, sabedora da conduta da Justiça Militar, parou, não mais insistiu no processo. Não há, por conseguinte, conflito.

Nestas condições, nem digo que o conflito esteja prejudicado. Declaro que não há mais conflito, porque nenhuma das Justiças está agindo; o processo está findo.

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Memória Jurisprudencial

Em outro caso, CJ 1.197/RS, relatado pelo Ministro Costa Manso e jul-gado em 11 de outubro de 1937, tendo por suscitante Ademar Perez de Freitas e por suscitadas as Justiças civil e militar, entendeu Carlos Maximiliano:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, quanto às obser-vações do Sr. Ministro Relator, com elas estou de acordo, em tese.

Todavia, também considero que se configura o crime militar quando haja ofensa à hierarquia ou disciplina. Assim, por exemplo, se o agressor é o soldado e o agredido o cabo, isto é, se é o superior que é o morto, o ferido, o insultado, etc., o crime será militar porque o inferior em parte alguma, pelas leis militares, pode desconhecer o superior, ainda que este esteja à paisana.

Aqui, porém, se deu o oposto. O que cometeu o crime não feriu a hierar-quia, porque tem posto mais alto. Assim, desaparece este argumento; (...)

No CJ 1.202/SP, julgado em 18 de outubro de 1937 e relatado pelo Ministro Eduardo Espinola, tendo por suscitante o Banco do Brasil e por sus-citados um Juiz Federal e o Juiz de Direito da Comarca de Anastácio, decidiu Carlos Maximiliano, em passo pedagogicamente construído:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, há conflito de jurisdição quando dois juízes se julgam competentes para processar a mesma causa, ou quando dois se julgam incompetentes.

No caso em apreço, não ocorre qualquer destas hipóteses: um dos juízes ordenou a citação inicial para se proceder a ação de demarcação; o outro tomou conhecimento da ação possessória.

Nos interditos, existem duas partes: uma, que se diz ter posse; outra, que é acusada de perturbar ou violar a posse. Ora, na espécie, nem uma, nem outra destas partes é a União. Quem se diz ter a posse é uma companhia; quem é apre-sentado como tendo violado ou querendo violar a posse é o Coronel Fidencio de Melo, representante, aliás, do Banco do Brasil.

Não há, por conseguinte, conflito algum. Há duas ações distintas. Uma das quais nem sequer está proposta propriamente; está apenas iniciada; só alguns dos interessados nomeados na inicial foram citados.

Além disso, o Juiz Federal recusou declarar-se competente para intervir. Se um juiz se diz competente e o outro incompetente, não há, evidentemente, conflito de jurisdição.

Voto, portanto, de acordo com o Sr. Relator, isto é, julgando improce-dente o conflito.

Em outro voto sucinto, proferido em 12 de janeiro de 1938, elaborado no CJ 1.224/DF, relatado pelo Ministro Plínio Casado, tendo por suscitante um Promotor Militar da Polícia Militar e por suscitados o Conselho de Justiça Militar e o Juiz de Direito da 5ª Vara Criminal do Distrito Federal, Maximiliano observou o seguinte:

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, dos autos se vê que o acusado estava montando guarda; ora, tal serviço e mais — prender cri-minosos — são os únicos que cabem às polícias militares. Logo, a competência cabe à Justiça Militar.

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Ministro Carlos Maximiliano

No CJ 1.237/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 22 de junho de 1938, discutiu-se o foro competente para se ajuizar ação em face do Departa-mento de Café. Ementou-se que as ações deveriam ser ajuizadas nos Estados nos quais tivessem efeito as deliberações do departamento. Nos termos do acórdão:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de Conflito de Jurisdição, em

que é suscitante o Juiz dos Feitos da Fazenda Pública da 1ª Vara do Distrito Federal e suscitado o Juiz dos Feitos da Fazenda Pública do Estado do Espírito Santo: J. Reisen & Cia., comerciantes na cidade de Leopoldina, no Estado do Espírito Santo, pretenderem furtar-se à obrigação de vender 54.732 sacas de café de sua propriedade e incluídas na chamada quota de sacrifício, pelo preço fixado pelo Departamento Nacional do Café; impetraram mandado de segurança ao Juiz dos Feitos da Fazenda do Estado, a fim de ser liberado o mencionado pro-duto agrícola. Fizeram citar inicialmente o gerente da Agência do Departamento em Vitória e o Procurador da República, o qual levantou a preliminar de incom-petência do juízo (fl. 88), que foi esposada pelo juiz, remetendo-se os autos ao Juiz dos Feitos da Fazenda do Distrito Federal (fl. 99); este julgou competente o remetente (fl. 192); e suscitou o conflito. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República opinou, à fl. 202, pela competência do Juízo do Espírito Santo. Existe um conflito negativo de jurisdição, visto haverem dois juízes se julgado incom-petentes, pretendendo um que deva o outro oficiar na espécie.

Fundou-se o Procurador da República no art. 2º do regulamento expe-dido pelo Ministro da Fazenda, autorizado pelo art. 6º do Decreto 22.452, de 10 de fevereiro de 1933. Eis o teor deste:

Fica o Ministro da Fazenda autorizado: 1) a pôr em prática as medidas necessárias à instalação e funcionamento do Departamento e do Conselho Consultivo; 2) a expedir as instruções que forem precisas à boa execução deste Decreto.Ora, o regulamento e as instruções só desenvolvem as idéias cujo núcleo

se encontre na lei; não criam nada de novo. Entretanto, o Ministro baixou, não simples instruções, mas o regulamento do Departamento Nacional do Café, cujo art. 2º estabeleceu:

O Departamento Nacional do Café tem sua sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, Capital da República dos Estados Unidos do Brasil, etc.Tal disposição é evidentemente exorbitante; simples regulamento, ou,

pior ainda, meras instruções, não podem estabelecer preceitos reguladores da competência de foro. Acrescenta o Dr. Procurador da República no Espírito Santo, assim determinar o art. 6º do regulamento referido:

Ao Presidente do Departamento compete: 1º — a representação ativa e passiva do mesmo, em juízo ou “fora dele”.Em obediência a esta regra, a procuração passada ao gerente da agência

em Vitória esclarece: “ficando deste mandato excluídos os negócios extraordi-nários e contratos de qualquer natureza, assim como os atos de representação do outorgante em juízo”. Conclui o Procurador que, se apenas o Presidente representa em juízo o departamento e o agente não tem tal representação, só onde se acha o Presidente, pode o departamento ser acionado. Não parece muito sólido o argumento: quando a pessoa que deve ser citada se não encontra no lugar da demanda, efetua-se a citação por meio de precatória; não se desloca,

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Memória Jurisprudencial

só por isso, a ação para outro pretório. O Juiz de Vitória, além dos argumentos aduzidos pelo Procurador da República, ainda invocou o n. IV do art. 35 do Código Civil, que ordena:

Quanto às pessoas jurídicas o domicílio é (...) o lugar onde fun-cionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial nos seus estatutos ou atos constitutivos.A decisão judicial grifa estas últimas palavras. Entretanto, não parece

estabelecer o preceito caber a qualquer pessoa jurídica a prerrogativa de forçar todo o mundo a acioná-la somente onde ela prefira. O mesmo art. 35 contém duas regras que repelem semelhante privilégio. A do § 3º estatui:

Tendo a pessoa jurídica de direito privado diversos estabeleci-mentos em lugares diferentes, cada um será considerado domicílio para os atos nele praticados.Trata-se de atos do departamento praticados no Espírito Santo, onde

aquela entidade tem um estabelecimento ou agência; portanto, ação decorrente daqueles atos, no Espírito Santo se processa. Acresce, ainda, que se não contesta ser a União parte na causa, tanto que autores e réu concordam com a interferên-cia do juízo da União; é caso, pois, de invocar, também, o § 1º, que determina:

Quando o direito pleiteado se originar de um fato ocorrido, ou de um ato praticado, ou que deva produzir os seus efeitos, fora do Distrito Federal, a União será demandada na seção judicial em que o fato ocorreu, ou onde tiver sua sede a autoridade de quem o ato emanou, ou este tenha de ser executado.Ora, a restituição de embarque está sendo executada no Espírito Santo. E o

pedido de mandado de segurança foi provocado pelo seguinte edital, sob número 10, tendo por epígrafe: Departamento Nacional do café — agência de Vitória:

Tendo-se verificado a ocorrência de que trata o art. 37 do Regu-lamento de Embarque, com remissão à cláusula sétima do Convênio dos Estado Cafeeiros de maio do corrente ano, comunicamos aos interessa-dos que resolvemos converter em Quota L os seguintes despachos da Série R da Quota de Equilibro (safra 1937-38) (jornal à fl. 12). Embaixo, a assinatura — A. Mendonça (do Gerente de Vitória).Os impetrantes achavam mais justo esgotar a Quota de 1936-37; por isso,

reclamaram administrativamente, a princípio; depois, apelaram para os meios judiciais. Enfim, se em torno do Código Civil ainda alguma dúvida pode pairar, nenhuma, entretanto, resiste à clareza meridiana do art. 108 da Constituição vi-gente, que prescreve:

As causas propostas pela União ou contra ela serão aforadas em um dos juízos da capital do Estado em que for domiciliado o réu ou o autor.

Parágrafo Único. As causas propostas perante outros juízes, desde que a união nelas intervenha como assistente ou opoente, passarão a ser da competência de um dos juízes da capital, perante ele continuando o seu processo.Portanto, o fato de intervir a União como assistente (o que ocorreu no

caso sub judice) atrai o processo para o Juízo da Capital do Estado em que são domiciliados os autores; do Espírito Santo, portanto. Combinado o parágrafo único do art. 108, citado, com o § 1º do art. 35 do Código Civil, fica fortalecida a conclusão acima.

A Constituição equipara a assistência a ré, para efeitos da competência do juízo; e o Código determina seja a ré acionada no lugar onde o ato tenha de

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Ministro Carlos Maximiliano

ser executado; ora, a execução da ordem de embarque e da proibição de embar-que se daria no Espírito Santo; é ali o foro processante do mandado.

Pelas razões expostas, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar procedente o conflito e competente o Juízo dos Feitos da Fazenda da Capital do Espírito Santo.

No CJ 1.246/SP, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 5 de abril de 1939, discutiu-se complexa questão, relativa à fixação de juízo competente para julgar, em cumprimento de deprecata, arrecadação de bens de falido, no que se refere a imóveis pertencentes a terceiros residentes em outro Estado. Definiu-se, e ementou-se, que o juízo competente seria o próprio da falência, e o do foro da situação da coisa, nos termos seguintes:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de conflito de jurisdição, em que

é suscitante Joaquim Marques Guimaro, e são suscitados os Juízes de Direito das comarcas de Varginha e santo anastácio: Era estabelecida em Varginha, Estado de Minas Gerais, a firma Paiva Nunes & Cia., cuja falência foi decre-tada; a requerimento do síndico da falência, o Banco do Brasil, expediram Carta Precatória para a comarca paulista de Santo Anastácio, a fim de serem, ali, arre-cadados trezentos alqueires de terras pertencentes aos falidos e compreendidos nas fazendas Ribeirão Grande e Antas. Efetuada a arrecadação, impugnaram-na Joaquim Marques Guimaro e João Rodrigues Maia; o juiz de Santo Anastácio negou cumprimento à precatória, por lhe parecer tratar-se de ato pessoal do síndico. Logo depois, Guimaro e Maia impetraram (fl. 23) e conseguiram (fl. 33), do mesmo juiz de Santo Anastácio, mandado proibitório contra a massa falida de Paiva Nunes & Cia., a fim de evitar a expedição e cumprimento de nova precatória; porquanto Maia adquirira duas glebas de terras nas Fazendas Ribeirão Grande e Antas, divididas judicialmente; numa delas organizara, em sociedade com Joaquim Guimaro, a Fazenda São João (fls. 19-20), contendo mais ou menos mil alqueires de pastos; ao executar-se a precatória do Juiz de Varginha, o Oficial de Justiça incluiu na arrecadação ordenada uma parte da Fazenda São João, constante de 23 alqueires de pastos, 12 de roça de milho, 1 de roça de batata, e diversas benfeitorias; seria de esperar a renovação de tal prática. Expediu-se precatória para Varginha, a fim de intimarem ali o síndico ou liqui-datário da falência, para que atendesse ao despacho e se abstivesse de turbação ou esbulho temidos pelos possuidores da Fazenda São João (fl. 45v.). O liqui-datário opôs embargos à precatória (fl. 47); mas o juiz de Varginha recusou conhecer dos mesmos e ordenou a remessa dos autos para o de Sto. Anastácio; interposto agravo deste despacho, o magistrado o não admitiu; tirada Carta Tes-temunhal, ordenou o Tribunal de Apelação de Minas que subisse o agravo, ao qual deu provimento, pelo acórdão de fls. 47v. a 55, no sentido de mandar que o Juiz de Varginha negasse cumprimento à precatória expedida por magistrado incompetente. Guimaro suscitou conflito de jurisdição. Ouvidos os juízes dados como em conflito, informaram muito sucintamente, às fls. 69 e 72-74; o Exmo. Dr. Procurador-Geral opinou, à fl. 76, pela competência do juiz mineiro.

Resume-se deste modo a hipótese em apreço: o Juiz da Falência expediu precatória, para se arrecadarem, no Juízo da situação dos imóveis dos falidos,

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Memória Jurisprudencial

os bens de raiz destes; não se completou o cumprimento da precatória; e, a fim de evitar a renovação da mesma, pediram e obtiveram, do juízo deprecado, man- dado proibitório contra a massa falida; também à precatória concernente ao mandado, negaram cumprimento; daí o conflito, levantado por um dos interes-sados. É caso de conflito positivo; pois, tanto a Justiça mineira, como a paulista se declararam competentes, se consideraram competentes para conhecer do pedido de mandado proibitório. Funda-se o suscitante em ser o Juízo da falência o competente para resolver as questões referentes aos bens da Massa, e, no caso dos autos, se trata de bens não pertencentes à Massa, adquiridos por terceiros e indevidamente incluídos na arrecadação do ativo; objeta o Tribunal de Minas que a universalidade do juízo da falência obriga a discutir perante ele todas as questões concernentes à falência e aos atos dos liquidantes da mesma.

O ato do síndico enquadra-se perfeitamente na esfera das suas atribui-ções; se, ao executar o mesmo, incidiu em exagero o Oficial de Justiça (incum-bido, aliás, de arrecadar as fazendas Ribeirão Grande e Antas, de que se diz condômino o suscitante), no Juízo deprecante, no da falência, deveriam os pre-judicados discutir e provar o desacerto; além de o não fazerem, ainda usaram do remédio possessório, de fato não contra a Massa, porém contra o Juízo de Varginha; porquanto o interdito visava impedir a expedição ou concessão de nova precatória para arrecadação dos imóveis pertencentes aos falidos.

O interdito carece, em absoluto, de fundamento jurídico; porquanto, a propósito da ACi 6.137, de Santa Catarina, o Supremo Tribunal decidiu em junho de 1936, acompanhando o atual Relator deste conflito, não caber inter-dito possessório contra ato judicial. Entretanto, do mérito se não cogita, no momento, embora, como se mostrará em seguida, a impropriedade do remédio judiciário invocado influa, ex vi legis, na solução do conflito.

Rege a matéria, no Brasil, o Decreto 5.746, de 9 de dezembro de 1929, cujo art. 7º, parágrafo único, esclarece deste modo o assunto da controvérsia:

O juízo da falência é indivisível e competente para todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e negócios relativos à massa falida.Interpretemos esta regra em confronto com a do art. 74, que prescreve:

O síndico promoverá, sem perda de tempo e imediatamente após o seu compromisso, a arrecadação dos livros, documentos e bens do falido, onde quer que estejam, requerendo para esse fim as providências e diligências judiciais e necessárias.A arrecadação dos imóveis é, pois, negócio relativo à falência; compre-

ende-se, por isso, na competência do juízo privativo, nos termos do art. 7º.J. X. carvalho de Mendonça, apontado pelo suscitante, em suas razões

muito hábeis, como autoridade máxima, por ser o inspirador da Lei das Falências, assim doutrina, em seu Tratado de Direito comercial, v. VII, n. 197:

Tendo a falência por escopo a liquidação do patrimônio integral do devedor e o pagamento a todos os credores, forçoso é que o juízo onde ela se processa, possua essa vis atractiva, tornando-se único e universal. O juízo da falência é um mar onde se precipitam todos os rios. Nele se arrecadam todos os bens do devedor; nele se discutem e resolvem todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e negócios da massa falida.Ora, exatamente, ao arrecadarem-se os bens da massa, surgiu a atual

controvérsia, em que se pretende excluir, da arrecadação ordenada e tentada, uma fração de terras.

Trajano Valverde — a Falência no Direito brasileiro, v. I, n. 55, explica:

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Ministro Carlos Maximiliano

Torna a lei exclusiva a competência do juiz da falência para pro-cessar e julgar as ações e reclamações que interessam a massa falida. Com exceção das ações que disposição expressa de lei manda correrem em Juízo privativo, ou especial, todas as ações contra a massa falida devem ser propostas perante o juiz da falência. Nele se instala a sede legal da administração da falência. Perante ele, conseguintemente, devem ser formuladas as ações contra a massa.O escritor só exclui as ações que um texto expresso confie ao exame de

juízo privativo, ou especial; todas as outras, propostas contra a Massa, correm no Juízo da falência. Está neste caso a concernente ao excesso de arrecadação, à confusão acidental e possível de bens do falido com imóveis de terceiros.

spencer Vampré — Tratado elementar de Direito comercial, v. III, p. 151, faz apenas esta restrição:

As regras expostas se aplicam somente às ações e reclamações, em que a massa é ré; não às em que a massa é autora; pois estas se devem processar no foro do domicílio do réu, ou no da situação da coisa, ou no do contrato.Apóia o seu parecer em julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Ora,

no caso vertente, a Massa é ré, contra ela foi obtido o interdito. Logo, o foro competente é o dela; não o da situação dos bens, como se pretende.

Embora com orientação algo mais restritiva do que a exposta, percerou & Dessertaux — Des Faillites & banqueroutes, 1935-38, v. II, n. 1.130, doutri-nam contra as conclusões do suscitante, assim:

Para distinguir entre elas (ações) as que competem ao tribunal da falência e as que, ao contrário, ficam submetidas às regras ordinárias da competência tanto ratione materiae como ratione personae, cumpre preocupar-se com a sua causa; de sorte que, em definitivo, o critério ao qual convém ater-se, em nosso parecer pode assim formular-se: são da competência do Tribunal da Falência as ações sobre cuja solução a falên-cia exerce influência jurídica, e aquelas que nascem da falência.

pour distinguer parmi elles celles qui ressortissent au tribunal de la faillite et celles qui au contrarie demeurent soumises aux règles ordi-naires de la compétence tant ratione materiae que ratione personae, il faut se préoccuper de leur cause. De sorte qu’en définitive le critère auquel il convenient, à notre avis, de se rallier peut se formuler ainsi: sont de la compétence du tribunal de la faillite les actions sur la solution desquelles la faillite exerce une influence juridique, et celles qui naissent de la faillite.Cumpre, na opinião dos catedráticos da Faculdade de Paris, o primeiro,

de Dijon, o segundo, indagar da causa da ação, inquirir se esta nasceu da falên-cia. Na verdade, a causa está em ato da falência, na arrecadação dos bens, que é a tarefa primacial do síndico; da falência, pois, nasceu o mandado proibitório; deveria ter sido impetrado ao juiz de Varginha, processante da falência.

Enfim, legem habemus, indicadora do rito processual e da competência; a Lei de Falências ordena:

Art. 140. Se entre os bens seqüestrados ou arrecadados pela massa se acharem bens de terceiros, estes poderão logo reclamá-los por embar-gos de terceiro senhor e possuidor, deduzindo o seu direito em três dias contados da data do despacho proferido em sua petição, juntando título de domínio, e provendo, no mesmo prazo, posse natural ou civil com efeitos de natural.

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Memória Jurisprudencial

A alegação de posse e domínio deveria, portanto, ser feita no juízo da falência, por meio de embargos, não de interdito possessório e em foro diverso. Assim pensando, J.x.C. Mendonça (v. cit. n. 201), deu, nestes termos, a exegese do preceito transcrito:

No processo principal, que é propriamente o da falência, temos os embargos de terceiros, as reivindicações, etc. etc.Parece demonstrado qual o caminho que deveria ter seguido o suscitante;

pelo que os Ministros do Supremo Tribunal Federal acordam em Tribunal Pleno em julgar procedente o conflito e competente o Juízo de Varginha, em Minas Gerais.

No CJ 1.254/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 31 de maio de 1939, discutiu-se conflito no qual as causas tinham as mesmas partes litigan-tes. Definiu-se que, se houvesse conexão no objeto, o juiz competente seria o que primeiro conhecesse da espécie. Nos termos da decisão de Carlos Maximiliano:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de conflito de jurisdição, em

que são suscitantes Leoncio Cardoso, Antonio Joaquim Mesquita e Walter Richard Stahel, e suscitados o Dr. Juiz da 7ª Vara Cível de São Paulo e o Dr. Juiz da 2ª Vara dos Feitos da Fazenda do Distrito Federal: em São Paulo, Willian Mazzocco, em 11 de agosto de 1938, propôs ação contra Antonio Mesquita e Leoncio Cardoso, para anular patente de invenção por estes obtida, sobre “aper-feiçoamento de sacos de tecidos”; no Distrito Federal, em 20 de janeiro de 1939, José Silva & Cia. iniciaram demanda aos mesmos Cardoso e Mesquita e ao seu cessionário Walter Richard Stahel, para tornar sem efeito a patente mencionada. Por isto, Cardoso, Mesquita e Stahel suscitaram conflito de jurisdição e pediram que o Relator mandasse suspender o andamento das causas. Não foram atendi-dos nesta segunda pretensão, por motivos óbvios que se mostrarão no relatório e voto seguintes. Ouvidos os juízes em conflito, o do Distrito Federal, à fl. 19, nar-rou sucintamente o ocorrido na sua vara e informou ter sustado o andamento da causa; o de São Paulo, à fl. 21, procurou demonstrar não existir conflito, porque a União não foi citada em São Paulo, e eram diferentes os autores nas duas ações. Vieram os suscitantes com uma petição alegando nulidade no feito paulista, por falta da citação da União, pelo que não houve prevenção de jurisdição. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fls. 25v., opinou pela improcedência do conflito.

Na verdade, apenas, o objeto é o mesmo, como se mostrou; mas é autor, em São Paulo, Mazzocco, e no Rio, são José Silva & Cia. Conforme as certidões de fls. 2 e 4, os réus têm domicílio em São Paulo; logo, se houvesse conflito, o foro competente seria precisamente o que os suscitantes não querem, o de São Paulo, conforme o art. 10 do Decreto-Lei 986, de 27 de dezembro de 1938; além disto, a primeira ação foi intentada em São Paulo. Há conexão nas duas causas; porque, na expressão de ramalho — praxe brasileira, § 12, “o negócio é subs-tancialmente o mesmo, posto que as pessoas sejam diversas”. João Monteiro — processo civil, § 42, opina ser “competente o foro por conexão de causas, quando as causas se ligam tão intimamente entre si que o julgamento de uma importa o da outra”. Com efeito, julgada nula a patente em São Paulo, como a utilizar no Distrito Federal, sobretudo se for confirmada pelo Pretório Supremo a sentença primeira?

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Ministro Carlos Maximiliano

aureliano de Gusmão — processo civil, v. I, p. 178-79, admite a compe-tência por conexão — “no caso de serem tão intimamente ligadas as causa entre si, que o julgamento de uma implica o julgamento das demais”. Acrescenta: “A conexão se diz — subjetiva quando se dá o concurso de muitos litisconsortes per-tencentes a jurisdições distintas, e — objetiva quando o vínculo conexivo resulta da relação de dependência ou estreita ligação das questões controvertidas”.

O caso em apreço é evidentemente, pois, de conexão objetiva: em ambos os feitos se trata de anular a mesma patente. O escritor ainda mostra a razão de tal união de processos, entre outras, na conveniência de evitar —“a possibili-dade de sentenças divergentes ou contraditórias sobre uma mesma relação de direito, ou sobre controvérsias originadas de um mesmo título, desde que fosse permitido atribuir o seu julgamento a juízes diferentes”. Por todos estes motivos, uma só ação deveria correr, e no foro da primeira, o de São Paulo. Entretanto, de momento, o remédio indicado deveria ser a exceção de incompetência, visto que, em São Paulo, os réus se conformaram com a citação para se defenderem ali; e no Rio, a causa está em começo, nem as citações iniciais foram acusadas; há oportunidade para opor exceção. O juiz do Distrito Federal só despachou a ini-cial; nada decidiu, nem foi provocado, quanto à competência ou incompetência. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em julgar improcedente o conflito.

No CJ 1.262/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 6 de setembro de 1939, discutiu-se questão seminal em tema de fixação de jurisdição:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de conflito de jurisdição, em que é suscitante antonio eliezer de souza e são suscitados o Juízo da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública e a 6ª Câmara do Tribunal de Apelação, ambos do Distrito Federal: A Companhia Sertaneja propôs contra o suscitante uma ação de força nova, a fim de obter a restituição de partes de um prédio ocupado por Leal de Souza; em seguida, a Caixa Econômica Federal propôs executivo hipo-tecário contra a mesma Companhia e penhorou o prédio do qual algumas salas eram disputadas por Leal de Souza; tendo o juiz da execução levado o fato ao conhecimento do juiz processante do interdito possessório, este mandou sustar o andamento do feito sob sua jurisdição; agravou o autor; e a 6ª Câmara do Tribunal de Apelação deu provimento ao recurso, para determinar que se prosseguisse na ação de força nova. Leal de Souza levantou conflito de jurisdição, e logo pediu ao Relator do mesmo que mandasse sustar o andamento das duas causas enquanto se não julgasse o incidente referido. O Relator desatendeu à súplica; pelo que o suscitante interpôs o agravo do art. 44 do Regimento Interno. Por unanimidade, o Tribunal Pleno confirmou o despacho do Relator. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou, à fl. 40, pela improcedência do conflito. O Relator leu, de novo, ao Tribunal os motivos da sua decisão, expostos às fls. 30 a 34 e os votos proferidos a respeito do agravo. Já então ficou evidente não existir conflito algum. Não se trata de uma só ação proposta perante dois juízes diferentes. Nem sequer existe plena conexidade entre as suas demandas: não há conexão subjetiva, porque não se tra-vam os dois litígios entre as mesmas pessoas; numa o autor é a Cia. Sertaneja e o réu Leal de Souza; na outra, é autora a Caixa Econômica e ré a Sertaneja; também não se espelha conexão objetiva, por se não tratar do mesmo objeto; numa ação se trata de esbulho, na outra, de cobrança de dívida. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em julgar improcedente o conflito de jurisdição.

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Memória Jurisprudencial

No CJ 1.265/DF, relatado pelo Ministro Washington de Oliveira e jul-gado em 5 de julho de 1939, em que era suscitante o síndico da falência da Companhia de Fiação e Tecelagem Industrial Mineira e suscitados os Juízes de Direito da 1ª Vara da Comarca de Juiz de Fora e da 1ª Vara Cível do Distrito Federal, Carlos Maximiliano encaminhou denso voto, interpretando a Lei de Falências à época vigente:

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, acho que essa

disposição da Lei de Falências pode ser interpretada tomando-se como lei suple-mentar o art. 35, n. 4, do Código Civil, que diz:

Art. 35. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:IV — das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem

as respectivas diretorias e administrações ou onde elegerem domicílio especial nos seus estatutos ou atos constitutivos.Ora, os estatutos declaram que o foro competente é o do Distrito Federal.

Por outro lado, a sede, o domicílio, onde ainda funcionam a diretoria e a admi-nistração é, na espécie, o Distrito Federal.

Por estas razões, julgo procedente o conflito e competente o Juiz da 1ª Vara Cível do Distrito Federal.

No CJ 1.270/DF, relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se compe-tência do Tribunal de Segurança Nacional para julgar membros de sociedade organizada que teriam explorado fraudulentamente a economia popular. Nos termos da decisão de Carlos Maximiliano:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de conflito de jurisdição, em que

é suscitante o Tribunal de segurança Nacional e suscitado o Juízo de Direito da 6ª Vara cível de são paulo: O Segundo Curador Fiscal das Massas Falidas em São Paulo, ofereceu denúncia ao Dr. Juiz da 6ª Vara Cível da Capital contra Antonio Sampson Cerquinho, Antonio Paiva Junior, Paulo Guzzo, Philemon Assunção e Antonio Costa Junior, diretores da Economizadora Paulista, como incursos nas disposições dos arts. 168, 4º; 169, 3º, 5º e 8º; e 171, 3º, da Lei das Falências, e nas penas do art. 336, § 1º, da Consolidação das Leis Penais; porém, no final da denúncia, requereu que, tendo em vista o disposto no art. 2º, Ix, do Decreto 869, de 18 de novembro de 1938, fosse encaminhada uma cópia da denúncia ao Tribunal de Segurança Nacional, a fim de que este resolvesse se o sumário deve-ria ser processado no juízo da falência, como prescreve o Decreto 5.746, de 9 de dezembro de 1929, ou se todo o feito criminal deveria correr perante aquele juízo excepcional. O Juiz de Direito, em fundamentado despacho, à fl. 50, procurou mostrar ser competente, ab initio, o Tribunal de Segurança Nacional.

Um dos denunciados, Antonio Sampson Cerquinho, agravou; mas o juiz repeliu o agravo, por não caber tal recurso aos denunciados, e, sim, apenas ao Ministério Público (decisão à fl. 86). Indo os autos ao Tribunal de Segurança, o Procurador Adjunto opinou contra a competência daquele Tribunal para conhecer da espécie (fl. 90). O juiz Raul Machado achou competente aquele foro excepcional,

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Ministro Carlos Maximiliano

para julgar um dos acusados, Antonio Costa Junior, único a agir posteriormente à lei que definiu os crimes contra a economia popular e atribuiu àquele Tribunal competência para julgar os crimes previstos na denúncia (decisão à fl. 94v.).

O Tribunal pleno embora achasse acertado o despacho referido, se declarou incompetente para julgar o processo e suscitou o conflito negativo de jurisdição (acórdão à fl. 114). Solicitadas informações aos juízes em conflito, e prestadas estas, opinou o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 129, pela compe-tência da Justiça comum.

Se houve crime este foi um só, e começado em 1936, em época muito anterior à criação do Tribunal de Segurança e à instituição de pena especial para os crimes contra a economia popular: vários indivíduos constituíram-se em sociedade, a qual adquiria apólices cuja cotação variava entre 185$ e 200$, e as vendia por 200$, e mais a jóia de 15$, em prestações mensais de 10$, havendo, ainda, sorteio semanal de prêmios de 5:000$.

Tal negócio não deixava margem suficiente para cobrir as despesas necessárias, como bem mostrou o relatório do síndico à fl. 11; nasceu, portanto, em falência certa a sociedade; ou, melhor, visava dar prejuízo inevitável aos prestamistas. Um dos credores obteve a decretação da falência em dezembro de 1938. Pouco antes de entrar em vigor a norma que definia crimes contra a eco-nomia popular, retiraram-se os sócios, com exceção de Antonio Costa Junior, que prosseguiu na gerência até 33 dias posteriores ao advento da mencionada lei. É certo que a fraude atribuída aos exploradores da credulidade alheia já era prevista em norma punitiva; porém a pena era mais branda; o art. 336, § 1º, da consolidação das Leis penais, previa, para o caso, o castigo de dois a seis anos de prisão celular; e a Lei de Segurança invocada pela denúncia, Decreto-Lei 869, de 18 de novembro de 1938, art. 2º, Ix, cominou a punição de 2 a 10 anos de prisão e multa de 10:000$ a 50:000$; não seria jurídico aplicar a fatos anteriores a norma recente. É verdade que um dos sócios continuou por 33 dias, dentro da vigência da nova regra; porém o crime foi um só, praticado, de comum acordo, por diversos indivíduos, por muito tempo; não é possível julgar um em um tribunal e os demais em outro, e condenar quatro co-autores a 6 anos de pri-são e um a dez anos e multa de 50:000$.

Nos últimos 33 dias a sociedade não lograva mais ninguém; estava mais do que falida; a fraude foi organizada e praticada antes; só a lei anterior rege a espécie.

Pelas razões expostas, acorda o Supremo Tribunal Federal em julgar procedente o conflito e competente, para o processo e julgamento de todos os indiciados, o Juízo comum, o da 6ª Vara Cível da Capital de São Paulo.

No CJ 1.292/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 16 de julho de 1940, discutiu-se competência relativa ao julgamento de receptadores de mercadorias furtadas da Intendência da Guerra, concluindo-se que deveriam ser julgados pela Justiça comum.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de conflito de jurisdição, em que é

suscitante o Tribunal de Segurança Nacional e suscitado o Conselho Permanente de Justiça da 3ª Auditoria da 1ª Região Militar: Procedeu-se a inquérito policial militar contra os indiciados João Carlos Correa Lemos, Alcides Francisco dos Passos, Joaquim Ferreira de Azevedo, José Tavares de Almeida, Carlos da Silva

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Memória Jurisprudencial

de Sá e Oliveira e Guilhermino Fernandes e Miguel de Felipes, porteiro, o pri-meiro, soldado, o segundo, da Primeira Formação de Intendência da Guerra, e os demais, comerciantes, todos envolvidos em furto de mercadorias pertencentes ao Estabelecimento Central de Material da Intendência. Houve indícios de que o servente Antonio Filgueiras furtava artigos de Intendência, forçando a porta do depósito durante a noite, e vendia a comerciantes. Este funcionário foi processado e julgado pela 3ª Auditoria e demitido. Recaindo suspeitas de conivência do por-teiro, quanto a novos roubos, ficou apurada a nenhuma culpa por parte daquele funcionário, “homem honrado, de caráter reto e exemplar”. Também o soldado Alcides Passos foi logo excluído do inquérito, por ter apenas incorrido em pena disciplinar. Afinal, nenhum crime ficou apurado contra determinado funcioná-rio da Intendência; faltou a prova plena da autoria, embora ficasse evidenciado que os negociantes, suspeitados, houvessem comprado objetos furtados daquela repartição (relatório, à fl. 96). Por isto, opinou o Promotor da Justiça Militar ser a causa da competência da Justiça comum. Entretanto, o Conselho Permanente de Justiça concluiu, à fl. 129, pela competência do Tribunal de Segurança Nacional, ao qual enviou o processo; este, porém, também se considerou incompetente — e remeteu os autos ao Supremo Tribunal Federal (fl. 137). À fl. 144, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela competência da Justiça comum.

Decorre do exposto a certeza de que o processo corre, afinal, apenas contra particulares, comerciantes compradores, conscientes, de furtos; o fato de pertencerem as mercadorias a estabelecimento militar, não fixa a competência de nenhuma Justiça especial. Pois isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em jul-gar procedente o conflito negativo de jurisdição e competente a Justiça comum.

No CJ 1.300/RJ, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 16 de setembro de 1940, decidiu-se que o juízo do contrato e da situação do imóvel, e não o da falência, seria o competente para processamento e julgamento de ação de consignação proposta pelo liquidatário de falência para evitar a perda, em virtude de comisso, de imóvel adquirido a prestações pelo falido:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de conflito de jurisdição, em

que é suscitante o Juiz de Direito de Petrópolis e suscitado o Juiz da Terceira Vara Cível do Distrito Federal: O Dr. Álvaro Mendes Pimenta, na qualidade de liquidatário da falência de J. Pinheiro Irmão & Cia., decretada no Distrito Federal, propôs, em 29 de maio deste ano, no foro de Petrópolis, uma ação de consignação em pagamento contra a Companhia Imobiliária de Petrópolis; depois, apesar de negada a desistência do primitivo propósito, iniciou ação idên-tica e contra a mesma Companhia, em 3 de junho, no Juízo da 3ª Vara Cível do Distrito Federal, que era o da falência.

Visaram as duas ações ilidir ação de comisso, que está em andamento no foro de Petrópolis. O juiz daquela comarca suscitou conflito de jurisdição. Oficiou-se aos juízes em conflito, a fim de que sobrestivessem no andamento das causas mencionadas, e deu-se vista, de acordo com o preceituado no art. 806 do Código do Processo Civil, ao Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, que protestou por nova vista depois de ouvidos os magistrados em conflito. Estes informa-

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Ministro Carlos Maximiliano

ram a fls. 23, 29 e 35. Afinal, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela com-petência do Juízo da falência (fl. 37).

A ação de comisso, que se pretende inutilizar com o depósito, foi pro-posta contra um dos sócios da firma falida, Adriano José Rodrigues Pinheiro, depois de decretada a falência e arrecadados os bens dos sócios, inclusive os prazos de terras, objeto da mesma ação (informação à fl. 24). A Informação de fl. 35 esclarece que Adriano é o único sócio solidário e sobrevivente da firma falida. A ação de comisso foi iniciada em 9 de maio de 1940, em Petrópolis (cer-tidão à fl. 14); o primeiro pedido de consignação em pagamento é posterior; de 29 de maio (certidão à fl. 7).

Cumpre esclarecer que o conflito não surgiu a propósito da ação de comisso proposta pela Companhia Imobiliária contra Adriano; porém só em relação à ação tendente a evitar a de comisso, ação de consignação em pagamento proposta pela massa, por seu liquidatário, contra a companhia Imobiliária. Ora, ninguém dirá que o liquidatário ou síndico de falência aberta em Manaus acione em a Capital do Amazonas pessoa física ou jurídica que tenha domicílio ou sede na cidade do Rio de Janeiro e a respeito de imóvel sito no Distrito Federal. O Juiz universal da falência atrai as causas cujos juízes tenham a mesma jurisdi-ção, embora não a mesma competência, do da falência; o juiz do Distrito Federal tem jurisdição diferente da do juiz de Petrópolis.

Algumas legislações, como a francesa, por exemplo, eliminam, na hipótese, a aplicação da regra da competência fixada pelo domicílio do réu; porém até mesmo estas só impõem a vis atractiva atribuída ao juízo da falên-cia, quando se trate de causa que só a falência fez surgir, isto é, de litígio que não ocorreria se o devedor não tivesse entrado em estado de falência; a reserva é maior, em se tratando de ação concernente a imóvel, ou relacionada com o domínio sobre este (o que precisamente se verifica no caso em apreço). Cumpre documentar cientificamente estas asserções.

A Lei de Falências (Decreto 5.746, de 9 de dezembro de 1929) estatui:Art. 7º, parágrafo único. O juízo da falência é indivisível e compe-

tente para todas as ações e reclamações sobre bens, interesses e negócios relativos à massa falida. Essas ações e reclamações serão processadas na forma por que se determina nesta lei.Do exposto já deflui a assertiva de que só se processam no juízo da falên-

cia as ações e reclamações que o comportam a forma estabelecida por aquele diploma. Mais ainda, trata-se de causas em que a massa é ré; não daquelas em que seja autora.

Trajano Valverde — A Falência no Direito Brasileiro, v. I, n. 56, deste modo interpreta o texto transcrito:

Assim como as ações da massa falida contra os devedores, ter-ceiros ou não, salvo os casos previstos na lei, são intentadas segundo os princípios do direito processual comum, em regra no domicílio do réu, por idêntica razão as ações contra a massa falida devem ser promovidas, se não há foro especial, perante o juízo indivisível da falência, onde está a sede legal da sua administração, dirigida e superintendida pelo próprio juiz (art. 63). Pouco importa que no mesmo território outros juízes sejam igualmente competentes para julgar essas ações. É como se no lugar só houvesse um único juiz competente para esse ato.Em o número 55, o escritor observa:

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Memória Jurisprudencial

A última alínea do citado parágrafo esclarece que essa competên-cia exclusiva é somente para as ações e reclamações que tiverem de ser processadas na forma por que se determina na lei.Em comentário ao parágrafo transcrito, escreveu Bento de Faria —

código comercial anotado, 3. ed.:As ações que devem ser movidas no juízo universal da falên-

cia são as intentadas contra a Massa, e não contra interessados pela Massa (Acs. da 2ª Câmara da Corte de Apelação, de 24 jan. 1908, e da 1ª Câmara, de 9 dez. 1909).

Para as ações e execuções movidas pelos síndicos, a competência do Juízo regula-se pelos princípios gerais (Ac. da 1ª Câmara da Corte de Ap. do Distrito Federal de 9 dezembro de 1909).Carvalho de Mendonça — Tratado de Direito comercial, v. VII, nota 3

à p. 262 e ao n. 197 expõe:Contra outros devedores da Massa o processo corre no juízo do

domicílio do réu, se não há foro no contrato. Assim o é nesse caso, por-que não se trata de ação processada na forma determinada da Lei 2.024, art. 7º, parágrafo único.Ora, no caso em apreço, não só é em Petrópolis o domicílio da ré; mas é

ali o foro do contrato e o lugar do pagamento; assim foi estipulado.Spencer Vampré — Tratado elementar de Direito comercial, v. III,

p. 151, aduz ensinamento igual aos precedentes, nestes termos:As regras expostas se aplicam somente às ações e reclamações em

que a Massa é ré; não às em que a massa é autora; pois estas se devem processar no foro do domicílio do réu, ou no da situação da coisa, ou no do contrato.Não se olvide que a ação versa a respeito de terreno sito em Petrópolis; o

contrato fixava o foro de Petrópolis; a ré tem a sede em Petrópolis.Percerou & Dessertaux — Des Faillite & banqueroutes, 2. ed., 1937, v. II,

n. 1126 e 1132 — repelem a preferência geral pelo foro do domicílio do réu; porém restringem a vis attractiva a ações por inexecução de contrato quando os fatos de inexecução foram posteriores à falência e ocorreram por causa da mesma.

Eis as suas palavras:O tribunal de comércio competente é, não como indicaria a regra

geral, o do domicílio do réu, mas o tribunal do domicílio do falido (ainda que o réu fosse domiciliado em outro lugar), isto é, o tribunal que declarou a falência. Ao contrário, escapam ao alcance dos artigos 635 do Código do Comércio e 59, 7º, do Código do Processo Civil, como não sendo nas-cidos da falência, mas como tendo podido também nascer supondo-se o devedor ficado in bonis: as ações de nulidade fundadas sobre qualquer motivo de direito comum, que poderia ser oposto até mesmo em caso de solvabilidade do devedor; enfim, os pedidos de resolução por inexecução de um contrato anterior à falência, quando os fatos de inexecução têm igualmente precedido a falência e não se confundem com esta.Em verdade, a ação de comisso adviria de falta de pagamento anterior à

falência, falta que poderia ser argüida independentemente da insolvabilidade do comprador das terras e que não se confunde com a falência. Para evitar a declara-ção de comisso, foi que se tentou a consignação. Nem por meio de exceção, nem de conflito de jurisdição, foi impugnada a competência para a ação de comisso, que no

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Ministro Carlos Maximiliano

foro de Petrópolis corre suavemente; ali também deve correr a ação de consigna-ção, por ser conexa com aquela; pois o Código do Processo Civil preceitua:

Art. 138. Salvo disposição em contrário, as ações acessórias, ou oriundas de outras, julgadas ou em curso, serão da competência do juiz da causa principal.A causa principal é a ação de comisso.A segunda parte do parecer de Percerou & Dessertaux encontra apoio em

Umberto Pipia — Del Falimento, 1932, n. 93; assim determina:No que diz respeito a controvérsias de ordem contenciosa, que

encontram na falência não a causa determinante, de modo que se a decla-ração de falência não tivesse sobrevindo a contestação não teria surgido, porém só a ocasião para surgir; retenho como mais lógico distinguir entre a hipótese em que a Massa se apresente como Autora, e aquela em que, ao contrário, seja Ré. Na primeira hipótese, não é admissível der-rogação alguma à norma comum acerca da competência por valor e por território. A Massa deve propor a ação no foro em que o réu tem direito de vir citado segundo os princípios gerais de competência.Ora, conforme se infere do documento de fl. 14, a compra de terra foi

pactuada antes da falência e não foi a declaração judicial desta que impediu o comprador de atender às prestações; faltou ao seu dever antes de entrar em falência; logo, a declaração não foi a causa da falta; portanto o processo princi-pal e os acessórios correm no foro comum, do contrato e da situação do imóvel, no parecer do professor italiano.

Gustavo Bonelli — Del Fallimento, v. I, n. 80 — informa qual a vis attractiva varia muito de legislação em legislação, “com tendência mais para restringir-se do que para dilatar-se”; e conclui mostrando que se não aplica a demandas concernentes a imóveis. Da mesma opinião é Agostino Ramella — Trattato Del Fallimento, v. I, n. 161, p. 216, donde conclui:

Se a ação disser respeito a imóveis, deverá propor-se no locus rei sitae.Em nota sob n. 6, invoca a Lei Húngara, que, no § 152, exclui do juízo da falên-

cia as ações imobiliárias ou conexas com lides de competência de outra jurisdição.Ora, a ação de consignação é intimamente conexa com a de comisso, que

está correndo, e deve correr, no foro do contrato e da situação do imóvel; logo, o foro competente é um só para as duas ações, o de Petrópolis.

Pelas razões expostas, acorda o Supremo Tribunal Federal, em julgar procedente o conflito positivo de jurisdição e competente o juiz de direito da Comarca de Petrópolis.

No CJ 1.302/DF, relatado pelo Ministro Armando de Alencar, tendo como suscitante Isabel Lopes de Melo e como suscitados o Juiz de Direito da 1ª Vara de Família e o Juiz de Menores de Fortaleza, julgou-se conflito positivo; Carlos Maximiliano deu pela procedência do conflito, nos termos que seguem:

Senhor Presidente, julgo procedente o conflito: um juiz declara entender ser ele quem deve determinar a guarda do menor; o outro entende ser ele; daí, o impasse. Suponha-se que o Tribunal do Ceará confirme a resolução do Juiz cea-rense: haverá um novo impasse. O que importa é que o Juiz do Ceará se recusa a cumprir uma ordem. O caso, aliás, é muito comum: o homem toma a criança

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Memória Jurisprudencial

à mãe e vai às autoridades, como “bom moço”, pedindo que dê um destino ao pequeno, quando, de fato, pretende fugir à ação do juiz do domicílio conjugal.

No CJ 1.311/ES, relatado por Carlos Maximiliano, julgou-se importan-tíssima questão relativa à competência para julgamento de salvados:

Vistos, relatados e discutidos estes autos de conflito de jurisdição, em que é suscitante o Juiz de Direito da Primeira Vara de Vitória, capital do Espírito Santo, e suscitado o Juiz de Direito da 4ª Vara Cível do Distrito Federal: Luiz Campos Filhos & Cia., comerciantes na Capital da República, venderam ao comerciante da mesma praça, Constantino Ambrosio Tavares, com reserva de domínio, um motor marítimo, marca bolinder’s Diesel, com equipamento stan-dard, mais jogo de ferramentas e peças sobressalentes, com todos os seus per-tences, tudo pelo preço de 190:000$000, pagos em 19 prestações. O comprador instalou no iate são Matheus, de sua propriedade, o qual encalhou ou naufragou em viagem, no porto de Vitória. Como o adquirente não atendesse aos paga-mentos pactuados, o vendedor requereu a apreensão de tudo o que vendera, nos termos do art. 344 e seus parágrafos do Código de Processo Civil, expedindo-se carta precatória para o Juízo de Vitória, a fim de se realizar ali a diligência impe-trada. O magistrado deprecado levantou conflito de jurisdição; porque, tendo o iate arribado àquele porto, Jose riberio coelho requerera, naquele foro, o prê-mio legal por haver salvado o navio e a respectiva carga, tendo sido o pedido julgado procedente e pender de recurso para o Tribunal de Apelação. Ouvido o Juiz deprecante, afirmou a sua própria competência, para conhecer da espécie (fls. 7 e 34). Os advogados de Luiz Campos Filhos & Cia. pediram a juntada de um memorial, em que alegam não passar de uma força o pretenso salvamento, engendrada por Arens & Langen, credores de Constantino, sendo José Ribeiro Coelho, o salvador, mero sócio da mesma firma Arens & Langen; procuram, assim, diminuir os prejuízos causados pelo devedor. Isto é matéria que escapa ao julgamento do conflito; será examinada pelo Juiz da causa. Procede o con-flito, desde que dois juízes se declarem competentes para decidir sobre o destino imediato do iate e seus pertences.

O salvador tem direito a um prêmio; e as despesas com o salvamento são garantidas com um privilégio sobre os objetos salvos (Código Comercial, arts. 735, 736 e 738); logo, também pelo salvamento do motor cabe um prêmio, privilegiado, ao salvador.

Silva Costa — Direito Marítimo, 3. ed., v. II, n. 816 — ensina:As despesas com os salvados têm preferência sobre os objetos sal-

vos, ou seu produto.Em o número anterior, o mesmo escritor fixa os direitos do salvador.

Qual o Juízo competente para regular o devido ao salvador?Silva Costa, v. II, n. 814, esclarece:

As questões que se suscitarem a tal respeito (do naufrágio e suas conseqüências) são da competência do juiz do lugar do naufrágio.Tal competência parece resultar dos arts. 735 e 739 do Código Comercial.

O primeiro reza: “se alguém puder salvar o navio, fragmento ou carga abando-nados no alto mar ou nas costas, entregando tudo imediatamente e sem des-falque ao Juiz de Direito do Comercio do distrito, haverá um prêmio de dez a cinqüenta por cento do seu valor”. O segundo dispõe: “As questões que se

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Ministro Carlos Maximiliano

moverem sobre o pagamento de salvados, serão decididas por árbitros no lugar do distrito onde tiver acontecido o naufrágio.”

bento de Faria, em comentário ao art. 739, dá um acórdão, em que o Supremo Tribunal declara não ficar o juiz adstrito ao parecer dos peritos. Que juiz? Sem dúvida o do lugar onde se fez a perícia.

Vede, também, o Código de Processo Civil, art. 770. Escritor moderno, Antonio Brunetti — Diritto Marítimo privato, v. III, parte 2ª, 1938 — doutrina, em o n. 794:

A competência processual em matéria de assistência e salva-mento deve encarar-se sob o duplo aspecto da competência por matéria e por território.A competência por matéria, o mestre fixa conforme o valor: até 5.000

liras, resolve o capitão do porto; acima, o juiz ordinário. Sobre a outra espécie assim se pronuncia o mestre de Veneza:

A competência por território do juiz ordinário não é a do foro do Réu, mas a instituída pelo art. 8º da Lei 1925, isto é, do lugar do aconte-cimento ou da primeira arribada ou entrada em porto.É verdade que o notável professor Georges Ripert — Droit Maritime,

3. ed., v. III, n. 21.187 — prefere o foro do domicílio do assistido; mas reconhece as dificuldades práticas de tal solução; tanto que, em sendo estrangeiros ou domiciliados no estrangeiro os donos do navio, a Corte de Cassação de França admite o processo ante tribunais franceses. Demais, a opinião de brunetti e silva costa melhor se afeiçoa à letra e ao espírito do Código Comercial Brasileiro e do Código de Processo.

Aplicando os princípios ao caso em apreço, é de concluir pela competên-cia do Juiz de Vitória, onde ocorreu o naufrágio, ou, melhor, onde se achou que houve mais do que encalhe, um naufrágio. Pouco importa que o vendedor esteja amparado pela cláusula reservati dominii; tal garantia não o livra de gratificar o salvamento; portanto, não podia o Juiz do Espírito Santo cumprir a precatória em prejuízo do que resolvera sobre os salvados. As causas são diferentes; mas a precatória e inexeqüível, para o fim que visa. Pelas razões expostas, acorda o Supremo Tribunal Federal em julgar procedente o conflito e competente, si et in quantum, o juiz de Vitória.

No CJ 1.317/DF, relatado por Carlos Maximiliano, discutiu-se direito intertemporal, tema de livro do próprio Carlos Maximiliano. Ementou-se que se deveria fixar a competência do juízo pela norma vigente na data do crime, quando a classificação deste haja variado e a segunda lei sobre o assunto seja posterior ao início do processo ou à prática do delito:

O Promotor Público de Juiz de Fora deu denúncia contra diversos indi-víduos que exploravam o negócio de venda, a prestações, de apólices estaduais sorteáveis. Diziam agir por conta do Banco Federal do Brasil, hoje Banco do Distrito Federal. Apropriaram-se de várias quantias referentes às prestações, sem as remeter àquele estabelecimento de crédito, resultando, daí, a caducidade de vários títulos, com prejuízo dos tomadores. O crime ocorreu em 1936 e 1937. O representante do Ministério Público denunciou os culpados, como incursos na sanção do art. 331, n. 2, combinado com o 330, § 4º, da consolidação das Leis penais. Depois de correr o processo os seus termos regulares, o Juiz de Direito,

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em vez de julgar a causa, mandou remeter os autos ao Tribunal de Segurança, por se tratar de crime contra a economia popular, definido pelo Decreto-Lei 869, de 18 de novembro de 1938. Esta decisão foi confirmada pelo Tribunal de Apelação (fls. 121 e 128). Remetidos os autos ao Tribunal de Segurança, também este se declarou incompetente, de acordo com o parecer do respectivo Procurador (fls. 131 e 133). À fl. 139, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela competência da Justiça comum.

Procede o conflito negativo de jurisdição; porque dois tribunais se con-sideram incompetentes para julgar a espécie em apreço. Não se trata de crime contra a economia popular; pois que tal figura delituosa foi instituída em fins de 1938, e os fatos narrados na denúncia ocorreram em 1936 e 1937. Não é verdade que se ventile, apenas, questão de competência; esta se acha intimamente ligada à de classificação do delito, o qual seria de furto, ou, melhor, de apropriação indébita, na data respectiva, e contra a economia popular, depois de novembro de 1938. Por este motivo, acorda o Supremo Tribunal Federal em julgar proce-dente o conflito e competente a Justiça comum.

No CJ 1.234/SP, relatado pelo Ministro Laudo de Camargo e que teve como suscitante o Juízo da 1ª Vara de órfãos de São Paulo e como suscitado o Juízo da Provedoria do então Distrito Federal, Carlos Maximiliano proferiu voto sucinto que espelhava seu conceito, no que se referia à fixação de compe-tência por força do domicílio:

Senhor Presidente, a lei manda que o inventário seja aberto no domicílio do falecido. Entretanto, de acordo com o art. 32 do Código Civil, considerar-se-á domicílio da pessoa que tiver diversas residências onde alternadamente viva, ou vários centros de ocupações habituais, qualquer destes ou daquelas. Qual o cen-tro de ocupações da falecida? O Rio de Janeiro, lugar onde ela possuía dinheiro e trabalhava. Em São Paulo tinha apenas sua casa de moradia. Ora, o fato de ter ela casa de moradia em São Paulo não significa que tivesse, ali, ocupações; não significa, ainda, que fizesse de sua casa de moradia um meio de vida.

A de cujus, portanto, possuía dois domicílios. Em qualquer dos dois poderia ter sido aberto o inventário. Foi-o preventivamente, porém, aqui no Distrito Federal.

Para mim, ainda influi a circunstância de que todos os interessados estão de acordo com a abertura do inventário nesta capital. O escrivão de São Paulo foi quem, de certo, fez o juiz levantar o conflito, porque ele é o único interessado em que o inventário corra naquele Estado.

Nestas condições, o meu voto é de acordo com os colegas que me pre-cederam. Julgo procedente o conflito e competente o Juiz do Distrito Federal.

No CJ 1.279/DF, relatado por Carlos Maximiliano e julgado em 10 de abril de 1940, observa-se a técnica do julgador, que relata com objetividade e conclui em uma frase, a partir do relatório:

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de conflito de jurisdição, em

que é suscitante custódio soares couto e são suscitados o juiz de direito da 4ª

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Ministro Carlos Maximiliano

Vara Cível do Distrito Federal e o da Comarca de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro: o suscitante confessou a sua falência perante o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível do Distrito Federal, em 23 de outubro de 1939; em 28 do mesmo mês, o credor Joaquim de Abreu Salgado requereu a falência do mesmo comer-ciante, perante o Juiz da Comarca de Nova Iguaçu, o qual oficiou ao do Distrito Federal, concitando-o a sobrestar o processo referido; pelo que o Sr. Custódio Couto suscitou conflito de jurisdição. Foram ouvidos os dois magistrados. O do Distrito Federal, de acordo com o Parecer do 4º curador de Massas Falidas, aten-deu ao ofício do de Nova Iguaçu, por ser nesta comarca a sede do negócio do falido (informação à fl. 16). Desde que um dos juízes reconheceu a competência do outro e este se declara competente (informação de fl. 47), não há conflito algum. Por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em julgar improcedente o conflito de jurisdição suscitado. Rio, 10 de janeiro de 1940.

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Memória Jurisprudencial

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APêNDICE

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Ministro Carlos Maximiliano

DENúNCIA 72 — PI

Não decide contra a letra da lei quem julga de modo dife-rente casos desiguais.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de processo de responsabili-

dade, em que é denunciante o Dr. Giovanni Piauhyense da Costa e denunciado o Desembargador Adalberto Corrêa Lima: acorda o Supremo Tribunal Federal, pelas razões constantes das notas taquigráficas incorporadas aos autos, rejeitar a preliminar de se não processar a denúncia enquanto se não regulamenta o texto constitucional concernente à matéria em apreço e, conhecendo da mesma, impronunciar o acusado, por ser absolutamente improcedente a denúncia.

Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1939 — Bento de Faria, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O Dr. Giovanni Piauhyense da

Costa, Juiz de Direito em disponibilidade no Piauí, ofereceu ao Supremo Tribunal Federal denúncia contra o Dr. Adalberto Corrêa Lima, Desembargador do Tribunal de Apelação daquele Estado, como incurso no crime previsto pelo art. 207, 1, da consolidação das Leis penais.

A Constituição de 1934, art. 76, 1, b, retirou dos tribunais estaduais supe-riores a competência para julgar os seus membros e investiu de tal prerrogativa a Corte Suprema. Esta inovação feliz foi mantida pela Constituição de 1937, art. 101, 1, b. Nenhuma lei ordinária regulou particularmente a matéria; surge dessa circunstância uma preliminar: é lícito processar e julgar, de acordo com o novo sistema, um desembargador, quando ainda se não determinou, precisa-mente para o caso em apreço, o rito formal a seguir?

Na vigência do estatuto de 1891, já existia a competência originária do pretório excelso para processar alguns servidores do país (art. 59, 1, letras a e b). Embora o texto supremo só se referisse ao presidente da República, aos mi-nistros de Estado e aos ministros diplomáticos, a Lei 221, de 20 de novembro de 1894, acrescentou, no art. 22, a letra a: “I — os membros do Tribunal, nos crimes comuns; II — os juízes federais inferiores, nos crimes de responsabili-dade.” Determinou, ainda, que, nos crimes de responsabilidade dos juízes fe-derais, todas as diligências ordenadas pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Ministro Relator, assim para audiência do denunciado ou querelado, como para inquirição de testemunhas, poderão ser feitas pelo juiz seccional respectivo, e,

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quando este for impedido, pelo seu substituto legal (art. 42, II). Nova dúvida surge: o magistrado que hoje exerce as funções criminais atribuídas outrora ao juiz seccional é o juiz de direito estadual do crime; é possível confiar a um juiz inferior a organização da prova contra o seu superior hierárquico?

Lembrarei, todavia, que, outrora, em processo contra juiz seccional, diri-gia a prova um juiz de categoria inferior a dele, o substituto, se o seccional era impedido (art. 42, II, transcrito). No caso vertente, o acusado pediu remessa de precatória para Teresina, a fim de serem ali inquiridas testemunhas; eu a dirigi ao Juiz de Direito do crime; este a cumpriu e devolveu. Como se vê, achei pre-ferível não esperar indefinidamente que se legislasse sobre a espécie e apliquei, por analogia, o disposto sobre os processos de responsabilidade de juízes fede-rais, cuja categoria não era inferior à dos desembargadores; ao contrário, nos Estados e até na Capital da República, fruíam maior prestígio.

Até hoje, nem mesmo para os processos previstos pela Constituição de 1891 se legislou minuciosamente; só existiam os trechos que eu transcrevi da Lei 221; a Corte Suprema completou as deficiências das normas atinentes à ma-téria, em seu Regimento Interno, cujos preceitos José Hygino consolidou, na Parte II, arts. 265 a 281, do Decreto 3.084, de 5 de novembro de 1989. Dirigi, pois, o processo de acordo com o Regimento, arts. 72 e seguintes. O art. 85 determina: “Não sendo necessária a audiência (do querelado), ou findo o prazo marcado, com a resposta ou sem ela, o Relator ordenará o processo, inquirirá ou fará inquirir pelo juiz da seção as testemunhas oferecidas e, procedendo às dili-gências que forem de mister para a verificação do crime, apresentará o processo em mesa com o seu relatório verbal.”

O denunciado apresentou a sua defesa, no prazo de quinze dias, e cons-tituiu advogado para acompanhar o processo; o denunciante declarou não ter prova testemunhal a oferecer, limitando-se à documental junta à denún-cia; o querelado pediu para serem ouvidos, nesta cidade e em Teresina, cida-dãos cujo rol apresentou. Inquiri, em pessoa, com a assistência do Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, o ex-interventor do Piauí, Sr. Capitão Landry Salles Gonçalves. Ao fazer cumprir a precatória, o Dr. Juiz de Direito, em Teresina, providenciou para assistirem à inquirição, e de fato estiveram presentes um pro-motor público, o denunciante e o denunciado.

O § 1º do art. 85 do Regimento mandava que, após o relatório do feito, sorteassem três Ministros, que, na mesma sessão, julgassem se o querelado deveria, ou não, ser pronunciado. Esse preceito foi, em virtude de Resolução de 5 de julho de 1931, substituído pelo seguinte: “Apresentado e relatado o feito, passará o Tribunal, na mesma sessão, a julgar se o réu deve, ou não, ser pronunciado.” É isso que aos egrégios membros do pretório excelso cabe neste momento.

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Ministro Carlos Maximiliano

Relatar é resumir; o dever meu é, em geral, fazer uma síntese fiel dos fatos da causa e dos argumentos pró e contra o acusado; assim procedo habi-tualmente; não fatigo os altos juízes com estiradas leituras de autos. Na atual emergência, entretanto, relevem que leia um pouco mais do que é costume atenta a relevância excepcional e raridade da espécie jurídica em exame.

Alega o Dr. Giovanni o seguinte: primeiro — o denunciado votara con-tra o Direito em todas as causas em que o denunciante era advogado, ou por antipatia pessoal, ou para ser agradável ao Interventor; cita um caso em que o advogado preveniu o Tribunal de que o Desembargador Corrêa Lima votaria contra o constituinte dele, Giovanni, e assim aconteceu; segundo — este, tendo sido reintegrado como juiz em disponibilidade remunerada e não havendo in-cluído o Tribunal de Apelação na lista de antiguidade dos magistrados, pediu para fazer esta inclusão e em categoria superior à que antes tivera, pois fora ele-vada à 2ª entrância a sua antiga comarca. Os Drs. Corrêa Lima e Esmeraldo de Freitas votaram contra o requerido; entretanto, o mesmo Dr. Corrêa Lima, em caso idêntico, decidira no sentido pleiteado pelo Dr. Giovanni. O denunciante junta números do Diário oficial do Estado, em que se encontram: decreto con-cernente à contagem de tempo para os funcionários afastados pela Resolução de 1930 e tornados à atividade (fl. 5); acórdão em prol do Juiz José de Lopes; voto vencido do Dr. Corrêa Lima, na reclamação feita por Giovanni. A afirmação prévia de que o Dr. Corrêa Lima votaria contra o Dr. Giovanni, diz este ter sido cancelada por ordem do Presidente do Tribunal. Resumi a prova da acusação.

A defesa alega: primeiro — não caber a qualquer do povo denunciar alguém por crime funcional; portanto, o Dr. Giovanni é parte ilegítima; se-gundo — não haver identidade entre os dois casos em que oficiou o mesmo Desembargador; num se tratava de contagem de tempo para quem não revertera à atividade, ficando só em disponibilidade; noutro, o Juiz estivera em exercício ativo. Confessa o acusado que se equivocara num ponto, mas o equívoco per-maneceu a respeito do outro magistrado reclamante (tudo isso é documentado). Não acolho a preliminar da defesa; a vítima de um crime pode promover o processo contra quem a prejudicou. O acusado junta numerosos documentos comprobatórios da alta conta em que era tido, tanto no Piauí como no Ceará, onde o foi buscar o Interventor para servir no pretório mais alto do Estado. A prova testemunhal é toda favorável ao denunciado e, em parte, terrivelmente contrária ao denunciante, por vezes apresentado como violento a ponto de, como autoridade policial, espancar, em pessoa, em plena rua, os presos, e, como Secretário da Justiça, apresentar contas altíssimas, pagáveis a simples mordomo de palácio, que declarou ter entregue o dinheiro ao dito Secretário. As reperguntas do denunciante versaram, apenas, sobre o parentesco afim en-tre o acusado e o Juiz Satiro Nogueira, que não figura na denúncia. O fato de

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haver o advogado previsto o voto do denunciado é facílimo de acontecer com os juízes mais íntegros, em qualquer tribunal coletivo; houve, até, denúncias de propositadamente se fazer cair a distribuição em determinado Relator, por se saber ter opinião igual à pleiteada por um recorrente. O voto do Desembargador foi longamente fundamentado. Demais, era natural achar diferença entre Juiz em disponibilidade e Juiz em efetivo exercício. O texto de lei dado como lite-ralmente postergado é o art. 1º do Decreto estadual 145, de 14 de julho de 1937, assim, concebido (fl. 5 e inicial à fl. 2):

Aos funcionários estaduais e municipais que, posteriormente a 4 de outu-bro de 1930, hajam sido afastados dos seus cargos por ato discricionário e que já tenham exercido ou estejam a exercer função pública, ser-lhes-á contado para o efeito de promoção por antiguidade ou aposentadoria, não só este tempo, como o em que estiverem fora do exercício do emprego público.

Esse preceito não fala em funcionários em disponibilidade, não explica se os juízes se compreendem na categoria geral de funcionários (o que o próprio Supremo Tribunal, com o meu voto tem contestado); não equipara, explicita-mente, o juiz em exercício ao juiz em disponibilidade. Como, pois, concluir, logo, que, se alguém decidiu de modo diferente em dois casos não idênticos, embora tendo entre si certa afinidade, julgou contra a letra da lei mencionada? Acresce, ainda, que do ódio do acusado ao acusador nem princípio de prova se oferece; o próprio denunciante aponta duas possibilidades contraditórias: ou agiu por ódio a Giovanni, ou por afeição ao Interventor. O caso é muito sério, de lançar a pecha de prevaricador a um ex-Procurador-Geral do Estado e atual Presidente do Tribunal de Apelação; entretanto, nenhuma prova se faz do ale-gado. O meu voto, portanto, é no sentido de impronunciar o acusado, atendendo à absoluta improcedência da denúncia.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Rejeitada a prelimi-

nar, julgaram improcedente a denúncia para não pronunciar o denunciado, unanimemente.

CARTA ROGATóRIA 89 — BOLíVIA

É da competência exclusiva do Presidente do Tribunal con-ceder exequatur às cartas rogatórias das justiças estrangeiras. De seu despacho não cabe recurso para o Tribunal.

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Ministro Carlos Maximiliano

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos os autos.Acordam os Juízes do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos,

negar provimento ao recurso, isto é, não conhecer do recurso, por ser da compe-tência privativa do Presidente do Supremo Tribunal Federal conceder exequatur às cartas rogatórias das justiças estrangeiras, sem recurso para o Tribunal.

Supremo Tribunal Federal, 8 de janeiro de 1941 — Eduardo Espinola, Presidente e Relator, sem voto.

RELATóRIOO Sr. Ministro Eduardo Espinola: No caso em apreço, foi enviada ao

Supremo Tribunal Federal uma carta rogatória, visando determinado fim, do qual darei conhecimento ao Tribunal pela leitura da seguinte petição, constante dos autos, à fl. 125:

Exmo. Sr. Ministro Presidente do Egrégio Supremo Tribunal Federal.Diz D. Antonieta de Campos Lobato, nos autos da carta rogatória expe-

dida pelo Juízo da 4ª Vara de La Paz, Bolívia, ora devolvida a V. Exa. pelo Juízo da 1ª Vara Cível desta Capital, que foi a suplicante citada:

1º para comparecer perante a Justiça da capital da Bolívia, a fim de res-ponder, como ré, a uma ação de divórcio absoluto ou, como se diz na referida rogatória, para que

a) seja convertido o divórcio decretado no brasil em divórcio ab-soluto e

b) para que a menor Gabriela chaves Lobato, filha da suplicante, fique sob a guarda provisória e definitiva do requerente da rogatória, em contrário ao que decidiu a Justiça brasileira em primeira, segunda e definitiva instância e por sentença passada em julgado.

2º para constituir domicílio na cidade de La paz, sob as penas da lei.Tendo a suplicante oferecido os embargos de fls. 23 e seguintes a essa

rogatória, na conformidade do que decidiu o Egrégio Tribunal de Apelação do Distrito Federal (vide carta testemunhável junta), baseados no tratado entre o Brasil e a Bolívia, firmado em La Paz, a 22 de dezembro de 1879 e promulgado pelo decreto n. 7.857, de 15 de outubro de 1880, ainda em vigor, conforme cer-tificou o Ministério das Relações Exteriores do Brasil em 29 de novembro de 1939 (certidão a fls. 38 dos autos em apenso), e embora tivesse a suplicante nos seus embargos demonstrado e provado, com fundamento no art. 9º do mesmo tratado, que essa carta rogatória invade e atenta contra a lei e a soberania nacio-nal do Brasil, entendeu o juiz em exercício da 1ª Vara Cível ultrapassar o âmbito da sua autoridade meramente processante para julgar improcedentes os ditos embargos pela decisão de fls. 67, sob o fundamento de que o decreto n. 7.857, de 1880, não está mais em vigor, visto o assunto estar regulado pelo Código de Bustamante, além de parecer desconhecer os efeitos de uma citação inicial,

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referindo-se à execução da futura sentença que o autor da ação não tinha, como não tem, necessidade de executar no Brasil.

Ora, eminente Presidente, só V. Exa., por força do artigo 102 da Constituição Federal em vigor desde 10 de novembro de 1937, tem exclusiva competência para conceder e, portanto, para não conceder exaquatur às cartas rogatórias, apreciando os embargos da suplicante, e se esse juiz processante da rogatória, que invocou o Código Bustamante como lei em vigor, tivesse con-sultado o conhecido livro de V. Exa. sobre o referido Código, denominado Da condição dos estrangeiros e o código de Direito Internacional privado — Bento de Faria — Ministro do Supremo Tribunal Federal, edição de 1930 —, veria à p. 38 o seguinte esclarecimento aplicável ao presente caso:

“A Delegação do Brasil nega a sua aprovação do art. 52, que esta-belece a competência da lei do domicílio conjugal para regular a separa-ção de corpos e o divórcio, assim como também ao art. 54.”

Assim, pois, o Brasil, que não se conformou com as disposições desses dois artigos sobre a competência, para as causas de divórcio, das leis do domi-cílio conjugal e que considera o divórcio absoluto como atentatório à lei brasi-leira, não deve conceder exequatur a uma carta rogatória que tem esse objetivo claramente expresso.

Acresce que a citação inicial, em face do Código do Processo Civil Brasileiro em vigor e do vigente ao tempo da citação da suplicante, tem entre outros efeitos (art. 166):

a) prevenir a jurisdição;b) induzir a litispendência.Ora, se for concedido exequatur à presente carta rogatória, ficará preve-

nida a jurisdição da Justiça de La Paz, Bolívia, e induzida a litispendência em flagrante atentado à jurisdição definitiva e soberana da Justiça desta Capital, já decretada em sentença da respectiva ação de desquite, confirmada pelo Tribunal de Apelação desta Capital e passada em julgado, jurisdição essa, aliás, aceita expressamente pelo ex-marido da suplicante, German Chavez, ora requerente da presente carta rogatória.

Acresce que a filha da suplicante, a menina Gabriela, é brasileira e se achava na posse legal da sua mãe e momentaneamente sob a guarda do Juiz de Menores desta Capital, quando foi criminosamente raptada pelo referido German Chavez (vide enérgico telegrama do Juiz de Menores ao Chefe de Polícia de Mato Grosso, a fls. 43), o qual pretende assim, com o exequatur nessa rogatória, legalizar a sua situação criminosa de haver desrespeitado sentenças e decisões dos tribunais brasileiros.

Nestes termos, por esses fundamentos, além dos constantes dos embar-gos de fls. 23 e seguintes e da carta testemunhável junta, e invocando os áureos suplementos de V. Exa., confia a suplicante se digne V. Exa. não conceder exa-quatur à presente rogatória, a qual não deverá ser devolvida como cumprida à Justiça de La Paz, por atentar contra a lei, a justiça e a soberania do Brasil, de-vendo permanecer os respectivos autos com o apenso da carta testemunhável na Secretaria desse Supremo Tribunal Federal.

Assim,P. a V. Exa. deferimento.

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Ministro Carlos Maximiliano

Uma vez concedido o respectivo exequatur, a Presidência deste Tribunal remeteu os autos ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Apelação deste Distrito, a fim de que S. Exa. providenciasse a respeito, tendo o processo cabido, por distribuição, ao Dr. Juiz da 1ª Vara Cível, o qual se encarregou de fazer a citação necessária. Tendo havido embargos que a 6ª Câmara do mencionado Tribunal admitiu, requereu a interessada fosse aqui conhecida e decidida a matéria dos mesmos, indo estes, então, ao Dr. Procurador-Geral, que opinou pelo não-cumprimento da diligência rogada. A decisão de S. Exa. o Senhor Presidente deste Tribunal foi a seguinte, que passo a ler:

Vistos, etc.:Remetida por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, rece-

beu esta Presidência a carta expedida pelas Justiças da Bolívia às do Brasil na qual, a requerimento de Germano Chavez, se roga a citação inicial de Antonieta Campos Lobato, aqui domiciliada, para responder a uma ação de divórcio mo-vida perante o Juízo de Direito da 4ª Vara Cível de La Paz.

Concedido o respectivo exequatur (fl. 12), foram os autos remetidos ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Apelação deste Distrito (fl. 17) para provi-denciar a respeito.

Ordenada a dita diligência pelo Juiz da 1ª Vara Cível, a quem coube, por distribuição (fl. 17), o seu processo, foi feita a mencionada citação (fl. 25).

Oferecidos embargos, mandou a 6ª Câmara do aludido Tribunal de Apelação fossem os mesmos admitidos e processados para o fim de serem julga-dos pela autoridade competente (fl. 33 v.), que evidentemente não havia de ser o titular da referida Vara, o qual, não obstante, também os julgou improcedentes.

Remetidos os autos a esta Presidência, a requerimento da interessada, a fim de ser aqui conhecida e decidida a matéria dos mesmos embargos (fls. 78 e 125), foram os autos com vista ao Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, que opinou pelo não-cumprimento da diligência rogada, pelas razões constantes do seu parecer à fl. 136.

Isso posto.Considerando que o art. 77 do Estatuto Político de 1934, mantido pela

Carta Constitucional vigente (art. 102), tranferiu a esta Presidência a atribuição, que antes competia ao Poder Executivo, de conceder ou denegar exequatur às cartas rogatórias das justiças estrangeiras.

Considerando que o Regimento deste Tribunal outorga, além disso, ao seu Presidente competência para julgar afinal os embargos que sejam opostos relativamente a quaisquer atos referentes às mesmas rogatórias (art. 225).

Considerando que os embargos de fls. 37 a 44 articulam como funda-mento substancial a incompetência do Juiz rogante, para a ação de que se trata.

Considerando que essa incompetência ficou demonstrada no parecer de fls. 134-137, do ilustre Sr. Procurador-Geral da República, dês que para as ações contra pessoas domiciliadas no Brasil são apenas competentes os tribunais bra-sileiros (Introdução ao Código Civil, art. 15).

Apreciando caso semelhante, o Supremo Tribunal Federal, depois de fi-xar os princípios que regem os embargos à precatória, sentenciou nestes termos:

“Aplicados esses princípios às cartas rogatórias, se os embargos concluem evidentemente pela incompetência do juiz rogante, seja por se

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tratar de uma questão de direito, seja por ter sido o fato provado inconti-nenti por meio de instrumentos, o juiz rogado deles conhecerá, permiti-das às partes os recursos legais.

Na espécie, tratar-se-á dessa evidente competência do juiz rogante?Indubitavelmente, sim, pois o que se pede na rogatória é a citação

de brasileiros, residentes em nosso país e que são chamados a respon-der, no estrangeiro, a uma ação de investigação de paternidade, para serem compelidos a restituir bens de uma herança aqui aberta, de um brasileiro naturalizado, residente, casado e falecido em nosso país.

As questões de fato ficaram plena e cabalmente provadas por do-cumentos produzidos pelos embargantes, e o princípio de direito regu-lador da matéria é o art. 15 da Introdução ao Código Civil, que dispõe:

‘Rege a competência, a forma de processo e os meios de defesa a lei do lugar onde se mover a ação, sendo competentes sempre os tribunais brasileiros nas demandas contra as pessoas domiciliadas ou residentes no Brasil, por obrigações contraídas ou responsabilidades assumidas neste ou noutro país.’

Evidentemente, pois, a ação de investigação de paternidade em frente da nossa lei, somente poderia ser proposta perante os tribunais brasileiros, de sorte que os embargos concluem, de maneira evidente, pela incompetência do juiz rogante.

Deles, portanto, deveria conhecer o juiz a quo e decidi-los, como lhe parecesse de direito.

Como não o fez, porém, e como a matéria dos embargos versa única e exclusivamente sobre a incompetência do juiz rogante para a ação proposta: Acordam dar provimento ao agravo, para julgar competente o Juiz a quo, a fim de decidir os embargos, e para recusar, desde logo, cumprimento à rogatória revogando a citação feita, atenta a manifesta incompetência do juiz rogante para a ação.”(Acórdão de 8 de abril de 1927, in: arquivo Judiciário, v. 3, p. 118.)

Considerando que o Código Bustamante, aprovado no Brasil pelo Decreto 5.647, de 8 de janeiro de 1929, não contém norma que contrarie tal solução.

Dispõe, é certo, no art. 389, referente às cartas rogatórias, que “cabe ao juiz deprecante decidir a respeito da sua competência”, mas, logo depois, acres-centa: “sem prejuízo da jurisdição do juiz deprecado”.

E, no art. 318, dispondo sobre competência, igualmente ressalva “o di-reito local, em contrário”, donde se conclui a plena vigência do princípio do citado art. 15 da Introdução ao nosso Código Civil (op. cit., p. 375).

Por tais motivos, julgo procedentes os embargos de fls., opostos ao cum-primento da presente carta rogatória para revogar o exequatur que lhe foi con-cedido, tornando de nenhum efeito a citação de fl. 25. Custas na forma da lei.

Rio, 8 de outubro de 1940 — antonio bento de Faria, Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Veio, então, o advogado de German Chaves com uma petição em que diz... (lê).Na petição de fl. 111 e seguintes, o ilustre advogado de German Chavez,

depois de transcrever a decisão agravada, diz... (lê).

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Ministro Carlos Maximiliano

Refere-se o advogado, em seguida, aos embargos às rogatórias antes do atual Regimento Interno e à jurisprudência do Supremo Tribunal firmada em acórdão de 18 de junho de 1930.

Mais adiante, alega S. S. que o argumento de analogia com os embargos nas precatórias não pode prevalecer.

Toda a argumentação da petição de S. S. é no sentido de demonstrar que existe franca divergência entre o nosso Regimento Interno, que não encontra apoio em nenhuma lei federal, e o acordo celebrado entre o Brasil e a Bolívia para o julgamento de embargos e precatórios.

Acentua S. S. que não pode haver divergência quanto à primazia do di-reito internacional sobre o direito interno e quanto à prevalência que deve ter disposição de um tratado que foi, entre nós, promulgado por lei federal sobre disposição do nosso Regimento Interno.

Concluindo, diz o advogado que está pleiteando a observância de um ato internacional em vigor entre o Brasil e a Bolívia e que — afirma com o maior acatamento — não pode ter sido revogado pelo art. 225 do Regimento Interno deste Tribunal.

O Presidente do Supremo Tribunal mandou, então, ouvir o Dr. Procurador-Geral, que declarou que, antes de proferir seu parecer, se devia dar vista ao embargante. Este, com vista dos autos, opôs-se ao pedido do requerente da ro-gatória. Cita, então, a Constituição, que determina que compete ao Presidente do Supremo Tribunal conceder exequatur às cartas rogatórias, bem como dis-positivos do Regimento Interno quanto ao julgamento de embargos à rogatória.

Expõe o advogado do embargante o fato, o qual se acha ligeiramente re-ferido na exposição anteriormente feita.

Sobre os incidentes da presente carta rogatória assim escreve S. S... (lê fl. 179).

Foi ouvido, então, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República, que deu este parecer:

A brilhante explanação do douto patrono de German Chavez não modi-ficou os termos da questão, que não feriu no seu dorso, e foi refutada vantajosa-mente pelo douto patrono de D. Antonieta Campos Lobato.

Impõe-se, desde logo, uma preliminar:Pode o despacho que nega o exequatur ser reconsiderado? Qual o pro-

cesso para essa reconsideração?Estamos em que tal despacho não pode ser reconsiderado pois a decisão

do presidente do Supremo Tribunal Federal negando cumprimento da rogatória implica pronunciamento que nenhuma outra autoridade pode rever, e cumpre seja definitivo, como imposição da tranqüilidade e estabilidade das situações jurídicas.

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Memória Jurisprudencial

Ao demais, não existe lei ou disposição de qualquer espécie que à ne-gativa dessa natureza dê um caráter provisório, modificável por solicitação das partes interessadas.

Quando a Constituição atribuiu ao presidente do Supremo Tribunal, no art. 102:“Compete ao presidente do Supremo Tribunal Federal conceder

exequatur às cartas rogatórias das justiças estrangeiras”,

a faculdade de julgar soberanamente, se deve ou não ser concedido o exequatur às rogatórias, a saber, escolheu para tal fim o juiz que se encontra no ápice do Poder Judiciário, quis dar à decisão autoridade e fixidez.

O Regimento Interno não autoriza a heresia de se convocar o julgamento do Supremo Tribunal para um ato que a Constituição atribui, privativamente, ao seu presidente. Se tal fizesse, mereceria a desatenção e o desapreço que se con-ferem às disposições estatuídas contra a Constituição.

O Regimento criou um capítulo (xVII do Tít. III) para regular a concessão do exequatur. Fê-lo, certamente, porque as atribuições do presidente do Tribunal estão todas reguladas nesse estatuto. Não se vislumbra, porém, em tal capítulo, ingerência do Tribunal na apreciação da medida; o que ali se vê são normas des-tinadas a dar ensanchas ao amplo debate da questão, de maneira que o presidente fique senhor de todos os aspectos da medida sujeita à sua decisão. O art. 47 do Regimento Interno obriga a submissão ao Tribunal daquelas decisões de que ele é o supremo juiz. As rogatórias estrangeiras, porém, não são por ele apreciadas em qualquer fase; não tem, pois, cabimento a invocação de sua autoridade.

Em conseqüência, e porque é irreformável o despacho final, que, apre-ciando os embargos opostos à rogatória, nega ou concede o exequatur, estamos em que o Exmo. Sr. presidente não tomará conhecimento do recurso, ou pedido de reconsideração, ou coisa que o valha, interposto pelo Sr. German Chavez.

Mesmo que se desse ao trabalho de apreciar a questão novamente, chega-ria o Exmo. Sr. presidente à conclusão de que a sua sábia decisão denegatória do exequatur tem por si inabaláveis fundamentos. Entre eles, está a jurisprudência reiterada e uniforme do egrégio Supremo Tribunal Federal nos acórdãos poste-riores, numerosos e variados, àquela que se apelidou de “Acórdão líder”.

Quanto à interpretação do art. 15, por nós referida no parecer de fls., é ela hoje sólida e constante, contra um ou dois votos respeitáveis apenas (vejam-se, entre outras: sentença estrangeira 986, da Alemanha, em 20-9-939; sentença estrangeira 993, dos Estados Unidos, em 13-12-939; sentença estrangeira 1.002, da Suíça, em 25-10-940; 1.001, da Alemanha, em 27-11-940).

É preciso, no caso dos autos, considerar que a ação que se intenta iniciar na Bolívia é vedada no Brasil, não por simples lei ordinária, mas pela própria Constituição — o que torna o preceito proibitivo uma disposição de ordem pú-blica. A concepção de ordem pública é imposta pela estrutura, pela organização, pela tendência idealista de cada país, e não segundo a opinião desse ou daquele autor estrangeiro.

O artigo 124 da Constituição coloca a família sob a proteção especial do Estado e estipula como base para a constituição da família o casamento indissolúvel.

Ora, a ação de divórcio tende a dissolver, a destruir, a tornar inexistente o vínculo conjugal. Tal ação, pois, atenta flagrante e irremediavelmente contra a constituição da família e contra a base social do Estado, como nós no Brasil a concebemos.

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Ministro Carlos Maximiliano

Para nós, pois, é uma ação contra a ordem pública, que jamais será admitida ou tolerada.

Como, pois, inconseqüente e ilogicamente admitir-se que a justiça do Brasil dê seguimento a uma ação dessa natureza, contra brasileira e aqui residente?

Não seria mister, pois, que ao art. 15 da Introdução do Código Civil se em-prestasse a inteligência que lhe dá o egrégio Supremo Tribunal Federal, para que à rogatória fosse negado cumprimento.

Argumenta-se que, de acordo com a jurisprudência do egrégio Tribunal, à ação de divórcio só reconhecerá a Justiça brasileira efeitos patrimoniais. Nesse caso, a ação que se pretende mover na Bolívia é uma inutilidade, pois já existe o desquite do casal, proferido pela justiça deste país e de tais efeitos já se acham regulados. Então, para que a ação de divórcio? Para dar-lhe outros efeitos, obliquamente, prin-cipalmente no que tange à situação da menina Gabriela, segregada com evidente desconsideração pelo pronunciamento da Justiça do Brasil sobre a sua situação.

A longa e brilhante explanação constante do “recurso” leva à conclusão de que às rogatórias citatórias nunca se deve recusar cumprimento, porque elas não envolvem nenhuma aquiescência da justiça nacional ao pronunciamento da justiça estrangeira, que, mais tarde, para ter validade, cumpre seja homologada.

Essa conclusão, porém, não é exata para aquelas situações repelidas por nos-sas leis, por nossa concepção de ordem pública, em que se vejam envolvidos nacio-nais ou pessoas sujeitas à nossa jurisdição, quando, mesmo no estrangeiro, devam produzir efeitos que se tornem nocivos aos interesses de nossos compatrícios ou conjurisdicionados.

Tais efeitos se refletirão aqui repercutivamente, e até o efeito repercutido deve ser obstado em prol das pessoas abrigadas sob a nossa soberania.

Essa maneira de pretender-se conseguir obliquamente aquilo que por via direta é impossível já se verificou em outro caso de exequatur, que impugnamos, de acordo com o parecer incluso, e cuja impugnação foi aceita pelo eminente ministro presidente de então (doc. junto).

O argumento de que o art. 5º do decreto 7.857, de 1880, acordo Brasil —Bolívia, estabelece que os embargos às rogatórias devem ser apreciados pelo juiz da causa, não pode ser entendido como o pretende o reclamante e deve ser conju-gado ao que dispõe o art. 9º daquele ato, como bem o acentuou o ilustre patrono de D. Antonieta Campos Lobato.

O equívoco do reclamante se desfará, desde que consideremos: cumpre dis-tinguir-se entre os embargos opostos à rogatória deferida, os quais versarão objeto da demanda e que, por isso mesmo, só podem ser apreciados pelo juiz da demanda, que é o estrangeiro rogante.

Daquela outra impugnação, deduzida em embargos, que envolve a argüição relativa à identidade da rogatória, é a de ser ela contrária à ordem pública ou à sobe-rania nacional. Tais defesas que para o embargante podem ser preliminares, são para o representante do ministério público a principal argüição e, para o Exmo. presidente do Supremo Tribunal Federal a única razão legítima para negar o exequatur.

A matéria de defesa da pessoa citada não interessa ao presidente do Supremo Tribunal senão na medida em que ela envolva uma dessas razões superiores que im-ponham a denegação do exequatur.

Cumpre, pois, não estabelecer confusão: os embargos foram recebidos como impugnação à concessão do exequatur e o foram pela única autoridade que, segundo a nossa Constituição, pode conceder ou negar o exequatur. Caso fosse

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Memória Jurisprudencial

este concedido, os embargos seriam apreciados pela justiça rogante, exceto — está claro — naquela parte em que só cabe o nosso julgamento: se a medida envolve, ou não, atentado a nossa soberania ou à ordem pública, tal como a concebemos.

De tudo se verifica, Exmo. Sr. presidente, que a serôdia impugnação ao des-pacho de V. Exa. não tem nenhum fundamento, e que dela não há como conhecer V. Exa.

É o que me parece.Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 1940 — Gabriel de rezende passos,

Procurador-Geral da República.

Vindo-me os autos, proferi o seguinte despacho:Requer o ilustre advogado de German Chavez, em sua petição largamente

fundamentada de fls. 144-173, que:a) se reconsidere a decisão proferida por meu ilustre antecessor, pela qual

S. Exa. julgou procedentes os embargos opostos ao cumprimento da carta rogatória da Justiça da Bolívia “para revogar o exequatur que lhe foi concedido, tornando de nenhum efeito a citação de fl. 25”;

b) ou, caso não seja atendido, se apresentem os autos em mesa, para julga-mento do Tribunal, nos termos do art. 47 do Regimento Interno.

Quanto ao primeiro ponto:Deve ser mantida por seus fundamentos a decisão de que se trata.Sem dúvida, nos termos do art. 5º do acordo entre o Brasil e a Bolívia

para execução de cartas rogatórias (de 22 de dezembro de 1879, promulgado pelo Decreto 7.857, de 15 de outubro de 1880), ainda em vigor (Accioli — atos interna-cionais vigentes, v. 2º, 2. ed., 1937, p. 44; certidão de fl. 118), “na execução das cartas rogatórias, os embargos opostos pelas partes serão sempre admitidos, processados e remetidos ao juiz da causa para serem julgados como for de direito”.

Contra essa regra consagrada na convenção internacional, não pode, é certo, prevalecer quaisquer normas de direito interno, salvo as consagradas na Constituição.

Assim, pouco importa que o Regimento Interno deste Tribunal declare no art. 223 que os embargos à rogatória serão afinal julgados pelo Presidente do Tribunal, após audiência do Procurador-Geral da República. Cumpre atender ao acordo internacional.

Mas nesse mesmo acordo se lê que “as cartas rogatórias só podem ser exe-cutadas quando não forem incompatíveis com a Constituição política e as leis de cada país” (art. 9º). Ora, se forem opostos embargos à rogatória, com fundamento na incompatibilidade da mesma com a Constituição ou com as leis do país onde tenha de ser cumprida, é necessariamente à autoridade desse país que compete julgar os embargos e decidir se a mesma rogatória será cumprida ou não.

Precisamente em caso que se prende à matéria de que se ocupa a presente rogatória, a justiça boliviana negou execução a uma carta rogatória da justiça brasi-leira, por entender que era incompatível com as leis da Bolívia.

“Considerando que o direito e obrigações determinadas pelo art. 189 do Código Civil sobre o pátrio poder não podem ser cancelados pelo cum-primento duma carta rogatória, porque isso significaria a transgressão do disposto em nossas leis. Que o art. 9º do acordo de 22 de dezembro de 1879 celebrado entre a Bolívia e o Brasil estabelece que as cartas rogatórias só poderão ser executadas quando não forem incompatíveis com as leis de cada

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Ministro Carlos Maximiliano

país; considerando que o art. 5º do Tratado Processual de Montevidéu subs-crito em 11 de janeiro de 1889 entre a Bolívia, o Brasil e outros Estados da América, tratando do cumprimento das rogatórias, sentenças e decisões ar-bitrais ditadas em assuntos civis e comerciais em um dos Estados signatários estabelece que terão nos territórios dos demais a mesma força que no país em que houverem sido pronunciados, sempre que não colidirem com as leis de ordem pública do país de sua execução, assim sendo, declara-se não é caso de dar execução à referida carta rogatória. Registe-se e devolva-se.”

No caso da presente rogatória está provado que o seu conteúdo é manifes-tamente incompatível com a nossa Constituição e as nossas leis (que proclamam o casamento indissolúvel), além de contrariar flagrantemente a sentença de nossos tribunais. Está tudo isso perfeitamente demonstrado no parecer do Dr. Procurador-Geral e na decisão que mantenho.

Quanto ao segundo ponto.A Constituição de 10 de novembro de 1937, depois de especificar no art. 101 o

que da competência do Supremo Tribunal Federal, quanto ao processo e julgamento, prescreve no art. 102: “Compete ao presidente do Supremo Tribunal Federal conce-der exequatur às cartas rogatórias das justiças estrangeiras.”

Não se compreende no dispositivo do art. 47 do Regimento a decisão que pro-fira o Presidente do Tribunal, concedendo ou negando o exequatur, pois se não trata de mero despacho sobre matéria que o Tribunal tenha de apreciar. Sobre o assunto, bem se pronunciou o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República em seu parecer a fls. 207-208.

Como, todavia, é o Tribunal o supremo intérprete da Constituição e também de seu Regimento Interno, trago-lhe o caso para que sobre ele se pronuncie, decla-rando em primeiro lugar se é aplicável o art. 47 do Regimento, cabendo-lhe, assim, conhecer do recurso em questão.

Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1940 — eduardo espinola.

É o caso que submeto ao Tribunal, como Relator sem voto, por se tratar de agravo do art. 47 do nosso Regimento Interno.

VOTOO Sr. Ministro Castro Nunes: Senhor Presidente, o art. 47 do nosso Regimento

assim dispõe:

A parte que se considerar agravada por despacho do presidente do Tribunal, ou do relator, poderá requerer, dentro em cinco dias, que apresente o feito em mesa, para ser a decisão confirmada ou revogada por acórdão, que será lavrado pelo re-lator, se for confirmado, ou por outro ministro designado pelo presidente, no caso contrário.

Cabe, portanto, agravo do art. 47 de despacho do Presidente do Tribunal. É evidente, porém, que há de ser daqueles atos que o Presidente pratica articula-damente com o Tribunal. Assim, por exemplo, no caso em que o Presidente do Supremo Tribunal julga deserto um recurso. Cabe, então, o agravo do art. 47 e o

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Memória Jurisprudencial

Tribunal poderá confirmar ou reformar a decisão, e, caso reforme o despacho, man-dará subir o recurso.

Mas, neste caso, a atribuição constitucional pertence ao Presidente; o Tribunal não concede exequatur. De sorte que, admitido o agravo, o Tribunal, conhecendo dele, teria necessariamente o poder de reformar a decisão para conceder o exequatur, o que não é possível.

Se entendêssemos que o Supremo Tribunal pode reformar o despacho do Presidente, teríamos o absurdo de competir ao Tribunal negar ou conceder o exequatur às cartas rogatórias estrangeiras com evidente usurpação de uma função que a Constituição reservou ao Presidente e lhe pertence privativamente.

Julgo, portanto, inadmissível o agravo.

VOTOO Sr. Ministro Annibal Freire: Senhor Presidente, não conheço do agravo,

nos termos do voto do Sr. Ministro Castro Nunes.

VOTOO Sr. Ministro Barros Barreto: Senhor Presidente, também não conheço do

agravo porque é inadmissível, por força do art. 102 da Constituição de 1937, que dá competência privativa ao Presidente do Supremo Tribunal, para conceder exequatur às cartas rogatórias das justiças estrangeiras.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, a Constituição mudou

a lei a respeito das rogatórias. Antigamente tratava-se de um ato meramente admi-nistrativo, de maneira que era decidido pelo Poder Executivo: o Ministro da Justiça.

A Constituição de 1937, porém, tornou o assunto essencialmente judiciário, porque retirou da esfera executiva e passou para a esfera judiciária. Na esfera judici-ária dificilmente se compreende uma resolução sem recurso.

Antigamente, não admitíamos recurso de embargos às resoluções do Tribunal Pleno, baseados na interpretação do Decreto-Lei 6, de 16 de novembro de 1937, de maneira que eram resoluções unilaterais, irrecorríveis. Veio lei posterior e declarou que ainda nesses casos, se se tratasse de decisão do Tribunal Pleno, haveria recurso. Desde, portanto, que se trata de uma medida judiciária — não mais de medida do Poder Executivo — parece-me que seria pelo menos liberal, e prudente mesmo, ad-mitir o recurso.

E, se fosse possível argumentar na espécie — eu lembraria o perigo do erro, porque neste caso mesmo — não querendo, embora, antecipar o meu voto — se ia

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Ministro Carlos Maximiliano

errando, e, se o Senhor Presidente tivesse sustentado o primeiro despacho, não have-ria outro meio senão recorrer para o Tribunal a fim de que corrigisse o erro; apesar do brilho e da competência especializada no nosso ex-Presidente, ele ia errando.

Não admito, portanto, nenhuma decisão na esfera judiciária sem recurso.Por isso, aceito o agravo.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly: Senhor Presidente, não conheço do agravo.

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: Recurso só cabe dos atos que o Presidente

do Supremo pratica em nome deste e de modo a afetá-lo.Mas, na espécie, tal não acontece, pois a atribuição foi expressa e privativa-

mente reservada ao Presidente pelo preceito constitucional.Houvesse recurso, e a competência passaria a ser do Supremo e não mais do

seu Presidente, quando a Constituição isso não deixou estabelecido.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Não conheceram do recurso,

contra os votos dos Ministros Cunha Mello e Carlos Maximiliano.

ExTRADIÇÃO 115 — PORTUGAL

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de extradição, em que é requerente

a Embaixada de Portugal e extraditando Norberto Antonio C. Matheus e Cunha: acordam os Ministros da Corte Suprema em conceder a extradição, pelas razões constantes das notas taquigráficas anexas aos autos.

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 1937 — Evandro Lins, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: A Embaixada de Portugal solicitou, por

intermédio dos Ministros do Exterior e da Justiça, à Corte Suprema a extradição de Norberto Antonio C. Mateus e Cunha. Este homem foi pronunciado pelo Juiz de Direito do 9º Juízo Criminal de Lisboa e contra ele foi expedido pelo mesmo Juiz

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Memória Jurisprudencial

mandado de captura, pelo fato delituoso seguinte: era guarda-livros de Jorge Ribeiro de Souza, o qual o mandou levantar a quantia de 86.100 escudos emprestados pela Caixa Nacional de Crédito ao referido Jorge. No dia 8 de agosto último, o empre-gado, recebendo a quantia, depositou 2.583 escudos, para pagamento dos juros do empréstimo, entregou ao patrão 43.517 escudos, e desencaminhou, em seu proveito, 40.000, ausentando-se, em seguida, para o Brasil, onde, ao desembarcar, foi preso a pedido da Embaixada de Portugal. Jorge Souza ofereceu queixa criminal contra Norberto; daí a pronúncia, o mandado de captura e o pedido de extradição. Instruem o pedido: primeiro, o mandado de captura, assinado pelo Juiz competente; segundo, despacho de pronúncia, em que se especifica pormenorizadamente o crime, indi-cando o lugar, a data em que foi cometido, e a indicação precisa do fato incriminado; terceiro, textos do Código Penal Português aplicáveis à espécie delituosa. Faltava, entretanto, a transcrição das disposições legislativas concernentes à prescrição, pelo que determinei, por despacho, na qualidade de juiz processante do feito, que se completasse a documentação. Assim se fez. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República assim se pronunciou à fl. 8:

O pedido não está revestido da formalidade comum que lhe garante a autenti-cidade, isto é, reconhecimento da firma da autoridade judiciária portuguesa, seguido de reconhecimento consular da firma do oficial português.

Como, porém, o pedido foi feito por via diplomática, e não se tem elementos de dúvida quanto à sua certeza, somos pelo seu deferimento.

O extraditando impugna o pedido, por não terem vindo os documentos au-tenticados pelo Cônsul do Brasil em Lisboa, e por haverem sido os 40.000 escudos empregados no resgate de uma letra devida pelo queixoso.

Pedi que se marcasse dia para o julgamento e se oficiasse à polícia, para ser o extraditando apresentado à Corte Suprema, no dia referido.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Trata-se de réu pronunciado

por crime comum de furto, para o qual é cominada, pela lei portuguesa transcrita em documento oferecido pela Embaixada, a pena de prisão celular por 2 a 8 anos, ou, em alternativa, do degredo temporário com multa até 1 ano, em ambos os ca-sos, se exceder a 5.000 escudos e não for superior a 500.000. Em Portugal, as penas maiores prescrevem em 20 anos, as correcionais em 10, e as de contravenções em 1. O fato ocorreu em agosto deste ano; logo, não está prescrito o crime; é comum e sujeito à pena de mais de 1 ano de prisão (Lei 2.416, de 28 de junho de 1911, art. 2º).

A Corte Suprema bem compreendeu que a exigência de reconhecimento de assinaturas só é necessária para assegurar a autenticidade dos documentos ofe-recidos. Por isso, a exige, apenas, em casos de documentos vindos pelo conduto

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Ministro Carlos Maximiliano

particular, como sucede com as rogatórias e as sentenças estrangeiras; não o re-clama, em se tratando de papéis oficiais advindos por meios oficiais, através da Embaixada ou Legação do país solicitante, de Ministério do Exterior e da Justiça do Brasil.

Quanto à veracidade da prática do crime, é assunto que escapa ao exame da Justiça brasileira, em se tratando de crime perpetrado no estrangeiro e a respeito do qual a lei não impõe a remessa e exame da prova colhida.

Pelas razões expostas, concedo a extradição.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly: Senhor Presidente, tenho votado sempre no

sentido de que o país requerente deve habilitar, dentro do prazo de 60 dias, o Estado requerido a conceder ou negar a extradição. Segundo informações do Sr. Relator, vejo que esses documentos não foram oferecidos, integral, completamente, no prazo legal. Nego a extradição por esse fundamento.

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: Senhor Presidente, estou de acordo com o

Sr. Ministro Relator. Concedo a extradição.O fato mesmo de exceder-se o prazo estabelecido na lei para a prisão pre-

ventiva daria lugar à soltura do extraditando, se, por acaso, não estivesse ainda o Tribunal habilitado a imediatamente deliberar sobre o pedido. Mas, embora exce-dido o prazo, como a extradição é de conceder-se, e o próprio habeas corpus, con-cedido que fosse para soltar-se o extraditando, não impediria a ulterior concessão da própria extradição pedida em termos, torna-se inteiramente inútil tomarmos em consideração o excesso de prazo da prisão preventiva, uma vez que a extradição pode e deve ser concedida imediatamente.

Preso o extraditando, deve o Tribunal, é certo, ser habilitado a deliberar so-bre ela dentro de 60 dias; mas, na espécie, a conseqüência do excesso de prazo seria somente a soltura do extraditando sem prejuízo da extradição. Mas, desde que esta é de se conceder, o extraditando seria solto, para, logo em seguida, ser preso, donde se vê que é inteiramente sem objeto a alegação.

Isso posto, concedo a extradição.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Concederam a extradição, con-

tra o voto do Ministro Octavio Kelly, que a negava.

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Memória Jurisprudencial

ExTRADIÇÃO 124 — PORTUGAL

A demora na remessa de pedido de extradição, por parte do Ministério da Justiça, não justifica a recusa da medida solicitada em tempo.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de pedido de extradição, em que

é solicitante a Embaixada de Portugal e extraditando Mário Magalhães Esteves; encaminhado pelo Ministério das Relações Exteriores ao da Justiça e por este ao Supremo Tribunal, foi o pedido feito pela Embaixada de Portugal, para ser ex-traditado o português Mario Magalhães Esteves. Interrogado este pelo Ministro Relator do feito, declarou ter nascido em Portugal, onde desposou uma senhora brasileira; do consórcio nasceu uma filha, que foi registrada no consulado bra-sileiro; ignorava os motivos da sua prisão, tendo ouvido dizer que era por uma questão comercial, mas ele não falira em sua terra, onde tinha casa de comércio, que continuava a funcionar; estava preso desde sete de maio do corrente, de 1939 (fl. 18). Compareceu acompanhado de advogado, que pediu juntada de procura-ção e prazo para oferecer defesa e documentos, o que foi deferido. Com o ofício do Ministério da Justiça, veio o das Relações Exteriores, o mandado de captura subscrito por juiz de direito, a ficha do extraditando, certidão do despacho de pronúncia e cópia dos textos da legislação portuguesa concernente ao crime imputado, às penas e às condições e prazo da prescrição. Com a sua defesa, o indivíduo reclamado pelo Governo Luso juntou: certificado da sua inscrição no consulado de Portugal no Rio de Janeiro, dando-o como chegado a esta Capital em 17 de janeiro de 1938; o passaporte; atestado de boa conduta passado pelo Administrador do 2º Bairro de Lisboa; certificado de registro criminal destinado a embarque; certidão de casamento; e procuração para A. Santos Pereira conti-nuar a fazer as operações de comércio do extraditando. Alega este, em sua de-fesa, à fl. 20, estarem excedidos os prazos para ser apresentado o pedido formal de extradição, dar-se o julgamento e efetuar-se a remessa do preso para Portugal. Por isso, conclui pela necessidade de ser o pedido denegado. Opinou contra essa conclusão o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, à fl. 35.

A lei só impõe prazos ao Governo solicitante; não ao do Brasil. Os preceitos que o digno advogado do extraditando declara violados são

os arts. 9º, 10, § 2º, e 16 do Decreto-Lei 394, de 28 de abril de 1938. Quanto ao prazo, o art. 9º só determina o seguinte: “Dentro de 60 dias contados da data em que for recebida a requisição, o Estado requerente deverá apresentar o pedido formal de extradição, acompanhado dos documentos indicados no art. 7º.” Ora, o ofício do Ministro do Exterior é datado de 31 de maio e já vem acompanhado

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Ministro Carlos Maximiliano

de todos os documentos já descritos pelo Relator e exigidos pelo referido art. 7º. Portanto foram concomitantes a requisição e a entrega dos documentos necessá-rios. Só houve demora no Ministério da Justiça, o que não motiva a denegação da medida solicitada. Por outro lado, se é certo haver o extraditando declarado estar preso desde maio, isso, que, aliás, nada influi no resultado do processo, não está provado; ao contrário, ao remeter os papéis, em ofício de 25 de no-vembro, informou o Exmo. Sr. Ministro da Justiça que o extraditando acabava de ser preso e recolhido à Casa de Detenção. O crime nada tem de semelhante a falência. Certo empregado das Companhias Reunidas de Gás e Eletricidade dera o extraditando como fornecedor de mercadorias àquelas Companhias, e, por meio de faturas e lançamentos falsos na escrita, propiciara a este o rece-bimento de 290.248 escudos. Houve três culpados, dos quais um veio para o Brasil. Foram os três processados e pronunciados como incursos em crime de furto (fls. 7 e 9). O art. 10, § 2º, concede ao Procurador-Geral a faculdade de pedir a conversão do julgamento em diligência, para se completar, dentro de 45 dias, a documentação. Isso não ocorreu. Logo, este prazo não foi excedido, nem sequer iniciado. O art. 16 torna sem efeito a extradição, se, dentro de 20 dias depois de concedida e comunicada à embaixada, esta não houver remetido o acusado para o país de origem. Também este prazo nem iniciado está. Pelas razões expostas, improcede a defesa, que está em desacordo com a alínea do art. 10 do decreto-lei citado. Como todas as exigências legais foram satisfeitas e o processo correu perante juiz competente, acorda o Supremo Tribunal Federal em conceder a extradição.

Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1938.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Foi concedida a extradição,

unanimemente.

SENTENÇA ESTRANGEIRA 951 — MÉxICO

Não se homologa sentença de divórcio, quando falta a prova de residirem os dois cônjuges no Estado onde a medida foi decretada.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de homologação de sentença

estrangeira, em que são requerentes George Harry Rumley e Hannah Rebeca

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Memória Jurisprudencial

Shaw: acordam os Ministros da Corte Suprema em negar a homologação, pelas razões constantes das notas taquigráficas anexas aos mesmos autos.

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 1936 — Evandro Lins, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator para o acórdão.

RELATóRIOO Sr. Ministro Octavio Kelly: George Harry Rumley e Hannah Rebeca

Shaw, ingleses, residentes o primeiro nesta Capital e a segunda em Brighton, Inglaterra, pedem a homologação da sentença de divórcio proferido pelas justi-ças mexicanas e alegam:

a) que contraíram matrimônio em Londres, a 21 de junho de 1915; b) que, indo residir no Estado de Chihuahua, México, dali ausentou-se a consorte, con-tra quem moveu, desde logo, a ação de divórcio com fundamento nos arts. 12 e 15 da lei local, obtendo sentença favorável; c) que, pedida a homologação, o então Supremo Tribunal Federal, por acórdão de 29 de dezembro de 1933, não a deferiu por entender indispensável a prova da lei civil local aplicável e do domicílio da ré no foro do pleito, de vez que ao tribunal homologador incumbe indagar da competência do juiz que proferiu a sentença.

Ouvido o Sr. Dr. Procurador-Geral da República, emitiu S. Exa. o parecer de fl. 34, e, paga a taxa judiciária, fiz apensar o processo anterior e outro de análogo pedido, que nesta Corte tomou o número 925, a que fizera o requerente referência.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): O indeferimento do primeiro pe-

dido teve, como vim de expor, por fundamento a ausência da prova da lei que facultasse o divórcio no Estado de Chihuahua e da que regulava a competência de seus juízes. O interessado satisfaz a exigência com o documento de fl. 5. Nele se lê que o divórcio é um instituto vigente naquele Estado e que a Competência do juiz se afirma, já pela residência do marido, já pela aquiescência tácita da mulher, ré na causa. Demais, ela própria outorgou poderes ao requerente para representá-la em todos os tribunais, o que exclui a hipótese de desconhecimento da lide ou de qualquer oposição aos seus efeitos. Homologo a sentença.

VOTOO Sr. Ministro Ataulpho de Paiva: George Harry Rumley e Hannah Rebeca

Shaw, ambos de nacionalidade inglesa, o primeiro residente nesta Capital, e a se-gunda atualmente em Brighton, Inglaterra, alegam: que contraíram matrimônio em 21 de junho de 1915, na cidade de Londres; que anos depois passaram a residir

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Ministro Carlos Maximiliano

no Estado de Chihuahua do México, de onde retirou-se a segunda suplicante em virtude de incompatibilidade de gênios com o primeiro e por outros motivos constantes da sentença exeqüenda, não existindo filhos do casal, tendo sido então ali requerido o competente divórcio que foi julgado procedente de acordo com a legislação daquele país, e também porque a lei de um dos cônjuges, a inglesa, igualmente o autoriza; que em 1933, quando requereu pela primeira vez a homo-logação, esta Corte Suprema a indeferiu por considerar que havia necessidade de juntada de outros elementos probantes que entendeu serem necessários; que, tendo sido agora juntas todas as provas consideradas necessárias por esta Corte, requerem lhe seja deferida a homologação da exeqüenda. Com os documentos de fl. 3 usque a fl. 29, o Sr. Dr. Procurador-Geral pronunciou o seu parecer de fl. 34 opinando pela homologação requerida. Assim também havia já opinado, quando em exercício do cargo outro Procurador-Geral, o Sr. Ministro Bento de Faria.

Assim também é o meu voto, pois considero que foram devidamente sa-tisfeitas as condições exigidas pelo primitivo acórdão desta Corte Suprema, isto é, a prova de que a lei mexicana do Estado de chihuahua admitia o divórcio e a prova do domicílio dos cônjuges. Assim está provado igualmente que a sentença foi proferida por juiz competente, notificadas as partes, conforme a legislação vigente do Estado; que passou a mesma em julgado; que os documentos estão autenticados pela autoridade consular, tudo devidamente traduzido como é de lei expressa. Concedo, por conseguinte, a homologação requerida. É o meu voto.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Um casal de ingleses divorciou-se no

Estado mexicano de Chihuahua e pretendeu homologação da sentença respec-tiva no Brasil, o que lhe foi negado. Volta a impetrar a homologação.

Pelo aspecto formal, a sentença está em condições de ser homologada. Entretanto, a meu ver, a Corte não pode deferir o pedido, uma vez que o condi-cionou à prova de ser a esposa domiciliada no Estado de Chihuahua quando se processou o divórcio, e esta exigência não foi satisfeita agora. Foi, durante o jul-gamento, lembrado o que é geralmente sabido: o existir no Estado referido verda-deira indústria de divórcios, a ponto de súditos de nações que admitem o divórcio a vínculo irem divorciar-se em Chihuahua, onde não moram, e assim procedem por causa das facilidades que ali se concedem à separação integral dos cônjuges.

Considero, pois, de pé a decisão da Corte Suprema, e, como não foi aten-dida, indefiro o pedido.

PEDIDO DE VISTAO Sr. Ministro Eduardo Espinola: Senhor Presidente, peço vista dos autos.

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Memória Jurisprudencial

VOTOO Sr. Ministro Eduardo Espinola: George Harry Rumley e Hannah

Rebeca Shaw requerem, em petição conjunta, a homologação da sentença da justiça do Estado de Chihuahua, México, que decretou o seu divórcio a vínculo.

Já anteriormente havia o primeiro requerido a mesma homologação, com o que se mostrara de acordo a segunda.

O pedido anterior foi indeferido por esta Corte, em acórdão de 27-12-1933, hom. n. 924, tendo como Relator o Sr. Ministro Costa Manso.

Das notas taquigráficas respectivas resulta que os fundamentos prepon-derantes da recusa foram a falta de prova da legislação do Estado mexicano, quanto aos casos e efeitos do divórcio e, principalmente a matéria da compe-tência do juízo, por não estar provado o domicílio dos cônjuges.

Ao fazer este novo pedido de homologação, o advogado afirma que apre-senta os elementos exigidos pela Corte Suprema. O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral da República, referindo-se ao voto do Sr. Ministro Rodrigo Octavio, voto que predominou, disse que o ilustre Ministro “exigia a prova de que a lei mexicana do Estado de Chihuahua admitia o divórcio e a prova do domicílio dos cônjuges”, acrescentando: “essas exigências se acham agora satisfeitas; encontram-se nos autos provas do domicílio dos interessados e (...) os textos invocados da legislação mexicana.”

O Sr. Ministro Relator concedeu a homologação por assim também en-tender, no que foi acompanhando pelo Sr. Ministro 1º Revisor. O Sr. Ministro 2º Revisor, porém, discorda, declarando que não foi satisfeita a determinação do acórdão anterior, isto é, que se não fez a prova do domicílio dos cônjuges, prova necessária para se julgar da competência do juízo de onde emanou a sen-tença homologanda.

Na petição se afirma: que ambos os cônjuges divorciados são de nacio-nalidade inglesa e que o marido reside atualmente no Rio de Janeiro e a mulher na Inglaterra; que se casaram em Londres a 21 de maio de 1915, passando o casal a residir no Estado de Chihuahua, México, de onde a mulher se retirou por incompatibilidade de gênios.

A verdade, entretanto, é que tal afirmação, no tocante ao domicílio e residência, não encontra a menor prova nos autos; entre os novos documentos, nenhum prova que o casal, ou algum de seus membros, fosse domiciliado no México.

O divórcio foi concedido em março de 1933; em junho do mesmo ano era requerida a homologação, declarando-se que o marido era domiciliado

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Ministro Carlos Maximiliano

nesta Capital, como funcionário da Leopoldina e que a mulher se encontrava na Inglaterra.

Entre os documentos do novo pedido de revisão, está o de fl. 8 do consu-lado inglês nesta Capital, atestanto que o Sr. George Harry Rumley é cidadão inglês, portador do passaporte britânico passado pelo mesmo consulado inglês, no Rio de Janeiro a 26-10-1927, ficando aqui registrado entre os súditos britâ-nicos sob o número 1.311.

Na sentença de divórcio, documento a fls. 11 e seguintes, não se declara qual o domicílio ou residência do casal, ou de algum dos cônjuges.

No documento que atesta os termos da legislação mexicana, vê-se que é competente para conhecer de uma ação de divórcio o juiz da residência do A. se se tratar de um divórcio com causa, ou de qualquer dos cônjuges, no caso de divórcio voluntário (fl. 6); sendo, em todo o caso, competente o juiz a quem as partes se houverem submetido expressa e tacitamente (fl. 6 v.). Entende-se que há submissão expressa quando os interessados renunciam clara e terminante-mente ao foro que a lei lhes concede e designam com toda a precisão o juiz a que se submetem. Entendem-se submetidos tacitamente: primeiro, o A., pelo fato de se dirigir ao juiz, intentando sua ação; segundo, o R., em ação ordiná-ria, sumária, para opor exceções dilatórias, menos a de incompetência, ou para responder à ação e reconvir (fl. 5 v.). Haveria submissão tácita quanto ao A., mas o mesmo não se verifica em relação à mulher, que foi citada por editais e não compareceu (fl. 14 v., transcorrido o prazo da citação, sem que a deman-dada se tivesse apresentado para acusar a ação, deu-se por acusada em sentido negativo).

Correu, pois, a causa à sua revelia (nem curador teve, por não o exigir a lei local), era incompetente o juiz em relação a ele.

No Código Bustamante, que consigna dispositivos semelhantes ao da lei mexicana sobre a submissão tácita, explica o art. 322, parte final: não se enten-derá que tenha havido submissão tácita se o processo for considerado como à revelia.

Tudo faz crer que, ao ser requerido o divórcio, o casal, ou, pelo menos, o marido, residia no Brasil, como se poderá depreender do atestado do consulado britânico. Do que não há a menor prova é do domicílio em Chihuahua.

DECISãOIndeferiram o pedido de homologação contra os votos dos Ministros

Octavio Kelly e Ataulpho de Paiva.

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Memória Jurisprudencial

SENTENÇA ESTRANGEIRA 979 — PORTUGAL

Homologação de sentença estrangeira: filho adulterino reco-nhecido em país que permite o reconhecimento; ofende a ordem púbica brasileira o reconhecimento feito em país estrangeiro da filiação adulterina de nacional daquele país; não impede a homo-logação da sentença o fato de ser a viúva do de cujus residente no Brasil, e ter corrido o processo no estrangeiro, porquanto esta, não sendo herdeira do finado, não devia ser obrigatoriamente parte no processo.

ACóRDãOVistos etc.Acorda o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, indeferir o

pedido de homologação de sentença estrangeira, na conformidade e pelos fun-damentos dos votos constantes das notas datilografadas que precedem.

Custas ex legis.Rio de Janeiro, 26 de abril de 1939 — Eduardo Espinola, Presidente —

Armando de Alencar, Relator para o acórdão.

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Antonio dos Santos Pinto Filho pro-

pôs, na comarca de Viana do Castelo, em Portugal, ação contra uma irmã e a viúva de Antonio dos Santos Pinto, português, domiciliado naquela cidade e ali falecido em 25 de fevereiro de 1937; visava ser declarado filho ilegítimo deste senhor, que deixara no Brasil a esposa e se concubinara em Portugal com D. Ludovina Rosa de Abreu Machado, resultando destas relações o nascimento do autor, na comarca referida. Obteve sentença definitiva favorável, proferida por juiz competente e passada em julgado. Eram portugueses e domiciliados em Portugal o autor e uma das rés, Dona Antonia Malafaia Costa, irmã do falecido, o qual não deixara descendentes legítimos, nem ascendentes; morava no Brasil, na Serra Negra, Estado de São Paulo, e também foi dada como ré a consorte de Antonio dos Santos Pinto, abandonada por ele há mais de quarenta anos e de nacionalidade não esclarecida nos autos. Pretendendo a homologação da sen-tença, assim requereu o filho reconhecido judicialmente. Opinando nos autos, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral reclamou a citação da viúva mencionada no veredictum, o que o Relator ordenou que se fizesse; porém Dona Fortunata fale-cera também, sem sucessores forçados; e transmitira, por testamento, todos os seus bens ao Hospital Santa Rosa de Lima, da Cidade de Serra Negra; por isso,

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Ministro Carlos Maximiliano

foram citados, mediante Precatória, o provedor do hospital referido, o cura-dor do espólio de Dona Fortunata, o coletor estadual e o Advogado-Geral do Estado. O hospital veio com embargos, à fl. 30, em que se opôs à homologação, pelos seguintes motivos:

1º — existir nos autos a sentença homologada, em vez de carta de sen-tença, que seria indispensável;

2º — ser o veredictum incompatível com o direito brasileiro, que não admite o reconhecimento de filhos adulterinos, e o autor nascera e fora gerado na constância do matrimônio de seu pai com uma senhora que não foi mãe do requerente;

3º — implicar a homologação em rescisão de atos de autoridades judici-árias brasileiras que arrecadaram o espólio de Dona Fortunata e o partilharam;

4º — dever a ação contra pessoa residente no Brasil ser proposta e julgada neste país.

O Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, que, no parecer de fl. 13, se mostrara acorde com a segunda argüição do embargante, à fl. 60 a repeliu, aceitando, porém a quarta e última. O requerente contestou os embargos, à fl. 38, tendo, portanto, falado em último lugar nos autos, como é de direito, o Chefe do Ministério Público.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Improcede a primeira ar-

güição: não é indispensável a carta de sentença, para se conceder a homologa-ção; dos autos constam elementos suficientes para se aferir da autenticidade e fundamentos do aresto, que foi proferido pelo magistrado competente, à revelia das rés, citadas para ação e sempre contumazes; passou em julgado a sentença definitiva. Depois de alguma vacilação, firmou-se a jurisprudência no sentido de dispensar a carta de sentença, contentando-se com o teor do veredictum e demais requisitos estabelecidos em lei. Não exige a carta o Código Bustamante, art. 432, que é lei no Brasil; dispensaram-na acórdãos juntos por certidão a fls. 49-52.

É mais sério o segundo articulado: contraria a ordem pública o reconhe-cimento judicial do filho adulterino. Improcede, entretanto.

Qual é a lei reguladora da investigação da paternidade? Segundo alguns escritores e julgados, a lei nacional do pai; segundo outros, em esmagadora maioria, a do filho; segundo terceiros, a de ambos (bartin — príncipes de droit international privé. Vol. II, p. 173 e 348-49; pereira Nunes — comentário à lei de proteção dos filhos, p. 304; clóvis beviláqua — Direito internacional privado,

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3. ed., p. 329; Código Bustamante, art. 64; solodovnikoff — La notion de l’ordre public em droit international privé, p. 169 e 171; Walker — Internationales privatrecht, p. 820).

Nenhum escritor ou tribunal exigiu jamais a aplicação do direito nacional da esposa legítima do pai. Ora, no caso em apreço, uma lei só, a portuguesa, é a nacional, e também a do domicílio, tanto do pai como do filho; logo, rege a espé-cie o direito lusitano; este exclui apenas o incestuoso; admite o reconhecimento, voluntário ou forçado, de prole adulterina. Ensina pereira Nunes (op. cit., p. 254):

A proibição de perfilhação incide, atualmente, apenas sobre os filhos in-cestuosos. Todas as outras ações de investigação, que não visou à perfilhação do incestuoso, são permitidas.

Adverte Vaz serra — a investigação da paternidade ilegítima, p. 124:

Pelo Código Civil, também os filhos adulterinos eram inibidos de intentar a ação de investigação de paternidade. Esta disposição não foi reproduzida no Decreto 2; pelo que se infere que aos filhos adulterinos é, hoje, facultada a ação. Só aos incestuosos é que é atualmente interdita a investigação da paternidade.

Objetam que a ordem pública impede a aceitação de tal sentença, no Brasil. clóvis beviláqua (op. cit., p. 329-330) esclarece:

Todavia, a ação da ordem pública já se não manifesta, quando legitima-mente pronunciada a sentença de reconhecimento no estrangeiro. Deve produzir os seus efeitos em toda a parte o reconhecimento assim obtido, como já, entre nós, decidiu o Supremo Tribunal Federal.

Em nota, sob o número 13, o mestre adianta que a recusa de efeito do reconhecimento de incestuosos e adulterinos parece inaceitável em face do direito pátrio. Na verdade, o requerente juntou à Contestação, à fl. 54, certidão do acc. do Sup. Trib., de 6 de setembro de 1929, em que, apoiando o parecer do Procurador-Geral da República, se deu efeito, no Brasil, ao reconhecimento de filho adulterino, realizado em Portugal. Clara é, a respeito, a lição de prospero Fedozzi — II — Diritto internazionale privato, 1935, p. 299:

A lei que atualmente proíbe entre nós a investigação da paternidade tem incontestavelmente como escopo social o de evitar o escândalo que esta inves-tigação poderá solevar no momento mesmo em que esta se realiza: é este o seu único fim, que não diz respeito de modo algum aos efeitos que possam resultar de uma investigação da paternidade já concluída, sendo, antes, conforme aos interesses da sociedade, que todo filho seja reconhecido pelos seus pais. Ora, ao passo que um estrangeiro, a quem a lei nacional o consinta, não pode propor na Itália uma ação de investigação de paternidade, poderá muito bem pretender dos nossos tribunais o reconhecimento da filiação juridicamente estabelecida em seu favor no exterior; porque o contraste entre o escopo social da lei estrangeira e o da nossa limita-se somente ao juízo da investigação da paternidade e não

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Ministro Carlos Maximiliano

atinge também o estado pessoal que da mesma deriva. O mesmo raciocínio deve repetir-se acerca do divórcio.

La legge che tuttora proibisce presso di noi la ricerca della paternità ha incontestabilmente come scopo sociale quèllo di evitare lo scandalo che questa ricerca potrebbe sollevare nel momento stesso in cui essa ha luogo: è questo il solo suo scopo, che non riguarda per nulla gli effetti che possono risultare da una ricerca di paternità già avvenuta, essendo anzi conforme agli interessi della so-cietà che ogni figlio sía riconosciuto dai suoi genitori. ora, mentre uno straniero, a cui la legge nazionale lo consenta, non può istituire in Italia un azione di ricerca di paternità, egli potrà benissino pretendere dai nostri tribunali il riconoscimento della filiazione giuridicamente stabilita in suo favore all’estero, perchè il contrasto fra lo scopo sociale della legge straniera e quello della nostra si limita soltanto al giudizio di ricerca della paternità e non riguarda punto lo stato personale che ne deriva. Lo stèsso ragionamento può ripetirsi rispetto al divorzio.

Parece escrito para o Brasil o trecho transcrito. Na verdade, se a lei bra-sileira veda o escândalo da prova da paternidade adulterina, nem por isso se in-fere opor-se ao reconhecimento da filiação decretada no exterior. O caso tem o seu similar nas sentenças de divórcio a vínculo, contrário à ordem pública entre nós; estrangeiros não o pleiteiam no Brasil; mas o Supremo Tribunal homologa as sentenças de tal natureza, quando obtidas no estrangeiro por alienígenas. Alienígenas são também o pai e o filho, na hipótese ora em apreço. O reque-rente juntou certidões de dois acórdãos, de 14 de dezembro de 1922 e 17 de julho de 1925, homologando sentenças de divórcio a vínculo, proferidas entre casais estrangeiros.

Como terceiro fundamento dos embargos se nos depara a possibilidade da homologação inutilizar, de plano, arrecadação e inventário realizados por juízes brasileiros, atos estes de que, aliás, não juntou prova o embargante. Improcede o alegado. O autor não cumulou ação de investigação de paternidade com a de pe-tição de herança, como em geral se faz entre nós; pediu, só, o reconhecimento ju-dicial da filiação, isto é, o estado de filho. Conforme bem mostrou o requerente, só posteriormente, e em outro processo, discutir-se-á o direito sucessório do fi-lho sobre bens existentes no Brasil, sendo de notar já haver decidido o Supremo Tribunal que o juízo da sucessão não é o deste país, porém o do último domicílio do falecido, embora haja no Brasil imóveis pertencentes ao espólio. Isto, entre-tanto, é matéria que não foi ventilada na sentença homologanda; portanto não será alcançada pela homologação. A própria dúvida, muito interessante, sobre ser o herdeiro, ou não, no Brasil, o adulterino, só na ação de petição de herança poderá ser levantada e resolvida. Portanto, não é verdade que a simples homolo-gação anule a arrecadação e o inventário efetuados em Serra Negra.

Resta examinar a última tese: desde que uma das rés morava no Brasil, neste país deveria correr a ação contra ela; assim ordena o art. 15 da Introdução ao Código Civil.

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Ainda mesmo que fossem, efetivamente por lei, não em conseqüência apenas do requerido da inicial, rés na causa as duas mulheres — a irmã e a es-posa do falecido, ficaria de pé uma dificuldade: como cindir uma simples ação de prova de estado? Seria possível pleitear a mesma coisa duas vezes no Brasil e em Portugal? E se chegassem as duas magistraturas a conclusões diferentes, como conseguir um resultado prático?

Machado Villela — o direito internacional privado no código civil brasileiro, p. 339-340 — torna sua a opinião de beviláqua concorde com a de pimenta bueno, nestes termos:

Aos dois casos de competência dos tribunais brasileiros indicados no art. 15, acrescenta beviláqua, seguindo mais ou menos pimenta bueno, os se-guintes: a) se o foro do contrato for o Brasil; b) se o contrato, objeto da ação, tiver de ser executado no Brasil; c) se a questão versar sobre imóvel situado no Brasil; d) se se tratar de uma sucessão aberta e liquidada no brasil; e) se se tra-tar de um concurso de credores aberto perante a justiça brasileira.

Ora, só a letra d se refere a assunto ligado à hipótese em apreço; porém para a excluir, pois que a sucessão de Antonio Pinto foi aberta e liquidada em Portugal, seu domicílio derradeiro. rodrigo octavio transcreve, no seu Dicionário de direito internacional privado, 1178, a seguinte conclusão do acór-dão do Supremo Tribunal de 17 de agosto de 1898:

O direito de sucessão liga-se intimamente à pessoa do autor da herança, faz parte de seu estatuto pessoal e está, por conseguinte, subordinado à lei na-cional e a jurisdição do seu último domicílio.

Por causa da índole do direito da Inglaterra, os escritores britânicos mos-tram-se mais rigorosos do que quaisquer outros no atribuir ao foro do domicílio do réu a competência para ação; por isso, só admitem que se proceda contra pessoas que moram no país. Pois bem, grande professor, cheshire — private international law, 1935, p. 63, abre exceção para os casos iguais ao presente, isto é, quando é mister agir contra duas pessoas, uma domiciliada na Inglaterra, ou-tra no exterior: manda acionar nos tribunais ingleses. Enumerando os casos em que o residente no estrangeiro pode ser citado ante os pretórios ingleses, dá este:

Quando qualquer pessoa que está fora da jurisdição, é parte necessária ou legítima em uma ação legalmente intentada contra alguma outra pessoa de-vidamente sujeita à jurisdição.

When any person out of the jurisdiction is a necessary or proper party to an ac-tion properly brought against some other person duly served whithin the jurisdiction.

Ora, a irmã do falecido morava em Portugal e era portuguesa; achava-se na jurisdição dos tribunais lusitanos. Acresce uma circunstância: esta senhora era a única e verdadeira ré, em ação de investigação de paternidade, a consorte

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Ministro Carlos Maximiliano

do pai foi citada ex abundantia; não era parte obrigada na causa. Com efeito, no Brasil, como em Portugal, a ação de investigação de paternidade é proposta contra o pai, ou seus herdeiros (Código brasileiro, art. 363; Nunes, op. cit., p. 280). Doutrina este escritor português:

Têm capacidade para serem demandadas aquelas pessoas que podem ser prejudicadas com a declaração do dito estado e, portanto, os pais e seus herdeiros. Não é parte legítima na ação a viúva do pretenso pai, que dele não foi herdeira.

Vaz serra (op. cit., p. 140 e nota 1) é decisivo. Proclama:

Durante a vida do pai, deve a ação ser proposta contra ele. Desde que tenha falecido, têm legitimidade para a ação como réus os seus herdeiros ou representantes. Sendo assim, têm sido considerados ilegítimos: A viúva que não é herdeira (Acórdãos da Relação de Lisboa, de 1º de julho de 1914 e 14 de abril de 1919); os tios, etc.

Determina o atual art. 1.969 do Código Civil português:

A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 1º aos descendentes; 2º aos ascendentes; 3º aos irmãos e seus descendentes; 4º ao cônjuge sobrevivo.

Esclarece o art. 2.003: “Na falta de descendentes, ascendentes, irmãos e descendentes destes, sucederá o cônjuge sobrevivo.”

Ora, na época do falecimento de Antonio Pinto existia a sua irmã D. Antonia Malafaia Costa, domiciliada na mesma cidade de Viana do Castelo; era esta, portanto, a herdeira do defunto e, conseqüentemente, a legítima ré, e única, no processo de investigação de paternidade. Contra ela e só contra ela, deveria correr o pleito; a viúva de Antonio Pinto era parte ilegítima; foi citada ex abun-dantia, sem ter interesse reconhecido por lei e pela jurisprudência, na causa. Logo, foi esta bem aforada na comarca em que morava a ré verdadeira. Consta dos autos que D. Antonia morreu no decurso da demanda; foram citados por edital os seus herdeiros incertos; pois, quando se abriu a sucessão, era viúva sem filhos. Pouco importa: desde que sobreviveu ao de cujus, foi herdeira; aos seus sucessores, não à viúva do falecido, transmitiu a herança. Logo, D. Fortunata nada houve na sucessão; com certeza legou ao Hospital Santa Rosa a sua meação, que em nada seria atingida pelo reconhecimento da filiação do autor. Mais um argumento, pois, existe para repelir a terceira tese dos embargos; a sentença de investigação da paternidade não afeta a arrecadação nem o inventário realizados no Brasil. Demais como assevera cheshire (op. cit., p. 54), e é notório, o juízo competente no início da causa continua a sê-lo em todas as fases do processo.

Releva lembrar que, em regra, as ações propostas contra alguém na qua-lidade de sucessor de outrem se processam no foro do falecido, no último do-micílio deste.

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Memória Jurisprudencial

Por todos os motivos expostos, eu homologo a sentença que reconheceu o requerente como filho de Antonio dos Santos Pinto, rejeitados os embargos.

VOTOO Sr. Ministro Armando de Alencar: A sentença proferida em Portugal,

cuja homologação se pede, tendo passado em julgado, reveste-se dos demais requisitos extrínsecos exigidos pelo art. 8º, parte 5ª, do Decreto 3.084, de 1898.

Versa ele no seu conteúdo sobre o reconhecimento do ora requerente, como filho ilegítimo do de cujus Antonio dos Santos Pinto, nascido que foi ele de outra mulher, na constância do casamento de seu pai com Fortunata Maria de Jesus, residente desde então no Brasil.

A sentença que declarou tal filiação, em ação de investigação de paterni-dade, processada em Portugal, teve fundamento na lei portuguesa de 25 de de-zembro de 1910 (arts. 22 e 54), denominada Lei de Proteção aos Filhos, vigente ao tempo da abertura da sucessão, sendo de notar que tal lei expressamente prevê a hipótese de os filhos terem nascido antes de sua decretação, que, aliás, é o dos autos.

Rege a espécie a lei nacional do requerente, em face do disposto no art. 8º da Introdução ao nosso Código Civil, e ainda o art. 65º do Código Bustamante, tornado aplicável ao Brasil pelo Decreto 5.647, de 7 de janeiro de 1929.

A ação foi, assim, declaratória de paternidade ilegítima, não se tratando, portanto, de demanda movida contra pessoa residente no Brasil ou imóveis aqui situados, não havendo, assim, como cogitar de matéria de competência regulada pelo art. 15 da Introdução ao nosso Código Civil.

Para mim, nenhuma objeção teria quanto ao deferimento do pedido, se não ocorresse motivo mais sério, previsto no art. 9º do citado decreto, que assim dispõe:

Não obstante ocorrerem os requisitos do artigo antecedente (8º), as ditas sentenças não serão homologadas, se contiverem decisão contrária à ordem pú-blica ou ao direito público interno da União.

Ora, a qualidade de filho adulterino do requerente deflui dos autos e não é por ele contestada.

É certo que a lei portuguesa admite o reconhecimento do filho adulterino, excluindo apenas dessa possibilidade os incestuosos.

Mas a nossa lei (Código Civil, art. 358) exclui expressamente uns e outros da possibilidade de reconhecimento, e tem, para tanto, fundadas razões na mo-ral e nos bons costumes.

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Ministro Carlos Maximiliano

Se o requerente, filho de Antonio dos Santos Pinto com outra mulher que não sua esposa, foi nascido na constância desse casamento e não fez prova de estar o casal desquitado ao tempo de sua concepção — caso em que, segundo a nova orientação da nossa jurisprudência e legislação, não mais poderia ser tido como adulterino —, a homologação de uma sentença que proclama o reconhecimento de um filho irrecusavelmente adulterino não pode ter eficácia no Brasil, porque entra em conflito com a nossa ordem pública e contraria de frente os preceitos de direito que a regulam, em face do disposto no art. 17 da Introdução ao nosso Código Civil.

Por tais fundamentos, denego a pretendida homologação.

VOTOO Sr. Ministro Cunha Mello: A sentença estrangeira cuja homologação

se requereu, proferida como foi em uma causa de investigação de paternidade ilegítima, consoante as leis de Portugal, decidiu haver o requerente nascido do concúbito de Ludovina Rosa de Abreu Machado com Antonio dos Santos Pinto, já falecido, na constância do matrimônio deste com Fortunata Maria de Jesus, de quem “há cerca de quarenta anos se encontrava separado de fato”, pois essa “sempre se conservou no Brasil”, onde residida “em Serra Negra, no Estado de São Paulo”. Intentou-se a ação contra a viúva de Antonio dos Santos Pinto, que com ela fora casado, em primeiras e únicas núpcias, segundo o regímen da comunhão de bens; bem como contra uma irmã do mesmo Antonio Pinto, de nome Antonia Malafaia Costa, moradora no Bairro das Ursulina, em Viana do Castelo. Explicou-se que, por não ter o de cujus deixado descendentes ou as-cendentes legítimos, nem testamento, seriam os seus únicos herdeiros as duas rés, caso não tivesse aquele deixado um filho ilegítimo, o requerente de agora, que foi nessa qualidade reconhecido pela sentença homologanda, “com todas as conseqüências legais e especialmente para lhe serem entregues todos os bens que constituem a herança dele”.

Bom é consignar nesta altura da exposição do caso que, ocorrendo pos-teriormente a morte de Fortunata Maria de Jesus, foram os bens dela e os do cônjuge pré-morto arrecadados e inventariados pelo Juízo de Direito de Serra Negra, em processo que tudo leva a crer já esteja definitivamente encerrado. Sou contrário ao deferimento do pedido de homologação, por qualquer dos dois motivos que passo a indicar.

Em primeiro lugar, porque diante do preceito do art. 12, § 4º, da Lei 221, de 20 de novembro de 1894, só as cartas de sentença de tribunais estrangeiros podem ser homologados por este Supremo Tribunal. É que, por via de regra e na generalidade dos casos, somente pelo exame das peças processuais que as compõem, estabelecidas pela legislação do país de onde provêm, será possí-vel verificar se foram ou não preenchidos os vários requisitos exigidos para a

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Memória Jurisprudencial

homologação e expressos nas alíneas daquele parágrafo. Jamais considerou-se letra morta, entre nós, a mencionada e terminante exigência legal. O que se tem feito aqui algumas vezes, ainda assim, em casos especiais, é aceitar como peça legítima e sucedânea da carta de sentença algum documento que, além de se revestir da necessária autenticidade, contenha tanto o teor da decisão a ho-mologar, como o dos termos essenciais do correspondente processo. Não é um documento de semelhante feitio aquele com que se instruiu o pedido de homo-logação, pois o que se encontra junto de fls. 3 a 7 é uma certidão de nascimento do promovente da demanda, seguida de outra com a transcrição da sentença. Passou esta última, um chefe de seção da Secretaria Judicial da Comarca, que a encerrou com estes dizeres textuais: “Mais certifico que a sentença acima trans-crita foi devidamente intimada e transitou em julgado. Mais certifico que o autor pagou as custas em que foi condenado.” Desse modo, não tenho meio de verifi-car se a citação porventura feita às partes demandadas, notadamente à parte que residia no Brasil, fora realizada em conformidade à lei, isto é, devidamente, sem prejuízo do direito de defesa como quer o número 4, letra n, do dito § 4º.

Em segundo lugar, nego ainda a homologação fundado no art. 15 da Introdução ao Código Civil, porque, sendo uma das rés domiciliada no Brasil, a competência para conhecer da ação era dos juízes e tribunais brasileiros, nunca das Justiças de Portugal, conforme bem argumentou, a respeito, o Dr. Procurador-Geral.

Em terceiro e último lugar, nego também a homologação porque resulta-ria da execução do julgado estrangeiro a cassação da sentença do Juiz paulista, em Serra Negra, que arrecadou e inventariou os bens mencionados no relatório.

É o meu voto.

VOTOO Sr. Ministro Washington de Oliveira: Senhor Presidente, nego a homo-

logação, atendendo à circunstância de não estar a carta devidamente instruída.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, peço vista dos autos.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Na Comarca de Viana do Castelo, em

Portugal, Antonio dos Santos Pinto Filho propôs uma ação de investigação ile-gítima contra Fortunata Maria de Jesus, viúva, portuguesa, residente em Serra Negra, Estado de São Paulo, e Antonia Malaquia Costa, viúva, portuguesa, re-sidente na dita comarca.

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Ministro Carlos Maximiliano

A ação foi favorável ao autor, sendo-lhe reconhecida a qualidade de fi-lho ilegítimo de Antonio dos Santos Pinto e da segunda ré, Antonia Malaquia Costa. Com a certidão da sentença, em que consta ter ela passado em julgado, pede sua homologação.

Expedida carta precatória citatória para Serra Negra, veio o Hospital Santa Rosa de Lima embargando o pedido de homologação da sentença, como sucessor de Fortunata Maria de Jesus. Nos embargos se alega:

— que o pedido não está devidamente instruído, porquanto o embargado apresentou uma simples certidão da sentença, em vez da carta de sentença como se fosse mister, de modo que não é possível verificar se ocorreram no caso os requisitos do art. 8º, parte 5ª, do Decreto 3.084, de 1898;

— que, admitindo-se como verdadeira a afirmação de o autor ter nascido da união natural de Rosa de Abreu Machado e Antonio dos Santos Pinto, seria neste caso filho adulterino e, desse modo, a dita sentença não poderia ser ho-mologada no Brasil, por contravir o nosso direito interno, como bem se vê no art. 358 do Código Civil, in verbis: “Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos.”;

— que o Código Civil, no art. 17 da Introdução, dispõe: “As leis, atos, sentença de outro país, bem como as disposições e convenções particulares, não terão eficácia, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.” Nesta conformidade, prescreve o art. 9º, parte 5ª, do Decreto 3.084, de 1898:

Não obstante concorrerem os requisitos do artigo antecedente, as ditas sentenças não serão homologadas, se contiverem decisão contrária à ordem pú-blica ou ao direito público interno da União;

— que, perante o Juízo de Direito de Serra Negra, Estado de São Paulo, foi procedida a arrecadação e inventário resultantes da morte de Antonio dos Santos Pinto e sua mulher, Fortunata Maria de Jesus, não tendo a Justiça portu-guesa para invalidar esses atos da Justiça brasileira.

— que a Justiça brasileira é a única competente para conhecer de qual-quer litígio intentado contra pessoa residente no Brasil, e provado está pelos próprios documentos oferecidos pelo autor, e consta mesmo da sentença, ser uma das rés — Fortunata Maria de Jesus — residente no Brasil.

Os embargos foram longamente contestados, à fl. 38, e juntas certidões tiradas do processo de homologação de sentença, em que prova, que simples certidões de sentença, quando desta conste terem sido os requisitos do art. 8º, parte 5ª, do Decreto 3.084.

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Memória Jurisprudencial

O Dr. Procurador-Geral da República opinou afinal pela sua homologação por considerar incompetente a Justiça portuguesa para sentenciar no caso, desde que uma das rés era residente no Brasil (Código Civil, Introdução, art. 15).

Dada a divergência entre os Srs. Ministros Relator e Revisores, em que aquele votou pela homologação, e estes a revogaram, ainda que por fundamen-tos diversos, necessitei da leitura dos autos para melhor dar o meu voto — o que faço agora.

A jurisprudência deste Tribunal é no sentido de suprir a carta de sentença a certidão da sentença, que, revestida de formalidades, por si mesma prova a autenticidade dela, e se possa verificar que foram satisfeitos os requisitos do art. 8º, parte 5ª, do Decreto 3.084, de 1898, e esteja na conformidade do direito processual do direito de origem. O art. 801 do Código de Processo Civil portu-guês prescreve: “Haverá cartas de sentenças para título, contendo os articula-dos, a sentença final e os documentos que ela mencionar, as tenções e acórdãos, os artigos de habilitação havendo-os, e a sentença proferida sobre eles.” Da cer-tidão junta consta a sentença, o documento em que ele se baseou e a referência terem sido as partes citadas. Conquanto a citação não seja carta de sentença, por ela se poderá verificar se satisfaz o despacho no art. 8º, parte 5ª, do citado Decreto 3.084.

O documento com que foi instruído o pedido de homologação, conquanto não seja em rigor, segundo a nossa legislação e a portuguesa, uma carta de sen-tença, satisfaz os intuitos da nossa lei, pois é um traslado do qual consta o teor da sentença, a exposição dos fatos e fundamentos da ação, com a declaração de ter ele passado em julgado. Não acolhe esta argüição feita nos embargos. Mas, atendendo a que uma das rés é domiciliada em São Paulo, e isso conste da pró-pria sentença, incompetente a Justiça portuguesa para sentenciar no caso, ex vi do art. 15 da Introdução ao Código Civil, in verbis:

Rege a competência, a forma do processo e os meios de defesa, a lei do lugar onde se mover a ação; sendo competentes, sempre, os tribunais brasileiros, nas demandas contra as pessoas domiciliadas ou residentes no Brasil, por obri-gações contraídas ou responsabilidades assumidas neste ou noutro país.

Não pode ter prorrogação de jurisdição, por não ter sido alegada a incom-petência da Justiça portuguesa, desde que se trate de matéria de ordem pública, contra a qual não é lícito prevalecer a vontade das partes. A espuridade, a meu ver, não seria motivo para a não-homologação, desde que a lei pessoal das par-tes permite a legitimação de todos os filhos naturais, sem nenhuma restrição.

Mas, pelo motivo apontado, nego a homologação requerida.É o meu voto.

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly: Não me parece que decisão de Justiça es-

trangeira que afete somente a capacidade de seus nacionais e somente ali haja de ter execução, com a inscrição, anotação ou cancelamento nos registros compe-tentes, esteja sujeita ao exame desta Corte, uma vez que à nossa Justiça incumbe apenas examinar a autenticidade dos documentos que comprovem a capacidade assim reconhecida. E, se desse modo penso, não poderia recusar, na espécie, a homologação, que, como disse, tornar-se-ia verdadeira demasia judiciária.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negaram a homologação,

contra os votos dos Ministros Carlos Maximiliano e Octavio Kelly. Não tomaram parte no julgamento os Ministros Carvalho Mourão e Laudo de Camargo, por não terem assistido ao relatório, por se tratar de julgamento adiado da sessão do dia 5 do corrente, à qual aqueles Ministros não compareceram, por motivo justificado.

APELAÇÃO CRIMINAL 1.407 — DF

O encarregado da guarda de armazém de Estrada de Ferro Federal que subtrai e vende café ali guardado comete crime de peculato.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal, em que

são apelantes Luiz Gonzaga da Cunha, Carlos da Silva Barreiros, Álvaro Bocks da Silva, José Ovídio de Oliveira e David Apolônio, e é apelada a Justiça Federal: acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal, pe-las razões constantes das notas taquigráficas, negar provimento às apelações.

Rio de Janeiro, 17 de dezembro de 1937 — Eduardo Espinola, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator para o acórdão.

RELATóRIOO Sr. Ministro Ataulpho de Paiva: Luiz Gonzaga da Cunha, José Ovídio

de Oliveira, Álvaro Bocks da Silva, David Apolônio e Carlos da Silva Barreiros, guardas do Armazém da Estrada de Ferro Central do Brasil, na Estação Marítima, à Rua da Gamboa, nesta Capital, com exercício, respectivamente, nos armazéns

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Memória Jurisprudencial

P-4, P-5, P-3 e P-4, constituídos em verdadeira societas sceleris, concertaram com Antonio Ferreira, conhecido pelo vulgo de “Ribas”, o furto e venda de sacas de café em depósito nos referidos armazéns, que tinham aqueles funcionários sob sua guarda. Executando o plano concebido, Antonio Ferreira, no dia 10 de abril de 1934, fretou o autocaminhão de Augusto de Oliveira e recebeu de Luiz Gonzaga da Cunha, no Armazém P-4, nove sacas de café; de José Ovídio de Oliveira, no Armazém P-5, três sacas; de Álvaro Bocks da Silva, no Armazém P-3, duas sacas; de David Apolônio, no Armazém P-5, quatro sacas; e de Carlos da Silva Barreiros, no Armazém P-4, uma saca, num total de dezenove sacas.

Praticado o delito, Antonio Ferreira, tomando lugar no autocaminhão, foi levar a mercadoria subtraída ao estabelecimento comercial de A. Ferreira, Santos & Cia., à Rua Barão de Bom Retiro, n. 7, onde já havia previamente tra-tado a venda do café. Os sócios dessa firma, Miguel José dos Santos, Tristão Augusto dos Santos e Armando Augusto Ferreira, pela forma que era feita a transação, sem a troca de documento, não podiam, evidentemente, ignorar a origem clandestina do café comprado. Recebeu Antonio Ferreira o preço da venda das 19 sacas, ou seja, Rs: 1:520$000. Distribuiu essa quantia pelos outros comparsas, ficando com o restante da importância. A mercadoria subtraída foi avaliada em Rs: 1:723$820. No dia 6 de abril de 1934, mais seis sacas de café foram furtadas do Armazém P-4 por Luiz Gonzaga da Cunha, e pelo mesmo Antonio Ferreira conduzidas e vendidas no mesmo estabelecimento de A. Ferreira, Santos & Cia., avaliadas em Rs: 543$000.

Referidos nesta conformidade os fatos, deu-se pressa o Sr. Dr. Procurador da República em denunciar, perante o Dr. Juiz Federal da 3ª Vara, os cinco pri-meiros indigitados como incursos nas penas do art. 221, letra a, combinado com o art. 18, § 1º, da Consolidação das Leis Penais, sendo em relação a Luiz Gonzaga da Cunha observada a regra do art. 66, § 2º, da mesma Consolidação; Antonio Ferreira, nas mesmas penas do art. 221, letra a, combinado com os arts. 18, § 3º, e 223 da Consolidação, observada também a regra do citado art. 66, § 2º; Miguel José dos Santos, Tristão Augusto dos Santos e Armando Augusto Ferreira nas referidas penas do art. 221, letra a, combinado com os arts. 21, § 3º, e 223, da dita Consolidação, consoante a regra do citado art. 66, § 2º.

Esta denúncia foi provocada pelo longo e rigoroso inquérito promovido por zelosa autoridade e nele foram juntas todas as peças elucidativas do fato delituoso.

Procedeu-se em seguida ao sumário de culpa, sendo qualificados os nove acusados, depondo as testemunhas Belmiro Alves da Cruz, Edgard Lopes da Silva, Cesar Perçu, Augusto de Oliveira, Fernando Rodrigues e Manoel Joaquim Leal. Ratificados e homologados os laudos, interrogados os acusados, juntaram estes às suas defesas, opinando o Sr. Dr. Procurador da República pela pronúncia nos termos da denúncia.

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Ministro Carlos Maximiliano

Pela longa sentença à fl. 327, foram os réus pronunciados na forma da denúncia, sentença que foi confirmada pela de fl. 344, menos na parte refe-rente aos indiciados Tristão Augusto dos Santos e Armando Augusto Ferreira. Justificando esta exclusão, assim se pronuncia a sentença recorrida: “atendendo a que, segundo depuseram as testemunhas, Belmiro Alves Cruz (fl. 255) e Edgard Lopes Silva (fl. 268) empregados da firma A. Ferreira, Santos & Cia., quem geria os negócios desta era o sócio Miguel José dos Santos, limitando-se os outros dois, Tristão Augusto dos Santos e Armando Augusto Ferreira, ao suprimento de dinheiro à firma (fls. 258 e 270), o que, de certa forma, é confir-mado por Miguel quando, no depoimento de fl. 21, declara que “na qualidade de gerente tinha poderes para comprar qualquer mercadoria e vendê-la, podendo para isso passar recibos”, e exclui a responsabilidade daqueles, no caso, com afirmar que, “tendo comunicado a compra desse café a seus patrões”, estes ver-beraram-lhe o procedimento, dizendo-lhe que “não mais fizesse compras dessa espécie” (fl. 21 v.). E conclui assim a sentença recorrida, referindo-se a essa cir-cunstância: “Não se dá cumplicidade criminal quando o concurso que a cons-titui não é prestado dolosamente, isto é, com ciência e consciência do crime.”

Apresentado pela Procuradoria da República à fl. 361 o libelo, referente ao réu David Apolônio, foi o mesmo recebido pelo despacho de fl. 362, contra-riado à fl. 364, juntando o dito réu David Apolônio os documentos de fls. 365 a 376, constantes de atestados de sua conduta como funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil. À fl. 387, a Procuradoria da República apresentou libelo contra os réus Luiz Gonzaga da Cunha, José Ovídio de Oliveira e Álvaro Bocks da Silva, libelo que foi contrariado à fl. 392 pelo réu Luiz Gonzaga da Cunha e à fl. 396 pelos réus Álvaro Bocks da Silva e José Ovídio de Oliveira, que junta-ram o documento de fl. 397. Expedido mandado de prisão contra Carlos da Silva Barreiros, e depois de interrogado, foi apresentado contra ele o libelo de fl. 424, que foi contrariado à fl. 428.

Depois de apresentadas as defesas de fls. 437 e 439, o Sr. Dr. Juiz Federal pronunciou a sentença de fl. 443, na qual concluiu julgando provados os libe-los de fls. 360, 387 e 424 e condenando os réus Luiz Gonzaga da Cunha, José Ovídio de Oliveira, Álvaro Bocks da Silva, David Apolinário e Carlos da Silva Barreiros a dois anos de prisão celular, perda do emprego com inabilitação para o exercício de qualquer função pública por oito anos e multa de 10% sobre o dano, grau mínimo do art. 221, letra a, da Consolidação das Leis Penais, como também ao pagamento da taxa penitenciária. Vou ler agora as razões em que se fundou (fl. 443) o Sr. Dr. Juiz para proferir essa decisão (lê).

Dessa sentença apelaram os réus Luiz Gonzaga da Cunha, Carlos da Silva Barreiros, Álvaro Bocks da Silva e José Ovídio de Oliveira, estes dois conjuntamente, e David Apolônio (termos a fls. 448, 451, 454 e 457). Os réus

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Memória Jurisprudencial

apresentaram as suas razões de apelação, sendo que o de nome 453 juntou os do-cumentos de fls. 461 a 465. O réu David Apolônio deixou de arrazoar o recurso (certidão à fl. 481).

Nesta instância superior, o Sr. Dr. Procurador-Geral, em seu parecer de fl. 482, disse o seguinte:

Os fatos criminosos em virtude dos quais foram condenados os Apelantes, ficaram cumpridamente provados, conforme demonstra a sentença condenató-ria, que tudo apreciou cuidadosamente, aplicando a pena legal. Uma verdadeira societas sceleris havia sido por eles organizada para o furto de sacas de café, entregues para transporte, a Estada de Ferro Central do Brasil, da qual eram em-pregados como guardas de armazém, sendo descobertos quando agiam franca-mente, convencidos de que, na função que desempenhavam, podiam como maus servidores do Estado, fraudar os cofres públicos. Limitam-se a negar o crime, a qualidade de funcionários públicos e a apreciar a abundante prova dos autos, sendo de notar que um deles, David Apolônio, deixou de arrazoar o recurso, não obstante intimado para isso, na pessoa de seu defensor (fl. 467). A confirmação da sentença se impõe.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Ataulpho de Paiva (Relator): Pelo hábil e rigoroso inqué-

rito policial procedido e pelas positivas e abundantes provas enfeixadas no su-mário de culpa, não resta a menor dúvida de que as sentenças apeladas merecem ser inteiramente confirmadas.

Provou-se perfeitamente que os réus apelantes, como guardas de ar-mazéns da Estrada de Ferro Central do Brasil, na Estação Marítima, Rua da Gamboa nesta Capital, concertaram com Antonio Ferreira, mais conhecido pelo vulgo de “Ribas”, o furto e venda de sacas de café em depósito nos ditos arma-zéns, mercadoria que seria, como foi, comprada pela firma A. Ferreira, Santos & Cia., estabelecida na Rua Barão do Bom Retiro, n. 7, onde foi previamente tratada a venda. Tal como descrevem a denúncia, o despacho de pronúncia e a sentença apelada, todo o plano criminoso foi eficientemente executado pela quadrilha adrede preparada para tal fim, de modo a não deixar a menor dúvida sobre a responsabilidade criminal dos acusados, tendo as decisões apeladas com razão dado os motivos pelos quais excluíram da condenação os indiciados Tristão Augusto dos Santos e Armando Augusto Ferreira, sócios componentes da firma compradora dos cafés.

Premidos pelo valor das provas concatenadas, mal se defendem os ape-lantes, fazendo crer que os cafés em questão constituíam simples varreduras que a ninguém pertencem, esquecendo-se de que são elas em todos os armazéns

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Ministro Carlos Maximiliano

públicos de café perfeitamente controlados e especificados, sendo, até, ou ven-didos, ou constituindo objeto de contratos especiais, e só por este meio são cedi-das mediante concessões recíprocas. Do mesmo modo inane ainda é a alegação dos apelantes quando pretendem que não se pode configurar o peculato (art. 221 do Código Penal), pois que, alegam, como guardas de armazém, não são consi-derados empregados públicos, esquecendo-se ainda que assim sempre foi essa classe tida e havida como de funcionários públicos, tanto que, quando eles pas-saram a denominar-se, por lei especial, a de número 507, de 21 de setembro de 1937, ajudantes de armazéns, bem acentuado ficou que serão de nomeação do Presidente da República, prestarão fiança própria, devendo ser apostilados os seus decretos ou títulos de nomeação.

O apelante David Apolônio não arrazoou o recurso.As alegações de defesa incluem como nulidades — preliminarmente — as

alegações que deixei registradas e reputadas no voto supra.Nego assim provimento às apelações.É o meu voto.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Os quatro apelantes foram denun-

ciados, porque, sendo guardas de armazém da Estrada de Ferro Central, com exercício nos Armazéns P-4, P-5, E-3 e P-3, à Rua da Gamboa, concertaram com Antonio Ferreira, também denunciado, o furto e venda de sacas de café em depósito nos armazéns aludidos. Luiz Gonzaga entregou a Ferreira nove sacas; Carlos Barreiros, um; Álvaro Bocas, dois; José Ovídio, três; e David Apolônio, quatro, mercadorias estas que Antonio Ferreira levou à casa co-mercial A. Ferreira, Santos & Cia., com a qual contratara a venda; também foram denunciados os donos daquele estabelecimento mercantil. O preço foi distribuído entre os funcionários e o vendedor. Luiz Gonzaga entregou, depois, mais seis sacas. Tudo foi avaliado por 2:267$420. Deu-se apreensão, lavrando-se o respectivo auto (fl. 8). Depuseram, confirmando o fato narrado na denúncia, o chofer do autocaminhão que levou o café e o recebeu nos ar-mazéns da Estrada (fl. 13), o ajudante do motorista referido (fl. 15); Antonio Ferreira, que declara ter agido a pedido de Gonzaga, representante, por sua vez, de outros colegas, mas ignorava ser furtado o café (fl. 18); Miguel, ge-rente de armazém, o qual disse haver comprado de Antonio de tal o café (fl. 25); Luiz Gonzaga (fl. 31), dizendo, entretanto, que vendera varreduras de café a um tal Ribas, que depois soube chamar-se Antonio Ferreira; Álvaro Bocks (fl. 41), que também se desculpa dizendo ter vendido sobras (varreduras); Manoel Leal (fl. 47), que declarou, na presença de Apolônio, ter recebido do

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Memória Jurisprudencial

mesmo quatro sacas de café (Manoel era ajudante do motorista do autocami-nhão); José Ovídio (fl. 51), também desculpando-se com haver vendido sobras ou varreduras; a testemunha Belmiro Cruz (fl. 50) afirma ter visto chegar o café à casa A. Ferreira, Santos & Cia., de que era empregado, levadas as sacas pelo motorista referido em nome de Ferreira, que dava o falso nome de Ribas; e viu este receber o preço; Manoel Leal, mostrando David Apolônio, declarou reconhecer neste o indivíduo que no Armazém P-3 lhe entregara quatro sacas de café (fl. 77); a testemunha Honório Camargo, guarda do Armazém P-5, soube dos companheiros que os denunciados Gonzaga, Apolônio, Barreiros, Oliveira e Bocks estavam envolvidos em furto de café da Estação (fl. 131). Denunciados judicialmente os indiciados, depuseram no Sumário as teste-munhas Belmiro Alves Cruz (fl. 255), Edgard Lopes (fl. 268), César Perçu (fl. 272), Augusto de Oliveira (fl. 280), Fernando Rodrigues (fl. 282), Manoel Leal (fl. 285). Relataram, de novo, a retirada das sacas dos armazéns, facultada pelos guardas acusados, e a venda à firma denunciada. A sentença à fl. 328 apreciou minuciosamente a prova e pronunciou os acusados. Foi confirmada (fl. 344), menos quanto a dois réus — Tristão Santos e Armando Ferreira, sócios da casa compradora do café. Afinal os cinco funcionários foram con-denados pela sentença de fl. 443 a 2 anos de prisão celular, perda do emprego com inabilitação para exercer outro, por 8 anos, e multa de 10% sobre o dano, grau mínimo do art. 221, letra a, da Consolidação das Leis Penais, conforme o libelo e o despacho de pronúncia. Provada, como se acha, a criminalidade dos cinco apelantes, assim como a qualidade de funcionários atribuída aos réus, nego provimento ao recurso e confirmo a sentença apelada.

VOTOO Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, tive ocasião de examinar

este processo porque se me emprestou a qualidade de 2º Revisor. Posteriormente, porém, verifiquei que, na conformidade das emendas ao nosso Regimento e nos termos do Decreto-Lei 6, de 16 de novembro último, não sendo o processo mais da competência da Justiça Federal, era desnecessária a inclusão de 2º Revisor, uma vez que já tinham os autos o visto do Relator e do 1º Revisor.

É de salientar, todavia, que a minha conclusão é a mesma a que chegaram os referidos Ministros Relator e 1º Revisor.

Realmente, a preliminar conducente à desclassificação do delito, que dei-xaria de ser peculato para constituir mero furto, parece-me sem nenhum apoio em doutrina, em lei e em jurisprudência.

Os cinco atuais apelantes respondem por atos criminosos que teriam praticado como guardas dos armazéns da Estrada de Ferro Central do Brasil,

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Ministro Carlos Maximiliano

departamento que é um dos serviços industriais da União, regido, em linhas gerais, pelo Decreto 20.560, de 23 de outubro de 1931.

Posto nesses termos o requisitório, como foi, afigura-se-me acertada a classificação do crime, correlata à então competência jurisdicional, eis que o seu cometimento atribuído aos funcionários indicados implicaria manifesto abuso de confiança, à sombra do cargo, lesivo dos interesses da entidade pública que, na conformidade de regulamentos vigentes, os investira na função de guardas ou depositários de coisas recolhidas aos armazéns da Estrada.

Abstenho-me de explanações acerca desse ponto de defesa, a fim de poupar o nosso precioso tempo de trabalho, visto como se trata de controvérsia antiga, enfrentada e há muito resolvida pelo Tribunal, em inúmeras espécies análogas.

Mérito. O desvio criminoso de dezenove sacas de café, retiradas dos lugares onde se encontravam em depósito, constitui fato positivamente verda-deiro. Foram elas descobertas e apreendidas, à Rua Barão do Bom Retiro, pela polícia, que as fez remover depois para os armazéns da mencionada Estrada.

A autoria do crime atribuída aos apelantes de agora também é coisa igualmente indubitável, diante da prova emergente, em conjunto, do inquérito policial, das peças do processo administrativo aberto na Central do Brasil e dos elementos de informação e certeza, colhidos na fase judicial.

A sentença apelada, a meu ver, apreciou o caso com minúcia e acerto, pelo que o meu voto é no sentido de confirmá-la.

VOTOO Sr. Ministro Armando de Alencar: Senhor Presidente, os réus tinham

sob sua guarda, em razão de função pública, bens sobre os quais pesava a res-ponsabilidade do Estado. É o bastante para caracterizar o peculato.

Nessas condições, nego provimento à apelação e confirmo a sentença apelada.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: negaram provimento às ape-

lações, por unanimidade de votos.

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Memória Jurisprudencial

APELAÇÃO CíVEL 6.349 — PE

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível, em que é

apelante a Prefeitura Municipal de Recife, assistente a União Federal, e são apelados Lucio de Almeida Amazonas e sua mulher: acordam, em turma julga-dora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal negar provimento à apelação e confirmar a sentença apelada, pelas razões constantes das notas taquigráficas.

Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1937 — Eduardo Espinola, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Lucio de Almeida Amazonas e sua

mulher pretenderam obter por aforamento terrenos de marinha, na cidade do Recife. Ressalvado um trecho pela Prefeitura Municipal julgado necessário para a cidade, foi feita a concessão pela Delegacia Fiscal. Mais tarde, a Prefeitura de-liberou ajardinar uma praça abrangendo parte dos terrenos concedidos aos enfi-teutas e mandou proceder a roçados; pelo que os foreiros impetraram mandado de manutenção de posse. Feita justificação dos fatos alegados, o Juiz Federal concedeu o mandado. A Prefeitura desatendeu; pelo que os manutenidos entra-ram com artigos de atentado, os quais foram julgados provados. No curso da ação de manutenção, os autores ofereceram provas, quer documentais, quer tes-temunhais. A União, citada como interessada, concordou com o pedido. A sen-tença de fl. 44 julgou procedente, em parte, a ação para condenar a ré a abster-se dos atos que perturbem os autores na posse dos lotes referidos, menos quanto à parte ocupada pela Travessa do Benfica, com a largura que tinha, indicada pela posição dos combustores de iluminação e da ponte sobre a camboa, cominada a pena de 10:000$000 para cada nova turbação cometida.

Apelou só a Prefeitura, tendo na segunda instância falado o Exmo. Sr. Ministro Procurador-Geral, acentuando não constar a concessão de marinhas, feita pela União à Prefeitura; quanto ao mérito, nada opunha (fl. 183).

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Os autores provaram, com

documentos, os fatos referentes à obtenção da enfiteuse; e com testemunhos, sobretudo a fls. 19, 23, 25, 27, 52v. a 53, e 55v., a sua posse mansa e pacífica, de boa-fé e com justo título, sobre o terreno questionado, com exceção da parte res-salvada na sentença, e provaram, até mesmo com o testemunho dos engenheiros e funcionários da Prefeitura, a turbação alegada. Revela, ainda, notar que, se os

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Ministro Carlos Maximiliano

terrenos não fossem, quanto ao domínio útil, pertencentes aos autores, sê-lo-iam à União, por serem de marinha. Confirmo, pois, a sentença apelada; por-quanto a Prefeitura, se pretendia abrir logradouros públicos, devia desapropriar, antes, o terreno necessário; não lhe cabia entrar nele à força, mormente quando é certo caber à União o domínio direto assim como a prerrogativa de facultar, a qualquer entidade, inclusive à Municipalidade, o domínio útil.

DECISãONegou-se provimento à apelação, unanimemente.

APELAÇÃO CíVEL 6.705 — DF

Desde que um depósito em pagamento é apenas contestado por simples negação, deve julgar-se subsistente, para os fins de direito.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível, em que é

apelante, ex officio, o Juiz Federal da 3ª Vara e apelado o Dr. José de Souza Monteiro: Conforme o relatório, que faz parte integrante desta decisão, o ape-lado, não se conformando com a resolução da Diretoria do Domínio da União, que exigiu pagamento de laudêmio em soma calculada sobre quantia superior ao preço da venda de terreno foreiro, requereu o depósito em pagamento. À Fazenda Nacional incumbia oferecer embargos, articulando uma, pelo menos, das seguintes circunstâncias: a) não ter havido recusa de sua parte; b) ter sido feito o depósito fora do tempo e lugar do pagamento; c) não ser o depósito in-tegral. Nada disso foi alegado; nem se interpôs embargo algum; houve mera contestação por negação, seguida de um lacônico F. J. Por isso, foi acertada-mente validado o depósito, para valer como pagamento; pela mesma razão, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal em negar provimento à apelação ex officio.

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O Dr. José de Souza Monteiro, na

qualidade de proprietário de um terreno foreiro à Fazenda Nacional, sito na freguesia da Lagoa, nesta Capital, contratou, em 1933, a venda do respectivo domínio útil, pela quantia de 25:000$000, e requereu à Diretoria do Domínio

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Memória Jurisprudencial

da União a necessária licença para a transferência pactuada, pagando ele laudê-mio de 5%; porém a permissão não foi concedida, sob o fundamento de haver o engenheiro daquela repartição avaliado em 37:000$000 o imóvel referido e dever, conseqüentemente, basear-se nessa soma a fixação do laudêmio. Por isso, o Dr. Monteiro requereu o depósito do laudêmio de 1:250$000 (5% sobre 25:000$000), 30$200, de selo do Alvará, e 3$200, de selo do Termo; ao todo, 1:283$400, intimado o representante da Fazenda Nacional. Apregoado em audi-ência, o Procurador da República apenas contestou por negação. Em despacho, de fl. 14v., o Juiz Federal Dr. Cunha Mello objetou que a espécie comportava embargos e comum dos fundamentos previstos pela Consolidação das Leis da Justiça Federal, parte 3ª, título II, art. 149; entretanto, o representante da cre-dora, alegando falta de informações solicitadas, limitou-se à simples contesta-ção incolor, por negação geral; por isso, o digno magistrado concluiu mandando selar os autos, para os fins de direito.

Afinal, o Juiz Substituto, pelas mesmas razões já aduzidas pelo Sec-cional, julgou subsistente o depósito, para valer como pagamento (fl. 33), por-quanto, voltando os autos com vista ao Procurador, este, à fl. 30v., se limitou a apor F. J.

À fl. 42, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral declarou:

Nada a acrescentar ao pronunciamento de fls.

Intimado, antes, para arrazoar (fl. 41), o Dr. Monteiro assim procedeu à fl. 39v.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: É de se manter a decisão recorrida por seus

próprios fundamentos, uma vez que a Fazenda Nacional não apresentou embar-gos ao depósito feito em pagamento, apenas o contestou por negação geral, de modo a não relevar a obrigação que tinha de receber o quantum pelo laudêmio do domínio útil do terreno foreiro pertencente à mesma Fazenda.

Nego provimento ao recurso ex officio.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: negaram provimento ao re-

curso ex officio. Unanimemente.Impedido o Ministro Cunha Mello.

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Ministro Carlos Maximiliano

APELAÇÃO CíVEL 6.829 — SP

Sendo brasileiro o marido e alemã a consorte, regula-se pelo direito brasileiro o desquite do casal.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de desquite, em grau de ape-

lação, em que é apelante ex officio o Juiz Federal e são apelados Henrique Montmann Moraes e Clara Lotte Friederiks Moraes: acordam, em turma julga-dora, os Ministros do Supremo Tribunal Federal negar provimento à apelação, pelas razões constantes das notas taquigráficas.

Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1937 — Eduardo Espinola, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Henrique Montmann Moraes, brasi-

leiro, nascido na cidade de São Paulo, e Clara Lotte Friedericks Moraes, nascida em Hamburgo e filha de alemães, requereram desquite amigável a um juiz de di-reito; este achou competente a Justiça Federal, por ser de nacionalidade alemã um dos cônjuges, e remeteu os autos ao Juiz Federal que processou e julgou o desquite.

O direito alemão manda aplicar, na espécie, a legislação do marido, isto é, a brasileira.

Com efeito, a Lei (alemã), sobre a Aquisição e a Perda da Nacionalidade do Império e da Nacionalidade de Estado, preceitua:

Art. 1º A nacionalidade do Império (reichsangehoerigkeit) pertence a todo aquele que possui a nacionalidade de Estado — (staatsangehoerigkeit) em um Estado confederado.

(...)Art. 13. A nacionalidade de Estado se perde: 5º — por parte de uma

alemã, em conseqüência do seu casamento com o súdito de outro Estado federal ou com um estrangeiro.

Logo, a alemã que desposou um estrangeiro perdeu automaticamente a nacionalidade de seu Estado Federal (Hamburgo) e, em conseqüência, a nacio-nalidade do país, isto é, a nacionalidade alemã.

Não negamos, entretanto, que esta só explicação não resolve a dúvida. A Lei de Introdução ao Código Civil, nos arts. 13 a 23, manda aplicar, até mesmo na Alemanha, a lei nacional do marido, para regular as relações entre os cônju-ges, os direitos e deveres recíprocos e o divórcio, desde que não tenham os dois a mesma nacionalidade do momento da celebração do matrimônio.

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Memória Jurisprudencial

Comentando a lei referida, doutrina um catedrático da Universidade de Hamburgo, Leo raape (staudingers Kommentar Zum buergerlichen Gesetzbuch, vol. VI, 2ª Parte, p. 275):

Em regra, os esposos têm a mesma nacionalidade e, conseqüentemente, o mesmo estatuto pessoal; portanto, a noiva, quando pertence a Estado diferente do do noivo, segundo o direito da maior parte dos Estados, e especialmente conforme o alemão, adquire, pelo casamento, a nacionalidade do marido. Há, entretanto, exceções, por exemplo, quando uma alemã desposa um brasileiro; porquanto, segundo o direito daquele estrangeiro, o matrimônio não constitui motivo para aquisição de nacionalidade.

In der regel haben de ehegatten die gleiche staatsandehoerigkeit und damit das gleiche personalsstatut, da die braut, wenn sie einem anderen staat angehoert als der braeutigam, nach den meisten rechten, insbesondere auch nach dem deutschen, durch die eheschiessung die staatsangehoeringkeit ihres Mannes erwirbt. es gibt aber ausnahmefaelle, sum beispiel, wenn eine Deit-sche einen brasilianer heirater, denn nach dem recht disser auslaender ist die Heirat kein Grund fuer de erwerb der staatsangerhoerigkeit.

Pondo em concordância a lei brasileira com a alemã, resulta ser apátrida a esposa; logo, é de aplicar a ela o direito do lugar do seu domicílio, isto é, a lei brasileira (Código Civil, Introdução, art. 9º, I).

Em suma, prevalece, no caso vertente, em relação a um e ao outro con-sorte o direito brasileiro, e este admite o desquite amigável, portanto bem deci-diu a sentença apelada. Eu a confirmo, negando provimento à apelação.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: negaram provimento à ape-

lação unanimemente.

EMBARGOS NA APELAÇÃO CíVEL 6.833 — DF

Não se consideram relevantes os embargos não instruídos com provas novas e nos quais só se reproduzem argumentos já expendidos e apreciados na ação e na apelação.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos cíveis, em que é

embargante a União Federal e embargado o Tenente-Coronel Manoel Meira de Vasconcelos: o embargado obteve vitória, em primeira e segunda instância,

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Ministro Carlos Maximiliano

quando pretendeu anular a sua reforma compulsória. A leitura dos votos trans-critos a fls. 75 e 82, proferidos no julgamento da apelação, esclarece o litígio e os fundamentos das decisões judiciárias. O último acórdão confirmou a sentença de primeira instância, porém não por unanimidade; embargou-o o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral (fl. 87). O art. 6º do Decreto-Lei 6, de 16 de novembro de 1937, e o art. 2º, II, b, da resolução regimental de 22 de dezembro de 1937, exi-gem, na hipótese em apreço, a declaração prévia da relevância dos embargos, para serem os mesmos discutidos e apreciados no seu mérito; por isso, foram os autos mandados à mesa do Relator do feito. Em primeira instância, a defesa da União baseou-se em ter o autor declarado idade superior à própria, a fim de bur-lar a lei concernente aos requisitos para sentar praças e entrar na Escola Militar, e — nemo de improbitate sua cosequitur actionem (razões de Procurador da República a fls. 33-34). Na apelação, apareceram os mesmos argumentos e até o mesmo brocardo (fl. 54). Absolutamente no mesmo sentido se articularam os embargos, ut fls. 87-88), figurando neles uma simples variante do apótema anteriormente enunciado, a seguinte — ex malitia nemo commodum habere debet. Não aparece, pois, nenhum argumento novo, nem se juntam novas pro-vas, portanto os embargos não podem considerar-se relevantes; por este motivo, acordam, em Tribunal Pleno, os Ministros do Supremo Tribunal Federal em os rejeitar in limine.

Rio de Janeiro, 5 de outubro de 1938 — Bento de Faria, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

VOTOO Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, recebo os embargos.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: foram rejeitados os embar-

gos, in limine, por não serem relevantes contra o voto do Ministro Cunha Mello.

APELAÇÃO CíVEL 7.558 — DF

As Juntas de Conciliação constituem instância única para os julgamentos que proferirem. A faculdade concedida ao Ministro do Trabalho de avocar processo está subordinada à prova de ter havido flagrante parcialidade dos julgados ou violação expressa de direito. A sentença que assim decidiu deve ser confirmada.

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Memória Jurisprudencial

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de ACi 7.558, do Distrito

Federal, em que é recorrente ex officio o Juiz dos Feitos da Fazenda (1ª Vara), apelante a União Federal e apelada a Companhia Fiação e Tecidos Corcovado. Acordam, por unanimidade de votos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão de segunda turma julgadora, negar provimento à apelação para confirmar a decisão recorrida, pelos fundamentos dos votos constantes das notas taquigráficas juntas a fls. Custas ex lege.

Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 1941 — José Linhares, Presidente e Relator.

RELATóRIOO Sr. Ministro José Linhares: A Companhia Fiação e Tecidos Corcovado

propôs contra a União Federal uma ação sumária especial, fundada no art. 13 da Lei 221, de 20 de novembro de 1894, com o objetivo de promover a anulação do ato do Sr. Ministro do Trabalho, que, tomando conhecimento do recurso de avocatória, interposto por Carlos Gomes, mandou reintegrá-lo no emprego.

A espécie está minuciosamente descrita na sentença de fl. 164, e a ela me reporto. Houve, além do recurso necessário, apelação por parte da União.

As partes arrazoaram na instância inferior. Carlos Gomes pediu e foi ad-mitido como assistente, em vista do que dispõe o art. 93 do Código de Processo Civil.

O ilustre Dr. Procurador-Geral da República opinou no parecer à fl. 194 v. pelo provimento do recurso ex officio e da apelação, por entender que o ato do Ministro do Trabalho é insuscetível de apreciação judicial, desde que foi profe-rido em grau de recurso interposto de uma decisão de 1º Junta de Conciliação de Trabalho.

É o relatório, que sujeito à revisão do Exmo. Sr. Ministro Bento de Faria.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares (Relator): A sentença apelada está bem fun-

damentada e, a meu ver, não merece reforma.A avocatória, como recurso para o Ministro do Trabalho, só poderia a

dar nos termos estritos do art. 29 do Decreto 22.132, de 1932, por isso que as decisões das Juntas são definitivas. Desde que houve provimento do recurso sem que se verificasse qualquer das hipóteses em que excepcionalmente pode haver recurso, é todo evidência que não se justificaria a reforma da decisão da

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Ministro Carlos Maximiliano

Junta — que já havia aprovado a dispensa do emprego de Carlos Gomes, por abandono do mesmo e mais tentativa de extorsão. Verdade é que a queixa por esse crime não foi aceita na Justiça local, mas a despedida se justifica em face do que dispõe o art. 5º, letra q, da Lei 62, de 5 de junho de 1935.

Assim, não vejo como se possa reformar a decisão apelada, que é jurídica e conforme a prova dos autos.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Em controvérsia administrativa en-

tre a Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado e o seu ex-empregado carlos Gomes, a Junta de Conciliação deu razão à empregadora; interveio o Exmo. Sr. Ministro do Trabalho em prol do trabalhador; tentou a companhia, por meio de ação sumária especial, anular a decisão ministerial; venceu em primeira instân-cia. O Decreto 22.132, de 25 de novembro de 1932, determina:

Art. 18. As Juntas constituirão instância única para os julgamentos que proferirem, os quais só poderão ser discutidos nos embargos à sua execução.

Art. 29. É facultado ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio avo-car qualquer processo em que haja decisão proferida há menos de seis meses pela Juntas de Conciliação e Julgamento e na forma indicada no presente de-creto, a requerimento da parte e provando esta ter havido flagrante parcialidade dos julgadores ou violação expressa de direito.

A regra, portanto, é morrer o caso na Junta, quanto à parte administra-tiva; a exceção — o avocar o processo em duas hipóteses únicas; na dúvida, portanto, se decide contra a possibilidade e legalidade da avocação e, conse-qüentemente, do veredictum ministerial. Encontra-se, à fl. 81 dos autos apensos, a sentença da Junta, muito bem fundamentada, aceitando argumentos de uma e de outra parte, repelindo alegações de defesa e concluindo pela falta de razão do escriturário reclamante. No pedido da avocatória, à fl. 110 dos autos apensos, Carlos Gomes se limita a discutir a prova; não faz a menor alusão a parciali-dade da junta, nem mostra onde se encontra violação expressa de direito.

É de notar que, na informação à fl. 122 dos autos apensos, um funcionário mostra ser última, em virtude do art. 1º do Decreto-Lei 39, de 3 de dezembro de 1937, a decisão da Junta. O julgado ministerial (fl. 129) não é fundamentado; limita-se a aceitar as conclusões do Conselho Nacional do Trabalho, que está à fl. 126 dos autos apensos; este se restringe ao exame da prova; não fala em parcialidade, nem em direito expresso que tenha sido violado pela Junta; logo, não cabia a intervenção ministerial. Por outro lado, não procede a alegação do Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral, que nega aos brasileiros o direito de ir aos tri-bunais pleitear a reforma dos atos oficiais que os prejudiquem, sobretudo, como no caso em apreço, em que se trata de uma hipótese em que até a competência

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Memória Jurisprudencial

da autoridade administrativa é posta em séria dúvida. A sentença, de fl. 163, deve, pelos motivos expostos, ser mantida; por isso, eu nego provimento à ape-lação e ao recurso ex officio.

VOTOO Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, a questão é puramente

de direito. O objeto da ação intentada — cogita-se de ação sumária especial — é, exatamente, anular ato administrativo, por contrário à lei.

Pergunta-se: existe ou não prova de haver tal ato ferido a lei? Parece que foi feita a prova. O ato que se pretende anular é, exatamente, aquele em que o Ministro do Trabalho se arrogou o poder de avocar processo julgado por uma Junta de Conciliação na época em que esta era a instância única.

Em conseqüência, essa avocatória que podia fazer o Ministro do Trabalho, excepcionalmente, era algo semelhante ao nosso recurso extraordinário, que só tem lugar em casos especialíssimos. A lei só facultou a avocatória ao Ministro do Trabalho quando os membros da Junta fossem parciais no julgamento, par-cialidade que determinava a anulação do julgado, ou quando se ferisse o direito em tese, neste ponto está a afinidade com o recurso extraordinário.

Ora, não se alega, conforme esclarece o Sr. Ministro Relator, que esses juízes fossem parciais, tivessem agido por amor ou ódio; por outro lado, não se aponta qual o direito em tese que teria sido violado pela decisão da Junta.

Nessas condições, dado não ter sido ferido direito expresso nem se haver provado parcialidade dos juízes, o Ministro do Trabalho não podia avocar o processo e, conseqüentemente, seu ato é nulo.

Confirmo, pois, a sentença.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: negaram provimento ao re-

curso ex officio e à apelação. Unanimemente.

CARTA TESTEMUNHáVEL 8.062 — PE

Quando se viola apenas o direito em espécie, não cabe re-curso extraordinário, por se haver decidido como inexistente um texto de lei. A jurisprudência do Supremo Tribunal leva a exigir prova documental dos acórdãos divergentes do recorrido.

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Ministro Carlos Maximiliano

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de carta testemunhável, em que

é suplicante o Dr. Eugenio César Santoianni e suplicado o Tribunal de Apelação de Pernambuco: Bernardino Soares Filho contratou com o Dr. Eugênio César Santoianni a venda de madeiras das matas pertencentes ao engenho do vende-dor. Entretanto, embora de início o escrito privado tivesse o título — contrato particular de Venda de Madeiras das matas pertencentes ao engenho riachão do Norte, incluía, também, a obrigação, para o vendedor, de construir, no engenho mencionado, seis casas apropriadas para operários e permitir que o comprador construísse outras mais (fl. 89) e plantasse forragens nas terras do engenho, para alimentar os bois e eqüinos destinados ao trabalho da serraria ali montada pelo comprador com o assentimento do vendedor. Do não-inadimplemento do pactu-ado, resultou ação por parte do comprador. A Justiça de Pernambuco decidiu tra-tar-se, na hipótese, de contrato concernente a imóvel de valor superior a um conto de réis; por isso, julgou o autor sem base para reclamar o cumprimento das res-pectivas cláusulas. O vencido tentou o recurso extraordinário, baseado no art. 76, 2, inciso III, letras a e d, da Constituição de 1934, disposições essas mantidas pelo código supremo de 1938. O despacho, de fl. 6, indeferiu o pedido, por se tratar de matéria de fato, não de tese de direito; pelo que foi pedida carta testemunhável.

Alega o suplicante haver o Tribunal sustentado que a venda de árvores para serem cortadas constituía contrato referente a imóveis, quando o caso é de móveis somente; portanto não foi aplicado o art. 134 do Código Civil e o inter-pretaram em divergência com outros tribunais.

O despacho de fl. 6 dá como se tratando, apenas, de matéria de fato. O acórdão, de fl. 91, mantido pelo de fl. 91v., afirmou aplicar-se à espécie

o art. 45 do Código Civil; baseado no texto referido, concluiu serem considera-das imóveis as árvores aderentes ao solo; a respeito, invoca o parecer de clóvis beviláqua. Parece que houve engano na referência: a hipótese seria do art. 43, I. O testemunhante cita autoridade, para convencer de que as árvores compradas em separado e para serem cortadas devem considerar-se móveis. A questão, pois, é de interpretação de dois artigos do mesmo repositório de normas positivas. Não se decidiu, pois, contra a letra de disposição nenhuma: não cabe o recurso com fundamento na legra a, citada. O próprio suplicante, na petição do recurso, declarou, apenas, que — “se fez errônea aplicação do disposto no art. 134: ora, aplicar erroneamente não é o mesmo que deixar de aplicar, agir contra a letra expressa. Na verdade, o art. 134 não diz serem móveis as árvores aderentes ao solo; não repele o deduzido do art. 43. Quanto ao outro fundamento, também não procede, pela razão seguinte: o testemunhante não transcreve, sequer, um acórdão divergente do recorrido; nem ao menos cita uma revista que o insira na íntegra; limita-se a aludir a resumos da essência de julgados (fl. 23). O Relator

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Memória Jurisprudencial

deste acórdão costuma contentar-se com a invocação de fonte científica auto-rizada, onde se encontre o aresto na íntegra, a fim de ser confrontado com a sentença recorrida; porém o Supremo Tribunal exige mais — certidão do acór-dão divergente; portanto, nem se atendeu ao reclamado pela jurisprudência do pretório excelso, nem, ao menos, se forneceu o mínimo tolerado pelo Relator. Por esses motivos expostos, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal julgar improcedente a carta testemunhável.

Rio de Janeiro, 24 de maio de 1938 — Eduardo Espinola, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

CARTA TESTEMUNHáVEL 8.152 — CE

Causa entre particulares não se afora no juízo privativo da União, ainda que esta haja sido citada também inicialmente.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de carta testemunhável, em que é

suplicante João Brasiliense e são suplicados Maria Severiano Freire e outros: os suplicados propuseram ação de obra nova contra o suplicante, por estar este fa-zendo um açude em terras indivisas, possuídas em comum pelo suplicante e supli-cados, com prejuízo destes, cujas terras foram inundadas pelas águas do referido açude. A sentença, baseando-se no art. 414 do Código do Processo estadual, que autoriza a ação ao condômino desde que a construção acarrete prejuízo à coisa co-mum ou sua alteração, e no art. 5º do Código Civil, julgou procedente ação (fl. 3).

Foi confirmada, unanimemente, pelo acórdão de fl. 5. Em embargos, arti-culou o réu incompetência de foro, por ser a União interessada e, portanto, dever a causa ser processada pela Justiça Federal, e falta de prejuízo para os autores, decorrente da construção do açude; foram os embargos rejeitados, por unani-midade (fl. 12). Houve ainda embargos de declaração, achando o Tribunal claras as decisões embargadas (fl. 13v.). O vencido interpôs um recurso extraordinário, fundado no art. 101, inciso III, letra a, da Constituição e no Decreto 3.048, de 5 de novembro de 1898, Parte III, arts. 744 a 747 c/c o art. 13, II, letra a. O despacho, de fl. 15, repeliu o recurso; daí a carta testemunhável. Baseou-se o suplicante em que a ação se fundara em prejuízo causado aos autores pelas autoridades da União que autorizaram a construção do açude, e causa oriunda de algum dano a particular, em virtude de ato de funcionário federal, se processa no juízo federal; porém o construtor do açude não agia como funcionário, embora fosse telegrafista, e sim

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Ministro Carlos Maximiliano

como condômino do imóvel; a União não fora autora, ré, assistente ou opoente; não se decidiu, pois, contra a letra do Decreto 3.084; ao contrário, foi bem ajui-zada a causa no foro local. Por isso, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal julgar improcedente a carta testemunhável.

Rio de Janeiro, 28 de julho de 1938— Eduardo Espinola, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

CARTA TESTEMUNHáVEL 8.552 — SP

Não serve de fundamento de recurso extraordinário questão não ventilada no foro local.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de carta testemunhável, em que

é testemunhante Vasco Marchi e testemunhado olivio Nicoli: este contratou, por escritura particular, com Benedito Pace financiar, no exterior, o patenteamento de uma solda para alumínio, denominada “Solda Pace”, de que Benedito se dizia inventor, percebendo o capitalista uma comissão de 20%, quer da exploração do produto no estrangeiro, quer da venda da patente. Nicoli cedeu o seu direito a Vasco Marchi, que obteve a escritura de transferência do contrato, mediante o pagamento de 12:5000$000 ao cedente, em doze prestações mensais, vencível a primeira em abril de 1935 e sendo a última de 1:500$000. Estipularam tam-bém a multa de 12:500$000, pela falta de pagamento de qualquer das prestações na época fixada. O cessionário pagou ao cedente 3:000$000, correspondentes às três primeiras prestações, antes, porém, de se vencer a quarta, ele fez saber mediante carta ao cedente que deixaria de cumprir o pactuado, em virtude da recusa do patenteamento que sofrera no Japão, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, pelo fato de não existir novidade no pretendido invento. Por isso, Nicoli acionou Marchi, a fim de o obrigar a satisfazer as prestações restantes, no total de 9:500$000 e mais a multa de 9:500$000, devidamente reduzida. O réu con-testou o pedido e entrou com reconvenção, no sentido de reaver as prestações pagas, perdas e danos, juros e honorários do advogado. A sentença, de fl. 12, julgou procedente a ação e improcedente a reconvenção; foi confirmada pelo acórdão de fl. 25, em grau de agravo. Marchi interpôs recurso extraordinário dentro do prazo legal, baseado no art. 76, 2, inciso III, letra a, da Constituição de 1934. Foi indeferida a petição do recurso, por não ser caso dele; o vencido tirou carta testemunhável. À fl. 34, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou

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Memória Jurisprudencial

pelo seu provimento. Quer na contestação, de fl. 4, quer na reconvenção, de fl. 6, o réu se limitou a declarar-se ludibriado pelo autor; nada argüiu a respeito da Lei de Usura; por isso, as sentenças de primeira e segunda instância nada expuseram sobre semelhante assunto. Nem tampouco nas razões de fl. 7v., nem na minuta do agravo, à fl. 17, houve alusão a semelhante norma. Só em petição de recurso extraordinário se fala em multa contratual superior à permitida pela Lei de Usura e se adianta ter isso sido alegado na defesa, o que duas vezes o Relator procurou verificar e não encontrou. Ora, em recurso extraordinário, serve de fundamento somente questão ventilada no foro local, e isso não ocor-reu no tocante à multa contratual; o réu limitou-se a argumentar que o contrato constituiu em verdadeira burla contra ele urdida. Por outro lado, as sentenças não decidiram contra a letra de lei alguma; acharam que o Sr. Marchi sabia das condições precárias do negócio e fizeram longa digressão científica a respeito dos textos positivos sobre contrato aleatório; procuraram, pois, com o maior cuidado, interpretar a lei; jamais a desprezaram de frente. Pelas razões expostas, acordam, em turma julgadora, os Ministros do Supremo Tribunal julgar impro-cedente a carta testemunhável.

Rio de Janeiro, 18 de julho de 1939 — Eduardo Espinola, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

AGRAVO DE PETIÇÃO 8.811 — SP

Certidão de dívida fiscal pode ser ilidida por prova plena em contrário.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de agravo, em que é agravante a

Fazenda Nacional, e agravado benedito rodrigues Moreira: Este foi executado para pagar a multa de 200$000, penalidade mínima estabelecida pelo art. 30, § 4º, letra d, do Decreto 22.061, de 9 de novembro de 1932, por manter em sua fazenda agrícola um armazém sem o livro competente sobre vendas mercantis. A sentença, de fl. 90, julgou procedentes os embargos do executado, que alegara não ser comerciante e só fornecer aos seus colonos gêneros produzidos na pró-pria fazenda. Houve agravo e faltou o recurso necessário. À fl. 113v., o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma da decisão recorrida. O executado juntou prova documental de nunca ter sido lotado como negociante (fls. 25 e 70). A Fazenda Nacional contesta, à fl. 28, os embargos, articulando tratar-se apenas

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Ministro Carlos Maximiliano

de questão de fato; o fazendeiro vendia, além dos artigos produzidos em sua fazenda — feijão, farinha, toucinho —, também aguardente, fumo, fósforos, sal e açúcar. O processo administrativo proveio de denúncia de um ex-capataz despedido pelo réu (denúncia à fl. 36). Testemunhas afirmaram terem sido os artigos não produzidos na fazenda vendidos diretamente por negociantes aos colonos, de sorte que os encontrados na despensa do executado se destinavam ao consumo de sua família (fls. 74-76). O Conselho dos Contribuintes manteve a multa (fl. 47). A Fazenda limitou-se ao auto de infração; só o executado pro-duziu prova, e toda ela lhe foi favorável, sendo de notar a origem espúria, sus-peitíssima da denúncia. Por isso, acorda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao agravo.

Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 1939 — Eduardo Espinola, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: negaram provimento ao

agravo por unanimidade de votos.

AGRAVO 8.841 — RN

O Ministério Público Federal, representado nos Estados pe-los procuradores da República, é competente para cobrar toda e qualquer dívida ativa da União.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso ex officio, em que

é recorrente o Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Natal, Estado do Rio Grande do Norte, e são recorridos M. Martins & cia.: Estes foram executados para o pagamento de 714$400, de taxa de ocupação de terrenos de marinha nos exercícios de 1921 a 1939, e 142$900, de multa. Defenderam-se, com alegar nulidade do processo, por haver sido iniciado pelo Procurador da República, quando deveria sê-lo pelo procurador junto à Delegacia Fiscal e ao Serviço Regional do Domínio da União. A sentença, de fl. 9v., acolheu a alegação de nulidade; houve só o recurso necessário. À fl. 15, o Exmo. Sr. Dr. Procurador-Geral opinou pela reforma do veredictum. Basearam-se a defesa e a sentença no art. 13, letras d e f, do Decreto 3.102, de 23 de setembro de 1938, e no art. 15, letra d, do regulamento que baixou o Decreto 3.777, de 2 de março deste ano de

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Memória Jurisprudencial

1939. As atribuições do Ministério Público Federal foram fixadas por disposi-ções especiais, do Decreto-Lei 986, de 27 de dezembro 1938, aliás, posterior ao invocado Decreto 3.102, de 23 de setembro do mesmo ano; simples regulamento não derroga, nem ab-roga decreto-lei; a Lei Orgânica do Ministério Público ao mesmo atribui o poder de representar a União em juízo e, conseqüentemente, o de cobrar a dívida ativa. Determina o Decreto-Lei 986:

Art. 9º São atribuições dos procuradores regionais:I — propor quaisquer ações e requerer as diligências que se tornarem ne-

cessárias à defesa dos interesses da União e seguir-lhes os termos na forma da lei.(...)Art. 11. São atribuições dos procuradores adjuntos:(...)II — promover o andamento das ações para a cobrança da dívida ativa

da união.

Nos Estados, não há procurador adjunto; as funções deste são exercidas pelo procurador da República, e, nas Comarcas, pelos promotores públicos. Im-procede, pois, a nulidade apontada; pelo que a Segunda Turma do Supremo Tri-bunal Federal acorda em dar provimento ao recurso ex officio, para julgar válido o processo e determinar que o Dr. Juiz a quo se pronuncie sobre o mérito da causa.

Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1940 — Eduardo Espinola, Presidente — Carlos Maximiliano — Relator.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: deram provimento ao re-

curso ex-officio, unanimemente, para julgar válido o processo e mandar que o Juiz se pronuncie sobre o mérito.

EMBARGOS NO AGRAVO 8.969 — SP

Na dúvida sobre classificação alfandegária de mercadoria, deve decidir-se pela feita em primeiro lugar e favorável ao contribuinte.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de embargos, em que é em-

bargante a Fazenda Nacional e embargada a sociedade anônima Indústrias reunidas Matarazzo: a Fazenda Nacional executou a embargada para o paga-mento de 537:558$400, correspondentes a diferença de direitos de importação,

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Ministro Carlos Maximiliano

10% adicionais, e multa administrativa. Submetidos a despacho 5.997.210 qui-los de óleo combustível, foram classificados como diesel oil, sujeito ao imposto de 38$200 por tonelada; pago o tributo, a Alfândega de Santos considerou aquela mercadoria omissa na pauta aduaneira, e, por isto, devendo pagar direi-tos ad valorem, à razão de 40%, tarifa geral, e 33%, tarifa mínima; resultou, daí, a exigência a mais, assinalada acima, em vez de 229:213$400, pagos.

A sentença de primeira instância à fl. 262 repeliu os embargos da execu-tada; foi reformada pelo acórdão de fls. 204-208; pelo que a Fazenda Nacional opôs embargos à última decisão.

O assunto não é novo; tem sido muito debatido; e ainda a propósito do caso em apreço, ficaram de um lado o Inspetor da Alfândega de Santos e o Ministro da Fazenda; de outro, a Comissão de Tarifas da Alfândega do Rio de Janeiro e o Conselho Superior de Tarifa.

O Laboratório Nacional de Análises, à fl. 39, concluiu não se tratar de óleo para motores de explosão (diesel oil), nem para fabricação de gás pintsch (gas oil), porém de um óleo de petróleo não classificado. Apoiada neste laudo, a Comissão de Tarifas da Alfândega de Santos, fl. 46, opinou tratar-se de óleo não classificado, e, como tal, sujeito à tarifa mínima de 33%. À fl. 67 o Conselho Superior de Tarifa observou que se não procedeu às diligências por ele próprio aceitas e pedidas pelo contribuinte, a fim de se ouvirem, sobre o assunto da classificação disputada, os Laboratórios da Central do Brasil e do Ministério da Marinha; porém, no intervalo, foi julgado pelo Conselho caso idêntico, de The calotic company; ele dava provimento ao recurso interposto pela contribuinte, porque a curva de destilação do óleo examinado se aproxima bastante da curva do diesel oil, sendo, por isto, improcedente a acusação de se tratar de querosene impuro. Como o diesel oil consta da pauta alfandegária, não se pode considerar o produto em litígio como artigo não classificado. O Sr. Ministro reformou esta decisão, sem fundamentar o seu veredictum (fl. 69). Persiste, pois, a contro-vérsia; pelo que se deve decidir em prol do contribuinte, cuja má-fé não foi se-quer alegada. Assim, aliás, já tem decidido o pretório excelso. Por este motivo, acorda o Supremo Tribunal Federal em rejeitar os embargos.

Rio de Janeiro, 7 de agosto de 1940 — Bento de Faria, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: rejeitaram os embargos,

unanimemente.

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Memória Jurisprudencial

HABEAS CORPUS 26.155 — DF

Estrangeira — Expulsão do território nacional — Quando se justifica.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus impetrado

pelo Dr. Heitor Lima em favor de Maria Prestes, que ora se encontra recolhida à Casa de Detenção, a fim de ser expulsa do território nacional, como perigosa à ordem pública e nociva aos interesses do país.

A Corte Suprema, indeferindo não somente a requisição dos autos do res-pectivo processo administrativo, como também o comparecimento da paciente e bem assim a perícia médica a fim de constatar o seu alegado estado de gravi-dez, e atendendo a que a mesma paciente é estrangeira e a sua permanência no país compromete a segurança nacional, conforme se depreende das informa-ções prestadas pelo Exmo. Sr. Ministro da Justiça; atendendo a que, em casos tais não há como invocar a garantia constitucional do habeas corpus, à vista do disposto no art. 2º do Decreto 702, de 21 de março deste ano, acordam, por maioria, não tomar conhecimento do pedido.

Custas pelo Impetrante.Corte Suprema, 17 de junho de 1936 — Evandro Lins, Presidente —

Bento de Faria, Relator.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o advogado, na

petição inicial, publicada na imprensa e remetida a todos nós, faz certas alega-ções que precisam ser examinadas. Uma delas, e talvez a mais séria, é que a pessoa acusada de crime inafiançável ou de crime em geral, e contra a qual se hajam extraído provas convincentes, não é expulsa preliminarmente, ao con-trário, é processada primeiro, condenada a cumprir a pena e depois expulsa. Lembra, por isso, que, no caso em apreço, se devia preceder dessa maneira, diante as notícias circulantes, isto é, que se trata de pessoa terrivelmente peri-gosa e comprovadamente delinqüente, sujeita aqui a cumprimento de pena; só depois devia ser expulsa do território nacional. Mas, em apoio dessa sua afir-mativa, tanto quanto coligi da leitura, produzida com a maior clareza, pelo Sr. Ministro Relator, o advogado não juntou prova alguma...

O Sr. Ministro Bento de Faria (Relator): Até prova em contrário.

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Ministro Carlos Maximiliano

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: ...quando podia tê-lo feito. Por outro lado, os tribunais devem aceitar como verdadeiras as informações das autorida-des, até prova em contrário. Não as há, e fica de pé a informação da autoridade declarando que não existe um processo criminal no qual tenha sido apurada res-ponsabilidade suscetível de determinar o recolhimento dessa senhora à cadeia, por alguns anos.

Este argumento, portanto, e que me parece, repito, o mais interessante, na espécie em julgamento, desaparece por falta de prova do impetrante.

S. S., no entanto, com certeza não satisfeito, invoca um outro: essa se-nhora, regenerando-se pelo amor, como a Dama das Camélias, iria, e deseja mesmo, no recinto da prisão, com afagos, carinhos e conselhos, regenerar tam-bém o revolucionário Luís Carlos Prestes!

Não acredito que este seja um fundamento para habeas corpus, tanto mais quanto, nos presídios, os casais jamais se unem, pelo fato de os homens serem alojados em compartimentos isolados dos destinados às damas, salvo se o Regulamento não é obedecido, quando, então, dar-se-ia a lamentável promis-cuidade dos dois sexos, permitindo, aí sim, a conversão ou a rendição de um revoltoso às atitudes ternas da mulher amada.

Ainda existe, Senhor Presidente, outro motivo que obriga a examinar o caso em debate.

O advogado declara que se vai expulsar ou banir uma brasileira.Se tal estivesse na iminência de acontecer, isto é, se uma autoridade pre-

tendesse expulsar ou banir um nacional, a questão, sem dúvida, seria objeto de exame por parte desta Corte Suprema. E desde que o advogado levantou a tese, sou forçado a apreciá-la, considerando a espécie em plenário.

A paciente Maria Prestes é brasileira? O seu advogado não o provou; ape-nas limitou-se a articular, para a sua defesa, as notícias publicadas nos jornais, e referentes a acontecimentos anteriores. No entanto, essas notícias apontam-na como amante de um terrível revolucionário alemão, ao qual deu fuga das pri-sões alemãs. E por isso foi expulsa da Alemanha, comprometendo o seu direito de permanecer no país. É brasileira, afirma o advogado, porque está para lhe nascer um filho.

A Constituição só considera brasileiro o nascido no Brasil e não aquele que tenha sido arranjado no Brasil.

Salienta o advogado, para sustentar o seu ponto de vista, que a criança tem, por direito, a proteção e o apoio das nossas leis. Assim, o presente habeas corpus seria para um feto, para lhe reconhecer o direito de sair das entranhas maternas. Não compreendo habeas corpus dessa natureza. Pelo contrário, até

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julgo uma tese difícil de ser defendida com êxito. Ainda mais: a maternidade, no caso, é certa, o que não sucede quanto à paternidade, pois ao tempo da con-cepção não se sabe onde se encontrava Luís Carlos Prestes, talvez mesmo no Paraguai... No nosso país não se achava.

Desse ponto de vista, ainda não poderia deferir o pedido. Mas o advogado assevera que, implicitamente, a criança será expulsa.

Esse fato acontece com todas as expulsandas; todas levam em sua com-panhia, fora ou dentro do ventre, os filhos que tenham. É um direito e até uma obrigação.

A Constituição de 1891 e a atual, excepcionalmente, proíbem a expulsão de quem tenha filhos brasileiros possuindo imóveis no País. Logo, o direito de ter filhos não impede a expulsão; é preciso que seja proprietário. Esta não é a si-tuação de Maria Prestes; pelo contrário: não é casada com brasileiro, não possui imóveis, e o filho ainda não nasceu.

Incansável na defesa da sua constituinte, o advogado apela para a existência de um processo de extradição eivado de nulidades, sem provar quais sejam, e ainda que o conseguisse, o Poder Executivo, desde que não se trata de nacional, pode ex-pulsar, uma vez fique evidenciada a periculosidade do indivíduo à ordem pública. O direito do Governo para expulsar é absoluto, em se tratando de estrangeiro.

Por todos estes motivos, conheço do pedido, mas o indefiro, de acordo com o Relator, Sr. Ministro Bento de Faria.

VOTOO Sr. Ministro Ataulpho de Paiva: Preliminarmente, não conheço do pe-

dido. Vencido nesta preliminar, de meritis, indefiro-o.

VOTOO Sr. Ministro Costa Manso: Três correntes se formaram nesta Corte

a respeito da subsistência do habeas corpus durante o estado de guerra. O Sr. Ministro bento de Faria considera o instituto absolutamente suspenso. O Sr. Ministro plínio casado sustentou, com o apoio da maioria da Corte, que ele não é admissível sempre que o constrangimento provier de motivos de ordem pública, embora se trate de prisão judicial. Com esse fundamento, a Corte não tomou conhecimento de um pedido que versava sobre prisão preventiva decre-tada por juiz federal, em processo intentado contra indivíduos incursos na Lei de Segurança. A terceira corrente, a que me filiei, e é a mais liberal, coincide com a segunda, salvo no tocante às decisões judiciais: se um juiz manda prender preventivamente, pronuncia ou condena, deve o tribunal superior, embora seja

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Ministro Carlos Maximiliano

o réu acusado de crime contra a ordem política ou social, examinar a questão em habeas corpus, em recurso ordinário ou em revisão. Já desenvolvi os funda-mentos desta minha opinião em outros casos.

Todas as correntes, porém, convergem neste ponto: não cabe o ha-beas corpus quando se trate de medida de segurança determinada pelo Poder Executivo e seus agentes para a manutenção da ordem pública. E, à unanimi-dade dos votos que esse conceito reúne, junta-se a opinião do próprio impe-trante, pois declarou ele da tribuna que, se se tratasse de medida dessa natureza, não teria requerido o habeas corpus.

Ora, o Governo informa que pretende expulsar a paciente, porque a sua presença constitui perigo à ordem pública. O caso, portanto, escapa à aprecia-ção da Corte, mesmo fora do estado de guerra, pois a paciente é estrangeira, e, normalmente, podem os estrangeiros ser expulsos.

Alega o impetrante que o Governo não fez uso dos seus poderes dis-cricionários, tanto que mandou instaurar processo contra a expulsanda. Esse processo, entretanto, é um mero inquérito policial, ato da própria administra-ção pública, e revela o cuidado das autoridades na execução de medidas seve-ras. Se existisse um processo judicial, teríamos talvez de examinar a questão. Normalmente, não pode o Governo expulsar o estrangeiro sujeito à justiça. Essa faculdade poderia degenerar em abusos. Por motivos subalternos, pode-riam as autoridades, por meio da expulsão, absolver sumariamente acusados, subtraindo-os da ação dos respectivos juízes. Em tais casos, pois, a expulsão, embora possa ser decretada, deve ficar suspensa, até que o réu seja absolvido, ou, que, condenado, cumpra a pena. Isso, porém, não se aplica à hipótese que julgamos, pois não consta esteja a paciente submetida a processo judicial.

Alega o impetrante que a paciente se acha em estado de gravidez e que a criança quer nascer brasileira... O argumento é de ordem puramente sentimen-tal, pois ninguém pode interpretar a vontade de um feto... O Sr. Ministro carlos Maximiliano, aliás, demonstrou que a existência de filhos, maiores ou menores, nascidos no Brasil, não seria obstáculo para a expulsão do pai ou da mãe es-trangeiros, embora seja possível que daí resultasse praticamente o exílio de toda a família. A defesa da ordem pública num país tem dessas exigências. O bem público está acima de tudo.

Uma última observação. O impetrante não é procurador da paciente. A lei confere a qualquer pessoa o direito de requerer o habeas corpus em favor de ter-ceiro. Isso, porém, pressupõe que o terceiro venha pleitear a cessação do constran-gimento. Ora, o impetrante expressamente declara que não pede seja à paciente, que se acha presa, restituída a liberdade. Quer que continue presa, seja julgada, condenada e cumpra a pena que lhe for imposta, para, só então, ser expulsa do

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país: o Governo, mais benigno, livra-a imediatamente da prisão, concedendo-lhe a liberdade, embora além das fronteiras! não posso tomar conhecimento de um pedido de que resulta manifesto prejuízo para a liberdade da paciente!

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly: Esta Corte, ao examinar pedidos de ha-

beas corpus aforados após a decretação da equiparação do estado de sítio ao de guerra, decidiu que deles não se poderia conhecer se o constrangimento tivesse como justificação necessidades de defesa de ordem ou de segurança pública. Para os demais casos, o amparo constitucional continuaria em pleno vigor. Eu mesmo concorri para essa jurisprudência com o meu voto e não tenho razões para modificá-lo, posto que aceito como limitação posta ao exercício dos pode-res do estado de guerra medidas repressivas de que não cogite a nossa magna lei, e de que são exemplos as penas de banimento ou a de morte, em se não tra-tando de guerra com país estrangeiro. (constituição, art. 113, n. 29).

Por esses fundamentos, não conheço do apelo feito em prol do paciente, ante as informações que vêm de ser prestadas pelo Sr. Ministro da Justiça, que concluem pela periculosidade ou nocividade da permanência da expulsanda em território nacional. (constituição, art. 113, n. 15).

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: Senhor Presidente, acompanhando o

exemplo dado pelos colegas que me precederam, não separarei a preliminar do mérito, porque, realmente, na hipótese, é difícil discriminar. Sem maior estudo, repeliria, in limine, como o Relator, Sr. Ministro Bento de Faria, a ordem reque-rida, se dúvida nenhuma houvesse sobre a possibilidade de admiti-la em estado de guerra, ante as alegações do impetrante.

O ilustre advogado que ocupou a tribuna, no entanto, levantou uma ques-tão que, conquanto, a meu ver, seja improcedente, é muito interessante e digna de exame: S. S. alega que existe uma crença concebida, isto é, que a paciente está grávida, que há um produto, o nascituro, a proteger. Mas o nascituro, pelo nosso Código, não tem personalidade, pois esta começa do momento do nasci-mento com vida. Apesar disso, a lei põe a salvo, desde a concepção, o direito do nascituro. Por conseguinte, a alegação do advogado não constitui um absurdo: tratar-se-ia de um direito do nascituro que pudesse ser acautelado pela lei antes do nascimento. Mas qual seria esse direito? Certamente, a nacionalidade, conforme a petição do habeas corpus.

A lei reconhece vários direitos por ficção, como se ele já tivesse nascido. Não obstante, dá-se-lhe um curador, com poderes mais extensos que o de um

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Ministro Carlos Maximiliano

curador comum. Aí, não se trata de um simples curador dos bens. O curador, diz o Código Civil, só será nomeado ao nascituro quando faltar-lhe o pai sem que a mãe tenha o pátrio poder. E esse curador, acrescentam alguns autores, só se dá quando ao menor tenha sido feita qualquer doação ou lhe possa caber alguma herança, no caso de nascer com vida; tem, portanto, como obrigação precípua acautelar os interesses patrimoniais, porque a lei assegura ao nascituro o direito de herdar por testamento. Não se sabe se nascerá com vida, mas, por ficção, reconhece-se-lhe esse direito.

Agora, porém, levanta-se a questão de saber se, também por ficção, se lhe pode garantir uma nacionalidade.

Não considero absurdo cogitar-se desse assunto, tanto assim que autores há, e adiantados, que entendem se deve acautelar também os direitos da nacio-nalidade para o nascituro.

Exatamente por se tratar de ficção, ela não existe senão nos estritos termos em que a lei a positivou, a instituiu. É regra comuníssima, pacífica de hermenêutica, que o direito singular — já desde os romanos existiam máximas incontrastáveis a respeito —, quanto às ficções jurídicas, jamais devem ser aplicadas senão nos restritos termos da finalidade que as inspirou, isto é, para os fins especiais para que foram criadas; jamais além. A ficção do nascimento do nascituro, a ficção jurídica de como o nascituro já é tido como nascido para certos efeitos, só deve ser estabelecida nos casos em que a lei a aplicou, isto é, devem ser resguardados apenas os direitos consignados na lei. O direito em vi-gor é o de curatela, nas hipóteses especiais indicadas, e o de receber doações e também o de herdar por testamento. Não havendo nenhuma outra lei positiva que lhe confira por ficção, ao menos provisoriamente, o direito à nacionalidade, tal pretensão não está conforme a regra de direito.

Além disso, a nossa Constituição não ladeou de modo algum como o Código Civil atribuiu personalidade ao nascituro, providência, aliás, que não seria um absurdo, porque alguns Códigos de nações cultas já consideram a personalidade iniciada com a concepção. A maioria dos Códigos, porém, não segue essa doutrina, mas o projeto Clóvis Beviláqua continha disposição espe-cial, declarando que a personalidade civil começava com a concepção. O nosso parlamento, conhecendo da medida, emendou-a no sentido em que se encontra, e se não me engano através de uma emenda de Andrade Figueira.

Com relação à nacionalidade, não é o direito civil que regula, são os ter-mos da Constituição; entre nós é a lei constitucional, desde a Constituição do Império; embora não seja matéria propriamente constitucional, a nossa tradição é esta: a nacionalidade é regulada pela lei constitucional.

O que estabelece a Constituição? São brasileiros os nascidos no Brasil.

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Memória Jurisprudencial

De sorte que o que confere a nacionalidade não é a concepção, mas, claramente, o fato do nascimento em território brasileiro. Do contrário, uma gestante estaria impedida de sair do território nacional se se reconhecesse na-cionalidade ao nascituro, o que seria um absurdo, a fim de assegurar a naciona-lidade do feto, o qual, na realidade, pelo Código Civil, não tem personalidade nenhuma, e principalmente para esse efeito.

Quanto à espécie em julgamento, a circunstância de a gestante mudar de domicílio não põe em perigo a vida do nascituro nem a impede de ser expulsa do país, sendo estrangeira; apenas é devolvida ao ambiente em que sempre viveu. Não é de regra que esse ambiente, onde sempre viveu, onde tem suas relações, os seus recursos, importe de tal sorte em miséria para ela e acarrete, necessariamente, a morte do nascituro, como, arrebatado pela sua ingênita ele-gância e fulgurante espírito literário, disse o ilustre advogado da paciente. Não está implícito de modo algum.

Quando se trata de aplicar a pena de morte, a lei manda suspender a execu-ção da gestante, porque será a morte fatal do nascituro, o que não sucede com a ex-pulsão, que, às vezes, constitui uma felicidade, pela restituição ao ambiente em que sempre viveu a gestante, gozando de todos os recursos e mais do afeto da família.

Por isso tomo conhecimento do pedido e o discuto, porque se alegou que, no caso, iria a expulsão recair sobre uma brasileira. Sempre assim tenho pro-cedido, mesmo em estado de guerra, porque a garantia do n. 15 do art. 113 está expressamente assegurada no Decreto 702. Por conseguinte, a faculdade de o Governo expulsar está sujeita à mesma restrição do aludido decreto, isto é, o cidadão brasileiro, ainda que o país em estado de guerra, não pode ser expulso do país. Mas, tomando conhecimento, nego a ordem, pelas razões que já apre-sentei, no entrelaçamento da preliminar com o mérito, já assinalado antes pelo Sr. Ministro Carlos Maximiliano, em seu voto.

A alegação do advogado é improcedente; o nascituro não é brasileiro, nem mesmo por ficção lhe pode ser assegurado esse direito.

Sendo assim, resta apenas a alegação de que a paciente está sujeita a pro-cesso criminal e que, por isso, não pode ser expulsa.

O argumento, embora não justifique o conhecimento do pedido em es-tado de guerra, desde que o conheci, passo a abordá-lo em todos os seus fun-damentos, aliás, secundários em face da principal alegação por que conheço do pedido — vai ser expulsa uma brasileira.

Já sustentei contra a opinião dos colegas ilustres, porque tenho a coragem de divergir de colegas mais ilustres do que eu, pois não posso deixar de votar com a minha consciência, certo ou errado, pouco importa, divergi do Ministro Arthur Ribeiro, que sustentava o seguinte: não se pode expulsar quem está sendo processado. Não há dúvida de que não se deve extraditar quem esteja

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Ministro Carlos Maximiliano

sendo processado, porque não deve o país que quer punir um crime abrir mão do processo e do criminoso para entregá-lo à jurisdição estrangeira.

Em matéria de expulsão, não me parece que isso seja verdadeiro.O Estado tem o direito de prioridade, mas da oportunidade desse direito

só ele pode ser o juiz. O Estado tem esse dever perante os seus jurisdicionados, o dever mesmo jurídico de punir, mas internacionalmente, no direito internacio-nal, Senhor Presidente, não há nenhum dever jurídico de nenhum Estado punir estrangeiro que não haja cometido crime em seu território, porque a todo dever corresponde um dever subjetivo.

É verdade que, muitas vezes, trata-se de crime político, de crime contra a ordem política e social ou contra o Estado. Que melhor garantia, que maior segurança existirá do que a expulsão do estrangeiro perigoso, em vez de aqui permanecer, acarretando despesas para a sua manutenção e até com a oportu-nidade de fugir da prisão, perturbando novamente a ordem pública? Por conse-guinte, numa palavra, o Estado, o Governo, tem o direito de expulsar mesmo quem esteja sujeito a processo criminal. Poder-se-á objetar que o caso atinge grande gravidade, porque o Poder Executivo, com esse recurso, poderá subtrair um protegido à ação da justiça brasileira. No entanto, forçoso, é reconhecer na expulsão uma medida de salvaguarda, não é uma proteção.

Ademais, Senhor Presidente, pelas informações prestadas, não há processo instaurado. Portanto, o caso duvidoso, que com razão se poderia discutir, não existe. A paciente não está processada. O Governo informa que não há processo algum contra ela. Ainda que fosse uma criminosa, do que, aliás, não existe prova, porque enquanto não existir o processo não se pode afirmar que seja uma crimi-nosa, ainda que fosse uma criminosa, repito, a expulsão seria lícita e o Governo tinha o direito de abrir mão do processo, sem ofensa ao Poder Judiciário.

Sendo assim, o argumento do advogado, quanto à existência de um pro-cesso, também não procede, e continuo a negar o pedido.

Relativamente à irregularidade do processo, é outro argumento sem a menor procedência, sobretudo diante da doutrina pacífica quanto ao direito de expulsar: sempre votamos no sentido de competir à Corte Suprema apenas o exame extrínseco do fato, isto é, se foi decretado por autoridade competente. Dá-se habeas corpus quando a autoridade é incompetente. A expulsão é um ato de exclusiva soberania do Presidente da República. Só o Poder Executivo tem elementos para saber dos motivos, se o estrangeiro é ou não perigoso à ordem pública e nocivo aos interesses do país. Mais ninguém. Além disso, o processo de expulsão é meramente administrativo; o ato de expulsão não representa uma sentença; o processo policial nada mais é que um meio de informar ao Poder Executivo sobre os antecedentes do indivíduo a expulsar, isto é, a sua atividade no país, a fim de que o Governo possa, com acerto, praticar justiça, acautelando os sagrados interesses da comunidade brasileira.

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Por tudo isso, Senhor Presidente, tomo conhecimento do pedido para ne-gar a ordem de habeas corpus.

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: Senhor Presidente, toda a matéria re-

ferente à segurança nacional escapa à apreciação do Poder Judiciário, e de outra natureza não é a que faz objeto do presente pedido de habeas corpus, por meio do qual se pretende evitar a expulsão da paciente Maria Prestes, sob o funda-mento de que ela se encontra em estado de gravidez. Essa circunstância, a única invocada pelo advogado que ocupou a tribuna, não impede a expulsão. Assim sendo, indefiro o pedido.

VOTOO Sr. Ministro Plínio Casado: Senhor Presidente, não conheço do pedido

de habeas corpus, porque a sua concessão poderá prejudicar a segurança nacio-nal. (Art. 161 da Constituição Federal.)

VOTOO Sr. Ministro Eduardo Espinola: Conheço do pedido nos termos do voto

proferido pelo Sr. Ministro Carvalho Mourão, mas o indefiro porque afeta dire-tamente a segurança nacional.

DECISãOA decisão foi a seguinte: Não conheceram do pedido, contra os votos dos

Ministros Carlos Maximiliano, Carvalho Mourão e Eduardo Espinola, que co-nheciam e indeferiam.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 26.701 — DF

O tempo de prisão por motivo de ordem pública não é des-contado no cômputo do de cumprimento da pena criminal.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em habeas corpus,

em que é recorrente Manoel Gonçalves de Aragão e recorrido o Tribunal de Apelação do Distrito Federal: acordam, em turma julgadora, os Ministros do

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Ministro Carlos Maximiliano

Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso, pelas razões cons-tantes das notas taquigráficas.

Rio de Janeiro, 19 de abril de 1938 — Carlos Maximiliano, Presidente e Relator.

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Trata-se de questão muito simples. O

recorrente, condenado várias vezes pelo mesmo crime, esteve preso durante 84 dias declaradamente por motivo de ordem pública — prisão política, portanto. Após esses 84 dias, foi requisitado à Casa de Detenção para responder a um dos diversos processos contra ele instaurados. Tendo sido condenado, em um dos processos, a três anos de prisão, pediu à Corte de Apelação para contar os 84 dias já como cumprimento da pena de três anos.

Considerando que não havia no processo a menor prova que excluísse o caráter de ordem pública, atribuído à prisão inicial, não obstante alegar o paciente que fora preso, desde essa época, em virtude dos delitos por que foi condenado, a então Corte de Apelação não atendeu ao pedido e negou a ordem.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Fui Relator de caso seme-

lhante e não descontei o período da prisão por motivo político. O preso polí-tico — segundo a própria lei — não deve estar no lugar de criminosos comuns e não se pode considerar a prisão política como prisão celular.

O pedido consiste apenas nisto: que se contem os 84 dias de prisão por motivo de ordem pública para, considerando-os cumprimento da pena de três anos, serem descontados, reduzido o período de prisão.

Só nos casos de prisão preventiva é que se faz o desconto e, na hipótese, não houve prisão preventiva a não ser depois de ter sido o paciente requisitado pelo Juiz, já tendo sido descontado esse período.

Nessas condições, nego provimento ao recurso, de acordo com o voto anteriormente proferido.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: indeferiram o pedido una-

nimemente, digo, negaram provimento, por unanimidade.

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Memória Jurisprudencial

HABEAS CORPUS 26.745 — DF

RELATóRIOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: Alfredo Maifre da Gama, advogado

nesta Capital, impetrou uma ordem de habeas corpus em favor de Luiz Villela, que se encontra preso há mais de três meses, isso a contar de abril deste ano, a fim de ser expulso.

Mas essa prisão não se justifica, como não se justifica a expulsão por ser o paciente brasileiro, pois aqui chegou com 6 anos de idade, e é casado com bra-sileira, exercendo no Brasil a profissão de motorista.

Passo a leitura das informações prestadas.É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo (Relator): Dou o habeas corpus, sem

prejuízo da expulsão que, porventura, venha a ser decretada.Não se demonstrou que o paciente tenha adquirido a qualidade de cida-

dão brasileiro.Mas a sua prisão não se justifica antes de a expulsão se concretizar em

ação regular.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, nego a ordem, em razão

da lei atual. Daria, se se tratasse da lei anterior, mas não em face da atual, que é bem clara.

O Sr. Ministro Costa Manso: A lei atual repete a anterior ipsis litteris.O Sr. Ministro José Linhares: Diz o art. 6º do Decreto-Lei 479 que, en-

quanto não se consumar a expulsão, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores poderá ordenar ou manter a detenção do expulsando ou, quando for o caso, mandar que continue preso. Nesse dispositivo, portanto, não há nenhuma refe-rência a decreto judicial. Acho legal a prisão.

É o meu voto.

VOTOO Sr. Ministro Armando de Alencar: Senhor Presidente, quando vigorava

a lei anterior, sempre votei de acordo com o ponto de vista em que se colocou o Sr. Ministro Relator, que concedeu o habeas corpus. Diante da nova lei, porém, já assim não posso decidir.

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Ministro Carlos Maximiliano

O Sr. Ministro Laudo de Camargo (Relator): O artigo da lei atual é o mesmo da lei anterior.

O Sr. Ministro Armando de Alencar: A lei anterior distinguia a inter-venção do Poder Judiciário, de modo que estabelecia uma restrição ao conheci-mento dos habeas corpus.

A lei atual esclareceu qualquer dúvida. Vê-se, claramente, qual a sua intenção. Em face do art. 5º, o Sr. Ministro da Justiça pode manter preso o ex-pulsando enquanto não se consumar a expulsão. Ora, esta só se consuma pelo embarque do expulsando. Se, antes de se verificar esse fato, ele pode estar preso à disposição do Sr. Ministro da Justiça, entendo que o Poder Judiciário já lhe não pode conceder habeas corpus.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, também nego a

ordem.Da vez passada, examinando este artigo segundo o qual, enquanto não

se consumar a expulsão, o Ministro da Justiça e Negócios Interiores poderá ordenar ou manter a prisão do expulsando, ou, quando for o caso, mandar que continue preso, tive oportunidade de dizer que já não podíamos conceder ordem de habeas corpus nesses casos. O art. 2º, no meu entender, estabelecia que o indivíduo proxeneta, por exemplo, fosse primeiro pronunciado e condenado e só depois expulso.

Ora, esses crimes, por uma lei especial, se tornaram inafiançáveis, de modo que os indivíduos podiam imediatamente ter uma ordem de prisão preventiva, que seria confirmada, depois, por uma sentença condenatória. Então, o Governo man-teria a prisão.

A lei atual modificou esta situação — e vim a saber que o meu voto in-fluiu, em grande parte, para essa mudança, eis que uma autoridade o levou a outra, a fim de mostrar que, em virtude dessa disposição, não se podia expulsar o proxeneta nem o vagabundo.

Revogado implicitamente o art. 2º, hoje qualquer um pode ser imediata-mente expulso, sem qualquer pronunciamento judiciário.

Estamos, portanto, diante de uma mudança de orientação evidente da parte do Governo. Acrescente-se, ainda, que o Presidente da República é o único juiz da conveniência da expulsão, uma vez que, com exceção de dois ca-sos, o Judiciário não toma conhecimento das expulsões.

Reconheço que a lei está mal redigida. Mas todas as leis, de há uns trinta anos para cá, são mal redigidas.

Por conseguinte, nego a ordem.

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Memória Jurisprudencial

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly: Senhor Presidente, o meu voto é de acordo

com o do Sr. Ministro Relator.

VOTOO Sr. Ministro Costa Manso: O Decreto-Lei 392, de 27 de abril deste ano,

suscitará diversas dúvidas.Sustentou o Sr. Ministro carlos Maximiliano, contra a opinião da maioria

do Supremo Tribunal, que certos delinqüentes não podiam ser expulsos antes de processados e condenados. Sobreveio o Decreto-Lei 479, de 8 de junho se-guinte, e dissipou a dúvida.

Contra os votos dos Srs. Ministros eduardo espinola, carvalho Mourão e José Linhares, decidiu o Tribunal que o art. 10 daquele primeiro decreto não permitia a prisão do expulsando antes de expedido o decreto de expulsão: o segundo decreto, entretanto, reproduziu literalmente, no art. 5º, o preceito do primeiro. Quer isso dizer que o legislador não teve, como naquela primeira hi-pótese, a intenção de modificar ou esclarecer o que se achava antes estabelecido.

Mantenho, pois, a opinião que manifestei na vigência do Decreto 392: não admito a prisão preventiva do expulsando.

No Brasil jamais se permitiu a prisão para averiguações policiais. Sempre se exigiu (e a Carta de 1937 ainda o exige) mandado da autoridade competente, depois de satisfeitos os requisitos estabelecidos em lei. Não compreendo se confira ao Ministro da Justiça poder de que os próprios juízes não dispõem. O Decreto 479, como o anterior por ele substituído, não estabelece requisito ou formalidade a que o Ministro da Justiça esteja sujeito para decretar a prisão preventiva. Não fixa, como o fazem as leis de processo criminal, prazo em que devam ser executadas as diligências policiais e expedido o decreto de expulsão. Admitir a prisão preventiva é, pois, armar o Ministro da Justiça da faculdade de prender arbitrariamente e de conservar o expulsando preso por tempo inde-terminado. É admitir a prisão perpétua, que a Carta Constitucional proscreve.

A prisão a que alude o decreto-lei, continuo a pensar, é meramente com-pulsiva. Constitui ato de execução. Tem por objeto colocar o estrangeiro expulso nas mãos da autoridade, para ser posto fora das fronteiras logo que esteja legali-zado o respectivo passaporte. Antes do decreto de expulsão, porém, haverá ape-nas um suspeito aos olhos da polícia, mas que o Presidente da República poderá deixar de expulsar. A prisão jamais poderá ter justa causa.

Concedo, pelo exposto, a ordem de soltura, sem prejuízo da expulsão.

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Ministro Carlos Maximiliano

ExPLICAçãO

O Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, não me parece que o Decreto 479, de 8 do corrente mês, tenha regulado a expulsão do mesmo modo por que o fizera o Decreto 392, de 27 de abril.

Tanto assim é que, no seu bojo, o art. 11 revogou, expressamente, o de-creto-lei anterior. Isso porquanto o Governo se achou na necessidade de bem definir a sua posição em relação à posição dos expulsandos, porque no segundo considerandum, diz:

Considerando que ao Poder executivo é reservada a mais ampla compe-tência no que diz respeito ao interesse da segurança nacional e da tranqüilidade pública e decrete (...)

Assim, foi em razão da segurança pública e da tranqüilidade interna que se baixou o novo decreto, isto é, para legalizar a situação dos expulsandos, no caso de prisão. Para fazer isso, o Governo teve que modificar os arts. 1º e 2º da lei anterior.

Por essas razões, confirmo meus votos anteriores, negando a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Senhor Presidente, o novo decreto não modificou o antigo nesse ponto, senão para o tornar mais claro.

Nessas condições, nego a ordem.

VOTO

O Sr. Ministro Plínio Casado: Senhor Presidente, concedo a ordem, de acordo com o Sr. Ministro Relator, e conforme os meus votos anteriores.

DECISãO

Como consta da ata, a decisão foi a seguinte:

Negaram a ordem, contra os votos dos Ministros Laudo de Camargo, Octavio Kelly, Costa Manso e Plínio Casado.

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Memória Jurisprudencial

HABEAS CORPUS 26.770 — DF

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: O presente pedido de habeas corpus

é impetrado em favor de Antonio Nunes.Alega-se que, ao ser preso o paciente, como suspeito de comunista, para

ser solto mais rapidamente preferiu ser expulso e deu a identidade falsa de Belisario dos Anjos, português. Assim seguiu todo o processo de expulsão e, finalmente, foi lavrado o respectivo decreto.

No entanto, Antonio Nunes é funcionário da Marinha Mercante, onde foi matriculado como brasileiro.

Junta, então, carteira de identidade, donde, aliás, não está a naturalidade.Pedi informações, por achar difícil, em habeas corpus, apurar questão

de identidade, porque ele mesmo declarara ser português e se chamar Belisario dos Anjos.

Vieram-me elas em cópia do relatório da polícia, que passo a ler:

polícia civil do Distrito Federal, Delegacia especial de segurança política e social, seção de segurança social. Data do início desta ficha: 7-11-1934. Fotografado em: de... de 193... Nome do identificado: Belisario dos Anjos. Nome do pai: João Bernardino. Nome da mãe: Adelaide Rosa. Nacionalidade: português — Naturalidade — Localidade — Idade: 24 anos. Nascido em — Estado civil — Profissão atual: garçom — Sabe ler e escrever — Residência atual: Rua Carolina Machado, 1016 — Pessoas que conhecem o iden-tificado: nome de policiais que o conhecem. Histórico: foi preso no Sindicato dos Garçons, à Rua dos Arcos, 26, em uma reunião comunista, presidida pela C.G.T.B., sob a direção do Partido Comunista em 6-11-1934. Foi recolhido ao Depósito de Presos, em 6-11-1934. Foi posto em liberdade em 8-11-1934. Preso, por ordem do Sr. Delegado Especial, como medida preventiva de segurança po-lítica e social, em virtude de reiteradas atividades pró-bolchevisação do Brasil, em 23-10-1937. Procedendo-se busca em sua residência, foram ali apreendidos os seguintes livros: Berzin — o amor no país dos soviets — Nach, Moscou Ville rouge e uma cópia da defesa do comunista antonio Maciel bomfim, em 23-10-1937. Foi identificado, fotografado e recolhido à Sala de Detidos, em 23-10-1937. Prestou as declarações, cujo termo se acha por cópia, neste prontuário, em 3-11-1937. Transferido para a Casa de Detenção, à disposição do Exmo. Sr. Chefe de Polícia (Of. 570/S-2), em 3-11-1937. Rio de Janeiro, 5 de novembro de 1937. Confere: Encarregado do Expediente J. de Oliveira Dias — Conforme: Seraphim Braga. Chefe da Seção. Termo de declarações que presta belisario dos anjos, na forma abaixo: Aos três do mês de novembro do ano de mil nove-centos trinta e sete, nesta Seção de Segurança Social, da Delegacia Especial de Segurança Política e Social, onde se achava o respectivo Chefe, Sr. Seraphim Braga, comigo João de Oliveira Dias, Encarregado do Expediente, compare-ceu belisario dos anjos, português, natural de Trás-os-Montes, onde nasceu

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Ministro Carlos Maximiliano

a quatorze de fevereiro de mil novecentos e dez, filho de João Bernardino Revoredo e de Adelaide dos Anjos, solteiro, garçom, trabalhando no restau-rante “Alba Mar” — Mercado Municipal, e residente à Rua Riachuelo, duzentos e quarenta e cinco, o qual tendo sido preso no dia vinte e três do mês último, inquirido, disse: que, conhecendo embora Manoel Passos Gil, do “Centro Cosmopolita”, quando ambos foram sócios desse Centro, desde o Carnaval de mil novecentos e trinta e três, não mais se avistou com ele; que só veio a saber que Passos Gil era comunista, depois da prisão do mesmo, e isto por intermédio de companheiros de trabalho; que, conhecendo Assis Halem, na mesma época, da “União dos Garçons”, mais tarde, quando este foi solto, o encontrou, isto há cerca de dois meses, no “Café Indígena” — Largo da Lapa, esquina de Men de Sá, e que, nessa ocasião, vendo o estado de penúria em que o mesmo se achava, ofereceu-lhe uma camisa que não pôde dá-la no momento, porque essa camisa estava na lavadeira; que, desde então, não mais se avistou com o referido Assis Halem; que, sabendo ser este adepto do comunismo, o aconselhou a deixar esse credo; que, quanto aos livros e folhetos arrecadados pela polícia em sua resi-dência, e que ora lhe são apresentados, o explica: o livro cento por cento de amor, de volúpia, de especulação — o amor no país dos soviets, o trouxera do “Centro Cosmopolita”; que o outro livro Moscou Ville rouge, ele, declarante, desconhece o seu conteúdo, por ser o mesmo escrito em francês, língua que ele ignora; que, finalmente, quanto ao folheto (Defesa de Antonio Maciel Bomfim), estava dentro do último livro acima referido, o qual foi encontrado pelo decla-rante numa gaveta da casa onde trabalha (restaurante Alba Mar), parecendo-lhe que tanto o livro como o folheto fossem ali deixados (na chapelaria) por algum freguês, como freqüentemente acontecia. E como nada mais disse nem lhe fosse perguntado, mandou o Sr. Chefe da Seção se encerrasse o presente termo que, depois de lido e achado conforme, assina o declarante com o referido Sr. Chefe da Seção e comigo Encarregado do Expediente. Eu, João Pires de Camargo n. 882 — Investigador n. 882 — oitocentos e oitenta e dois — o datilogra-fei. Seraphim Braga. J. Oliveira Dias. Belisario dos Anjos. confere: (a) A. de Saldanha, Datilógrafo. conforme: (a) M. L. M. Medeiros.

polícia do Distrito Federal — auto de Qualificação e de perguntas na forma abaixo. Aos nove dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e trinta e sete, neste Distrito Federal e na Terceira Delegacia Auxiliar, onde se achava o respectivo Delegado, Senhor Doutor Dulcidio Gonçalves, comigo, escrivão da Classe F de seu cargo adiante declarado, aí presente o acusado Belisario dos Anjos, o Dr. Delegado o qualificou, fazendo-lhe as seguintes per-guntas: Qual o seu nome? Respondeu chamar-se Belisario dos Anjos. Qual a sua filiação? Respondeu ser filho de João Bernardino Rivoredo e de Adelaida Rosa. Qual a sua idade? Respondeu ter vinte e sete anos de idade. Qual o seu estado civil? Respondeu ser solteiro. Qual a sua residência? Respondeu residir à Rua do Riachuelo n. 245. Sabe ler e escrever? Respondeu sim. Qual o lugar de sua última residência no país de origem? Respondeu ser no Lugar de Jou, Conselho de Murça de Trás-os-Montes. Qual a data em que chegou ao Brasil? Respondeu ser no mês de dezembro do ano de 1923, não se recordando o dia. Qual o meio de transporte que utilizou para esse fim? Respondeu ter sido o navio alemão “Sante Sá”. Qual o lugar em que residiu imediatamente antes de vir para o Brasil? Respondeu no Lugar de Jou, Conselho de Murça de Trás-os-Montes. É reservista do Exército ou da Armada do seu país de origem? Respondeu não.

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Memória Jurisprudencial

Possui passaporte ou outra qualquer prova de nacionalidade? Respondeu que não. E mais não respondeu, nem lhe foi perguntado, pelo que o Doutor Delegado mandou encerrar este auto, que depois de lido e achado conforme, assina com o acusado e com Salvador Corrêa Gonçalves, residente à Rua General Pedra, nú-mero duzentos e vinte e um, casa um, e Thyerre Barreto, residente à Rua Dona Minervina, número quarenta e dois, que assistiram a lavratura deste termo. Eu, Daniel Cardoso Real — Escrivão da Classe F, o datilografei. E eu, assina-tura ilegível, Escrivão da Classe J, o subscrevo. Dulcidio Gonçalves. Belisario dos Anjos. Salvador Corrêa Gonçalves. Thyerre Barreto. confere: (a) A. de Saldanha — Datilógrafo. conforme: (a) M. L. M. Medeiros.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): Senhor Presidente, em ha-

beas corpus, é muito difícil examinar questão de prova. O paciente tem outros meios judiciais de que se socorrer; pode propor ação, baseada na nacionalidade, durante a qual não será preso, de acordo com a lei.

Não há, aliás, aqui, prova plena de que seja cidadão brasileiro.Além do mais, está preso como comunista, por medida de segurança

pública.Por tudo isso, denego a ordem.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Denegaram a ordem,

unanimemente.

HABEAS CORPUS 26.789 — DF

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus preventivo

impetrado originariamente por Antonio de Souza Braga, em seu favor, acor-dam, em maioria, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, pelas razões e fundamentos constantes das notas taquigráficas que precedem, em conceder a ordem. Custas ex causa.

Distrito Federal, 22 de junho de 1938 (data do julgamento) — Octavio Kelly, Presidente e Relator.

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Ministro Carlos Maximiliano

RELATóRIOO Sr. Ministro Octavio Kelly: O Dr. Stelio Galvão Bueno impetra a este

Tribunal uma ordem de habeas corpus preventivo em favor de Antonio de Souza Braga, ex-funcionário da Lloyd Brasileiro, ameaçado de prisão adminis-trativa por ordem do Ministro da Fazenda.

Sustenta o impetrante a ilegalidade da medida com que se pretende coa-gir a liberdade do paciente, com os seguintes argumentos:

a) incompetência de quem expediu a ordem, visto não lhe estar subordi-nado o serviço do Lloyd;

b) não estar sujeito a esse gênero de prisão, por não ser funcionário público;

c) que, faltando-lhe essa qualidade, o delito por que poderia responder o acusado nunca seria o de peculato, mas, quando muito, o de apropriação indé-bita. Requisitei informações, prestadas pelo ofício de fl. 13.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): O art. 356 do P. II do Decreto

3.084 de 1898, consolidado o preceito do art. 14, da Lei 221, de 1894, confere ao Ministro da Fazenda a faculdade de ordenar prisões administrativas contra responsáveis por valores não recolhidos e por alcances, até que o Tribunal de Contas se manifeste. O art. 18 do Decreto 24.036, de 1934, na letra g, mantém essa competência, que tem sido exercitada sem contestação e hoje cabe ao Diretor-Geral do Tesouro.

Na espécie, porém, não há como aplicá-la ao paciente. A Lei 420, de 10 de abril de 1937, no art. 3º incorporou, é certo, ao patrimônio nacional o acervo da extinta Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro, incorporação efetivada com o Decreto 1.708, de 11 de junho do mesmo ano. Naquele diploma ficou, desde logo, esclarecido que “não são considerados funcionários públicos os emprega-dos de qualquer categoria do Lloyd Brasileiro, mantendo, entretanto, essa qua-lidade os funcionários da União que foram designados para servir em comissão na mesma empresa (Lei 420 cit., parágrafo único do art. 8º). Essa circunstância, aliada ao fato de somente definir a Carta Constitucional de 1937 como funcio-nários públicos os que exerçam cargos criados em lei (art. 156, a), exclui dessa classe outros quaisquer servidores indiretos da administração, pertencentes aos quadros de entidades autárquicas, ou de serviços, ainda que organizados sob a sua inspeção. A prisão administrativa faz sempre presumir um peculato, como se infere da lei de sua criação (Decreto 657, de 1849), mandando formar

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Memória Jurisprudencial

a culpa aos responsáveis que, expirado o prazo da entrega de valores, a isso se recusarem. É, porém, da essência do peculato que do crime participe, ao menos, um funcionário público, como autor ou cúmplice, porque toda e qualquer sub-tração de dinheiros ou bens do Estado, cuja responsabilidade caiba a quem não exerce função pública, em posto criado por lei, há de conceituar-se como furto, apropriação indébita ou roubo, consoante ao modo por que o fato se objetive. Peculato é que não pode ser, sem que no crime tenha intervindo um funcioná-rio público. Os do Lloyd, com exceção do seu presidente e dos que ali forem destacados para servirem em comissão, distraídos do quadro ordinário da ad-ministração federal, pertencem à classe dos marítimos. Embora não se conteste seja a União proprietária do acervo da empresa, essa razão não basta para que se atribua aos demais a qualidade de funcionários públicos, porque admiti-lo importaria em esquecer a definição constitucional e em se conceber, como tais, pessoas às quais se pretende impor somente o ônus, sem se lhes deferir as van-tagens dessa condição. Concedo a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Armando de Alencar: Senhor Presidente, voto de acordo

com o Ministro Relator. Entendo que os empregados do Lloyd Brasileiro, em-bora o possam vir a ser, atualmente não são funcionários públicos, mesmo em virtude da incorporação, não sendo contra eles possível a prisão administrativa.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, também concedo

o habeas corpus.O único argumento que, aparentemente, podia influir — e talvez tenha

influído — para esta prisão era o fato de estar o Lloyd incorporado à União, podendo esta, conseguintemente, ser prejudicada com o crime de que se trata. Isto seria motivo, exatamente, para estabelecer a competência da Justiça Federal antiga e, atualmente, do Supremo Tribunal, a fim de conhecerem, em grau de recurso, de ações a respeito deste desfalque, furto ou apropriação indébita. Tal competência, porém, não é fixada só para os crimes de funcionários públicos. Ao contrário, todo indivíduo que rouba da União pode não ser funcionário pú-blico e, no entanto, é processado e pode o processo chegar ao Supremo Tribunal. Não é, portanto, aquele argumento suficiente para justificar a prisão.

Aliás, como demonstrou o Sr. Ministro Relator e já o havia feito o advo-gado do impetrante, aos empregados do Lloyd foi, explicitamente, excluída a qualidade de “funcionário público”, que não lhes pode, assim, ser atribuída em hipótese alguma.

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Ministro Carlos Maximiliano

Ora, o oposto é que devia ser exigido; devíamos exigir que, clarissima-mente, explicitamente, fosse declarado que os empregados do Lloyd passavam a ser funcionários públicos, porque só são funcionários públicos aqueles que, como tais, são declarados em lei. Não há lei alguma que os declare funcionários públicos e há um regulamento, autorizado por lei, que os exclui dessa categoria.

Tenho, por conseguinte, duplo motivo para conceder o habeas corpus. Além da consideração já feita, entendo que, não sendo funcionário público, não pode sofrer uma prisão que só para estes funcionários foi autorizada.

VOTOO Sr. Ministro Costa Manso: Senhor Presidente, embora o dispositivo

legal citado pelos eminentes colegas declare que os empregados do Lloyd Brasileiro não são funcionários públicos, não posso conceder a ordem impe-trada. O intuito daquele preceito foi negar aos referidos empregados as regalias que a lei concede aos que figuram nos quadros ordinários da administração pública. Para outros efeitos, porém, exercendo algum deles função pública, não me é possível deixar de lhes aplicar as sanções legais impostas aos funcionários públicos. O paciente era responsável por valores do Estado, em virtude das suas funções. O desvio de tais valores constitui necessariamente o crime de peculato. Já assim o decidimos em relação a outros serviços públicos autônomos, como as Caixas Econômicas, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, a Rede de Viação Cearense, a Fundação Rockefeller e outros. Consideramos peculatário até um preposto de coletor que exercia irregularmente o cargo, sem aprovação da auto-ridade competente.

Indefiro, pois, o pedido.

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: Também indefiro, pelos mesmos fun-

damentos do voto do Sr. Ministro Costa Manso.

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: Senhor Presidente, concedo a ordem,

de acordo com o Sr. Ministro Relator.A Lei 420 declarou o Lloyd incorporado ao patrimônio da União, de-

pendentemente do consentimento da Sociedade Anônima Lloyd Brasileiro. Em virtude dessa autorização, fez-se a assembléia geral e a Companhia deliberou aceitar a proposta do Governo. O Regulamento, então, veio dar execução à lei. Estabeleceu-se assim o acordo, que era indispensável.

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Memória Jurisprudencial

A citada lei declarou, positivamente, que os empregados do Lloyd, como tais, não são funcionários públicos.

O Sr. Ministro Costa Manso: O regulamento das Caixas Econômicas diz, também, que os seus empregados não são funcionários e, entretanto, já os pro-cessamos por peculato. Ainda na última sessão da turma, garantiu-se a estabili-dade de um funcionário, apesar da disposição do citado regulamento.

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Não estou discutindo essa questão. Estou tratando dos empregados do Lloyd. A lei declara que eles não são funcio-nários públicos. Só são funcionários públicos aqueles que estiverem exercendo funções no Lloyd transitoriamente, em comissão, e que já sejam funcionários públicos. Não há nada mais claro.

O Sr. Ministro Plínio Casado: A lei disse por duas vezes que aos empre-gados do Lloyd se aplicavam as leis trabalhistas.

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Funcionários públicos não são todos aqueles que exercem função pública, mas somente os que fazem parte do qua-dro e têm os direitos peculiares aos funcionários, como o direito à estabilidade. O Presidente da República, por exemplo, exerce função pública e não é funcio-nário. Do mesmo modo, entendeu-se sempre que os deputados e senadores, que exerciam, igualmente, funções públicas, não deviam ser considerados funcio-nários públicos.

Ainda que eu aceitasse essa definição de que é funcionário público todo aquele que exerce função pública — e não a aceito —, não poderia considerar como tal o empregado do Lloyd, porque ele não exerce função pública.

Quando o Estado se faz industrial ou comerciante e explora empresa puramente industrial ou comercial, os seus empregados não exercem função pública, pela razão de que, como se diz hoje por neologismo, essas funções não são funções estatais, e sim, por sua natureza, puramente privadas. Só excepcio-nalmente são exercidas pelo Governo.

Os empregados do Lloyd exercem funções que nada têm de públicas. Se eles fossem considerados funcionários públicos, também o deviam ser os mari-nheiros, os pilotos, os estivadores, os técnicos, enfim, todos aqueles que estives-sem permanentemente a serviço permanente do Lloyd. Foi isso, exatamente, o que a lei quis evitar. E disse-o noutro artigo quando declarou que estes empre-gados gozariam das vantagens e direitos assegurados pelas leis trabalhistas. São considerados trabalhadores livres, como quaisquer outros. E o Estado assume, em tais casos, o papel de qualquer patrão, empresário da indústria da navegação.

Além disso, seria necessário que a lei os considerasse funcionários públi-cos, no sentido técnico, estrito, e não no sentido lato, porque, segundo as nossas

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Ministro Carlos Maximiliano

leis, os direitos e obrigações por ela definidos como pertinentes aos funcioná-rios públicos não pertencem a toda e qualquer pessoa que exerça função pública.

No Tribunal Eleitoral tivemos ocasião, muitas vezes, de examinar essa questão e, mesmo depois que de lá saí, o tribunal fixou, brilhantemente, o con-ceito de funcionário público, mostrando que nem todos os que exercem função pública são funcionários públicos.

Por conseguinte, não sendo o paciente funcionário público, não está su-jeito à prisão administrativa, porque esta não pode ser decretada contra pessoas, estranhas ao funcionalismo público, que cometam crimes contra o patrimônio da União. É uma medida disciplinar, que só pode ser aplicada pelo Ministro da Fazenda aos funcionários encarregados da arrecadação e guarda dos dinheiros públicos; isto é, aos exatores.

O Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): É uma prisão especialíssima.O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Não é uma prisão preventiva.O Sr. Ministro Laudo de Camargo: Há casos em que pessoas estranhas,

mas encarregadas do depósito de dinheiros públicos, os distraem e são proces-sadas por peculato. Tivemos um caso assim do Estado de São Paulo.

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Mas tais pessoas exerciam funções pú-blicas, de vez que arrecadavam impostos.

O Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): Arrecadar imposto é função pública.O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Os que arrecadam impostos são exato-

res, no sentido rigoroso da palavra.Assim, no caso a que alude o Ministro Laudo, os empregados da Noroeste

estavam exercendo função pública, desde que eram funcionários do Instituto do Café, embora, naquela ocasião, também agentes da estação da estrada de ferro. Não foi na qualidade de empregados da Noroeste, e sim na qualidade de funcio-nários do Instituto do Café, que os processamos por peculato.

O Sr. Ministro Laudo de Camargo: E o caso da Comissão Rockfeller?O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Relator do feito a que V. Exa. se refere,

votei pela mesma razão. Na ocasião, mostrei, diante da lei, que, instituída a Comissão Rockfeller, a União entrara com dinheiro para o serviço. Guardando aquelas importâncias pertencentes à União, os membros da Comissão eram pas-síveis das penas do peculato, se as desviassem.

O Sr. Ministro Costa Manso: Mas não era funcionário da União.O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Era, porque a Comissão tinha contrato com a

União. O Instituto Rockfeller fazia serviço de saneamento por contrato com a União.

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Memória Jurisprudencial

O Sr. Ministro Costa Manso: Com funcionários dele.O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Era investido de função pública, in-

clusive de aplicar multas, até penas administrativas. O regulamento dava ao Instituto o direito de punir, administrativamente, os funcionários e de impor multas aos particulares, o que é função jurisdicional do Estado. E foi por isso que considerei o crime como de peculato.

Na hipótese presente, não estou em contradição com qualquer dos meus votos anteriores. O caso é inteiramente diverso, aqui. Trata-se de empregado que não é funcionário público, nem exerce função pública; não se justificando, assim, a prisão administrativa.

Concedo, pois, a ordem.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Conheceram do pedido

e concederam a ordem de habeas corpus preventivo, contra os votos dos Ministros Costa Manso e Laudo de Camargo, que o indeferiam.

HABEAS CORPUS 26.790 — SP

A prova de ter filhos brasileiros e de estarem eles vivos é in-dispensável ao estrangeiro para evitar a expulsão.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é pa-

ciente Isaías Chaba, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em indefe-rir o pedido, pelas razões constantes das notas taquigráficas incorporadas aos autos.

Rio de Janeiro, 20 de julho de 1938 — Bento de Faria, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

RELATóRIOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o presente habeas

corpus é o primeiro a ser submetido ao nosso julgamento apoiando-se na nova lei de expulsão, na parte em que abre exceção para certa categoria de estrangeiros.

Isaías Chaba já estava expulso do território nacional quando foi pro-mulgada essa lei, cujo um dos dispositivos estatui que não serão expulsos os

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Ministro Carlos Maximiliano

estrangeiros residentes no Brasil há mais de 25 anos e que tenham filhos brasilei-ros vivos, oriundos de justas núpcias; prevalecendo-se dela, então, pediu habeas corpus, alegando aquele tempo de residência e juntando certidão de nascimento de uma filha.

As informações das autoridades competentes dizem que a ordem de ex-pulsão fora expedida por ser o paciente vagabundo sem profissão e que ainda não havia sido cumprida em virtude de dificuldades na obtenção do passaporte, uma vez que o paciente ora dizia ser de uma nacionalidade, ora de outra; conse-guira-se, afinal, que o cônsul inglês visasse o passaporte. Todavia, o expulsando não comparecia à aludida chancelaria, a fim de regularizar a sua situação.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano (Relator): A regra é que só brasileiros

não podem ser expulsos. Assim, parece-me que a disposição da lei a que me referi, favorável a determinados estrangeiros, constitui preceito excepcionalís-simo. Devo, portanto, interpretar o seu texto com o máximo rigor.

Declara ela que não serão expulsos os estrangeiros que contarem mais de 25 anos de residência no Brasil e tiverem filhos brasileiros vivos, oriundos de justas núpcias. Não basta, pois, que tenham filhos nascidos no Brasil; é preciso que esses filhos estejam vivos.

Ora, o paciente juntou a certidão de casamento e de nascimento de uma menina, mas não provou que esta esteja viva, como não provou, também, ter mais de 25 anos de residência no País. Afirma-o, apenas, e sendo, como é, indi-víduo de péssimos antecedentes, tal afirmativa não basta.

Nego, por conseguinte, o habeas corpus impetrado.

VOTOO Sr. Ministro Armando de Alencar: Senhor Presidente, também entendo

que a lei deve ser interpretada rigorosamente, por isso que se trata de disposição excepcional.

Assim, nego o habeas corpus, de acordo com o Sr. Relator.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negaram a ordem, unanimemente.

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Memória Jurisprudencial

HABEAS CORPUS 26.904 — DF

RELATóRIOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: O advogado Heráclito Fontoura Sobral

Pinto impetra a este Supremo Tribunal ordem de habeas corpus em favor do ex-Capitão Tenente da Armada Nacional yatyr de Carvalho Serejo, que, no entender do impetrante, está sofrendo constrangimento ilegal, à vista dos fatos que do seguinte modo expõe na inicial a folhas:

Em conseqüência de acontecimentos ocorridos na noite de 12 para 13 de março do corrente ano (não diz quais foram), na Ilha das Enxadas, onde o paciente exercia o cargo de Diretor do Curso de Educação Física, foi o mesmo paciente processado e julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional, que, em úl-tima instância, lhe aplicou a pena de prisão celular de 1 ano e 4 meses, por julgá-lo incurso no grau médio do art. 4º, c/c o art. 3º, da Lei 38, de 4 de abril de 1935.

Acontece, porém, que a citada Lei 38 foi revogada pelo Decreto-Lei 431, de 18 de maio p.p., no qual o crime antes definido no art. 3º da Lei 38, com a cominação da pena de 1 a 3 anos de prisão celular, passou a ser previsto no art. 3º, n. 27, onde se comina, para o delito em questão a pena de 3 a 9 meses de prisão celular.

Assim, por estar ainda em vigor o art. 3º da Consolidação das Leis Penais, aplicada devera ter sido, no caso vertente, a pena menos rigorosa da lei nova, isto é: seis meses de prisão celular (grau médio do citado art. 3º, n. 27 do Decreto-Lei 431 do corrente ano).

Assim decidiu este Supremo Tribunal, no acórdão unânime de 10 de agosto p.p., proferido no HC 26.836 impetrado pelo advogado Edgar de Toledo em favor do paciente, Gumercindo Cabral de Vasconcellos.

O paciente — di-lo ainda o impetrante — acha-se preso em virtude dos acontecimentos ocorridos na Ilha das Enxadas a 13 de março do corrente ano, quer dizer, há mais de 6 meses, quando, por força da lei nova, a duração da pena, que lhe foi imposta no grau médio, há de ser de 6 meses, razão por que pede o impetrante seja concedida a ordem, mandando-se por em liberdade o paciente, visto já ter cumprido a pena.

Vem a inicial instruída: com um retalho de jornal onde vem impressa a notícia do julgamento do habeas corpus, acima referido de número 26.836; com uma certidão passada por ordem do Presidente do Tribunal de Segurança Nacional (à f l. 5) e por uma certidão passada por ordem do Ministro da Marinha. A primeira reza o seguinte: (lê); a segunda das certidões juntadas pelo impetrante diz o seguinte: (lê)

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Ministro Carlos Maximiliano

Solicitei do Presidente do Tribunal de Segurança Nacional informações sobre o alegado, especialmente sobre o tempo de prisão, já cumprido pelo pa-ciente, que deva ser computado na pena imposta.

S. Exa. as prestou nos seguintes termos:(Lê — fl. 12.)Está feito o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão (Relator): De acordo com o que já foi

decidido por este Supremo Tribunal, unanimemente, em caso análogo — o do HC 26.836, invocado pelo impetrante; não há dúvida que a pena a que está, le-galmente, sujeito o paciente (condenado como foi no grau médio) é a do art. 3º, n. 27 da Lei nova ( 431, de 18 de maio do corrente ano de 1938): seis meses de prisão celular; mas o não está suficientemente provado no caso presente, e o es-tava plenamente no HC 26.836, é que o paciente já tenha cumprido a pena que, legalmente, lhe deve ser imposta. A prisão que deve ser computada na pena le-gal (consolidação das Leis penais, art. 60) é, tão-somente, a prisão preventiva, tecnicamente falando, isto é: a prisão em flagrante delito, ou decretada antes da condenação pelo juiz processante, ou efetuada em virtude de condenação da qual penda recurso sem efeito suspensivo; não qualquer detenção, por motivo de segurança pública ou disciplinar.

O que consta dos autos é que o paciente, de 13 de março a 8 de julho do corrente ano, esteve preso à disposição do Ministro da Marinha (não do Tribunal de Segurança Nacional). Só nesta última data é que foi mandado apresentar ao Chefe de polícia (cert. à fl. 6). Segundo consta da informação do Presidente do Tribunal de Segurança, à fl. 12, só em 5 de julho p.p. foi, pelo dito Tribunal, expedido contra o paciente mandado de prisão, que até então, inexpli-cavelmente, não foi ainda devolvido àquele Tribunal. Não consta que o paciente haja sido preso em flagrante. Não foi contra ele decretada a prisão preventiva (antes da condenação). Por conseguinte, a julgar pelo que consta dos presentes autos, o paciente não foi preso preventivamente, em virtude do processo-crime que se lhe moveu. Em virtude da condenação, quando muito, só o foi a 8 de julho p.p. — data em que foi mandado apresentar ao Chefe de polícia (natural-mente para cumprimento do mandado judicial, expedido a 5 de julho, e até a data da informação à fl. 12, ainda não devolvido).

Por tudo que acabo de expor, é bem de ver que, na parte em que alega já haver o paciente cumprido a pena, o presente pedido na melhor hipótese, para o paciente, não está suficientemente instruído — razão por que nego a ordem impetrada.

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Memória Jurisprudencial

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Washington de Oliveira: Senhor Presidente, proponho que se peçam informações ao Ministro da Marinha para ver se é possível caracteri-zar o motivo da prisão anterior. Caso seja o motivo da prisão o mesmo por que está condenado, descontarei esse pedido da pena que cumpre.

Nessas condições, de acordo com o meu modo de proceder, sempre como juiz, proponho a diligência.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, na sessão passada, condi-

cionei a concessão deste habeas corpus às informações que pudessem vir do Sr. Ministro da Marinha. Se a prisão fosse determinada em relação ao fato que deu lugar à condenação, era de ser aplicado o art. 60 da Consolidação das Leis Penais.

Assim sendo, concedo a ordem.

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Armando de Alencar: Senhor Presidente, voto pela dili-gência, de vez que o advogado do paciente declarou que tinha dificuldade em obter as informações.

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o Sr. Ministro Relator teve um argumento forte dizendo que a ele não competia completar a prova. Entretanto, aceitamos outro fundamento: quando solicitamos uma infor-mação e a autoridade não a presta ou presta de maneira insuficiente, considera-mos a autoridade como confessando o alegado na inicial, que é coisa muito mais grave, e sempre concedemos o habeas corpus.

Não vou tão longe, mas acho que as informações prestadas pelo Sr. Ministro Relator estão, exatamente, nos termos de uma que acabo de receber, agora — porque tenho um pedido igual — e em que nada ou quase nada se diz. De fato, consta que o paciente foi mandado para a polícia e que esta nada resol-veu, e assim por diante.

De acordo com os meus votos precedentes, até, eu daria a ordem. Uma vez, porém, que as circunstâncias do fato não estão bem claras, prefiro a dili-gência, a fim de que se pergunte ao Ministro da Marinha quando, por que e para

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Ministro Carlos Maximiliano

que este homem foi preso; isto é: a pergunta, tal qual foi feita, de acordo com a inicial.

Entendendo assim, dispenso, inteiramente, o auto de flagrante. A falta deste auto é mais um motivo para dar o habeas corpus, porque o ato de lavrar o termo não é do réu e sim do juiz e quando não é feito prejudica o réu. Por que não terá ele o benefício da computação do tempo de prisão apenas porque deixou de ser cumprida uma formalidade que não dependia dele? Se não foram cumpridas as formalidades legais, em relação a ele, este não é o motivo para negarmos o habeas corpus e sim para darmos.

Nessas condições, peço as informações. Aliás, tenho um caso semelhante e não trago os autos ao Tribunal, porque entendo que as informações prestadas são extraordinariamente incompletas e vou pedir outras, por despacho.

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Octavio Kelly: Senhor Presidente, sou dos que entendem que toda prisão anterior à condenação é preventiva. O próprio Código Penal diz, no art. 60:

Não se considera pena a suspensão administrativa nem a prisão preven-tiva dos indiciados, a qual, todavia, será computada na pena legal.

Ora, evidentemente essa expressão “prisão preventiva”, de que usa a lei, não significa, tão-somente, a prisão que se decreta ou antes de iniciado o su-mário, ou o curso deste, se aparecem indícios veementes de que o réu pretende fugir. Inclui toda prisão anterior à condenação e tanto assim é que a prisão em flagrante se computa. E por quê? Porque é prisão preventiva, prisão que se pro-duz no momento em que o crime deflagra.

Por conseqüência, não posso deixar de computar o tempo de prisão, se se relaciona ele com o mesmo fato pelo qual o réu foi condenado. Nesta conformi-dade, não estando o processo devidamente instruído, por não ter sido a informa-ção prestada com a clareza necessária, voto pela diligência.

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Costa Manso: Senhor Presidente, em rigor, meu voto de-veria ser contrário ao pedido de informações.

O ato do Tribunal de Segurança prejudicial ao paciente é a sentença condenatória. A execução da sentença compete a juiz singular do mesmo tri-bunal, de cujas decisões não podemos tomar conhecimento originariamente em

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Memória Jurisprudencial

habeas corpus. Assim, poderíamos declarar que a pena a que o paciente está sujeito é de seis meses de prisão, sem cogitar a legalidade da prisão anterior. O juiz executor é que resolveria se a pena está ou não cumprida. Do seu despacho, caberia recurso para o Tribunal de Segurança ou a ele seria impetrado o habeas corpus. Só então poderíamos intervir.

Mas os colegas pensam de modo contrário. Se temos de resolver sobre o tempo em que o paciente foi preso, não podemos dispensar as informações.

Outro aspecto da questão: pode ser computada na pena a prisão adminis-trativamente decretada pelo Sr. Ministro da Marinha? Se é possível, solicitemos as informações. Se é impossível, as informações serão inúteis.

Eu tenho sustentado que as prisões efetuadas pela polícia após o crime, independentemente de ordem judicial, não devem ser computadas na pena. O indivíduo preso ilegalmente dispõe de remédio pronto e eficaz para se libertar do constrangimento. Em poucas horas conseguirá uma ordem de habeas cor-pus. Se fica silencioso, não tem o direito de reclamar depois contra a situação irregular a que se submetera. Admitir a reclamação posterior, seria abrir portas a abusos, pois o sentenciado, protegido de qualquer autoridade local, ou que sobre ela exercesse influência, facilmente burlaria as sentenças condenatórias, mediante certidões inverídicas de prisões jamais efetuadas.

Na hipótese de que nos ocupamos, porém, ocorre circunstância especial. Encontrava-se o país em estado de emergência. O paciente podia ser legalmente preso. Mesmo que a prisão fosse injusta, não dispunha ele do remédio de habeas corpus. Se a prisão foi efetuada em conseqüência do fato criminoso que depois deu lugar à condenação, deveremos descontá-la no tempo da pena. Teria sido uma verdadeira prisão preventiva.

Eis por que voto pela diligência.

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Laudo de Camargo: Sou pela diligência, a fim de que tudo fique devidamente esclarecido.

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Carvalho Mourão (Relator): Senhor Presidente, acho des-necessária a diligência, devido ao meu ponto de vista. Ainda que o Ministro in-forme que prendeu o réu em virtude desse mesmo fato criminoso, não computo o tempo dessa prisão, porquanto não a considero preventiva.

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: Senhor Presidente, à vista das con-

siderações que ouvi dos colegas na sessão passada, sobretudo em virtude das ponderações feitas pelo Sr. Ministro Carlos Maximiliano, sobre as quais refleti neste intervalo, parece-me que é de se conceder a ordem.

Como o Sr. Ministro Carlos Maximiliano muito bem ponderou, se não houve auto de prisão em flagrante, deve-se a um abuso das autoridades que pre-sidiram o processo e prenderam o paciente em flagrante sem lavrar o respectivo auto.

Nas informações do Sr. Ministro da Marinha se declara que o paciente foi preso no ato de assaltar a Guarda Militar da Escola Naval. Por conseguinte, foi desde então preso pelo fato pelo qual foi depois condenado. Em substância, portanto, a prisão, na data em que foi feita, teve o caráter de prisão preventiva.

Sendo assim; não me parece que o paciente deva ser prejudicado pela ir-regularidade no processo, que só à omissão da autoridade se deve imputar. Se houvesse sido lavrado o auto de flagrante, inquestionável seria que o tempo de prisão, desde a sua data, teria de ser computado na pena legal. Ora, se contar-mos o tempo de prisão de 13 de março até hoje, a prisão tem mais de seis meses. Assim sendo; concedo a ordem, para pôr em liberdade o paciente, por já ter ele cumprido a pena que lhe foi imposta.

É o meu voto.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, na sessão passada, condi-

cionei a concessão deste habeas corpus às informações que pudessem vir do Sr. Ministro da Marinha. Se a prisão fosse determinada em relação ao fato que deu lugar à condenação, era de ser aplicado o art. 60 da Consolidação das Leis Penais.

Assim sendo, concedo a ordem.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Concederam a ordem para,

aplicando a penalidade mais branda adotada pela lei nova, considerar assim que o paciente já cumpriu a pena que incorreu, devendo, em conseqüência, ser posto em liberdade, unanimemente. Deixaram de votar por terem assistido à exposi-ção do relatório os Ministros Cunha Mello e Eduardo Espinola.

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Memória Jurisprudencial

HABEAS CORPUS 27.003 — DF

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de HC 27.003, Distrito Federal,

sendo impetrante o advogado João Romeiro Netto e paciente, Manoel José Gondim da Fonseca, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plena, por maioria de votos, em negar a ordem impetrada, pelos motivos expostos nos votos taquigrafados juntos, como parte integrante deste.

Custas na forma da lei. Publique-se e intime-se.Rio, 23 de janeiro de 1939 — Bento de Faria, Presidente — Washington

Osório de Oliveira, Relator ad hoc.

RELATóRIOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: O advogado João Romeiro Netto,

fundado no art. 122, alínea 16, da Carta de 1937, impetrou a presente ordem de habeas corpus, em favor de Manoel José Gondim da Fonseca, brasileiro e jornalista, que se encontra preso na Casa de Correção, em vista de ter sido condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional à pena do grau mínimo do art. 3º, inciso 24, do Decreto 431, de 18 de maio do ano p.p., e por fato que não constitui crime.

E, quando constituísse infração penal, escaparia à competência daquele Tribunal o seu processo e julgamento.

Diz o impetrante que o paciente o que fez, com a crônica no correio da Manhã, mas não foi que ato de crítica a um livro intitulado caxias e em que houve plágio.

Nessa crônica fez então considerações sobre o desacerto de se comemo-rar o Dia do Soldado na data natalícia do Duque de Caxias, expondo as razões que lhe pareciam procedentes, para justificar o seu ponto de vista.

Mas, com este proceder, nenhum delito praticou, quer contra o Exército, quer contra o grande General.

E tanto assim que a sentença de primeira instância o absolveu, por enten-der inexistente qualquer delito na aludida publicação.

Nessas condições, e como não constituía crime a matéria da acusação, solicitou o impetrante a ordem.

Passo agora à leitura da peça acusatória, do artigo em questão e das deci-sões de primeira e segunda instância.

É o relatório.

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo (Relator): O correio da Manhã, desta

Capital, publicou a 18 de novembro último, na seção “Contra a mão” e sob o título “O grande Caxias”, uma crônica do jornalista Manoel José Gondim da Fonseca.

A propósito dos termos desse escrito, o Ministério da Guerra oficiou à Chefia de Polícia, e a seguir a Procuradoria Adjunta da Justiça de Segurança Nacional fez a classificação do ato, capitulando-o no art. 3º, 24, do Decreto-Lei 431, de 18 de maio de 1938.

Feito o processo, a sentença foi pela absolvição.Mas, em grau de recurso, o Tribunal de Segurança houve por bem, e por

maioria de votos, concluir pela condenação.Daí a razão de ser do presente pedido de habeas corpus.Constituiu o fundamento de pedir o fato de não se traduzir em crime,

principalmente na alçada da Justiça de Segurança Nacional, aquilo que veio articulado pela acusação.

Outra não foi a conclusão do digno Juiz Costa Netto, quando assim se expressou com a sua sentença: “o decreto-lei, em cujo artigo 3º n. 24 foi classi-ficado o delito, limita a ação pública do Tribunal e dos seus juízes na repressão dos crimes cometidos contra a ordem política e social, definidos os primeiros como sendo delitos praticados contra a estrutura e a segurança do Estado.”

Há toda procedência nos conceitos emitidos, pois é expresso o art. 1º do Decreto-Lei 431, de 1938, quando dispõe: “serão punidos na forma desta lei os crimes contra a personalidade internacional do Estado, a ordem política, assim entendidos os praticados contra a estrutura e a segurança do Estado.”

Está a ver-se do preceito que os crimes previstos em lei são os relativos à ordem política, com as características mencionadas.

Para tais delitos foi que o legislador constitucional fez estabelecer o tri-bunal especial, segundo o art. 122, 17, assim concebido: “os crimes contra a existência, a segurança e integridade do Estado serão submetidos a processo e julgamento perante o tribunal especial, na forma da lei que o instituir.”

E a competência dessa Justiça especial ainda ficou reafirmada em novo preceito, qual o do art. 172.

Mas, na espécie, a matéria articulada pela acusação não faz configurado um delito dessa natureza.

A própria peça acusatória e o acórdão da acusação aludem a “conceitos realmente inaceitáveis”, e a ofensas que, conquanto individuais, procuraram fe-rir os sentimentos do Exército e subverter a disciplina militar.

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Memória Jurisprudencial

Isso, entretanto, não conceitua um delito de ordem política, de modo a se traduzirem ato contrário à estrutura e segurança do Estado.

E justamente por isso, não se pretendeu sequer houvesse um ataque à existência do Estado ou um incitamento à alteração do regímen.

Dados, porém, os termos da acusação, aludindo a idéias dissolventes e contrárias à disciplina das Forças Armadas, algo poderá realmente existir con-tra as instituições militares.

Teria, então, de surgir o foro militar preconizado pelo art. 111 da Carta de 1937 nestes termos: “este foro poderá estender-se aos civis, nos casos definidos em lei, para os crimes contra (...) as instituições militares.”

E a lei, a que se referiu o preceito constitucional, apareceu com o Decreto 510, de 23 de junho de 1938, que, pelo art. 1º, 3, dispôs serem processados e julga-dos em foro militar os civis pelos crimes praticados contra a disciplina das clas-ses armadas. (Vide ainda o Código de Justiça Militar de 1938 — art. 88, letra i).

E o foro estabelecido por preceito constitucional não pode assim ser alte-rado por lei ordinária.

Concluindo: dá-se o habeas corpus quando a matéria, tal como consta da denúncia, não constitui crime ou, quando constitua, não seja da alçada do tribunal que a apreciou.

E, como, na hipótese, não haja delito da competência do Tribunal de Segurança Nacional, defiro o pedido.

Aliás, nesta conformidade já decidiu o Supremo Tribunal Federal, pelo acórdão ao HC 26.897 desta Capital.

VOTOO Sr. Ministro Washington de Oliveira: Ninguém poderá ser punido por

fato que não tenha sido qualificado crime, nem com penas que não estejam pre-viamente estabelecidas. Se alguém é punido com violação desses preceitos, cabe manifestamente habeas corpus. Cabe, também, se o juiz ou tribunal que impôs a pena é, manifestamente, incompetente. É o que se alega, e assim é em tese.

O caso concreto, porém, ora em julgamento, segundo depreendi da ex-posição do Sr. Ministro Relator, da do impetrante e do voto já manifestado, não se enquadra em nenhuma daquelas hipóteses. O fato imputado ao paciente é qualificado crime e seria mais bem capitulado na Lei de Imprensa, segundo ma-nifestou da tribuna o impetrante. Encarado, porém, sob o aspecto de seu efeito dissolvente da disciplina militar, insinuando a preponderância “dos soldados e do vulgo vil e sem nome”, segundo as expressões usadas, e “consubstanciando

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Ministro Carlos Maximiliano

doutrina de origem francamente comunista”, como alega a denúncia, dou-trina contrária à estrutura e à segurança do Estado, ele se enquadra na Lei de Segurança. Nesse caso, pareceu à defesa que seria mais bem capitulado no nú-mero 13 do art. 3º da Lei 431, de 18 de maio de 1938. Optou, porém, o Tribunal de Segurança Nacional por uma classificação mais benévola, no número 24, de mesmo artigo. Todos os crimes definidos na lei citada serão processados e jul-gados (art. 23) pelo Tribunal de Segurança Nacional.

Entende o Sr. Ministro Relator que o caso seria, antes, da competência da Justiça Militar. Seria também da competência da Justiça Cível Ordinária, se capitulado na Lei de Imprensa. Vê-se, portanto, que, de qualquer modo, o fato imputado ao paciente é qualificado crime com penas preestabelecidas e que não é absolutamente manifesta — a incompetência do Tribunal de Segurança Nacional. Para que o recurso de habeas corpus seja admissível, principalmente contra um acórdão de um tribunal, é indispensável que seus fundamentos sejam “evidentes”, independam de apreciação de provas e de qualquer controvérsia, o que não sucede neste caso.

Nego, por isso, a ordem.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, nego a ordem. Dois fo-

ram os fundamentos em que se estribou o impetrante para solicitar o habeas cor-pus em favor do jornalista Gondim da Fonseca: o fato não constituir crime e, se constituísse, não ser da competência do Tribunal de Segurança o seu julgamento.

Se esses dois motivos estivessem provados, seria, verdadeiramente, caso de habeas corpus. Não me parece, porém, que estejam provados a ponto de dar lugar ao presente habeas corpus.

Entendo, inicialmente, que o fato, tal como está narrado na denúncia, constitui crime, crime esse que o Tribunal de Segurança considerou incluído no art. 3º, 24, da lei de maio de 1937.

É certo que se alega que o fato, tal como está narrado na denúncia, ainda mesmo que fosse crime, não era, todavia, para ser julgado pelo Tribunal de Segurança, porque constituiria outro crime, que não os definidos na Lei de Segurança, e sim na lei relativa aos crimes de injúria e de calúnia aos militares e es-tava sujeito à competência militar, nos termos do art. 111 da Constituição Federal.

Para se chegar a essa conclusão, mister seria examinar a prova relativa-mente ao fato narrado, tal como foi ele assinalado na denúncia e, a meu ver, o Tribunal de Segurança, com justiça, com legalidade, dentro da lei, achou apu-rado que o caso estava incluído no art. 3º, 24, da lei de maio de 1937.

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Memória Jurisprudencial

É verdade que, em caso análogo, este Tribunal, por maioria de votos, con-cedeu habeas corpus, por entender que o caso da denúncia não estava compre-endido no referido inciso legal. Fê-lo, porém, por maioria e foi o primeiro caso a ser examinado. Nele, aliás, dei o meu voto concedendo o habeas corpus, mas, depois de ouvir o voto proferido pelo Sr. Ministro Carvalho Mourão, examinei detidamente a questão e estou perfeitamente convencido de que S. Exa. tinha razão quando achava que o caso era de interpretação extensiva e não analógica. Tratava-se, de fato, de injúria por meio de palavra escrita e não se pode admitir que estivesse compreendida no artigo citado a injúria por meio de palavras, de inscrições, etc., e não o estivesse por meio de palavra escrita.

Havendo condenação e não sendo manifesta a incompetência do Tribunal de Segurança, na espécie, denego a ordem.

PEDIDO DE VISTAO Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, não tomei parte no jul-

gamento do habeas corpus Monteiro de Barros, que foi referido pelos colegas como constituindo fato idêntico ao atual; não conheço, portanto, os fundamen-tos do pedido, por não ter examinado a espécie. Peço, por isso, vista dos autos para examinar melhor o caso.

VOTOO Sr. Ministro Cunha Mello: São dois os fundamentos do atual pedido

de habeas corpus.1º — não constituir crime de qualquer espécie o fato por que foi denun-

ciado e ora está condenado o jornalista paciente, com referência a uma crônica inserta no correio da Manhã, epigrafada “O Grande Caxias”;

2º — caso constituísse o mesmo alguma infração delituosa, esta não seria nenhuma daquelas reprimíveis pelo Tribunal de Segurança Nacional.

Invoca-se, no tocante à idoneidade da medida, a antiga jurisprudência desta Alta Corte, segundo a qual nada importa haver decisão condenatória, se delituoso não for o fato incriminado, ou incompetente for a autoridade proces-sante ou julgadora.

A Constituição em vigor, no art. 122, 17, instituiu uma justiça especial de defesa do Estado, para punição dos delitos que atentarem contra a existência, a segurança e a integridade do mesmo, bem como contra a guarda e o emprego da economia popular.

A esse respeito, determinou o Decreto-Lei 88, de 20 de dezembro de 1937, que até a organização da mencionada justiça, continuasse a funcionar o

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Ministro Carlos Maximiliano

Tribunal de Segurança, com as modificações nele introduzidas, competindo-lhe especialmente processar e julgar os crimes:

a) contra a existência, a segurança e a integridade do Estado;b) contra a estrutura das instituições;c) contra a economia popular, a sua guarda e o seu emprego.É por um desses crimes, de natureza política e social, que se condenou

o paciente, em provimento de apelação, como incurso no art. 3º, inciso 24, do Decreto-Lei 431, de 18 de maio do ano próximo findo.

A figura delituosa prevista no inciso consiste em “provocar ou incitar, por meio de palavras, gravuras ou inscrições de qualquer espécie, prevenção, hosti-lidade ou desprezo contra as forças armadas”.

Parece-me claro, dado o sistema das vigentes leis de segurança, que a pro-vocação ou incitação a semelhantes sentimentos antipatrióticos, de modo a con-figurar crime político, da competência do Tribunal especial, há de apresentar-se como meio, para atingir determinados fins, subversivos da ordem política e social.

Em hipótese contrária, a incitação terá o aspecto de crime diverso, alheio à competência especial em causa.

O escrito que motivou a condenação é uma crônica em torno de certo livro recente, cuja crítica aí se faz com aspereza, e, a propósito do assunto da obra criti-cada, externou o paciente sua divergência, quanto à escolha do dia de nascimento do Duque de Caxias (a cujas excelsas virtudes militares tece louvores), para fazer-se a comemoração anual das tradições de glória do Exército Brasileiro.

A motivação que de tal divergência fez o cronista, examinada em tópi-cos destacados, poderá, em algum ponto, ser tomado à má parte, por exemplo, no em que estabelece paralelo entre bravura de comandantes e bravura de co-mandados, para concluir realçando a dos últimos, causa tão injusta quão incon-veniente, na hora que estamos atravessando como atravessa o mundo inteiro, mercê de ideologias extremistas que já custaram dias amargos ao Brasil.

Porém, o exame, em conjunto, do escrito em questão, a par dos prece-dentes de quem o escreveu, abonados em copiosa documentação, constante dos autos em apenso, não me permite considerar o fato denunciado como crime da competência do Tribunal de Segurança Nacional.

Assim, de acordo com o Sr. Ministro Relator, concedo a ordem impetrada.

VOTOO Sr. Ministro Armando de Alencar: Denego o pedido.

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Para mim a incompetência do Tribunal de Segurança para o julgamento do paciente, pelo crime em que foi condenado, não é manifesta, evidente — para que, por meio excepcional de habeas corpus, se anule uma tal condenação. Estou em que, por força de compreensão, no número 24 do art. 3º da Lei 431, de 1938, em que foi capitulado o crime, se incluem os escritos, que não podem dei-xar de ser considerados como uma modalidade da forma de provocar ou incitar o desprezo contra uma ou todas as Forças Armadas.

Para atingir esse objetivo, o paciente, não por palavras, mas por escrito, o que é pior, porque esse meio se reveste da forma documental daquele outro, procurou deprimir uma grande figura dos nossos fastos militares que por atos oficiais foi considerado e consagrado como símbolo do Exército Nacional.

Assim, a hostilidade e o incitamento ao desprezo público daquela força armada, pelo paciente, se cristaliza no período que se segue:

Nunca foi pensamento do Governo escolher Caxias como símbolo único militar. Isso seria até vexatório e humilhante para os que nunca passaram do posto de soldado raso.

(...)Mais bravos, porém, tinham que ser os soldados que ele comandava (...)

Aí vejo eu a provocação e o incitamento à indisciplina, procurando in-compatibilizar os soldados com os seus generais, prevenindo os espíritos dos subalternos contra seus superiores, diminuindo e sujeitando a bravura desses ao desprezo público e de seus inferiores hierárquicos.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Preliminarmente, eu timbro em frisar

bem que, no caso em apreço, trata-se de réu definitivamente condenado, e, em seu prol, intentaram, não a revisão de sentença, porém, simples habeas corpus. Se de revisão se cogitasse, examinaríamos, na maior minúcia, as provas de acu-sação, isto é, o artigo de jornal provocador do acidente, e as da defesa, tendentes a demonstrar o amor do réu pelas instituições vigentes e pelo Exército Nacional.

Com a habitual habilidade, antevendo com a sua inteligência percuciente e experimentada o recife pela frente, o advogado afirmou que se não deve tratar apenas do exposto na denúncia, mas do fato em si. Seria isso defensável em re-visão criminal; nunca em habeas corpus; em se tratando de condenação, só se concede o remédio liberador, se não constitui crime, definido em qualquer lei penal, o que a denúncia expõe. Que está ali apontado?

Em linguagem agressiva e irreverente, afirmou o jornalista represen-tar melhor o Exército que o comandante-chefe das forças brasileiras, na úl-tima guerra externa, o negro Henrique Dias. O propósito deprimente ressalta

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à evidência: o preto pernambucano vale mais, como expressão militar, que o emérito marechal!

Objeta-se que a tanto avançou o plumitivo, por entender que o soldado raso é que representa as Forças Armadas. A doutrina é anárquica; só na Rússia foram colocados em plano superior os soldados e operários; quem representa a tropa, entre qualquer povo disciplinado, é o respectivo chefe: Hindenburgo, na Alemanha; Joffre, Foch ou Petain, em França; Osório ou Caxias, no Brasil.

Lembra-se, ainda, que foi colocado em supremacia o Dias, não por ser ne-gro, mas pela sua qualidade de soldado raso. Não é lícito ao juiz aceitar a defesa baseada em presunção absurda, a de ignorância de escritor público em assunto familiar a todos os escolares: Henrique Dias não pode corporificar o Exército Brasileiro; porque nunca ao mesmo pertenceu, porquanto tal coletividade não existia no século xVII; o guerrilheiro nem do Exército regular português foi membro; demais, na força em que lutou em prol de Portugal contra a Holanda, ele não era soldado raso; todo o mundo o conhece como sagaz e destemido cau-dilho, um dos chefes da insurreição pernambucana. Desde a escola primária aprendemos que o levante contra os colonizadores que entregaram o Governo de Pernambuco a estadistas do valor de Nassau, chefiado fora, precipuamente, por João Fernandes Vieira, Vital de Negreiros, Antonio Felipe Camarão e Henrique Dias. Este herói não era simples praça de pret, humilde homem do povo: estancieiro nas proximidades da cidade Maurícia, organizou uma legião de pretos e bugres, calculada pelo historiador southey em 1.700 homens, à frente da qual combateu, ao lado dos outros grandes capitães da insurreição, até expulsarem os batavos (ROCHA POMBO. História do Brasil, v. IV, p. 499, 507, 517, 544, 545, 547, 548, 561, 587, 600 e 602). Logo, general de guerrilheiros é solevado acima de um generalíssimo das forças de terras nacionais. Ora, nada mais contrário à disciplina militar e cívica do que proclamar valer menos, como personificação da bravura patrícia e representante espiritual do Exército, o paci-ficador generoso e hábil de quatro províncias e comandante geral da nossa tropa em guerra externa do que um negro que não combateu pelo Brasil, mas a favor de Portugal contra a Holanda. Reduzem-se as proporções ciclópicas de Caxias, pelo fato de ser fidalgo, embora batalhador indefesso e filho de outro general notável e administrador brasileiro.

A denúncia acrescenta: “Há ainda na publicação de fl. 4, assinalado sob n. 2, um trecho que consubstancia doutrina de origem francamente comunista, induzindo soldados à indisciplina.”

Objetam ser esta asserção contrária à verdade, insustentável em face da prova, quer da acusação, quer da defesa. Pouco importa: em habeas corpus, só se aprecia a denúncia em si; a matéria de fato, a prova, não é examinada a pro-pósito do writ invocado.

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Também não colhe a argüição de incompetência de foro; pois esta se aquilata, no processo de habeas corpus, pelos termos da denúncia; ora, a pro-paganda comunista e, sobretudo, o incitamento dos soldados à indisciplina constituem assunto da alçada do Tribunal de Segurança. A incompetência, na melhor das hipóteses, não é manifesta, indiscutível; basta isso para não funda-mentar a reforma, por habeas corpus, de sentença definitiva. Não sei, aliás, se seria melhor para o paciente responder ante pretório militar pelo achincalhe a um glorioso cabo de guerra!

Enfim, alegam estar o crime erradamente dado como violador do in-ciso 24 do art. 3º do Decreto-Lei 431, de 18 de maio de 1938; ao passo que se enquadraria, pela denúncia, no inciso 13 do mesmo artigo. Quando a sentença condenatória erra a classificação do delito, o pretório excelso jamais ordena, por isso, a soltura do acusado; corrige a classificação, e isto mesmo somente quando o erro prejudica o réu. No caso vertente, se houve o defeito apontado, ocorreu em proveito do paciente, ao qual, em vez de três anos de prisão, cominados com o inciso 13, impuseram a pena de seis meses, prescrita pelo inciso 24. Não é lícito decretar habeas corpus in pejus, isto é, para agravar a penalidade; desde que o lapso aproveitou ao impetrante, mantém-se o benefício ocasional, não se modifica o veredictum.

Por todos os motivos expostos, indefiro o pedido.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly: Discordo do ponto de vista do ilustre Sr.

Ministro Relator.Efetivamente, o art. 111 da Carta Constitucional de 1937 prescreve, em

sua segunda parte, que o foro militar poderá estender-se aos civis nos casos definidos em lei para os crimes contra a segurança interna do país, ou contra as instituições militares. Esse preceito, aliás, já se encontrava, em termos análogos na Constituição de 1934, art. 84.

Estaria, portanto, de acordo com S. Exa. se lei anterior ao fato por que responde o paciente, já houvesse atribuído à Justiça Militar o conhecimento da espécie. É certo que o Decreto-Lei 510, de 22 de junho de 1938, submeteu os civis a essa Justiça, mas fê-lo, declaradamente, em relação aos crimes contra dever militar, usurpação de autoridade militar, atentados à disciplina, à proprie-dade e à ordem econômica do Exército e da Marinha.

E tratando de crimes que afetam à disciplina especialmente frisou, assim entendidos os crimes contra a honestidade e bons costumes, a segurança da pessoa e da vida.

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O Código de Justiça Militar, de 2 de dezembro de 1938, publicado a 9 do mesmo mês, no art. 88, considera o foro militar competente para processar e julgar os civis, nos crimes definidos em lei, que atentem contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares. Deslocava-se destarte, por diploma obrigatório, a jurisdição que a respeito dessas infrações fora dada ao Tribunal de Segurança, ex vi do art. 3º, 2º, da Lei 244, de 1936, e arts. 4º e 5º da Lei 88, de 1937, para os conselhos militares.

Mas o delito imputado ao paciente teria resultado de um artigo publicado no correio da Manhã, de 18 de novembro de 1938, ou seja, antes de posto em vigor o citado Código. Sempre tenho sustentado, com apoio em J. Barbalho (comentários à constituição de 1891, p. 435), que as leis que regem a repressão dos crimes são as vigentes ao tempo de sua prática, só se admitindo como ca-pazes de retroagir as que suprimem ou amenizam a pena (arg. do art. 122, 13, da Carta Constitucional).

O art. 183 do Estatuto de 1937 declara, expressamente, que “continua-riam em vigor, enquanto não revogadas, as leis que, explícita, ou implicita-mente, não contrariassem as disposições dessa Constituição”, e a Lei 244, de 1936, que criou o Tribunal de Segurança, em seu art. 3º, 2, deu a essa Corte de exceção a competência indeclinável para julgar os militares, assemelhados e civis, nos crimes contra as instituições militares previstos no art. 10, parágrafo único, e 11 da Lei 38, de 1935.

Esse dispositivo, que aludia aos delitos de incitamento a militares por meio de distribuição de boletins ou sua afixação nos quartéis, foi modificado, ou teve o seu conceito ampliado pelo art. 8º da Lei 156, de 1935, que se lhe seguiu, e cuja redação foi reproduzida, ligeiramente alterada no recente Decreto-Lei 438, de 1938. As demais, nem se argumente com o fato de o Decreto-Lei 88, de 1937, ter conferido ao Tribunal de Segurança competência privativa para pro-cessar e julgar apenas os acusados de crimes: a) contra a existência, a segurança e a integridade do Estado; b) contra a estrutura das instituições; c) contra a eco-nomia popular, sua guarda e o seu emprego (art. 4º), acrescentando, no artigo imediato, que considerava incluídas nas classes a e b os crimes a que se referiam as Leis 38 e 136, de 1935, e 244, de 1936.

Se o paciente, pois, foi processado por ter delinqüido em novembro de 1938, ainda ao Tribunal de Segurança cabia julgá-lo, não obstante a superveni-ência do Código de Justiça Militar, atribuindo essa competência aos seus órgãos judiciários, pois, como venho sustentando, em repetidos votos, os réus devem ser sempre amparados contra os efeitos de novas leis, sejam materiais, ou de organização e processo, máxime quando os interessados em invocá-la não as preferiram reservando-lhes o destino de somente regerem as infrações que daí em diante se cometessem. Voto, por isso, contra a preliminar.

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De meritis, o paciente foi denunciado como acusado de ter “ofendido gravemente os sentimentos do Exército Nacional, os seus brios e impoluta dignidade”, antepondo a figura do Marechal Duque de Caxias à de Henrique Dias, “ato intencional de menosprezo às classes armadas e à nacionalidade”. E acrescenta a denúncia que “no exaltar o valor dos comandados sobre o dos comandantes” teria o indiciado “incitado perigosa prevenção” na tropa “indu-zindo soldados à indisciplina”. Destaquei tais expressões dessa peça da instru-ção criminal, com o fim único de verificar se, assim se manifestando o paciente, poderia ter incorrido nas sanções do delito definido no art. 3º, 24, da Lei 431, de 1938, que considera punível a provocação ou o incitamento, por meio de pala-vras à prevenção, hostilidade ou desprezo contra as Forças armadas. É juris-prudência pacífica deste Tribunal que, em relação a pacientes pronunciados ou condenados, somente se concede habeas corpus, com o invocado fundamento, quando o fato por que respondem e pelo qual foram denunciados não constitui, evidentemente, crime previsto em lei penal.

É possível que, no artigo em apreço, não tenha tido o seu autor a intenção de ferir os melindres do Exército, nem de contribuir, deliberadamente, para o desprestígio das instituições militares. Esse mesmo propósito ele parece mesmo ter revelado no gosto de dar, como deu, largas explicações acerca do seu culto a essas instituições, em ordem a excluir toda a idéia — pejorativa, capaz de alcançá-los, nem tampouco a preocupação de fomentar a indisciplina nos quar-téis, até onde, por certo, não se destinavam a distribuição e divulgação da crô-nica, ou publicação de que se trata.

O exame, entretanto, do elemento subjetivo, indispensável à conceituação do crime, não é de ser feito na instância do habeas corpus, uma vez que exige a apreciação da prova, somente possível num processo de revisão.

Indefiro, por isso, o pedido.

VOTOO Sr. Ministro Costa Manso: De acordo com o voto que proferi no

HC 26.897, julgado em 19 de outubro do ano passado, considero incompetente o Tribunal de Segurança Nacional para processar e julgar o paciente. Eis o que en-tão sustentei: (lê) — O delito do art. 3º, 24, do Decreto-Lei 431 é assim definido:

Provocar ou incitar, por meio de palavras, gravuras ou inscrições de qual-quer espécie, prevenção, hostilidade ou desprezo contra as forças armadas (...)

É um delito contra as instituições militares, da competência da Justiça Comum, se a lei, na forma da Carta Constitucional, não sujeitá-lo à Justiça Militar. Não se enquadra, absolutamente, na competência do tribunal de exceção.

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Concedo, pois, o habeas corpus, com esse fundamento. Assim julgando, não tenho necessidade de verificar se o fato constitui, em tese, o delito em ques-tão. O juiz competente o decidirá. Se o paciente for de novo condenado é que o Supremo Tribunal poderá entrar nessa indagação.

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: Dois são os fundamentos do presente

pedido: não constituir crime o fato imputado ao paciente e, caso se julgue tal fato incriminado na lei, não ser competente para o processo e julgamento o Tribunal de Segurança, que condenou o mesmo paciente.

I — Quanto à primeira alegação — Para que, nos termos da jurispru-dência hoje pacífica de todos os nossos juízes e Tribunais, constitua matéria de habeas corpus, é mister que o fato, tal como está narrado na denúncia, não constitua crime; quer dizer que, para apreciar se o fato imputado é ou não crimi-noso, deve o juiz, no processo de habeas corpus, ter em consideração a narração que dele faz a denúncia, com abstração de quaisquer outros fatos ou circunstân-cias constantes de outras quaisquer peças do processo, ou provas aliunde.

Em se tratando de um fato que já foi apreciado por outro Tribunal, que o julgou punível à vista de toda a prova colhida no processo e em seguida a amplo debate em contraditório, maior deve ser a circunspecção do juiz superior, que, de plano e apenas ouvindo uma das partes, tiver de decidir sobre a criminalidade ou não do fato imputado num processo sumaríssimo como o de habeas corpus por meio do qual se pretenda cassar a sentença condenatória já passada em julgado. Neste caso, a meu ver, a ordem de habeas corpus só deverá ser concedia se o fato, tal como está narrado na denúncia, evidentemente, indubitavelmente não é crime.

A injúria ou o vilipêndio puníveis residem no pensamento ultrajante, ou sentimento de desprezo ou menoscabo, revelado publicamente por gestos, atos ou palavras; não nas próprias palavras, atos, ou gestos, em si mesmos. Quando as palavras, atos, ou gestos são em si mesmos ultrajantes, na opinião comum, ou em sua significação literal ou habitual, presume-se apenas que são contume-liosos; mas tal presunção pode ser excluída por prova em contrário; porque às vezes a palavra mais ofensiva, ou o ato ou gesto mais ultrajante, em sua signi-ficação ordinária, são empregados sem intenção de injuriar, ou de manifestar desprezo (por gracejo, ou mesmo como grosseira expressão de entusiasmo, ou de admiração). Tudo depende das circunstâncias, antecedentes, concomitantes, ou subseqüentes, em que foi proferida ou escrita a palavra reputada injuriosa ou deprimente, ou praticado o ato, ou gesto, tido por ofensivo.

O crime imputado ao paciente pela denúncia e que foi julgado provado pela sentença do Tribunal de Segurança, em grau de apelação, é o do art. 3º,

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24, do Decreto-Lei 431, de 1938: “provocar ou incitar, por meio de palavras, gravuras ou inscrições de qualquer espécie, prevenção, hostilidade ou desprezo contra as forças armadas.”

O escrito da autoria do paciente em que se baseou a denúncia, nos trechos por ela transcritos, reúne os elementos (material e psíquico) do crime definido no citado inciso do art. 3º da Lei de Segurança? — ou os de qualquer outro crime definido em lei?

As expressões e frases destacadas pela denúncia, interpretadas, como cumpre que o sejam, pela função que têm no conjunto do artigo incriminado (que visa convencer o leitor de que escolher para o Dia do Soldado a data aniversária do nascimento de um chefe militar — fosse ele um bravo general — é vexatório e humilhante para os soldados rasos que morreram pela Pátria) não são, em si mesmas inocentes e inócuas; antes traduzem (e, pois, provocam) o menosprezo, o menoscabo, o desprezo pelo Comando e pelos oficiais generais, cuja bravura, segundo diz o articulista “reside nos planos de ataque, e nas vozes de comando, enquanto que a dos oficiais menos graduados, suboficiais e praças de pret, se traduz na audácia pessoal com que enfrentam o inimigo para vencer ou morrer”.

Sendo o Comando e a instituição dos oficiais generais órgão essencial da instituição militar, o desprezo pelo papel que representam nas Forças Armadas há de agir necessariamente como um dissolvente do prestígio de que carece o próprio Exército, para se desempenhar da sua árdua missão.

Dir-se-á que, assim falando, não desprestigiava o paciente o Exército, ou o complexo de todos que dele fazem parte ou que o representam, senão uma classe de seus oficiais, os oficiais superiores.

Mas ainda assim o fato, abstratamente considerado, não deixaria de ser crime, pois constituiria — dadas certas circunstâncias — um incitamento à in-disciplina dos inferiores, praças ou oficiais subordinados.

Isso quanto ao elemento natural, puramente objetivo, do crime em questão.Quanto ao elemento psíquico, subjetivo, maior é a dificuldade de se con-

cluir pela criminalidade, ou não, do fato, tendo em consideração somente a de-núncia, com abstração dos antecedentes do fato e do réu e demais circunstâncias provadas nos autos.

Para a imputabilidade do delito em questão, é necessário, não somente o dolo genérico (a voluntariedade da ofensa objetivamente vilipendiosa, como a consciência de a dirigir à instituição protegida por meio da sanção penal) senão também o dolo específico (o fim, o intuito de vilipendiar a dita institui-ção) — vide Manzini Trattato; vol. IV, n. 1125, onde comenta o art. 290 do novo Código Penal Italiano, de 1930, que incrimina fato análogo, sob a denominação

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Ministro Carlos Maximiliano

de “vilipêndio” das instituições constitucionais e a estas equiparadas: as Forças Armadas e a ordem judiciária. Delicadíssima se torna então a missão do juiz pela incerteza dos confins entre a pura contumélia e a crítica filosófica, histórica ou política, cuja liberdade, para o progresso e melhoria das próprias instituições tuteladas, forçoso é resguardar. Desse ponto de vista, impossível é decidir-se se o fato concreto sub judice é ou não vilipêndio político (delito previsto no art. 3º, 24, da Lei de Segurança Nacional) sem apreciação aprofundada de toda a prova produzida, pro e contra o acusado — exame de alta indagação, inadmissível no processo sumaríssimo de habeas corpus.

No caso vertente, quer a defesa (para sustentar que o fato não incorre na sanção do citado artigo), quer a sentença de primeira instância (para absolver o paciente) largamente se socorrem de circunstâncias ambientes (antecedentes do réu, suas opiniões em outros escritos manifestadas, o comportamento da cen-sura policial em face do escrito que foi publicado, etc.); fatos, esses, que emer-gem da prova produzida na instrução do processo; donde se conclui que, para inocentar o escrito, forçoso é entrar no exame minucioso de todos os elementos de convicção existentes nos autos — o que não é da índole do habeas corpus.

II — Quanto à segunda alegação do impetrante — Quer se classifique o fato como constituindo o crime previsto no número 24 do art. 3º do Decreto-Lei 431, de 1938; quer se entenda que nele se configura o delito definido no número 13, princípio, do mesmo artigo (incitar militares (...) a infringir de qualquer forma a disciplina) — o que não me parece seja o caso; para o processo e julga-mento seria sempre competente o Tribunal de Segurança Nacional. Na primeira hipótese, a sua competência é manifesta, e ninguém a pôs em dúvida. Na se-gunda, pode parecer que o caso seja da competência da Justiça Militar, mas um exame atento da legislação em vigor, sobre os casos em que civis responderão pela Justiça Militar em tempo de paz, afasta logo essa dúvida. A Constituição de 1937, art. 111, depois de dispor sobre as pessoas sujeitas, em regra, ao foro especial nos delitos militares, acrescenta:

Este foro poderá estender-se aos civis, nos casos definidos em lei, para os crimes contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares.

“Poderá estender-se” — diz a Constituição. Não diz que se estenderá. Além disso, deixou à lei ordinária que viesse regulamentar o texto constitucio-nal a enumeração dos casos em que, por crimes contra a segurança externa do país, ou contra as instituições militares, deverão, em tempo de paz, responder os civis no foro militar. Foi o que fez o Decreto-Lei 510, de 22 de junho de 1938.

No inciso 3º do art. 1º (único que tem aplicação à hipótese), prescreve que serão processados e julgados no foro militar, em tempo de paz, os civis que, como autores, co-autores ou cúmplices, cometerem “crimes contra a disciplina

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das Forças Armadas, assim entendidos os crimes contra a honestidade e bons costumes e a segurança da pessoa e da vida.” Destarte ficaram excluídos da competência do foro militar, em tempo de paz, os crimes contra a disciplina das Forças Armadas que não atentem contra a honestidade e bons costumes ou a segurança da pessoa e da vida dos militares, os quais continuam a ser da com-petência do Tribunal de Segurança Nacional.

Não trouxe o recente Código da Justiça Militar (Decreto-Lei 925, de 2 de dezembro de 1938) modificação alguma ao que foi preceituado pelo citado Decreto 510, de 22 de junho de 1938, quando dispôs (aquele Código), no art. 88, letra i, que à Justiça Militar compete processar e julgar os civis, nos crimes de-finidos em lei (quer dizer: na Lei 510 citada), que atentem contra a segurança externa do país, ou contra as instituições militares.

Duvidoso, como é, em face da denúncia, isolada das provas a que deu lugar, se o fato constitui ou não o crime; o caso não é de se cassar, por habeas corpus, a sentença condenatória, e sim de se lhe promover a revisão pelo re-curso que a lei assegura.

Pelo exposto, denego a ordem impetrada.

VOTOO Sr. Ministro Eduardo Espinola: A Carta Constitucional de 10 de no-

vembro de 1936 declara no art. 172 que os crimes cometidos contra a segurança do Estado e a estrutura das instituições serão sujeitos à justiça e a processos especiais que a lei prescreverá.

Foi destinado a tal fim o Tribunal de Segurança Nacional (v. também o art. 122, xVII).

Se surge um conflito entre esse Tribunal e algum outro juízo ou Tribunal, compete ao Supremo Tribunal, como o tribunal máximo do país, resolver o con-flito, apreciando todas as circunstâncias do fato.

Se, porém, algum cidadão é preso e denunciado por crime que se diz co-metido contra a segurança do Estado ou a estrutura das instituições, e o tribunal especial se julga competente para o processo e condena o denunciado, sem que nenhum outro tribunal se julgue igualmente competente para o mesmo caso, de onde resulte o conflito, não me parece que caiba ao Supremo Tribunal examinar o fato em processo de habeas corpus, salvo uma incompetência evidente, para declarar que não constitui crime contra a segurança nacional ou a estrutura das instituições o fato como foi descrito na denúncia ou para declarar que, se crime existe, não é o pelo qual foi condenado, mas outro de competência do tribunal diferente, o que, aliás, só poderia fazer apreciando o fato, em sua exposição e seus elementos probatórios.

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Ministro Carlos Maximiliano

É o que me parece resultar dos princípios dominantes da Carta Constitucional e da prática de nossa jurisprudência.

Na hipótese, houve uma denúncia por crime contra a segurança nacional.O tribunal competente para tais crimes, em grau de recurso, condenou o

denunciado por achar que o fato constitui crime de tal natureza, e está provado. Não se suscitou conflito de jurisdição porque nenhum outro juiz ou tribunal se julgou competente para o mesmo crime.

Se o Supremo Tribunal, em processo de habeas corpus, pudesse declarar que, a despeito da condenação, o que se apura é que o fato complexo exposto na denúncia não constitui crime, para o que teria de examinar as circunstâncias, seria ele e não o tribunal especial que definitivamente julgaria, apreciando-o objetiva e subjetivamente; no caso sujeito, o crime que se submeteu à justiça o foi como crime contra a segurança nacional.

A caracterização dos crimes dessa natureza só excepcionalmente, no caso de conflito, ou de incompetência manifesta, como disse, poderá competir ao Supremo Tribunal.

Que, pelo menos, não se trata de incompetência evidente, resulta da discussão e dos votos dos colegas que me precederam. Que o fato descrito na denúncia constitui crime, decorre também dos votos anteriores, muito embora divirjam quanto à conceituação. Indefiro o pedido.

DECISãOComo consta da ata a decisão foi a seguinte: Foi denegada a ordem contra

os votos dos Ministros Laudo de Camargo, Cunha Mello e Costa Manso.

HABEAS CORPUS 27.084 — SP

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de HC 27.084, São Paulo, em

que são pacientes — Francisco Benedicto Pinheiro e Benedicto Bueno Pinheiro, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plena, negar a ordem impetrada, contra o voto do Ministro Relator, pelos motivos expostos nas notas taquigráficas juntas como parte integrante deste. Custas na forma da lei. Publique-se e intime-se.

Rio, 19 de abril de 1939 — Eduardo Espinola, Presidente — Washington Osório de Oliveira, Relator ad hoc.

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Memória Jurisprudencial

RELATóRIOO Sr. Ministro Costa Manso: Francisco Benedito Pinheiro e Benedito

Pinheiro Bueno foram processados, na Comarca de Atibaia, Estado de São Paulo, pelo crime de homicídio. O Tribunal do Júri, a 27 de janeiro de 1935, os condenou, mas o julgamento foi anulado, em provimento de apelação que in-terpuseram. A 21 de outubro do mesmo ano, conseguiram absolvição. Houve, porém, apelação ex officio do Juiz de Direito, e o tribunal de 2ª instância, jul-gando que a decisão era manifestamente injusta, mandou submeter o processo a um terceiro julgamento. Efetuou-se este a 28 de abril de 1936, e o veredictum foi condenatório. Em virtude de protesto por novo Júri, procedeu-se a um quarto julgamento, a 22 de julho seguinte, igualmente anulado em segunda instância. O mesmo sucedeu com o quinto, datado de 19 de abril de 1937. Finalmente, a 29 de janeiro de 1938, já na vigência do Decreto-Lei 167, de 5 do mesmo mês, o Júri, em sexto julgamento, absolveu os pacientes. O Ministério Público ape-lou, e o Tribunal de Apelação, aplicando o art. 96 do novo estatuto do Júri, deu provimento ao recurso, para condenar os acusados no grau máximo da pena do art. 294, § 1º, do Código Penal.

O solicitador Manoel de Toledo entende que essa última decisão é ilegal. O processo — alega — foi organizado sob o império da legislação anterior, que estabelecia o sistema inquisitório, abolido pelo art. 122, 11, da Carta de novembro de 1937. Os réus não tiveram a vantagem da instrução contraditória, que é a base do novo sistema. O Tribunal de Apelação não podia, pois, intervir no exame das provas, para alterar o veredictum do Júri. É, aliás, o que dispõe o art. 106, § 3º, do citado decreto-lei. Demais — prossegue — o Tribunal de Apelação já se havia manifestado sobre a prova, quando deu provimento ao re-curso ex officio, e, assim, não podia, mais uma vez externar-se a respeito. Esse é o espírito da antiga legislação que não só vedava mais de um daqueles recursos, como também determinava que fosse convocado outro juiz de direito para pre-sidir à sessão do Tribunal do Júri.

Conclui impetrando uma ordem de habeas corpus, para que, havido por insubsistente o acórdão condenatório, prevaleça o veredictum do Júri, e, em conseqüência, sejam os pacientes postos em liberdade.

VOTOO Sr. Ministro Costa Manso (Relator): O invocado art. 106, § 3º, do

Decreto-Lei 167, preceitua:

O disposto no art. 96 só se aplicará aos processos julgados pelo Júri na vigência desta lei, prevalecendo, neste particular, em relação aos julgados ante-riormente, a legislação processual até então vigente.

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O legislador, como se vê, consagrou expressamente a regra de direito que manda aplicar aos recursos a lei em vigor ao tempo da decisão recorrida.

O preceito constitucional que assegura aos acusados ampla defesa e es-tabelece a instrução contraditória não é ferido pelo mencionado princípio, uma vez que a legislação anterior não só já havia deformado o processo inquisitório da formação da culpa, facultando à defesa a produção de alegações e provas, em prazo que podia solicitar no interrogatório, mas também assegurava no ple-nário o direito à apresentação de alegações, documentos, prova testemunhal e qualquer outra.

Da circunstância de ter havido antes uma apelação ex officio resultou apenas o impedimento do juiz de direito apelante. O tribunal de 2ª instância, porém, não perdeu, em princípio, a faculdade de apreciar a prova.

Não procedem, pois, as alegações do impetrante.Eu, porém, reputo inconstitucional o art. 96 do Decreto-Lei 167.A Carta Política de 1937, afastando-se das Constituições de 1891 e 1934,

não aludiu à instituição do Júri. O legislador ordinário podia conservá-la ou extingui-la. Mas, optando pela conservação, não podia abandonar as caracte-rísticas essenciais do órgão da justiça popular. Do contrário, criara o legislador um tribunal criminal comum, que só poderia existir se os seus juízes fossem revestidos dos requisitos constantes do art. 91 da Carta.

Para que, pois, o Júri subsista, é mister eliminar do Decreto-Lei 167 os dispositivos que deformam a instituição, como, entre outros, o que submete o veredictum dos jurados, no seu merecimento, a exame e emendas do Tribunal de Apelação. Para haver Júri é indispensável que os jurados julguem definiti-vamente. A justiça togada somente pode anular o julgamento, quando não te-nham sido observadas as formalidades legais substanciais. Admite a tradição a apelação fundada em injustiça notória, mas interposta uma só vez, e para que o processo seja enviado a um novo Júri. Tudo o que for além dessas providências imprime ao órgão judicante o vício de inconstitucionalidade.

O Tribunal de Apelação, pronunciando a condenação, reconheceu que o processo correu sem nulidades. O veredictum absolutório proferido pelo Júri deve, portanto, subsistir. Concedo, para esse efeito, o habeas corpus, devendo os pacientes ser postos em liberdade.

VOTOO Sr. Ministro Washington de Oliveira: Senhor Presidente, ouvi, com a

maior atenção o voto do Sr. Ministro Relator. Todavia, não me convenci, ainda, da inconstitucionalidade da lei em apreço: se a Constituição não conservou a

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instituição do Júri, a lei ordinária não pode ser considerada inconstitucional por a ter modificado ou alterado em alguns postos.

O Sr. Ministro Costa Manso (Relator): A lei ordinária deformou a ins-tituição, eliminando alguns dos seus elementos essenciais. Não houve apenas modificação.

O Sr. Ministro Washington de Oliveira: Deu-lhe forma nova, sem alterá-la.O Sr. Ministro Costa Manso (Relator): Suponha V. Exa. que a lei criasse

tribunal com jurados nomeados pelo Juiz de Direito ou pelo Governo, sem sor-teio; seria Júri?

O Sr. Ministro Washington de Oliveira: Se a Constituição tivesse man-tido a instituição, as leis teriam de respeitá-la, tal como era, antes; mas, desde que não a conservou, podia, a lei ordinária dar-lhe forma diferente da que tinha. Logo, inconstitucionalidade, propriamente, não existe.

Deturpa, é verdade, a lei a finalidade do júri popular, concedendo ao tribunal superior a faculdade de aplicar, diretamente, a pena, o que deveria ser feito pela justiça popular. Há, nisso, restrição ao direito da parte, como no caso em que o réu é condenado pelo tribunal superior ao máximo da pena do art. 294.

Parece-me que será um defeito da lei ordinária, mas não um caso de in-constitucionalidade. Esta é a minha impressão.

Nessas condições, denego a ordem.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, denego a ordem, por

entender que o Decreto-Lei 187, ora em discussão, não é inconstitucional.

VOTOO Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, a inconstitucionalidade

argüida não é, pelo menos, evidente. As Constituições anteriores se referiam ao Júri, que era mantido e conservado tal como estava organizado pelas leis ordi-nárias. A Constituição de 1937, entretanto, não se referiu a esta instituição, que passou a se submeter às regras da lei ordinária.

Assim, atualmente, uma lei que modifique a legislação quanto aos recur-sos, estabelecendo a competência dos juízes togados para modificar sentenças proferidas pelos juízes de fato, é perfeitamente legítima.

Por esse motivo nego a ordem.

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VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, o brilhante voto

do ilustre colega Ministro Costa Manso leva-me, exatamente, à conclusão oposta, com a devida vênia.

Desde que a Constituição atual, que estabelece a forma de se organizar o Poder Judiciário, não fez referência ao júri, a dúvida que poderia surgir era esta: se podia haver um outro tribunal que não aqueles previstos pela Constituição, isto é, se poderia haver um tribunal formado por cidadãos ignorantes de direito, sem toga, sem tirocínio técnico, sem cultura jurídica alguma, ponto esse que já foi levantado e decidido, uma vez que o Tribunal aceitou a lei do júri como não incompatível com a Constituição.

Tendo a Carta Constitucional aberto mão do júri — esta forma especia-líssima inglesa de julgamento dos criminosos e desastrada para os povos lati-nos —, o legislador ordinário teve a tolerância de atender a uma certa corrente de opinião e restabelecê-lo com restrições.

Desde que se não considere inconstitucional o júri em si, por ser uma forma de organização comum não prevista na Constituição, ele é uma criação exclusiva do legislador ordinário, não se regulando por princípio constitucional algum.

Inconstitucional é aquilo que está em desacordo com o que preceitua a Constituição. Ora, a Constituição nada preceitua sobre o júri. Como pode uma lei que regula essa instituição estar em desacordo com uma coisa que não existe?

Desde que se restabeleceu o júri, julgo, até, que foi uma idéia feliz res-tringir a sua competência. As decisões do júri são clamorosas. É mais perigoso matar uma vaca que matar uma mulher, porque o indivíduo que mata bovino alheio será certamente condenado, ao passo que o que mata uma mulher é sem-pre absolvido pelo júri. Via de regra, os nossos jurados reconhecem a privação dos sentidos e inteligência. Verifica-se, entretanto, o contrário na Inglaterra. Ali, o júri é muito mais rigoroso que o tribunal comum. É raríssimo o assassino que não é enforcado.

Conheci um cidadão que, viajando a bordo de um navio inglês, teve gra-ves perturbações devido ao enjôo, ficou semilouco e matou a mulher. Porque o crime se consumara em navio inglês, embora o passageiro fosse português e se destinasse a Portugal, movimentou-se a diplomacia e ele só se salvou porque Portugal entrou na guerra naquela ocasião. O juiz presidente recomendou o caso à clemência do soberano, e este perdoou o réu, com a condição, porém, de este sair imediatamente da Inglaterra, aonde ele nunca pretendera ir.

O júri, na Inglaterra, foi instituído para evitar perseguições políticas e, neste terreno, é inexorável: os criminosos políticos são sempre absolvidos, a

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menos que o crime seja claríssimo; mas, quando se trata de crime comum, é certíssima a condenação.

No Brasil, uma vez que se restabeleceu a instituição do júri, é natural, e foi justo, que se desse ao juiz togado a possibilidade de reformar as sentenças dos juízes de fato.

Nego a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly: O Juri figurou, nas Constituições de 1891

e 1934, como instituição de indeclinável substituição e, apesar de mutilada a sua competência por vários preceitos de lei ordinária, prevaleceu como último reduto dos julgamentos populares.

Compreender-se-ia, portanto, que às Cortes de recurso se negasse a facul-dade de examinar o mérito das decisões apeladas.

A Carta Constitucional de 1937, entretanto, não lhe fez a menor referên-cia, e a sua criação e regulamentação pelo legislador ordinário, dando-lhe maior ou menor amplitude, não podem ofender a qualquer garantia constitucional, ainda que se distancie da doutrina e da conceituação tradicional do instituto.

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: Se a Carta de 1937 tivesse mantido a

instituição do Júri, tal como existia entre nós, como o fizeram as Constituições de 1891 e 1934, dúvidas não teria em acompanhar o Sr. Relator.

Mas é o contrário o que se dá, pois a aludida Carta silenciou a respeito.Nessas condições não encontro preceito inconstitucional algum violado.

VOTOO Sr. Ministro Armando de Alencar: Senhor Presidente, também nego a

ordem porque, para mim, não há inconstitucionalidade manifesta na aplicação da lei nova.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negaram a ordem contra

o voto do Ministro Costa Manso, que a concedia, por julgar inconstitucional o art. 96 da Lei do Júri.

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HABEAS CORPUS 27.350 — RS

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de HC 27.350, do Rio Grande

do Sul, em que é paciente Napoleão Brum e impetrantes os Drs. Pedro Vergára e Lucidio Ramos: acordam, por maioria de votos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plena, em conhecer do pedido e negar a ordem pe-los fundamentos dos votos constantes das notas taquigráficas juntas às folhas.

Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 1939 — Eduardo Espinola, Presidente — José Linhares, Relator designado.

RELATóRIOO Sr. Ministro Octavio Kelly: Napoleão Brum, pronunciado pelo Juiz

de Direito de Cruz Alta, Estado do Rio Grande do Sul, como incurso nas san-ções do art. 294, § 2º, da Consolidação das Leis Penais, acusado de ter assas-sinado Fidencio Dill, na tarde de 8 de outubro de 1930, impetrou ao Tribunal de Apelação do Estado uma ordem de habeas corpus, sustentando estar o fato por que responde compreendido na anistia concedida pelo Decreto 19.935, de 8 de novembro de 1930, não havendo, por isso, razão para a imposição de qual-quer pena criminal. A Corte local proferiu o acórdão de fl. 33v. do apenso, e, interposto recurso da decisão denegatória do amparo, a Primeira Turma deste Supremo Tribunal lhe negou provimento pelas razões expostas no voto ven-cedor de fl. 50. O impetrante renova a súplica, mas o faz perante dita Corte, originariamente, alinhando os seguintes motivos na inicial: a) que ao Juiz local não pode dirigir-se, por ser o coator, de quem se queixa, prolator que fora do despacho de pronúncia; que, por igual, não poderia voltar a solicitar a ordem ao Tribunal local, de vez que o acórdão denegatório já mereceu exame e aprovação de uma das Turmas deste Alto Colégio; que, por conseguinte, somente por um pedido originário se lhe facultaria o conhecimento do pretendido amparo; b) que o crime imputado ao paciente é conexo de crime político, consistente no surto revolucionário de 1930, irrompido no remoto estado sulino, e, como tal, está alcançado pelo efeito da anistia do apontado diploma; c) que a conexidade re-sulta da íntima ligação existente entre os atos revolucionários, que constituí am o objetivo do referido movimento subversivo, e a morte da vítima, originada da oposição, que lhe era atribuída, à formação de contingentes de voluntários, destinados a engrossarem as hostes que marchavam contra o Governo de então; d) que o paciente era revolucionário, fazendo parte das forças que, ao tempo do crime, acantonaram no 8º R. I. de Cruz Alta, onde empregava todo o empenho no alistamento de populares, enquanto a vítima desenvolvia uma resistência ostensiva à obtenção desses elementos, tudo fazendo para os desincorporar; e)

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que a morte de Dill ocorreu como uma necessidade reclamada para a vitória da Revolução, que via nele um perigoso contra-revolucionário, atitude essa que te-ria armado o braço do paciente para feri-lo e eliminá-lo, num encontro, em que mais se acentuaram os propósitos de resistência e obstinação à organização de forças que procurava reunir; f) que, não havendo animosidade pessoal entre o paciente e a vítima, nem qualquer motivo que justificasse o assassínio, é fora de dúvida que a razão de ser do crime fora tão só o interesse da Revolução, que o acusado receava ver prejudicada pela atuação e exemplos de seu antagonista; g) que a Revolução é um complexo de fatos que se entrosam e se ajustam em busca de um resultado comum, para o qual cada um concorre como fator próximo ou distante, em benefício da mesma causa, a que todos querem servir, devendo, por isso, reputar-se conexo o crime embora praticado fora do plano de insurreição traçado por seus chefes, mas que com seus objetivos se filiam, numa relação de causa e efeito; h) que, na espécie, ao assassínio de que se trata foi um ato revolu-cionário, pela sua origem e pelos seus fins, está, por isso, alcançado pela anistia com que o Governo discricionário beneficiou os participantes da insurreição, incluindo na medida de clemência os acusados de crimes conexos, inquestiona-velmente, aludidos no texto do diploma.

É o relatório.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): Conheço do pedido. É jurispru-

dência pacífica que, no caso de este Tribunal, em grau de recurso, já haver apre-ciado uma súplica de habeas corpus para denegá-la, examinando-lhe o fundo, que a renovação do apelo não mais poderá ser aforada em qualquer das circuns-tâncias inferiores, mas, originariamente, perante ele.

De meritis.O exame das provas que os autos oferecem, remontando aos antecedentes

do fato e às circunstâncias que cercaram a perpetração do homicídio, mostra que o móvel do delito não fora a satisfação de sentimentos individuais subalternos, mas a exaltação revolucionária, que via nos que lhe condenaram os propósitos, a centelha da reação a reclamar imediata repulsa. Certo um temperamento menos ardoroso poderia não chegar à prática de um assassínio diante da provocação da vítima, mas o contágio do espírito de violência que, por vezes, domina a men-talidade dos que dão a vida em sacrifício de um ideal faz com que a eliminação de uma outra, que lhe contrarie os desígnios, não mereça piedade ou proteção. A só injúria ou exprobação de atitudes, do ordinário, basta para provocar acon-tecimentos semelhantes; que se diria então quando à palavra se segue a ação insidiosa e insistente, na ocasião em que o interesse da Revolução estava a exigir o máximo de colaboração para o seu êxito, representando a crítica, ou o

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desencorajamento, meios passivos de atacá-la e enfraquecê-la? Testemunhas do processo não ocultam que a vítima, desertando das hostes revolucionárias, não se contentara com afastar-se do movimento, mas procurara persuadir aos que se alistavam para servi-la, que lhe imitassem o exemplo, de vez que a insurreição, em seu entender, visava tão somente sacrificar os pobres em proveito dos ricos, como se referira, em expressivo depoimento, a mulher de um dos capatazes da fazenda de seu pai, arrancada pelo assassinado às fileiras dos combatentes, ver-são, aliás, não destruída, mas, antes, confirmada em relação a este e a outros vo-luntários pelas demais testemunhas ouvidas na instrução do processo. No crime do paciente, todos os índices de ligação com a insurreição armada parecem-me satisfeitos, o que basta para considerá-lo conexo com o delito político, que a vitó-ria consagrou como uma reivindicação de princípios em nome dos quais se fizera a Revolução. Não é possível dissociá-lo, para puni-lo à parte, como ato delibe-rado de um agente que não teria outro motivo para praticá-lo, se não fora a visão tumultuaria do momento, sob os impulsos de um temperamento trabalhado pela paixão política, nem sempre, a tempo, sopitados, nos seus exageros e nos seus excessos. Concedo a ordem, pois que reputo extinta pela anistia a ação penal em apreço. (consolidação das Leis penais, art. 71, n. 2).

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, não conheço do habeas corpus, porque foi apresentada a mesma matéria já apreciada em recurso.

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, conheço do pedido porque se trata, em primeiro lugar, de uma medida acauteladora da liberdade individual. Bastaria mesmo que houvesse divergência, aqui no Tribunal, acerca deste ponto para que eu me sentisse habilitado a dar o meu voto neste sentido. Além do mais, já há precedente, que foi invocado.

Por esses motivos, conheço do pedido.

VOTO(Preliminar)

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Senhor Presidente, não tomo conheci-mento do habeas corpus, conforme tenho sempre votado. Trata-se de reiteração de pedido pelos mesmos motivos. Ora, tanto os Decretos 19.656 e 20.106, que organizaram o Supremo Tribunal, como o nosso próprio regimento, contêm dis-positivos que não admitem tal reiteração.

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VOTOO Sr. Ministro Washington de Oliveira: Senhor Presidente, entendo que o

exame da prova é indispensável para a solução de caso desta natureza. Por esse motivo, parece-me que o recurso de habeas corpus não é meio idôneo, sim o de revisão do processo.

Por conseguinte, nego a ordem.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, o caso não me parece

tão simples como ao ilustre advogado impetrante do pedido. O presente pro-cesso envolve, de fato, o exame da prova dos autos, não podendo, por conse-guinte, este Tribunal, a priori, sem o exame detido deles, chegar à conclusão a que chegou S. S.

O fundamento do pedido é o de que não constitui crime o fato delituoso de homicídio cometido pelo paciente em uma pessoa que entrara na sua fazenda para impedir a formação de um batalhão patriótico. Todos esses fatos exigem o exame detido da prova, para que o Tribunal chegue à convicção de que, na ver-dade, não existiu crime, ou, se houve, desapareceu em face do decreto de anistia.

Penso, por conseguinte, que o habeas corpus não é meio idôneo para dar liberdade a quem está pronunciado por fato que constitui crime e, ademais, por Tribunal que examinou, devidamente, a prova dos autos.

Nestas condições, denego a ordem.

ExPLICAçãOO Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): Senhor Presidente, é cânon pa-

cífico, em jurisprudência, que o habeas corpus não comporta, em regra, o exame da prova. Também eu tenho sustentado tal ponto de vista, neste Tribunal. Precisamos, porém, distinguir e examinar com certo rigor e, com certa justeza, a razão de ser deste princípio.

Na espécie, trata-se da verificação do alcance de anistia, cujo reconheci-mento importa na supressão do crime.

Em caso dessa ordem, se se quer aplicar o decreto de anistia, não é pos-sível fugir ao exame da prova do fato, mesmo em habeas corpus. Não fazemos essa pesquisa, nos casos comuns, para verificar, por exemplo, se o Paciente, em face dos elementos dos autos, foi bem ou mal pronunciado, justa ou injus-tamente condenado; para verificar se o fato narrado pela denúncia constitui ou não crime, havemos de examiná-la em face também do fato. Se precisamos,

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porém, dizer da inexistência de crime por se ver alcançado pela anistia, indis-pensável é examinar se esse crime está entre os que forem cobertos por esse ato de clemência legislativa. Ora, como o verificaremos, se fugirmos aos índices da prova? Esta é que nos mostrará a natureza específica do crime. Ela é que, no caso presente, há de identificar os motivos da preparação criminosa, os seus intuitos, a sua finalidade. Somente ela nos permitirá verificar se o objetivo do crime comum tem ou não relação com o político, a que se prendera como causa aderente. Como poderemos declarar que o paciente sofre constrangimento ile-gal, por não lhe ter sido reconhecido o direito à liberdade advindo da anistia decretada, se não descermos ao exame desses elementos?

Daí a razão por que não dispensa esse exame. E, descendo, a ele peço a atenção do Tribunal para os depoimentos das testemunhas, que fortalecem a minha opinião e me levaram a justificar as razões que enunciei, principalmente o da mulher de Manoel Castelhano, capataz da fazenda do pai do acusado, ora paciente, afastado da Revolução, exatamente por insinuação e inexistência da própria vítima.

O Sr. Ministro José Linhares: V. Exa. deve ler a denúncia.O Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): Esta denúncia não está calcada

nos fatos apurados pelo inquérito, conforme o demonstram os depoimentos.O Sr. Ministro José Linhares: Então, a questão é de revisão de processo.O Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): Temos de aplicar o decreto de

anistia. Esta lei considera anistiados os acusados de crimes comuns que tenham conexidade. É nosso dever indeclinável e a ele não podemos fugir, porque, do contrário, denegaremos justiça. Não podemos remeter o processo para instância de revisão, já porque ainda não há condenação, já porque não se trata de averi-guar-se o grau de culpa dos acusados.

Pede-se o pronunciamento do Tribunal acerca do desaparecimento do crime por efeito de anistia. Todos sabemos que a anistia é medida de grande alcance po-lítico, destinada a apagar paixões, a conter ressentimentos, a evitar retaliações, e a impedir que se avolumem desejos de vingança, entre os que foram vencidos.

Precisamos, por conseguinte, como dizia, examinar se houve ou não co-nexidade que a justifique.

No caso vertente, sabemos que o assassinato se deu, o crime está pro-vado; resta indagar apenas a sua natureza, a conexão com o crime político. Para isso seremos forçados a examinar todos os fatores, próximos ou remotos.

Por isso, é que julguei o habeas corpus meio apto para, em casos tais, as-segurar garantir à liberdade. Dele conheci e mantenho o meu voto, conhecendo a ordem.

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VOTOO Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, o advogado, com o bri-

lho com que vem precedido o seu nome, sustentou da tribuna, com muita habi-lidade, o pedido de habeas corpus, sob o fundamento de que crime não havia, porque o ato estava coberto pela anistia, de que trata o decreto de 8 de novembro de 1930. Este impediu que se punisse todo e qualquer ato, previsto pelo Código Penal, que se relacionasse com o movimento revolucionário de 1930, que im-plantou nova ordem de coisas no Brasil.

Todavia, para se saber se cabe habeas corpus, sob o fundamento de que crime não existe, em virtude de estar o fato coberto pela anistia, é preciso, antes de tudo, indagar se o ato delituoso tem, pelas suas circunstâncias, ligação di-reta, ou mesmo tanto remota, como movimento revolucionário de 1930.

O Sr. Ministro Armando Alencar: O próprio Procurador-Geral do Estado assim o afirmou.

O Sr. Ministro Cunha Mello: Realmente, o Procurador-Geral do Estado isso afirmou; mas o Tribunal Riograndense julgou de modo contrário, depois de examinar as provas. Ora, se nos temos de guiar por alguma opinião estranha, devemo-nos orientar pela narração do Ministro Relator, que nos deu a conhecer os pormenores do feito, lendo o julgado da Corte do Rio Grande do Sul.

Não se tratava, segundo o Tribunal local, de crime político, porque o fato não era conexo com a Revolução de 1930.

Disse o Sr. Ministro Octavio Kelly que é preciso examinar o caso sob ou-tro prisma, porque ele não é igual aos habeas corpus comuns, onde, em regra, não se pode examinar a prova. Este caso está, todavia, enquadrado nesses ha-beas corpus comuns, a meu ver, porque não é possível classificar o crime, sem, primeiro, examinar-lhe as circunstâncias.

Ora, para examinar as circunstâncias e declarar se o fato se enquadra ou não entre os crimes políticos, é preciso entrar no exame das provas.

Pergunto eu, então, se, em tal hipótese, é o habeas corpus remédio idô-neo, ou se o é, só, a revisão criminal?

Ademais, se tal crime fosse ligado com o movimento vencedor de 1930, o atual governo, que surgiu daquele movimento, não teria antes vindo em amparo do paciente?

Tudo isso me leva a crer que, no caso, não se pode examinar a espécie em simples processo de habeas corpus. Será mais caso de revisão criminal.

O Sr. Ministro Carvalho Mourão: Nem se torna preciso requerer a revisão criminal, porque, no caso, basta requerer ao juiz do processo, alegando estar o fato enquadrado na anistia.

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Ministro Carlos Maximiliano

O Sr. Ministro Cunha Mello: Nessas condições, conheço do habeas cor-pus, mas nego, pelo exposto, a ordem impetrada.

VOTOO Sr. Ministro Armando de Alencar: O crime de que é acusado o paciente

verificou-se em 8 de outubro de 1930, em plena agitação subversiva do Estado do Rio Grande do Sul, que se propagou a todo o país e culminou pela sua vitória.

Os crimes praticados com esse objetivo político e os que lhe foram cone-xos foram anistiados expressamente por lei.

Ora, do parecer do Dr. Procurador-Geral daquele Estado e do conheci-mento que tenho do extremo a que são ali levadas as atitudes revolucionárias, não posso deixar de reconhecer a íntima ligação de causa e efeito, entre o crime praticado pelo paciente e aquele movimento político, para cujo êxito ali se cos-tuma jogar a própria vida.

Por esses fundamentos, reconheço a conexão entre o crime em questão e aquele movimento político, e assim em conseqüência, estar abrangido o crime atri-buído ao paciente pela lei que expressamente concedeu anistia, tanto aos crimes, propriamente políticos com os que, por força de compreensão lhe são conexos.

Concedo a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, um dos efeitos

da anistia é, precisamente, libertar os acusados de qualquer processo. Por con-seguinte, se nós, agora, exigíssemos que cada anistiado fosse a processo para provar sua inocência, o decreto seria desnecessário.

Todas as anistias decretadas no Brasil deram margem a inúmeros pedidos de habeas corpus e o Tribunal deles sempre tomou conhecimento. Aliás, não há outro meio. Como vamos mostrar a conexidade entre dois fatos sem entrar no exame da prova das circunstâncias que os determinaram?

Se não se examinassem os fatos e suas circunstâncias, a anistia a favor dos crimes conexos seria medida inócua. Como podemos provar, repito, que o crime é conexo sem examinarmos as provas determinantes do fato?

Na hipótese dos autos, o crime se deu na própria fazenda do indivíduo apontado como matador. Quer dizer que o assassino e a vítima eram mais ou me-nos camaradas; separaram-se e brigaram por motivos políticos. Aquele que ati-rou primeiro — por sinal o mais fraco e menos valente — foi o mais feliz; morreu o outro. A política, pois, foi a razão única do crime. Ora, sem se examinarem todas essas circunstâncias, não se pode, de modo algum, aplicar a lei de anistia.

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Quando da outra Revolução, no Rio Grande do Sul, em São Gabriel, certo fazendeiro teve, também, rixa, matando peões do adversário. Houve pedido para se aplicar a anistia, que fora decretada e o Tribunal, unanimemente, a con-cedeu, exatamente em virtude da anistia, pelo fato de considerar que vítimas e assassino eram adversários políticos, até inimigos figadais por este motivo.

Temos, pois, de examinar a prova.O Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): Como fez o Tribunal do Rio

Grande do Sul.O Sr. Ministro Carlos Maximiliano: No caso, a vítima foi morta quando

procurava afastar o capataz que ia para a Revolução.Tenho de examinar este fato, para ver a conexidade com a causa política, e,

examinando-a, não posso chegar a outra conclusão senão a de que o motivo deter-minante desse fato lamentável foi a exaltação provocada pela Revolução de 1930.

Por todos esses fatos, concedo a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: O processo sumário de habeas corpus

não comporta a apreciação de provas.Na espécie, para se conhecer da alegada conexidade, a fim de aplicar a

anistia, torna-se necessária essa apreciação.Sendo assim, nego a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: Senhor Presidente, a anistia é causa

extintiva da ação penal, logo que concedida. A ação, se existe, esteja em que ponto estiver, é posta em perpétuo silêncio e o fato esquecido, como a própria etimologia da palavra o indica.

Daí, todos os códigos de processo regularem o modo de se julgar a alega-ção da anistia, quando ela ocorra como incidente do processo criminal. Se, por acaso, não há processo, a anistia será alegada logo na defesa, como causa que exclui a ação, de carência de ação. Não pode haver ação porque houve anistia.

Se, porém, o processo prossegue, alega-se ao juiz a anistia e ele, antes de tudo, examina o processo a fim de ver se o fato se compreende no respectivo decreto. É problema que, na técnica do direito, se chama — subsunção. Ver se o fato está compreendido na norma legal.

Tenho em mãos o Código do Processo do Distrito Federal, que rege a hi-pótese da mesma forma, acredito, porque o faz o Código do Rio Grande do Sul.

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Ministro Carlos Maximiliano

Diz ele, nos arts. 609 e 611:

Art. 609. A anistia, concedida pelo Congresso Nacional, será comuni-cada pelo Ministro da Justiça ao juiz executor, ou ao da ação, se ainda não hou-ver sentença exeqüenda.

Art. 611. Recebida a comunicação da anistia, que consistirá na cópia da lei, e mandando-a juntar aos autos, o juiz, por sentença, declarará extinta a culpa nos termos da mesma lei e porá em perpétuo silêncio o processo.

Geralmente, tal problema de subsunção é muito simples; porque no de-creto de anistia são determinados os fatos anistiados de modo a não haver dú-vida sobre quais sejam.

Neste caso, por exemplo, o decreto anistiou, em primeiro lugar, todos os crimes políticos da Revolução de 1930, todos os atos de revolução que constitu-íam crime político. Facílimo é saber-se se o fato está ou não compreendido nos delitos políticos anistiados.

Em seguida anistiou os crimes comuns, conexos. Saber-se se um crime comum é conexo ou não com o político é questão de fato, de alta indagação, muitas vezes.

É preciso, como disse o Sr. Ministro Cunha Mello, examinar a fundo a prova para saber qual a relação direta (porque há de ser direta) que existe entre esse crime e o delito político.

Ora, tal exame da prova não é admissível em habeas corpus.Respondo, assim, às objeções que têm sido formuladas pelos ilustres co-

legas e que mais pesam no espírito de quem ouve este debate. A primeira é que este Tribunal já concedeu habeas corpus com o fundamento de se achar o fato compreendido na anistia.

Naturalmente o terá feito, porque se tratava de um fato tão simples que bastava a narração dele para enquadrá-lo no decreto. Evidentemente, negada a anistia pelo juiz, pode pedir-se habeas corpus; mas deve-se desde logo pro-var que o juiz, da ação ou da execução, negou o pedido de anistia. Nesse caso, sim, é de se conceder o habeas corpus, quando a apreciação do fato não exija exame de prova.

Se, porém, há necessidade de exame da prova, não é possível conhecer do assunto por meio de habeas corpus.

O acusado deve dirigir-se ao juiz da ação, pedindo declare extinta a ação penal; já que ele, ex officio, não o fez.

Se o juiz se negar a declarar, por sentença, será então caso de habeas cor-pus, se de plano se puder apreciar o fato.

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Memória Jurisprudencial

Num caso como o presente, cabe ao juiz do processo conhecer do pedido. Não é possível resolvê-lo por meio de habeas corpus. Em consciência, sinto não ter os elementos necessários para decidir uma questão como essa de plano. Não tenho os elementos precisos para afirmar, com segurança e consciência, se o delito é ou não conexo com a Revolução de 1930.

Devo também dizer que não adoto o critério de julgar o crime comum co-nexo com o político porque tenha obedecido a tais ou quais motivos. O conceito de conexidade é objetivo e não subjetivo. Consiste ela na relação objetiva entre um fator e outro; por exemplo: quando um crime serve de meio para a prática de outro, ou ainda, quando é cometido em conseqüência de outro (para assegurar a fuga do criminoso, para destruir os vestígios do delito etc.).

São relações desta natureza entre os fatos que devem ser tidos em consi-deração para saber-se se o crime é ou não conexo. Para conhecê-las, porém, é preciso ter conhecimento aprofundado das circunstâncias em que foi cometido; o que se não pode lograr no processo sumaríssimo de um habeas corpus.

Por todos estes motivos, julgo o habeas corpus, meio inidôneo e, assim, nego a ordem.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Preliminarmente, co-

nheceram do pedido contra os votos dos Ministros José Linhares e Carvalho Mourão. Negaram a ordem contra os votos dos Ministros Octavio Kelly, Relator, Armando de Alencar e Carlos Maximiliano. Presidiu o julgamento o Ministro Eduardo Espinola, Vice-Presidente.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 27.563 — DF

Os serviços de carpinteiro e marceneiro efetuados nas oficinas das casas de correção constituem os trabalhos a que foram conde-nados os réus; não se consideram externos e de utilidade pública.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso de habeas corpus,

em que é recorrente e paciente José Lourenço de Mello e recorrido o Tribunal de Apelação do Distrito Federal: O paciente foi condenado pelo júri à pena de doze anos de prisão, e pelo juiz da 5ª Pretória à de cinco meses, sete dias e doze

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Ministro Carlos Maximiliano

horas; cumpriu seis anos, seis meses e oito dias; pediu livramento condicio-nal, alegando serviços externos de utilidade pública; concordaram o Conselho Penitenciário e o Ministério Público; mas o juiz da execução negou a soltura do réu, porque este fora condenado à prisão com trabalho; os serviços alegados eram os efetuados na carpintaria e marcenaria da Casa de Correção, precisa-mente os próprios de condenados nas circunstâncias referidas (informação à fl. 7). O réu pediu habeas corpus, que foi negado pelo acórdão de fl. 12. Ele recor-reu. Os serviços alegados são precisamente os próprios dos condenados à prisão com trabalho; nada têm de excepcionais, nem de externos; por isto, acorda o Supremo Tribunal Federal em negar provimento ao recurso.

Rio de Janeiro, 26 de junho de 1940 — Bento de Faria, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: Negaram provimento ao

recurso, unanimemente.

HABEAS CORPUS 27.651 — RS

Intrinsecamente o crime de defloramento é de ação privada; portanto, em regra, a parte ofendida pode apelar, sozinha, da sentença absolutória.

ACóRDãO Vistos, relatados e discutidos estes autos de habeas corpus, em que é

paciente Marceli Costa da Conceição: Este indivíduo deflorou a sua noiva, pes-soa menor e pobre; processado, foi absolvido; apelou a ofendida; o Tribunal de Apelação deu provimento ao recurso, para condenar o acusado, no grau mínimo do art. 267 da Consolidação das Leis Penais. O réu pede habeas corpus preven-tivo, alegando que se trata de caso de ação pública e o promotor não recorreu.

A hipótese não é tão simples como se afigura ao impetrante, nem é ab-solutamente igual a outras decididas pelo Supremo Tribunal. Em regra, o crime de defloramento é de ação privada; portanto, a ofendida pode recorrer, sozinha, isto é, sem a colaboração do Ministério Público. De fato, este deu a denúncia, e o acórdão se refere à apelação da assistente; porém, não se prova não ter o promotor apelado também; demais, é duvidoso, se em caso que em regra é de ação privada,

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Memória Jurisprudencial

só porque a denúncia foi dada pelo promotor, perdeu a ofendida o direito de re-correr. A mais elementar prudência aconselha a se não inutilizar um acórdão com semelhantes fundamentos, e em simples processo de habeas corpus. Por isso, acorda o Supremo Tribunal Federal em indeferir o pedido, sobretudo em não se achando preso o suplicante: quando a lei obriga o Ministério Público a substituir, na ação penal, a intervenção de progenitor miserável, o fim da lei é proteger, não pode tornar-se pior a posição da menor destituída de haveres patrimoniais.

Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1940 — Bento de Faria, Presidente — Carlos Maximiliano, Relator.

VOTOO Sr. Ministro Carvalho Mourão: Senhor Presidente, eu também indefiro

o pedido; mas o faço somente porque o impetrante não provou que o Ministério Público não apelou.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: indeferiram o pedido

unanimemente.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 27.732 — DF

A melhor inteligência do art. 35 do Decreto Legislativo 4.780, de 1923, é a de que esse texto consagra o princípio da proporcionalidade dos prazos da prescrição com os índices de responsabilidade dos acusados, que, pouco a pouco, for estabele-cendo a justiça.

Se a sentença dosa a pena, em face da apreciação do fato cri-minoso e de suas circunstâncias, a prescrição da respectiva ação há de regular-se pelo tempo de prisão que terá merecido o acusado.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso da decisão pela qual

o Tribunal de Segurança Nacional indeferiu o pedido de habeas corpus impe-trado em favor de Elias Hain Nigri e Meyer Isaac Nigri, acordam, unanime-mente, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, pelas razões e fundamentos constantes das notas taquigráficas que precedem, dar provimento ao recurso e conceder a ordem. Impedido o Ministro Barros Barreto. Custas como de lei.

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Ministro Carlos Maximiliano

Distrito Federal, 29 de janeiro de 1941 — Eduardo Espinola, Presidente — Octavio Kelly, Relator.

RELATóRIOO Sr. Ministro Octavio Kelly: O Dr. Heráclito Fontoura Sobral Pinto, pela

terceira vez, traz ao conhecimento deste Tribunal uma súplica de habeas cor-pus, ora em grau de recurso, em favor dos pacientes Elias Hain Nigri e Meyer Isaac Nigri. O Tribunal de Segurança Nacional, ao qual foi o pedido endere-çado, por se tratar do julgado por ele proferido em apelação criminal, absteve-se de conhecer dele, sob o fundamento de se haver este Supremo Tribunal pronun-ciado, em anterior julgado, acerca de idêntica provocação judiciária.

A espécie é, em síntese, a seguinte. Processados, como incursos na san-ção do art. 4º do Decreto-Lei 869, 1938, os acusados Raul Magalhães Mondaim, Luiz Alves Cavalcanti, Manoel Carlos da Silva, Meyer Isaac Nigri e Elias Hain Nigri, o Tribunal de Segurança, provendo recurso da parte e do Ministério Público decidiu, por acórdão de 16 de julho de 1940: a) condenar os três pri-meiros às penas de seis meses de prisão e multa de 2:000$000, grau mínimo do art. 13 do Decreto 22.626, de 1933, e como já decorresse da data do crime mais de um ano, houve a condenação por prescrita; b) condenar os dois últimos às penas de um ano e três meses de prisão e multa de 6:000$000, grau médio do art. 4º do Decreto-Lei 869 cit.. Este Supremo Tribunal, apreciando em habeas corpus originário impetrado em favor destes dois pacientes, decidiu, por acór-dão de 6 de novembro do ano findo, que, não lhes podendo ser aplicada para exacerbar a condenação circunstanciada agravante somente estabelecida após a verificação do crime, deferiu a ordem para o efeito de reduzir a pena dos mes-mos ao mínimo, equiparando-os à condição dos outros co-réus, reconhecida pelo Tribunal de Segurança.

Invocando para a igualdade de condição, identidade de repressão, o im-petrante se dirigiu ao Tribunal a quo e alegou que, talqualmente decidira quanto aos outros acusados cuja pena houvesse como prescrita, lhes estendesse o be-nefício, de vez que o mesmo prazo de prescrição correra da data do crime e a do julgado que a todos condenara. Esse pedido não mereceu acolhida, porque o Tribunal de Segurança visa, na restrição posta à concessão do HC 27.648, um impedimento de ordem hierárquica que lhe obstava usar do critério de entender aplicável, com alcance retroativo, a pena concreta fixada na condenação, para o fim de por ela regular-se a prescrição do crime que era chamado a reprimir. É do teor seguinte o acórdão desse Tribunal (lê). Recorreu o impetrante, sustentando que se trata de uma hipótese inteiramente anômala a reclamar o predomínio da eqüidade, de vez que, pelo mesmo fato, com idêntico grau de responsabi-lidade reconhecida pela justiça, e tendo ocorrido as mesmas circunstâncias,

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Memória Jurisprudencial

condenados há que se libertaram da pena pela prescrição, enquanto que outros se encontram sob a ameaça de serem levados à prisão, por uma divergência do entendimento da lei entre dois tribunais. É o relatório.

VOTODou provimento ao recurso e concedo a ordem impetrada. No julgamento

de habeas corpus a que alude o recorrente, meu voto fora, por conseqüência da retificação da pena ordenada pelo acórdão, pelo deferimento do pedido. Coerente com opinião que de há muito venho emitindo sobre a inteligência do art. 35 do Decreto Legislativo 4.780, de 1923, tenho para mim, que esse texto se destina à consagração do princípio da proporcionalidade dos prazos da prescri-ção aos índices de responsabilidade dos acusados, que pouco a pouco, for esta-belecendo a justiça. É assim que, até o oferecimento do libelo, há de predominar a pena abstrata, regulada no grau máximo, porque, até então, a justiça não teria determinado qual a que corresponderia à gravidade do fato; com o libelo, já se pode dizer como o encara a acusação pública e que penalidade esta poderá dis-putar; com a condenação, de que o Ministério Público não haja recorrido, se fixa de vez a extensão daquela responsabilidade e a repressão que o juiz, como órgão da sociedade, entende justa e merecida. A sentença apreciando o fato mede-lhe as circunstâncias e dosa-lhe a pena. Esta, assim determinada, há de servir para regular a prescrição, se contida nos prazos que a precederem. A própria letra do decreto de 1923 não alude à prescrição da condenação e sim, expressamente, da ação penal, razão por que não acolheria o argumento de a regra aí consagrada não merecer a interpretação, que invariavelmente com convicção, que não se esmorece, sempre sustentei a respeito.

VOTOO Sr. Ministro Castro Nunes: Senhor Presidente, eu também concedo a

ordem de habeas corpus, mas creio poder fazê-lo por outro fundamento que não o invocado pelo eminente Sr. Ministro Relator.

Vou expor, em poucas palavras, o meu pensamento.Dos réus, que eram cinco, segundo se depreende do relatório e da exposi-

ção feita pelo ilustre advogado, três foram condenados no grau mínimo e desde logo postos em liberdade, pela verificação da prescrição de um ano. Os outros dois pediram habeas corpus ao Supremo Tribunal, habeas corpus que foi con-cedido, para ser reduzida a pena ao grau mínimo.

Reduzida a pena ao grau mínimo, ficou sendo a mesma de seis meses, igual, portanto, à condenação dos três primeiros. Estão todos, por conseguinte, neste processo, condenados à pena de seis meses.

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Ministro Carlos Maximiliano

Em relação a alguns, aplicou-se a prescrição, levando em conta a pena em concreto; em relação a estes dois não se aplicou a prescrição, adotou-se outro critério, seguiu-se a orientação predominante neste Supremo Tribunal, que su-bordina a prescrição à pena em abstrato.

Entendo, não obstante também pensar assim, isto é, entender que a pena deve ser considerada em abstrato, que, sem prejuízo desse modo de ver, é o caso de conceder-se o habeas corpus por equidade, de vez que se criou uma desigual-dade a respeito dos mesmos réus, condenados no mesmo processo, pelo mesmo fato, incursos no mesmo artigo de lei, e condenados pela mesma sentença a uma mesma pena, constituindo tal situação uma verdadeira anomalia, que dá lugar ao habeas corpus por imposição de eqüidade.

A eqüidade, como sabe o Tribunal, consiste, exatamente, na adequação da norma legal ao caso concreto. É a necessidade de ajustar a norma às circuns-tâncias sempre variáveis e imprevistas da vida que justifica o critério da eqüi-dade, que, no caso, equivale a uma retificação para igualar a situação dos réus.

Com efeito, o que se feriu foi o princípio da igualdade de todos em face da lei, princípio que, transportado para o domínio processual, expressa-se pela igualdade dos réus no mesmo processo, pela igualdade dos réus quanto às mesmas garantias, pela igualdade dos réus condenados no mesmo processo e incursos no mesmo artigo de lei, no tocante ao direito ao habeas corpus que é a garantia máxima da liberdade.

Concedo o habeas corpus, por eqüidade.

VOTOO Sr. Ministro Annibal Freire: Senhor Presidente, concedo a ordem, de

acordo com os meus votos anteriores.

VOTOO Sr. Ministro José Linhares: Senhor Presidente, fui voto vencido nos

pedidos de habeas corpus anteriores por entender que o que se pretendia por meio deles era uma revisão, que , neste caso, aliás, foi feita na decisão recorrida.

O que se decidi anterior consta deste acórdão (lê).

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, num e noutro caso

os réus tinham sido condenados no grau mínimo; a diferença é que uns foram considerados como incursos em uma lei anterior, enquanto que outros, por se entender que se tratava de crime continuado, foram abrangidos pela lei posterior.

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Memória Jurisprudencial

Entendeu o Tribunal que, não havendo crime continuado de usura, devia apli-car-se a estes últimos réus, também, a lei anterior. Este foi o fundamento da decisão.

Nós não mudamos a pena. Julgamos, apenas, que se devia aplicar a lei anterior. Se se aplicou uma lei em vez de outra, o caso é de nulidade da sentença.

Naturalmente, o Tribunal de Segurança Nacional se sentiu constrangido, de vez que apreciamos a questão da prescrição e a repelimos, quando ele a havia aceito.

Para mim, é o caso de dar-se provimento ao recurso, para anular a sen-tença condenatória. Abro, assim, uma oportunidade para que o Tribunal de Segurança proceda corretamente, modificando a sua sentença.

Dou, pois, provimento ao recurso, mas para anular a sentença condenatória.

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: Dou provimento, mas para anular a sen-

tença condenatória, uma vez ter esta deixado de aplicar a lei reguladora da matéria.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: deram provimento ao re-

curso unanimemente, sendo que os Ministros Carlos Maximiliano e Laudo de Camargo o faziam para anular a sentença condenatória. Impedido o Ministro Barros Barreto.

RECURSO EM HABEAS CORPUS 27.757 — DF

Não tem aplicação retroativa quanto aos crimes políticos praticados na vigência da Lei 38, de 1935, o preceito do Decreto-Lei 431, de 1938, que suprimiu o benefício do livramento condi-cional nessa classe de infrações.

Desde que o Conselho Penitenciário se absteve de conceder a medida pela só razão de entender retroativo o dito preceito e o impetrante demonstrou ter satisfeito as condições exigidas para o seu deferimento, deve-se conceder a ordem de habeas corpus, nos termos da jurisprudência assente em casos idênticos.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de recurso do acórdão pelo qual o Tribunal de Segurança Nacional denegou a súplica do habeas corpus feita pelo Dr. Edgard de Toledo em favor de Lamartine Coutinho Correia de Oliveira,

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Ministro Carlos Maximiliano

acordam, em maioria, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, pelas razões e fundamentos constantes das notas taquigráficas, que precedem, dar-lhe pro-vimento, para, reformando a decisão recorrida, conceder a ordem. Impedido o Ministro Barros Barreto. Custas como de lei.

Distrito Federal, 16 de abril de 1941 — Eduardo Espinola, Presidente — Octavio Kelly, Relator.

RELATóRIOO Sr. Ministro Octavio Kelly: O advogado Edgar de Toledo impetrou

ao Tribunal de Segurança Nacional uma ordem de habeas corpus em favor do ex-Tenente do 29º Batalhão de Caçadores — Lamartine Coutinho Corrêa de Oliveira, condenado pela Justiça especial à pena de seis anos e seis meses de reclusão, grau médio do art. 1º da Lei 38, de 1935, e que, tendo cumprido mais de 2/3 dessa condenação, revelando bom comportamento, se considerava com direito o gozo do livramento condicional denegado pelo juiz de execução. O Tribunal, por acórdão de fl. 20, atendendo à ausência de prova de regeneração do paciente, indeferiu o apelo, razão por que recorreu para esta alta instância, nos termos do art. 101, II, 2, b, da Carta Constitucional de 1937.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): Do exame dos autos se verifica

que o Conselho Penitenciário se absteve de averiguar os índices de regeneração do acusado, pela aceitação da tese de que os criminosos políticos, em princípio, não abandonam crenças e idéias por motivo tão-só da punição que os alcance.

Na espécie, não está em causa a repressão da ideologia, em si, mas dos atos revolucionários para os quais tivesse concorrido o paciente, em conse-qüência dela e em cuja prática fora colhido. Não é de se pretender que a só condenação carcerária apague ou extinga uma convicção partidária, mas pode acarretar para aquele que expiou, no cárcere, a culpa de se ter entregue, sem madura reflexão, a um movimento revolucionário, com o fim de servi-la, o de-sejo de não repetir essa atitude, intenção que pode ser colhida pela observação que a administração presidiária deve fazer, investigando-lhe a conduta pessoal, sondando-lhe os propósitos e apreciando-lhe os objetivos que teria manifestado para quando volvesse à liberdade, apurando, enfim, elementos que façam con-vencer do nenhum perigo que resultaria do seu reingresso à sociedade, que, em defesa da ordem, o fez segregar. Não procede, portanto, o argumento aceito pelo Conselho, que, em casos tais, chegou a demitir de si o encargo de se pronunciar a respeito por entender que dita incumbência somente cabe às altas autoridades, que delas são os verdadeiros juízes.

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Memória Jurisprudencial

Não sendo aceitável semelhante modo de opinar do dito conselho, que, a prevalecer, contrariaria a jurisprudência desta Alta Corte, no tocante à aplicação da lei do livramento condicional aos condenados pela Lei cit. 387, meu voto é para, convertendo o julgamento em diligência, mandar que aquele órgão da polícia pe-nitenciária se manifeste, como quer a lei, sobre os índices de regeneração acaso revelados pelo paciente e que o habilite a opinar sobre o benefício pretendido.

Vencido nessa preliminar, dou provimento ao recurso para conceder a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Castro Nunes: Senhor Presidente, acompanho o Sr.

Ministro Relator, na preliminar da diligência. Declaro, porém, para ressalvar o meu voto, que, na vigência do Decreto-Lei 431, de 1938, não é permitido o livra-mento condicional aos criminosos políticos, porque o dispositivo, não obstante posterior à sentença, é aplicável a este caso porquanto o preceito constitucional que veda a aplicação da lei penal aos fatos anteriores está subordinado, como todas as garantias constitucionais, à cláusula do art. 123, que estabelece um verdadeiro critério hermenêutico na medida dessa garantia, fixando uma regra para o intérprete.

É este, realmente, o sentido do art. 123, que diz:

O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as ne-cessidades da defesa, do bem estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e or-ganizado nesta Constituição.

A regra do art. 122, número 13 deve ser entendida com as limitações per-mitidas no art. 123. Se é certo que a supressão do livramento condicional agrava a pena estabelecida na legislação anterior, aquele preceito não o impede, de vez que se entenda que o crime de extremismo é daqueles que afetam a segurança das instituições, podendo, portanto, retroagir a lei nova.

Se, porém, o Tribunal entender de outro modo, isto é, entender que se deve conhecer do pedido, voto, como disse, pela diligência, porque não estou de acordo com a tese de que o criminoso político não pode regenerar-se. A meu ver, pode; mas não basta o bom comportamento na prisão. Será necessário que ele dê mostras públicas de que abandonou as idéias extremistas, em termos que levem a acreditar na sinceridade das suas declarações.

Acaba de ser lida uma carta do paciente. Acho que deve ser encaminhada ao Conselho Penitenciário para que reexamine o caso à vista dessa carta e emita o seu parecer.

É o meu voto.

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Ministro Carlos Maximiliano

VOTOO Sr. Ministro Annibal Freire: Senhor Presidente, diante da divergência

de opiniões, julgo-me obrigado a explicar o meu voto.Não me quero deter diante da questão doutrinária: se o crime político com-

porta ou não livramento condicional, porque tudo isso teria e tem que ceder diante do texto rigoroso, legal, invocado pelo eminente Sr. Ministro Castro Nunes.

A questão, a meu ver, essencial é aquela versada no voto de V. Exa. a de se o decreto a que se referiu tem aplicação a todos os casos; se ele tem caráter retroativo.

Sinto divergir da autoridade preclara do Sr. Ministro Castro Nunes. A sua hermenêutica em relação à Constituição de 1937 peca pela base. Essa Constituição, sistematizada, rígida, na sua estrutura, uniforme e coerente na sua ideação, distingue claramente os aspectos focalizados. O que ela exige para a decretação de medidas necessárias à estabilidade das instituições, que procura em todo o rigor preservar, é a conformidade dessas medidas com as limitações impostas pelo bem público. Foi este critério que determinou a limitação de que os crimes políticos não comportam o livramento condicional. Mas, a par disso, há preceito legal expresso, formal, terminante da própria Constituição de 1937 e é o relativo à irretroatividade das leis penais, princípio universal de direito que, mesmo no seu rigor, ela não quis abolir e nós temos, portanto, o dever de respeitá-lo e consagrá-lo.

O art. 122 inspirou o decreto a que S. Exa. se referiu. Mas este decreto tem que ser interpretado com o postulado universal da irretroatividade das leis penais, que a Constituição de 1937 não revogou. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se tem inspirado em princípios salutares de direito, na inter-pretação rigorosa da Constituição de 1937, que ele não desconhece e afirma.

O que reza a Constituição de 1937? Depois de enumerar um princípio teórico — como é dos moldes das Constituições modernas — afirmações que são, por assim dizer, princípios gerais, na parte relativa ao preceito penal, o seu dispositivo, terminante, categórico, preciso, não tem nenhuma flexibilidade que possa determinar interpretação diferente.

Diz o n. 13 do art. 122, regulando matéria estritamente penal, que é a que, no momento, se submete à decisão do Tribunal:

(...) as penas estabelecidas ou agravadas na lei nova não se aplicam aos fatos anteriores (...)

Contravém, porventura, a jurisprudência firme do Supremo Tribunal, con-cedendo o livramento condicional a crimes cometidos antes do decreto, a esta

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Memória Jurisprudencial

Constituição? Absolutamente não. Ao contrário, ela se conforma e se inspira no respeito ao princípio universal do direito, que a Constituição de 1937 consagrou.

Resta, portanto, a questão de fato é em assuntos dessa ordem, a meu ver, o juiz não pode se abstrair da realidade e, nessa emergência, eu não quero ser mais realista do que o rei.

Todos sabem que as autoridades administrativas, neste como em outros processos que terão de ser, dentro em pouco, submetidos ao Tribunal, confes-sam a necessidade, a justiça da decretação do livramento condicional aos crimi-nosos políticos de que os recursos tratam.

O nosso dever é, evidentemente, assegurar ao poder público todos os ele-mentos de ação, mas as circunstâncias atuais conferem ao poder uma tal qualidade e quantidade de poderes discricionários, que não é a simples concessão de um li-vramento condicional que pode perturbar a segurança e a tranqüilidade do Estado, numa época de perfeita, penetrante e sugestiva paz, como a de que fruímos.

Alegou, ainda, o nobre voto divergente à circunstância de que era preciso provar que o paciente preenche as condições legais. A meu ver, com a devida vênia ao ilustre Relator, o parecer do Conselho Penitenciário é peremptório. Ele julga que o comportamento do impetrante justifica perfeitamente a concessão da medida, que ele nega por considerações puramente doutrinárias. Quer dizer que na questão de fato o parecer do Conselho Penitenciário é expresso, justifi-cando a concessão das medidas, de acordo com as prescrições legais.

Requer, ainda, o ilustre voto divergente que haja uma manifestação pú-blica, que não basta a alegação do bom comportamento. Mas acaba de ser lida da Tribuna, pelo ilustre advogado — que tive a ventura de contar entre os meus dis-cípulos na Faculdade de Direito de Recife —, uma carta expressiva do paciente.

O Sr. Ministro Castro Nunes: Por isso mesmo é que eu, vencido na prelimi-nar, concordei com o voto do Relator, em converter o julgamento em diligência.

O Sr. Ministro Annibal Freire: S. Exa., o Sr. Ministro Castro Nunes alu-diu à necessidade de uma prova documental, inequívoca do impetrante. Acaba de ser lida da tribuna uma carta por ele firmada. Eu falo aos meus ilustres co-legas com a emoção de um homem radicado em Pernambuco, onde a palavra de um Coutinho vale, na expressão nordestina, como ouro de lei. E o digo com uma tanta maior insuspeição quando todos eles foram meus adversários, na fase em que militei na política e são meus adversários de ideologia, embora alguns deles meus discípulos e tendo ouvido minhas preleções na Faculdade de Direito, contra as idéias e aspirações comunistas.

A minha insuspeição é tanto maior quando ela se refere a dois fatos expressivos.

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Ministro Carlos Maximiliano

Nestas circunstâncias, parece-me que as condições legais estão perfeita-mente definidas. E, quanto à situação de fato em que a medida possa importar na segurança do Estado, não encaro o assunto sob esse prisma, armado como se acha o poder discricionário de impedir qualquer atividade perturbadora.

Nestas condições, dou provimento para conceder a ordem.

ExPLICAçãOO Sr. Ministro Castro Nunes: Senhor Presidente, devo salientar, de co-

meço, que, levantando a questão hermenêutica da possibilidade de retroagir a lei, para abranger os casos sentenciados, ressalvei desde logo que, vencido nessa preliminar, estaria com o Sr. Ministro Relator, no sentido da diligência. O que quer dizer que eu não aceito a tese do Conselho Penitenciário, se é que ele tem essa opinião, de que os criminosos políticos não se podem regenerar. Não é esta a minha opinião. Apenas entendo que para uma tal regeneração é preciso que ele dê uma demonstração pública, inequívoca, no sentido de que repudia as idéias que o levaram à prisão, uma vez que se trata de crime essencialmente político.

Penso que a respeito desse índice de regeneração é necessário que se ma-nifeste o Conselho Penitenciário, que é, por lei, o órgão incumbido de opinar sobre a regeneração do criminoso.

Para não tumultuar o processo e não quebrar essa linha estabelecida, concordo com o Sr. Relator, para que volte o caso ao Conselho Penitenciário. E isso envolve, implicitamente, a confirmação de que não aceitamos a tese de que o criminoso político não se regenera. Achamos que se regenera, mas que o faz por uma forma que não a do criminoso comum. Devo fazê-lo por meio de uma demonstração inequívoca.

Quanto a este ponto, deixei bem claro o meu pensamento. Peço licença ao eminente colega, Sr. Ministro Annibal Freire, para opor às razões que S. Exa. apresentou e que terão impressionado a todos chegando, também, a impressio-nar-me no primeiro momento, de que não é um livramento condicional que pode pôr em perigo as instituições.

Evidentemente, a Lei 431, de 1938, quando estabeleceu, no seu art. 22, que não será concedido livramento condicional ao criminoso dessa natureza, teve em vista exatamente o perigo que representaria para a ordem pública a li-berdade, ainda que vigiada, de chefes extremistas.

Figure, V. Exa., por hipótese, que por livramento condicional fosse posto em liberdade um cabecilha, um chefe de revolta, que continuaria a ter contato com os seus elementos de insurreição.

O Sr. Ministro Octavio Kelly (Relator): E depois de cumprida a pena? O perigo continuará a ser o mesmo.

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Memória Jurisprudencial

O Sr. Ministro Castro Nunes: Mas, aí, não haveria outro remédio. O legis-lador julgou bastar a pena estabelecida.

Enfim, enquanto não está integralmente cumprida a pena, o livramento condicional, que não é propriamente um direito subjetivo do réu, mas um bene-fício especial da lei, não deve ser concedido.

Sustentei, exatamente por isso, que a Constituição avisadamente esta-belece que os interesses de ordem pública, da segurança das instituições — conforme está no art. 123 — devem prevalecer e superar as liberdades e as garantias das liberdades estabelecidas no artigo anterior.

VOTOO Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, entendo que, em se

tratando de criminosos políticos, não se exige, para que tenha direito ao li-vramento condicional, o repúdio de seus ideais. Basta, apenas, que ele dê uma prova demonstrativa de que não reincidirá.

Há, muitas vezes, circunstâncias que levam o indivíduo a manter seus ideais, embora ache que, no momento, esses ideais não devam prevalecer. Esta é, até, a nota de patriotismo, do ponto de vista ideológico que deve ter o crimi-noso político, o qual não pode ser equiparado aos outros criminosos. Ele visa, sobretudo, ao interesse do país, da sua nação; mantém as suas idéias, mas pode achar que, no momento, elas não podem ser aplicadas.

Parece-me que é este o caso da carta que o paciente acaba de dirigir a V. Exa. Que poderia fazer o Conselho Penitenciário diante dessa carta? Se há uma declaração espontânea do paciente, o Conselho Penitenciário não poderia chegar à conclusão outra senão a de que ele não deseja preservar na delinqüên-cia. Bastaria essa afirmação, que faz perante o mais alto Tribunal do país, de que não tem nenhuma idéia de conservar essa ideologia ou, pelo menos, de torná-la efetiva, envolvendo-se em novas lutas para combater as instituições existentes.

Voto contra a diligência e reformo a decisão, para conceder a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, é um princípio

de direito universal que a lei nova não se aplica desde que agrave a situação do delinqüente.

Ora, a lei antiga dava ao delinqüente, sem restrição alguma, desde que se portasse bem na prisão e provasse um índice de regeneração total, o direito ao livramento condicional. A lei nova obriga o delinqüente político a ficar na

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Ministro Carlos Maximiliano

prisão esta terça parte da condenação. Portanto, na realidade, a pena foi agra-vada. Tomando-se, como no presente caso, uma pena de três anos, cumpridos dois, pela lei antiga, o bom preso, obediente, poderia readquirir a liberdade. Pela lei nova, apesar de toda a sua correção, o preso ficará mais um ano na cadeia. Foi ou não agravada a pena? É evidente que sim. Logo, a nova lei é inaplicável à espécie e assim tem julgado o Tribunal, em outros casos idênticos.

Também concordo com o Sr. Ministro Cunha Mello em que não é neces-sário que o paciente renuncie aos seus ideais, porque não se pode exigir de ho-mem algum esta barbaridade. O que se exige é que ele não pretenda mais fazer revoluções.

Qual de nós não foi, já, um terrível revolucionário e hoje não quer ouvir sequer falar de revolução! Seria iníquo exigir-se de um homem que ele renun-ciasse ao seus ideais, que perdesse o caráter e a vergonha.

O Conselho Penitenciário não tem razão quando afirma que o criminoso político não endireita, não se corrige e que é inútil dar-lhe o livramento condicio-nal. Apesar do muito respeito às opiniões contrárias, inclusive a do nobre Relator, voto contra a diligência, por desnecessária, e concedo imediatamente a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Laudo de Camargo: Dou provimento, porque a lei nova,

quando mais rigorosa, não se aplica aos fatos criminosos anteriores, segundo a nossa jurisprudência, sendo ainda certo que, na espécie, há o implemento das condições exigidas por lei, para o livramento pedido, segundo mostrou o Sr. Relator.

VOTOO Sr. Ministro Bento de Faria: Senhor Presidente, eu nego provimento ao

recurso, de acordo com o voto do Sr. Ministro Castro Nunes, tão-somente por-que entendo ser aplicável ao caso a Lei 431.

O direito ao livramento condicional não surge com o delito.Nestas condições, o meu voto é para negar provimento ao recurso.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: deram provimento para

conceder a ordem, para o livramento condicional, contra os votos dos Ministros Castro Nunes e Bento de Faria. Impedido o Ministro Barros Barreto.

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Memória Jurisprudencial

RECURSO EM HABEAS CORPUS 27.775 — DF

Crime consistente em falsificação de documento público. É diferente na legislação a correspondente pena repressiva, se-gundo se trate ou não de funcionário ou oficial público. Pedido de habeas corpus fundado na prescrição da ação penal. denegação da ordem e recurso interposto com êxito. Inteligência e aplicação do Decreto 4.780, de 27 de dezembro de 1923, arts. 23 e 24.

ACóRDãOVistos, relatados e discutidos estes autos de recurso em habeas corpus,

do Distrito Federal, nos quais é paciente o ora recorrente, Ilka Maria Gallo dos Santos Carvalho, sendo recorrido o Tribunal de Apelação: acordam, por maio-ria, conhecer e dar provimento ao recurso, para conceder a ordem impetrada, ante as razões de decidir constantes das notas de fls. 43 a 48.

Custas ex lege.Distrito Federal, 9 de abril de 1941 — Eduardo Espinola, Presidente —

Cunha Mello, Relator ad hoc.

RELATóRIO E VOTOO Sr. Ministro Bento de Faria: Ilka Maria Gallo dos Santos Carvalho foi

denunciada perante o Juízo da 9ª Vara Criminal deste Distrito como incursa nas penas do art. 252, § 2º da Consolidação das Leis Penais, por se haver apro-veitado da falsificação da certidão da sentença de anulação de seu casamento, a qual fora praticada pelo Escrivão do 2º Ofício de Barra Mansa (E. do Rio) tendo requerido com tal certificado a averbação dessa suposta sentença, no Juízo da extinta 4ª Pretoria Cível.

Por esse motivo, o advogado Bel. Tude Neiva de Lima Rocha requereu à 2ª Câmara do Tribunal de Apelação deste Distrito em favor dessa acusada uma ordem de habeas corpus alegando que, por não ser a paciente funcionária pú-blica, o fato delituoso que lhe foi imputado somente poderia ser capitulado no § 3º do referido art. 252 e assim estaria prescrita a ação penal uma vez que o crime teria ocorrido em 22 de abril de 1931, já tendo, portanto, decorrido nove anos, nove meses e oito dias.

O Tribunal mencionado negou a ordem por entender que o fato aludido, em relação à paciente, foi bem classificado pelo promotor público (fl. 15).

Daí o recurso em apreço tendo o impetrante apresentado as razões de fl. 19, nas quais sustenta, desenvolvidamente, o seu mencionado entendimento.

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Ministro Carlos Maximiliano

Isso posto:Não contesta o impetrante, ora recorrente, que a prática atribuída à pa-

ciente seja criminosa, tanto assim no seu entender, deveria ter sido ajustada a outro parágrafo do mesmo dispositivo da lei penal.

Assim sendo não tem cabimento o recurso de habeas corpus porque é à sentença, ainda não proferida, que incumbe apreciar para corrigir, se for o caso, o desacerto da questionada classificação, a decretar, se entender, a vista da prova sobre a data do crime, a prescrição pretendida.

Não há, portanto, qualquer constrangimento ilegal imposto à paciente, que, aliás, se encontra em liberdade.

Por tais motivos nego provimento ao recurso.

VOTO(Pela ordem)

O Sr. Ministro Cunha Mello: Senhor Presidente, se a paciente não era funcionária pública, não se lhe poderia aplicar o dispositivo do Decreto 4.780, que se refere a funcionário ou oficial público que, no exercício de sua função, falsificar documentos, etc. Sendo assim, quando muito poderia ela estar sujeita à pena estabelecida no art. 23, menos a terça parte, portanto, uma punição menor, aliás, de acordo com a nossa tradição legal, porque a falsificação feita por um funcionário é muito mais grave do que a que é imputada ao particular.

Não se tratando de funcionário público, a pena aplicável seria a de quatro anos e, nestas condições, o crime já estaria prescrito, motivo por que concedo a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Carlos Maximiliano: Senhor Presidente, evidentemente o

erro na interpretação desse dispositivo partiu da Consolidação das Leis Penais que reuniu num só artigo e diferentes parágrafos dois artigos de lei, considerando, assim, § 3º do art. 23 o que, na realidade, era art. 24. A lei tinha dois dispositivos diferentes: o art. 23 é para o funcionário público, e o 24 para o não funcionário.

Pela interpretação que disso resultaria, teríamos o seguinte absurdo: o particular que se serve do documento, sem falsificá-lo, é condenado à pena in-tegral, ao passo que o mesmo particular, que, além de utilizar-se do documento, também o falsifica — o que é muito mais grave do que dele apenas se servir, porque nesse caso pode não haver nenhum dolo — teria a pena reduzida de um terço, interpretação essa que desde logo se evidencia com radicalmente absurda.

O delinqüente não funcionário sofre a pena de quatro anos, que está prescrita.

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Memória Jurisprudencial

No caso de não haver crime ou no caso de se tratar de crime prescrito, é evidente o constrangimento por que passa a paciente, mormente por se tratar de uma mulher.

Demais, o crime é inafiançável: portanto, se a ação penal prossegue, a pa-ciente poderá ser presa, isto é, ser privada de liberdade em virtude de um crime que não existe mais. Bastava, aliás, o processo, para existir o constrangimento, já agora injustificável.

Pelos motivos expostos, dou provimento para conceder a ordem de ha-beas corpus.

VOTOO Sr. Ministro Octavio Kelly: Senhor Presidente, também concedo a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Annibal Freire: Senhor Presidente, diante das objeções

formuladas pelo Sr. Ministro Cunha Mello e diante das informações ora presta-das por V. Exa., concordo com o voto proferido por aquele e concedo a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Barros Barreto: Senhor Presidente, pelos votos dos emi-

nentes colegas que me precederam, verifico que a recorrente foi processada por um crime que só podia ser praticado por funcionário público, a fim de ser enquadrado no dispositivo pelo qual foi a mesma denunciada. Ora, o crime que se lhe atribui é punido com a redução de uma terça parte da pena e, nessa con-formidade, já estaria prescrito.

Por esses motivos, concedo a ordem.

VOTOO Sr. Ministro Castro Nunes: Senhor Presidente, acompanho o voto de

V. Exa.É certo que o processo penal envolve um constrangimento remediável

por meio de habeas corpus, mas estando pressuposta a prisão ou a iminência da prisão, o que no caso não ocorre, pois a paciente não está ameaçada de ser presa, não há contra ela mandado de prisão preventiva, que nem mesmo se alega ter sido requerida.

O que se alega é que o crime deve ser desclassificado e que em conse-qüência dessa desclassificação estará prescrito.

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Ministro Carlos Maximiliano

Tudo isso me parece, Senhor Presidente, matéria de defesa, tão sabido é que a classificação da denúncia pode ser alterada ainda antes da condenação, isto é, no despacho de pronúncia.

O momento para este habeas corpus, que me parece extemporâneo, seria aquele em que o juiz, desclassificando o delito, pelo reconhecimento do pres-suposto de não ser a ré funcionária pública, pressuposto de fato que não cabe, aliás, apurar por habeas corpus, se negasse a pronunciar a prescrição, sujei-tando a ré à prisão ou ameaça de prisão por um crime prescrito. E nesse caso eu lhe darei o habeas corpus com o meu voto, pelo fundamento da prescrição. Agora, não.

Nego provimento ao recurso.

DECISãOComo consta da ata, a decisão foi a seguinte: deram provimento ao re-

curso para conceder a ordem contra os votos dos Ministros Bento de Faria e Castro Nunes.

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íNDICE NUMÉRICO

Den 72 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 313CR 89 Rel.: Min. Eduardo Espinola 316Ext 115 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 327Ext 124 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 330SE 951 Rel. p/ o ac.: Min. Carlos Maximiliano 331SE 979 Rel. p/ o ac.: Min. Armando de Alencar 336ACr 1.407 Rel. p/ o ac.: Min. Carlos Maximiliano 347ACi 6.349 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 354ACi 6.705 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 355ACi 6.829 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 357ACi 6.833-embargos Rel.: Min. Carlos Maximiliano 358ACi 7.558 Rel.: Min. José Linhares 359CT 8.062 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 362CT 8.152 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 364CT 8.552 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 365AgP 8.811 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 366Ag 8.841 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 367Ag 8.969-embargos Rel.: Min. Carlos Maximiliano 368HC 26.155 Rel.: Min. Bento de Faria 370RHC 26.701 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 378HC 26.745 Rel.: Min. Laudo de Camargo 380HC 26.770 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 384HC 26.789 Rel.: Min. Octavio Kelly 386HC 26.790 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 392HC 26.904 Rel.: Min. Carvalho Mourão 394HC 27.003 Rel. p/ o ac.: Min. Washington de Oliveira 400HC 27.084 Rel. p/ o ac.: Min. Washington de Oliveira 415HC 27.350 Rel. p/ o ac.: Min. José Linhares 421RHC 27.563 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 430HC 27.651 Rel.: Min. Carlos Maximiliano 431RHC 27.732 Rel.: Min. Octavio Kelly 432RHC 27.757 Rel.: Min. Octavio Kelly 436RHC 27.775 Rel. p/ o ac.: Min. Cunha Mello 444