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CAROLINE CRUZ WALSH MONTEIRO LEONARDO ALIAGA BETTI TEMAS TRANSVERSAIS EDIÇÃO REVISADA A REFORMA TRABALHISTA UMA SÍNTESE DAS MODIFICAÇÕES MAIS RELEVANTES INTRODUZIDAS PELAS LEIS N.º 13.429/2017 E 13.467/2017 NO ORDENAMENTO JURÍDICO TRABALHISTA BRASILEIRO, BEM COMO DOS IMPACTOS DO PERÍODO DE VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA N.º 808/2017 PROGRAMA BRASIL PROFISSIONALIZADO

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CAROLINE CRUZ WALSH MONTEIROLEONARDO ALIAGA BETTI

TEMAS TRANSVERSAIS

EDIÇÃO REVISADA

A REFORMA TRABALHISTA

UMA SÍNTESE DAS MODIFICAÇÕES MAIS RELEVANTES INTRODUZIDAS PELAS LEIS N.º 13.429/2017 E 13.467/2017 NO ORDENAMENTO JURÍDICO TRABALHISTA BRASILEIRO, BEM COMO DOS IMPACTOS DO PERÍODO DE VIGÊNCIA DA

MEDIDA PROVISÓRIA N.º 808/2017

PROGRAMA BRASIL PROFISSIONALIZADO

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A expansão do Ensino Técnico no Brasil, fator importante para melhoria

de nossos recursos humanos, é um dos pilares do desenvolvimento

do País. Esse objetivo, dos governos estaduais e federal, visa à melhoria da

competitividade de nossos produtos e serviços, vis-à-vis com os dos países com

os quais mantemos relações comerciais.

Em São Paulo, nos últimos anos, o governo estadual tem investido de forma

contínua na ampliação e melhoria da sua rede de escolas técnicas - Etecs e Classes

Descentralizadas (fruto de parcerias com a Secretaria Estadual de Educação e com

Prefeituras). Esse esforço fez com que, de agosto de 2008 a 2011, as matrículas

do Ensino Técnico (concomitante, subsequente e integrado, presencial e a distância)

evoluíssem de 92.578 para 162.105. Em 2017, no segundo semestre, somam 186.564.

A garantia da boa qualidade da educação profissional desses milhares de jovens

e de trabalhadores requer investimentos em reformas, instalações, laboratórios,

material didático e, principalmente, atualização técnica e pedagógica de

professores e gestores escolares.

A parceria do Governo Federal com o Estado de São Paulo, firmada por

intermédio do Programa Brasil Profissionalizado, é um apoio significativo para

que a oferta pública de Ensino Técnico em São Paulo cresça com a qualidade

atual e possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Estado e,

consequentemente, do País.

Almério Melquíades de Araújo Coordenador do Ensino Médio e Técnico

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CENTRO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA PAULA SOUZA

Diretora SuperintendenteLaura Laganá

Vice-Diretor SuperintendenteEmilena Josimari Lorenzon Bianco

Chefe de Gabinete da SuperintendênciaArmando Natal Maurício, respondendo pelo expediente

REALIZAÇÃOUnidade do Ensino Médio e Técnico

CoordenadorAlmério Melquíades de Araújo

Centro de Capacitação Técnica, Pedagógica e de Gestão - Cetec Capacitações ResponsávelLucília dos Anjos Felgueiras Guerra

Responsável Brasil ProfissionalizadoSilvana Maria Brenha Ribeiro

Professora Coordenadora de ProjetosPaula Elizabeth Cassel

Parecer TécnicoRobson Fernando Gomes da Silva

Revisão de TextoCleber Mapeli Serrador

Projeto Gráfico e diagramaçãoDiego SantosIsac da Silva Rodrigues RitaLilian Guilhoto Salazar

Projeto de formação continuada de professores da educação profissional do Programa Brasil Profissionalizado - Centro Paula Souza - Setec/MEC

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Este material tem como objetivo analisar a Reforma Trabalhista ocorrida em 2017, concebida como a maior transformação por que passou a legislação brasi-leira desde a edição da Consolidação das Leis do Trabalho.

No entanto, mais do que apresentar as mudanças legislativas o presente trabalho buscou rememorar a história da sociedade para compreender como as relações trabalhistas surgiram e como ela impactou a exploração do trabalho humano dentro de um sistema capitalista.

Na 1ª edição desta apostila, realizada em 2018, sob a coordenação da Professora Ariane Francine Serafim, ainda estava em vigor a Medida Provisória n.º 808/2017, conhecida como a “reforma da reforma”. No entanto, no dia 23 de abril de 2018, ela simplesmente perdeu a eficácia, o que ensejou a reativação da Lei n.º 13.467/2017, naquilo que havia sido modificado pela MP n.º 808/2017.

Assim, esta reedição pretende atualizar o estudo, destacando o novo cenário da Legislação Trabalhista após a MP n.º 808/2017 ter perdido a eficácia e os impac-tos do seu período de vigência.

A sistemática da tramitação das medidas provisórias também foi analisada neste trabalho, para que o leitor possa compreender todas as questões, políticas e jurí-dicas, que envolveram a criação e o término especificamente da MP n.º 808/2017.

Além disso, a apostila está atualizada com todas as ADIs e ADCs que foram ajui-zadas em face dos dispositivos da reforma (já são mais de vinte), mencionando número dos processos e respectivo andamento. Os casos em que a Procuradoria Geral da República já apresentou parecer, também foram transcritos.

Por isso, esperamos que este rico material, que buscou reunir o que há de mais atualizado na Legislação Trabalhista, permita ao leitor entender a nova realidade que se inaugura no Direito do Trabalho Brasileiro, contribuindo para uma opinião crítica e reflexiva sobre o tema

Bons Estudos!

Prof. Paula Elizabeth CasselCoordenadora de Projetos - Ética e Direito

Cetec – Centro Paula Souza

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

O sistema capitalista de produção e o surgimento do Estado de Direito Moderno.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

Estado e capitalismo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

Estado Mínimo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

Estado Social. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

Estado do Bem-Estar Social (Estado-Providência). . . . . . . . . . . . . . . . 15

Estado Democrático e Social de Direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

A estrutura do Estado brasileiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

Divisão dos Poderes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

Organograma e papel de cada Poder. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

A lei. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

O processo legislativo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

A hierarquia das leis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

A medida provisória e sua relação com a Reforma

Trabalhista: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

Por que motivo a MP n.º 808/2017 não foi objeto de

deliberação? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

A especificidade do direito do trabalho: os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

E qual é a relação entre os sindicatos e os acordos e

convenções coletivas de trabalho? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

DESENVOLVIMENTO: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

As justificativas para uma reforma.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

A reforma propriamente dita. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Aspectos mais relevantes de direito material.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Jornada de trabalho.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

O intervalo intrajornada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

O “teletrabalho”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

Férias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46

Multa por ausência de anotação na Carteira de Trabalho. . . . . . . . . 47

O dano extrapatrimonial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

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Titulares desse direito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Os bens considerados extrapatrimonais.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

“Tarifação” do dano extrapatrimonial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

Outros parâmetros para fixação da indenização. . . . . . . . . . . . 51

A insalubridade e a gestante ou lactante: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

O trabalhador autônomo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

Cláusula de exclusividade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

Serviços de qualquer natureza. Mesma atividade econômica

do contratante. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

Recusa do serviço. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

Subordinação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

O novo “contrato de trabalho intermitente”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

O trabalhador “hipersuficiente”.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

A cláusula compromissória de arbitragem.. . . . . . . . . . . . . . . . . 69

A vestimenta e a higienização do uniforme de trabalho. . . . . . . . . . 70

A remuneração e as parcelas que a compõem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71

Gratificação de função e incorporação ao salário. . . . . . . . . . . . . . . . . 78

A equiparação salarial e demais correções de distorções salariais. 78

A “terceirização”: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

A completa mudança a partir da reforma: . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

Os direitos do trabalhador “terceirizado”: . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

Procedimentos para a rescisão contratual.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

A dispensa coletiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

Planos de Demissão Voluntária (PDV) ou Incentivada (PDI).. . . . . . . 95

Uma nova modalidade de dispensa por justa causa. . . . . . . . . . . . . 96

A rescisão por “acordo” entre empregado e empregador. . . . . . . . . 98

Termo de quitação anual.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99

Comissão de representantes dos empregados. . . . . . . . . . . . . . . . . .100

O fim da contribuição sindical obrigatória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

O “negociado sobre o legislado”.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .104

O que se pode negociar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .106

O que não se pode negociar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

a possibilidade de redução salarial. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

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A duração dos acordos coletivos de trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

prevalência do acordo coletivo em detrimento da convenção cole-tiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

Aspectos mais relevantes de direito processual. . . . . . . . . . . . . . . . . 120

A contratação de advogado: faculdade ou necessidade?. . . . . . . . 120

Qual é o custo para entrar com uma ação na Justiça do Trabalho? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

As custas processuais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122

O Acesso à Justiça e o Benefício da Justiça Gratuita. . . . . . . . 123

Os honorários do advogado: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125

Os honorários do perito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

A dinâmica do processo do trabalho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

O local em que se deve propor a ação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

A audiência trabalhista:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

As consequências para quem não vai à audiência: . . . . . . . . 131

A figura do “preposto”:. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

A postura ética das partes, dos procuradores e de todos os

que participam do processo: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134

A postura ética da testemunha: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135

O acordo “extrajudicial” e sua “homologação”. . . . . . . . . . . . . . . . . . 137

Outros aspectos processuais importantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139

As publicações e a forma de contagem de prazos: . . . . . . . . 139

O recurso: custo e procedimento; hipóteses de isenção. . . . 140

RELAÇÃO DE OBRAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142

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INTRODUÇÃO

O SISTEMA CAPITALISTA DE PRODUÇÃO E O SURGIMENTO DO ESTADO DE DIREITO MODERNO.

Para falarmos sobre reforma trabalhista no Brasil em pleno século XXI, precisa-mos rememorar um pouco a história, fazendo uma breve análise sobre o surgi-mento e a evolução do sistema capitalista de produção. Isso porque a forma de relação de trabalho dele originada constitui, na atualidade, o principal pilar em que se sustenta a produção de bens e serviços.

O direito do trabalho, por sua vez, é a forma de regulação da exploração do trabalho humano no sistema capitalista. Foi justamente o direito do trabalho, especificamente no Brasil, que sofreu uma grande alteração pelas leis da reforma trabalhista.

Sem estudarmos um pouquinho sobre a evolução histórica do capitalismo, e, portanto, da exploração do trabalho humano e de sua regulação, não consegui-remos compreender a real dimensão da tão falada reforma, nem poderemos ter uma visão crítica sobre as mudanças.

Pois bem.

O capitalismo é um sistema econômico baseado nas ideias de livre mercado e de propriedade privada dos meios de produção. É composto por duas classes sociais bem delimitadas: de um lado, o capitalista, proprietário dos meios de pro-dução de bens, e, do outro, o trabalhador assalariado, que emprega sua força de trabalho na atividade do capitalista. Enquanto o primeiro desempenha seu ne-gócio sempre com a finalidade de lucro, o segundo deve receber daquele, como contraprestação por seu trabalho, ao menos o valor suficiente para a subsistência própria e de sua família.

Podemos dizer que o capitalismo moderno surgiu a partir do século XVI, com o chamado “mercantilismo” (sistema de troca de mercadorias, já com a finalidade lucrativa). Mas ele passou a se transformar no sistema dominante da economia mundial a partir da Revolução Industrial (na Europa do século XVIII), quando o antigo sistema mercantilista passou a ser substituído pela produção de bens em grande escala como a principal forma de produção de riqueza.

Na Revolução Industrial, como o nome indica, houve um intenso desenvolvi-mento da produção concentrada em indústrias, gerando um excedente de rique-za para seus proprietários (o lucro), fruto da acumulação de capital oriunda dos negócios em crescimento. Os capitalistas, então, passaram a formar uma classe muito específica, conhecida como “burguesia”. Até então, não havia uma forma de produção de riqueza tão eloquente, e, ao mesmo tempo, completamente desvinculada do Estado e da Igreja.

O problema é que a nova classe queixava-se muito contra o sistema político en-tão dominante (o Absolutismo). É que, no regime em questão, o rei e a Igreja estavam, por assim dizer, acima da lei, o que quer dizer que tinham um poder ilimitado. Assim, naquele contexto histórico, a lei era um mero acessório, já que, como observado, nem todos a ela se submetiam.

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Essa situação era muito prejudicial aos negócios do burguês, pois ele não tinha qualquer segurança para praticá-los, já que corria sempre o risco de alguma in-terferência do rei absolutista (ou mesmo da Igreja). Monarca este que, muitas ve-zes, dependia dos impostos gerados pelos negócios do burguês para sustentar seu suntuoso modo de vida.

Assim, de forma bastante resumida, o que ocorria na Europa em fins do século XVIII, era a existência de uma classe que detinha o dinheiro, fruto de seus negó-cios no florescente sistema capitalista, a burguesia. Porém, faltava-lhe algo muito importante, e que seria imprescindível para a expansão de seu mercado: a segu-rança para praticar seus negócios sem ingerências externas. E o meio encontra-do pela burguesia de obter essa segurança foi buscar uma forma de submeter a todos, inclusive ao rei e o clero, às mesmas regras.

A falta de um modo cordial de atingir seu intuito, a burguesia decidiu pegar em armas, o que gerou diversas guerras, as chamadas revoluções burguesas. A principal delas foi a Revolução Francesa (que eclodiu em 14 de julho de 1789), merecendo destaque também a Independência dos Estados Unidos da America, celebrada em 04 de julho de 1776.

Foi com as revoluções burguesas que se inaugurou uma nova forma de governo e que até hoje constitui o sistema dominante: o poder deixou de ser das pesso-as, e passou a ser da lei. Tratou-se da criação do chamado Estado de Direito, por meio do qual ninguém (nem mesmo o rei) está acima da lei.

Essa nova fase da história permitiu o aperfeiçoamento completo do sistema ca-pitalista. É que, com ela, os capitalistas passaram a ter a segurança necessária para a prática de seus negócios, pois tinham a ciência de que pela lei, e somente por ela, seriam regulados todos os meandros de sua atividade econômica (em especial, a incidência de impostos estatais). Não haveria, portanto, espaço para surpresas, para ingerências indevidas dos reis ou da própria Igreja, estando os donos dos meios de produção livres para desempenhar suas atividades da forma que melhor lhes aprouvesse.

ESTADO E CAPITALISMO.

A Revolução Industrial inaugurou uma importante forma de divisão do trabalho.

Com o sistema então implantado, o capitalista passou a concentrar toda sua pro-dução (ou a maior parte dela) em determinado local, no qual os trabalhadores se reuniam para desempenhar seu trabalho destinado à produção de mercadorias em troca de salário.

Na fábrica, organizou-se a atividade de modo que cada trabalhador ficasse res-ponsável por um pequeno pedaço da fabricação de mercadorias. A exemplo, em uma fábrica de chapéus, parte dos trabalhadores cuidava, por todo o tempo, da preparação dos tecidos, outra parte dedicava-se exclusivamente à coloração, ou-tra do acabamento, e assim por diante.

Para manter em ordem esse espaço produtivo conforme sua conveniência, o ca-pitalista passou a estabelecer regras rígidas com relação às atividades e às jor-nadas que deveriam ser praticadas. Aliás, naquela época (especialmente fins do século XVIII e século XIX), não havia qualquer limitação à forma pela qual o capi-

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talista deveria empreender seu negócio. Como consequência, se fossem neces-sárias 18h de trabalho incessante na fábrica por dia, tal era a jornada exigida dos trabalhadores, ainda que lhe fossem pagos salários de fome. Ao mesmo tempo, se determinadas atividades pudessem ser praticadas por crianças e mulheres, assim era feito, independentemente da idade dos infantes. Não havia, por outro lado, qualquer regulação sobre as características do ambiente de trabalho, o que possibilitava o desempenho de atividades em locais sem qualquer ventilação, de modo totalmente insalubre.

De fato, não haveria como exigir, já no início do desenvolvimento da indústria, a existência de regras de proteção para a condição dos trabalhadores. Até porque, como observado, o surgimento do Estado de Direito foi uma reivindicação da própria classe burguesa. Não haveria sentido que as leis então vigentes confe-rissem direitos aos trabalhadores, quando a própria existência de uma legislação havia sido reivindicada pela classe que os antagonizava.

ESTADO MÍNIMO.

Justamente por ter sido fruto de uma reivindicação burguesa, a primeira forma de Estado retratava precisamente os anseios de tal classe. Tratava-se, assim, de um Estado que tutelava a propriedade como um bem sagrado, intocável, na medida reivindicada pelos burgueses. Afinal, como visto, era justamente deles a propriedade dos meios de produção; qualquer ingerência nesse instituto seria contrária aos interesses então reinantes. Daí a ideia de segurança, especialmen-te para a tutela da propriedade.

Nesse sentido, a primeira forma de Estado era a de uma instituição muito pou-co participativa, na medida em que interessava para os burgueses, ou seja, um Estado não-intervencionista, que ao mesmo tempo em que tornava a proprie-dade um direito absoluto, conferia ao seu proprietário a liberdade de desempe-nhar seus negócios da forma que mais lhe conviesse.

Daí chamar-se essa primeira forma de “Estado Mínimo”, e, ao mesmo tempo, “Liberal”, conceitos ambos cunhados com um viés economicista. Em outras pala-vras, um Estado que não incomodava e que permitia aos cidadãos a liberdade de fazerem de suas vidas àquilo que lhes fosse mais interessante.

Como se vê, a ideia de “liberdade” tinha, nessa forma de Estado, grande relevân-cia. E era, até por uma questão de coerência (por retratar o império da lei, que deve ser sempre genérica, abstrata e impessoal), aplicável a todos os cidadãos, mesmo os trabalhadores.

Nessa linha de raciocínio, ao mesmo tempo em que o empresário tinha a liber-dade de gerir seus negócios fazendo o que bem entendesse (estabelecendo jor-nadas intermináveis, contratando trabalhadores a partir de qualquer idade, ou ajustando o salário conforme a própria conveniência), os trabalhadores também poderiam fazê-lo. Porém, no caso destes, a única liberdade de que dispunham era a de escolher a quem vender sua força de trabalho. E foi dessa maneira que se instituiu o paradigma da igualdade.

Portanto, os três institutos que melhor definem a primeira forma moderna de Estado são: segurança, liberdade e igualdade.

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ESTADO SOCIAL.

Com o passar do tempo (especialmente o caminhar do século XIX), foi ficando cada vez mais evidente que as premissas do Estado Mínimo não contribuíam para a formação de uma sociedade equilibrada, tanto do ponto de vista social como econômico. Basta considerar que a propalada liberdade conferida ao tra-balhador não era algo, digamos, muito sedutor. Ela restringia-se, afinal, ao valor exigível pela força de trabalho, o que, com a abundante mão-de-obra então exis-tente, caracterizava um reduzido poder de barganha dos trabalhadores perante seus empregadores.

Essa disparidade gerou, então, um verdadeiro fosso econômico e social entre os capitalistas e os trabalhadores. Os salários pagos eram cada vez menores, ao mesmo tempo em que as condições de trabalho ficavam cada vez mais precárias. Mais e mais horas de trabalho eram exigidas para atender a uma crescente de-manda, ao mesmo tempo em que a mão-de-obra desempregada só aumentava, fruto da ocupação desordenada dos principais centros urbanos europeus, para onde migravam milhares e milhares de pessoas em busca de melhores condi-ções de vida, em razão da concentração das fábricas em tais locais.

As condições sociais eram, em tal período, cada vez mais precárias, e a situação então vivida pela classe trabalhadora foi assim retratada por Leo Huberman1:

[...] com a chegada das máquinas e do sistema fabril, a linha divisória se tornou mais acentuada ainda. Os ricos ficaram mais ricos e os po-bres, desligados dos meios de produção, mais pobres. [...] Temos uma idéia de como era desesperada a sua situação pelo testemunho de um deles, Thomas Heath, tecelão manual: “Pergunta: Tem filhos? “Resposta: Não. Tinha dois, mas estão mortos, graças a Deus! “Pergunta: Expressa satisfação pela morte de seus fi-lhos? “Resposta: Sim. Agradeço a Deus por isso. Estou livre do peso de sustentá-los, e eles, pobres criaturas, estão livres dos problemas desta vida mortal.” O leitor há de concordar que, para falar desse modo, o homem devia realmente estar deprimido e na miséria. O que acontecia aos homens que, reduzidos ao estado de fome absoluta, já não podiam lutar contra a máquina, e finalmente iam buscar emprego na fábrica? Quais eram as condições de trabalho nessas primeiras fábricas? As máquinas, que podiam ter tornado mais leve o trabalho, na realidade o fizeram pior. Eram tão eficientes que tinham de fazer sua mágica durante o maior tempo possível. Para seus donos, representavam tamanho capital que não podiam parar — tinham de trabalhar, trabalhar sempre. Além dis-so, o proprietário inteligente sabia que arrancar tudo da máquina, o mais depressa possível, era essencial porque, com as novas invenções, elas podiam tornar-se logo obsoletas. Por isso os dias de trabalho eram longos, de 16 horas. Quando conquistaram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, os trabalhadores consideraram tal modifi-

cação como uma bênção.

Como se vê, não havia uma igualdade na acepção da palavra, a não ser algo for-mal, que servia como mera aparência, não como algo de fato. Os trabalhadores sofriam, e não tinham a quem recorrer, pois o Estado, como visto, era mais uma figura de retórica (e claramente voltado aos interesses da burguesia) que uma entidade de salvaguarda dos cidadãos em geral.

1- HUBERMAN, Leo. A História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.

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Nesse período (meados do século XIX), em função de toda a dificuldade que enfrentavam, os trabalhadores, que dividiam o mesmo espaço na indústria, co-meçaram a se unir em prol de melhorias das condições de trabalho. Tais uniões deram origem aos sindicatos, entidades que, representando a coletividade, pas-saram a ostentar um poder maior de barganha perante os empregadores, confe-rindo melhores perspectivas de trabalho aos empregados.

Na mesma época, iniciou-se uma série de reivindicações da classe trabalhado-ra, fortalecidas por seus sindicatos, sempre em busca de melhores condições de vida e de trabalho. Ideias socialistas pondo em xeque o sistema capitalista borbu-lhavam, ao ponto de se pressionar os diversos Parlamentos europeus a cederem e a, cada vez mais, começarem a interferir positivamente na atividade produtiva.

E assim começou a surgir a legislação trabalhista, imprescindível para impor li-mites à exploração do capital. Mas o ponto culminante de tal evolução histórica foi visto no início do século XX, quando começaram a surgir Constituições de países (a exemplo, México, 1917, e Alemanha, 1919) prevendo direitos aos tra-balhadores. Era, portanto, o início de uma fase em que a Lei Máxima de diversos países passava a garantir à classe trabalhadora direitos importantíssimos para a inclusão social de tais cidadãos.

Esse movimento consistiu em uma clara resposta às ideias que norteavam o Estado Liberal. Afinal, à noção de segurança aliou-se uma inspiração social (daí a ideia de função social da propriedade); à liberdade somaram-se diversos precei-tos garantidores de uma dignidade (mesmo mínima) para os contratantes de in-ferior condição social; e à ideia de igualdade meramente formal opôs-se a noção de igualdade material, baseada na máxima de que se deve garantir não apenas que todos tenham as mesmas condições, mas que àqueles mais necessitados tais condições devem ser viabilizadas por meio de ações efetivas do Estado (hoje conhecidas por ações afirmativas).

Assim foi construído, em linhas gerais, o chamado Estado Social, modelo adota-do por uma série de países no início do século XX, e que constituiu uma oposição ao Estado Mínimo, Liberal, não-interventor, que claramente não atendia aos in-teresses da maior parte da população, justamente a mais necessitada. Foi um pe-ríodo de fortalecimento das legislações sociais em diversos países, consolidando o surgimento de um verdadeiro direito do trabalho.

ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL (ESTADO-PROVIDÊNCIA).

As ideias do Estado Social atingiram o seu auge em fins da década de 1930. Como observado, ele nasceu de inspirações socialistas, representando, assim, uma resposta inicialmente satisfatória ao desenvolvimento do capitalismo nos países que ainda o tinham como sistema econômico reinante. Obviamente, a classe dominante não estava satisfeita com as mudanças, pois elas certamente restringiram sua liberdade de atuação e, evidentemente, a exploração da classe dominada.

Aliás, a história retrata que as décadas de 1920 e 1930 foram muito difíceis para o capitalismo, especialmente em razão de dois fatores interligados: houve, espe-cificamente nos Estados Unidos da América, um aquecimento da produção no pós-guerra, para fornecimento de bens de consumo para os países europeus, devastados pela 1ª Guerra; porém, o poder de consumo da população em geral

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não acompanhou a alta produção então existente (justamente porque os salá-rios não eram condizentes com as necessidades da população), o que fez com que houvesse uma crise de superprodução.

Ao mesmo tempo, a Rússia era o primeiro país a iniciar uma experiência socialis-ta, e, ao se aliar aos países do Leste Europeu (para formar a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), começou a formar um mercado em franca expansão, mas com ideias socialistas de coletivização dos meios de produção e participação dos trabalhadores nos órgãos decisórios do Governo.

As ideias socialistas representavam, portanto, um concreto risco à expansão do capitalismo. Do ponto de vista dos precursores do Estado Liberal, não-interven-cionista, era preciso uma resposta à nova orientação, algo que preservasse o sistema capitalista, e impedisse que ideias como a coletivização dos meios de produção (as bases do socialismo) se consolidassem.

Em alguns países, essa resposta veio por meio de governos totalitários, de que se tem como exemplos mais eloquentes a Alemanha nazista, a Espanha franquis-ta e a Itália fascista. Em outros (tendo como vanguarda os Estados Unidos da América), a ideia seguiu linha diferente: mantiveram-se as bases liberais que ca-racterizavam o sistema capitalista (com respaldo à propriedade privada e a um não-intervencionismo exagerado nos negócios mercantis), mas se reconheceu a necessidade de se conferir à classe trabalhadora uma maior participação nesses mercados, fomentando o consumo e, com isto, todo o sistema capitalista. Foi uma espécie de passo atrás dado pelos defensores da ideologia capitalista.

A nova forma de Estado, que se consolidou no pós-Segunda Guerra, é a do cha-mado Bem-Estar Social. E ela consistiu em uma espécie de salvação do sistema capitalista, e acabou por se estabelecer de forma dominante a partir da segunda metade do século XX.

ESTADO DEMOCRÁTICO E SOCIAL DE DIREITO.

Já em fins do século XX, a maioria dos países seguiu, cada qual com suas especi-ficidades, as linhas adotadas pelas diferentes experiências até então vividas pela sociedade. Foram mantidos os conceitos básicos das economias capitalistas (em especial, propriedade privada e segurança jurídica), mas também foram incorpo-radas as ideias inspiradoras de igualdade material.

Mais que isso, uma nova maneira de coletivização de necessidades foi encam-pada pelo Estado. A sociedade, que se tornou uma sociedade de massa em razão do consumo, passou a ter do Estado uma resposta à sua maior participação nas relações interpessoais e com o próprio Estado. Com isso, as diferentes legislações passaram a incorporar os chamados direitos coletivos, cuja inspiração é similar à que deu origem ao direito do trabalho: percebeu-se a necessidade da tutela de direitos comuns à coletividade, e que, apenas por meio de instrumentos com alcance massivo (de que são exemplos brasileiros a ação civil pública e a ação popular), seria possível dar resposta a tais anseios.

Estatutos como o do meio-ambiente, ou do consumidor, presentes em inúmeros países, mostraram essa nova orientação estatal. E, por meio dela, o que se tem na atualidade é uma percepção mais abrangente da ideia de democracia, com uma maior sensibilidade às necessidades dos mais variados grupos sociais, especial-mente aqueles em situação de vulnerabilidade.

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Nessa linha, a mulher (que sempre sofreu com uma cultura machista que norteou todo o mundo) ganhou lugar de destaque. Crianças e adolescentes passaram a ter proteção especial, assim como idosos e portadores de necessidades especiais.

O que passa a existir é uma verdadeira democratização do Estado, conferindo-se a grupos que até então ocupavam segundo plano na sociedade, uma posição de destaque, tal qual a dos cidadãos em geral.

É essa, em linhas superficiais, a noção de Estado Democrático e Social de Direito: um Estado que permanece fundado no império da lei, mas uma lei ela-borada com compromisso maior de inclusão social dos mais diversos grupos que compõem a sociedade.

Hoje, pode-se dizer que vivemos, no mundo ocidental, e, especificamente no Brasil, essa preocupação com um conceito de Estado Democrático e Social de Direito. Nossa Lei Maior (Constituição Federal), a despeito de algumas contradi-ções, encampa tais ideais em diversas passagens, especialmente quando dispõe, em seu artigo 3º, que:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;II - garantir o desenvolvimento nacional;III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Sobre a proteção à mulher, a Constituição traz previsões específicas, merecendo destaque a contida no artigo 7º, XX, no sentido de ser garantida a “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”.

A proteção à criança, ao adolescente, ao jovem e ao idoso vem a partir do artigo 226 da Constituição, que também reservou, no inciso XXXII do artigo 5º, “a defesa do consumidor”, e, em diversas passagens, a proteção ao meio ambiente.

São essas, portanto, as inspirações que norteiam o Brasil e a sociedade contem-porânea, frutos de longa evolução, e que certamente ainda dependerá de diver-sos aperfeiçoamentos no decorrer de nossa caminhada.

A ESTRUTURA DO ESTADO BRASILEIRO.

O Brasil é uma federação, ou seja, país composto por regiões autônomas, que aqui são chamadas de Estados. Em outros países, como na Argentina, tais regiões são chamadas províncias, em que, tal como ocorre no Brasil, prepondera a ideia de descentralização do poder.

De forma peculiar em relação à maioria dos países, no Brasil o Município também é considerado como ente autônomo. Porém, tal autonomia é relativa (o que se estende, aliás, aos Estados), já que, em regra, o maior poder é reservado para o Governo central (a União).

Observando países como os Estados Unidos da América, que têm uma confor-mação parecida com a nossa, percebemos o quanto a ideia de federação pode

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abranger uma autonomia muito maior: cada Estado, naquela nação, tem um sis-tema penal próprio, tanto que a pena de morte é autorizada em alguns Estados e não em outros. Sem qualquer interferência do Governo Central.

A forma de governo brasileira é a de uma República presidencialista, ou seja, com o poder concentrado em um Presidente que exerce a chefia do Governo e do Estado.

Na Constituição Federal, temos, já no artigo 1º, a disposição até aqui estuda-da, quando se estabelece que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...).”

DIVISÃO DOS PODERES.

Quando se afirma que o Presidente da República tem a concentração do poder, a ideia é a de centralização.

De fato, ao analisarmos as leis Brasileiras, especialmente a Constituição Federal, percebemos que, em muitas situações, a última palavra é a do Presidente. Porém, diante das inúmeras funções do Estado (aqui entendido como país), é impossível que todas as decisões sejam concentradas em uma só pessoa. Justamente por isso, nossa República, seguindo uma tradição consagrada há alguns séculos em todo o mundo ocidental, subdivide o Poder em três:

a) o Executivo, cujo chefe maior, no âmbito da União, é o Presidente da República; já nos Estados, é o Governador; e nos Municípios, o Prefeito;

b) o Legislativo, chefiado, no âmbito federal, pelos Deputados Federais e pelos Senadores, no âmbito estadual, pelos Deputados Estaduais, e, no Município, pelos Vereadores; e

c) o Judiciário, que só existe na União e nos Estados, no primeiro caso enca-beçado pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, e, nos Estados, pelos Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados.

Na Constituição, isso vem definido no artigo 2º, que dispõe que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

ORGANOGRAMA E PAPEL DE CADA PODER.

Feita a distinção entre os Poderes, passamos agora a pontuar, de forma bastante sucinta, algumas diferenças entre eles.

Ao Poder Legislativo cabe a elaboração das leis, no âmbito federal, estadual e municipal. Nos Estados, os Deputados reúnem-se nas Assembleias Legislativas. E, nos Municípios, nas Câmaras de Vereadores.

Como já observado, no Poder Legislativo federal existem duas Casas de votação: a Câmara, que representa o povo, e o Senado, que representa os Estados. A União das duas Casas constitui o Congresso Nacional, que se reúne para votar os proje-

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tos de lei mais importantes. Enquanto a Câmara é composta por representantes do povo, o Senado representa os Estados.

Tudo isso vem bem delineado nos artigos 44 a 46 da Constituição Federal:

Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.Parágrafo único. Cada legislatura terá a duração de quatro anos.Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessá-rios, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unida-des da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. § 2º Cada Território elegerá quatro Deputados.Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.§ 1º Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos.§ 2º A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renova-da de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços.§ 3º Cada Senador será eleito com dois suplentes.

O Poder Executivo, por sua vez, tem uma função administrativa. A ele compe-te o Governo, a administração do interesse do povo, de acordo com as leis. Dele é a responsabilidade de executar ações, colocando as leis editadas pelo Poder Legislativo em prática, buscando o desenvolvimento da Nação.

Na União, o Poder Executivo é chefiado pelo Presidente da República, com auxílio dos Ministros de Estado. Nos Estados e Municípios, a autoridade máxima é do Governador e do Prefeito, respectivamente, auxiliados por Secretários, cada qual responsável por uma área de atuação.

Já ao Poder Judiciário reserva-se o dever de aplicar as leis aos casos de lesão ou ameaça de lesão a algum direito. A ele cabe, portanto, o poder de dizer o direito, conforme sua interpretação do alcance das leis, no âmbito de processos judiciais submetidos à sua apreciação.

Como vimos, o Poder Judiciário restringe-se à União e aos Estados. O Supremo Tribunal Federal é o órgão máximo tanto numa como noutra esfera, e que, por-tanto, detém a última palavra sobre todas as questões (mesmo da competência da Justiça dos Estados) que possam afetar a Constituição Federal.

O Poder Judiciário é dividido conforme as matérias tratadas nos processos judi-ciais. Tal medida é chamada de competência.

No âmbito federal, o Poder Judiciário é representado pela Justiça Federal Comum e pela Justiça Federal Especializada, esta composta pela Justiça do Trabalho, pela Justiça Militar e pela Justiça Eleitoral. Nos Estados, tem-se a Justiça Estadual Comum.

O Conselho Nacional de Justiça, que também compõe o Poder Judiciário, é uma espécie de órgão fiscalizatório do próprio Judiciário. Conforme a Constituição, a ele compete, especialmente, “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (con-forme o artigo 103-B, §4º da Constituição Federal)

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Como vamos tratar neste curso especificamente sobre a reforma trabalhista, é importante entendermos um pouco o funcionamento da Justiça do Trabalho.

Os processos judiciais da competência da Justiça do Trabalho são julgados por juízes do trabalho, que são lotados em Varas do Trabalho. Os recursos de tais de-cisões são analisados pelos Tribunais Regionais do Trabalho.

Atualmente, existem 24 Tribunais Regionais, sendo dois deles no Estado de São Paulo, um com sede na Capital e outro em Campinas.

Das decisões oriundas dos Tribunais Regionais pode haver recurso para o órgão máximo da Justiça do Trabalho, que é o Tribunal Superior do Trabalho. A ele com-pete uniformizar nacionalmente a interpretação da legislação federal do traba-lho, adotando diretrizes que devem nortear as decisões dos órgãos inferiores.

Caso a matéria, mesmo em processo trabalhista, diga respeito à interpretação de norma constitucional, poderá haver recurso, ainda, ao Supremo Tribunal Federal.

A LEI.

A lei é a expressão máxima do Estado de Direito. Serve para nortear as condu-tas de todos os cidadãos, estabelecendo regras com caráter geral, abstrato e impessoal.

É pela lei que se garante a paz no Estado Democrático, que, pela lei, transforma--se em Estado Democrático de Direito. Por isso, por trás da lei sempre existirá uma sanção, que é a consequência pelo seu descumprimento, e com a qual arca-rá todo aquele que é seu destinatário.

Uma lei sem sanção não é lei, mas mero enunciado sem efeito. E uma sanção sem lei que a anteveja é uma afronta à ordem estabelecida em determinada socieda-de, sendo, por isso, fruto de arbitrariedade.

Lei é um conceito geral. Por isso, dizemos que ela pode ter um sentido material e um sentido formal. Do ponto de vista material, é lei toda disposição dotada daquelas características de abstração generalidade e impessoalidade. Nesse sen-tido, é lei a Constituição Federal, uma emenda à Constituição, ou mesmo um decreto.

No aspecto formal, e, portanto, com uma acepção mais restrita, lei é uma determi-nada espécie de regra, sujeita a um determinado procedimento. Normalmente, é chamada de lei ordinária.

O PROCESSO LEGISLATIVO.

Processo legislativo, como o nome indica, é o conjunto de atos ordenados que conduzem à elaboração de uma lei (em sentido material). No Brasil, a Constituição é, a respeito, taxativa sobre as diversas espécies de lei e de seu processo de for-matação, dispondo em seu artigo 59 que:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emen-das à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - reso-luções. (...).

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Como regra, as propostas de lei geram debates, e, com a aprovação da maio-ria (que será simples ou qualificada, conforme o tipo de norma), transformam--se em leis propriamente ditas. Algumas delas ainda dependem de sanção do Presidente da República, que é uma espécie de ratificação para que passem a entrar em vigor.

A HIERARQUIA DAS LEIS.

Cada espécie legislativa tem um determinado espaço no ordenamento jurídi-co do país. Se observarmos o já transcrito artigo 59 da Constituição, e quando entendermos cada uma das modalidades de leis ali existentes, veremos que a ordem ali existente segue uma certa hierarquia.

A Constituição Federal é a lei máxima do país. Para alterá-la, é necessária a edição da chamada emenda à Constituição. Pela relevância dos temas tratados (matéria constitucional), exige-se o chamado quórum qualificado, ou seja, a participação de um número elevado de membros das duas Casas do Congresso Nacional.

Há temas que sequer podem ser objeto de emenda à Constituição (e que, por-tanto, somente poderão ser alterados com a edição de uma nova Constituição). Nesse sentido, dispõe o artigo 60, §4º, da própria Constituição Federal:

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:I - a forma federativa de Estado;II - o voto direto, secreto, universal e periódico;III - a separação dos Poderes;IV - os direitos e garantias individuais.

Na sequência, conforme o grau de importância dos temas tratados, temos:

a) as leis complementares, que também exigem maioria absoluta dos mem-bros, e só são editadas quando uma previsão anterior expressamente dis-põe em tal sentido;

b) as leis ordinárias, que são a maioria das leis em vigor no País, e que exigem apenas o quórum de maioria simples para sua aprovação;

c) as leis delegadas, que são muito pouco usadas, mas que servem para que o Presidente da República, com a delegação do Congresso Nacional, exerça atividade legislativa;

d) as medidas provisórias, que correspondem ao exercício direto, pelo Presidente da República, de função legislativa, em casos de relevância e ur-gência, com posterior submissão ao Congresso Nacional;

e) os decretos legislativos, que regulam questões de competência exclusiva do Congresso Nacional, todas elas especificadas na Constituição Federal; e

f ) f ) as resoluções, que servem para regulamentar matérias tratadas por leis de hierarquia superior.

Como regra, nenhuma norma pode contrariar a Constituição Federal. Se isso ocorrer, a lei questionada deverá ser excluída do ordenamento, mantendo-se a primazia da Constituição.

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Será o Supremo Tribunal Federal, desde que provocado a falar, quem dirá se de-terminado ato normativo (qualquer que seja ele, inclusive uma emenda à própria Constituição) fere, ou não, a Constituição Federal, cabendo ao Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal” (artigo 52, X da Constituição).

No direito do trabalho existe, porém, uma especificidade: a Constituição não será, necessariamente, a regra de maior hierarquia, mas a norma mais favorável ao empregado. Isso quer dizer que, nesta ciência, impera um critério mais flexível, sem a rigidez da primazia da Constituição Federal: por ele, sempre que houver uma norma, mesmo de hierarquia inferior à Constituição Federal, mas prevendo, em seu conjunto, benefícios mais favoráveis ao trabalhador, ela preponderará.

Por fim, vale uma observação importante: uma regra só pode ser revogada por outra de hierarquia igual ou superior a ela. Ou seja: a Constituição Federal tem o poder de revogar toda a legislação (anterior, quando temos o fenômeno da não-recepção; ou posterior a ela) que conflitar com ela. Porém, uma lei ordinária jamais terá o poder de revogar a Constituição, uma Emenda à Constituição, ou, mesmo, uma lei complementar. Medidas provisórias têm força de lei (CF, artigo 62), o que quer dizer que podem revogar leis ordinárias e quaisquer espécies normativas hierarquicamente inferiores a elas.

A MEDIDA PROVISÓRIA E SUA RELAÇÃO COM A REFORMA TRABALHISTA:

A medida provisória é, como observado, uma das espécies legislativas descritas no artigo 59 da Constituição Federal.

O grande diferencial desse tipo de norma é sua origem e sua amplitude: ela pro-vém de ato do Presidente da República, não do Poder Legislativo constituído, e serve para regular qualquer questão reservada à lei ordinária em geral. Portanto, é possível dizer que, pela medida provisória, o Presidente da República tem em suas mãos também o poder de editar normas, cuja eficácia equivale à de uma lei ordinária. É o que estabelece o artigo 62 da Constituição Federal:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo subme-tê-las de imediato ao Congresso Nacional.

Como se observa do dispositivo transcrito, dois são os requisitos exigíveis para a edição de uma medida provisória: a relevância da matéria tratada e a necessida-de urgente de sua regulação.

Quando se fala em legislação trabalhista, automaticamente se reconhece a re-levância em sua respectiva regulação. Afinal, como já observado, é pela lei tra-balhista que se ordena a relação de emprego, categoria determinante dentro da sociedade capitalista, e, portanto, que não prescinde de ordenação legislativa.

Por outro lado, é importante observar que nem toda regra trabalhista é neces-sariamente urgente. Aliás, é exatamente por tratarem de algo tão relevante do ponto de vista social que as normas afetas à legislação trabalhista exigem maior período de maturação, de discussão de ideias. Nesse sentido, é no mínimo pou-co recomendável (ressalvados casos muito específicos, ligados a algum evento extraordinário relacionado ao mundo do trabalho) que questões oriundas da re-lação de trabalho sejam objeto de medidas provisórias.

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Ao lado do exposto, também é oportuno rememorar que o responsável por edi-tar medidas provisórias é o Presidente da República: a considerar sua clássica atribuição à luz da tripartição de Poderes (ele é membro do Executivo, cuja finali-dade primária e fundamental não é a edição de atos legislativos, mas a execução das políticas publicas que deles decorrem), é certo que o exercício de função legiferante escapa à sua real finalidade.

Ou seja: essa atribuição anômala conferida ao chefe do Poder Executivo deve ser utilizada apenas em casos realmente relevantes e urgentes, até mesmo como forma de preservação das atribuições legislativas ao órgão a quem elas foram confiadas pelo povo, o Poder Legislativo.

Justamente por conta das peculiaridades mencionadas, o legislador constitu-cional ainda estabelece que o Presidente da República deva “submetê-las (as medidas provisórias) de imediato ao Congresso Nacional” (parte do já transcrito artigo 62 da Constituição). O Congresso Nacional, por sua vez, deverá deliberar em sessenta dias (deduzidos períodos de recesso parlamentar) sobre o mérito da medida provisória que lhe é submetida, prazo que poderá ser prorrogado por igual período, caso não haja votação encerrada nas duas Casas do Congresso no prazo inicialmente mencionado.

Na hipótese de a medida provisória não ser convertida em lei em até cento e vinte dias, ela simplesmente perde sua eficácia, hipótese em que “as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência con-servar-se-ão por ela regidas” (conforme artigo 62, §11 da Constituição Federal).

E por que estamos enfatizando especificamente as características das medidas provisórias? Porque a Reforma Trabalhista, que foi implementada principalmen-te pela edição da Lei n.º 13.467/2017, sofreu diversas alterações por uma medida provisória, que recebeu o n.º 808/2017. Exatamente por alterar a própria lei que havia modificado profundamente a CLT, a medida provisória em questão passou a ser conhecida por “reforma da reforma”.

E por que motivo o então Presidente da República Michel Temer resolveu editar a Medida Provisória n.º 808/2017?

O motivo foi, eminentemente, político.

De acordo com o processo legislativo brasileiro, sempre que um projeto de lei é aprovado por uma das Casas (Câmara dos Deputados ou Senado Federal), deve ser enviado para a outra, a fim de que seja votado novamente. Caso aprovado sem qualquer emenda, o projeto é enviado ao Presidente da República para san-ção. Ao contrário, quando o projeto de lei sofre alguma alteração, deve voltar à Casa iniciadora para que os pontos alterados sejam novamente apreciados. Nesse caso, o processo é evidentemente mais longo, e torna-se desgastante do ponto de vista político quando o mérito do projeto contraria interesses de gran-de parte da população.

No caso da Reforma Trabalhista, embora as alterações previstas no projeto de lei atendessem aos reclamos das entidades empresariais, elas geravam, como efeito colateral, a contrariedade da opinião pública em geral. Isso porque, como veremos ao longo deste trabalho, as mudanças propostas viriam para flexibilizar (e até mesmo suprimir) inúmeros direitos que já haviam sido consolidados na legislação brasileira.

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Assim, para que o projeto de lei em questão pudesse entrar em vigor rapida-mente, era preciso uma tramitação célere, que foi o que aconteceu na Câmara dos Deputados: em uma tramitação de apenas pouco mais de quatro meses, as alterações foram aprovadas, com o consequente envio ao Senado Federal.

Porém, quando o projeto chegou ao Senado Federal, houve resistência por parte dos membros daquela Casa: por discordarem de vários pontos da medida, os se-nadores tinham a intenção de propor alterações ao projeto original, o que, como já observado, demandaria o retorno da questão para a Câmara, e, portanto, gera-ria mais desgaste junto à opinião pública.

Foi então que o Governo propôs ao Senado a seguinte solução: que a Casa Revisora aprovasse o projeto integralmente da forma que havia sido encami-nhada pela Câmara, comprometendo-se o Presidente da República a editar uma medida provisória com os pontos em relação aos quais o Senado discordava.

O Senado, então, concordou com a proposta formulada pelo Governo. Como consequência, embora a principal lei reformadora da legislação trabalhista (a Lei n.º 13.467/2017) tenha entrado em vigor em 11 de novembro de 2017 (cento e vinte dias após a sua publicação), apenas três dias depois, em 14 de novembro de 2017, entrou em vigor a Medida Provisória n.º 808/2017, que contemplou exatamente aquelas questões que haviam sido alteradas pela Lei n.º 13.467/2017 sem o verdadeiro aval do Senado Federal.

Houve, como se vê, um acordo político, que, porém, não deve ficar isento de críticas.

Em primeiro, porque não há dúvidas de que os requisitos constitucionais da rele-vância e da urgência não foram, no caso mencionado, observados: na verdade, a questão vinha tramitando normalmente na Câmara, e certamente não havia qualquer necessidade de se apressar seu início de vigência. Tanto isso é verdade que a própria Lei da Reforma entrou em vigor apenas cento e vinte dias depois de publicada, não havendo, então, justificativa para que outra medida tratando das mesmas questões fosse considerada urgente.

Uma segunda crítica que se faz diz respeito à postura tomada pelo Senado: ao ratificar, mesmo a contragosto, o projeto que havia sido encaminhado pela Câmara, a Casa Revisora simplesmente abdicou do dever de participar ativa-mente do processo legislativo, o que, por certo, deve causar algum desconforto aos eleitores, na medida em que a edição de qualquer lei pressupõe efetiva atu-ação por parte das duas Casas Legislativas.

Mas o pior ainda estava por vir.

Como você já sabe, existe um prazo constitucionalmente fixado para que a medida provisória seja convertida em lei: cento e vinte dias a partir de sua edição. Nesse perí-odo, cabe à Câmara e ao Senado deliberarem sobre o mérito da medida.

No caso da Medida Provisória alteradora da Reforma Trabalhista, não houve um movimento sequer no sentido da análise dos pontos por ela regulados. A con-sequência: no dia 23 de abril de 2018, após o prazo legal de cento e vinte dias (a que foi acrescido o período de recesso parlamentar) ela simplesmente perdeu sua eficácia, o que ensejou a reativação da Lei n.º 13.467/2017 também com relação aos pontos que haviam sido modificados pela MP n.º 808/2017.

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POR QUE MOTIVO A MP N.º 808/2017 NÃO FOI OBJETO DE DELIBERAÇÃO?

A resposta é de certo modo fácil de compreender.

De acordo com o §8º do artigo 62 da Constituição Federal, “as medidas provisó-rias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados”. Evidentemente, não havia qualquer interesse por parte da Câmara em aprovar as modificações imple-mentadas na Lei n.º 13.467/2017 pela MP 808/2017. Afinal, a Lei n.º 13.467/2017 havia sido aprovada integralmente de acordo com a vontade dos Deputados (sem qualquer modificação, como visto, no Senado Federal), não havendo, por-tanto, sentido a que a Câmara pusesse em deliberação, pouquíssimo tempo após a aprovação da lei, diversas alterações ao seu texto.

Pode-se dizer que faltou, no episódio, maior perspicácia por parte do Senado Federal, que permitiu a singular situação em que uma lei ordinária (Lei n.º 13.467/2017) fosse aprovada em desconformidade com sua vontade, acreditan-do nas perspectivas que a Medida Provisória n.º 808/2017 teriam trazido. O que o Senado deixou passar despercebido foi a peculiaridade da tramitação das me-didas provisórias, que simplesmente o deixou de mãos atadas em um episódio de importância histórica para a sociedade brasileira.

A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT).

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como o próprio nome indica, é uma reunião da legislação trabalhista mais relevante e que já existia anteriormente à sua edição. Não foi, como muitos fazem crer até os dias atuais, uma gama de direitos concedida por um único governante (à época de sua edição, Getúlio Vargas), mas simplesmente uma sistematização de dezenas de atos normativos editados nos diversos anos anteriores à sua publicação.

A CLT foi editada em 1º de maio de 1943, pelo Decreto-Lei n.º 5.452.

Como você já sabe, não existe, no rol de espécies legislativas previstas na Constituição Federal, a figura do “Decreto-Lei”. É que, até a edição da Constituição (o que ocorreu em 05 de outubro de 1988), havia esta figura legislativa, que nada mais era que um decreto do Poder Executivo, atuando como se fosse o Legislativo.

Evidente que isso (o Poder Executivo legislando) não se apresenta como um fe-nômeno legislativo normal, dentro da tripartição de Poderes que já estudamos. Porém, se nos aprofundarmos no assunto (o que não é nossa intenção, ao me-nos neste momento), veremos que esse tipo de anomalia existe com relação aos três Poderes (ou seja, há situações excepcionais em que os Poderes Executivo e Judiciário legislam, ou em que o Poder Legislativo julga, por exemplo).

O fato é que, na conformação legislativa atualmente existente, a CLT equivale a uma lei ordinária. Portanto, como já estudamos, só pode ser revogada (no todo ou em parte) por outra norma de hierarquia superior ou idêntica.

No caso da reforma trabalhista, as mudanças vieram por três espécies legislativas:

1) a Lei n.º 13.429/2017, de 31 de março de 2017, que regulamentou o instituto da terceirização no ordenamento jurídico brasileiro, algo até então inexistente;

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2) a Lei n.º 13.467, de 13 de julho de 2017, e que entrou em vigor 120 (cento e vinte) dias após a sua publicação, ou seja, em 11 de novembro de 2017, e que introduziu as mais expressivas modificações no corpo da CLT; e

3) a Medida Provisória n.º 808, publicada que vigorou no período de 14 de no-vembro de 2017 a 23 de abril de 2018, e que modificando a CLT tanto no que não havia sido alterado pela Lei n.º 13.467/2017, como em matérias reguladas por tal lei.

Uma importante observação: nem toda a legislação trabalhista está contida na CLT. Há diversas outras leis que regulam temas que não são tratados pela CLT. Por exemplo: o 13º salário (chamado pela lei de gratificação natalina) não está regu-lado na CLT, mas em uma lei específica, de n.º 4.090 de 1962. Da mesma forma, o descanso semanal remunerado, que é todo tratado pela Lei n.º 605 de 1949.

Nessa linha de raciocínio, é relevante observarmos que as leis reformadoras mo-dificaram não só a CLT, mas também outras leis trabalhistas, como a que tratava especificamente do trabalho temporário (Lei n.º 6.019/1974), a Lei que prevê a regulamentação do FGTS (Lei 8.036/1990) e a Lei 8.212/1991 (que trata da orga-nização da Seguridade Social).

A ESPECIFICIDADE DO DIREITO DO TRABALHO: OS ACORDOS COLETIVOS E AS CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO.

Como já mencionamos, o Direito do Trabalho, que é o ramo do Direito que regula as relações de trabalho, tem uma especificidade, que é a existência de um critério próprio de interpretação (e hierarquização) das leis. Trata-se da prevalência da norma mais favorável.

O fato é que há, ainda, outra característica peculiar ao Direito do Trabalho: trata--se da existência de uma espécie legislativa que só existe nesse ramo: os acordos coletivos e as convenções coletivas de trabalho.

Como já estudamos anteriormente, o Direito do Trabalho nasceu das reivindica-ções dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, a partir especial-mente do século XIX, em função da constante exploração a que eram submeti-dos pelos seus patrões.

Tais reivindicações, por serem comuns a todos os trabalhadores de determinada empresa ou de determinada categoria (comerciários, motoristas, por exemplo), forçaram a coalizão entre trabalhadores, originando a criação dos sindicatos. O ser individual trabalhador passou a ser, então, representado pelo ser coletivo sindicato, que se transformou em um instrumento imprescindível para a classe trabalhadora elaborar com mais força suas reivindicações.

Com o passar do tempo, até mesmo as empresas sentiram-se na necessidade de uma representação mais ampla, que abrangesse as categorias profissionais cor-respondentes. Foi daí que surgiram os chamados sindicatos representativos da categoria econômica, também chamados sindicatos patronais, que, como o nome indica, representam os interesses das empresas, conforme o respectivo ramo de atuação (comércio, transporte, etc).

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Portanto, a realidade trabalhista brasileira apresenta entidades coletivas que re-presentam os dois polos da relação: de um lado, os sindicatos representativos de categorias profissionais, também chamados de sindicatos profissionais, que representam os interesses dos trabalhadores; e, de outro, os sindicatos re-presentativos de categorias econômicas, também chamados de sindicatos patronais, que representam os interesses dos empregadores.

E QUAL É A RELAÇÃO ENTRE OS SINDICATOS E OS ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO?

As relações de trabalho são muito dinâmicas. Devem, portanto, ser sempre atua-lizadas, em razão da constante corrosão do poder de compra dos trabalhadores, causada pela inflação. Porém, como já sabemos, o processo de elaboração das leis no Brasil (que permitiria, por exemplo, reajustes salariais) é lento. Exatamente por isso, tanto os sindicatos profissionais como os patronais, assim como tam-bém as empresas individualmente, têm o poder de estabelecer normas (leis em sentido material) capazes de regular suas relações.

Quando comparecem os dois sindicatos (patronal e profissional) e, juntamente, regulam suas condições de trabalho, temos o que a lei chama de convenção co-letiva de trabalho. Quando o sindicato profissional negocia e ajusta normas que regulam as relações dos trabalhadores por ele representados com determinada empresa (ou determinado grupo de empresas, não representadas por sindicato patronal), temos o chamado acordo coletivo de trabalho.

O artigo 611 da CLT dispõe sobre essa peculiaridade:

Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter nor-mativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de cate-gorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações in-dividuais de trabalho. § 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissio-nais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da corres-pondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da emprêsa ou das acordantes respectivas rela-ções de trabalho.

Assim, quando tivermos alguma dúvida sobre um direito de determinado traba-lhador, precisaremos analisar, previamente, se, além das leis, também existe, para a categoria, algum acordo coletivo ou convenção coletiva.

E se uma convenção coletiva ou um acordo coletivo estiver em conflito com a Constituição? Incidirá o critério já estudado da primazia da norma mais favorável, ou a Constituição prevalecerá?

A resposta a esta questão era simples até a chegada da reforma trabalhista. A partir de agora, teremos de fazer um esforço que, no momento próprio (quando estudarmos a premissa do “negociado sobre o legislado”), será melhor analisado.

A partir do próximo tópico, mergulharemos nas principais transformações efetu-adas com a nova lei, para que possamos compreender a nova realidade que se inaugura no Direito do Trabalho brasileiro.

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DESENVOLVIMENTO:

AS JUSTIFICATIVAS PARA UMA REFORMA.

Após o processo político-jurídico ocorrido no ano de 2016, que culminou com o impedimento da então Presidente da República Dilma Rousseff, iniciou-se um Governo com diretrizes diferentes daquelas que haviam norteado o País nos anos que o antecederam.

O novo Governo passou a ser mais sensível aos reclamos empresariais. Também passou a ser premido por uma necessidade de “ajuste nas contas públicas”, pos-sivelmente ocasionada pelos próprios Governos antecedentes.

Ao mesmo tempo, alardeou-se que o País enfrentava uma séria crise econômica, que de fato é verificável a partir dos indicadores dos anos de 2016 e 2017. A mas-sa desempregada superou o número de treze milhões de pessoas, e a informali-dade (contratação sem registro em CTPS, e, portanto, sem encargos, porém, ao mesmo tempo, sem qualquer proteção ao trabalhador assalariado) só cresceu.

Quando se fala em crise econômica, automaticamente o que se tem é uma preo-cupação, por parte da classe empresarial, com os custos da atividade econômica. E, entre tais custos, o primeiro a sofrer ataques é sempre aquele que diz respeito aos direitos dos trabalhadores.

Embora seja uma ideia um tanto quanto equivocada a de atribuir à mão-de-obra a pecha de um custo – eis que a classe trabalhadora é formada por seres huma-nos que colaboram para a composição dos lucros de seus empregadores, consis-tindo, portanto, em um ganho –, não é preciso grande esforço para observar o quanto a classe econômica pressionou o Governo para que afrouxasse as amar-ras supostamente impostas pela legislação trabalhista.

Como veremos, a legislação trabalhista sempre esteve longe de ser perfeita. De fato, ela precisava (e ainda precisa) de uma modernização. Porém, argumentos como o de que “a CLT é atrasada”, “atravanca o progresso econômico do País”, “vem da ditadura de Vargas”, ou de que “o trabalhador não é um incapaz”, aca-baram ganhando força na grande mídia, e o que se viu foi uma enorme pressão para que a suposta legislação retrógrada fosse profundamente modificada, mas nunca com a pretensão de se aumentar direitos.

Não se atentaram aqueles que atacavam a CLT para o fato de que a maior par-te da legislação trabalhista passou por intensas modificações desde a sua edi-ção, em 1943, muitas delas já flexibilizando ou reduzindo direitos. Apenas como exemplos, podem ser citadas:

a) a Lei n.º 5.107/1966, depois revogada pela Constituição Federal de 1988, que substituiu o regime de estabilidade pelo acesso ao FGTS, exterminan-do a garantia de emprego pelo decurso do tempo;

b) a Lei n.º 9.601/1998, que passou a permitir a prática de banco de horas, quase que eliminando as perspectivas de o trabalhador receber por horas extras; e

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c) as Lei 6.019/1974, 5.645/1970 e 7.102/1983, que introduziram formas mais precárias de contratação em nosso ordenamento, o trabalho temporário e a terceirização de serviços.

Na verdade, é comum ouvirmos, nos ciclos de crise pelos quais passa o capita-lismo (e não apenas no Brasil), que direitos trabalhistas encarecem a produção, atrapalhando, portanto, a competitividade do produto brasileiro. O que não se ouve é que, com aumento de direitos, mão-de-obra melhor remunerada, cresce também o consumo, e, com ele, a produção.

O fato é que, com uma tramitação recorde de apenas seis meses, a maior mo-dificação legislativa da história do Direito do Trabalho brasileiro aconteceu: de um projeto de lei com cerca de sete artigos, apresentado pelo Governo em de-zembro de 2016, as alterações transformaram-se em uma lei que alterou mais de cem artigos da CLT (e de outros diplomas), e que vem alterar profundamente as relações de trabalho, em vigor já a partir de 11 de novembro de 2017.

A despeito do argumento governamental de que “nenhum direito seria retira-do”, não há como chancelar esta afirmação. Afinal, como veremos ao longo deste Curso, foram diversos os direitos flexibilizados, desregulamentados ou mesmo exterminados.

Ao mesmo tempo, argumenta-se que a nova lei também vem conferir maior responsabilidade aos trabalhadores que ingressam com ações na Justiça do Trabalho: porém, a par dessa ideia (que, de fato, em alguns aspectos, é verdadei-ra), veem-se, também, dispositivos que intimidam o trabalhador a ingressar com ação em Juízo, como a redução do conceito amplo de Acesso à Justiça e a impo-sição de penalidades em função de condutas que, muitas vezes, mais dependem de dificuldade probatória que de verdadeira má-fé.

O fato é que, concorde-se ou não com as mudanças, há que se conhecê-las. Estudá-las. Interpretá-las à luz da Constituição Federal (que garante uma série de direitos mínimos e, em relação aos quais, a nova lei não poderá se opor), para que se desenvolva um estudo crítico e, acima de tudo, para que se garanta que as inspirações dadas pelo Estado Democrático e Social de Direito inaugurado no País especialmente a partir de 1988 não fiquem somente no papel e sirvam como norteadoras aos intérpretes de nosso ordenamento.

Passemos a analisar, então, as principais alterações empreendidas com a nova lei.

A REFORMA PROPRIAMENTE DITA.

ASPECTOS MAIS RELEVANTES DE DIREITO MATERIAL.

JORNADA DE TRABALHO.

A jornada de trabalho é um dos temas mais importantes de um contrato de tra-balho. Afinal, trata-se do tempo de vida do empregado dedicado ao seu empre-gador nas dependências da empresa. Muitas vezes, aliás, os salários são fixados pelo valor da hora trabalhada (não pelo mês). Mas, quando isto não ocorre, é possível ao trabalhador calcular o valor de sua hora fazendo uma conta simples.

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Por exemplo: suponha que você esteja sujeito a uma jornada de 8h diárias e 44h semanais, e que receba um salário mensal de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Para saber qual é o valor de sua hora de trabalho, basta dividir o valor do salário mensal por 220. No exemplo, seu salário-hora seria, então, de R$11,36 (onze reais e trinta e seis centavos).

Por sua vez, o número 220 é o chamado divisor. Trata-se do resultado da multi-plicação do número médio de horas trabalhadas por dia por 30 (número de dias do mês). Ou seja: 44h (número de horas trabalhadas por semana) divididas por 6 (considerando o número de dias trabalhados por semana, excluída uma folga), multiplicadas por 30 (número de dias do mês). Perceba que, nesta conta, já estão incluídos os dias de repouso (folga semanal), que é um direito assegurado a todo trabalhador.

Experimente agora fazer a mesma conta com o divisor 180, que serve para as jor-nadas de trabalho de 6h (atendente de telemarketing, bancário, etc). Utilizando-se do mesmo salário, você perceberá que o resultado será muito maior.

Tempo à disposição do empregador e tempo de serviço.

A CLT prevê que não apenas o tempo em que o empregado estiver efetivamente trabalhando, mas também aquele em que o trabalhador estiver simplesmente à disposição do empregador, deve ser computado na jornada de trabalho. Ao mes-mo tempo, estabelece que, em situações bem específicas, mesmo que o empre-gado não esteja à disposição do patrão, determinado período deverá ser compu-tado na contagem do tempo de serviço.

Tempo à disposição e tempo de serviço são os institutos analisados pelo artigo 4º da CLT, bastante modificado pela reforma trabalhista:

Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o em-pregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou execu-tando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.§ 1º Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado es-tiver afastado do trabalho prestando serviço militar e por motivo de acidente do trabalho. § 2o Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1o do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias pú-blicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permane-cer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras:I - práticas religiosas; II - descanso; III - lazer; IV - estudo; V - alimenta-ção; VI - atividades de relacionamento social; VII - higiene pessoal; VIII - troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.

Vamos analisar esse dispositivo.

O §1º trata do chamado tempo de serviço, que é uma ideia mais abrangente que tempo à disposição. Grosso modo, é como se, a título de tempo de serviço, tratás-semos do contrato ao longo dos dias. E, no tempo à disposição, cuidássemos do contrato ao longo das horas, como uma forma de cômputo da jornada.

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Pelo dispositivo, sempre que o empregado sofrer algum problema ligado à em-presa (doença relacionada ao trabalho, acidente de trabalho), o tempo de afas-tamento deverá ser computado no tempo final do contrato (para aposentado-ria, por exemplo). A mesma situação ocorre com o período de serviço militar: se, no ano correspondente, o trabalhador estiver empregado, ao retornar para a empresa ele terá a contagem do tempo em seu contrato, como se estivesse trabalhando.

Já o tempo à disposição é um conceito mais restrito.

Na parte inicial do artigo 4º, a lei deixa claro que, mesmo que o empregado nada esteja fazendo, mas que esteja aguardando alguma ordem, aquele período deverá ser computado em sua jornada. Um bom exemplo é aquele em que o trabalhador permanece com um telefone da empresa, orientado a atender a algum chamado: mesmo que esteja fora da empresa, realizando alguma atividade particular, apenas pela possibilidade de ser chamado, tal empregado tem por direito que se compute aquele período em sua jornada, como tempo à disposição do empregador.

Do mesmo modo, suponha que o empregado faça sua hora de intervalo, mas permaneça, no período, com o telefone da empresa, à disposição para alguma emergência: perceba que, mesmo almoçando, este empregado não está total-mente livre, e não pode se desligar completamente do trabalho. Atenta a tal rea-lidade, a CLT dispõe que tal período deve ser considerado como tempo à dispo-sição do empregador. Consequentemente, sua jornada deverá ter o cômputo de tal período.

A grande novidade a respeito do tema trazida com a reforma trabalhista é a re-gra contida no §2º do artigo 4º: são as hipóteses em que o empregado está na empresa, mas não tem o cômputo de tal período na duração de sua jornada.

Na verdade, isso nunca foi considerado pelos juízes como tempo à disposição, mas o legislador entendeu por bem ser mais explícito, para evitar algum tipo de interpretação exagerada. Afinal, parece evidente que, se o empregado per-manecer na empresa porque está chovendo, ou porque não tem o que fazer até determinado horário, o empregador não pode ser responsável pelo período correspondente.

Duas situações, porém, merecem um destaque especial: a higiene pessoal e a troca de roupa ou uniforme. É que, se o empregado não tiver como sair da em-presa sem fazer higiene pessoal (a exemplo, em um trabalho físico desgastan-te, ou em uma atividade em que o trabalhador normalmente se suja, como na condição de mecânico, de metalúrgico), é possível que o período de banho seja computado em sua jornada.

Da mesma maneira, a colocação do uniforme: se o trabalhador for orientado pela empresa a colocar seu uniforme apenas nas dependências dela, certamente terá de chegar mais cedo para cumprir sua jornada. Se isto ocorrer, o período corres-pondente deverá ser contado, e se tornará jornada extraordinária se o emprega-do prorrogar o tempo contratado em função da retirada do uniforme. Um exem-plo muito comum é o do vigilante: como é um trabalhador que desempenha suas funções armado, é possível que a empregadora exija que a colocação do uniforme seja feita nas dependências da empresa. Se isto ocorrer, não há como excluir o período em questão de sua jornada, o que afasta a norma que estamos estudando neste tópico.

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Fique atento: assim como nos exemplos citados (higienização e colocação do uniforme), em todos os outros, o período de tempo deverá ser computado se o empregador exigir a permanência do empregado na empresa. Ou seja: se, por exemplo, o empregador tiver uma determinada orientação religiosa e impuser que, em determinado horário, todos os empregados permaneçam em oração, o período correspondente deverá ser considerado como tempo à disposição do empregador. Por outro lado, não esqueça: a Constituição Federal (nossa Lei Maior) torna ilegal qualquer prática religiosa que contrarie a orientação pessoal do indivíduo, como dispõe seu artigo 5º, VI:

É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Da mesma maneira, se o tempo de estudo for referente a alguma atividade exi-gida pelo empregador, o período correspondente deverá, sim, integrar a jorna-da, porque a situação diz respeito a uma condição imposta para a realização do trabalho.

Horas de deslocamento.

Normalmente, o tempo de deslocamento do empregado de sua residência até o trabalho e vice-versa nunca foi computado na jornada de trabalho. Porém, até a reforma trabalhista, em algumas situações excepcionais este tempo era com-putado. Tratava-se dos casos em que o empregador se instalasse em local de difícil acesso ou não servido por transporte público regular, e, por tal motivo, fornecesse condução ao empregado. Nessa hipótese, o tempo de deslocamento era inteiramente contado na jornada do empregado.

Com a reforma trabalhista, passa a existir uma só regra: em todos os casos, o tempo de deslocamento não mais será computado na jornada de trabalho, dis-posição esta contida no artigo 58, §2º da nova CLT:

O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, cami-nhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

Na realidade dos grandes centros urbanos, isso parece não mudar muito o que já ocorria. Porém, para quem vive em áreas mais afastadas, a mudança é drástica. Basta pensarmos no exemplo do boia-fria: para sair de sua casa e chegar até o local da plantação, normalmente ele é deslocado por horas, já que se trata de região de difícil acesso. Se, até a reforma, todo esse deslocamento era computa-do na jornada, a partir de agora isto não mais ocorrerá, o que, sem dúvida trará prejuízos ao empregado, que continuará tendo de se deslocar por horas para local distante, mas não receberá por tal período.

Fique atento: a mudança da regra de deslocamento deverá ser muito questio-nada nos Tribunais, principalmente nos casos em que o empregador tem suas instalações em locais afastados. É possível que os juízes avaliem tal regra confor-me o caso concreto, o que significa que, no futuro, poderemos ter novas interpre-tações desse dispositivo, especialmente porque a CLT tem a seguinte regra geral:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

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O alcance da expressão “assumindo os riscos da atividade econômica” pode ser o fundamento para que os empregadores que, por decisão própria, instalem-se em locais muito afastados, acabem por “assumir” a responsabilidade pelas horas de deslocamento. A se conferir.

Sistemas de compensação.

Como regra, a Constituição Federal (lei máxima do País) estabelece dois limites principais para a jornada de trabalho: 8h por dia e 44h por semana. Ela também determina que, extrapolados tais limites, sejam pagas as horas excedentes ao trabalhador com acréscimo de 50% (cinquenta por cento). São as chamadas ho-ras extras.

Por outro lado, a Constituição também permite que os limites mencionados sejam modificados por acordo ou convenção coletiva de trabalho. Se você não lembra o que é um acordo ou convenção coletiva de trabalho, retorne ao item “4” da Introdução e rememore.

Tudo isso está no artigo 7º, incisos XIII e XVI da Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...)XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de tra-balho; (...) XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

A CLT (que não pode desrespeitar a Constituição) estabelece, em seu artigo 59, como essas modificações podem ser efetuadas, e quais são os limites possíveis de compensação. Vejamos:

Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, con-venção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. (...)§ 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acor-do ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limi-te máximo de dez horas diárias.§ 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma dos §§ 2o e 5o deste artigo, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remu-neração na data da rescisão. (...) § 5º O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pac-tuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses. § 6o É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.

Em outras palavras, podemos dizer que, atualmente, existem duas grandes formas de compensação de jornada: 1) o “banco de horas”; e 2) o acordo de compensação.

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O “banco de horas” pode ser ajustado de duas formas:

a) individual (ou seja, por acordo entre patrão e empregado, sem a participa-ção do sindicato). Neste caso, todas as horas trabalhadas além da jornada normal de 8h diárias e 44h semanais, deverão ser compensadas no máximo em seis meses (§5º retro); e

b) coletivo (por acordo ou convenção coletiva, ou seja, com o sindicato repre-sentando os trabalhadores de um lado, e a empresa – ou seu sindicato – de outro). Nesta hipótese, as horas extras poderão ser compensadas em até um ano (§2º retro).

Já o acordo de compensação poderá sempre ser firmado individualmente, mas poderá abranger até um mês.

Em todos os casos, atente-se para duas premissas muito importantes:

1) não é possível, salvo em situações muito excepcionais, que o empregador exi-ja jornada superior a 10h diárias; e

2) se não forem respeitados os prazos para compensação, o empregado faz jus às horas extras que trabalhou, independentemente do regime firmado (men-sal, semestral ou anual).

São exemplos de sistemas de compensação (dentro do mês) muito comuns atualmente:

a) a fixação de jornada de 8h48 por dia, de segunda a sexta-feira; perceba que, neste caso, a compensação é feita na própria semana (excluindo-se o sába-do, que passa a ser o dia de compensação); o trabalhador fica além de seu horário 48 minutos por dia, mas totaliza, ao final da semana, 44h; se, even-tualmente, ele trabalhar aos sábados, fará jus ao pagamento das horas cor-respondentes como extraordinárias, pois o sábado é dia de compensação;

b) a jornada de 9h por dia de segunda a quinta-feira, e de 8h na sexta-feira, também com a exclusão do trabalho aos sábados; a sistemática é idêntica à analisada no item “a”; e

c) a chamada “semana espanhola”, normalmente com a fixação de 48h em uma semana (jornada de segunda a sábado, 8h por dia), e de 40h na sema-na subsequente (com exclusão do trabalho aos sábados); perceba que, na média, o empregado trabalha 44h por semana em tal regime (40 + 48 / 2), o que, pelo sistema vigente, é válido.

Nos três exemplos, o empregado não terá direito a receber pelas horas extras, salvo se trabalhar nos dias destinados à sua folga.

Já o “banco de horas” é menos benéfico, pois ele não está sujeito aos limites de dia e semana (8h e 44h) por longo tempo. Isto quer dizer que o empregado pode chegar a trabalhar 60h por semana, e em semanas seguidas (sendo 10h por dia), cabendo ao empregador autorizar a compensação dentro do semestre (se o “banco” for individual) ou do ano (se for coletivo). Justamente por isso, há muitas críticas quanto à validade desse regime no âmbito individual (quando o empre-gado, sem a tutela de seu sindicato, está mais vulnerável).

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Fique atento: se o acordo de compensação (aquele firmado por até um mês) não atender aos requisitos legais (ou seja, se não for feito por escrito, ou extrapo-lar a jornada máxima ajustada pelas partes), a nova CLT determina, em seu artigo 59-B, que:

Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jor-nada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.

Exemplificando: se o empregado trabalha 8h48 por dia, mas não ajustou isso pre-viamente por escrito com seu patrão, tem direito ao adicional de horas extras sobre a jornada que extrapolou a oitava diária, ou seja, 50% sobre 48 minutos diários.

Por outro lado, se este mesmo empregado, ao invés de trabalhar 8h48 por dia, trabalha 9h por dia, faz jus ao adicional de 50% sobre 1h por dia (a que exce-de a oitava), e, ao final da semana, a mais 1h extraordinária (pois trabalhou 45h semanais).

A escala 12x36.

A escala de trabalho 12x36 significa, simplesmente, que o trabalhador a ela sub-metido trabalha por 12h e descansa pelas 36h subsequentes, ou seja, trabalha em um dia e folga no dia seguinte, e assim sucessivamente.

Como vimos no item anterior, existe uma limitação prevista na CLT à jornada de trabalho, que permitida até 10h por dia. A escala 12x36 supera esse limite, e, por isso, deve ser vista com muitas reservas.

A reforma trabalhista alterou a CLT, passando a prever a jornada 12x36, que, na prática, já era muito comum, especialmente nas áreas de portaria, vigilância e saúde. Vejamos a redação da nova lei:

Em exceção ao disposto no art. 59 desta Consolidação, é facultado às partes, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, ob-servados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.Parágrafo único. A remuneração mensal pactuada pelo horário pre-visto no caput deste artigo abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art. 70 e o § 5º do art. 73 desta Consolidação.

Como se vê, o novo regime não só pode ser ajustado por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, mas também individualmente. Ou seja: os trabalhadores poderão ser submetidos a essa escala tanto mediante ajuste prévio entre o sindicato profissional e a empresa (ou seu sindicato), como por meio de pacto individualmente firmado com seu patrão.

A preocupação quanto à possibilidade da introdução deste regime pela via in-dividual reside na pequena (ou nenhuma) margem de barganha que o traba-lhador tem perante seu patrão, que possivelmente irá impor a sujeição à escala 12x36 como pressuposto para a contratação. Justamente por isso, houve inten-sas críticas à redação proposta, no período da tramitação da Lei n.º 13.467/2017, sugerindo-se que a pactuação se desse exclusivamente pela via coletiva.

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Os reclamos deram algum resultado, na medida em que a sugestão ensejou alte-ração por meio da Medida Provisória n.º 808/2017, que passou a prever que ape-nas por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho seria possível a fixação do regime 12x36, ainda assim excepcionando as “entidades atuantes no setor de saúde”, que poderiam estabelecer, também por meio de acordo indivi-dual escrito, a escala em comento.

Não bastasse a perplexidade causada pela injustificada distinção estabelecida em relação ao setor de saúde, é certo, como você já sabe, que a Medida Provisória n.º 808/2017 vigorou apenas no período de 14 de novembro de 2017 a 23 de abril de 2018, o que quer dizer que, para tal período, apenas ajustes coletiva-mente negociados (com exceção do setor de saúde) deverão ser considerados formalmente válidos.

De todo modo, tramita no Supremo Tribunal Federal desde o dia 23.08.2018, mas ainda sem julgamento designado, a Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) n.º 5994, em que se discute justamente a incompatibilidade, com a Constituição Federal, da possibilidade de ajuste do regime 12x36 mediante “acordo individual escrito”.

A ação em questão foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, mas ainda pende de apresentação de parecer por parte da Procuradoria Geral da República, o que quer dizer que o seu julgamento deve demorar ainda algum tempo.

Chama atenção, ainda, a possibilidade de se combinar que o intervalo intrajor-nada (que analisaremos logo adiante) possa ser “indenizado”. Ou, em outras pa-lavras: que o empregado possa trabalhar por 12h seguidas sem qualquer inter-rupção, nem mesmo para fazer sua refeição (ou fazendo sua refeição enquanto trabalha), regra que, por sinal, vem sendo muito criticada, merecendo reconsi-deração. Afinal, é desumano exigir que um trabalhador permaneça por 12h sem descanso em seu posto de trabalho, em especial atuando em ramo de vigilância, em que se exige atenção permanente.

Uma questão para reflexão:

Você se sentiria tranquilo sabendo que, no hospital em que um querido ente seu está internado, os trabalhadores são submetidos a uma jornada de 12h seguidas de trabalho, sem qualquer descanso? Pense a respeito.

Sobre a forma de pagamento, também há uma modificação importante na nova lei: trata-se da imposição de que a remuneração do empregado submetido à es-cala 12x36 abrange os dias de descanso, os feriados, e as prorrogações de traba-lho noturno (§1º retro). Este ponto merece maiores explicações.

Em relação aos dias de descanso, a questão é até simples. Afinal, se fizermos a conta quanto aos dias trabalhados, perceberemos que o empregado atuando na escala 12x36 trabalha 15 dias por mês em média, o que quer dizer que tem folga nos outros 15 dias do mês. Neste caso, é razoável supor que, no seu salário mensal, os dias trabalhados já estejam remunerados (caso o empregado tenha sido contratado com um salário mensal).

Já no que diz respeito aos feriados, a situação é mais complexa. Vejamos.

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Todo empregado tem direito de descansar nos feriados. Mas, se o empregador exigir trabalho em tais dias, o trabalhador tem o direito a uma folga compensa-tória ou ao pagamento em dobro, como determina o artigo 9º, parte final, da Lei n.º 605/1949:

Art. 9º Nas atividades em que não for possível, em virtude das exigên-cias técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, a remuneração será paga em dobro, salvo se o em-pregador determinar outro dia de folga.

O que a reforma trabalhista fez, portanto, foi estabelecer que o empregado sujei-to à escala 12x36, mesmo trabalhando em feriado, não tem direito a mais um dia de compensação ou ao pagamento em dobro pelo dia trabalhado. E, neste caso, não há dúvida de que a mudança tirou um direito do empregado submetido a tal condição.

Se calcularmos o tempo de jornada total mensal do empregado em escala 12x36, veremos que o número de horas trabalhadas por mês é muito parecido com o do empregado sujeito à escala normal (8h diárias e 44h semanais). Façamos a conta.

No caso do empregado sujeito à escala 12x36, multiplica-se 12 (horas) por 15 (dias trabalhados por mês), totalizando 180. Ou seja: ele trabalha por 180h por mês. O empregado “comum” trabalha, em média, 7,33h por dia (pois 44h dividi-das por 6 dias trabalhados redundam em 7,33), que, multiplicadas por 26 (dias trabalhados por mês, que são 30 menos as quatro folgas mensais, sendo uma por semana), totalizam 190,58. Ou seja: ele trabalha 190,58h por mês.

Ocorre que há, em média, um feriado por mês no ano (há meses em que não há, mas há meses, como novembro e dezembro, em que há dois feriados). Isto quer dizer que o empregado “comum” trabalha um dia a menos que os 26 considera-dos, o que contabiliza uma jornada de 183,25h. Como se vê, muito próxima da jornada do empregado sujeito à escala 12x36. E se o empregado que faz 183,25h trabalhar no feriado (sem folga compensatória), receberá as 7,33h relativas a tal dia em dobro, como manda a lei. Já o empregado sujeito à escala 12x36 nada re-ceberá, mesmo tendo trabalhado no feriado sem uma folga como compensação.

Ou seja: a mudança retirou um direito, e justamente do empregado que desem-penha a jornada mais cansativa (12h por dia), o que, possivelmente, será analisa-do com muita restrição pelos Tribunais.

Além do exposto, também é preciso avaliar as prorrogações do trabalho notur-no, em relação às quais a nova lei dispõe que o empregado sujeito à jornada 12x36 não faz jus. Mais uma vez, trata-se de um direito retirado do empregado. Analisemos mais a fundo.

Pela CLT, a hora do trabalho noturno será computada como de 52 minutos e 30 segundos. Trata-se de uma ficção legal, benéfica ao empregado, usada como uma forma de compensar o trabalhador sujeito a uma situação mais penosa, que é a de trabalhar em um período em que o corpo naturalmente tende a procurar descanso.

Nessa forma de cômputo, o empregado que permanece por 7h trabalhando em jornada noturna (ou seja, das 22h às 5h), recebe como se houvesse trabalhado por 8h, pois cada hora equivale a 1,1428h, o que é fruto da conta: 60 (minutos que compõem a hora normal) / 52,5 (minutos que compõem a hora noturna. Multiplicando-se 1,1428 por 7h, tem-se 8h.

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Quando o empregado trabalha além dessas 7h, a CLT estabelece mais um di-reito: o de que todas as horas trabalhadas em prorrogação sejam computadas como horas noturnas. Assim, se, por exemplo, um empregado ingressa às 22h e encerra sua jornada às 7h, as 9h trabalhadas serão consideradas noturnas, e, portanto, serão multiplicadas por 1,1428. No exemplo, o empregado deverá ter o reconhecimento de uma jornada total de 10,2852h, fruto da multiplicação de 9 por 1,1428.

O que a reforma trabalhista faz, ao dispor no §1º do artigo 59-A da CLT que a remuneração mensal do empregado sujeito à escala 12x36 abrange as prorro-gações do trabalho noturno, é simplesmente excluir tal trabalhador do direito mencionado. Assim, se o empregado trabalhar, por exemplo, das 19h às 7h, não fará jus ao cômputo da hora noturna reduzida para as horas trabalhadas entre 5h e 7h, mas ao pagamento exclusivamente das horas normais da escala de 12h.

A mudança, como se vê, é prejudicial ao empregado sujeito a uma escala já desgastante, o que, com a perspectiva de inexistência de intervalo intrajornada (como já visto), poderá contribuir, em muito, para a ocorrência de doenças rela-cionadas ao trabalho.

Por fim, é preciso também observar que, historicamente, a lei protege os traba-lhadores sujeitos a condições insalubres, estabelecendo restrições à prorrogação de jornada em tais atividades. Isso vem disposto no artigo 60 da CLT, que prevê:

Art. 60 - Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”, ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comercio, quaisquer prorrogações só pode-rão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades compe-tentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos méto-dos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim.

Porém, também nessa cláusula relevante do ponto de vista da saúde e segurança no trabalho a reforma promoveu uma alteração importante. É que, de acordo com o parágrafo único do próprio artigo 60 da CLT, “excetuam-se da exigência de licença prévia as jornadas de doze horas de trabalho por trinta e seis horas ininterruptas de descanso”.

Ou seja: a nova regra passa a permitir que empregados que trabalham em lo-cais insalubres e sujeitos à escala 12x36 poderão desempenhar tal jornada sem a necessidade de uma licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho. A mudança é preocupante: afinal, permite que os traba-lhadores sejam submetidos a condição degradante à saúde, em regime de pror-rogação (e, conforme determinadas situações, sem intervalo intrajornada), o que traduz inequívoco risco à sua segurança no trabalho. Tal matéria, assim como nas demais analisadas neste tópico, será objeto de muita discussão nos Tribunais, não havendo, no momento, qualquer definição quanto ao rumo que a matéria deverá seguir no âmbito do Poder Judiciário.

Fique atento: se o regime analisado neste item não for previamente ajustado por acordo, individual ou coletivo, ou por convenção coletiva, o empregado, in-dependentemente do ramo de atuação, terá direito a horas extras, que poderão ser todas as trabalhadas além da oitava diária, ou, no mínimo, ao adicional de 50% sobre as horas trabalhadas além da oitava diária.

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Regime de tempo parcial.

Quando o empregado é contratado para trabalhar por uma jornada menor que a máxima permitida, poderemos estar diante do chamado regime de tempo par-cial, previsto no novo artigo 58-A da CLT, que, com a redação dada pela reforma trabalhista, prevê o seguinte:

Art. 58-A. Considera-se trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a trinta horas semanais, sem a possibilidade de horas suplementares semanais, ou, ainda, aquele cuja duração não exceda a vinte e seis horas semanais, com a possibilidade de acrésci-mo de até seis horas suplementares semanais. § 1o O salário a ser pago aos empregados sob o regime de tempo par-cial será proporcional à sua jornada, em relação aos empregados que cumprem, nas mesmas funções, tempo integral. § 2o Para os atuais empregados, a adoção do regime de tempo parcial será feita mediante opção manifestada perante a empresa, na forma prevista em instrumento decorrente de negociação coletiva.§ 3º As horas suplementares à duração do trabalho semanal normal serão pagas com o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o salário-hora normal. § 4o Na hipótese de o contrato de trabalho em regime de tempo par-cial ser estabelecido em número inferior a vinte e seis horas semanais, as horas suplementares a este quantitativo serão consideradas horas extras para fins do pagamento estipulado no § 3o, estando também limitadas a seis horas suplementares semanais. § 5o As horas suplementares da jornada de trabalho normal poderão ser compensadas diretamente até a semana imediatamente posterior à da sua execução, devendo ser feita a sua quitação na folha de paga-mento do mês subsequente, caso não sejam compensadas. § 6o É facultado ao empregado contratado sob regime de tempo par-cial converter um terço do período de férias a que tiver direito em abo-no pecuniário. § 7o As férias do regime de tempo parcial são regidas pelo disposto no art. 130 desta Consolidação.

O contrato em regime de tempo parcial tem de ser expressamente previsto no contrato. Nele, o empregador pagará ao empregado um salário proporcional ao salário mínimo (ou, se existir, o salário pago aos trabalhadores sujeitos ao regime integral na mesma empresa). Isto quer dizer que, mesmo que o valor pago por mês seja inferior ao salário mínimo mensal (ou ao pago aos colegas em jornada integral), é possível que não haja ilegalidade, pois a Justiça do Trabalho vem en-tendendo que, desde que se respeite o chamado “salário-hora” equivalente ao mínimo (ou ao pago aos colegas, se for o caso), a contratação será válida.

Exemplo: supondo que uma empresa não se submeta a qualquer piso previsto em acordo ou convenção coletiva, ela terá de pagar aos seus empregados ao me-nos o valor do salário mínimo. Sabemos que, desde 1º de janeiro de 2018, o salá-rio mínimo nacional é de R$954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais), o que quer dizer que este é o valor mínimo para pagamento de uma jornada de 8h diárias e 44h semanais (a jornada padronizada pela Constituição, como já vimos). Se o empregado for contratado pelo regime de tempo parcial para prestar 30h semanais, deverá receber, no mínimo, o valor proporcional ao número de horas trabalhadas, com base no salário mínimo.

No caso, o valor do salário mínimo por hora é de R$4,33 (resultado da divisão de R$954,00 por 220, que é o divisor). Já para o empregado que trabalha 30h por

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semana, o divisor é 150, pois 30h (jornada semanal) divididas por 6 (dias traba-lhados por semana), multiplicadas por 30 (número de dias do mês), resultam em 150. Multiplicando-se R$4,33 por 150, tem-se R$649,50, sendo este, portanto, o salário mínimo para o empregado submetido a uma jornada reduzida de 30h por semana.

Por outro lado, se houver colegas sujeitos a jornada integral recebendo salário superior ao mínimo, o empregado sujeito ao regime parcial deverá, obrigatoria-mente, receber o mesmo salário-hora dos colegas, como dispõe o já transcrito §1º do artigo 58-A da CLT.

Até a reforma, as regras para a contratação pelo regime de tempo parcial eram mais rígidas: a jornada máxima permitida era de 25h por semana, e era vedada a realização de horas extras. A partir de agora, a jornada máxima pode ser fixada em 30h semanais. Além disso, a lei passa a autorizar a realização de horas extras. Porém, para que elas sejam exigíveis, a jornada máxima somente poderá ser fi-xada em até 26h por semana. Ainda assim, só serão permitidas 6h extras por semana.

Do mesmo modo, como prevê o §4º do artigo 58-A, se houver ajuste entre pa-trão e empregado de uma jornada menor que 26h semanais, o limite de horas extras também será de 6h por semana, sob pena de se invalidar o próprio tipo de contratação.

É possível, por outro lado, efetuar-se a compensação de horas extras. Porém, para que isto seja válido, a compensação terá de ser feita já na “semana imediatamen-te posterior à da sua execução”, sob pena de o empregador ter de arcar com to-das as horas trabalhadas além da jornada ajustada.

Por outro lado, não é possível a alteração de contratos em vigor, por mera impo-sição do empregador, para que os empregados respectivos passem a se sujeitar ao regime de tempo parcial. Para que isto ocorra, são necessários dois fatores:

1) previsão em acordo ou convenção coletiva, o que quer dizer que o sindicato dos trabalhadores tem de discutir previamente com seus associados essa for-ma de contratação; e

2) opção expressa manifestada pelo empregado, sob pena de se considerar invá-lida a alteração, por efetuada em prejuízo do empregado.

Fique atento: o regime de férias no contrato em tempo parcial é idêntico ao regime dos empregados comuns, ou seja, o empregado terá direito a 30 dias de férias e à conversão de 1/3 do período em dinheiro. Até a reforma, havia duas diferenças: as férias eram proporcionais à jornada, e não se permitia a conversão.

O INTERVALO INTRAJORNADA.

Todo trabalho contínuo exige dedicação do empregado por período mais lon-go ao seu empregador. Quando essa duração supera 4h em um mesmo dia, a lei determina ao empregador que conceda um intervalo mínimo de 15 (quinze) minutos, que deverá ser de ao menos 1h nas hipóteses em que a jornada for superior a 6h.

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Não há dúvidas de que a concessão de intervalo durante a jornada é importante para o empregado e para o empregador. Afinal, a alimentação e o descanso são imprescindíveis para que o trabalhador mantenha sua saúde, evitando desgastes psíquico e físico mais elevados, e colaborando diretamente para a redução de acidentes de trabalho.

A lei também sempre previu a possibilidade de existência de acordo individu-al ou coletivo prevendo intervalo superior a 1h, podendo chegar a até 2h por jornada.

Tudo isso está regulamentado no artigo 71 e §1º da CLT, que dispõe o seguinte:

Art. 71. Em qualquer trabalho contínuo, cuja duração exceda de 6 (seis) horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será, no mínimo, de 1 (uma) hora e, salvo acor-do escrito ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de 2 (duas) horas.§ 1º - Não excedendo de 6 (seis) horas o trabalho, será, entretanto, obrigatório um intervalo de 15 (quinze) minutos quando a duração ultrapassar 4 (quatro) horas.

Em regra, o período de intervalo não será computado no tempo total de jornada, o que vem disposto no §2º do próprio artigo 71 da CLT:

§ 2º - Os intervalos de descanso não serão computados na duração do trabalho.

Porém, em determinadas atividades, presumidamente mais desgastantes que as atividades em geral, existem duas peculiaridades principais: 1) a exigência de um intervalo após um tempo menor que 4h de jornada; e 2) a possibilidade de o intervalo não ser deduzido do tempo total de jornada. Bons exemplos de tal dis-tinção são os dos trabalhadores que desempenham atividades permanentes de digitação ou cálculo, em relação aos quais incide o disposto no artigo 72 da CLT:

Art. 72 - Nos serviços permanentes de mecanografia (datilografia, escrituração ou cálculo), a cada período de 90 (noventa) minutos de trabalho consecutivo corresponderá um repouso de 10 (dez) minutos não deduzidos da duração normal de trabalho.

Perceba que a lei trata apenas dos casos de “datilografia, escrituração ou cálculo”, não fazendo menção à atividade de digitação. Porém, esta regra data da década de 1940, em que sequer computador existia. Neste caso (e em inúmeros outros), a leitura da lei deve ser atualizada, para que profissões mais recentes, sujeitas ao mesmo tipo de desgaste que as atividades clássicas consideradas pelo legislador, sejam enquadradas no dispositivo, cuja intenção maior é justamente a proteção do empregado.

Outro exemplo em que o intervalo pode ser diferenciado é o do operador de teleatendimento, em relação ao qual há regras muito específicas, dispostas em Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho (n.º 17), que estabelece, em seus itens 5.3 e 5.4, o seguinte:

5.3 O tempo de trabalho em efetiva atividade de teleatendimento/te-lemarketing é de, no máximo, 06 (seis) horas diárias, nele incluídas as pausas, sem prejuízo da remuneração.(...) 5.3.2. Para o cálculo do tempo efetivo em atividade de teleaten-dimento/telemarketing devem ser computados os períodos em que

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o operador encontra-se no posto de trabalho, os intervalos entre os ciclos laborais e os deslocamentos para solução de questões relacio-nadas ao trabalho.5.4. Para prevenir sobrecarga psíquica, muscular estática de pescoço, ombros, dorso e membros superiores, as empresas devem permitir a fruição de pausas de descanso e intervalos para repouso e alimenta-ção aos trabalhadores.5.4.1. As pausas deverão ser concedidas:a) fora do posto de trabalho;b) em 02 (dois) períodos de 10 (dez) minutos contínuos;c) após os primeiros e antes dos últimos 60 (sessenta) minutos de tra-balho em atividade de teleatendimento/telemarketing.5.4.1.1. A instituição de pausas não prejudica o direito ao intervalo obrigatório para repouso e alimentação previsto no §1° do Artigo 71 da CLT.5.4.2. O intervalo para repouso e alimentação para a atividade de tele-atendimento/telemarketing deve ser de 20 (vinte) minutos.5.4.3. Para tempos de trabalho efetivo de teleatendimento/telemarke-ting de até 04 (quatro) horas diárias, deve ser observada a concessão de 01 pausa de descanso contínua de 10 (dez) minutos.

Ou seja: no caso do operador de teleatendimento, além de haver um período de intervalo superior ao fixado pela CLT para os empregados em geral submetidos a uma jornada de 6h (20 minutos, em vez dos 15 minutos previstos na CLT), tam-bém se exige do empregador a concessão de duas pausas de 10 minutos cada, que não serão deduzidas do tempo de jornada do empregado.

Voltando à regra geral – ou seja, para as jornadas em que a lei exige a concessão de intervalo mínimo de 1h –, é certo que a CLT sempre possibilitou a redução do período de intervalo. Porém, diante da importância da questão, que, como já mencionado, diz respeito à saúde e segurança do trabalhador, a lei sempre foi muito restritiva a respeito, limitando as possibilidades de redução àquelas des-critas no §3º do artigo 71 da CLT:

§ 3º O limite mínimo de uma hora para repouso ou refeição poderá ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, quando ouvido o Serviço de Alimentação de Previdência Social, se verificar que o estabelecimento atende integralmente às exigências concernentes à organização dos refeitórios, e quando os respectivos empregados não estiverem sob regime de trabalho prorrogado a ho-ras suplementares.

Assim, pacificou-se na Justiça do Trabalho o entendimento segundo o qual só seria permitida a redução do horário de intervalo na forma transcrita, sendo con-sideradas inválidas as tentativas de empregadores (e também de empregados, representados por seus sindicatos) de reduzirem o período de alimentação e des-canso pela via da negociação coletiva (acordos coletivos e convenções coletivas).

Porém, é justamente aqui que surge a primeira transformação no assunto em análise oriunda da Reforma Trabalhista. Houve a introdução de um artigo (o 611-A) que passa a dispor que:

A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho (...) têm preva-lência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: (...) III - inter-valo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas (...).”

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Esta é uma das formas de manifestação do que popularmente vem sendo cha-mado de “negociado sobre o legislado”, ou seja, de as negociações dos sujeitos da relação de trabalho (sindicatos, trabalhadores e empregadores) prevalece-rem em relação ao que é disposto na lei como direito mínimo. No exemplo, o que a nova lei deixa claro é que o período de intervalo, fixado em lei em 1h para jornadas superiores a seis horas, poderá ser reduzido para trinta minutos, desde que isso seja convencionado pela via da negociação coletiva.

Mais adiante, iremos tratar de forma detida sobre a questão relativa ao “negocia-do sobre o legislado”. Por ora, basta chamarmos a atenção para os riscos que essa mudança poderá ocasionar, eis que, como dito, o intervalo intrajornada é impres-cindível para que o empregado recupere suas energias durante a sua jornada de trabalho. É possível que, com tão curto tempo de descanso, haja um aumento no número de acidentes de trabalho, o que poderá ocasionar danos ao traba-lhador e, também à própria sociedade, pelos custos do tratamento muitas ve-zes despendido pelo Estado (Sistema Único de Saúde) e, também pelos reflexos previdenciários (aumento da concessão de benefícios como o auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez).

Por fim, outra mudança relevante vinda com a reforma trabalhista é digna de nota. Trata-se da nova regra prevista no §4º do artigo 71 da CLT, que passa a prever o seguinte:

§ 4o A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.

Em outras palavras: se, por exemplo, o empregado com direito a 1h de intervalo faz apenas 20 minutos, terá direito ao pagamento de uma indenização equiva-lente ao tempo restante para completar 1h, ou seja, 40 minutos, período este que deverá ter o acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da hora normal.

Até a reforma, o entendimento que prevalecia na Justiça do Trabalho era o de que, caso o intervalo fosse concedido a menor, o trabalhador teria direito a uma hora integral (independentemente do tempo de descanso realmente usufruí-do), computada como extraordinária, ou seja, com acréscimo de 50% (cinquen-ta por cento), e reflexos em outras verbas.

O “reflexo” é a utilização do valor correspondente no cálculo de outras verbas computadas com base na remuneração do empregado. Por exemplo: se o em-pregado faz em média dez horas extras por mês durante o ano, tem direito a que se calcule o valor do seu décimo terceiro salário em dezembro com o acréscimo do valor correspondente à média mensal de horas extras durante o ano.

Com a mudança, mesmo que o empregado deixe de usufruir intervalo regular-mente, o período correspondente será meramente indenizatório, ou seja, não refletirá nas demais verbas do contrato. Sem dúvida, foi um direito consagrado retirado dos trabalhadores em geral com a reforma trabalhista.

Fique atento: quando estudamos o regime de trabalho em escala 12x36, verifi-camos no §2º do artigo 59-A da CLT (introduzido pela reforma trabalhista) que, a partir de agora, os trabalhadores sujeitos a tal regime podem, pela negociação

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coletiva ou individual, ter “indenizados os intervalos para repouso e alimenta-ção”. Isto quer dizer que, não bastasse a sujeição a um regime de longa duração de jornada (12h por dia), tais trabalhadores poderão permanecer por todo o pe-ríodo trabalhado sem qualquer tipo de intervalo.

Evidentemente, essa é uma regra cuja validade é muito discutível, pois parece desconsiderar critérios mínimos de saúde e segurança no trabalho. Caso tal nor-ma realmente seja aplicada, preocupante será a condição de muitos trabalha-dores, como, por exemplo, os vigilantes, que trabalham em constante atenção e que, pela nova regra, poderão permanecer por toda a jornada sem um descanso sequer (ou, mesmo, sem uma alimentação decente). A se conferir.

O “TELETRABALHO”.

Teletrabalho consiste, na linguagem do artigo 75-B da CLT pós-reforma, na “pres-tação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”.

Ou seja: o teletrabalho é uma modalidade de contratação em que o empregado trabalha, normalmente, fora das dependências do empregador, mas que a ele se conecta por meio dos chamados instrumentos telemáticos, assim considera-dos os aparelhos que unem tecnologias de telefonia com transmissão de dados (smartphones ou notebooks conectados à internet).

Embora muito se discuta sobre uma suposta “grande mudança” nas relações de trabalho com a introdução do regime mencionado, na verdade já havia na CLT desde o ano de 2011 uma previsão eficaz para a caracterização trabalho à distân-cia. Trata-se da disposição contida no artigo 6º, que prevê:

Art. 6o. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimen-to do empregador, o executado no domicílio do empregado e o rea-lizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídi-ca, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Porém, ainda que pareça que o legislador reformista apenas tenha reiterado a re-gra antiga, o fato é que a nova norma trouxe consigo algumas outras peculiarida-des, que, em parte, contradizem a regra geral prevista no artigo 6º. Vamos a elas.

Com a reforma, a CLT passa a prever, no artigo 75-C, que “a prestação de servi-ços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado”. Ou seja: o legislador impõe uma formalidade que, se não observada pelo empregador, pode ensejar a descaracterização do regime.

Ainda assim, é certo que o Direito do Trabalho é informado pelo princípio da primazia da realidade sobre a forma, o que quer dizer que, independentemente do que as partes (patrão e empregado) tenham colocado no papel, prevalece o que de fato aconteceu entre eles. Ou seja: mesmo que o empregador não deixe escrito no contrato que haverá a sujeição do empregado ao regime de teletraba-

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lho, as regras aplicáveis a tal modalidade de contratação serão aplicáveis se, na situação de fato, concretizar-se verdadeiro teletrabalho. O contrário também é verdadeiro. Ou seja: se ficar consignado que o regime de contratação se dá pelo teletrabalho, mas, de fato, o empregado permanecer nas dependências do em-pregador, prevalecerá o contrato presencial, não à distância.

Essa distinção é muito importante quando analisamos o regime de jornada do empregado sujeito à contratação pelo teletrabalho. É que, com a introdução da nova modalidade, o legislador também passou a prever que está excluído da limitação de jornada (assim também do direito a adicional noturno e intervalo in-trajornada) o empregado em regime de teletrabalho (CLT, artigo 62, III). Acontece que, se ficar demonstrado que, mesmo em regime de teletrabalho, o empregado permanece sujeito a controle de horários, fará jus ao pagamento de horas extras (inclusive de intervalos e adicional noturno), justamente porque o que manda é a situação de fato, não o que está formalizado entre as partes.

É importante observarmos, nesse ponto, que a introdução de novas tecnologias de informática na sociedade serviu como uma forma até de maior controle sobre o tempo em que de fato estamos conectados a determinada atividade. Basta observarmos, por exemplo, aplicativos como o Uber, em que é possível acompanhar o deslocamento do veículo chamado da tela do próprio telefone celular. Nessa linha de raciocínio, se o empregado estiver na própria residência conectado ao empregador por algum tipo de programa, é certo que será possí-vel ao patrão aferir quantas horas o empregado está dedicando ao trabalho, sendo, portanto, perfeitamente possível pagar-lhe horas extras quando essa dedicação superar os limites legais de jornada (8h diárias e 44h semanais).

Obviamente, poderão existir situações extremas em que o empregado está co-nectado a determinado sistema do empregador, embora no desempenho de ou-tras atividades. Neste caso, ficando comprovada tal situação, não será justo que o empregador pague tais horas extras. Só a situação concreta dará a resposta.

Ainda tratando de jornada, é relevante notar que o mero comparecimento do empregado em regime de teletrabalho às dependências do empregador para determinadas atividades não afasta a incidência de tal regime. Porém, se ficar demonstrado que o comparecimento é habitual, ou seja, diversas vezes durante a semana, poderá ficar descaracterizado o regime de trabalho à distância.

Para os contratos em vigor por ocasião da entrada em vigor da reforma trabalhis-ta (ou seja, em 11 de novembro de 2017, a regra é que possa existir alteração de regime, seja por acordo entre as partes – devidamente registrado no contrato –, seja por ordem do empregador. Mas, neste último caso, será garantido ao empre-gado um prazo de transição mínimo de quinze dias entre os regimes. Tudo isso está previsto no artigo 75-C, §§1º e 2º da nova CLT.

Por outro lado, a CLT reformada ainda estipula que:

Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito. Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira

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expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsa-bilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

Esses dois dispositivos devem ser lidos em conformidade com o disposto no ar-tigo 2º da CLT, que prevê que cabe ao empregador, exclusivamente, assumir os riscos da atividade que desempenha. Ou seja:

1) a aquisição e o uso dos equipamentos para o trabalho à distância devem ficar a cargo exclusivo do empregador, pois qualquer ônus deve ser arcado por ele; aliás, é cabível (e recomendável) que se estabeleça que o empregador tem a obrigação de arcar também com os gastos despendidos na residência do empregado, como a energia elétrica e o acesso à internet;

2) o fato de o empregado assinar um termo de responsabilidade obrigando-se a seguir orientações sobre como realizar seu trabalho à distância não isenta o empregador de responsabilidade por doenças relacionadas à sua atividade, que deverão ser analisadas de acordo com sua atividade. Assim, se o traba-lhador desenvolver uma tendinite, e ficar comprovado que a sua atividade poderia fazer desencadear tal doença, caberá ao empregador demonstrar que o problema não tinha relação com o trabalho, presumindo-se o contrário caso essa prova não seja feita.

Por fim, vale destacar que os instrumentos usados para o trabalho (como compu-tador, móveis de escritório relacionados à atividade, telefone celular e acesso à internet) não integram a remuneração do empregado, o que quer dizer que não serão tratados como salário, mas mero custeio das atividades. Nessa linha, o já consagrado artigo 458, §2º, inciso I da CLT:

[...] não serão consideradas como salário as seguintes utilidades con-cedidas pelo empregador: I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos em-pregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço.

Fique atento: ao decidir transferir o local de trabalho para a residência do em-pregado, o empregador mantém as mesmas responsabilidades que tem com re-lação aos trabalhadores que desempenham suas atividades nas dependências da empresa. Por outro lado, é evidente que o regime de trabalho em questão pode ser benéfico aos dois contratantes, desde que não sirva como uma forma para que o empregador deixe de se responsabilizar por direitos de seu emprega-do, como é o caso do pagamento de horas extras e dos custos da manutenção do negócio.

FÉRIAS.

Em relação às férias, a reforma trabalhista promoveu três alterações relevantes. Uma delas consiste no fim da obrigatoriedade de que as férias do empregado menor de 18 (dezoito) anos ou do maior de 50 (cinquenta) anos sejam gozadas de uma só vez. Houve, nesse sentido, a revogação do §2º do artigo 134 da CLT, que impedia o fracionamento. As outras duas mudanças estão dispostas no arti-go 134 da CLT modificada, estabelecendo que:

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Art. 134. [...] §1º Desde que haja concordância do empregado, as fé-rias poderão ser usufruídas em até três períodos, sendo que um deles não poderá ser inferior a quatorze dias cor-ridos e os demais não poderão ser inferiores a cinco dias corridos, cada um. [...] § 3o É vedado o início das férias no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado.

Até a reforma, as férias somente poderiam ser fracionadas em dois períodos, sen-do que um deles não poderia ser inferior a dez dias corridos. A partir de agora, o fracionamento poderá ser feito em até três períodos, mas desde que o em-pregado concorde (ou seja, não poderá haver imposição do fracionamento pelo empregador). Além disso, um dos períodos terá de contar com quatorze dias cor-ridos, e o menor tempo dos demais terá de ser de cinco dias.

Por outro lado, a mudança também atinge o dia do início das férias. Para impedir que o empregado tenha de sair em férias em dia que não lhe seja interessante (por exemplo, logo antes de um feriado em que ele normalmente folgaria, ou de uma folga semanal), o legislador passou a impor que o início das férias necessa-riamente terá de ocorrer até dois dias antes do feriado ou da folga semanal.

É importante observar que o desrespeito às novas regras ensejará a responsabili-dade do empregador pelo pagamento em dobro da respectiva remuneração das férias, tal como previsto no artigo 137 da CLT:

Art. 137 - Sempre que as férias forem concedidas após o prazo de que trata o art. 134, o empregador pagará em dobro a respectiva remuneração.

MULTA POR AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO.

A anotação do vínculo de emprego na Carteira de Trabalho (CTPS) do empre-gado constitui obrigação básica, das mais relevantes que o empregador possui, estando disposta no artigo 41 da CLT:

Art. 41 - Em todas as atividades será obrigatório para o empregador o registro dos respectivos trabalhadores, podendo ser adotados livros, fichas ou sistema eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho.Parágrafo único - Além da qualificação civil ou profissional de cada trabalhador, deverão ser anotados todos os dados relativos à sua ad-missão no emprego, duração e efetividade do trabalho, a férias, aciden-tes e demais circunstâncias que interessem à proteção do trabalhador.

Com a reforma trabalhista, a CLT passou a prever multa mais elevada quando o empregador deixar de cumprir a obrigação legalmente imposta de registrar seus empregados em CTPS.

Antes, era previsto o pagamento de multa de apenas um salário mínimo, ao pas-so que, a partir de agora, a penalidade é fixada no valor de R$3.000,00 (três mil reais) por empregado não registrado, exceto no caso das microempresas e em-presas de pequeno porte, em que o valor é reduzido para R$800,00 (oitocentos reais) por empregado não registrado.

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A multa dobra em cada hipótese de reincidência.

Tal tipo de multa é exceção ao critério da dupla visita, tamanha a importância da obrigação legal em se anotar a CTPS. Ou seja, se o empregador for flagrado por um Auditor Fiscal do Trabalho violando tal dever legal, será imediatamente mul-tado, não havendo mera orientação/alerta pelo Auditor como pressuposto a ser observado em uma segunda visita do fiscal com a mesma finalidade.

A multa é menor, de R$600,00 (seiscentos reais) por empregado, nas demais vio-lações descritas no parágrafo único do artigo 41 da CLT (anotação de dados re-lativos ao contrato de emprego), tais como não-anotação das férias, aumentos salariais, acidentes de trabalho, etc.

Alguns juristas entendem que essa multa pode ser aplicada somente pelo Auditor Fiscal do Trabalho em razão da redação do artigo 48 da CLT (que esta-belece que será imposta pela Secretaria Regional do Trabalho), havendo dúvi-das se pode ser aplicada pelo juiz em sentença. Em função disso, alguns juízes encaminham cópia da sentença em que se reconhece a irregularidade para a Secretaria Regional do Trabalho (órgão do Ministério do Trabalho) para que, en-tão, os Auditores Fiscais do Trabalho apliquem a referida multa.

Quanto ao valor da penalidade, entendem vários juristas que ele deve ser re-vertido para a União, e não para o empregado. Há interpretações diferenciadas, portanto.

Abaixo, transcrevemos as alterações dispostas na CLT sobre o tema em estudo:

Art. 47. O empregador que mantiver empregado não registrado nos termos do art. 41 desta Consolidação ficará sujeito a multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência.§ 1o Especificamente quanto à infração a que se refere o caput deste artigo, o valor final da multa aplicada será de R$ 800,00 (oitocentos re-ais) por empregado não registrado, quando se tratar de microempresa ou empresa de pequeno porte.§ 2o A infração de que trata o caput deste artigo constitui exceção ao critério da dupla visita.Art. 47-A. Na hipótese de não serem informados os dados a que se refere o parágrafo único do art. 41 desta Consolidação, o empregador ficará sujeito à multa de R$ 600,00 (seiscentos reais) por empregado prejudicado.

O DANO EXTRAPATRIMONIAL.

Com a publicação da lei da reforma trabalhista (lei 13.467 de 12/07/17), o legis-lador criou na CLT o Título II-A, denominado “Do dano extrapatrimonial” (artigos 223-A a 223-G da CLT).

Dano moral é todo ou qualquer dano que não seja patrimonial. É a lesão aos direitos da personalidade. É o dano que resulta em sofrimento humano, que não resulta em uma perda pecuniária. Exemplos: a dor pela perda de um braço, pela perda de um ente querido, pela humilhação sofrida na frente de outros colegas de trabalho, pela subtração do seu tempo de convívio com a família, etc.

A nova terminologia utilizada pelo legislador, “dano extrapatrimonial”, visa am-pliar o alcance da expressão “dano moral”, posto que o dano moral em sentido

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lato abrange o dano estético, o dano existencial, assim como o dano moral em sentido estrito.

TITULARES DESSE DIREITO.

Dispõe o artigo 223-B da CLT que as pessoas física e jurídica são titulares “exclu-sivas” do direito à reparação. Assim, alguns doutrinadores passaram a questionar se o legislador extinguiu o chamado dano moral coletivo (a coletividade como ti-tular do direito à reparação), ou mesmo a possibilidade de reparação a herdeiros ou aqueles que sofreram danos reflexos, caso, por exemplo, do filho que perde um pai em função de acidente deste no trabalho, hipótese em que a legitimida-de para postular a reparação seria do filho, ainda que ele não tenha relação com a empregadora do pai.

São inúmeras as ações que tramitam na Justiça do Trabalho, muitas ajuizadas pelo Ministério Público do Trabalho, que visam à reparação de danos causados a uma coletividade, a um grupo de pessoas. Exemplo: grupo de empregados ex-postos a humilhações em reuniões periódicas ou submetidos a jornadas exage-radas, ou trabalhadores sujeitos a condições análogas à escravidão, etc.

Porém, considerando que, em nosso ordenamento jurídico, é inadmissível a existência de um dano que não possa ser reparado, entende-se que a melhor interpretação do dispositivo legal é aquela que reconhece a coletividade tam-bém como titular do direito à reparação do dano extrapatrimonial, a despeito da literalidade da regra em questão. Até porque o entendimento contrário repre-sentaria retrocesso social, algo vedado expressamente pela nossa Constituição Federal.

Ao mesmo tempo, são comuns os casos em que pessoas não diretamente rela-cionadas à atividade do empregador sofrem danos com o ato ilícito sofrido pelo empregado no ambiente de trabalho. Exemplos claros são os familiares que per-dem o convívio com o ente querido que morre em um acidente de trabalho, ou mesmo aqueles que, por certo tempo, sofrem um afastamento, em função de internação hospitalar oriunda de algum acidente grave. Nesse sentido, melhor é considerar que os novos dispositivos da CLT vêm para tratar de situações outras, que não acidentes de trabalho, sob pena de se excluir uma série de pessoas indi-retamente afetadas com eventos ligados ao contrato de trabalho.

OS BENS CONSIDERADOS EXTRAPATRIMONAIS.

Conforme a nova regra da CLT (artigo 223-C), são tutelados como bens extrapa-trimoniais “a honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física”.

A disposição em questão não contempla expressamente bens incorpóreos que são sabidamente dignos de tutela no Poder Judiciário, como é o caso da etnia, da idade ou mesmo da nacionalidade (e que foram, por sinal, inseridos na nova CLT pela Medida Provisória n.º 808/2017, que, como você já sabe, vigorou ape-nas pelo exíguo período de 14 de novembro de 2017 a 23 de abril de 2018). Por isso, a melhor interpretação parte da premissa de que o rol descrito pelo legis-lador é meramente exemplificativo, na medida em que esta é a única forma de se preservar interpretação do dispositivo conforme os valores estabelecidos na Constituição Federal.

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A lei também passa a prever a possibilidade de reparação por danos extrapa-trimoniais em favor do empregador, mencionando o nome, a marca, o segredo empresarial, dentre outros (artigo 223-D da CLT) como os bens que devam ser preservados de ofensas com conteúdo extrapatrimonial. Não há, aqui também, dúvidas quanto à premissa de que aqui também a menção feita pela lei é me-ramente exemplificativa e não taxativa, máxime quando se nota que o direito à privacidade, respaldado pelo artigo 5º, X da CF, por exemplo, não foi elencado pelo legislador.

“TARIFAÇÃO” DO DANO EXTRAPATRIMONIAL.

Seguindo a análise do tema dano extrapatrimonial, chama a atenção dos opera-dores do Direito outro grande retrocesso social que se vê na reforma trabalhista: trata-se do artigo 223-G, §1º da CLT, que estipula que o juiz, ao julgar e analisar o dano extrapatrimonial, fixará a reparação a ser paga de acordo com limites pre-viamente fixados pelo legislador, como se o dano moral pudesse ser tarifado no Direito do Trabalho.

E o pior: os valores fixados pela nova lei têm como base o salário do empregado lesado, como se fosse possível estipular o tamanho da dor moral de uma pessoa em conformidade com o quanto ela ganha no final do mês.

Justamente em função dessa evidente impropriedade do legislador, a Medida Provisória n.º 808/2017 chegou a alterar o parâmetro, fixando-o não em confor-midade com o salário ganho pelo ofendido, mas com base no limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Ainda que se mantivesse a in-congruência da medida, que continuava “tarifada” previamente, ao menos a nova regra passou a estabelecer limites objetivos, sem relação com o salário ganho pelo trabalhador lesado em sua moral. O problema é que a Medida Provisória n.º 808/2017 perdurou, como mencionado, apenas por curto período, retomando--se a redação anterior do dispositivo analisado, evidentemente inadequada.

Aliás, outro ponto que, de alguma forma, foi introduzido pela MP 808/2017 para “remediar” malefícios causados pelo contestado instituto em análise, diz respeito ao fato de que, na redação modificada, houve expressa menção ao fato de que os parâmetros fixados na nova lei “não se aplicam aos danos extrapatrimoniais decorrentes de morte”. Com o fim da vigência da MP 808/2017, será possível, em tese, a fixação de reparação “tarifada” também nos acidentes fatais, na me-dida em que a redação vigente da CLT não faz qualquer distinção a respeito do assunto.

Apenas para reflexão, e considerando os limites estabelecidos pela nova le-gislação, suponha que, em função da tragédia humana ocorrida em 25 de janeiro de 2019 na cidade de Brumadinho/MG, duas diferentes famílias rei-vindiquem reparação por danos morais pela perda de seus entes queridos, sendo uma ligada a um trabalhador que recebia salário de R$1.000,00 (um mil reais) mensais, e outra, a um trabalhador cujo salário era de R$10.000,00 (dez mil reais mensais): a prevalecer a validade da nova lei, o trabalhador que recebia salário maior terá direito a uma indenização que poderá ser dez vezes maior que a de seu colega, ainda que o fatal evento tenha ocorrido de maneira rigorosamente idêntica nos dois casos.

De uma forma ou de outra, tal ponto da reforma trabalhista é alvo de muita po-lêmica. É inadmissível imaginar que a dor moral, o sofrimento de uma pessoa, possa ser tabelada e imposta dentro de critérios tão rígidos como fez a lei infra-

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constitucional. Somente um juiz, após análise detida de um caso concreto, po-derá melhor mensurar a indenização mais justa para a situação que se coloca.

Não é tarde para lembrar que o artigo 5º, inciso V da Constituição Federal tutela que o dano deva ser reparado de forma proporcional ao tamanho da ofensa. Não há como se conceber limites para reparar bens que não são precificáveis. Por certo que a doutrina e a jurisprudência ainda caminharão para a melhor in-terpretação da lei, de forma que não será surpresa se o Judiciário, por meio do controle concentrado (pelo Supremo Tribunal Federal) ou difuso (por qualquer juiz), declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo novo da CLT.

Não por acaso, a questão já se encontra em discussão no Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 5870, ajuiza-da pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra. O processo ainda está pendente de julgamento, mas o Ministério Público Federal já emitiu parecer pela inconstitucionalidade da tarifação e da limitação aos va-lores de reparação por danos morais, tal como se observa da ementa da manifes-tação da Procuradoria Geral da República (PGR):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.467/2017. ART. 223 – G - §1º DA CLT. INDENIZAÇÃO DE DANO EXTRAPATRIMONIAL NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO. TARIFAÇÃO. NORMA QUE INSTITUI VALORES MÁXIMOS A TÍTULO INDENIZATÓRIO. TUTELA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS PERSONALÍSSIMOS. ART. 5º - V – X DA CF/1988. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL DO DANO. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO DA TUTELA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. NORMA RESTRITA À ÓRBITA DAS RELAÇÕES DE TRABALHO. LIMITAÇÃO TUTELAR DETERMINADA PELA QUALIDADE DE EMPREGADO OU PRESTADOR DE SERVIÇO DA VÍTIMA EM FACE DO OFENSOR. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO ISONÔMICO. ART. 5º DA CF/1988. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho tem legitimidade ativa para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade em face de norma que institui tarifação do valor de indenização por dano moral no âmbito das relações de trabalho (art. 223-G-§1º da CLT, inserido pela Lei 13.467/2017), por se tratar de matéria ínsita ao cam-po de atuação institucional da magistratura trabalhista. Precedentes. 2. A Constituição de 1988 positivou os direitos humanos de persona-lidade, conferindo à integridade moral do indivíduo status de direito fundamental, cuja tutela (CF/1988, arts. 5º, V – X – §2º) se assenta no dever de proteção da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º - III), epicentro axiológico da ordem constitucional. Precedentes. 3. A tarifação legal prévia e abstrata de valores máximos para indeniza-ções por danos extrapatrimonais afronta o princípio da reparação in-tegral do dano moral, sempre que, nos casos concretos, esses valores não forem bastantes para conferir ampla reparação ao dano, propor-cionalmente ao agravo e à capacidade financeira do infrator (CF/1988, art. 5º - V), inibindo o efeito pedagógico-punitivo da reparação do dano moral. Precedentes. 4. Os bens ideais da personalidade, como a honra, a imagem e a intimi-dade da vida privada não suportam critério objetivo, com pretensões de validade universal, de mensuração do dano à pessoa. Por conse-guinte, a reparação do gravame a tais bens “não é recondutível a uma escala econômica padronizada, análoga à das valorações relativas dos danos patrimoniais” (RE 447.584/RJ, Relator Ministro Cezar Peluso). Jurisprudência reiterada no julgado da ADPF 130/DF, Relator Ministro Ayres Britto. - Parecer pelo conhecimento da ação e pela procedência do pedido.

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OUTROS PARÂMETROS PARA FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO.

Por outro lado, andou bem o legislador quando pontuou expressamente na le-gislação questões a serem consideradas pelo juiz ao analisar o caso concreto e precificar o valor do dano extrapatrimonial. São questões que auxiliam na ampla reflexão que deve um magistrado fazer antes de precificar a dor/sofrimento de um ser humano em relação à violação dos seus direitos da personalidade.

Nesse sentido, a nova regra disposta no artigo 223-G da CLT estabelece que, ao apreciar o pedido, o juiz deverá considerar:

I- a natureza do bem jurídico tutelado; II- a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III- a possibilidade de superação física ou psico-lógica; IV- os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral; VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa.

Por fim, merece menção outro grande equívoco do legislador, agora em função dos efeitos que a reincidência gera na fixação da reparação: de acordo com o §3º do artigo 223-G da nova CLT, “na reincidência entre partes idênticas, o juízo po-derá elevar ao dobro o valor da indenização”. O que preocupa é a restrição esta-belecida, qual seja, a de que a reincidência concretiza-se “entre partes idênticas”: ora, o que caracteriza a má conduta do agente é a prática reiterada de atos ofen-sivos, independentemente de quem sejam os destinatários. Nesse sentido, deve sofrer aumento de punição o ofensor que age ilicitamente de forma continuada, mesmo que em face de diferentes vítimas. Da forma estipulada pelo legislador, porém, em uma segunda situação de ofensa, apenas se o ofendido for o mesmo poderá haver o aumento, para o dobro, do valor da indenização.

Chega-se, assim, à absurda conclusão (absurdo maximizado em caso de a ofensa gerar a morte do ofendido) de que o empregador poderá ofender todos os seus empregados, cada qual em um determinado episódio, e, mesmo assim, não ser considerado reincidente.

Foi justamente para minorar a perplexidade causada por esse tipo de interpre-tação (tornada possível em função da equivocada redação do dispositivo) que a MP 808/2017 chegou a prever, em seu reduzido período de vigência, que, “na reincidência de quaisquer das partes, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização”. A alteração, porém, perdeu eficácia juntamente com a medida provisória que a implementou, retomando-se, como consequência, o verdadeiro absurdo legislativo perpetrado na origem.

A INSALUBRIDADE E A GESTANTE OU LACTANTE:

É direito da gestante ou da lactante (mãe em período de amamentação) perma-necer trabalhando nos períodos de gestação e amamentação. Porém, quando as atividades são desempenhadas em local insalubre, a lei estabelece restrições, para preservar a saúde da trabalhadora e de seu filho. A lei ainda estabelece dife-rentes graus de insalubridade (máximo, médio e mínimo), a depender do tipo de agente nocivo a que a trabalhadora (e qualquer empregado) está sujeita.

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De acordo com uma lei recente (de 2016), era terminantemente proibido que a gestante ou lactante permanecesse trabalhando em atividades insalubres, inde-pendentemente do grau de insalubridade existente.

A reforma trabalhista veio para flexibilizar a regra mencionada, na medida em que passa a dispor que a gestante deve ser afastada de suas atividades somente se estiver sujeita a insalubridade em grau máximo; caso a insalubridade existente no local de trabalho seja de grau médio ou mínimo, ela somente deverá ser afas-tada se médico de sua confiança assim atestar expressamente, presumindo-se, no silêncio, a continuidade do trabalho em ambiente insalubre (nos graus médio e mínimo) mesmo durante a gestação.

Importante notar, nesse tema em particular, que a MP 808/2017 chegou a in-verter a lógica considerada pelo legislador: conforme a regra que vigorou entre 14 de novembro de 2017 e 23 de abril de 2018, a trabalhadora somente pode-ria continuar trabalhando em local insalubre em graus médio e mínimo se ela, voluntariamente, apresentasse atestado de saúde emitido por médico de sua confiança que autorizasse sua permanência no exercício de suas atividades. Ou seja: na falta do atestado, manter-se-ia, por presunção, proibido o trabalho da gestante em qualquer local insalubre (independentemente do grau).

De todo modo, ressalvado o curto período de tempo mencionado, prevalece o entendimento no sentido de que a empregada gestante só deverá ser afasta-da se apresentar atestado de saúde que recomende o afastamento durante a gestação.

Ao mesmo tempo, para a lactante foi estipulado que, independentemente do grau de insalubridade (mínimo, médio ou máximo), haveria o afastamento das atividades apenas se médico de sua confiança assim atestasse.

É esse o dispositivo vigente atualmente:

CLT, Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o va-lor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto du-rar a gestação; II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de con-fiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação.

As mudanças mencionadas vêm gerando muita discussão no meio trabalhista. Isso porque é notória a dificuldade que o médico da trabalhadora tem de de-tectar a existência de insalubridade no ambiente de trabalho desta, por sequer conhecer a sua realidade. Afinal, é absolutamente incomum que um médico saia de seu consultório e vá até o local de trabalho de sua paciente para verificar as condições da empresa e atestar com tranquilidade que o ambiente não gera ris-cos à saúde da mãe e da criança.

Sob outro enfoque, os empregadores em geral discutiam muito a falta de flexibi-lidade da regra anterior, que simplesmente impunha o afastamento da gestante e da lactante de qualquer atividade insalubre. Segundo os patrões, tal impossi-bilidade tornava inviável o regular desempenho de trabalhos em áreas em que é comum a existência de empregadas do sexo feminino, como hospitais e centros

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de saúde em geral. Nessa linha, a norma anterior poderia prejudicar até mesmo a contratação de mulheres, por conta de dificuldades futuras para seu emprega-dor no remanejamento das empregadas sujeitas a ambiente insalubre.

A melhor saída parece ser o bom-senso, especialmente dos empregadores. Tendo ciência de que determinado ambiente é insalubre (e essa é uma responsabilida-de que incumbe ao empregador), cabe ao patrão efetuar um remanejamento de trabalhadores, impedindo, com isso, qualquer risco à saúde da trabalhadora e de seu bebê.

O TRABALHADOR AUTÔNOMO.

Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (art. 3º da CLT). São, portanto, requisitos do vínculo de emprego: a pessoalidade, a conti-nuidade (não eventualidade), a onerosidade e a subordinação jurídica.

Alguns ainda incluem como requisito da relação de emprego a alteridade, que é a assunção dos riscos do negócio por parte do empregador.

Por outro lado, em sentido oposto, temos o chamado trabalhador autônomo, que é aquele que exerce sua atividade de forma independente (por conta pró-pria), sem subordinação, assumindo os riscos de sua atividade.

Dentre as inúmeras ações que tramitam na Justiça do Trabalho, muitas dizem respeito à discussão acerca da existência ou não do vínculo de emprego. Isso porque é comum que se dê esse rótulo a profissionais que são, na verdade, em-pregados (fraude nas relações de trabalho para fugir das responsabilidades de-correntes do vínculo de emprego). Contudo, é certo que, inúmeras vezes, em tais lides é difícil fechar a conclusão de forma contundente, posto ser comum a existência de casos concretos que se situam em uma espécie de zona cinzenta. Temos como exemplo o corretor de imóveis, o motorista da Uber, etc.

São exemplos de trabalhadores autônomos o faxineiro diarista e os profissionais liberais (tal como dentista, médico, advogado, engenheiro, contador, etc.). Mas, a teor dos referidos exemplos, é também perfeitamente possível encontrarmos um advogado ou médico que atue na condição de empregado (quando preen-chidos os requisitos do vínculo de emprego).

CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE.

O artigo 442-B foi introduzido na CLT pela reforma trabalhista com a introdução de definir o que venha a ser um trabalhador autônomo. Na verdade, a definição se dá por exclusão, sendo considerado trabalhador autônomo aquele que não se enquadra nos requisitos legais para ser reconhecido como empregado. É como dispõe o mencionado artigo de lei:

Artigo 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3o desta Consolidação.

É bom que se diga que a expressão “cumpridas por este todas as formalidades legais” não muda, se a situação de fato indicar que se trata de verdadeiro em-

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pregado. Em outras palavras, ainda que haja um contrato estabelecendo que o trabalhador contratado é autônomo, se, na situação de fato, ele agir como ver-dadeiro empregado, o vínculo autônomo será afastado, com o reconhecimento da relação empregatícia. Trata-se de aplicação prática de um princípio de Direito do Trabalho, o da primazia da realidade sobre a forma, que quer dizer que pre-valecerá o que de fato se concretizou entre as partes, em detrimento do que foi formalizado. Há disposição semelhante no artigo 112 do Código Civil, aplicável a todos os tipos de contratação:

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção ne-las consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Pela Medida Provisória n.º 808/2017, houve modificação do mencionado artigo 442-B da CLT, excluindo-se a expressão “com ou sem exclusividade”. Além disso, foram incluídos diversos parágrafos no dispositivo, merecendo menção, neste ponto do estudo (a questão da exclusividade), os §§1º e 2º daquele artigo:

§ 1º É vedada a celebração de cláusula de exclusividade no contrato previsto no caput.§ 2º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços.

Como se vê do §1º transcrito, no período de vigência da Medida Provisória n.º 808/2017, o legislador previu expressamente a proibição de se contratar o tra-balhador autônomo com cláusula de exclusividade. O objetivo do legislador foi deixar claro que o genuíno empregado autônomo poderia atuar prestando seus serviços para diversas pessoas e empresas, não podendo o contratante exigir do autônomo que atuasse para aquele com exclusividade. Ainda assim, o próprio le-gislador da “reforma da reforma” (como ficou conhecida a MP n.º 808/2017) man-teve a possibilidade de o trabalhador autônomo trabalhar com exclusividade. Ou seja: conforme o que ficou estipulado, o autônomo até poderia trabalhar apenas para um tomador, mas desde que isso não fosse condição para sua contratação.

O fato é que é perfeitamente possível que o contrato de trabalho do autônomo seja executado de forma contínua para um só tomador, ou seja, sempre para uma mesma empresa ou pessoa ao longo de grande período (§ 2º do artigo 442-B da CLT), tratan-do-se de decisão que cabe ao trabalhador, já que atua de forma autônoma. Nesse sentido, a alteração promovida pela MP 808/2017, tanto na cabeça do dispositivo como nos dois primeiros parágrafos, mostrou-se totalmente desarrazoada.

SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. MESMA ATIVIDADE ECONÔMICA DO CONTRATANTE.

Também apenas enquanto vigorou a MP 808/2017, mantiveram-se em vigência os §§3º e 7º do artigo 442-B da CLT, prevendo o seguinte:

§3º O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a ou-tros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclu-sive como autônomo.§ 7º O disposto no caput se aplica ao autônomo, ainda que exerça ati-vidade relacionada ao negócio da empresa contratante.

Ou seja: o legislador reiterou a possibilidade de prestação de serviços de forma exclusiva ou não, observando que o exercício da mesma atividade econômica de seu tomador de serviços não teria o condão de alterar a natureza autônoma de sua contratação.

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Assim, também é perfeitamente possível que tenhamos, por exemplo, um advo-gado autônomo que contrate outro advogado autônomo para fazer um parecer sobre determinada área especializada do Direito. Da mesma forma, podemos ter um escritório de advocacia contratando um advogado autônomo para lhe entre-gar um parecer sobre determinada matéria.

A matéria, tal como se observa da que diz respeito à exclusividade na prestação de serviços, nada acrescenta de importante, não havendo verdadeiro efeito prá-tico tanto com sua introdução (pela MP 808/2017) como após a sua retirada do mundo jurídico.

RECUSA DO SERVIÇO.

Como já visto, uma das características do trabalhador autônomo é poder atuar com liberdade, definindo o tempo e modo de operar o serviço, inclusive lançan-do seu preço. Mas, com o intuito de enaltecer a segurança e estabilidade das relações/contratações, especificamente no período de vigência da MP 808/2017 previu-se a possibilidade de as partes entabularem no contrato uma cláusula de penalidade para a hipótese de o autônomo recusar-se a desempenhar alguma atividade. Trata-se da previsão contida no §4º do artigo 442-B, que vigorou tão somente entre 14 de novembro de 2017 e 23 de abril de 2018:

§ 4º Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláu-sula de penalidade prevista em contrato.

Na verdade, esse foi mais um dispositivo de total inutilidade introduzido pela MP 808/2017. Afinal, reconhecendo-se que, de fato, determinado trabalhador é autônomo, tem ele o direito (independentemente de lei expressa a respeito) de desempenhar o serviço que ele bem entender, cabendo a ele e ao seu contra-tante estabelecerem, querendo, cláusula cominatória nesse sentido. Aliás, se o trabalhador se encontrasse em situação de fato que realmente lhe ensejasse pro-blemas oriundos de recusa não aceita por seu tomador, certamente estaríamos diante de uma situação de potencial caracterização de vínculo empregatício, o que, por certo, tornaria inócua a existência de cláusula cominatória em caso tal, que seria inteiramente abrangida por declaração judicial da própria relação de emprego.

SUBORDINAÇÃO.

Por fim, pela redação do § 6º do artigo 442-B da CLT que permaneceu vigente apenas no período de validade da Medida Provisória n.º 808/2017, se estivesse presente a subordinação jurídica, deveria ser reconhecido o vínculo de emprego.

Aqui, confirmando a inutilidade de todos os parágrafos introduzidos pela MP 808/2017 ao artigo 442-B da CLT, o legislador apenas reiterou o óbvio ululante, ou seja: se o trabalhador atua sob comando, obediência, ordem, submissão, depen-dência hierárquica de outrem, então deixa de ser enquadrado como autônomo.

Um autônomo genuíno tem autonomia para negociar o valor do seu serviço, pra-zo de entrega, forma de execução de suas atividades e não cumpre jornada de trabalho.

Aliás, a previsão inserida no §6º do artigo 442-B da CLT, que também perdurou apenas entre 11 de novembro de 2017 e 23 de abril de 2018, chancelou a falta de

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técnica do legislador por ocasião da edição da MP 808/2017. É que, ao mencionar que “motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas re-lacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cum-pridos os requisitos do caput (ou seja, que se trate de autônomo), não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º”.

Ou seja: mais uma vez, o óbvio, que pode ser sintetizado da seguinte forma: tra-balhador autônomo, desde que seja trabalhador autônomo, não é empregado. E empregado, desde que seja empregado, não é trabalhador autônomo. Como se vê, um típico exercício injustificado de atividade legiferante.

O NOVO “CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE”.

Um dos principais argumentos para a introdução da reforma trabalhista na or-dem jurídica brasileira é a necessidade de reduzir a grande informalidade na eco-nomia do país e, ao mesmo tempo, o desemprego.

Com a declarada intenção de sanar tais problemas, o legislador introduziu, pela reforma trabalhista, uma nova modalidade de contratação que promete solução. Trata-se do contrato de trabalho intermitente, que certamente é controvertido, e que exigirá uma grande atenção de todos nós, pelos efeitos precarizantes que ele poderá introduzir no mercado de trabalho, caso utilizado como mera forma de baratear os custos da produção.

Passemos a analisar tal regime, talvez a maior modificação de todas as dezenas e dezenas de regras revisitadas.

O novo artigo 443, §3º da CLT identifica o contrato ora analisado da seguinte forma:

Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a pres-tação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, de-terminados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

A partir dos elementos descritos, podemos considerar que a principal diferença entre o contrato intermitente e o contrato de trabalho comum está na periodi-cidade de prestação de serviços. Enquanto o trabalhador submetido ao regime comum trabalha na maioria dos dias e folga nos demais, o sujeito ao regime in-termitente trabalha em pequenos períodos de horas, dias ou meses.

É fácil identificar que essa forma de trabalho busca regulamentar o popular “bico”, aquele trabalho desempenhado por uma ou duas vezes por semana, e que normalmente não é anotado em carteira de trabalho. Pela nova lei, o “bico” é transformado em uma modalidade de contrato, inclusive com a imposição de registro em CTPS.

Certamente, a recorrência deste tipo de contrato será mais comum no comér-cio (especialmente bares e restaurantes), onde a mão-de-obra é mais flutuante, e sujeita aos períodos de maior movimento (fim-de-semana). Ainda assim, a lei prevê que o contrato intermitente poderá ser firmado para qualquer atividade, excetuando os aeronautas.

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A julgar pela justificativa dada para a vedação à contratação de aeronautas por este regime (pois “regidos por legislação própria”), é possível considerar que ne-nhuma atividade regida por legislação própria é alcançada por esta modalidade de contratação. Tal conclusão se dá por analogia, pois o legislador não apontou justificativa distinta para a proibição analisada. Há quem diga, por outro lado, que, se o legislador mencionou expressamente o aeronauta, é porque teve a intenção de excluir todas as demais categorias da exceção. Enfim, só o tempo responderá a tais dúvidas.

Do ponto de vista procedimental, o artigo 452-A da CLT estabelece a forma pela qual será efetuada a contratação: impõe a celebração por escrito como requisito obrigatório, especificando, ainda que o pagamento deve respeitar os critérios que seguem:

Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.

Como se vê, o legislador fixou uma espécie de salário mínimo “proporcional”, as-similando a possibilidade de estipulação com base no número de dias ou de ho-ras trabalhadas. Assim, estando o salário mínimo atual fixado em R$954,00 (no-vecentos e cinquenta e quatro reais), nenhum trabalhador intermitente poderá receber menos de R$31,80 (trinta e um reais e oitenta centavos) dia, que é o resultado da divisão de R$954,00 por 30.

A hora trabalhada pelo empregado em regime de intermitente não poderá ser inferior a R$4,33 (quatro reais e trinta e três centavos), que corresponde à divisão de R$954,00 por 220 (o divisor para uma jornada de 8h diárias e 44h semanais).

Por outro lado, também se preocupou o legislador com os casos em que o em-pregador já tem outros empregados fixos que desempenham as funções do trabalhador intermitente. Em tais hipóteses, o salário deste deverá ser idênti-co ao daqueles, o que quer dizer que os cálculos efetuados neste tópico com base no salário mínimo serão feitos com atenção ao salário pago aos colegas do trabalhador intermitente. O fundamento para essa regra é o princípio da isono-mia, consagrado nos artigos 5º, I e 7º, XXXII da Constituição Federal, transcritos respectivamente:

[...] homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos ter-mos desta Constituição;[...] proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

No período em que vigorou a MP n.º 808/2017, o legislador acrescentou aos re-quisitos formais para a contratação a necessidade de apontamento de “identi-ficação, assinatura e domicílio ou sede das partes”, assim também de “local e o prazo para o pagamento da remuneração”. A norma trazia um pouco mais de segurança ao trabalhador intermitente, na medida em que impunha conheci-mento prévio por parte dele quanto aos aspectos mencionados.

Na sequência, o artigo 452-A da CLT também dispõe, nos §§1º a 3º que:

§ 1o O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação efi-caz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com,

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pelo menos, três dias corridos de antecedência.§ 2o Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa. § 3o A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.

Como se vê, o legislador é bastante permissivo quanto à forma de comunicação entre as partes: dentre os meios de comunicação eficazes devem ser incluídos o telefone celular e suas formas modernas de comunicação, como o Whatsapp e o Facebook.

Ao mesmo tempo, a lei também dispõe que, “constatada a prestação dos serviços pelo empregado, estarão satisfeitos os prazos previstos nos § 1º e § 2º”. Ou seja: mesmo que, no caso concreto, o empregador chame o empregado para traba-lhar com menos de três dias de antecedência, não haverá qualquer prejuízo ao contrato se o empregado for trabalhar. A mesma regra vale para o trabalhador, que, aliás, tem o exíguo prazo para responder ao chamado de apenas um dia útil.

É interessante notar que, no período em que vigorou a MP n.º 808/2017, o prazo concedido ao empregado para resposta ao chamado do empregador fora fixa-do em “vinte e quatro horas”, sem qualquer menção ao fato de se tratar de dia útil ou não (tal como se prevê atualmente, conforme a redação original da Lei n.º 13.467/2017, que voltou a vigorar). Isso quer dizer que, no período de 14 de novembro de 2017 a 23 de abril de 2018, se o chamado tivesse sido feito em um final de semana ou na véspera de feriado, a resposta do trabalhador teria de ser feita durante tais dias. A solução não pareceu satisfatória. Afinal, impôs ao em-pregado que permanecesse na espera de algum chamado em dias em que de-veria estar descansando. Melhor, nesse caso, que tenha perdido a eficácia, como de fato aconteceu.

Por outro lado, a regra de que a “recusa de oferta não descaracteriza a subordi-nação” é uma novidade muito relevante. É que é pacífico no Direito do Trabalho que, quando determinado trabalhador recusa-se a prestar algum serviço, ou se está diante de um contrato não-empregatício ou a hipótese é de insubordinação, hábil a gerar punição ao empregado. Porém, para fins de contratação na moda-lidade intermitente a recusa é irrelevante, o que quer dizer que o empregado pode escolher prestar serviço para outro empregador no dia em que foi convo-cado por outro contratante, sem o risco de qualquer punição.

Em seguida, a lei trata da forma e das parcelas abrangidas pelo pagamento, dispondo:

§ 6o Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: I - remuneração; II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro salário proporcional; IV - repouso semanal remu-nerado; e V - adicionais legais.§7o O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no §6o deste artigo.§ 8o O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previ-denciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e forne-cerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.

Essas são regras importantes na caracterização do regime em análise. Elas im-pedem que o salário seja “complessivo”, que é a condição do pagamento que

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engloba diversas verbas sem a indicação da rubrica a que se referem (a exemplo, um pagamento que englobe horas extras, adicional noturno e adicional de in-salubridade, mas sem a discriminação correspondente). Ao mesmo tempo, há uma previsão de conteúdo até aqui estranho ao Direito do Trabalho: trata-se de pagamento intermitente de férias e décimo terceiro, rubricas normalmente pagas em um determinado período do ano, e que passam a ser devidas proporcional-mente e de imediato ao trabalhador intermitente, tão logo prestados os serviços contratados.

No curto período de vigência da MP n.º 808/2017, foi introduzida regra expressa dispondo que, “na hipótese de o período de convocação exceder um mês, o pa-gamento [...] não poderá ser estipulado por período superior a um mês, contado a partir do primeiro dia do período de prestação de serviço” (tratava-se do en-tão vigente §11). Embora tal regra tenha perdido a eficácia, é perfeitamente que a convocação do empregado em regime intermitente dure mais de um mês (a exemplo, um chamado para que o empregado permaneça durante o verão, por todos os sábados do período). Nesse caso, a despeito da inexistência de dispo-sitivo específico a respeito na regulação do contrato intermitente, o pagamento não poderá superar o período de um mês, o que é regra consagrada para todo e qualquer trabalhador no artigo 459 da CLT:

Art. 459 - O pagamento do salário, qualquer que seja a modalidade do trabalho, não deve ser estipulado por período superior a 1 (um) mês, salvo no que concerne a comissões, percentagens e gratificações.

Especificamente em relação às férias, a regras é a seguinte:

[...] § 9o A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.

A norma que diz respeito às férias é, no mínimo, inusitada. Afinal, se o empre-gado enxerga o trabalho intermitente como verdadeiro “bico”, por trabalhar em apenas alguns períodos do mês, parece ser contraditória a ideia de que possa ter o direito de não ser convocado para prestar serviços por um mês do ano. E se o tra-balhador estiver desempregado (desemprego em relação a um contrato típico de trabalho, vale observar), certamente ficará completamente contrariado com a restrição em análise.

A regra mencionada dificilmente será colocada em prática, por contrariar a pró-pria lógica da contratação intermitente.

Aliás, no período em que vigorou a MP n.º 808/2017 (14.11.2017 a 23.04.2018), ainda existiu a previsão de que o empregado intermitente poderia usufruir suas férias em até três períodos, tal como passou a dispor a nova legislação nos §§1º e 2º do artigo 134 para os trabalhadores em geral (questão trazida neste trabalho no item “2.1.d”). A regra, tal como a já analisada em relação ao período anual de descanso, era no mínimo tormentosa. Afinal, havendo intermitência na própria convocação do empregado, a previsão de uma intermitência também no gozo das férias nada de novo acrescentou.

Em relação a benefícios de caráter previdenciário, não há, atualmente, qualquer disposição específica ao contrato analisado, o que traz evidente insegurança ao respectivo trabalhador. Ao contrário, enquanto vigente a MP n.º 808/2017, as re-gras eram as seguintes:

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§ 13. Para os fins do disposto neste artigo, o auxílio-doença será de-vido ao segurado da Previdência Social a partir da data do início da incapacidade, vedada a aplicação do disposto § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 1991.§ 14. O salário maternidade será pago diretamente pela Previdência Social, nos termos do disposto no § 3º do art. 72 da Lei nº 8.213, de 1991.

No que se refere ao trabalhador “comum”, mudou apenas que, em relação ao auxílio-doença, não houve período em que o empregador permaneceu com a responsabilidade de pagar pelos primeiros dias de afastamento (que são quinze, conforme o artigo 60, §3º da Lei n.º 8.213/1991). A distinção tinha lógica, pois é no mínimo improvável que o empregado intermitente passe quinze dias segui-dos trabalhando ao seu empregador. Atualmente, nada mais se dispõe a respei-to, mas é perfeitamente possível deduzir conclusão idêntica, como forma de su-prir a omissão do legislador resguardando o acesso à Previdência do trabalhador intermitente.

Já o salário-maternidade seguiu simplesmente a regra aplicável aos contratos da trabalhadora avulsa e da empregada do microempreendedor individual en-quadrado no artigo 18-A da Lei Complementar n.º 123/2006 (MEI). Ou seja, o be-nefício poderia ser pago diretamente pela Previdência Social, e não como o que ocorre com os empregados em geral, em que o próprio empregador antecipa o pagamento para posterior compensação junto à Previdência Social. Hoje, sem qualquer norma a regrar a específica condição da trabalhadora intermitente, mantém-se a regra geral, ou seja, a responsabilidade pelo empregador quanto ao salário-maternidade, com compensação futura, na forma disposta no artigo 72, §1º da Lei n.º 8.213/1991.

Enquanto vigorou a MP n.º 808/2017, era expressamente permitido que as partes dispusessem previamente sobre os locais, turnos e meios de convocação para o trabalho, o que, de certa forma, servia para dar alguma segurança ao trabalha-dor, que poderia ter acesso às informações mencionadas com algum tempo de antecedência (que não deveria ser inferior ao legal). Embora nada disserte a lei a respeito do tema na atualidade, é perfeitamente possível a inserção desse tipo de cláusula no contrato intermitente, ainda que inexista regra expressa na CLT.

Ao mesmo tempo, a nova modalidade de contrato também prevê a possibili-dade de multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, na hipótese de não realização do trabalho após a aceitação da oferta por parte do trabalhador. Trata-se, como se vê, de uma forma de reparação ao sujeito que, depois de se comprometer com seu contratante, vê frustrada a respectiva pres-tação de serviços sem justo motivo. Exemplificando: determinado trabalhador é convocado para trabalhar como garçom em uma festa, confirma o compareci-mento, mas se ausenta sem qualquer motivo; neste caso, o empregador tem, em tese, o direito de, em eventual convocação futura do mesmo empregado, des-contar-lhe 50% (cinquenta por cento) do valor da remuneração que seria paga em função da convocação frustrada anteriormente. Do mesmo modo, se é o empregado o frustrado (a exemplo, em razão de cancelamento injustificado da festa), fará jus a pagamento idêntico.

A possibilidade de reparação por parte do trabalhador (a primeira das situações mencionadas no parágrafo anterior) merece nossa desconfiança. Afinal, não será possível chancelar a existência de uma multa pecuniária que praticamente invia-bilize o ganho do empregado, exceto se ficar demonstrado que, de fato, a ausên-

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cia dele gerou algum dano de monta ao empregador, na linha já adotada para os contratos em geral, estabelecida no artigo 462, §1º da CLT, não modificado pela reforma:

Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, des-de de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

Outro instituto regulado pelo legislador reformista foi o chamado “período de inatividade”, ou seja, aquele em que o empregado não trabalhou. De acordo com o §5º do novo artigo 452-A da CLT, “o período de inatividade não será considera-do tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes”.

Era o mínimo que se esperava do legislador. Só faltava afirmar o contrário, ou seja, que o período de inatividade deve ser considerado tempo à disposição do empregador. O problema é que, em tal hipótese, seria necessário prever alguma remuneração ao empregado. Parece que foi essa a preocupação que ensejou a redundância de se dispor sobre o óbvio.

No período de vigência da MP n.º 808/2017, o legislador foi ainda mais minucio-so, a despeito da obviedade da solução conferida pelo citado §5º, expressando a possibilidade de trabalho para outros tomadores nos períodos de inatividade, mesmo que estes fossem da mesma atividade econômica.

De todo modo, expresso ou não o legislador, as conclusões são as mesmas:

1) a exclusividade, que nunca foi requisito para a caracterização da relação de emprego em geral, também não o é quanto ao vínculo do trabalhador inter-mitente, mesmo quando os empregadores forem concorrentes; e

2) se o empregador determinar que o empregado intermitente fique à sua dispo-sição, ainda que fora das dependências da empresa, haverá descaracterização do regime intermitente, hipótese em que todas as regras relativas ao contrato comum deverão ser aplicadas. A ideia é a de que a contratação intermitente seja efêmera, de curta duração, o que a incompatibiliza com períodos em que o empregado, mesmo fora do serviço, tenha de permanecer à disposição do empregador.

A respeito da rescisão contratual, não há qualquer regra específica, o que, além de criar situação de completa insegurança (a trabalhadores que já desem-penham seus serviços em condições instáveis, precárias), impõe a utilização das regras aplicáveis às demais modalidades contratuais, naquilo que for compatível com o regime intermitente.

No período de 14 de novembro de 2017 a 23 de abril de 2018 (em que vigorou a Medida Provisória n.º 808/2017), havia diversas previsões a respeito da rescisão contratual, que podem, eventualmente, servir como inspiração para casos con-cretos, embora elas sejam bastante questionáveis. Vamos a elas.

Se a inatividade atingisse um ano (ou seja, se o empregado ficasse por um ano sem ser chamado pelo empregador), o contrato poderia ser considerado rescin-dido “de pleno direito”. A expressão vem entre aspas porque se trata de uma for-ma inusitada de rescisão, em que não se reconhece a dispensa ou o pedido de demissão pelo empregado, as formas clássicas de rompimento do contrato de trabalho. A ideia do legislador foi no mínimo criticável, pois se o trabalhador não

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é chamado, a iniciativa da rescisão é do empregador, já que, a partir do momento do registro como empregado, é do patrão que se espera o chamado:

Art. 452-D. Decorrido o prazo de um ano sem qualquer convocação do empregado pelo empregador, contado a partir da data da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, o que for mais recente, será considerado rescindido de pleno direito o contrato de trabalho intermitente.

Também enquanto vigente a MP n.º 808/2017, o legislador previa o seguinte:

Art. 452-E. Ressalvadas as hipóteses a que se referem os art. 482 e art. 483, na hipótese de extinção do contrato de trabalho intermitente se-rão devidas as seguintes verbas rescisórias: I - pela metade: a) o aviso prévio indenizado, calculado conforme o art. 452-F; eb) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, prevista no § 1º do art. 18 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990; e II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas. § 1º A extinção de contrato de trabalho intermitente permite a mo-vimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei nº 8.036, de 1990, limitada a até oitenta por cento do valor dos depósitos. § 2º A extinção do contrato de trabalho intermitente a que se refere este artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.

Comparando as disposições retro com o disposto no novo artigo 484-A da CLT (também estudado neste curso), observamos que o legislador, exclusivamente no período em que vigorou a MP n.º 808/2017, igualou as verbas devidas no caso do encerramento do contrato de trabalho intermitente com as inerentes à nova rescisão “por acordo entre empregado e empregador”.

A solução dada também é criticável. É que, se na rescisão por acordo existe uma justificativa para que o trabalhador não receba na integralidade as verbas que lhe seriam devidas em caso de rescisão imotivada (aviso prévio e multa de 40%, saque integral dos depósitos de FGTS e habilitação no seguro-desemprego), no caso do regime intermitente, ela, justificativa, não está presente. Nessa situação, podemos estar diante de uma situação em que uma modalidade de contrato já precarizante teria seus efeitos nocivos maximizados, pois o trabalhador intermi-tente, que já recebe uma gama de direitos inferior ao padrão mínimo, receberia menos que o que lhe seria realmente devido por ocasião da rescisão do contrato. Ficaria, aliás, sem direito ao seguro-desemprego, a despeito da regra prevista no artigo 7º, II, da Constituição Federal, que assegura a todo trabalhador “seguro--desemprego, em caso de desemprego involuntário”, sem qualquer distinção.

As “demais verbas trabalhistas” de que cuidou o dispositivo diziam respeito à gra-tificação natalina (13º salário) e férias com 1/3. Porém, aqui ficou evidente mais uma impropriedade do legislador, que, por sorte, deixou de vigorar com a perda da eficácia da Medida Provisória n.º 808/2017. Afinal, como já observado no §6º do artigo 452-A introduzido na CLT, tais veras devem ser pagas ao trabalhador a cada adimplemento salarial, o que quer dizer que, no momento da rescisão, elas já teriam sido antecipadas pelo empregador.

A base de cálculo das verbas rescisórias, tema a respeito do qual a Lei n.º 13.467/2017 foi completamente silente, também foi objeto da MP 808/2017, so-lução que vinha inscrita no artigo 452-F da nova CLT:

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Art. 452-F. As verbas rescisórias e o aviso prévio serão calculados com base na média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato de trabalho intermitente.§ 1º No cálculo da média a que se refere o caput, serão considerados apenas os meses durante os quais o empregado tenha recebido parce-las remuneratórias no intervalo dos últimos doze meses ou o período de vigência do contrato de trabalho intermitente, se este for inferior. § 2º O aviso prévio será necessariamente indenizado, nos termos dos § 1º e § 2º do art. 487.

A solução, mesmo tendo perdido eficácia juntamente com a MP 808/2017, pode ser utilizada pelo julgador, como forma de suprir a omissão legislativa hoje ve-rificada. Até porque ela vai ao encontro do raciocínio normalmente utilizado nas rescisões contratuais em geral, em que a média salarial paga ao empregado nos meses que antecedem à rescisão é usada como base para o pagamento da rescisão. A peculiaridade é que deverão ser considerados para a composição da média, no caso do trabalhador intermitente, tão somente os meses trabalhados, excluídos os períodos de inatividade.

Assim, utilizando o raciocínio que hoje não é expresso na lei (mas que o foi até 23.04.2018): o valor da rescisão terá por base as médias pagas ao empregado intermitente nos meses em que houve prestação de serviços. Exemplificando: se, no último ano de contrato, o empregado foi convocado para trabalhar por dois meses, de forma alternada, com um ganho de R$400,00 (quatrocentos reais) em um mês e de R$600,00 (seiscentos reais) no outro, a média para o pagamento da rescisão será de R$500,00 (quinhentos reais), e não a que resultaria da divisão de R$1.000,00 (um mil reais) – o total pago no ano –, por doze meses.

No exemplo, a rescisão comportaria: aviso prévio, necessariamente indenizado, no valor de R$500,00 (quinhentos reais), a multa de 40% (quarenta por cento) sobre o FGTS, que, no caso, foi de R$80,00, ou seja, 8% sobre os ganhos), no to-tal de R$32,00 (trinta e dois reais), mais o saque do FGTS depositado, ou seja, R$80,00 (oitenta reais). Não se falaria, assim, na utilização, ao trabalhador in-termitente, das regras dispostas no artigo 484-A da CLT, na medida em que seria inaplicável a rescisão por comum acordo, como forma de proteger o empregado submetido a tão precária forma de contratação.

Com a finalidade de evitar fraudes, o legislador chegou a dispor, no artigo 452-G, que somente vigorou no período de eficácia da MP n.º 808/2017, que:

Art. 452-G. Até 31 de dezembro de 2020, o empregado registrado por meio de contrato de trabalho por prazo indeterminado demitido não poderá prestar serviços para o mesmo empregador por meio de con-trato de trabalho intermitente pelo prazo de dezoito meses, contado da data da demissão do empregado.

A regra servia, de alguma forma, como meio de proteção dos atuais empre-gados submetidos a contratação regular: proibia-se ao empregador que, até 31.12.2020, ou após dezoito meses da rescisão contratual (o que ocorresse pri-meiro), contratasse empregado por meio de pacto intermitente, caso o mesmo trabalhador tenha sido seu empregado em regime regular. Por exemplo: se o empregador tivesse dispensado um empregado regular no dia 30.03.2018, não poderia contratá-lo na modalidade intermitente até o dia 30.09.2019, ou seja, dezoito meses depois de sua dispensa. Porém, se esta viesse a ocorrer no dia 31.12.2019, por exemplo, já no dia 1º.01.2021 o empregador poderia, pela regra que vigeu entre 14 de novembro de 2017 e 23 de abril de 2018 (MP n.º 808/2017), contratar o mesmo trabalhador pela via do contrato intermitente.

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Hoje, sem qualquer restrição a respeito, torna-se possível ao empregador dis-pensar trabalhadores submetidos ao regime de contratação comum por empre-gados intermitentes, sem qualquer período de “carência”, o que, por certo, deve contribuir apenas para a intensificação da precarização da mão-de-obra e a sen-sação de insegurança por parte da classe trabalhadora.

Por fim, também apenas enquanto vigorou a MP n.º 808/2017, existiram duas regras importantes, mas de discutível validade, previstas no artigo 911-A, §§1º e 2º da CLT reformada, que estabeleciam:

§ 1º Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no perío-do de um mês, independentemente do tipo de contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a re-muneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que in-cidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador.§ 2º Na hipótese de não ser feito o recolhimento complementar pre-visto no § 1º, o mês em que a remuneração total recebida pelo segu-rado de um ou mais empregadores for menor que o salário mínimo mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos be-nefícios previdenciários.

Ou seja, de acordo com a regra que vigorou somente entre 14 de novembro de 2017 e 23 de abril de 2018:

1) se o trabalhador recebeu durante um mês de prestação de serviços menos que o valor do salário mínimo (o que certamente ocorreu nos casos de contra-tação intermitente, em que os valores são baixos e esporádicos), teve a opção de recolher ao INSS a contribuição previdenciária sobre a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal; e

2) se a complementação mencionada no item “1” não ocorreu, o valor já retido e recolhido pelo empregador sobre o pagamento efetuado não será considera-do para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado.

Tais regras são absolutamente nocivas ao trabalhador intermitente. Ainda bem, foram extirpadas do ordenamento com a perda da eficácia da MP n.º 808/2017. Afinal, não bastasse a falta de razoabilidade da previsão que impõe àquele que ganha um exíguo valor o recolhimento ao INSS para atingir o valor mínimo exi-gível, ainda se previu que fosse desconsiderado o valor recolhido sobre o baixo vencimento pago, em típica situação de apropriação indébita pelo Governo, pois a contraprestação (acesso ao regime previdenciário) não será oferecida.

Exemplificando o período regulado pela MP 808/2017: se o empregado ganhou, em determinado mês, R$500,00 (quinhentos reais), sofreu a retenção legal de 8% (oito por cento) a título de INSS, ou seja, R$40,00 (quarenta reais) que devem ter sido repassados à Previdência Social. Para obter acesso ao sistema previdenciá-rio, teria de recolher mais 8% (oito por cento) de R$454,00 (quatrocentos e cin-quenta e quatro reais), que era a diferença para o salário mínimo então vigente (R$954,00). Caso não o tenha feito, não só deixará de ter direito à contagem do tempo de serviço e a algum benefício previdenciário (auxílio-doença, aposenta-doria, etc), como também perderá o valor que lhe foi retido (R$40,00).

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Na atualidade, a situação é de completa insegurança, pois não há mais qualquer dispositivo tratando especificamente do regime previdenciário aplicável ao tra-balhador intermitente.

É oportuno observar, por fim, que a constitucionalidade da contratação inter-mitente é objeto de diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), to-das elas reunidas em uma, a ADI n.º 5826, movida pela Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo – FENEPOSPETRO.

Na referida ação, o que se argumenta é que a nova modalidade de contrato é in-constitucional por servir como forma de fragilização dos direitos dos trabalhado-res e retrocesso vedado pelo artigo 7º da Constituição Federal. Porém, o parecer da Procuradoria Geral da República, depois de considerar prejudicada a discus-são quanto aos dispositivos da MP n.º 808/2017, no mérito seguiu linha diversa daquela encampada pela entidade autora, destacando a constitucionalidade da nova forma de contratação, nos seguintes termos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO DO TRABALHO. LEI 13.467/2017. MEDIDA PROVISÓRIA 808/2017. REFORMA TRABALHISTA. PRELIMINARES. [...] MP 808/2017. PERDA DE EFICÁCIA POR DECURSO DE PRAZO. PARCIAL E SUPERVENIENTE CARÊNCIA DO OBJETO DA AÇÃO. MÉRITO. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE. ALEGAÇÃO DE FRAGILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS E OFENSA AO PRINCÍPIO DO RETROCESSO. INOCORRÊNCIA. REMUNERAÇÃO DO TRABALHO INTERMITENTE PROPORCIONAL AO SALÁRIO MÍNIMO PREVISTO PARA A JORNADA CONVENCIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE. AUSÊNCIA. [...] Preliminar. A perda da eficácia da MP 808/2017, por decurso do prazo do art. 63 - §3º da Constituição, enseja superveniente perda de objeto da ação quanto aos correspondentes dispositivos impugnados, remanescendo a ação quanto aos dispositivos do complexo normati-vo originalmente inseridos pela Lei 13.467/2017. Precedentes. 4. Mérito: a mera incorporação de modelo que difere da contratação convencional e o fato de a prestação de serviços – no contrato inter-mitente – acontecer de forma descontínua não acarretam a automá-tica conclusão de que a modalidade redunda em fragilização das re-lações trabalhistas ou na diminuição da proteção social conferida aos trabalhadores. 5. Mérito: a instituição da modalidade de trabalho intermitente não consubstancia fragilização das relações de emprego ou ofensa ao princípio do retrocesso, tendo em vista que a inovação pode resultar em oportunidades e benefícios para ambas as partes envolvidas no vínculo de trabalho: empregadores e empregados. 6. Mérito: não há impeditivo à implementação da jornada intermiten-te, desde que garantido o consequente pagamento proporcional ao trabalho prestado, tomando-se como base o salário mínimo previsto para a jornada convencional. É dizer: assegurado o salário mínimo pelo tempo trabalhado (por valor horário, diário ou mensal) na mes-ma proporção do que deveria ser pago na contratação regular, não há falar em ofensa ao texto constitucional. - Parecer preliminar pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela improcedência do pedido.

O julgamento da ADI 5826 está designado no Supremo Tribunal Federal para o dia 12.06.2019, e certamente será um importante divisor de águas em assunto de extrema relevância social no país.

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O TRABALHADOR “HIPERSUFICIENTE”.

É clássica, no Direito do Trabalho, a conceituação do trabalhador como “hipossu-ficiente”, ou seja, ocupante de condição econômica inferior à de seu empregador, no âmbito do contrato de trabalho. Aliás, é essa a distinção que direciona pratica-mente todo o Direito do Trabalho, construído para suplantar, no meio jurídico, a clara desigualdade entre as partes no meio fático. Também é daí que se extraem dois princípios de enorme relevância para o Direito do Trabalho: o da proteção e o da irrenunciabilidade de direitos, que praticamente distinguem o Direito do Trabalho de qualquer outro ramo do Direito.

Tais princípios indicam, a um lado, que toda interpretação da lei deve ter por norte o que seja mais favorável ao economicamente mais fraco – com a garantia de manutenção dos direitos conferidos no curso da relação de emprego –, e, por outro, que serão considerados inválidos atos que indiquem renúncia a direitos no decorrer da relação empregatícia.

Precisamente em relação à irrenunciabilidade de direitos, embora a CLT preveja a possibilidade de negociação entre patrão e empregado, dispõe que tal ajuste não poderá desrespeitar as disposições de proteção ao trabalho, nem direitos negociados pela categoria a que pertence o empregado. É o que se extrai da clássica disposição do artigo 444 da CLT:

Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de li-vre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contra-venha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes. (destaque apenas da transcrição)

Porém, embora a existência de uma legislação tutelar seja inerente ao Direito do Trabalho – pelas próprias razões de seu surgimento, especialmente voltadas para a imposição de limites à intensa exploração do trabalho humano empreen-dida pelos detentores dos meios de produção –, muitos discutem se ela ainda é conforme a realidade vigente. O que se questiona é se, na atualidade, o tra-balhador já não teria adquirido certa “emancipação”, a justificar uma mudança no direcionamento da elaboração do próprio Direito do Trabalho. Ou, em outras palavras, se a CLT ainda comporta regras proibitivas, tutelares, e que impedem que empregados e empregadores negociem cláusulas do contrato, sem o risco de a negociação ser invalidada pela Justiça do Trabalho.

Nesse ponto, não é demais afirmar que tanto a Lei n.º 13.467/2017 como a Medida Provisória 808/2017 (que, como observado, já perdeu sua eficácia) mu-daram radicalmente a legislação trabalhista. A modificação foi tal, ao ponto de se colocar em questionamento a própria estrutura tutelar do Direito do Trabalho. Isso porque a nova lei passou a estabelecer a possibilidade de alguns trabalha-dores negociarem mais livremente suas condições de trabalho.

A forma encontrada para essa espécie de “divisão” entre trabalhadores que po-dem e trabalhadores que não podem negociar direitos foi o ganho mensal de uns e outros. Assim, o novo parágrafo único do artigo 444 da CLT passou a prever que:

A livre estipulação a que se refere o caput deste artigo aplica-se às hipóteses previstas no art. 611-A desta Consolidação, com a mes-ma eficácia legal e preponderância sobre os instrumentos coleti-vos, no caso de empregado portador de diploma de nível supe-rior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes

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o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. (destaque da transcrição)

Caput é uma expressão em latim que significa “cabeça”. Para quem opera no Direito, “cabeça” é a disposição principal do artigo, que, no caso do artigo 444 da CLT, é a previsão transcrita no início deste tópico.

Em relação ao conteúdo da regra, em si, o que se observa é que a lei introduz um verdadeiro “divisor de águas” em relação ao regime até então vigente, estabele-cendo seu grau de ingerência conforme a condição do empregado: se for porta-dor de diploma de nível superior e tiver salário mensal igual ou superior a duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (em março de 2019, R$11.678,90), poderá, pela nova lei, estipular livremente as condições de trabalho, podendo inclusive negociar direitos estabelecidos previamente por acordos coletivos e convenções coletivas firmadas pela categoria a que pertence.

Mais adiante, estudaremos quais são as matérias reservadas pelo legislador em que a negociação coletiva poderá sobrepor-se à lei (elas estão no artigo 611-A da nova CLT). Por ora, podemos dizer que, para o trabalhador que já vem sendo chamando de “hipersuficiente” (uma espécie de contraponto à terminologia até então usada para todo e qualquer empregado, hipossuficiente), será possível ne-gociar matérias para além do que as próprias categorias (profissional e patronal) negociaram anteriormente por acordos coletivos e convenções coletivas.

A nova qualificação, porém (trabalhador “hipersuficiente”), merece alguma crítica.

A hipossuficiência ou hipersuficiência não deve ser definida em relação a algum padrão social de conduta previamente estabelecido, mas em comparação exclu-sivamente com o outro contratante. Ou seja: não é o fato de o salário ser elevado para os padrões de determinada sociedade que torna o empregado, no âmbito de seu contrato, alguém em condições de negociar em pé de igualdade com seu contratante. O que o define como tal é a sua posição perante o empregador.

Evidentemente, se determinada empresa tem condições de pagar a um trabalha-dor um valor mensal elevado, certamente também tem um poderio econômico bastante elevado, tão grande que pode sobrepor-se a qualquer negociação com o trabalhador. Em palavras mais simples, podemos dizer que alguém que pode pagar um salário elevado (pouco mais de R$11.000,00 mensais), tem um poderio econômico certamente muito elevado. Ao mesmo tempo, a noção de “depen-dência” que caracteriza a relação de emprego não deixa de existir, mantendo--se o empregado de “alto escalão” do mesmo modo subordinado aos interesses empresariais.

O receio é que essa suposta igualdade trazida com a nova lei sirva, no final das contas, como uma forma de maximização da exploração daquele que vem sendo chamado de “hipersuficiente”. Que, por receber um alto salário, acabaria se sub-metendo a qualquer condição, muitas vezes até mesmo por se considerar um alto custo para seu patrão (e por temer o elevado desemprego).

Por outro lado, não podemos esquecer que o cidadão mais instruído terá maior condição de avaliar as consequências de determinada alteração contratual. E se

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ele tiver condições de efetivamente negociar as cláusulas com seu patrão (e não de simplesmente aceitá-las), de fato poderemos avançar, conferindo-se um grau de liberdade mais elevado para tal trabalhador.

Em síntese, será necessário avaliar o caso concreto. Se, de fato, o trabalhador não for submetido à aceitação de qualquer condição para manter seu emprego – o que precisará ficar demonstrado em eventual discussão sobre seu contrato –, será possível validar-se a cláusula negociada com seu empregador.

A CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE ARBITRAGEM.

Seguindo a diretriz de distinção entre a liberdade no contrato de emprego con-forme o ganho do empregado, o legislador reformista também passou a dispor no artigo 507-A da CLT que:

Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja supe-rior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do emprega-do ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (o destaque não está no original)

Perceba que, na situação ora analisada, o legislador não mais faz menção ao fato de o empregado ser “portador de diploma de nível superior”. Assim, basta que seus ganhos mensais superem o dobro do limite máximo para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social para que ele submeta-se à regra transcrita.

Interpretando o artigo 507-A da CLT modificada, podemos dizer que o emprega-do ali considerado poderá resolver problemas relacionados à sua relação contra-tual com o empregador por uma forma privada de solução de conflitos conheci-da por “arbitragem”, não sendo, pois, submetidos ao Poder Judiciário.

Na arbitragem, os próprios contratantes escolhem a pessoa que decidirá as controvérsias existentes no contrato. Tal pessoa chama-se árbitro, deverá ter a confiança das partes, e será uma espécie de “juiz” do caso. Sua decisão terá “os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário” (confor-me o artigo 31 da Lei n.º 9.307/1996), o que quer dizer que, se houver descum-primento do que ficar decidido, a parte prejudicada poderá valer-se da Justiça do Trabalho para obter a satisfação de seu direito.

É evidente que a arbitragem não poderá ser usada como forma de fraudar di-reitos do trabalhador envolvido. Consequentemente, se, no caso concreto, ela for usada indevidamente pelas partes envolvidas, caberá ao lesado utilizar-se da Justiça do Trabalho para a invalidação do procedimento. Neste caso, estando comprovada a ilegalidade do ato, o Poder Judiciário poderá analisar toda a ques-tão que lhe for submetida.

Por fim, é importante destacar que a sujeição à arbitragem não pode ser im-posta pelo empregador. O trabalhador deverá, no mínimo, concordar expres-samente, o que torna recomendável que a pactuação observe a forma escrita. Obviamente, esta concordância também deverá ser analisada com cautela. Se, no caso concreto, ficar demonstrado que o trabalhador foi forçado ou induzido em erro ao aceitar, ou, ainda, se aceitou apenas para não perder o emprego, será

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possível invalidar a própria cláusula de concordância com a utilização da arbitra-gem, hipótese em que o interessado poderá valer-se do próprio Poder Judiciário para a obtenção de seu direito.

Fique atento: existe uma diferença importante em Direito do Trabalho entre sa-lário e remuneração. Enquanto aquele compõe exclusivamente as verbas pagas ao empregado como contraprestação de seu trabalho mensal, a remuneração abrange o salário mais as verbas pagas por terceiros, como gorjetas.

O observador atento perceberá que, enquanto no artigo 444, parágrafo único, da CLT, o legislador trata daquele que recebe “salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, no artigo 507-A a menção se dá àqueles “cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

A VESTIMENTA E A HIGIENIZAÇÃO DO UNIFORME DE TRABALHO.

Tudo aquilo que o empregado tiver de utilizar para o exercício de sua função será considerado uniforme. Por outro lado, também compõem o uniforme os adereços, acessórios e complementos que tenham relação com a aparência do empregado, tal como fitas de cabelo, cinto, sapatos, meia-calça, maquiagem, etc.

Há correntes doutrinárias que defendem que o empregador deva fornecer o uni-forme ao empregado de forma gratuita, uma vez que os custos do empreendi-mento não devem ser transmitidos aos empregados. Mas há corrente minoritária em sentido diverso, apontando que o empregador pode cobrar do empregado o valor do uniforme, desde que se trate de cobrança de valor razoável/módico, re-ferente ao custo da peça, não se admitindo possa o empregador lucrar em cima do empregado. Assim, segundo essa corrente, há apenas quatro exceções na lei que determinam a entrega do uniforme de forma gratuita por parte do empre-gador. São elas: bombeiro civil, vigilante, aeroviário e aeronauta.

O uniforme não possui natureza salarial. Mas deve ser destacado que, quando o empregador, de forma habitual, fornece ao empregado gratuitamente peças de vestuário que não são utilizadas para a execução do seu trabalho, aí teremos configurado o salário in natura.

Por outro lado, a Constituição Federal prevê e resguarda os direitos irrenunciá-veis da personalidade (nome, imagem, aparência, etc...). Diante de tal afirmação, a conclusão lógica é de que qualquer pessoa deveria ser remunerada por na hi-pótese de associação da sua imagem a marcas e empresas.

Contudo, com a entrada em vigor da Lei n.º 13.467/2017 (reforma trabalhista), passou a existir expressa previsão legal de que o empregador pode definir o padrão de vestimenta no ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logomarcas da própria empresa ou empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada. Trata-se do artigo 456-A da CLT, que dispõe:

Art. 456-A. Cabe ao empregador definir o padrão de vestimenta no meio ambiente laboral, sendo lícita a inclusão no uniforme de logo-marcas da própria empresa ou de empresas parceiras e de outros itens de identificação relacionados à atividade desempenhada.

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Parágrafo único. A higienização do uniforme é de responsabilidade do trabalhador, salvo nas hipóteses em que forem necessários procedi-mentos ou produtos diferentes dos utilizados para a higienização das vestimentas de uso comum.

Da leitura do referido artigo extrai-se, então, que o empregado não terá direito a receber indenização ou pagamento em razão da exposição/associação da sua imagem às referidas logomarcas quando inseridas no uniforme. Ressaltamos que situação diversa encontramos quando a imagem do empregado é utilizada para fins comerciais do empreendimento (artigo 20, do Código Civil), sendo necessá-ria inclusive prévia autorização do trabalhador.

É necessário ponderar também que deve haver bom senso por parte do empre-gador quando faz exigências do padrão de vestimenta, posto ser inadmissível a imposição do uso de uniformes que exponham o trabalhador ao ridículo ou constrangimento.

Da mesma forma, deverá haver um bom senso por parte do empregador quan-do fizer determinações acerca do padrão visual do empregado (por exemplo, proibição de tatuagem e cabelos longos, barba curta ou feita, etc...). O equilíbrio significa sopesar os valores que a empresa possui (e quer transmitir a terceiros) e os direitos da personalidade do trabalhador, que evidentemente não perde a condição humana ao se tornar empregado de alguém.

Por fim, como visto, com a reforma trabalhista, a CLT passou a prever também que caberá ao próprio empregado se encarregar de fazer a higienização do seu uniforme, salvo nos casos em que forem necessários procedimentos ou produtos diferentes dos convencionais para a referida higienização.

Tal previsão legal surgiu em um cenário no qual era comum vermos reclamações trabalhistas nas quais os empregados requeriam a condenação do empregador a indenizá-los pelos gastos que tinham com tal manutenção/lavagem de unifor-me. Isso porque o empregador é que assume os riscos da atividade econômica (artigo 2º da CLT), não podendo qualquer custo do negócio ser repassado ao empregado. Mas, como visto acima, o legislador ponderou que, na hipótese es-pecífica da higienização do uniforme comum, não há essa transferência de custo. Já para as situações em que a higienização for custosa e diferenciada, caberá ao empregador arcar com tais custos (exemplo: trabalhadores que usem uniformes que tenham contato com elementos radioativos).

Não parece, porém, haver lógica na distinção. Afinal, o já citado artigo 2º da CLT não permite qualquer tipo de distinção ao estabelecer, genericamente, que o empregador deve assumir os riscos da atividade econômica, sejam eles redu-zidos ou não.

A REMUNERAÇÃO E AS PARCELAS QUE A COMPÕEM.

Este é um tema da mais absoluta relevância para o Direito do Trabalho, uma vez que se destina a tratar da contraprestação paga pelo empregador ao trabalha-dor. Assim, ao lado da jornada e da regulação da rescisão, o assunto em questão deve ser tratado com o maior comprometimento possível, até porque é a partir da definição da correta base salarial do empregado que se acerta o ajuste de to-dos os demais direitos nele baseados (FGTS, férias com 1/3, gratificação natalina, horas extras, etc).

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A CLT dedica os artigos 457 e 458 exclusivamente ao tema em comento, assunto que foi, por sinal, sensivelmente modificado com a reforma trabalhista.

Dispõe o artigo da CLT:

Art. 457 - Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empre-gador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. §1o Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador. §2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, di-árias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. §3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados. §4o Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empre-gador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao or-dinariamente esperado no exercício de suas atividades.

Analisemos, então, todas as peculiaridades dispostas pelo legislador.

Salário é a contraprestação paga pelo patrão ao trabalhador em razão do con-trato de trabalho. É paga, como regra, em dinheiro. Mas, pode ser paga em uti-lidades, desde que observadas algumas restrições, tal como estabelece o artigo 458 da CLT:

Art. 458 - Além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação, habitação, vestuário ou ou-tras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado. Em caso algum será permitido o pagamento com bebidas alcoólicas ou drogas nocivas. 1º Os valores atribuídos às prestações “in natura” deverão ser justos e razoáveis, não podendo exceder, em cada caso, os dos percentuais das parcelas componentes do salário-mínimo (arts. 81 e 82). § 3º - A habitação e a alimentação fornecidas como salário-utilidade deverão atender aos fins a que se destinam e não poderão exceder, respectivamente, a 25% (vinte e cinco por cento) e 20% (vinte por cen-to) do salário-contratual. § 4º - Tratando-se de habitação coletiva, o valor do salário-utilidade a ela correspondente será obtido mediante a divisão do justo valor da habitação pelo número de co-habitantes, vedada, em qualquer hi-pótese, a utilização da mesma unidade residencial por mais de uma família.

Assim, é muito importante deixarmos claro, desde já, que salário é uma expres-são bastante abrangente, que tanto se compõe pelo valor fixo mensalmente ajustado com o empregado como pela soma dele com outras utilidades, tais quais aquelas delineadas pelo artigo 458 e §§1º, 3º e 4º da CLT.

Mas no salário também podem estar incluídas outras parcelas, como as gratifica-ções legais e as comissões pagas pelo empregador. Assim, tudo o que for pago pelo empregador como contraprestação do serviço, seja em valor fixo, seja variável, é salário. Nesse caso, adicional de insalubridade, adicional de transferên-

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cia e adicional de periculosidade, por corresponderem a contraprestações pagas pelo empregador em razão do trabalho desempenhado em condições mais gra-vosas ao empregado, devem integrar seu respectivo salário.

Remuneração já é um conceito mais amplo: abrange todas as parcelas salariais devidas diretamente pelo empregador ao empregado, somadas aos pagamen-tos feitos ao empregado por terceiros. O maior exemplo de pagamento dessa natureza é a gorjeta.

A gorjeta é um valor pago por terceiro (não pelo empregador) ao trabalhador, em razão de bons serviços prestados durante a jornada de trabalho deste. A gor-jeta não constitui receita própria do empregador, pois se destina aos trabalha-dores, devendo ser distribuída conforme a vontade destes. Há gorjetas cobradas na nota pelo empregador aos clientes (chamadas de gorjetas compulsórias, caso dos “10%” incluídos na nota fiscal em bares e restaurantes), assim como há as gorjetas pagas por mera liberalidade pelo cliente (que são chamadas de gorjetas facultativas).

Pelo ordenamento jurídico brasileiro, não há qualquer lei que obrigue o cliente a pagar gorjetas. E a Lei n.º 13.419/2017, que passou a regular o instituto em 13.03.2017, estabelecendo todas as diretrizes para seu respectivo pagamento, foi quase que totalmente revogada a partir de 11.11.2017, quando entrou em vigor a reforma trabalhista.

Nesse sentido, podemos dizer que, na atualidade, as gorjetas devem ter sua re-gulação fixada por instrumentos de negociação coletiva, como os acordos e as convenções coletivas, ou individualmente, entre patrões e empregados. O que se deve ter por certo é que o valor das gorjetas é de propriedade do trabalhador, sendo ilícita, em princípio, sua apropriação, mesmo parcial, pelo empregador, ex-ceto no que disser respeito ao percentual legalmente fixado para fins de recolhi-mento da contribuição previdenciária, tal como disposto no artigo 28 da Lei n.º 8.212/1991, que define o “salário-de-contribuição”, ou seja, a base de incidência da contribuição previdenciária:

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição: I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais em-presas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decor-rentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;

A importância de se estabelecer a diferença entre salário e remuneração está no fato de que, a depender da disposição legal sobre o assunto, o valor de de-terminada verba devida pelo empregador ao empregado deve contemplar, ou não, as gorjetas. Exemplificando: enquanto em relação ao aviso prévio o legis-lador estabelece que o respectivo pagamento deve ser efetuado com base nos “salários” (CLT, Artigo 487, §1º), no que diz respeito às férias o regramento legal aplicável (CLT, Artigo 142), dispõe que “o empregado perceberá, durante as férias, a remuneração que lhe for devida na data da sua concessão”. Ao mesmo tempo, também o adicional noturno, as horas extras e o repouso semanal remunerado devem ser calculados exclusivamente com base no salário, tal como disposto nos artigos da CLT que tratam desses assuntos.

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Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 354, estabele-cendo as parcelas que devem gerar a repercussão do pagamento das gorjetas:

GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES. As gorjetas, co-bradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontane-amente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.

Por outro lado, há parcelas que, ainda que recebidas de forma habitual, não in-tegram a remuneração nem o salário, e, ao contrário do que ocorre com tais verbas, não constituem base de incidência de encargo trabalhista e previdenci-ário e, portanto, não devem ser utilizadas para compor o valor das férias, do 13º salário ou das demais parcelas salariais. Elas vêm dispostas no já transcrito §2º do artigo 457 da CLT (“As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário”), mas também serão localizadas nos §§2º e 5º do artigo 458 da CLT. Vejamos, primeiramente, as parcelas destaca-das no §2º do artigo 457 da CLT.

1) Ajuda de custo e diárias para viagem:

É todo e qualquer valor pago para ressarcir gastos que o empregado tem com a execução do seu trabalho. Divisa-se, assim, clara natureza indenizatória (ou seja, de mero ressarcimento), não havendo, portanto, contraprestação alguma ao em-pregado, mas mero custeio de despesas decorrentes da atividade (são exemplos: gasolina ou pedágio para deslocamento, passagem de avião, de ônibus, gastos com alimentação durante alguma viagem, etc).

Antes ou depois da reforma trabalhista, o legislador atribui caráter indenizatório a tais parcelas. Porém, antes da reforma, assim também especificamente no pe-ríodo de vigência da MP n.º 808/2017 (14.11.2017 a 23.04.2018), a lei estabelecia uma limitação da ajuda de custo a 50% (cinquenta por cento) da remuneração mensal do empregado, para que fosse considerada realmente indenizatória. Embora o objetivo fosse evitar fraudes (pois há empregadores que atribuem o nome de “ajuda de custo” para parcelas que servem como contraprestação), o limite fixado não tinha razão de ser. Afinal, se estivesse comprovado que o va-lor pago a título de ajuda de custo realmente havia se destinado ao custeio de despesa, não seria correto utilizá-lo como base salarial, independentemente do valor, simplesmente porque não se trata, no caso, de verdadeira contraprestação. Assim, é mais correto não se estabelecer qualquer limite, mantendo, por outro lado, a necessidade de comprovação da despesa que originou o pagamento, sob pena de se ter o valor por salarial.

Em síntese, aplica-se ao caso o já mencionado princípio da primazia da realidade sobre a forma, o que quer dizer que, se no caso concreto ficar demonstrado que todo o valor pago ao empregado a título de ajuda de custo, mesmo superior a 50% (cinquenta por cento) do seu salário, destinar-se efetivamente ao pagamen-to de gastos com a atividade, a natureza salarial (e, portanto, de contraprestação) deverá ser afastada. Ao contrário, em se tratando de parcela habitualmente paga e sob a nomenclatura de “ajuda de custo”, mas sem que tenha um custo decor-rente do trabalho para justificar o seu pagamento, estaremos então diante de verdadeira fraude contratual, com salário camuflado.

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2) Auxílio alimentação:

O nome da verba é auto-explicativo. A lei proíbe expressamente o pagamento do auxílio em dinheiro (se o empregador pagar em dinheiro, a consequência será a atribuição de natureza salarial), mantendo, por consequência, a possibilidade do adimplemento apenas mediante cartão-refeição ou algo que o valha.

Assim, como regra, valores depositados em cartão utilizado pelo trabalhador para pagamento de alimentação não são considerados salariais, salvo caracteri-zação de fraude, que pode ocorrer na hipótese de o empregador camuflar paga-mentos por esse meio.

Independentemente do exposto, e a despeito da aparente simplicidade da re-gra, é de se perguntar: se é do salário que o trabalhador retira o valor para o seu sustento, obviamente que a função principal da contraprestação salarial paga ao empregado é alimentá-lo. Nesse sentido, causa no mínimo alguma estranheza a fixação, pelo legislador, de caráter não-salarial a um benefício nitidamente equi-valente à principal finalidade do próprio salário.

3) Prêmios:

São “as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de de-sempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades” (CLT, Artigo 457, §4º).

Os prêmios modificam um pouco aquela lógica estabelecida no início deste item, quando deixamos claro que toda contraprestação deve integrar o salário do empregado. Em certa situação, determinada contraprestação não será consi-derada salarial. Porém, isso só ocorrerá por excepcionalidade, quando realmen-te se tratar de hipótese extraordinária. Exemplificando: determinado emprega-dor estipula metas, fixando determinadas comissões para aqueles que atingirem os resultados estipulados. Porém, como estímulo, estabelece que o empregado (ou grupo de empregados) que, por exemplo, dobrarem a meta em determinado mês, ganhará uma viagem. Neste específico caso, em que o desempenho é extra-ordinário, não há falar em salário propriamente dito, mas em prêmio.

De toda maneira, se, porventura, o prêmio for pago com alguma regularidade, não se trata de contraprestação por desempenho extraordinário, mas de atuação regular, o que deve ensejar o reconhecimento de que houve descumprimento do requisito legal, hipótese em que o prêmio será considerado como verba salarial.

No período em que vigorou a MP n.º 808/2017, houve maior objetividade do legislador, que delimitou como prêmios apenas as liberalidades concedidas pelo empregador “até duas vezes ao ano, em forma de bens, serviços ou valor em di-nheiro, a empregado, grupo de empregados ou terceiros vinculados à sua ativi-dade econômica em razão de desempenho superior ao ordinariamente espera-do no exercício de suas atividades”.

Nesse caso, superada a periodicidade estabelecida (duas vezes ao ano), já seria possível determinar a natureza salarial da rubrica. Como tal critério objetivo per-deu sua eficácia juntamente com a queda da Medida Provisória n.º 808/2017, a análise dependerá das circunstâncias do caso concreto submetido à apreciação jurisdicional.

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4) Abonos:

A palavra “abono” foi incluída no §2º do artigo 457 da CLT pela lei da reforma tra-balhista, n.º 13.467/17, mas, depois de três dias em vigor, foi novamente excluída da redação do artigo pela Medida Provisória n.º 808/2017. Considerando que a MP n.º 808/2017 deixou de vigorar em 23.04.2018, tem-se o retorno à redação conferida pela Lei n.º 13.467/2017, reativando-se, portanto, a ideia do legislador de excluir os “abonos” do salário do empregado.

Historicamente, abono sempre foi atrelado à noção de antecipação salarial, be-nefício conferido a alguns empregadores por volta da metade do mês. Nesse sentido, não há como negar seu caráter salarial, na medida em que se trata do pagamento antecipado do próprio salário.

A questão é que, ao excluir das parcelas salariais o abono, o legislador ignorou essa lógica. Para piorar, a nova lei não define o que se deve entender por abono, o que apenas atrapalha a interpretação do instituto e dá margem a fraudes. Nesse sentido, indaga-se: se, a partir de agora, o empregador intitular o salário de alguém como “abono” para, de tal modo, fugir da incidência previdenciária correspondente, isso deveria ser considerado licito?

Nenhum empregador tem o poder de alterar a realidade fática, transformando em indenização algo que, por sua própria natureza, é salário. Ou seja: não é o nome atribuído pelo patrão que define a natureza jurídica de determinada par-cela, mas sua real destinação.

O problema é que, no silêncio do legislador quanto ao que vem a ser abono, a única forma de não se desvirtuar o instituto é estabelecer a seguinte lógica: servindo a verba intitulada pelo empregador como “abono” como uma forma de contraprestação a algum trabalho desempenhado pelo empregado, ela deverá ser considerada salarial se for paga com habitualidade. Sem habitualidade, se-ria possível considerá-la prêmio, e, com isso, reconhecer seu caráter meramente indenizatório.

Ao contrário: se determinada verba é chamada de abono pelo empregador, e tem a finalidade de custear alguma despesa, criar alguma espécie de fundo em prol do empregado, ou algo similar, deverá ser considerada indenizatória.

Trata-se, como se vê, de situação que havia sido corrigida com a edição da MP n.º 808/2017 (em que houve a supressão da rubrica do §2º do artigo 457), mas que, atualmente, enfrenta os problemas de interpretação mencionados.

5) Outras verbas de natureza não-salarial:

A CLT também elenca outras verbas de natureza não-salarial, como se observa a seguir:

Art. 458, [...] §2º. Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: I – vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos em-pregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço; II – educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anui-dade, livros e material didático;

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III – transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público; IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada direta-mente ou mediante seguro-saúde; V – seguros de vida e de acidentes pessoais;VI – previdência privada; [...] VIII - o valor correspondente ao vale-cultura.

Como se vê, são utilidades, como regra, concedidas para a execução do trabalho (caso da relação contida nos incisos I e III), ou como meio de incentivo para a prá-tica de atividades não diretamente ligadas ao trabalho, mas que com ele podem se relacionar (caso dos incisos II, IV, V, VI e VIII). Não há, no caso, caráter salarial, o que quer dizer que os valores eventualmente despendidos pelo empregador com as utilidades em questão não devem servir como base para qualquer con-tribuição previdenciária ou para o pagamento de outros direitos que têm como base de cálculo o valor do salário.

A mesma diretriz segue o novo §5º do artigo 458 da CLT, que passa a dispor que:

O valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odonto-lógico, próprio ou não, inclusive o reembolso de despesas com medi-camentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares, mesmo quando concedido em diferentes modalidades de planos e coberturas, não integram o salá-rio do empregado para qualquer efeito nem o salário de contribuição, para efeitos do previsto na alínea q do § 9o do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.

Por fim, cabe um esclarecimento: a CLT prevê, em seu artigo 468 (que não foi, por qualquer modo, alterado com a reforma trabalhista), que, “nos contratos in-dividuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamen-te, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.

Em outros termos: é proibido ao empregador efetuar qualquer alteração contra-tual capaz de gerar, direta ou indiretamente, qualquer prejuízo ao seu emprega-do. Portanto, é vedado ao empregador, por exemplo, reduzir individualmente (coletivamente, sim, mas apenas com observância de requisitos específicos, que com a reforma trabalhista passaram a ser previstos no §3º do artigo 611-A da CLT) o valor pago ao seu empregado a título de salário, sob pena de restar nula a modificação.

Por outro lado, em função da natureza das parcelas indenizatórias (previstas es-pecialmente no §2º do artigo 457), não há qualquer ilicitude no ato do empre-gador que suprime as respectivas rubricas, desde que o pressuposto de fato que ensejou a instituição delas deixe de existir. Por exemplo: se, mensalmente, o em-pregador deposita na conta de um empregado valor destinado ao pagamento de combustível, tal depósito poderá licitamente deixar de ser efetuado se, no caso concreto, o empregado deixar de ter a despesa com combustível.

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO E INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO.

A gratificação de função de confiança, antes da reforma, incorporava-se ao con-trato de trabalho quando era recebida por dez ou mais anos, pelo que não po-

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dia ser suprimida. Na verdade, essa previsão nunca esteve na lei, tratando-se de interpretação conferida pelo Tribunal Superior do Trabalho, em sua Súmula 372, que dispunha:

GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES.I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo em-pregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. II - Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir

Entretanto, com a reforma trabalhista, e consoante a redação do §2º do artigo 468 da CLT, quando o empregado deixa o exercício da função de confiança por determinação do empregador, com ou sem justo motivo, não terá assegurado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente, que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva fun-ção. Aliás, por via reflexa, o legislador reformista também deu uma espécie de “recado” ao Poder Judiciário, quando o assunto é a suposta criação ou extensão de direitos, ao prever, no novo artigo 8º, §2º da CLT, o seguinte:

Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não po-derão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

Ou seja: na visão do legislador, súmulas como a de número 372 do TST tinham o efeito de “criar obrigação que não esteja prevista em lei”, a justificar o novo dispo-sitivo. Porém, como observado na transcrição da Súmula em questão, não houve criação, mas aplicação de um princípio (mais que um princípio, uma verdadeira aspiração) presente em toda a sociedade, consubstanciado na busca pela esta-bilização financeira.

A inspiração do TST tem sentido, especialmente se observarmos que, até hoje, quase trinta anos após a edição da Constituição Federal de 1988, inexiste regula-mentação do direito assegurado no inciso I de seu artigo 7º, que é o da proteção contra dispensa injusta ou arbitrária.

Apenas para frisar, a lei não considera alteração unilateral do pactuado o fato de o empregador reverter o empregado ao cargo efetivo (anteriormente ocupado), deixando o exercício de cargo de confiança (art. 468, § 1º da CLT).

A EQUIPARAÇÃO SALARIAL E DEMAIS CORREÇÕES DE DISTORÇÕES SALARIAIS.

Estabelece o artigo 5º da Constituição Federal que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)” É o princípio constitucional da igualda-de ou da isonomia.

Na mesma toada, segue enaltecendo essa igualdade o artigo 7º, incisos XXX e XXXI da Constituição Federal, que, repudiando qualquer tipo de discriminação no âmbito do direito do trabalho, estabelece:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros

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que visem à melhoria de sua condição social:XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e cri-térios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

Assim, diante desse princípio basilar, nasce o estudo da equiparação salarial, que visa justamente impedir que o trabalho de igual valor, na mesma função, seja remunerado de forma diferente.

O fundamento infraconstitucional para a obtenção da equiparação salarial segue no artigo 461 da CLT que teve a sua redação alterada pela reforma trabalhista. Vejamos a atual redação do referido artigo:

Art. 461. Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, pres-tado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresa-rial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacio-nalidade ou idade.§ 1o Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo emprega-dor não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos.§ 2o Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empre-gador tiver pessoal organizado em quadro de carreira ou adotar, por meio de norma interna da empresa ou de negociação coletiva, plano de cargos e salários, dispensada qualquer forma de homologação ou registro em órgão público. § 3o No caso do § 2o deste artigo, as promoções poderão ser feitas por merecimento e por antiguidade, ou por apenas um destes critérios, dentro de cada categoria profissional.§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de defici-ência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.§ 5o A equiparação salarial só será possível entre empregados con-temporâneos no cargo ou na função, ficando vedada a indicação de paradigmas remotos, ainda que o paradigma contemporâneo tenha obtido a vantagem em ação judicial própria.§ 6o No caso de comprovada discriminação por motivo de sexo ou etnia, o juízo determinará, além do pagamento das diferenças sala-riais devidas, multa, em favor do empregado discriminado, no valor de 50% (cinquenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Antes da reforma trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula n.º 06 para tratar pormenorizadamente da matéria, tamanha a quantidade de conflitos de interpretações referentes ao assunto. Como se verá, em alguns pon-tos o legislador incorporou a interpretação consolidada no TST, mas em outros a sufragou.

Da leitura do referido artigo 461 da CLT, podemos extrair os requisitos para a obtenção da equiparação salarial. São eles: - idêntica função; - trabalho de igual valor (igual produtividade e perfeição técnica); - prestado para o mesmo empre-gador; - no mesmo estabelecimento empresarial; - diferença de tempo na função não superior a 2 anos; - diferença de tempo na empresa não superior a 4 anos; - empregados contemporâneos no cargo ou na função; e - inexistência de plano de cargos e salários.

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Analisemos, um a um, os requisitos mencionados:

1) Idêntica função:

O trabalho em idêntica função para gerar a equiparação salarial deve ser execu-tado com o mesmo feixe de responsabilidades e obrigações. Nesse ponto, cabe distinguir cargo e função. O cargo seria o gênero do qual a função é a espécie. Assim, podemos ter empregados com o mesmo cargo, porém, com diferentes funções (atribuições). Assim, comparando um professor do ensino superior e um professor do ensino fundamental, temos que em ambos os casos o cargo é o mesmo (de professor), contudo, as funções/atribuições/tarefas são distintas.

Seguindo essa linha de raciocínio, mas já adentrando num campo de debate jurídico, há autores que entendem que dois professores universitários têm iden-tidade de cargos entre si, mas se ministrarem disciplinas diversas, então teremos diferença de função (história X matemática, por exemplo), o que impediria a con-cessão da equiparação salarial.

2) Trabalho de igual valor:

Avançando no estudo, o conceito de trabalho de igual valor está relacionado com a igualdade de produtividade e perfeição técnica. Exemplificando, pode-mos ter numa mesma clínica odontológica dentistas que atendem quantidade diversa de clientes, no que já estaria diferenciada a produtividade de um e outro dentista empregado. Porém, dentre esses mesmos dentistas, de pouco adianta-ria conceder maior salário para o que maior número de clientes atende, quando o que tem menor produtividade faz o seu trabalho com perfeição técnica supe-rior, de forma que nenhum cliente precise fazer um retorno para retificações de procedimentos errados. É necessário estudar o caso concreto para concluir se o trabalho de fato tem igual valor.

3) Trabalho para o mesmo empregador:

Caso os empregados comparados (juridicamente intitulados “paragonado”, aquele que quer ser igualado, e “paradigma”, o modelo para fins de equiparação salarial) sejam vinculados a empregadores diversos, por certo que nada justifica-rá a concessão da equiparação salarial.

Mas antes da reforma trabalhista, tal hipótese gerava dúvidas quando eram com-parados empregados de diferentes empresas, porém que pertenciam ao mesmo grupo econômico (empresas que atuam em comunhão de interesses, de forma integrada).

Isso porque muitos autores defendiam e ainda defendem que o grupo econô-mico de empresas atua como um empregador único. Então, poderia haver a concessão da equiparação salarial para trabalhadores de diferentes empresas, porém que atuam no mesmo conglomerado econômico.

Contudo, com a reforma trabalhista, pode ser que tal celeuma desapareça, justa-mente em razão do requisito analisado a seguir.

4) Trabalho prestado no mesmo estabelecimento empresarial:

Antes da reforma trabalhista, a lei previa que a equiparação salarial era devida

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para empregados que laborassem no “mesmo local”. E o conceito de “mesmo local” era considerado o mesmo município ou mesma região metropolitana, conforme a interpretação que foi dada pelo TST (Súmula 6, X). Isso porque o di-ferente custo de vida nas centenas de cidades do país afora justificaria a paga diferenciada.

Todavia, com a reforma trabalhista, o legislador passa a exigir como requisito para fins de equiparação salarial que o trabalho seja executado no mesmo “es-tabelecimento comercial”. Nesse passo, talvez ao longo dos próximos meses/anos os juízes façam interpretações divergentes do que seja o “mesmo estabele-cimento empresarial”, pois no Direito tudo gera diferentes interpretações. Mas se a opção for adotar uma interpretação mais restritiva da lei, o mesmo estabeleci-mento seria a mesma sede/mesma unidade operacional onde são executadas as atividades empresariais.

Chama-se apenas a atenção para o fato de que a lei civil conceitua o que é tec-nicamente um “estabelecimento comercial” no artigo 1.142 do Código Civil, dis-pondo tratar-se de todo o complexo de bens, corpóreos (mercadorias, mesas, mobílias, imóveis) ou incorpóreos (nome comercial, marca, patente, direitos) organizado para o exercício da atividade empresarial (reunião de bens que pos-sibilitam o desenvolvimento da atividade empresarial). A utilização deste concei-to poderá ampliar as possibilidades de reconhecimento da equiparação salarial, que passaria a designar todas as unidades de determinada empresa.

Portanto, a jurisprudência, com o tempo, deverá dizer se o conceito de estabele-cimento será o conceito técnico adotado no direito civil/comercial, ou se o legis-lador trabalhista fez mera referência à mesma unidade operacional.

Na segunda interpretação, a filial da empresa seria estabelecimento diverso da sede da empresa, ao passo que, na primeira vertente (direito civil/comercial), sede e filial formariam o mesmo estabelecimento comercial.

5) Diferença de tempo na função não superior a dois anos; e Diferença de tempo na empresa não superior a quatro anos:

O primeiro mencionado requisito já existia na CLT, não sendo novidade advinda da reforma trabalhista. Assim, deve-se chamar a atenção para o fato de que tem-po na função é diferente de tempo de trabalho na empresa.

O segundo requisito, por sua vez, é uma grande novidade da reforma trabalhista dentro do assunto equiparação salarial. Nesse caso, o intento do legislador pa-rece ser o de prestigiar o empregado que labora há mais tempo em dedicação a um mesmo empregador. Segue um exemplo: considere um trabalhador A admi-tido em 1980 como ajudante geral e que, após uma década de labor na empresa, galgou o cargo de gerente em 1990. Por outro lado, considere um empregado B que foi admitido na empresa em 1990, já no cargo de gerente, tendo ambos as mesmas atribuições enquanto gerentes.

Pela redação antiga do artigo 461 da CLT, a equiparação salarial seria concedida, posto que não há diferença de tempo na função de gerente superior a dois anos. No entanto, com a nova redação do artigo 461 da CLT, tal equiparação salarial não mais é devida. Afinal, apesar de não haver diferença de tempo na função su-perior a 2 anos, o empregado A possui diferença de tempo na empresa superior a 4 anos quando comparado ao trabalhador B.

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6) Empregados contemporâneos no cargo ou na função:

Para que seja reconhecida a equiparação salarial, os empregados comparados devem estar exercendo a mesma função simultaneamente na empresa, no mes-mo período. Pois caso um empregado assuma um cargo que estava vago, nada obriga o empregador a ter de manter o mesmo salário para o novo empregado que passará a ocupar a referida vaga.

Obviamente que situações fraudulentas, que tenham por intuito apenas a preca-rização das condições de trabalho, devem ser reprimidas. Assim, no caso de uma empresa utilizar, por exemplo, da reprovável intenção de dispensar trabalhado-res para substituir seus salários mais elevados por pagamentos inferiores a novos empregados, caberá ao sindicato que representa a categoria afetada atuar na defesa dos interesses dos trabalhadores afetados.

7) Inexistência de plano de cargos e salários:

O plano de cargos e salários, assim como o quadro de carreira, constitui norma criada de forma facultativa por uma empresa para explicitar as hipóteses e crité-rios para promoção, que pode se concretizar por merecimento e/ou antiguidade. Tal norma interna também pode prever a integralidade de cargos, funções e sa-lários de uma empresa, além de toda e qualquer norma referente à organização e hierarquia empresarial.

A partir do momento em que o empregador cria tal norma interna, ela adere ao contrato de emprego do trabalhador. Referida norma pode receber diferentes nomenclaturas, mas se o objetivo da norma é reger os critérios de promoção de um trabalhador, então estará descartada a hipótese de equiparação salarial por expressa previsão legal, na medida em que toda e qualquer promoção e aumen-to de salário serão regidos pela cogitada norma.

De todo modo, caberá, ainda assim, ação judicial para questionamento quanto ao próprio cumprimento do plano de cargos e salários, hipótese em que será, sim, possível a equiparação salarial.

Com a reforma trabalhista, elimina-se expressamente qualquer exigência para que o plano de cargos e salários seja homologado ou mesmo registrado em qualquer órgão público, o que, ao contrário, era tido pela jurisprudência do TST como imprescindível para a validação do sistema, como se observa do inciso I da Súmula n.º 6 daquela Corte Trabalhista:

I - Para os fins previstos no § 2º do art. 461 da CLT, só é válido o qua-dro de pessoal organizado em carreira quando homologado pelo Ministério do Trabalho, excluindo-se, apenas, dessa exigência o qua-dro de carreira das entidades de direito público da administração direta, autárquica e fundacional aprovado por ato administrativo da autoridade competente.

Por outro lado, com a introdução da Lei n.º 13.467/2017, também não há mais a necessidade de que os critérios de promoção sejam alternados entre mereci-mento e antiguidade. Ou seja, o empregador está livre para regular os critérios que melhor lhe aprouverem para efeito de promoção de seus empregados.

8) Empregado readaptado:

Nos termos do § 4º do artigo 461 da CLT, o trabalhador readaptado em nova

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função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão previden-ciário não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.

Desta forma, se um gerente passar a exercer a função readaptada de ajudante geral na empresa, manterá o seu salário de gerente em razão da irredutibilidade salarial, mas outro empregado que atue como ajudante geral não poderá pleite-ar equiparação salarial com o gerente readaptado no mesmo cargo de ajudante.

9) Multa no caso de discriminação:

Com o advento da Lei n.º 13.467/2017, introduziu-se o §6º ao artigo 461 da CLT. Pela nova regra, havendo comprovada discriminação salarial por motivo de etnia ou sexo, além de ser condenado a pagar as diferenças salariais resultantes da equiparação salarial, o empregador também deverá ser compelido a satisfazer multa em valor equivalente a 50% (cinquenta por cento) do teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, que está estipulado, para o ano de 2019, em R$ 5.839,45 (cinco mil oitocentos e trinta e nove reais e quarenta e cinco centavos).

Por certo que o legislador poderia ter incrementado o valor da multa mencio-nada, considerando a repulsa que qualquer discriminação causa, bem como por se tratar de violação a direitos assegurados pela Constituição da República. Mas também é certo que, configurada a discriminação em apreço, o empregador não se verá livre de possível pedido de reparação a título de danos extrapatrimoniais.

10) Paradigma Remoto:

A Lei n.º 13.467/2017 veda a indicação de paradigma remoto para efeito de equi-paração salarial, sendo que a equiparação deve ser pretendida apenas em rela-ção a empregado contemporâneo. Ou seja: o trabalhador não poderá reivindicar a equivalência salarial com empregado com quem não tenha trabalhado.

A atual redação do § 5º do artigo 461 da CLT (reforma trabalhista) vai de encontro com o que estava disposto no inciso VI da súmula 06 do C. TST. Era a chamada equiparação salarial em cadeia. Vejamos:

(...) VI - Presentes os pressupostos do art. 461 da CLT, é irrelevante a cir-cunstância de que o desnível salarial tenha origem em decisão judicial que beneficiou o paradigma, exceto se decorrente de vantagem pes-soal, de tese jurídica superada pela jurisprudência de Corte Superior ou, na hipótese de equiparação salarial em cadeia, suscitada em de-fesa, se o empregador produzir prova do alegado fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito à equiparação salarial em relação ao paradigma remoto.

Assim, mesmo quando havia diferença de tempo na função superior a dois anos entre o paragonado e os paradigmas remotos, não havia impeditivo à equipara-ção. Nem a ausência de convívio com os paradigmas remotos era impeditivo à equiparação salarial do empregado com seus paradigmas imediatos, em relação somente aos quais deveria haver comprovação das exigências estabelecidas em lei.

Mas, como visto, com a reforma trabalhista já não mais é possível apontar pa-radigma remoto, havendo a necessidade, portanto, de que os dois envolvidos laborem de forma contemporânea, no mesmo período.

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Fique atento:

1) Também se aponta como condição para o reconhecimento à equiparação sa-larial que os empregados estejam submetidos ao mesmo regime jurídico, qual seja, o regime celetista, não sendo permitido equiparar empregado celetista com aquele que possui vínculo estatutário.

2) Na hipótese de sucessão de empresas (uma pessoa jurídica compra ou assu-me outra empresa) ou fusão de empresas (duas empresas que se unem ge-rando outra empresa), a partir do momento que os empregados passam a pertencer à mesma empresa, passam a fazer jus à equiparação salarial (desde que presentes os demais requisitos).

3) A lei não dispõe expressamente sobre o número limite de paradigmas a serem apontados nas ações judiciais, não havendo, portanto, restrição a ser imposta pelo julgador, salvo se o número indicado de modelos for elevado ao ponto de dificul-tar a atividade jurisdicional e, portanto, a celeridade na resolução do processo.

4) Consoante o artigo 12, alínea “a” da Lei n.º 6.019/74, ao trabalhador tempo-rário (empregado de empresa de trabalho temporário) é assegurado receber remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora dos serviços. Trata-se de uma forma de equiparação sa-larial entre trabalhadores de empresas diferentes. Já na terceirização residual, genérica, a lei registra para a empresa prestadora do serviço uma faculdade em conceder ou não os salários e benefícios dos empregados da empresa to-madora de serviços, como se observa do artigo 4º-C da Lei n.º 6.019/1974:

Art. 4o-C [...] § 1o Contratante e contratada poderão estabelecer, se as-sim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo. (destaque da transcrição)

Rememoramos que a matéria referente à terceirização já está retratada em tópico específico deste material, estando ali analisada com maior profundidade, inclusi-ve no que diz respeito à constitucionalidade deste último dispositivo transcrito.

Por outro lado, não é demais realçar que a equiparação salarial não se confunde com a chamada equivalência salarial, prevista no artigo 460 da CLT, disposição que não foi alvo da reforma trabalhista. Ocorre a equivalência salarial quando há falta de estipulação do salário ou quando não há prova sobre a importância ajustada. Nessa hipótese, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do que for ha-bitualmente pago para serviço semelhante, independentemente das condições pessoais dos respectivos ocupantes do cargo em relação ao qual se pretende a equivalência salarial.

Ao mesmo tempo, também é importante definirmos, para evitarmos confusões conceituais, os institutos alusivos ao: a) reenquadramento funcional; b) desvio de função; c) acúmulo de função; e d) salário-substituição.

O reenquadramento funcional consiste no ato de se impor ao empregador que realoque determinado trabalhador, em função de inobservância de quadro de carreira ou de plano de cargos e salários. Assim, se, em um caso concreto, deter-minado trabalhador já tiver preenchido os requisitos previstos no plano de car-reira para ser promovido, deve o empregador fazê-lo, sob pena de ser compelido a tanto. Isso decorre do fato de que a regra que prevê o enquadramento funcio-nal tem caráter normativo, sendo, portanto, de observância obrigatória também pelo empregador.

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O desvio de função, por sua vez, consiste na situação a que se submete o em-pregado que, embora contratado para ocupar determinado cargo, é desviado para exercer outro, de distinto grau de responsabilidade. Nesse caso, estando configurada distinção de responsabilidade entre os cargos, desde que o traba-lhador passe a desempenhar atividade mais complexa, é dever do empregador remunerá-lo de acordo com a nova função exercida, sob pena de caracteriza-ção de enriquecimento ilícito. Tal instituto independe da existência de quadro de carreira ou plano de cargos, derivando tão somente da análise das funções concretamente exercidas pelo trabalhador em comparação com aquelas para as quais ele foi contratado.

Já o acúmulo funcional tem lugar quando um empregado agrega às suas atri-buições normais outras funções, aumentando sua esfera de responsabilidade sem deixar as atividades relativas ao cargo para o qual é remunerado. Nesse caso, cabe ao empregador pagar ao trabalhador em tal condição a contrapresta-ção condizente com o acúmulo caracterizado. O valor do acréscimo salarial não é contemplado pela lei, de modo que caberá ao empregador (ou, em caso de judicialização da questão, ao próprio julgador), diante deste tipo de situação, ponderar com razoabilidade quanto ao percentual de aumento que deve ter o trabalhador.

Por fim, cabe menção ao instituto do salário-substituição, que, porém, não pos-sui previsão legal expressa. Trata-se, como a nomenclatura indica, do direito que deve ser reconhecido ao trabalhador que substitui colega que exerce atividade de maior complexidade, consubstanciado em idêntico salário ao que é pago ao substituído enquanto perdurar a substituição.

Embora não haja previsão normativa expressa quanto ao salário-substituição, tal direito decorre do princípio da vedação ao enriquecimento ilícito, que ficaria configurado na hipótese de o trabalhador desempenhar cargo de maior respon-sabilidade (e que, portanto, deve ser melhor remunerado) sem contraprestação correspondente. É o que se extrai também da disposição do artigo 450 da CLT (não modificado com a Lei n.º 13.467/2017):

Artigo 450 da CLT. Ao empregado chamado a ocupar, em comissão, in-terinamente, ou em substituição eventual ou temporária, cargo diver-so do que exercer na empresa, serão garantidas a contagem do tempo naquele serviço, bem como volta ao cargo anterior.

Assim, ampliando o conceito da norma transcrita, o TST desenvolveu, em sua Súmula 159, a ideia de salário-substituição:

SUBSTITUIÇÃO DE CARÁTER NÃO EVENTUAL E VACÂNCIA DO CARGO. I - Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salá-rio contratual do substituído.II - Vago o cargo em definitivo, o empregado que passa a ocupá-lo não tem direito a salário igual ao do antecessor.

Com base nesse entendimento, interpreta-se que os afastamentos regulares, de ocorrência previsível, que ocorrem periodicamente, ensejam o pagamento do salário do substituído. São exemplos: férias, licença maternidade, licença prêmio, etc., pois se tratam de situações previsíveis em uma empresa.

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Por outro lado, há quem diga que as faltas, justificadas ou não, ocorridas em ra-zões de doença ou acidente de trabalho não ensejam o pagamento do salário substituição. Isso porque não se trata de situação esperada, previsível. Porém, não se pode esquecer que a contraprestação deve ser proporcional à comple-xidade do cargo, o que quer dizer que a sujeição de trabalhador à substituição, mesmo efêmera, sem aumento salarial correspondente, pode gerar a responsa-bilidade do empregador.

De todo modo, há quem defenda que, na administração pública, o direito ao salário substituição não deve existir, posto que o empregado substituto não se submeteu a concurso público para ocupar a vaga do substituído. Há também corrente doutrinária que, pelo mesmo motivo, entende não ser possível a equi-paração salarial ou o desvio de função, sob pena de violação da regra constitu-cional do concurso público. O tema é controverso, na medida em que, se preser-va a legalidade da interpretação, ao mesmo tempo possibilita a caracterização de enriquecimento ilícito por parte da administração pública.

Por fim, lembramos que sucessão no cargo ocorre quando há cargo vago, o que não gera direito ao salário do anterior funcionário que ocupava o cargo. Portanto, o trabalhador que passa a ocupar um cargo vago será sucessor e não substituto.

A “TERCEIRIZAÇÃO”:

Quem nunca ouviu falar de “terceirização”, especialmente a partir da década de 1970? Trata-se de um fenômeno inerente ao sistema capitalista que veio para ficar, aplicando-se a todas as áreas da economia. Consiste, como o próprio nome indica, na transferência da atividade produtiva (aí incluídas todas as espécies de prestação de serviços) de uma determinada empresa para terceiros, que, por sua vez, contratam a mão-de-obra necessária à realização de determinado produto ou serviço.

A grande questão é: a terceirização vem para melhorar as relações entre capital e trabalho ou servem apenas para precarizar as condições de trabalho?

A resposta é complexa. Envolve entender o fenômeno terceirizante e, especial-mente, os seus efeitos nas relações de trabalho e em toda a sociedade.

Do ponto de vista empresarial, sempre se defendeu a terceirização como um meio eficaz de aperfeiçoamento da produção. Partindo do pressuposto de que essa espécie de subcontratação pode de fato servir como uma forma de especia-lização de determinada fabricação ou serviço, é mesmo defensável esta ideia. A fabricação de um automóvel é um bom exemplo: como são muitos os compo-nentes de um veículo, é até recomendável, para a qualificação do produto, que suas diferentes partes sejam produzidas por empresas especializadas, que desen-volverão o know-how da respectiva produção. Assim, a montadora especializa-se no desenvolvimento do projeto e de partes específicas do veículo, mas delega a terceiros a produção do pneu, dos vidros, do sistema de freios, etc. Percebe-se aí uma clara tentativa de otimização e especialização na atividade terceirizando, o que, para o consumidor em geral, pode ser bom.

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Outro exemplo é a delegação a terceiros de algum serviço muito peculiar. Porém, é justamente nesse meio que a terceirização pode deixar de servir como um meio de melhoria do produto ou serviço, para se tornar uma forma de barateamento do custo da produção, às custas da redução de direitos do trabalhador.

Vejamos.

Quem nunca se deparou, em prédios públicos ou privados, com trabalhadores “terceirizados” na portaria, na limpeza, ou nos serviços de copa? É evidente que tais empregados não são “especializados”. Sua contratação é simplesmente de-legada do tomador (a empresa que delega ao terceiro a prestação dos serviços) para a empresa terceirizada, que, por sua vez, contrata o trabalhador.

O que se questiona são as vantagens proporcionadas pelo sistema. Se não é a especialização (pois é notório que as atividades de limpeza, portaria e de serviço de copa e cozinha não são especializadas), onde estaria o resultado satisfatório para aquele que delega as atividades? A resposta, aqui, não é muito complexa.

No sistema capitalista de produção, toda empresa tem por finalidade principal e última a obtenção de lucro. Consequentemente, para que uma atividade não especializada possa ser terceirizada, é natural que o empresário tenha de enxer-gar algum lucro. Naturalmente, além de lucrar, com a terceirização o empresário também buscará se eximir de eventuais questões de administração de pessoal.

Assim, imaginando que determinados empregados (por exemplo, de limpeza e de portaria) custem ao tomador dos serviços o valor “10”, a terceirização deles terá de custar no máximo “9” para esta empresa. Do contrário, não haveria sentido em terceirizar a força de trabalho. Assim, neste exemplo, a empresa terceirizada teria de aceitar “9” para assumir os postos de trabalho que lhe foram delegados.

Acontece que a empresa terceirizada também é parte do sistema capitalista. Portanto, como já observado, ela também tem a finalidade lucrativa como uma razão de ser. Nesse caso, é certo concluir, no exemplo utilizado, que, para que ela sobreviva, não poderá pagar mais que “8” para seus empregados.

O problema é que, enquanto o tomador dos serviços e a empresa terceirizada ganham com a atividade terceirizante (pois ambos lucram com a atividade, sen-do o primeiro a partir da redução de custos), o trabalhador perde. E muito. Afinal, ainda no exemplo utilizado, a massa salarial que antes da terceirização recebia “10” passa a receber “8” para desempenhar o mesmo serviço. Ou seja: a terceiri-zação levada a efeito tão somente com a finalidade de “baratear” os custos (não como um meio de especialização da produção), tem o perverso efeito de redu-zir o valor da força de trabalho, contribuindo para o aumento da desigualdade social, e marginalizando um elevado número de trabalhadores, que passam a contar com o mínimo necessário à sua subsistência.

É por isso que a onda de terceirização sempre foi muito criticada por muitos ra-mos da sociedade, em especial aqueles que enxergam essas iniquidades, e que, de uma certa forma, ainda acreditam no sistema capitalista como um meio viável de se viver em sociedade.

Sim, pois se analisarmos o significado deste barateamento da força de traba-lho, enxergaremos o quão maléfico ele pode ser para a própria manutenção do sistema capitalista, pois o acesso ao consumo de grande parte da população é

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reduzido, e, sem consumo, o capitalismo não pode funcionar a contento. Além disso, baixos salários são uma porta aberta para a marginalização social, o que representa aumento da criminalidade, e, portanto, a necessidade do aumento da atuação do Estado.

Acontece que o Estado vive da arrecadação de impostos, e, quanto menor for a atividade produtiva (o que ocorre com a redução do consumo), menor será a arrecadação. Consequentemente, o Estado também se fragiliza, reduzindo seu imprescindível caráter tutelar e inclusivo. O resultado é danoso. E evidencia que, na “ponta da cadeia”, os mais ricos ficam cada vez mais ricos, e os pobres, ainda mais pobres.

Infelizmente, essa é uma visão pessimista, mas realista, de um fenômeno que veio para ficar. Cabe à sociedade compreendê-lo e tentar evitar que seus efeitos maléficos se perpetuem.

A COMPLETA MUDANÇA A PARTIR DA REFORMA:

Até a reforma trabalhista, pouco havia de legislação que regulasse o fenômeno da terceirização. Basicamente, o que existiam eram leis específicas, para setores também específicos, que podem ser resumidas da seguinte forma:

1) Decreto-Lei n.º 200/1967 e Lei n.º 5.645/1970, que regulavam a terceirização de serviços no âmbito da Administração Pública;

2) Lei n.º 7.102/1983, que regulava a atividade específica de vigilância, prevendo a possibilidade de contratação por empresas especializadas (que se tornaram terceirizadas); e

3) Lei n.º 6.019/1974, a Lei do Trabalho Temporário, que passou a permitir a sub-contratação por empresas especializadas em quaisquer atividades, desde que fosse para situações excepcionais de acréscimo extraordinário de serviços ou substituição pontual de algum trabalhador.

Não havia, como se vê, uma lei que tratasse da terceirização em sentido amplo, ou seja, em qualquer atividade econômica. Porém, não há dúvidas de que a difu-são da figura em questão atingiu um patamar de relevo dentro da sociedade. Tal fato, como é natural a todo fato que produz repercussões na ordem jurídica, ba-teu às portas do Poder Judiciário, que se viu na necessidade de avaliar os reflexos do instituto, tanto sob a perspectiva do trabalhador, como da empresa tomadora de seus serviços.

Como consequência dessa reflexão, o Tribunal Superior do Trabalho firmou po-sição específica para o setor privado, no sentido de que, à exceção das hipóteses das leis 6.019 e 7.102, “é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa in-terposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.” (Súmula 256).

Com essa ideia, o TST deixou claro que a terceirização, por consistir indubitável exceção ao padrão fixado em mais de dois séculos de existência do Direito do Trabalho (relação bilateral, empregador e empregado), não poderia ser esten-dida para outras hipóteses que não aquelas expressamente previstas em texto legal. Afinal, não havia dúvidas de que, ao afastar-se do empregador clássico, normalmente uma grande empresa, o trabalhador seria inserido em um contex-to de precarização de seus direitos (como já observamos).

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Ocorre que o TST modificou seu entendimento inicial, ao editar a Súmula 331, já no ano de 1994. Na oportunidade (assim como nas modificações posteriores), passou a reconhecer que, ao lado das hipóteses legalmente previstas, também a contratação de “serviços de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador (...)” (parte da Súmula 331, inciso II, do TST), seriam reputadas válidas.

Com a inovação, o que seria exceção passou a ser regra. E como, do ponto de vis-ta econômico, o instituto representou grande enxugamento da atividade empre-sarial (o que demonstra que o “preço” da força de trabalho, sob a ótica do modelo terceirizante, foi achatado), ele passou a ser usado em larga escala pelos empre-sários. É que eles viram, no desemprego e na crescente demanda de empresas de terceirização de serviços, um terreno fértil para a diminuição do valor da força de trabalho e, por consequência, de precarização dos direitos dos trabalhadores.

Porém, observa-se que em nenhum momento era tolerada a chamada terceiriza-ção de “atividade-fim”, isto é, na atividade principal do tomador. Ou seja: não se permitia que um professor de uma escola pudes se ser “terceirizado”, ou que um piloto de uma empresa de aviação também o fosse, ao contrário dos faxineiros e porteiros dessas mesmas instituições.

A partir de agora, toda atividade poderá, pelo texto da nova lei, ser “terceirizada”. Afinal, com as Leis n.º 13.429/2017 e 13.467/2017 (especialmente com a última), que, de forma pouco técnica, inseriram a terceirização “em geral” na lei específica que trata de trabalho temporário (Lei n.º 6.019/1974), passou-se a prever que:

Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (sem destaque no original)

Mais que isso: a nova lei passa a prever a possibilidade “quarteirização” (ou até além disso, conforme a atividade empresarial avaliar), ao dispor o seguinte, no parágrafo 1º do citado artigo 4º-A:

§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras em-presas para realização desses serviços. (destaque da transcrição)

Ou seja: naquela conta inicial em que traduzimos o custo do tomador de servi-ços com a mão-de-obra passível de terceirizar em “10”, e da empresa prestadora de serviços em “9”, é possível que surja outro intermediário, subcontratado pela própria empresa prestadora, e que possivelmente receberá “8”. Aquele trabalha-dor do exemplo receberá, então, “7”, embora continue realizando exatamente as mesmas atividades que realizava recebendo “10” da empresa principal.

A se refletir.

OS DIREITOS DO TRABALHADOR “TERCEIRIZADO”:

Sob a justificativa de regulamentar o trabalho do empregado terceirizado (enquadrando-o como se fosse uma nova classe de trabalhadores, o que, de-finitivamente, não ocorre), as novas leis da reforma trabalhista passaram a prever quais são seus direitos na relação de emprego. Porém, ela não acres-centa qualquer direito ao padrão já existente na relação de emprego em ge-

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ral. Trata-se da redação do artigo 4º-C da Lei n.º 6.019/1974, com a redação da Lei n.º 13.467/2017:

Art. 4o-C. São asseguradas aos empregados da empresa prestadora de serviços a que se refere o art. 4o-A desta Lei, quando e enquanto os serviços, que podem ser de qualquer uma das atividades da contra-tante, forem executados nas dependências da tomadora, as mesmas condições:I - relativas a: a) alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios; b) direito de utilizar os serviços de transporte; c) atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado;d) treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a ativi-dade o exigir. II - sanitárias, de medidas de proteção à saúde e de segurança no tra-balho e de instalações adequadas à prestação do serviço.

Chega a ser tormentosa a evidente desnecessidade de se prever que o trabalha-dor “terceirizado” tenha o mesmo direito a alimentação, transporte e atendimen-to médico que os empregados da empresa tomadora de serviços, assim também a condições sanitárias dignas. Afinal, no mundo supostamente civilizado em que vivemos, é humanamente impensável que trabalhadores ditos “terceiriza-dos” precisem de um dispositivo legal que estabeleça que possam ser atendidos de forma tão humana como os empregados diretos da tomadora. Até porque a própria Constituição Federal estabelece, em seu artigo 7º, XXXII, que é direito fundamental de todos os trabalhadores (inclusive os “terceirizados”, obviamente) a “proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”

Porém, em se tratando de um país que foi o último do mundo ocidental a banir a escravidão (ao menos de forma legalizada), é até possível entender esse raciocí-nio, já que sabemos que, infelizmente, nossa sociedade ainda convive com ideias retrógradas a respeito das atividades que exigem menor qualificação (a terceiri-zação em geral), ainda ocupadas em sua maioria por negros.

Por outro lado, a ideia de que “treinamento adequado, fornecido pela contrata-da, quando a atividade o exigir” possa significar um “direito” do trabalhador “ter-ceirizado também gera algum desconforto. É que o treinamento para o exercício de determinada atividade não é direito do empregado, mas obrigação do seu empregador, o que quer dizer que este dispositivo é tão infeliz como os demais analisados neste item.

Como se não bastasse, a mudança ainda trouxe algumas perplexidades, que de-verão ser questionadas judicialmente. Trata-se das previsões inscritas nos §§1º e 2º do novo artigo 4º-C da Lei n.º 6.019/1974, no seguinte sentido:

§ 1o Contratante e contratada poderão estabelecer, se assim entende-rem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos neste artigo. (destaque da transcrição)§ 2o Nos contratos que impliquem mobilização de empregados da contratada em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) dos empregados da contratante, esta poderá disponibilizar aos empre-gados da contratada os serviços de alimentação e atendimento am-bulatorial em outros locais apropriados e com igual padrão de aten-dimento, com vistas a manter o pleno funcionamento dos serviços existentes.

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A disposição do §1º é claramente inconstitucional (e, portanto, inválida), e por isso não deverá sobreviver sob a ótica do já mencionado artigo 7º, XXXII da Constituição Federal. É evidente, afinal, que contratante e contratada deverão (não meramente “poderão”) estabelecer a isonomia salarial entre seus emprega-dos que exercem atividades similares.

Já a previsão contida no §2º é preocupante, pois poderá dar ensejo à existên-cia de dois refeitórios e dois ambulatórios, cada um destinado a uma “classe” de trabalhadores (terceirizados e não-terceirizados), o que, em linhas gerais, parece se assemelhar com o apartheid existente na África do Sul até 1994 (e nos EUA até a década de 1950), um regime de separação entre negros e brancos, que, no caso, serviria para separação entre terceirizados e não-terceirizados. Certo seria simplesmente que o legislador estipulasse a existência de mais de um refeitório e um ambulatório, conforme a quantidade de empregados diretos e “terceiriza-dos”, ambos podendo ser frequentados por qualquer trabalhador.

Por fim, é importante observar a existência de algumas peculiaridades na ativida-de terceirizada, todas dispostas na nova lei. São elas:

1) a vedação à contratação de trabalhadores “terceirizados” em atividades dife-rentes daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços;

2) a responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelas obrigações tra-balhistas dos empregados da empresa prestadora de serviços;

3) a proibição para figurar como contratada a pessoa jurídica cujos proprietá-rios tenham sido, nos dezoito meses anteriores à contratação, empregados ou prestadores de serviços autônomos ou eventuais, saldo se forem aposen-tados; e

4) a proibição de contratação, pela empresa prestadora de serviços, de empre-gado demitido pela tomadora no período de dezoito meses da dispensa do empregado.

PROCEDIMENTOS PARA A RESCISÃO CONTRATUAL.

Na sua atual redação, o artigo 477 da CLT trata acerca dos procedimentos neces-sários para se formalizar uma rescisão contratual. Vejamos:

Art. 477. Na extinção do contrato de trabalho, o empregador deverá proceder à anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, co-municar a dispensa aos órgãos competentes e realizar o pagamento das verbas rescisórias no prazo e na forma estabelecidos neste artigo. [...] § 2º - O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especi-ficada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas.[...] § 4o O pagamento a que fizer jus o empregado será efetuado: I - em dinheiro, depósito bancário ou cheque visado, conforme acor-dem as partes; ouII - em dinheiro ou depósito bancário quando o empregado for analfabeto. § 5º - Qualquer compensação no pagamento de que trata o parágrafo anterior não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado. § 6o - A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem

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como o pagamento dos valores constantes do instrumento de resci-são ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.§ 8º - A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o in-frator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.[...] § 10. A anotação da extinção do contrato na Carteira de Trabalho e Previdência Social é documento hábil para requerer o benefício do seguro-desemprego e a movimentação da conta vinculada no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, nas hipóteses legais, desde que a comunicação prevista no caput deste artigo tenha sido realizada.

Antes da reforma trabalhista, qualquer pedido de demissão referente a contrato de emprego que perdurou por mais de 01 (um) ano, para ser considerado válido, deveria ser homologado perante o respectivo sindicato ou perante uma auto-ridade do Ministério do Trabalho. E consoante previa o agora revogado §7º do artigo 477 da CLT, o sindicato era obrigado a prestar assistência na rescisão sem poder cobrar qualquer valor do empregado ou mesmo do empregador.

Todavia, com a reforma trabalhista essa assistência obrigatória na homologação deixou de ser requisito para a validade do ato. Assim, o pedido de demissão do empregado e a consequente rescisão contratual podem ser formalizados dentro da própria empresa. É uma burocracia a menos.

Já o pagamento das verbas rescisórias pode ser feito em dinheiro, depósito ban-cário (meio antes não previsto expressamente na lei) ou cheque visado (que é o cheque no qual o banco atesta que no momento do visto a conta do pagamento tem saldo suficiente para cobrir o valor do cheque). Mas excepcionalmente, se o empregado for analfabeto, o pagamento por meio de cheque está proibido.

Com a rescisão do contrato de emprego por qualquer de suas modalidades, nas-ce para o empregador a obrigação não só de (1) pagamento das verbas rescisó-rias, mas também de (2) proceder à anotação da baixa na CTPS do empregado, bem como de (3) comunicar a dispensa aos órgãos competentes.

Acrescentamos ainda que, a teor do 6º do artigo 477 da CLT, temos ainda como obrigação a (4) entrega dos documentos que comprovem a comunicação da ex-tinção do contrato aos órgãos competentes. Mas alguns autores defendem que tal obrigação deixou de existir. Falaremos mais ao final deste tópico a respeito.

O prazo para pagamento das verbas rescisórias atualmente é de 10 dias a contar da extinção do contrato. Antes da reforma, o prazo era de 10 dias para os contra-tos que se encerravam sem aviso prévio (pedido de demissão, aviso prévio dis-pensado, contrato a prazo certo) ou com aviso prévio indenizado, ao passo que para os contratos com aviso prévio trabalhado o empregador tinha que efetuar o pagamento das verbas até o 1º dia útil imediato ao término do contrato.

Merece aplausos a interpretação que alguns juristas têm feito quanto ao termo inicial de contagem desse prazo de 10 dias, de forma que tal decênio deve ser contado a partir do último dia da prestação de serviços (sem considerar a data fi-nal da projeção do aviso prévio). Isso porque, consoante a lei, temos aviso prévio que pode chegar ao prazo de até 90 dias. E é difícil imaginar possa um emprega-do ficar tanto tempo (no caso 100 dias) sem receber seus haveres rescisórios (que possuem natureza alimentar), justo nesse momento tão delicado.

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A importância quanto ao cumprimento desse prazo se deve ao fato de que o empregador, acaso atrase um dia sequer, incidirá no pagamento de multa no valor equivalente a um salário do empregado, salvo quando comprovadamente o trabalhador der causa à mora. (§7º do artigo 477 da CLT)

O §5º do artigo 477 da CLT permanece com sua redação inalterada. Nessa toa-da, qualquer compensação de valores no ato da rescisão não poderá exceder ao valor de um mês de remuneração do empregado. A compensação mencionada ocorre quando o empregador é credor de alguma quantia paga ao empregado, por exemplo, a título de adiantamento de salário, vale transporte, etc.

Por fim, reiteramos que o prazo de 10 dias também se aplica para a entrega de guias aptas a permitir o saque do FGTS e habilitação no programa do seguro desemprego.

Abre-se um parêntesis para reconhecer que uma aparente contradição parece ter surgido na nova lei.

Se, por um lado, o §6º determina que no prazo de 10 dias seja feita a entrega dos documentos que comprovem a comunicação da extinção do contrato aos órgãos competentes, por outro lado o § 10º menciona que a mera baixa na CTPS é documento hábil para requerer o benefício do seguro desemprego e a mo-vimentação da conta vinculada no FGTS. Mas estudiosos ressaltam que há ca-sos em que as guias são imprescindíveis ao empregado, tal como, por exemplo, quando o empregado fica temporariamente sem sua CTPS (art. 13, § 4º, II da CLT). Também destacamos que, quando o empregador não comunicou a rescisão do contrato aos órgãos competentes (caput e §10º do artigo 477 da CLT), temos aí mais uma necessidade das guias comprobatórias da extinção do contrato.

A DISPENSA COLETIVA.

O tema relacionado à dispensa de um trabalhador é dos mais importantes do Direito do Trabalho. Isto porque, como sabemos, é do emprego que o trabalha-dor retira seu sustento (e de seus familiares), o que quer dizer que uma dispensa injustificada representa, na maior parte das vezes, a perda do próprio sustento do empregado. Sob outra ótica, sabemos que é pelo trabalho que o ser humano adquire cidadania na acepção da palavra, pois dele obtém condições para desen-volver seus projetos de vida e para inserir-se nas relações de consumo.

Nesse sentido, se a dispensa de um único trabalhador já tem efeitos negativos no meio social (até mesmo sob o ponto de vista do “custo” social, pois o seguro--desemprego é custeado com recursos públicos), é de se imaginar o peso que uma dispensa coletiva de empregados terá para a sociedade, tanto com relação à marginalização (do ponto de vista social e econômico) das pessoas sem emprego como no que diz respeito ao custeio do seguro-desemprego. Em comunidades menores, o impacto negativo é ainda maior, pois há muitas cidades em que ape-nas uma grande empresa emprega grande parte da população economicamente ativa, o que quer dizer que a vida desses lugares gira em torno, muitas vezes, da atividade econômica empreendida pela grande empresa (até mesmo do ponto de vista da arrecadação de tributos incidentes sobre a atividade produtiva).

Diante da relevância do assunto, a Constituição Federal prevê, desde 1988, já no primeiro inciso do artigo 7º, constituir direito de todos os trabalhadores urbanos

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e rurais a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem jus-ta causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensa-tória, dentre outros direitos”.

Perceba que a regra em questão não distingue entre despedida individual ou coletiva, o que quer dizer que a regulamentação do direito mencionado deve abranger também a forma mais impactante, que é a dispensa coletiva, ante a inexistência de distinção por parte do legislador constitucional.

Porém, de forma paradoxal, até hoje, passados quase trinta anos da promulgação da Constituição Federal, a lei complementar a que se refere o dispositivo transcri-to ainda não foi editada. Por isso, o máximo que o trabalhador dispensado de for-ma arbitrária ou sem justa causa tem é o direito a uma indenização equivalente a 40% (quarenta por cento) dos depósitos de FGTS, inicialmente prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e hoje prevista na Lei n.º 8.036/1990.

O fato de a lei complementar a que se refere à Constituição ainda não haver sido editada não serve, porém, para que se desconsidere esse verdadeiro princípio instituído pela Constituição, consubstanciado na proteção contra a rescisão imo-tivada. Aliás, são diversas as passagens em que a Constituição prestigia a pro-teção do emprego, podendo ser citados os artigos 1º, III e IV, que estabelecem como fundamentos da República Federativa do Brasil “a dignidade da pessoa humana” e “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, ou do artigo 3º, III, que elenca como objetivos fundamentais da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Na mesma linha, o artigo 170 da Constituição, que prevê:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:[...] III - função social da propriedade;[...] VII - redução das desigualdades regionais e sociais;VIII - busca do pleno emprego.

Diante desse quadro, mesmo sem a existência de uma regulamentação do artigo 7º, I, da Constituição, a Justiça do Trabalho firmou entendimento de que, em se tratando de dispensa em massa, a negociação coletiva seria imprescindível para a validação das dispensas. Até porque nossa Constituição também estabelece que o sindicato é imprescindível para as questões relacionadas às diversas cate-gorias, dispondo no artigo 8º, III, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.

O posicionamento mencionado (firmado no ano de 2009) foi um verdadeiro “di-visor de águas”, pois, até então, não havia unanimidade, a despeito das diversas regras constitucionais indicando esse direcionamento.

Porém, no ano de 2017, no âmbito da reforma trabalhista, o legislador entendeu por bem editar o artigo 477-A da CLT, que passa a dispor que:

As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam--se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acor-do coletivo de trabalho para sua efetivação.

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Em outras palavras, a mudança desconsidera toda a construção desenvolvida pela Justiça do Trabalho no assunto em análise, passando a igualar formas com-pletamente distintas de dispensa (ao menos no aspecto social e econômico), as-sim consideradas as individuais e as coletivas, e a desconsiderar a participação do sindicato em um ato tão relevante no meio trabalhista.

Pelo que se observa, a nova regra contraria a Constituição, tanto que já há diver-sas decisões considerando inconstitucional o artigo 477-A (na parte em que ele equipara as modalidades de dispensa e afasta a necessidade de participação do sindicato nas dispensas coletivas).

Teremos, certamente, muita discussão pela frente.

PLANOS DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA (PDV) OU INCENTIVADA (PDI).

Muitas vezes, o empregador precisa meramente reduzir gastos em sua empresa como estratégia para melhor direcionar seus recursos e, em outras vezes, pre-cisa mais radicalmente enxugar o seu quadro de funcionários, máxime quando atravessa um cenário econômico desfavorável. Mas por certo que o anúncio de possíveis demissões numa empresa gera consequências nefastas, deixando o ambiente de trabalho instável, com trabalhadores temerosos e incertos do que ocorrerá no seu futuro próximo.

Nesse contexto, como forma de minimizar as consequências do anúncio des-sa quebra contratual, que pode ou não ser em larga escala, temos a figura do PDV ou PDI (Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada). Aqui, o empregador não escolherá este ou aquele empregado para dispensa, mas dará oportunida-de para que os próprios trabalhadores reflitam sobre o momento de dar outro rumo à sua vida profissional. Ao invés de o empregador utilizar do seu poder potestativo de dispensa, deixará que os próprios empregados tomem essa deci-são. E, como forma de retribuição, o empregador irá instituir prêmios ou outras vantagens econômicas para incentivar o empregado a dar cabo ao seu contrato de emprego.

Os planos em questão estão previstos no novo artigo 477-B da CLT:

Artigo 477-B. Plano de Demissão Voluntária ou Incentivada, para dis-pensa individual, plúrima ou coletiva, previsto em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, enseja quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

Como se trata de uma modalidade para incentivar a demissão, por certo que deve haver a concessão de um plus em relação às verbas rescisórias que seriam devidas num mero pedido de demissão do empregado. Se esse acréscimo não existir, não teremos uma demissão incentivada, mas sim mero e normal pedido de demissão.

Como exemplo desses incentivos, temos: salário adicional por ano de serviço completo na empresa, extensão do plano de saúde para o empregado e família após a rescisão do contrato, auxílio alimentação, etc.

O PDV deve conter concessões bilaterais (por parte do empregado e do empre-gador) e não pode ter conteúdo discriminatório.

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Pela literalidade do artigo supra (art. 477-B), esse PDV pode ser instituído para demissões individuais, plúrimas ou coletivas.

Por outro lado, qualquer empregador (área privada ou pública – considerando, neste caso, exclusivamente o regime celetista) poderá instituir uma norma inter-na prevendo as condições do referido plano.

E a novidade que se tem com a reforma trabalhista é a seguinte: quando esse PDV estiver previsto em norma coletiva (ACT ou CCT) (ou seja, contar com a chancela do sindicato), o empregador obterá a quitação plena e irrevogável dos direitos decorrentes da relação de emprego, salvo se houver disposição em con-trário estipulada entre as partes.

Tal novidade que se tem com a reforma trabalhista está em conformidade com decisão proferida pelo STF no ano de 2015, no processo 590415. Essa partici-pação do sindicato é importante, pois, como já visto, a relação entre as partes do contrato de emprego é assimétrica (não há pleno equilíbrio) e a presença do sindicato eliminaria essa desigualdade de forças que existe entre as partes.

A decisão do STF (e a reação do legislador em criar referido artigo prevendo a quitação plena dos direitos decorrentes da relação empregatícia) só se deu por-que, antes, o TST, por meio de uma orientação jurisprudencial (a OJ 270 da SDI-1), havia emitido jurisprudência pacífica em sentido diverso, ao afirmar que a quitação era exclusivamente das parcelas e valores constantes do recibo do PDV.

UMA NOVA MODALIDADE DE DISPENSA POR JUSTA CAUSA.

Existem cinco formas principais de encerramento de um contrato de trabalho. Uma delas foi criada com a reforma trabalhista, e a trataremos no próximo tópi-co: trata-se da dispensa por acordo entre empregado e empregador. As outras quatro já existiam, e subdividem-se em duas categorias: por iniciativa do empre-gado e do empregador.

São formas de se colocar fim ao contrato de trabalho por iniciativa do empregado:

1) o pedido de demissão; e 2) a rescisão por justa causa do empregador.

São maneiras de se por fim ao ajuste por iniciativa do empregador:

1) a dispensa sem justa causa; e2) a rescisão por justa causa do empregado.

Os efeitos da rescisão serão mais ou menos abrangentes, conforme a modalida-de de encerramento do contrato. Assim, se o empregador decidir dispensar seu empregado sem qualquer justificativa, ou se praticar uma falta grave em face de seu empregado, terá de pagar-lhe uma indenização, que não existirá se a inicia-tiva do rompimento do contrato partir do trabalhador por pedido de demissão, ou se este houver praticado uma falta grave ao ponto de tornar insustentável a relação de emprego.

A reforma trabalhista não alterou a estrutura da rescisão contratual já existente. Apenas, como observado, criou uma forma de encerramento do contrato, por

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acordo entre o patrão e seu empregado. Ao mesmo tempo, acrescentou uma modalidade de rescisão contratual por justa causa do empregado, passando a dispor na alínea m do artigo 482 da CLT que constitui justa causa a:

[...] perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado.

A análise do dispositivo em questão deixa claro, portanto, que sua aplicabilidade é reservada para aqueles casos em que o empregado, para exercer sua profissão, precisa de alguma espécie de habilitação ou qualificação especial.

São inúmeros os casos abrangidos pela norma: o professor, o médico, o advo-gado, o enfermeiro, o motorista, etc. E o que a regra vem dispor é que, se o pro-fissional considerado vier a perder sua habilitação, poderá ser enquadrado no dispositivo.

Exemplos comuns da situação estudada são vistos nas hipóteses de uso de di-ploma falsificado. Nesses casos, a lei sequer precisaria ser alterada, pois o ato é criminoso, de modo que a justa causa para a rescisão contratual estaria abrangi-da até mesmo em outra espécie de dispensa motivada, que é a caracterização de improbidade. Evidentemente, se a conduta é criminosa, não seria aceitável que o empregador não pudesse dispensar o respectivo empregado, ou que tivesse de indenizá-lo em razão da rescisão.

Mas é sabido que o caso mais frequente de aplicação prática da nova regra é a do empregado motorista, que necessita de habilitação específica para dirigir. E é justamente nessa situação que a questão ganha em interesse.

Refazendo a leitura da lei, podemos observar que sua aplicabilidade é restrita para o caso de conduta dolosa do empregado. Ou seja: que ele somente po-derá ser dispensado por justa causa se perder sua habilitação de forma intencio-nal (dolo), não por mera atitude negligente, imprudente ou imperita (culpa em sentido estrito). Isso quer dizer que o motorista profissional que vier a sofrer a perda de sua habilitação para dirigir por “excesso de pontos” ou por determinada infração ao volante não poderá ser dispensado por justa causa, cabendo ao em-pregador remanejá-lo, ou, se não quiser mantê-lo como empregado, dispensá-lo sem justa causa.

Existem, porém, situações cuja solução é mais complexa. Um bom exemplo é o do motorista flagrado embriagado ou sob efeito de drogas (no exercício da fun-ção ou fora dele), e que comete crime ao volante. Em regra, a presunção é a de que tal conduta é culposa, ou seja, imprudente. Nesse caso, se o trabalhador vier a perder sua habilitação, não poderá ser dispensado por justa causa, por faltar a chamada “conduta dolosa”. Porém, se a conclusão na esfera criminal for pela caracterização de crime doloso (a exemplo, o chamado dolo eventual, aquele em que o agente assume o risco de produzir o resultado), restará bem caracterizada uma hipótese de justa causa para a rescisão contratual.

Fique atento: um caso que certamente chegará aos tribunais é o dos motoris-tas que utilizam substâncias psicoativas (o popularmente chamado “rebite”) para permanecerem na direção durante horas a fio, e que, em função disso, acabam por sofrer a perda da habilitação. Será importante avaliar, em tal situação, se a utilização da substância em questão derivou de conduta deliberada do emprega-do (que, assim, fazendo, assumiu um risco, e, de tal modo colocou-se em situação

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dolosa), ou teve origem na necessidade de cumprimento de prazos impostos pelo empregador. A última hipótese, se demonstrada, descaracterizará até mes-mo a culpa em sentido estrito do trabalhador, pois praticada em verdadeiro es-tado de sujeição. Caso em que o empregador não poderá dispensá-lo por justa causa.

A RESCISÃO POR “ACORDO” ENTRE EMPREGADO E EMPREGADOR.

Outra grande novidade da reforma trabalhista é a criação da rescisão do contrato de emprego por “acordo” entre patrão e empregado Trata-se da nova disposição do artigo 484-A da CLT, nos seguintes termos:

Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas trabalhistas:I - por metade:a) o aviso prévio, se indenizado; eb) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, prevista no §1o do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990;II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas.§1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permi-te a movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos. § 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.

Antes da reforma trabalhista, a situação era de extremos opostos: inexistindo fal-ta grave de empregado ou empregador, ou o empregado pedia demissão, dei-xando de fazer jus a diversas verbas, ou o empregador dispensava o empregado sem justa causa, passando a arcar com uma série de verbas trabalhistas.

Na primeira hipótese (pedido de demissão) o empregado não faz jus ao aviso prévio, levantamento do FGTS, multa de 40% sobre o FGTS nem habilitação no chamado seguro-desemprego.

Na segunda hipótese (demissão sem justo motivo, por vontade do emprega-dor) é devida a multa de 40% sobre o FGTS, movimentação da integralidade do saldo da conta vinculada do FGTS, aviso prévio, assim como habilitação no seguro-desemprego.

Diante desse cenário, era comum que um empregado com problemas pesso-ais (mudança de endereço, mudança do local de trabalho do marido ou escola/faculdade do filho, vontade de voltar a estudar em horário incompatível com o serviço, doença de ente querido que acarretasse grandes transformações no dia a dia da família, etc.) passasse a pedir ao seu empregador para que “fosse man-dado embora”.

E quando o empregador não atendia a esse pedido (e nunca foi obrigado a atender), instalava-se um ambiente de trabalho instável e infeliz. O empregado poderia não mais executar suas atividades a contento, com o intuito de ver o seu patrão lhe mandar embora, de forma que receberia então todos os direitos advindos dessa modalidade de rescisão. O patrão, por sua vez, nem sempre po-dia atender ao pedido do empregado, seja porque não era a sua vontade real,

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seja por impossibilidade financeira, considerando que a dispensa sem justo mo-tivo por vontade do empregador gera custo considerável e inesperado para a empresa.

Mas vislumbrando uma forma de minimizar esse “clima” ruim, e até mesmo com o intuito de impedir rescisões fraudulentas, surge a chamada dispensa por “acordo”.

Nessa modalidade, o empregado passa a fazer jus à metade do aviso prévio, me-tade da multa de 40% sobre o FGTS, além de ter direito a receber a integralidade das demais verbas trabalhistas (13º salário proporcional, férias com 1/3 propor-cionais e obviamente o saldo de salário – este último devido em qualquer mo-dalidade de rescisão, até mesmo por justa causa). Ainda como parte do referido “acordo”, passa o empregado a ter direito a movimentar/sacar 80% do saldo da sua conta vinculada do FGTS. Os 20% restantes permanecerão na conta vincula-da do empregado até que incida uma das hipóteses legais que permitem ao em-pregado sacar o referido valor (exemplo: aposentadoria, doenças graves, saque para aquisição de casa própria, etc.)

A lei ainda refere que o empregado não ficará autorizado a ingressar no Programa de Seguro-Desemprego. Tal situação não gera espanto, pois, no fundo, a situação de desemprego não é involuntária do ponto de vista do empregado (artigo 7º, II da CF), sendo que ele deve assumir as consequências de sua decisão (caso de fato tenha havido um acordo).

Por fim, assevera-se que, em sendo a rescisão por “acordo” proveniente da vonta-de do patrão e empregado, é natural que a projeção do aviso prévio (para efeito de anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS) também seja partida ao meio.

TERMO DE QUITAÇÃO ANUAL.

Novidade também verificada na reforma trabalhista é o chamado termo de qui-tação anual concedido pelo empregado ao empregador.

Diz o novo artigo 507-B da CLT:

É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria.Parágrafo único. O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.

O primeiro ponto que se destaca é que a lei afirma ser faculdade para o patrão e para o empregado firmar o referido documento. Assim, uma parte ou outra não pode exigir que o termo seja assinado. No entanto, estudiosos do direito já mencionam que dado o poderio do empregador e de possíveis ameaças ve-ladas, sutis, indiretas, é perfeitamente natural que muitas demandas surjam no Judiciário para atacar a validade do ato (por exemplo: assinatura do empregado sob coação, em assédio).

O referido termo pode ser assinado na vigência ou não do contrato de emprego, de forma que, muito após o encerramento da relação, fica mais afastada a credi-

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bilidade de qualquer acusação de suposta ameaça praticada pelo empregador. E a prova da coação não costuma ser fácil.

Mas também é importante destacar que, a exemplo do que se viu em massa na esfera trabalhista com acordos assinados perante Tribunal Arbitral (a arbitragem é tema de outro tópico deste trabalho), é possível que o empregador ainda tenha esse poder de “convencimento” acentuado em relação ao empregado logo após a rescisão do contrato de emprego, quando o trabalhador ainda está fragilizado pela demissão (tomado pelo sentimento de dificuldade de se realocar no merca-do de trabalho, e porque, mais do que nunca, precisa receber com pressa as suas verbas rescisórias). Assim, os juristas permanecem atentos ao que pode ocorrer quanto à figura do termo de quitação.

O referido termo, por exigência da lei, deve ser firmado perante o sindicato dos empregados da categoria. Todavia, na realidade brasileira, infelizmente já houve notícia de sindicato marrom (ou pelego), ou seja, que deixava a desejar na efetiva representação dos interesses de sua categoria. Assim, parte dos estudiosos pre-fere ficar em alerta diante da possibilidade de que a referida conferência sindical de verbas seja feita sem a seriedade que a situação requer.

É importante relembrar que a quitação é ato sério, pois verbas trabalhistas pos-suem natureza alimentar, sendo direitos indisponíveis.

Segue a legislação a exigir que o termo discrimine uma a uma as obrigações cumpridas mensalmente, de forma que, com a assinatura, o termo passa a confe-rir eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.

A intenção quanto à criação do referido termo é até boa, posto que podemos visualizar a diminuição de lides na Justiça do Trabalho, caso a concessão da qui-tação seja genuína, imaculada, sem vícios. Mas, novamente, chamamos a aten-ção para o papel importantíssimo desempenhado pelo sindicato na atividade de conferência e validação dos cálculos quanto às verbas para as quais se visa dar a quitação com eficácia liberatória.

COMISSÃO DE REPRESENTANTES DOS EMPREGADOS.

A matéria vem tratada nos novos artigos 510-A a 510-D da CLT, cuja redação foi introduzida integralmente pela Lei n.º 13.467/2017, acrescida pelo artigo 510-E, enxertado pela Medida Provisória n.º 808/2017.

A mudança provocada pela MP – que, como se sabe, teve eficácia limitada ao pe-ríodo compreendido entre 14 de novembro de 2017 e 23 de abril de 2018 –, não é, porém, digna de relevância. É que ela se limitou a reforçar a premissa de que “a comissão de representantes dos empregados não substituirá a função do sindi-cato de defender os direitos e os interesses coletivos ou individuais da categoria”, mantendo a obrigatoriedade da participação sindical em negociações coletivas de trabalho. A menção a tal fato era pouco importante, na medida em que ele decorre de norma já consagrada no artigo 8º da Constituição Federal.

Especificamente quanto aos dispositivos em vigor (510-A a 510-D da CLT), impor-ta destacar o seguinte:

1) Tal comissão é uma nova forma de estreitar o diálogo entre empregados e empregadores, tratando-se de regulamentação do que está previsto no arti-

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go 11 da Constituição Federal do Brasil, que desde 1988 prevê que, quando a empresa possuir mais de duzentos empregados, é assegurado a eles eleger uma comissão, desvinculada da atuação sindical, para representá-los perante o empregador para debater sobre diversas questões relativas à relação em-pregatícia, aprimorando o relacionamento, buscando soluções para conflitos, acompanhando o cumprimento de leis trabalhistas;

2) A quantidade de membros da comissão depende do número de empregados que a empresa possui, estando a proporcionalidade devidamente destacada no §1º do artigo 510-A da seguinte forma:

§ 1o A comissão será composta: I - nas empresas com mais de duzentos e até três mil empregados, por três membros; II - nas empresas com mais de três mil e até cinco mil empregados, por cinco membros; III - nas empresas com mais de cinco mil empregados, por sete membros.

3) A comissão será eleita pelos empregados da empresa, em voto secreto, para cumprir mandato de 1 (um) ano, sendo que qualquer empregado pode se candidatar, exceto aqueles com contrato a prazo certo, com contrato suspen-so (por exemplo, em auxílio doença previdenciário – a partir do 16º dia de afastamento do serviço), ou que esteja em aviso prévio;

4) O empregado que foi eleito permanece com suas obrigações contratuais na empresa; além disso, as decisões dessa comissão serão tomadas por maioria simples (primeiro número superior à metade dos presentes às reuniões mar-cadas para debater qualquer assunto);

5) Caso não haja candidatos suficientes, a comissão de representantes poderá ser formada com número de membros inferior à quantidade apontada no ar-tigo 510-A da CLT; por outro lado, é vedada a reeleição do empregado nos dois períodos subsequentes ao término de seu mandato;

6) Os integrantes da comissão de representantes dos empregados têm direito a garantia no emprego desde o registro da candidatura até um ano após o tér-mino do mandato, de forma que não poderão ser dispensados arbitrariamen-te, exceto por motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. Assim, poderá, por exemplo, ser dispensado por justa causa, o mesmo ocorrendo na hipótese de extinção das atividades da empresa ou sua falência.

A comissão aqui estudada é uma forma de representação não-sindical e que muito se assemelha à CIPA, mas esta última destina-se à saúde e segurança do trabalho.

O FIM DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL OBRIGATÓRIA.

Passaremos agora a analisar um dos pontos da reforma trabalhista de maior po-lêmica e de grande impacto: o fim da obrigatoriedade de recolhimento da con-tribuição sindical, estabelecido na nova redação do artigo 545 da CLT, que passa a dispor:

Art. 545. Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados. (com destaque apenas na transcrição)

O novo dispositivo, como se vê, torna facultativa a contribuição sindical, condi-cionando-a à expressa autorização do trabalhador.

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Fato notório, e declarado na Exposição de Motivos da Lei n.º 13.467/2017, a al-teração legal questionada tem por intuito, de acordo com seus idealizadores, “emancipar” a atuação sindical, impedindo entidades que não são verdadeira-mente atuantes de continuar recebendo contribuições compulsórias. A ideia é asfixiar tais entes, inclusive sob o pressuposto de que, à luz da liberdade sindical, deve ser dada aos trabalhadores a oportunidade de decidir os rumos de seu mo-vimento associativo.

Não há dúvida alguma de que um regime que se pretende seja de liberdade sindical plena, a manutenção de contribuição sindical compulsória não é saída coerente. Nesse sentido, é correta a ideia do legislador, que de fato permite que os próprios trabalhadores tomem a iniciativa de financiar determinada entidade sindical apenas se ela for realmente representativa dos interesses da classe.

O problema é que o Brasil ainda não ratificou a Convenção n.º 87 da OIT, que, em linhas gerais, consiste em um tratado internacional que institucionaliza a verda-deira noção de liberdade sindical, estabelecendo em seus artigos 2 e 3:

Art. 2 - Os trabalhadores e os empregadores, sem distinção de qual-quer espécie, terão direito de constituir, sem autorização prévia, orga-nizações de sua escolha, bem como o direito de se filiar a essas orga-nizações, sob a única condição de se conformar com os estatutos das mesmas.“Art. 3 - 1. As organizações de trabalhadores e de empregadores terão o direito de elaborar seus estatutos e regulamentos administrativos, de eleger livremente seus representantes, de organizar a gestão e a atividade dos mesmos e de formular seu programa de ação. 2. As autoridades públicas deverão abster-se de qualquer intervenção que possa limitar esse direito ou entravar o seu exercício legal.

Porém, regras como a do artigo 514 da CLT (tomada como mero exemplo) man-têm-se hígidas:

Art. 514. São deveres dos sindicatos: a) colaborar com os poderes pú-blicos no desenvolvimento da solidariedade social; b) manter serviços de assistência judiciária para os associados; c) promover a conciliação nos dissídios de trabalho; d) sempre que possível, e de acordo com as suas possibilidades, manter no seu quadro de pessoal, em convênio com entidades assistenciais ou por conta própria, um assistente social com as atribuições específicas de promover a cooperação operacional na empresa e a integração profissional na Classe. Parágrafo único. Os sindicatos de empregados terão, outrossim, o dever de: a) promover a fundação de cooperativas de consumo e de crédito; b) fundar e man-ter escolas do alfabetização e prevocacionais.

Ao mesmo tempo, a Constituição dispõe textualmente em seu artigo 8º, III, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”, o que quer dizer que confere ao sindicato a pesada carga da representatividade de todos os trabalhadores, sejam eles associados ao sindicato ou não, atribuição esta que necessariamente deve vir acompanhado da categoria de alguma fonte de custeio.

O que se vê é, portanto, a manutenção de deveres, não de liberdade plena, ao mesmo tempo em que, pela nova lei, se estabelece que a fonte de custeio res-pectiva para a efetivação de tais deveres deve ser extirpada do ordenamento. O problema é que, para que os deveres sejam observados, direitos precisam ser

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mantidos. Em especial o de custeio, ao menos até que, por meio de algum regra-mento de transição, os bons sindicatos possam se adaptar à mudança.

Toda essa conformação levou, já no primeiro ano de vigência das novas regras, a uma intensa discussão quanto à constitucionalidade da mudança, até porque ela de certo modo desrespeita a própria construção jurisprudencial existente no STF, no sentido de que a contribuição sindical tem natureza tributária, e, por isso, não pode ser facultativa (a teor do disposto no artigo 3º do CTN) nem ser regrada por meio de lei ordinária. Isso porque, conforme a regra disposta no artigo 146, III, a da Constituição Federal, “cabe à lei complementar [...] estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre [...] definição de tribu-tos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”.

A controvérsia chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de diver-sas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (tendo sido julgada a de n.º 5794, com efeitos vinculantes para todas as demais), além de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (n.º 55), aquelas promovidas por diversas entidades sin-dicais representativas de categorias de trabalhadores, e a última movida pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV.

Em julgamento histórico, por se tratar do primeiro caso analisado definitivamen-te em que se discutiu a inconstitucionalidade de dispositivos da reforma traba-lhista, o STF decidiu, em 29 de junho de 2018, julgar improcedentes os pedidos formulados nas ações diretas de inconstitucionalidade e procedente o pedido formulado na ação declaratória de constitucionalidade, o que significa dizer que a Corte concluiu pela constitucionalidade da mudança legislativa que tornou a contribuição sindical meramente facultativa.

Do ponto de vista procedimental, as regras continuam idênticas às que já vinham consolidadas antes da reforma. Assim, quando o empregado autorizar prévia e expressamente, a contribuição sindical será descontada pelo empregador na fo-lha de pagamento do mês de março, sendo que a contribuição equivale ao valor de 1 (um) dia de prestação de serviço por ano. Já o empregador faz o recolhi-mento de sua contribuição no mês de janeiro de cada ano (contribuição sindical patronal). Por outro lado, abandonou-se a denominação de “imposto sindical”, que foi definitivamente substituída pela nomenclatura “contribuição sindical”.

Diante da nova situação, os sindicatos mais atuantes devem buscar novas fontes de renda, passando a cobrar, por exemplo, pela conferência de verbas trabalhis-tas para efeito de emissão de termo de quitação anual para as partes da relação empregatícia (art. 507-B da CLT), o que já vem, de algum modo, se tornando prá-tica em diversas entidades sindicais.

Apenas para conhecimento do leitor, a contribuição sindical era a única cujo pa-gamento era obrigatório antes da Lei n.º 13.467/17, sendo que os tribunais já haviam pacificado o entendimento de que as contribuições assistenciais, confe-derativas, mensalidades sindicais e afins não possuíam caráter compulsório, pelo que não podiam ser impostas ao trabalhador se este não fosse filiado ao sindica-to. (súmula 666 do STF, Súmula vinculante 40 do STF e OJ nº 17 da SDC do C. TST

Tal entendimento pacificou-se sob o fundamento de que não se afigurava lícito pretender que o trabalhador não filiado ao sindicato fosse obrigado a sofrer des-conto de contribuições confederativa e assistencial, que não gozam de compul-

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soriedade, porque compete exclusivamente à União instituir contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, conforme estabelece o artigo 149 da Constituição Federal.

O “NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO”.

Você já ouviu falar que a reforma trabalhista introduziu no nosso ordenamento o “negociado sobre o legislado”? Pois é. Isso é um mito. O “negociado sobre o legislado” sempre existiu no Direito do Trabalho. Veremos, então, o que de fato mudou, e que merece ser objeto de análise bastante crítica.

Como analisamos na parte introdutória deste trabalho, o Direito do Trabalho nasceu das reivindicações dos trabalhadores perante seus empregadores, que passaram a se reunir em sindicatos para obter mais força na negociação de seus direitos.

Essa constatação deixa clara uma característica marcante de nossa ciência, que é a criação de leis (em sentido amplo) pelos próprios patrões e empregados, regras que se tornam genéricas, abstratas, e que se aplicam a uma coletividade (a em-presa, no caso dos acordos coletivos, e a categoria, na hipótese das convenções coletivas).

Também estudamos que um princípio determinante no Direito do Trabalho é o da norma mais favorável, que estabelece que sempre que houver uma norma, mes-mo de hierarquia inferior à Constituição Federal, mas prevendo, em seu conjun-to, benefícios mais favoráveis ao trabalhador, ela preponderará. Exemplificando, se uma norma coletiva for mais benéfica, ao tratar de jornada, que a Constituição Federal, ela sobrepor-se-á a esta.

Com tais conceitos bem consolidados, podemos definir, portanto, que o Direito do Trabalho consolidou a premissa de que o que for negociado coletivamente entre as partes prevalecerá sobre o que foi legislado pelo Estado, mas desde que, em seu conjunto, as regras negociadas sejam mais favoráveis à classe trabalhadora que aquelas editadas pelo poder constituído no Estado.

Assim, é possível reiterar que, historicamente, o “negociado sobre o legislado” sempre existiu no Direito do Trabalho. A mudança introduzida com a reforma tra-balhista (e que deve abrir um novo paradigma em nosso ramo) é que, a partir de agora, o “negociado sobre o legislado” prevalecerá até mesmo em casos em que os direitos previstos em instrumentos coletivos oferecerem uma gama de vanta-gens inferior à prevista em lei. É exatamente este o alvo das inúmeras discussões que atualmente vêm sendo travadas.

Como sabemos, no Brasil existem milhares de sindicatos. Muitos deles de fato atuam em prol das categorias que representam, mas muitos outros são fracos, popularmente conhecidos, aliás, por sindicatos “pelegos”, justamente porque, em vez de se oporem à categoria econômica (empregadores), servem mais como uma forma de eliminarem atritos, figurando como verdadeiros porta-vozes da vontade dos patrões. Para esse último tipo de sindicatos, o efetivo cumprimento dos direitos dos trabalhadores e a luta por novos direitos tornam-se elementos secundários, pois sua intenção maior é obter as benesses da arrecadação do “im-posto sindical” e calar a classe trabalhadora, mantendo-a sob o domínio da von-tade de seus empregadores.

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Infelizmente, existe uma profusão dos chamados “sindicatos pelegos”, princi-palmente em categorias cuja participação política é mais fraca, em que o nível sócio-cultural é inferior (a exemplo, nas áreas em que normalmente se faz ter-ceirização de serviços). É exatamente em função dessa realidade que se torna no mínimo questionável a validade de uma regra que passa a dispor que, in-dependentemente do que a lei estabelece como parâmetro mínimo, os direitos previstos em acordos e convenções coletivas vão prevalecer. É que há o perigo de inexistir negociação na acepção da palavra, mas tão somente a imposição da vontade do empregador, servindo o sindicato profissional tão somente para dar ares de legalidade (e legitimidade) a essa situação.

A consequência pode ser das mais nefastas possíveis: trabalhadores que já são naturalmente excluídos das benesses que o capitalismo pode proporcionar – em função dos baixos salários –, serão ainda mais rebaixados, deixando de ter acesso a direitos mínimos. E tudo isso com chancela legal, pois, ao mesmo tempo em que a lei passa a dispor que “o negociado prevalece sobre o legislado” também em condições precarizantes, também dificulta a atuação da Justiça do Trabalho, impondo no novo §1º do artigo 611-A da CLT que, “no exame da convenção cole-tiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o dispos-to no § 3o do art. 8o desta Consolidação”, dispositivo esse também criado com a reforma trabalhista, e que estabelece:

No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos ele-mentos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Aliás, de forma a cercar a atuação do juiz do trabalho, a reforma ainda dispõe, contrariando frontalmente a própria ideia de negociação entre as partes, que “a inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não carac-terizar um vício do negócio jurídico” (artigo 611-A, §2º da CLT).

Ou seja: a prevalecer essas três regras (artigos 8º, §3º 611-A, §§1º e 2º), estabeleci-das certas condições em acordos ou convenções coletivas, a Justiça do Trabalho não poderá invalidar tais disposições sob o fundamento de que são lesivas aos trabalhadores. Sua atuação será limitada à análise da capacidade dos agentes (no caso, se os sindicatos podem atuar em nome das categorias representadas), à licitude do objeto (ou seja, se o que foi negociado tinha previsão legal para ser negociado), e à observância das formalidades previstas em lei (isto é, se o proce-dimento para a elaboração dos instrumentos coletivos foi observado).

Como se vê, o legislador cerceou, por assim dizer, o Poder Judiciário, procurando limitar sua atuação. Porém, a disposição é muito criticável e certamente gerará inúmeros debates judiciais. Afinal, como estudamos ainda na parte introdutória desse curso, o Brasil é um país em que os três Poderes são independentes e harmônicos entre si. Consequentemente, ingerências indevidas de um Poder no outro (o que pode ficar configurado a partir do raciocínio exposto nos pará-grafos anteriores) terão de ser reparadas, sob pena de se desrespeitar esse pilar da democracia que é a independência dos Poderes.

Nessa linha, atualmente não há segurança alguma em dizer que as regras aqui analisadas realmente serão validadas, postas em prática, pois é possível que o

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Poder Judiciário entenda que a mudança promovida pelo legislador teve mesmo a intenção de ferir o preceito democrático mencionado. O pano de fundo, como vimos, é a própria precarização das condições de trabalho.

O QUE SE PODE NEGOCIAR.

Com base na disposição do artigo 611-A da nova lei (que, como vimos, ainda será objeto de muita discussão), o legislador passa a dispor o seguinte:

Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I - pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II - banco de horas anual;III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minu-tos para jornadas superiores a seis horas;IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI - regulamento empresarial;VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X - modalidade de registro de jornada de trabalho;XI - troca do dia de feriado; XII - enquadramento do grau de insalubridade;[...] XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.

O primeiro aspecto que chama a atenção é a expressão “entre outros”, já na parte inicial do artigo 611-A. Por ele, é possível considerar que as possibilidades de negociação não são restritas às dispostas ao longo desse artigo, já que “outros” direitos poderão ser negociados.

Esse artigo de lei deve ser analisado em conjunto com outro, o artigo 611-B, que trata das hipóteses em que a negociação não é permitida. Assim, não é porque determinado direito não está disposto no artigo 611-A que ele automaticamente poderá ser objeto negociação, por estar inserido na locução “entre outros”. Será necessário verificar se existe alguma proibição no artigo 611-B, para que a nego-ciação seja possível.

Ao longo desse trabalho, analisamos a maior parte dos institutos trazidos pelo artigo em análise. Para evitar repetição desnecessária, chamaremos a atenção para aspectos específicos de cada um deles:

I) pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

Aqui, começamos com uma aparente incongruência do legislador. Ora, se devem ser “observados os limites constitucionais”, devemos ter por norte que apenas jornadas com até 8h diárias e 44h semanais serão permitidas, na linha prevista no

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artigo 7º, XIII da Constituição Federal, que dispõe ser direito dos trabalhadores:

[...] duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

Evidentemente, se pautarmos a análise no aspecto literal, a conclusão se dará pela inaplicabilidade do inciso I do artigo 611-A. Porém, estando evidente que a intenção do legislador é permitir regimes de compensação outros que não os especificados em lei (os já estudados acordos de compensação, banco de horas e 12x36), o que podemos extrair desse dispositivo é que será válida a existência de negociação coletiva que preveja novas formas de compensação. Porém, ain-da assim deverão ser preservados os parâmetros fixados para as outras modali-dades, como forma de nortear as possibilidades: a exemplo, a limitação a duas horas extraordinárias por dia e a existência de folgas em um patamar superior ao normal na hipótese de fixação de uma escala que se assemelhe à 12x36.

II - banco de horas anual;

Já vimos que, no banco de horas negociado coletivamente, as categorias envol-vidas têm de respeitar o limite máximo de um ano.

Aqui, na linha exposta no comentário ao inciso anterior, podemos então concluir que seria permitida a elaboração de um banco de horas com regras próprias, como forma distinta de compensação ou periodicidade diferente. Acreditamos, porém, que a fixação de um banco com período superior a um ano tornará de-masiadamente longas as possibilidades de compensação, muitas vezes em pre-juízo dos trabalhadores.

III - intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;

Essa é uma modificação relevante trazida pelo legislador, valendo remissão às considerações que já fizemos sobre o intervalo intrajornada. Basicamente, o que a nova regra passa a dispor é que, desde que exista um intervalo mínimo de trin-ta minutos, o mais poderá ser negociado.

Uma série de outros aspectos deverão aqui ser considerados. A exemplo, se os empregados estão trabalhando em regime de horas extras ou se desempenham suas atividades em locais insalubres. É evidente que, em situações como estas, não é recomendável que os trabalhadores tenham um descanso reduzido, em função dos malefícios à saúde que a longa duração do trabalho irá ocasionar.

Do contrário, se os trabalhadores submetidos à redução do intervalo realmente têm interesse em fazê-lo (para que tenham maior tempo livre ao final da jornada, por exemplo), e se o local de trabalho é propício a isso (existência de refeitório adequado, e ausência de filas para o trabalhador se alimentar, por exemplo), a redução poderá ser tolerada.

IV - adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015;

O Programa Seguro-Emprego (PSE) consiste em uma ação governamental cujo intuito é garantir o emprego em tempos de crise. A partir dele, permite-se a

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redução de jornada com a correspondente redução salarial. Como incentivo, o Governo oferece uma compensação aos trabalhadores atingidos, pagando-lhes 50% (cinquenta por cento) da redução salarial, mas até o limite de 65% (ses-senta e cinco por cento) do que os trabalhadores teriam direito por parcela do seguro-desemprego.

Como se vê, o PSE é um “incentivo” do Governo para empresas com dificuldades, assumindo o Estado um ônus ocasionado por crises na atividade econômica.

O que a nova regra da CLT vem dispor é que, estando presentes os pressupostos legais (Lei n.º 13.189/2015), as categorias profissional e econômica envolvidas poderão negociar outras formas de redução de salário e jornada, mantendo-se a contrapartida do Governo, porém, no mesmo patamar (já que não é possível que particulares interfiram em fonte de custeio governamental).

V - plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pesso-al do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança;

Plano de cargos, salários e funções sempre existiram no Direito do Trabalho, es-pecialmente nas grandes empresas, que criam políticas específicas de incentivo aos trabalhadores. Assim, a lei, nesse ponto, não traz qualquer novidade, pois esse tipo de regra já existe tanto em ajustes coletivos como em regulamentos de empresa (que é a “lei dentro da empresa”, estabelecida unilateralmente pelo patrão).

A modificação mais importante, nesse dispositivo, vem na parte final, qual seja, a previsão de “identificação dos cargos que se enquadram como funções de con-fiança”. Isso porque o empregado de confiança tem, pela lei, algumas restrições a direitos incomuns aos demais trabalhadores (como a ausência de controle de jornada e a possibilidade de transferência sem anuência, entre outros). Assim, é importante que a previsão contida em negociação coletiva seja fiel à realidade, prevendo como cargos de confiança aquelas situações que de fato sejam origi-nárias de um grau distinto de fidúcia depositado pelo empregador.

Importante observar, ainda em relação à parte final da regra comentada, que a mera previsão de um cargo de confiança não torna o ocupante do posto ver-dadeiro empregado de confiança. Afinal, como já tivemos a oportunidade de es-tudar, no Direito do Trabalho prevalece o que as partes colocaram em prática, não necessariamente o que dispuseram em documento. Consequentemente, se o trabalhador, na prática, nada mais faz que um empregado qualquer (a despeito do nome de seu cargo, “gerente”, por exemplo), tal situação de fato terá de ser reconhecida, afastando-se a condição “de confiança” e reconhecendo-se a tal tra-balhador todos os direitos inerentes a qualquer empregado.

VI - regulamento empresarial;

Nos comentários ao inciso V, mencionamos que o regulamento de empresa é a “lei dentro da empresa”, estabelecida unilateralmente pelo patrão. Basicamente, é o estatuto interno, o conjunto de regras que norteiam o funcionamento da em-presa e as condutas dos trabalhadores. Tem os mesmos efeitos da lei (em sentido amplo, material), por ser genérico, abstrato e dirigido a toda a coletividade de empregados.

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Em princípio, o regulamento empresarial é unilateral, pois imposto pelo empre-gador, a quem se confere poderes amplos para dirigir o seu negócio. Os limi-tes são aqueles inerentes a qualquer relação social, como o respeito à igualda-de, e, em geral a todos os direitos da personalidade daqueles que se situam na empresa.

A novidade legal parece ter, assim, um efeito democratizante, pois permite ao sindicato de trabalhadores colaborar na produção de regras de convívio dentro da empresa, elaborando em conjunto com o empregador o regulamento empre-sarial. Porém, a novidade não deve ter grande efeito prático, porque esse tipo de regra já é reservada à negociação coletiva, com os efeitos inerentes a esta (até mais abrangentes que os reservados ao regulamento de empresa). Analisando-a, porém, sob um viés otimista, podemos esperar que, na linha democratizante, até mesmo previsão de punições (advertências, suspensões), hoje limitadas à esfe-ra empresarial (via regulamento de empresa), poderão ser tratadas por acordos coletivos e convenções coletivas, o que lhes conferirá maior legitimidade (desde que, evidentemente, o sindicato profissional esteja atuando imbuído de inten-ções protetoras dos trabalhadores representados).

VII - representante dos trabalhadores no local de trabalho;

A representação dos empregados no local de trabalho é matéria disposta no ar-tigo 11 da Constituição Federal, que estabelece o seguinte:

Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a elei-ção de um representante destes com a finalidade exclusiva de promo-ver-lhes o entendimento direto com os empregadores.

Como já observamos neste trabalho, a reforma trabalhista regulamentou o insti-tuto nos artigos 510-A a 510-E da CLT (sendo que o artigo 510-E perdeu eficácia com a retirada do ordenamento da Medida Provisória n.º 808/2017), estabele-cendo quantitativos de empregados e atribuições específicas. Para maior apro-fundamento, remete-se o leitor ao tópico correspondente.

O que importa detectar, aqui, é que a representação dos trabalhadores poderá ser objeto de negociação coletiva, o que quer dizer que os critérios de fixação da comissão (inclusive atribuições e quantitativos) poderão ser definidos por ins-trumento de negociação coletiva. Nesse sentido, a ideia é dar aos interessados (empregados e empregadores) a liberdade de adaptarem o instituto à realidade vivida na empresa.

Necessário realçar, por fim, que, independentemente do que venha a ser previsto no instrumento coletivo, as atribuições e o funcionamento da comissão de em-presa não poderão invadir a esfera de atuação do sindicato, legítimo represen-tante da classe trabalhadora. Nesse sentido, serão consideradas inválidas regras que atinjam a liberdade sindical em seu sentido mais amplo, ou seja, na filiação e na atuação sindicais, o que, aliás, chegou a ser expressamente ressalvado na cabeça do artigo 611-A no período de vigência da MP n.º 808/2017 (14.11.2017 a 23.04.2018), em que foi estipulado que as normas coletivas devem observar “os incisos III e VI do caput do art. 8º da Constituição”, que, por sua vez, dispõem:

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações cole-tivas de trabalho;

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Na verdade, embora a MP n.º 808/2017 tenha perdido a vigência, a falta de men-ção aos incisos III e VI do artigo 8º da Constituição Federal não tem grande im-portância, na medida em que, do ponto de vista interpretativo, eles devem con-tinuar incidindo, considerando a preponderância que a Constituição Federal tem em nosso ordenamento.

VIII - teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;

Já tratamos de teletrabalho e trabalho intermitente, remetendo o leitor à análise de tais institutos. O sobreaviso, por sua vez, consiste no regime por meio do qual o empregado permanece à disposição do empregador, fora da empresa e de seu horário de trabalho, para atender a algum chamado para o serviço. Está previsto no artigo 244, §2º da CLT, e, embora cuide especificamente do trabalho do ferro-viário, vem sendo aplicado indistintamente para inúmeras outras categorias, por critério de analogia (previsto no artigo 8º da CLT):

Considera-se de “sobreaviso” o empregado efetivo, que permanecer em sua própria casa, aguardando a qualquer momento o chamado para o serviço. Cada escala de “sobreaviso” será, no máximo, de vinte e quatro horas, As horas de “sobreaviso”, para todos os efeitos, serão contadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal.

Essa disposição deve ter por norte algumas premissas:

1) não tem o condão de fazer desconsiderar regras mínimas que dizem respeito aos três institutos, especialmente aquelas relativas à saúde e segurança no trabalho;

2) especificamente quanto ao sobreaviso, não pode permitir a mera exclusão do direito ao pagamento das horas à disposição, pois isto representaria renúncia e não transação; e

3) mantém válidas as regras segundo as quais os riscos do empreendimento con-tinuam a cargo do empregador, que não poderá transferi-los ao empregado.

IX - remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;

Não há novidade, neste tópico, em relação ao que acontece na prática. Atualmente, já é lícito às partes negociarem formas distintas de pagamento por produtividade, assim também critérios específicos quanto ao pagamento de gorjetas.

A ideia de incluir este tema como objeto de negociação coletiva parece ser a de conferir maior flexibilidade às partes para adaptarem a lei às peculiaridades de sua atuação profissional. Afinal, a lei não tem como estabelecer parâmetros de remuneração por produtividade ou por desempenho individual, já que é inima-ginável a quantidade de categorias e as especificidades de cada empresa, quan-do a questão diz respeito à remuneração dos respectivos empregados. Nessa li-nha, a negociação coletiva poderá prever as formas de pagamento com atenção a determinado segmento, inclusive tendo a possibilidade de dispor conforme a natureza da atividade e a sazonalidade. Um bom exemplo é uma negociação dessa natureza envolvendo uma fábrica de sorvetes. É evidente que, em épocas mais quentes, a produtividade do empregado vendedor será maior, e, por isso, seu salário deverá acompanhar tal pressuposto. Já em épocas frias, ele sofrerá uma sensível redução. A negociação coletiva poderá prever espécies de compen-sação conforme a produtividade do empregado

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Desde que a previsão contida neste inciso IX não sirva como uma forma ape-nas de afastar o Poder Judiciário de casos de lesão (remetendo-se o leitor, nes-te ponto, às considerações feitas no item “x”), a tentativa pode ser benéfica aos envolvidos.

X - modalidade de registro de jornada de trabalho;

São conhecidas as diferentes formas de registro de jornada, como o relógio de ponto, o registro eletrônico e até mesmo a anotação manual de horários. Todas elas são válidas, e vêm previstas no artigo 74, §2º da CLT:

Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obriga-tória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, conforme instruções a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho, devendo haver pré-assinalação do período de repouso.

Assim, o que a nova disposição traz de novidade é a possibilidade de emprega-dos (por meio dos sindicatos) e patrões definirem formas de registro que valham para todos os atingidos pelo instrumento de negociação.

O novo dispositivo parece desnecessário, pois a lei não restringe a forma de re-gistro de jornada para este ou aquele segmento empresarial. Na verdade, o risco é o de possibilitar um efeito colateral, consubstanciado na criação de entraves à atuação dos pequenos empresários. Por exemplo: se houver uma convenção coletiva do ramo do comércio prevendo que o registro dos empregados em tal atividade deve ser feito exclusivamente por meio eletrônico, tal previsão poderá ser facilmente colocada em prática em grandes redes varejistas. Porém, para pe-quenos negócios (mini-mercados, açougues ou mercearias de bairro), o sistema poderá gerar custos elevados, capazes de inviabilizar o negócio.

Ao mesmo tempo, a previsão em análise não permite às partes que excluam a necessidade do próprio registro de jornada dos empregados (ressalvadas as ex-ceções legalmente previstas no artigo 62 da CLT). Afinal, continua vigente, mes-mo depois da reforma, a regra prevista no §1º do artigo 74 da CLT, que estabelece o seguinte:

O horário de trabalho será anotado em registro de empregados com a indicação de acordos ou contratos coletivos porventura celebrados.

Como se vê, há uma regra imperativa, no sentido de o horário de trabalho “será anotado”, o que inviabiliza a ausência de registro. Ao mesmo tempo, controles como aqueles conhecidos por “registros de exceção”, ou seja, sistemas em que o empregado não registra os horários regulares, mas tão somente a sobrejornada, deverão ser analisados com alguma reserva, pois consistem em uma flexibiliza-ção de uma regra (o §1º do artigo 74) que, em tese, não permite tal interpretação.

XI - troca do dia de feriado;

Esta é uma mudança que, na prática, já era implantada no dia-a-dia de diversas categorias profissionais. A introdução de tal assunto na CLT serve para dar segu-rança para as empresas, a fim de que não sejam compelidas a pagar em dobro o feriado trabalhado, nas hipóteses em que ele é compensado em outro dia.

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Na verdade, a possibilidade de troca do dia de feriado já era prevista em antiga norma de 1949. Trata-se da Lei n.º 605/1949, ainda em vigor, que estabelece que:

Nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências téc-nicas das empresas, a suspensão do trabalho, nos dias feriados civis e religiosos, a remuneração será paga em dobro, salvo se o empregador determinar outro dia de folga.

A alteração em relação ao que diz a lei é, portanto, quase imperceptível. Mas se torna visível quando se constata que, a partir de agora, toda atividade poderá ensejar a troca do dia de feriado, não apenas aquelas cujas “exigências técnicas” imponham.

Deve-se observar, por fim, que certas alterações de dias de feriado podem ense-jar controvérsias no local de trabalho, o que deverá ser analisado pontualmente. Como exemplo, podemos citar o caso do empregado religioso que tenha de tra-balhar em dias de guarda, como Corpus Christi ou Natal. Evidentemente, sua fé religiosa, constitucionalmente assegurada (CF, artigo 5º, VIII), deverá ser respeita-da, permitindo-se certa flexibilidade.

Ao mesmo tempo, é notório que o feriado, assim como o final-de-semana, é o dia em que o trabalhador exerce o convívio social, unindo-se a amigos e familiares para o desenvolvimento de suas relações particulares. Nesse caso, a troca do dia de feriado poderá ser prejudicial, o que quer dizer que os exageros também não devem ser tolerados.

XII - enquadramento do grau de insalubridade;

Esta é uma das mais controvertidas regras em que a negociação entre as partes deve prevalecer sobre as disposições de lei.

“Enquadramento do grau de insalubridade” é matéria técnica, e em relação à qual somente um profissional habilitado (perito engenheiro especializado em medicina e segurança no trabalho) poderá discorrer. Nesse sentido, é imperativo que as entidades pactuantes (sindicatos profissional e econômico ou empresa) efetuem a contratação de perícia idônea como pressuposto para a fixação do grau de insalubridade a ser previsto em norma coletiva. Até porque o próprio artigo 195, §1º da CLT estipula que:

Art. 195 - A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a car-go de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.

§ 1º - É facultado às empresas e aos sindicatos das categorias profissionais inte-ressadas requererem ao Ministério do Trabalho a realização de perícia em estabe-lecimento ou setor deste, com o objetivo de caracterizar e classificar ou delimitar as atividades insalubres ou perigosas.

Não por acaso, no período em que vigorou a Medida Provisória n.º 808/2017, houve modificação do inciso ora analisado, uma vez que restou prevista a “possi-bilidade de contratação de perícia”. Porém, como visto, o entendimento que deve prevalecer (tanto antes da edição da MP como depois) parte da premissa de que a perícia técnica, nesses casos, é obrigatória.

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A matéria, por sinal, é absolutamente relevante para as relações de trabalho. Afinal, diz respeito à saúde e segurança no trabalho, sendo no mínimo temerário que pessoas sem conhecimento técnico discorram sobre ela. E, a considerar que a própria disposição em análise chegou até mesmo a deixar claro, enquanto vi-gente a MP n.º 808/2017, que a negociação quanto ao grau de insalubridade será validada “desde que respeitadas, na integralidade, as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho”, parece haver aí uma inconsistência por parte do legisla-dor reformista.

Não é demais realçar o caráter imperativo de regras que afetem a segurança no trabalho, o que, aliás, é reconhecido até mesmo pelo legislador reformista, que, ao tratar de matérias proibidas à negociação (objeto do tópico seguinte), deixa claro que:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acor-do coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: [...] XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;

Assim, analisando os dispositivos conjuntamente (artigos 611-A, inciso XII, 195 e 611-B, XVII), parece haver uma dificuldade muito grande em se validar negocia-ção coletiva em relação à matéria ora estudada.

Por fim, também merece menção o fato de que o dispositivo em análise, em fun-ção da Medida Provisória n.º 808/2017, chegou a prever que a negociação cole-tiva poderia ser concretizada também para fins de “prorrogação de jornada em locais insalubres”.

A disposição, que perdurou, como se sabe, apenas entre 14 de novembro de 2017 e 23 de abril de 2018 (período de vigência da MP n.º 808/2017), tornava a questão ainda mais controversa, na medida em que delegava à negociação cole-tiva deliberação tendente a flexibilizar matéria também diretamente relacionada com a saúde, higiene e segurança do trabalho, o que, de acordo com a própria reforma, não poderia ser objeto de negociação (como já destacado a respeito da proibição fixada no artigo 611-B, inciso XVII da CLT alterada.

Como a redação anterior voltou a vigorar, mantém-se a discussão tão somente quanto à validade, ou não, do próprio enquadramento do grau de insalubridade.

XIV - prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo e XV - participação nos lucros ou resultados da empresa.

Aqui, não há necessidade de qualquer digressão. Os dois dispositivos são analisa-dos conjuntamente, pois tratam de uma mesma espécie de direitos: pagamentos efetuados pela empresa como forma de incentivo ou de participação nos resul-tados (que podem, muitas vezes, decorrer do próprio incentivo conferido aos empregados).

Na verdade, este inciso é praticamente desnecessário.

A participação nos lucros e resultados da empresa já é reconhecidamente um direito dos trabalhadores, assim previsto no artigo 7º, XI da CLT. Tal direito foi regulamentado pela Lei n.º 10.101/2000, que estabelece que “a participação nos

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lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empre-gados”. Nesse caso, o que as partes poderão negociar serve, em tese, como meio para inovar disposições já existentes na norma mencionada.

Já a previsão em norma coletiva dos prêmios de incentivo, que já são comuns na prática, tem uma vantagem: a de permitir que empresas que não formulam tal política venham a introduzi-la, o que certamente será benéfico aos trabalhado-res de toda a categoria.

O QUE NÃO SE PODE NEGOCIAR.

Em um extenso rol, o novo artigo 611-B da CLT dispõe sobre direitos considera-dos inegociáveis no contrato de trabalho. Nessa linha, não trouxe qualquer no-vidade, pois todos os direitos previstos no mencionado artigo já eram inegociá-veis. Por isso, torna-se mais relevante estudarmos a fundo o artigo 611-A da CLT (que acabamos de ver), que trata justamente daqueles direitos que agora podem ser retirados ou negociados, do que rememorar direitos que, tal como antes da reforma, não poderão ser negociados.

Independentemente do exposto, faremos algumas observações a respeito do dispositivo em questão, que começa estabelecendo que “constituem objeto ilí-cito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução” dos direitos nele previstos. O destaque na palavra “ex-clusivamente” serve para a primeira discussão: ao compararmos tal disposição com a que se refere ao rol dos direitos passíveis de negociação (CLT, artigo 611-A), qual seja, “entre outros”, a conclusão é natural. Enquanto os direitos negociá-veis não se limitam aos previstos na lei, o rol dos direitos inegociáveis não poderá ser estendido. Ao menos na visão do legislador “reformista”.

Assim, a nova norma dispõe:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acor-do coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV - salário mínimo; V - valor nominal do décimo terceiro salário; VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua reten-ção dolosa; VIII - salário-família; IX - repouso semanal remunerado; X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI - número de dias de férias devidas ao empregado; XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei; XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

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XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalu-bres ou perigosas; XIX - aposentadoria; XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e crité-rios de admissão do trabalhador com deficiência;XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo emprega-tício permanente e o trabalhador avulso; XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho;XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender; XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e dis-posições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve;XXIX - tributos e outros créditos de terceiros;XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação.Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e in-tervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.

Assim, em linhas gerais, podemos afirmar que:

1) mantém-se garantido o direito ao registro em carteira de trabalho, que conti-nua sendo o documento de identificação profissional do trabalhador;

2) mantêm-se assegurados os direitos constitucionalmente previstos (e que, jus-tamente por estarem dispostos na Constituição, não poderiam ser suprimi-dos) previstos nos incisos II a XXIII, e XXV, XXVII e XXVIII;

3) impõe-se vedação a negociação que envolva direitos da criança e do adoles-cente, o que, de certo modo, é incongruente, pois é proibido o trabalho de crianças e adolescentes, ressalvadas condições muito especiais estabelecidas por legislação específica;

4) em consonância com a regra que passa a dispor que a contribuição sindical é facultativa (como analisamos em tópico próprio), a mudança passa a dispor que é direito do trabalhador não sofrer qualquer desconto salarial, mesmo com previsão em negociação coletiva, sem a sua prévia e expressa concordância;

5) é vedado à negociação coletiva versar sobre tributos ou créditos de terceiros, o que, de fato, não é matéria afeta a acordos e convenções coletivas; e

6) mantém-se intocada a proteção ao trabalho da mulher, na linha disposta na Constituição (artigo 7º, XX) e nos artigos relacionados no inciso XXX do artigo 611-B.

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Ao mesmo tempo, é possível apontarmos diversas inconsistências no artigo em análise.

Primeiramente, vale observar que, em relação aos dispositivos que já eram as-segurados pela Constituição, o legislador não teve o trabalho de regulamentar os que ainda pendem de regulação. Assim, mantiveram-se, exatamente como vinham dispostas na Constituição, regras que demandariam regulamentação le-gal expressa, o que quer dizer que o legislador infraconstitucional não cumpriu a missão reguladora que lhe foi confiada. É o que se verifica no inciso XVIII, que dispõe sobre o direito ao “adicional de remuneração para as atividades penosas”, direito este até hoje não regulado em qualquer lei.

Nesse contexto, torçamos para que a previsão em questão sirva como um norte a orientar futuras negociações coletivas, possibilitando sua regulamentação em categorias que hoje clamam pelo adicional de penosidade.

Ao mesmo tempo, podemos detectar algumas contradições de difícil resolução:

1) ao dispor que “normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho” são inego-ciáveis, o legislador criou um conflito com o inciso XII do artigo 611-A da CLT, como já discorrido no item anterior; e

2) prevendo ao trabalhador o “direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em conven-ção coletiva ou acordo coletivo de trabalho”, o legislador pode ter negado vigência a dispositivo constitucional que expressamente prevê o custeio da atividade sindical por contribuição prevista em lei (Constituição Federal, arti-go 8º, IV).

Por fim, merece especial atenção a regra disposta no parágrafo único do artigo 611-B da CLT, no sentido de que “regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.”

Ora: uma das características mais consolidadas na evolução do Direito do Trabalho é a de que, quanto maior o tempo de jornada e menor o tempo de des-canso, maior é a incidência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. A relação é evidente: quanto mais se trabalha, maior é o cansaço, o que quer dizer que, quanto mais a jornada se estende, maior é a possibilidade de desatenção, e, por consequência, da ocorrência de acidentes de trabalho. Quando se soma tal condição com a falta de descanso durante a jornada, o que se tem é a maximiza-ção do cansaço, e, portanto, uma incidência ainda maior de acidentes.

Nesse contexto, a regra contida no parágrafo único do artigo 611-B da CLT fecha os olhos para uma realidade inerente não só ao Direito do Trabalho como a qual-quer atividade humana. Ainda que haja a “nobre” intenção de facilitar a negocia-ção de direitos, o legislador estabelece uma regra alheia ao que ordinariamente se detecta no ambiente das empresas, o que certamente cobrará seu preço nos próximos anos.

A propósito, vale uma reflexão final: sabemos que o Governo Federal está firme na intenção de reformulação das regras da Previdência Social. O argumento é o de que a arrecadação é baixa, não comporta os elevados gastos previdenciários, dentre os quais o custeio de auxílio-doença, auxílio-acidente e aposentadoria

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por invalidez. Com a permissão legal para a prática de jornadas extensas e com menor tempo de descanso, é natural que haja maior dispêndio de recursos com benefícios previdenciários, pois, como mencionado, o número de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho deverá aumentar. Ou seja: os gastos previden-ciários aumentarão na mesma proporção. Como equacionar esta questão?

A POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO SALARIAL.

Desde antes da Constituição de 1988, era permitido ao empregador, em con-dições bem específicas – normalmente relacionadas a dificuldades financeiras pontuais – reduzir os salários de seus empregados.

Embora esta não seja a prática – eis que uma redução salarial tem efeitos drás-ticos na economia familiar dos empregados (e, indiretamente, na macroecono-mia), além de poder servir como mera transferência ao empregado dos riscos do empreendimento – a redução salarial chegou a acontecer em casos isolados.

A Constituição Federal de 1988 chancela a possibilidade de redução salarial, dispondo ser direito de todo trabalhador a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Ou seja: fixa como regra a irreduti-bilidade salarial, mas permite que redução ocorra mediante negociação coletiva.

A partir daí, diversos casos em que os patrões não tinham mais condições de manter suas atividades em função de dificuldades financeiras passaram a ser re-gidos por normas coletivas redutoras de salários, que, como contrapartida, con-feriam algum outro direito aos trabalhadores atingidos com a drástica medida.

Com a reforma trabalhista, a contrapartida passa a ser definida. E, a considerar o direito assegurado, podemos dizer que esta é uma das poucas hipóteses em que realmente houve algum ganho com a mudança. Tal é a redação do novo artigo 611-A, §3º da CLT:

Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a conven-ção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a prote-ção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo.

Ou seja: a partir da reforma é possível dizer que, nos casos em que há ajuste de redução salarial (que, necessariamente, terá de ser justificada), haverá a fi-xação de alguma espécie de garantia no emprego dos trabalhadores atingidos, sob pena de invalidade da cláusula redutora de salário. Trata-se, sem dúvida, de algum ganho, pois a manutenção do emprego em tempos de comprovada crise econômica pode ser a salvação de inúmeros trabalhadores.

A DURAÇÃO DOS ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO.

Como já observado neste trabalho, as normas coletivas (convenções coletivas de trabalho e acordos coletivos de trabalho) são instrumentos firmados entre sindi-catos das categorias econômicas e profissionais, ou entre sindicatos das catego-rias profissionais e empresas, que criam regras abstratas e genéricas destinadas aos membros de uma categoria de determinada base territorial.

O prazo máximo de duração das normas coletivas não restou alterado, podendo ser de até dois anos. Contudo, a reforma trabalhista acresceu no §3º do artigo

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614 da CLT que é vedada a ultratividade da norma coletiva, ou seja, a duração do instrumento por período superior àquele fixado em lei, enquanto as partes não concluem nova negociação coletiva:

§ 3º Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.

A discussão acerca da ultratividade da norma coletiva iniciou-se com a Emenda Constitucional n.º 45 de 2004, no tocante à redação do § 2º do artigo 114 da CF, que, a partir de então, passou a dispor:

§2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à ar-bitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho deci-dir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (com des-taque apenas na transcrição)

Portanto, na expressão “respeitadas [...] as [condições] convencionadas anterior-mente”, estaria a autorização constitucional para que os instrumentos coletivos durassem por período além daquele limitado por lei.

Como já mencionado, o prazo de duração da norma coletiva sempre esteve pre-visto na CLT, podendo durar por até dois anos. E, normalmente, as normas coleti-vas asseguram aos membros de uma categoria direitos superiores aos que estão previstos em lei (ou porque concedem em maior quantidade àquela prevista na lei – por exemplo, adicional de 70% para hora extra –, ou porque conferem direi-tos que sequer a lei prevê aos trabalhadores – a exemplo, auxílio alimentação).

Assim, ao menos até a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004 (que incluiu o já transcrito §2º ao artigo 114 da Constituição), sempre houve entendi-mento manso no sentido de que, expirando o prazo da norma coletiva, os tra-balhadores deixavam de fazer jus aos benefícios aumentados ou criados pela norma coletiva, voltando os trabalhadores a ter como direitos mínimos aqueles que estavam previsto na legislação trabalhista.

Mas, com o passar do tempo, o TST pacificou entendimento no sentido de que algumas cláusulas de norma coletiva poderiam ter sua validade estendida mes-mo após o término da vigência da norma, institucionalizando, então, a chamada ultratividade da norma coletiva. A título de exemplo, a jurisprudência passou a mencionar que teria ultratividade a cláusula que previsse direito a garantia de emprego que perdurasse mais tempo que a norma coletiva, caso o trabalhador implementasse os requisitos dentro do prazo de vigência da norma.

Mas, com a redação do § 2º do artigo 114 da CF, precisamente a redação da parte final, o debate jurídico aumentou. Assim, o TST proferiu entendimento no sen-tido de que os benefícios de uma norma coletiva não poderiam ser suprimidos antes da próxima negociação coletiva. É o entendimento extraído da redação da súmula 277 do TST com redação alterada em setembro de 2012:

CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE. As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou supri-midas mediante negociação coletiva de trabalho.

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Ou seja, o TST, em decorrência da atual redação da Constituição com a Emenda Constitucional 45/2004, fez interpretação constitucional do art. 114, § 2º da CF, no sentido de que a Carta Magna teria reinserido o princípio da ultratividade das normas coletivas.

Contudo, o STF, por meio da ADPF 323, que teve como requerente a Confenem – Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, suspendeu liminar-mente a eficácia da súmula 277 do TST. E o julgamento definitivo da mencionada ação no STF não ocorreu até a presente data.

Resta saber se a decisão futura do STF será na mesma linha da nova redação do art. 614, § 3º da CLT (no sentido de que as normas coletivas não possuem ultra-tividade) ou se o posicionamento será no sentido de que a ultratividade pode ocorrer, hipótese na qual será inevitável a declaração de inconstitucionalidade dessa alteração legislativa da reforma trabalhista.

PREVALÊNCIA DO ACORDO COLETIVO EM DETRIMENTO DA CONVENÇÃO COLETIVA.

É possível que determinada questão relacionada ao contrato de trabalho seja regida tanto por um acordo como por uma convenção coletiva. Por exemplo: os sindicatos profissional e patronal ajustam o fornecimento de uma cesta básica mensal no valor de R$180,00 (cento e oitenta reais) para todos os empregados da categoria. Ao mesmo tempo, determinada empresa, buscando regulamentar as questões relativas aos seus empregados, combina com o sindicato profissional a concessão de uma cesta básica orçada em R$150,00 (cento e cinquenta reais). Qual regra deverá prevalecer?

Como se vê, a análise diz respeito à hierarquia entre acordos coletivos e conven-ções coletivas. E, de acordo com a regra que imperou até a reforma trabalhista, a solução dada pelo artigo 620 da CLT era a seguinte:

Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais fa-voráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.

Perceba que, assim como já mencionado em diversas passagens deste trabalho, a ideia que norteia a interpretação de normas no Direito do Trabalho é a da pre-valência do que for mais benéfico. Porém, leia agora atentamente a nova disposi-ção do artigo 620 da CLT, com redação dada pela lei da reforma trabalhista:

Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.

Ou seja: nada mais se afirma sobre norma mais favorável, estabelecendo-se, ta-xativamente, e independentemente do conteúdo, a prevalência dos acordos co-letivos de trabalho.

O que podemos afirmar é que a regra em questão modifica uma realidade já consolidada em nome de uma possível proximidade (das partes) entre as regras colocadas em análise. Em outras palavras: o acordo coletivo, a partir da reforma trabalhista, passa a prevalecer em relação a eventual convenção coletiva, pois o legislador presume que o acordo retrata com mais fidelidade as condições de determinada empresa (que pode estar, por exemplo, em uma situação financeira mais difícil e, por tal razão pactua com o sindicato uma cesta básica em valor inferior ao firmado para o restante da categoria).

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Esta questão, tal como muitas outras até aqui analisadas, deverá ser objeto de muita discussão no âmbito trabalhista.

ASPECTOS MAIS RELEVANTES DE DIREITO PROCESSUAL.

Depois de tratarmos das novas normas que modificarão a realidade dos con-tratos de trabalho, passaremos a analisar as principais alterações que afetarão o Direito Processual do Trabalho¸ ou seja, as regras que dizem respeito ao pro-cessamento de uma reclamação trabalhista, que deverá ser ajuizada sempre que houver alguma discussão sobre as cláusulas do contrato de trabalho.

Avaliaremos, em linhas gerais, a postura que deve nortear a conduta dos advoga-dos e das partes, os custos para a manutenção de uma ação trabalhista, e as nor-mas que foram modificadas com relação aos processos que tramitam na Justiça do Trabalho.

A CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO: FACULDADE OU NECESSIDADE?

É regra consagrada no artigo 791 da CLT a de que não há necessidade da contra-tação de advogado para o ajuizamento de ação trabalhista, ou para a apresenta-ção de defesa:

Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão reclamar pes-soalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas recla-mações até o final.

Trata-se do chamado exercício direito do jus postulandi, que é a expressão em latim para o direito de postular em Juízo.

Com exceção da hipótese do procedimento de jurisdição voluntária para homo-logação de acordo extrajudicial (novidade trazida com a reforma trabalhista no artigo 855-B da CLT, e que será estudada mais adiante), a disposição do artigo 791 da CLT não foi modificada pela reforma trabalhista, o que quer dizer que, res-salvada a exceção mencionada, se um trabalhador entender que sofreu algum tipo de lesão em seu contrato de trabalho, tem a faculdade de, pessoalmente, dirigir-se à Justiça do Trabalho e efetuar sua reclamação até mesmo de forma verbal, conforme previsto no artigo 840 da CLT (“A reclamação poderá ser escrita ou verbal.”).

As mesmas regras aplicam-se ao empregador, que, guardada a exceção do artigo 855-B da CLT, também não precisará estar assistido por advogado e poderá apre-sentar sua defesa por escrito ou verbalmente.

Ainda hoje se discute sobre a constitucionalidade do artigo 791 da CLT, especial-mente porque a Constituição Federal de 1988 passou a prever, em seu artigo 133, que “o advogado é indispensável à administração da justiça”.

Porém, justamente porque a Justiça do Trabalho lida com pessoas mais pobres, normalmente com dificuldades financeiras, e por um critério de facilitação do acesso do trabalhador à Justiça, entende-se que, mesmo diante da regra consti-tucional mencionada, permanece válido o disposto no artigo 791 da CLT.

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Ainda assim, é de se pensar se a contratação do advogado não se tornou, nos dias atuais, uma verdadeira necessidade. Analisemos.

Tal como ocorre em qualquer ciência (humana, exata ou biológica), o Direito vem passando por constantes transformações, que, em grande parte, devem-se ao uso de tecnologias da informação. Na atualidade, o processo judicial trabalhista não é mais físico, mas eletrônico, passando a exigir de seu operador (juiz, servi-dor e advogados) alguma noção de informática.

Como se não bastasse, o próprio Direito sempre contou com institutos comple-xos, de difícil assimilação por pessoas leigas: perempção, prescrição, preclusão, embargos de declaração, agravo de petição e embargos à execução são apenas alguns dos muitos institutos jurídicos em relação aos quais uma pessoa sem co-nhecimento mínimo em Direito não teria condições de compreender, o que cer-tamente é capaz de gerar prejuízo à defesa do seu direito.

Nesse contexto, é no mínimo recomendável que o trabalhador e o empregador se valham da prerrogativa de contratar advogado, pois o exercício de sua ampla defesa estará de fato prestigiado em tal situação, impedindo que uma injustiça acabe por se perpetuar simplesmente em função do desconhecimento de leigos em temas jurídicos.

De todo modo, é bom que se diga: o advogado, como qualquer trabalhador, não deverá trabalhar de graça, e se a opção pela contratação de tal profissional for exercida, o contratante terá de arcar com os custos daí decorrentes.

Normalmente (não é regra, mas prática comum), o advogado costuma cobrar 30% (trinta por cento) do eventual ganho que o trabalhador obtiver com sua causa. A cobrança é feita ao final, por ocasião do recebimento do crédito. Por ou-tro lado, é comum que tal cláusula não preveja qualquer pagamento em caso de perda da ação, o que quer dizer que, nesta hipótese, a contratação do advogado nada custará para o trabalhador.

Em relação aos empregadores, que normalmente atuam como reclamados (ou seja, defendendo-se de algum pedido), o advogado costuma cobrar com base nos valores discutidos na ação, em quantia fixa ou variável, conforme o que ficar ajustado com o cliente.

Nesse campo, a principal mudança oriunda com a reforma trabalhista foi a intro-dução de mais uma forma de pagamento ao advogado. Trata-se dos honorários de sucumbência, que, como o nome diz, são devidos pela parte perdedora (su-cumbente) ao advogado da parte contrária, como forma de remunerar o traba-lho deste.

Os honorários de sucumbência, ao lado das regras de custas do processo e de acesso à Justiça, serão os temas tratados no próximo tópico.

Por fim, apenas para efeito de esclarecimento, o TST interpretou e fixou por meio de sua jurisprudência pacífica que esse direito de o próprio cidadão levar adiante o processo sem a assistência de um advogado permanece até a fase do chamado recurso ordinário (julgado pelo TRT), que é o recurso que se apresenta em face da sentença proferida pelo juiz de 1ª instância (que analisaremos mais adiante). Trata-se da Súmula 425:

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JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ALCANCE. O jus pos-tulandi das partes, estabelecido no art. 791 da CLT, limita-se às Varas do Trabalho e aos Tribunais Regionais do Trabalho, não alcançando a ação rescisória, a ação cautelar, o mandado de segurança e os recursos de competência do Tribunal Superior do Trabalho.

QUAL É O CUSTO PARA ENTRAR COM UMA AÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO?

AS CUSTAS PROCESSUAIS.

Ao ajuizar um processo, empregado e empregador não precisam pagar qualquer valor a título de custas processuais.

Contudo, com a reforma trabalhista, a partir do momento que a parte autora dei-xa de comparecer à audiência marcada para o processo sem motivo legalmente justificável, ficará responsável pelo pagamento de custas processuais, ainda que seja beneficiário da justiça gratuita, além de ter o seu processo arquivado. É o que se depreende do artigo 844, § 2º da CLT, e que será melhor analisado em tópico distinto.

O valor das custas é de 2% (dois por cento) sobre o valor da causa, observado o mínimo de R$ 10,64 e o máximo de quatro vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social. As hipóteses de incidência são previstas no artigo 789 da CLT:

Art. 789. Nos dissídios individuais e nos dissídios coletivos do trabalho, nas ações e procedimentos de competência da Justiça do Trabalho, bem como nas demandas propostas perante a Justiça Estadual, no exercício da jurisdição trabalhista, as custas relativas ao processo de conhecimento incidirão à base de 2% (dois por cento), observado o mínimo de R$ 10,64 (dez reais e sessenta e quatro centavos) e o máxi-mo de quatro vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, e serão calculadas:I - quando houver acordo ou condenação, sobre o respectivo valor;II - quando houver extinção do processo, sem julgamento do mérito, ou julgado totalmente improcedente o pedido, sobre o valor da causa;III - no caso de procedência do pedido formulado em ação declaratória e em ação constitutiva, sobre o valor da causa;IV - quando o valor for indeterminado, sobre o que o juiz fixar.§1º As custas serão pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão. No caso de recurso, as custas serão pagas e comprovado o recolhimento dentro do prazo recursal.§ 2º Não sendo líquida a condenação, o juízo arbitrar-lhe-á o valor e fixará o montante das custas processuais.§ 3o Sempre que houver acordo, se de outra forma não for convencio-nado, o pagamento das custas caberá em partes iguais aos litigantes.§ 4º Nos dissídios coletivos, as partes vencidas responderão solidaria-mente pelo pagamento das custas, calculadas sobre o valor arbitrado na decisão, ou pelo Presidente do Tribunal.

O reclamante tem o prazo de 15 dias para apresentar comprovante para justificar de forma plausível sua ausência. (artigo 844, § 2º da CLT)

O ACESSO À JUSTIÇA E O BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA.

A Constituição Federal possui um preâmbulo no qual se ressaltou que estava sendo instituído em 1988 um “Estado Democrático, destinado a assegurar o

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exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-es-tar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias [...]”.

Por sua vez, o artigo 5º da Constituição Federal institui os direitos e garantias fundamentais individuais.

Diz o artigo 5º da Constituição, no caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Logo em seguida, dentre as dezenas de incisos desse artigo, foram dispostos diversos direitos individuais, dentre eles o princípio do acesso à Justiça.

Especificamente, tal princípio está previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. Ao mesmo tempo, o inciso LXXIV do mesmo artigo ainda dis-põe que:

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

Pela literalidade da nova redação do artigo 844, §§2º e 3º CLT, se o reclamante não comprovar o pagamento dessas custas processuais decorrentes do arquiva-mento, não poderá ajuizar novamente outro processo:

Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclama-do importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.[...] § 2º Na hipótese de ausência do reclamante, este será condena-do ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se com-provar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. (destaque da transcrição)§3º O pagamento das custas a que se refere o §2º é condição para a propositura de nova demanda.

Assim, considerando o princípio constitucional acima invocado, muitos juristas afirmam que os §§2º e 3º do artigo 844 da CLT são inconstitucionais, por viola-rem o princípio constitucional do acesso à Justiça, seja porque colocam como condição para ajuizar nova demanda o pagamento de custas, seja porque as custas decorrentes de arquivamento são cobradas mesmo daqueles que são beneficiários da justiça gratuita. Outros defendem a validade do dispositivo, en-tendendo que ele tem o mérito de reduzir a distribuição irresponsável de proces-sos na Justiça, fazendo com que o trabalhador acompanhe sua ação com maior comprometimento.

A questão é realmente delicada, tanto que já tramita no Supremo Tribunal Federal, desde o dia 28.08.2017 (ou seja, pouco mais de um mês depois de promulgada a Lei n.º 13.467/2017), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) dos dispositivos mencionados (ação que recebeu o n.º 5766). No momento, dois Ministros (Roberto Barroso e Edson Fachin) já votaram, e o processo está sob análise do Ministro Luiz Fux, ainda pendente de conclusão. Para se ter uma ideia da controvérsia, os votos dos dois Ministros seguiram entendimentos opostos, como se observa das seguintes passagens:

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1. O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a de-sincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de cus-tas e de honorários a seus beneficiários. 2. A cobrança de honorários sucumbenciais do hipossuficiente poderá incidir: (i) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua in-tegralidade; e (ii) sobre o percentual de até 30% do valor que exce-der ao teto do Regime Geral de Previdência Social, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias. 3. É legítima a cobrança de custas judiciais, em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento. (parte do voto do Ministro Roberto Barroso) O direito fundamental à gratuidade da Justiça encontra-se amparado em elementos fundamentais da identidade da Constituição de 1988, dentre eles aqueles que visam a conformar e concretizar os fundamen-tos da República relacionados à cidadania (art. 1º, III, da CRFB), da dig-nidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB), bem como os objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I , da CRFB) e de erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais (art. 3º, III, da CRFB). Apresenta-se relevante, nesse contexto, aqui dizer expressamente que a gratuidade da Justiça, especialmente no âmbito da Justiça Laboral, concretiza uma paridade de condições, propiciando às partes em lití-gio as mesmas possibilidades e chances de atuarem e estarem sujeitas a uma igualdade de situações processuais. É a conformação específica do princípio da isonomia no âmbito do devido processo legal. As li-mitações impostas pela Lei 13.467/2017 afrontam a consecução dos objetivos e desnaturam os fundamentos da Constituição da República de 1988, pois esvaziam direitos fundamentais essenciais dos trabalha-dores, exatamente, no âmbito das garantias institucionais necessárias para que lhes seja franqueado o acesso à Justiça, propulsor da busca de seus direitos fundamentais sociais, especialmente os trabalhistas. (parte do voto do Ministro Edson Fachin)

Justiça gratuita é um benefício concedido pelo juiz àqueles que comprovem in-suficiência de recursos para pagamento das custas do processo. Ou seja, os be-neficiários são aqueles que não podem arcar com o pagamento das custas sem prejuízo do seu sustento próprio e de sua família. Antes, consoante a jurispru-dência, bastava fazer uma declaração dessa precariedade de condição financeira. A partir de agora, pela literalidade da CLT decorrente da reforma trabalhista, o indivíduo precisa provar essa sua condição, exceto na hipótese do artigo 790, §3º da CLT, quando há presunção de pobreza e impossibilidade de pagamento das custas.

A regra é de duvidosa legalidade, especialmente quando se verifica que, no pro-cesso civil (que trata de discussões jurídicas normalmente travadas entre iguais), há norma muito mais benéfica àquele que se declara pobre, como se constata no §3º do artigo 99 do CPC:

§3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclu-sivamente por pessoa natural.

Porém, de acordo com o que dispõe o artigo 790, § 3º da CLT, é facultado aos juí-zes conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita apenas àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS (o que equivale, no ano de 2019, a pouco mais de R$2.300,00) independente de qualquer meio de prova (presunção de pobreza nessa hipó-tese). Percebendo o cidadão valor superior a 40% do teto do INSS, passará a ter que comprovar a sua condição de pobreza/impossibilidade de pagamento das custas. A despeito da perplexidade citada (disparidade entre a regra do processo

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civil e a nova regra do processo do trabalho), é ampla a possibilidade de o recla-mante que recebe salário superior provar sua condição de impossibilidade de re-colhimento de custas, podendo ser juntada uma cópia, por exemplo, do Imposto de Renda, ou mesmo boletos referentes a mensalidade escolar, plano de saúde, conta de energia, gás, aluguel, etc.

Registramos, ainda, que também a parte sucumbente no processo, quando não seja beneficiária da justiça gratuita, ficará encarregada pelo pagamento das cus-tas (na hipótese de extinção do feito com ou sem resolução do mérito do pro-cesso pelo juiz).

OS HONORÁRIOS DO ADVOGADO:

Outra grande novidade da reforma trabalhista é a redação do artigo 791-A da CLT que passou a prever o pagamento de honorários advocatícios de sucumbência na Justiça do Trabalho. A nova regra assim dispõe:

Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devi-dos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.§ 1o Os honorários são devidos também nas ações contra a Fazenda Pública e nas ações em que a parte estiver assistida ou substituída pelo sindicato de sua categoria.§ 2o Ao fixar os honorários, o juízo observará:I - o grau de zelo do profissional;II - o lugar de prestação do serviço;III - a natureza e a importância da causa;IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.§3º Na hipótese de procedência parcial, o juízo arbitrará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários. §4º Vencido o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de exis-tir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.§ 5o São devidos honorários de sucumbência na reconvenção.

Antes da reforma, os honorários advocatícios de sucumbência somente eram de-vidos quando preenchidos os requisitos legais (artigos 14 e 16 Lei n.º 5.584/70), ou seja, estar o reclamante assistido por seu sindicato de classe e perceber salário inferior ao dobro do mínimo legal ou não ter condições de arcar com os custos do processo sem prejuízo próprio ou do sustento de sua família.

Agora, o que se observa como fundamento legal para efeito de pagamento de honorários advocatícios é a literalidade do artigo 791-A da CLT. Assim, ao advo-gado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbên-cia, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito eco-nômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

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E ao fixar os honorários, o magistrado observará: I - o grau de zelo do profissional; II - o lugar de prestação do serviço; III - a natureza e a importância da causa IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Ainda ressalta a nova lei que, na hipótese de procedência parcial, o juízo arbi-trará honorários de sucumbência recíproca, vedada a compensação entre os honorários.

Por fim, nos termos do § 4º do artigo 791-A da CLT, vencido o beneficiário da jus-tiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa de honorários advocatícios, as obriga-ções decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigi-bilidade e somente poderão ser executadas se, nos dois anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.

Mais uma vez aqui se destaca que tal regra é, para alguns juristas, de duvido-sa constitucionalidade, posto que, no entendimento deles, seria incompatí-vel com o amplo acesso do trabalhador hipossuficiente ao Poder Judiciário, violando direitos e garantias constitucionais. Nesse sentido, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 5766, já mencionada neste trabalho, em que tam-bém se discute a validade da regra contida no §4º do artigo 791-A da CLT modi-ficada pela Lei n.º 13.467/2017.

OS HONORÁRIOS DO PERITO.

Muito comum na Justiça do Trabalho é a existência de pedidos que demandam prova técnica, como é o caso de pedidos de adicional de insalubridade, de pe-riculosidade, ou de indenização por danos em razão de doença ou acidente do trabalho. Como o juiz não detém conhecimento técnico acerca de todas as maté-rias, faz-se necessária a nomeação de um perito (médico, engenheiro, etc.) para auxiliar na conclusão acerca dessas matérias desconhecidas.

Antes da reforma trabalhista, sendo o trabalhador beneficiário da justiça gratui-ta sucumbente na pretensão objeto da perícia, era a União (por meio do Poder Judiciário, especificamente o TRT) quem arcava com o pagamento dos honorá-rios do perito. Contudo, com a reforma trabalhista, esse cenário sofreu alterações.

De acordo com a nova redação do artigo 790-B da CLT, a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente, ainda que seja beneficiária da justiça gratuita. Esse dispositivo vem sendo objeto de grande discussão jurídica, e, juntamente com as questões ligadas aos artigos 844, §§2º e 3º e 791-A, §4º da CLT, todos modificados pela reforma trabalhista, tem sua cons-titucionalidade questionada por meio da já citada ADI 5766, que tramita junto ao Supremo Tribunal Federal.

Ainda de acordo com as novas regras, somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despe-sa referente a honorários do perito, ainda que em outro processo, a União res-ponderá pelo encargo.

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Por fim, menciona-se que, também por expressa previsão legal, não pode mais o juiz exigir depósito prévio das partes para a realização de perícia, como ho-norários periciais prévios. Ou seja: caso o juiz determine a realização de perícia, não poderá impor às partes algum tipo de custeio prévio para tal fim, o que, por sinal, já era pacífico na Justiça do Trabalho, como se observa da Orientação Jurisprudencial n.º 98 da II Subseção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho:

MANDADO DE SEGURANÇA. CABÍVEL PARA ATACAR EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO PRÉVIO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. É ilegal a exi-gência de depósito prévio para custeio dos honorários periciais, dada a incompatibilidade com o processo do trabalho, sendo cabível o mandado de segurança visando à realização da perícia, independen-temente do depósito.

Seguem as disposições legais mencionadas neste tópico:

Art. 790-B. A responsabilidade pelo pagamento dos honorários peri-ciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da justiça gratuita.§ 1o Ao fixar o valor dos honorários periciais, o juízo deverá respeitar o limite máximo estabelecido pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho. § 2o O juízo poderá deferir parcelamento dos honorários periciais.§ 3o O juízo não poderá exigir adiantamento de valores para realiza-ção de perícias.§ 4o Somente no caso em que o beneficiário da justiça gratuita não tenha obtido em juízo créditos capazes de suportar a despesa referi-da no caput, ainda que em outro processo, a União responderá pelo encargo.

A DINÂMICA DO PROCESSO DO TRABALHO.

Em regra, o processo do trabalho inicia-se pela distribuição, na Justiça do Trabalho, de uma reclamação trabalhista, na qual o autor (chamado de reclaman-te) discorre sobre os fatos que o levaram a entrar com a ação. Nela, o interessado formula pedidos em face da parte contrária (chamada reclamada), postulando ao juiz a apreciação e, ao final, o acolhimento.

Na grande maioria dos casos (mais de 90%), é o trabalhador quem ajuíza a ação como reclamante. Porém, há hipóteses específicas em que o reclamante é o em-pregador, normalmente casos em que ele pretende pagar algo, mas não sabe a quem (quando o trabalhador morre ou desaparece, por exemplo). Em situações ainda mais restritas, também é possível que o empregador ingresse com a ação para cobrar por algum dano causado pelo empregado (como, por exemplo, a quebra de alguma máquina de trabalho), hipótese em que este figurará como reclamado.

A Justiça do Trabalho também tem competência para apreciar causas que digam respeito a relações de trabalho em geral, como trabalhadores autônomos, repre-sentantes comerciais e pequenos empreiteiros. Nesse caso, a posição de tais pro-fissionais seguirá a mesma sorte daquela referente ao empregado, modificando--se apenas o tipo de pedido formulado por tais interessados.

Com a reforma trabalhista, é possível que se torne mais comum o ajuizamento de ações de empresas em face de seus empregados. Isso porque passou a existir previsão expressa (que já analisamos em tópico anterior) de “bens juridicamente

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tutelados inerentes à pessoa jurídica”, precisamente “a imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência”, tal como se verifica no artigo 223-D da nova CLT. Nesse caso, mantém-se com a Justiça do Trabalho a competência para apreciação, na forma prevista no artigo 114, I, da Constituição Federal:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; [...]

O ato de “distribuir” o processo, a que nos referimos no início deste tópico, serve para que se conheça qual o Juízo competente para a apreciação. Isso ocorre nas cidades em que há mais de uma Vara (que é o nome dado a cada uma das divi-sões do Fórum em que atua o juiz). Se, na localidade, houver somente uma Vara, não há distribuição, mas simplesmente a entrega (formalizada por um protocolo) da ação, para que ela seja processada.

Dependendo do valor da causa, há dois ritos diferentes: o sumaríssimo, para cau-sas de até 40 (quarenta) salários mínimos, e o ordinário, para as demais. O que muda, em regra, é o tempo de tramitação (mais rápido nas causas de valor me-nor), e a produção de provas (pois o número de testemunhas é maior nas causas com valor mais elevado).

Em seguida à distribuição, seja o processo de rito sumaríssimo ou ordinário, ele pode tomar vários rumos:

1) o juiz poderá, já no início, tomar uma providência que passou a ser prevista com a reforma trabalhista, que é a extinção imediata do processo, sem apre-ciação dos pedidos, quando verificar que estes não foram feitos corretamente, como se constata nos novos §§1º e 3º do artigo 840 da CLT:

§ 1o Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juí-zo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que re-sulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. § 3o Os pedidos que não atendam ao disposto no § 1o deste artigo serão julgados extintos sem resolução do mérito.

2) se houver alguma questão urgente a ser apreciada, o juiz deverá analisá-la de imediato, deferindo ou indeferindo o pedido formulado, designando audiên-cia em seguida; ou

3) em condições normais, como regra, haver a designação de audiência, na qual deverão comparecer as partes (e eventuais advogados), acompanhadas de testemunhas, para que sejam produzidas as provas dos fatos alegados.

A defesa da reclamada deverá ser apresentada até a audiência, regra esta, aliás, que passou a vigorar apenas a partir da reforma trabalhista, pois, até então, a defesa deveria ser apresentada somente na audiência (ou 1h antes, conforme regra vigente para o processo eletrônico). Trata-se do novo parágrafo único do artigo 847 da CLT, que estabelece que “a parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência”.

Em grande parte dos casos (cerca de 50%), as reclamações trabalhistas são resolvidas por acordo, que, homologado pelo juiz, torna indiscutíveis todas as questões trata-das no processo. Nas situações em que não há acordo, o juiz analisa a defesa e, em seguida, dá início a uma fase do processo chamada de instrução, que corresponde à produção de provas dos fatos controvertidos, para decidir com quem está a razão.

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A colheita das provas também passou por algumas modificações a partir da re-forma trabalhista. O novo artigo 818 da CLT agora dispõe de forma mais técnica sobre o ônus atribuído a cada parte (ou seja, quem deve provar determinado fato), conferindo ao juiz o poder de definir a quem cabe fazer prova nas seguin-tes situações:

§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.§ 2o A decisão referida no § 1o deste artigo deverá ser proferida antes da abertura da instrução e, a requerimento da parte, implicará o adia-mento da audiência e possibilitará provar os fatos por qualquer meio em direito admitido. § 3o A decisão referida no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Assim, o que as novas regras querem dispor é que, se em determinada situação, for difícil para a parte que tem o ônus de fazer prova produzi-la, o juiz poderá, fundamentando sua decisão, e dando à parte contrária a oportunidade da ampla defesa, impor-lhe o ônus probatório.

Dependendo do que for pedido, o juiz ainda poderá determinar a realização de perícia, que será imprescindível nas pretensões de adicional de periculosidade, insalubridade, ou na apuração de sequelas oriundas de acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho. O perito nomeado deverá apresentar laudo, após visita ao ambiente de trabalho ou análise clínica do trabalhador (conforme o caso), em relação ao qual as partes poderão manifestar-se, exercendo sua ampla defesa.

Após a colheita das provas, e de uma nova tentativa de conciliação, o juiz profe-rirá uma decisão, chamada de sentença. Nela, poderá julgar procedentes, impro-cedentes, ou parcialmente procedentes os pedidos, fixando, também, os ônus da sucumbência (que já tivemos a oportunidade de conhecer). Da sentença caberá duas espécies de recursos: embargos de declaração, que servem apenas para que o próprio juiz que analisou o caso examine a existência de alguma omissão, contradição ou obscuridade, e recurso ordinário, dirigido a uma instância supe-rior (o Tribunal Regional do Trabalho), destinado a uma reanálise do caso.

Nos próximos tópicos, analisaremos pormenores do processo, como a localidade de propositura da ação, a audiência trabalhista e outros aspectos relevantes.

O LOCAL EM QUE SE DEVE PROPOR A AÇÃO.

É o que chamamos de competência territorial. Assim, consoante o artigo 651 da CLT, a competência para análise da reclamação trabalhista é determinada pelo local da prestação de serviço, ainda que o empregado tenha sido contratado em outro local.

Muitas vezes ocorre de o empregado ser transferido de local de trabalho. Assim, qual seria o local competente para ajuizar uma reclamação trabalhista?

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Alguns juízes entendem que seria então o último local da prestação de serviços. Por exemplo, se o empregado trabalhou em Mauá e depois foi transferido para a cidade de São Paulo, este último local seria o foro competente para análise da ação.

Contudo, há entendimento diverso, no sentido de que o local competente seria aquele no qual o empregado mais tempo permaneceu laborando, visando faci-litar o direito à produção de provas pelas partes. Por exemplo, em um contrato que perdurou 12 meses, o empregado laborou por 11 meses em Mauá e no úl-timo mês laborou em São Paulo, mais fácil seria a produção de provas em Mauá (oitiva de testemunhas, perícia, etc.).

Alguns juízes levam em consideração o domicílio do empregado para admitir eventual ação trabalhista. Muito comum ver casos em que o trabalhador migrou de algum Estado do Nordeste para tentar uma condição melhor na cidade de São Paulo. Depois, quando o contrato se encerra, e o trabalhador volta para sua cida-de natal, muitas vezes necessita ajuizar um processo trabalhista. Pela literalidade da lei, a competência para analisar esse processo será de alguma Vara Trabalhista da cidade de São Paulo (local da prestação de serviços). Mas alguns magistrados, flexibilizando a interpretação da lei em atenção ao princípio constitucional do amplo acesso à Justiça (Inafastabilidade da Prestação Jurisdicional – arti-go 5º, XXXV da Constituição Federal), princípio da proteção ao trabalhador e demais direitos e garantias individuais previstos na Constituição da República, aceitam julgar o processo trabalhista na cidade natal do trabalhador ou local atu-al de domicílio do trabalhador, posto que este não teria capacidade financeira de pagar passagens para comparecer à Justiça do Trabalho na cidade de São Paulo (hipossuficiência econômica do trabalhador).

Mas, trata-se de questão complexa e polêmica, pois pode ocorrer também de a empresa não ter qualquer filial no local de domicílio do trabalhador (na sua cida-de natal), de forma que também poderia ficar custoso ao empregador arcar com deslocamentos até a cidade domicílio do empregado.

Caberá ao magistrado sopesar princípios e valores para chegar à sua melhor con-clusão acerca da competência no caso concreto. Mas é preciso registrar que pela literalidade da lei ordinária, o local de competência é o da prestação de serviços.

A propósito, a reforma trabalhista, visando minimizar os custos do reclamado (e reclamante) nessas hipóteses de conflito de competência, pontuou que o Judiciário deve apreciar a questão relativa à competência territorial antes que qualquer parte tenha que se sacrificar e comparecer à audiência no local onde o processo foi ajuizado.

Nessa toada, nos termos da atual redação do artigo 800 e respectivo §1º da CLT, apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de 5 dias a contar da notificação, será suspenso o processo e não se realizará a audiência principal até que se decida a referida exceção:

Art. 800. Apresentada exceção de incompetência territorial no prazo de cinco dias a contar da notificação, antes da audiência e em peça que sinalize a existência desta exceção, seguir-se-á o procedimento estabelecido neste artigo.§ 1o Protocolada a petição, será suspenso o processo e não se realiza-rá a audiência a que se refere o art. 843 desta Consolidação até que se decida a exceção.

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O restante do procedimento é previsto nos §§2º, 3º e 4º do artigo 800, que dispõem:

§ 2º Os autos serão imediatamente conclusos ao juiz, que intimará o reclamante e, se existentes, os litisconsortes, para manifestação no prazo comum de cinco dias.§ 3º Se entender necessária a produção de prova oral, o juízo desig-nará audiência, garantindo o direito de o excipiente e de suas teste-munhas serem ouvidos, por carta precatória, no juízo que este houver indicado como competente.§ 4º Decidida a exceção de incompetência territorial, o processo re-tomará seu curso, com a designação de audiência, a apresentação de defesa e a instrução processual perante o juízo competente.

A AUDIÊNCIA TRABALHISTA:

No item “5.c”, tivemos a oportunidade de analisar de forma sucinta o procedi-mento trabalhista entre o ingresso da ação e a prolação da decisão final do juiz (sentença).

Um ato de importância extremamente relevante para a solução do processo tra-balhista é a audiência, justamente por ser a oportunidade em que o juiz tem con-tato direto com as partes envolvidas no processo, podendo ouvi-las, entendê-las, para, ao final, tentar chegar à solução mais justa possível do litígio, seja pelo acor-do, seja pela sentença.

Neste tópico, veremos os pormenores do processo em relação à audiência, espe-cialmente sobre a conduta dos envolvidos no processo.

AS CONSEQUÊNCIAS PARA QUEM NÃO VAI À AUDIÊNCIA:

Como já observamos, é regra que, após o ajuizamento da ação, seja designada uma audiência, na qual serão formuladas as tentativas de conciliação. Porém, é possível que uma das partes (ou até mesmo ambas) não compareça. Qual é a solução para tais casos?

Se o ausente for o reclamante, a CLT determina, como sempre determinou, o ar-quivamento da ação, que é o mesmo que encerrar o processo sem analisar os pe-didos formulados. A mesma solução é dada para os casos em que as duas partes não comparecem.

Porém, se o ausente for apenas o reclamado, há o que chamamos de “revelia”, que vem de uma locução em latim que significa “rebeldia”, no sentido mesmo de não vir a Juízo defender-se, uma forma de rebeldia em relação à ordem judicial. É a regra disposta no artigo 844 da CLT:

O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquiva-mento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado impor-ta revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.

A revelia é, portanto, o estado de quem não comparece em Juízo para se defen-der. A consequência que dela resulta é a confissão, que enseja a presunção de que tudo o que foi afirmado pelo reclamante (autor) é verdadeiro.

Naturalmente, é provável que os pedidos feitos pelo reclamante sejam acolhi-dos pelo juiz, em razão da confissão. Porém, há situações em que, mesmo diante

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de uma revelia, inexiste a conclusão pela confissão. Tais hipóteses já existiam no processo comum (aplicável de forma subsidiária ao processo do trabalho, nas hipóteses em que este não tenha regra própria, e em que a regra existente no processo civil seja compatível com os princípios aplicáveis ao processo do tra-balho), e, com a reforma trabalhista, foram introduzidas diretamente na CLT. São elas as previstas no §4º do artigo 844 da CLT:

§ 4o A revelia não produz o efeito mencionado no caput deste artigo se: I - havendo pluralidade de reclamados, algum deles contestar a ação; II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis; III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;IV - as alegações de fato formuladas pelo reclamante forem inveros-símeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.

Assim, havendo mais de um reclamado, a ausência de um deles não gerará con-fissão, caso outro contestar a ação, o que em se tratando de terceirização, por exemplo, não terá grande efeito, pois cada reclamada defende-se de uma situa-ção (a tomadora questiona apenas a sua responsabilidade, e a empresa terceiri-zada contesta as próprias verbas postuladas pelo empregado).

Além disso, se a ação tratar de direitos indisponíveis, ou se o reclamante houver deixado de juntar documento imprescindível, a ausência do reclamado não pro-duzirá maiores consequências, eis que a confissão será irrelevante.

Por outro lado, a solução destacada no inciso IV é a mais interessante: caso o juiz detecte que o reclamante expôs alguma situação absurda (por ser inverossímil ou contrária a provas juntadas com a própria inicial), o juiz poderá rejeitar o pe-dido respectivo. Em outras palavras: não é porque o autor afirma que trabalhava 24h por dia, sem folgas, por dez anos, por exemplo, que o juiz terá de dar razão a ele, mesmo sem defesa da reclamada, pois o absurdo não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário.

Por fim, resta observar que, se o reclamante não for à audiência, a nova lei traba-lhista dispõe, no artigo 844, §2º, o seguinte:

§ 2o Na hipótese de ausência do reclamante, este será condena-do ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se com-provar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável.

Este tema já foi analisado no item “5.b”, e vem sendo fruto de muitas discussões. A maior controvérsia está no fato de que se impõe que o beneficiário da justiça gratuita tenha de comprovar o motivo da ausência à audiência, sob pena de ter de arcar com o recolhimento das custas processuais. E a indagação é: se houve a concessão do benefício da justiça gratuita, como impor ao sujeito reconheci-damente pobre o recolhimento das custas pela ausência? Muitos dos motivos ensejadores do não comparecimento do trabalhador à audiência dizem respeito a questões de difícil prova, como problemas no transporte público (para deslo-camento até o Fórum) ou mesmo a obtenção de novo emprego (muitas vezes, sem registro em CTPS).

Trata-se de uma questão muito delicada, que certamente será objeto de acesas controvérsias nos Tribunais, até que se pacifique um entendimento a respeito.

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A FIGURA DO “PREPOSTO”:

A CLT estabelece em seu artigo 843 que, “na audiência de julgamento deverão estar presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do compare-cimento de seus representantes salvo, nos casos de Reclamatórias Plúrimas ou Ações de Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se representar pelo Sindicato de sua categoria”.

Ou seja: a regra em questão determina o comparecimento pessoal das partes, ex-ceto em casos em que são vários os reclamantes (para evitar tumulto no Fórum, no dia da audiência) ou em que o objeto da ação é o pedido de cumprimento de alguma cláusula de acordo coletivo ou convenção coletiva de trabalho, em que um representante do sindicato poderá substituir os trabalhadores.

Porém, especificamente no caso do empregador, há possibilidade mais ampla de substituição, justificável na medida em que normalmente o patrão é uma empre-sa, que pode ser representada por diversas pessoas que detenham poderes para tanto. É o que dispõe o §1º do artigo 843:

§ 1º É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas de-clarações obrigarão o proponente.

O “preposto” é, portanto, qualquer pessoa designada pelo empregador para representá-lo em audiência. É muito importante que tenha conhecimento dos fatos que geraram a reclamação trabalhista, pois, caso os desconheça, imporá ao proponente (o empregador que o nomeou como preposto) os mesmos efeitos da revelia, ou seja, a confissão quanto aos fatos alegados pelo reclamante.

A respeito de quem deva ser o preposto, embora a regra do §1º do artigo 843 da CLT seja bastante genérica, a Justiça do Trabalho sempre foi muito restritiva. Em razão disso, o TST consolidou o entendimento segundo o qual, exceto na re-clamação trabalhista movido pelo empregado doméstico ou em face de micro ou pequeno empresário, “o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado” (Súmula 377 do TST).

A intenção da Justiça do Trabalho foi a de impedir a presença do chamado “pre-posto profissional”, pessoa que, mesmo sem conhecer os fatos tratados na ação, comparecia às audiências apenas para suprir a formalidade legal. Em casos tais, o sujeito em questão era “preparado” para participar da audiência, normalmen-te usando em seu depoimento evasivas para não dizer que, de fato, não tinha conhecimento.

Porém, a reforma trabalhista vem para modificar completamente essa realida-de. É que, de acordo com o novo §3º do artigo 843 da CLT, “o preposto a que se refere o § 1o deste artigo não precisa ser empregado da parte reclamada”. Consequentemente, o risco do retorno da figura do preposto “profissional” volta a ficar forte.

Fique atento: o preposto não precisa ter presenciado os fatos em relação aos quais deve depor. Basta que ele os conheça, ciência esta que pode ser obtida por informações dentro da própria empresa, junto a colegas do trabalhador que ingressou com a ação trabalhista.

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A POSTURA ÉTICA DAS PARTES, DOS PROCURADORES E DE TODOS OS QUE PARTICIPAM DO PROCESSO:

No dia-a-dia, a conduta ética do ser humano contribui para uma constante me-lhoria da sociedade, pela observância aos valores mais importantes da humani-dade, em especial o respeito ao próximo, a franqueza e a prevalência da moral.

No âmbito de um processo judicial não é diferente. Tal como na vida privada, é dever de todos aqueles que atuam no processo agir com lealdade, colaborando com o Poder Judiciário pela busca da verdade e, de um modo geral, contribuindo para a solução mais célere dos processos.

Exatamente por isso, o Código de Processo Civil (que regula os processos cíveis em geral, como relações entre vizinhos, casos de colisão de veículos, dívidas con-dominiais, etc), prevê, em seu artigo 77, o seguinte:

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma par-ticipem do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provi-sória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

Considerando a relevância das regras dispostas, o processo do trabalho tam-bém se vale desses preceitos. Que, observados, colaboram para a existência de uma franca disputa entre empregados, empregadores, e todos os que, direta ou indiretamente, participam do processo, como peritos, assistentes técnicos e testemunhas.

Embora a reforma trabalhista não tenha importado a regra transcrita, introdu-ziu uma seção na CLT tratando exclusivamente da “responsabilidade por dano processual”. Trata-se de uma série de preceitos que impõem punições a quem age de má-fé, a iniciar pelo comando do artigo 793-A, que estatui que “responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como reclamante, reclamado ou interveniente”.

Na definição precisa do que vem a ser “litigante de má-fé”, a reforma copiou pre-ceitos do processo civil, embora isso nem fosse necessário. Afinal, com a consci-ência de que tal instituto é verdadeira regra de processo em geral (e, como visto, de toda a vida em sociedade), os juízes do trabalho já vinham apenando com as multas previstas no Código de Processo Civil todo aquele que agisse de maneira a prejudicar a justa composição do litígio.

A regra transportada para o processo do trabalho estipula o seguinte:

Art. 793-B. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;VI - provocar incidente manifestamente infundado;VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

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Como punição, o novo artigo 793-C da CLT dispõe que o juiz deverá aplicar multa ao litigante de má-fé, que “deverá ser superior a 1% (um por cento) e inferior a 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou”.

São inúmeras as situações em que pode ficar caracterizada a litigância de má--fé. Podem ser citadas: 1) a postura da empresa que junta controles de jornada com horários uniformes, que não retratam a realidade vivida pelo empregado; 2) a conduta de pagamento de salário “por fora”, com a apresentação dos com-provantes de pagamento que não contemplam tal rubrica, com a intenção de enganar o juiz e dificultar a prova pela parte contrária; 3) a situação em que o re-clamante inventa fatos para tentar obter uma vantagem indevida de seu patrão no curso do processo judicial.

Muitas dessas condutas, aliás, podem gerar até mesmo reflexos na esfera crimi-nal. A exemplo, nas situações hipotéticas (mas infelizmente muito comuns na prática) mencionadas, podemos observar a caracterização dos delitos previstos nos artigos 297, 298, 299 e 304 do Código Penal, que correspondem, respecti-vamente, aos crimes de falsificação de documento público, falsificação de documento particular, falsidade ideológica e uso de documento falso. Por outro lado, a depender do tipo de alegação inverídica formulada no processo (por qualquer das partes), poderá restar caracterizado algum dos crimes contra a honra, como calúnia (artigo 138), difamação (artigo 139) e injúria (artigo 140), todos tipificados no Código Penal.

Por isso, se os envolvidos no processo não quiserem prejudicar sua própria vida em função de sua postura no processo, é bom que respeitem os deveres impos-tos pela lei. O que, aliás, deve ser também o retrato da postura ética que todos devemos ter em sociedade.

A POSTURA ÉTICA DA TESTEMUNHA:

Na prática forense, é muito comum ouvirmos que “a parte (reclamante ou recla-mada) pode mentir, mas a testemunha não”. Não é verdade que a parte pode mentir. As exposições destacadas no item anterior são um indicativo de que tal postura é prejudicial a todo aquele que de alguma forma participa do processo, e, em casos extremos, pode até caracterizar uma conduta criminosa.

Com a testemunha, não é diferente. Na verdade, a testemunha que mente em Juízo pratica crime, independentemente da gravidade da mentira. Trata-se do crime de falso testemunho, tipificado no Código Penal no artigo 342, que trata, também da chamada “falsa perícia”, que é a postura desleal de outros auxiliares do Juízo, como perito, tradutor, contador ou intérprete:

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como tes-temunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judi-cial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.§ 1o As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é pra-ticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta. § 2o O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

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Por outro lado, se a conduta perniciosa da testemunha (ou dos auxiliares do Juízo mencionados) é provocada por alguma promessa de vantagem da parte em rela-ção à qual o resultado da prova respectiva favoreceria, também há crime, previs-to no artigo 343 do Código Penal:

Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vanta-gem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cál-culos, tradução ou interpretação: Pena - reclusão, de três a quatro anos, e multa. Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efei-to em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.

A reforma trabalhista trouxe uma novidade para aqueles casos em que a teste-munha mente ou omite informações relevantes de forma intencional. Passou a dispor que:

Art. 793-D. Aplica-se a multa prevista no art. 793-C desta Consolidação à testemunha que intencionalmente alterar a verdade dos fatos ou omitir fatos essenciais ao julgamento da causa. Parágrafo único. A execução da multa prevista neste artigo dar-se-á nos mesmos autos.

Como já vimos, a multa prevista no artigo 793-C da CLT é a aplicável para a parte que incorre em litigância de má-fé. Consequentemente, o que a nova regra vem dispor é que, se a testemunha mentir, além de responder criminalmente, tam-bém será compelida a pagar multa de até 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa.

Essa questão relacionada à testemunha merece uma análise bastante cuidadosa.

Sabemos que, no âmbito das relações entre trabalhadores e empregadores, exis-te uma clara conotação ideológica que gera, via de regra, um conflito sócio-eco-nômico e até mesmo cultural. Isso ganha em relevância no âmbito de uma em-presa, a depender do tratamento dedicado aos trabalhadores pelo empregador. Se o ambiente for mais livre, haverá menos problemas, mas se a relação for pouco amistosa, é possível que isso reflita em eventuais processos judiciais, até mesmo nos depoimentos prestados pelos trabalhadores na condição de testemunhas.

Certo é que, quando a testemunha é um ex-empregado, existe mais liberdade no seu depoimento. Ainda assim, o testemunho pode vir contaminado por aspectos ideológicos, o que pode ensejar alguma tentativa de favorecimento a uma das partes. Por outro lado, se a testemunha é empregada da empresa envolvida no processo durante a colheita do seu depoimento, é possível que tenha receio de falar a verdade, caso esta possa ser desfavorável ao seu patrão, com receio de perder o emprego. Afinal, como sabemos, no Brasil ainda não há previsão regula-mentada que permita com segurança afirmar que existe garantia no emprego, o que torna o trabalhador vulnerável, e, portanto, com receio de que atitudes suas possam colocar em risco sua fonte de sustento.

Assim, as razões pelas quais uma testemunha mente em Juízo muitas vezes são mais profundas que a mera intenção de favorecer ou prejudicar alguém. E, dian-te dessa realidade devemos ter muito cuidado com as peculiaridades do caso concreto, pois a gravidade das punições aplicadas merece uma maior reflexão.

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Fique atento: a disposição da reforma trabalhista que impõe uma punição em dinheiro à testemunha que intencionalmente mente em Juízo deverá ser objeto de muitas discussões. É que ela, de certa forma, constitui uma punição sem a garantia da ampla defesa, pois a testemunha é ouvida enquanto testemunha, não para se defender. Por outro lado, não se prevê um recurso específico para a testemunha sujeita a tal punição, o que quer dizer que seu acesso à Justiça também estaria prejudicado. Nesse caso, estaria aí desrespeitado um princípio fundamental de nossa sociedade, o que impõe uma reflexão mais abrangente sobre o assunto.

O ACORDO “EXTRAJUDICIAL” E SUA “HOMOLOGAÇÃO”.

Quando duas pessoas conflitam entre si sobre a resolução de alguma questão, temos o que chamamos de lide. Para resolvê-la, temos o Poder Judiciário, que, como observado na parte introdutória deste trabalho, é um dos três Poderes do Estado, a quem incumbe pacificar as lides existentes entre as pessoas, buscando a paz social.

Assim, qualquer cidadão pode ajuizar o processo, para que, após análise de um juiz, a controvérsia entre as partes seja resolvida.

A jurisdição pode ser voluntária ou contenciosa. A maior parte dos processos que tramitam no Poder Judiciário refere-se à jurisdição contenciosa, na qual se resolve um conflito de interesses existente entre as partes.

Já na jurisdição voluntária não existe litígio a ser resolvido. Alguns juristas lecio-nam que nem mesmo se fala em partes do processo, mas sim em “interessados”. Dizem até que não se deve falar em “processo”, mas sim em “procedimento”.

Com a reforma trabalhista, surgiu na seara trabalhista o chamado “processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial”. O novo institu-to vem previsto nos artigos 855-B a 855-E da CLT modificada:

Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.§ 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum.§ 2o Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindica-to de sua categoria.Art. 855-C. O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabeleci-do no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.Art. 855-D. No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.Art. 855-E. A petição de homologação de acordo extrajudicial suspen-de o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.Parágrafo único. O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguin-te ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo.

Assim, pelo procedimento instaurado, por meio de uma petição conjunta, as par-tes apresentam para o juiz um acordo referente a verbas trabalhistas que perme-

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aram um contrato de trabalho. A intenção é alcançar a quitação, de forma que as partes não mais discutam acerca de determinado contrato de trabalho.

Como já mencionamos em outro ponto deste trabalho, ao contrário do que ocor-re nos demais processos trabalhistas, nesse tipo de processo, para que ocorra a homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho, a presença do ad-vogado para dar assistência às partes é obrigatória.

Mas, pela exigência da lei, obrigatoriamente as partes não poderão ser represen-tadas por advogado comum. Isso porque empregado e empregador possuem interesses diversos. A possibilidade de o empregado estar assistido por advoga-do do sindicato de sua categoria minimiza os custos que um trabalhador poderia ter com a contratação particular de um advogado.

O empregador que, em conjunto com o empregado, opte por ajuizar esse pro-cedimento para homologação de acordo extrajudicial, não se verá livre das suas obrigações de pagar as verbas rescisórias no prazo legal (ou seja, em dez dias da rescisão do contrato, conforme o artigo 477, § 6º da CLT) e entregar os documen-tos que comprovam a comunicação da extinção contratual aos órgãos compe-tentes, sob pena de incidência da multa prevista no artigo 477, § 8º da CLT.

O prazo prescricional para o ajuizamento de eventual ação ficará suspenso a par-tir da data na qual for protocolado o referido acordo extrajudicial, voltando a prescrição a correr no dia útil seguinte ao trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo.

Pergunta-se: os acordos extrajudiciais homologados judicialmente podem con-ter cláusula de quitação geral? Em outras palavras: por meio de um acordo que verse sobre determinadas verbas, o acordo extrajudicial pode abranger toda e qualquer verba oriunda do contrato de trabalho, mesmo não inserida naquelas abrangidas pelo acordo?

Pode parecer uma resposta tranquila, a princípio. Contudo, trata-se de uma ques-tão polêmica. O tempo dirá como o Judiciário, trabalhadores e empresas reagirão a essa novidade legislativa. Tudo que se quer é impedir que pessoas de má índole se utilizem desse procedimento para conquistar a quitação ampla e irrestrita que o Judiciário emite, a troco de pagamento não compatível com um justo acordo ou a troco de enganar aquele que não tem plena ciência de seus direitos. Daí a importância de o trabalhador estar assistido por seu próprio advogado (não por algum profissional indicado pela própria empresa, por exemplo).

Fato é que o artigo 855-D da CLT diz que o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença. Assim, e como a senten-ça envolve juízo de valor acerca do que se expressa nos autos, e uma vez que a lei permite que o juiz “analise” o caso e ainda designe audiência, alguns juristas entendem, então, que caberá ao juiz, por meio da livre convicção motivada, se recusar a fazer alguma homologação ou fazê-la de forma restrita (apenas quanto ao objeto do processo, por exemplo).

Somente após detida análise dos elementos dos autos será possível ao juiz analisar se o caso concreto poderá ser alvo da quitação geral, com a validação desse tipo de cláusula. Afinal, a homologação do acordo constitui faculdade do juiz do trabalho, não um suposto “direito” das partes, como já pacificado na Súmula 418 do C. TST:

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MANDADO DE SEGURANÇA VISANDO À HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. A homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança.

Estudiosos do Direito ainda apontam que deve ser definido o que pode e o que não pode ser alvo desse tipo de procedimento com a chancela judicial, pois seria preocupante, por exemplo, ver direitos básicos do trabalhador (patamar civiliza-tório mínimo) serem alvo de concessão/renúncia.

OUTROS ASPECTOS PROCESSUAIS IMPORTANTES.

AS PUBLICAÇÕES E A FORMA DE CONTAGEM DE PRAZOS:

Na Constituição Federal, existe um princípio aplicável a toda a administração pública, que é o da publicidade de seus atos. No processo judicial, ele se reflete nas citações e intimações (ambas chamadas no processo do trabalho genericamente por notifica-ções), que são a forma de tornar públicos aos sujeitos do processo todos os atos nele praticados, seja para chamar alguém a Juízo para se defender, seja para tomar ciência de determinado ato, para faça ou deixe de fazer alguma coisa.

Com a introdução do processo judicial eletrônico (com ele, o Diário Oficial Eletrônico), as publicações são feitas por meio virtual, o que significa menos de-gradação ao meio-ambiente, mais agilidade nas comunicações dos atos, e maior facilidade de difusão dos atos praticados no processo.

Quando o juiz determina a prática de algum ato, sempre há um prazo para tanto. Que, superado, gera um efeito chamado de “preclusão”, que é perda da possibili-dade de realizar determinado ato no âmbito do processo, em função do decurso do prazo.

Os prazos sempre foram contados em dias corridos, o que, se por um lado confe-ria maior agilidade para os processos judiciais, por outro representava uma difi-culdade para os advogados. Por exemplo: se houvesse um feriado na sexta-feira, e o advogado recebesse uma publicação na quarta-feira anterior para praticar um ato em cinco dias, a contagem iniciaria na quinta-feira e terminaria na segun-da-feira subsequente. Ou seja: o advogado teria, então, apenas dois dias úteis para praticar o ato determinado, a não ser que se dispusesse a trabalhar nos dias em que não há expediente no Fórum (feriado, sábado e domingo).

A reforma trabalhista trouxe, neste assunto, uma mudança importante. A partir dela, todos os prazos passam a ser contados em dias úteis, como passa a dispor o artigo 775 da CLT alterada pela reforma:

Art. 775. Os prazos estabelecidos neste Título serão contados em dias úteis, com exclusão do dia do começo e inclusão do dia do vencimento.

Assim, no exemplo dado, feita a publicação na quarta-feira antecedente ao fe-riado, o advogado passa a ter a quinta-feira, e o período de até a quinta-feira da semana subsequente (inclusive) para manifestar-se. A mudança, embora certa-mente reflita no tempo de solução dos processos, facilitará a atuação dos advo-gados, contribuindo para a ampla defesa de seus clientes.

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Por outro lado, a reforma também trouxe poderes ao juiz que podem facilitar a solução em determinados casos concretos, passando a dispor, no complemento ao artigo 775, que:

§ 1o Os prazos podem ser prorrogados, pelo tempo estritamente ne-cessário, nas seguintes hipóteses: I - quando o juízo entender necessá-rio; II - em virtude de força maior, devidamente comprovada. § 2o Ao juízo incumbe dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito.

Portanto, se o juiz entender que há dificuldade de prova, até mesmo em situações de desastre ambiental ou provocado pelo ser humano (uma enchente que alagou o es-critório do advogado, ou um incêndio, por exemplo), poderá prorrogar prazos, sem-pre em nome de um princípio maior, que é o da ampla defesa das partes em conflito.

O RECURSO: CUSTO E PROCEDIMENTO; HIPÓTESES DE ISENÇÃO.

Já falamos sobre o processo em sua fase inicial, até o momento em que o juiz profere a sentença. Também observamos que, da sentença, normalmente dois recursos são cabíveis: um para aperfeiçoar a decisão, em função de alguma omis-são, contradição ou obscuridade do julgado, chamado embargos de declaração; o outro, é uma tentativa de mudança de decisão, julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho, chamado recurso ordinário.

O recurso de embargos de declaração não tem qualquer custo. Deve ser dedu-zido no prazo de cinco dias (úteis, como já vimos), e é dirigido ao próprio juiz prolator da decisão. Já o outro tem regras mais complexas, e é sobre elas que falaremos um pouco.

O recurso ordinário deve ser interposto no prazo de oito dias úteis da publicação da sentença (se tiver havido embargos de declaração, a contagem se inicia da publicação da última decisão). É encaminhado, como dito, ao Tribunal Regional respectivo, que fará uma nova análise dos fatos submetidos ao juiz, e poderá manter ou reformar a decisão de origem, substituindo-a.

Até a reforma trabalhista, o trabalhador que houvesse perdido a ação precisaria recolher as custas arbitradas pelo juiz na sentença para recorrer. Do contrário, se tivesse sido beneficiário da justiça gratuita (o que ocorria na grande maioria dos casos), não precisaria recolher as custas, o que quer dizer que não havia qualquer custo para recorrer.

A reforma não modifica a situação do trabalhador, mas as possibilidades de con-cessão da justiça gratuita passam a ser muito maiores, atingindo também a recla-mada em uma série de hipóteses.

Antes da reforma trabalhista, apenas a pessoa física poderia ser destinatária da justiça gratuita (ou seja, contar com o direito de recorrer sem precisar arcar com qualquer custo). Consequentemente, ressalvados os casos restritos de emprega-dores que figuravam como pessoas físicas (empregadores domésticos ou alguns empreiteiros), era regra que todos os demais (pessoas jurídicas) tivessem de des-pender o valor das custas processuais para recorrer. A única exceção, no âmbito das pessoas jurídicas, era a massa falida, e isso por interpretação judicial (não por previsão da lei), que, por não ter disponibilidade financeira para arcar com o custo do recurso, também recebia isenção.

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Além das custas, também havia (e continua existindo) a necessidade de um de-pósito, chamado depósito recursal, que consiste em uma garantia de parte da condenação (hoje em valor um pouco superior a nove mil reais). Apenas a recla-mada deveria efetuar tal depósito, cuja obrigatoriedade seguia a mesma regra aplicável às custas processuais.

A partir da reforma, tanto as custas quanto o depósito recursal passam a ser exi-gíveis em menos hipóteses, uma vez que o novo artigo 899 da CLT agora assim dispõe:

§ 4o O depósito recursal será feito em conta vinculada ao juízo e corri-gido com os mesmos índices da poupança. [...] § 9o O valor do depósito recursal será reduzido pela metade para entidades sem fins lucrativos, empregadores domésticos, microem-preendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. § 10. São isentos do depósito recursal os beneficiários da justiça gra-tuita, as entidades filantrópicas e as empresas em recuperação judicial.

Portanto, é possível dizer que, a partir da reforma trabalhista, a interposição de recurso será facilitada para as entidades sem fins lucrativos, os empregado-res domésticos, os microempreendedores individuais e as microempresas e empresas de pequeno porte, que passam a ser obrigados a depositar apenas a metade do valor fixado para as empresas em geral.

Por outro lado, mais facilitada ainda é a situação para os beneficiários da justiça gratuita (que, como já observamos, podem ser até mesmo pessoas jurídicas em geral), as entidades filantrópicas e as empresas em recuperação judicial, que passam a ser isentos do depósito recursal.

A intenção do legislador é facilitar o acesso à Justiça daqueles que não têm boas condições financeiras, eliminando obstáculos legais que, em alguns casos, impe-diam empregadores de rediscutir as questões apreciadas pelo juiz em primeiro grau. Se a intenção é digna de elogios, talvez os efeitos podem não ser tão bené-ficos. É que a possibilidade do ajuizamento de recursos em número, bastante su-perior ao hoje verificado, poderá colaborar para o abarrotamento dos Tribunais, aumentando o tempo de tramitação dos processos e prejudicando a justa e céle-re entrega da prestação jurisdicional.

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RELAÇÃO DE OBRAS CONSULTADAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006.

BRAGHINI, Marcelo. Reforma trabalhista: flexibilização das normas sociais do trabalho. São Paulo: LTr, 2017.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho: de acordo com a Reforma Trabalhista. São Paulo: Método, 2017.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017.

HUBERMAN, Leo. A História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.

MAEDA, Patrícia. A Era dos zero direitos. São Paulo: LTr, 2017.

MAIOR, Jorge Luiz Souto. Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2017. Vol. I, parte II.

NAHAS, Thereza; PEREIRA, Leone; Miziara, Raphael. CLT Comparada Urgente: breves comentários, regras & aplicação e mapas conceituais dos artigos reformados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Reforma trabalhista: comentários à Lei n.º 13.467, de julho de 2017. São Paulo: LTr, 2017.

SILVA, Homero Batista Mateus da. CLT Comentada. 2. ed. São Paulo: RT Editora, 2018.

______. Comentários à reforma trabalhista: análise da Lei 13.467/2017. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

______. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 1. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

______. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 6. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

VIANA, Márcio Túlio. A proteção social do trabalhador no mundo globalizado: o direito do trabalho no limiar do século XXI. Curitiba: Gênesis, 1999.

WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). Curso avançado de processo civil. v. 1. 9. ed. revista atualizada e ampliada com a Reforma Processual 2006/2007. São Paulo: RT, 2008.

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2019

CAROLINE CRUZ WALSH MONTEIRO

LEONARDO ALIAGA BETTI

Juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região desde 14/03/2008, Graduada em Direito pela Universidade de Vila Velha-ES, Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória-FDV-ES.

Juiz do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho, professor na pós-graduação da Escola Superior de Advocacia e na Escola Paulista de Direito, Mestrando em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), Pós-graduando em Direito Previdenciário e membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital na USP.