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52 Human Resources Portugal Janeiro 2017 53 Human Resources Portugal Carreira concluído a sua licenciatura na Uni- versidade Técnica de Budapeste e, no Verão de 1951, veio passar férias a Por- tugal. E cá ficou. Começou a trabalhar no Instituto Pasteur, na altura o maior e melhor laboratório farmacêutico em Portugal, e rapidamente ascendeu à posição de director técnico, o que, sendo um húngaro refugiado num país relativamente fechado dos anos 50, foi surpreendente. Era um homem genial, o meu pai. Começou a patentear as suas invenções no Instituto Pasteur e negociou com os donos, que eram portugueses, ficar com os direitos internacionais, em nome pessoal e pagando do seu bolso as anuidades. Licenciou as patentes a grandes multinacionais farmacêuticas e começou a receber royalties. Nos anos 50, fez a única coisa que se pode fazer quando não se tem dinheiro nenhum: transformar o capital intelectual em capital económico. Depois decidiu investir esse capital no seu próprio negócio... Conheceu a minha mãe, Diane, que é anglo-portuguesa, em 1957, casaram em 1958, e fundaram a Hovione em 1959. A minha mãe era a financeira e o meu pai o engenheiro e o homem de negócios. Das minhas recordações mais antigas é ter pessoas da Hovione a trabalhar na minha casa. Achei que era normalíssimo ter uma startup em casa e um laboratório na cave. Recebíamos carregamentos de acetona, metanol, clorofórmio e piridina, solventes que conheço pelo cheiro. Nasci no meio de tudo isto. Tenho esta empresa no sangue. Com seis anos já sabia usar um extintor. Depois a Hovione sai da cave e vai pelo jardim fora, onde o meu pai começa a construir a fábrica. Entretanto, em 1967, vendeu-se uma fábrica de antibióticos em Milão para a qual o meu pai tinha sido convidado para director técnico e da qual era sócio, e recebeu o preço das suas acções. Foi o capital que usou para construir a fábrica de Loures, que começou a laborar em 1969. um decreto do Parlamento a retirar o estatuto de “inimigo do povo”. E como chegam até Portugal? O meu avô foi convidado pelo secretário de Estado da Agricultura de António de Oliveira Salazar para uma posição de investigador na Estação de Melhora- mento de Plantas de Elvas. Conhecia-o do circuito de conferências e congressos internacionais e, sabendo que estava desempregado, convidou-o. Deve ter chegado por volta de 1949/50. O meu pai já era engenheiro químico, tinha É o primeiro de quatro filhos de Ivan Villax, um enge- nheiro químico de origem húngara, e de Diane de Lancastre du Boulay, os quais, em 1959, fundaram a Hovione, uma empresa portuguesa de princípios activos farmacêuticos. Peter Villax está à frente da Hovione Capital e trabalhou mais de 34 anos na Hovione Farmaciên- cia, liderada pelo seu irmão Guy. Fala do amor que sente pela empresa que viu crescer da cave para o jardim da sua casa, e que hoje conta com cinco fábri- cas, em Portugal, nos Estados Unidos da América, em Macau, na Irlanda e na China, e cerca de 1500 colaboradores. Confessa que se não fosse por esse amor, e pelo sentido de dever, provavelmente estaria na política. É também presidente da Associação Portuguesa de Empresas Familiares e ainda pai de seis filhos. Catarina Tendeiro, directora de Recursos Humanos da KPMG e conse- lheira da Human Resources, conduz a entrevista, que começa com a história de um engenheiro agrónomo húnga- ro que ousou refutar as teorias gené- ticas de Estaline. Como é que nasceu a Hovione? A sua família tem origem húngara, mas vieram para Portugal. O que levou a isso? A história começa com o meu avô pa- terno, húngaro, professor universitário e engenheiro agrónomo, especialista em genética de plantas. Em 1948 fez um discurso em que denunciava as teorias biológicas do Estaline, que defendia que a genética era adquirida do meio ambiente. E o meu avô disse que as características genéticas vêm dos nossos pais, pela via hereditária. Portanto tiveram de fugir de um dia para o outro, durante a noite, com a roupa que tinham no corpo, literalmente. A família inteira foi declarada “inimigo do povo”, de tal maneira que quando o meu pai foi convidado pelo embaixador da Hungria, em 1991, a regressar, com passaporte húngaro, teve de haver Sempre à procura do Galileu Peter Villax nasceu um ano antes da Hovione e cresceu com ela. Tem o negócio da família no sangue e orgulha-se de hoje assumirem uma posição de vanguarda a nível internacional. TRANSCRIÇÃO Ana Leonor Martins | FOTOS Nuno Carrancho Temos de ter a consciência de que é preciso estar sempre a subir a fasquia. Se queremos crescer, temos de ir buscar pessoas melhor do que nós. A confiança é fundamental.

Carreira É - foreigners.textovirtual.comforeigners.textovirtual.com/empresas-familiares/...hr_pv_jan_2017.pdf · Era um homem genial, o meu pai. ... Portanto tiveram de fugir de

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52 Human Resources Portugal Janeiro 2017 53Human Resources Portugal

Carreira

concluído a sua licenciatura na Uni-versidade Técnica de Budapeste e, no Verão de 1951, veio passar férias a Por-tugal. E cá ficou. Começou a trabalhar no Instituto Pasteur, na altura o maior e melhor laboratório farmacêutico em Portugal, e rapidamente ascendeu à posição de director técnico, o que, sendo um húngaro refugiado num país relativamente fechado dos anos 50, foi surpreendente. Era um homem genial, o meu pai. Começou a patentear as suas invenções no Instituto Pasteur e negociou com os donos, que eram portugueses, ficar com os direitos internacionais, em nome pessoal e pagando do seu bolso as anuidades. Licenciou as patentes a grandes multinacionais farmacêuticas e começou a receber royalties. Nos anos 50, fez a única coisa que se pode fazer quando não se tem dinheiro nenhum: transformar o capital intelectual em capital económico.

Depois decidiu investir esse capital no seu próprio negócio...

Conheceu a minha mãe, Diane, que é anglo-portuguesa, em 1957, casaram em 1958, e fundaram a Hovione em 1959. A minha mãe era a financeira e o meu pai o engenheiro e o homem de negócios. Das minhas recordações mais antigas é ter pessoas da Hovione a trabalhar na minha casa. Achei que era normalíssimo ter uma startup em casa e um laboratório na cave. Recebíamos carregamentos de acetona, metanol, clorofórmio e piridina, solventes que conheço pelo cheiro. Nasci no meio de tudo isto. Tenho esta empresa no sangue. Com seis anos já sabia usar um extintor. Depois a Hovione sai da cave e vai pelo jardim fora, onde o meu pai começa a construir a fábrica. Entretanto, em 1967, vendeu-se uma fábrica de antibióticos em Milão para a qual o meu pai tinha sido convidado para director técnico e da qual era sócio, e recebeu o preço das suas acções. Foi o capital que usou para construir a fábrica de Loures, que começou a laborar em 1969.

um decreto do Parlamento a retirar o estatuto de “inimigo do povo”.

E como chegam até Portugal?

O meu avô foi convidado pelo secretário de Estado da Agricultura de António de Oliveira Salazar para uma posição de investigador na Estação de Melhora-mento de Plantas de Elvas. Conhecia-o do circuito de conferências e congressos internacionais e, sabendo que estava desempregado, convidou-o. Deve ter chegado por volta de 1949/50. O meu pai já era engenheiro químico, tinha

Éo primeiro de quatro filhos de Ivan Villax, um enge-nheiro químico de origem húngara, e de Diane de Lancastre du Boulay, os

quais, em 1959, fundaram a Hovione, uma empresa portuguesa de princípios activos farmacêuticos. Peter Villax está à frente da Hovione Capital e trabalhou mais de 34 anos na Hovione Farmaciên-cia, liderada pelo seu irmão Guy. Fala do amor que sente pela empresa que viu crescer da cave para o jardim da sua casa, e que hoje conta com cinco fábri-cas, em Portugal, nos Estados Unidos da América, em Macau, na Irlanda e na China, e cerca de 1500 colaboradores. Confessa que se não fosse por esse amor, e pelo sentido de dever, provavelmente estaria na política. É também presidente da Associação Portuguesa de Empresas Familiares e ainda pai de seis filhos.

Catarina Tendeiro, directora de Recursos Humanos da KPMG e conse-lheira da Human Resources, conduz a entrevista, que começa com a história de um engenheiro agrónomo húnga-ro que ousou refutar as teorias gené- ticas de Estaline.

Como é que nasceu a Hovione? A sua família tem origem húngara, mas vieram para Portugal. O que levou a isso?

A história começa com o meu avô pa-terno, húngaro, professor universitário e engenheiro agrónomo, especialista em genética de plantas. Em 1948 fez um discurso em que denunciava as teorias biológicas do Estaline, que defendia que a genética era adquirida do meio ambiente. E o meu avô disse que as características genéticas vêm dos nossos pais, pela via hereditária. Portanto tiveram de fugir de um dia para o outro, durante a noite, com a roupa que tinham no corpo, literalmente. A família inteira foi declarada “inimigo do povo”, de tal maneira que quando o meu pai foi convidado pelo embaixador da Hungria, em 1991, a regressar, com passaporte húngaro, teve de haver

Sempre à procura do Galileu

Peter Villax nasceu um ano antes da Hovione e cresceu com ela. Tem o negócio da família no sangue e orgulha-se de hoje assumirem uma posição de vanguarda a nível internacional.

TRANSCRIÇÃO Ana Leonor Martins | FOTOS Nuno Carrancho

Temos de ter a consciência de que é preciso estar sempre a subir a fasquia. Se queremos crescer, temos de ir buscar pessoas melhor do que nós. A confiança é fundamental.

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Carreira Carreira

Que outras memórias tem desse tempo?

Lembro-me que inicialmente havia apertos no fim do mês, e dos anos em que não foi possível fazer férias. Uma coisa que se aprende cedo numa em-presa familiar, independentemente da sua dimensão, é que temos de adequar o nosso estilo de vida aos meios que estão disponíveis.

Vi recentemente um vídeo muito interessante de um partner da BCG [Boston Consulting Group] no qual se defendia que os factores que permitem a sobrevivência de uma empresa são os mesmos que caracterizam o sistema imunitário de uma pessoa.

Que factores são esses?

São seis. A redundância, que significa que temos de ter sempre activos de retaguarda que possam suprimir falhas eventuais; "embeddedness", pois é neces-sário ter na empresa todos os recursos, ou muitos recursos, para podermos ser polivalentes e reagir rapidamente às oportunidades; diversidade, que é uma fonte de riqueza, sobretudo de formas diferentes de pensar. O último doutorado que a Hovione recrutou foi em engenharia aeronáutica. A quarta característica é a prudência, a capaci-dade de não cometer erros maiores do que aqueles que levam uma empresa à falência. A quinta característica é a minha preferida, a adaptação. Temos de nos adaptar ao mercado e ao conhe-cimento. E, finalmente, a modulari-dade, que permite trocar de recursos rapidamente.

Os valores dos seus pais e da sua família influenciaram muito a cultura da empresa?

Claro. É uma característica das empresas familiares. As famílias patrimoniais pro-jectam os seus valores na empresa, que se torna uma extensão da família. Tem vantagens e desvantagens. Se a família tem os valores certos, a empresa também tem, agora se tem os valores errados… mas aí normalmente a empresa não sobrevive. E a família vende.

Como é que se passam estes valores às gerações seguintes?

Às gerações seguintes é mais fácil porque estão em casa connosco. O papel da mãe é fundamental na trans-missão de valores. Embora hoje, com a profissionalização das mulheres, o papel de transmissão de valores passa necessariamente a ser muito mais partilhado entre o pai e a mãe. Mas o maior desafio é transmitir os valores a, neste momento, 1500 pessoas. Há seis anos fizemos um exercício para formalizar os nossos valores, bottom up e não top down. Foi para mim uma grande fonte de orgulho e felicida-de porque o que apareceu em cima foi precisamente o que queríamos que aparecesse.

Sendo uma multinacional, como conseguem manter a identidade familiar?

Com coerência nos valores e na men-sagem. E nunca tendo um compor-tamento que os ponha em causa. Por isso é que somos uma empresa muito sólida. Temos um balanço sólido, va-lores sólidos e pessoas sólidas. Mas os grandes heróis são os meus pais. É deles o maior mérito. O grande es-forço é o de arranque, depois basta não cometer muitos erros. Temos a família muito presente em tudo o que é acontecimentos. Os meus filhos e os meus sobrinhos também são educados no amor e respeito pela empresa. O sentimento de dever é importantíssi-mo. Gosto imenso de política, foi nesse área que me licenciei e provavelmente seria nela que estaria a trabalhar se não fosse o dever chamado Hovione.

Para além de ser um caso de sucesso, a Hovione destaca-se por empregar colabora-dores altamente qualificados. Que políticas empregam para atrair e reter talento?

O processo de recrutamento é longo e rigoroso. Fazemos um grande investi-mento na selecção dos nossos candida-tos. Mas um excelente departamento de Recursos Humanos é o princípio.

Começamos por recrutar, treinar e reter excelentes profissionais RH. E é um departamento com muita gente e altamente profissionalizado. Depois temos de ter a consciência de que é preciso estar sempre a subir a fasquia. Se queremos crescer, temos de ir buscar pessoas melhor do que nós. A confiança é fundamental. O primeiro objectivo de qualquer manager dentro da Hovione é treinar a pessoa que o irá substituir. E isso, para certas pessoas, é motivo de instabilidade. Também é importante estarmos activos e termos visibilidade nos sítios onde se cria talento, como as universidades.

O que é que mais valorizam nas pessoas?

Estou sempre à procura do Galileu, ou seja, de pessoas que vejam o mundo de uma forma diferente. Essas é que fazem mudar o mundo. Felizmente temos na Hovione outros que procu-ram não galileus. Voltamos à ideia de diversidade. É aí que está a riqueza. Temos de ter galileus, mas também construtores da barragem Hoover. Depois é preciso dar-lhes liberdade.

Liberdade para cometer erros?

Sim, por exemplo. Temos uma política desenvolvida e muito rica de delegação dentro da empresa. E, ao transformar-mos a inovação num processo, interna-lizámos o erro no seu flowchart. A partir

desse momento, o erro passou a ser a parte de um processo aprovado, oficial e, portanto, não traz danos à carreira. Também é importante recompensar vigorosamente a inovação.

Como é que o fazem?

Para todos os níveis, desde o operário ao doutorado, há esquemas de recom-pensas económicas para a inovação. Depois há eventos de reconhecimento público. Temos os óscares da inovação.

O engagement é muito importante. Princi-palmente os mais novos, já não valorizam só, ou principalmente, a parte material...

Os últimos quatro/cinco anos mu-daram muito a maneira de se ver o mundo. Por outro lado, devia haver um tratamento fiscal preferencial para retenção de talentos raros. E defendo que a sociedade devia exigir mais dos

empresários. Exige imenso aos polícias, aos professores e aos juízes, mas não se ouve ninguém dizer que os empresários têm de produzir mais e criar empre-go. Mas têm essa responsabilidade social. Não é o primeiro-ministro que é especialista em criação de emprego, são os empresários. Tem, isso sim, de criar as condições macro-económicas para que o empresário recrute mais. Mas políticos, empresários e gestores têm estado historicamente de costas voltadas. Quando um empresário vai falar com um político é só para seu interesse pessoal. Este relacionamento tem de mudar.

Temos bons cientistas em Portugal?

Temos uma qualidade de talento humano científico em Portugal do mais elevado que há. E isso foi obra do grande Maria-no Gago, que foi ministro da Ciência e

PETER VILLAX

PerfilPeter VillaxNascido em Lisboa, em 1958, estudou no Liceu Francês em Lisboa e em Londres (1962-1976) e licenciou-se em Política e Economia pela Universidade de Aberdeen, no Reino Unido (1977-1982). Começou a sua carreira profissional como estagiário na empresa de semi-condutores International Rectifier (Califórnia), juntando-se, depois, à Hovione como programador de computadores. Em 1989-90 foi para o Japão com o “Executive Training Programme”, patrocinado pela União Europeia, para aprender japonês e trabalhar para os clientes mais importantes da Hovione. Depois de regressar a Portugal, em 1991, ingressou no Conselho de Administração da empresa e a sua carreira tem sido dedicada à pesquisa e desenvolvimento de terapias de inalação pulmonar, tornando-se inventor e autor de patentes. Nos últimos anos, tem também trabalhado na área da inovação e de capital de risco, sendo actualmente CEO da Hovione Capital.

Catarina TendeiroToda a sua experiência profissional é na área de Recursos Humanos e o desenvolvimento de pessoas é a sua paixão. Iniciou a sua carreira em 1995, na banca, passou por uma empresa de tecnologias, esteve dois anos na Autoeuropa e montou a IKEA em Portugal. Durante 12 anos, contribuiu para manter a sucursal portuguesa no top 3 das filiais do grupo em termos de clima organizacional. Com sentimento de missão cumprida, há um ano aceitou o desafio de ir para a área de Serviços, para uma consultora que faz parte das “big four”, a KPMG, onde é responsável pelo desenvolvimento da estratégia, procedimentos e iniciativas na área de Gestão de Pessoas.

Estou sempre à procura do Galileu, ou seja, de pessoas que vejam o mundo de uma forma diferente. Essas é que fazem mudar o mundo. Mas os construtores da barragem Hoover também são necessários. A riqueza está na diversidade.

56 Human Resources Portugal Janeiro 2017 57Human Resources Portugal

Carreira Carreira

Tecnologia durante 14 anos. Conseguiu deixar obra. Infelizmente não tivemos na Economia um ministro durante tanto tempo. Não criámos nas nossas empresas procura pelo talento cientí-fico. Defendo medidas de elegibilidade agressivas para programas do Portugal 2020, que passam pelo recrutamento obrigatório de doutorados. Só com medidas top down é que se vai conse-guir absorver a enorme quantidade de talento que existe. Neste momento, os doutorados têm duas opções: ou vão para o estrangeiro ou são reabsorvidos pelas universidades.

A Hovione contraria esta tendência...

A Hovione é o maior empregador pri-

salários baixos. Discutimos o salário mínimo, mas devíamos estar a discutir o salário digno. Não é com 10 euros a mais que vamos resolver o problema da sociedade portuguesa. É com aumen- tos do Produto Interno Bruto [PIB] de 3, 4, 5, 6%.

Isso é realista?

Portugal teve, nos anos 60, a sua década de maior crescimento económico desde os Descobrimentos, precisamente 6% ao ano. Na nossa democracia nunca conse-guimos igualar os níveis de crescimento da década de 60. E isso maça-me. Temos um sistema político que considero su-perior ao que tínhamos na altura, então porque é que o nosso sistema económico não consegue ser melhor?

Se nas empresas temos objectivos mensuráveis, ambiciosos e concretos, por que não tê-los para o país? Porque não falar em crescimento de 3% em vez de 1,3%? Temos de ser ambiciosos. E é preciso passar essa mensagem aos jor-nalistas também, pois eles fazem parte do problema. A forma de informar e de perguntar condiciona negativamente a actuação dos políticos.

Os indicadores económicos recentes mos-tram que o investimento está em queda. O que deve Portugal fazer para ser mais atractivo para investidores?

Isso é uma eterna discussão. Se já atraí-mos estrangeiros para comprar casa, porque não conseguimos que tragam para cá a sede das suas empresas? Há muito para fazer. A chave é haver confiança.

Como é que avalia o contributo das empre-sas familiares para a economia nacional?

Não sou eu quem avalia. Sabe-se que o contributo é grande porque representam cerca de 70/80% do PIB. Mas a verdade é que, com precisão, não temos a mínima ideia de qual é o contributo, quer para o emprego, quer para o investimento, quer para as exportações, quer para o PIB. Não existem estatísticas fiáveis.

vado nacional de doutorados. Temos quase 50. Gostava que a EDP e a Galp tivessem muito mais do que nós, porque são empresas maiores.

Temos talento, temos ciência, o que nos falta para alcançar níveis de desenvolvi-mento dos nossos parceiros europeus?

A chave está nos empresários e nos gestores. Mas ninguém o diz.

Disse o FMI...

Nem o FMI. Ter salários praticamente congelados nos últimos cinco anos é ouro sobre azul para os gestores. Não pode ser. Há duas coisas que têm de crescer em paralelo: a produtividade e o salário. Não podemos continuar com

E seriam facílimas de obter, através de uma simples opção num dos formulários que todos os anos temos de entregar ao Estado, onde pudesse assinalar se me considerava uma empresa familiar. Mas é preciso ter em conta que, apesar de existirem características objectivas para se ser uma empresa familiar, também há características emocionais. Por exemplo, a Sonae tem um filho que sucedeu ao pai, mas não se considera uma empresa familiar. A Logoplaste também não. E têm todo o direito.

Da sua experiência, quais são os princi-pais desafios que as empresas familiares enfrentam?

A sucessão, a harmonização entre o papel da família e o papel da empresa, e a evolução dos valores. Começando pelo último, na criação da empresa existe a influência determinante do fundador. A certa altura tem de haver descentralização e empowerment. As empresas que conseguem dar poderes a membros não familiares são as que conseguem passar para a champions league. As que não conseguem, ou

porque não conseguem ou porque não estão para aí viradas, ficam limitadas a determinada dimensão. Conseguir fazer essa transição não é fácil, é um desafio, e quando é bem sucedido e se consegue ter uma gestão altamente profissionalizada, é um sucesso. Mas obriga a uma mudança de atitude da empresa. Nos primórdios é uma em-presa paternalista. Quando dá o salto, os valores da família ficam ao mesmo nível dos valores profissionais.

A sucessão também é um grande desafio...

É um grande problema, porque mexe com emoções. Por isso é preciso inter-nalizar a sucessão, transformá-la num processo, longo no tempo, com regras. O sucessor terá de ter certas qualida-des logo à nascença, mas muita coisa é resultado de aprendizagem. Defendo que os processos de sucessão devem, idealmente, ser feitos cedo na vida do CEO e que as empresas familiares têm de ter sempre a família ou na direcção ou muito próximo da direcção, e com influência, porque é um enorme valor. E é preciso muita humildade, para

aprender e para reconhecer que temos de ir buscar pessoas mais competentes do que nós.

Falta falar da relação entre a família e a empresa...

Sim… Numa fase inicial há uma perfeita coincidência. Com a segunda geração, passa a haver um domínio bem definido para a família e um domínio bem definido para a empresa. Tem de haver canais de comunicação perfeitamente definidos e temos de dotar a família dos mesmos órgãos de governo, que sejam o espelho dos órgãos de governo da empresa. É importante que esteja tudo escrito para que se saiba que não vão haver surpresas. A instabilidade familiar é altamente destrutiva para uma empresa.

Como se asseguram critérios profissionais meritocráticos nas empresas familiares?

Pode ser considerado um quarto desafio, que tem que ver com a profissionalização da empresa. As empresas familiares têm de adoptar critérios de profissionaliza-ção dos seus gestores. O que quer dizer que os membros da família que entrem para a empresa têm de obedecer às mesmas regras e aos mesmos padrões dos restantes colaboradores.

Para finalizar, uma pergunta sobre si. Como é que concilia a presidência da Hovione Capital e da Associação, sendo ainda pai de seis filhos?

Em primeiro lugar, tenho de depositar enorme confiança nas pessoas com quem trabalho. Só assim, e dando-lhes o poder de errar, é que me vão ajudar. Mas não é fácil. Tenho a sorte de tra-balhar com uma equipa fantástica, que conhece as minhas fraquezas e me ajuda a supri-las. Basicamente é só isto. E tenho uma mulher fantástica, com a qual estou casado há 33 anos e que é, claramente, o pilar da família. Eu faço o “song & dance”, sou o artista residente. O trabalho a sério é feito pela minha mulher. De resto, também tive sorte. Mas a sorte dá trabalho.

PETER VILLAX

A sucessão, a harmonização entre o papel da família e o papel da empresa, e a evolução dos valores são os principais desafios das empresas familiares. A profissionalização é um quarto desafio.