Cartas a Um Jovem Escritor Bloco de Notas

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  • 7/24/2019 Cartas a Um Jovem Escritor Bloco de Notas

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    cartas-a-um-jovem-escritor Cartas a umjovem escritore suas respostas

    Orelhas do livro:

    De Fernando Sabinoa Mrio de Andrade

    Era para eu j ter conhecido voc em !"!# $uando esteve a$ui em %elo&ori'onte( Mas meus min)uados * anos me emprestaram a timide' $ue meimpediu de aparecer na casa do +uilhermino C,sar# na hora em $ue vocestava l# conorme eu e ele hav.amos combinado( Como eu lamento hojeessa burrice minha( Enim# n/o h de ser nada( 0o im d tudo certo(%(&( *((12

    Outra ra'/o de minha alta de tempo: al,m do C3O4 ilho-da-m/e de manh/cedo# da Secretaria onde estou a)ora# da Faculdade 5 tarde e do amorecoo tempo todo# estou dando aulas de portu)us num +insio da$ui( Masvamos dei6ando de alar de mim# $ue sen/o a)ora mesmo estou lhe di'endo$ue me tornei abricante de broinhas de ub mimoso# ou jardineiro da3ra7a da 8iberdade nas horas va)as(%(&( "(*(12

    O $ue h de mais melanc9lico em tudo isso , a )ente saber $ue amocidade vai acabar( Ent/o a )ente se acomoda na vida# e passa a sorerbem: aprende a curtir o sorimento interiormente# a aproveitlo comoor7a criadora( Eu sei $ue isso , bom# , uma evolu7/o# esseamadurecimento do esp.rito( Mas , t/o melanc9lico saber $ue nossoesp.rito vai amadurecer(%(&( ("(1"

    ---

    De Mrio de Andradea Fernando Sabino

    0o au)e do prest.)io literrio# verdadeiro monstro sa)rado como 3apa doModernismo# Mrio de Andrade leu ao acaso de uma noite insone em !12a$uele livro de contos enviado pelo desconhecido autor( E resolveuescrever-lhe# maniestando com ran$ue'a a sua opini/o: Se voc estrodeando os 2; anos# de 2; a 2*# como ima)ino# lhe )aranto $ue o seucaso , bem interessante# voc promete mesmo(

    Suas palavras representaram verdadeiro impacto para o jovem escritor(

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    cartas-a-um-jovem-escritorlivro#Os +rilos 0/o Cantam Mais# oram concebidos desde os $uator'eanos(

    Com o entusiasmo de sua juventude# Fernando Sabino respondeuemocionadamente# nascendo da. entre os dois uma intensacorrespondncia $ue durou at, a morte de Mrio de Andrade# em !1*(

    As cartas deste valem como precioso depoimento sobre a dimens/oapostolar de um )rande escritor( E sua inluncia sobre a orma7/ointelectual de Fernando Sabino# antes deste tornar-se consa)rado#constitui precioso roteiro para $uem deseja iniciar-se nos mist,rios dacria7/o literria(

    ---

    Cartas a um

    jovem escritore suas respostas

    De FE40A0DO SA%>0O

    Os )rilos n/o cantam mais# contos - A marca# novela - A cidade va'ia#cr?nicas de 0ova @or - A vida real# novelas - 8u)ares-comuns#dicionrio - O encontro marcado# romance - O homem nu# contos e cr?nicas- Amulher do vi'inho# cr?nicas - A companheira de via)em# Contos e cr?nicas- A in)lesa deslumbrada# cr?nicas - +ente# cr?nicas e reminiscncias -Dei6a o Alredo alarB# cr?nicas e hist9rias - O encontro das )uas#

    cr?nica sobre Manaus - O )rande mentecapto# romance - A alta $ue ela mea'# contos e cr?nicas - O menino no espelho# romance - O )ato sou eu#contos e cr?nicas - O tabuleiro de damas# esbo7o de autobio)raia - Decabe7a para bai6o# relatos de via )en - A volta por cima# cr?nicas ehist9rias - ,lia# uma pai6/o# romance-bio)raia - A$ui estamos todosnus# novelas - A aca de dois )umes# novelas - Os melhores contos#sele7/o - As melhores hist9rias# sele7/o - As melhores cr?nicas#sele7/o - Com a )ra7a de Deus# leitura iel do Evan)elho se)undo o humor deesus( - Macacos me mordam# conto em edi7/o inantil - A chave doeni)ma# cr?nicas e hist9rias - 0o im d certo# cr?nicas e hist9rias - O)alo msico# contos e novelas - 8ivro aberto pa)inas soltas ao lon)o

    do tempo( Editora 4ecordG - A vit9ria da inHncia# cr?nicas ehist9rias - Martini seco# novela - O bom ladr/o# novela -Os restosmortais# novela - A nude' da verdade# novela - O outro )ume da aca#novela - Im corpo de mulher# novela - O homem eito# novela - Amor deCapitu# recria7/o literria - Duas novelas de amor - Cara ou CoroaJ#sele7/o inanto-juvenil( Editora AticaG - O pintor $ue pintou o sete#hist9ria inantil# inspirada em $uadros de Carlos Scliar Editora%erlendis K LertecchiaG - Obra reunida Editora 0ova A)uilarG - OsCa7adores de mentira# hist9ria inantil# Editora 4occoG(

    De M4>O DE A0D4ADE

    & uma )ota de san)ue em cada poema# poesia - 3au lic,ia desvairada#

    3)ina 2

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    cartas-a-um-jovem-escritorpoesia - A escrava $ue n/o , >saura# po,tica - 3rimeiro andar# contos -8osan)o c$ui# poemas - Amar# verbo intransitivo# id.lio - Cl/ dojabuti# poesia - Macuna.ma# raps9dia - 4emate de males# poemas -Modinhas imperiais#estudos -Msica# doce msica# estudos - %elasarte#contos - O Aleijadinho e lvares de A'evedo# ensaios - A msica e ascan7Nes populares no %rasil# ensaio - O samba ru ral paulista#olclore- Os compositores e a l.n)ua nacional# ensaio - 0amoros com amedicina# ensaio - A e6press/o musical nos Estados-Inidos# cr.tica -Msica do %rasil# olclore - 3oesias - A 0au Catarineta# olclore -3e$uena hist9ria da msica - O baile das $uatro artes# ensaios - Aspectosda literatura brasileira# ensaios - Filhos da Candinha# cr?nicas - Oempalhador de passarinho# cr.tica literria - 3adre esu.no do MonteCarmelo# bio)raia - 8ira paulistana# poemas - O Carro da Mis,ria#poemas - Contos novos - 3oesias completas - Aspectos das artesplsticas no %rasil# - Aspectos da msica brasileira - Msica deeiti7aria no %rasil# - Dan7as dramticas do %rasil(

    Fernando SabinoMrio de Andrade

    Cartas a um

    jovem escritore suas respostas

    ED>O DE A0E>4O - SO 3AI8O

    2;;"

    C>3-%rasil( Catalo)a7/o-na-onteSindicato 0acional dos Editores de 8ivros# 4(

    Sabino# Fernando# !2"-*2 e Cartas a um jovem escritor e suas respostas P FernandoSabino# Mrio de Andrade( - 4io de aneiro: 4ecord# 2;;"(

    >S%0 =*-;-!;Q;-;

    3)ina "

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    cartas-a-um-jovem-escritor ( Sabino# Fernando# !2"- - Correspondncia( 2(Andrade# Mrio de# =!"-!1* - Correspondncia( "(Escritores brasileiros - Correspondncia( ( Andrade#Mrio de# =!"-!1*( >>( S%0 =*-;-!;Q;-;

    3ED>DOS 3E8O 4EEM%O8SO 3OS

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    cartas-a-um-jovem-escritor

    A CASA nmero *1Q da 4ua 8opes Chaves# em S/o 3aulo# era conhecida emtodo o %rasil( De l partiam numerosas cartas numa letra mida ese)urVssima al)umas datilo)raadas# $uando o assunto e6i)ia $ue setirasse c9piaG( Cartas diri)idas a escritores# artistas# ou simplesmenteami)os de todo o pa.s( Ima delas certo dia me che)ou 5s m/os em %elo &ori'onte( M/ospressurosas em ras)ar avidamente o envelope# na e6cita7/o dos meus =anos# t/o lo)o dei com o nome do remetente e o amoso endere7o( Era aprop9sito do meu livro de estr,ia# do $ual eu ousara enviar-lhe ume6emplar e $ue ele havia lido $uase por acaso# numa noite de la'er( Foio in.cio de uma correspondncia e de uma ami'ade apesar dos trinta anosde dieren7a entre n9s doisG $ue durou at, sua morte(

    W>mproviso do Ami)o Morto#+ente# Editora 4ecord# !R*(

    R

    0AXIE8E tempo# ser escritor era ser artista( Eu lhe coniava as minhas dvidas e preocupa7Nes literrias como ardor dos $ue $uerem vencer a todo custo: o problema da sinceridade doartista# a importHncia ou desimport/ncia do sucesso# a necessidade deescrever e ao mesmo tempo )anhar a vida# o aprimoramento do estilo# aop7/o entre a arte social e a arte pela arte# e outros temas em moda na,poca( Com sua pacincia apostolar e epistolarG# ele me respondia lon)ae minuciosamente# procurando me orientar no cipoal de minhascontradi7Nes( Aos poucosui passando das $uestNes art.sticas ou meramente

    est,ticas para os problemas pessoais( Deveria ou n/o aceitar a$ueleempre)oJ 4esistiria 5s tenta7Nes da acilidade# por mim conundida#se)undo ele# com um also conceito de elicidadeJ Em outras palavras: ocasamento emperspectiva# sendo eu t/o jovem# n/o seria atal para aminha voca7/o de escritorJ Ah# mocidade perversa# amor insacivelB como ele pr9prio merespondia# com condescendente ternura( Mas de sbito me assustei# $uandome vi ante a perspectiva# nao apenas do compromisso oicial a $ue apai6/o juvenil me precipitava: teria como padrinho da noiva na cerim?niade casamento# a convite do +overnador# meu uturo so)ro# nin)u,m menos$ue o pr9prio 3residente da 4epblica# cuja ditadura eu j aprendera a

    repudiar( 0/o haveria melhor desa)ravo#para o homem independente $ue eupretendia vir a ser# em contrapartida ter como meu padrinho Mrio deAndrade# sabidamente um dos maiores adversrios do ditador( O convite oi eito por mim pessoalmente em encontro nosso no4io s9 para este im( Ele aceitou# mas pouco depois

    =

    ale)ava numa carta al)uns motivos o seu tanto evasivos# para $ue eu odispensasse de comparecer# su)erindo $ue al)u,m mais o representasse( +uardei comi)o a decep7/o# mas me retra.( At, $ue uma $uei6a suaa um ami)o meu# em termos erinos de $ue tomei conhecimento# provocou o

    estouro: despejei numa carta toda a minha m)oa ante o $ue me parecera

    3)ina *

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    cartas-a-um-jovem-escritoruma deser7/o( Ele respondeu se deendendo#ui a S/o 3aulo paracelebrarmos a pa'( E depois de lon)o intervalo# voltamos a noscorresponder(

    FO4AM numerosas cartas de parte aparte# ao lon)o de trs anos - 5s ve'esuma por semana# com al)uns teleonemas de permeio( 4epresentavam o $uepodia haver de mais precioso para um jovem $ue pretendesse ser escritor(

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    cartas-a-um-jovem-escritor 0/o contem aos meus inimi)os# Sepultado em minha cidade# Saudade(

    As m/os atirem por a.# Xue desvivam como viveram# As tripas atirem pro Diabo# Xue o esp.rito ser de Deus( Adeus(

    ;

    S( 3aulo# ;-;-12

    Fernando

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    cartas-a-um-jovem-escritorvoc che)ar a 9timo# talve' )rande escritor( De uma l.n)ua $ue j ,indiscutivelmente# nacional( O problema# a meu ver# , tanto mais )rave no caso de voc $uenele se intercala o da sua personalidade de iccionista( Ser voc deato um contistaJ Este problema , dos mais )raves e dos $uevoc precisaresolver pra si pr9prio( ] incontestvel $ue voc n/o tem nenhum contoverdadeiramente orte como assunto( Cujo assunto imponha o conto por simesmo# como Os Faroleiros# de Monteiro 8obato# como 3edro o %ar$ueiro#deAonso Arinos( 0/o ne)o $ue sejam contos os contos de voc# mas n/oparece# pelo livro# $ue voc tenha orte ima)ina7/o criadora# )randeima)inativa# e6cepcionalaculdade de inven7/o( Seus contos s/o leves e delicadas transposi7Nes l.ricas da vida#como o admirvel Anos Lerdes# ou ir?nicas transposi7Nes real.sticas davida( Estou pensando em Machado de Assis( Seus contos est/o lon)e de serimpressionantes( 8on)e de prenderem a )ente por uma idealidade humanadeinitiva $ual$uer( A. , $ue a arte# como bele'a de cria7/o t,cnica#

    interere deinitivamente para impor e justiicar um criador( Si vocn/o i'er coisas maravilhosamente bem eitas como t,cnica# como estilo#como arte de escrever# como bom )osto espiritual# voc ser apenas maisum(

    1

    0o )nero dos seus contos# voc tem# a meu ver# desca.daslastimveiS#principalmente para o lado aned9tico( Apesar das oserva7Nes#e6celentes# no realismo humor.stico com $ue voc esteriotipa )estos ee6pressNes verbais# contos como As 4osas >am Murchar e o 3adre LenHncio#s/o simples anedotas simpl9rias de lastimvel descontrole e nenhuma

    autocr.tica( Mesmo o caso do teleone $ue# n/o posso ne)ar# , muitoen)ra7ado e me e' rir bastante# ,# em ltima anlise# )rosseiro#tratado sem tacto# sem delicade'a# bacalhoada de 3ortu)al com arrotos etodas as altas de medida( Xuando voc tem# pra salvar seus contos naarte# de abandonar $ual$uer colorido mediterrHneo e se es$uipar no sensode medida dos ranceses# e na delicade'a espiritual de in)leses en9rdicos( Mas ainda eu me per)unto si sua tendncia , realmente para oconto e n/o para o romance((( 3ela aculdade de observa 7/o naturalista#pela ri$ue'a de tipos psicol9)icos# n/o sei# sinto em muitos dos nossoscontistas# e em voc# romancistas verdadeiros# $ue por pre)ui7a# por

    alta de tomar ?le)o# erram de esp,cie# se dispersam no conto# $uandos/o romancistas le).timos( 0/o sei si voc conse)ue perceber $ue no undo seu livro meinteressou muito( Mais voc $ue o livro# alis((( Conormea idade# lhe)aranto $ue voc pode ir lon)e( Mas n/o como um or)e Amado# poucotrabalho# i)norHncia muita# cria7/o de sobra( Loc tem $ue trabalhar diapor dia( Como um Machado de Assis( E n/o lhe seria poss.vel botar um bocado mais deresponsabilidade humana coletiva nas suas obrasJ(((

    Mrio de Andrade4( 8opes Chaves# *1Q-S( 3aulo

    3)ina =

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    *

    %(&( *--12

    3re'ado Mrio de Andrade# Acabo de receber sua carta( 3ara mim ela vale mais do $ue tudo$ue alaram - ou poderiam alar - de Os +rilos( E6plico-me: h muito esperava sua opiniao# no $ue ela pudesse meservir# com ansiedade incontida( Conesso $ue pensei nela antes dapublica7/o do livro e esta oi para mim apenas um meio de orienta7/o#um marco# um ponto de partidaG( 3ois bem - a orienta7/o esperada partiude voc# com essa carta( E como se eu tivesse publicado o livro apenaspara receb-la( Loc me indica caminhos# toca em pontos de )randeimportHncia# mostra os deeitos# interessado# bem intencionado# ami)o(Era isso o $ue eu desejava e precisava( Loc n/o pode calcular $uanto

    valor tm para mim certos esclarecimentos seus# $uestNes como a$uelasobre se serei mesmo um contista# sua opini/o a respeito da lin)ua)em#etc( Xuero# pois# de in.cio# $ue voc saiba de minha )ratid/o# $ue n/o ,pe$uena( Xuanto 5 idade# , um pouco menor do $ue voc achava# pois tenho= encabulados anos( E o meu medo de sua opini/o a respeito dos contosse modiicar muito# mormente sabendo $ue al)uns deles# comoam Murchar e outros# oram escritos e publicadosh mais de 1 anos( am Murchar e O

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    Q R

    eu e ele hav.amos combinado( Como eu lamento hoje essa burrice minha(Enim# n/o h de ser nada( 0o im d tudo certo( Loc n/o se importe se eu lhe escrever novamente( Estouencantado com essa sinceridade# e tamb,m# $ue diabo# )ostei# e muito:t/o encantado $ue j aceitei sua su)est/o e encurtei meu nome:

    Fernando Sabino4ua +on7alves Dias# 1*= %elo &ori'onte

    3(S( Sou mineiro# sim# de %elo &ori'onte mesmo( Desculpe o tamanho da

    carta# e no mais# l vai um abra7o( Mrio de Andrade# Esta minha carta oi escrita com arrebatamento# lo)o $ue recebia sua# de tanto valor para mim# me ajudando muito# mas muito mesmo sevoc tem mais coisas como a$uelas para me di'er# ent/o# eu lhe pe7o#Mrio# n/o dei6e de di'erG( Sei $ue posso come7ar a abusar de suacamarada)em e interesse# $ue at, a)ora me dei6am embasbacado( 4elendo esta carta com calma# vi $ue ela s9 poder te chatear#nada mais# pois trata de um assunto $ue provavelmente n/o tem solu7/o# ecuja resposta sua provavelmente seja tocar para a rente e dei6ar ascoisas correrem# n/o se preocupando com esses ne)9cios# $ue no im dtudo certo( O $ue eu $uero com esta p)ina $ue a$ui acrescento#

    aumentando escandalosamente o volume da cartaG# , $ue voc me desculpe achatea7/o# $ue eu desde j me sinto ami)o seu e , por isso $ue estouconiando em voc# na sua ran$ue'a me di'endo se devo ou n/o continuar$uerendo saber ou se devo a)uardar# etc( A)rade7o muito a sua lembran7ade enviar-me as poesias# $ue $uase comprei - e a)ora# boa via)em poressa ba)un7a de carta aora(

    FS(

    = ! S( 3aulo# 2*--1 2

    Fernando Sabino

    3)ina ;

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    cartas-a-um-jovem-escritor 4ecebi sua carta e releti sobre ela( A conclus/o mais s,ria pramim ,a se)uinte: Lejo $ue estamos os dois na iminncia de iniciar umacorrespondncia lon)a e nutrida( 3ra voc# mo7o# cheio da vida e aindan/oconsa)rado# ansioso de saber# isso n/o vai ser di.cil( 3ra mimvai( Seria estpido eu n/o saber $ue souconsa)rado( S9 os esor7os# osesperneios# ospapelNes $ue a7o pra n/o virar medalh/o duma ve'# vocenem ima)ina( Sucede# pois# , natural# $ue tenho muit.ssimo trabalho etamb,m uma correspondncia enorme( 0/o hesito um s9 se)undo em lhe)arantir $ue# apesar de tudo isto# n/o me pesar em nada lhe escrevermuito# au6iliar voc no $ue eu possa( Apenas# preliminarmente# eu desejo$ue voce se e6amine bem# num verdadeiro e6ame de concincia# antes de sedecidir a e6i)ir esta correspondncia( Leja bem: voc tem direito de e6i)ir minhas cartas ee6plica7Nes( Loc tem os direitos da idade# de $uerer saber e de $uererser( >sso lhe basta# me basta e# alis# , tudo( Me escreva pois $uanto e$uando $uiser( E deve abolir do seu esp.rito e da sua timide' natural a

    id,ia de $ue est me chateando# me a'endo perder tempo( Si posso sertil# meu tempo esta )anho( Mas antes e6ijo $ue voc pense muito seriamente sobre voc(

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    cartas-a-um-jovem-escritor

    2; 2

    ser honesto# n/o se dei6ar levar pela vida# n/o se contentar commi)alhas# n/o se arou6ar( Loc n/o precisa me responder sobre isto# o problema ,e6clusivamente seu e , sempre uma indelicade'a $ue nos abate a )entedi'er $ue se sente orte e se deu um )rande destino( A resposta ser

    voc continuar me su)ando# tirando de mim tudo o $ue possa au6iliarvoc# a'er o mesmo com os outros# com todos# por$ue a nica coisa $ueimporta , voc( E o $ue h de lindo# de maravilhoso mesmo# neste voc $ueimporta# , $ue o $ue importa n/o , e6atamente voc mas a obra-de-arte(>sto ,: uma orma coletiva de vida humana( Xuanto a voc# no dia em $uevoc tiver a maior consa)ra 7/o poss.vel# um ban$uete de cinco miltalheres# um con)resso de intelectuais te sa)rando o pr.ncipe# o rei# odeus das artes nacionais e internacionais# esta acabada# voc ter s9um sentimento dentro de si# decep7/o( A esta oi pouco# voce sentirva)amente $ue a consa)ra7/o oi pouco( Coisa danada o destino# apsicolo)ia do artista((( E em m6ima parte esse casti)o de ser artista#

    essa decep7/o eternamente insatiseita creio $ue vem desse dese$uil.brio

    3)ina "

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    cartas-a-um-jovem-escritorinsanvel# dessa duplicidade irreconcilivel: a )ente dar tudo o $uetem# todo o trabalho# todo o pensamento# toda a dor em proveito((( deoutrem# da obra-de-arte# um elemento intermedirio( Loc n/o a)ediretamente#se6ualmen te como um santo# um missionrio# um soldado# umchee( Loc cria um objeto $ue vai a)ir so'inho# por si mesmo# sem maisa intererncia de voc( Mas# sem $ue isto seja uma compensa7/opropriamente# voce visou# criou um elemento de eternidade( Este , omist,rio bravo do destino do artista: visara obra-de-arte# visar umatranscendncia aleat9ria e problemtica# $ue por mais $ue rendaaplausos# ri$ue'aG tem outra inalidade $ue o rendimento# por maisdesvirtuada e incompreendida visa a permanncia e busca a eternidade(4epare $ue s9 do artista j se disse# e $uantas ve'esB $ue ele , como umdeus# tem o destino de Deus( Lem disso: vem do elemento de eternidade$ue est impl.cito na obra-de-arte# a nica coisa $ue tem import/nciapro artista verdadeiro( Meu DeusB inda n/o comecei esta cartaB((( Creio $ue vou dei6ar

    muito assunto pra outra ve'( 4esumindo o $ue alei: Loc se analise#pense seriamente sobre voc# sobre si voc sente mesmo em si aatalidade pesada de ser artista# sobre si tem cora)em e or7a praa)\entar o tranco duro $ue vai ser o seu( E preciso pra voc ter muitasade mental pra n/o se amolar com os outros# com as incompreensNesalheias# com as humilha7Nes( Si voc tem or)ulho sui ciente pra mandaro mundo 5 puta-$ue-o-pariu# em bene.cio desse mesmo mundo imbecil( Sivoc tem cora)em pra tanto# sem alsa humildade# ent/o vamos principiar %om: tamb,m n/o a7a desse problema um caso de vida ou de morte(O $ue ,preciso , voc ter cora)em# na sua idade# pra se airmar diantede um espelho e com toda a seriedade $ue a arte , uma coisa muito s,ria(3or$ue na sua idade# $ue diaboB ,pau isso da )ente ter apenas de'oito

    anos# preeria $ue voc tivesse vinte e um( 3rincipalmente n9s# )ente dosul# menos e$uatoriali'ada# o desenvolvimento , mais va)aroso# maiseuropeu( Mais )arantido tamb,m( De'oito anos , idade muito semsi)niica7/o pra mineiro# pra paulista ou paranaense( 0/o h-de sernada( 0/o , verdade $ue os seus contos dos 1 anos sejam seus milhorescontos( Loc pro)rediu( 0/o se amole de di'erem $ue os seus contos n/os/o contos# s/o cr? nicas etc( >sso tudo , latrinrio# n/o tem a menorimportHncia em arte( Discutir )neros literrios

    22 2"

    , tema de retori$uice besta(

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    cartas-a-um-jovem-escritorde ser esta# o tamanho tem de ser este( ] muito mais o tamanho dedu'idodo contedo do assunto $ue determina o )nero do continente# e n/odecidir assim sem necessidade mas se prendendo a um preconceito# $ueacoisa vai ser conto# cr?nica ou romance# ou poesia em prosa( Estas preocupa7Nes preliminares como $ue esriam a cria7/o# opoder criador# a vontade de criar 0/o esriam nada# , boba)em( Loc#poravor# nunca venha me ar)umentando com as palavras espontaneidade esinceridade# tenho verdadeiro horror delas( ] a vaidade e tamb,m adeshon estidade do artista $ue as inventou( E a eterna e repulsivaconus/o entre o artista e a obra-de-arte $ue lhes d uma aparnciaalsa de le)itimidade( 3ra obra-de-arte# a sinceridade# a espontaneidadedo artista n/o tem si)niica7/o nenhuma( De resto# $uando alei $ue de posse de um assunto o artista tem$ue pesar os poss.veis valores uncionais dele $ue podem ser tamb,mapenas de bele'aG e depois decidir do instrumento est,tico $ue vaireali'ar milhormente esse assunto# de orma al)uma e6i)i $ue isto osse

    eito antes da cria7/o( Em )rande parte ,eito durante a cria7/o epodeser eito depois( O $ue ,preciso , $ue haja esse trabalho cr.tico# essaautocr.tica tamb,m# , imprescind.vel( Mas n/o ima)ine $ue mesmo eito antes esse trabalho esrie acria7/o( Esria pros rou6os e isto n/o pode ter interesse nenhum nestesproblemas( O simples ato do artista estar sinceramente entre)ue aopensamento do seu assunto# a tomar notas de rases# de tra7ospsicol9)icos# deormas# de id,ias o vai predispondopsicolo)i camentepara o ato de cria7/o( E esta che)a mesmo( A$ui entra de novo essa atal sinceridade na ar)umenta 7/o: ]certo $ue o artista n/o deve ter pressa# , preciso saber esperar Masisso do sujeito $ue s9 se pNe escrevendo $uando sente disposi7/o ,

    estupide' mas da mida( 3rincipalmente para o prosador( De ato o poetas9 deve criar $uando em estado de poesia( Mas isso n/o , sentirdisposi7/o# j , estar atali'ado por uma impuls/o interior de $ue elen/o tem a culpa( O prosador n/o( O prosador lida com a inteli)ncial9)ica# est no plano do consciente# das rela7Nes de causa e eeito( Oseu discurso tem cabe7a# tronco e membros# princ.piomeio-e-im# emborapouco importe $ue muitas ve'es o assunto e6ija $ue oim esteja noprinc.pio# e o princ.pio no meio( 0/o tem disposi7/oJ 0/o se trata deter disposi7/o: voc , um operrio como $ual$uer outro: se trata de terhoras de trabalho( Ent/o# v escrevendo# v trabalhando sem disposi7/omesmo( A coisa principia di.cil# voc hesita# escreve besteira# n/o a'

    ma8 De repente voc percebe $ue# correntemente oupenosamente istodepende da pessoaG voc est di'endo coisas acertadas# inventandobele'as# or7as# etc( Depois# ent/o# no trabalho de polimento# voccortar o $ue n/o presta# descobrir coisas pra encher os va'ios# etc(etc(

    21 2*

    0/o h como a atura de um ilme pra e6empliicar bem o trabalhode todo e $ual$uer artista( S/o cortes e mais cortes# novos close-upaa'er# tanto preparo anterior# tanto trabalho posterior# coisa lenta#di.cil# penosa(

    Arre $ue che)a por hojeB no princ.pio do ms lhe mandarei as

    3)ina *

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    cartas-a-um-jovem-escritorminhas 3oesias( E mais uma ve': n/o se amole em me escrever# em meper)untar coisas# discordar# discutir# etc( Estou s.nceramente 5s suasordens des$ue voc sepredisponha a ser honesto( Sei $ue sou o animadormais((( desanimador $ue e6iste( Mas , $ue sempre tive a convic7/o ee6emplosG $ue os bons a)\entam o tranco# d/o por paus e por pedras# masv/o pra diante de $ual$uer maneira( Com um abra7o do

    Mrio de Andrade %(&( ";PP12

    3re'ado Mrio# Ontem# conversando com o Murilo 4ubi/o alis# ele me contou $uelhe escreveu pedindo para publicar sua primeira carta diri)ida a mim# emostrou a sua resposta( Como eu n/o sabia dessa hist9ria# n/o voupublicar nada# por$ue acho $ue isso , ainal uma coisa a$ui entre n9s# e$ue s9 interessa a mimG mas# como di'ia# conversando com o Murilo#che)amos a um assunto $ue sua nova carta a)ora recebida vem suscitar

    novas rele6Nes em torno dele( Sem mais delon)as# trata-se do se)uinte: , certo $ue a obra dearte e6i)e do artista tudo a$uilo $ue ele tem de vida# de or7a humana$ue s9 o sorimento , capa' de proporcionar( Sem isto a obra dei6a deser arte# se ela n/o a objetiva7/o palpitante da vida do artista n/ono sentido autobio)rico# propriamenteG( Mas o probllma a. est: este sorimento# imprescind.vel# vem aser o da n/o-reali'a7/o de outros ideais( O de uma elicidade dependentede circunstHncias e6teriores# por e6emplo( Ou simplesmente a an)stia emace do desconhecido# do ininito# de Deus# de n/o-se-sabe-o-$u nem por$u# etc(# $ue tra'emos dentro da )ente( Essa marca prounda $ue nosdierencia dos outros# essa tortura interior# independente de $uais$uer

    circunstHncias# $ue nasce com a )ente( 0/o sei se me e6primo bem# etalve' n/o consi)a $ue voc entenda nem a minha letra((( Se oro caso#me avise# $ue a pr96ima escreverei a m$uina(G

    2Q 2R

    E 0/o , cil me a'er entender por escrito sobre um assunto )rave$ue s9 uma lon)a conversa pessoal haveria de esclarecer( Lou tentar resumir: a$uilo $ue a reali'a7/o da obra de artee6i)e de n9s , este sentimento $ue j tenho# anterior e inato# ou tem de

    ser a ne)a7/o deliberada de toda elicidade# de todo ideal ora da arte#tem de ser uma dor posterior# ad$uiridaJ Lou objetivar mais ainda# evoc compreender ent/o# Mrio# $uanto , importante essa $uest/o $ue lheconio# o $uanto vale para mim uma resposta sua(

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    cartas-a-um-jovem-escritorMrio(

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    cartas-a-um-jovem-escritorprtica J 0/o , isso mesmo $ue voc $uer saberJ O $ue ima)ino , isto:voc est decidido com )rande honrade' moral a ser artista# mas eis $ue#nos seus de'oito anos# a vida a)arrou voc na es$uina e lhe oereceu um9timo presente vital# $ue voc jul)a sera sua elicidade( E voc estreceioso de aceitar# temendo $ue isso venha a prejudicar o seu destinode artista( S9 h uma resposta poss.vel imediata: Aceite o $ue a vidalhe oerece e e6perimente( Loc# na sua discre7/o de primeira hora# n/o$uis di'er lo)o com ran$ue'a $ual era o )nero deacilidade repare $ueinsisto emacilidade# evitando a palavra elicidadeG# si amor# siri$ue'a# deve ser uma destas duas( 3odem ser tamb,m as duas juntas: amorsincer.ssimo $ue acontece ser rico# noivado# casamento le)al e vidaarranjada# sem mais in$uieta7Nes inanceiras( Mesmo $ue seja assim# n/ohesito um se)undo em responder $ue aceite( 0/o h dvida nenhuma $ue a arte tem entre os elementos $ue aconstituem a insatisa7/o( A arte , ilha da dor# di'em e voc repete nasua carta( 3reiro di'er insatisa7/o# $ue , mais dinHmicoZ e da

    insatisa7/o# a arte n/o , s9 ilha mas esposa# companheira $uotidiana em/e( O artista verdadeiro jamais estar satiseito consi)o mesmo nem coma obra-de-arte $ue produ'iu( & satisa7Nes momentHneas# est claro( Eh# meu DeusB os satiseitos((( Mas voc h-de observar em toda a suavida $ue os satiseitos com sua miss/o e com as obras $ue reali'am#nunca ser/o artistas verdadeiros: s/o med.ocres# s/o rancamenterins( Xuanto 5s satisa7Nes momentHneas# embora $uase nunca elas sejamcompletas# nada de mais psicolo)icamente l9)ico( Loc# como artista#cumpriu entusiasticamente# sem adi)a# o seu deve# isto ,# deu tudo o$ue tinha( A obra-de-arte est reali'ada com todas as or7as de $ual$ueresp,cie $ue voc tem( E natural $ue voc n/o veja( A obra-de-arte , vocinteirinho# e todas as suas possibilidades cr.ticas a consideram

    e6celente( 0/o use ent/o mod,stia alsa: se di)a com lealdade $ue vocconsidera a sua obra e6celente( Ela o ,# en$uanto a voc( E voc senteent/o uma esp,cie natural de satisa7/o( Como artista voc oimoraldando tudo o $ue tinha( A sua obra se identiica com voc# pois $ue ela, tudo o $ue voc ,( Loc h-de necessariamente sentir a conscinciatran$\ila e com isso uma esp,cie de satisa7/o# derivada dessee$uil.brio relacional entre voc e a sua obra( Mas desde o momento em$ue voc tornar pblica a sua obra e ela or viver independente de voc#as insatisa7Nes vir/o# e os des)ostos( As incompreensNes ser/o atais(Os desvios ainda mais atais# e isso des)osta prodi)iosam ente oartista( Ele n/o pode mais mandar na sua obra# ela ad$uiriu sua

    maioridade eprinci-

    "; "

    pia a'endo estrepolias incr.veis( O $ue eu tenho sorido com oMacuna.ma# principalmente com ele# voc nem pode ima)inar((( E noentanto# si escrito em pleno estado de possess/o a primeira reda7/o oieita inteirinha em seis diasG# em $ue eu n/o soria nada no .mpetosublime da cria 7ao# mas tamb,m nempodiap?r conscincia na sublimidade

    em $ue estava pela e6tens/o mesma desta sublimidade $ue me obnubilava

    3)ina =

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    cartas-a-um-jovem-escritor$ual$uer estado de concincia anal.tica# o $ue posso lhe jurar , $ueMacuna.ma oi detestavelmente doloroso pra mim( 0os momentos maisaned9ticos# mais en)ra7ados do entrecho# eu n/o dei6ava de sorer pelomeu her9i# sorer a alta de or)ani'a7/o moral dele# do brasileiro# $ueele satiri'aG# de reprovar o $ue ele estava a'endo contra a minhavontade( E $uando no im Macuna.ma no ponto de se re)enerar# ra$uejamais uma ve' e preere ir viver o brilhointil das estrelas# meusolhos se encheram de l)rimas( Se encheram e se encher/o sempre( Masisso ainda n/o , nada# com o $ue oi depois# $uando Macuna.ma estavapublicado e n/o tinha mais nada comi)o(

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    cartas-a-um-jovem-escritordo homem( O mal , $ue# embora buscando sempre aumentar insatiseitamenteaelicidade con $uistada isto ,( um Ford nunca dei6ar de pretender oaumento de sua ri$ue'a# 5s ve'es at, desviando a pretens/o paraapol.tica# o amor# a esmola# oaltru.smo etc(G# o mal , $ue voc#embora pretenda se aumentar# voc principia a)indo sorrateiramente comosi estivesse satiseito: , o conorm ismo( Esta , a cilada $ue o homemencontra $uotidianamente em seu caminho# o conormismo( Ela principia jpor ser isiol9)ica: , a lei da estabili'a7/o# a lei $ue eu chamo dapre)ui7a# n9s vivemos morrendo( Xuando o princ.pio moral verdadeiro# ,justo o contrrio: n9s devemos viver sempre nascendo: tudo deve sersempre objeto de aprimoramento pessoal e a busca da perei7/o( 0/ohesito em airmar: toda acilidade# toda elicidade , desmorali'ante(Mas ent/o como conciliar a minha at, intima7/o de voc aceitar aelicidade $ue a vida est lhe oerecendo e esta convic7/o de $ue aelicidade , desmorali'adoraJ ] simples# meu irm/o'inho# embora seja di.cil( ] voc n/o

    perder jamais de concincia $ue a sua e6perincia de elicidade deve sertamb,m um objeto de aprimoramento pessoal( A elicidade# o pra'er# aacilidade tamb,m , uma prova por $ue a )ente passa( 0isso a simb9licada cria7/o , admirvel( Deus n/o sujeitou Ad/o a sete provas deinelicidade# matar dra)Nes nem atravessar o mar a nado: sujei tou-oapenas a uma prova de elicidade# o jardim das del.cias( Mas Ad/o#insatiseito# rocelleri'ou-se# $uis tamb,m a ma7/((( E se brincou(0o seu caso particular de artista: o operrio# cada ve' $ue principiatrabalhando# n/o reveriiCa os seus instrumentos de trabalhoJ n/o aiaaoice# n/o a'eita a m$uinaJ Loc tamb,m precisa estar sempre alerta#pra $ue seu trabalho seja le).timo( Loc precisa reveriicarconstantemente os seus instrumentos de trabalho( ] di.cil# a acilidade

    tende a es$uecer isso# a se$\estrar a id,ia da )ente se repensar e sereveriicar em seus trabalhos( Mas h um jeito muito humano da )enteconsertar essa tendncia sorrateira: ai6a7/o de uma data comemorativada sua )rande'a de homem e de artista( Fi6e uma data anual para o seuretiro espiritual# eu a7o isso noim do ano# $ue e mais cil eines$uec.vel( O $ue i' este ano $ue passouJ no $ue isso me acrescentaem minha obra ou a prejudicaJ o $ue preciso a'er este ano pr96imoJ no$ue devo me completarJ Ainal das contas estou lhe di'endo coisasbanais# $ue# aos banais# parece estar cheirando a conessionrio( 0/oser t/o banal assim((( a vida tem de ser# muito mais $ue um viver-se#um continuado repensar-se( E s9 isso lhe pe7o $uase((( paternalmen te#

    meu DeusB nossas idades s/o t/o aastadas uma da outraB 0/o se dei6edeslei6adamente viver como a maioria ininita dos nossos artistasbrasileiros( Como eles s/o pobres de humanidadeB((( As ve'es s/ori$u.ssimos de atividade e variedade vital: tudo lhes aconteceu# as maisdiversas mulheres# todas as pobre'as# todas as ri$ue'as# cem doen7asdi.ceis# cem sades# cem poderes( 0o entanto nada disso lhes serviupara se tornarem um ser# um ser .nte)ro# completado em si mesmo einsolvel( S/o macunaimticos# se dissolvem nos seus atos # semreali'arem umaa7/o # $ue , continuidade( 0/o s/o homens# s/o )ua( Masa )ente tem ver)onha de se repensar( Fa'er e6ame de concincia# isso,desvio ah# a psicanliseB(((G 3r9prio de meninotes e das r)eismulheres(Eu sou um Sp rito orteB# e s/o os mais ine6istentes dos

    esp.ritos(((

    3)ina 2;

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    0/o , justo a )ente se recusar uma acilidade $ue a vida nosoere7a# des$ue essa acilidade seja justa( A elicidade no amor nem ,apenas justa# , uma esp,cie de dever( 0em mesmo a ri$ue'a dei6a de serjusta( O di.cil , voc# em se)uida# cumprir com os deveres humanos $ueessa acilidade lhe impNe( Mas si voc estiver bem deinido# bemconceituado e bem consciente dos seus deveres pra consi)o e pra com oshomens# voc apenas tirar de suas acilidades mais uma or7a deaperei7oamento( Ainal das contas# +oethe n/o se perdeu( E Litor &u)o#nos dias de maior reali'a7/o amorosa escreveu a

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    cartas-a-um-jovem-escritorat, no desistir voluntariamente de uma coisa $ue voc )osta# em proveitode uma inalidade maior# $ue seja mesmo apenas o e$uil.brio ormal daobra-de-arte# mesmo nesse sacri.cio# voc retorna a um estado ativo depoesia# voc

    "Q "R

    pratica uma ejacula7/o# voc est em plena volpia criadora( ] precisoser mais humilde# ainda a$ui# mais operrio# e n/o mistiicar por demaisessa hist9ria da arte ser ilha da dor( ] dolorido# ,penoso# ,ati)ante#, sobretudo in$uieto# in$uietante e insatisat9rio( Mas , )ostosotamb,m# , msculo# ,# sobretudo# de uma )rande di)nidade( A arte , ^umatortura# como voc di'J Apenas eu lhe per)unto uma coisa: voc conhece$ual$uer proi ssionalidade humana $ue# reali'ada com di)nidade# n/oseja uma tortura tamb,mJ E a vaidade do artista individualisti'ado $ue o

    leva ao seu atendite et videte si est dolor sicut dolor meus( >sso ,individualismo pretensioso( A tortura , de todos e se conunde com o $uede-ato seja viver humanamente( O $ue sucede , $ue a maioria dos serese tamb,m dos artistasG ve)eta em ve' de humanamente viver( E n/oestaremos por acaso insultando os ve)etaisJ((( Ser $ue estas di)ressNes escritas ao l,u do pensamento e semordena7/o# lhe bastamJ Si n/o bastarem continue discutindo# at, voc sei6ar num estado de concincia suiciente pra or)ani'ar em voc umaatitude coordenadora do seu trabalho uturo( Ainda havia o $ue comentarna sua carta# mas estou cansado( Eu aconselharia desde lo)o a voc n/ose prendera e$ua7Nes muito n.tidas e simpl9rias( Ainal das contas voc#justamente por ser um intelectual# n/o pode se alimentar de prov,rbiosZ

    n/o se es$ue7a $ue os prov,rbios tamb,m s/o uma deriva7/o da lei dapre)ui7a# um viver morrendo( 3or e6emplo: noim $uase da sua carta# vocme per)unta si a arte paira acima e independente# dominando a vida en/o sendo dominada por ela( >sso , prov,rbio# , simpl9rio por demais(Xue a arte# sob certo ponto# paire acima da vida# inda ,poss.velaceitar# por$ue se servindo de elementos est,ticos a bele'a# o materialtranspos.tor# a cr.tica da vida# etc(G ela nunca , a vida mesma# e nosoerece uma s.ntese nova dessa mesma vida( A arte n/o h dvida nenhuma$ue , uma esp,cie de mentira# mas no sentido em $ue voc di' ao enermo$ue ele est milhor ou 5 crian7a $ue si ela brincar com o)o# mija nacama( Loc n/o mente com a inten7/o de en)anar# mas justo na inten7/o de

    atin)ir um beneiciamento maior( Mas por tudo isto mesmo# a arte jamais, independente da vida: h interdependncia insolvel e irrecorr.vel#$ue a' com $ue nem a vida domine a arte nem esta 5$uela( 0/o desli)ueassim proverbialmente duas coisas $ue s/o a mesma coisa( At, comoaspira7/o elas s/o a mesma coisa: pois tudo n/o aspira a uma vidamilhorJ((( Com um abra7o do

    Mrio de Andrade

    "= "!

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    cartas-a-um-jovem-escritor

    %elo &ori'onte# ; de Mar7o de !12

    Meu caro Mrio# 4ecebi o seu cart/o# no $ual voc antecipava a resposta $ue iriadar 5 minha carta( Esta resposta tambem recebi# dentro do livro de3oesias $ue voc t/o )entilmente me enviou( Lou te contar por $ue n/o pude e escrever no mesmo dia em $uerecebi# nem nos outros# s9 hoje: uma ba$ueta da bateria $ue costumotocar nas horas va)asG escapuliu de minha m/o# e entrou de ponta num dosolhos# rompeu a conjuntiva e causou uma )rande eros/o na c9rnea( >sso na$uinta-eira de antes do Carnaval(

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    cartas-a-um-jovem-escritorpara os outros# estou

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    alando para voc# o $ue , $uase uma orma dierente de alar comi)omesmo# tamanha a compreens/o de $ue te sinto capa'( Depois de lidamuitas ve'es sua carta t/o preciosa num momento como esse para a minhavida# conse)ui colocar nos devidos lu)ares certas no7oes $ue seconundiam em meu esp.rito( Conse)ui distin)uir a inelicidade# adiiculdade na vida# da an)stia e da insatisa7/o( Conse)ui compreendera possibilidade da insatisa7/o e a an)stia coe6istirem ao lado dapseudo-elicidade ou como di' voc# acilidade( 3ude entender e atesentir a possibilidade de e6perimentar a elicidade $ue tenho em vista#como objeto de aprimoramento pessoal( Sei a)ora $ue esta ser na verdadeuma prova# uma e6perincia um caminho como $ual$uer outro $ue me levara al)o mais# $ue alcan7arei se o esor7o eito e a capacidade e6istente

    o tenham merecido( E , mais do $ue justa essa acilidade $ue est seoerecendo para mim( Como recus-laJ Lejo tudo claro( Sentia va)amente$ue haveria de ser assim mesmo# mas oi vOc $uem colocou tudo nosdevidos lu)ares( O $ue me importa , a$uilo $ue eu hei de ser# cus te o$ue custar( O $ue eu hei de a'er - o resto interessa e6clusivamentepela possibilidade $ue oerece de me levar a tal im( Ou se n/o meimpede de l che)ar( E a elicidade $ue tenho em vista# , indiscut.vel $ue n/o meimpede# mas ajuda# e muito( 0/o recus-la# pois# e sim se)ur-la comunhas e dentes# me esor7ar no sentido de $ue ela se reali'e# por maisdi.cil $ue isso seja( 3or $ue sem isso n/o e6perimento coisa nenhuma#n/o , assimJ Lem# ica para sempre# ou passa# sem me tocar# sem me

    marcar# me erir( ] preciso em resumo# a'er tudo para n/o perd-la e ,isso $ue vou a'er(

    12

    Depois de tudo $ue icou dito# voc poder calcular mais oumenos o $uanto me ajudou# o $uanto sou a)radecido por suas palavras debondade# e tudo o $ue voc vem a'endo por mim( At, me perdoar certasin)enuidades indesculpveis# a $ue eu poderia ter u)ido na minha carta#se tivesse reletido um pouco( Mas n/o h de ser nada( E como voc di':tocar para rente(

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    cartas-a-um-jovem-escritoroutros de $ue discordo( Acho# por e6emplo# $ue voc e6a)era $uando di'$ue espontaneidade e a sinceridade do artista n/o importam nada para aobra de arte( 3enso $ue al)uma coisa deimportar( 3elo menos inluem(Xuanto a voc n/o estar desses ar)umentos#sinceridade eespontaneidade# te dou toda ra'/o# dependendo do caso e do sentiem $uevoc os empre)a(

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    cartas-a-um-jovem-escritorjusto pra n/o ler( ] preciso saber aproveitar at, os inconvenientes $uesur)em: deve ser estranho a )ente pensar $ue n/o pode ler((( Eu sei umahist9ria $ue o Ant?nio AlcHntara Machado me contava# n/o lembro siinven7/o dele( Eram duas velhinhas irm/s( Linham do tempo da )uerra do3ara)uai# muito pobres# morando numa casinha $ue o pai dei6ara pra elas#na 4ua da >mperatri'( Ora sucedeu $ue a 4ua da >mperatri' acabou sechamando Xuin'e de 0ovembro# as meninas envelheceram e a casa da 4uaXuin'e recebeu uma oerta de dois mil contos# $uando n/o custava oito#no tempo da )uerra do 3ara)uai( As meninas venderam a casa# mas n/otinham no $ue )astar por$ue n/o sabiam )astar e estavam muito velhas(0/o tinham herdeiros# n/o tinham parentes# s9 uns conhecidos de lon)e emlon)e# e a)ora o advo)ado $ue tratava da ortuna delas( E osse por $ueosse# as duas icaram ce)as( Ima inda en6er)ava um bocadinho esre)andoo nari' no livro de re'a mas a outra nem isso( E a. principiou omart.rio delas# com a dama-de-companhia $ue o advo)ado ajustara pra lerpra elas( ] $ue as meninas eram muito curiosas e )ostavam de saber o $ue

    se passava nesse mundo( E cada ve' $ue o advo)ado aparecia# toda $uarta#era a$uela $uei6umeira# a mulher n/o )ostava de ler os alecimentos#ulava as not.cias do rei da >n)laterra# ou os anncios de utebol(Escusado di'er $ue as meninas nada sabiam da >n)laterra e ainda menos deutebol( E j n/o havia mais dama-de-companhia na cidade com mais de ummilh/o de habitantes $ue n/o tivesse passado pelas meninas( A. oadvo)ado lembrou de comprar um rdio( >nstalou-se o rdio e $uando eleprincipiou uncionando oi a$uele deslumbramento( >sso as meninasbotaram o rdio no mais orte da sua pujante )ritaria e icavam alirentinhas escutando $ue mais escutando( At, $uando uma delas carecia deir l dentro no $uartinho# icava se contendo# se contendo at, n/o podermais( E comentavam as dierentes 34# e li)avam pro estran)eiro n/o

    entendendo l.n)ua estran)eira( E oi justo $uando che)ou a SemanaEucar.stica e as meninas $ue eram completamente cat9licas puderamassistir inteira a Semana Eucar.stica# $ue acabou num domin)o triunal(Ora j na se)unda o advo)ado recebeu o teleonema# $ue ele vinha mesmona $uarta# mas as meninas pediam a ele a'er oavor de vir nessa se)undamesmo# $ue era ur)ente( O advo)ado bem sabia $ue n/o era poss.vel ter$ual$uer ur)ncia nas meninas mas veio assim mesmo( Che)ou#oi di'erbomdia# $uando as velhinhas o abra7aram chorando# at, $uiseram beijara m/o dele# tudo por causa do rdio( %em# por isso , $ue o tinhamchamado( 3odiam morrer apesar da sade imensa e $ueriam modiicar otestamento j# ser $ue o dinheiro delas davaJ Mas al,m do dinheiro para

    as cin$\enta missas por alma delas# $ue esse precisava icar por causado inerno# $ue o resto tudo osse empre)ado em doar um rdio i)ual'inho5$uele para cada instituto de ce)os do %rasil(

    1Q 1R

    +ostouJ %em# seus contos( +ostei muito doCompanheiro epouco do3roessor(

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    cartas-a-um-jovem-escritorde mem9rias e sensa7Nes: eapobre'a# embora cara cteri'ante#icouliterariamente pobre de verdade( A volta sucessiva dos mesmos atoseatos poucosG icou duma )rande monotonia e de um j sabido $ue s9mesmo reali'ado numa lin)ua)em# num estilo pereit.ssimo como arte#ainda poderia interessar( Creio $ue pro seu assunto# em ve' do mon9lo)ointerior# teria sido preer.vel a descri7/o de autor( Loc poria emevidncia a pobre'a interior do tipo# mas enri$ueceria essa pobre'a coma sua observa7/o pessoal de autor( 4ealmente acho esse conto apenasre)ular( o Companheiro , muito milhor: voc desenhou com deliciosadelicade'a de to$ues os dois meninos( Cust9dio e 0icinha# ambos de umapure'a# de um irre)ular psicol9)ico e6celente( 0/o di)o o mesmo do4uinho#i)ura completamente protocolar e conhecida# muito encontrvelnos livros de leituras de )rupo( Mas os outros dois est/o 9timos# oscasos est/o bem escolhidos e o 4uinho n/o che)a a atrapalhar( Xuando iache)ando noim me assustei muito( Assim $ue 0icinha vai correndo at, oalicer por causa da pneumonia do companheiro# todos n9s j sabemos $ue

    ela vai topar com o sapo( A coisa ica de um esperado deses perante edesapontante( Mas sur)e o nossoinal( Ela pe)a no sapo# apesar donojo# e vai lev-lo ao Cust9dio# ora# $ue

    1=

    acilidadeB Feli'mente voc escapou disso e o inal# em ve'dedesapontar#icOI muito ino e sem concess/o ao sentimentalismo cil(A pena , o esperado do sapo( Mas tamb,m n/o che)a a atrapalhar# por$ue oin'inho conserta tudo( A lin)ua)em est muito )ostosa( Loc j reletiusobre a sinta6e: as isionomias se lhe embaralharam na mem9riaJ 4eparecomo est icando desa)radvel# pern9stica# lusitana e s9 encontrvel em

    lin)ua)em pretensiosa(

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    cartas-a-um-jovem-escritoror7ara nota ou at, mudar de opini/o# tanto como um racioc.nio novo ouuma atitude social( 4ealmente o escolho )rande $ue tenho encontrado naminha vida# da parte dos outros# , esse da sinceridade( ] a porta abertapra todas as pre)ui7as mentais# todas as i)norHncias t,cnicas e at,todas as saade'as moraisB Contam do Ole)drio Mariano $ue jamais l umlivro pra n/o se inluenciar( >sso n/o , nada: ainda n/o a' trs diasum ami)o meu a$ui _ ou da sua idade# che)ava ao repdio de tudo $uanton/o ossem as tendncias espontHneas do ser# por$ue assim ao menos eleera sincero e conservava a pure'a l deleB Onde $ue vamos parar com asinceridadeB((( Mas# reconhe7o: tudo , por$ue n/o conceituam sinceridadenem espontaneidade( Sinceridade pra com o $uJ Espontaneidade imediataou posteriorJ Loc conhece coisa mais espontHnea $ue uma bula de 8aFontaineJ 3ois tem al)umas $ue oram reeitas de' ve'es( Sinceridade como $ue a )ente ,# ou com o $ue a )ente tem a convic7Hb $ue deve serJ Seeu espontaneamente# em !22# dei6ava escapar um3arece-me $ue(((#levado por vinte anos dessa sinceridade do meu ser# mas depois corri)ia

    praMe parece $ue# levado pela convic7/o de uma sinceridade nova# aindapor atin)ir# onde $ue eu ui sinceroJ Seria a sinceridade u)ir 5 minhaconvic7/o# 5 sinceridade do esp.rito# respeitando a sinceridadeespontHnea manualJ Esta n/o passava de uma mem9ria $uase e6clusivamentemuscular# vinte anos de escrever3arece-me( En)ra7ado: estou melembrando $ue depois de bem sistemati'ado o pra em mim# tornadoespontHneo e subconci ente# $uando me sucedia ter $ue ler al)um escritoanti)o# voc n/o ima)ina cada sobressalto $ue eu tinhaB topava um prae a sensa7/o imediata e muito desa)radvel $ue eu tinha era de me pe)arnum erro de lin)ua)emB Sinceridade de $uando voc# piasote# nadava decachorro ou de hoje $ue voc se prolon)a no silvo elstico de um cra`lJA sinceridade# a espontaneidade s/o coisas $ue se modiicam

    constantemente# dia por dia(

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    cartas-a-um-jovem-escritor)ostar# e )ostando a posteriori( Fa' parte da di)nidade do ser(

    *; *

    Em se)uida h o caso da l.n)ua( Me desculpe# $uero lembrarsempre o 4abela is# e o >bsen do 3eer +nt junto com CervantesG( Locprecisa ler certos clssicos portu)ueses( De preerncia os anti)os: unspoucos# A Lida do Arcebispo acho indispensvel( Fern/o Mendes 3into eas D,cadas( Im pouco tamb,m um pouco s9G de Lieira( Mas si seembalar# tome cuidado sempre de n/o ler demais( 8er os brasileiros((( Meu DeusB a$ui tamb,m entra a no7/o dadi)nidade do indiv.duo( Me parece um pouco canalha a )ente conhecerAnatole France e n/o ter lido as Cartas ChilenasZalar de 3roust e n/o

    alar de +re)9rio de Matos ou Cru' e Sou'a( ] mais uma $uest/o humana depro6imidade( E# j alei# creio# voc precisa muito de ler Machado deAssis# mas ler com reler# roubando ele# pla)iando ele# n/o no estilo nemno esp.rito mas na delicade'a de sentimento( Machado de Assis n/o deveser pra voc um companheiro de vida# mas apenas um tesouro onde voc vairoubar( 4oube dele tudo $uanto possa ser til a voc# jo)ando o restoora( Mas sempre n/o se es$uecendo $ue voc pode roubar errado( Oproblema , delicad.ssimo( Leja o problema do estilo: si voc escrever# che)ar a escrevernoestilo de Machado deAssis voc se esculhamba por completo# se perde( Masvoc precisava che)ar a um estilo $ue osse em voc e em !*2# ocorrespondente do $ue oi o estilo de Machado deAssispro tempo dele(

    Disto ainda estes dois contos novos me convencem inda mais( O 3roessoralhou por$ue voc n/o tinha o estilo $ue o salvaria( O Companheiro ,muito bom# mas# com perei7/o de estilo a mais# dava obra-prima( Olha# Fernando# eu n/o $uero desiludir voc com a minhaseveridade( Mas eu sou assim mesmo# $u $ue hei-de a'erB 0os ins doano passado me alaram uma coisa de uma perversidade $ue hoje considerodeveras mali)na# de tanto $ue tem me prejudicado: $ue eu era o animadormais desanimador $ue e6iste( Deve ser di.cil a)\entar o tranco do meu)ostar n/o-)ostista( Outro dia ainda se deu um ato $ue acheiassombroso# me alaram( +ilda Morais 4ocha# $ue publicou uns contos emClima , minha prima# vive a$ui em casa# ponho bastante esperan7a nela(

    ] inteli)ent.ssima# isso n/o tem dvida( 3ois ela me deu uma cr.tica $uei'era do Ot.t othe 0i)ht pra ler e opinar( Fui lendo# su)erindocoisas# lembrando outras dic7Nes pra certas rases# etc( +ostei muito#disse a ela e entre)uei os ori)inais( Feli'mente $ue ela riu( Di'-$ue eutinha )ostado muito# mas nos ori)inais n/o tinha $uase rase semsu)estNes minhas de mudan7aBBB Lai ser duro de voc a)\entar o tranco#5s ve'es me arrependo( 3ortanto o $ue eu pe7o mesmo a voc,icarsemprealerta: n/o v aceitando sem mais nem menos tudo o $ue eualar( 0/o ico 'an)ado por isso e me evite essa coisa deicarpesandocom precis/o cada rase e opini/o minha: teitoJ 3ois o $ue eu acho# em principal# , $ue voc estabele7a um planode leitura e o si)a contra tudo e contra todos( Os dois crit,rios

    principais# creio nunca pensei muito no casoG# devem ser esses:

    3)ina 2!

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    cartas-a-um-jovem-escritor8eituras imprescind.veis para a di)nidade do intelectual( 2o O crit,rioda pro6imidade: aG 3ro6imidade do ser social suas tendncias pol.ticas#reli)iosas e outrasG bG 3ro6imidade do ser individual suas tendnciase)estos e id,ias de artistaG

    *2 *"

    cG 3ro6imidade do ser vital em princ.pio a arte atual deve interessarmais $ue a do passadoG dG 3ro6imidade do ser ,tnico em princ.pio aliteratura brasileira deve interessar mais $ue a portu)uesa# esta mais$ue a espanhola# a latina mais $ue a )ermHnica# a europ,ia mais $ueachinesaG(

    As leituras imprescind.veis n/o podem ser devoradas( E a'endouma mistura bem e$uilibrada de tudo# acho $ue voc conse)ue uma boacultura literria(

    E n/o , poss.vel um intelectual sem ilosoia nem orienta7/osocial( Mas sobre isto# s9 alando outro diaZ si $uiser $ue eu ale#insista( &oje estou j cansado# com dor na m/o( Com um abra7o do

    Mrio %( &ori'onte# R de Abril de 12

    Meu caro Mrio# S9 hoje respondo sua carta# mas o motivo do atraso se justiica:eu a recebi no dia em $ue partia para Ouro 3reto# onde ui passar aSemana Santa( a )ostar#palavra( Conhece Ouro 3retoJ Lale a pena conhecer(

    %em# sua carta( +ostei muito da hist9ria das velhinhas doAlcHntara Machado( Se voc n/o dissesse $uem lhe havia contado# euper)untaria lo)o se ora ele( D um conto e tanto# a hist9ria( Xuanto 5 minha vista# ico a)radecido pelo seu interesse# masn/o se preocupe: j estou inteiramente bom# en6er)ando at, o $ue n/odevo( S9 n/o posso nadar ainda# para evitar inec7/o( Os contos $ue lhe mandei s/o a$uilo mesmo $ue voc disse: eu)ostava# n/o sabia por$u# era deO Companheiro embora soubesse $uehavia uma possibilidade# por mim desconhecida# de ser melhor( O3roessor# eu sabia $ue tinha alhado# mas n/o sabia $ue era noprocesso adotado( Loc me ajuda e6traordinariamente com isso# Mrio( Sei

    $ue s/o apenas dois contos# $ue em si n/o valem nada# etc( Mas ainal#eles podem constar de um bom ou um mau livro# isso , $ue , importante( Osujeito $ue critica um livro de contos n/o pode ajudar ao autor tanto$uanto um $ue critica um conto apenas: preocupado com a e6tens/o doconjunto# n/o pode descer 5 lin)ua)em# entrecho# etc( Com isso# $ueroapenas di'er $ue voc#

    *1 **

    a'endo t/o )enerosamente a cr.tica de um ou dois contos sem importHncia

    3)ina ";

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    cartas-a-um-jovem-escritorcomo e'# me ajuda muito# n/o em rela7/o s9 a estes# mas aos $ue aindaarei( 3or isso sou t/o a)radecido a voc pelo au6.lio prestado( Estou pensando mesmo em continuar a e6i)i-lo# mas como n/o $ueroabusar dessa boa-vontade $ue nunca encontrei em nin)u,m# venho pedirlicen7a antes: estou a$ui 5s voltas com outro conto# sobre o $ualdesejava ouvir sua opini/o( Ele vale para mim apenas como a primeiracoisa $ue consi)o a'er depois de meses de absoluta esterilidade edesHnimo $uase total( 0ada mais do $ue isso( Antes $ue me es$ue7a: esta hist9ria de animador maisdesanimador , uma autntica balela $ue lhe pre)aram( Meu Deus do c,u#$uem , $ue podia ter chamado voc disso# MrioJ 0/o e6iste em voc)ostar n/o )ostando nenhum( O $ue e6iste , uma capacidade de n/o sedei6ar vencer pelo entusiasmo ou pela repulsaG( 3ara mim o tal )ostar)ostando contrrio ao seu , a coisa mais improcedente do mundo: podeanimar a )ente# pode p?r o sujeito crente $ue est abaandoZ maspenetrar no indiv.duo# a'er nascer dentro dele uma or7a nova# uma

    capacidade criadora $ue ele desconhecia# isso nunca# isso s9 mesmo comosanimadores mais desanimadores como voc( Os apenasanimadores n/oconse)uem eeito nenhum com sua anima7/o( 3Nem o animado satiseitoconsi)o mesmo# destruindo assim a insatisa7/o# $ue , a onte decriatividade do artista( +ilda Morais 4ocha , ent/o sua primaJ 3ois olha# h muito tempoeu n/o lia uma coisa t/o boa como a$uele Yee-End com

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    cartas-a-um-jovem-escritor Mas voc n/o calcula como , a minha vida# Mrio(

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    pretendo icar amadurecendo essa coisa por muito tempo ainda(

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    cartas-a-um-jovem-escritor

    Q; Q

    S( 3aulo# =-L>-12

    Fernando Arre $ue sua ltima carta data de trs de maio e eu sem lheresponderB Mas as ocupa7Nes se acumulam e eu $ueria $ue voc espiasse s9a$ui sobre a c?moda de meu estdio as coisas $ue amontoei pra a'ernesta semana# , uma coluna( E ainda me estoura casa a dentro apossibilidade de ir no 4io por uns $uatro diasB 4esultado: as coisasicar/o pra semana $ue vem e a. , $ue a coluna vira +at.risanar Mas ,de manh/# minha manh/# isto ,# nove e meia e jurei principiar a semanalhe escrevendo( Alis releio sua carta e veja $ue desta ve' posso escrever pouco

    por$ue n/o h verdadeiro assunto# mais $ue os da camarada)em( Mas comovai o conto $ue virou romanceJ Mande contar mais detalhadamente oassunto e como , $ue voc o est desenvolvendo( L escrevendo# vescrevendo# al,m de ser mesmo uma del.cia produ'ir pra $uem tem mesmo abossa# maior del.cia , isso da )ente ser mo7o e ir escrevendo sem nenhumcompromisso# pelo simples ato macho de produ'ir( Xuando me lembro osmilhares de p)inas $ue escrevi# versos# medita7Nes# contos# romances$uase sempre icados pra acabarmais tarde( As coisas iam seacumulando# passavam dois anos# trs( Im dia era preciso desentulhar as)avetas e eu icava uns $uin'e dias lendo um autor es$uisito $ue n/o erameu desconhecido# mas $ue eu n/o reconhecia bem mais# por$ue j tinhamudado( E era a$uela devasta7/o( Xuase tudo ia pra cesta# e bem

    ras)adinho# ras)adinh.ssimo pela preciosa vaidade de $ue nin)u,m# umacriada# o li6eiro# pe)asse a$uilo pra ler rindo de mim( Eprincipiavaentulhando )aveta outra ve'# livreP)ratuitoJ no meu reino sem adi)a decriarB Era bom eoi tantas ve'es sublimeB Depois a vida passa# irm/o pe$ueno( Loc ad$uire compromissoscom o seu pr9prio passado# ad$uire um nome e como neste pa.s n/o se vivede escrever ic7/o# vem de' mil ocupa7Nes dispersivas e voc v com mais$ue melancolia# v mas , com um des)osto amar)o $ue voc senta naescrivaninha e o $ue vai escrever tem de ser publicado# , muito amar)o(Mas como n/o publicarB S9 virando jardineiro mesmo ou vendedor devassouras automticas $ue tamb,m s/o jeitos de )anhar dinheiro( Mas o

    $ue voc n/o pode , n/o )anhar dinheiro( E voc# seu jeito , esse# estpreso e sem seu reino: senta na mesa e escreve o arti)o pra serpublicado( ] pau isso# muito pau( O papel est acabando e voc me per)untou sobre o arti)o dolvaro 8ins sobre as3oesias( 0/o sei# talve' seja humildade natural#mas )ostei( &averia por certo o $ue discutir# mas a dvida n/o prova $ueele esteja en)anado( E tenho a certe'a $ue oi honest.ssimo( E , s9 por hoje( Mas n/o se es$ue7a de mim e mande contarcoisas( Com o abra7o do

    Mrio

    Q2 Q"

    3)ina "1

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    cartas-a-um-jovem-escritor

    %( &ori'onte# " de ulho de !12

    Meu velho Mrio# ] um absurdo eu ter demorado tanto a te escrever( Mas as coisasa$ui comi)o aconteceram 5s de'enas por dia# minha vida se complicou maisainda# estou vendo a)ora se ponho nos devidos lu)ares( Xuando recebi suacarta estava de partida para o 4io# com )randes esperan7as de aindaencontr-lo l( >sso n/o aconteceu# pois voc sa.ra de l dois diasantes de eu che)ar( Fi$uei triste# por perder essa ocasi/o de conhecervoc pessoalmente( A complica7/o a $ue me reeri , $ue ui de repente tirado de ldo meu lu)ar'inho humilde de e6tranumerrio de uma Secretaria# e chamadosem mais nem menos para a'er parte do )abinete de outra# a da

    A)ricultura# $ue estava se or)ani'ando( A$ui estou# eli' por$ue possoor)ani'ar minha vida a)r.cola((( 3ensar seriamente nos meus planos# ounossos meu e delaG((( A verdade , $ue isso oi muito bom para mim# poiseu precisava tomar um rumo certo( Como eu ia n/o dava certo n/o# estavaa'endo mil e uma coisas ao mesmo tempo# dando aulas# estudando# amando#escrevendo( Me perdia em conversas de rua# corria de c para l e de lpara c# sempre aobado# dispersivo( A)ora vou poder trabalhar comcalma# ler bastante# do $ue estou precisad.ssimo# escrever muito((( 8o)o $ue che)uei do 4io encontrei um acampamento do C(3(O(4(para a'er( Fi'( Ima semana# che)uei ontem ou anteontem# n/o sei bem(Mrio# ima)ine um inerno# me meta dentro dele# e ter o pobre FernandoSabino no

    Q1

    seu acampamento de manobras do E6,rcito# o )lorioso E6,rcito %rasileiro(%asta di'er $ue estou com 2Q2 mordidas de carrapato ora umas oito# decarter suspeito# $ue n/o considereiG com .n)uas de $uatrocentos r,isnas pernas e o est?ma)o mais arrebentado ainda de tomar sopa de sebo#como se eu# por ser da Cavalaria# osse obri)ado a comer bosta decavalo( 0/o h de ser nada( Mas vamos parar de alar de mim( 0/o estou chorando m)oas n/o(A)ora tudo passou# minha vida est mais ou menos asse)urada# posso tocar

    para rente( Lou recome7ar a trabalhar com ainco no livro( O tal $ue deum conto passou a romance( Mrio# achei sua carta e6traordinariamente amar)a( 0/o amar)apara mim# amar)a para voc( Xue coisa dolorosa a$uilo de voc contar assuas tentativas de romance# de )randes obras $ue morreram no undo das)avetas( Mas# n/o sei por $u# em rela7/o ao $ue estou a'endo# n/o meimpressionei com o $ue voc disse( Sei $ue voc disse n/o oi paraimpressionar# mas impressionaria $ual$uer um( Comi)o n/o se deu assim(Estou escrevendo# escrevendo sem parar( Ou eu a7o desta ve' um tro7os,rio# bom# ou ent/o desisto( 3or$ue n/o posso mais nem ouvir alar emOs +rilos( Sinto nuseas# uma esp,cie de nojo dele( 0/o vou di'er $uen/o )oste mais# tenho sempre um amor secreto pelo livrinho( Mas# n/o sei

    e6plicar# a$ueles contos n/o me interessam# n/o ressoam mais em mim# n/o

    3)ina "*

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    cartas-a-um-jovem-escritordespertam nenhum sentimento por eles( Acho isso muito estranho( Lira# me6e# estou alando de mim( En)ra7ado# Mrio# estou numestado meio aptico# como se tivesse me imbecili'ado um pouco ou maisaindaG( Ando assim meio no

    Q*

    ar# desnorteado# sem i6ar o pensamento( >sso ser talve' conse$\nciada mudan7a $ue se deu em meus meios de vida( 0estes ltimos dias# nemescrever tenho conse)uido( A)ora , $ue vou tentar recome7ar( Com certe'aoi esse acampamento des)ra7ado $ue me p?s assim# os carrapatos# talve'(3or isso , $ue esta carta est t/o besta# t/o idiota# te alando decoisas $ue naturalmente n/o te interessam nem por sombras( Ainal# $ue

    diabo# tenho l eu al)um direito de te chatear com meus carrapatos# detomar seu tempo dessa maneiraJ ] $ue sinto uma necessidade de conversarcom al)u,m# de me abrir com um ami)o( Loc , um sujeito ami)o# Mrio( %em# vou icar por a$ui# $ue me sinto besta como nunca# e assimn/o vai( 0em sei se conv,m mesmo te mandar esta carta imbecil(G Antes de te alar de uma coisa# vou te pedir um )rande avor:tem uma pessoa $ue escreveu os $uatro poemas $ue mando a$ui junto comesta carta( 0/o vou alar nada a respeito do autor# nem dascircunstHncias interessantes em $ue oram escritos os poemas( Di)oapenas $ue n/o s/o meus( O avor $ue eu $uero de voc , me di'er# numacarta rpida# $uando tiver tempo# o $ue acha deles( A$ui atrs destaolha vou escrever te contando de $uem s/o# etc( etc( Mas leia-os antes#

    pois $uero saber se valem al)uma coisa# se s/o mesmo poemas# se hpoesia# independentemente de $uais$uer circunstHncias( Assim como sevoc os houvesse achado na rua( O $ue voc me responder a esse respeito#sua opini/o# me interessa e6traordinariamente# mais do $ue tudo o $uevoc me tem orientado e ensinado( E , s9( Lou a)uardar suas not.cias# escreva-me se puder( Desculpe achatea7/o# muito obri)ado# e a ami'ade certa do

    Fernando

    3S(: Mrio# pode parecer idiota essa hist9ria de eu escrever s9

    nas costas desta p)ina as indica7Nes relativas aos $uatro poemas $uelhe remeto junto( Mas , $ue tenho a impress/o $ue essas indica7Nes deveminluir muito no jul)amento deles - por isso $uero saber se valem al)umacoisa em si( Apelo para voc# por ser a nica pessoa capa' de me ajudar(8eia-os# por avor# veja depois o $ue escrevi sobre eles e me mandedi'er o $ue acha( Mais uma ve'# imensamente )rato Sempre seu ami)o#

    Fernando

    3)ina "Q

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    cartas-a-um-jovem-escritor Como eu j tive oportunidade de te contar# Mrio# numa ,poca em$ue me achava mer)ulhado em dvidas terr.veis e juvenis# a respeito dainluncia $ue isso poderia e6ercer no meu destino como artista JG#andopor a$ui# pensando seriamente em in)ressar no rol dos homens s,rios(>sso ainda demorar um pouco# pois ela completou R anos apenas emjaneiro# e meus ! incompletos n/o se impNem muito ainda((( Mas isso n/ointeressa( A verdade , $ue ela escreveu os poemas sem saber $ue osescrevia# isto ,# sem saber $ue eram poemasZ em cartas#despretensiosamente( E se assustou muito $uando lhe disse $ue

    QQ QR

    sentia poesia neles( S/o os nicos $ue ela e'(G +ostaria de saber o$ue voc acha( Me interessa muito# como voc pode compreender( Louesperar ansiosamente sua opini/o# e desde j te a)rade7o muito( Imabra7o do

    Fernando

    %( &ori'onte# 2= ulho 12

    Meu caro Mrio# Estou te escrevendo rapidamente# se bem $ue haja niuit.ssimacoisa $ue eu $uero te alar a respeito da Conerncia# $ue acabei deler a)oraG( Lem-me uma vontade imensa de desabaar com voc tudo o $ueela me e' sentir( Mas , lon)o# n/o tenho o direito de tomar seu tempo e

    te chatear( Escrevo apenas para te comunicar $ue j estou# desde poucosdias# ostentando )alhardamente uma ros$uinha de ouro num dos dedos dam/o direita( ] com imenso pra'er e ale)ria $ue te conto isso# a voc $uetanto tem me animado e au6iliado( Outra coisa: terminei o bruto( Estoupassando 5 m$uina# num del.rio des)ra7ado( %em# mas esse peda7o de papel rabiscado oi somente para teparticipar o noivado( Desculpa ter escrito a m/o( Estamos a$ui na maior ansiedade a)uardando sua resposta 5 minhaltima carta( 4ecebeuJ %om# Mrio# um )rande abra7o para voc# e pode esperar# $ue eu

    acho $ue acabo te escrevendo sobre a Conerncia( Conte sempre com a ami'ade do

    Fernando

    Q= Q!

    3)ina "R

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    cartas-a-um-jovem-escritorS( 3aulo# Q-L>>>-12

    Fernando uventude perversa# amor insacivel( Mas voc jul)ava si$uerima)invel $ue diante dos termos da sua carta# $ue se esor7aram pordemais por ser discretos# eu n/o ima)inasse lo)o $ue os versos mandadoseram de sua noivaB %om: talve' pra n/o prejudicar# nem eu deva analisaro rid.culo sublime $ue vocs alcan7aram: releia com sua noiva# si tiverpacincia# a terceira estHncia das %odas Montevideanas(Aceitam tudo por$ue j n/o , mais hora de en6er)ar((( Est claro $ue a primeira coisa $ue i' oi virar a olhadatilo)raada e ver de $uem eram os versos# s9 pra ter certe'a da minhacerte'a( Depois me irritei# i$uei danado com voc(Esses pun)as derapa'elhos di'-$ue n/o tm a menor piedade pela )enteB etc(# disse odiabo( 3or$ue Fernando# o $ue poderei di'er sobre vinte versosB Eprincipalmente sobre vinte versos )ostososB 0/o di)o nadaB Ou terei $ue

    di'er um tratado de psicolo)ia criadoraB Os versos de sua noiva n/o permitem di'er nada( 3rometem tudo en/o prometem nada( Di)o isto sem o menor receio de a'er vocs doissorerem# por$ue tenho a convic7/o de $ue si sua noiva or de-atopoeta# mesmo $ue eu ordene ela a nunca mais escrever versos# elaescrever# mostrar# publicar e ser poeta Os versos de sua noiva# poucos assim# n/o provam nem ne)ampoesia( 3rovam $ue se trata de pessoa muito nova# e muito inteli)ente#ou pelo menos# muito hbil( ] certo $ue sua noiva l e conhece bastantea poesia cnova do %rasil(

    R;

    Os poemas tm o mesmo ar sibilino de vrios dos milhares de poetas e dacorrente da poesia atual# nascida de Au)usto Frederico Schmidt# MuriloMendes e outros( 0/o sei o $ue ela leu# si os ep.)onos ou os ecos(Alis# com toda a rude'a# vocs dois me dei6em $ue lhes di)a $ue estesversos tm at, ar depastiche# de 5 la manire de( Mas# veja a diiculdade em $ue voc me dei6ou: , $ue nem esseran7o de imita 7/o prova nadaB 0em si$uer posso di'er a ela $ue mude derumo por$ue $uem sabe ela vai dar a um rumo eito# a sua coroa7/odeinitivaB ] cil di'er diante do )ostoso incontestvel destes versos:Continue( Mas eu n/o sou desses# Fernando( Xuando lhe escrevi

    espontaneamente e acreditei no seu valor $ue s9 altava voc justiicare s9 voc pode justiicar# eu me decidia diante de um volume inteiro( Eassim mesmo com muita reserva e discre7/o( Eu juro $ue voc tem talentode escritor# mas nada mais juro( E si juro nem , tanto pelos seus contosmilhores# mas pelos outros( Foi pelo ruim ou raco $ue eu decidi# vendoneles um raco ou ruim $ue n/o eram os da bestidade ou dadesimport/ncia( Diante dos vinte ou trinta versos da sua noiva eu s9 possodi'er: Continue( usto o $ue n/o interessa di'er( 3or$ue n/o di' nada(3or$ue ou ela continua mesmo# e isso independer totalmente do $ue eudisse# ou de repente ou aos poucos ica outra coisa# mulher de sua casa#m/e de seus ilhos# ou tanto poder p?r uma bomba no 3alcio da

    8iberdade como uma lor nos cabelos(

    3)ina "=

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    cartas-a-um-jovem-escritor 0/o $uero# n/o posso orientar(

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    cartas-a-um-jovem-escritor$ue a )loriica7/o absoluta do estupeaciente# o completamento ade$uadode voc( O ela escrever versos , muito bom( 3rova preocupa7/o pelascoisas do sentimento intelectual# , voc( Xue Deus os aben7oe( Com o abra7o do

    Mrio de Andrade

    R2 R"

    %(&( Set( 12

    Meu caro Mrio# Antes de tudo mil desculpas por n/o ter respondido sua cartaantes( Essa demora pode a'er voc pensar duas coisas: O - $ue n/o arecebiZ 2 - $ue n/o i$uei satiseito com ela(

    3ois saiba $ue# ao contrrio# ela me a)radou tremendamente( Locse mostrou mais uma ve'# e mais do $ue nunca# meu ami)o( 0/o podecalcular como lhe sou a)radecido( 0/o ,# pois# por isso# $ue atrasei esta carta( ] $ue as coisascomo sempre complicadas nos impedem de a'er al)uma coisa aproveitvel(Essa hist9ria de )uerra# a )ente na iminncia de ser convocado# o cursodo C(3(O(4( apertad.ssimo por causa disso# etc(# etc( Mas desde $uerecebi sua carta me deu uma )rande vontade de conversar com voc sobre oassunto( Era da$uilo $ue ela estava precisando# Mrio( ustamenteda$uilo( Ima esp,cie de sab/o( Ou sabonete# alis: nada mais justo do$ue voc di'er $ue eu desejo $ue ela seja tudo( Loc tem ra'/o( Eu

    desejo sim - s9 $ue a)ora voc vai desculpar a maldade inconsciente $uei'emos com voc# te colocando na$uela posi7/o constran)edora( Masvaleu# por$ue voc nos serviu e6traordinariamente( A verdade , $uea$ueles 1 poemas por si s9 n/o podiam mesmo si)niicar nada( Se euinsisto , por$ue conhe7o al)uma coisa mais do $ue isso: uma novela $ueela est a'endo# e $ue# esta sim# d mar)em a $ue se tenha espe-

    R1

    ran7a( Mas eu n/o animo de maneira al)uma# e se depender de mim# elaestar absolutamente desamparada# por$ue n/o $uero ser o culpado caso eu

    esteja en)anado# nada mais detestvel no mundo do $ue uma literatarustrada( Mas ser artista , outra coisa e se ela o ,# como voc disse#n/o depende de mais nin)u,m( A$uela hist9ria de mandar os poemas serviupara me orientar e n/o a ela( Foi bom# por$ue cerceou um pouco ootimismo natural de meu jul)amento( E um pouco desumano# mas ela tem deicar entre)ue 5 pr9pria sorte: n/o devo intererir( A$uela hist9ria da inluncia da poesia brasileira moderna ,verdade( E mais verdade ainda , o $ue voc disse# concluindo# $ue euencontrara al)u,m $ue me servia( Encontrei mesmo( %em# meu velho Mrio# $ue diabo# ainal estou te chateando muitocom essa hist9ria toda( Xuanto ao meu romance# pelo $ual voc t/o)enerosamente se interessou# vai indo( Estou passando a m$uina#

    capinando# remendando( 3retendo icar amadurecendo a$uilo por muito

    3)ina 1;

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    cartas-a-um-jovem-escritortempo# por$ue j est/o se indando os = anos de se a'er besteiras( Falei na sua conerncia( Xue amar)ura des)ra7ada me deu 8endoa$uilo# Mrio( Encontrei nas suas palavras inais um pouco do im $ueesperava para todos n9s# por causa da destina7/o tremenda $ue , a nossa(Senti nas suas palavras a impress/o cruel de ter de pronunci-las umdia# $uando estiver se esbatendo# j na mem9ria da )ente# a lutasustentada 5 procura da$uilo $ue ainal nunca se conse)uiu achar( Aindamais a)ora# Mrio# $uando a )ente sente t/o bem $ue , che)ado o im# $uenada mais , poss.vel a'er# $ue minha )era7/o# desnorteada e pervertida#

    R*

    est adada 5 destrui7/o total( Xue vontade a minha de ter vivido na sua,poca em $ue havia para onde olhar( Se ainda restasse al)uma esperan7a#Mrio# um ponto m.nimo $ue osse de otimismo# ent/o sim# a )ente seesor7ava# estudava# escrevia# viveria enim( Mas# de $ue adianta viver

    hojeJ Loc tem cumprido os seus compromissos# voce reali'ou# venceu( Ese h em voc a sensa7ao imperdovel de ter racassado# trata-se de umhomem $ue n/o deve nada a si mesmo( E n9sJ Ainal# n/o si)niicam nadaos compromissos assumidos com n9s mesmos um diaJ Ent/o a )ente n/o seenver)onharia de n/o poder cumpri- 8osJ O pior , a$uilo $ue eu te disse:n/o h a m.nima esperan7a( A )ente n/o se en)ana# dei6ando de ler osjornais# de ouvir as ltimas not.cias( 0o pr9prio ar se sente j $ue ,preciso se adaptar ur)entemente# , preciso suocar de uma ve' a nossavida anterior# se $ueremos continuar a viver# se n/o $ueremos acabarloucos ou suicidas( 3or$ue a verdade , $ue , esse o nosso im# Mrio( Ocorpo se adapta# , verdade( ] preciso resistir 5s horas de marcha# 5velocidade inconceb.vel dos aviNes# aos bombardeios# a tudo( Mas o

    esp.rito nunca( Cada dia os cho$ues s/o maiores# o dese$uil.brio seacentua( A verti)em brutal dos acontecimentos , muito culpada disso# n/ose conse)ue tempo suiciente para sorer tudo o $ue est acontecendo#coisa por coisa# tempo para sorer os homens $ue est/o morrendo# homempor homem( 0/o h nenhuma possibilidade de conse)uirmos sintoni'ar onosso esp.rito com os acontecimentos( O $ue a )ente pensava ontem# o $uea )ente esperava ontem# j , dierente do $ue se tem de pensar e esperarhoje( Xuem , $ue a)\entaJ Mrio# voc me desculpe( O culpado sou eu mesmo# $ue deviaesperar melhor momento para te escrever( Conto com sua ami'ade# emperdoar este desabao( 0/o repare( Esta carta s9 se)ue por$ue , preciso

    $ue lhe escreva para saber $ue recebi a sua# e $ue ela me a)radoue6traordinariamente( E $ue voc continua a me ajudar mais do $ue tudo#continua sempre o bom ami)o $ue se mostrou um dia disposto a me ajudar(Muito obri)ado# desculpe mais uma ve'# e um )rande abra7o do sempre seuami)o

    Fernando

    RQ RR

    S( 3aulo# !--12

    3)ina 1

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    cartas-a-um-jovem-escritor

    Fernando Loc terminava sua carta di'endo $ue s9 a mandava pra eu saber$ue voc recebera a minha anterior( De-ato: nunca vi carta mais eia#mais errada( Olha# Fernando# na sua idade isso , natural: preocupa7Nesde )uerra# C(3O(4(# noiva# estudos $ue a )ente n/o sabe si devecontinuar no momento# mobili'a7Nes# o diabo - tudo isso , natural $ueencha o peito de um mo7o sens.vel e inteli)ente e estoura em# ainal dascontas# $uinta-colunismosBBB 3u6a# como icou horr.vel voc di'er $ue n/o ,poss.vel maistera m.nima esperan7aB((( Est claro $ue n/o ,poss.vel dei6ar de teruma ormidvel# uma $uente e )ostosa esperan7a nos homens# mas o $ue eume per)unto , si se trata de colocar o problema do ser num sentido deesperan7aJ %om# n/o $uero a)ora de palan$ue me a)arrar a uma palavra $uevoc escreveu e ainal das contas n/o ser o seu sentimento-pensamento

    completo# mas com eeito nos momentos .ntimos de covardia indeinida# decovardia $ue a )ente recalca e n/o che)ar jamais 5 concincia moral# ,t/o comum esse jeito de p?r tudo na esperan7a((( 0/o , voc# milhNesa'em essaimoralidade( 3or$ue isso , desi)urar por completo oproblema do ser: voc coloca o sentido da vida n/o como a7/o# comorendimento# mas como ina7/o# como recompensaB Ainal das contas a esp eran7a principalmente no sentido de umavida milhor $ue , o da sua carta# , uma esp,cie de e)o.smo hediondo#pura mscara acovardada dessa coisa sublime $ue , o amor dos homens( Onosso problema moral# mais $ue apenas moral# o nosso problema humano n/oconsiste em esperar# em ter esperan7a numa vida milhor - consiste masema'e a'er imediatamente# essa vida milhor( 0/o , $ue essa vida milhor

    seja di.cil ou mesmoimposs.vel como voc airma em sua desistncia demo7o JG# ela h de vir# tem de vir( Des $ue voc n/o conunda puerilmente vida milhor comelicidade total e perei7/o( A vida milhor vem(

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    cartas-a-um-jovem-escritor Loc tem medo da morteJ Loc ter pena de morrer na suamocidadeJ Si tem pena# si tem medo# o $ue lhe )aranto , $ue jamais vocter umamocidade( Estou sempre dentro do meu assunto# sim( 3or$ue s9mesmo alando assim# eu persevero na tese do rendimento condicionado 5atualidade humana# di)o vida( 09s estamos vivendo uma vida de morte( 3ordetrs de cada morro a morte er)uendo o rabo espia a cidade( Do meio damultid/o espirra a morte violenta# antes $ue che)ue o tempo davelhice( Mas isso , mil ve'es milhor do $ue ad$uirir no im da vida aconcincia de n/o ter vivido( De n/o ter rendido# embora laureado derecompensas((( Minha conerncia $ue tanto impressionou voc e impressionouvrios((( Minha conerncia , um desses casos amar)os em $ue# na minhacon cincia esportiva da vida# eu costumo di'erZ perdi o jo)o( Aconta)em dos pontos desta ve'# o escore# oi dois a um( 3or$ue eutamb,m i' um )ol# isto n/o h dvida( Si eu publi$uei a$uela coniss/ot/o dolorosa# n/o de racasso# mas de descaminho# de al)o errado# oi na

    esperan7a de dar aos mais novos uma concincia mais determinante domomento( >neli'mente n/o rendi como $ueria( 3ercebi# assombrado emminha in)enuidade# $ue os mo7os ainda estavam mais velhos $ue eu# e s9colho )ols de desistncia e de des/nimo contra mim( Ima lavada# meucaro( Mas eu i' um )ol sim( >nesperadamente i' um )ol((( a meuavor# $uando eu me colocava em avor dos outros( Eu , $ue me decidi( Eu, $ue tenho n/o es$ue7a sempre do na medida das minhaspossibilidadesG rea)ido contra a minha recompensas e ando a)indo nosentido de completar a$uela vida de intelectual $ue# na conerncia# eureconheci e jul)uei incompleta( E a)ora j posso lhe di'er $ue me sintomais nobre e mais viril( Ser $ue me completareiJ Meus )estos novos n/o

    estar/o acaso erradosJ((( 0/o me interessam semelhantes esperan7as(Sei $ue# de concincia n.tida e impiedosa# com toda a honestidade# , $uedecidi dos meus atos atuais( E com toda a pai6'o movo os meus )estos( Mesinto((( eli'J Feli'( Feli' na$uela e6atid/o da inelicidade $ue n/o seconorma# n/o se consola# n/o se contenta de milhoras transit9rias# n/ocru'a os bra7os e nem por sombra lembra esse pior entre os verbos#desistir( 3arece $ue lhe estou dando uma li7/o de moral((( n/o penseinisso( 0/o# apenas eu vivo voc apai6onadamente# sua carta mebrutali'ou# e' mal( E aelicidade humana nisto tudo , $ue Fernando de%elo &ori'onte# pode ser Maria de S/

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    cartas-a-um-jovem-escritor)anhar melhor presente de aniversrio( E de tudo# houve nela uma coisa $ue me a)radou mais do $ue asoutras: a not.cia de $ue voc est procurando completar sua vidaintelectual( 0/o $ue ela seja incompleta# Mrio# como erradamenteconclui na conerncia( 0a verdade# n/o e6iste vida intelectualcompleta( Xual o intelectual $ue tem a conscincia honesta de se tercompletadoJ 0enhum a n/o ser o Cludio de Sou'a# talve'(((G Mas a$ueleseu pessimismo $uase doentio# $uase de vencido# , provocado# eu sei#pelo sentimento de um homem $ue de repente se viu s9# abandonado pelosoutros $ue icaram no meio do caminho( Esse pessimismo , proundamenteconta)ioso# envenena a )ente((( Loc n/o ima)ina com $ue interesse# com$ue ansiedade de participa7/o $uase# a )ente se debru7a sobre sua vida#para acompanhla avidamente# como se ela trou6esse al)o de decisivo paratodos n9s# mo7os( Muito mais do $ue si)niica para voc a nossa vida eas nossas tentativas# os nossos momentos de desHnimo e as nossasvit9rias# si)niicam para n9s a sua e6perincia# a sua arte# os seus

    menores atos intelectuais( E como nos apunhala o temor de $ue voc possatomar como sendo o im a$uilo $ue por sua pr9pria nature'a , ainda umcaminho - o mais spero# o mais estreito# mas $ue levar mais lon)e( Minha carta# $ue voc tanto repreendeu# oi ruto talve' dissotudo# Mrio( Se voc se sentia assim# $ue dir.amos n9sJ Se voc achava$ue se reali'ou errado# $ue dir.amos n9s# $ue talve' n/o poderemosse$uer nos reali'arJ Eu n/o espero recompensa al)uma( Eu n/o desejonenhuma vida melhor# como voc achou pela minha carta - $ue realmenteera apenas um momento de ra$ue'a( Eu n/o tenho medo da morte# Mrio( O$ue aconteceu# voc bem sabe: se voc# em outras condi7Nes $ue n/o asnossas# acabava tendo a conscincia de ter sedesencaminhado# de tertido umalvo errado# o $ue ser de n9sJ Me altava esperan7a# sim

    na$uele dia hoje estou um pou$uinho melhor(((G Mas n/o esperan7a dedias melhores# e sim de poder a'er al)uma coisa( Xue a tremenda crisede esp.rito dos nossos dias n/o destru.sse a necessidade dessa coisa( Ea tal hist9ria: de $ue adianta a'er# de $ue adianta tentar# se n/oobteremos nenhum resultadoJ 3or$ue# nesses momentos# a )ente acha $uen/o( E che)a( Falemos de voc( 0/o pode calcular a minha satisa7/oao sentir seu entusiasmo de mo7o( 3arece $ue voc , $ue tem ! anos(((As ve'es# Mrio# me detenho a pensar se n/o sou um velho(G Como nos dalento saber $ue voc ainda sente $ue tem )estos para seu bra7oesbo7ar# ainda tem palavras para sua boca di'er( En)ra7ado e $ue senti

    em mim uma esp,cie de compensa7/o# como se esse osse o rendimentopara os meus esor7os( Mais do $ue tudo na sua carta# me inlamou# meconta)iou de entusiasmo e ao mesmo tempo de ver)onha pela minhamocidade t/o enru)adaG# saber $ue a$uele Mrio de Andrade# do MovimentoModernista# a $uem a literatura brasileira devia tudo o $ue tinha demais rico# autor de

    =2 ="

    Macuna.ma# $ue a )ente lia sem entender direito mas empol)ado pela

    3)ina 11

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    cartas-a-um-jovem-escritormelodia maravilhosa - ele n/o morreu como os outros# ele ainda est a.esboeteando a ace da ccmocidade# com um ardor $ue n9s# mo7os , $uedev.amos ter( Com uma sede de vit9ria e perei7/o# $ue , perei7/o porsi s9( -12

    Fernando Sua carta che)ou a$ui $uando eu estava em crise( >sto ,# n/o ,bem crise: a$uele estado de abatimento )eral# de desilus/o# de des)ostode si mesmo# de $uando a )ente acaba uma coisa( Enim esse terr.velnodia se)uinte( >ma)ino $ue pra todos os artistas# alis pra toda )ente#deve ser a mesma coisa( At, enterro desilude( 0/o posso es$uecer domomento em $ue# enterrado meu 3ai# che)uei em casa de volta do cemit,rio( Foi a coisa mais((( sim: mais desilus9ria desse mundo( estavamuito ati)ado de sorer pra $ue o sorimento me empol)asse e me tirasse

    o sentido normal da vida( 0a verdade o $ue eu sentia era $ue estava no

    3)ina 1*

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    cartas-a-um-jovem-escritordia se)uinte de um ato e6tra-$uotidiano e $ue tudo estava continuandono seu terra-5-terra normal( Foi horr.vel a desilus/o $ue senti( Xueriacontinuar na esta do sorimento# nas l)rimas# no me6e-me6e doenterro# pap,is# )entes# e n/o havia mais nada(

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    cartas-a-um-jovem-escritor=R

    %elo &ori'onte# "; de De'embro de !12

    Meu caro Mrio# 4ecebi sua carta e ela me entusiasmou de tal maneira $ue estoudisposto a dar um pulo a S/o 3aulo para te conhecerpessoalmente( Mas oproblema , muito mais s,rio do $ue parece - tanto mais $ue o C(3(O(4( meprende a$ui pelo menos at, mar7o# $uando# com a )ra7a de Deus e dosc,us# sairei aspirante((( se n/o levar pau( Xue a coisa , dur.ssima( S9mesmo os $ue nasceram para a$uilo# e eu n/o nasci( %em# mas descolando uma licen7a m,dica# tudo se arranja( O caso, saber se voc estar mesmo a.# pois# como disse# voc iria ao 4io# ou

    j oi# ou j est l( Enim# seria 9timo uma carta sua me di'endo $uala melhor ,poca para eu ir( Mesmo por$ue vou poder passar a. s9 uns trsou $uatro dias# no m6imo uma semana( En$uanto isso# te pe7o um )rande avor( O $ue voc disse arespeito de sua atual atividade me dei6ou entusiasmado com voc eenver)onhado comi)o: , como di)o# parece $ue voc , $ue tem ! anos((( Eeu $ue ia te pedir $ue me dissesse o $ue anda a'endo# seus planos# suaatividade atual# etc( >sso me interessa muito# mais do $ue voc podepensar( %em# vamos ao avor $ue eu $ueria de voc# se osse poss.vel: memandar o tal conto $ue anda te chateando desde !21( 0em $ueira sabercomo tenho interesse em l-lo( Ou outra coisa $ual$uer $ue voc tenha

    eito ultimamente( 0/o pode calcular# por e6emplo# a minha vontade desaber como anda o seu trabalho sobre 3ortinari( %em# eu leria o conto elhe mandava imediatamente de volta( ] poss.velJ Se n/o or# n/o seconstranja( O meu livro vai indo( 3e)uei no bicho de novo depois de pronto eestou cortando todo sup,rluo( 3reciso de uma cora)em des)ra7ada# masestou empenhado irmemente em redu'i-lo ao essencial( 0/o sei se opublico(

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    cartas-a-um-jovem-escritorcamaradas $ue podiam ter eito )randes coisas( Esta terra a$ui ,des)ra7ada# Mrio( Ou o sujeito o)e

    == =!

    da$ui como e' o Carlos Drummond e recentemente o Os`aldo AlvesG# ou seperde mesmo( ] o caminho de todos n9s se a$ui icamos: casar# terilhos# criar )alinhas# um bom empre)o# condi7/o social - e literaturamesmo((( horas va)asB ] o cmulo( E l vou eu# Mrio# l vou eu( 0em$ueira saber $ue drama tem sido isso para mim( Estarei indo pelo mesmocaminhoJ Ser $ue conse)uirei rea)ir a tempo# ou me a)\entar a-pesar detudoJ Estarei sujeito a ser artista nas horas va)as# por diletantismoJ>sso para mim ser pior do $ue a morte( Mas ent/o , preciso mesmo mandartudo 5 merda e tocar pra rente# romper com tudo e todos# abandonar tudo

    e todos# u)ir da$ui para poder se a)\entarJ Sinto pereitamente $ue secontinuar com o corpo mole acabarei pior do $ue eles# Mrio( E isso n/opode# n/o pode acontecer de maneira nenhuma( Cora)em eu tenho# se ornecessrio( Mas , necessrioJ E at, $ue ponto , preciso rea)irJ Serpreciso sacriicar tudoJ

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    cartas-a-um-jovem-escritor

    S( 3aulo# 2"--1"

    Fernando Acabo de reler a sua carta e i$uei da mesma orma $ue daprimeira ve': numa impossibilidade muito )rande de responder( O assunto$uando se reere a L se torna de tal orma )rave e ao mesmo tempo t/oevasivo $ue tenho medo de $ual$uer palavra minha e mesmo compreens/o(ma)ino $ue a)ora L j estar mais calmoembora sempre sorendo muito as suas indecisNes( 3rimeiro alemos dos mineiros# pu6a como L , mineiro cem porcento( Dei6e $ue eu lhe di)a uma ve' por todas# sem avor: eu adoro os

    mineiros# a maneira de sensibilidade dos mineiros# a $ualidadeintelectual derivada disso( 0/o tem dvida $ue os mineiros s/o asinteli)ncias mais sens.veis e tamb,m mais completadas do %rasil( Masdisso tudo deriva uma conscincia $ue n/o , mais e6atamente l9)ica mase6cessiva# uma clarividncia $ue n/o , mais dinHmica mas c,ptica etendendo para a inatividade e o esconderijo( Eu )osto muito de certas $ualidades de vocs# a timide'# a altade brilho e6terior# o pudor# a ironia# a esperte'a( Esse caso deesperte'a# por e6emplo# , muito subtil( Os nordestinos tamb,m s/oespertos e os paraenses( 3aulista n/o:paulista , pesad/o( Mas $uando osdo norte a'em esperte'a e sao espertos# tudo transparece ranco# brutale toma# em reernda 5 moral da civili'a7/o crist/# um ar de saade'a#

    de semver)onhice# , o e6,rcito do 3ard( Muita )ente detesta isso( Eucompreendo( ] $ue h neles uma esp,cie de primarismo estou alando em)eral# , claroG $ue os torna por assim di'er mais leais( & uma certa)rande'a nisso# $ue eu amo( nteli)ncia( 0o entanto seria a maior das

    alsidades di'er $ue vocs tm reali'ado uma cria7/o intelectual maior$ue a dos outros brasileiros em i)ualdade de situa7/o produtiva( Locs#sobretudo# e justo pela maneira intelectual mineira# nunca vm 5 rente(3assado o momento da chamadaEscola Mineira# vocs se limitam sempre air na cauda do cord/o( Locs desconiam demais( Falta in)enuidade avocs( 0/o ,terconcincia $ue prejudica a vocs# mas ter e6cesso deconcincia(

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    cartas-a-um-jovem-escritorpoliti$uentos ima)inavam mandar e mandavam# Minas se en)randeciainternamente(

    !2 !"

    ] verdade $ue a ri$ue'a do ca, oi tamanha $ue ainda permitiu $ue muitacoisa icasse a$ui dentro pra en)randecimento da terra# mas umaporcenta)em ininitamente maior se escoava na compra do )ostinho demandar( Mas veio a inteli)ncia diab9lica de +etlio Lar)as( O $ue a'ercom esses mineiros incomodativosJ Era preciso um jeito de elimin-los(Foi criado esse privil,)io rid.culo da presidncia# en$uanto os outros

    estados todos icavam sob o ju)o ditatorial dasinterventorias( Minas$ue se )overneB - o $ue tamb,m , um jeito depensarpor dentro: Minas $uese arranjeB En$uanto o )overno do pa.s , obri)ado a cuidar de e prote)ertodos os outros estados# talve' nunca Minas tenha atravessado um per.ododetamanhapasmaceira de en)randecimento interno como de !"; pra c( Opr9prio S/o 3aulo odiado do )overno com ra'/o e sem ra'/o# al,m do seuritmo de en)randecimento interno mais