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Caso da Fazenda Timboré * NOTA DE ENSINO Título do caso CAMINHOS DA IMPLANTAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA – O CASO DA FAZENDA TIMBORÉ (BRASIL) DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA * Este caso foi produzido no ano de 2006 por Juvelino José Strozake, Doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com a colaboração de Rafael Vanzella e Tamira Maíra Fioravante, pesquisadores da FGV/EDESP, e integra a lista dos dez casos inaugurais da “Casoteca Latino- americana de Direito e Política Pública” (www.casoteca.org ). O financiamento deste caso foi propiciado por acordo de cooperação técnica celebrado entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV/EDESP. O projeto da Casoteca tem três objetivos: (i) fornecer um acervo de casos didáticos sobre direito e política pública na América Latina; (ii) estimular a produção contínua de novos casos por meio do financiamento de pesquisa empírica; (iii) provocar o debate sobre a aplicação do “método do caso” como uma proposta inovadora de ensino. Os casos consistem em relatos de situações-problema reais, produzidas a partir de investigação empírica e voltadas para o ensino. Evidentemente, não comportam uma única solução correta. A Casoteca permite uso aberto e gratuito de seu conteúdo, que é protegido por uma licença Creative Commons (Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil). A licença pode ser acessada através do link: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/ .

Caso da Fazenda Timboré NOTA DE ENSINO Título do casodireitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/notadeensinofinaltimbore__bra_.pdf · Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),

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Caso da Fazenda Timboré*

NOTA DE ENSINO

Título do caso

CAMINHOS DA IMPLANTAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA COMO POLÍTICA

PÚBLICA – O CASO DA FAZENDA TIMBORÉ (BRASIL)

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

* Este caso foi produzido no ano de 2006 por Juvelino José Strozake, Doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com a colaboração de Rafael Vanzella e Tamira Maíra Fioravante, pesquisadores da FGV/EDESP, e integra a lista dos dez casos inaugurais da “Casoteca Latino-americana de Direito e Política Pública” (www.casoteca.org). O financiamento deste caso foi propiciado por acordo de cooperação técnica celebrado entre o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGV/EDESP. O projeto da Casoteca tem três objetivos: (i) fornecer um acervo de casos didáticos sobre direito e política pública na América Latina; (ii) estimular a produção contínua de novos casos por meio do financiamento de pesquisa empírica; (iii) provocar o debate sobre a aplicação do “método do caso” como uma proposta inovadora de ensino. Os casos consistem em relatos de situações-problema reais, produzidas a partir de investigação empírica e voltadas para o ensino. Evidentemente, não comportam uma única solução correta. A Casoteca permite uso aberto e gratuito de seu conteúdo, que é protegido por uma licença Creative Commons (Atribuição-Uso Não-Comercial-Compartilhamento pela mesma Licença 2.5 Brasil). A licença pode ser acessada através do link: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.5/br/.

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Os trabalhos para o desenvolvimento da pesquisa aprovada no

âmbito do Projeto da CASOTECA LATINO-AMERICANA DE DIREITO E

POLÍTICA PÚBLICA sob o título Políticas de Bem-Estar e Direitos Econômicos e

Sociais, com o tema CAMINHOS DA IMPLANTAÇÃO DA REFORMA

AGRÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA – O CASO DA FAZENDA

TIMBORÉ (BRASIL), foram desenvolvidos e concluídos conforme os termos do

contrato.

Neste início de redação vamos apresentar os atores presentes na

cena que constitui o caso e, assim, desenhar de modo mais definitivo sua participação

na constituição do problema objeto da pesquisa.

Os atores são:

1) o Estado Brasileiro, consistente no Poder Judiciário e no Poder

Executivo, este último organizado em torno da figura do Presidente da República e do

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

2) O proprietário da terra. Conforme notícia veiculada pelo Jornal

da Tarde, edição do dia 20 de agosto de 1989, matéria que se encontra no anexo desta

pesquisa, o dono da terra, Serafim Rodrigues de Moraes, era proprietário de mais de

30 fazendas, localizadas nos estados de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Goiás.

Ainda segundo a reportagem, Serafim teria sido diretor-presidente do Agro-Banco de

Goiás, mas acabou destituído deste cargo por conta da intervenção do Banco Central.

(ver informação do Banco Central do Brasil no Anexo 01 – Ação de Desapropriação).

3) Os trabalhadores rurais, organizados e mobilizados pelo

movimento social denominado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST). Cerca de 170 famílias estão residindo no projeto de Assentamento de

Reforma Agrária instalado na Fazenda Timboré.

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4) Evidentemente que outros atores contribuíram para a

configuração e constituição do caso. Tais atores podem ser identificados na figura do

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Andradina, Igreja Católica e órgãos do

Governo do Estado de São Paulo, como por exemplo o Instituto de Terras do Estado

de São Paulo.

Cada um desses atores está presente, agindo e utilizando os

instrumentos que o ordenamento jurídico predispõe para preservar ou cumprir sua

missão na expectativa de defender seus interesses ou mesmo realizar sua missão

institucional.

Outro aspecto de fundamental importância para o desenvolvimento

da pesquisa foi a realização de estudo geográfico por pesquisadora especializada, o

qual trouxe novas informações a respeito do assentamento na Fazenda Timboré, além

de ter precisado aquelas já disponíveis.

Por fim, é necessário destacar que decidimos eleger um agente

estatal - o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) - como

foco de decisão do caso. A partir disso a pesquisa passou a ser conduzida com a meta

de fornecer elementos na narrativa do caso e nos respectivos anexos a fim de que os

destinatários do material didático tomem uma decisão na perspectiva do INCRA.

A idéia é que os alunos tenham uma margem de atuação política

mais deliberada e assumida do que aquela concernente ao Poder Judiciário, sem, no

entanto, perder as premências de técnica jurídica que o INCRA tem de observar

(procedimentos, regulamentações, concretização de princípios constitucionais,

relacionamentos com órgãos estatais, inclusive judiciários etc.).

Para que a universidade possa contribuir para que o aluno consiga

encontrar respostas às questões que a política pública e o Direito apresentam, é

necessário valorizar a reflexão crítica desenvolvendo a capacidade de relacionar

dados e formular saídas, e não apenas apresentar conceitos pré-determinados. Nesse

sentido os alunos poderão optar entre medidas que assegurem direitos aos assentados

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(como, por exemplo, reiniciar o processo de desapropriação), ou que restituam o

exercício de direitos ao proprietário (por exemplo, definição de indenizações ou

retomada da posse da fazenda Timboré com ou sem indenização das melhorias

realizadas no imóvel pelos assentados ao longo de quase duas décadas), ou, ainda,

que outorguem ao Poder Judiciário a função de resolver o conflito, abstendo-se da

questão. Essa definição auxiliará, enfim, na elaboração da nota de ensino, com a

identificação dos temas das aulas, da bibliografia e das outras atividades didáticas.

1. Resumo do caso (resumo da narração)

A Fazenda Timboré, de propriedade do Sr. Serafim Rodrigues de

Moraes foi classificada como latifúndio por exploração e o Presidente da República

expediu decreto considerando a área de interesse social para fins de reforma agrária.

O Incra ajuizou ação de desapropriação. Esta ação foi julgada

“caduca” porque teria passado o prazo de dois anos entre a data do decreto e o

protocolo da inicial desapropriatória.

Os trabalhadores rurais mobilizados pelo Movimento dos Sem

Terra (MST) ocuparam a área. O proprietário ajuizou uma ação de reintegração de

posse e conseguiu a liminar reintegratória. O Incra, temendo conflito social de graves

conseqüências, protocolou uma cautelar de seqüestro da posse da área. A justiça

federal determinou o seqüestro da propriedade e depositou aos cuidados da

funcionária do Incra.

Foi expedido novo decreto presidencial considerando a área de

interesse social para fins de reforma agrária e nova ação desapropriatória foi

intentada. Nesta ação o Incra obteve ordem de emissão na posse e iniciou o processo

de assentamento das famílias na área. Contra esta nova ação os proprietários

ajuizaram mandado de segurança, no qual foram vencedores.

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Os proprietários também ajuizaram uma ação civil de indenização

contra a União para receber o valor da terra nua, as benfeitorias e lucros cessantes. Na

primeira instância esta ação foi julgada procedente e pende julgamento na segunda

instância. Vale lembrar que o Incra concorda em pagar o valor da terra nua,

benfeitorias e lucros cessantes.

A ação de reintegração de posse proposta pelos proprietários contra

as famílias que hoje ocupam a Fazenda Timboré foi julgada improcedente sem

julgamento do mérito.

2. Indicação dos atores, suas atribuições, funções e/ou cargos Os atores que participam do cenário deste caso são:

1) o Estado Brasileiro, consistente no Poder Judiciário e no Poder

Executivo, este último organizado em torno da figura do Presidente da República e do

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O Estado é o

responsável pela execução da política pública de reforma agrária. Esta

responsabilidade é instituída pelo artigo 184 da Constituição Federal, e pelas Leis

Ordinárias nº 4.504/64 e 8.629/93 (Anexo 04)

2) os proprietários da terra (Espólio de Serafim Rodrigues de

Moraes, falecido, e a viúva Maria Terezinha Oriente);

3) os trabalhadores rurais, organizados e mobilizados pelo

movimento social denominado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST).

3. Enquadramento temporal e espacial da situação descrita no caso

A Situação-problema representada pelo caso da Fazenda Timboré

teve início em 1986 quando o Estado brasileiro realizou um levantamento das

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possíveis propriedades que poderiam ser desapropriadas e destinadas ao programa

nacional de reforma agrária. Até hoje, passados mais de vinte anos, o Estado ainda

não conseguiu concluir a ação governamental, seja com o assentamento definitivo das

famílias, seja com o retorno da terra para as mãos dos proprietários para eles

seguirem a atividade agropecuária.

A Fazenda Timboré está localizada no município de Andradina,

Estado de São Paulo, Brasil.

4. Definição dos temas e sub-temas presentes no caso e sua problematização

4.1 - Histórico da questão agrária brasileira

O problema agrário brasileiro ou como alguns estudiosos o chamam

“a questão agrária” é um complexo e intrincado caso que reúne no seu conceito a

estrutura agrária, produção agrícola, êxodo rural, movimentos sociais e violência.

Podemos apontar como data de início do problema agrário

brasileiro o ano de 1850 com a edição da Lei Eusébio de Queiroz (Lei nº 581/1850).

Importa destacar que a questão agrária está ligada diretamente com

a escravidão negra implementada pelo Coroa Portuguesa. Até 1850 não havia

nenhuma lei para regulamentar a propriedade e posse das terras. A progressiva

abolição do trabalho escravo realizada a partir de então representou um problema

para os grandes proprietários porque os ex-escravos poderiam ocupar as terras que

estavam sem a devida guarda porque nelas ninguém produzia e eram passíveis de

serem ocupadas. A solução encontrada antes mesmo da completa abolição do regime

escravocrata (ocorrida em 1888) foi a edição da Lei de Terras (Lei 601/1850), a qual

estabeleceu que a propriedade da terra seria obtida apenas pela venda e compra

registrada em cartório.

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Portanto, a Lei de Terras, como ficou conhecida a lei 601/1850,

permitia o acesso à terra apenas para aqueles que dispunham de recursos econômicos

para sua aquisição.

Neste período o Estado inicia o processo de imigração européia e

asiática, pretendendo trazer mão-de-obra branca para substituir os negros

escravos/libertos. Aos imigrantes foram vendidas colônias de terras para que

ocupassem e as tornassem fonte de produção de alimentos.

Todavia, em que pese o início do problema e da questão agrária ser

identificado em meados do século XIX, é apenas a partir de 1960 que este assunto

toma conta dos debates na sociedade, especialmente nas universidades, igrejas,

sindicatos e partidos políticos. Neste período os camponeses posseiros que

trabalhavam nos engenhos de cana-de-açúcar na Região Nordeste do Brasil iniciam a

organização das Ligas Camponesas.

Por meio do Golpe de Estado no dia 31 de março de 1964 os

militares tomaram o poder político. Uma das primeiras ações dos militares foi a

repressão aos movimentos dos camponeses. Na área da reforma agrária, os militares

promulgaram uma lei que estava sendo debatida e elaborada no Congresso Nacional,

a Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra). Esta lei foi a primeira a instituir um programa de

reforma agrária no Brasil.

O Estatuto da Terra é uma lei e um programa de reforma agrária

com regras claras para a colonização das regiões onde tinha muita terra e pouca gente

(Região Norte do Brasil).

A reforma agrária foi deixada de lado e os governos militares

investiram recursos apenas na colonização, transferindo milhares de famílias de

pequenos agricultores das regiões sul e sudeste para os estados do Pará, Amazônia,

Acre, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.

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Com a discussão sobre a elaboração da nova constituição e eleição

dos deputados constituintes, a questão da reforma agrária voltou à tona.

A Constituição Federal promulgada no dia 8 de outubro de 1988

trouxe um capítulo sobre a política agrícola e fundiária e da reforma agrária. As

regras constitucionais dessa política estão inseridas entre os artigos 184 a 191 da

Constituição Federal.

Em 1993 o Congresso Nacional aprovou e o Presidente da

República sancionou a Lei nº 8.629, regulamentando os artigos da Constituição

Federal e estabelecendo as regras para a desapropriação de terras. Ainda em 1993 foi

publicada a Lei Complementar nº 76, com o fim de instituir as regras para o

contraditório especial de rito sumário nas ações de desapropriação de terras para fins

de reforma agrária.

Em 1996 foi publicada nova Lei Complementar de nº 88, alterando

a Lei Complementar nº 76/93. Em 2001 o Governo Federal publicou uma Medida

Provisória (nº 2.183-56) alterando algumas regras da Lei 8.629/93 (Anexo 04). Entre

as alterações introduzidas pela Medida Provisória nº 2.183-56 está a impossibilidade

de vistoria de áreas que se encontram ocupadas pelos movimentos sociais de

trabalhadores rurais sem terra.

No início dos anos 80 surge no sul do Brasil o embrião do que mais

tarde seria conhecido como Movimento dos Sem Terra (MST). Ao longo dos últimos

20 anos o MST se destaca entre os diversos movimentos sociais que atuam na luta

pela reforma agrária por sua capacidade de mobilização, atuação em nível nacional,

organicidade e mobilizações de impacto social.

As principais formas de luta dos movimentos sociais são as

ocupações de terra, prédios públicos e marchas pelas rodovias. A atuação dos

movimentos é vista por parte da mídia como ações atentatórias ao Estado

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Democrático de Direito. Outros, como o juiz federal José Carlos Garcia1 e o

desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Alberto

Silva Franco2 vêem nessas ações, desde que praticadas sem violência contra pessoas,

formas de luta e manifestação dos sem terra pelo reconhecimento como sujeitos no

ambiente constitucional brasileiro, porque, conforme decisão do Superior Tribunal de

Justiça3 (STJ) “a postulação da reforma agrária não pode ser confundida, identificada

com o esbulho possessório ou a alteração de limites [...]”.

4.2 - O problema agrário brasileiro

O caso da Fazenda Timboré é representativo do problema agrário

brasileiro porque, assim como ela, existem muitas outras propriedades que se

encaixam no conceito de propriedades que não cumprem a função social, portanto

podem sofrer a ação do Estado por meio da intervenção do Presidente da República e

do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária destinando-as ao Programa

Nacional de Reforma Agrária.

Conforme apontado na pesquisa sócio-econômica, realizada no

assentamento (Anexo 03), a estrutura fundiária da região de Andradina é

caracterizada pela presença de um grande número de pequenas unidades produtivas e

um reduzido número de grandes latifúndios.

Segundo estudos do Ministério do Desenvolvimento Agrário

(MDA) cerca de 45% das terras brasileiras estão concentradas nas mãos de

aproximadamente 1% da população.

1 GARCIA, José Carlos. De Sem-rosto a Cidadão – a luta pelo reconhecimento dos sem-terra como sujeitos no ambiente constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997. P. 74 2 FRANCO, Alberto Silva. Breves anotações sobre os crimes patrimoniais, in: SHECAIRA, Sérgio Salomão. Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do Século). São Paulo: Método, 2001, p. 71. 3 Superior Tribunal de Justiça (STJ) – HC 5.574/SP – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro.

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Esta concentração da propriedade se acentuou a partir de 1960,

especialmente após a tomada do poder político pelos militares por meio do golpe de

estado iniciado no dia 31 de março de 1964. A partir de então o Estado passou a

financiar a agricultura para exportação em detrimento da agricultura familiar. A

produção em larga escala exige grandes extensões de terras e a mecanização. A

concentração das terras nas mãos de poucos proprietários e a mecanização da

agricultura fizeram eclodir o êxodo rural. Segundo os estudiosos do tema, entre 1960

e 1980, cerca de 30 milhões de famílias foram expulsas do campo e seguiram rumo às

médias e grandes cidades.

O êxodo rural inverteu a polaridade cidade-campo, removendo

amplas parcelas da população do interior do País e consolidando a explosão urbana.

A população brasileira residente nas cidades que era de 31,24% em 1940, meio século

depois, saltara para 75,47%, ou duas vezes e meia maior.

Essa significativa mudança teve como fator preponderante a

concentração da propriedade da terra, que se fez das maiores já registradas em todos

os tempos, perdendo apenas, na atualidade, para aquela existente no vizinho Paraguai,

onde, coincidentemente, as maiores propriedades são pertencentes a pessoas naturais

ou jurídicas brasileiras. Retrato desse quadro de concentração da propriedade rural é o

fato de que embora as propriedades com menos de 10 hectares representem

aproximadamente 53% (cinqüenta e três por cento) do total de estabelecimentos,

ocupam menos de 3% (três por cento) da área total. De outro lado, os

estabelecimentos com área superior a 1.000 hectares, embora tituladas ou na posse de

apenas 1% (um por cento) dos proprietários de terras no Brasil, abarcam o

equivalente a 46% (quarenta e seis por cento) das terras agricultáveis4.

Ignácio Rangel em 1962 previa que o êxodo rural poderia provocar

a miséria que hoje se verifica nas grandes cidades. Segundo Rangel5 a “crise agrária

4 Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. A economia brasileira em gráficos, 1996, p. 54. 5 RANGEL, Ignácio. A Questão Agrária Brasileira. Comissão de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco. Recife, 1962, p. 9.

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brasileira, que se exprime pela formação simultânea de superprodução e de

superlotação, o Nordeste tem sido essencialmente o lugar onde se acumula a

superpopulação rural, a qual tende a fluir para as cidades, afogando-as com um

monstruoso excedente de mão de obra que, mais do que qualquer outra coisa, inibe a

industrialização e deprime a taxa de inversão”.

A concentração de tanta terra em mãos de poucos proprietários fez

surgir, segundo o Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 1985, uma clientela de

aproximadamente 4 milhões de famílias aptas aos projetos de assentamentos de

reforma agrária.

Não cabe duvidar de que as raízes do problema que se menciona

devem ser buscadas ainda nos tempos coloniais, como, analisando a questão, aponta

Regina Gadelha ao estabelecer que “a raiz é histórica, herança de uma estrutura

econômica-social desenvolvida ao longo de três séculos de colonização, tendo por

base o Latifúndio, a Monocultura e a Escravidão”6.

Nossas metrópoles, especialmente São Paulo e Rio de Janeiro, são

verdadeiras aglomerações desordenadas, apresentando bolsões7 de pobreza com

favelas gigantescas onde a violência explode diariamente, contabilizando, em média,

70 assassinatos em cada final de semana; aumento da miséria, fome e analfabetismo.

Os camponeses expulsos de suas posses ou propriedades

constituem um exército de desempregados e subempregados, possuindo capacidade

de alterar a correlação de força em benefício do patronato que pode baixar os salários

em razão da abundância de mão-de-obra.

6 GADELHA, Regina Maria D’Aquino Fonseca. Os núcleos coloniais e o processo de acumulação cafeeira (1850-1920): contribuição ao estudo de colonização em São Paulo. Tese de Doutorado na Faculdade de Direito da USP. São Paulo, 1982. 7 MONTEIRO, Darcy Police, A função social da propriedade e os instrumentos de intervenção urbanística, dissertação de mestrado, PUC/SP, 2000.

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A par do desemprego apontado como resultado da concentração da

propriedade da terra, vale destacar que as terras brasileiras são utilizadas basicamente

para a produção de grãos para exportação. Quando não são destinadas para este fim,

servem de investimentos de longo prazo porque o valor das terras não está sujeito aos

humores dos mercados de investimentos internacionais e se valorizam

independentemente do desempenho das bolsas de valores e do mercado financeiro.

Em síntese, o problema agrário brasileiro – que a política de

reforma agrária deveria atacar e resolver – pode ser descrito com as seguintes

indicações:

1) concentração da propriedade da terra nas mãos de poucos.

Segundo estudos da FAO, cerca de 1% de pessoas detém cerca de 46% das terras no

Brasil. A grande massa de pessoas que vivem no campo trabalha na condição de

meeiro, arrendatário, bóia-fria, parceiros, ou seja, são assalariados ou semi-

assalariados.

2) ineficácia das regras jurídicas nas relações entre os proprietários

e não-proprietários. Esta situação é descrita por Moisés Vinhas8 como “contradições

do latifúndio pré-capitalista” porque a grande massa de trabalhadores do campo “são

remunerados em espécie, ou por cessão de um trato de terra, do qual não se tornam

proprietários em lugar de remunerados em dinheiro”.

3) monocultura para exportação. As terras são utilizadas apenas

para a produção de grãos para exportação, especialmente a produção de soja e milho,

ou então a produção de cana-de-açúcar para álcool combustível.

4) violência estrutural, definida como fome, condições indignas de

sobrevivência, miséria, ausência de atendimento à saúde, altas taxas de

8 VINHAS, Moisés. Problemas agrário-camponeses do Brasil, in:STEDILE, João Pedro (org.). A questão agrária no Brasil: o debate tradicional – 1500-1960. São Paulo: Expressão Popular, 2005, p. 144.

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analfabetismo; e violência física9 direta, responsável pela morte de centenas de

pessoas todos os anos.

4.3 – A missão do Estado e o problema agrário brasileiro

O problema agrário brasileiro identificado de maneira simplista

como a concentração da propriedade da terra nas mãos de poucos, baixa

produtividade de produtos para o mercado interno e concentração de pessoas nas

regiões urbanas tido e apontado como causa da grande miséria existente no Brasil

pode e deve ser enfrentado pelo Estado por meio dos vários mecanismos jurídicos que

estão a sua disposição no ordenamento legal.

O Poder Constituinte originário que se reuniu na Assembléia

Constituinte convocada em 1986 escreveu na Lei Maior que os objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil são, segundo o artigo 3º da

Constituição Federal:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; [...]

A Constituição Federal também tratou do papel do Estado nos casos

em que o proprietário não desenvolve a posse da terra de maneira a cumprir com sua

função social.

Segundo o artigo 184, da Constituição Federal, as terras que não

estão cumprindo com a função social devem ser desapropriadas. O papel de interferir

9 Nos fatos conhecidos como Massacre de Corumbiara, ocorrido no dia 9 de agosto de 1995, e no que ficou conhecido como Massacre de Carajás, ocorrido no dia 17 de abril de 1996, foram mortas 30 pessoas.

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no direito de propriedade que estiver em desacordo com os interesses coletivos foi

reservado à União.

O papel do Estado está estabelecido e balizado na lei, portanto o

Poder Público só pode fazer aquilo que a legislação permite.

O Estatuto da Terra (Lei 4.504/64 – Anexo 04) instituiu um

programa nacional de reforma agrária e estabeleceu bases seguras para a intervenção

estatal. A par da instituição das diretrizes gerais da política pública de reforma

agrária, instituiu um dever ao Estado.

Está escrito no Estatuto da Terra, especificamente no § 2º, do artigo

2º, que:

É dever do Poder Público (g.n.): a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões onde habita, ou, quando as circunstâncias regionais o aconselhem, em zonas previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentação desta lei; b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social, estimulando planos para sua racional utilização, promovendo a justa remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem-estar coletivo.

Conforme foi possível observar nas citações acima transcritas,

desde a Constituição Federal até as leis ordinárias, o papel do Estado na questão

agrária está claramente delineado e é ele – ESTADO – que tem o dever político e

jurídico de realizar uma política pública capaz de alterar o atual quadro agrário

brasileiro.

Destarte, precisamos entender que as ações de desapropriação

fazem parte de uma ampla e geral política que o Estado deve realizar com vistas a

efetivar a justiça no meio rural.

4.4 - A legislação instituidora da política de reforma agrária

Nos Anexo 04 colacionamos parte da legislação que estabelece a

política pública de reforma agrária. Neste espaço vamos apenas transcrever alguns

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artigos que a nosso ver são fundamentais para uma análise preliminar da política

pública de reforma agrária.

Iniciamos a pesquisa sobre a legislação agrária pelos pactos

internacionais. Verificamos que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais foi ratificado pelo Brasil, portanto é direito interno e vinculante,

e afirma que:

2. Os Estados-Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessárias para:

a) melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais. (g.n.).

Ademais a Constituição Federal estabeleceu um capítulo sobre a

Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. É o Capítulo III, que tem início

no artigo 184 seguindo até o artigo 191.

A legislação infraconstitucional possui diversas leis sobre o assunto.

a) Lei nº 4.504/64, também conhecida como Estatuto da Terra;

depois a lei nº 8.174/91, que fixou os princípios da política agrícola;

b) Lei nº 8.629/93, que regulamentou os dispositivos constitucionais

relativos à reforma agrária;

c) Lei complementar nº 76/96, que estabeleceu o rito especial

sumário para as desapropriações de terra; mais tarde alterada pela lei complementar

nº 88/96.

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Ressalta-se, todavia que a legislação agrária tem sido

“sistematicamente um conjunto de normas jurídicas de pouca ou quase nenhuma

efetivação na prática”.10

O que se verifica é uma grande quantidade de leis, decretos e

portarias que tratam do tema. Uma das soluções seria a codificação desta legislação

permitindo a reunião de todas as normas em um único diploma legal.

Outra questão importante que deve ser enfrentada é a autonomia do

Direito Agrário como ciência específica para regulamentar a atividade dos

magistrados na tarefa de análise das questões postas para decisão.

A existência de autonomia da ciência do direito agrário permitiria

ao juiz decidir conforme princípios específicos deste ramo, e assim as decisões

tomariam por base concepções agraristas e não mais aquelas do Código Civil ou do

direito administrativo.

4.5 - A Função Social da Propriedade

O caso apresentou uma importante questão para debater em sala de

aula. A questão se refere à desapropriação de terras para fins de reforma agrária

e a questão colocada é a produtividade X função social da propriedade.

A questão pode ser apresentada nos seguintes termos: o direito

material autoriza a desapropriação das terras que não cumprem a função social ou

apenas as terras improdutivas?

A função social da propriedade rural possui uma matriz

constitucional, e autoriza e dá suporte, segundo várias interpretações, para ações de

desapropriação que podem ser intentadas com fundamento no desrespeito à legislação

10 STOREL FILHO, Antonio Oswaldo et all. A legislação e os Impasses da Política Agrária. Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária, volume 32, nº 1, p. 69, ago/dez 2005.

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trabalhista, notadamente nos casos de trabalho escravo e desrespeito à legislação

ambiental.

A função social da propriedade não é uma limitação ao direito de

propriedade, mas faz parte do núcleo do próprio direito de propriedade. José Afonso

da Silva11 afirma que a Constituição Federal “garante o direito de propriedade, desde

que este atenda sua função social”, e nos casos de desrespeito com tais normas, a

solução é a desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida agrária do

Tesouro Nacional.

Vejamos as palavras que a lei nos apresenta. A Constituição Federal

apresenta as seguintes regras:

Art. 5º. [...] XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá sua função social; Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. [...] Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II – a propriedade produtiva. Parágrafo único. A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

11 Curso de Direito Constitucional Positivo, 12ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 262.

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Para melhor colocar a questão da função social da terra versus a

produtividade, transcrevemos trecho do acórdão exarado pelo Supremo Tribunal

Federal no Mandado de Segurança nº 22.193-3 (Anexo 01A – Ação de

Desapropriação) impetrado pelos proprietários para impedir a desapropriação da

terra:

Caracterizado que a propriedade é produtiva, não se opera a desapropriação-sanção – por interesse social para fins de reforma agrária -, em virtude de imperativo constitucional (CF, art. 185, II) que excepciona, para a reforma agrária, a atuação estatal passando o processo de indenização, em princípio, a submeter-se às regras constantes do inciso XXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal, “mediante justa e prévia indenização”.

Temos aqui um importante tema para debate. Qual era o

verdadeiro espírito e vontade do Poder Constituinte originário quando escreveu na

Constituição o artigo 5º, inciso XXII – é garantido o direito de propriedade; e no

inciso XXIII – a propriedade atenderá sua função social ?

E qual o sentido jurídico aliado à necessidade da Nação brasileira e alcance social do Artigo 184, da Constituição?

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Quando o Estatuto da Terra trata das terras particulares, ou seja, da

propriedade privada, afirma que

Art. 12. Á propriedade privada de terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo previsto na Constituição Federal e caracterizado nesta lei.

Art. 13. O Poder Público promoverá a gradativa extinção das formas de ocupação e de exploração da terra que contrariem sua função social.

Art. 15. A implantação da Reforma Agrária em terras particulares será feita em caráter prioritário, quando se tratar de zonas críticas ou de tensão social.

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O direito de propriedade também é disciplinado pelo Código Civil

de 2002. O parágrafo 1º do artigo 1228 afirma que “O direito de propriedade deve ser

exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais de modo que

sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a

fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico,

bem como evitada a poluição do ar e das águas”.

Segundo Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery12 a

função social da propriedade é um “princípio de ordem pública, que não pode ser

derrogado por vontade das partes”, portanto deve espraiar seus reflexos em todos os

processos cuja discussão é a posse ou propriedade.

Todavia, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

(INCRA), órgão encarregado pela execução da política de reforma agrária utiliza

apenas o critério da produtividade/improdutividade para fundamentar as ações

desapropriatórias. É verdade que, conforme podemos notar na entrevista concedida

para este caso pela Dra. Maria Cecília Ladeira de Almeida, representante do INCRA,

o órgão está alterando sua postura e já está utilizando o critério da função social para

requerer desapropriações.

O Supremo Tribunal Federal, até o presente momento, também

segue o padrão produtividade/improdutividade para decidir as ações de

desapropriação. Este julgamento se verificou no caso do Mandado de Segurança nº

22.193-3, impetrado pelo proprietário da Fazenda Timboré, onde o STF entendeu que

a área era produtiva, portanto insuscetível de desapropriação para fins de reforma

agrária.

Para saber se uma área é produtiva ou não o Incra utiliza os critérios

de Grau de Utilidade da Terra (GUT) e Grau de Eficiência na Exploração (GEE).

Para explicar os caminhos para a obtenção do GUT e do GEE o

Ministério do Desenvolvimento Agrário e Núcleo de Estudos Agrários lançaram em 12 Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.591.

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2005 o Índices de Rendimento da Agropecuária Brasileira13 (Anexo Complementar

02). Segundo a publicação os índices de eficiência ou de rendimentos agropecuários

que devem ser tomados para dimensionar a produtividade de determinada área foram

estabelecidos pelo Estatuto da Terra, que mais tarde foi regulamentada pela Instrução

Especial nº 19.

Consta na publicação Índices de Rendimento da Agropecuária

Brasileira que foi a Instrução Especial nº 19, editada pelo INCRA, que

Fixou os “índices de rendimentos para produtos agrícolas” (GEE); os “índices de rendimentos para produtos extrativos vegetais e florestais” (GEE); os índices de rendimentos mínimos para produtos extrativos vegetais e florestais” (GUT); os índices de rendimentos mínimos para pecuária” (GUT) e, enfim definiu cinco zonas de pecuária, obtidas por meio do agrupamento de “microrregiões homogêneas” (que por sua vez é um agrupamento de municípios), zonas essas especificadas em mapa e em tabela que acompanhou aquela instrução (ver anexo). São esses índices que ainda hoje são utilizados pelo Incra para a classificação do imóvel rural como “produtivo” ou “improdutivo”.

Ainda segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a

classificação que é obtida pela “aplicação dos mencionados índices de rendimentos

nos dados e nas informações fornecidas pelos próprios proprietários, quando do

preenchimento da Declaração para Cadastro de Imóveis Rurais (previsto no Estatuto

da Terra) e que se constitui no documento básico do Sistema Nacional de Cadastro

Rural (SNCR), criado pela Lei nº 5.868 de 12/12/1972”.

Vale destacar que os índices para aferição da produtividade da terra

hoje utilizados pelo Incra são os mesmos dos anos de 1975 e 1980. Tais índices ainda

não foram atualizados.

É importante que os discentes tenham acesso ao fluxograma

elaborado para esclarecer os passos que o INCRA precisa dar até a desapropriação da

terra e, de posse dessas informações, discutam com os funcionários do INCRA sobre

13 RAMOS, Pedro. Índices de rendimento da agropecuária brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário: NEAD, 2005, p. 24.

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a burocracia para assentar definitivamente os trabalhadores rurais sem terra. O

fluxograma está no anexo principal desta pesquisa.

4.6 - A participação do Poder Judiciário na execução da política de reforma agrária

A ação de desapropriação intentada pelo INCRA foi anulada por

meio de um mandado de segurança, impetrado pelo proprietário, porque, segundo o

Supremo Tribunal Federal (Mandado de Segurança nº 22193-3), o INCRA não teria

efetuado a “notificação a que se refere o § 2º, do artigo 2º, da Lei 8.629/93”, portanto

teria ferido o direito ao contraditório e ampla defesa. Ademais disso, o Supremo

Tribunal Federal considerou a área produtiva, portanto, impossível de desapropriação

para fins de reforma agrária.

O Poder Judiciário deve pautar sua participação na execução da

política pública de reforma agrária visando dar guarida aos interesses sociais e

princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, facilitando o

desenvolvimento da execução da política pública ou, ao contrário, deve interpretar os

princípios constitucionais e as normas infraconstitucionais de forma a atender aos

interesses dos proprietários e impedir a desapropriação de terras?

Para melhor debatermos este ponto vale transcrever trecho do

acórdão do Supremo Tribunal Federal:

A propriedade selecionada pelo órgão estatal para o fim de desapropriação por interesse social visando à reforma agrária não dispensa a notificação prévia a que se refere o parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, de tal modo a assegurar aos seus proprietários o direito de acompanhar os procedimentos preliminares para o levantamento dos dados físicos objeto da pretensão desapropriatória. O conhecimento prévio que se abre ao proprietário consubstancia-se em direito fundamental do cidadão, caracterizando-se a sua ausência patente violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, artigo 5º, inciso LV).

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Na entrevista realizada com a Dra. Maria Cecília Ladeira de

Almeida (Anexo 02), bem como no texto entre outros de sua autoria publicado na

Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária14 (Anexo Complementar),

documento que segue anexo a este caso, fica claro que uma das principais

reclamações dos funcionários do Incra é “o desconhecimento da matéria agrária por

grande parte dos magistrados e membros do Ministério Público”, o que, segundo a

entrevistada, dá “margem à interpretação privatista, nos moldes do que era a

inspiração do Código Civil de 1916, ora revogado, do Direito Agrário”.

Ademais, precisamos ressaltar que o Poder Judiciário é o

desaguadouro natural de todo o inconformismo dos proprietários que se utilizam dos

mais diversos mecanismos jurídicos com a pretensão de retardar ou mesmo impedir a

realização da política de reforma agrária.

Para melhor explicitar esta questão tomaremos como exemplo a

desapropriação de imóveis para utilidade pública. Depois que o Poder Público decidiu

realizar e implementar uma avenida, rua, ou rodovia, não cabe ao proprietário

desapropriado discutir se a benfeitoria deve ou não passar no seu imóvel. Ele pode

reclamar e debater o valor da desapropriação e não o ato desapropriatório.

As ações de desapropriação são combatidas por diversas ações

jurídicas intentadas pelos proprietários. O mandado de segurança contra o ato

presidencial que declarou o imóvel de interesse social para fins de reforma agrária é o

mais comum. Mas também são utilizadas ações declaratórias de produtividade, ações

inominadas e até mesmo a força física para impedir os técnicos de fazerem as

vistorias nos imóveis.

Segundo as declarações da funcionária do Incra Maria Cecília

Ladeira de Almeida entrevistada neste projeto as ações dos proprietários são

protelatórias posto que buscam apenas ganhar tempo para reverter a situação de

abandono das terras que serão vistoriadas. 14 ALMEIDA, Maria Cecília Ladeira de. Reforma Agrária. Revista da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), v. 32, nº 1, p. 67, ago/dez 2005.

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47 - A participação do incra na execução das políticas públicas

No caso em tela, o INCRA, segundo a decisão proferida pelo

Supremo Tribunal Federal, atuou com negligência, porque teria menosprezado o

comando legal do § 2º, da Lei 8.629/93, não efetuando a notificação ao proprietário.

A atuação do INCRA permitiu a anulação da ação de desapropriação.

4.8 - Outras questões

A) De quem é a responsabilidade pelo destino das famílias que

hoje residem na Fazenda Timboré?

O Poder Judiciário deverá tomar uma decisão sobre o destino das

famílias instaladas na área objeto deste projeto porque está em curso na Justiça

Federal da secção judiciária de Araçatuba uma ação de reintegração de posse movida

pelo proprietário pretendendo retirar as famílias da área.

Quais são os parâmetros para decidir uma ação de reintegração de

posse como a que se apresenta? O Poder Judiciário deverá reconhecer que o

proprietário teve sua posse esbulhada e determinar que seja reintegrado, ou, deverá

promover uma desapropriação indireta, determinando ao Poder Executivo o

pagamento em dinheiro das benfeitorias e da terra nua, e assim preservar todos os

investimentos públicos e particulares já realizados na área, bem como realizar a

intenção do Estado na execução da política pública de reforma agrária fazendo com

que as famílias permaneçam na terra?

B) Qual o valor do investimento financeiro realizado pelo Poder

Pública na Fazenda Timboré desde 1989?

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Segundo os cálculos apresentados pela pesquisadora Selma

Aparecida Santos, contratada neste projeto para realizar o levantamento e catalogação

dos dados referentes aos investimentos públicos na área desde a imissão na posse ao

Incra (documento anexo), os investimentos totalizam aproximadamente cerca de 5

milhões de reais.

C) As famílias que residem no Projeto de Assentamento

Fazenda Timboré possuem algum direito e, portanto, legitimidade para

ingressar com alguma ação jurídica requerendo a permanência naquela área?

A teoria que estuda as concepções de direitos humanos afirma que

existem pelo menos quatro categorias de direitos. Tais categorias foram sendo

conquistadas ao longo do processo de construção das sociedades e da democracia.

Os direitos humanos, sejam eles direito à liberdade ou à vida –

direito de primeira geração – até o direito a um meio-ambiente sadio e equilibrado –

direito de quarta geração – são interdependentes, posto que um não existe sem o

outro.

A discussão que se trava hoje não é sobre o reconhecimento ou

positivação dos direitos, mas como bem salienta Norberto Bobbio, a luta do homem

do povo é pela efetivação dos direitos.

A efetivação dos direitos requer exige recursos. Mesmo o direito à

liberdade, tido como direito de primeira geração requer investimentos públicos, seja

para manter a polícia para impedir a violência privada, seja mantendo o Poder

Judiciário para tomar conhecimento e impedir arbitrariedades.

A principal discussão que se trava é sobre a efetivação e realização

dos direitos sociais e econômicos. Autorizadas vozes afirmam que os recursos

públicos são escassos e o orçamento público já não comporta mais despesas, portanto

a efetivação dos direitos sociais e econômicos devem ficar na dependência do

possível desenvolvimento das forças produtivas e do aumento da oferta de empregos.

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Outros estudiosos afirmam que a vontade da lei deve ser respeitada

e o Estado deve alocar recursos públicos para concretizar pelo menos os objetivos

fundamentais da República Federativa estampados nos incisos do artigo 3º da

Constituição Federal, ou seja, “construir uma sociedade livre, justa e solidária,

garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais”.

A concretização dos direitos sociais e econômicos apresenta o

fenômeno da judicialização da política e portanto o Poder Judiciário pode decidir

questões atinentes à vinculabilidade das políticas públicas a metas que já estão na

Constituição ou nas leis ordinárias, ou seja, as pessoas do povo podem organizar

meios jurídicos para exigir via instrumentos processuais a concretização dos direitos

sociais e econômicos.

A reforma agrária pode ser identificada como realização e

efetivação do direito ao trabalho, ou direito à terra, como local privilegiado para a

realização do trabalho para os rurícolas.

Conforme já foi transcrito acima, e vale repetir aqui, o Estatuto da

Terra – lei 4.504/64 – afirma, no § 2º, do artigo 2º, que:

É dever do Poder Público (g.n.): a) promover e criar as condições de acesso do trabalhador rural à propriedade da terra economicamente útil, de preferência nas regiões onde habita, ou, quando as circunstâncias regionais o aconselhem, em zonas previamente ajustadas na forma do disposto na regulamentação desta lei; b) zelar para que a propriedade da terra desempenhe sua função social, estimulando planos para sua racional utilização, promovendo a justa remuneração e o acesso do trabalhador aos benefícios do aumento da produtividade e ao bem-estar coletivo.

O artigo 184 da Constituição Federal afirma que as terras que não

cumprem a função social serão desapropriadas e destinadas ao programa nacional de

reforma agrária.

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Rodolfo de Camargo Mancuso15 e Celso Bastos16 afirmam que a

função social da propriedade está entre o rol dos direitos difusos e coletivos. Direitos

difusos pertencente a toda coletividade, e coletivo tendo por “proprietários” os sem

terra.

Os conceitos dos direitos difusos e coletivos estão postos no artigo

81, § único, inciso I e II, do Código de Defesa do Consumidor.

Se entendermos que o direito à terra ou ao trabalho na terra, seja via

reforma agrária ou decorrente do descumprimento pelo proprietário da função social

da terra é um direito difuso da coletividade e coletivo dos trabalhadores rurais

alijados da terra, haverá, por decorrência lógica, legitimidade para os sindicatos de

trabalhadores rurais ou organizações não governamentais e ao Ministério Público

Federal para propor Ação Civil Pública pleiteando a permanência das famílias

naquela propriedade.

Vale transcrever as lições do professor da EDESP Ronaldo Porto

Macedo Junior17 sobre a utilidade da Ação Civil Pública como instrumento de

controle das políticas públicas e mecanismo apto para reclamar a efetividade dos

direitos sociais

A tutela dos interesses coletivos está impregnada pela natureza polêmica e contraditória do direito social. A ação civil pública, enquanto mecanismo privilegiado da tutela de interesses coletivos, não é apenas uma forma mais racional ou adequada à sociedade de massa, mas também um instrumento pelo qual seus agentes, em especial ONGs e o Ministério Público estão ampliando os foros do debate público sobre Justiça Social, em particular nas políticas públicas, o meio por excelência de sua realização.

5. Justificativa (razões para utilização do caso) 15 A Ação Civil Pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas, in: MILARÉ, Edis et alli., Ação Civil Pública – Lei 7.347/1985 – 15 anos. 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 762. 16 Revista de Processo, nº 23, p. 43. 17 MACEDO Jr., Ronaldo Porto. Ação Civil Pública, o direito social e os princípios, In: MILARÉ, Edis et alli. A Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 565.

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- Definição do público-alvo Estudantes de graduação e pós-graduação dos cursos de Direito, Administração de Empresas, Sociologia, Economia, Geografia e Economia. - Definição da(s) disciplina(s) que pode(m) fazer uso do caso - Estudos dos problemas brasileiros; - Análise das políticas públicas; - Economia rural; - Sociologia rural - Direito Constitucional; - Direito Civil; - Direito Agrário; - Direito Administrativo - Definição do número de encontros destinados ao caso e sua posição dentro do cronograma de encontros da disciplina

Sugerimos que o caso seja utilizado para o estudo do Direito

Constitucional, especificamente na parte do estudo do direito de propriedade; no

estudo do Direito Civil, na parte dos direitos reais; no curso de Direito Administrativo

no que diz respeito à administração pública e implementação de políticas públicas; e

no Curso de Direito Agrário.

O número de encontros para o estudo deste caso deve ser no

mínimo de 24 horas aula, sendo possível dividir em 6 horas aula por mês, portanto, 2

horas aula por semana.

6. Objetivos pedagógicos:

Na análise de cada caso/problema sempre devemos considerar o

objetivo didático que pretendemos apresentar ao público, seja ele estudantes do

Direito ou de outra área do conhecimento humano.

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O objetivo didático deve ser alinhavado na nota de ensino, e ele

vem dividido em conteúdos e habilidades. As atitudes de análise e soluções perante o

relato consistem nas habilidades abstratamente consideradas. Os conteúdos são os

parâmetros com que as soluções/decisões e/ou as análises serão justificadas; são os

pontos de partida para a construção dos argumentos visando à persuasão e discussão

com os alunos.

O método do caso adota, assim, uma determinada perspectiva,

desenvolvendo a habilidade de decidir e/ou analisar, sabendo justificar essa decisão e

a análise a partir da aplicação de determinados conteúdos. Com isso o aluno aprende

a usar os argumentos, alcançar legitimidade, identificar os interesses implicados nos

fatos e prever as conseqüências de suas decisões.

Entre os objetivos pedagógicos que o caso pretende alcançar

podemos destacar:

a) diminuir o preconceito com o tem reforma agrária;

b) discutir o sentido social e jurídico das ocupações de terras como

mecanismo de pressão política apto a reclamar direitos

constitucionais;

c) valorizar o papel do trabalhador sem terra no processo de

reforma agrária;

d) rediscutir a função social da propriedade; e

e) discutir os critérios para se determinar a produtividade das

terras.

As questões preliminares que o método do caso põe são:

6.1 - Questões gerais

A participação do Estado brasileiro na configuração/construção do

problema agrário brasileiro. A partir do golpe militar de 1964 o Estado passou a

desenvolver políticas públicas intervencionistas com o fim de industrializar algumas

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regiões urbanas e na área rural promover a agricultura da monocultura para

exportação. Destarte, o Estado brasileiro possui responsabilidade direta no atual

quadro de conflitos nos meio rural. Tal responsabilidade é decorrente das políticas

realizadas nas décadas de 1970 e 1980, e na não realização dos comandos

constitucionais e infra-constitucionais elaborados a partir da Constituição de 1988.

1) Qual a real definição do problema agrário brasileiro, ou em

outras palavras: no que consiste o problema agrário no Brasil?

2) Quais os interesses que estão em jogo?

3) Segundo a legislação qual é o papel que o Estado deve

desempenhar para enfrentar o problema agrário?

4) Quais os interesses que devem prevalecer?

6.2 - Questões sobre a legislação

1) A legislação existente é suficiente para o Estado desenvolver e

cumprir com sua tarefa na política de reforma agrária?

2) O Direito Agrário pode ser visto como um ramo autônomo na

Ciência do Direito?

3) A codificação da legislação agrária é uma saída para o Estado

melhor enfrentar e resolver o problema agrário?

4) A reunião de toda a legislação agrária em um único diploma

poderia favorecer a concepção e elaboração de princípios próprios do Direito

Agrário?

5) A legislação agrária, seja constitucional ou ordinária, agregada

aos princípios constitucionais da dignidade humana e função social da propriedade

pode ser classificada como direitos difusos e coletivos?

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6.2.3 Questões específicas

1) Quais as possíveis soluções que o caso apresenta?

2) Como decidir? E como decidir esse caso?

3) O Supremo Tribunal Federal poderia determinar a

desapropriação indireta da Fazenda Timboré e determinar o pagamento da terra nua?

Como?

4) Qual a atitude que o INCRA deveria ter tomado após o

julgamento do Mandado de Segurança nº 22.193-3 - SP?

As questões apresentadas neste caso/problema apontam a

possibilidade de trabalho com, essencialmente, com quatro perspectivas:

1) do Estado, porque tem o dever de realizar as políticas públicas

idealizadas na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais;

2) do Poder Judiciário, porque tem a última palavra na permissão

ou não na execução final das ações do Poder Executivo;

3) das famílias cadastradas no INCRA que esperam ver realizado

seu direito humano fundamental do acesso à terra;

4) do proprietário da terra, que resistirá à desapropriação.

Portanto, também podemos apresentar as questões preliminares na

seguinte perspectiva: como o INCRA deve atuar na execução da política pública de

reforma agrária para não permitir brechas jurídicas capazes de impedir a realização da

vontade do legislador?

Ou ainda, em outras palavras: é possível agir de forma a impedir a

utilização de expedientes jurídicos por parte dos proprietários impedindo a realização

da desapropriação de terras? Como o Judiciário deve decidir?

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Para desenvolver essas habilidades, é necessário que o aluno

domine certos conteúdos. Tais conteúdos perpassam o conhecimento do arcabouço

jurídico constitucional e infraconstitucional, centrando a atenção especificamente na

questão dos princípios constitucionais que poderiam se apresentar em confronto.

Desde logo apresentamos a questão da função social da terra como

comando constitucional que dá suporte para as ações de desapropriação em confronto

com o conteúdo do inciso II do artigo 185 da Constituição Federal que isenta a

propriedade produtiva da desapropriação para fins de reforma agrária.

Ainda vale destacar os problemas na execução da política pública

oriundos da participação do Poder Judiciário. Portanto podemos começar a debater

sobre quais as insuficiências que existem no seio da magistratura e por que se

multiplicam os problemas na esfera judiciária e qual deve ser a postura do Poder

Executivo diante deste problema?

Os conteúdos jurídicos que podem auxiliar no desenvolvimento

dessas questões concernem à política judiciária e poderiam explicitar melhor como o

Poder Judiciário pode lidar com o princípio da instrumentalidade das formas e outras

normas de calibração na perspectiva da realização da política pública denominada

reforma agrária.

Ainda restam as questões atinentes ao aparelhamento dos órgãos

públicos para melhor desempenharem seu papel. Então a discussão pode começar

com a seguinte questão: o que é o INCRA e o que o INCRA pode ser? Como ele

poderia concretizar o princípio da função social da propriedade previsto na

Constituição da República?

6.2.4 - Conteúdo programático

A seguir apresentaremos uma proposta de conteúdo programático

de uma cadeira equivalente a 2 (dois) semestres de horas/aula envolvendo discussões

sobre Direito e Política Pública na área do Direito Constitucional, sub-área Direito

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Agrário. A proposta que segue foi formulada porque verificamos que pouquíssimas

faculdades de direito oferecem noções sobre direito agrário, e o desconhecimento do

assunto por parte dos operadores do direito que lidem com a reforma agrária é um dos

motivos que atravancam o andamento das ações de desapropriação.

Módulo I – Introdução ao Direito Agrário Constitucional. Objetivo: Oferecer instrumental básico para o conhecimento do problema agrário brasileiro, bem como noções sobre o Direito Constitucional Agrário, focando essencialmente o papel do INCRA no desenvolvimento da política pública de reforma agrária.

Ementa: (1) Histórico da estrutura fundiária no Brasil: a) sesmarias, b) regime das posses, c) República, d) Lei Eusébio de Queirós e Lei 601/1850. (2). Visão geral da estrutura agrária brasileira na atualidade e o desenvolvimento nacional: a) o problema agrário brasileiro; b) o desemprego nas grandes cidades; c) os conflitos agrários. (3) Constituição Federal no que diz respeito à função do Estado e da Reforma Agrária: a) conteúdo, razão social determinante de sua inclusão, efetividade do artigo 3º da CF; b) conceito sociológico da reforma agrária; c) conceito jurídico da reforma agrária. (4). Função social da propriedade como mecanismo apto a possibilitar a ação do Estado na execução da política pública de reforma agrária: a) artigos 5º, inciso XXII e XXIII, 170, 184, 185 e 186 da CF. (5) Leis ordinárias que estabelecem regras para desapropriação de terras para fins de reforma agrária. Módulo II – O Caso da Fazenda Timboré Objetivo: Proporcionar ao discente o contato com um caso-problema que envolve a atuação do Estado, a resistência do proprietário rural, a ação dos movimentos sociais e o papel do Poder Judiciário. Ementa: (1) Leitura da narrativa do caso. (2) Análise da entrevista da Dra. Maria Cecília Ladeira de Almeida. (3) Análise das entrevistas dos trabalhadores rurais assentados na Fazenda Timboré. (4) Análise do relatório sócio-político realizado pela pesquisadora Selma Aparecida dos Santos. Módulo III - O papel do INCRA na realização da Reforma Agrária

Objetivo: Apresentar os princípios que regem a administração pública, a

configuração do INCRA na estrutura do Poder Executivo e seu papel na execução da reforma agrária.

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Ementa: (1) Princípios regentes da administração pública e responsabilidade do Estado. (2) os princípios regentes da administração pública. 1) o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. 2) o princípio da indisponibilidade do interesse público, pela administração. 3) o princípio da legalidade. 4) o princípio da impessoalidade. 5) o princípio da moralidade. 6) o princípio da publicidade. 7) o princípio da eficiência. 8) o princípio da motivação. 9) o princípio da razoabilidade. 10) o princípio da proporcionalidade. 11) o princípio republicano. 12) o princípio democrático. 13) o princípio da dignidade da pessoa humana. 14) o princípio da ampla defesa e do devido processo legal. 15) o princípio da continuidade do serviço público. 16) o princípio da tutela. 17) o princípio hierárquico. 18) o princípio da segurança jurídica. 19) o princípio do controle jurisdicional. 20) o princípio da responsabilidade do estado.Administração pública indireta. (3) Deveres/poderes/competências da administração pública.Natureza jurídica do INCRA. Organograma funcional do INCRA. Questões orçamentárias das autarquias federais. Normas que regulamentam o trabalho dos funcionários do INCRA. Distribuição das atividades no organograma geral. (4) Legislação agrária atual. Conjunto de normativas contraditórias, a lentidão e a interpretação da Lei Pelo Poder Judiciário nas ações de desapropriação. Passo a passo na questão do Rito Sumário. Módulo IV – A ação do Estado na política pública de reforma agrária, a resistência do particular e a interpretação do Poder Judiciário. Objetivo: conhecer os princípios e regras constitucionais, as leis ordinárias materiais e processuais que autorizam o Estado a intervir no patrimônio particular, as garantias materiais e processuais ao particular e a interpretação do Poder Judiciário. Ementa: (1) Análise dos anexos com cópias das ações de desapropriação, seqüestro, acórdão exarado no mandado de segurança, ação de reintegração de posse (processo nº 2005.61.07.000594-0) e a sentença neste processo. (2) Análise das entrevistas dos juízes federais e do procurador federal. (3) Análise do fluxograma indicativo do caminho percorrido pelo INCRA na desapropriação de terras para fins de reforma agrária.

6.2.5 - Habilidades

As habilidades que o estudo do caso-problema da Fazenda Timboré

propõe a desenvolver podem ser descritas como:

(a) ampliar a conscientização sobre temas atuais que desafiam os

administradores públicos;

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(b) estimular a compreensão da real dimensão do problema

agrário brasileiro e seus reflexos no conjunto da sociedade brasileira;

(c) estimular a capacidade de compreender a política pública de

reforma agrária como missão do Estado, envolvendo seus três Poderes, com fim

último de realizar os objetivos fundamentais da República instituídos no artigo 3º da

Constituição Federal;

(d) proporcionar a compreensão do conteúdo e alcance do

princípio da função social da propriedade rural e seus reflexos no Processo (civil,

agrário e administrativo);

(e) permitir maior discernimento do papel que o INCRA deve

desempenhar na execução da política pública de reforma agrária;

(f) possibilitar maior desenvolvimento da faculdade de análise

dos papéis dos diversos atores que estão presentes no problema agrário brasileiro;

(g) estimular a participação, iniciativa e criatividade na busca de

soluções para os problemas concretos por parte dos discentes;

6.2.6 - Atitudes

A principal atitude que o caso-problema da Fazenda Timboré deseja

construir é eliminação do preconceito que cerca o tema reforma agrária. É sabido que

este tema suscita o afloramento das paixões quando colocado em debate. Através da

análise do caso, é possível perceber que o Estado tem uma missão a cumprir, e

quando seus agentes se empenham na sua execução, surgem conflitos diretos entre os

interesses individuais e coletivos, e conflitos indiretos, resultando em demandas

judiciais que emperram a atividade do Estado em prejuízo da coletividade.

7.1 Descrição das atividades de preparação destinadas ao professor

- Assistir ao vídeo Pelos Caminhos da América, produção da equipe

do cineasta espanhol Almodóvar.

- Leitura dos artigos 3º, 184 e 186 da Constituição Federal.

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- Leitura do acórdão do Mandado de Segurança processo nº 22193-

3, proferido pelo Pleno do Superior Tribunal de Justiça (STF).

- Leitura do parecer do Procurador da República Paulo de Tarso

Garcia Astolphi.

7.2 Descrição das atividades de preparação destinadas aos alunos (“nota de aula”: orientações que devem ser dadas aos alunos em momento anterior à aula)

Antes de iniciar a aula onde será tratado do tema do caso-problema

da Fazendo Timboré é necessário chamar a atenção dos alunos para o problema que a

discussão pode trazer se o foco da discussão se ater ao viés ideológico que o tema

reforma agrária traz. Os alunos precisam ser convocados a analisar o caso os olhos

voltados para a realidade agrária e o papel do Estado.

7.3 Descrição das dinâmicas que serão utilizadas na sala de aula:

- Seminários apresentados pelos discentes.

- Exposição sobre o tema pertinente dos diversos atores

envolvidos no caso (representantes do INCRA, juízes federais,

geógrafos, trabalhadores rurais assentados em projetos de

reforma agrária, outros)

- Exposição de vídeos sobre o tema.

- Questões para orientação do debate (três dimensões: conteúdo, processo e comportamento)

a) Qual é a configuração da estrutura agrária brasileira?

b) Em que medida o caso-problema da Fazenda Timboré pode

ser utilizado para compreendermos o problema agrário brasileiro?

c) Como o Estado agiu no caso-problema da Fazenda Timboré?

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d) Qual o significado do princípio/norma da função social da

propriedade rural e como ele foi analisado no caso da Fazenda Timboré?

e) O custo do assentamento das famílias realizado com a

desapropriação indireta da Fazenda Timboré é compatível com os recursos públicos

alocados no orçamento do INCRA para a desapropriação direta de outras áreas com o

mesmo potencial de assentamento (número de famílias)?

f) Qual é a atual situação das famílias que estão ocupando a

Fazenda Timboré?

- Definição do momento de utilização de cada espécie de questão (estímulo à compreensão dos fatos, estímulo à análise dos conceitos, interrupção e alteração do foco do debate, etc.)

As questões estão divididas em três grupos elementares: a) papel do

Estado e estrutura agrária brasileira; b) análise do caso-problema Fazenda Timboré;

c) estudo do trabalho do INCRA na realização da política pública de reforma agrária.

O primeiro passo é compreender o papel do Estado moderno na

configuração das atuais sociedades. O Estado não possui apenas o papel de

gerenciador de crises, mas acima de tudo, o papel de fomentador do desenvolvimento

social, econômico com vistas a permitir que todos tenham acesso pelo menos à

educação, saúde, trabalho e moradia.

Realizado este passo, é necessário estudar o caso objetivando

compreender os acertos e desacertos da ação do Estado na execução da política

pública de reforma agrária na Fazenda Timboré.

E o próximo passo é estudar a atual forma de intervenção do Estado

na área da reforma agrária, partindo do estudo do INCRA, analisando a legislação que

institui a reforma agrária, tudo com a pretensão de formar pessoas com capacidade de

formular e apresentar saídas para o problema da distribuição e democratização do

acesso `a terra como forma de construção do Estado Democrático de Direito previsto

no artigo 1º da Constituição Federal.

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- Indicação de possíveis respostas, sugestões de abordagem e de justificativas teóricas e pedagógicas.

As respostas apresentadas em sala de aula ou nos trabalhos

acadêmicos solicitados devem trazer possíveis soluções dentro dos parâmetros

constitucionais e infra-constitucionais, enfocando, sempre que possível, a

participação direta do INCRA.

A premissa que sugerimos como ponto de partida para toda

abordagem do tema é que a realização da Reforma Agrária é uma necessidade da

Nação e uma obrigação do Estado.

- Indicação de possíveis pontos controvertidos que podem surgir na discussão em sala de aula a) O Brasil não precisa de reforma agrária; b) A Constituição Federal garante imunidade à terra produtiva; c) Os sem terra, depois que ganham as terras, vendem a voltam para outras

ocupações.

A discussão sobre reforma agrária, sua necessidade ou não, deve ser

pautada pelos ditames da Constituição Federal. A nossa Carta Magna de 1988 é do

tipo dirigente, e apresenta um programa econômico para o Brasil, e é neste contexto

que a reforma agrária precisa ser analisada.

A desapropriação de terras mesmo quando produtivas deve ser

amplamente debatida porque a produtividade da terra deve estar em consonância com

os demais requisitos da função social da propriedade elencados no artigo 186 da

Constituição Federal.

- Formas de utilização dos anexos

A forma de utilização dos anexos fica a critério de cada professor.

No entanto, é importante que cada discente tenha a oportunidade de acesso aos

anexos, especialmente à legislação que estipula as regras da política agrária.

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8.1 Tempos sugeridos para as dinâmicas em sala de aula

A dinâmica em sala de aula deve privilegiar a compreensão dos

fatos, dos conteúdos e o papel que o INCRA possui no sistema normativo e

administrativo, e que estão dentro do caso-problema.

Portanto, o tempo sugerido para a análise do caso, tomando como

base 4 horas/aula, o tempo destinado à análise dos fatos de ser de 1 hora, a análise dos

conteúdos de 1 hora e o estudo e compreensão do papel do INCRA deve ser de 2

horas.

8.2 Sugestões para encaminhamento de “conclusão da aula”

A conclusão da aula deve ser pautada pela necessidade de respostas

concretas de modo a atender aos interesses superiores do Estado, considerando

sempre a necessidade de observâncias dos direitos e garantias elementares

individuais.

8.3 Sugestões de atividades de “consolidação” a serem desenvolvidas pelos alunos (atividades extra-classe)

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Assim como a Constituição Federal (artigo 126, § único)

recomenda ao juiz, sempre que necessário, para melhor dirimir os conflitos fundiários

que se faça presente no local do litígio, é de bom alvitre que seja recomendado aos

estudantes a visita in loco nas áreas conflituosas ou projetos de assentamento de

trabalhadores rurais. Tais visitas devem ser precedidas de contatos e agendamento

prévios com representantes das famílias acampadas ou assentadas. As visitas devem

ser realizadas com o tempo mínimo de 2 dias, e os estudantes devem,

necessariamente, pernoitar no acampamento ou assentamento, e assim conviver com

as pessoas o período diurno e noturno.

Na impossibilidade de visitar uma ocupação de terra ou

assentamento, vale a pena exibir para os estudantes alguns vídeos que tratam dos

conflitos agrários.

8.4 Atualização de dados importantes para a narrativa do caso

O professore deve, a título de atividade extra-classe, solicitar para

um grupo de alunos pesquisar e atualizar as informações sobre a situação do caso-

problema. A atualização das informações pode ser realizada através de visita no

assentamento ou através de pesquisa na internet sobre o andamento dos processos na

Justiça Federal.

8.5 Sugestões de avaliação (conteúdos e habilidades a serem avaliados, momento e

forma da avaliação)

Sugerimos que a avaliação seja realizada em duas etapas. A

primeira avaliação deve ser realizada quando o conteúdo conceitual proposto neste

caso estiver atendido e a leitura do caso satisfeita. Esta primeira avaliação deve ter em

mira a necessidade de analisar a realidade da sociedade brasileira tendo em mente o

problema agrário brasileiro. O estudante precisa compreender a situação global do

país que ele vive e em que medida a questão agrária influencia nos problemas

sentidos por todos.

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A segunda avaliação deve ser feita no final das discussões do caso.

Neste momento o que se espera do estudante é que seja capaz de apresentar uma saída

concreta para o problema da Fazenda Timboré. A saída concreta deve ser apresentada

no momento em que o Presidente da República expediu o decreto considerando a área

de interesse social para fins de reforma agrária. Outra solução concreta que se espera

do aluno é no atual estágio do problema, ou seja, qual a melhor solução para o caso

neste momento. Esta solução deve passar necessariamente pela análise do valor que

será pago ao espólio do proprietário e garantia de permanência das famílias na

Fazenda Timboré.

REFLEXÕES LIVRES SOBRE O CASO

1. A Reforma Agrária como condição para o desenvolvimento

nacional

O caso CAMINHOS DA IMPLANTAÇÃO DA REFORMA

AGRÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA – O CASO DA FAZENDA TIMBORÉ

(BRASIL) é uma ótima oportunidade para os professores de economia política

discutirem com seus alunos a oportunidade e necessidade da realização da reforma

agrária como condição para o desenvolvimento nacional.

A discussão, problematização apontamentos sobre possíveis novas

saídas para o problema da democratização do espaço e meios de produção das

matérias primas no meio rural destinadas à produção dos alimentos para a grande

massa de consumidores residentes nas grandes cidades é condição essencial para a

construção de uma nação justa e democrática.

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A discussão sobre reforma agrária apresenta uma constante tensão

sobre qual o melhor modelo de agricultura que deve ser financiado pelo Estado. A

compreensão do conjunto de elementos que compõem os dois principais modelos – o

agro-exportador ou agricultura familiar -, suas vantagens e desvantagens, benefícios

sociais, convivência entre os dois modelos, é de fundamental importância para os

administradores públicos.

No anexo complementar 05 tem um texto do Professor Titular do

Departamento de Geografia da USP Ariovaldo Umbelino de Oliveira “Por que

reforma agrária?” que apresenta importantes pistas para este debate.

2. As ocupações de terras (ou invasões) e o Direito Penal

Toda semana os jornais trazem notícias sobre ocupações de terras

promovidas por movimentos sociais e, invariavelmente, os editorialistas clamam pela

aplicação do Direito Penal contra os manifestantes que participam de tais atos.

O caso CAMINHOS DA IMPLANTAÇÃO DA REFORMA

AGRÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA – O CASO DA FAZENDA TIMBORÉ

(BRASIL) apresenta uma situação ímpar para estudos nesta seara. Analisando todos

os fatos que compõem o caso é possível concluir que as famílias conseguiram sua

fixação na Fazenda Timboré porque decidiram ocupar a propriedade. Não fosse a

ocupação, certamente aquelas famílias estariam residindo nas periferias das pequenas,

médias e grandes cidades, aumentando a concentração nas regiões urbanas e

contribuindo com o aumento da violência.

Todas as pessoas, ou suas lideranças, poderiam ser denunciadas por

esbulho possessório – ou mesmo outros tipos penais – em razão da ocupação da

Fazenda Timboré?

É papel do Estado utilizar instrumentos do Direito Penal como

mecanismo de repressão contra movimentos que exigem a concretização dos direitos

conquistados na Carta Magna?

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As mobilizações sociais em prol da reforma agrária podem ser

classificadas como desobediência civil?

Estas são algumas questões que podem ser retiradas do caso para

fins de estudo e compreensão de um dos principais problemas que afligem a

sociedade brasileira.

DEPOIMENTO SOBRE A PESQUISA

A elaboração, apresentação e redação final do caso CAMINHOS

DA IMPLANTAÇÃO DA REFORMA AGRÁRIA COMO POLÍTICA PÚBLICA –

O CASO DA FAZENDA TIMBORÉ (BRASIL), só foi possível graças ao trabalho e

empenho dos colaboradores da EDESP/FGV Rafael Domingos Faiardo Vanzella e

Tamira Maira Fioravante. Sem as constantes reuniões, troca de opiniões,

comentários e correções do foco central do caso levados a efeito pelos colaboradores,

a redação ficaria incompleta. Da constante troca de idéias surgiu uma grande

amizade.

Decidimos apresentar o caso da Fazenda Timboré porque

ele possui todos os requisitos para sustentar importantes estudos sobre a

política pública de reforma agrária e a utilização das regras processuais

do direito como bastião impeditivo ao seu andamento.

A importância do caso Timboré também se deve ao drama que ele

carrega. São 170 famílias que estão assentadas mas que vivem em constante incerteza

quanto ao futuro porque o INCRA ainda não finalizou o trabalho de desapropriação

da terra, e mesmo que remota, a possibilidade de serem obrigadas a deixarem a terra

existe.

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Nossa primeira fonte de pesquisa foi a ação de reintegração de

posse movida pelo proprietário contra as 170 famílias que estão ocupando a área. A

partir deste processo foi possível identificar todas as outras ações que estão

tramitando, ou que tramitaram tendo por objeto a área da Timboré. São mais de 10

ações processuais ajuizadas para defender os interesses dos proprietários.

Com as cópias dos processos em mãos, foi necessário fazer uma

programação de pesquisa onde pudéssemos obter informações sobre a real situação

das famílias que residem na área. Além do levantamento sócio-econômico,

precisávamos ouvir as pessoas que vivem e trabalham na terra.

A oitiva dos outros atores estava na nossa programação inicial, e

assim entrevistamos um Procurador Federal que elaborou parecer na ação de

reintegração de posse, e ouvimos uma procuradora do INCRA. Ouvimos ainda 3

(três) juizes federais.

Um dos juízes ouvido foi justamente aquele que decidiu a liminar

na Cautelar de Seqüestro proposta pelo INCRA. O Dr. Sérgio Lazzarini, hoje

exercendo a advocacia, muito gentilmente nos recebeu em seu escritório localizando

nas proximidades da Avenida Paulista, e relatou sua atuação na 21ª Vara da Justiça

Federal de São Paulo, vara especializada nas questões agrárias.

Ouvimos ainda os juízes federais Luciano de Souza Godoy e Paulo

Sergio Domingues. Nos receberam em seus gabinetes e muito gentilmente

concederam as entrevistas. O juiz Luciano de Souza Godoy é doutor em Direito

Agrário pela Universidade de São Paulo e hoje é juiz-convocado pelo Tribunal

Regional Federal da 3ª Região.

A Dra. Maria Cecília Ladeira de Almeida, pós-graduada em Direito

Agrário, procuradora do INCRA em São Paulo, é professora de Direito Agrário na

Universidade Mackenzie e nos recebeu em uma primeira entrevista nas dependências

da Mackenzie, e no segundo momento nas dependências do INCRA. Pessoa com

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vastíssimo conhecimento sobre o problema agrário brasileiro, e que deve,

necessariamente, ser convidada para ministrar aulas sobre este assunto.

As perguntas apresentadas aos entrevistados foram elaboradas com

a participação das três pessoas que participaram na construção do caso. No decorrer

das entrevistas surgiram outras questões e assim eram formuladas novas perguntas.

O maior desafio a vencer foi realizar as entrevistas com os

camponeses. Passamos dois dias e duas noites no assentamento que está em fase de

implantação na Fazenda Timboré. Nesse período convivemos com 12 famílias, e

entrevistamos uma pessoa de cada uma dessas 12 famílias. As moradias são precárias,

as estradas de difícil acesso, e a assistência técnica do Poder Público é apenas uma

promessa repetida ano após ano.

A visita aos maiores interessados no caso foi de fundamental

importância para compreender as razões da luta daquelas famílias para permanecer na

terra.

A viagem até o local do conflito foi crucial para o bom andamento

do processo de pesquisa. Sem essa atividade o projeto ficaria pela metade e

certamente não compreenderíamos as razões subjetivas que determinam a vontade

dos trabalhadores rurais sem terra em permanecer naquele pedaço de chão.