19
8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2) http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 1/19 CYRUtCOPY C O P IA i lO R A , LANHOUSE E LANCHONETE Producao de um campo estetico Arte olidal Van- guarda SEGUNDA PARTE FI GU RAS E MO DOS DE ARTECONTEMPoRANEA roducao d e o br as Consumo Esquema 1. A arte e urn campo especffico, com atores individuais. Uma linha atravessa a esquema, da produdio ao consumo, percorrendo o caminho 40s aiores-mediadores. Sodedade de cornunkacao Esquema 2. 0 esquema e circular. Entre os produtores estao todos os a ge nt es da c om unic ac ao d e s ig no s.

CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 1/19

CYRUtCOPYC O P IA i lO R A , L A N H O U S E E L A N C H O N ET E

Producao de

um campo

estetico

Arte olidal

Van-

guardaSEGUNDA PARTE

FIGURASE MODOS DE

ARTECONTEMPoRANEAroducao

de obrasConsumo

Esquema 1.A arte e urn campo especffico, com atores individuais.

Uma l in ha a tr av es sa a e sq uem a, d a p ro du di o a o c on sumo, p er co rr en do

o caminho 40s a iore s-mediadores.

Sodedade de cornunkacao

Esquema 2. 0 esquema ecircular. Entre os produtores estao todos

os agentes da comunicacao de signos.

Page 2: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 2/19

".

·CAPfruLOI

os EMBREANTES

Hal de fato, ruptura entre os dois modelos apresenta-

dos, 0da arte modema, pertencente ao regime de consumo,

e 0da arte contemporanea, pertencenfe 8.0de comunicacao.

Contudo, mesmo em meio ao 'modemo', diversos indicios

permitiam antever a chegada do novo estado decoisas. Real-

mente; 'se no dominio social·e politico as teortas.algumas

vezes se adiantam as praticas, no dominio da arte, em con-

tri3.partida,.ornovirm~nto de-ruptura-esta-a.cargo.o maisdas

vezes de figuras singulares, de praticas, de'fazeres', que pri-

meirarnente desarmonizam, mas que anunciam, de longe,uma nova realldade. Essas figuras que revelaJJ.1osmdicio~se~

rao por nos chamadas de 'embfea.ntes'.

· c - · · · · · · · · O · · •eriii.o.·.·/eIIlbreante~••designarem1irtgliisticCl;UIlidCt<i~s ••••.

que tern dupla fun<_:;ao duplo regime, que remetem ao enun-

ciado (amensagem,recebida no presente) e ao enunciador

---------- . . queaanunciou:-(anteriormel1i_~)_,_ Os pro:lJgme§. E~_~~gcti~_s_~() _

Page 3: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 3/19

88

ANNE CAUQDELIN

considerados embreantes, pols ocupam urn lu dno en . d gar eterminad

.~cla 0, onde sao tornados como elementos d ~ _ ogo, alem de mant 0codi-

erern urna relaC;aoexistendal com ur n Imento extralin ..~ . e e-

gwStico: 0de fazer ato da palavra'.

Aoreferencia a esses dois modos temp .. .

b. . orais: uma mensag

rece Ida no presente e seu enun . d . _ em

d CIa or - que foi seu autoe esse modo nos referim';'_ r -,

os a conexao que se operou entrpassado e presente mas tambem . d . ed ao jogo uplo dessas .ades colocadas no limite do obt ti ( uru-

Je vo a mensagem e . d )e do subjetivo (a singularidad d . nvia alocamos n . e e quem anuncIa). Se nos co-

o ponto de VIsta do contemporaneo 0 fato dmensagem .d ,e a

e ' .- OUVI a no presente - voltar a seu autor anti 0p rtence a figura de pensamento dita 'an.ifora' (ou . gto que leva ~ ) mOVImen-

.c d para tras , e faz surgir elementos do passado naesrera a atual idade.

Mas parece, tanto pela frequencia com que sao citadasquanto pelo movimento dd h . e pensamento que provocam ain-a 0Je, que duas ou tres fi .. itu . guras - asqums a cronica pode-na SI ar na arte mode - -d -_--, b -- rna - po em ser caracterizadas comoem reantes' do novo re . ~di gime, e nos as colocaremos, porcau-

sa sso, na arte contemporanea.Dessa otica, citaremos e . .

Marcel D h .. m pnmerro lugar dois artistas·

h -uc a~p e Andy Warhol, e, em segundo lug~ urnmarc and-galensta-colecionador: Leo Castelli E " '

. . sses tres per-

1.Roman Jakobs; - E . dn, seats e l ingu ist ique genera le (Le Seuil, 1963).

3-

ARTE CONTEMPORA.NEA: UMA INTRODUc;AO 89

_sonagens tern em comum 0 exerdcio de uma atividade que

- responde aos axiomas-chave do regime de consumo.

I.0 EMBREANfE MARCELDUCHAMP (1887-1968)

o fenomeno Duchamp tem de interessante 0 fato de

sua influencia sobre a arte contemporanea crescer a medi-

da que passam os anos. De um lado, 0 ruimero de trabaThos

que Ih~ sao dedicados e cada vez maisimportante', de outro,

ele e a referenda, explicita ou nao, de numerosos artistas

atuais. Por que? Porque esse artista - que declarava nao se-lo

- parece expressar 0 modelo de comportamento singular que

corresponde as expectativas contemporaneas,

E nao tanto por causa do conteiido 'estetico' de sua obra

quanto pela maneira pela qual encarava a relacao de seu tra-

balho com 0 regime da arte e tambem a divulgacao dele.

Em outras palavras, sao as posicoes seguintes que fun-

cionam como 0 atrativo de Duchamp e que 0 colocam no

topo da lista dos 'embreantes':

2. Andre Breton, 'Apres Breton'iLe phare de la mariee', em L e s ur -r eal ism e e t l a p e i nt ur e (Gallimard, 1965); Entrevistas com Marcel Duchamp,

de Pierre Cabanne, sob 0 titulo Ma rc el D uc hamp , i ng en ie ur d u t em ps p er du

(Belfond, 1967, reeditado em 1977); Jean Clair , Duc hamp o u l e g r an d f ic ti f(Galilee, 1975); [ean-Francois Lyotard, Les tran s fo rmateurs Duchamp (Galilee,

1980); Um col6quio de Cerisysobre Duchamp, UGE,//10/18// , 1979. De Thierryde Duve, Le nomina li sme p ictu ra l (Minuit, 1984); R es on an ce s d u r ea dy m ad e(jacqueline Chambon, 1989); Cousus d e f il s d 'o r (Art edition, 1990); Jean Su-

quet, L e g r an d ve rr e r ev e (Aubier, 1991) . Os textos de Duchamp estao reuni-

dos sob 0 titulo Duc hamp d u s ig ne (Flammarion, 1975).

Page 4: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 4/19

90

1Adi '-. ~. stin<;;aoentre a esfera da arte e da estetica

-Estetica designando . ~d .. 0conteu 0das obras, 0valor d . b

em si. a arte se d '. I a 0 ra1 n 0Slffip esmente uma esfera de ativid d

~otr a~~u as, sem que seu conteudo. pam.icul . .

.ar seJa prec1sado.

2. Na esfera da art id:'. . e, conS1 erando-a nao mais d

dente de uma estetica: os papeis dos agentes nao saoe:~-

estabelecidos como anteriormente. '. a1S

. Prod~:o. res, intermedianos e consumidores nao podmais ser distin .d 'Ii emnh de .' gill os. odos ospapeis podem ser desempe-

nido ao mesmo tempo. 0ercurso de uma obra ate 0con-surru or presumido nao e mais lin . .'

ear, mas CIrcular.

3. Essa esfera nao est ~ .... '.a mms em CO",£I:t'"._. ._. . ... . .. .. ... .. . .f d " 1.UU0com as outras

es eras e atiVldades, mas, ao contrano, integra-sea elas.

. Aban~ono dos movimentos de vanguarda e do rom _tismo da figura 'artista'. . an

4. Como a arte e' urn sistema de si .. .ilid d -.d········..•....•...••..•..................gno? ~ntreoutros a

.rea . a .e esvelada por meio delesecofisffUIdapeIa " H i 1 ~guagem, seu motor determinante. .

ImportanA

cia .dost .. .' os Jogos de Iingu ae' ':.' "d ., .......da realid de: .......~ ..". g me. a co..nstrucao. 1 a e, a arte nao e mai . - . . ~

....... ... . .'....$emo<;;ao, ela e pensada, 0ob-servador e 0observad' . _ . .... 1

d·•· ...• .. 0estao .unidos por essa construrao. eentro dela. '. '5

-=4-

ANTECONTEMPORA.NEA: UMA INIRODU<;AO 91

o regime 'moderno' dominante e traziam em si uma carga de

oposi<;;ao pesada demais nao somente para serem admiti-

dos como percebidos. Ou melhor, eles eram admitidos como

a ponta extrema da arte moderna. De urn lado, com efeito, as

obras de Duchamp nao apresentavam urn carater estetico que

. suscitasse urn julgamento de gosto; de outro, elas eram, com

frequencia, materialmente imperceptiveis, consistindo em uma

afirmacao pura e em um i roni smo a fi rma ti oo ' da existencia de

uma esfera de arte.

Para fazer justica a novidade delas, devemos, pois, pro-

ceder, nao a analise termo a termo das'obras, 0 queseria

apropriado a urna hist6riada arte, mas ao posicionamento

global da atitude de Duchamp,

1. Primeira proposicao: a distincao estetica/ arte

Continuidade, filia<;;6es,rupturas: os pintores estao

geralmeIl.tepresOsem:uma·re·de. de' rereteneias

a seus predecessores. Os movimentos artisticos se desen-

.volvem eresceme morrerrf-- para' reviver sobma, como se fossem arvores enxertadas. Duchamp, quan-

do jovem, pinta 'como' ou em'oposi<;;a.oa'. De 19Q'?a.J~~O,., . . . . .

re~~.a . ..lIIlclseriede .t~lasa maneira. dos iIIlpressiolList~s;

d~P;i~eapr~~-~'d~ 'az~e,~ri;:T9i1,-~om ~ c . J r t i t i t d ' a i r - : = = : ' : = · · ~ ·

Page 5: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 5/19

92

ANNE CAUQUELIN

sur un pommier du [apon; e passa pelo cubismo corn Jeune

homme triste dans un train; por fun, poe termo a picturali-

dade corn Nu descendo uma escada, que data de 19124.Nes-

sa epcca ele esta cercado de pintores, de poetas ou escritores.

Seus dois irmaos,

lon, sao pintores e escultores. Participa do movimento sur-

realisra e do cubismo, ao menos das discussoes e por meio

do convivio corn Breton e Apollinaire; afasta -se de Cezan-

ne,evita-o, mas mesmo assirn vai ate ele, nao tanto por sua

maneira de ser, mas por sua conduta intelectual. Uma pas-

sagem por Munique, na Alemanha, ern 1912, e pelo movi-

mento dada isolararn-nd. Ducharnp rompe corn a pratica

estetica da pintura: ele se declara 'antiartista'. E ai corneca a

aventura.

Essa ruptura nao e uma oposicao, que estaria ligada a

sua antitese seguindo uma cadeia causal, mas, sim, urn des-

locarnento de dominio. A arte nao e mais para ele urna ques-

tao de conteudos (formas, cores, visoes, interpretac;;oes da

realidade, maneira ou estilo), mas de continente. E assirn que

Marshall McLuhan dira, cinqiienta anos mais tarde: "0 meio

e a mensagem", apagando a distinC;;aoclassioa entre mensa-

gem (conteiido intencional) e canal de transmissao (neutro

e objetivo) para estabelecer a unicidade da comunicacao atra-

4.Contudo, ele pinrara uma Ultima tela, Tum', para Katherine Dreier,em 1918, col.Yale University Art Gallery.

. 5. "Dada foi muito titil como purgativo", Marcel Duchamp, Duchampdu signe, p. 173.

ARTE CONTEMPORANEA: UMA IN1RODUc;AO 93

.ves do meio", E 0mesmo apagarnento feito porDucharnp

do conteiido intencional da obra diante do continente, bas-

tando este Ultimo para afirrnar que se trata dearte.

Atitude antinomica a de Walter Benjamin que,~m urn

lora-a-perda da-auradaobra.de. arte, que,

de unica e nao-reproduzivel, tornou-se pec;;ade urn jogo me-

cariico de reproducao tecnica. Antig~ente .unidaao local

onde e para 0qual tinha sido concebida, a obra esta agora

exposta a todos, ern locais que nao sao feitos para ela'. Para

Benjamin, a 'exposiC;;aoe a marc a, modema, da inautentici-

dade das obras.

B) Os ready-mades

Ern 1913, Ducharnp apresenta os prirneiros ready-mades,

Roda de bicicleta; anos depois, ern 1917, Fonte, no Salao dos

Independentes de Nova York. Ele deixou 0 terreno estetico

propriarnente dito, 0 'feito a mao'. Nao mais a habilidade,

nao mais 0estilo - apenas 'signos', ou seja, urn sistema de

indicadores que delirnitarn os locais. Expondo objetos 'pron-

tos', ja existentes e ern geral utilizados na vida cotidiana,

como a bicicleta ou 0mict6rio batizado de fontaine [fonte], elefaz notar que apenas 0lugar de exposicao torna esses obje-

6 . P our c omp re nd re l es medi as , de Marshall McLuhan, e de 1964. Suasproposicoes, precedidas de muito pelas de Duchamp, eram consenso en-

tre os artistas dos anos 1960. . .. ,7.Walter Benjamin, 'Lceuvre d'art a l 'ere de sa reproductibil ite tech-

nique', em CEuvres~ II: Potsi e e t r evo lut ion (Denoel, 1971).

Page 6: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 6/19

94ANNE CAUQUELIN

tos obras de arte. E ele que da o valor estetico de urn objeto,

por menos estetico que seja. Ejustamenre 0continente que

concede 0peso artistico: galeria, salao, museu. Ou, ainda, tex- .

tos, jornais, notas, publicacoss, ate anota<;5es escondidas, que

~Duchamp transporta consigo em seu museu portatil, as 'va-

lises' e as 'caixas ( cai xa de 1914, c ai xa v er de , c ai xa s em val is e) 8.

. 0 proprio termo 'caixas' mostra bern qual funcao Ducharnp

atribuia aocontinente. 0 museu portatil po de nunca ser aber-

to, ou mesmo urna caixa pode estar selada e nao conter nada:

"Fazer urn ready-made com uma caixa encerrando alguma

coisa irreconhecfvel pelo som e colar a caixa'",

Em relacao a obra, ela pode entao ser q ua lq ue r c oi sa ,

m as n um a h or a d eter min ad a. 0valor mudou de lugar: esta

agora relacionado ao lugar e ao tempo, desertou 0proprio

objeto. A divisao entre estetica e arte se faz em beneficio de

urna esfera delimitada como palco, on?e()q~eest~selldo

mostrado e arte. Nesse caso, 0autor desaparece com~ artlsta-

pintor, ele e apenas aquele que mostra. Basta -lhe apontar,

(3_ssirlalgr.A gssinafutaque acomparihaqoo]etojapr():rlto

e a iinica marc a de sua existencia, marca por sinal com fre-

qiiencia disfar<;ada:como R.Mutt*assinando o.'.·;·· ...•..•......•......... ... .... file

ono,Rrose Selavy''>, ouainda algtlns:a<:rescimos'(osready-mades.

8.Entrevistas cornPierre Cabanne, Marcel Duchamp, ingenieur du temps

ARTE CONTEMPORA.NEA: UMA INTRODU<;:AO

.acrescentados, como Barulho secre ta (1916)).Uma bola de bar-

bante e apertada entre duas placas de latao. No interior da

bola, Duchamp pede a Arensberg* para inserir urn objeto a

respeito do qual Duchamp - e, portanto, 0 espectador - igno-

ra tudo, a nao ser que faz urn barulho quando 0ready-made e

sacudido. As informacoes ( inserir in formar;oes) que acompa-

nham 0 objeto sao tambem ·marcas que disfarcam ironica-

mente, desta vez nao mais 0nome do autor, mas 0proprio ob-

jeto: como 0pente de aco que traz, gravado em sua borda, a

seguinte fraseit'trois ouquatre gouttes de hauteur n'ont rien avoir avec la sauvagerie" **.0 mesmo pente podetambern es-

tar acompanhado da expressao "impossibilite du fer". 0 jogo

de palavras e evidente: trata-se claramente de marcar a rupturacom 0feito a mao', a picturalidade entendida como estetica.

C) 0a ca so e a e sc olh a

Se 0 fazer e impossfvel, resta a escolha, a qual estare-

duzida a-parte do artista. Com efeito, ja que 0continente es-

pacial e importante-o continentetemporal,omomento,o e

.:* Louise Arensberg: uma dasmaiores colecionadoras de Marcel

Ducharnp. (N.deT.)· '..**A frase de Ducharnp beneficia-sa de variaspossfbilidades de jogos

de palavras, com a palavra hauteur, que pode significar altura,altivez, no-

breza, arrogancia, coragem, valor. Se adotada 'altivez', teremos 'tres ou

quatrogotas de altivez nada tern a ver corn a selvageria '. Ha ainda a brin-

d'auteur-

Page 7: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 7/19

96

ANNE CAUQUELIN

da mesma maneira, pois a escolha do objeto pertence ao aca-

so, ao encontro, a ocasiao. Duchamp chamara esse exercfcio

temporal de acaso em conserva.

Provavelmente este e 0Ultimo signo refer~nte a uma

figura do passado: a marca de uma presenc;a inventiva, de

__1l!TIa_jntuic;aQGriacl0ra/quea:ihcia~tena efeito na ati-

vidade artfstica. E no encontro desse acaso encenado que se

. refugia 0savoir-faire, ou seja, 0saber-escolher do artista, con-

siderado como antiartista, como nao-pintor.

o ready-made, encontrado por acaso, escolhido e reser-

vado, indica 0estado da arte em urn momento determinado. Ele

esta em uma relacao de fragmento com a totalidade dos aeon-

tecimentos da arte. Em nenhum caso e uma obra a parte,

uma obra em si dotada de valor estetico; e urn indicador,

urn signo dentro de urn sistema sintatico. Ele manifesta essa

sintaxe apenas por seu posicionamento.

2. Segunda proposic;ao: a indistinc;ao dos papeis

Se a estetica, 0savoir-faire manual foram, assim, deixados

de lado, seo artista e aquele que mostra, se produz sign os,

toda a distribuic;ao de papeis dentro do dominio daarte deve

ser reconsiderada. Duchamp dedica -se a isso.

A) 0 artista como produtor

o artista e, nesse novo jogo, aquele que produz, ou seja,

que coloca a frente, que exibe urn objeto. Ele arranja 0ob-

7-

ARTE CONTEMPORANEA: UMA IN1RODUc;AO

ieto e dispoe dele.Assim fazendo, identifica-se com 0gale-

~sta-marchand, que tambem 'produz' artistas no palcoda

arte. Ele os ordeha e tambem dispoe deles de alguma ma-

neira. Identifica-se, alern disso, com 0 fabric ante do objeto

Num ~,..,.,,.,......

97

ta e, ern resumo, minima. Ele 'acrescenta' algumas vezes ao

ready-made ou ao signo, mas a materialidade do objeto con-

tinua fora dele. A atividade daquele que mostra, organizador

da representacao, e exercida per meio do deslocamento do

objeto: muda-o de lugar, de temporalidade. Assim, esta rejei-

tada ou afastada qualquer pretensao a criacao de formas e

cores. 0art ista nao cria mais, ele utiliza material.

Fazer alguma coisa e escolher urn tuba do azul, um

tuba de vermelho (...). Esse tuba foi comprado por voce, nao

foi feito por voce. Voce 0comprou como um ready-made: to-

das as telas do mundo sao ready-mades'acrescentados' e tra-

balhos de montagem.

o que Duchamp mostra e simplesmente a condicao de

. . " a l " Wtoda obra, de toda pintura, mesmo norm .

Oprimeiro produtor da obra e 0 industrial; 0segundo,

. e 0 artista que escolheu utilizar urn objeto fabric ado. 0ar-

tista identifica-se com urna etapa da producao industrial, con-

tribui com urn simples 'coeficiente dearte'. Ele fazurn apor-

te ao, ready-made mas tambem ao fabricante.

10. Entrevistas com Georges Charbonnier , RTF, 1961, e com K~the-

rine Kuh, ci tada por Thierry de Duve, Reso na n ce s d u r ea d y made ,. op. Cit.

Page 8: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 8/19

98

B)0 p ro du to r c omo obs er oa do r

Segundo deslocamento de papeis. A famosa Proposi~

~ao de Duchamp li E 0observador que faz 0quadro" e para

ser tomada ao pe .da letra. Ela nao se refere - como se crecom muita frequencia - a alguma metafisica do olhar, aurn

idealismo do sujeito que enxerga, mascorresponde a uma

lei bern conhecida da cibernetica, retomada pelas teorias da

comunica~ao:o observador faz parte do sistema que observa;

ao obseryar, ele produz as concli~6es de suaobserva~ao e.

. transforma 0objeto observado. Ve-se que nao se trata mais

de separar ()aitista de seu consumidor virtual, mas de uni-los

em urna mesma produ~ao. 0ugar do artista se encontra en-

tao identificado, de urn lado com 0fabricante, de outro comoobservador.

Na obra 0g ra nd e v id ro , a placa de vidro extrafino ofe-

rece aoobservador seu proprio reflexo, misturado as insert-

~6es gravadas sobre ela. 0espectadbT faz-parte da obra ....

C ). 0arti s ta 'cOrnoconseroadpr

Aqui, uma. v(;!zmais o~pa.peis estaoembaralhados: 0

.interm~diario --,-conservador, galerista ovmarchand _ eo

proprio artista. Nao s()ITlente Duchamp Iconserva' 0acaso

posto em. conserva, como p;reserva notas; textos eobjetos

fotocopiados nessas nessas caixas em valises ._._.._

outro lado, para perfazer

ARTE CONTEM POR .A . NE .A : UMA I NTRODU< ;A . O

'pn'as obras. E tambem membro de urn juri, inter-suas pro

tando dois papeis ao mesmo tempo: 0 de artista que

pre trabalho e 0de membro do juri ... que recusapresenta seu

If tel Em abril de 1917, na Sociedade dos Indepen-ua on .dentes, ele apresenta urn mict6rio feito de louca esmaltada,

assinado IR .Mutt'.

99

Eu estava no juri, mas os organizadores nao sabiam que

m 0tinha enviado: eu inscrevera 0nome de Muttraeuque ,

ara evitar referencias a quest6es pessoais (...) Mas mesmop ( )1 1assim era bastante provocador ...

A demonstracao e perfeita:o artista nao e urn elementoa parte, separado do sistema global; nao ha autor, nao ha re~

ceptor, ha apenas urna cadeia de Icomunicacao' encerrada em

simesma.

3.Terceira proposicao: 0 sistema da arte

. ~ ~ ~~c:tl1 .~~~~~Tc~~de

As duas~rimeiras proposicoesconduzem drretamente'

aterceira. C:9m efei to, a relacaoda arte com 0sisteIIla ~eral

(social. polit ico, economico) e uma relacao "de integracao

- de nflito. Atuahdo em particoes simultaneas, Ducham. pao e co . .

.desmonta a antiga ideologia do artista exilado, recusado, con ~

-, dominie que tern -leis-dif",erentes.. ___-'~"'---"~-"---'"_~.. .• =-: ••- -testaderr a-estetica-nao-e-um .OrrunJ.· '.. •••. .' _. .•.. _~_:_-r

. . : · : 8 -

Page 9: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 9/19

100

ANNE CAUQUELIN

do sistema geral. E uma simples peca dentro de urn jogo de

comunica~ao, cuja entrada, assim como a saida, nao pode ser

encontrada. Nao ha origem nem tim e urn circulo As '_ I. opera-

coes que se desenrolam no interior de uma rede tern a ver com

propriedades da rede, nao com a vontade do artista. Cada'

~n,~""'V aos outros, cada intervenientepode es-

tar em toda parte ao mesmo tempo.

Nesse caso, nao existe vanguarda propriamente dita; nao

existem manifesta~6es anti-sociedade ouantimarchands. Mui-

to ao contrario, 0jogo da arte consiste em especular a respeito

do valor da simples exposicao de urn objeto manufaturado. A

exposi~ao, a colccacso no circuito por si so institui 0valor do

signo, valor especulado que pertence de pleno direito, de urn

direito teoricamente axiomatizado,ao dorninio da arte.

A singularidade de Duchamp - com a incompreensao

que ele freqiientemente suscita - e ter posto a nu urn funcio-

namento, ter esvaziado do artista e da obra seu conteudo

intencional, ernocional. 0 grande vidro ou A noiva despida

p or s eu s c el ib a id ri oe , m e smo , e a propria arte, desembcirac;ada

d~ seus falsos brilhos esteticos, Por meio de 0 grande vidro,

frio, e de seusmecanismos trituradores, e 0regime novo da

arte contemporanea, sua logica impecavs], que se delineia.

Logica da rede anonima: a Sociedade anonima, batizada

por ~~ Ray e fundada por Katherine Dreier e Duchamp,

constitui uma colecao intemacional permanente que devia

ser legada a urn museu, especificamente para aYale Univer-

sity Gallery; e uma l6gica internacionat engendrada entre

Nova York, Paris e Buenos Aires.

ARTECONTEMPoRANEA: UMA INIRODUc;:AO 101

4.Quarta proposicao: a arte pensa com palavras

Ultimo efeito dentro da ordem axiomatica: a importan-

cia dalinguagem. Em urn jogo de designacao e demonstra-

que consiste em escolher urn objeto ja existente no usocomume urn

'acrescimo') pode vir de urna nova montagem, mas tambem,

e mais necessariamente, dos titulos que 0acompanham. Ex-

por urn objeto e intitula-lo. 0 mict6rio e fonte, 0porta-casaco

colocado no chao e alcapiio; quando oobjeto e reconhecivel

como objeto estetico (como a Monalisa), 0 titulo 'acrescen-

tado' desloca 0valor estetico: LHOOQ 0dessacraliza.

No entanto, as notas e os textos que se encontram no

museu portatil, encerrados nas caixas, sao obras da mesma

natureza que os objetos prontos. Sao tambem formulacoes

'ja prontas', quase impenetraveis. Ready-made em palavras.

A sintaxe delas e perfeita, e 0sentido escapa. A diferenca

dos jogos surrealistas, nao se busca nenhum efeito poetico

em particular; e 0 exercicio puro da lingua remetendo-se a

ela mesma. Nao se sente de modo algum 0 'estilo' do artis-

ta, e como se as proposicoes estivessem congeladas em sua

pureza definitiva. Dai decorre sua admiracao por Roussel e

por Brisset. "Eu achava que, naqualidade de pintor, era me-

lhor ser influenciado por urn escritor do que por outro pin-

tor. Ja estou farto da expressao 'idiota como urn pintor'."

Como 0 conteiido fisico da pintura - cores e formas -

e rejeitado, e a arte nao e mais retiniana, e nao-optica, en-

Page 10: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 10/19

ANNE CAUQUELIN

tao deve utilizar outro suporte. Mas as palavras sao signos

impalpaveis, pouco pesados, que a cadeia de comunicacao

pode fazer circular dentro dessa leveza. Elas servem simulta-

neamente de lugar e de tempo aos objetos aos quais dao ti-tulo, e substituem a materia: a titulo e umacor.

Alem disso, como acabamos de destacar em relacao as

f6rmulas, a lingua e algo que ja esta ai , urn ready-made, pron-

to para 0 emprego. as usuaries cia lingua nao a inventam;

eles a transformam ou mudam de lugar seus elementos.

Portanto, assim como os jogos de linguagem de Witt-

genstein esclarecemnao a mensagem,mas 0 sistema da

l ingua e seu usa, as proposicoes de Duchamp que 'acrescen-

tam' aos ready-mades (ou sao utilizadas como ready-mades)

esc1arecem nao tanto os pr6prios objetos "":cujC>ignificado ha-

bitual tendem antes a obscurecer - e sim 0 funcionamento

da arte.

5.0 transformador Duchamp

Duchampcomo obra c:01}temem-gerrneos d e s e n v o Y " : . . .vimentos que os artistas que virao depois deleimpulsiona-

rao, em urn sentido ou em outTo:aa:rtecC>nceitiial;8 mini-

malismo, a.pop art, as instalacoes, ate mesmoos happenings

que ele tanto apreciava. Mas nao e nessa sequendahist6ric~,

nessa continuidade de desenvolvimento de urn conteiido

AR TE CON TEM Po RAN E A : UMA I NT RODUc ;:A O103

. poranea que seu trabalho e verdadeiramente transforma-

dor. E nesse ponto que a esfera da arte se articula com a era

da comunica~ao todo-poderosa.

Vejamos urn resumo breve dessas articulacoes:

_ Passagem da mensagem intencional, com emissor e

receptor, ao signo produzido pela rede e dentro da rede e sus-

cetivel de nela circular (anonimato ou disfarce da assinatura,

banalidade do objeto, inexistencia dequalquer emo~ao de

origem n~tiniana).

_ Paralelamente,desaparecimento do autor como sujei-

to livre e voluntario- A descoberta ao acaso, a escolha, subs-

tituem 0 fazer: "Qualquer coisa, mas na hora determinada" .

Aq1li, Duchamp prefigura '0 movimento de retirada do su-[eito, seu lugar como elemento determinado pelo sistema.

Prenuncia Michel Foucault e Roland Barthes.

_ Importancia da linguagem, nao como expressao de

urn pensamento, mas como fundoradical delepr6p~0.A -

lingua pensa sobre si, como a arteo fazpor meiodela. E toda

a escola pragtTlaticaanglo-saxa e o.trabalhodeWittgensie-iIl

que e~tao aqui prenun.ciados. E comurn entre os artistas nor-

te-americanos dos anosJ9,60 citarWittgenstein12.Na F.ran~Cl,

Duchamp citad~ epmo referenda (Ben e urn de seus grandes· .

admiradores) .

_ .Desaparecimento das vanguardas e cia mensagem

Page 11: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 11/19

10 4 ANNE CAUQUELIN

Doisefeitos interligados: de fato, para oscriticos de arte

tradicionais, a vanguarda e urn fenomeno que pertence ahistoria da arte. Eo motor do desenvolvimento da arte em

sua busca da novidade, em suas provocacoes, Se nos si tua-

mos com

mais tomada de posicao que tenha valor por sua novidade

formal e, conseqiientemente, nao ha mais vanguarda (nem,

alias, retaguarday, Outro fenomeno e a recuperacao quase

instantanea do que poderia ter passado por vanguarda. Como

tudo e admitido, recebido e reconhecido como atual, a van-

guarda nao pode mais se destacar do pelotao.

Por outro lado, a mensagem politica e social das van-

guardas era abertamente critica a sociedade mercantil ista ese colocava como deruincia ou recusa dos valores do capital.

Ao integrar arte a sociedade como uma esfera dentre ou-

tras, essa mensagem se ve bloqueada. Como se trata, na so-

ciedade de comunicacao, menos de dinheiro do que de in-

formacao - a informacao e sua circulacao sao a verdadeira

riqueza -,0conflito desaparecepor si mesmo.

- Busca das condicoes mfnimas de transmissao de urn

signo: a assinatura se torna a garantia da arte, seu coeficiente

de valor artistico: a obra pertence ao genero do cheque.

Duchamp faz urn cheque falso e 0entrega a seuden-

tista Tzanck como pagamento por seus services. S6 0fato de

ter acrescentado sua assinatura de artista dara valor ao che-

que, vinte anos mais tarde. Lembremo-nos da encenacao

de Yves Klein: Vender uma 'zona de sensibilidade pid:6rica'

ARTE CQNTEMPOAANEA: UMA IN1RODUc;AO10 5

remete ao que 0 comprador pagaem ouro: ele obtem. em

troca, urn recibo que deve queimar, enquantoo artista joga a

metade do ouro no rio (no caso, 0 Sena).

Alem disso, ecoam os neg6cios de Warhol, que se inti-

_ Apresentacao do continente espacial-que coloca 0

objeto em situacao de obra. (0 desenvolvimento de museus,

galerias, fundac;:6es e fundos regionais hoje em dia repercute

e real iza plenamente esse axioma.)

_ Esboco de urn desnudamento da rede formada pelos

profissionais da arte. (Apesar da ignorancia ou incompreen-

sao e da recusa do publico, apesar das poucas obras visiveis, os

profissionais - urn pequeno micleo de elite - fazem a cotacao.)o modelo Duchamp, tao discreto que s6 alguns inicia-

dos tomaram conhecimento dele, oferece nao tanto 'novas

imagens'. mas a iinica imagem possivel de urn exercicio da

Arte em urn sistema que ja comeca a ser instaurado, 0da co-

municacao. a qual sua obra serve de analisador.

A part ir desse memento. 0dominio da arte nao e mais

o da retirada e do desentendimento, do conflito com a so-

ciedade. mas de urn aclaramento, circunstanciado, dos me-

• • 13

carusmos que a arumarn .

13. Segundo Amy Goldin e Robert Kushner, 'Con~eptu,al art as opera',

Art News (abril de 1970): "Acontribuicao da arte conceitual e provavelmen-

te araflexao sobre 0 significado da arte, e nao sobre seu aspecto. f~:mal

(.. .). Nos mal comec;amos anos perguntar. CO?;O a_ar; ;e absorve as ideias e

de que forma estas contribuempara sua slgni ficac;ao .

Page 12: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 12/19

A N NE C A UQ UE LIN

. Exibindo esses mesmosmecanismosnos quais el 'mserem J • • ' es se.." . I o~ ~tiartistas' se aproveitarn enormemente dessa

iroruca coruvencia. Como sera 0caso do' segundo embreante

de que trataremos, Andy Warhol.

II. 0 EMBREANTEAND ...' I)'WARHOL (1928-1987)

Se a obra de Duchamp e de cliff il ..'id c acesso, quase man-

~ . a secreta, a ponto de tomar opaca sua relacao com a so-

ciedade de seu tempo f d .'uma ~ .' ' r azen 0com que haja necessidadede

. analise para encontrar nela os princfpios gerais do re-

gune da comunicacao, a obra de Warh 1 ~. . ' -~ . 0 e, em compensac;ao

tao publica, e toma emprestado demaneiratao notoria ." r

e

. d' as vias

os meios a publicid d .. . _ a e mercantil, que toma tambem di-

ffcil a avaliacaode sua contemporaneidade. .

1. Urn falso mod '. . . ..... . ..' .erno, urn verdadeiro contemporaneo

Certamente os term .... - •....... .''.' ..: !.. . Qsquesao ~m.geraladotadosaseu

. respeito sao aquelesque caracte . . ....-. .. . . ..'. . nzam uma sociedade de

consu r n ( ) 'moderna' m ~ . . 1: ..' .'.' > ,aquma"'lerramenta.fsistemadepubli~

cidade, maquina de co . S ~ ~. nsumo .. uas senes, spas repeticoes

es.tereotipadas de produtos de consumo s .'.' r ua empresa (a

.Lactory14) concebida como um . .: c t : .. :::::: :.=: ::=. / 1 ' £ 1nn:m1IDCio sO:de l e; .de :pa redes :cobe r t a s :<i-= : fQJhas<if :3 ::P I i~~r~: :p(: r \ lg_Gl .9-_<: :>.: :==:: : :: :=· ·· ·.

de celebr id ades, de su peresnobes inad aptados" (Sand ler , op . cit., P: 189).

N f ai s t ar d e, Factory se m udar a para 0nomero 860 d a B r o adw ay .

15..C::g ly i r11 ' ot11 l<i r ls , c i t ado p()r lr:\ringSandler~Letriamphe de l'artles cit., 113.' ." .

A ,R TE C O N TEM PO RA N 'E A : U M A I NT RO DU <; A O107

, clarac;6es que as acompanham, em forma de sloganspubli-

citarios, rudo parece mdicar que ele e 0porta-voz hicido e

satfrico dessa sociedade deconsurno. A arte sera regida pelas

leis de mercado dos produtos, sera urn produto como qual-

quer outro.Essa constata<;ao que Warhol- longe de desmentir, afir-

rna com insolencia fomece muniC;ao aos criticoe- Se Warhol

e urn 'artista'- e nao se pode ignora-lo como tal- e porque

suaobra sera dupla: de um lado. ela ira se situar no sistema

mercantit mas de outro. ao exibir notoriamente esse siste-

ma, ela 0 criticara - Warhol faz neg6cios e nao os esconde,

o que deixa muito pouco a vontade aqueles que comentam

a arte 'modema'. 0ulgamento esteticO: Warhol tem talen-

to, tem fum bom olho' (J 1ele tinha urn verdadeiro dom", diz

Greenberg), e e recoberto por urn julgamento moral: Warhol

quer que falem dele. "Tao logo chegou a Nova York, em 1949,

Warhol perseguiu a celebrida.de cortla. obsi::iilci~§_oe urn sal":

mao na epoca da desova15./I

A) A cr it ica envergonhada

para evitar esse julgamento moral eo descbnforto queele suscita, e preciso que os criticos se entreguem ao contor-

Page 13: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 13/19

:/,)

r"I

.1

108

cionismo. Falarao do desej0de Warhol de se ideritifi' car com

. urna maquina, de urna participacao-deruincia da vida norte-

americana, do kitsch, da delacao publica do banal do m "eca-

nico, da seriacao pela reduplicacao da propria serie, de u rnespelho de dupla face cue exibe a realidade d '. .

...........~~ ,_ ~__ -L ,............. .. O.vaZlO.soelaL

"Onde esta a realidade quando dois espelhos estao £rente a

frente?", De uma obsessao tragica pela rnorte, instalada na

repeticao, do carater duplo da tecnica, simultaneamente per-

da e salvacao, segundo a analise de Martin Heidegger; em

surna, tentarao juntar a imagem tradicional do artista, cr itico

da sociedade, a de 'homem de negocios' em busca de dinhei-

ro e de poder. Salvam 0que e possfvel daArte (e portanto do

artista Warhol), apelando para a intencao, para a profundi-

dade etc. Assim fazendo, adotam uma atitude contraditoria

que pensam corresponder perfeitamente a seu trabalho, re-

tribuindo-o na mesma moeda. Contraditoria, duplice ou du-

pla, por vezes tripla - teria havido tres Warhol: 0 primeiro,

simples desenhista de publicidade; 0segundo, artista pop re-

conh:cido; 0 terceiro, empreendedor de negocios".

E verdade que Warhol 'pertence', na historia da arte, a

pop art, aos anos 1960 - anos do triunfo norte-americano '- e

portanto a arte modema. Mas, se ele esta rio mesmo myel de

16: Sobre as contr~dic;6es da critica, imitando as contradic;6es deWarhol

~ o~ artig?S em Artstudio, n~ 8 (1988): Special Warhol, enos Cahiers du Muse~

~tzonal d'Art Moderne, r : ~3 ~1990)(War:hoIiana). Entre outros, cf. Jean Bau-

:mard falando ,sobre ma~~ma, Bruno Paradis sobre tecnica de dupla face,

ebmardMarca~: sobre fruic;aoretardada e insercao, e Demosthenes Davvetasso re contradicao. '

3-

109ARTECONTEMPoRA .NEA : UMA INTRODU<; AO

. James Rosenquist Roy 9~~tenstein eOaes Oldenburg_ dis-

tingue-se deles, contudo, pela forma como ve de que modo

a arte se articu1a a sociedade e, em particular, ao mundo dos

negocios. E sobre essa articu1a<;ao que convem refletir, e e ela

nea. na qualidade de embreante da sociedade de comunica-

<;aO.Se fosse necessario, poderiamos tambem alegar a refe-

rencia a Duchamp, por Intermedio de sua devocao a Jaspers

Johns e de sua proximidade com as ideias de arte conceitual.

E essa ref lexao que permite considerar a obra de Warhol

em sua complexidade sem ter de tomar partido em relacao

a moral de seus 'negocios', ou entao considerar essa atitude

resultado de uma filosofia da comunica<_;;aoe nao uma perver-

sao dnica do sistema de consumo.

2.Warhol's system

Retomemos, entao. os pontos que servem de principios

a arte em regime de comunica<_;;ao:

A) 0 abandono da esietica

Como Duchamp, Warhol abandona a estetica, deixa seu

offcio de desenhista, renuncia ao estilo, a habilidade manual,

e se dedica a Arte - esfera que se dissocia das questoes de

gosto. de belo e de urnco. Os objetos quemostrara serao ba-

nais, kitsch, de mau gosto. Serao objetosde consumo usual:

garrafas de Coca-Cola, fotas publicadas em jornais e rear-

Page 14: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 14/19

110 .ANNE CAUQUELIN

'. ranjadas. Em suma, duplicatas, remade. Exatamente como

Duchamp, trata-se demostrar 0que fa existe, mas, ao ready-

made. 'acrescentado' de Duchamp, que pertnanece linico e

q~ase im;~ssivel de ser encontrado, Warhol opoe a repeti-

gao em sene, a saturacao das imagens e o paradoxo de uma .

.despersonalizas;ao hiperpersonalizada. ~'Seria fant<istico se

mais gente empregasse a serigrafia, ninguem jamais saberia

se meu quadroe de fato meu ou se e de outro." Ou seja, to-

dos os qml.dros·poderiam perfeitamente ser seus.

Entao, se Duchamp havia concedido ao local a incum-

bencia de anunciar a.rnensagem"Isto e arte", renunciando

~ssim.a habilidade e a estetica do gosto, afastando-se por as-

SlID dizer da cena e se preservando, Warhot ao colocar empratica seu conhecimento das redes,abandona esse Ultimo

r~~gio e essa Ultima marca da arte, que e 0local de expo-

sicao, para se estabelecer no espas;o inteiro das comunicas;6es.

Passa de urn lugar (tapas) determinado, marcadocomurn

rotuloiarte', ao conjunto de urn circuitoque ele ocupara intei~

IC:llllente.A.despersonalizagao visada Vail 'portanto, transfor _;'

mar-sa em personalizagao desmesurada por meio da invasao

do nome 'Warhol' sobre todos os Suportes.

. Serigrafia e fotografia,ampliagao de imagens ja conhe-

clda~ cores fortes,' fidelidade aomotivo, apagamento da in-

.. .tenga~, ~s~aeciIne~to doa.utor, antiexpressionismo: se e ve~=-:'-::c-claae-q~~os.arBStaspop=-cr6s-anosl~bO trci5afu~1t~hriag~hs;:······

do COtidlano_ da mesma forma, tehdot6dos eles·operado

uma separagaoelltreaesfetica.das f0ITriasedci .

ARTECONfEMPORANEA: UMAINTRODU<;:AO 111

_manual', nao chegaram contudo a explorar nem a levar as

Ultimas consequencias os outros conceitos que regem a co-

munica.gao17: a rede, com a redundancia e a saturacao: 0pa-

radoxo, com 0bloqueio em torno de si mesmo; a autopro-

clamac;ao com 0nomina.lismo; a circulacao dos signos dentro

da rede sem autor nem receptor, e finalmente 0totalitarismo,

com a internacionalizacao do sistema de comunicacao. Pois

bern, sao esses preceitos ou princfpios que Warhol vai utilizar

da melhor maneira possivel.

B) A rede de camunicaf iio

Warhol compreende muito cedo 0sistema publicitario.

Quando, em 1960, abandona a me comercial, ele sabe Icomoaquilo funciona'.Essa experiencia e· fUndamental porque

lhe serve para construir sua propria imagem e utilizar me-

canismos da publicidade para torna-Ia conhecida. (Em suma,

ele eo-fabricante deum produto chamado Wa.tholeopu:-

blicitario que transforma 0produto em imagem eo vende.)

Assim. sabe que epreciso entrar na.rede no lugar~sp~d=

fico on de h~mais chance~ de estar irr lediatarrlentec6nec': '

tado com o.mundo a que elevisa: a galena de Leo Castelli,

onde Warhol vai entrar em 1964. I

17. Eis por que Oldenburg ou.Rosenquist t iveram seu momentode

g16ria,lnasnaoc0nlleceram 0efeito Warhol: .de fato, 0 que.os consome ain-

::aa:eCflugar'lia:sformas;do:·.conteudodesuas-:mensagensi=a"IDSE:!rfjaQ::.4§tla§=.·.'c::·

na hi st6ria da arte de sua epoca. Warhol, por sua vez , s6 falara de inscricao

social e de dupliccl<;ao, evitando cuidadosamente qualquerideia.de origi-

nal idade ou de profundidade, Ele falara de si ,nao como sujei to-p.utor , mas

Page 15: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 15/19

112

C) A repeticiio

A segunda 'lei' da rede de comunicacao e a repeticao ou

tautologia. Ao contrario da obra iinica e original, que e uma

das exigencies da estetica tradicional, trata-se de duplicar 0rnffiSral~IQ.O€!Colm'rr,aiornurnE~roPOSsrv~Qeenttaaru3amE;s=----2

rna mensagem. A publicidade lhe mostra 0caminho. Admi-

tindo que 0trabalho do artista da pop art consiste nao em

'fazer' mas em escolher a imagem que mostrara, sera ne-

cessario selecionar a imagem que causara sensacao ou 0meio

de tomar qualquer imagem sensacional.

No primeiro caso, as fotos de catastrofes publicadas na

imprensa servirao ao proposito, E a serie Disasters: Tunafish

disaster (1963), Five death ou Saturday disaster.

Em Tunafish disaster, sao imagens de latas de atum se-

gundo 0principio das garrafas de Coca-Cola ou das sopas

Campbell's, mas suspeitara-se que essas latas tinham pro-

vocado a morte de diversas pessoas. As fotografias das viti-

mas estao colocadas sob as latas mortiferas. A proximidade

desses rostos anonimos e sorridentes e de sua morte em latas

de atum causa justamente 0 choque. A morte ocupa as pa-

ginasdos jomais, e e a essa morte cotidiana em seus aspectosmais corriqueiros que Warhol da destaque.

o terna da morte, que aparece com freqiiencia na obra

de Warhol, nao esta ligado a uma intencao tragica nem a

qualquer tipo de gosto morbido - interpretacao psicologi-

zante exibida tradicionalmente, mas que deve serconside-

113A R TE C ON fE MP oR A .N EA : U MA IN TR OD Uc;A O

dde.ntro da otica da rede: 0efeito satura<;ao-repeti<;aotraz

.ra aem si seu proprio tim, soa como uma queixa obsessiva.

No segundo caso, e urn objeto qualquer, sem absoluta-

mente nada de sensactonal. que sera escolhido. Um objeto

seunomeao objeto em serie, conhecido de todos, Warhol se toma tao

conhecido quanto a imagem que assina. Sera 0caso da sopa

Campbell's, da Coca-Cola, de estrelas e fdolos do publico

como Marilyn Monroe ou Liz Taylor, ou, melhor ainda, da

nota de um d6lar. Bastara tomar esses objetos sensacionais,

sejapelo tamanho - as cem Marilyns tern 205,5 ~ 567,5cm; ~s

Liz, 211 x 564 em: od61ar, 228 x 177,5em = » seja pela repeti-

_ . Marilyns.112 garrafas· Green Coca-Cola bottles (1962).cao: cem , . ,.

E 0impacto sobre 0publico que importa; e precIso co-

brir as paredes, repetir incessantemente, sarurar. PorquAea

comunica<;ao funciona como tautologia, como redundan-

cia."Uma lata de sopa Campbell 's e urna lata de sopa Camp-

bell's e uma lata de sopa Campbell's'." Os McDonald's sao

McDonald's que sao McDonald's: "0que ha de mais bonito

em Toquio eo McDonald's, 0que ha de mais bonito em Es-

tocolmo e 0McDonald's, 0que ha de mais bonito em Floren-

ca e 0McDonald's. Pequim e Moscou ainda nao tern nada debonito".

Como ele diz ainda: "Todas as Coca-Colas sao parecidas.

Sao todas boas. Liz Taylor sabe disso, 0Presidente sabe, 0

mendigo sabe enos tambem sabemos disso". E comosabe-

riamos senao pela publicidade?

I

Page 16: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 16/19

114

E preciso, portanto, saturaras redes e fazer usa de todos .

os suportes possfveis. Paraisso, e necessario que seu nome

.e suas imagens ocup·em ao mesmo tempo todas as :posi<;6es

possfveis dentro da cadeia de comunica<;ao e que 0grupo reu-

nido na Factory tan'lbem colabore.

Em 1965, Wathol monta 0Velvet Undergr()und, grupo

de rock que eleproduz em NovaYork, em 1966. Filmes: Sleep

(que dura seis horas, pois 0 tempo tambem pode ser repe-

tic;;aoe saturacao), Chelsea Girl s, Dracu la.

Entrevistas, acontecimentos que envolvamo astro, como .

o atentado por ele sofrido em 2 de junho de 1968, fudo isso

circula na imprensa, na televisao, no mundo das redes in-

temacionais, como para a estrela de cinema ou de rock.

"Ser tao conhecido quanto a lata de sopa Campbell'spall

D)0 paradoxa

o paradoxo e ulna. <1asleis eieri,.eIltares cia rede. Trata-se

do bloqueioe~tre ~,,;ut?~cle~'; meI)Sa9"me apropria

mensagem19

• Em u r n sIstema de comUJ:lica~~~, ~ nOrrteea

obra saoidenticos.o nome de Warhol n.ao eumn~me que

assina uma ou divers as obras: e 1.l1I1aob~a, 0 resultadode

urn circuito de produ<;aode nuiltiplas entradas (como 'fri-

ARTE CONTEMPORA.NEA: UMA INTRODU<;AO

id . e' e urn nome generico para qualquer refrigerador na.gtrur ~.

Fran<;a). Nesse objetivo, 0signoWarholmarca uma sene de

produ<;;6es em rede: pinturas, filmes, fotografias, exposi<;6~s,

textos, "0 autorWarhol identifica-se com a rede que faz CIT-cula:r os produtos Warhol./I

Como os astros que sao produtode uma cadeia de rea-

l izacoes cinematograficas e avalizam essas realizacoes com

suas presencescelebres, a obra de Warhol esta numa rela<;a~

de destaque diante do sistema de producao, que a coloca a

fr te Ou se quisermos, e como ele mesmo faz questao,en. r ..

Warhol produz a si como sua propria obra, como seu pro-

prio astro (pois nao existe astro desconhecido, assim como

nao existem 'marcas; desconhecidas). Urn astro e , em sua

personalidade visfvel, impessoal como um objeto. Ele nao

envelhece ("Memorex impede as estrelas de envelhecer").

Pertence a rede antes de pertencer asi mesmo, e se multi-

plica .identicamente.

o paradoxo - eo bloqueio proprio do.eIIl~!~C3J:l!eVva- .

rhol= e 0fato de ele ser ao mesrriO temp()oproduf6rde nma=:'

imagemde astro, a qual se dedicaa fazer Circularpelasc~-L

deias de comunicacao, e 0astro emsi, que ele produz como .

obra e que e simplesmente ele mesmo.O objetoque apresen-

ta - a lata, a garrafa ou 0 astro -traz sua rrtarca,e WarhoPo.

115

. 20 "0objeto nao passadosuportedo I1ome,pr~paga<;ao compulsiva

de umaass inatura" (Luc:l,ang_ 'TreI1teWarhol valent mieux qu'un', Artstu-

16-

Page 17: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 17/19

116 ANNE CAUQUELIN

Assim, a separacao existente entre 0nome que designa

um autor singular e a assinatura que promove esse nome

como signo, valendo como nome, encontra-se aqui esmae-

cida. Nome, assinatura e obra se veern confundidos. Nesse

caso diferentemente de Duchamp, que protegia seu nome

ao de uma

assinatura disfarcada, preservando assim seu carater reser-

vado, discreto, secreto.

Outro nivel do paradoxo: 0no formado pela impessoa-

lidade exibida por meio do r e-m ad e - nao ha engenho, nao

ha toque pessoal, nemtransformacao do objeto mostrado,

ele e reproduzido tal como e - e a hiperpersonalizacao do

nome-assinatura. Ademais, e esse nome-assinatura que sera

idolatrado pelos adolescentes", como 0 de urn astro cuja fi-

gura aparecera estampada nos jeans, nos bones, nas camise-

tas, e cujos posteres serao pregados em paredes - p in -u p - , e

nao os objetos mostrados.

A interpretacao sociologica que consiste ern explicar 0su-

cesso deWarhol junto ao publico jovem norte-americano pela

apresentacao de objetos do cotidiano, geralmente deixados de

lade pelos artistas 'artesaos'rnao da conta da especificidade do

efeito Warhol, urna vez que os outros artistas da pop art que

trabalhavam os mesmos temas estao longe de ter conhecido

a mesma sorte. E preciso deixarbem claro que a diferenca se

deve a exploracao por Warhol da redee de seus prindpios.

21. Em 1965, uma horda enlouquecida de adolescentes invadiu a ex-

posicao no Inst itute of Contemporary Art of Philadelphia. Foi preciso ret i-rar os quadros. .

7-

ARTE CONTEMPOR.ANEA: UMA INTRODU<;AO117

3. A arte dosneg6cios

Comecei minha carreira como artista comercial e quero

termina-la como 'business-artist' (...) Eu queria ser urn ho-

mem de neg6cios da arte ou urn. artista-homem de neg6cios

arte

bons neg6cios e a melhor das Artes".

Essa declaracao de Warhol. deu 0que falar. Pode pare-

cer provocativa, e e, mas provavelmente nao pelas razoes

que em gerallhe atribuem. Seria provocativa para urn autor

inserido na tradicao ideol6gica do artista, produzindo afas-

tado do mundo uma obra genial, consciente de um valor

unico e incomparavel. Mas, como vimos, essa exigencia de

pureza, essa recusa do comercio e da arte comercial desa-pareceram com 0 abandono da estetica. Com seu aspecto

anticomercial, as vanguardas cederam lugar aos artistas ab-

solutamente deterrninados a se tomar ricos e c~lebres e a

fazer usa, para isso. de todos os trunfos mundanos. Se um

deles nao alcanca, como Warhol, seu objetivo determinado,

e talvez por nao possuir 0dominio do processo.

A) Uma emp re sa : F a cto ry

/IN 0mundo dos neg6cios, nao e 0tarnanho que conta,

eo tamanho que voce dese ja t er ."

Para se tomar rico e celebre, para ter 0tamanho que voce

deseja, e preciso frequenter celebridades, e, melhor ainda,

22..Andy Warhol, The ph il os oph y o f A nd y Warho l (Harcourt, 1977), p. 92.

Page 18: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 18/19

ANNE CAUQUELIN18

fabrica-las, tornar-se 0 centro da vida in . Foi 0 que se tornou

a Factory 23. Ela chegou ao tamanho que Warhol queria. De

1963 a 1965, la se encontravam todas as especies de subcul-

turas, a contracultura, 0 pop, superstars, todo 0 je t se t e as es-

trelas fabric ad as pela Factory. Em 1968, antes do atentado de

que foi vitima, Warhol tinha aurnentado seu publico, a Factory

tornara-se urna inst ituicao. Warhol podia entao realizar a se-

gunda parte de sua proposicao: tornar-se urn homem de ne-

gociosde arte.

Lembrerno-nos: a arte para Duchamp naotinhamai. . mrus

conteiido intencional, ela so existia em relacao ao local onde

~~tava sendo exibida a obra, esta por si so urn objeto banal,

Ja presente no mundo, ja fabricado. A intervencao do artistaconsistia em exibi-Ia - primeirodeslocamento - e em assi-

na -Ia :acrescentando' alguma coisa - segundo deslocamento.

De posse dessa definicao minima, Warhol tambem .. . .. '. . . . . . . vru

mostrarobjetoscomuns nao em sua materialidadeem tres

.dimens5es, masreproduzidos (serigrafias, fotografias) sem

nenhuma irlterven<;;ao~es,u~ p?:rtepar-Cl .d.eslocar- ou poeti__ ..

zar 0 motivo. A unica a<;;aopela qual entao seu trabalho se"

define consiste ern tomar publica essa.exposicao, torna-la

de algurna maneira obsedante, im~vitavel .Ma~ esse 'tomar

.publico' e impensavel fora de lli I1a rede decomunicacao cujo

processo e preciso dominar, e esse processo pertence, em sua

.........':JJa.se,.:§,:E:!sfE:!1:'C3.:do.omerGio;·dos.:'negociost;",,:,:·::i::··' ""':"::;.

ARTE CONTEMPORA.NEA: UMA INTRODU<;AO119

B) Uma 'd efin ifa o: a a rte e neg6cio

Eis portanto a arte situada e definida pelo mundo dos

negocios: espa<;;osempre em extensao. ondeo jogo consis-

te ern tomar crivel a publicidade, ern fidelizar a clientela,ern estabelecer 0 valor do que lhe e proposto. Urn jogo de

ilus5esou verdadeiramente 0 objeto e 0 que se quer que

seja. 0mesmo corn a arte: uma ilusao credibilizada, ou seja,

que atrai 0 credito e que vive desse credito. Transforrrlemos

a primeira formula tomando 'contar' ao pe .da letra e tere-

mos entao: "Nao e 0 valor do objeto que conta, e 0 valorque

voce deseja que ele tenha". Nao somente 0 objeto de Arte

nao e diferente de qualquer outro que ele reproduz, como

rambem segue as mesmas leis de propaga<;;ao e de procla-

macae do valor.

Nesse momento, 0 artista e aquele que leva adiante 0

procef35.0cl..eSSC3_ropaga<;;ao. Ele e 'artistade neg6cios', pois, . . ,," . _ " . , . u " • . . "_ :""-< ' •. ' _ ' .'~ . . , .. _ .' ' ,' , . . '. - . ' - , _ ., - , ., , . _. d . , __ ' " _ : " ' . c , . , _ , , : ." _ .. " _ " " : , : - • . . . ; ' : " " " 0 , .

osnegocios sao de arte e.por outro lado, aarte e uma ques-

tao de negocios._ .- :: '. ,; '; , _ . ." C •. .. ' '' .' - . .• • ~ -- ' - . • . . . -. -. ,.

OriegociO e garantido'pelo Nome;' que·se .autoprocla~

rna, pela ubiqilidade (intemacionaliza<;;ao) go proguto,pelo

tamanho d~ empresa edesuas mllitiplas filiais, pelos papeis.

desempenhados sirnultaneamente pelosagentee da empre-

sa. Sao esses elementos que tomam verossimil, ern outras pa-

Page 19: CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

8/4/2019 CAUQUELIN Arte Contemporanea (CAP 1 E 2)

http://slidepdf.com/reader/full/cauquelin-arte-contemporanea-cap-1-e-2 19/19

. ; i j~II,

120

4. 0 transformador Warhol

Tomar crfvel uma ilusao nao tern sido a grande questao

da arte desde a Antiguidade? Mas essa busca da ilusao nao e

exercida da mesma maneira nem a respeito dos mesmosob-

ou 0processo como

o da luz ou da construcao do visivel, coloca 0artista ern urna

situacao de ter de responder a urn destino imposto de fora.

'Irata-se agora de construir esse destino, comandando e ge-

rindo ele mesmo a empresa ilusoria.

A definicao de arte como neg6cio e do artista como

homem de neg6cios da arte e urna proposicao terrninante,

que da seguimento as proposicoes de Duchamp. Ela nao

parece cinica a nao ser aos olhos daqueles para quem a arte

tern ainda algurna coisa a ver corn a estetica: 0gosto, 0bela e

o iinico. De fato, ela e nao so coerente corn 0Warhol's system

(0 sistema de Warhol), comas proposicoes da pop art, da arte

conceitual e do minimalismo, como portadora de uma des-

mistificacao fundamental na qual residem justamente os en-

cantos da arte contemporanea, orient ada segundo os prin-

cipios da comunicacao.

o percurso sonhado por Andy Warhol-:- passar do status

de artista comercial ao de artista de neg6cios - esta comple-

to. No caminho, fechou-se tambem a definicao de arte con-

temporanea - fora da subjetividade, fora da expressividade -

na qualidade de sistema de signos circulando dentro de redes.

Defini<;ao estrita, quase insuportavel ern seu rigor.

- 9-

ARTECON fEMP oRA .NEA : UMA INTRODU< ;AO121

A essesdois 'embreantes que sao Duchamp e Warhol

convem acrescentar'urn terceiro elemento de transforrna<;ao:

Leo Castelli, agente.

Figura emblematica do mercado intemacional, como 0

chama Moulin24, 0 galerista-marchand Leo Castelli se deu

conta, comoWarhol, do partido a tirar das redes de comuni-

ca<;ao.Muito cede, ao longo dos anos 1960, desempenhou

o papel de lider de outras galerias, participou diretamente

da constru<_;;aode artist as reconhecidos, lancou artistas da

pop art, da arte conceitual e do minirnalismo.Os artistas que ele apoiou foram Robert Rauschenberg,

Jaspers Johns, Frank Stella, Warhol, Lichtenstein. 0 sucesso

de sua galeria se deve a explora<_;;aoos seguintes prindpios:

A) A i nf ormar ;; ao

E a pedra angular do sucesso. Manter-se inforrnado so-

bre.o que se passa no meio da arte, nao somente nos Estados

Unidos mas tambem na Europa. Castelli fala seis idiomas,

rnarttern contatos corn museus europeus, marchands e cole-

cionadores dos Estados Unidos e do Canada. Esses contatos

24. Raymonde Moulin, 'Le marche et le m,: ,"see, l a c?ns~tution des

valeurs artistiques contemporaines', Revue Frant;alSe d e S o cw l og ze, XXVII-3

(1986).