Upload
phunghuong
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
CCooggnniittiioo JJuurriiss RReevviissttaa JJuurrííddiiccaa
Ano IV - Número 10 - Junho 2014 Imagem: Theatro Santa Roza - João Pessoa - Brasil
www.cognitiojuris.com
2 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 3
CCooggnniittiioo JJuurriiss
wwwwww..ccooggnniittiioojjuurriiss..ccoomm
4 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 5
CCooggnniittiioo JJuurriiss RReevviissttaa JJuurrííddiiccaa
Ano IV - Número 10 - Junho 2014
wwwwww..ccooggnniittiioojjuurriiss..ccoomm
6 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
© 2014 by Cognitio Juris – Revista Científica Jurídica © 2014 by Markus Samuel Leite Norat
Ano IV - Número 10 - Junho 2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Cognitio Juris – Revista Científica Jurídica Cognitio Juris / Markus Samuel Leite Norat. João Pessoa: Ano
IV, Número 10, junho 2014. Semestral. 448 p. 1. Direito I. Cognitio Juris.
CDU-34 (05)
ISSN 2236-3009
Índice para catálogo sistemático: 1. Direito 34 (05)
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É proibida a reprodução desta obra, por qualquer forma ou qualquer meio, sem a devida autorização do Conselho Editorial da Cognitio Juris. A violação dos direitos autorais é crime tipificado na Lei n. 9.610/98 e artigo 184 do Código Penal. A Revista Cognitio Juris não se responsabiliza pelos ideários, conceitos, apreciações, julgamentos, opiniões e considerações lançados nos
textos dos artigos. Os textos são de inteira e exclusiva responsabilidade de seus autores.
CCooggnniittiioo JJuurriiss www.cognitiojuris.com
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 7
SSUUMMÁÁRRIIOO
Sobre a Revista. ............................................................................ 15
Conselho Científico ....................................................................... 17
Diretrizes ....................................................................................... 33
Enviar Artigos............................................................................... 34
Apresentação................................................................................. 35
A IMPORTÂNCIA DA HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA E
TRIBUTÁRIA PARA O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DO
MERCOSUL
José Antonio Coêlho Cavalcanti e Petronio Bismarck Tenorio Barros ................................................. 37
UMA ANÁLISE SOBRE A EFETIVA TUTELA DOS DIREITOS
DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO EM FACE DO
ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL
Juliana de Andrade Fauth ............................................................... 58
HERMENÊUTICA E JUSTIFICAÇÃO JURÍDICA: REFLEXÕES
SOBRE A (IN)APLICABILIDADE DOS POSTULADOS DE
ROBERT ALEXY NA MODA DE UNIFORMIZAÇÃO DE
JULGADOS
Márcio Ricardo Staffen ................................................................... 87
MEDIDAS PROTETIVAS: A DEFESA DO ANIMAL
DOMÉSTICO
Juliana de Andrade Fauth ............................................................... 121
DA (IM)POSSIBILIDADE DE UNIFICAÇÃO DAS POLÍCIAS
ESTADUAIS FRENTE À EFICÁCIA NA PROMOÇÃO DA
SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL Aldemar Alves Pereira Neto ............................................................ 142
8 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
AUXÍLIO-RECLUSÃO: REFLEXÕES Simone Seghese de Toledo .............................................................. 165
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DOS ANIMAIS
Daiane Fernandes Baratela ............................................................ 181
TEXTO, NORMA E DECISÃO: PORQUE NÃO SE PODE
“FALAR QUALQUER COISA SOBRE QUALQUER COISA” Felipe Augusto Fonseca Vianna ...................................................... 201
ATIVISMO JUDICIAL E PRECEDENTES JUDICIAIS:
TÉCNICAS DO COMMON LAW
Fernando Cristian Marques ............................................................ 245
ANAIS DO CICLO DE PALESTRAS E DEBATES JURÍDICOS -
DIREITO E DESENVOLVIMENTO DO UNIPÊ - 2013.1 Programação dos Anais - 2013.1 ......................................................... 256
Apresentação dos Anais - 2013.1 ........................................................ 259
A VERDADE JURÍDICA SOBRE A SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
PALESTRA: Márcio Alexandre Diniz Cabral ..................................... 261
DEBATE: André Gustavo de Sena Xavier ........................................... 264
INTERSEXUALIDADE E O DIREITO AO LIVRE
DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE
PALESTRA: Helanne Barreto Varela Gonçalves ................................ 266
JURISDIÇÃO E ARBITRAGEM: QUESTÕES POLÊMICAS
PALESTRA: Sérgio Cabral dos Reis ................................................... 269
DEBATE: Alexandre Targino Gomes Falcão...................................... 273
ABUSO SEXUAL OU ALIENAÇÃO PARENTAL: ASPECTOS
PSICOLÓGICOS NOS RELATOS DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NA PRODUÇÃO DE PROVAS
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 9
PALESTRA: Wânia Cláudia Gomes Di Lorenzo Lima ........................ 275
PODER JUDICIÁRIO SUSTENTÁVEL: UM NOVO PARADIGMA DE
JUSTIÇA
PALESTRA: Monica Lucia Cavalcanti de Albuquerque Duarte Mariz-
Nóbrega e Sulamita Escarião Nóbrega ............................................... 279
O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA INVESTIGAÇÃO
CRIMINAL
PALESTRA: Guilherme Costa Câmara ............................................... 283
A SEDUÇÃO DO DISCURSO: O PODER DA LINGUAGEM NO
DIREITO
PALESTRA: Alessandra de Carvalho Barbosa ................................... 285
DEBATE: Márcia Amélia de Oliveira Bicalho .................................... 287
DEPOIMENTO DE CRIANÇA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL
PALESTRA: Wânia Cláudia Gomes Di Lorenzo Lima ........................ 289
PREVIDÊNCIA SOCIAL: ASPECTOS CONTROVERTIDOS
PALESTRA: José Antonio Coêlho Cavalcanti ..................................... 292
PROCEDIMENTOS PRELIMINARES PARA A ELABORAÇÃO DO
TCC
PALESTRA: Maria do Socorro de Lucena Gomes .............................. 295
VÍCIO REDIBITÓRIO: NO CÓDIGO CIVIL E NO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR
PALESTRA: Anrafel de Medeiros Lustosa .......................................... 297
DEBATE: Felipe Viana de Mello ........................................................ 299
DITADURA MILITAR E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL
PALESTRA: Iranice Gonçalves Muniz ................................................ 303
DEBATE: Ulisses Leite Crispim .......................................................... 305
10 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
ANAIS DO CICLO DE PALESTRAS E DEBATES JURÍDICOS -
DIREITO E DESENVOLVIMENTO DO UNIPÊ - 2013.2
Programação dos Anais - 2013.2 ......................................................... 309
Apresentação dos Anais - 2013.2 ........................................................ 313
IUSTAE NUPTIAE: DIREITO ROMANO E DIREITO CIVIL
BRASILEIRO
PALESTRA: Severino Augusto dos Santos .......................................... 315
TEORIA TRIDIMENSIONAL DO DIREITO: CONSIDERAÇÕES A
PARTIR DA TEORIA FUNCIONALISTA DOS VALORES
PALESTRA: Valdiney V. Gouveia ....................................................... 317
HOMOAFETIVIDADE E DIREITOS HUMANOS
PALESTRA: Patrícia Formiga Maciel Alves ....................................... 323
DEBATE: Ulisses Leite Crispim .......................................................... 324
DEBATE: André Gustavo de Sena Xavier ........................................... 326
A IMPORTÂNCIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS NA JUSTIÇA
ELEITORAL
PALESTRA: Renato César Carneiro ................................................... 327
DEBATE: Ulisses Leite Crispim .......................................................... 328
CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
PALESTRA: Otto Rodrigo Melo Cruz ................................................. 331
DEBATE: André Gustavo de Sena Xavier ........................................... 333
REVELANDO OS SEGREDOS DA MONOGRAFIA JURÍDICA
PALESTRA: Maria do Socorro de Lucena Gomes .............................. 334
MEDIDAS COMPULSÓRIAS EM DEPENDENTES QUÍMICOS:
CONFRONTO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E AS
INTERVENÇÕES PSICOSSOCIAIS
PALESTRA: Wânia Cláudia Gomes Di Lorenzo Lima ........................ 336
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 11
AS RECENTES TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO PENAL
CONTEMPORÂNEO
PALESTRA: Lara Sanábria Viana ...................................................... 340
DEBATE: Ulisses Leite Crispim .......................................................... 345
CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
PALESTRA: Waleska Bezerra de C. Vasconcelos ............................... 349
DEBATE: André Gustavo de Sena Xavier ........................................... 352
A NOVA PESSOA JURÍDICA: EMPRESA INDIVIDUAL DE
RESPONSABILIDADE LIMITADA – EIRELI
PALESTRA: Helena Delgado Ramos Fialho Moreira ........................ 353
VÍCIO DE INEFICIÊNCIA AMBIENTAL NO DIREITO DO
CONSUMIDOR
PALESTRA: Alfredo Rangel Ribeiro ................................................... 355
ELEMENTOS ECONÔMICOS RELEVANTES PARA O DIREITO
PALESTRA: Ailton Menezes Cunha Junior ......................................... 357
O EXECUTIVO LEGISLADOR: CONTROVÉRSIAS SOBRE AS
MEDIDAS PROVISÓRIAS
PALESTRA: Glauber de Lucena Cordeiro .......................................... 359
A CONTEMPORANEIDADE DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
PALESTRA: Waleska Bezerra de C. Vasconcelos ............................... 362
TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS E O
CONTROLE JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE NO
DIREITO BRASILEIRO
PALESTRA: Taciana Meira Barreto ................................................... 366
ATIVISMO JUDICIAL VS. JUDICIAL SELF-RESTRAINT: O PAPEL
DO JUIZCONSTITUCIONAL ENTRE A CRIATIVIDADE E O
PASSIVISMO
PALESTRA: Adolpho José Ribeiro ...................................................... 369
12 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
ANAIS DO CICLO DE PALESTRAS E DEBATES JURÍDICOS -
DIREITO E DESENVOLVIMENTO DO UNIPÊ - 2014.1 Programação dos Anais – 2014.1 ........................................................ 372
Apresentação dos Anais – 2014.1 ........................................................ 376
MONOGRAFIA: IMPASSES E DIFICULDADES NA ABORDAGEM
DO FENÔMENO JURÍDICO
PALESTRA: Maria do Socorro de Lucena Gomes .............................. 378
ATUALIDADES DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
PALESTRA: José Antonio coelho Cavalcanti...................................... 380
LICITAÇÃO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
PALESTRA: Roberto Mizuki Dias dos Santos ..................................... 383
DEBATE: Sandra Maria Galdino Padilha .......................................... 386
CASOS E CASUÍSMOS ELEITORAIS NO REGIME MILITAR
(1964/1985)
PALESTRA: Renato César Carneiro ................................................... 387
DEBATE: Ulisses Leite Crispim .......................................................... 389
IMPUTABILIDADE DE MENORES, UMA ANÁLISE PENAL
PALESTRA: Maria Ivonete Vale Nitão ............................................... 392
O DIREITO ROMANO E A CODIFICAÇÃO CÍVIL BRASILEIRA
PALESTRA: Severino Augusto dos Santos .......................................... 396
PROCESSO CONSTITUCIONAL: A EFETIVIDADE DOS
REMÉDIOS CONSTITUCIONAIS
PALESTRA: Bruno Bastos de Oliveira ................................................ 398
SEGURANÇA PÚBLICA, MÍDIA E VIOLÊNCIA URBANA
PALESTRA: Arthur Heinstein Apolinário Souto ................................. 400
DEBATE: Petronio Bismarck Tenorio Barros .................................... 403
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 13
ASPECTOS REGULATÓRIOS DA POLÍTICA ENERGÉTICA
NACIONAL
PALESTRA: Julian Nogueira de Queiroz ............................................ 405
DEBATE: José Orlando de Farias ...................................................... 408
DEBATE: Petronio Bismarck Tenorio Barros .................................... 410
INQUÉRITO POLICIAL
PALESTRA: Cláudio Marcos Romero Lameirão ................................ 412
DEBATE: Cristina Maria Costa Garcez ............................................. 416
ABUSOS, ENGANOSIDADES, PUBLICIDADES E O DIREITO DO
CONSUMIDOR
PALESTRA: Markus Samuel Leite Norat ............................................ 418
ÉTICA E JUSTIÇA: NOVO PARADIGMA
PALESTRA: Alessandra de Carvalho Barbosa ................................... 434
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA E OS DIREITOS DOS
CONTRIBUINTES
PALESTRA: Glauber de Lucena Cordeiro .......................................... 436
PODER DE TRIBUTAR NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
PALESTRA: Francisco Leite Duarte ................................................... 438
DEBATE: André Gustavo de Sena Xavier ........................................... 441
DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE: PORTAL PARA O
FUTURO
PALESTRA: Francisco Freire de Figueiredo Filho ............................ 442
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 201
TEXTO, NORMA E DECISÃO: PORQUE NÃO SE PODE
“FALAR QUALQUER COISA SOBRE QUALQUER COISA”
Felipe Augusto Fonseca Vianna102
Sumário: 1 Introdução. 2 Texto e Norma nos Positivismos Exegético e Normativista. 3 Texto e Norma no “Neoconstitucionalismo”. 4
Texto e Norma em Terrae Brasilis. 4.1 Decido Conforme Minha
Consciência? Uma Ode Velada Travestida de Réquiem ao Positivismo Normativista. 4.2 A Existência de Interpretações Jurídicas Corretas e
Incorretas: Não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”. 5
Exemplos de Decisões Judiciais que Ignoram o Texto: Decisionismo constitucionalmente inadequado e antidemocrático. 6 Conclusão.
Referências.
Resumo: Este artigo trata da relação entre texto, norma e decisão. Nessa linha, indaga-se se, ao decidir o caso concreto, pode o julgador
ignorar o texto do comando jurídico (Constituição, Código, leis, etc.)
e decidir da forma que lhe pareça mais correta, criando nova norma. Palavras-chave: Texto. Norma. Decisão judicial. Hermenêutica
jurídica. Decisionismo.
102Mestrando em Criminal Justice pela California Coast University . Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP . Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Agente Técnico Jurídico do Ministério Público do Estado do Amazonas, lotado na 60ª Promotoria de Justiça Especializada no Controle Externo da Atividade Policial –
PROCEAP. Ex-Advogado. Professor das Escolas “Atualizar Saúde” e “Protetiva Saúde”. Autor dos artigos "'Princípio da irrelevância penal do fato', princípio da insignificância e crimes bagatelares: distinção necessária ou criação inoportuna?" (In: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 14, p. 214-259, 2013); "Normas de Direitos Fundamentais: regras, princípios e proporcionalidade." (In: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 13, p. 217-246, 2012) e "O Direito Fundamental à Liberdade de Consciência e a Impossibilidade de Imposição de Valores Morais pelo Estado através de Normas Penais." (In: Revista
Jurídica do Ministério Público do Estado do Amazonas, v. 12, p. 157-179, 2011).
202 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
Abstract: This paper deals with the relationship between text, norm
and decision. Along this line, it asks if when deciding the case the judge can ignore the text of the legal command (Constitution, Code,
laws, etc.) and decide in the way that seems most correct to him,
creating a new norm.
Keywords: Text. Norm. Judicial decision. Legal hermeneutics. Decisionism.
1 Introdução “Wort und Ding lagen eng aufeinander; die gleiche
Körperwärme bei Ding und Wort”103
, dizia o poema de Hilde Domin.
Se é certo que palavra e coisa, no início, estavam juntas, hoje parece que elas se separaram para nunca mais se encontrar.
Desde que os hermeneutas jurídicos, acolhendo – ao menos
em parte – o giro linguístico ocorrido na filosofia, passou a diferenciar
texto e norma, grande parte da doutrina e do judiciário, sob o pretexto de superação das antigas formas do positivismo (exegético e
normativista), passou a solenemente ignorar os textos insertos em
comandos legais para simplesmente tomar as decisões que melhor lhe aprouvessem, ainda que manifestamente contrárias ao texto
constitucional ou legal.
Ao se explicar a relação entre texto e norma nos positivismos exegético e normativista e no denominado “neoconstitucionalismo”, a
existência de interpretações jurídicas corretas e incorretas e trazer a
baila exemplos de decisões judiciais que desrespeitam os textos
jurídicos, justificar-se-á a imprescindibilidade do respeito à “letra da lei” sempre que esta se demonstrar compatível com a Constituição,
sob pena de se regressar aos inconstitucionais e antidemocráticos
decisionismos que os positivismos deixaram de legado. Ao final, cumpre dizer que o presente artigo faz uma revisão
de literatura com base no método de abordagem dedutivo, utiliza
como técnica de coleta de dados a pesquisa bibliográfica a partir de
103Tradução livre: “Palavra e coisa jaziam juntas; tinham a mesma temperatura, a
coisa e a palavra.”.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 203
documentos como livros, manuais, códigos e periódicos, que,
proporcionando um novo enfoque sobre o tema, serviram de base para as conclusões do autor.
2 Texto e Norma nos Positivismos Exegético e Normativista
A fim de se entender o atual estado da relação entre texto e norma, é necessário, primeiramente, a análise de como tais institutos
se relacionavam nos modelos positivistas, até mesmo porque o atual
estado desta relação surgiu como tentativa de superar o antigo modelo positivista de Direito, como será demonstrado adiante.
É muito comum, atualmente, ouvirem-se críticas ao
positivismo no sentido de ser ele o modelo de direito que pregava a “aplicação da literalidade da lei”. Basta alguém defender a aplicação
da “letra da lei” para ser considerado um “positivista”. Haveria, assim,
dois modelos de juízes: os juízes “boca da lei” – que se ateriam às
palavras do texto legal – e os “juízes dos princípios” – aqueles que “vão além” do texto legal, que é apenas a “ponta do iceberg”,
descobrindo os “valores ocultos” do texto. Aquele seria o juiz do
passado; este seria o modelo atual de juiz. Contudo, isso parte de uma leitura totalmente equivocada do
que foram os modelos positivistas. O positivismo é uma postura
científica que se solidifica de maneira decisiva no século XIX. O “positivo” a que se refere o termo positivismo é entendido aqui como
os fatos, os quais, por sua vez, correspondem a uma determinada
interpretação da realidade que engloba apenas aquilo que se pode
contar, medir ou pesar ou, no limite, algo que se possa definir por meio de um experimento (STRECK, 2010, p. 160).
No Direito, essa capacidade de mensuração será encontrada,
primeiramente, nos Códigos.
Isso que se chama de exegetismo tem sua origem aí: havia um
texto específico em torno do qual giravam os mais sofisticados
estudos sobre o direito. Este texto era – no período pré-
codificação – o Corpus Juris Civilis. A codificação efetua a
seguinte “marcha”: antes dos códigos, havia uma espécie de
função complementar atribuída ao Direito Romano. A ideia era
204 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
simples, aquilo que não poderia ser resolvido pelo Direito
Comum, seria resolvido segundo critérios oriundos da
autoridade dos estudos sobre o Direito Romano – dos
comentadores ou glosadores. O movimento codificador
incorpora, de alguma forma, todas as discussões romanísticas e
acaba “criando” um novo dado: os Códigos Civis (França, 1804 e Alemanha, 1900). (STRECK, 2010, p. 160)
A partir da criação de tais códigos, eles se transformam nos
dados positivos com os quais deveria se ocupar a ciência jurídica. Não obstante, desde logo surgem também os problemas relativos à
interpretação desses textos, que por óbvio não são capazes de abarcar
toda a realidade social. Como, então, controlar a interpretação, a fim
de que elas não desvirtuem os textos legais? A Escola da Exegese, na França, e a Jurisprudência dos
Conceitos, na Alemanha, são as primeiras tentativas de se responder a
essas questões, criando os modelos que podemos chamar de Positivismo Exegético (ou Legalista). A principal característica desses
modelos foi a realização de uma análise “sintática”. Neste caso, a
simples determinação rigorosa da conexão lógica dos signos
linguísticos que compõem os Códigos seria o suficiente para resolver o problema da interpretação do direito. A analogia e princípios gerais
do direito preencheriam as hipóteses excepcionais de inadequação dos
fatos aos textos legais. As críticas feitas por grande parte da doutrina e academia ao
positivismo – no sentido de apego irrestrito à “literalidade da lei” –,
pois, se aplica a esse primeiro momento do positivismo. Entretanto, o positivismo não se encerra nesse primeiro
momento, pois o crescimento do poder regulatório do Estado nas
primeiras décadas do século XX demonstra que os modelos de
interpretação então vigente não eram capazes de se sustentar: o problema dos “conceitos indeterminados” se torna ponto fulcral.
Assim, aparecem propostas de aperfeiçoamento do “rigor” lógico do
trabalho científico proposto pelo positivismo. É o segundo momento do positivismo, que podemos chamar de “positivismo normativista”.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 205
Este era o cenário vigente no qual surgiu Hans Kelsen, com
sua Teoria Pura do Direito (1998, passim). Ou seja, há aproximadamente um século atrás, Kelsen já havia superado o
positivismo exegético que hoje nossa doutrina alardeia o rechaço com
tanto fervor. Dizer que o juiz não é mais a “boca da lei”, que os textos
legais não abarcam todas as situações em suas regras, etc., é de uma obviedade tamanha que sequer deveria ser repetido. O que não pode
acontecer é, como diz Lenio Streck, a doutrina pátria se contentar com
tão pouco: limitar-se a superar as velhas formas de exegetismo. Deve falar – e criticar – não do velho exegetismo, que já havia dado sinais
de cansaço no início do século passado, e sim do positivismo
normativista que se desenvolveu no século XX e o legado que ele deixou ao Direito (2010a, p. 18 e 20).
Isto porque, se Kelsen superou o modelo positivista exegético,
ele não destruiu a tradição positivista até então construída: seu
principal objetivo foi reforçar o método analítico proposto pelos conceitualistas, de modo a refutar o crescente desfalecimento do rigor
jurídico propagado pela Jurisprudência dos Interesses e a Escola do
Direito Livre, que favoreciam o aparecimento de argumentos psicológicos, políticos e ideológicos na interpretação do direito
(STRECK, 2010, p. 161; Idem, 2010a, p. 19).
Contudo, Kelsen se aproxima de seus contendores em um aspecto: a interpretação do Direito, para o mestre de Viena, é eivada
de subjetivismos provenientes de uma razão prática solipsista. Kelsen
chega mesmo a dizer, no famigerado Capítulo VIII de sua Teoria Pura
do Direito, que o ato de aplicar o Direito era relativamente indeterminado e que a norma jurídica seria como uma moldura dentro
da qual há várias possibilidades de aplicação; dentro de tal moldura, o
juiz era livre para escolher o sentido da norma que melhor entendesse se aplicar ao caso, pois a aplicação do direito era um ato de vontade
(1998, p. 245 e ss.)104
. Ou seja, Kelsen já havia superado o positivismo
exegético, mas abandonou o principal problema do direito: a
104Vê-se, pois, que não obstante passado quase um século da Teoria Pura de Kelsen, ainda hoje grande parte de nossos juristas pensa que, para ele, o juiz deveria fazer
uma “interpretação pura da letra da lei”.
206 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
interpretação concreta, no nível da “aplicação” (STRECK, 2010, p.
161; Idem, 2010a, p. 20). O positivismo normativista atingiu seu ápice de sofisticação
teórica, muito provavelmente, com Herbert Lionel Adolphus Hart,
professor de Filosofia na Universidade de Oxford. Resumidamente,
para Hart, existem áreas de conduta não completamente abarcadas pelo conteúdo de uma regra, a qual ele chama de “zona de penumbra”
(1985, p. 64). Nesses casos, os tribunais exerceriam a função de
encontrar uma solução para o caso concreto, à luz das circunstâncias que lhes são apresentadas; ou seja, nos casos não regulados pelo
direito ou, ainda, regulados de forma insatisfatória, os Tribunais estão
legitimados a exercer uma função criadora do direito (1994, p. 148-149)
105. Sempre, pois, que existente a “zona de penumbra”, habitada
por uma importante área de vagueza (vagueness), “...judges must
necessarily legislate” (HART, 1985, p. 65)106
.
Verifica-se, pois, que os modelos positivistas eram, todos, um sistema puro de regras, onde não havia espaço para princípios. As
regras deveriam resolver todos os casos de forma subsuntiva-dedutiva.
Este é o calcanhar de Aquiles das posturas positivistas: face às
insuficiências/limitações das regras, face aos casos difíceis,
face à pluralidade de regras ou sentidos da(s) regra(s), o
positivismo permite que o juiz faça a “melhor escolha”. O
direito é, assim, apenas a moldura na qual serão subsumidos os
105Portanto, difere de Kelsen, eis que esse propõe a existência de uma “moldura” pré-determinada, delimitando de forma prévia o campo de interpretação da norma jurídica a partir dos conteúdos semânticos, enquanto aquele reconhece que a “liberdade de criar o direito novo está limitada pelo direito preexistente” (HART, H.
L. A. O Conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 2 ed. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1994, p. 174), ou seja, às pautas de comportamento já existentes no ordenamento jurídico como um todo. 106É nesse quadro que caminha o art. 4º da LINDB e o art. 126 do CPC, ao ordenar que o juiz recorra aos vetustos “princípios gerais de direito” para resolver “casos difíceis” (não previstos pelas regras), a reforçar o caráter discricionário dos juízes. Sobre o tema, cf., por todos, STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006,
p. 149 e ss.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 207
“fatos” [...]. Significa dizer que, trabalhando com a ideia de
sistema sem lacunas, a própria previsão da “correção” e da
“colmatação” das insuficiências do ordenamento faz parte do
próprio ordenamento jurídico. Desse modo, remete-se ao
próprio direito a correção do direito... (STRECK, 2006, p. 143,
grifos do original)
Esse quadro somente viria a mudar no fim da década de 1970,
com a obra de um dos maiores jusfilósofos já conhecidos.
3 Texto e Norma no “Neoconstitucionalismo”
Foi Ronald Myles Dworkin, com sua obra Talking Rights
Seriously (1978, passim), quem primeiro buscou superar o positivismo jurídico – em especial na versão analítico-semântica de H. L. A. Hart
– com seu modelo puro de regras107
.
A crítica de Ronald Dworkin a esse modelo se apoia,
essencialmente, em sua visão de que os direitos fundamentais são formulados independente e anteriormente às regras que os corporizam
(1978, p. xi). Neste quadro, a estrutura e limites do sistema jurídico
não se compõem somente de regras: compreende, ainda, um estrato de princípios, os quais possuem papel decisivo e essencial (1978, p. 22-
28). Por “princípios” devem ser entendidas todas as medidas,
independentemente de se encontrarem ou não positivadas em regras, que se apresentem como argumentos a favor dos direitos fundamentais
(1978, p. 22-28; 82-90). Dworkin entende, pois, que todas as questões
jurídicas encontram respostas dentro dos próprios princípios jurídicos,
não podendo as decisões serem tomadas com bases em argumento de economia, política ou moral
108. Dessa teoria de Ronald Dworkin
resultou o reconhecimento do princípio enquanto norma109
.
107 “Positivism, I shall argue, is a model of and for a system of rules, and its central notion of a single fundamental test for law force us to miss the important roles of these standards that are not rules.” (DWORKIN, Talking Rights Seriously, Cambridge: Harvard University Press, 1978, p. 22). 108 Dworkin também distingue entre “princípios” e “política”: “I call a ‘policy’ that kind of standard that sets outs a goal to be reached, generally an improvement in
some economic, political, or social feature of the community […]. I call a ‘principle’
208 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
Assim, diante da revolução operada por esta visão de
Dworkin, é preciso se diferenciar entre norma e texto (ou enunciado) normativo: uma norma é o significado de um texto normativo.
Como diz Cristina Queiroz: “A norma jurídica não corresponde ao
texto, antes se apresenta como o ‘resultado’ da interpretação. O que é
objecto da interpretação não é a norma, mas um texto. Daí a criação do direito pelo processo de interpretação (law as interpretation).”
(2010, p. 102). Como bem explica Humberto Ávila, norma não são
textos nem o conjunto deles, mas os “...sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos” (2005, p. 22). Assim,
a uma só disposição de direitos fundamentais podem se ligar diversas
normas de direitos fundamentais, as quais podem ser regras ou princípios
110.
4 A Existência de Interpretações Jurídicas Corretas e Incorretas:
Não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”.
4.1 Decido Conforme Minha Consciência? Uma Ode Velada
Travestida de Réquiem ao Positivismo Normativista.
a standard that is to be observed, not because it will advance or secure an economic, political, or social situation seemed desirable, but because it is a requirement of
justice or fairness or some other dimension of morality (Talking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 22, 82-84). 109 Nas palavras de Robert Alexy: “...Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas.” (Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso
da Silva. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 87). 110 Para maior aprofundamento nas diversas relações entre texto e norma, cf. ALEXY, Teoria, op. cit. 2011, p. 50-84; BOROWSKI, Martin. La restricción de los derechos fundamentales. Revista Española de Derecho Constitucional, Madrid, año 20, n. 59, p. 29-56, mayo-agosto 2000, p. 35-36; MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. Trad. Peter Naumann. 4 ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 54-67; ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4 ed. rev. 3ª tiragem. São Paulo:
Malheiros, p. 22-23.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 209
A relação entre texto e norma revelada por Ronald Dworkin
parece não ter sido bem compreendida pelos doutrinadores e julgadores de terrae brasilis.
Não parece possível sustentar, hoje, que é faculdade do
intérprete estimular as interpretações possíveis, de acordo com sua
vontade e o seu conhecimento, já que dentre as diversas opções colocadas a ele, o exegeta escolhe aquela que lhe afigurar com a mais
satisfatória, podendo valer-se, para tanto, dos recursos que estiverem
ao seu dispor (BULOS, 1997, passim); ou que a interpretação é um processo de descoberta do conteúdo da lei (NUCCI, 2012, p. 56); ou
ainda que interpretar é dar o verdadeiro significado do vocábulo
(DINIZ, 2006, p. 424); ou, por fim, que interpretar é descobrir o real sentido da regra jurídica (MELO, 2002, p. 157-158).
Tais entendimentos demonstram aquilo que é corrente no
Direito pátrio: a pretexto de “superar o velho positivismo”, de sepultar
o “juiz boca da lei”, doutrina e judiciário ecoam aquilo que foi o maior defeito – e perigo – do positivismo normativista: o estímulo ao
decisionismo, que se revela principalmente pela crença de que: (a) a
decisão é um ato de vontade; e (b) o juiz decide conforme sua consciência
111.
No que se refere à concepção de que (a) a sentença é um ato
de vontade, não é demais lembrar que esta era justamente a opinião de Kelsen (1998, p. 248 e ss.)
112. Não obstante, ainda é ela repetida por
111Lenio Streck apresenta uma pequena lista de modos pelos quais esse “paradigma da subjetividade”, que coloca a consciência ou convicção pessoal do julgador como norteador de sua atividade, adentra no cenário jurídico: “a) interpretação como ato de vontade do juiz ou no adágio ‘sentença como sentire’; b) interpretação como fruto da subjetividade judicial; c) interpretação como produto da consciência do julgador; d)
crença de que o juiz deve fazer a ‘ponderação de valores’ a partir de seus ‘valores’; e) razoabilidade e/ou proporcionalidade como ato voluntarista do julgador; f) crença de que ‘os casos difíceis se resolvem discricionariamente’; g) cisão estrutural entre regras e princípios, em que estes proporciona(ria)m uma ‘abertura de sentido’ que deverá ser preenchida e/ou produzida pelo intérprete.” (O que é isto – decido conforme minha consciência? 4 ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p. 33). 112 “...a obtenção da norma individual no processo de aplicação da lei é, na medida
em que nesse processo seja preenchida a moldura da norma geral, uma função
210 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
autores que se julgam neoconstitucionalistas113
e é frequente na
jurisprudência114
. Quanto ao alegado entendimento de que (b) o juiz decide
conforme sua consciência, as referências são múltiplas, e as artes
podem ajudar a demonstrar o estado da questão.
Em uma peça teatral chamada “O Círculo de Giz Caucasiano”, escrita em 1944 nos Estados Unidos pelo alemão Bertolt Brecht, é
contada a história de Azdak, escrivão de uma aldeia que, sem saber,
acaba salvando a vida do Grão-duque, razão pela qual é nomeado juiz. A característica principal de Azdak é que ele decide como
quer, sem respeito a qualquer norma e mesmo sem qualquer critério
ou coerência. Para decidir o destino de uma criança, traça um círculo de giz e coloca as duas mães no meio, para lutar pelo infante (daí o
nome da peça). Azdak decide como quer: por vezes, dá ganho de
causa aos pobres; por vezes, contradiz-se ao infinito. Não deve
explicações a ninguém e tampouco explica as suas decisões. Outra peça interessante para a questão é “Medida por
Medida”, escrita por volta de 1604 por William Shakespeare. Nela, o
Bardo conta que Duque Vivêncio, face ao quadro de desordem e corrupção de costumes que assolavam Viena, transfere a seu amigo
Ângelo o governo, simulando tirar um período de férias, em que
visitaria a Polônia.
voluntária [...] a produção do ato jurídico dentro da moldura da norma jurídica aplicanda é livre, isto é, realiza-se segundo a livre apreciação do órgão chamado a produzir o ato [...] na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma
escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva” (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 249). 113 Cf., por todos, CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 272 e ss. 114 “... a sentença é um ato de vontade de juiz como órgão do Estado...” (TST, EDRR 6443/89, DJU 15/02/1991); “Sentença é um ato de vontade, de inteligência,
experiência do juiz.” (TJ/DFT, ACJ 287763620038070001, DJU 28/04/2004), p.ex.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 211
Eis que, certo dia, a guarda prende o jovem Cláudio, sob a
acusação de ter fornicado com Julieta, sua namorada. Cláudio é condenado à morte por Ângelo e pede a sua irmã, Isabela, para que
interceda por ele junto ao governante. Isabela busca persuadir Ângelo,
mas ele diz que Cláudio é um transgressor da lei e que ela perderia o
seu tempo. Diz, também, que no contexto dado, a lei “não permite vicissitudes idiossincráticas”.
Isabela retorna no dia seguinte e insiste na tese. Ângelo se
mantém irredutível. Entretanto, enquanto falava, a concupiscência tomava conta de Ângelo, vendo que por debaixo das vestes de Isabela
– vestida com roupa de noviça – se escondia uma bela moça. Assim,
em um instante, Ângelo diz à Isabela que se o amasse em retorno, o irmão dela seria poupado. De escravo da lei, escravo do “que está
dado”, Ângelo se transforma em “senhor da lei”, “senhor dos
sentidos”.
Tratam-se, pois, de juízes que decidem como querem.
Decidem “conforme sua consciência”, sem qualquer respeito às
regras postas. Ainda hoje é assim que pensa a maioria dos juízes,
inclusive de tribunais superiores. Veja-se, nesse sentido, o já famoso voto do Min. Humberto Gomes de Barro:
Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for
Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade
da minha jurisdição. [...] Decido, porém, conforme minha
consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso
consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco
Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim,
porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria
de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o
pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que
se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos.
Ninguém nos dá lições. (STJ, AgReg em ERESP 279.889-AL,
DJU 11/06/2001, grifos ausentes no original)
212 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
A jurisprudência reiteradamente tem dado exemplos dessa
orientação: “o Magistrado, no exercício de sua função judicante, não
está adstrito a qualquer critério de apreciação das provas
carreadas aos autos, podendo valorá-las como sua consciência
indicar, uma vez que é soberano dos elementos probatórios
apresentados.” (STJ, HC 94826/SP, DJe 05/05/2008, grifos ausentes no original); “Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes
dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum
critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O
juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência.” (STJ,
HC 16706/RJ, DJ 24/09/2001, grifos ausentes no original); “A
avaliação [das circunstâncias judiciais quando da fixação da pena] é
subjetiva e o juiz lança o quanto entenda necessário sua consciência”
(TJ/PR, ACrim 135.719-5/PR, DJ 05/08/1999).
Deste modo, o juiz não se subordina a nada, a não ser a ele
mesmo115
. Nem ao texto, nem à norma, nem à Constituição. Eis, aí, o decisionismo, fruto do positivismo normativista de Kelsen e Hart,
onde a discricionariedade judicial impera: ao juiz é dado criar o
direito, seja por meio da escolha, por um ato de vontade, do conteúdo que bem lhe aprouver dentro da “moldura semântica” (Kelsen), seja
pela análise da zona de penumbra, onde o juiz pode criar o direito, tal
qual o legislador (Hart).
Ou seja, em ultima ratio, em plena vigência da Constituição de
1988, o próprio resultado do processo dependerá do que a
consciência do juiz indicar, pois a gestão da prova não se dá
por critérios intersubjetivos, devidamente filtrados pelo devido
processo legal, e, sim, pelo critério inquisitivo do julgador.
(STRECK, 2013, p. 26, grifos do original)
115 Ernane Fidélis dos Santos chega ao cúmulo de sustentar que: “No exercício da jurisdição, o juiz é soberano. Não há nada que a ele se sobreponha. Nem a própria
lei...” (Manual de Direito Processual Civil. Vol. 1. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.
12, grifos ausentes no original).
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 213
O positivismo do início do século XX, ao que tudo indica, não
foi superado no Brasil. “Derrotar” o positivismo exegético tão somente para nos estagnarmos em posições positivistas que pregam o
voluntarismo foi (e ainda é) uma vitória pírrica.
Mas isso tem de ser assim? A separação entre texto e norma
leva à conclusão de que o juiz está livre da “literalidade da lei” para buscar a norma que entende mais adequada ao caso concreto, já que a
decisão é um ato de vontade e o juiz decide de acordo com a sua
consciência? Estaria certo, então, o Min. Luís Felipe Salomão ao dizer que a justiça “...emana exclusivamente de nossa [dos magistrados]
consciência, sem nenhum apego obsessivo à letra fria da lei.”? (apud
STRECK, 2013, p. 24).
4.2 A Existência de Interpretações Jurídicas Corretas e
Incorretas: Não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer
coisa” A resposta deve ser, decididamente, não! A admissão da tese
de que norma e texto são coisas distintas não pode significar que seja
possível atribuir qualquer sentido ao texto. Por isso, argumenta Nelson Saldanha, a reação contra o normativismo não pode significar que a
interpretação do direito deixe de supor uma ordem de normas, que se
completam com princípios. Ou seja, sem textos não há normas: não se
pode diluir nem dissolver a aplicação do direito dentro de uma
total imprevisibilidade (2000, p. 203 e ss.).
É evidente que não há só textos e que textos não são meros
“enunciados linguísticos”. O que há são normas resultantes de interpretação de textos, que dizem respeito a algo existente no mundo
da vida. Tem-se, pois, que também não há somente normas, pelas
simples razão de que nelas está contida a normatividade que abrange a realização concreta do Direito (STRECK, 2006, p. 56-57).
Assim, não é só necessário superar as concepções segundo a
qual o intérprete “extrai o sentido da norma” e que o juiz é “a boca da
lei”, igualando texto à norma; também devem ser superadas as concepções que, buscando ser contraponto ao positivismo
normativista (que equiparava norma ao texto, por meio de um sistema
214 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
puro de regras), caminham em direção a uma espécie de “tribunal da
consciência”, no qual o intérprete (o juiz) atribui qualquer sentido ao texto.
Por isso, apesar de Müller estar correto quando diz que a
norma sempre é o produto da interpretação do texto e não está contida
nele (2010, p. 54-67), isso não significa que haja uma separação ou
independência entre texto e norma (STRECK, 2006, p. 61). O texto
não existe em si mesmo: do texto sairá, sempre, uma norma. Texto e
norma são, pois, coisas distintas, mas não separadas: um não pode subsistir sem o outro. A diferença entre eles é de cunho ontológico
(STRECK, 2006, p. 62).
É justamente por isso que afirmar que a norma é o produto da interpretação do texto não significa que o intérprete pode “falar
qualquer coisa sobre qualquer coisa”, atribuindo sentidos de forma
arbitrária ao texto, como se norma e texto estivessem separados. “Ou
seja, a norma – assim entendida – não pode superar o texto; ela não é superior ao texto.” (STRECK, 2006, p. 64). Se é certo que o ato de
interpretar não é filologia, não se limitando à análise de textos (fosse
assim, os juristas não seriam necessários: os melhores hermeneutas seriam os professores de português), não é menos certo que não há
somente normas.
Faz-se necessário “levar o texto a sério”, parafraseando Ronald Dworkin, pois os textos não existem de forma metafísica: o
texto é inseparável de seu sentido (i.e., da norma). Textos sempre
dizem respeito a algo da facticidade: interpretar um texto é aplicá-lo
(STRECK, 2006, p. 141). Há, pois, limites no processo interpretativo. E o primeiro
deles decorre justamente do texto, pois ele “...“limita a concretização e
não permite decidir em qualquer direção, como querem as diversas formas de decisionismo” (ADEODATO, 2004, p. 180). Isto porque os
juristas não são – ou ao menos não podem ser – Humpty Dumpty.
Explica-se: na obra de Lewis Carroll, Alice no País dos Espelhos,
Alice se encontra com Humpty Dumpty (um personagem em formato de ovo, pois humpty-dumpty, em inglês, é expressão pejorativa para
uma pessoa baixinha e gorda) e começam eles a conversar sobre a
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 215
ideia de “desaniversário”, pelo qual haveria 364 dias destinados ao
recebimento de presentes em geral, enquanto haveria somente um dia para presentes de aniversário. Segue-se, então, o insólito diálogo:
– Isto é a glória para você! – Não sei o que o senhor entende
por “glória”... Humpty Dumpty sorriu desdenhosamente. – Pois
claro que não sabe... enquanto eu não disser... Quero dizer que
um de seus argumentos está destruído! – Mas “glória” não quer dizer “argumento destruído” - objetou Alice. Quando eu
emprego uma palavra - replicou Humpty Dumpty
insolentemente -, ela quer dizer exatamente o que eu quero
que ela diga, nem mais, nem menos. – A questão é se o
senhor pode fazer as palavras dizerem tantas coisas tão
diferentes. – A questão é qual delas é a principal; isso é tudo!
(CARROLL, 2008, p. 98, grifos ausentes no original)
Os juristas não podem ser nominalistas como Humpty Dumpty
116. As palavras não dizem aquilo que o jurista quer que
elas digam117
! Interpretar/aplicar um texto não é escrever um texto
novo. A Constituição não pode ser apenas um espelho que reflete a vontade e através do qual se pode enxergar tudo aquilo que se deseja
(TRIBE; DORF, 2007, p. 3). Ler o texto não pode ser meramente um
exercício de concretização de interesses de seus leitores, que usam a linguagem do documento como espelho para refletir suas
preferências118
.
Qualquer pessoa que lê a Constituição como ela é, percebe
inúmeras formas nas quais ela difere do seu próprio ideal de Constituição; e depois de ler e refletir seriamente sobre o texto como
116 Humpty Dumpty, Azdak e Ângelo têm, todos, traços em comum: o autoritarismo e o decisionismo. São, todos eles, personagens que têm o poder de dizer/decidir algo e o fazem sem qualquer critério: apenas decidem a seu bel prazer. 117 Assim como o Direito não é aquilo que os Tribunais dizem que ele é. 118 E assim já ironizava a célebre carta escrita pelo Justice Story, endereçada a Greenleaf, em 1845: “It is astonishing how easily men satisfy themselves that the
Constitution is exactly what they wish it to be.”.
216 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
ele é (e não como se queria que ele fosse), deve chegar a concluir que
é impossível ler na Constituição as opções que gostaria119
. É fato que, em questões jurídicas teóricas, não existe “ônus da
prova”, ou seja, não é possível se provar que tal teoria está “errada” da
mesma forma como é possível com teoremas matemáticos. Isso não
significa, contudo, que devamos aceitar uma determinação definitiva de que todas as interpretações da Constituição estão corretas.
Não se desconhece que um mesmo começo e mesmo
desenvolvimento podem gerar finais diferentes. Isso se mostra com clareza nos filmes com “finais alternativos”. Tomemos como exemplo
o filme “Eu sou a Lenda”, protagonizado por Will Smith e Alice
Braga. No filme, Will Smith interpreta Robert Neville, cientista militar imune a um vírus originalmente criado para curar o câncer,
mas que deu errado, se espalhou por toda New York e acabou por
transformar os infectados que sobreviveram ao contágio em
“vampiros” que temem a luz do sol e apresentam sintomas parecidos aos da raiva, bem como um comportamento selvagem e ameaçador.
Ele trabalha para criar uma cura em um laboratório construído no
porão de sua casa, em Manhattan no ano de 2012, numa cidade habitada pelos mutantes vítimas do vírus transmitido pelo ar. Em dado
momento do filme, Neville é quase capturado pelos mutantes e é salvo
por Anna (Alice Braga) e seu filho Ethan (Charlie Tahan). No final “oficial” do filme (aquele transmitido nos cinemas
pelo mundo), Neville salva Anna e Ethan dos mutantes que invadiram
a sua casa e então recuam para o laboratório. Eles se prendem em uma
sala de acrílico reforçado junto com uma mulher infectada pelo vírus que Neville usava como cobaia para suas experiências em busca de
uma cura, e descobrem que o tratamento de Neville está funcionando
119 Como disse o Justice Kennedy: “The hard fact is that sometimes we must make decisions we do not like. We make them because they are right, right in the sense that the law and the Constitution, as we see them, compel the result. And so great is our commitment to the process that, except in the rare case, we do not pause to express distaste for the result, perhaps for fear of undermining a valued principle that dictates the decision.” (Texas v. Johnson, 491 U.S. 397; 109 S.Ct. 2533; 105 L.Ed.2d 342
(1989).
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 217
(a cobaia está com aspecto muito mais humano). Os mutantes
arrombam a porta do laboratório e o macho alfa começa a se jogar contra o acrílico, rachando-o. Neville, então, dá um frasco de sangue
da mulher para Anna e Ethan, antes de fechá-los dentro de uma calha
de carvão na parte de trás do laboratório. Ele, após isso, detona uma
granada para destruir os invasores com o custo de sua própria vida. Anna e Ethan chegam à colônia dos sobreviventes levando o antídoto.
Anna depois afirma que os sobreviventes são o legado de Neville, que
por sua luta por uma cura se tornou uma lenda. Já no final “alternativo” do filme, disponível como material
extra nos DVD e blu-rays lançados, o macho alfa mutante desiste de
quebrar o vidro e Neville entende que ele quer a criatura que ele aprisionou para testes. Então, o médico pede para que Anna abra a
porta e empurra a maca para fora do cubículo de vidro, momento em
que as outras criaturas ameaçam atacá-lo, mas são impedidas pelo
macho alfa. Neville aplica o antídoto na criatura capturada e ela dá sinal de vida, surpreendendo o macho alfa, que troca rápidas carícias
com a criatura capturada (deixando Neville espantado). Em seguida,
ele a pega no colo e vai embora, deixando Neville vivo. Como se vê, uma história preexistente pode ser compatível
com mais de um final. O que faz com que uma pessoa prefira um final
e outra pessoa prefira um final diferente não é a consistência sobre o abstrato, mas a valorização do julgamento de um e de outro. E essas
valorizações são sempre externas ao objeto (texto ou, no caso do
exemplo, filme)120
.
Mas se é verdade que o texto (ou filme) pode ser condizente com mais de um final, temos de reconhecer também que ele não é
120 Entendemos que é necessário explicar o que queremos dizer com “o valor é externo ao texto”, a fim de não sermos mal interpretados. De certa forma, todos os significados são externos ao texto: ao se escrever um conjunto de letras em um papel, pressupõe-se que os leitores saibam o seu significado, a fim de que possam decifrar o código linguístico usado. Um texto escrito em italiano nada significa para quem não sabe a língua. É preciso que o leitor tenha um conhecimento mínimo dos significados dos códigos. Partindo da premissa de que a Constituição é um texto, todas as concepções necessárias para dar sentido a qualquer tipo de texto naturalmente a ela se
aplicam.
218 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
compatível com todos os finais: se a estrutura interna de um texto (ou
filme) é compatível com o final Y ou X, isso não significa que não
existam finais que estão além das possibilidades. Vejamos
novamente o filme “Eu sou a Lenda”: seria compatível com a história
do filme um final em que, no momento em que Neville, Anna e Ethan
estão aprisionados no laboratório, encurralados pelos mutantes, surgisse uma esfera azul de energia e de dentro dela saíssem John
Connor, Sarah Connor e Cameron, vindos do futuro para impedir a
proliferação do vírus, secretamente criado pela Skynet para acabar com a raça humana e garantir o domínio das máquinas no futuro
121?
Com certeza esse final não é condizente com a estrutura do
filme. Assim, vê-se que os finais original e alternativo se orientam dentro de padrões aceitáveis, e quanto à preferência entre eles, valerá
os valores do telespectador (ou, no caso de texto, do leitor); já o final
non-sequitur se orienta totalmente fora de padrões aceitáveis.
Também no Direito alguns resultados aparentemente são orientados por convicções amplamente compartilhadas a respeito de coisas que
“fazem sentido” e outras que parecem a todos “arbitrária”122
. Assim,
p.ex., as expressas menções no texto constitucional que asseguram o direito de propriedade, desde que atendida sua função social (art. 5º,
XXII e XXIII), parecem apagar sem sombra de dúvidas uma tentativa
de fundamentação constitucional a um “direito fundamental a furtar”. Em contraste, nada no texto constitucional, nem remotamente, acaba
121 Os personagens citados são os protagonistas de uma das mais formidáveis séries televisivas já escritas: Terminator: The Sarah Connor Chronicles. 122 Embora não desconheçamos que aquilo que é considerado “arbitrário” também seja, por si só, uma questão cultural. Houve um tempo em que as regras de
interrogatório do Malleus Maleficarum e do Directorium Inquisitorum eram tidas por normais e procedentes (e, na verdade, ainda hoje parecem ser para grande parte de nossa doutrina, jurisprudência e população). A instrução e julgamento das bruxas de Salem também foram considerados “justos” pela população e julgadores estadunidense, e somente no ano de 2004 a Igreja Católica, por meio do Papai João Paulo II, pediu perdão pelas atrocidades cometidas por Tomás de Torquemada e outros inquisidores. O “arbitrário”, aqui, então, deve ser entendido de acordo com a tradição jurídica, elemento importante da integridade do Direito pregada por Ronald
Dworkin, como se falará infra.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 219
com o argumento de que a prática de relações sexuais “não
tradicionais” (como as homoafetivas) é exercício de um direito fundamental.
E aqui chegamos a um ponto crucial: nem todas as
interpretações/aplicações pelos juízes são permitidas pelo texto.
Em verdade, como se demonstrará a seguir, grande parte das
decisões que juízes têm tomado violenta até não mais poder os
textos123
.
Isso não pode ser aceito e é deveras preocupante, pois com a proliferação de tal fenômeno no Judiciário “...a lei – aprovada
democraticamente – perde(rá) (mais e mais) espaço diante daquilo que
‘o juiz pensa da lei’.” (STRECK, 2013, p. 30). Juízes não podem
decidir por mero ato de vontade, e sim por princípios; não podem
decidir conforme sua consciência, e sim conforme o texto e a norma.
Interpretar/aplicar o texto não é discricionariedade do juiz. Ele
não é livre para dar ao texto o sentido que bem lhe aprouver, pois não é – e nem pode ser – Humpty Dumpty.
A “abertura principiológica” de Dworkin veio justamente para
impedir, na medida do possível, a existência de “múltiplas respostas” corretas aos problemas jurídicos, característica central da
discricionariedade judicial reinante no positivismo124
. Tal abertura,
123 E é interessante notar, neste ponto, que essa não é uma observação percebida apenas por operadores do Direito; ela já faz parte da cultura popular. Conhecida anedota comprova tal observação: “Estava Moisés lendo a seu povo os Dez Mandamentos: ‘Nono Mandamento: Não desejar a mulher do próximo.’. De imediato se faz ouvir o protesto generalizado do povo. Moisés explica: ‘Isto é o que diz a lei. Esperemos para ver o que diz a jurisprudência!’.”. Jornalistas e jornaleiros, pois, já têm noção de que o texto da lei foi relegado a segundo plano pelo Judiciário.
124 Na verdade, Ronald Dworkin defendia uma “teoria material forte” dos Direitos Fundamentais, onde haveria apenas uma única resposta correta para cada problema jurídico (cf. Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 105-130; Justiça para Ouriços. Trad. Pedro Elói Duarte. Coimbra: Almedina, 2012, p. 131-195. Sustentava o autor americano que seria possível uma teoria do direito que conteria os princípios e seus pesos relativos (Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 66) que justificariam da melhor forma os precedentes e as normas positivas (Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 116-117), sobre cuja base haveria uma única resposta para cada caso (Taking
Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 81). Contudo, entendo que os princípios conduzem
220 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
então, deve ser examinada justamente neste contexto: ruptura
paradigmática com de subsunção, típico do positivismo, com seu sistema puro de regras. A consequência desse modelo puro de regras é
que a “facticidade” (o mundo prático) não fazia parte da aplicação do
direito, e os princípios vieram justamente para superar a abstração da
regra. Por conseguinte, a “era dos princípios” veio para “fechar” a interpretação, e não para “abri-la”. Os princípios não são “...um plus
axiológico-interpretativo que veio para transformar o juiz (ou
qualquer intérprete) em superjuiz, que vai descobrir os ‘valores ocultos’ no texto, agora ‘auxiliado/liberado’ pelos princípios.”
(STRECK, 2006, p. 144). Princípios, ao superarem as regras, não
proporcionam maior liberdade aos juízes; proporcionam, sim, a superação da subsunção. Princípios não facilitam atitudes
decisionistas e/ou discricionárias; eles a condenam.
Os juízes não são livres para decidir como querem, ou
“conforme suas consciências”125
. Absolutamente não. O Direito não
apenas a uma estruturação da argumentação baseada em princípios, mas não em uma ordem rígida, que determine apenas uma resposta certa em cada caso, e sim em uma possibilidade relações concretas de precedência, que expressem os pesos relativos dos princípios em determinados casos ou grupo de casos. Caso pretendamos atingir o máximo de rigidez, a teoria terá de conter uma relação concreta de precedência para
todos os casos possíveis e imagináveis. Não é difícil perceber que uma teoria tão pretensiosa quanto essa está fadada ao fracasso. O próprio Dworkin reconhece que o trabalho de uma vida inteira não seria bastante sequer para o começo de tal teoria (Taking Rights Seriously, op. cit., 1978, p. 66). Os próprios limites da imaginação humana indicam que não é possível a elaboração de uma lista tão completa. Além do mais, as regras contidas em tal lista dificilmente contariam com a aprovação geral. Por fim, e talvez esse seja o ponto mais importante, as respostas contidas em tal lista necessitam de uma fundamentação, o que nos leva de volta ao problema de uma teoria
material dos direitos fundamentais, o qual a lista deveria ser um meio de resolver. 125Como disse Rodolfo Bettiol, ao atualizar a obra de seu pai, o ilustre jurista Giuseppe Bettiol, quando tratou do princípio do “livre convencimento”: “...foi entendido como intuição do juiz, até chegar a ser concebido como liberdade do juiz dos impedimentos processuais, rectius (mais direitos) pelas regras do proceder. É evidente sob este perfil a extrema periculosidade do princípio que deixa aberta a porta a toda espécie de abuso. […] o livre convencimento do juiz pode dar azo a toda espécie de arbítrio. Demasiadamente humano e fácil é confiar nas próprias intuições,
na realidade dos próprios fantasmas e das próprias idiossincrasias. Também é fácil
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 221
é aquilo que o intérprete quer que ele seja, repita-se à exaustão. Ora,
se o juiz não está adstrito ao texto, qual o valor da lei? Para que ela serve? O que faremos com o Parlamento? Não é verdade que “...uma
das prerrogativas reservadas a esse Poder em Estados democráticos é a
possibilidade de decidir em casos de dúvida acerca da melhor decisão
jurídica possível no caso concreto.” (LAURENTIIS, 2011, p. 103)? Se os representantes democraticamente eleitos do povo entenderam que a
decisão jurídica àquela questão deveria ser resolvida de determinada
forma, e, sopesando de antemão os princípios constitucionais, trouxeram ao mundo jurídico regra constitucionalmente válida, pode o
juiz, a seu talante (“conforme sua consciência”), simplesmente se
afastar daquela regra e decidir discricionariamente, criando novo direito?
Se os juízes podem “dizer o que querem” sobre o sentido das
leis, ou se os juízes podem decidir de forma discricionária os
hard cases, para que necessitamos de leis? Para que a
intermediação da lei? É preciso ter presente, pois, que a
afirmação do caráter hermenêutico do direito e a centralidade que assume a jurisdição constitucional nesta quadra da história
– na medida em que o legislativo (a lei) não pode antever todas
as hipóteses de aplicação – não significa uma queda na
irracionalidade e tampouco uma delegação em favor de
decisionismos. Nenhum intérprete (juiz, promotor de justiça,
advogado, etc.) está autorizado a fazer interpretações
discricionárias. (STRECK, 2006, p. 166, grifos do original)
É preciso alertar, com Dworkin, que não se deve cair na armadilha corriqueira de acreditar que, como não existe nenhuma
fórmula mecânica para distinguir as decisões boas e más, e como os
juristas sempre vão discordar entre si, nenhum argumento é melhor que o outro (2003, p. 203). Existem verdades hermenêuticas e é
possível dizer, como demonstrado supra, que existem interpretações
entender quanta possibilidade haja também de um consciente abuso do princípio para fins declaradamente políticos.” (Instituições de Direito e Processo Penal. Trad.
Amilcare Carletti. São Paulo: Pilares, 2008, p. 170).
222 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
corretas e interpretações incorretas: a multiplicidade indeterminada de
respostas corretas é característica do positivismo, que os princípios enquanto normas de caráter deontológico vieram para sepultar.
Por isso, insista-se, dizer que o intérprete atribui sentido ao
texto nem de longe significa que ele o possa fazer de forma livre,
arbitrária ou “segundo sua consciência”. Deve-se insistir que a ideia inerente ao conceito de Direito, em si, traz consigo um princípio
deôntico geral: quaisquer que sejam seus pontos de vistas sobre a
justiça e equidade, “...os juízes também devem aceitar uma restrição independente e superior, que decorre da integridade das decisões que
tomam.” (DWORKIN, 2003, p. 204, grifos do original)126
.
126 A noção de integridade no Direito, cunhada por Dworkin, tem várias dimensões. Em primeiro lugar, exige que a decisão judicial deva ser uma questão de princípio,
não de conciliação, estratégia ou acordo político (ou seja, exige que a questão jurídica encontre resposta dentro do próprio Direito e seus princípios, e não seja decidida com base em fatores externos, como a política, moral, economia, religião, etc.). Segundamente, a integridade se afirma de maneira vertical: ao afirmar que uma liberdade é fundamental, o juiz deve demonstrar que o afirmado é compatível com os princípios embutidos em precedentes da Corte Constitucional e com as estruturas principais da disposição constitucional (ou seja, o direito deve possuir tradição, uma espécie de “DNA”: é da reconstrução da história institucional e do revolvimento do
chão linguístico que sustenta a tradição que exsurgirá a resposta). Terceiro, a integridade também se afirma horizontalmente: um juiz que adota um princípio em um caso deve atribuir-lhe importância integral nos outros casos que decide ou endossa, mesmo em esferas do direito aparentemente não análogas (ou seja, o juiz não pode ser como Azdak ou Ângelo, decidindo de forma contrária casos em que os mesmos princípios estavam envolvidos: reconhecendo a importância de um princípio como ratio decidendi de um caso, deve aplicar o mesmo princípio, da mesma forma, em todos os demais casos no qual esse princípio se aplica, eis que a previsibilidade
das decisões é um dos fatores mais importantes da segurança jurídica). Cf., acerca das mencionadas dimensões da integridade, DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: Aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 204-205. A noção de integridade é fundamental ao entendimento da teoria criada por Dworkin, e foi tratada com detalhes em sua magnífica obra Law’s Empire. Cambridge: Harvard University Press, 1986, passim. É certo que nem mesmo a mais escrupulosa atenção à integridade, por todos os juristas, produzirá sentenças uniformes ou decisões que gozem de aceitação geral. O ponto
central da integridade é o princípio, não a uniformidade: ela existe para assegurar que
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 223
O fato de não existir um método que possa dar garantia a
“correção” do processo interpretativo127
não pode dar azo a que o intérprete possa interpretar um texto de acordo com sua vontade, com
sua subjetividade, ignorando até mesmo o conteúdo mínimo-estrutural
de um texto jurídico. Como adverte Lenio Streck: “A ‘vontade’ e o
‘conhecimento’ do intérprete não permitem a atribuição arbitrária de sentidos, e tampouco uma atribuição de sentidos arbitrária.” (2006, p.
193).
... a interpretação, quando excede os limites razoáveis em que
se há de conter, quando cria ou “inventa” contra legem, posto
que aparentemente ainda aí a sombra da lei, é perniciosa, assim
à garantia como à certeza das instituições. Faz-se mister, por
conseguinte, ponderar gravemente nas consequências que
advêm de um irrefletido alargamento do raio de interpretação
constitucional, como a observação tornou patente desde que se
introduziram métodos desconhecidos na hermenêutica das
Constituições (BONAVIDES, 2005, p. 483)
Ou seja: a Hermenêutica não permite – e nem os juristas
podem permitir – qualquer forma de decisionismo, subjetivismo ou
discricionariedade judicial. O juiz não pode ignorar o texto
quando bem lhe aprouver, julgando conforme seus valores e se
substituindo ao Parlamento, órgão democraticamente eleito e
constitucionalmente legitimado a tomar as decisões em nome do povo. O texto não está à disposição do juiz, a fim de que ele lhe dê o sentido
que melhor se enquadre a sua consciência128
.
sejam governados não por uma lista ad hoc de regras detalhadas, mas por um ideal
(DWORKIN, Domínio, op. cit., 2003, p. 204-205). 127 O que nem de longe é novidade, pois já era denunciado por Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 245 e ss.). 128 E isto é uma constatação tão antiga que, já em 1768, Sir William Blackstone, em seus inesquecíveis Comentários às Leis da Inglaterra, advertia que a lei: “…it is not in the breast of any subsequent judge to alter or vary from, according to his private sentiments: he being sworn to determine, not according to his own private judgment,
but according to the known laws and customs of the land; not delegated to pronounce
224 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
O juiz somente pode, de forma lícita, afastar a aplicação de
uma lei em seis hipóteses (STRECK, 2010, p. 171-172): (a) quando ela for inconstitucional; (b) quando for o caso de resolução de
antinomias (critérios de hierarquia, temporalidade e especialidade); (c)
quando aplicar a “interpretação conforme à Constituição”, ocasião em
que se torna necessária uma adição de sentido ao artigo de lei para que haja plena conformidade da norma à Constituição (neste caso, o texto
de lei – entendido na sua “literalidade” – permanecerá intacto; o que
muda é o seu sentido, alterado por intermédio de interpretação que o torne adequado a Constituição); (d) quando aplicar a nulidade parcial
sem redução de texto (permanece a literalidade do dispositivo, sendo
alterada apenas a sua incidência, ou seja, ocorre a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação do
programa normativo sem que se produza alteração expressa do texto
legal); (e) quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade
com redução de texto (a exclusão de uma palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo); e (f) quando for o
caso de deixar de aplicar uma regra em face de um princípio
constitucional que se revelar preponderante. Fora dessas hipóteses, o texto se encontra dentro do espaço de
confirmação do legislador democraticamente eleito, e o juiz a ele deve
obediência, ainda que com ele não simpatize, que o julgue errado por quaisquer motivos ou que com ele não concorde.
Seguir ou não o texto, aqui, não é questão de gosto. Trata-se
de respeito ao princípio formal da competência decisória do legislador
democraticamente legitimado. É um princípio formal porque não determina nenhum conteúdo, apenas diz quem deve definir o
a new law, but to maintain and expound the old one.” (Commentaries on the Laws of England. Livro I. 3 ed. Oxford: Clarendon Press, 1768, p. 69). Não por outro motivo o influente autor inglês demonstrava os perigos de um juiz que se arvora legislador: “...the life, liberty, and property, of the subject would be in the hands of arbitrary judges, whose decisions would be then regulated only by their own opinions, and not
by any fundamental principles of law -, which, […] judges are bound to observe.”
(Commentaries, op. cit., 1768, p. 269, grifos ausentes no original).
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 225
conteúdo129
; enquanto princípio procedimental, exige que as decisões
relevantes para a sociedade devam ser tomadas pelo legislador eleito democraticamente, o qual detém legitimidade para tanto, e, como
consequência, também “...ordena prima facie, seguir las decisiones
del Legislador democráticamente legitimado.” (BOROWSKI, 2000,
p. 48). Como se vê, é necessário compreender os limites e os
compromissos hermenêuticos que exsurgem do paradigma do Estado
Democrático de Direito. Se o juiz não é “boca da lei”, também não é seu senhor de engenho: não é livre para escravizar o texto e fazer dele
o que quiser, atribuindo-lhe sentidos de forma arbitrária – como
Humpty Dumpty – ou simplesmente afastando a aplicabilidade de regra constitucionalmente válida e democraticamente produzida. Não
sendo caso de invalidade da regra, o texto deve ser aplicado pelo
julgador, sob pena de voltar-se ao odioso decisionismo.
5 Exemplos de Decisões Judiciais que Ignoram o Texto:
Decisionismo constitucionalmente inadequado e antidemocrático.
Tudo o que se falou acima não seria despiciendo se nossas
cortes respeitassem a integridade que se espera do Direito.
Sem embargo, como já se disse acima, o Judiciário de terrae brasilis, cotidianamente, conferem aos textos normas que são com ele
inteiramente incompatíveis, transformando o que o texto é naquilo que
os juízes gostariam que ele fosse. A “letra da lei” é, de forma
corriqueira, totalmente vilipendiada e relegada a plano inferior, mutilando a diferença ontológica e transformando o texto em um
“fantasma sem sangue, um conceito incolor”, para utilizar a expressão
de Beling (1906, p. 17). Duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (uma
envolvendo matéria processual penal e outra processual civil) são
129 “La denominación de «formales» en contraposición a principios materiales no debe conducir al error de creer que existe una diferencia en su estructura. La colisión de principios formales y materiales tiene la misma estructura de la colisión de
diversos principios materiales.” (BOROWSKI, La restricción, op. cit., 2000, p. 48).
226 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
paradigmáticas nesse sentido e serão objeto das considerações que
seguem, por demonstrarem com clareza como o judiciário tem solenemente ignorado a “letra da lei” para decidir da forma que
melhor se ajusta àquilo que a Corte entende ser desejável.
A primeira decisão versa acerca do art. 212 do Código de
Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei nº. 11.690/2008, in verbis:
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes
diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa
ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz
poderá complementar a inquirição.
Antes da reforma, o art. 212 do CPP possuía a seguinte
redação: “As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da
parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem
repetição de outra já respondida.”. Percebe-se com clareza, pois, que a novel redação dada pelo
legislador ao art. 212 do CPP trouxe importante inovação que poderia
ajudar a adequar o vetusto Código de Processo Penal a caminhar nos trilhos do sistema acusatória imposto pela Constituição de 1988.
Vejamos: o art. 212, alterado em 2008, passou a conter a
determinação de que “as perguntas serão formuladas pelas
partes, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas
que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.” No
parágrafo único fica claro que “sobre pontos não esclarecidos,
é lícito ao magistrado complementar a inquirição”.
Consequentemente, parece evidente que, respeitados os limites
semânticos do que quer dizer cada expressão jurídica posta
pelo legislador, houve uma alteração substancial no modo de
produção da prova testemunhal. Repito: isso até nem decorre
somente do “texto em si”, mas de toda a história institucional
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 227
que o envolve, marcada pela opção do constituinte pelo modelo
acusatório. (STRECK, 2010, p. 169)
O STJ, ao ser confrontado com a matéria, em julgamento ocorrido em 19/05/2009, pareceu bem entender a relevância da
questão e a importância que teve a alteração textual do art. 212, que
buscou sedimentar o modelo presidencial-inquisitório de condução das audiências pelo “juiz-inquisidor”:
HABEAS CORPUS. NULIDADE. RECLAMAÇÃO
AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO. JULGAMENTO
IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO DO RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E
JULGAMENTO. INVERSÃO NA ORDEM DE
FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART.
212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI
11.690/2008. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.
1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir
de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o
interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela
acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao
magistrado complementar a inquirição quando entender
necessários esclarecimentos. 2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado
ato, consignando que o Juízo Singular incorreu em error in
procedendo, caracteriza constrangimento, por ofensa ao devido
processo legal, sanável pela via do habeas corpus, o não
acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade.
3. A abolição do sistema presidencial, com a adoção do
método acusatório, permite que a produção da prova oral seja
realizada de maneira mais eficaz, diante da possibilidade do
efetivo exame direto e cruzado do contexto das declarações
colhidas, bem delineando as atividades de acusar, defender e
julgar, razão pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da respectiva forma.
4. Ordem concedida para, confirmando a medida liminar,
anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e os
228 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
demais atos subsequentes, determinando-se que outra seja
realizada, nos moldes do contido no art. 212 do CPP.
(STJ, HC 121.216/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma,
DJe 01/06/2009)
Esse entendimento do STJ mostra-se totalmente consentâneo
com o texto legal, a Constituição e com a tradição jurídica inaugurada
pela Constituição de 1988, que exige um Processo Penal fundado em um sistema acusatório. Decisão, pois, que respeitou a integridade do
Direito.
Contudo, o – correto – posicionamento acima exposto foi
modificado pelo STJ, em julgamento datado de 01/12/2009 (ou seja, poucos meses após o julgamento acima mencionado, já começando
daí o desrespeito à integridade exigida pelo Direito), assim ementado:
HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. LEI
Nº 11.690/08. INTERPRETAÇÃO DO ART. 212 DO CPP.
INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DE
PERGUNTAS. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
1. A Lei nº 11.690, de 9 de junho de 2008, alterou a redação do
art. 212 do Código de Processo Penal, passando-se a adotar o
procedimento do Direito Norte-Americano, chamado cross-
examination, no qual as testemunhas são questionadas
diretamente pela parte que as arrolou, facultada à parte
contrária, a seguir, sua inquirição (exame direto e cruzado), e
ao juiz os esclarecimentos remanescentes e o poder de fiscalização.
2. A nova lei objetivou não somente simplificar a colheita de
provas, mas procurou, principalmente, garantir mais
neutralidade ao magistrado e conferir maiores
responsabilidades aos sujeitos parciais do processo penal, que
são, na realidade, os grandes interessados na produção da
prova.
3. No caso, observa-se que o juiz de primeiro grau concedeu às
partes a oportunidade de questionar as testemunhas
diretamente. A ausência dessa fórmula gera nulidade absoluta
do ato, pois se cuida ede regramento jurídico cogente e de interesse público.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 229
4. Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do art.
212 do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma
ordem de inquiridores de testemunhas, à luz de uma
interpretação sistemática, a não observância dessa regra pode
gerar, no máximo, nulidade de natureza relativa, por se tratar
de simples inversão, dado que não foi suprimida do juiz a possibilidade de efetuar as suas perguntas, ainda que
subsidiariamente, para o esclarecimento da verdade real, sendo
certo que, aqui, o interesse protegido é exclusivo das partes.
5. Não se pode olvidar, ainda, o disposto no art. 566 do CPP:
“não será declarada a nulidade de ato processual que não
houver influído na apuração da verdade substancial ou na
decisão da causa.”.
6. Habeas corpus denegado.
(STJ, HC: 121.215/DF Rel. p/ac. Min. Og Fernandes, Sexta
Turma, DJe 22/02/2010)
Como se vê, o STJ fez tábula rasa da importantíssima
mudança operada pela Lei nº. 11.690/2008, ignorando completamente
o texto legal. No caso julgado, estava em debate o alegado constrangimento
ilegal suportado pelos pacientes, em razão da inobservância do
disposto no artigo 212 do CPP, já com a redação dada pela Lei nº.
11.690/2008, eis que, por ocasião da realização da audiência de instrução, a ordem prevista no aludido comando normativo não teria
sido respeitada pelo magistrado responsável pela condução da ação
penal, que indeferiu o pedido do Ministério Público de que fosse primeiramente deferida às partes a possibilidade de inquirir as
testemunhas, passando ele próprio a ouvir as testemunhas por
primeiro, sob o argumento de que “...não obstante as recentes alterações da legislação processual penal, o destinatário da prova
continua sendo o Estado-Juiz, cabendo a ele, nesta qualidade, decidir
o momento em que irá fazer suas perguntas ao ofendido e às
testemunhas ou peritos arrolados pelas partes.” (colhido do voto da Min. Maria Thereza de Assis Moura no HC 121.216/DF, Rel. Min.
Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2009).
230 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
A Min. Maria Thereza de Assis Moura prolatou belíssimo
voto, no qual acolhia a ordem, tecendo severas críticas ao juiz singular e demonstrando compromisso com o sistema acusatório exigido pela
Constituição da República e pela democracia, bem como a correta
compressão relação entre texto e norma:
O juiz, como se colhe do termo de audiência acostado às fls.
31/33, consignou expressamente ter sido a alteração legislativa
do art. 212 do CPP “mero preciosismo”, expressando clara
intenção em não cumprir a lei, como se lhe fosse dada uma tal
possibilidade [...] não prospera o argumento do juiz de primeiro
grau, de que buscar o atendimento do art. 212 do CPP seria
“preciosismo”. Rechaça-se tal compreensão, pois o respeito às
garantias constitucionais é a tônica para se alcançar o justo
processo. Desta forma, é imperioso ter presente que uma das grandes diretrizes da reforma processual penal em marcha é o
prestígio ao princípio acusatório, por meio do qual se valoriza a
imparcialidade do juiz, que deve ser o destinatário da prova e
não seu produtor, na vetusta feição inquisitiva. (Voto da Min.
Maria Thereza de Assis Moura no HC 121.216/DF, Rel. Min.
Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2009)
Infelizmente não foi esse o entendimento que se sagrou dominante no julgamento. Logo após o voto da Min. Maria Thereza
de Assis Moura, votou o Min. Og Fernandes, nos seguintes termos:
Não há dúvida de que a nova lei objetivou não somente
simplificar a colheita de provas, mas procurou, principalmente,
garantir maior neutralidade ao magistrado e conferir mais
responsabilidades aos sujeitos parciais do processo penal, que
são, na realidade, os grandes interessados na produção da
prova.
No caso, observa-se que o Juiz de primeiro grau concedeu às
partes a oportunidade de questionar as testemunhas
diretamente. A ausência dessa fórmula gera nulidade absoluta
do ato, pois se cuida de regramento jurídico cogente e de
interesse público, portanto, seu descumprimento afeta os princípios do devido processo legal, da economia e celeridade
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 231
processual, bem como da prestação jurisdicional justa e
imparcial.
Entretanto, ainda que se admita que a nova redação do art. 212
do Código de Processo Penal tenha estabelecido uma ordem de
inquiridores de testemunhas, à luz de uma interpretação
sistemática, a não observância dessa regra pode gerar, no máximo, nulidade de natureza relativa, por se tratar de simples
inversão, dado que não foi suprimida a possibilidade de o juiz
efetuar as suas perguntas, ainda que subsidiariamente para o
esclarecimento da verdade real, sendo certo que, no caso, o
interesse protegido é exclusivo das partes. (Voto do Min. Og
Fernandes no HC 121.216/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta
Turma, DJe 01/06/2009)
Tal entendimento simplesmente sepulta a letra do art. 212 do CPP e o ganho democrático rumo ao sistema acusatório que o
legislador tentou imprimir ao Processo Penal brasileiro. O STJ
praticamente averbou uma “errata” à letra da lei. Algo como: “onde se lê: ‘Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a
inquirição.’, leia-se: ‘A inquirição das testemunhas será iniciada pelo
Juiz de Direito Presidente da Audiência.’.”. Contrariando ao que diz o STJ, digo que onde está escrito:
“Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a
inquirição.”, deve-se ler: “Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz
poderá complementar a inquirição.”. Não poderia o STJ simplesmente ignorar o texto e lhe dar
norma com ele absolutamente incompatível e atribuída de forma
visivelmente arbitrária, simplesmente por não concordar com a opção – constitucionalmente válida e dogmaticamente acertada – do
legislador. Este caráter de atribuição arbitrária de sentido pela não
concordância com o novo texto pode ser facilmente observado no voto
do Desembargador Convocado Celso Limongi:
Presidi tantas audiências como Magistrado; presidi uma
audiência, em 1973, no Esquadrão da Morte e, para ouvir três
testemunhas, comecei às 14:00 e terminei às 23:10. Havia
grandes advogados, como V. Exa. pode imaginar. Estava sendo
232 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
processado um delegado famoso com mais outros seis
policiais. E perguntas miúdas eram formuladas, mas muitas
delas tive que deferir, porque tinha uma relação, embora
irrelevantes, com os fatos.
Como eu poderia, naquela ocasião, por exemplo, permitir que a
defesa começasse a formular as perguntas? Não teríamos terminado a audiência naquele dia. [...] O juiz pode perguntar
antes e pode perguntar depois. [...] Sr. Presidente, peço licença
para ainda lembrar que o legislador processual e o legislador
penal vem, ao longo do tempo, perdendo-se em matéria
irrelevante. [...] no Processo Penal, o legislador também tem se
portado dessa forma. Em tantas coisas para se preocupar, o
legislador foi buscar esse tema para a reforma. (Voto do Des.
Convocado Celso Limongi no HC 121.216/DF, Rel. Min. Jorge
Mussi, Quinta Turma, DJe 01/06/2009)
A experiência do Desembargador em suas audiências é
absolutamente irrelevante para saber qual a norma que deve ser
extraída do texto do art. 212 do CPP. Idem se a audiência por ele
conduzida teria ou não encerrada no mesmo dia. O fato é que, de acordo com o texto do art. 212 do CPP, o juiz não pode “perguntar
antes e pode perguntar depois”, a não ser que o texto de seu parágrafo
único seja um “texto sem norma” (o que, já se disse, é hermeneuticamente inadmissível). Leia-se, de novo o dispositivo: “As
perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha,
não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já
respondida.” E no parágrafo único fica claro que: “Sobre pontos não
esclarecidos, é lícito ao magistrado complementar a inquirição”. Veja-
se: sobre pontos não esclarecidos. Somente sobre estes é lícito ao magistrado complementar a inquirição. Tout court.
O segundo julgado que optou por ignorar texto jurídico foi
prolatado em Questão de Ordem em Recurso Especial e enfrentava a questão dos pedidos de desistência de recursos já afetados para
julgamentos pelo rito de recursos representativos de controvérsias (art.
543-C do CPC). Eis a ementa do julgado:
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 233
Processo civil. Questão de ordem. Incidente de Recurso
Especial Repetitivo. Formulação de pedido de desistência no
Recurso Especial representativo de controvérsia (art. 543-C, §
1º, do CPC). Indeferimento do pedido de desistência recursal.
- É inviável o acolhimento de pedido de desistência recursal
formulado quando já iniciado o procedimento de julgamento do Recurso Especial representativo da controvérsia, na forma
do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ.
Questão de ordem acolhida para indeferir o pedido de
desistência formulado em Recurso Especial processado na
forma do art. 543-C do CPC c/c Resolução n.º 08/08 do STJ.
(STJ, QO no REsp 1.063.343/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi,
Corte Especial, DJe 04/06/2009)
Indaga-se: o que fazer, então, com o texto do art. 501 do CPC, que afirma categoricamente que: “O recorrente poderá, a qualquer
tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do
recurso.”? Trata-se de outra “errata” à letra da lei, segundo a qual: “onde se lê: ‘a qualquer tempo’, leia-se: ‘a qualquer tempo, desde que
não afetado o recurso a julgamento pelo rito do art. 543-C do CPC’.”?
Isso é possível, ou mesmo desejável? A Min. Rel., Nancy Andrighi, ao votar a Questão de Ordem,
assim se manifestou:
Não se pode olvidar outra grave consequência do deferimento
de pedido de desistência puro e simples com base no art. 501 do CPC, que é a inevitável necessidade de selecionar novo
processo que apresente a idêntica questão de direito, de ouvir
os amici curiae, as partes interessadas e o Ministério Público,
oficiar a todos os Tribunais do país, e determinar nova
suspensão, sendo certo que a repetição deste complexo
procedimento pode vir a ser infinitamente frustrado em face de
sucessivos e incontáveis pedidos de desistência. (Voto da Min.
Nancy Andrighi na QO no REsp 1.063.343/RS, Rel. Min.
Nancy Andrighi, Corte Especial, DJe 04/06/2009, grifos do
original)
234 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
Tem razão a Min. Rel. Trata-se de uma providência
desgastante e até antipática, que deve merecer atenção do legislador e debate Parlamentar, ouvida à doutrina processualística, para que essa
possível falha seja corrigida, de lege ferenda. Contudo, de lege lata, o
art. 501 do CPC se impõe, e legem habemus! O pedido encontra
amparo no art. 501 do CPC e isso é um ônus de vivermos em democracia: o Parlamento faz as leis e o Judiciário as faz cumprir.
Não é tarefa do Judiciário criar leis, ainda que essa criação se dê de
forma indireta, por meio da atribuição arbitrária de sentidos incompatíveis com o texto. Onde se lê “a qualquer tempo”, não se
pode ler nada diferente de “a qualquer tempo”. A norma que extrai
desse texto não pode ser diferente de permitir ao recorrente a desistência do recurso a qualquer tempo, tout court. É o que diz “a
letra da lei” constitucionalmente válida.
Outra decisão, dessa vez do Tribunal Superior do Trabalho,
também demonstra o pouco apego que nossos Tribunais superiores possuem ao texto normativo. Trata-se de recurso de revista interposto
por empregador com fundamento no art. 896, “c”, da CLT, no qual
alegava que a decisão do Tribunal Regional do Trabalho violava literalmente dispositivo de lei federal (art. 2º e 818, da CLT, no que
importa para os fins deste estudo), ao entender que a submissão do
empregador à revista com detector de metais não era causa de dano moral.
Eis a ementa do julgado, no que interessa:
DANO MORAL. INSPEÇÃO COM DETECTOR DE
METAIS 1. Os paradigmas cotejados são inespecíficos, nos termos da
Súmula n.º 296 do TST, porque não analisam a questão relativa
à ocorrência de dano moral pela inspeção mediante detector de
metais.
2. O TRT não decidiu a questão com amparo na distribuição do
ônus da prova, mas baseando-se na análise da prova produzida,
motivo pelo qual não há como reconhecer violação do art. 818
da CLT. Ademais, conforme entendimento desta Corte, o que
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 235
deve ser provado são os fatos que ensejam o dano moral e, não,
a dor moral sofrida, pois tal prova não é possível.
3. O art. 2.º da CLT estabelece o poder diretivo do empregador,
mas não dispõe especificamente sobre a questão em debate nos
autos, sobre o possível dano moral causado por revistas diárias
nos empregados mediante detector de metais, motivo pelo qual não há como reconhecer ofensa a seus termos.
4. Recurso de revista de que não se conhece.
DANO MORAL. INSPEÇÃO COM DETECTOR DE
METAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO
Entende esta Corte Superior que a mera revista de bolsas e
sacolas dos empregados, de forma impessoal e sem toques, não
configura dano moral passível de indenização. No caso dos
autos, ocorria apenas a inspeção dos trabalhadores com
detector de metais, de forma uniforme e impessoal, sem toques
no corpo do revistado. A indenização, no caso dos autos,
somente não foi excluída da condenação porque o recurso
de revista, no particular, não preencheu os pressupostos de admissibilidade estabelecidos no art. 896 da CLT. Assim
sendo, ante os termos do art. 5.º, V, da Constituição Federal, e
reconhecendo-se a desproporcionalidade da indenização em
face dos fatos comprovados, é cabível sua redução de R$
25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para R$ 1.000,00 (mil
reais). (TST, RR258600-03.2007.5.09.0004, Rel. Min. Kátia
Magalhães Arruda, Sexta Turma, DJe 14/02/2014)
Como a leitura do texto deixa claro, o TST não conheceu do
recurso de revista, no ponto, mas, de ofício, procedeu à redução
do valor da indenização, invocando norma paradigma que, além
de inespecífica, sequer foi apontada como violada pela Recorrente
e prequestionada no acórdão recorrido.
O que sobra, então, do art. 896, “c”, da CLT? Se o TST pode,
a seu dispôr, adentrar no mérito de recurso que não conhece, de
que valem os pressupostos de admissibilidade? Ao assim proceder,
o TST criou uma nova modalidade de julgamento quanto à
admissibilidade recursal: além de “conhecido” e “não conhecido”,
tem-se agora o “conhecido-sem-conhecer”.
236 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
Veja-se, ainda, que o art. 5º, V, da CRFB, invocado pelo TST
como violado, diz: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem”. Em que sentido e em que medida esse dispositivo possuía
relação com o caso em discussão? Até onde vai o grau de desprezo ao
texto pelo nosso Judiciário? Não há possibilidade, dentro de um Estado Democrático de
Direito, de um tribunal deixar de aplicar a legislação atinente à
admissibilidade de recursos e proferir uma decisão ad-hoc. E o quadro é ainda mais trágico quando o TST invoca, para cometer a
inconstitucionalidade, a própria Constituição (e logo o art. 5º, locus
privilegiado dos direitos fundamentais). Como esse comando possibilita se passar por cima de critérios de admissibilidade recursal?
Seria uma espécie de “cláusula geral” a permitir ao TST que, sempre
que “perceba uma injustiça”, passe por cima de todos os
procedimentos estabelecidos validamente pelo legislador ordinário?
A vingar a decisão do TST, abrir-se-á espaço para uma
espécie de institucionalização do decisionismo: não interessam mais
os procedimentos e requisitos formais; sempre que o Tribunal
entender que a decisão foi injusta, poderá modificá-la, ainda que
sequer conheça do recurso intentado. A “justiça”, pois, sempre dependerá de atos individuais – o que, per se, já é antidemocrático
130.
No caso sob comento, o princípio que se retira do
julgamento do TST (aquilo que a common law chama de holding)
é que, sempre que o valor de indenização se mostrar abusivo, não
importa se o recurso foi ou não admitido, o Tribunal pode alterá-
lo. Em outras palavras: a partir desse julgado, quem for
130Em verdade, mais que atos individuais, depender-se-á de atos “bondosos” dos julgadores para conosco, e, como diz Agostinho Ramalho Marques Neto, “quem nos protege da bondade dos bons?” (MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. Revista ANAMATRA, São Paulo, n. 21, 1994, p. 50). Porque a bondade para um pode ser a maldade para o outro, e vice-versa. No caso, a “bondade” do TST para o empregador
foi a “maldade” para o empregado.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 237
condenado a pagar determinado valor e o achar abusivo, pode
reclamar ao TST, não importando se o recurso de revista reúne
ou não os requisitos de admissibilidade.
O problema dessa orientação são seus efeitos colaterais –
como diria o famoso Conselheiro Acácio, do livro “O Primo
Basílio”, de Eça de Queiroz, “as consequências vêm sempre
depois”.
Como funciona o controle de tal abusividade ou injustiça?
Como medir, sem recorrer à subjetividade do juiz, se a
indenização foi ou não abusiva ou injusta? Invocando agora o
caput do art. 5º da CRFB, quando trata da isonomia e da
igualdade: se o TST pode fazer isso nos casos de valor abusivo,
pode fazê-lo em casos contrários, quando o valor for irrisório?
Há mais: a redução em 25 vezes (de R$ 25.000,00 para R$
1.000,00) não configura também a violação do princípio da
proporcionalidade (art. 944 do CC)? E por que 25 vezes? Por que
não5, 10, 15, 20 vezes, apenas para ficar nos múltiplos de cinco?
Há algum precedente nesse patamar? Se há, o acórdão do TST
não o traz a baila Como fica, neste caso, a integridade do direito e
o respeito aos precedentes?
É de bom tom lembrar que, em nenhum dos julgados acima
estudados131
, o Tribunal alegou que os textos ignorados (arts. 212 do
131 O leitor mais atento deve sentir a ausência, no texto, da decisão do STF quando do julgamento da Rcl 4335-5/AC, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, j. 20/03/2014, na qual o Tribunal criou um novo texto para o art. 52, X, da Constituição de 1988, como abertamente admitiram os Min. Gilmar Mendes (“poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto”, grifos do original) e o Min. Eros Grau (“Note-se bem que S. Excia. não se limita a interpretar
um texto, a partir dele produzindo a norma que lhe corresponde, porém avança até o
ponto de propor a substituição de um texto normativo por outro. […] Aqui passamos em verdade de um texto [compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal] a outro texto [compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva do Supremo].”, negritos ausentes no original). Contudo,
embora este autor concorde que a medida adotada pelo STF foi, de fato,
238 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
CPP, 501 do CPC e 896, “c”, da CLT) padecessem de algum tipo de
ilegalidade ou inconstitucionalidade. Jamais se disse que tais textos seriam inválidos ou se lançou mão da jurisdição constitucional para
combatê-los. Não! Simplesmente se decidiu ignorá-los, seja
atribuindo-lhes sentidos semanticamente incompatíveis (no caso do
art. 212 do CPP), seja arbitrariamente criando exceções não cogitadas (no caso do art. 501 do CPC), seja afastando, de forma arbitrária, sua
incidência (no caso do art. 896, “c”, da CLT), tudo a fim de fazer
prevalecer a solução que o Tribunal considerava mais justa e adequada ao caso.
Em nome de quê é possível que o Judiciário ignore, atropele
ou aja com descaso a uma legislação aprovada democraticamente e válida do ponto de vista constitucional? É possível que se negue
aplicação a um comando jurídico sem se utilizar da jurisdição
constitucional ou da resolução de antinomias para tanto?
... chega-se a conclusão de que se está diante simplesmente do
dever – inerente ao Estado Democrático de Direito – de
cumprir a lei (constitucional), pois este, como se sabe, é um
dos preços impostos pelo direito e, sobretudo, pela democracia!
E, permito-me insistir: por vezes, cumprir a “letra da lei” é um
avanço considerável. Lutamos tanto pela democracia e por leis
mais democráticas...! Quando elas são aprovadas, segui-las à
risca é nosso dever. Levemos o texto jurídico a sério, pois!
(STRECK, 2010, p. 170)
O STJ e o TST, ao transformarem o que o direito é naquilo
que ele gostaria que o direito fosse, demonstram postura
antidemocrática (pois ignoram as normas jurídicas advindas do Parlamento, o órgão constitucionalmente encarregado de criá-las) e
inconstitucional e antidemocrática, por ignorar o texto de comando criado pelo constituinte – “originário”, diga-se – e com longa tradição em nosso Direito (art. 91, IV, da Constituição de 1934; art. 64 da Constituição de 1946; e art. 42, VII, da Constituição de 1967/69), além de ignorar a diferença ontológica entre texto e norma, a análise de tal decisão envolveria a abordagem da denominada “mutação
constitucional”, a qual foge ao escopo deste trabalho e exige estudo próprio.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 239
agem com odioso decisionismo, que inclusive vai além daquele visto
em Hans Kelsen (pois sequer as “molduras semânticas” são respeitadas, já que as decisões acima vistas são incompatíveis com o
próprio texto dos comandos) e em Herbert Hart (eis que as regras dos
arts. 212 do CPP, 501 do CPC e 896, “c”, da CLT, são
suficientemente claras para não se enquadrarem no conceito de “zona de penumbra” por ele criada, tratando-se, pois, de easy cases).
Trata-se de posturas perigosas para a democracia. Aos juízes
não é dado o poder de transformar os textos aprovados pelo legislador em normas com sentido atribuído arbitrariamente por eles próprios, os
juízes. Não é lícito a eles subtrair algo que o texto diz (como o
ocorrido com o parágrafo único do art. 212 do CPP, manifestamente querido pelo Parlamento), adicionar algo que o texto não diz (como a
exceção adstrita ao art. 501 do CPC, sequer cogitada pelo legislador)
ou afastar aquilo que ele ordena (como os pressupostos de
admissibilidade previstos no art. 896, “c”, da CLT). Diga-se que a postura agora defendida não tem nada de
“positivista” e nem se quer proibir o juiz de interpretar (o que seria
absurdamente contraditório, pois as críticas que ora se fazem são todas de cunho eminentemente hermenêutico). O que se quer dizer é que
não é dado ao hermeneuta, sob o manto da interpretação, agir como
Humpty Dumpty e fazer com que as palavras signifiquem o que ele quer que signifiquem. Os sentidos não estão à disposição do
intérprete, seja em razão dos limites semânticos, seja em razão da
integridade do Direito.
Obedecer “à risca o texto da lei” democraticamente construído
(já superada a questão da distinção entre direito e moral) não
tem nada a ver com a “exegese” à moda antiga (positivismo
primitivo). No primeiro caso, a moral ficava de fora; agora, no
Estado Democrático de Direito, ela é co-originária. Portanto
[...], estamos falando, hoje, de uma outra legalidade, uma
legalidade constituída a partir dos princípios que são o marco
da história institucional do direito; uma legalidade, enfim, que
se forma no horizonte daquilo que foi, prospectivamente,
240 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
estabelecido pelo texto constitucional. (STRECK, 2010, p.
170)
Seguir a “letra da lei” não é uma atitude positivista. Em um regime democrático, seguir à risca o texto da lei (parafraseando Lenio
Streck) é um avanço considerável, pois demonstra a primazia da lei
sobre a discricionariedade dos juízes, que a pretexto de não serem meros “exegetas” ou “boca da lei”, acabam por criar o direito com
base em seus sentimentos, opiniões e valores pessoais.
... é positivista tanto aquele que diz que texto e norma (ou
vigência e validade) são a mesma coisa, como aquele que diz
que “texto e norma estão descolados” (no caso, as posturas
axiologistas, realistas, pragmaticistas, etc.). [...] Ou seja:
apegar-se à letra da lei pode ser uma atitude positivista ou pode
não ser. Do mesmo modo, não apegar-se à letra da lei pode
caracterizar uma atitude positivista ou antipositivista. Por
vezes, “trabalhar” com princípios [...] pode representar uma
atitude (deveras) positivista. (STRECK, 2010, p. 170-171)
Em verdade, ignorar dispositivos legais sem lançar mão da
jurisdição constitucional é, não só, repisar o positivismo irracional da
aplicação do Direito na Teoria Pura de Hans Kelsen e render homenagens à discricionariedade judicial de Herbert Hart, quanto
insistir no pior fruto deixado pelo positivismo: o decisionismo e todo
o deficit democrático que advém de juízes que podem criar o direito
como quiserem, com base unicamente em “suas consciências” e sem qualquer tipo de accountability, sujeitos que são apenas ao “tribunal
da razão”.
Decisões judiciais podem – e devem, cada vez mais – ser objeto de controle hermenêutico pelas partes, pelos juristas
(especialmente a doutrina) e pela sociedade em geral. Não podemos
cumprir a lei só quando nos interessa. O acentuado grau de autonomia
alcançado pelo direito e o respeito à produção democrática das normas faz com que se possa afirmar que o Judiciário somente pode deixar de
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 241
aplicar um texto (e, obviamente, sua norma) quando lançar mão da
jurisdição constitucional ou for o caso de resolução de antinomias. Fora desses casos, cumprir a “letra da lei” é o que se espera de
um juiz que respeita a democracia. Essas são as regras do jogo
impostas pela tradição iniciada com a Constituição de 1988, se
quisermos um Direito íntegro e um Judiciário que esteja sujeito a parâmetros decisórios minimamente racionais e democráticos.
6 Conclusão.
A diferença ontológica entre texto e norma, advinda da
hermenêutica filosófica e da dimensão normativa dos princípios demonstrada por Ronald Dworkin, impossibilita a existência
autônoma do texto e da norma: um não pode subsistir sem o outro.
Por isso, afirmar que a norma é o produto da interpretação do
texto não significa que o intérprete pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”, atribuindo sentidos de forma arbitrária ao texto,
como se norma e texto estivessem separados. A norma não pode
superar o texto. O Judiciário não pode, assim, ignorar os textos legais a seu
bel-prazer, seja atribuindo-lhes sentidos semanticamente
incompatíveis, seja arbitrariamente criando exceções não cogitadas, seja subtraindo algo que o texto diz ou ainda adicionando algo que o
texto não diz. Os textos não dizem aquilo que os intérpretes querem
que eles digam, pois não são dotados de “grau zero” de sentido: a
interpretação encontra limites semânticos e na tradição do Direito, importantíssimo elemento de sua integridade.
Seguir a “letra da lei”, pois, longe de significar uma postura
positivista superada pela “era dos princípios”, é uma imposição de seu caráter deontológico, que cada vez mais estreita o horizonte
hermenêutico à disposição do intérprete. Ao Judiciário só é lícito
afastar a aplicação de um comando jurídico e não seguir seu texto
quando for o caso de lançar mão da jurisdição constitucional ou de resolução de antinomias, sob pena de um decisionismo ainda mais
242 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
descontrolado e antidemocrático que aqueles vistos em Hans Kelsen e
Herbert Hart. Espera-se, então, que os parlamentares democraticamente
eleitos produzam os comandos jurídicos constitucionalmente válidos
e que o Judiciário os siga integralmente. Assim, ganha a democracia e
a integridade do Direito.
Referências
ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira: situação e limites. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica,
Porto Alegre, vol. 1, n. 2, p. 169-188, 2004.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. 2 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação
dos princípios jurídicos. 4 ed. rev. 3ª tiragem. São Paulo: Malheiros
Editores, 2005. BELING, Ernst Ludwig von. Die Lehre vom Verbrechen. Tubingen:
Mohr (Paul Siebck), 1906.
BETTIOL, Giuseppe; BETTIOL, Rodolfo. Instituições de Direito e Processo Penal.Trad. Amilcare Carletti. São Paulo: Pilares, 2008.
BLACKSTONE, Sir William. Commentaries on the Laws of England.
Livro I. 3 ed. Oxford: Clarendon Press, 1768. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17 ed., atual.
São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
BOROWSKI, Martin. La restricción de los derechos fundamentales.
Revista Española de Derecho Constitucional, Madrid, año 20, n. 59, p. 29-56, mayo-agosto 2000.
BULOS, Uadi Lamnego. Manual de Interpretação Constitucional.
São Paulo: Saraiva, 1997. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo:
Direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
CARROLL, Lewis. Alice no País dos Espelhos. Trad. Pepita de Leão. São Paulo: Martins Claret, 2008.
Cognitio Juris – www.cognitiojuris.com | 243
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do
Direito. São Paulo: Saraiva, 2006. DWORKIN, Ronald. Domínio da Vida: Aborto, eutanásia e liberdades
individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
______. Justiça para Ouriços. Trad. Pedro Elói Duarte. Coimbra: Almedina, 2012.
______. Law’s Empire. Cambridge: Harvard University Press, 1986.
______. Talking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978.
HART, Herbert Lionel Adolphus. Essays in jurisprudence and
philosophy. New York: Oxford, 1985. ______. O Conceito de Direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 2 ed.
Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1994.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista
Machado. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LAURENTIIS, Lucas Catib de. Os limites constitucionais da
liberdade de imprensa: possibilidades da aplicação da técnica de
ponderação de princípios constitucionais. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, Uberlândia, v. 39, p. 95-131, 2011.
MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. O Poder Judiciário na
Perspectiva da Sociedade Democrática: O Juiz Cidadão. Revista ANAMATRA, São Paulo, n. 21, p. 30-50, 1994.
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. São
Paulo: Dialética, 2002.
MÜLLER, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. Trad. Peter Naumann. 4 ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11 ed., rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais: Teoria geral. 2 ed.
Coimbra: Wolters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010.
SALDANHA, Nelson. Racionalismo jurídico, crise do legalismo e problemática da norma. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em
Direito da UFPE, Recife, n.º 10, p. 203-216, 2000.
244 | Cognitio Juris - Ano IV - Número 10 - Junho 2014
SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil.
Vol. 1. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. STRECK, Lenio Luiz. Aplicar a “Letra da Lei” é uma Atitude
Positivista?. Revista Novos Estudos Jurídicos, eletrônica, v. 15, n. 1, p.
158-173, jan./abr. 2010.
______. Diferença (Ontológica) Entre Texto e Norma: afastando o fantasma do relativismo. Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Lisboa, v. XLVI, p. 55-86, 2006.
______. O (Pós-)Positivismo e os Propalados Modelos de Juiz (Hércules, Júpiter e Hermes) – Dois Decálogos Necessários. Revista
de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, n. 7, p. 15-45, jan./jul.
2010a. ______. O que é isto – decido conforme minha consciência? 4 ed. rev.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013.
______. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias
Discursivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. TRIBE, Laurence; DORF, Michael. Hermenêutica Constitucional.
Trad. Amarílis de Souza Birchal. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.