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Cegoalimentofogo d'aqueleaosoutros livro desconsiderado como eletrónico

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cegoalimentofogo é vos apresentado diretamente do Mundo d’Espelhos e contempla, junto da alma que nos é fugidia e da carne que nos é premente, o exposto conceito de uma obra ponderada a existir. Considerai-vos permanentemente incoerentes e erróneos, lamacentos até aos sulcos impróprios das vísceras e puros, se virgindades vos couberem, só de engano! A humanidade é essa falência. Pensai-vos por dentro e para fora, não de dentro e por fora. Dinis Maria de Brito, um feto morto.

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d’AqueleaosOutros

cegoalimentofogo d’AqueleaosOutros

Publicação tendencialmente gratuita, com tradução

esporadicamente considerada em fazer sentido por Aquele.

~ 2013

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cegoalimentofogo

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cegoalimentofogo é vos apresentado diretamente do Mundo d’Espelhos e

contempla, junto da alma que nos é fugidia e da carne que nos é premente, o

exposto conceito de uma obra ponderada a existir.

Considerai-vos permanentemente incoerentes e erróneos, lamacentos até aos

sulcos impróprios das vísceras e puros, se virgindades vos couberem, só de

engano!

A humanidade é essa falência. Pensai-vos por dentro e para fora, não de

dentro e por fora.

Dinis Maria de Brito, um feto morto.

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[eu tinha na face as duas janelas do mundo]

eu tinha na face as duas janelas do mundo As minhas

revestidas pela pelicula dedilhada do descuido Uns óculos

queimava a tua imagem alvinitente no opaco vítreo

como um níquel na densa lâmina da cidade.

existiam momentos em que a nébula atraiçoava-me

era só eu tu e os nossos cheiros a misturarem-se com o cheiro da casa

o cheiro da vila e o cheiro mais intenso que o cheiro porque eu já não via

eram duas janelas acortinadas pelo baço espesso da esclera.

quanto mais cego me fui tornando, mais me fui lembrando dos pormenores.

acho que me ajuntei às tardes no sofá duro com o corpo tombado prenunciado

conhecendo que seria em ti que se iria estender a minha visão.

assim foi Hoje tateio as coisas muitas com aquilo que vês.

a ideia romanesca de uma cara-metade contigo fabricou-se num sentido

v

e

r

t

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cegoalimentofogo

i

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a

l

de mim tens o pensamento e todas as imagens do exercício mutável do mundo

em mim guardo o teu aroma a tua voz e os teus beijos Os teus beijos.

esse veludo do aspirar peloso com o creme cálido a falar a paixão num fôlego

sempre soubeste contar os sussurros do globo na diáspora cardíaca da tua

[saliva

com o contorcer natural lascivo das palavras na câmara do corpo.

um pulsar intenso conectava-se A palpitação elétrica aglutinava

todo o espaço nas mãos suaves cuidadosas que pousavam o desejo na face

A respiração fintava as narinas com uma vontade diluída.

eu deitava os cristais da minha alma enquanto deles rugia o brilho

nos teus cristais de alma essa pedra que dilacerava-me a dúvida ao dilatar

sobre ti dormia o monstro que te entregava Um homem-nada na lava osculosa

[que me deste.

o sofá duro tinha contigo o sabor etéreo das coisas agigantadas.

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[eu ainda penso que os cantos são sensíveis à ausência dos diálogos]

eu ainda penso que os cantos são sensíveis à ausência dos diálogos

o nosso horário diluído encostados à cal rugosa com a erva daninha

a respirar do chão compacto e a sombra do verão que fingia haver

era num delido nostálgico a breve imagem de que voltávamos

a ser o nervosismo e o corpo nato das horas em que não nos víamos.

nós somente um e outro alongados atrás do pavilhão

a ouvir o desinteresse das apneias do cérebro à porta das casa de vento.

a infinidade do relógio aglutinava tudo até ser o efémero hiato de existência.

o espaço era nosso Agora nosso qualquer outra derme e carne seria anticorpo.

aprendia amiúde a latência do halo que me fixava Eras o reflexo mármore

da terra acre onde o sol era uma lâmina quente sádica e o mundo

todo esse continente de suicídios era inadvertidamente o maior erro divino,

[se o divino aspirasse a existir.

os beijos mornos justificavam as escondidas ainda que descobertas que

[praticávamos.

o homem não merece ver tal éter no alcatrão timbrado.

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[às vezes também me corres como se fosse o último abraço que te aquece]

às vezes também me corres como se fosse o último abraço que te aquece

como se o meu corpo fosse mais que o calor dos verões passados

[que ainda me restam Enganas-te não é

ainda tenho castelos desfeitos na algibeira Não é mais que uma

[tentativa desesperada em manter a memória.

ah A memória Ou as imagens lençóis pintados nas cordas da cidade

a secarem e a gemerem o sol como o motor daquilo que já existe

essa coisa adiáfora agora só a ti te pertence deixei de me recordar

de tudo quando isso eras tu A lembrança engorda a ausência.

e eu corto o pôr-do-sol com o salgado entranhado nos dedos que anoitecem.

agiganto o romper dos corações com o cenário novelesco e descansas a tua

[cabeça no meu ombro.

deixo-te que sintas o aroma do homem a quem incendeias como a espuma vai

[incendiando a costa.

os homens engordurados vendem bolas de Berlim e call drinks os africanos

[vestidos vendem girafas

bugigangas e óculos falsificados os turistas incautos escondem-se do sol

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[debaixo do pedregulho equilibrista.

eu modelo castelos de areia Uma cama de casal e vista para o mar.

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[contemplo a bravata dos solos lamacentos em dias de chuva]

contemplo a bravata dos solos lamacentos em dias de chuva

todo o sal oxigenado entranha-se na terra e liberta um aroma

fresco diluído e nostálgico De novo estou na era movediça da infância.

um espaço traído obliterado pelos ambares da belida enganosa

em que eu me invoco a conhecer os teus propósitos nos dias aguados um

[paradoxo.

sou um miopata no alcatrão remoto como se desintegrasse o músculo a cada

[passo

e cada passo cada passo Eu dou Não pela penitência da flagelação

mas pelo ímpeto ávido do encontro cada arrasto mais perto do que me amarra.

disto de ti como se fosse uma meia-noite Uma madrugada de hoje

[amortecida pelos olhos de ontem.

és uma madrugada ininterrupta no cego mato das pestanas que te guardam.

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[quantas vezes não me lembrei que não eramos do mesmo sexo]

quantas vezes não me lembrei que não eramos do mesmo sexo

sem que para isso tivesses que me fazer viajar pelo corpo que

cego como era seria só meu no nomadismo da pele suada.

não era o meu imperialismo que sequioso da babilónia desenhada

encarniçada procurava as tuas vestes despidas no nu do quarto.

nunca te procurei para além do que me disseste perder.

nunca o quis existem espaços para esconder os bibelôs valiosos

e as cartas de saudade ultramarina não ansiava a violação de tudo isso

sem a separação das costas rochosas ou a folha pintada de Outono a contarem-

[me um segredo.

sussurravas indo devagar por entre as letras de todos os mares e todas as

[árvores.

essas árvores e mares onde existes porque existes em tudo o que é natureza ou

[isso em ti

que te criou para que algum humano a purificasse eu tento mas sou um

[citadino ávido

com o descuido natural do metal rude todavia esforço-me sabendo os espaços

[e as distâncias

vou seguindo cego pela cidade tentando plantar as flores nos canteiros das

[janelas.

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as minhas Onde o pousar dos pássaros é uma lufada ferrugenta.

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[a relva onde nos deitamos são unhas afiadas no dorso noturno]

a relva onde nos deitamos são unhas afiadas no dorso noturno

já partilhei contigo o mundo enquanto as nuvens abraçavam o dia

como um familiar longínquo o suficiente para ainda fingir a saudade.

eramos só nós o corpo e nós os dois que víamos tudo como um.

víamos tudo como um como um.

relatavas a preciosidade das manhãs inertes no verão das árvores

a largura das tardes na sesta comprida as noites da saudade molhada

em que recordávamos os dias antes dos dias que sendo só dias

ocupavam o lugar eterno do quase esquecer das coisas.

a sua importância era ter estado contigo e lembrar o mundo tal como mo

[contaste:

Tu e tudo o resto.

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[tenho no meu sangue o fómite]

tenho no meu sangue o fómite Um pulsar de fósforos

nas veias que abraçam o teu corpo.

somos ambos o ménage das horas dispersas

a existência convexa incessante

onde tudo aglutina e difunde as horas cinematográficas românticas

em que o calor do corpo é o grito do egoísmo amoroso.

as casas são para serem isso Amiantos do deflagrar apaixonado;

onde a renuncia ao espaço exterior aconchega-se nos lençóis amarrados nas

[carnes

juntas, fluxionárias nas primaveras anexas.

é de ti que me levo.

sou a lápide do pólen na pétala vaga um liberto homem deitado na relva

com as nuvens deformadas na fala e a terra as minhocas e as cãibras a

[percorrerem a pele.

e depois tu trazes-me

um canteiro na janela esfumaçada da metrópole pendurada no cinzento

contigo numa réstia deitada ao fim-de-semana a beber de ti o índigo sabor

do avançar do tempo.

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tenho no meu sangue o rastilho mas mantém-me a flamejar em cada suspiro.

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[os meus dias nascem sempre sem ti são passados na cama]

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[os meus dias nascem sempre sem ti são passados na cama]

um barro monstro penetra a solidão da sala

a flor encarnada no seu topo ergue-se imponente

a soltar a fragrância dos astros molhados em que deitadas

as constelações vão concedendo desejos.

nem no centro da sala ela jaz A vontade em regá-la impele-me

a saber os seus segredos pouco mais sei que existe

ainda que ela a cada minuto me segrede o aroma da sua casa

da sua terra e da sua infância.

no fim do dia somente vou conhecendo aquilo que procuro na flor

Tudo.

o seu cheiro mostra-me a lembrança do que nela passou a existência baça

onde derivam os relatos remendados.

a sua alma essa retrata-me o que ela é a flor magna da casa.

essa parte de si não tem cheiro apenas existe tal como ela

para mostrar ao mundo a sua obra.

perfeita chama.

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[as noites a meia-luz são alentos do sexo]

as noites a meia-luz são alentos de sexo.

a lenha enrugada queima estala o fogo enquanto deslizas o talher pelo lábio

as velas desfazem o ar durante os goles do vinho tinto barato da reserva da

[minha despensa

os nossos aromas entrelaçam-se quando vãos contamos o dia caído até ao

[nosso encontro

a negritude da sala é nos fumos luminosos da chama a calma da cama em que

[o sexo esta noite

grita pelo romper do tempo à infinidade do pedaço gelado da morte.

somos a banda sonora que paira sobre a mesa enquanto a comida digere uma

[conversa acesa

um corpo aceso e uma alma-labareda todo o fogo contempla o cinzelar dos

[lençóis.

arrasto-te até ao quarto deixo tudo extinguir-se no fumo da solidão.

consumamos-mos em consumirmo-nos.

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[um sorriso é a fuligem dissipada das chaminés industriais]

um sorriso é a fuligem dissipada das chaminés industriais

a poluição sombria pinta-se policromática enquanto os músculos da tua cara

descontraem a felicidade dos assuntos tudo apazigua enquanto te sinto feliz.

os barulhos das fábricas silenciam-se muros de cartão suspendem-se num

[fôlego

solto à piada brejeira mais bem contada do desajuste.

por vezes é bom lembrar que as pequenas coisas nos preenchem o dia.

tal como tu vais preenchendo a boca com o sorriso do fogo da alfândega em

[que dormem

os pedidos de longe e os narcóticos de quem quando não soube amar se

[agarrou a coisa outra.

sorris mais uma vez.

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[às vezes lembro o toque no pesar da noite]

às vezes lembro o toque no pesar da noite

as persianas corridas deixam a lua mostrar-se intermitente

enquanto viajo nos pensamentos penso tanto em ti quando é de noite.

a cama rasga-se com as molas o estrondo do metal no tecido é igual

ao corpo hirto que embate nos corações de pano os remendos das agulhas

são as discussões fortuitas em que nos debruça-mos.

cubro o corpo sozinho com a manta Aquele calor fictício deitado real na

[memória

dá-me a saudade de não sentir os teus pés frios a percorrerem as pernas e todo

[o lado.

seria eu mais cego se não te sentisse o corpo à noite e não sinto.

resta-me o pensamento de te ter na distância esse lunático poderio

onde dissertaram os mais velhos poemas de amor.

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[a estória é sempre a folha incompleta do incumprimento humano]

a estória é sempre a folha incompleta do incumprimento humano

eu não vejo e sei que isso é devido à tua ausência

coisa essa que existe devido a já teres estado aqui e ainda estares

embora longe a contar-me a fábula da tua majestosidade que desconheces.

eu sou um pedaço de jardim na cidade com a cegueira voltada em te ter

durante todo o lugar eu sou todo o lugar que te conto.

sou cego sinto o cheiro e o som oiço a tua voz e sou o aroma arrancado

da tua cama à noite.

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Por fim termina este reduto de 1000 mais 1012, de mês Livre e dia algum.

Tudo isto para um prémio; e gratuito, para que estes mentecaptos se percam

em experimentalismos de merda.

Aquele Daniel Xavier Lopes, filho de pais.