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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE – FAC CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO SABRINA DE FREITAS SOARES BARRA PESADA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO FORTALEZA 2012

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … · 2014. 7. 22. · 1 INTRODUÇÃO ... 119,5% na violência. Esse estudo ressalta que a maioria dos jovens estudados é afetada pela

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  • CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

    FACULDADE CEARENSE – FAC CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

    SABRINA DE FREITAS SOARES

    BARRA PESADA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI:

    UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO

    FORTALEZA

    2012

  • SABRINA DE FREITAS SOARES

    BARRA PESADA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI:

    UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO

    Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência para

    obtenção do título de bacharel em Comunicação Social com

    habilitação em Jornalismo, sob a orientação da Profa. Espa. Klycia

    Fontenele Oliveira.

    FORTALEZA-CEARÁ

    2012

  • Biblioteca Maria Albaniza de Oliveira CRB – 3/867

    S676b Soares, Sabrina de Freitas

    Barra Pesada e adolescente em conflito com a lei: uma análise de conteúdo. / Sabrina de Freitas Soares. – 2012

    62 f. Orientadora: Profª. Esp. Klycia Fontenele Oliveira Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) –

    Faculdade Cearense, Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo, 2012.

    1. Jornalismo policila. 2. Telejornalismo policial. 3.

    Adolescente – infração. I. Oliveira, Klycia Fontenele. II. Título.

    CDU: 070.431

  • 4

    SABRINA DE FREITAS SOARES

    BARRA PESADA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI:

    UMA ANÁLISE DE CONTEÚDO

    Monografia apresentada como pré-requisito para a obtenção do título

    de bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo,

    na Faculdade Cearense – FaC, tendo sido avaliada no dia 14 de janeiro

    de 2013, pela banca examinadora composta pelas professoras:

    BANCA EXAMINADORA

    ______________________________________________________________________

    Profª. Msa. Lenha Aparecida Silva Diógenes - membro

    ______________________________________________________________________

    Prof.ª Espa. Mara Cristina Barbosa Castro - membro

    ______________________________________________________________________

    Profº Espa. Klycia Fontenele Oliveira - orientadora

  • 5

    A meus pais: Francisco José Alves Soares e Maria Elione Cabral de Freitas

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar agradeço a Deus, pois foi Ele quem me fortaleceu durante todo

    esse período. Nos momentos em que pensei em desistir, busquei refúgio em Deus e vi que

    todas as dificuldades têm uma solução, se existe fé e esperança no coração.

    Às Humildes Servas do Senhor, em especial à irmã Germana Silva, que com suas

    sábias palavras sempre me incentivaram a procurar nos estudos uma forma de crescimento

    para, posteriormente, ter um futuro melhor.

    Às empresas de Clipagem Total Clipping e AD2M que cederam, sem nenhum

    empecilho, as edições necessárias para a análise e realização deste trabalho.

    Não poderia deixar de lembrar alguns familiares que, mesmo indiretamente e sem

    perceber, fizeram com que eu criasse forças para terminar este trabalho, na esperança de ser a

    responsável pela salvação e orgulho da família.

    À minha querida orientadora Klycia Fontenele que, com paciência, sempre soube

    encontrar as palavras certas para não me desanimar. Ela é a segunda responsável por este

    trabalho ter sido realizado.

    Sem esquecer os amigos, pois foram tantos os que ouviram minhas dificuldades

    durante este período. À Williana e sua mãe Diana, agradeço por terem me adotado

    praticamente como filha ao longo desses meses, deixando que eu, muitas vezes, ficasse o dia

    inteiro utilizando a internet em sua casa.

    Ao Nildo, que me convidava para sair mesmo sabendo que ouviria um “não” e

    que, ainda assim, compreendia, por conta deste trabalho. À Patricy Damasceno, companheira

    de classe e de noites, pelas conversas de madrugada para que não dormíssemos quando

    precisávamos escrever.

    A Emilian, Jardeline, Amanda e Mikelane, que também passaram pelo mesmo

    processo de construção e que sempre tinham uma palavra amiga no momento necessário. Só

    tenho a dizer a elas que o futuro nos espera e que nos encontraremos pelos caminhos da

    profissão.

    À minha amiga e revisora Karine Dantas que, com sua forma louca de ser, pegou

    no meu pé quando escrevia coisas não muito ordenadas. Obrigada por suas dicas e

    impressões. Também à minha amiga de infância Francine Lima, que me ajudou já na última

    etapa, no momento de desespero. Ao meu amigo Nárcelio, que por várias vezes me ouviu

    falar na bendita monografia e rezava todos os dias para que ela ficasse pronta. Ao Felipe, por

  • 7

    acreditar no meu potencial. Por fim, ao meu namorado Leandro Veras, que sempre teve

    paciência e procurou me ajudar em tudo que eu precisava.

    Gostaria de agradecer a muitos outros amigos, em especial aos do Grupo de

    Jovens Madre Elisa Baldo, pois continuaram suas atividades mesmo sem minha presença e

    souberam respeitar este momento da minha vida. A mensagem que deixo a vocês é:

    continuem estudando, pois só assim poderemos ter uma vida melhor, conquistaremos nossos

    objetivos e realizaremos nossos sonhos.

    Muito obrigada a todos que acreditaram em mim!

  • 8

    RESUMO

    Neste trabalho foi analisado como o adolescente em conflito com a lei é retratado em 38 matérias veiculadas no programa Barra Pesada, da TV Jangadeiro, durante o período de 01 a 30 de julho de 2012. Para tanto, foram estudados alguns conceitos relacionados à adolescência e à maneira como os adolescentes são tratados pelas leis brasileiras. Também foram feitas reflexões sobre telejornalismo policial, sensacionalismo e opinião pública, dando atenção ao papel do âncora e sua influência na construção da opinião pública. Este trabalho observou, também, o uso do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) pelo referido programa, quando foram veiculadas notícias sobre atos infracionais cometidos por adolescentes.

    Palavras-chave: Adolescente. ECA. Telejornalismo Policial.

  • 9

    ABSTRACT

    In this work it was analyzed how the teenager in conflict with the law is seen in 38 itens showed in the TV programme Barra Pesada, of TV Jangadeiro, during the period from July 01 to July 30, 2012. Therefore, some concepts related to adolescence and to the way how the teenagers are treated by the Brazilian laws were studied. Also, reflexions were made on police telejournalism, sensationalism and public opinion, giving special attention to the anchorman role and his influence on the construction of public opinion. This work also observed the usage of ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) by the mentioned programme, when the news about infrational acts comitted by teenagers were exhibited.

    Key words: Teenager. ECA. Police Telejournalism.

  • 10

    SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................

    2 ECA E ADOLESCENTES NA MÍDIA.........................................................................

    2.1 Adolescência: Tempo de mudanças..............................................................................

    2.2 ECA: A criança e o adolescente como prioridade absoluta...........................................

    2.2.1 Adolescentes em conflito com a lei.............................................................................

    2.3 O ECA e as reportagens de TV.....................................................................................

    2.3.1 Adolescente infrator na mídia....................................................................................

    3 JORNALISMO POLICIAL: A CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO

    PÚBLICA............................................................................................................................

    3.1 Opinião Pública: Em busca de conceituação.................................................................

    3.1.1 O papel da mídia na formação da opinião pública..................................................

    3.2 Televisão: formadora de opinião...................................................................................

    3.2.1 Telejornalismo............................................................................................................

    3.3 Telejornalismo Policial: A cobertura............................................................................

    3.3.1 Telejornalismo policial..............................................................................................

    3.3.2 Telejornalismo policial no Ceará: Do Mão Branca ao Barra

    Pesada..................................................................................................................................

    4 ANÁLISE.........................................................................................................................

    4.1 Metodologia: caminho percorrido..................................................................................

    4.2 O Programa Barra Pesada..............................................................................................

    4.3 Os adolescentes infratores na descrição das edições......................................................

    4.3.1 Adolescente em conflito com a lei...............................................................................

    4.3.2 Adolescente vítima sem antecedentes criminais..........................................................

    4.3.3 Adolescente quando comete ato infracional contra outro adolescente, ambos com

    antecedentes criminais.........................................................................................................

    4.3.4 Adolescente vítima com antecedentes criminais.........................................................

    4.4 Da análise ao resultado final..........................................................................................

    CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................

    REFERÊNCIAS................................................................................................................

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  • 11

    1 INTRODUÇÃO

    Segundo pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

    (IBGE, 2012), o total de pessoas de 0 a 18 anos de idade, no Brasil, corresponde a 59.657.339

    indivíduos. Isso significa 33,3% da população brasileira. Já os adolescentes de 12 a 18 anos

    incompletos correspondem a 12,6% da população total. Na mesma pesquisa, foi diagnosticado

    que a problemática infanto-juvenil aparece em primeiro plano quando o assunto é violência.

    A violência praticada por adolescentes vem crescendo a cada dia. Na década de

    1980, o total de mortes de crianças e adolescentes era de apenas 6,8%. Em 2012, representa

    26,6%. No Ceará, os números também são elevados. De acordo com a conclusão do Mapa da

    Violência de 2010 (Anatomia dos Homicídios no Brasil), Fortaleza teve um aumento em

    119,5% na violência. Esse estudo ressalta que a maioria dos jovens estudados é afetada pela

    desigualdade social.

    A pesquisa aqui apresentada tem o seguinte título: “Barra Pesada e adolescente

    em conflito com a lei: uma análise de conteúdo”. Ela propõe analisar como é retratado o

    adolescente em conflito com lei nas matérias apresentadas nesse programa. Será também

    discutida a influência deste programa, bem como a do seu âncora, o jornalista Nonato

    Albuquerque, na construção da opinião pública, além do respeito ao ECA (Estatuto da

    Criança e do Adolescente) diante da produção de matérias sobre atos infracionais cometidos

    por adolescentes.

    A lei nº 8.069 do ECA foi criada em 13 de julho de 1990 como “instrumento de

    luta na defesa dos direitos da população infanto-juvenil”. A partir dessa data, de acordo com o

    ART 2º, ficou acertado que é considerada criança, para efeitos da lei, o indivíduo de até doze

    anos de idade incompletos; e considerado adolescente aquele entre doze e dezoito anos de

    idade incompletos. Serão estudadas, neste trabalho, as pessoas entre doze e dezoito anos

    incompletos: os adolescentes que não possuem maioridade penal.

    Segundo Rui Marins (2008, p. 18), “a televisão consegue colocar no universo das

    famílias tudo aquilo que projeta no seu vídeo, levando as pessoas a aceitarem ou rejeitarem os

    padrões de comportamento”. Por ser um meio de comunicação massivo, ela dita normas que

    influenciam positiva ou negativamente a construção da opinião pública. O jornalismo policial

    faz parte deste conteúdo programático. O estado do Ceará possui cinco programas com esse

    viés, dentre os quais o Programa Barra Pesada, escolhido como objeto desta pesquisa.

  • 12

    O Barra Pesada é um programa policial que está presente no cotidiano dos

    telespectadores cearenses. Segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística

    (Ibope), o programa foi líder em audiência pela segunda vez consecutiva no mês de outubro

    de 2012 (JANGADEIRO ONLINE, matéria veiculada em 19/10/12). Apresentado pelo

    jornalista Nonato Albuquerque, o programa atingiu média de 10,22 pontos, enquanto as

    emissoras concorrentes (as quais não foram reveladas na matéria) obtiveram 9,49 e 9,39

    pontos. É transmitido das 11h50 às 13h50 e, com seu conteúdo quase que integralmente

    policial, exibe para a população os fatos relativos à criminalidade no estado do Ceará. O

    âncora1, que é jornalista e apresentador do programa, transmite seu discurso sobre as

    reportagens, a partir de comentários.

    Com base nas pesquisas bibliográficas, o estudo discorrerá sobre como o Barra

    Pesada apresenta os adolescentes em conflito com a lei e como essa retratação influencia a

    formação de opinião pública. Juntamente à análise documental dos programas serão

    relacionados os tipos de atos infracionais praticados por esses jovens, a forma como o

    programa trata essa temática, levando em consideração o amparo que a lei fornece e,

    finalmente, refletiremos sobre como a notícia é veiculada no que diz respeito à

    impossibilidade do uso da imagem do jovem na mídia. O estudo dessa temática é importante

    para a sociedade, visto que refletirá sobre como a mídia pode formar a opinião dos

    telespectadores.

    O estudo apresentará, ainda, o que o ECA observa em relação aos atos

    infracionais e como são as restrições em relação à mídia. Como serão analisadas as matérias

    referentes aos adolescentes em conflito com a lei em 22 programas exibidos no mês de julho

    de 2012 (mês em que se recorda a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente), este

    estudo utiliza, além da pesquisa bibliográfica, a análise do conteúdo, priorizando a pesquisa

    qualitativa, pois ela “responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências

    sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado.” (MINAYO, 2003, p. 22).

    Na análise do conteúdo, será feito um estudo das matérias que tratam do adolescente em

    conflito com a lei, além dos comentários feitos pelo âncora.

    No primeiro capítulo, é abordado todo o percurso da legislação brasileira com

    relação ao tratamento dado aos adolescentes até o surgimento do Estatuto da Criança e do

    1 Âncora: Um jornalista que participa de todo o processo de produção de um telejornal e, não só apresenta, como também, comenta, interpreta e opina sobre as notícias (REVISTA ELETRÔNICA TEMÁTICA, 2009. Disponível em: . Acesso: 03/01/2013).

  • 13

    Adolescente. São apresentadas as medidas socioeducativas2 como forma de recuperação deste

    adolescente infrator e também os direitos estabelecidos pela lei quando eles fazem parte das

    matérias dos programas policiais.

    O segundo capítulo traz a questão da opinião pública e a mídia. Recorda o

    surgimento desta opinião e a relaciona com o papel do âncora que, dentro do telejornalismo,

    transmite sua opinião aos telespectadores. Iremos falar, ainda, do telejornalismo policial e sua

    abrangência no Ceará, mais especificamente do programa Barra Pesada.

    No terceiro capítulo, além de apresentar a metodologia utilizada na construção

    deste trabalho, são relacionados os atos infracionais praticados por esses adolescentes que são

    representados no programa e é feita a análise do material colhido, juntamente com reflexões

    obtidas a partir da pesquisa.

    2 Medida Socioeducativa: “é a medida aplicada pelo Estado ao adolescente que comete ato infracional (menor entre 12 e 17 anos), tem natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, visa a inibir a reincidência; sua finalidade é pedagógica e educativa.” (Disponível em: . Acesso: 08/01/2013).

  • 14

    2 ECA E ADOLESCENTES NA MÍDIA

    Este capítulo aborda o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente

    (ECA). Reflete sobre os conceitos de adolescente ao longo dos anos e a mudança de

    comportamento nessa fase da vida. Mostra como o adolescente constrói a sua identidade

    diante das dificuldades enfrentadas, apontando também a evolução no tratamento para com as

    crianças e adolescentes na época em que o Código para Menores ainda era a lei que cuidava

    desses indivíduos; e a mudança nas leis ao longo dos anos.

    Apresenta, ainda, as medidas socioeducativas como maneira de reintegrar o

    adolescente ao convívio familiar e em comunidade, já que ele deve prestar serviços à

    população à sua volta. Deste modo, este capítulo retoma o surgimento do ECA e apresenta as

    diferenças existentes entre ele e o antigo Código para Menores, buscando apontar as

    diferenças que ocorreram desde 1990.

    Enfim reflete sobre como a mídia, diante de seu papel de formadora de opinião,

    retrata esses adolescentes, tendo em vista a existência do ECA e as punições previstas nele

    para todo o tipo de divulgação da imagem deste adolescente ou de seus familiares, facilitando

    a exposição de sua identidade.

    2.1 Adolescência: Tempo de mudanças

    Podemos pensar em adolescência como sendo aquele período saindo da infância e

    entrando em uma nova fase da vida, ainda em desenvolvimento, ou seja, é a fase em que a

    pessoa deixa de ser criança e se torna adolescente. “A adolescência é também um tempo de

    transição. Considerada no passado apenas como um breve interlúdio entre a dependência da

    infância e as responsabilidades da vida adulta atribuída ao jovem.” (FERREIRA; NELAS,

    2006, p. 1). É ainda nesta fase que acontecem mudanças de comportamento.

    Ela é considerada uma fase de transição entre a infância e a fase adulta, quando a

    pessoa passa por transformações físicas e psicológicas. Momento em que podem surgir

    questionamentos sobre os padrões da sociedade. De acordo com a Organização Mundial de

    Saúde (FERREIRA; NELAS, 2006, p. 2), “a adolescência compreende o período entre os

    onze e dezenove anos de idade, desencadeado por mudanças corporais e fisiológicas

    provenientes da maturação fisiológica.”. Também para o Estatuto da Criança e do

    Adolescente, é tido como adolescente “[...] a pessoa entre doze e dezoito anos de idade

    incompletos.” (ECA, 1998, p. 07), sendo estes amparados pela lei.

  • 15

    Podemos perceber que há uma variação de idade entre os dois conceitos. O

    primeiro é estudado pelos psicólogos. Para eles, o adolescente passa da adolescência para a

    fase adulta com 19 anos. No Brasil, diante da lei, a definição que é aceita nos casos de

    infrações é a do ECA, pois a outra definição é apenas para estudos referentes à psicologia.

    Para Braconnier e Marcelli, 2000 apud Ferreira e Nelas (2000, p. 6), “a

    adolescência é um período em que o indivíduo faz a experiência das contradições, do

    paradoxo e do sofrimento.”. Para os autores, na adolescência, o indivíduo passa por um

    processo de transição. Ao mesmo tempo em que procura se tornar independente, recorre aos

    pais quando se vê envolvido em situações embaraçosas. O adolescente busca sua liberdade e

    tenta transmitir aos outros essa confiança que está começando a adquirir.

    Da população brasileira, tendo como base o ano de 2000, 15% eram adolescentes,

    ou seja, 25 milhões de pessoas têm a faixa etária entre 12 e 17 anos de idade (IBGE, 2000).

    Nesta pesquisa do IBGE, somente no Estado do Ceará a população total de adolescentes, entre

    15 e 17 anos de idade, correspondia a 846.653 pessoas. A população total no Ceará, neste

    mesmo ano era de 8.452.381. Podemos perceber que mais de 2% da população cearense era

    formada por adolescentes. É justamente destes adolescentes, uma importante parcela da

    população brasileira, que iremos tratar.

    2.2 ECA: A criança e o adolescente como prioridade absoluta

    O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é fruto da Lei Federal Nº 8.069, de

    13 de julho de 1990, que assiste de uma maneira mais específica esse público. Com a

    existência da Constituição, crianças e adolescentes do Brasil são observados, do ponto de

    vista social e cultural. “[ECA] representa um desses instrumentos de luta na defesa dos

    direitos da população infanto-juvenil.” (ECA, 1998, p. 6).

    Esse estatuto foi base para a instituição do Fórum Nacional de Entidades Não-

    Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA)3 e do

    3 DCA: Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente. Criado em março de 1988, a partir do encontro de vários segmentos organizadores de defesa da criança e do adolescente. Este movimento foi decisivo na redação e aprovação do capitulo da criança e do adolescente na Constituição de 1988 e, posteriormente, na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A mobilização em defesa dos direitos da criança e do adolescente, que culminou com a criação do fórum DCA, fez parte do processo de redemocratização deflagrado na década de 80 do século XX. Com o tempo, surgiram também Fóruns Estaduais DCA, que hoje também integram esta grande articulação nacional, (chamados de FNDCA). Pode ser considerada a principal coalizão brasileira na área dos direitos infanto-juvenis e representa direta e indiretamente aproximadamente mil organizações da sociedade civil (FÓRUM NACIONAL DCA, disponível em: . Acesso: 03/01/2013).

  • 16

    Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGD)4. O ECA foi criado para

    priorizar essas crianças e adolescentes; “traz em sua base a doutrina de proteção integral,

    reforça o princípio da criança e do adolescente como ‘prioridade absoluta’.” (ANDI, 2011, p.

    14)5. Pode-se dizer, então, que o ECA surgiu para amparar todas as crianças e adolescentes

    sem distinção, os que cometem atos infracionais e os que são vítimas de violência.

    O Código de Menores, lei que vigorou por 52 anos (desde 1927 passando por

    modificações em 1979) até a criação do ECA, era voltado apenas para crianças em situação de

    risco ou quando autores de ato infracional. Com o surgimento do ECA, todas as crianças e

    adolescentes foram amparados pela lei, sendo considerados “cidadãos em fase peculiar de

    desenvolvimento.”(ANDI, 2011, p. 16).

    No século XX, quando ainda predominava o Código de Menores, crianças e

    adolescentes eram tratadas com denominações impróprias.

    Historicamente, esses jovens percorreram uma trajetória marcada por denominações estigmatizantes (desvalidos, vadios, vagabundos, menores delinqüentes, marginais, bandidos, pivetes, trombadinhas, carentes, meninos de rua etc.) e marcantes em cada contexto histórico-social, já no limiar do século XX (EVANGELISTA, 2007, p. 10).

    Ainda de acordo com Evangelista (2007), ao longo desse século, marcado por

    essas denominações, muita coisa foi mudando. No Brasil, qualquer processo criminal de um

    adolescente menor de quatorze anos de idade foi excluído. A partir daí, esses adolescentes

    passaram a ser tratados de maneira diferente do tratamento dado a um adulto.

    O adolescente no Código de Menores era tido como aquele filho de pais

    irresponsáveis que, por conta das condições sociais e familiares, tinha uma vida desregrada.

    4 SGD: O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, nos níveis federal, estadual, distrital e municipal. No entanto, após quase 18 anos de implantação do ECA, este sistema, na prática, não está integralmente institucionalizado e vem trabalhando de forma desarticulada, com problemas na qualificação de seus operadores. Isto causa prejuízo na implementação de políticas públicas que garantam os direitos assegurados pela legislação em vigor (Secretaria dos Direitos Humanos, disponível em: . Acesso: 03/01/2013). 5 ANDI: Agência de Notícias dos Direitos da Infância nasceu no Brasil que, pouco antes, havia promulgado sua nova Constituição (1988), restaurando as liberdades e consagrando a democracia. Graças à forte pressão popular, a nova Carta proclamava, em seu artigo 227, que os direitos das crianças e dos adolescentes deveriam ser tratados como “prioridade absoluta” pelas famílias, a sociedade e o Estado. Criada formalmente em 1993, mas atuando de maneira voluntária desde 1990, a ANDI é uma organização da sociedade civil, sem fins de lucro e apartidária. Suas estratégias estão fundamentadas na promoção e no fortalecimento de um diálogo profissional e ético entre as redações, as faculdades de comunicação e de outros campos do conhecimento, os poderes públicos e as entidades relacionadas à agenda do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos. (ANDI Comunicação e Direitos, disponível em: . Acesso: 03/01/2013).

  • 17

    “Aqui, a questão era vista em suas origens, não a partir de fatores estruturais, mas como

    acidente da orfandade e da irresponsabilidade das famílias pobres.” (EVANGELISTA, 2007,

    p. 10). Ou seja, a educação tinha que vir principalmente da família, se o jovem era infrator,

    não havia sido educado no lar.

    O objetivo desse código era “educar e disciplinar física, moral e civicamente o

    menor, visto como produto de pais vadios, pobres, irresponsáveis, ou resultantes da

    orfandade.” (EVANGELISTA, 2007, p. 10). O objetivo do Código de Menores era

    principalmente cuidar da disciplina desses adolescentes para que não causassem problemas à

    sociedade.

    Com esse trato, podemos perceber que os adolescentes não eram respeitados e que

    essa lei era totalmente inapropriada, pois além de ser voltada apenas para aqueles que

    cometessem atos infracionais, ainda era composta por preconceitos, visto que se acreditavam,

    nessa época, que todos os adolescentes em conflito com a lei eram filhos de pais

    irresponsáveis.

    O início do século XX foi marcado por uma série de mudanças. No Brasil,

    surgiam as lutas das classes sociais. O proletariado começou a buscar seus direitos

    trabalhistas. Foi criado em 1917, o Comitê de Defesa proletária que “reivindicava, entre

    outras coisas, a proibição do trabalho de menores de 14 anos e a abolição do trabalho noturno

    de mulheres e de menores de 18 anos.” (LORENZI, 2000, p. 3). O País era governado por

    Wenceslau Braz, o período era a República. Com o Código de Menores, os adolescentes

    tinham sua vida decidida pelo juiz, pois era dado para ele todo o poder de decisão.

    Segundo Evangelista (2007, p. 10), com a criação da Fundação Nacional do Bem-

    Estar do Menor (Funabem)6, o adolescente passou a ser denominado com outros adjetivos,

    dentre os quais carente, abandonado e infrator. Os abrigos para “o menor” receberam

    prioridades por parte do governo. O ECA surgiu décadas depois dessa mudança de

    nomenclatura e tratamentos que surgiram com a Funabem.

    Esses rótulos foram teoricamente abolidos, embora persistam no imaginário social e nas práticas institucionais. É abandonada a doutrina da situação irregular, expressa no antigo Código de Menores (Lei 6.697, de 10.10.79), passando-se a adotar a doutrina de proteção integral, recomendada pelas Nações Unidas. De acordo com essa doutrina, a criança e o adolescente passam a ser vistos como sujeitos de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e como prioridade

    6 Funabem: Em dezembro de 1964, foi instituída a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), à qual foi delegada pelo Governo Federal a implantação da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, cujo objetivo era coordenar as entidades estaduais de proteção às crianças e aos adolescentes. (FUNABEM, disponível em: . Acesso: 03/01/2013).

  • 18

    absoluta. Assim, não deverão mais ser tratados como objeto, passíveis de simples intervenção da família, da sociedade e do Estado (EVANGELISTA, 2007, p. 10).

    O Código de Menores procurava ajudar os adolescentes em conflito com a lei, mas “a

    materialidade de problemas de ordem social vivenciados pela infância e juventude levou e

    ainda leva à produção de saberes, de leis e de intervenções médicas, jurídicas e sociais que

    remontam o fim do Século XIX.” (TOMAZELLI, 2007, p. 25). No mesmo momento

    histórico, são feitos vários discursos sobre a criança. A preocupação real não era com essas

    pessoas e sim como elas poderiam perturbar a tranquilidade da população.

    Ocorre também nesse período, a dualidade dos discursos sobre a criança, defesa da criança percebida como em perigo e defesa da sociedade contra a criança vista como perigosa, na verdade uma preocupação com a criança e o adolescente que ameaçavam a ordem pública (TOMAZELLI, 2007, p. 25).

    Podemos ver nas leis um exemplo dessa contradição. Ao mesmo tempo em que as

    autoridades criaram o Código de Menores visando a dar proteção a esses adolescentes, o

    Código era preconceituoso, pois não tratava o adolescente infrator como trata hoje o ECA. Ele

    era tido mais como um problema na sociedade que precisava ser combatido. Em referência ao

    Código de Menores, impactos foram causados na sociedade quando ele foi criado.

    Direito do Menor categorizou parte da infância e juventude como abandonados e delinqüentes, reforçando o caráter discriminatório. O Código inaugurou a cultura menorista, conservadora, com práticas perversas de intervenção jurídica nesta área, além dos estigmas com que foram tratados esses sujeitos sociais (FERNANDES, apud TOMAZELLI, 2007, p. 29).

    Uma grande diferença entre o ECA e o Código de Menores é que os garotos e

    garotas não eram divididos em faixa etária, ou seja, o que tinha prescrito no Código de

    Menores era aplicado para todos. Já no ECA, são consideradas crianças os indivíduos de 0 a

    12 anos incompletos e adolescentes os de 12 a 17, havendo uma aplicação da lei para cada

    faixa etária. O ECA passou por modificações com a Lei N° 12.010, de 03 de agosto de 2009,

    mas essas mudanças não interferiram no que se diz respeito aos adolescentes em conflito com

    a lei.

    Com 267 artigos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) contém duas

    partes: a primeira aponta como a lei deve ser entendida e como chegar ao alcance desses

    direitos apresentados. A segunda parte fala exatamente do enfrentamento em casos de

    violação dos direitos das crianças e adolescentes e o acesso às medidas de proteção. O ECA

    foi criado com o intuito de dar proteção às crianças e adolescentes em diversas situações as

  • 19

    quais dizem respeito aos direitos fundamentais de todo ser humano e em casos especiais, os

    atos infracionais (ECA, 1998).

    Nos seus direitos fundamentais como vida e saúde, à liberdade, ao direito e dignidade, à convivência familiar e comunitária, o direito à educação, esporte e lazer, à profissionalização e proteção no trabalho, à política de atendimento (participação em programas sociais do governo), em medidas de proteção (no caso de cometido atos infracionais ou sofrido qualquer tipo de violência), e a adoção (ECA, 1998, p. 8-9).

    Tratemos, então, dos artigos referentes aos adolescentes em conflito com a lei,

    pois serão analisadas, neste trabalho, as coberturas que dizem respeito a esses adolescentes no

    programa Barra Pesada. Podemos perceber que ocorreram muitas mudanças ao longo dos

    anos até o surgimento do ECA com relação ao tratamento desses adolescentes: nomenclaturas,

    os processos criminais e até a responsabilidade que os pais carregavam, sendo antes

    considerados os principais responsáveis pelo entrada do filho na criminalidade. Este estudo

    busca justamente mostrar essas mudanças e o que elas implicaram também para a mídia, pois

    o adolescente sempre foi retratado por ela.

    De acordo com o ECA (1998), quando um adolescente comete um ato infracional

    ele pode sofrer algumas sanções, como a internação em algum centro específico para este fim,

    com o objetivo de reintegrar o jovem ao vínculo familiar. Essa internação só poderá ser feita

    diante de algumas situações onde o adolescente comete um ato tido como grave.

    Segundo Ferreira (2008), a medida de internação serve como uma forma de

    reintegrar o adolescente fazendo com que ele reflita sobre as infrações cometidas. Quando ele

    vai cumprir essa medida fica em um abrigo, no qual o adolescente é separado por idade,

    aspecto físico e até mesmo de acordo com o tipo de infração cometida.

    A medida de internação só poderá ser aplicada quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves. Sendo que em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecendo à rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração (FERREIRA, 2008, p. 1).

    De acordo com o Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao

    Adolescente em Conflito com a Lei, tendo como base a data de 30 de novembro de 2010, o

    número de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas aumentou em 4,50% se

    comparado com o ano de 2009. Segundo o levantamento, no Ceará, em 2010, 646 jovens

  • 20

    estavam internados, 323 cumpriam medidas provisórias, 105 estavam em semiliberdade,

    totalizando 1074 adolescentes infratores.

    Na mesma pesquisa, podemos ver também a diferença entre os sexos. No Ceará,

    no ano de 2010, encontravam-se internados 35 meninas e 611 garotos, 5 meninas em

    semiliberdade contra 100 meninos e 7 meninas contra 316 meninos, em liberdade provisória.

    O estudo mostra ainda que o Ceará é um dos estados que possui lotação nas unidades

    socioeducativas. Ele está acima da capacidade em 67,81%. Possuía até 2010 quatro unidades

    de internação, treze de internação provisória, nove de semiliberdade e uma de atendimento

    inicial e, por fim, uma de atendimento misto (internação mais internação provisória).

    Em uma reportagem do jornal cearense Diário do Nordeste que trata sobre maus-

    tratos de adolescentes nos abrigos de medidas socioeducativas, podemos notar que a lotação

    ainda continua em 2012. A notícia trata da visita a dois centros educativos cuja capacidade é

    para apenas 60 pessoas cada. Mas, o primeiro (Centro Educacional Dom Bosco) possui 160

    jovens e o segundo, São Miguel, abriga 140 adolescentes (DIARIO DO NORDESTE, 2012).

    Há de se pensar como uma casa que tem o objetivo de resgatar esses jovens pode

    realizar esse trabalho com um ambiente lotado. Muito provavelmente esses adolescentes não

    recebem o tratamento adequado, isso considerando que este tratamento exista. É preciso

    ponderar que além do número de profissionais ser reduzido, as situações de moradia não

    devem ser apropriadas.

    Mas, de acordo com o ECA há outras medidas que antecedem o internamento.

    Depois de avaliar a dimensão do ato infracional podem ser tomadas ainda as seguintes

    medidas para recuperação do adolescente e do dano causado.

    I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade (ECA, 1998, p. 40).

    Quando o adolescente causa danos a algo patrimonial da vítima, ele deve repará-

    lo, restituindo a coisa danificada, ressarcindo o dono de alguma maneira que não o deixe com

    prejuízo. Quando ele é submetido à prestação de serviços comunitários, deve realizar serviços

    gratuitos de interesse geral em instituições governamentais. Com relação a esses trabalhos,

    “em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de serviço forçado.”

    (ECA, 1998, p. 40).

  • 21

    O adolescente e a criança têm no ECA uma lei particular que os ajuda quando são

    vítimas de injustiças e também quando agem como infratores, prejudicando outras pessoas na

    sociedade. Ele surgiu exatamente para propor “uma forma de gestão democrática, através de

    diferentes conselhos, ao incluir novos atores nos cuidados e proteção dos adolescentes e ao

    regular sobre medidas socioeducativas, em contraposição às práticas repressivas do passado.”

    (ECA, 1998, p. 41). Jovens entre 12 e 17 anos de idade, porém, que praticaram atos

    infracionais passam a ser chamados de adolescente em conflito com a lei, como se verá a

    seguir.

    2.2.1 Adolescentes em conflito com a lei

    Estudos feitos pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), em 2010,

    com dados do “Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em

    Conflito com a Lei”, constataram que 12.041 mil adolescentes vivem apreendidos no país.

    Um pouco mais de 3.000 mil vivem em internação provisória, mais de 1.700 em

    semiliberdade, totalizando 17.703 adolescentes respondendo a conflitos com a lei no Brasil.

    Somente no Ceará, são 1074 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas.

    De acordo com o ECA (1998), um adolescente pode ser considerado em conflito

    com a lei quando comete um ato infracional, que é a conduta descrita como crime ou

    contravenção penal. O adolescente em conflito com a lei é aquele entre 12 e 17 anos de idade

    que pratica algum ato que não condiz com o que é esperado pela lei (pequenos furtos a delitos

    graves, como homicídios, por exemplo) em nosso país.

    Os adolescentes são sujeitos às leis do ECA. Quando cometem esses atos devem

    cumprir as medidas preventivas previstas nele. “Até 2010, havia um total de 435 unidades

    socioeducativas no País. Dessas, cerca de 60 foram construídas ou reformadas nos últimos

    cinco anos, já prevendo adequações ao Sinase.” (PORTAL BRASIL, 2012, s/p). A Lei 12.594

    instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), ele é responsável pela

    apuração e cumprimento das medidas socioeducativas dos adolescentes em conflito com a lei.

    Este sistema traz muitos benefícios para o adolescente, um deles é o direito à

    visita íntima, caso fique internado. O Sinase trata cada caso particularmente. Pode-se notar

    que a partir deste momento o adolescente está sendo visto como cidadão, inclusive, com vida

    sexual ativa, uma tentativa de acompanhar o contexto atual da sociedade brasileira.

    O Sinase recomenda que a aplicação da pena seja individualizada, levando em conta condições como doenças, deficiências ou dependência química [...] outra novidade

  • 22

    dá aos jovens casados ou que tenham um relacionamento estável o direito a visitas íntimas (PORTAL BRASIL, 2012, s/p).

    De acordo com pesquisas realizadas em 2011, pela Secretaria de Direitos

    Humanos da Presidência da República, 58.764 adolescentes no Brasil realizam medidas

    socioeducativas por conta de crimes contra patrimônio, tendo o furto e o roubo como os atos

    mais cometidos. Ainda de acordo com a pesquisa, as infrações contra a pessoa e os costumes

    representam 13,6% dos atos que geraram aplicação de medida socioeducativa, sendo que os

    homicídios respondem por 4,1%.

    Na região Nordeste, os números também são elevados. Ainda segundo a pesquisa

    da SEDH, mais de 3.000 adolescentes estavam, até o ano de 2010, em meio fechado. O Ceará

    possui 1.074 jovens sem sua liberdade.

    De acordo com os dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em

    matéria divulgada no jornal Diário do Nordeste, com base em informações colhidas pelo

    Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, o Ceará é o quarto

    maior estado em número de adolescentes internados em casas que oferecem medidas

    socioeducativas.

    Com 221%, o Ceará possui o maior percentual de lotação das unidades de medidas socioeducativas do País. Em seguida está Pernambuco (178%), Bahia (160%) e o Distrito Federal (129%). Chama atenção a alta média de adolescentes por estabelecimento no Ceará (114), o que representa a quarta maior média do Brasil, atrás apenas do Distrito Federal (163), Bahia (126) e Rio de Janeiro (125). (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, apud DIÁRIO DO NORDESTE, 14 de abril de 2012).

    Esses dados mostram também que outros estados do nordeste estão com

    problemas de lotação em suas casas de recuperação, assim como na capital do país, sendo

    necessário então que algo seja feito para melhorar essa situação.

    Estudos são feitos com o objetivo de saber se as desigualdades sociais estão entre

    uma das justificativas usadas pelos adolescentes quando cometem um crime. O Fundo das

    Nações Unidas para a Infância (UNICEF, apud ANDI, 2011) levantou dados sobre garotas e

    garotos brasileiros, com idades entre 12 e 17 anos, que vivem em situação de extrema

    pobreza. No país, um pouco menos de 4% dos adolescentes nesta faixa etária corresponde aos

    adolescentes em conflito com a lei, tornando-se observável que não se pode relacionar

    pobreza com a criminalidade. Porém, “sinaliza para o fato de que esta condição leva a outras

    vulnerabilidades, que incluem a ultrapassagem da linha que leva à inserção de garotos e

    garotas no Sistema de Justiça Juvenil.” (ANDI, 2011, p. 8).

  • 23

    Isso deixa claro que nem todos os que sofrem com as desigualdades

    socioeconômicas praticam crimes. Mas, que a maioria dos que cometeram atos infracionais

    vive nessas condições, mostrando assim as falhas institucionais que expõem essas pessoas ao

    crime e violência. O contexto em que vivem esses adolescentes é de um ambiente de extrema

    pobreza, desigualdade e injustiças sociais.

    Tratam-se de jovens, cujas famílias, em geral, não dispõem de condições materiais e financeiras para garantir a satisfação de suas necessidades essenciais; jovens de baixa escolaridade, desempregados, pressionados pelos enormes e persistentes apelos de consumo e pela necessidade de sobrevivência, dispostos a realizar, a qualquer custo, qualquer atividade ou tarefa que os possa remunerar e garantir o seu sustento (EVANGELISTA, 2007, p. 4).

    A mídia investe na cobertura da criminalidade, porém, ela ainda enfrenta

    dificuldades com relação à maneira de transmitir esse conteúdo aos telespectadores

    (CALDEIRINHA; ALBANAZ, 2009). Podemos observar essas dificuldades quando vemos

    como o adolescente em conflito com a lei é apresentado nos noticiários policiais. No Ceará,

    existem 5 programas policiais veiculados nas emissoras locais. Eles são transmitidos

    praticamente nos mesmos horários sendo que a temática dos programas é a mesma: a

    criminalidade dos bairros de Fortaleza e no Estado.

    2.3 O ECA e as reportagens de TV

    Diariamente, podemos ver na mídia casos de violência que envolvem tanto os

    praticados por adolescentes quanto os sofridos por ele. Em apenas uma edição do Programa

    Barra Pesada, que ainda vai ser analisada no terceiro capitulo desta monografia, quatro

    reportagens são de adolescentes que sofreram violência. A reportagem quando se refere às

    crianças e adolescentes em situação de risco, como em matérias de outro segmento, se é

    exposta de maneira exagerada, chama a atenção do telespectador. Essa matéria gera um

    questionamento, uma forma de construção de ideias nos espectadores. Ao tentar mostrar os

    casos de infrações que acontecem diariamente, a mídia acaba expondo o adolescente em

    conflito com a lei.

    Equívocos marcantes podem ser encontrados nos conteúdos noticiosos [...] que tratam de atos infracionais cometidos por este público. Muitas vezes, ao exercer seu papel fundamental de informar, a imprensa acaba também violando direitos, expondo estes cidadãos de forma inadequada (ANDI, 2011, p. 58).

    Por essa razão é que a leis foram criadas com o intuito de preservar a imagem

    desse adolescente, que já sofrido com toda a rejeição por ser um infrator, ainda tem que passar

  • 24

    pelo constrangimento de ser apontado pela sociedade como aquele que causa problemas à

    população.

    A mídia é formadora de opinião. O que é veiculado nela influencia no que as

    pessoas passam a pensar e questionar a respeito. Se a mídia retrata o adolescente infrator

    como pobre, negro, residente na periferia, a sociedade, de certa forma, acaba absorvendo essa

    realidade e o adolescente com esse perfil acaba sendo tido como causador de conflitos. Njaine

    (2007) acrescenta ainda que:

    Além de influenciar comportamentos, os meios de comunicação contribuem concretamente para a construção de políticas públicas, na medida em que agenda debates na sociedade e, consequentemente, nas instâncias governamentais. [...] Portanto, muito mais que fomentador do comportamento violento de um cidadão, a mídia deve ser entendida como instrumento de controle social que contribui (ou não) para que o Estado assuma definitivamente seu papel à frente dessas questões (NJAINE, 2007, p. 73).

    De acordo com a pesquisa do IBGE7, Hábitos de Informação e Formação de

    Opinião da População Brasileira (Norte e Nordeste), de 2010, 85,5% da população brasileira

    assiste à televisão aberta. Isso comprova que a audiência dos programas de televisão é

    relevante. A mídia veicula as notícias policiais de maneira exagerada e acabam perdendo o

    valor da notícia, fortalecendo apenas o valor econômico.

    O campo do jornalismo tem uma peculiaridade: é muito mais dependente das forças externas que todos os outros campos de produção cultural. [...] O universo do jornalismo é um campo, mas que está sob a pressão do campo econômico por intermédio do índice de audiência (SANTOS apud, BOURDIEU, 1997, p. 1).

    Segundo o autor, os programas televisivos buscam a audiência, ela faz parte da

    lógica do mercado. O adolescente exposto na mídia é uma forma de atrair ainda mais

    audiência para a TV. Não é apenas por ele estar em conflito com a lei que é mostrado na

    mídia, mas sim porque essa exposição causa um impacto nas pessoas e a audiência é ainda

    maior.

    7 “O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) se constitui no principal provedor de dados e informações do país, que atendem às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal. Ele oferece uma visão completa e atual do País, através de análises, produções e coordenações de documentos de informações estatísticas”. Disponível em: . Acessado em: 21/01/2013.

  • 25

    Essa prática de tratar as matérias de adolescentes em conflito com a lei e a

    violência em geral de maneira exagerada pode vir também da forma como o jornalista

    encontra essas informações. As fontes para construção de matéria policial são, em geral, as

    mesmas: os familiares das vítimas e “normalmente esses profissionais dependem muito de

    fontes policiais, já que consideram central para seu trabalho os furos de reportagem.”

    (NJAINE, 2007, p. 74).

    O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) deixa claro que não pode existir

    nenhum tipo de exposição por parte da mídia com relação a esses adolescentes,

    principalmente, quando se trata de atos infracionais. Define as formas como esse adolescente

    deve ser tratado na mídia.

    2.3.1 Adolescente infrator na mídia

    No ECA, alguns artigos, da segunda parte do livro, falam da imagem do

    adolescente veiculado na mídia televisiva. O Art. 143 diz que em qualquer notícia a respeito

    de um ato infracional, praticado pelo adolescente em conflito com a lei, deve ser vedada à

    identidade do infrator. Não podendo ser feita nenhuma referência, tanto a ele diretamente,

    quanto aos seus familiares e local de residência.

    Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco e residência. A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada à finalidade (ECA, 1998, p. 52-53).

    O Art. 147, 2º parágrafo diz que o local sede estadual da emissora, tanto de rádio

    como de televisão, sofrerá as penas devidas se cometer infração transmitindo algo que se

    contraponha ao ECA.

    Em caso de infração cometida através da transmissão simultânea de rádio ou televisão, que atinja mais de uma comarca, será competente, para a aplicação da penalidade, a autoridade judiciária do local de sede estadual da emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas as transmissoras ou retransmissoras do respectivo estado (ECA, 1998, p. 54).

    Embora exista a lei, é fato que nem tudo é cumprido. Mesmo o Estatuto afirmando

    que existem penalidades para as emissoras que cometem infrações contra o adolescente e a

    criança, ainda assim, todos os dias elas estão expostas nas emissoras brasileiras. Exemplo

    disso, podemos ver no próprio Programa Barra Pesada. Somente no programa do dia dois de

    junho de 2012, cinco matérias referentes a adolescentes infratores foram veiculadas, nas quais

  • 26

    o nome da vítima morta é revelada, o uso de imagens fortes causa sensacionalismo e os

    adolescentes são filmados e entrevistados.

    O Art. 247 reforça o 143. Nele (247), além de proibida a divulgação da identidade

    dos menores em procedimento policial, parcial ou totalmente, é incluída também na pena –

    como mostra o primeiro parágrafo do mesmo artigo – qualquer ilustração que se refira ao ato

    praticado ou que permita a identificação do jovem, que é expressamente proibida. A emissora

    que violar a lei pode sofrer “multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro

    em caso de reincidência.”. Já no 2° parágrafo, está disposto que, em caso de televisão e rádio

    violarem essa lei, pode levar à suspensão da programação ou da publicação do periódico, no

    caso do impresso.

    Se o fato for praticado por órgão de imprensa ou emissora de rádio e televisão, além da pena prevista neste artigo, a autoridade judiciária poderá determinar a apreensão da publicação ou a suspensão da programação da emissora em até por dois dias, bem como, da publicação do periódico até por dois números (ECA, 1998, p. 87).

    Quem fiscaliza os conteúdos das emissoras de rádio e TV no Brasil é o Ministério

    das Comunicações e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Segundo o Procurador

    Regional da República no Rio Grande do Sul, Domingos Sávio Dresch da Silveira, em

    entrevista para o e-Fórum, publicada em site da Fenaj, a comunicação de massa é um serviço

    do Governo Federal.

    Sempre esteve na nossa Constituição a ideia de que a radiocomunicação – como se chamava no início, hoje telecomunicação –, a comunicação de massa é um serviço público federal que pode ser exercido diretamente pelo poder público ou pode ser concedido a particulares (FENAJ, 2010, s/p).

    Ainda de acordo com o procurador, “a produção e a programação das emissoras

    de rádio e televisão [...] devem atender aos quatro princípios apontados no artigo 22,” da

    Constituição Federal. São eles:

    [...] preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; a promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; a regionalização da produção cultural, artística e jornalística e o respeito aos valores éticos e morais da pessoa e da família (FENAJ, 2010).

    Se observarmos, na mídia brasileira, podemos notar que acontece o

    descumprimento da lei, em alguns casos, quando nas reportagens a imagem do adolescente

    em conflito com a lei se faz presente. Também não temos exemplos de algum programa que

    tenha ficado fora do ar por dois dias por ter descumprido essa lei. Como podemos observar,

    vários artigos do ECA tentam preservar a imagem do adolescente quando ele comete ato

  • 27

    infrator. Porém, não é preciso pesquisa aprofundada para verificar que é ainda identificado, na

    mídia, o descumprimento dessa lei. Há falta de punição como é previsto ECA para as pessoas

    ou emissoras que cometem esses crimes.

  • 28

    3 JORNALISMO POLICIAL: A CONSTRUÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

    Neste capítulo, abordaremos o papel da mídia como formadora de opinião

    pública, mais especificamente, a importância do telejornalismo policial como transmissor de

    informação e gerador de opinião. Essas abordagens são necessárias para que possamos

    compreender melhor o papel do Programa Barra Pesada na formação da opinião quando

    transmite matérias com a temática: adolescente em conflito com a lei.

    A televisão é um meio de comunicação de grande alcance, através de sua

    programação desperta o interesse do telespectador para o tema abordado. Dados qualitativos

    da Pesquisa Hábitos de Informação e Formação de Opinião da População Brasileira - Norte e

    Nordeste (2010) revelam que 85,5% de 4.314 pessoas entrevistadas assistem à televisão,

    apontando alto índices de audiência. Será tratada, neste capítulo, a relação que a opinião

    pública tem com a mídia e a televisão como formadora de opinião.

    Além disso, será discutido o conceito de telejornalismo e do âncora, bem como, a

    importância dele nos telejornais. Para tanto, será feito o recorte no telejornalismo policial,

    visto que o programa escolhido para análise – o Barra Pesada – traz matérias relacionadas

    com o adolescente em conflito com a lei, que é o objeto desta pesquisa. Também será

    conceituado o jornalismo policial, para em seguida se refletir sobre telejornalismo policial.

    Por fim, será apresentado um panorama do telejornalismo policial no Ceará. Serão

    ponderados, ainda, quais os programas existentes e a abordagem dada às matérias

    relacionadas ao adolescente em conflito com a lei.

    3.1 Opinião Pública: Em busca de uma conceituação

    Conceituar opinião pública é uma tarefa difícil, pois foi somente no século XVIII

    que o homem passou a pensar nela como um conceito, já que quando era usada de forma

    individual era tida como atitude. Para Sena (2007, p. 1), “diversos cientistas políticos,

    historiadores e sociólogos aludiram à expressão para justificar certas atitudes, porque no nível

    individual a opinião confundia-se com uma atitude.”.

    Um exemplo desta vontade de se comunicar aconteceu na Grécia. Com o

    surgimento dos sofistas, ficou clara a necessidade do homem em querer expressar sua opinião

    nas cidades da sociedade da época. Eles faziam uso da fala para comunicar e ao mesmo tempo

    formar opinião.

    A Grécia notabiliza-se precisamente pelo facto de, pela primeira vez, no Ocidente, ter reflectido a respeito da comunicação humana, a partir das figuras dos chamados

  • 29

    filósofos pré-socráticos e pelos sofistas terem exercido largamente a comunicação como prática de poder [...] (SENA, 2007, p. 6).

    Os sofistas expressavam suas ideias nas praças da cidade transmitindo assim,

    para a população, o poder do discurso. Esses discursos eram relacionados às questões da

    sociedade da época. Além disso, para Platão, a opinião não era tida como algo totalmente

    verdadeiro e sim sujeita a erros, pois vinda do latim opinio (conjectura, crença), a palavra

    opinião pode ser, ainda, definida como uma crença que se considera verdadeira ou ao menos

    provável por quem a sustenta, sem razões suficientes (objetivas) onde fundamentar a sua

    verdade (ALMEIDA, 2002).

    O Império Romano também contribuiu para a evolução da comunicação e

    formação da opinião pública. Foram eles que passaram a utilizar o discurso para integração

    entre o povo e o governo, na troca de informações políticas.

    [...] os romanos entenderam os processos comunicacionais como essenciais para controle social, para a garantia do poder instituído e exercício político. Antecipando-se às crises que ciclicamente ocorriam, o escol romano procurava manter-se informado sobre tudo o que acontecia, garantindo não só significativas acções de informação, como também o cultivo de uma opinião consensual que fortalecesse as posições político-militares [...] (SENA, 2007, p. 7).

    Londres, no século XVIII, possuía inúmeros estabelecimentos comerciais, eram

    neles que a parcela intelectual da cidade se encontrava para conversar e certamente formar

    opinião sobre os assuntos comuns a eles. “Os cafés do século XVIII e XIX popularizaram-se

    como pólos de disseminação de notícias, debates políticos e crítica literária. [...] eram mesmo

    importantes redutos culturais [...]”. (SENA, 2007, p. 8).

    A Revolução Francesa trouxe outro momento para o processo comunicativo: “a

    comunicação [...] conheceu um novo patamar de funcionamento, a massificação, graças a

    conquistas industriais e ao imenso alargamento dos públicos que, ao mesmo tempo, se

    desdobravam e especializavam [...]” (SENA, 2007, p. 8).

    Com o fenômeno da revolução industrial, “a história da opinião pública evoluiu a

    partir das diversas técnicas de comunicação. A opinião pública sofre certa emancipação

    ganhando características da comunicação massiva.” (SENA, 2007, p. 5). Com a criação dos

    tipos móveis e mais tarde o surgimento dos meios de comunicação, as pessoas passaram a

    ganhar espaço para formar opinião sobre os diversos assuntos.

    A história da opinião pública escreve-se principalmente em torno desses canais de comunicação, como por exemplo, a praça do mercado na Grécia antiga; o teatro na Roma imperial; os sermões, cartas e baladas medievais, que mais não são do que os actuais jornais, livros, rádios, cinema e televisão [...] (SENA, 2007, p. 7).

  • 30

    Neste contexto, a população massiva não participava da formação de opinião

    pública, apenas a classe alta da sociedade utilizava-se dela para manipulação da massa que

    concordava com o que era imposto.

    A massa escapava inteiramente às rivalidades que se exerciam entre eles. A sua opinião não contava nada; eles simplesmente aceitavam os acontecimentos, mas não participavam deles [...] a opinião pública era tida quase como uma instância que privilegiava a comunicação de governados para governantes [...] (SENA, 2007, p. 9-10).

    Em 1970, historiadores e estudiosos acreditavam que não era possível conceituar a

    opinião pública, Steinberg apud SENA, 2007, p. 2 acreditava que “a opinião pública não é

    facilmente susceptível de definição científica. É um subproduto de processos educacionais

    bem como do crescimento dos meios de comunicação de massa.”. O surgimento do cinema,

    rádio e, mais à frente, da televisão deu início a uma nova fase da comunicação e formação de

    opinião pública. “Todos eles [meios de comunicação de massa] corroboram a crescente avidez

    por informação e concorrem para a formação de uma opinião cada vez mais participante [...]”

    (SENA, 2007, p. 11).

    Acreditava-se que com a criação desses novos meios de comunicação, a

    população fosse participar da criação desses programas, porém, esses meios eram (e são)

    controlados por pessoas que possuíam poder na sociedade. Conceituando, então, opinião

    pública, Sena (2007) diz que, antes de qualquer coisa, ela é a comunicação das pessoas da

    sociedade com o governo.

    [...] a opinião pública é entendida como o conjunto de opiniões sobre assuntos de interesse nacional, livre e publicamente expresso por homens que não participam no governo e reivindicam com essas opiniões o direito de influenciarem ou determinarem as acções ou a estrutura político-governativa. Assim compreendida, a opinião pública é, antes de tudo, uma comunicação entre os cidadãos e o seu governo [...] (SENA, 2007, p. 26).

    Segundo o autor, a opinião pública surge quando as pessoas opinam sobre

    determinado assunto e passam a querer, livremente, reivindicar por seus direitos mediante o

    que é imposto pelo governo de seu país.

    Para Almeida (2002), a opinião pública tem um significado bem mais complexo.

    No sentido subjetivo, ela pode ser entendida como a opinião de um conjunto de pessoas sobre

    determinado assunto e no sentido objetivo, como opinião sobre aquilo que é público. Ainda

    segundo ele, a opinião pública pode ter um terceiro sinônimo do que é transparente e visível.

    Assim: “[...] poderia se entender a opinião não apenas como a opinião de um determinado

  • 31

    público ou como a opinião sobre o que é público, mas também como opinião visível, que

    tenha sido criada publicamente, sem segredos ou engodos [...]” (ALMEIDA, 2002, p. 10).

    Como podemos perceber, o termo opinião pública é um conceito polissêmico. Por

    essa razão, sofreu várias modificações em seu significado ao longo da história e ainda se

    discute muito para se obter um significado válido universalmente. Mas, percebe-se que a

    mídia é forte influenciadora na formação da opinião pública.

    3.1.1 O papel da mídia na formação da opinião pública

    A reforma protestante, o poder da burguesia, a mudança do pensamento medieval

    para uma mentalidade moderna e o surgimento da imprensa foram importantes para a difusão

    da opinião pública. Ganha destaque, porém, a imprensa que “transforma-se no melhor suporte

    da comunicação e da publicidade e, no espaço de dois séculos, ajudará a criar as bases

    necessárias para o surgimento da opinião pública.” (ALMEIDA, 2002, p. 37).

    O surgimento da imprensa mexeu com toda a estrutura das cidades. A partir desse

    momento, as tavernas e as praças deixaram de ser o principal local de difusão da informação.

    Elas deram lugar para a criação de bibliotecas.

    Com a imprensa, a cultura sai dos claustros às ruas, permitindo o surgimento do público leitor, ajuda a expansão da reforma e esta acaba por criar um amplo público de leitores por meio da literatura religiosa em língua vernácula. Em seguida, a expansão do público leitor estará vinculada ao desenvolvimento de instituições conexas tal como as sociedades e os clubes de leitura, as bibliotecas circulantes e os sebos [...] (ALMEIDA, 2002, p. 37).

    Nesta fase da história, fica evidente a busca do homem por se comunicar. Ele não

    se contenta apenas em fazer discussões sobre seus assuntos em comum, discutidos nos bares e

    nas rodas de amigos, mas passa a fazer leituras e desenvolver essa comunicação com esses

    clubes. Para Almeida (2002), a opinião pública é formada por pessoas simples da comunidade

    e por serem espontâneas estão distantes dos paradigmas sociais.

    O verdadeiro sujeito da opinião pública será formado por pessoas simples, ignorantes, mas virtuosas [...], humildes e sinceras, portadoras de uma espontaneidade sadia e ingenuidade infantil, que as afasta dos paradigmas sociais ou dos modelos de pessoas definidos pela outra opinião pública, a opinião pública esclarecida, fonte de todos os males, a que faz os homens se tornarem miseráveis, manipuláveis e, o que é pior, manipuladores (ROUSSEAU, apud ALMEIDA, 2002, p. 113).

    O autor acredita que a opinião pública é formada não apenas por pessoas que

    possuem um poder intelectual, mas sim, por aquelas que sabem distinguir o que é necessário

  • 32

    para sua vida, ou seja, a opinião pública só manipula um indivíduo se ele não for capaz de

    refletir sobre o que é importante para sua formação. De acordo com Sena (2007), a opinião

    pública, nos nossos dias, é resultado da mistura da sociedade anterior à nossa e dessa em que

    vivemos hoje.

    Se a opinião pública dos nossos dias é resultante, por um lado, da crise do seu próprio modelo anterior, o modelo liberal; por outro lado, ela é também um resultado das condições sociais particulares que marcam o processo de desenvolvimento das nossas sociedades [...] (SENA, 2007, p. 27).

    Ainda segundo Sena (2007, p. 27), “a democracia de massa dá lugar à chamada

    sociedade de informação, na qual a própria opinião pública se notabiliza e ganha força.”. A

    tecnologia e a modernização dos meios de comunicação ajudaram no desenvolvimento da

    sociedade e proporcionaram a formação de opinião pública que “continua a apresentar-se,

    cada vez mais, como um valor simbólico de uso corrente e de circulação ilimitada no universo

    da vida política.” (SENA, 2007, p. 28). Os cidadãos fazem uso dessa opinião para

    reivindicação de seus direitos, inserindo-se na vida política de seu país passando a opinar e,

    principalmente, a buscar os seus direitos dentro da sociedade.

    Já para Bourdieu (2010), a opinião pública não está ao alcance de todos e nem

    todas as opiniões têm valor. Para ele, se as questões são colocadas de forma igual para todos,

    não há chance para que haja um debate acerca das coisas, apenas é imposto um pensamento e

    ele é tido como aceito pela sociedade.

    [...] a pesquisa de opinião é um instrumento de ação política; sua função mais importante consiste talvez em impor a ilusão de que existe uma opinião pública que é a soma puramente aditiva de opiniões individuais; em impor a ideia de que existe algo que seria uma coisa assim como a média das opiniões ou a opinião média (BOURDIEU, 2010, p. 3).

    A opinião pública neste caso é apenas uma ilusão da participação da população

    nos assuntos da sociedade. O que prevalece, então, seria a manipulação a respeito de um

    assunto posto em comum para essas pessoas. Diante dessa compreensão, a mídia não funciona

    como formadora democrática de opinião, mas sim, como apresentadora de assuntos que já

    vêm com valores impostos, forjando um consenso.

    3.2 Televisão: formadora de opinião

  • 33

    Em 18 de setembro de 1950, em São Paulo, chegou ao Brasil um novo meio de

    comunicação: a televisão. Assis Chateaubriand 8adquiriu os equipamentos necessários e

    montou a TV Tupi Difusora. Para se consolidar como veículo de massa, a TV, inicialmente,

    seguiu os padrões do rádio, tanto na semelhança de suas programações, quanto na utilização

    de seus artistas; pois o rádio já se configurava como um meio de comunicação de massa.

    A TV Tupi Difusora surgiu numa época em que o rádio era o veículo de comunicação mais popular do país, atingindo quase todos os estados. Ao contrário da televisão norte-americana, que se desenvolveu apoiando-se na forte indústria cinematográfica, a brasileira teve que se submeter à influencia do rádio, utilizando inicialmente sua estrutura [...], bem como seus técnicos e artistas (MATTOS, 2008, p. 49).

    Quando a TV chegou ao Brasil, a produção cultural era basicamente concentrada

    no Rio de Janeiro e uma das diversões da população da época era o cassino. Quando ele foi

    banido, as pessoas passaram a aderir à TV como forma de entretenimento. Assim, “o

    estabelecimento da televisão no Brasil atendeu ao crescente desejo desses grupos por novos

    entretenimentos.” (THOMAS, apud MATTOS, 2008, p. 50).

    A TV, neste início, teve um papel fundamental na vida das pessoas, transmitindo

    cultura e entretenimento e agindo também como formadora de opinião. Pois “[...] além de

    ampliar o mercado consumidor da indústria cultural, a televisão age também como

    instrumento mantenedor da ideologia e da classe dominante.” (CAPARELLI, apud

    MATTOS, 2008, p. 58). Hoje, a TV continua a difundir opinião, porém, a forma como

    apresenta os assuntos na sociedade dá para compreender que ela tenta manipular a maneira de

    as pessoas pensarem.

    Como já vimos, a TV é assistida por uma parcela significativa da população

    brasileira. De acordo com a Pesquisa Hábitos de Informação e Formação de Opinião da

    População Brasileira - Norte e Nordeste (2010), 44,4% de 4.314 nordestinos têm o telejornal

    8 “Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de MeIo nasceu a 5 de outubro de 1892 em Umbuzeiro, no Estado da Paraíba e morreu no dia 4 de abril de 1968. Um jornalista que acabou construindo o complexo empresarial chamado Diários Associados, por meio do qual prestou inestimáveis serviços ao país. Aos 14 anos, começou a escrever para o Jornal de Recife e o Diário de Pernambuco, fazendo comentários políticos e entrevistando personalidades que chegavam nos navios. Foi também Assis Chateaubriand quem lançou o Brasil na era da televisão, inaugurando a TV Tupi Difusora São Paulo em 1950. Era a primeira estação de TV da América Latina e a ela se juntaram 18 estações associadas. Antes de ser um empresário de comunicação, criador de um com-plexo empresarial que espalhava jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão por todos os Estados do Brasil, Assis Chateaubriand foi um homem de muita comunicação”. (Disponível em: http://www.vivabrazil.com/Assis_Chateaubriand.htm. Acessado em: 21/01/13).

  • 34

    como sua preferência de programação na TV. Ainda nesta pesquisa, o horário do almoço é o

    segundo maior horário em que as pessoas assistem a telejornais, perdendo apenas para o

    horário da noite que é o mais assistido. Entre 11h30min e 13h30min, 9,0% dos entrevistados

    assistem a telejornais e de 18h às 22h, 75%. Isso pode explicar a audiência dos telejornais

    policias, já que o horário em que eles são transmitidos é exatamente o segundo maior de

    acordo com a pesquisa.

    3.2.1 Telejornalismo

    O Telejornalismo é um dos formatos de noticiários para TV. Inicialmente, esse

    formato apresentava características simples, devido à televisão ainda seguir os moldes

    radiofônicos. Os textos eram retirados dos jornais e lidos pelo apresentador sem muitas

    alterações. O Jornal da vanguarda foi um dos exemplos de inovação no formato de

    apresentação dos telejornais.

    O Jornal da Vanguarda também inovou, pois antigamente todos os jornais de televisão tinham praticamente o mesmo formato: uma cortina ao fundo com uma cartela com o nome do patrocinador e o locutor lendo as notícias, em geral, tiradas a gilete dos jornais, porque a televisão ainda sofria influência do radio (LIMA, apud SOUZA, 2004, p. 151).

    Vale ressaltar que, no início, a imagem ainda não era tão importante no telejornal.

    “O formato pioneiro no gênero telejornal foi o noticiário, com o apresentador lendo textos

    para a câmera, sem outras imagens nem ilustrações.” (SOUZA, 2004, p. 152). Nesse período,

    a opinião do apresentador estava presente e a aproximação do apresentador com a população

    veio deste formato. Pois a locução fazia com que o apresentador aparentasse estar falando

    realmente com o telespectador. Hoje, o telejornal é um pouco mais formal.

    Com o passar dos anos, tanto a mídia televisiva quanto o gênero telejornalismo

    foram se aperfeiçoando. “A ampliação do telejornalismo se deu em vários segmentos da

    programação, passando a ocupar um espaço além dos noticiários, com novas fórmulas.”

    (SOUZA, 2004, p. 149). O telejornalismo pode, então, ser classificado como “os noticiários,

    informativos segmentados ou não, em diversos formatos.” (SOUZA, 2004, p. 149) e o

    formato telejornal pode ser classificado também como “[...] um programa que apresenta

    características próprias e evidentes, com apresentador em estúdio chamando matérias e

    reportagens sobre os fatos mais recentes.” (SOUZA, 2004, p. 149).

    Observando o Programa Barra Pesada, podemos ver que ele é um telejornal, pois

    apresenta várias notícias em diversos formatos. Observa-se a presença de um apresentador

  • 35

    que chama as matérias no telejornal. Esse apresentador é chamado de âncora e tem um papel

    primordial para a formação de opinião pública, pois ele transmite confiança aos

    telespectadores.

    Segundo Gonçalves 2009, o âncora surgiu em agosto de 1941 juntamente com o

    programa de rádio Repórter Esso. Ele foi inicialmente transmitido pelas rádios Nacional, no

    Rio de Janeiro e Record, em São Paulo, depois estendeu-se pelo Rio Grande do Norte, Minas

    Gerais e Pernambuco. “[...] o Repórter Esso introduziu no Brasil um modelo de texto linear,

    direto corrido e sem adjetivações, apresentado em um noticiário ágil e estruturado”.

    (FERRARETTO, apud GONÇALVES, 2009, p. 6). O gaúcho Heron Domingues foi o âncora

    mais conhecido do Repórter Esso. Foi ele quem criou o primeiro departamento dedicado ao

    jornalismo em uma emissora de rádio.

    Devido a sua consolidação no rádio e credibilidade, o Repórter Esso passou a ser

    transmitido na televisão. A estrutura do telejornal não era muito diferente da do rádio, já que

    toda a programação era feita por profissionais desse veículo.

    Vindo dos moldes americanos, o âncora fez parte de uma das mudanças na

    estrutura do telejornal. Com ele o telejornalismo brasileiro ganhou forças para atuar agora no

    horário nobre da televisão, além de trazer audiência, a credibilidade passada por ele ajuda na

    formação de opinião pública.

    O telejornalismo americano influenciou o formato brasileiro ao lançar alguns elementos que promoveram credibilidade por meio de opinião, apresentando um novo recurso após tantos anos de solidificação do gênero telejornal: “nesse cenário, a adoção do modelo de apresentação de telejornais com o uso do âncora trouxe a única mudança significativa na arte de infundir notícias no horário nobre da TV brasileira.” (SQUIRRA, apud SOUZA, 2004, p. 152-153).

    O telejornal tem, pois, o papel de informar o telespectador sobre assuntos de

    relevância e de interesse comum à sociedade. Além de informar, “[...] os deveres do telejornal

    são: [...] educar, servir, interpretar, entreter.” (TEODORO, apud SOUZA, 2004, p.151). O

    Barra Pesada, sendo um programa policial parece cumprir o papel de telejornal,

    principalmente, informando. Ao informar, transmite uma opinião que se faz presente tanto nos

    comentários do âncora, como nas construções das matérias. Portanto, a opinião está presente

    no telejornal em toda a sua construção.

  • 36

    3.3 Telejornalismo Policial: A cobertura

    Partindo do pressuposto de que o jornalismo policial faz parte do jornalismo

    especializado, antes de definir o primeiro, é necessário explicar o surgimento das

    especialidades dentro do jornalismo.

    O jornalismo especializado é a divisão dos temas diversos em editorias. Segundo

    Xavier (2011), a especialização surgiu com o próprio jornalismo, na França no século XVII,

    pois nesta época era consumido basicamente pelas massas, porém, os jornais eram

    corporativos, possuindo um conteúdo político.

    Se pensarmos no início do jornalismo, na França, início do Século XVII, era um jornalismo especializado (segmentado), pois tínhamos a massa que consumia o produto “informação”, porém, os jornais eram de corporações que os usavam como plataforma política. Também, o público era de elite, pois poucos sabiam ler e escrever (XAVIER, 2011, p. 01).

    Quando a TV surgiu, a mídia impressa começou a se especializar, pois a televisão

    conseguiu atrair toda a massa para o novo meio. Foi somente nos anos 1990, com o

    surgimento da TV a cabo, que a televisão passou a trabalhar também com a especialização no

    jornalismo.

    Para Marques (2008, p. 1), “o próprio jornalismo em si já pode ser considerado

    uma especialização à medida que, pela formação universitária, assumiu a condição de

    atividade específica”. Segundo ele, as várias sessões de um jornal, os diversos tipos de textos,

    são exemplos de jornalismo especializado que surgiu, com o intuito de reunir vários públicos

    específicos (com interesses comuns), deixando muitas vezes de lado o objetivo de informar o

    público (em geral), atendendo apenas a uma parcela dele.

    É preciso, ainda, ressaltar a questão do consumo, pois além de as pessoas terem

    mais opções de leituras há também a necessidade de comprar revistas de assuntos específicos.

    Assim, a especialização passa a atender também a lógica do mercado, buscando delimitar um

    público.

    O jornalismo especializado existe, hoje, para atender essa lógica de mercado. De fato, seu papel é agregar indivíduos segundo suas afinidades cujo perfil sociocultural é definido por seus padrões de consumo. Isso pode incorrer, por outro lado, na construção de um jornalismo soft, mais voltado para matérias de interesse do público e não de interesse público ou, em outros termos, de importância (social, cultural, política) para o público. Isso tende a ser motivo de crítica à medida que o jornalismo tende a atender interesses “banais” de um segmento do público (MARQUES, 2008, p. 1).

  • 37

    Mesmo com as críticas, Abiahy (2005) acredita que a especialização tende a

    crescer ainda mais, pois segundo ela, as pessoas estão buscando suas escolhas individuais.

    Para a autora, “nesse estágio em que as escolhas individuais prevalecem sobre o engajamento

    com a coletividade, faz sentido que a informação procure atender às especificidades ao se

    dirigir aos públicos diferenciados.” (p. 5).

    Quando as pessoas buscam por informações específicas estão segmentando os

    conteúdos, essa é uma maneira mais fácil de encontrar justamente o que quer. Por isso,

    Abiahy (2005) pensa que a especialização surgiu para ajudar as pessoas a selecionar os

    conteúdos.

    Podemos considerar que as produções segmentadas são uma resposta para determinados grupos que buscavam, anteriormente, uma linguagem e/ou uma temática apropriada ao seu interesse e/ou contexto. Esses grupos agora encontram publicações ou programas segmentados com o qual possam se identificar mais facilmente. O papel de coesão social no jornalismo especializado passa a cumprir a função de agregar indivíduos de acordo com suas afinidades ao invés de tentar nivelar a sociedade em torno de um padrão médio de interesses que jamais atenderia à especificidade de cada grupo (ABIAHY, 2005 p. 5).

    Apesar das especialidades facilitarem a procura das pessoas, pois dessa maneira

    elas encontram com mais facilidade o que é de seu interesse, nota-se que o empenho da mídia

    é voltado muito mais para o consumo do que para a informação que elas adquirem ao

    consumir os produtos. Dentro das várias especialidades existentes, este trabalho trata do

    jornalismo policial, pois é nesta especialização que está incluído o programa Barra Pesada; do

    qual serão analisadas matérias sobre os adolescentes em conflito com a lei.

    3.3.1 Telejornalismo policial

    O surgimento das primeiras matérias policiais, assim como, o início do jornalismo

    especializado, foi no impresso. No século XIX, começaram a circular, na Inglaterra e Estados

    Unidos, os primeiros exemplares que traziam os crimes como tema. Esses jornais já eram de

    cunho sensacionalista, pois continham histórias do crime de modo que mexiam com o

    sentimental das pessoas, atraindo-as para compra e leitura dos exemplares, que possuíam

    apenas uma página. Segundo Pedroso (apud AMARAL, 2005, p. 5),

    o sensacionalismo é um modo de produção discursiva da informação de atualidade, processado [...] por critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, linguístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto de representação e construção do real social.

  • 38

    Para Melem (2011), essas primeiras reportagens chamavam a atenção pelo fato de

    colocar os sentimento em suas histórias, atraindo a grande massa.

    As primeiras reportagens sobre o mundo do crime surgiram na metade do século XIX, em jornais sensacionalistas que circulavam na Inglaterra e nos Estados Unidos. [...] a imprensa estadunidense americana, focou o trabalho de cobertura em histórias sentimentais, atraindo assim a atenção das grandes massas. Ainda durante o século XIX, surgiram na França jornais populares de uma página, que receberam o nome de canards, termo que significa conto absurdo ou fato não verídico. O tom de tratamento emocional dado a esses temas recebeu o nome que até hoje ecoa nas redações de todo o mundo: sensacionalismo (MELÉM, 2011, p. 4).

    Portanto, o sensacionalismo é a atenção exagerada dada a uma notícia para

    chamar atenção e elevar a audiência. Ele

    ficou muito relacionado ao jornalismo que privilegiava a superexposição da violência por intermédio da cobertura policial e da publicação de fotos chocantes, de distorções, de mentiras, e da utilização de uma linguagem composta por gírias e palavrões (AMARAL 2005, p. 2).

    Porém, o sensacionalismo não é exclusivo do jornalismo policial, pois não é

    somente nele que podemos ver essa marca. Um exemplo disso foi o caso da Isabella Nardoni9.

    O caso da menina não foi transmitido apenas nos programas policiais. Mas sim, em vários

    telejornais e programas de entretenimento. Nesse caso, a mídia voltou-se a acompanhar todos

    os detalhes até o fechamento do caso.

    Ainda utilizando o exemplo deste caso, vimos que o sensacionalismo estava

    fortemente presente, pois até a representação de como teria acontecido a cena do crime foi

    feita. Além disso, a mídia não se conformava em apresentar isso somente uma vez, todos os

    dias, era exposta a mesma coisa, até que um detalhe novo acontecesse e reconstruísse a

    história mais uma vez.

    O jornalismo policial, no Brasil, surgiu em 1917 e a principal fonte era a polícia.

    Hoje, as próprias vítimas e familiares também são fontes para construção das matérias. De

    acordo com Melém (2011) apesar deste vestígio policial nas matérias, o jornalismo policial

    veio ganhar destaque somente nos anos 1970; por dois motivos: primeiro, porque foi

    9 “O Caso Isabella Nardoni foi de uma menina de 5 anos de idade que foi encontrada morta no jardim do prédio em que morava o pai, no dia 29 de Março de 2008. Os suspeitos foram o pai, e a madrasta de Isabella, Anna Carolina Jatobá, que em 2010 depois de 5 dias de Júri foram condenados por homicídio triplamente qualificado, por terem cometido o crime de forma cruel, com recurso que impediu a defesa da vítima e contra menor de 14 anos. Nardoni pegou uma pena maior por ter praticado o crime contra sua filha. Os dois ainda foram condenados a 8 meses de detenção em regime semiaberto por fraude processual. (Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/casoisabellanardoni/casal+nardoni+e+condenado+pela+morte+de+isabella/n1237588294969.html) Acessado em: 15/01/13.

  • 39

    publicada, na Revista Veja, uma matéria sobre a morte de Claudia Lessin Rodrigues10; essa

    reportagem ganhou o prêmio Esso. O segundo motivo foi a abolição do AI-511, este permitiu

    que matérias policiais ganhassem um tom mais crítico.

    Em 1917, [...