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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL NATÁLIA ROLIM DE MAGALHÃES ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS: A NECESSIDADE DE UM NOVO OLHAR FORTALEZA CE 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ

FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

NATÁLIA ROLIM DE MAGALHÃES

ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS: A NECESSIDADE DE UM NOVO OLHAR

FORTALEZA – CE

2014

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NATÁLIA ROLIM DE MAGALHÃES

ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS: A NECESSIDADE DE UM NOVO OLHAR

Monografia submetida à Coordenação do

Curso de Serviço Social da Faculdade

Cearense- FAC, como requisito parcial para

obtenção do título de Bacharel em Serviço

Social.

Orientadora: Maria de Fátima Almeida de

Castro

FORTALEZA- CE

2014

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Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

M188a Magalhães, Natália Rolim de

Adoção de crianças negras: a necessidade de um novo olhar /

Natália Rolim de Magalhães. Fortaleza – 2014.

83f.

Orientador: Prof.ª Ms. Maria de Fátima Almeida de Castro.

Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade

Cearense, Curso de Serviço Social, 2014.

1. Adoção. 2. Crianças negras. 3. Preconceito. I. Castro,

Maria de Fátima Almeida de. II. Título

CDU 364

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NATÁLIA ROLIM DE MAGALHÃES

ADOÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS: A NECESSIDADE DE UM NOVO OLHAR

Monografia como pré- requisito para obtenção

do título de Bacharel em Serviço Social,

outorgado pela Faculdade Cearense- FAC,

tendo sido aprovada pela banca examinadora

composta pelos professores.

Aprovado em: _____/_____/_______

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Ms. Maria de Fátima Almeida de Castro

___________________________________________

Ms. Francisca Márcia Mourão Pereira

____________________________________________

Especialista Talitta Cavalcante Albuquerque Vasconcelos

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À minha mãe, mulher guerreira.

Meu exemplo de perseverança,

coragem e fé diante dos desafios

da vida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus ofereço humildemente esta vitória, que como prova de sua imensa misericórdia e

amor, me sustentou dando forças e coragem para que essa trajetória tivesse êxito. A Ele, todas

as graças.

A minha mãe, minha fortaleza em todos os momentos da minha vida. Um exemplo de mulher

forte, guerreira e de fé. Amparou-me e confortou-me sempre nos momentos mais difíceis com

seu imenso amor maternal.

Ao meu pai, in memoriam, pelo seu imenso amor e carinho que sempre me foram dedicados

apesar da distância que nos separava, pois sei o quanto torcia e acreditava em minha vitória.

Ao meu avô paterno, in memoriam, pelo exemplo de homem de caráter e honestidade que foi

e pelos sorrisos proporcionados que jamais se apagarão de nossas lembranças.

As minhas amadas avós Iracy e Temira, exemplos de mulheres vencedoras que não se

intimidam pelos desafios que a vida coloca. Obrigada pelos ensinamentos, dedicação, pelas

inúmeras orações e por acreditar sempre e torcer por esta vitória.

Ao meu amado companheiro, Luiz Eduardo, por sempre ter estado ao meu lado

compartilhando minhas angústias, alegrias, tristezas e medos. Obrigada por apoiar-me

sempre, dando ânimo para seguir na trajetória, por acreditar na minha capacidade de

superação quando tudo parecia perdido. Obrigada por compreender os momentos de ausência

com paciência e muito amor.

Às minhas amadas tias e tios por contribuírem e acreditarem sempre que mais uma etapa seria

superada. Obrigada pelas orações e ensinamentos de vida passados ao longo de toda a minha

história.

À minha orientadora querida Fátima Castro, por sua competência, paciência e por acreditar

que conseguiríamos concretizar este trabalho. Obrigada por ter contribuído com sua

experiência profissional.

À minha adorada equipe: Sebastiana Soares, Rosana Costa, Fabrícia Queiroz, Natacha Bessa,

Fabíola Souza e Alfredo Monteiro, pelos momentos de ansiedade e angústia compartilhados

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nas apresentações de seminários e provas, por acreditar que cada uma seria capaz de alcançar

seus objetivos e por no decorrer desses quatros anos ter proporcionado aprender muito com o

exemplo de perseverança de cada uma.

Aos meus queridos professores (as), que durante esses quatro anos contribuíram das mais

variadas formas para a minha formação profissional através da riqueza de seus ensinamentos e

me fazendo acreditar que eu poderia ir além dos meus limites.

Aos integrantes da banca examinadora, Ms. Márcia e Esp. Talitta que se disporam a participar

deste momento ímpar em minha vida.

À Juliana Cândido, Patrícia Helena, Eliane Avelino, Lorenna Ferreira, Lorena Freire, Andréa

Soares, Tatiane Costa, Rose, Meire, Renara Vasconcelos, Vanessa Teixeira, Heliane Gadelha,

Ana Márcia Gadelha, Silvia Helena, Natália Gadelha, Emanuella Paz, Maruska Sampaio,

Michely Souza que contribuíram e torceram indiretamente com suas boas vibrações e orações.

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“(...) as diferenças existem, devem ser reconhecidas e assumidas e não escondidas. Somos

natural e biologicamente diferentes: nascemos branco, negro, amarelo, vermelho ou mestiço,

homem ou mulher. Isso não quer dizer que necessariamente devemos ser desiguais. Diferença

e desigualdade não são a mesma coisa”.

(Claude Lévi-Strauss)

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RESUMO

O presente trabalho propõe estudar as particularidades de adoção de crianças negras em

Fortaleza, principalmente, os mitos, preconceitos e discriminações que envolvem esta

temática. Julgamos de suma importância abordar a questão da discriminação racial em casos

de adoção uma vez que a instituição familiar é apontada como um direito, devendo ser

priorizada e constituir-se como um local de sociabilidade favorável aos interesses e

necessidades da criança e do adolescente. A hipótese levantada no presente trabalho é a de que

crianças negras possuem menores chances de serem adotadas, tendo a raça como fator

determinante para um processo de exclusão à convivência familiar substituta. Para atingirmos

nossos objetivos, realizamos a pesquisa de natureza qualitativa e quantitativa ocorrida no

Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e Juventude de Fortaleza

do Fórum Clóvis Beviláqua. Quanto ao instrumental escolhido para subsidiar nossa pesquisa

optamos pela história de vida em que contamos com a experiência de uma adoção inter- racial

através de uma família homoafetiva. No decorrer do trabalho mostraremos os aspectos

jurídicos e a evolução legal da adoção. Faremos uma rápida explanação da historicidade do

negro na realidade brasileira, além de tratarmos o preconceito e a discriminação racial na

prática adotiva que comumente há uma busca pelos assemelhados. Na última parte do nosso

trabalho faremos uma análise da problemática levantada a partir de dados do Cadastro

Nacional de Adoção e da realidade das adoções de crianças negras em Fortaleza. Pretendemos

provocar um debate sobre a temática em questão a fim de apresentarmos novas perspectivas e

encaminhar um pensamento que supere o racismo e o preconceito presentes em práticas de

adoção de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: Adoção. Crianças negras. Preconceito.

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ABSTRACT

This paper proposes to study the particularities of the adoption of black children in Fortaleza,

especially myths, prejudices and discrimination surrounding this topic. Judge of paramount

importance to address the issue of racial discrimination in adoption cases since the family

institution is seen as a right and should be prioritized and establish itself as a place of

sociability favorable to the interests and needs of the child and adolescent. The hypothesis of

this study is that black children are less likely to be adopted taking the race as a determining

factor for a process of exclusion to family surrogate factor. To achieve our goals, we

conducted a survey of qualitative and quantitative nature that took place in Sector Registry of

Adopters and Adopting of the Court of Childhood and Youth of Clóvis Beviláqua Fortaleza

Forum. As an instrument chosen to support our research we chose the story of life in which

we have the experience of an interracial adoption through a homo-affective family.

Throughout his work it will be shown the legal aspects of adoption and legal developments.

We will do a quick explanation of the historicity of the black Brazilian reality, and treat racial

prejudice and discrimination in the commonly adopted practice that there is a search for the

assimilated. In the last part of our work we will analyze the problems raised from data from

the National Registry of Adoption and the reality of adoptions of black children in Fortaleza.

We intend to provoke a debate about the issue in question in order to introduce new

perspectives and forward thinking that overcomes racism and prejudice present in adoption

practices of children and adolescents.

Key words: Adoption. Black children. Prejudice.

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LISTA DE GRÁFICOS

Distribuição de Pretendentes à Adoção por Região.............................….................................60

Preferência dos pretendentes quanto ao sexo do adotante..............................…......................61

Preferência dos pretendentes quanto a cor …...........................................................................62

Número de adoções finalizadas em Fortaleza …......................................................................64

Percentual de adoções em Fortaleza por etnia ….....................................................................64

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LISTA DE TABELAS

1. Tabela 1.1 – População brasileira segundo a cor ou raça…..................................................51

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LISTA DE SIGLAS

CF Constituição Federal do Brasil;

CNA Cadastro Nacional de Adoção;

CNCA Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos;

CNJ Conselho Nacional de Justiça;

CPF Cadastro de Pessoas Físicas;

ECA Estatuto da Criança e Adolescente;

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;

IPEA Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas;

RG Registro Geral.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14

1 ASPECTOS JURÍDICOS E A EVOLUÇÃO LEGAL DA ADOÇÃO….......................16

1.1 Conceito de Adoção...............................................................................................17

1.2 Adoção e o Código Civil .................................................................................................19

1.3 Adoção na Constituição Federal ....................................................................................22

1.4 Adoção no Estatuto da Criança e Adolescente .............................................................23

1.5 Lei nº 12.010 de 29 de julho de 2009…...........................................................................26

2 A HERANÇA DE UMA COLONIZAÇÃO NA PRÁTICA ADOTIVA.........................34

2.1 O peso do passado............................................................................................................34

2.2 Um breve panorama histórico da infância na realidade brasileira............................40

2.3 Preconceito x Discriminação...........................................................................................45

2.4 A busca pelos assemelhados na prática adotiva............................................................52

3 UMA ANÁLISE DA PROBLEMÁTICA ….....................................................................57

3.1 Dos procedimentos metodológicos da pesquisa.............................................................57

3.2 Analisando os dados do Cadastro Nacional de Adoção ...............................................59

3.3 Uma análise dos processos de adoção de crianças negras em Fortaleza.....................63

3.4 Ultrapassando os muros do preconceito .......................................................................65

3.5 Uma análise do tema estudado........................................................................................69

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................72

REFERÊNCIAS …….............................................................................................................74

ANEXOS .................................................................................................................................80

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INTRODUÇÃO

O interesse em estudar a temática proposta nesse trabalho foi motivado através da

disciplina de Pesquisa em Serviço Social II e do campo de estágio que ocorreu no Hospital

Distrital Gonzaga Mota de Messejana após relatos de casos de adoção, principalmente as

particularidades que envolviam a adoção de crianças negras.

Sendo a instituição familiar apontada como um direito a ser priorizado e

constituinte como um local de sociabilidade favorável aos interesses e necessidades da criança

e do adolescente, cabe-nos repensar que assegurar o direito à convivência familiar está

permeado por questões de ordem política, econômica, social e cultural que permeiam essa

realidade.

Dentre essas questões consistem os obstáculos perpassados por crianças e

adolescentes negros em inserir-se em famílias substitutas. O Cadastro Nacional de Justiça

(CNJ) em estudo realizado em 2013 apontou a disparidade existente na realidade brasileira em

que 40.340 crianças e adolescentes encontram-se em instituições de acolhimento ou

organizações não- governamentais (ONGs), sendo 28.151 os pretendentes e apenas 5.281

crianças e adolescentes aptos à adoção.

O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) trata a adoção com a centralidade nos

interesses do adotado, agindo através de uma medida protetiva e a colocação da criança ou

adolescente em família substituta assume os mesmos direitos de um filho biológico. Mas, para

que ocorra a vinculação da criança ou adolescente a uma nova família, diversos obstáculos

deverão ser superados para que a adoção venha a ser efetivada.

Dentre esses obstáculos, o preconceito contra a cor da pele de crianças e

adolescentes negros, resulta em um poderoso instrumento impeditivo ao direito à convivência

familiar através das exigências impostas pelos postulantes decorrente da idealização das

características fenotípicas que expressam o preconceito racial na prática adotiva.

Considerando essa problemática, propomos, neste trabalho, estudar as

particularidades de adoção de crianças negras em Fortaleza, principalmente, os mitos,

preconceitos e discriminações que envolvem os casos dessa situação, bem como crenças

acerca da adoção.

Como instrumental optamos pelo método da história de vida através de relatos de

uma adoção inter-racial efetivada por família homoafetiva que ultrapassou as barreiras do

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preconceito racial e social. Obtivemos informações através do Cadastro Nacional de Adoção

(CNA), dados estes repassados pelo Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado

da Infância e Juventude de Fortaleza do Fórum Clóvis Beviláqua, além das percepções

encontradas nos documentos oficiais e nos depoimentos da chefe do Setor de Cadastro e dos

postulantes que efetivaram adoção.

A pesquisa cujos resultados constituem-se no corpo desta monografia possui

natureza teórica-empírica a qual não pretende apenas constatar fenômenos, mas mediá-los

com totalidade e fundamentá-los teoricamente.

Para alcançarmos os objetivos propostos neste trabalho, estruturamos a pesquisa

em três capítulos: No primeiro, contextualizamos os aspectos jurídicos e a evolução legal da

adoção. No segundo capítulo, evidenciamos de modo breve os aspectos históricos sobre o

negro no cenário brasileiro, fazendo um paralelo com a infância, o preconceito e a

discriminação racial, para chegarmos às principais perspectivas e dificuldades que permeiam

a adoção inter-racial. No terceiro capítulo, faremos uma análise dos dados referentes à

pesquisa documental realizada e apresentaremos o que pudemos constatar no instrumental

estudo de caso utilizado nesse trabalho.

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1 ASPECTOS JURÍDICOS E A EVOLUÇÃO LEGAL DA ADOÇÃO

Ao falarmos de adoção, inicialmente, pensa-se que o assunto refere-se ao

atendimento de uma expectativa do exercício da paternidade e maternidade por parte dos

pretendentes. Levinzon (2009) cita algumas razões que motivam as pessoas a recorrerem à

adoção: a esterilidade de um ou ambos pretendentes; a morte de um filho; o desejo de ter um

filho quando já passou a idade biológica; homens e mulheres que anseiam serem pais, mas

não possuem um parceiro amoroso; o desejo de ter filhos sem passar por um processo de

gravidez.

No entanto, considerar apenas os desejos e expectativas dos adotantes é uma

forma de violentar os direitos assegurados à criança e ao adolescente. Assim, torna-se

fundamental que sejam respeitados os direitos destes fazendo jus aos princípios da proteção

integral e ao princípio do melhor interesse da criança ou adolescente1, contidos no Estatuto da

Criança e Adolescente – ECA.

Nesse contexto, torna-se prioritária a aplicabilidade do princípio da dignidade da

pessoa humana como valor fundamental, associado à dignidade da criança, como bem dita a

Carta Magna no seu art. 227, que atribui à criança e adolescente o direito à viver em família.

Segundo Bittencourt (2010) a família é dotada de características não formais,

como a afinidade e afetividade, aproximando-se dos conceitos de socioafetividade (relações

sociais baseadas no afeto) e eudemonismo (conceito de busca pela felicidade extraído da

doutrina grega de Aristóteles). Temos que tais características se sobrepõem às questões

patrimoniais ou mesmo de ordem biológica, então assim, podemos afirmar que a família é

uma instituição basilar de pertencimento e de identidade social para o pleno desenvolvimento

da criança ou do adolescente.

Ocorre que quando as funções parentais não podem ser exercidas naturalmente

como alternativa para esta situação, há a instituição da adoção como forma de reintegrar a

criança ou adolescente à convivência familiar. Borges et al. (2008) caracteriza a adoção pela

garantia de se ter uma família, tanto para o adotante como para o adotado.

Vale ressaltar que antes de adentrar num processo de adoção um longo caminho é

percorrido, pois a colocação de uma criança ou adolescente2 em família substituta se

1 Coloca a criança ou o adolescente em um patamar de superioridade jurídica (Bittencourt, 2010, p. 38).

2 O Estatuto da Criança e Adolescente define crianças com a idade de zero até doze anos de idade incompletos

e adolescentes aquela pessoa que está na faixa etária entre doze e dezoito anos.

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caracteriza quando a permanência destes põe em risco seus direitos em decorrência de ação ou

omissão por parte dos genitores.

A colocação de criança3 ou adolescente em família substituta ocorre sob três

modalidades: a guarda, a tutela e a adoção, sendo que essa última possui caráter protetivo e

definitivo buscando vincular filiação, paternidade e parentesco ao adotado.

Portanto, este capítulo trará discussões a respeito da adoção no que tange à

conceituação de adoção, sua historicidade e a legislação pertinente que integrará a primeira

subseção. Dando sequência ao debate, a subseção 1.2 trará a adoção dentro do Código Civil,

na 1.3 será abordada a adoção à luz da Constituição Federal Brasileira, 1.4 Adoção no

Estatuto da Criança e Adolescente e por último a Lei Nacional da Adoção.

1.1 Conceito de Adoção

A palavra adotar tem sua origem na Era Romana e vem do latim ad-optare que

significa: aceitar, escolher. Adotar significa acolher mediado por um processo legal, jurídico e

de vontade própria um filho legítimo onde são transferidos todos os direitos e deveres de pais

biológicos para uma família substituta, assegurando a crianças e adolescentes todos os direitos

e deveres de filho.

Conforme Gueiros (2007), a adoção é geralmente concebida como um ato solene

pelo qual alguém assume como filho uma pessoa que geralmente lhe é estranha. Essa inserção

ocorre em um ambiente familiar de modo definitivo e com vinculação jurídica, estabelecendo

assim, uma relação de paternidade e filiação.

A adoção caracteriza-se como medida que possibilita a garantia de vínculos de

criação e de filiação em que se abrem possibilidades às novas formas de agregação a

contextos familiares, independente dos laços de consanguinidade existentes.

Ribeiro (2012) salienta que o acolhimento de representantes da mesma espécie,

principalmente, em tenra idade, parece algo inerente à pessoa humana, tão razoável e natural

como o parentesco consanguíneo.

De acordo com Liberati (apud SOUSA, 2011:19):

A adoção não admite ter “pena” nem “dó” ou “compaixão”; a adoção como

entendemos nos dias de hoje, não se presta para resolver problemas de casais em

conflito, de esterilidade, de transferência, de afetividade pelo falecimento de um

filho, de solidão e etc. Ela é muito mais que isso; é a entrega de amor e dedicação a

3 O objeto de estudo desse trabalho será limitado apenas a crianças.

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uma criança que, por algum motivo, ficou privada de sua família. Na adoção, o que

interessa é a criança e suas necessidades: a adoção deve ser vivida privilegiando o

interesse da criança (2003, p.20).

Schettini Filho (2009) constata nas histórias de adoções que em algum momento

houve uma falha ou ruptura de um projeto familiar, o que predispôs a uma prática adotiva.

Seria o que o autor denomina de “suprimento de uma falta”, processo esse vinculado a

adoção.

A adoção está presente nos fragmentos de legislações mais antigas que se tem

registro reiterando a significação e a importância sobre esta temática. Mas, esta instituição

jurídica que possui ampla conotação social atualmente, é praticada desde a antiguidade e foi

criada com as mais diversificadas finalidades como questões de ordem cultural, religiosa,

política, econômica e afetiva.

Conforme Ribeiro (2012),

O Código de Hammurabi (século XVIII a.C), considerado a primeira codificação

jurídica que se teve notícia, possuía 282 artigos, no qual no capítulo 11 entre os

artigos 185 e 195 já se especificava sobre adoção, com o título “Adoção, Ofensa aos

pais, Substituição de criança”. Ainda há o Código de Manu (200 a.C e 200 d.C.),

que no Livro Nono, n. 169, discorre sobre a existência de normas e requisitos para a

adoção. Já a bíblia relata, o caso de Moisés que é adotado pela filha do Faraó no

Egito (Êxodo, 2, 1-10) (RIBEIRO, 2012, p. 67).

Dentro desse contexto, a adoção entre os Gregos, Romanos e Hindus, era vista

como forma de atender a requisitos de ordem religiosa, pois, o homem primitivo acreditava

que os vivos eram governados pelos mortos “[...] por este motivo, apaziguava com preces e

sacrifícios, os ancestrais falecidos para que protegessem os seus descendentes” (RUFINO,

2003).

Sobre isto, Coulanges discorre apud Ribeiro (2012),

Adotar um filho era, portanto, ser cioso com a perpetuidade da religião doméstica,

com a salvação do fogo doméstico, com a continuação das oferendas fúnebres, com

o repouso dos manes ancestrais. Não havendo outra razão de ser para a adoção salvo

a necessidade de impedir a extinção de um culto, segue-se que a adoção só era

permitida para aquele que não tinha filho (COULANGES apud RIBEIRO, 2012,

p.68).

A adoção na antiguidade possuía muito mais aspectos políticos e religiosos do que

mesmo familiares. “[...] Pois a família nesse período era fundada sobre o liame de sangue e,

conforme a vontade do pater, poderia escolher seus membros com a finalidade de assegurar o

culto ancestral” (RUFINO, 2003). Sobre esta concepção, que tinha características mais

jurídicas do que biológicas, admitia-se a passagem de uma família para outra e a adoção era

um meio de ascensão da família civil, pois estaria adquirindo um direito de cidadão.

A adoção era conhecida entre os hebreus por lerivato; para os gregos, tesis; e para

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os atenienses, poíesis, eispoíeses e tesis. Em Esparta foi pouco difundida e devia ser

confirmada na presença do rei. Mas, com as Leis de Licurgo, as crianças deveriam

permanecer com os pais até os sete anos de idade, sendo depois tuteladas pelo Estado a fim de

guerrear posteriormente. Já as Ordenações Filipinas não possuíam uma regulamentação

adequada, mas havia somente o reconhecimento da adoção.

A prática adotiva perdeu força durante a Idade Média, por ser contrária ao sistema

de feudos da época, retomando apenas no século XVII através dos Códigos Jurídicos, entre

eles, o da Dinamarca, Alemanha, Bavária, como também por Decreto-Lei, na França, e

Código Civil, em Portugal.

O Código de Napoleão, documento jurídico e legislativo da História do Direito,

considerava a adoção aos maiores de idade de modo consensual. Para o código em questão, a

prática de adoção ultrapassava o fato de constituir uma filiação, pois era também um meio de

transmitir o nome e a fortuna.

Em 1923, a Lei Francesa, modificou o instituto passando a aceitar a adoção de

menores, já que o Código de Napoleão aceitava apenas adoção de maiores, representando um

grande avanço, pois os legisladores colocaram em primeiro lugar os interesses do adotado.

No Brasil temos a adoção em linha de evolução, estabelecida pelos seguintes

ordenamentos jurídicos: Código Civil de 1916 (Lei nº 3071, de 01 de janeiro de 1916), Lei nº

3.133, de 08 de maio de 1957, Legitimação Adotiva (Lei nº 4.655, de 02 de fevereiro de

1965), Código de Menores (Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979), Constituição Federal de

1988, Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), Novo Código

Civil (Lei 10. 406, de 10 de janeiro de 2002) e a Lei Nacional da Adoção (Lei nº 12.010, de

29 de julho de 2009).

É necessário compreender que o instituto da adoção foi amadurecendo

gradualmente através de suas legislações, consistindo em uma prática corrente e complexa,

embora ainda permeada de mitos e preconceitos em seu interior, fato que, historicamente,

permaneceu presente.

1.2 Adoção e o Código Civil

Decorrente do Código Civil Francês ou Código de Napoleão, de 1804, a adoção

era vista como desejo pessoal, considerando que Napoleão não tinha filhos e queria deixar

descendência.

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Sob forte influência do Código Francês, o Brasil, em 1916, assinalava a

possibilidade de filiação adotiva, proposta pelo jurista Clóvis Beviláqua. Assim, o Código

Civil do Brasil definia a adoção como um ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na

qualidade de filho.

Até então, a adoção era tratada como uma questão de direito privado presente no

Código Civil através dos artigos 368 a 378. Quando entrou em vigor o Código de Menores, de

1979, a adoção passou a ser tratada tanto nas relações privadas como familiares. Quando

alguém desejava adotar legalmente uma criança, bastava ir a um tabelionato e registrar a

adoção através de escritura diante do tabelião e de testemunhas. Ocorria ainda de a criança

estar presente ou haver uma procuração daquela criança. Para que ocorresse a adoção, a única

exigência é de que os pais manifestassem concordância com a escritura da adoção.

O Código Civil, vigente no período de 1916 a 1957, era voltado muito mais para

os interesses do casal adotante do que para os interesses da criança. Então, primeiramente, o

objetivo era encontrar uma criança para o casal a fim de suprir uma falta e não o contrário.

Um exemplo disso está na garantia da sucessão para pessoas idosas e sem herdeiros, podendo

adotar quem tivesse mais de 50 anos e que não possuíssem filhos.

Em 1957, o Código Civil foi alterado pela Lei nº 3.133. Dentre as grandes

alterações, ocorreu a redução da idade do pretendente à adoção que passou a ser a partir de 30

anos sob a justificativa de permitir a concretude do desejo de paternidade, como também uma

forma de amparar o número excessivo de crianças desamparadas. As adoções, nesse

momento, ocorriam entre os que detinham o pátrio poder e aquela pessoa que detivesse

parentesco civil, a partir de uma negociação que ocorria livremente no interior dos cartórios.

Em 1965, com o advento da Lei 4.665, tem-se o primeiro aparato legal de

proteção à criança que efetiva a menoridade e permite a adoção de crianças de até sete anos de

idade que se encontra em situação irregular, ou seja, crianças abandonadas. Com isso, foram

dados os primeiros passos rumo aos interesses dos adotados, entretanto, ainda continuou a

existir uma forte tendência a garantir os direitos do casal em detrimento dos direitos da

criança. Como exemplo, destacamos os seguintes direitos dos adotantes: sucessão,

transmissão de nomes e títulos e permissão para exercer o papel de pai e mãe.

Por volta da década de 70, começam as primeiras adoções internacionais no

Brasil, não ocorrendo mediante autoridade judicial (juiz ou promotor), mas através de

advogados ou intermediários. Nesse momento, o que se pretendia não era a colocação da

criança em situação irregular em um novo lar, mas encontrar uma criança para um casal

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estrangeiro. E isto ocorre através do que Abreu (2002), denomina de “cegonhas”4.

Com a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o Novo Código Civil inova no

que assiste o direito de família acompanhando as modificações históricas perpassadas nos

últimos anos.

O art. 1º dita que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil. Daí a

observância em eliminar as discriminações e enaltecer a igualdade de direitos diante dos

novos padrões da sociedade e da justiça.

No tocante a adoção, elimina-se a dicotomia existente entre adoção simples5 e

plena6. Outra mudança promovida diz respeito à idade mínima de 18 anos para ser adotante,

como demonstra o art. 1.618 - “Só a pessoa maior de 18 (dezoito) anos pode adotar”, que, no

Código Civil de 1916, era de 30 anos (art. 368), e no Estatuto da Criança e do Adolescente, de

21 anos (art. 42). O parágrafo único do artigo 1.618 dispõe: A adoção por ambos os cônjuges

ou companheiros poderá ser formalizada desde que um deles tenha completado 18 (dezoito)

anos de idade.

Quanto ao adotante ser pelo menos 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado,

inserido no artigo 1.619 ratificou o que o artigo 369 do Código Civil revogado e o parágrafo

3º do artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente já formalizavam.

O artigo 1.621 explicita que a adoção depende de consentimento dos pais ou dos

representantes legais, de quem se deseja adotar e da concordância deste se contar com mais de

12 (doze) anos.

No parágrafo 1º do artigo 1.621, o consentimento será dispensado em relação à

criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder

familiar, dispositivo correspondente ao parágrafo 1º do artigo 45 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, que substitui a expressão “pátrio poder” por “poder familiar”, estabelecendo

direitos e deveres iguais para o homem e para a mulher na sociedade conjugal, vindo a

ratificar o inciso I. Já no artigo 1.626, é atribuída à situação de filho ao adotado desligando-o

de qualquer vínculo com os pais e parentes consanguíneos, salvo quanto aos impedimentos

4 Abreu (2002) utiliza o termo “cegonhas” fazendo referência a pessoas “respeitáveis” da sociedade

preocupadas com o destino de bebês abandonados que se não fosse adotados, podiam se tornar “prostitutas ou

marginais”. 5 O Código Civil de 1916 chamava de simples a adoção tanto de maiores como de menores, só podia adotar

quem não tivesse filhos. Nesse caso a adoção surtia efeito através da escritura pública e o vínculo do

parentesco limitava-se ao adotante e ao adotado. 6 O Código de Menores substituiu a legitimação adotiva (modalidade de adoção) pela adoção plena. O vínculo

de parentesco foi estendido à família dos adotantes, o nome dos avós passou a constar no registro de

nascimento do adotado, independente do consentimento expresso dos ascendentes.

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matrimoniais.

1.3 Adoção na Constituição da República Federativa do Brasil

A promulgação da Constituição da República Federativa de 1988 é considerada

um grande marco no que concerne a conquistas importantes relacionadas à adoção que até

então tinha por finalidade amparar apenas os interesses dos adotantes. Com as mudanças de

natureza jurídica, a adoção assumiu normas de ordem pública a partir do momento em que os

interesses da criança e do adolescente ganharam espaço passando a ter seus direitos

assegurados legalmente, mesmo que isto na prática sofra fragilidades.

Para adentrarmos sobre o debate da adoção na Constituição Federal (CF), torna-se

inevitável falarmos sobre a particularidade da família brasileira. Dentre uma dessas

particularidades, está a convivência familiar que se configura de forma diferenciada através da

sua estrutura social, do sistema de seguridade social e o acesso a bens de consumo.

Para Mioto (2010), a família “[...] constitui-se como um espaço altamente

complexo. É construída e reconstruída histórica e cotidianamente através das relações e

negociações que são estabelecidas entre seus membros, com [...] outras esferas da sociedade

[...]” (p. 168).

No caso das famílias consideradas populares, ocorre justamente a precarização de

fatores que deveriam assegurar a proteção entre indivíduos, especificamente no que concerne

a relação entre pais e filhos. Assim, o lado perverso dessa conjuntura, consiste na negação dos

direitos assegurados legalmente.

Sob uma perspectiva contemporânea, é necessário mencionarmos a respeito dos

direitos sociais do indivíduo assegurados pela Carta Magna que prevê através do artigo sexto,

a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

No entanto, a assegurabilidade destes direitos por parte do Estado, muitas vezes,

chega a ser questionada pela sociedade, tendo como fundamento apenas a superficialidade de

suas ações, dificultando assim, a garantia dos mínimos necessários à dignidade da pessoa

humana.

O art. 226 da Constituição Federal (CF) estabelece a família como base da

sociedade, tendo especial proteção do Estado. Destaca-se ainda, no corrente artigo, algumas

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organizações familiares, dentre elas, a família tradicional (formada a partir do casamento civil

e religioso), a família informal (a partir da união estável entre homem e mulher) e a família

monoparental (formada por qualquer dos pais e seus descendentes).

À medida que a entidade familiar é reconfigurada na sociedade contemporânea,

passa-se a garantir para cada um de seus membros o desenvolvimento pleno e a concretude de

uma vida digna em que são assegurados através da Constituição Federal. Consta no art. 227

da Constituição Federal que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao

lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O artigo supramencionado define de forma criteriosa os deveres da família e do

Estado no que diz respeito a assegurar os direitos que assistem às crianças e aos adolescentes.

Temos ainda, no § 5º do citado artigo, que: “a adoção será assistida pelo Poder Público, na

forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros”.

Já o § 6º do art. 227, traz para o centro do debate a igualdade entre os filhos, ou

seja, estes, concebidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos

direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Com o disposto nos referidos artigos podemos defender que lugar de criança é no

seio da família e que essa condição é imprescindível para o seu desenvolvimento pleno e

saudável. Assim, a família é reconhecida como um ambiente institucionalizado que tende a

proporcionar a construção de valores que norteiem a vida em sociedade através de um bom

desenvolvimento físico, emocional e psicológico. Com isso, Gueiros (2002) define família

como uma construção histórica e sociocultural configurada como lugar de afeto e de

convivência entre pais e filhos.

1.4 Adoção no Estatuto da Criança e Adolescente

Atualmente, no Brasil a adoção é regulada pelo Estatuto da Criança e Adolescente

(ECA) - Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, baseado no artigo 227 da Constituição da

República Federativa do Brasil, de 1988, como também no novo Código Civil - Lei nº 10.406,

de 10 de janeiro de 2002.

O Estatuto da Criança e Adolescente surge em uma conjuntura de efervescência

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política, em um contexto de pós- Regime Militar e inúmeros movimentos pela garantia de

direitos trabalhistas, sociais, políticos e civis.

Na área da infância houve uma forte mobilização de cunho nacional e

internacional que visava a defesa dos direitos de crianças e de adolescentes, além da

modificação do Código de Menores de 1979, o qual se encontrava defasado e necessitava de

transformações, pois o que presenciávamos era uma face preconceituosa por definir crianças e

adolescentes sob a tipificação de “menores”, e a face punitiva, quando submetidos à privação

de liberdade sem direito de defesa.

Silva (2005) aponta a transnacionalização7 do capitalismo, do antigarantismo8 da

democratização e do comportamento juvenil como responsáveis pela necessidade de

reformular a legislação do menor e o sistema de justiça que lhe assiste.

Daí surge a urgência de pensar um processo de direitos e garantias às crianças e

aos adolescentes, no mesmo tempo que se pensou nos limites e as responsabilidades penais,

em decorrência de atos infracionais. No entanto, “[...] a justiça e o direito do menor foram

criticados por oferecerem proteção tutelar maximizada pela impunidade em relação aos

comportamentos violentos juvenis [...]” (Silva, 2005, p.35).

Nesse cenário, visto que o Estado assumia uma visão moderna e uma postura de

Estado mínimo e democrático, havia uma exigência de um Estado de direito que visasse à

promoção da cidadania de crianças e adolescentes através da promulgação da nova legislação.

Assim, após o Código de Menores de 1979, ocorre uma superação histórica,

jurídica e social: a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, que dispõe

sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Assim, para Silva (2005),

O Estatuto é processo e resultado porque é uma construção histórica de lutas sociais

dos movimentos pela infância, dos setores progressistas da sociedade política e civil

brasileira, da “falência mundial’ do direito e da justiça do menor, mas também é

expressão das relações globais internacionais que se configuravam frente ao novo

padrão de gestão e acumulação flexível do capital. É nos marcos do neoliberalismo

que o direito infanto-juvenil deixa de ser considerado um direito ‘menor’, ‘pequeno’

de criança para se tornar um direito ‘maior’, equiparado ao do adulto” (SILVA,

2005, p.36).

O ECA surge como uma conquista tardia dos movimentos sociais, em uma

7 Transnacionalização significa que o capital se produz, reproduz e circula através e independentemente das

fronteiras nacionais. 8 Os movimentos antigarantistas são aqueles em que seus militantes apregoam o fim das garantias para os que

cometem crimes, não importando a natureza do delito. Os criminosos, na concepção dos antigarantistas, são os

únicos responsáveis pela atual situação de violência e caos social.

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conjuntura neoliberal, em que há uma forte tendência de se ter direitos ameaçados, reduzidos

e precarizados.

O Estatuto foi a primeira legislação brasileira e latino-americana que trouxe

mudanças significativas em relação ao Código de Menores de 1979. A partir da sua vigência,

iniciou-se a desconstrução do lado perverso existente e a introdução de novos elementos

promotores da proteção integral da criança e adolescente.

É assim que o ECA, fundamentado no princípio da proteção integral à criança e

ao adolescente, considera estes como sujeitos de direitos e não como objetos de direitos, como

instituía o Código de Menores de 1979.

O ECA, especificamente no artigo 19, garante que toda criança ou adolescente

tenha direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família

substituta, assegurando a convivência familiar e comunitária.

Com base no Estatuto são estabelecidas as regras no processo de adoção no Brasil.

É a partir do ECA, que o processo de adoção tem sua centralidade nos interesses do adotado,

e a adoção passa a ser configurada como uma medida protetiva de colocação em família

substituta e que estabelece o parentesco civil entre adotante e adotado.

No entanto, vale ressaltar que a colocação em família substituta é medida

excepcional e deve ser comprovada a sua necessidade considerando que deve ser priorizado o

direito da criança ou adolescente de permanecer no seio de sua família natural. Não

justificando a falta ou até mesmo a carência de recursos materiais para a perda ou suspensão

do poder familiar, já que o Estado, nessas situações, tem papel fundamental na garantia da

criança ou adolescente em sua família natural, isto ocorrerá através de programas oficiais.

De acordo com os artigos 39 a 52 do ECA, subseção IV, que tratam sobre a

adoção, esta só ocorrerá quando todos os recursos estiverem esgotados impossibilitando a

permanência da criança e do adolescente em sua família natural conforme discorre o art. 39:

A adoção de criança e adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta lei. §

1. A

adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando

esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou

extensa, na forma de parágrafo único do art. 25 desta Lei.

Dessa forma, a adoção, a partir do ECA, se configura como forma de proteção à

criança e adolescente desprovidos do convívio familiar, onde devem ser priorizados sempre, o

interesse do menor. Ainda segundo o Estatuto, a adoção será deferida quando apresentar reais

vantagens para o adotado e fundar-se em motivos legítimos.

O ECA, enquanto quinta legislação sobre adoção, estabelece que a permanência é

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irrevogável, que a filiação possui caráter substitutivo e que, na herança, os filhos adotivos

gozam dos mesmos direitos dos filhos consanguíneos.

Através do art. 46, é definido o estágio de convivência que precederá a adoção, o

que ocorrerá entre o pretendente a adoção e/ou a criança e adolescente, período fixado pela

autoridade judiciária. Este momento é essencial a fim de compreender e perceber o preterido

(a) em um contexto familiar, como também os sentimentos por parte do pretendente à adoção.

Conforme o que está sendo posto no decorrer deste trabalho, a adoção existe

desde sempre e foi sendo reconfigurada em cada momento histórico, de forma a ser permeada

de ambiguidades associadas a conceituações socialmente construídas principalmente sobre a

família e sobre os vínculos os quais esta estabelece socialmente.

No entanto, apesar dos avanços em alguns setores sociais perpassando,

principalmente, no plano teórico e legal, a forma como a criança e o adolescente ainda são

vistos perante a sociedade necessita de outro olhar, pois, considerando estes como sujeitos de

direitos, muitas vezes, em prática, cotidianamente, essa questão não se concretiza.

A legislação apresentada neste subitem procurou delinear de forma objetiva os

trâmites legais no processo de adoção. A seguir, serão discutidos os avanços dessa legislação a

partir da Lei nº 12.010, de 29 de julho de 2009, conhecida como a Nova Lei da Adoção.

1.5 Lei nº 12.010 de 29 de julho de 2009

Assegurar o direito à convivência familiar como previsto na Lei nº 12.010, de 03

de agosto de 2009, é repensar as questões sociais por detrás dessa realidade. De acordo com

pesquisa realizada em São Paulo em 2001, foram revelados os motivos pelos quais crianças

são submetidas à adoção (FÁVERO, 2001): 47,3% foram decorrentes da carência econômica,

23,4% de mães e pais que perderam o poder familiar e 19,5% dos pais que estavam

desempregados.

Em decorrência disso, a condição de vulnerabilidade social das famílias ainda é

algo marcante em um contexto de constantes violações de direitos, estes que propiciam os

mínimos necessários à dignidade da pessoa humana, traduzida através da impossibilidade de

cuidar dos próprios filhos.

Levinzon (2009) contextualiza a adoção como forma de prover à criança um lar

permanente e uma base social que vai ao encontro de suas necessidades básicas. E que em

cada processo de adoção, há sempre três partes envolvidas: os pais biológicos, os pais

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adotivos e a criança, além das instituições que atuam como intermediadoras a fim de

reassegurar o direito a convivência familiar que fora violado.

Diante disso, após 19 anos de anos de legitimação, o Estatuto da Criança e

Adolescente sofre sua primeira e grande alteração, em que ocorre a modificação de 227

artigos através da Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009, a chamada “Lei Nacional da

Adoção”. Tais modificações foram decorrentes de inovações legislativas e terminológicas.

A nova norma possui uma pedagogia diferenciada principalmente para juízes,

promotores e para pais biológicos. Conforme Bittencourt (2010), esta legislação, trata da

situação da criança acolhida, da reintegração familiar, dos papéis da magistratura e do

ministério público, da facilitação do processo e, finalmente da adoção propriamente dita.

Considerada um grande avanço, pois, estabelece prazos e define as competências

de forma mais clara para aqueles que ocupam posições determinantes no sistema de garantias.

No entanto, tudo isto é ameaçado quando de fato, não há um real comprometimento das partes

envolvidas nos novos papéis definidos, colocando em risco a garantia de direitos de crianças e

adolescentes, como bem prima a referida norma jurídica.

A lei em debate objetiva a manutenção da criança e adolescente junto à família

natural, estabelecendo regras para a efetivação disso. Portanto, a retirada da criança ou

adolescente em pleno desenvolvimento do seio da família natural quando o ambiente não lhe

é favorável ao desenvolvimento físico, intelectual e moral, deve ocorrer de forma excepcional

e temporária a qual deve ser revogada após a reestruturação da família natural, caso contrário,

a criança ou adolescente será encaminhado para a adoção.

Uma enorme expectativa em torno da legislação foi criada, acreditando-se que

esta iria facilitar a adoção e diminuir o número de crianças e adolescentes em unidades de

acolhimento institucional mantidas pelo Estado e disciplinadas pelo Estatuto da Criança e

Adolescente, no entanto, vem ocorrendo justamente o contrário, pois na prática passou-se a

ter uma lógica mais rigorosa quanto aos procedimentos relativos à adoção.

Para Dias (2010), a chamada Lei da Adoção, não consegue de fato alcançar seus

reais propósitos, visto que em vez de dar maior agilidade no processo de adoção acaba

criando entraves à sua concessão. A autora faz referência à prioridade que é dada a família

natural no decorrer da legislação, totalizando onze vezes, sendo elas: Lei nº 12.010/09 1.º§ e

ECA 19§ 3.º, 39 §1.º, 50§ 13II, 92 I e II, 100 parágrafo único X, 101 §§ 1.º, 4.º, 7.º, 9.º.

Diante disso com as alterações introduzidas pela Lei 12.010/2009 há uma nova

percepção relativa à classificação sobre família. Esta passa a levar em conta a composição

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básica e dominante do grupo familiar, um exemplo disso, é a composição familiar por pais e

filhos; avós, netos, tios e sobrinhos ou ainda aqueles que têm a criança como filho e que

existe um laço de afinidade e afetividade.

Com as alterações da Nova Lei da Adoção, o ECA adota a classificação trinária de

família, sendo elas: família natural (biológica ou consanguínea), família extensa ou ampliada

(anaparental) e família substituta.

Com a modificação no referido estatuto, o art. 25 do ECA, define família natural

como aquela formada pelos pais ou qualquer deles e seus descentes, esta também pode ser

chamada de família monoparental.

De acordo com Rossato (2013), a expressão natural tem o único intuito de

diferenciar esse grupo familiar da família substituta, não havendo qualquer diferenciação sob

o ponto de vista do vínculo existente entre os pais. Portanto, a família natural possui sua

diferenciação considerando esta como o lugar mais propício para a manutenção da criança e

do adolescente, cabendo ao Estado fornecer subsídios econômicos e sociais para estes

permanecerem sob a família natural.

Já o parágrafo único do artigo em comento, incluiu um novo conceito de família,

esta, denominada de família extensa ou ampliada, formada por parentes próximos com os

quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

Ao conceituar a família extensa ou ampliada, percebe-se um amadurecimento

quanto às novas formas de relações que, historicamente, foram sendo construídas, como

também, foram consideradas as especificidades e individualidades dos sujeitos envolvidos,

neste caso, crianças e adolescentes, com o objetivo único de assegurar o respeito e a dignidade

enquanto detentores de direitos.

Já a família substituta, conforme o art. 28 do Estatuto da Criança e do Adolescente

é formada em razão da guarda, tutela e adoção, sendo definidas da seguinte forma:

a) Guarda: nos termos do art. 33 do ECA, “obriga a prestação de assistência

material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo ao seu detentor o direito de

opor-se a terceiros, inclusive aos pais”. Podendo ser deferida por liminar ou incidentalmente

nos procedimentos de tutela e adoção, com exceção de adoção por estrangeiros.

“Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a

situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o

direito de representação para a prática de atos determinados” (Art. 33, § 2º, do ECA).

b) Tutela: será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 18 anos

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incompletos (art. 36, do ECA). Para Ribeiro (2012), a tutela consiste na autoridade conferida

pela lei, e possui como característica à pessoa capaz, para proteger a pessoa e reger os bens de

crianças e adolescentes que estejam fora do poder familiar.

c) Adoção: caracterizada como a terceira medida de colocação em família

substituta, consistindo em “medida excepcional e irrevogável, a qual se deve recorrer apenas

quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou

extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei (art. 39, § 1º, ECA).

Ribeiro (2012) define a adoção como um ato jurídico que faz nascer, entre

adotado e adotante, uma relação de paternidade e filiação.

Apesar da classificação trinária da formação familiar apresentado pelo referido

estatuto, não podemos desconsiderar a nova formação familiar existente na atualidade, a

família homoafetiva, que Simões (2010) define sua composição por pessoas do mesmo sexo,

que se vinculam através de laços de afetividade, de maneira pública, duradoura e contínua,

dentro de um contexto familiar análogo ao do casamento.

Para Ribeiro (2012),

O conceito de família não pode ser limitado por Lei, porque o legislador não opera

no espaço do desejo ou do afeto. “Não é criação do Estado ou da Igreja. Tampouco é

uma invenção do Direito”. A família “pertence, ao contrário, à ordem do

reconhecimento”. São as pessoas no exercício de sua autonomia e capacidade de

adaptação, que forjam e manipulam o conceito de Família.

Assim, a família ganhou novas conceituações decorrentes das transformações

societárias pelas novas relações estabelecidas. Daí, Ribeiro (2012) afirmar que a família é

multiforme, subversiva e plural.

Retomando, as modificações ocorridas a partir da Lei 12.010/09, houve a

implantação de outros dispositivos, dentre eles, os relativos ao direito à vida e à saúde:

reafirmação de garantias a gestantes, o poder público deve dar assistência a mães ou gestantes

que expressem o desejo de entregar seu filho à adoção devendo esta ser encaminhada ao

Juizado da Infância e Juventude.

Outras modificações concernentes às medidas específicas de proteção, como a

inclusão em programas de acolhimento familiar; substituição do termo, abrigo por

acolhimento institucional e definição de novas atribuições ao Conselho Tutelar.

No que diz respeito às instituições de acolhimento, esta lei determina que juízes

avaliem a permanência da criança a cada seis meses, não podendo ultrapassar dois anos de

permanência.

A obrigatoriedade do estágio de convivência é considerada um grande avanço,

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vista a necessidade de estabelecer vínculos entre o adotado e o adotando, com exceção das

pessoas que já tenham a guarda com tempo suficiente para avaliar o vínculo afetivo e no caso

de estrangeiros, o estágio de convivência deve ocorrer no Brasil.

Outro ponto a ser mencionado, consiste no reconhecimento da importância da

equipe interprofissional na preparação gradativa e no acompanhamento da inserção da criança

e do adolescente na família substituta, conforme consta no art. 28 § 5º do ECA:

A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua

preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe

interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente

com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de

garantia do direito à convivência familiar.

O perfil dos adotantes é alterado passando a ser: pessoas maiores de 18 anos de

qualquer estado civil, casais devem ter união civil ou estável e os divorciados ou ex-

companheiros podem adotar desde que haja afinidade das duas partes com a criança a ser

adotada.

Outra alteração sofrida consiste na adoção de irmãos, conforme o art. 28, § 4º

define que os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma

família substituta, a fim de evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais.

Diante de algumas modificações mencionadas no ECA, relativas à nova norma

jurídica, faz-se necessário mencionarmos como ocorre o processo de adoção no Brasil. A

adoção de determinada pessoa, ocorre mediante ação judicial. Assim, a primeira etapa

consiste em informar as autoridades competentes, no caso o Juizado da Infância e Juventude,

o desejo em adotar e receber as devidas orientações que habilitem à adoção.

Os candidatos que se habilitam a adoção devem entrar com o pedido, na qual deve

ser apresentada uma série de documentos, entre eles: documentos pessoais (CPF e RG),

certidão de casamento ou nascimento; comprovante de residência; comprovante de

rendimentos ou declaração equivalente; atestado ou declaração médica de sanidade física e

mental; atestado de idoneidade, certidões cível e criminal (art. 197-A, do ECA). A idade

mínima para se habilitar a adoção é de 18 anos, independente do estado civil, devendo ser

respeitada a diferença de 16 anos entre adotante e adotado.

Durante o processo de habilitação, os adotantes, por meio de um formulário,

revelam suas expectativas quanto à faixa etária, cor, raça, sexo e etc. Neste momento, os

adotantes são informados que quanto maior o grau de exigência, mais prolongado será o

tempo de espera.

Diante disso, “[...] a maioria dos pretendentes, ao se manifestarem acerca das

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características da criança, apresentam a cor como o principal critério de escolha [...]”, assim,

“[...] a representação dos candidatos sobre as características raciais da criança a ser adotada se

fundamenta, muitas vezes, nos julgamentos e valores apreendidos nas vivências sociais e nas

ideias que possuem de si mesmo” (Silveira, 2005, p.114).

Depois de reunida toda a documentação comprobatória, tem início o processo de

habilitação à adoção. Um curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção é

obrigatório objetivando principalmente construir adoções seguras e propiciar aos pretendentes

uma paternidade baseada na socioafetividade. A ideia consiste em capacitar os pretendentes

para as particularidades da adoção além de estimular a adoção de crianças e adolescentes

normalmente exclusos aos olhos da sociedade, dentre eles, crianças negras, crianças ou

adolescentes com idade igual ou superior a dois anos de idade, com necessidades específicas

de saúde ou com deficiências e grupos de irmãos (art. 197-C, § 1º).

Após a participação no curso, o candidato é submetido à avaliação psicossocial

com entrevistas (individual e em casal) e visitas domiciliares que são realizadas pela equipe

técnica interprofissional onde serão avaliadas opiniões, medos, expectativas de todos os

membros do lar em relação ao adotando.

A partir do laudo da equipe técnica da Adoção e do parecer emitido pelo

Ministério Público, o juiz deferirá, através de sentença a habilitação do(s) pretendentes à

adoção. Com seu pedido acolhido, o nome do pretendente é vinculado ao Cadastro Nacional

de Adoção (CNA), conforme o art. 50 do ECA, assim, há o cruzamento de informações entre

os habilitados a adotar e as crianças e adolescentes aptos à adoção, além de informar a lista de

espera, em que é obedecida uma ordem cronológica (art. 197- E § 1º do ECA).

O Cadastro Nacional de Adoção está diretamente vinculado ao Conselho Nacional

de Justiça (CNJ) e foi criado com o intuito de tornar mais ágil o processo de adoção através da

uniformização de todos os bancos de dados sobre crianças e adolescentes aptos a adoção no

Brasil e pretendentes.

Além da racionalização dos procedimentos de habilitação, o pretendente estará

apto a adotar em qualquer Comarca ou Estado da Federação, com uma única inscrição feita na

Comarca de sua residência. Portanto, há a ampliação das possibilidades de consulta aos

pretendentes brasileiros cadastrados e a garantia de que apenas quando esgotadas as chances

de adoção nacional possam as crianças e adolescentes ser encaminhados para a adoção

internacional.

Na sequência das etapas do processo de adoção, a equipe interprofissional da

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adoção irá comunicar ao pretendente a existência de uma criança ou adolescente com o perfil

compatível com o indicado, cuja vinculação foi feita pelo Setor de Cadastro. Neste momento,

o histórico de vida da criança ou adolescente este é apresentado ao(s) interessado(s). Estes vão

à instituição em que a criança/adolescente está acolhida(o), acompanhado(s) de membros da

equipe de adoção e, se houver interesse deles, passam a visitá-lo(s) até decidirem que estão

seguros de efetivar a adoção. Durante este período, são permitidas visitações a instituição, dar

pequenos passeios com a criança ou levá-la para a residência do pretendente para que possa

conhecer a futura família e moradia. Este período é monitorado pela equipe técnica da

instituição e do Juizado da Infância e Juventude.

Se durante o estágio de convivência, ocorrer realmente a vinculação e a adaptação

pretendidas, a criança ou adolescente é liberada e o pretendente(s) ajuizará(ão) a ação de

adoção. Ao entrar com o processo judicial, o pretendente receberá a guarda provisória que

será válida até o encerramento do processo, renovada a cada seis meses. Nesse momento a

criança passa a morar com a família. A equipe técnica continua fazendo visitas periódicas e

apresentará uma avaliação conclusiva.

O juiz profere a sentença de adoção e determina a lavratura do novo registro de

nascimento, já com o sobrenome da nova família, onde poderão ser trocados também o

primeiro nome da criança, caso seja do interesse dos pretendentes. A partir de então, a criança

ou adolescente passa a ter assegurados todos os direitos e deveres de um filho biológico.

Para Schettini Filho (2009), todo filho é biológico e adotivo: biológico porque é o

único meio de se vir ao mundo e adotivo porque precisa ser amado, amparado e criado. O

amor é adotivo, se há amor, é caso de adoção.

Diante das exposições feitas, concernentes a algumas modificações ocorridas com

a Lei Nacional da Adoção, o que cabe aqui ser considerado não é a insuficiência da legislação,

mas a ineficiência das instituições, a falta de controle sobre os agentes políticos do Estado, a

insuficiência em garantir o que de fato é legalmente assegurado.

De todas essas fragilidades que na prática cotidiana são visualizadas, talvez a um

fato não seja dada tanta importância quanto merecia: o preconceito enraizado no que diz

respeito à defesa da criança e do adolescente. Infelizmente, apesar de grandes avanços, ainda

há um ranço histórico na forma em que estes sujeitos ainda são vistos pela sociedade, ou seja,

considerados como objetos perante os atores sociais.

De acordo com Bittencourt (2010), estas crianças são simplesmente depositadas

em abrigos, não põem fogo em colchões, não fazem rebeliões, não fecham ruas em passeatas,

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são na realidade, varridas para debaixo do tapete da sociedade, tornando-se invisíveis.

A invisibilidade está agravada em razão das diferenças, principalmente raciais,

pois são submetidas a critérios cada vez mais seletivos no processo de adoção. Silveira (2005)

afirma que os considerados diferentes continuam a lotar abrigos, aguardando que um dia a

sociedade brasileira possa libertar-se das amarras do preconceito e contribuir para o

desenvolvimento de crianças e adolescentes, mesmo que isso ocorra no seio da família

adotiva.

Podemos ser livres para amar o diferente, “[...] pode o branco amar o negro e

vice-versa, na qualidade ímpar de pai e filho, fazendo das famílias uma dádiva de brasilidade,

famílias coloridas e amorosas, que escolheram o amor como elemento de liga. Quem ama,

adota [...]” (Bittencourt, 2010, p.157).

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2 A HERANÇA DE UMA COLONIZAÇÃO NA PRÁTICA ADOTIVA

A adoção está permeada de opiniões formadas antecipadamente em que na

maioria das vezes é considerada desfavorável a colocação da criança em uma família adotiva

abrindo uma série de pontos de vistas diferenciados, principalmente quando é relacionado à

criança de etnia negra.

Como herança de um sistema desigual da relação entre brancos e negros com suas

bases desde o período colonial, temos o preconceito racial que apresenta-se de forma sutil e

cordial entre os indivíduos e concretiza-se através da formação de opinião sem avaliação

prévia de dados sendo manifestado de forma verbal, reservada ou pública.

Daí afirmarmos que a cor da pele traz ainda nos dias atuais uma herança histórica

negativa que irá manifestar-se no processo de adoção através das escolhas feitas pelos

pretendentes.

Em pesquisa realizada por Weber em 2001 sobre os desejos e expectativas de

pessoas cadastradas para a adoção no Juizado da Infância e Juventude de Curitiba, revelou

que 67% dos adotantes do grupo pesquisado preferem crianças de cor branca (95% dos

adotantes eram brancos), apenas 19% dizem aceitar uma criança até morena clara e apenas

7% dizem não ter preferência quanto à cor da criança.

No que concerne às características fenotípicas utilizadas pelos Juizados da

Infância e Juventude do país através do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), este contribui

para o processo de exclusão daqueles que já são vítimas constantemente do abandono, do

preconceito racial e das constantes violações que já sofrem no decorrer de sua história.

Este capítulo trará aspectos históricos sobre os negros no cenário brasileiro,

considerados inferiores ou exclusos aos olhos da sociedade, fazendo um paralelo com a

infância negra, o preconceito e a discriminação que estão envolvidos em casos de adoção, e

por último, como os aspectos mencionados anteriormente influenciarão no processo de

adoção.

2.1 O peso do passado

O Brasil foi apresentado aos europeus como terra de possibilidades de riqueza

através da exploração de contornos geográficos até então desconhecidos. Este período que

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perdura de 1500 a 1822 é denominado de Brasil Colônia. Caracterizado pela colonização

portuguesa, tinha como principal atividade econômica a extração do pau-brasil, que obteve

êxito com o trabalho indígena, o que ocorria “amigavelmente”, mediante relações de troca

(escambo) por algumas bugigangas e quinquilharias de pouco valor.

Ribeiro (2006) afirma que,

“O invasor, […] vinha com as mãos cheias e as naus abarrotadas de machados, facas,

facões, canivetes, tesouras, espelhos e, também, miçangas cristalizadas em cores

opalinas. Quanto índio se desembestou, enlouquecido, contra outros índios e até

contra o seu próprio povo, por amor dessas preciosidades! Não podendo produzi-las,

tiveram de encontrar e sofrer todos os modos de pagar seus preços, na medida em que

elas se tornaram indispensáveis. Elas eram em essência, a mercadoria que integrava o

mundo índio com o mercado, com a potência prodigiosa de tudo subverter”

(RIBEIRO, 2006, p.44).

A partir dessa realidade, inicia-se o processo de escravização dos índios, já que

eram nativos da terra através da exploração do pau-brasil e na construção de infraestrutura dos

primeiros povoados do período em questão. Contudo, a escravização do índio choca-se com

uma série de dificuldades, pois os índios apresentavam uma cultura incompatível com o

trabalho intensivo e regular pretendido pelos portugueses, uma vez que esses produziam

somente o necessário para a garantia da própria subsistência e o restante do tempo era

destinado a rituais e celebrações nas tribos. Diante disso, os índios revelaram não ser a melhor

mão de obra para os colonizadores.

Para Carvalho (2008), a colonização elenca dois pontos principais, sendo o

primeiro deles relativo ao fato do país ter nascido da conquista de povos seminômades na

idade da pedra polida e pelos europeus serem detentores de tecnologia avançada. Em

decorrência tivemos a dominação e o extermínio que ocorreu através de guerras, escravização

e doenças de milhões de indígenas.

Já o segundo ponto, diz respeito a uma conquista baseada no comércio, em que a

colonização assumiu caráter puramente lucrativo de forma a atender aos interesses tanto do

governo colonial como de particulares.

Ainda no período colonial descobriu-se um solo favorável para a plantação da

cana-de-açúcar no Nordeste brasileiro. O açúcar era um produto de grande valor econômico

na Europa e bem aceito pelos europeus, a partir daí, a coroa portuguesa decidiu iniciar o

plantio da cana-de-açúcar em larga escala.

Com a expansão da atividade açucareira surgia a necessidade de mão de obra para

tal atividade comercial, além da associação da experiência técnica dos portugueses e o

financiamento da comercialização da produção, em que se destacariam os holandeses.

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No entanto, o lucrativo negócio açucareiro precisava resolver o impasse da mão

de obra, ou seja, pessoas para trabalhar nos engenhos, o que não ocorreria com pessoas

advindas de Portugal, pois sua população era considerada insuficiente em meados do século

XVI.

Para que isso fosse suprido era necessária a importação de negros, geralmente

advindos da costa ocidental africana, assim, o tráfico negreiro tornou-se um lucrativo setor do

comércio da colônia obedecendo a seguinte lógica: os negros eram sequestrados, subjugados e

vendidos como objetos de valor para o mercado de escravos brasileiro.

Neste cenário, a preferência pelo africano só pode ser compreendida ao considerar

como mais um componente determinante na engrenagem de um sistema de exploração

colonial, em que o tráfico negreiro era o condutor de um novo, longo e vergonhoso setor do

comércio colonial. É a partir do tráfico negreiro que a escravidão africana na era colonial

passa a ser entendida não como uma opção, mas, como uma imposição do sistema colonial.

Presenciava-se um enriquecimento de uma burguesia metropolitana que gerava

cada vez mais tributos elevados para o rei, daí, afirmarmos que a escravidão do negro foi

puramente incentivada em que se via no negro “as mãos e os pés” dos senhores de engenho,

enquanto a escravização do índio foi desestimulada e até mesmo proibida.

A preferência em escravizar o negro em contraposição ao índio é permeada de

alguns fatores a serem considerados pela historiografia tradicional. Dentre elas, Cotrim (1996)

destaca a inadaptação do índio ao trabalho agrícola. Os negros eram tecnicamente mais

avançados, os indígenas eram considerados mais “selvagens”, enquanto os negros eram mais

passivos e subservientes e tinham a influência da Igreja ao se opor a escravidão indígena.

O tráfico negreiro no Brasil ocorreu no século XVI, no entanto, a maioria das

sociedades já conhecia o valor desse lucrativo negócio comercial,

Ao percorrer a costa africana no século XV, os portugueses haviam começado o

tráfico de africanos, facilitado pelo contato de sociedades que, em sua maioria, já

conheciam o valor mercantil do negro. Nas últimas décadas do século XVI, não só o

comércio negreiro estava razoavelmente montado como vinha demonstrado sua

lucratividade (FAUSTO, 2008, p.50).

Conforme Carvalho (2008), estima-se que desde o início do tráfico negreiro até

1850, entraram no Brasil cerca de 4 milhões de escravos, distribuídos de forma desigual.

Inicialmente entre os séculos XVI E XVII, concentraram-se principalmente na região

produtora de açúcar, destacando-se Pernambuco e Bahia. No século XVIII, um grande

número foi levado para a região de exploração do ouro, Minas Gerais. A partir da segunda

década do século seguinte, concentraram-se principalmente na região do café, que incluía Rio

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de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo.

Como consequência do tráfico negreiro, os negros africanos criaram formas de

resistência às condições desfavoráveis as quais eram submetidos. Dentre elas: sabotagens no

processo de produção, fugas coletivas ou individuais, assassinavam feitores e senhores de

engenhos, suicidavam-se ou faziam revoltas nas plantações e povoados. Outra forma de

resistência dizia respeito à preservação de crenças e ritos africanos, através de cultos a

antepassados ao som de instrumentos de percussão.

Mas foram os quilombos a característica mais marcante da resistência de escravos

negros à sua condição. Após fugirem em grupos, estes organizavam pequenos acampamentos

em áreas despovoadas e de difícil acesso, a fim de abrigar desde pequenos grupos até um

número elevado de fugitivos.

Socialmente se organizavam através de uma pequena elite de guerreiros ou líderes

que promoviam a defesa e os ataques armados contra as povoações portuguesas. Outro fator a

ser considerado era a manutenção de relações de escravidão doméstica no interior dos

quilombos, característica esta semelhante à cultura das tribos africanas. Os quilombos foram

uma forma de reproduzir a herança cultural até então reprimida, pois os negros conseguiam

sentir-se no “paraíso” diante do “novo mundo”.

Assim, os quilombos eram definidos como,

Estabelecimentos de negros que escapavam à escravidão pela fuga e recompunham

no Brasil formas de organização social semelhantes às africanas, existiram às

centenas no Brasil colonial. Palmares - uma rede de povoados situada em uma

região que hoje corresponde em parte o Estado de Alagoas, com vários milhares de

habitantes - foi um desses quilombos e certamente o mais importante (FAUSTO,

2008, p.52).

Palmares é considerado o principal quilombo pela literatura brasileira, formado no

início do século XVII e por quase um século lutou bravamente contra holandeses e

portugueses resistindo aos seus ataques a fim de defender a liberdade do negro.

Situando a realidade cearense, é comum ouvirmos dizer que no Ceará não há

negro, e isso se deve ao fato da escravidão ter sido pouco expressiva na época da colonização

brasileira.

Funes (2007) descreve que,

A ocupação das terras cearenses foi diferente do processo ocorrido em outras áreas

do Nordeste açucareiro. Foi um processo mais lento, com suas fronteiras sendo

rompidas pelo gado que possibilitou uma configuração social diferenciada das

sociedades de engenho, exigindo pouca mão de obra, contando desde o início com o

trabalho do nativo e um estilo de vida que não foge ao padrão encontrado em outras

regiões tidas como economicamente periféricas. Isso, de certa forma, refletia o poder

aquisitivo dos proprietários cujo modus vivendi, em sua maioria, estava dentro de

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um padrão de riqueza bastante relativo, marcado pela simplicidade, beirando a

rusticidade, o que acabava refletindo no dia-a-dia do escravo (FUNES, 2007, p.

106).

A introdução da mão de obra africana continuou a ocorrer de forma que aos

poucos africanos e afro-brasileiros cativos foram incorporando a ocupação das terras

cearenses acentuando-se principalmente nas últimas décadas do século XVIII tendo como

base a expansão da lavoura algodoeira e da pecuária, atividades estas que se tornaram

atrativas para a população advinda de outras áreas nordestinas e até mesmo de portugueses.

Já no século XIX, na década de 1860, com a cotonicultura, a entrada de escravos

no Ceará já não ocorria, considerando que a importação destes já havia deixado de acontecer a

partir da década de 1840. Na década de 1850, a província cearense passa a exportar negros

dentro da lógica do tráfico interprovincial.

Funes (2007) descreve que a etnia negra sempre teve seu lugar na história do

Ceará constituindo o universo de trabalhadores livres, ao lado dos nativos, mas, também, o

mundo dos cativos tanto na área rural ou urbana, assim,

“O cativo foi incorporado ao setor produtivo estando presente na pecuária na

agricultura, em serviços especializados, nos serviços domésticos, ou ainda como

escravo de aluguel ou de engenho. É possível constatar na configuração

representativa que a população escrava concentrava-se naquelas áreas consideradas

produtivas das províncias, que se destacam por suas atividades agropastoris”

(FUNES, 2007, p.111).

Com o desenvolvimento da pecuária nas terras cearenses, alguns negros foram

trazidos com o intuito de trabalhar nas fazendas, porém, como o trabalho com o gado dava

certa liberdade aos vaqueiros, era necessária a garantia aos proprietários de que estes não

fugiriam. Isso ocorreria através da colocação dos negros nas atividades domésticas além da

adoção de uma relação paternalista.

No entanto, isso não minimiza o significado e o sentido da presença escrava na

sociedade cearense, pois, não determina um modelo específico de escravidão que tem como

marcas a cordialidade e a fraternidade dos senhores em relação aos cativos. O que deve ser

compreendido consiste no aviltamento da escravidão de um lado e por outro, o fortalecimento

da relação dualista sempre existente entre senhor x escravo.

Mas, a escravidão no Brasil foi posta apenas no centro do debate após o término

da guerra contra o Paraguai. Como forma de reconhecimento da independência, a Inglaterra,

que no século XVIII era a principal responsável pelo comércio de escravos no mundo, no

século seguinte tornou-se a principal responsável por defender a abolição da escravatura.

Isto ocorreu a partir da exigência em 1831 da promulgação da lei proibindo o

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tráfico negreiro. Mas, esta lei contrariava os interesses imediatos de grandes donos de terra,

não surtindo muito efeito, ficou conhecida com a “lei para inglês ver”, e foi equiparada à

pirataria, pois na prática continuou havendo o tráfico, inclusive em maior quantidade.

A partir de 1850, no Brasil, cresce um movimento contra o fim da escravidão, em

que diversos setores da sociedade brasileira fazem adesão. No entanto, apesar da escravidão

ter sido condenada, esta ainda é uma prática que se extinguirá a passos lentos. Diante disso,

em 4 de setembro de 1850, foi promulgada a Lei Eusébio de Queirós, legislação que proibiu

definitivamente o tráfico de escravos para o Brasil e autorizava a expulsão de traficantes do

país, esta legislação atendia preteritamente aos interesses da Inglaterra e também foi

considerada um marco no processo de abolição da escravatura no Brasil.

Já em 1871, houve a aprovação da Lei do Ventre Livre; esta libertava os filhos de

escravos que nascessem daí em diante. Esta lei tinha algumas controvérsias, pois permitia aos

donos dos que nascessem livres apropriarem-se de seu trabalho de forma gratuita até os vinte

e um anos de idade.

Em 28 de setembro de 1885, tem-se promulgada a Lei dos Sexagenários em que

declara livres os escravos com mais de 65 anos. O que significava libertar os donos de

escravos da obrigação de sustentar raros negros velhos que conseguiram sobreviver às

condições sub-humanas a qual era submetidos.

Mas, foi somente em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea promulgada pela

princesa Isabel, que a escravidão foi extinta. No entanto, a abolição foi um feito demandado

tanto por uma boa parcela da elite de intelectuais como também para atender as exigências do

capitalismo industrial e do desenvolvimento econômico do país.

Assim, após quatro séculos de escravidão o negro passa a ter como desafio sua

inserção social, pois não detinha recursos financeiros para trabalhar por conta própria, não

tinha educação para buscar uma boa posição na sociedade e nem contava com qualquer ajuda

do governo.

Diante desse cenário restava apenas retomar a condição de antes, em que antigos

proprietários de escravos os tratavam de forma cruel e desumana, sem contar que ainda

tinham que lidar com a indiferença da sociedade.

Funes (2007) descreve que

“O processo abolicionista resultou ao cativo recuperar a sua liberdade, ser homem

livre; mas vem acompanhado de uma série de medidas controladoras, que colocam o

indivíduo no seu (in)devido lugar, fecha-lhe todas as possibilidades de uma ascensão

social e direitos da cidadania. É colocado à margem da sociedade, reforçando o

distanciamento social, político e econômico entre a população negra (morena) e

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branca (galega)” (FUNES, 2007, p.132).

É o momento em que o negro vê a legitimação da exclusão da sociedade.

Consegue a liberdade tão desejada, no entanto, a cidadania lhe é negada restando apenas um

enclausuramento em periferias, favelas ou no mundo rural e, sob essas condições, construir

sua historicidade e identidade.

Ribeiro (2006), afirma que o negro desempenhou relevante papel na formação

histórica do Brasil, constituiu-se como importante mão de obra principalmente na produção

açucareira. “[...] o negro teve uma importância crucial, tanto por sua presença como a massa

trabalhadora que produziu tudo que aqui se fez, como por sua introdução sorrateira mas tenaz

e continuada, que remarcou o amálgama racial e cultural brasileira com suas cores mais fortes

(RIBEIRO, 2006, p.102)”.

2.2 Um breve panorama histórico da infância na realidade brasileira

Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004) compreendem o vocábulo infância como a

concepção ou representação que os adultos fazem sobre o período inicial da vida ou como o

próprio período vivenciado pela criança. Este período possui como característica a

apropriação de um sistema pessoal de comunicação. Já o vocábulo criança, consiste na

indicação de uma realidade psicobiológica referenciada ao indivíduo podendo ser capturada

no conjunto de instituições (família, instâncias assistenciais e escolares, condições de

existência referentes à etnia, gênero, classe social, disponibilidades cognitivas, etc.).

Diante disso, o conceito de infância vem sofrendo modificações significativas no

decorrer da nossa história culminando no reconhecimento da criança como um sujeito que

tem o seu espaço na sociedade.

Este significativo avanço deve-se ao fato de que no período equivalente da

Antiguidade até a Idade Média, sequer existia uma conceituação sobre a infância, ou seja, a

criança não era reconhecida como objeto de estudo nas diversificadas representações da

sociedade.

Ariés (2006) revela que o sentimento da infância na sociedade medieval

praticamente inexistia, pois o sentimento direcionado a infância não correspondia ao mesmo

sentimento de afeição pelas crianças atualmente, não havendo preocupação em diferenciar o

mundo infantil do mundo adulto.

Sobre isto Ariés (2006) discorre que,

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O sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças:

corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que

distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não

existia. Por essa razão, assim que a criança tinha condições de viver sem a solicitude

constante de sua mãe ou de sua ama, ele ingressava na sociedade dos adultos e não

se distinguia mais destes (ARIÉS, 2006, p. 100).

Ariés (2006) afirma que nos séculos XIV, XV E XVI as crianças eram

consideradas adultos em miniaturas e que o tratamento dado a estas era igual ao de adultos,

pois a infância era tida como um curto período da vida. Assim, era comum “preparar” crianças

e jovens para a vida através da convivência diária no trabalho com pessoas mais velhas.

Mas é no século XVIII, que a concepção sobre a criança enquanto sujeito social

passa a ser compreendida diferenciando no tratamento ofertado. Isso se deve a mudanças no

valor atribuído à educação e aos cuidados durante a fase infantil, por exemplo, o cuidado com

a higiene das crianças.

Outro fator a ser considerado com essa mudança de mentalidade sobre a imagem

da criança na sociedade se deve ao surgimento de novas ciências, como é o caso da

psicologia, psicanálise e a pediatria, como também trazer para o centro do debate questões

relacionadas às necessidades físicas, morais e sexuais. A criança passa a ser considerada como

um ser em pleno desenvolvimento e imaturo para vida, e a família é a responsável por

cuidados e conhecimentos básicos para que aquele se desenvolva plenamente.

Sobre isto, Ariés (2006) descreve a nova organização familiar que,

A família começou então a se organizar em torno da criança e a lhe dar uma tal

importância, que a criança saiu do seu antigo anonimato, que se tornou impossível

perdê-la ou substituí-la sem uma enorme dor, que ela não pode mais ser reproduzida

muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu número para melhor cuidar

dela[...] (ARIÉS, 2006, p.11).

Essa nova visão sobre a criança passa a exigir da família uma função até então

adormecida no que diz respeito aos cuidados e carinhos direcionados a fim de protegê-los dos

perigos da sociedade. Esta mudança nos sentimentos quanto à infância, exige da família que

também assume funções antes realizadas pela comunidade, principalmente a alimentação e a

higiene.

A família passa a se dedicar de forma diferenciada em relação às crianças

mudando alguns conceitos sobre a infância, deixando de lado a visão de um ser substituível,

anônimo e sem espaço na sociedade, passando agora a ocupar um lugar diante da família e da

sociedade em que está inserida.

No século XIX, há um entendimento de que a infância é construída baseada no

tripé da sociedade, cultura e da escola. Ariés (2006) reforça esse entendimento ao afirmar a

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infância como construção social em que são observadas as novas formas de falar, pensar e

sentir dos adultos em relação ao que fazer com as crianças resultando em um processo de

descoberta, valorização e proteção delas.

O intuito era de resguardar a infância tendo em vista a utilidade da mão de obra

infantil a fim de torná-los futuros adultos trabalhadores, em face à configuração industrial que

as sociedades perpassavam.

No cenário da nova sociedade que surgia impulsionada pelo capitalismo

industrial, a infância sofre modificações que irão alterar a vida das crianças. A busca por mão

de obra barata fará com que crianças sejam submetidas a jornadas longas e desumanas de

trabalho e a exploração do mercado de trabalho.

Para Kuhlmann Jr. e Fernandes (2004) essa realidade permitiu a elaboração de

legislação específica a fim de limitar os abusos no interior das indústrias. No entanto, o

trabalho infantil tido como normal não é totalmente eliminado, mas passa a ser tema de

debates e discussões que culminarão em movimentos a favor da “construção” da criança e de

instituições como escolas, asilos, hospitais que garantam o seu pleno desenvolvimento.

Entre o fim do século XIX e o início do século XX, a infância passa a ser vista

como forma de edificar uma sociedade moderna e para isto tem como base as instituições que

visem o bem-estar da criança através de atendimento filantrópico e assistencial,

principalmente no atendimento a infância pobre, pois era de interesse da classe burguesa o

controle e preservação da ordem.

No tocante a infância brasileira é necessário considerarmos alguns elementos

históricos e socioculturais que influenciaram diretamente a imagem e o tratamento ofertado

principalmente à crianças negras e indígenas.

A chegada dos portugueses ao Brasil foi um marco em nossa história, no entanto,

tornou-se impactante para crianças indígenas e posteriormente para as crianças africanas, que

chegariam em navios negreiros juntos com os adultos a serem escravizados, a adaptação à

cultura do homem branco, além de sofrerem um constante processo de violência, humilhação,

desrespeito e preconceito.

O sentimento da infância brasileira tem suas bases no sistema colonial, em que a

criança é tida como um ser incapaz e submisso estando apta a ser moldada. Santos (2007)

relata que,

A concepção de infância nesse período não era homogênea, existido diferenças

substanciais entre a criança escrava, a indígena e a branca, demarcadas pela situação

étnica e de classe que cada ocupava na sociedade. A natureza de classe da sociedade

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colonial construiu a concepção de infância de acordo com as necessidades do

dinamismo do sistema, ou seja, a criança escrava deveria trabalhar como objetivo de

dar retorno ao investimento do seu proprietário. Desse modo, não se buscava a

meiguice e a fereza nas crianças negras escravizadas, como se fazia entre os filhos

dos senhores, e sem o trabalho (SANTOS, 2007, p.228).

A infância era considerada como uma fase em que o ser não possuía razão ou tida

como uma fase que sucede outra e serve apenas para preparar para a fase adulta e a escola

teria papel fundamental. Assim, a primeira tentativa de educar implantada no Brasil ocorreu

através dos jesuítas que tinham a missão de catequizar índios que aqui viviam esquecendo a

cultura existente.

A missão dos jesuítas era submeter à criança a uma educação rígida e moral com

objetivos de alcançar a civilização através das aulas de gramática, catequese, além de normas

e obrigações que deveriam ser cumpridas a fim de prepará-los para o trabalho, conforme

desejava a coroa portuguesa (SANTOS, 2007).

Para Oliveira (2007),

No Brasil Colonial, com um modo de produção escravista, a infância caracterizava-

se de forma diferente para as crianças brancas e negras, como ainda o é para crianças

da elite e crianças pobres. Enquanto eram crianças, brincavam e estavam em

atividade conjunta. Entretanto, a criança branca aprendia desde cedo que, ao crescer,

ela estaria dominando aqueles com quem agora brincava (OLIVEIRA, 2007, p.35).

Silveira (2005) salienta que não diferente do processo de escravização sofrido por

adultos, as crianças de etnia negra foram tratadas com descaso sendo iniciado pelo

desinteresse dos senhores de escravos em reprodução da massa escrava no Brasil. Se havia

algum investimento seria no escravo adulto que teria utilidade por conta de sua mão de obra,

assim, a família escravizada ao aportar em terras brasileiras já era desfeita, os negros que aqui

chegavam dificilmente conseguiam juntar novamente as famílias de origem ou manter o

vínculo entre marido, mulher e filhos, pois não eram levados em consideração no mercado de

escravos.

Outro processo de violação que crianças de etnia negra tinham que perpassar além

da separação dos pais, consistia na orfandade das crianças em tenra idade, que na maioria dos

casos não era decorrente de óbitos dos genitores, mas pelo apadrinhamento e o número

elevado de mortalidade entre os escravos. Assim, parte das crianças escravas que chegaram ao

Brasil ou que aqui nasceram e que conseguiram sobreviver não receberam tratamento

igualitário em relação às crianças brancas.

Desde pequena a criança negra é tida como objeto ou brinquedo nas mãos de

crianças brancas em que incorporariam a função de servir-lhes.

Os filhos dos escravos são criados com os dos senhores, tornam-se companheiros de

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folguedos e amigos e, assim, estabelece-se entre eles uma familiaridade que

forçosamente, terá de ser abolida na idade em que um deve dar ordens e viver a

vontade, enquanto o outro terá de trabalhar e obedecer. Diz-se que unindo assim, na

infância, o escravo ao dono, asseguram a sua fidelidade, mas o costume parece

encerrar grandes inconvenientes e de ver, ao menos ser modificado de forma a tornar

o jogo da escravidão menos penoso pela revogação da liberdade primitiva (MAWE

citado por LEITE, 2006, p.33).

A infância da criança escrava durava até os sete anos de idade, quando lhe eram

atribuídas pequenas tarefas, como carregar trouxas de roupas, levar recados, fazer pequenas

compras e pequenos serviços domésticos. A partir desta idade através de iniciativas

particulares e com alguns escravos começava-se o processo de escolarização além da

iniciação na vida cristã.

Com o advento da Lei do Ventre Livre em 1871 e com a Lei Áurea, em 1888,

surgia um significativo contingente de escravos, e um dos efeitos destas legislações foi o

elevado número de crianças negras e pardas abandonadas em todo o país.

Assim, em 1738 através da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro foi

implantada a “Roda dos Expostos” que tinha como princípio proteger os recém-nascidos

desvalidos. Caberia a Santa Casa realizar o registro de todos os “enjeitados” para que pudesse

identificá-los com suas famílias além de especificar dados como a cor da criança.

Essas crianças permaneceriam sob a responsabilidade da Santa Casa até os 03

meses e os sobreviventes eram levados a criadeiras a fim de criá-los até os 07 anos de idade,

onde teriam que trabalhar em troca de casa e alimentação. Após esta idade estariam aptos a

adoção ou ao Arsenal da Marinha, no caso dos meninos, ou ao Recolhimento das Órfãs, no

caso das meninas (Belém, 2002, p.32).

Belém (2002) afirma que nos séculos XVIII e XIX, a Roda dos Expostos do Rio

de Janeiro recebeu cerca de 42.200 crianças. No período entre 1864 e 1881, o número de

crianças entregues a Santa Casa teve um aumento significativo, dobrando no caso de crianças

pardas, passando de 130 para 260 ao ano, já crianças negras esse número triplica, de 30 para

90 crianças.

Silveira (2005) discorre que,

Entre o ordenamento jurídico que se estabeleceu na época e a realidade concreta

desses infantes subsistiram grandes diferenças. Fatos da história indicam que, a

partir da Lei do Ventre Livre e do término do sistema escravocrata, os escravos e ex-

escravos libertos foram abandonados à própria sorte. Os senhores procuravam se

desfazer da responsabilidade, principalmente em relação aos velhos e às crianças

(SILVEIRA, 2005, p.77).

Resultando em um aumento significativo no número de recém-nascidos negros

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que eram expostos e abandonados9, isto era encarado com normalidade e fruto de uma

desorganização familiar, fragilidade econômica e exclusão institucional direcionada a esse

grupo culminando no agravamento dos problemas sociais da infância em que a sociedade

reagia diante disso através do controle ou de uma assistência considerada ineficaz frente a

tamanha complexidade.

A manutenção das crianças nesse sistema privilegiou a classe dominante, pois, a

Roda dos Expostos contribuiu para a manutenção de uma prática corrupta incentivando o

abandono, já que uma das regras consistia no anonimato do expositor.

Silveira (2005) afirma que no sistema da Roda de Expostos teve a interferência do

Estado que tinha como objetivos tirar maior proveito possível sobre as crianças abandonadas

através da utilização da mão de obra, principalmente de crianças negras e pobres, vítimas de

uma miséria social e econômica que marcariam sua trajetória.

Ainda de acordo com Silveira (2005), o abandono assume formas tendo suas

bases no controle, na correção e na repressão à classe pobre. Assim, os desvalidos eram

considerados como risco social de forma que o segmento infanto- juvenil teve vários enfoques

sendo eles: o repressor (estabelecido no velho período republicano- o abandono era tratado

como caso de polícia), assistencialista (gestado no regime militar nos anos 60- Política

Nacional de Bem-estar do Menor) e a cidadania (final da década de 70 – reconhecimento dos

direitos civis e sociais de vários grupos da sociedade).

Nota-se que as crianças de etnia negra em nenhum momento da sua trajetória

foram poupadas de abusos e maus-tratos de adultos e desde cedo já eram vítimas de estigmas

por decorrência da camada social extremamente pobre e de questões raciais que implicaria

também no tratamento ofertado a índios, africanos e mestiços.

2.3 Preconceito x Discriminação

No Brasil, a escravidão teve consequências severas na relação entre brancos e

negros. Assim, para uma melhor compreensão a respeito dos conceitos que envolvem as

relações raciais no Brasil é necessário entender a teoria e as variadas formas de manifestações.

O preconceito racial existente no Brasil possui suas bases desde o período colonial

9 Rodrigues apud Motta (2001, p.40) argumenta que abandono não é apenas o ato de deixar o filho sem

assistência material fora do lar, mas inclui o descaso intencional de sua criação, educação e moralidade. Para

Motta (2001) a utilização do termo abandono revela uma postura preconceituosa e paradoxal em relação à mãe

que desiste de criar seu filho.

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sendo modificado ao longo do tempo apresentando-se de forma sutil e cordial entre os

indivíduos e concretizado através da formação de opinião sem avaliação prévia de dados e

manifestada de forma verbal, reservada ou pública.

Não há dúvida de que o preconceito racial entre nós, no Brasil, é diferente daquele

que encontramos historicamente em outras sociedades pós- coloniais. Tal diferença,

entretanto, embora possa afetar o destino particular de um indivíduo [...], desde que

estejam presentes outras condições sociais neutralizadoras do preconceito, parece

incapaz de reverter o destino social dos negros em seu conjunto, ou seja, daquele

grupo de pessoas que sofrem mais profundamente as consequências do preconceito,

tal como ele opera normalmente nas nossas instituições sociais (GUIMARÃES,

2008, p.43).

Sobre isto Guimarães (2008) salienta que o preconceito seria apenas a crença

prévia (preconcebida) baseada nas qualidades morais, intelectuais, físicas, psíquicas ou

estéticas de alguém e fundamentada na ideia de raça. O referido autor discorre ainda sobre as

teorias que sustentam a existência de superioridade das raças, apoiadas nas diferenças

biológicas ou étnicas, ou seja, na teoria racista.

Para Guimarães (2008) o racismo consiste num sistema de desigualdades de

oportunidades, inscritas na estrutura de uma sociedade sendo verificada através da estrutura

de desigualdades raciais expressas através da educação, saúde pública, emprego, moradia,

renda, alimentação, etc.

Nessas condições, há existência de enorme discrepância entre a expansão do

contingente branco versus negros em todos os setores da sociedade sob a justificativa de

despreparo do negro para integrar a sociedade industrial causando repulsa e dificultando

assim a ascensão social para as pessoas de cor.

Ribeiro (1995) discorre que,

[...] introduzido como escravo, ele foi desde o primeiro momento chamado à

execução das tarefas mais duras [...] tratado como besta de carga exaurida no

trabalho, na qualidade de mero investimento destinado a produzir o máximo de

lucros, enfrentava precaríssimas condições de sobrevivência. Ascendendo à

condição de trabalhador livre, antes ou depois da abolição, o negro se via jungido a

novas formas de exploração que, embora melhores que a escravidão, só lhe

permitiam integrar-se na sociedade e no mundo cultural, que se tornaram seus, na

condição de um subproletariado compelido ao exercício de seu antigo papel, que

continuava sendo principalmente o de animal de serviço (RIBEIRO, 1995, p.232).

Com isso, Ribeiro (1995) afirma que o alargamento das bases da sociedade não

visa o rompimento da concentração de riqueza, poder e prestígio monopolizado pelo branco

explicável historicamente, tais como: o negro como trabalhador livre, a condição de

inferioridade resultante do tratamento opressivo enfrentado durante anos, a manutenção de

critérios racialmente discriminatórios que dificultou sua ascensão e o distanciamento de uma

democracia racial em que o negro seria considerado cidadão indiferente dos demais.

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Assim, o fato de ser negro possui um custo adicional diante do cruel e

massacrante tratamento desigual em que habitualmente é comum associarmos à pobreza a

negritude de forma a ser encarada pela coletividade como algo puramente normal e aceitável

ou ainda que as dificuldades geradas são decorrentes de diversos fatores como um problema

estrutural do sistema ou ainda fruto de um passado histórico.

Para Guimarães (2008),

Não há dúvida de que o preconceito racial entre nós, no Brasil, é diferente daquele

que encontramos historicamente em outras sociedades pós- coloniais. Tal diferença,

entretanto, embora possa afetar o destino particular de um indivíduo [...], desde que

estejam presentes outras condições sociais neutralizadoras do preconceito, parece

incapaz de reverter o destino social dos negros em seu conjunto, ou seja, daquele

grupo de pessoas que sofrem mais profundamente as consequências do preconceito,

tal como ele opera normalmente nas nossas instituições sociais (GUIMARÃES,

2008, p.43).

Retomando a discussão sobre as definições de preconceito, Heller (2008) definir

preconceito como um pensamento do comportamento cotidiano e como um tipo particular de

juízo provisório. Com isso, entende-se que os preconceitos são produtos da vida e dos

pensamentos cotidianos manifestando-se de forma individual ou social, este último

encontrando-se estereotipado ou não, assim, tendemos a assimilarmos do nosso ambiente para

depois aplicá-los de forma espontânea através de atitudes concretas.

A autora distingue vários tipos de preconceitos como, por exemplo, preconceitos

morais, políticos, de grupo, nacionais, religiosos, raciais e etc. Assim, independentemente do

tipo de preconceito, este é embasado na vida cotidiana do indivíduo. Dessa forma, o

preconceito consiste em um posicionamento moral acerca de determinada questão, já que se

caracteriza como juízos falsos de valores.

Os sistemas de preconceito são provocados pelas integrações sociais que

vivenciamos socialmente, principalmente no que concerne a classes sociais. O que se observa

é que os preconceitos servem para solidificar e manter a “estabilidade e a coesão da

integração dada” (HELLER, 2008, p.76).

Rodrigues (2008),

Define o preconceito como uma atitude, carregada de sentimentos, predisposições

para agir e crenças. Assim, [...] uma pessoa preconceituosa pode desgostar de

pessoas de certos grupos e comportar-se de maneira ofensiva para com eles, baseada

em uma crença segundo a qual possuem características negativas (RODRIGUES,

2008, p.162).

O preconceito pode configurar-se como positivo ou negativo, no entanto,

comumente tendemos a demonstrar atitudes negativas agindo na maioria das vezes de forma

hostil em relação a um determinado grupo ou pessoa.

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Para Jones (1973), o preconceito é uma atitude negativa, com relação a um grupo

ou uma pessoa baseando-se num processo de comparação social em que o indivíduo é

considerado como o ponto positivo de referência. O autor define ainda, como o termo usado

para definir atitudes e comportamentos de determinados tipos de relações, geralmente, entre

brancos e negros, étnicas e religiosas.

O autor em questão apoia-se nos preceitos de Gordon Allport que defini o

preconceito como “[...] uma antipatia baseada em generalização errada e inflexível. Pode ser

sentido ou pode exprimir-se. Pode dirigir-se a um grupo como um todo, ou para um indivíduo

por ser membro desse grupo” (p.02). Com isso, o preconceito assume caráter negativo e

coloca em desvantagem o objeto de preconceito como fruto de atitude injusta, na relação entre

brancos x negros.

No que concerne à discriminação sua prática é difundida e embasada através das

teorias racistas, por ser sua resultante. As teorias que sustentam a superioridade de uns sobre

os outros são baseadas nas diferenças biológicas ou étnicas, ou seja, na teoria racista que

conforme Guimarães (1998) foi disseminada pelos homens diante do medo de lidar com o

diferente revelando a dificuldade ou incapacidade de se relacionar com o outro de forma

igual.

No final do século XVII decorrentes do Iluminismo e do progresso científico houve

uma tentativa de fundamentar cientificamente as ideias racistas que comprovariam as

diferenças entre as raças. No entanto, após diversos estudos científicos, pode-se afirmar a

igualdade genética das raças excluindo assim o fator da superioridade das raças.

Marinho (1999) afirma que as diferenças entre as raças são apenas culturais e/ou

geográficas, excluindo o fator biológico. Conforme a autora, o conceito de raça foi substituído

pela expressão “grupos étnicos”. Sendo etnia, originaria do grego ethnos e referindo-se a um

conjunto de pessoas da comunidade, ou ainda, é o pertencimento do grupo, independente dos

laços consanguíneos e a construção de ações coletivas.

O conceito de etnia adquirido da antropologia cultural atualmente traz à tona a

questão do negro e as populações em situação semelhante trazendo noções como o universo

cultural do indivíduo, considerando fatores morfológicos como a cor da pele, cabelo, nariz,

estatura, etc. e as experiências destes indivíduos como pertencentes a um mesmo grupo.

No artigo 2 da Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais, o racismo

engloba:

Atitudes fundadas nos preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as

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disposições estruturais e as práticas institucionalizadas que provocam a desigualdade

racial. Manifesta-se por meio de disposições legislativas ou regulamentárias e

práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos antissociais (Art. 2,

Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais).

Para Guimarães (1998) a palavra racismo possui vários significados, podendo se

referir a uma doutrina cientifica ou não, em que há a existência das raças humanas com

diferentes qualidades e habilidades morais, psicológicas, físicas e intelectuais. Pode também

ser denominado como um corpo de atitudes, preferências e gostos orientados pela ideia de

raça e fundamentados na superioridade de raças que será expressa no plano moral, estético,

físico ou intelectual.

Já a utilização do termo raça, expresso na forma mais bruta em um contexto de

décadas anteriores apresenta um erro para as ciências naturais, pois atualmente não há

somente a existência da raça humana, mas sim de várias. Fato que esta teoria não demonstra

consistência. Ainda conforme o autor supracitado, raça consiste em uma construção

sociológica ou uma crença presente no comportamento humano que distribui de forma

desigual vantagens e desvantagens às pessoas tendo como fundamento o modelo de

classificação racial existente na sociedade.

No Brasil, além de predominarem o medo do diferente e a crença da superioridade

de uns sobre os outros, as teorias racistas tendem a contribuir para a manutenção do status

social, que muitas vezes é confundido com a discriminação entre o negro pobre.

O racismo manifestado através de atitudes e camuflado pela crença de que o único

problema existente é o econômico, impedindo o negro qualquer possibilidade de ascensão

social por carregar consigo dois estigmas, o de ser negro e pobre. Faz com que de forma

inconsciente estabeleça uma superioridade entre as raças.

No que tange sobre a discriminação, Guimarães (2004) define como o “[...]

tratamento diferencial de pessoas baseado na ideia de raça, podendo tal comportamento gerar

a segregação racial e desigualdades raciais, configurando-se como algo comportamental”

(p.18).

A discriminação é caracterizada de forma direta ou indireta. A primeira diz

respeito a diferenciações e no tratamento desigual. Já a indireta é expressa através de atos ou

palavras, ou seja, através do racismo cordial, em que se vislumbram olhares e gestos não

intencionais para os considerados “diferentes” e manifestados através de “brincadeiras” e

aceitos normalmente.

Sobre isto Rodrigues (2008) conceitua a discriminação como uma série de

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sentimentos hostis somados a crenças estereotipadas que se traduzem através de tratamentos

diferenciados através de expressões verbais de desprezo e atos que manifestem agressividade.

Barroco (2010) salienta que é através do senso comum que são construídos os

estereótipos que geralmente funcionam como juízes de valores sobre uma determinada

realidade em que pretende culpabilizar o indivíduo por sua condição.

Dessa forma, é pregada uma ideologia dominante que tem como objetivo unificar

as contradições existentes ocultando as desigualdades e as lutas de classes nas relações sociais

para encobrir a dominação das classes e raças consideradas “superiores” que é reproduzida

através das ideias.

Um negro é tido como alguém a quem se deve ter cuidado, pois, apresenta uma

imagem comprometida e deteriorada. Isso ocorre nas relações sociais e principalmente no

contexto das instituições, sejam elas públicas ou particulares.

O que se observa atualmente é o modelo de catalogar pessoas de acordo com os

atributos que lhes são convenientes e as quais a sociedade dite a que devem pertencer, assim,

vê-se a criação de uma imagem social puramente baseado em uma identidade social em

decorrência das relações com o meio em que os sujeitos sociais encontram-se imersos.

Guimarães (2008) afirma que a cor constitui-se como categoria racial, pois ao

classificarmos as pessoas como negros, mulatos ou pardos estamos seguindo uma

classificação baseada na ideia de raça.

A cor do negro demonstra inferioridade sendo considerada como marco

diferenciador em um pensamento e uma prática discriminatória. Assim, como fruto de uma

imagem negativa associada ao negro, este representa o mal, o feio e o incapaz

intelectualmente, enquanto ao branco são remetidas características contrárias, como sendo o

bom, o bonito e inteligente; tais diferenças são manifestadas no cotidiano.

Dados disponibilizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

revelaram que, em 2010, o Brasil tinha uma população de 191 milhões de habitantes. Destes,

a população negra soma 97 milhões de pessoas e, pela primeira vez, é maioria no Brasil.

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Tabela 1. População brasileira conforme a etnia.

População segundo a cor ou raça - Brasil e Grandes Regiões

Total Branca Preta Amarela Parda Indígena Sem Declaração

Brasil 190.755.799 90.621.281 14.351.162 2.105.353 82.820.452 821.501 36.051

Norte 15.864.454 3.686.144 1.033.504 176.721 10.659.535 305.152 3.398

Nordeste 53.081.950 15.488.292 5.013.783 631.563 31.731.631 209.457 7.224

Sudeste 80.364.410 44.152.518 6.281.663 902.731 28.904.271 101.295 21.931

Sul 27.386.891 21.456.204 1.095.307 185.595 4.573.620 75.182 984

Centro-Oeste 14.058.094 5.838.123 926.905 208.743 6.951.395 130.414 2.514

Nota: resultados da amostra.

Fonte: Censo Demográfico 2010.

Tendo como base os dados preliminares do Censo Demográfico de 2010, do IBGE

e os estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 8,5 % da população do país

tem uma renda per capita de até R$ 70,00 por mês ou pouco mais de R$ 2,00 por dia.

Desse total, 70,8% são afrodescendentes e 50,9% têm, no máximo, 19 anos de

idade. Essa mesma análise revela também que, além da renda baixa, a parcela da população

em extrema pobreza não tem acesso a serviços públicos, como água encanada, coleta de

esgoto e energia elétrica.

No Brasil, o negro, de um modo geral é visto como uma simbologia, exemplo

disso consiste em normalmente vermos um expressivo número de jogadores negros ou ainda

de músicos; a mulher negra é tida como símbolo sexual expressando seu erotismo, uma

herança desde o período colonial, assim, o negro é visto no cenário brasileiro como um ser

sem qualidades ou ainda considerados muitas vezes como maus e perigosos.

O Brasil sempre procurou sustentar a imagem de um país sem preconceito racial,

apesar das desigualdades expressas na educação, mercado de trabalho e no dia-dia. No

entanto, este racismo disfarçado mostra-se de forma presente e violento sob a falácia de

vivermos em uma democracia racial plena em que comumente há uma repetição nos discursos

dos homens brancos em reafirmarem não serem racistas e nada haver contra os negros.

Frente a isso, o racismo e a discriminação configuram-se como uma construção

social, que foi sendo difundida ao longo da história. Assim, se foram construídas, podem ser

desconstruídas, e é a partir desta desconstrução que buscamos através da concretização de

políticas amenizar os efeitos do racismo expressos no desequilíbrio social.

Portanto, após uma evolução em torno dos debates acerca do racismo, podemos

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considerar algumas conquistas que foram efetivadas. Dentre elas podemos citar: Política

Nacional de Saúde Integral da População Negra (2006), Estatuto da Igualdade Racial do

Brasil (2010), Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003 que torna obrigatório o ensino sobre

história e cultura afro-brasileira nas escolas, “Lei de Cotas”- Lei nº 12.711, de 29 de agosto de

2012 e do, Decreto 7.824 de 11 de outubro de 2012, que a regulamentou garantindo

percentuais mínimos de vagas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino

técnico e de nível médio para estudantes pretos, pardos, indígenas e também para aqueles de

famílias de rendas menores egressos das escolas públicas.

2.4 A busca pelos assemelhados na prática adotiva

A adoção está permeada de opiniões formadas antecipadamente em que na

maioria das vezes é considerada desfavorável a colocação da criança em uma família adotiva

abrindo uma série de pontos de vista diferenciados, principalmente quando é relacionado à

criança de etnia negra.

Como parte de um grupo diferenciado e pertencente a camadas mais

empobrecidas, estas sofrem um longo e tortuoso processo de discriminação e preconceito que

foram configurados historicamente na realidade brasileira e manifestam-se de forma latente

através das relações sociais.

Este grupo vê claramente a exclusão social fazer parte do seu cotidiano além das

manifestações da questão social crescerem de forma alarmante em decorrência das

transformações do capitalismo e do cenário neoliberal em que predominam a concentração de

poder e riqueza nas mãos de poucos acarretando uma pobreza generalizada.

Para Silveira (2005), o fator socioeconômico muitas vezes acaba se sobrepondo a

outros motivos que levam pais a entregarem seus filhos para adoção, ainda que a lei

estabeleça que a ausência de condições materiais por si só, não constitui determinante para a

retirada ou o afastamento das crianças do meio familiar.

Ao relacionarmos as diferenças entre brancos e negros no acesso à riqueza e aos

bens sociais há um significativo descompasso principalmente em áreas como o acesso a

alimentação, educação, moradia, emprego, saúde, lazer e etc. restando apenas a garantia de

direitos assegurados constitucionalmente e desconhecida na prática.

Não diferente do acesso aos direitos básicos, crianças negras acabam sendo

vítimas de um histórico e longo caminho de preconceito racial e discriminação a ser

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enfrentado na prática adotiva expressa nos critérios estabelecidos como a idade, sexo e

principalmente a cor da criança desejada.

Silveira (2005) descreve que no contexto da adoção há uma tendência a considerar

os fatores raciais como aspectos pertinentes à identidade de crianças disponíveis para serem

adotadas, mas também como forma de selecioná-las.

No contexto judiciário, no que tange a prática adotiva são perceptíveis os

estereótipos traçados pelos adotantes como parte integrante dos padrões de beleza idealizados

no imaginário socialmente construído no decorrer de longos anos e abrindo um vasto campo

para ações discriminatórias em que a cor da pele torna-se um poderoso instrumento que irá

dificultar o acesso de crianças negras à convivência familiar, culminando na intolerância às

diferenças raciais presente no discurso dos candidatos que procuram os Juizados da Infância e

Juventude.

Sobre isto Silveira discorre:

A busca pelos assemelhados e a dificuldade em aceitar crianças e adolescentes que

não se encaixam nos padrões da estética vigente no imaginário da sociedade

brasileira são concepções que vêm sendo incorporadas à prática adotiva e reforçadas

por alguns institucionais que defendem a ideia de que é melhor encaminhar os

adotados a seus próprios grupos raciais (SILVEIRA, 2005, p. 20).

Dessa forma, a busca pelos assemelhados e a dificuldade em aceitar o diferente

demonstram os aspectos que revelam a intolerância às diferenças raciais negando à

diversidade étnico-cultural existente na realidade brasileira em que os adotantes muitas vezes

tendem a esquecer que as crianças disponíveis à adoção necessitam de uma família e não

preencher critérios meramente cadastrais como um “menu de restaurante”.

Varrela (1996) apud Belém (p.34) discorre que:

Na adoção, não pode haver escolha da criança, desta ou daquela forma, desta ou

daquela cor, tamanho, saúde, etc. Criança não é objeto, não é mercadoria que se

pode apalpar ou rejeitar quando apresentar algum problema ou defeito (VARELLA,

1996, p.2).

Caracterizado como um grande marco com a nova Lei Nacional da Adoção está a

garantia do direito à convivência familiar, de crianças e adolescentes que se encontram em

situação de risco pessoal e social, mas, isto tem ocorrido de forma desigual quando

consideradas as características de crianças e adolescentes aptos à adoção. Configura-se como

se a identidade destes sujeitos (sexo, idade, cor/etnia) se sobreponha em assegurar o pleno

desenvolvimento da criança ou adolescente.

Para Silveira (2005),

Compreende-se que as necessidades da criança ou do adolescente devem se sobrepor

a qualquer interesse dos adotantes. Porém, há indicativos de que a tendência é

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resguardar muito mais os interesses daqueles que adotam, em detrimento daqueles

que carecem de proteção integral (SILVEIRA, 2005, p.133).

De modo geral, quando os pretendentes são indagados sobre as expectativas da

criança que desejam ter como um filho, percebe-se que há uma recorrência nos discursos ao

afirmarem que gostariam de adotar uma criança que tivesse traços raciais parecidos aos seus.

Uma pesquisa10 realizada por Ana Maria Silveira em uma das comarcas de São

Paulo revelou que das crianças encontradas no cadastro pesquisado, há uma predominância de

crianças negras, somando 68% entre brancos e pardos. As brancas somaram 29% e mestiças,

3,2%. Outro enfoque dado à pesquisa, está nas categorias utilizadas para definição das cores

das crianças aptas a adoção sendo brancos, pretos, pardos-claros, pardos-escuros e amarelas.

Para a supracitada, essa forma de classificação da cor ocorre porque a principal

preocupação que move os profissionais que atuam na área da adoção consiste em encontrar

crianças que mais se assemelhem aos futuros pais adotivos buscando muitas vezes uma

homogeneização entre as etnias.

Weber discorda da colocação de crianças negras serem adotadas somente por

famílias negras. Pois, para ela perde-se o verdadeiro sentido da proteção integral da criança e

do conceito de criança adotável. Conforme a referida autora, criança adotável deve ser toda

aquela que não tem possibilidade de ser criada por sua família de origem, e passa, portanto a

estar pronta a integrar-se a uma família substituta.

No processo de encaminhamento de crianças a lares adotivos, a tendência é

conjugar os interesses dos adotantes às características das crianças disponíveis no cadastro:

procura-se indicar casais que tenham as mesmas características da criança para que esta não

seja motivo de questionamento pela sociedade (Silveira, 2005, p.117).

Contudo há de se considerar que a classificação quanto à etnia são aspectos

subjetivos demonstrando a dificuldade em estabelecer um critério em relação à cor que se

manifestam também através dos profissionais que atuam no campo da adoção.

Um exemplo disso é mencionado por Silveira (2005): uma criança recém-nascida

estava abrigada, aguardando adoção. Alguns profissionais do Juizado, ao visitá-la,

identificaram-na como sendo de origem nipônica, em razão dos olhos amendoados e da tez

parda amarelada. Havia um casal interessado em adotá-la; a mulher era branca e o homem, de

descendência japonesa. Já haviam adotado uma criança loira, de olhos azuis (que mais

assemelhava à mãe adotiva). Agora desejavam outra que se aproximasse das características

10

SILVEIRA, Ana Maria. 2005. p.109.

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fenotípicas do pai. Esses eram os candidatos ideais para a criança, sugeriram os profissionais

que acompanhavam o caso. Ao ser desabrigada e passar um fim de semana com os

pretendentes, a família do marido (de japoneses) percebeu que ela nada tinha de semelhante à

raça amarela. Ao contrário, era uma criança de origem negra, que foi devolvida, sob a

alegação de que se tratava de um descabido engano.

Já Weber (1998) em uma pesquisa realizada em boa parte dos serviços de adoção

do país revelou que a diferença das raças constitui como um dos entraves no processo de

adoção de crianças negras. A autora relata o depoimento de uma pretendente em que fica bem

expressivo o preconceito também na fala dos profissionais que lidam com a adoção:

“assistente social me disse por telefone que a criança tinha um probleminha: ela era feia e

negra”.

Os pretendentes quando buscam por vias legais a adoção adotam critérios

definidores em que buscam uma criança com padrões estéticos que regem o imaginário da

sociedade brasileira ou ainda quando se alia à busca pelos assemelhados e a intolerância racial

ou étnica negando a diversidade cultural do Brasil.

Na adoção, visivelmente o preconceito racial se manifesta a partir das exigências

impostas pelos requerentes ao se cadastrarem. Exigências com o intuito de que os futuros

filhos sejam os mais assemelhados possíveis dos postulantes a fim de evitar maiores

constrangimentos futuros. Assim tendemos a recair no velho discurso, onde o belo é branco e

o preto é feio.

Assim, uma pessoa ao decidir adotar uma criança cujas características raciais ou

da cor da pele, sejam diferentes das suas tende a enfrentar enormes desafios ao relacionarmos

com o preconceito, pois, no Brasil ainda trazemos uma herança cultural negativa em

detrimento do negro.

Na questão da cor da criança revela-se toda a pobreza das palavras bonitas. Ninguém

é racista, mas, poucos ousam adotar crianças negras. Para que a adoção colorida seja

bem sucedida, deve existir por parte dos pais (brancos) firmeza, maturidade, amor,

que permitam ao seu filho enfrentar a sociedade hipócrita (SILVEIRA, 2005).

Mas, o preconceito racial é enfrentado dentro do mesmo grupo racial. Assim

descreve Silveira (2005). Os negros, apesar de se candidatarem a pais adotivos, não buscam

crianças escuras e nem sempre seus assemelhados entram na ordem de suas preferências. Isto

reforça a ideia de como o próprio negro vê como algo negativo sua descendência e negando

seus próprios valores étnico-culturais que na maioria das vezes desconhece.

O Brasil vive um falso mito da harmonia ente as raças ocultando o preconceito

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racial e a discriminação existente na subjetividade de cada indivíduo em que aspectos como a

cor da pele tornam-se determinantes na prática adotiva tornando crianças de etnia negra

invisíveis perante a sociedade. Ou ainda podemos fazer referência à visão estereotipada do

negro, mostrando-se como produção consensual de um determinado grupo ou como forma de

explicar as diferenças étnicas.

Para Souza (1999), uma criança de cor, num lar cujos pais são brancos, tem

patenteada diante da sociedade a sua condição de adotiva. Além disso, existe o preconceito

racial, que mesmo camuflado, leva os pais a recearem que a criança, nestas condições, seja

rejeitada pela sociedade onde vive.

Apesar dos avanços em relação à garantia de direitos de crianças e negros na

sociedade brasileira ainda é perceptível que os traços fenotípicos, como a cor da pele tornam-

se definidores ao caracterizar como um dos maiores entraves no processo de adoção, mesmo

se tratando de sujeitos em situação de peculiar desenvolvimento.

Com isso, na busca pelos assemelhados nota-se a seletividade adotiva com

aspecto relevante na condução das reais necessidades daqueles que necessitam de proteção

integral como objetiva o Estatuto da Criança e Adolescente, emergindo assim em um trágico

processo de discriminação e preconceito racial no trajeto de adoção das crianças negras.

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3 UMA ANÁLISE DA PROBLEMÁTICA

Conforme as características raciais de crianças aptas a adoção, observa-se a etnia

como fator muitas vezes determinante para a permanência prolongada destas em instituições

de acolhimento. Fato este que decorre na maioria dos casos dos padrões estéticos desejáveis

por parte dos pretendentes, podendo prolongar a colocação de uma criança em família

substituta. Diante disso, a hipótese do presente trabalho é de que crianças negras têm menos

chance de serem adotadas e inseridas no seio familiar e a raça tende a ser fator determinante

no processo de adoção.

Dessa forma, no presente capítulo, iremos apresentar os dados do Cadastro

Nacional de Adoção (CNA) no Brasil e os processos de adoção de crianças negras em

Fortaleza. O intuito consiste em fazer uma análise comparativa dos dados sobre a adoção de

crianças negras, os perfis solicitados pelos requerentes à adoção e discutir os impactos dessas

informações.

3.1 Dos procedimentos metodológicos da pesquisa

A metodologia ocupa lugar central para as teorias das ciências sociais assumindo a

função de desvendar os caminhos da pesquisa, ajudando o pesquisador a refletir e instigar um

novo olhar sobre a realidade.

Minayo (1993) considera

a pesquisa como 'atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da

realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um

processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação

sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular

entre teoria e dados (MINAYO, 1993, p.23).

A pesquisa caracteriza-se então por um conjunto de ações propostas com a

finalidade de solucionar um problema seguindo uma série de procedimentos sistematizados e

racionais.

Sob o ponto de vista acerca da abordagem do problema a presente pesquisa

assume dimensão quantitativa, que tem como característica quantificar, ou seja, traduzir em

números opiniões e informações a fim de classificá-las e analisá-las.

No entanto, para obter maior profundidade da realidade abordada é necessário

ultrapassar o fator quantitativo buscando-se assim a dimensão qualitativa da pesquisa. Esta é

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caracterizada por ser teórica-empírica em que não se constata apenas os fenômenos mas

dialoga com a totalidade fundamentado com os referenciais teóricos.

Silva (2005) define a pesquisa qualitativa como:

Uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo

indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser

traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados

são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e

técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o

pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar

seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos principais de

abordagem (SILVA, 2005, p.20).

Quanto à coleta de dados, a pesquisa é classificada como exploratória, sendo

conceituada por Gil (1988) por:

[...]proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo explícito

ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que tais pesquisas tem como objetivo

principal o aprimoramento das ideias ou a descoberta de instituições. Seu

planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração

dos mais variados aspectos relativo ao fato estudado (GIL, 1988, p.45).

A pesquisa exploratória tem como característica sua flexibilidade na fase de

preparação da pesquisa, coleta e análise de dados, além da exploração do tema de forma

criativa e inovadora, com indagações que subsidiarão pesquisas posteriores.

Esse tipo de pesquisa envolve levantamento bibliográfico e estudos de casos

através de entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o objeto

pesquisado, análise de exemplos que estimulam a compreensão.

Quanto ao instrumental utilizado, o método escolhido foi estudo de caso que

consiste no,

[...] estudo profundo e exaustivo de um de poucos objetos, de maneira que permita o

seu amplo e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante os

outros delineamentos considerados (GIL, 1991. p.58).

Estudos de caso são de natureza qualitativa e valem-se preferencialmente de

dados coletados pelo pesquisador além de possibilitar uma análise mais sistêmica das

situações. Devido à flexibilidade foi elencada como instrumento de coleta de dados a

entrevista, que “[...] consiste em uma indagação direta realizada no mínimo entre duas pessoas

com o objetivo de conhecer a perspectiva do entrevistado sobre um ou diversos assuntos”

(BERTUCCI), 2012, p.63). No que se refere aos procedimentos éticos, foi utilizado o Termo

de Consentimento Livre e Esclarecido em que o entrevistado é convidado a participar da

pesquisa autorizando a utilização da entrevista no presente trabalho.

Iniciamos nossa investigação com o levantamento bibliográfico das categorias que

fundamentam nossa pesquisa e as dificuldades encontradas no processo de adoção de crianças

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negras analisando os avanços nas legislações pertinentes como já discutidas nos capítulos

anteriores.

A segunda etapa da pesquisa ocorreu mediante levantamento documental junto ao

Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude da

Comarca de Fortaleza no Fórum Clóvis Beviláqua, em que foram coletadas informações sobre

famílias que finalizaram a adoção de crianças negras, famílias que aguardam na fila de espera,

o número de crianças aptas a adoção. Após a coleta dessas informações, faremos uma análise

dos dados obtidos e das entrevistas realizadas.

3.2 Analisando os dados do Cadastro Nacional de Adoção

Com o ECA, estabeleceu-se que em cada comarca deveria haver um cadastro que

tivesse as informações de pessoas habilitadas e de crianças disponíveis para adoção.

Inicialmente, este dispositivo legal através de cadastros resultou em uma tentativa

de reunir as principais informações concernentes a adoção, mas, tornou-se ineficiente por se

tornar algo apenas regionalizado sem o cruzamento dessas informações com as demais

comarcas do país reduzindo assim as chances de adoção.

Dessa forma, em 2007, após a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em

que teve como prioridade constitucional o estabelecimento de políticas de atendimento à

infância e a juventude, em um encontro que reuniu representantes de todos os tribunais do

país, desenha-se o Cadastro Nacional de Adoção (CNA).

Em 2008, o CNJ editou a resolução n.54, de 29 de abril, que implantou o CNA.

Nesse cadastro conteria informações relativas a pretendentes e a crianças e adolescentes

configurado como um banco de dados unificado em condições de adoção no Brasil.

Um dos objetivos do CNA está em dar maior agilidade aos processos de adoção

através de informações unificadas em todos os bancos de dados ampliando a possibilidade de

consultas aos pretendentes e dos perfis existentes de crianças e adolescentes em cada

comarca, além de orientar, planejar e formular políticas públicas voltadas para crianças e

adolescentes que possibilitem a convivência familiar.

Em estudo realizado pelo CNJ em 2013, titulado de Encontros e Desencontros da

Adoção no Brasil: uma análise do Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de

Justiça revelou conforme dados do Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA), que

em junho de 2012, existiam 40.340 crianças e adolescentes acolhidos em instituições de

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acolhimento ou estabelecimentos mantidos por organizações não-governamentais (ONGs).

Mas apenas 5.281 crianças e adolescentes estão aptas à adoção, quanto aos pretendentes

cadastrados no CNA totaliza 28.151 pretendentes, em que se assume uma proporção de cinco

pretendentes para cada criança cadastrada no CNA.

Já o gráfico a seguir mostra o percentual de pretendentes à adoção por região, no

entanto, algumas considerações deverão ser feitas entre elas, o fato da região sudeste ter um

peso populacional superior às demais regiões do país, surgindo com 48,5% dos pretendentes

inscritos no CNA. Em seguida, surgem as regiões Sul (36,5%), Nordeste (6,7%), Centro-

Oeste (5,9%) e Norte (2,3%).

Gráfico 1. Distribuição dos Pretendentes à Adoção por Região

Fonte: Conselho Nacional de Justiça.

Ano: 2013

O estudo revelou as disparidades existentes entre as regiões brasileiras, de modo

que as regiões Sudeste e Sul, que estão em sua grande parte territorial situadas na região

Centro-Sul, possuem 85% dos pretendentes à adoção, sendo que, de acordo com o Censo

2010, tais regiões representam 56,5% da população brasileira.

No quesito idade preterida pelos pretendentes, o CNA em agosto de 2012 revelou

que 92,7% dos pretendentes definiram que sua escolha era pela adoção de crianças entre 0 e 5

anos. No entanto, há uma controvérsia quando compara-se esses dados com a de crianças

aptas à adoção.

Para o CNA, dos 92,7% que desejam uma criança com idade entre 0 a 5 anos,

apenas 8,8% de crianças e adolescentes aptos à adoção têm essa idade. Já no caso de crianças

pretendidas com idade entre 0 e 3 anos, o percentual fica em 55,7%, enquanto as crianças

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aptas nessa mesma faixa etária é de apenas 3%.

No que concerne ao sexo da criança e adolescente, os dados do CNA demonstram

que 56% das crianças e dos adolescentes aptos à adoção são do sexo masculino, enquanto os

44% restantes são do sexo feminino. Já quanto à preferência dos pretendentes tem-se que 58%

mostram-se indiferentes quanto ao sexo da criança e/ou do adolescente. Sendo que um em

cada três pretendentes 33% prefere crianças ou adolescentes do sexo feminino e apenas 9%

afirmaram que querem um filho do sexo masculino.

Gráfico 2. Preferência dos pretendentes quanto ao sexo do adotante

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Ano: 2013

Já os dados do CNA sobre a cor ou a raça das crianças pretendidas, é feita uma

ressalva no estudo de como ocorre o processo de escolha no CNA. Com isso serão transcritos

de forma original esse detalhamento11: “[...] Há campos informando se o pretendente aceita

adotar crianças ou adolescentes brancos, pretos, pardos, amarelos, indígenas ou se o

pretendente é indiferente à raça ou cor da criança ou do adolescente que pretende adotar.

Entretanto, há opção de seleção de mais de um campo. Assim, por exemplo, um pretendente

pode aceitar adotar somente crianças ou adolescentes brancos, ou brancos e pretos, de todas as

raças etc. Por essa razão, a soma dos percentuais das cores ou raças das crianças pretendidas é

maior que 100%”.

Sendo que, 92,0% dos pretendentes, nacionalmente, aceitavam a adoção de

crianças ou adolescentes brancos, mas, apenas 33,1% do de crianças e adolescentes estão

aptos à adoção. Já a adoção de crianças ou adolescentes pardos, soma 46,6% do contingente

do CNA, perfazendo o interesse de 64,0% dos pretendentes.

11

Trecho retirado do estudo “Encontros e Desencontros da Adoção no Brasil: uma análise do Cadastro Nacional

de Adoção do Conselho Nacional de Justiça, p. 32.

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62

Gráfico 3. Preferência dos pretendentes quanto a cor

Fonte: Conselho Nacional de Justiça.

Ano: 2013

Dos pretendentes, 36,8% apontaram interesse na adoção de crianças ou

adolescentes de cor negra, sendo que estes representam 19,0% do universo das crianças aptas

à adoção inscritas no CNA no momento em que foi realizado presente estudo. E as indígenas

e amarelas, menos de 1% do universo de aptos à adoção tendo mais de 30% dos pretendentes

dispostos a adotá-los.

Ao relacionarmos este estudo por regiões, a região Centro-Oeste demonstra um

aumento do percentual de pretendentes que aceitam a adoção de crianças ou adolescentes

pardos, amarelos, pretos ou indígenas, sendo as cores amarela e preta e a raça indígena as que

possuem aumento de aceitação mais significativo quando considerada somente esta região.

Enquanto no âmbito nacional 35% dos pretendentes aceitam adotar crianças de pele amarela,

negra e raça indígena.

Já na região Centro-Oeste esse percentual é de aproximadamente 50%. Quanto às

crianças ou aos adolescentes aptos à adoção há uma presença maior de pardos, indígenas e

amarelos nessa região do que nacionalmente, reduzindo consequentemente a participação de

pretos e brancos no processo de adoção.

Na região Nordeste, o interesse está em adotar crianças ou adolescentes pardos

totalizando 85,1% e 82,6% de brancos. Além disso, o interesse na adoção por pardos é maior

nessa região que o verificado nacionalmente proporcionalmente à adoção de crianças ou

adolescentes pretos, amarelos e indígenas.

Na região Norte também há um considerável interesse na adoção de crianças ou

adolescentes pretos, indígenas e amarelos quando relativizados à realidade nacional. Sendo a

região Norte onde mais apresenta-se alto índice de crianças ou adolescentes indígenas aptos à

adoção, 4,5%, principalmente quando considera-se em âmbito nacional a participação de

indígenas não chega a 1,0%.

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A região Sudeste por ser mais representativa que as demais no universo do CNA,

tanto em crianças ou adolescentes aptos à adoção, quanto em número de pretendentes, a

população de crianças ou adolescentes aptos à adoção brancos é proporcionalmente menor

nessa região do que em âmbito nacional, e a população de pretos, inversamente, é maior na

região Sudeste.

A região Sul destaca-se pelo fato de a maioria das crianças ou dos adolescentes

aptos à adoção ser branca, sendo 52,8% do total, trazendo, consequentemente, menor

representatividade, nessa região, de crianças ou adolescentes pretos, indígenas, pardos e

pretos nesse universo. Quanto às preferências do pretendente em relação à cor ou raça, há

diminuição percentual que aceita adotar crianças ou adolescente pardos, indígenas, amarelos e

pretos e aumento no interesse na adoção de brancos.

A publicação do CNJ12 demonstra que as escolhas de perfis pelos pretendentes são

complexas e multifacetadas. Restam ainda muitos entraves a serem superados a fim de que

sejam consideradas as necessidades da criança ou adolescente para que uma grande parcela do

contingente declarado em situação de abandono não seja discriminada por suas

particularidades.

3.3 Uma análise dos processos de adoção de crianças negras em Fortaleza

De um lado, mas de 5 mil crianças aptas à adoção em instituições de acolhimento

em todo o Brasil, do outro lado, mais de 28 mil pretendentes inscritos no Cadastro Nacional

de Adoção (CNA). Pela lógica, sobrariam pretendentes, mas, não é bem assim que acontece.

Os dados apresentados nesta subseção foram colhidos no Setor de Cadastro de

Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e Juventude de Fortaleza. O gráfico 4

apresenta dados referentes às adoções de crianças e adolescentes finalizadas em Fortaleza no

período de 2009 à 201313

.

12

Brasil, 2013. 13

Valores referentes até 10/12/13.

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Gráfico 4. Número de Adoções Finalizadas no período de 2009-2013.

Fonte: Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude de Fortaleza –Ce.

Ano: 2013.

Em 2009, inicia a série histórica de dados, pois foi o ano de criação do cadastro

Nacional de Adoção (CNA). O gráfico acima demonstrou uma queda no número de adoções a

partir de 2011, ano que teve um significativo número de crianças e adolescentes adotados.

Estas informações sinalizam a burocracia que permeia o processo de adoção.

De acordo com a chefe do Setor de Cadastro de Adotantes e Adotados de

Fortaleza, do Juizado da Infância e Juventude de Fortaleza, Ana Gabriella Pinto da Costa, há

uma enorme disparidade entre os candidatos e as crianças disponíveis, pois, muitas vezes, os

candidatos traçam perfis que são indisponíveis no cadastro, ou ainda, optam por crianças

menores de dois anos.

Do total de crianças adotadas no período de 2009 a 2013 o gráfico 5 demonstra a

disparidade concernente à adoção de crianças negras no Juizado da Infância e Juventude de

Fortaleza, em que apenas 5% das adoções finalizadas foi de etnia negra.

Gráfico 5. Percentual de Adoções em Fortaleza no período de 2009-2013 por Etnia

Fonte: Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado da Infância e da Juventude de Fortaleza-Ce.

Ano:2013

Sobre isto, Gabrielle relata que por vezes alguns candidatos quando indagados

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sobre cor da criança e do adolescente é comum ouvir dos candidatos a preferência por

crianças que assemelhem-se a sua raça, ou ainda, dizerem que a criança pode até ser

“moreninha clara”. Para a chefe do setor, ao se expressarem dessa forma demonstram medo

em lidar com o diferente, com as barreiras do preconceito que terão que ultrapassar perante a

sociedade.

Os dados fornecidos pelo Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Juizado

da Infância e da Juventude de Fortaleza, reforçam a hipótese que levantamos no decorrer da

nossa pesquisa de que o preconceito racial é determinante para os resultados desfavoráveis à

adoção de crianças e adolescentes em Fortaleza em que ser preto, negróide ou ter traços

negróides predominantes significa ser excluído.

Munanga apud Lima (2013) compara o preconceito racial a um iceberg cujas

partes trazem suas manifestações, por isso,

Costumo compará-lo a um iceberg cuja parte visível corresponderia às

manifestações do preconceito, tais, como as práticas discriminatórias que podemos

observar através dos comportamentos sociais e individuais. [...]. A parte submersa do

iceberg correspondem, metaforicamente, os preconceitos não manifestos, presentes

invisivelmente na cabeça dos indivíduos, e as consequências dos efeitos da

discriminação na estrutura psíquica das pessoas (MUNANGA, 2009, p.9).

O preconceito muitas vezes é disseminado como um dogma contribuindo para a

sedimentação da exclusão, principalmente quando se refere à adoção de crianças negras em

que não são respeitadas as diversidades de etnia, sexo ou idade.

3.4 Ultrapassando os muros do preconceito

Dando continuidade a proposta metodológica do nosso trabalho, iremos relatar

uma experiência vivenciada por uma família homo afetiva que optou por uma adoção inter-

racial. Assim, contamos com o relato dos senhores Daniel e Fernando14, que adotaram Diego e

Fábio, o primeiro quando tinha três anos, e o segundo, com cinco anos de idade.

Quando questionados de como surgiu o interesse em adotar, nos relataram que

como assistente social e advogado, já tinham conhecimento sobre os perfis e principalmente

da existência do cadastro e que em geral as crianças buscadas geralmente são brancas.

Daniel e Fernando relatam que o processo de adoção seria mais tranquilo pelo fato

de não colocarem restrições no momento do cadastro quanto ao perfil da criança e também

por conhecerem a realidade dos abrigos.

14

Optamos por nomes fictícios para preservar a privacidade dos sujeitos.

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Como para nós a grande questão era adoção, a gente tinha decidido adotar, ser pai,

então para nós a cor era indiferente. Isso por um lado, por outro lado, isso era quase

uma prioridade, a questão da etnia negra. Embora a gente não tivesse colocado no

cadastro, prioritariamente ou exclusivamente, a gente sabia que o fato de não colocar

restrição à adoção já seria mais fácil (Sr. Daniel e Sr.Fernando).

Os entrevistados relatam que há um significativo número de crianças nos abrigos

aguardando por adoção, sendo a maioria crianças negras, por conta do perfil pré-estabelecido

por parte dos pretendentes à adoção. Quando indagados sobre o Cadastro Nacional de Adoção

(CNA) obtivemos o seguinte posicionamento:

Eu penso que o Cadastro poderia avançar para a não definição do perfil. As pessoas

que pretendem adotar deveriam ser como elas engravidam, na gravidez se cria

expectativas, mas você não tem um controle do perfil da criança, qual a cor dos

olhos, como vai ser o cabelo, então o cadastro poderia avançar nesse sentido (Sr.

Daniel).

Dando continuidade, os entrevistados relataram que em uma conversa com a

Assistente Social do Juizado, notaram que uma criança de cinco anos seria mais difícil lidar

com a questão do preconceito. Daniel nos relata que foi ao Juizado conversar com a chefe do

Setor de Cadastro. Chegando lá se depararam com dois processos em cima da mesa, um

tratava o caso de uma criança de cinco anos (tinha sido a primeira escolha dos requerentes) e

o outro processo estava relacionado com uma criança negra de três anos.

A gente tava querendo paternar de qualquer jeito, então, qualquer obstáculo que a

gente pudesse tirar do caminho tava valendo. Então a Assistente Social sugeriu

baixar o perfil para dois anos, e aí, foi essa demora que a gente começou a perceber

que decidimos mais uma vez alterar a idade, passando agora para três anos. Aí reside

uma outra falha do cadastro, que eu acho, quando a gente baixa o perfil para dois

anos (isso por volta de fevereiro), o Diego tinha na época dois anos e nove meses,

então ele não tinha três anos completos. Ele estava entre os dois e três anos para o

cadastro. Quando a gente fechou o perfil para dois anos ele estava fora do nosso

perfil e aí outra falha, quando aumentamos para três anos ele já está em nosso perfil.

Só que ainda tem lá no cadastro, doenças não tratáveis e a surdez era considerada

doença não tratável. Por surdez ser considerada doença não tratável foi importante a

gente ir lá (Sr. Daniel).

Daniel nos conta que mesmo mudando a idade no cadastro, tinha o fator

impeditivo que era o fato das crianças estarem cadastradas no perfil de doenças não tratáveis.

Já que o Diego tem deficiência auditiva e Fábio tem uma pequena deficiência no pé.

Quando perguntamos se já haviam vivenciado alguma experiência preconceituosa,

a família nos respondeu que na escola tinham passado por uma situação bem constrangedora

por conta do cabelo, principalmente o cabelo do Diego.

Na escola, nós vivenciamos uma experiência que revelou o preconceito,

principalmente por conta do cabelo, que a gente acha lindo e no próprio abrigo,

talvez por uma questão mais cômoda, todas as crianças tinham o cabelo cortado na

máquina e eu acho que inclusive de modo mais forte as crianças negras. Então o

cabelo do Diogo era raspadinho e quando adotamos fomos deixando crescer. A gente

ia criando os modelos para cachear os cabelos, então o cabelo dele era cortado nas

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laterais e a parte de cima deixava mais cheinho. (Sr. Daniel e Sr. Fernando).

Daniel nos informa que sempre vinham reclamações da escola afirmando que o

cabelo do Diego estava grande, que precisava ser cortado. E os pais rebatendo o

posicionamento da escola afirmando que o cabelo da criança estava lindo.

A escola dele era católica. Uma vez quando estávamos em uma reunião para

tratarmos de outro assunto, a diretora tocou no assunto do cabelo do Diego,

afirmando que tava muito grande. Então o Fernando disse para a diretora da escola:

sim irmã, então, a senhora precisa tirar esse quadro (a foto de Jesus Cristo), pois o

cabelo de Jesus pode influenciar mal as crianças. Eles (as outras crianças) vão querer

ter o cabelo grande também. Afirmávamos muitas vezes que o cabelo do Diogo não

tinha problema algum (Sr. Daniel e Sr. Fernando).

O Sr. Daniel nos relata ainda que por várias vezes o Diego chegava do colégio e

tinham passado o pente no cabelo dele. Então os pais mandavam aviso através da agenda

escolar afirmando que o cabelo do Diego não precisava passar pente.

Não é que não podia, aí que expressa a diferença. O cabelo não precisa passar pente,

ele esta ótimo sem passar pente. Passa pente que tem o cabelo que se assanha, o do

Diogo não se assanha (Sr. Daniel).

Mas o ápice da atitude preconceituosa por parte da escola,

Foi quando uma coordenadora chegou para a gente e perguntou se tinha faltado

energia para cortar o restante do cabelo. Aí o Fernando apontou para uma criança

que tinha o cabelo liso, só que por ter o cabelo lisinho o cabelo fica grudado na

cabeça, mas era do mesmo tamanho ou maior do que a do Diego, aí ela disse que o

cabelo dele era lindo. Foi quando o Fernando perguntou se ela estava chamando de

feio o cabelo do Diego (Sr. Daniel).

Fernando nos relatou que depois do episódio da máquina afirmou para a direção

da escola que só conversaria sobre o assunto na justiça.

Aí ela (coordenadora) se assustou e nos chamou para conversarmos na diretoria, foi

quando a gente disse: isso é racismo, vocês estão insistentemente falando do cabelo

do Diego por conta dele ser negro, isso porque o cabelo dele é cacheado. Muitas

vezes penteavam o cabelo do Diego mesmo a gente dizendo que não precisava

pentear o cabelo dele (Sr. Fernando).

O Sr. Daniel faz referência ao episódio afirmando que foi preciso praticamente

ameaçar entrar com uma ação judicial para que as atitudes que expressam o preconceito

fossem findadas.

Dissemos que se essa história continuasse, a gente levava a brincadeira para a

justiça. Levávamos na brincadeira para que a pessoa pudesse perceber que sua

prática era racista, mas, como não houve essa percepção... (Sr. Daniel e Sr.

Fernando).

Daniel conta-nos que em decorrência desses episódios algumas vezes o Diego,

Falou que queria que o cabelo dele não fosse cacheado. Eu compro shampoo para

cabelos cacheados e ele diz: eu não quero cabelo cacheado. Isso porque o cabelo do

Fernando é liso, o cabelo dos heróis são lisos. O cabelo do super homem é liso, do

Toy15

é liso e loiro. Então grande parte das pessoas midiáticas tem cabelos lisos. Foi

15

Personagens infantis.

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68

quando, apesar de ter restrição do filme Karatê Kid por conta da idade, liberei e

mostrei para eles (Diego e Fabio) o cabelo do personagem principal, a partir daí, eles

pararam de falar nesse assunto (Sr. Daniel).

Daniel ainda faz referência aos filmes infantis, por fazerem pouca referência a

crianças negras,

Em geral, são brancas e quando há uma criança negra, é a criança negra que é amiga

do personagem principal ou muitas vezes nem existem. E esse simplesmente não

existir é justamente quando se revela o preconceito. Os heróis são todos brancos, aí

começamos a mostrar outras coisas como o xangô, oxum, os deuses afros, o

Google16

ajuda muito nesse sentido por conta das imagens para visualizar as

experiências. É uma coisa que a gente fica o tempo todo observando, a gente olha

para as caixas de brinquedos e tem lá crianças brancas e loiras. Observamos se na

escola tem alguma criança negra desenhada nas paredes, às vezes não tem nenhuma

criança negra na escola, é quando questionamos (Sr. Daniel).

Fernando nos relata que para dar maior segurança para as crianças, estabeleceram

um acordo:

A gente estabeleceu uma coisa: possibilitar e potencializar conviver com essas

experiências. Então a gente tem amigos que têm filhos negros, tentamos na medida

do possível manter uma convivência para que eles vejam que tem outras crianças

negras e que também possam conviver com crianças surdas, com famílias homo

parentais. Eu acho que um dos grandes elementos que acaba dando suporte para a

lida cotidiana com o preconceito, é você botar as experiências em contato. Quando

fomos conversar com eles sobre adoção fomos citando diversas outras experiências

de amigos nossos e da família que foram constituídas a partir da adoção. Então

acreditamos que o contato com essas experiências e a socialização dessas

experiências é fundamental para então constituir uma certa compreensão de que a

sua experiência não é única e uma certa segurança de que pode estar nesse mundo e

que as outras pessoas já tiveram essa experiência e que não é única (Sr. Fernando).

Uma outra vivência preconceituosa relatada pela família foi quando foram a um

determinado restaurante e perceberam que havia um certo olhar por conta do garçom que

incomodava o casal: “A gente se lembra de um caso específico: Na época era só o Diego,

fomos a um determinado restaurante e percebemos que havia um certo olhar por conta do

garçom que nos incomodava. E esse olhar estava mais associado ao fato de ser negro do que

da relação homo afetiva”.

Quando indagados quanto à percepção deles quanto ao preconceito em relação às

crianças, tem-se a seguinte fala:

Em geral a gente nota que mudou que é menos prejudicial, mas que é um viés do

preconceito ou um encantamento das pessoas em achar que a gente fez um grande

favor, uma grande caridade, um grande ato, por a gente ter adotado uma criança

negra e deficiente. Isso nos incomoda tanto quanto a outra experiência é uma forma

mais sutil de revelar o preconceito, da subalternização do negro, é como se fosse um

ato heróico (Sr. Daniel e Sr. Fernando).

Ainda sobre o preconceito, nos relatam que era recorrente ouvirem piadinhas pelo

fato de quererem adotar: “Ouvimos muito aquela fala de que um filho natural é menos

16

Site de busca da internet.

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69

problemático do que o filho adotivo que é mais problemático”.

O Sr. Daniel afirma que “tenho uma desconfiança de que essa fala é porque a

maioria das crianças disponíveis a adoção são negras e que, portanto, os problemas em geral é

por conta das crianças serem da periferia, crianças abandonadas pelos pais porque são

marginais e etc.”.

Quando abordados sobre o posicionamento da família, Daniel afirma que “depois

da chegada dos meninos é só encantamento, até o pai do Fernando que é mais conservador, é

apaixonado pelo Diego e a minha mãe pelo Fábio”.

Dando continuidade ao debate sobre preconceito, o casal nos relata uma situação:

Nós tínhamos uma menina que nos ajudava a cuidar dos meninos, ela era

branquinha. Um dia ela saiu sozinha com as crianças e sempre perguntavam para

ela: é seu filho? Você adotou? Em nenhum momento passava pela cabeça das

pessoas que ela sendo branca fosse babá de crianças negras (Sr. Daniel e Sr.

Fernando).

Finalizando a entrevista reforçam o cuidado na construção da identidade das

crianças:

O que a gente tem tentado na medida do possível é dar uma maior segurança, uma

maior tranquilidade a eles e possibilitar o desenvolvimento da identidade negra. Há

uma falsa ideia de democracia racial (Sr. Daniel e Sr. Fernando).

3.5 Uma análise do tema estudado

A análise e a interpretação dos dados consistem em “estabelecer uma

compreensão dos dados coletados; confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou

responder às questões formuladas e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado,

articulando-se ao contexto cultural da qual faz parte” (MINAYO, 1999, p.68).

A presente pesquisa possui natureza teórico-empírica a qual não pretende apenas

constatar fenômenos, mas, fazer uma mediação com a totalidade. Portanto, os dados obtidos

através da utilização do instrumental história de vida serão analisados tendo como

fundamentação teórica as categorias que embasam este trabalho.

Considerando a pesquisa realizada junto ao casal, vemos que a adoção de duas

crianças negras por parte de uma família homoparental17 de cor branca é permeada de várias

particularidades, pois, a sociedade tende a reproduzir o discurso da democracia racial como

17

As famílias homoparentais fazem parte das novas configurações familiares que surgem na modernidade,

caracterizadas como “atípicas: famílias formadas por relações homoafetivas (com ou sem cuidado de filhos,

sobrinhos ou adoção)” (SOUSA E RIZINI, 2001).

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forma de camuflar o preconceito e a discriminação que envolve a população

afrodescendente18.

Não diferente de casos relacionados ao preconceito, os sujeitos que integraram a

nossa pesquisa vivenciaram experiências que expuseram as diversas formas de manifestação

do preconceito e a intolerância racial por conta da origem étnica.

A experiência mais marcante ocorreu justamente no âmbito escolar, local este que

deveria coibir qualquer prática preconceituosa e o mais expressivo foi justamente o fato

dessas práticas terem ocorrido por parte dos educadores da escola. Pois, entre as instituições

que poderiam favorecer uma real integração das crianças, houve uma retaliação pelo fato das

crianças serem negras e especificamente por conta do cabelo de uma das crianças19.

Essa prática culminou indiretamente em um processo de não identificação das

origens étnicas das crianças ao ponto de uma delas afirmar que não gostaria de ter o cabelo

cacheado. A escola desempenha papel fundamental na formação social e pessoal da criança a

partir das problemáticas sociais e educacionais, e é de extrema importância o posicionamento

da instituição a fim de possibilitar o pleno desenvolvimento da criança afrodescendente.

Conforme os depoimentos prestados pelo Sr. Daniel e Sr. Fernando, foi doloroso

para ambos verem os filhos como vítimas de preconceito racial, apesar do entendimento

crítico dos pais de que o preconceito é histórico e que tem suas raízes desde a época da

colonização no Brasil.

O que observamos no decorrer da entrevista foi o reconhecimento positivo das

diferenças raciais por parte da família procurando sempre mostrar outras experiências com o

intuito de dar maior segurança às crianças. De forma que elas possam conviver com as

diferenças, desde que tenham bem definida sua origem étnico-racial.

É de extrema importância a preparação dos postulantes para adoção inter-racial,

pois, somente assim, poderão constituir famílias multirraciais, onde a criança adotada sinta-se

respeitada com a mesma dignidade dos filhos biológicos.

Se a criança negra, adotada por uma família de brancos, se sente, e é sentida como

um membro efetivo da família, com a mesma dignidade e respeito face aos outros,

então, estamos verificando o surgimento de uma nova realidade, plena de profundos

significados: o nascimento de uma família multirracial, em sociedade onde ainda são

claras as barreiras estabelecidas entre as diferentes raças” (BELÉM apud

DELL’ANTONIO, 2002: 51).

Diante do exposto, interessa-nos mencionar um equívoco presente na adoção,

18

O termo afrodescendente designa os descendentes de escravos africanos. 19

Diego.

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principalmente na adoção interracial, o sentimento de generosidade ligado à adoção. O Sr.

Daniel nos relatou que muitas vezes foi abordado por pessoas afirmando que o mesmo tinha

realizado um grande bem àquelas crianças, comparando muitas vezes a um ato heróico. Frente

a isso, é necessário que esse discurso seja extinto. No caso em questão, havia o desejo da

paternidade.

Levinzon (2009) discorre que,

De modo geral, pode-se dizer que quanto mais os pais estão conscientes de que pode

haver diferenças na criança que esperam, e que a adoção apresenta desafios

específicos, mas, estarão preparados para conviver com a criança de acordo com a

sua especificidade. (LEVINZON, 2009, p.45).

A discussão e o aprofundamento dos assuntos referentes à adoção, principalmente

no tocante a adoção de criança e adolescentes afrodescentes sem impor modelos de famílias,

tem ganhado um significativo avanço no que diz respeito à tentativa de solucionar grandes

questões que ainda perpassam a atualidade como por exemplo, o abandono, a

institucionalização, as características raciais marcantes e os estigmas que perpassam a criança

adotada construídos socialmente.

Para finalizarmos este debate nos resta a luta contra o preconceito de cor, através

de ações afirmativas que possam garantir a convivência familiar de crianças negras que

tiveram os laços familiares rompidos objetivando a constituição de famílias de todas as etnias.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Colocar a questão da discriminação racial nos diversos contextos da sociedade

não é tarefa fácil, pois, tendemos a separar os grupos humanos baseados nos caracteres

fenotípicos. Mesmo difundindo-se o mito de vivermos em uma plena democracia racial.

Apesar dos avanços em combater todas as formas de preconceito, este possui

várias nuances, dentre elas, a manifestação da exclusão nos processos de adoção. Este estudo

procurou demonstrar as particularidades existentes nos processos de adoção de crianças

negras.

Um levantamento realizado pelo CNA em 2013, titulado “Encontros e

Desencontros da Adoção no Brasil” revelou as disparidades existentes entre pretendentes à

adoção x crianças e adolescentes aptos à adoção x crianças e adolescentes acolhidos. Fazendo

um recorte para a realidade cearense, das adoções finalizadas no período de 2009 a 2013,

apenas 5% das adoções foi de etnia negra.

Isso demonstra que ao adotar uma criança cujas características raciais sejam

diferentes dos pretendentes há uma grande probabilidade de a criança enfrentar o preconceito

na prática adotiva, pois ainda mantém-se o discurso de que “filhos adotivos são

problemáticos”. Discurso esse evidenciado quando se trata de adoção de crianças negras em

decorrência de um processo histórico em que o negro sempre teve sua condição inferiorizada

em relação aos brancos.

Nesse sentido, constatamos no decorrer desse estudo que a adoção inter-racial não

é uma prática muito comum, daí a dificuldade de encontrarmos sujeitos para a nossa pesquisa,

mas, caracteriza-se como um ato possível e realizável, principalmente quando se têm bem

definidas as identidades raciais.

Acreditamos que a partir do momento que a criança afrodescendente adotada por

pais brancos tem reconhecida, positivamente, suas características culturais e biológicas vê-se

a constituição de uma família multicolorida.

Neste trabalho procuramos identificar se a cor da pele é determinante para a

prática adotiva, identificar os mecanismos que potencializam o preconceito e a discriminação

étnico-racial nos processos de adoção em Fortaleza e aprofundar teoricamente os estudos

sobre adoção de crianças negras.

Parafraseando com Munanga (2001), somente podemos iniciar um novo tempo de

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extinção geral do preconceito a partir da educação. Enquanto isso, o preconceito só vai ser

eliminado quando os sujeitos da história possuir maturidade e conhecimento.

Portanto, aprofundar o entendimento que as questões raciais são influentes no

âmbito das adoções, torna-se necessário promover uma maior discussão no âmbito jurídico a

fim de auxiliar o combate à discriminação e ao preconceito no contexto das adoções.

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Artigo Concepções de família e práticas de intervenção: uma contribuição antropológica

http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v14n2/06.pdf <acesso em 03/12/13>

Page 80: CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE … DE... · A Deus ofereço humildemente esta vitória, que como prova de sua imensa misericórdia e amor, me sustentou dando forças

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http://www.ceao.ufba.br/livrosevideos/pdf/livro4_EducacaoeRER-04.08.10.pdf<Acesso em

05/12/13>

http://teen.ibge.gov.br/calendario-teen-7a12/event/56-dia-da-consciencia-negra < Acesso em

09/12/13>

http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=2093&z=cd&o=13&i=P < acesso em

09/12/13>

http://www.globalrights.org/site/DocServer/RELATORIO_CEDAW_FINALPortugues.pdf/74

9676568?docID=13324&verID=1 < acesso em 09/12/13>

http://www.mbdias.com.br/hartigos.aspx?42,11<Acesso em 23/12/13>.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-75901980000100006&script=sci_arttext<Acesso

em 02/02/14>.

http://pt.scribd.com/doc/52088532/As-Leis-Antigarantistas-como-Instrumentos-Violadores-

dos-Direitos-Humanos<Acesso em 02/02/14>

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ANEXOS

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Prezado(a) Senhor(a),

Gostaríamos de convidá-lo a participar de nosso estudo sobre adoção de crianças

negras, que tem como objetivo identificar as particularidades da adoção de uma criança negra.

A pesquisa, utilizando a metodologia qualitativa e quantitativa, consistirá na

realização de procedimentos utilizados: entrevistas, questionários, gravações, junto aos

participantes do estudo e posterior análise dos dados. Será conduzida dessa forma, pois

pretendemos identificar e analisar os fatores raciais no ato da adoção e se a cor da pele é

determinante para a prática adotiva de crianças negras a fim de aprofundar teoricamente a

temática abordada.

Trata-se de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) desenvolvida por Natália

Rolim de Magalhães e orientada pela Prof.ª Ms. Maria de Fátima Almeida de Castro, do curso

de Serviço Social da Faculdade Cearense (FAC).

A qualquer momento da realização desse estudo qualquer participante/pesquisado

envolvido poderá receber os esclarecimentos adicionais que julgar necessários. O sigilo das

informações será preservado através de adequada codificação dos instrumentos de coleta de

dados. Especificamente, nenhum nome, identificação de pessoas ou de locais interessa a esse

estudo. Todos os registros efetuados no decorrer desta investigação serão usados para fins

unicamente acadêmico-científicos e apresentados na forma de TCC não sendo utilizados para

qualquer fim comercial.

Em caso de concordância com as considerações expostas, solicitamos que assine

este “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” no local indicado abaixo. Desde já

agradecemos sua colaboração e nos comprometemos com a disponibilização à instituição dos

resultados obtidos nesta pesquisa, tornando-os acessíveis a todos os participantes.

Natália Rolim de Magalhães Pesquisadora

Serviço Social/ Faculdade Cearense

Prof(ª). Ms.Maria F. Almeida de

Castro.

Orientador(a)

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Eu, ____________________________________________________________, assino o

termo de consentimento, após esclarecimento e concordância com os objetivos e condições da

realização da pesquisa “Adoção de Crianças Negras”, permitindo, também, que os

resultados gerais deste estudo sejam divulgados sem a menção dos nomes dos pesquisados.

Fortaleza, _____ de ______________ de 2014.

Assinatura do Pesquisado(a)

Qualquer dúvida ou maiores esclarecimentos, entrar em contato com os responsáveis pelo

estudo:

e-mail: [email protected]/[email protected]

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ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM A FAMÍLIA

IDENTIFICAÇÃO PESSOAL

Identificação (Opcional): ______________________________________________________

Idade: _____ Sexo: ( ) F - ( ) M Estado Civil: __________________________________

Profissão: __________________________

Grau de Instrução: ( ) Ensino Fundamental ( ) Ensino Médio

( ) Ensino Superior - Área de formação: _________________________________________

Nome da criança*____________________________________________________________________________________________

Idade: _____ Sexo: ( ) F - ( ) M

MOTIVOS PARA A TOMADA DE DECISÃO

1- Como surgiu a motivação em adotar uma criança?

2- Na família ou em grupo de convivência existem casos de adoção? Essa experiência

interferiu na decisão?

3- Ao tomarem a decisão em adotar, pensava numa criança que fosse:

Idade: __________ Sexo: __________

Etnia: __________

Doenças ou problemas: ________________________________________________________

4- Por vezes, os serviços propõem para adotar, crianças que são diferentes daquilo que é o

desejo dos candidatos.

Aconteceu isso no seu caso?

( ) Sim ( ) Não

5- (Se respondeu sim à pergunta anterior) Como é que reagiu a essa proposta?

( ) Aceitou a proposta ( )Rejeitou a proposta ( ) Nº de propostas rejeitadas: ___

6- Se decidiu adotar uma criança de uma raça diferente da sua, qual foi o motivo principal?

7-Se tiver em conta o tempo que foi necessário para tomar a decisão, a forma como reagiu o

seu cônjuge, as possíveis reações de pessoas próximas, a tomada de decisão a respeito do tipo

de criança a adotar, como classificaria todo o processo de tomada de decisão?

( ) Muito difícil ( ) Difícil ( ) Nem fácil nem difícil ( ) Fácil ( ) Muito Fácil

PROCESSO DE ADOÇÃO/ TEMPO DE ESPERA

* Será utilizado nome fictício na pesquisa.

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8- Após tomada a decisão em adotar, vocês procuraram a Vara da Infância e Juventude?

( ) Sim ( ) Não

8- Como foram recebidos e/ou orientados?

9- Qual a sua opinião sobre a documentação necessária para poder entrar na fila de adoção?

10-Na sua opinião o que é mais importante para se ser selecionado como família adotante?

11-Quanto tempo você(s) aguardaram para a adoção?

A ENTREGA DA CRIANÇA

12-Como ocorreu a entrega da criança?

13-Como vocês descrevem o tempo de espera entre o pedido e a entrega da criança?

14- Qual a reação por parte de familiares, amigos e vizinhos diante da criança?

15- Entre a criança que tinham imaginado e sonhado e a que foi entregue, há ou não

diferenças importantes?

16- Como vocês descreveriam a criança tal como ela era quando se integrou na sua família?

ADOÇÃO E ADAPTAÇÃO

17- Como a criança se adaptou à nova realidade? Descreva este momento.

18-Quais foram as principais dificuldades desde o início?

19- A raça/etnia foi influente tornando-se um processo doloroso no processo de adaptação da

criança a nova realidade (família, amigos, escola, etc.)?

20- Serem pais adotivos de criança negra é mais difícil do que vocês imaginavam?

21- Vocês já foram alvo de preconceito ou discriminação por ter adotado uma criança negra?

Em caso afirmativo, qual foi a reação de vocês?

REVELAÇÃO

22- Vocês explicaram para seu(s)/ sua(s) filho(a)/filhos(as) que ele/ela é e/são adotivo(s) ?

23- Se mantiveram esse diálogo, como foi?

24- Se seu(s)/ sua(s) filho(a)/filhos(as) adotado(s) quiser(em) numa determinada fase da vida

conhecer o seu passado, vocês o ajudarão na busca de respostas?

25- Tem alguma coisa a mais que vocês gostariam de falar sobre o processo de adoção?

26-O que a adoção modificou em sua vida?