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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA MARCUS VENÍCIO CAVASSIN O PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO - ANÁLISE CRÍTICA DO MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL CURITIBA 2014

CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA … VENÍCIO CAVASSIN O PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO - ANÁLISE CRÍTICA DO MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

MARCUS VENÍCIO CAVASSIN

O PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO - ANÁLISE CRÍTICA DO MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO

BÁSICO NO BRASIL

CURITIBA 2014

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MARCUS VENÍCIO CAVASSIN

O PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO - ANÁLISE CRÍTICA DO MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO

BÁSICO NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientador: Professor Doutor Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini.

CURITIBA 2014

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TERMO DE APROVAÇÃO

MARCUS VENÍCIO CAVASSIN

O PRINCÍPIO DA UNIVERSALIZAÇÃO DO ACESSO AOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO - ANÁLISE CRÍTICA DO MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO

BÁSICO NO BRASIL

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, pela seguinte banca

examinadora:

Presidente:

Professor Doutor Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini

Orientador

Professor Doutor Daniel Ferreira

Membro Interno

Professor Doutor Romeu Felipe Bacellar Filho

Membro Externo

Curitiba, de de 2014.

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TERMO DE DEPÓSITO

Deposite-se na Secretaria do Mestrado.

_______________________

Professor (a) Orientador (a) Curitiba, ____/_____/________

Recebido em: _______/________/________

______________________________________

Secretaria

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus pela vida e pelo dom de poder realizar este

trabalho.

Aos meus pais Aurea Maria e José Darci por tudo o que sempre fizeram e

fazem por mim.

À minha mulher Amélia por sempre estar ao meu lado e por ter suportado

todos os momentos de privação da minha companhia que a realização deste

trabalho exige.

À minha filha Livia Maria por existir e por passar o dia sorrindo e alegrando a

minha vida.

Ao Professor Mateus Bertoncini pela orientação, paciência e incentivo que

possibilitaram a conclusão deste trabalho, tornando-o não apenas meu Mestre, mas

também meu amigo.

A esta Universidade por ter oportunizado espaço para a realização da

pesquisa e pela organização, qualidade do serviço prestado e pela excelente

condução do curso de Mestrado.

A todos os professores do programa de Mestrado, em especial à Professora

Viviane Séllos, coordenadora brilhante e sempre disposta a colaborar com os

alunos.

Aos funcionários da secretaria e da biblioteca pelo carinhoso apoio.

Ao meu amigo Cleverson Gusso pelo incentivo e apoio que me conduziram a

cursar o Mestrado.

Aos meus amigos da Companhia de Saneamento do Paraná que sempre me

apoiaram e colaboraram nos momentos em que precisei me ausentar do trabalho

para as aulas e orientações.

Aos meus colegas de mestrado, dos quais sempre levarei boas lembranças

dos momentos ímpares que vivemos nestes dois anos.

A todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu

muito obrigado.

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Dedico este trabalho a minha filha Livia Maria que com a suas conquistas me faz ver, a cada dia, que tudo é possível!

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Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar. Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.

MADRE TERESA DE CALCUTÁ

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RESUMO

A presente pesquisa analisa criticamente a capacidade do Marco Regulatório do Saneamento de proporcionar condições para a universalização dos serviços de água e esgoto no Brasil. Aponta, ainda, consequências da escassez da água e da falta de acesso aos serviços de esgoto que afetam a população mundial. Verificar a evolução histórica do saneamento básico no Brasil, revelando a existência de déficits de acesso aos serviços de água e esgoto, os quais decorrem de diversos fatores, dentre eles a insegurança jurídica existente no setor. Foram observados vários reflexos negativos da falta de saneamento básico, os quais repercutem na saúde, na educação, no meio ambiente e na economia do país. Para sanar esses problemas e em função da importância desses serviços no desenvolvimento humano e no crescimento econômico, o Estado brasileiro optou por qualificar esta atividade de cunho econômico como serviço público, recentemente estabelecendo as diretrizes para o setor por intermédio da Lei 11.445/2007. No marco jurídico implementado existe a possibilidade da prestação dos serviços por entidades públicas e por agentes privados, com os respectivos riscos e oportunidades, que foram devidamente analisados, inclusive com o estudo de casos de privatização no Brasil e em outros países. Constatou-se o potencial das atividades de planejamento, regulação e controle social na universalização do acesso desses serviços, bens essenciais para a realização dos objetivos da República Federativa do Brasil, e para a efetivação do princípio constitucional da dignidade humana. O Direito, dentro de suas limitações, proporciona meios adequados para a solução dos problemas do setor, mas esta ciência é apenas uma das ferramentas necessárias para o alcance dos objetivos de universalização, pois existem ainda outras limitações que escapam ao seu alcance, dependentes de fatores sociais, econômicos e políticos. Palavras-chave: serviços de água e esgoto; universalização; princípio da dignidade humana; Lei 11.445/2007; marco regulatório.

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ABSTRACT

This research was intended to a critical analysis of the ability of Sanitation Regulatory Framework in providing to provide conditions for universal water and sewerage services in Brazil, by pointing out the consequences of water scarcity and lack of access to sewerage services that affect the world population, considering the historical evolution of basic sanitation in Brazil , revealing the existence of deficits in access to water and sewage services, which result from several factors, including the legal uncertainty existing in the industry. Various negative effects of lack of sanitation, which have repercussions on health, education, the environment and the economy are observed. To solve these problems and due to the importance of these services in human development and economic growth, the Brazilian Government opted to qualify this activity which has economic nature as a public service. On this purpose the Government has recently established guidelines for the sector through Law 11.445/2007. In this legal framework there is the possibility of the provision of services by public and private agents, relevant risks and opportunities, which were duly considered, including case studies of privatization in Brazil and other countries. It was noted the potential of planning, regulation and social control activities in universal access these services, which are relevant items to achieve the objectives of the Federative Republic of Brazil, toward ensuring the constitutional principle of human dignity. The law, within limitations, offer a suitable solution for the problems of the water and sewerage industry and is just one of the tools needed to achieve the goals of universal access, because there are other limitations beyond its reach, such as social, economic and political factors. Keywords: water and sewer services; universalization; principle of human dignity; Law #11.445/2007; regulatory framework.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 11 2 AS CONSEQUÊNCIAS DA ESCASSEZ DA ÁGUA E DA FALTA DE

SANEAMENTO BÁSICO........................................................................................ 15 2.1 A ESCASSEZ DA ÁGUA E A FALTA DO SERVIÇO DE ESGOTO: UM

PROBLEMA MUNDIAL..................................................................................... 15 2.2 A SITUAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO NO BRASIL............... 22 2.2.1 Escorço Histórico.............................................................................................. 22 2.2.2 Os Déficits Sanitários Brasileiros...................................................................... 33 2.3 OS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO E O DESENVOLVIMENTO................ 37 2.3.1 Os Impactos do Acesso aos Serviços de Água e Esgoto................................. 41 2.3.2 A Inclusão Social pelo Saneamento e o Papel das Empresas Prestadoras de

Serviço.............................................................................................................. 48 3 SANEAMENTO BÁSICO: UM DIREITO HUMANO E NÃO UMA

MERCADORIA....................................................................................................... 51 3.1 OS REFLEXOS DOS MOVIMENTOS NEOLIBERAIS NO SANEAMENTO..... 52 3.1.1 Os Interesses Econômicos de Tornar a Água uma Commoditie...................... 56 3.1.2 A Água e o Saneamento (Serviço de Esgoto): Direitos Humanos.................... 58 3.1.3 O Risco de Mercantilização versus A Necessidade de Universalização.......... 59 3.2 AS VANTAGENS E OS RISCOS DA PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE

ÁGUA E ESGOTO............................................................................................ 64 3.3 EXPERIÊNCIAS DE PRIVATIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE

ÁGUA E ESGOTO............................................................................................ 68 3.3.1 A Experiência Internacional: Análise de Casos................................................ 68 3.3.2 A Experiência Brasileira: Análise de Casos...................................................... 82 3.4 PRIVATIZAÇÃO: CONCILIANDO OS INTERESSES....................................... 88 3.4.1 Principais Aspectos Positivos e Negativos das Privatizações.......................... 88 3.4.2 Compatibilizando os Interesses Econômicos com a Universalização.............. 90 4. O SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL: UMA VISÃO JURÍDICA..................... 94 4.1 O SANEAMENTO BÁSICO COMO SERVIÇO PÚBLICO: ÁGUA TRATADA E

ESGOTAMENTO SANITÁRIO.......................................................................... 94 4.1.1 A Definição de Serviço Público......................................................................... 95 4.1.2 Os Serviços Públicos de Água e Esgoto......................................................... 102 4.2 AS COMPETÊNCIAS E A TITULARIDADE DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E

ESGOTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988...................................... 108 4.3 AS FORMAS DE DELEGAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO.... 114 4.3.1 Modalidades de Contrato de Concessão........................................................ 117 4.3.2 Contrato de Programa..................................................................................... 125 4.3.3 Formas de Gestão dos Serviços de Água e Esgoto....................................... 130 5 O MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO BÁSICO E OS MEIOS PARA

ASSEGURAR A UNIVERSALIZAÇÃO - ANÁLISE CRÍTICA.............................133 5.1 AS DIRETRIZES PRINCIPIOLÓGICAS E O PRINCÍPIO ESTRUTURANTE

DA UNIVERSALIZAÇÃO................................................................................ 136 5.2 A POLÍTICA PÚBLICA E A META DE UNIVERSALIZAR O ACESSO........... 148 5.2.1 Planejamento e Plano de Saneamento........................................................... 153 5.2.2 A Regulação: Princípios.................................................................................. 159

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5.2.3 Os Objetivos da Regulação: Técnicos, Econômicos e Sociais....................... 166 5.3 A PARTICIPAÇÃO DO CIDADÃO NA ATIVIDADE DESEMPENHADA PELO

PODER PÚBLICO........................................................................................... 186 5.3.1 O Controle Social............................................................................................ 187 5.3.2 A Ética dos Usuários....................................................................................... 190 6. CONCLUSÕES.................................................................................................... 192 REFERÊNCIAS........................................................................................................ 201

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1. INTRODUÇÃO

Delimita-se o alcance desta pesquisa aos serviços de água e esgoto.

Portanto, quando for feita referência ao “saneamento básico”, apesar desta

expressão no atual contexto legislativo brasileiro abranger também as atividades

relacionadas aos resíduos sólidos e à drenagem urbana, se estará tratando apenas

dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.1

O estudo das questões relacionadas ao saneamento básico, especialmente

no que se refere à água e esgoto,2 tem demonstrado que existem diversas formas

de prestação dos serviços, assim como séria discussão sobre as formas de

contratação e de atuação dos prestadores públicos e privados. Neste ponto destaca-

se que a pesquisa trata como prestadores públicos as autarquias municipais e as

companhias estaduais de saneamento, mesmo daquelas com participação privada

em seu capital.

Discute-se na doutrina sobre qual a melhor opção de prestação de serviço

para se obter um serviço eficiente, de qualidade e com modicidade tarifária, com

vistas à universalização do acesso.

Existe também ampla discussão sobre a questão do potencial econômico

dos serviços de água e esgoto e, portanto, sobre o risco de mercantilização de bens

essenciais para a realização do mínimo existencial e fundamental para os cidadãos

brasileiros, consoante consta de nossa Constituição no art. 1º, inc. III.

O momento é particularmente propício para o exame da questão, tendo em

vista que o saneamento básico tem entrado na pauta dos governantes como

principal desafio das políticas públicas e é um dos objetivos de desenvolvimento do

milênio (sétimo) eleitos pela Organização das Nações Unidas (ONU).3

1 É importante não confundir a expressão “saneamento” (nota 124) que é utilizada pelos organismos

internacionais para definir esgotamento sanitário com a qualificação do “saneamento básico” que consta do artigo 3º, inc. I da Lei nº 11.445/2007 que engloba além dos serviços de água e esgoto, também os de resíduos sólidos e a drenagem urbana.

2 A Lei nº 11.445/2007 estabeleceu em seu artigo 3º que o saneamento básico é composto pelos

serviços de abastecimento de água potável, de esgotamento sanitário, de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

3 Disponível em: <http://www.pnud.org.br/ODM7.aspx>. Acesso em: 14 abr. 2014.

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Porém, não é de agora que os discursos governamentais se pautam na meta

de atender a universalidade dos cidadãos brasileiros com água e esgoto, objetivo

que por diversas vezes foi frustrado por obstáculos técnicos, jurídicos, financeiros e

políticos.

Inicia-se esta pesquisa com uma análise sobre as conseqüências da

escassez da água e da falta dos serviços de água e esgoto, com ênfase especial na

essencialidade da água tratada para a sobrevivência no planeta e no exame sobre o

debate que motivou a consolidação do seu enquadramento como direito

fundamental de todo o cidadão e não como mercadoria, em contraposição aos

interesses de grandes conglomerados internacionais.

Sucede-se uma abordagem sobre as conseqüências da falta de saneamento

básico no Brasil, com o objetivo de demonstrar a evolução histórica destes serviços,

visando apontar os déficits sanitários existentes e qual a sua motivação.

No presente trabalho serão apresentados os efeitos que o saneamento

básico produz nas condições sociais e individuais do ser humano, assim como o

desafio de universalizar o acesso a estes serviços para toda a população diante do

interesse das grandes corporações nestes serviços tanto em razão da escassez da

água no planeta, quanto dos déficits de serviços existente.

Se procederá a análise crítica sobre as conseqüências da falta da água e

esgotamento sanitário e os interesses econômicos que nortearam os movimentos

neoliberais que incentivaram a privatização da água e, por conseqüência, dos

serviços de água e esgoto, no planeta e seus reflexos nos países em

desenvolvimento, como é o caso do Brasil, isto mediante exame de casos de

privatização dos serviços de água esgoto no âmbito internacional e nacional, seus

aspectos positivos e negativos.

Adota-se nesta pesquisa o conceito de privatização em sentido amplo, no

que se refere à diminuição do tamanho do Estado em razão das concessões de

serviços para a iniciativa privada.

Com este estudo se pretende analisar a forma de compatibilizar os

interesses sociais e econômicos que envolvem a prestação destes serviços, assim

como os interesses públicos e privados inerentes à opção de prestação por agentes

públicos ou privados com vistas à consecução dos direitos fundamentais dos

cidadãos brasileiros, atrelados ao atendimento com os serviços de água e esgoto.

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Diante do exame do contexto mundial referente à questão se demonstra que

o Estado brasileiro optou em reconhecer o fornecimento de água tratada e a coleta e

tratamento de esgoto, mesmo que dotados de cunho econômico, como serviços

públicos, adstritos ao regime do direito público em face de sua essencialidade para a

sociedade e para a consecução dos objetivos previstos na Constituição Federal.

Nesse contexto, importa verificar o enquadramento do saneamento básico

na Constituição brasileira e quais as formas de prestação dos serviços de água e

esgoto previstas no ordenamento pátrio.

No último capítulo será abordado sobre a política pública implementada pelo

Estado brasileiro no Marco Regulatório do setor (Lei Federal nº 11.445/2007), seus

instrumentos, avanços e sobre o seu potencial para estimular a reversão do atual

quadro deficitário na prestação dos serviços de saneamento básico no Brasil,

especialmente objetivando a concretização da dignidade humana por meio da

universalização dos serviços.

É importante perquirir a definição que é dada pela Constituição e pela

legislação para os serviços de água e esgoto, assim como em que medida o Direito

pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população.

Os objetivos específicos desta pesquisa são os de identificar se a política

pública implementada pela Lei que estabeleceu o Marco Regulatório do Saneamento

Básico (Lei nº 11.445/2007) dispõe dos meios necessários para se atingir a

universalização dos serviços de água e esgoto; se existem riscos para a população

de eventual mercantilização de bem essencial para a sobrevivência humana; e se é

possível compatibilizar a atuação de prestadores públicos e privados num ambiente

regulado.

Após essa análise, o estudo pretende responder aos seguintes

questionamentos: 1) Há relação entre o saneamento básico e o princípio

constitucional da dignidade humana? 2) Quais são os motivos dos déficits dos

serviços de saneamento básico no Brasil? 3) O marco jurídico implementado pela

Lei nº 11.445/2007 possui instrumentos capazes de estimular a reversão do atual

quadro deficitário na prestação dos serviços de saneamento básico no Brasil com

vistas à universalização? E se é possível privatizar o serviço de abastecimento de

água com qualidade, eficiência, modicidade tarifária e satisfação dos interesses

sociais atrelados a este serviço essencial.

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A metodologia utilizada na pesquisa é histórica, teórico-bibliográfica,

documental, analítica, descritiva e crítica, pressupondo as limitações próprias do

positivismo jurídico, já que apenas a edição de um marco regulatório não é capaz de

solucionar todos os problemas relacionados ao tema. Serão analisados alguns

dados estatísticos do setor de saneamento básico, as doutrinas sobre o tema e a

atual legislação relacionada à matéria, sem perder de vista os reflexos sociais

envolvidos e as referências teóricas que essa pesquisa guarda com o estudo dos

direitos fundamentais, em especial com o princípio da dignidade da pessoa humana.

E, para a finalidade de análise acadêmica aqui proposta, o estudo está

inserido na segunda Linha de Pesquisa ofertada pelo Programa de Mestrado em

Direito do UNICURITIBA, qual seja, Atividade Empresarial e Constituição: Inclusão e

Sustentabilidade.

Destaca-se que o propósito aqui não é esgotar o tema, mas apenas

apresentar uma visão crítica sobre o marco legal implementado e suas

potencialidades para reduzir os déficits sanitários brasileiros.

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2. AS CONSEQUÊNCIAS DA ESCASSEZ DA ÁGUA E DA FALTA DE

SANEAMENTO BÁSICO

Neste capítulo se demonstra que a água é um bem escasso e que existem

significativos déficits de atendimento com água e esgoto no mundo e no Brasil, com

sérias consequências para a saúde da população, para o meio ambiente e para a

economia.

Também é objetivo deste capítulo identificar a posição internacional sobre o

acesso aos serviços de água e esgoto e a ampla relação com outros direitos

fundamentais dos cidadãos e da sua contribuição para a realização da dignidade

humana, assim como os interesses econômicos que cercam estes serviços.

Por isso se pretende investigar se os interesses sociais se sobrepõem aos

interesses econômicos relacionados aos serviços de água e esgoto, especialmente

em decorrência da escassez da água no planeta e ainda do comprometimento dos

recursos hídricos existentes pela poluição causada pela falta de tratamento do

esgotamento sanitário.

2.1 A ESCASSEZ DA ÁGUA E A FALTA DO SERVIÇO DE ESGOTO: UM

PROBLEMA MUNDIAL

A produção, o crescimento populacional, o aproveitamento das fontes de

energia, o desenvolvimento de novas tecnologias e a massificação da produção e do

consumo, tem afetado diretamente a sustentabilidade ambiental e exposto o planeta

e seus habitantes a alguns riscos que não faziam parte do quotidiano da civilização

até a metade do século XX.

Alerta Ulrich Beck que surgem vários riscos incertos e incontroláveis

provocados pelo desenvolvimento e modernização da sociedade atual. Para o autor,

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se está diante de uma “sociedade de risco global”, com consequências incalculáveis

e imprevisíveis.4

Um dos efeitos causados por este aumento da produção, atrelado ao

crescimento econômico e populacional vivenciado pela humanidade a partir da

metade do século passado, é a demanda por água cada dia maior, não só para o

abastecimento público, como para a produção de alimentos e de energia elétrica.

A água é um elemento necessário para a sobrevivência dos seres vivos do

planeta e imprescindível para a manutenção das condições básicas de

sobrevivência digna de um ser humano.

Porém, em que pese o cosmonauta russo Iuri Alekseievitch Gagarin ter

constatado que “a terra é azul” e o compositor Guilherme Arantes ter qualificado o

planeta terra de “planeta água”, a maior parte da água existente no planeta não é

apta ou não está disponível para o consumo humano.

De toda a água disponível no planeta, apenas 2,4% é doce, já que 97,6%

está nos oceanos. Desta água doce, apenas 0,3% está disponível para o consumo

(a maior parte no subsolo), vez que os outros 2,1% estão dispostos nas calotas

polares e geleiras.5

É pequena a disponibilidade de água doce para fazer frente ao aumento

desenfreado da demanda, principalmente ocasionado pela massificação da

produção decorrente da busca pelo lucro e da necessidade de atender as demandas

provocadas pelo crescimento populacional numa sociedade globalizada e

consumista.

Estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), realizado em 2002,

estimou que mais de dois bilhões de pessoas enfrentavam escassez de água (um

4 BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião

Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010. p. 23. 5 Segundo Eduardo Freitas: “A água potável, ou mesmo água doce disponível na natureza, é

bastante restrita, cerca de 97,61% da água total do planeta é proveniente das águas dos oceanos; calotas polares e geleiras representam 2,08%, água subterrânea 0,29%, água doce de lagos 0,009%, água salgada de lagos 0,008%, água misturada no solo 0,005%, rios 0,00009% e vapor d’água na atmosfera 0,0009%. Diante desses percentuais, apenas 2,4% da água é doce, porém, somente 0,02% está disponível em lagos e rios que abastecem as cidades e pode ser consumida. Desse restrito percentual, uma grande parcela encontra-se poluída, diminuindo ainda mais as reservas disponíveis” (Água potável. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/geografia/agua-potavel.htm>. Acesso em: 22 mar. 2014).

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terço da população mundial) e que quatro (4) bilhões estarão nessa situação em

2025 (aproximadamente metade da população mundial).6

Recentemente a ONU ratificou estas informações, constatando que até 2030

aproximadamente metade da população mundial estará vivendo em áreas de grande

escassez de água,7 sendo que 1,8 bilhão de pessoas estará vivendo em países ou

regiões com escassez absoluta de água.8

Outro estudo mais recente da Organização das Nações Unidades para a

Alimentação e a Agricultura (FAO - Food and Agriculture Organization) constatou

que cerca de 1,2 bilhão de pessoas vivem em áreas de escassez física de água e

outras 500 milhões de pessoas estão se aproximando dessa situação. Atesta ainda

que 1,6 bilhão de pessoas enfrentam escassez indireta pela ausência de

infraestrutura para o abastecimento de água individual (redes de abastecimento) e

que no último século a população mundial triplicou, sendo que o uso da água tem

crescido mais do que o dobro da taxa de crescimento populacional.9

A escassez de água também impacta diretamente sobre a produção de

alimentos, pois para satisfazer a dieta diária de uma pessoa necessita-se de 2.000 a

5.000 litros de água (dados FAO).10 Com o crescimento populacional, cada vez mais

se exigirá mais água para o cultivo de alimentos, fibras e culturas industriais, assim

como para os animais e peixes. Especialmente em razão da melhoria da qualidade

de vida em países populosos como é o caso dos emergentes China, Brasil e Índia,

onde a mudança de hábitos alimentares para dietas mais ricas e mais variadas exige

mais água para produção.

Constata Maude Barlow que tal fato tem provocado a diminuição das

reservas superficiais e também das subterrâneas que abastecem grandes rios,

alguns deles que já não “alcançam mais o mar”, como é o caso do Rio Colorado e

6 Sobre o assunto ver: ONU prevê 4 bilhões sem água em 2025. Folha de São Paulo, São Paulo,

14 ago. 2002. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1408200201.htm>. Acesso em: 22 mar. 2014.

7 Sobre o assunto ver: Quase metade da população mundial viverá em áreas com grande

escassez de água até 2030, 15 mar. 2013. Disponível em: <http://www.onu.org.br/quase-metade-da-populacao-mundial-vivera-em-areas-com-grande-escassez-de-agua-ate-2030-alerta-onu/>. Acesso em: 31 mar. 2014.

8 Sobre o assunto ver: Alertando para escassez de água doce, ONU pede esforços globais para

proteger recursos naturais, 23 mai. 2013. Disponível em: <http://www.onu.org.br/alertando-para-escassez-de-agua-doce-onu-pede-esforcos-globais-para-proteger-recursos-naturais/>. Acesso em: 31 mar. 2014.

9 Disponível em: <http://www.fao.org/nr/water/docs/escarcity.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2014.

10 Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/012/i0765pt/i0765pt13.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2014.

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18

Grande nos Estados Unidos; do Nilo no Egito; do Jordão no Oriente Médio; e do

Murray na Austrália, entre outros.11

Esta pressão da demanda provocada pela expansão do consumo de água já

provocou a saturação de boa parte das reservas de água superficiais e dos lençóis

freáticos.12

Detalham Maude Barlow e Tony Clarke que no Aquífero de Ogalalla, o maior

da América do Norte, a retirada de água é catorze (14) vezes maior que a natureza

pode restituí-la, o que tem provocado a diminuição do nível da água em

aproximadamente 1 metro por ano, desde 1991. Trata-se de um volume assustador

se levado em consideração a extensão do Aquífero, que é de aproximadamente 190

mil milhas quadradas ou 305 mil quilômetros quadrados.13

Segundo ainda Maude Barlow, “ele perdeu – para sempre – um volume de

água equivalente ao fluxo anual de 18 rios Colorado”.14

A cidade do México é o exemplo de um grande centro urbano que está sob

risco de desabastecimento e sofrendo as consequências da exploração

desordenada das águas subterrâneas.15

11

BARLOW, Maude. Água, pacto azul: a crise global da água e a batalha pelo controle da água potável no mundo. Tradução de Cláudia Mello Belhassof.São Paulo: M. Books do Brasil, 2009, p. 25.

12 Segundo Sérgio Adeodato: “Eles são imensas caixas d’água realimentadas pela chuva e filtradas

por camadas de areia e rochas abaixo da crosta terrestre. Encontram-se por toda parte e, em alguns países, são empregados para irrigar a lavoura e para abastecer a população. [...]. Representam uma reserva 100 vezes mais volumosa que a dos rios e lagos, alternativa escolhida para abastecer grande parte da Europa e metade das cidades da América Latina e Caribe. Hoje, países como Arábia Saudita, Malta e Dinamarca dependem deles para abastecer residências, shopping centers, hotéis, hospitais e até para encher piscinas e regar campos de golfe. ‘O problema é que estamos explorando os aquíferos a um ritmo mais rápido do que eles conseguem se refazer, com efeitos perigosos’, afirma Vicente Andreu, secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. O uso além do limite reduz a vazão e piora a qualidade da água, seca os riachos e causa impactos geológicos na superfície, como o afundamento do solo. (A água escondida. Editora Horizonte, 31 mar. 2009. Disponível em: <http://horizontegeografico.com.br/exibirMateria/549>. Acesso em: 23 mar. 2014).

13 BARLOW, Maude; CLARKE, Tony. Ouro azul: como as grandes corporações estão se

apoderando da água doce do nosso planeta. Tradução de Andréia Nastri. São Paulo: M. Books do Brasil, 2003, p. 18-19.

14 BARLOW. Água, pacto azul: a crise global da água e a batalha pelo controle da água potável no

mundo. cit. p. 26. 15

“Nem todos os mexicanos que se deslocam apressados pela capital, estão conscientes da ameaça, mas a cidade está afundando. Pesquisadores apontam para uma taxa média anual de afundamento de sete centímetros. Em algumas regiões, esse índice chega a 40 centímetros por ano. Os vilões são a pressão das construções sobre o solo frágil e o aumento da extração de água para atender a uma superpopulação” (MARTINS, Elisa. Cidade do México afunda sete centímetros por ano. O Globo, Rio de Janeiro: 13 nov. 2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/ciencia/cidade-do-mexico-afunda-sete-centimetros-por-ano-6715427>. Acesso em: 23 abr. 2014).

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19

Este fenômeno também é verificado na região do rio Jordão, no Oriente

Médio, onde a água tem se tornado salobra em virtude da exploração exagerada das

reservas naturais, o que tem provocado a penetração da água salgada no Lago

Kinneret e no subsolo, causado pelo recuo da água doce do lençol freático, que

então passa a ser infiltrado por água do mar.16

Em quase todos os continentes vários dos principais aquíferos estão sendo

exauridos com rapidez maior que sua taxa natural de recarga. A mais severa

exaustão de água subterrânea ocorre na Índia, China, Estados Unidos, Norte da

África e Oriente Médio, causando um déficit hídrico mundial de cerca de 200 bilhões

de metros cúbicos por ano.17

A posse da água há muito já tem provocado conflitos armados entre diversos

países, especialmente envolvendo o Estado de Israel.18

Esta situação de escassez dos recursos hídricos só tende a piorar. Adverte

Riccardo Petrella que as atividades industriais poderão estar absorvendo duas vezes

mais água e a poluição industrial pode aumentar quatro vezes até o ano 2025.19

Diante disso, está em risco a vida de milhões de pessoas que não contam

com água encanada para satisfazerem suas necessidades básicas de alimentação,

higiene e saciedade. Segundo dados da ONU, aproximadamente 2,5 bilhões de

pessoas no mundo sequer possuem banheiro ou latrina para urinar e defecar. Esta

16

BARLOW, Maude; CLARKE, Tony. Op. cit., p. 25. 17

SAMPAT, Payal. Expondo a poluição freática. In: Estado do Mundo 2001, WWI – Worldwatch Institute no Brasil. Disponível <http://www.wwiuma.org.br. Acesso em: 31 mar. 2014.

18 Sobre o tema destacam Adriano Quadrado e Rodrigo Vergara que: “Hoje, há mais de 500 conflitos

entre países envolvendo disputas pela água, muitos deles com uso de força militar. Nada menos que 18 desses conflitos violentos envolvem o governo israelense, que vive brigando pelo líquido com os vizinhos. Cerca de 40% do suprimento de água subterrânea de Israel se origina em territórios ocupados, e a escassez de água foi um dos motivos das guerras árabe-israelenses passadas. Em 1965, a Síria tentou desviar o rio Jordão de Israel, provocando ataques aéreos israelenses que a forçaram a abandonar a tentativa. Na África também houve conflitos. As relações entre Botsuana e Namíbia, por exemplo, ficaram estremecidas depois que a Namíbia anunciou um plano de aqueduto para desviar um rio compartilhado pelos dois países. Na Ásia, Bangladesh depende da água de rios que vêm da Índia. Nos anos 70, em meio a uma escassez de alimentos, a Índia desviou o fluxo desses rios para suas lavouras. Bangladesh foi deixado a seco por 20 anos, até a assinatura de um tratado que pôs fim às disputas”. (Vai faltar água? Revista Superinteressante, jun. 2003. Disponível em: <http://super.abril.com.br/saude/vai-faltar-agua-443923.shtml>. Acesso em: 31 mar. 2014).

19 PETRELLA, Riccardo. O manifesto da água: argumentos para um contrato mundial. Tradução de

Vera Lúcia Mello Joscelyne. 2ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. p. 55.

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situação é responsável pela morte de cerca de 1,5 milhão de crianças a cada ano (5

mil por dia) em virtude de doenças diarreicas.20

Constatam Carlos Ferreira de Abreu Castro e Aldicir Scariot que em 2050

pelo menos uma em cada quatro pessoas viverá em um país afetado por escassez

crônica de água potável, isto em razão da demanda crescente deste produto, muito

além da capacidade de fornecimento.21

A água está se tornando cada vez mais escassa, o que coloca em risco a

população mundial e as próximas gerações, por se tratar de líquido essencial para a

sobrevivência em nosso planeta.

Além desta escassez, a utilização da água em larga escala gera um

aumento da poluição decorrente do descarte dos esgotos domésticos e industriais

sem tratamento nos rios.

Ao longo dos anos a associação dos fatores acima têm agravado a poluição

de rios e lagos, como é o caso dos Rios Tietê e Pinheiros no Brasil,22 do Ganges na

Índia23 e Amarelo e Yangtze na China.24

20

Departamento de Informação Pública das Nações Unidas, jun. 2012. Disponível em <http://www.onu.org.br/rio20/temas-agua/>. Acesso em: 21 mar. 2014.

21 CASTRO, Carlos Ferreira de Abreu; SCARIOT, Aldicir. A água e os objetivos de desenvolvimento

do milênio. In: DOWBOR, Ladislau; TAGNIN, Renato Arnaldo (Org.) Administrando a água como se fosse importante: gestão ambiental e sustentabilidade. São Paulo: Editora Senac, p. 99-108, 2005, p. 101.

22 Segundo Alexandre Golçalves: “Os Rios Tietê e Pinheiros possuem perfis de poluição distintos e

mereceriam planos de despoluição que refletissem essas diferenças. É o que mostra a análise mais minuciosa já realizada até hoje sobre a qualidade dos dois cursos d’água que cortam a maior metrópole da América Latina. O trabalho mostrou também que o principal problema para os dois rios não é a poluição difusa - que vem dos dejetos levados ao leito pela chuva, uma responsabilidade da Prefeitura -, mas o esgoto doméstico e industrial, cuja coleta, na maioria das cidades da Grande São Paulo, caberia à Sabesp, empresa mista que tem como principal acionista o governo estadual. ‘A concentração de hidrocarbonetos na água (algo que pode ser creditado à omissão da Prefeitura) é ínfima quando comparada à presença de substâncias oriundas do esgoto (que deveria ser tratado pela Sabesp)’, pondera o promotor e coautor do estudo, José Eduardo Lutti, do Ministério Público de São Paulo (MPE). Ao todo, 33 bairros ainda despejam parte do seu esgoto no Tietê. O estudo, que rendeu a publicação de um artigo na última edição dos Anais da Academia Brasileira de Ciências, revelou seis substâncias que só foram encontradas nas águas do Pinheiros. Todas são compostos orgânicos. Duas delas atuam como pesticidas: o Aldrin-Dieldrin e o 4,4-DDD. Como o rio não atravessa áreas agrícolas, autores sugerem que tais produtos são usados nas margens para diminuir a infestação de mosquitos que infernizam vizinhos do curso d’água. Outra exclusividade digna de nota no Pinheiros é o hexaclorobutadieno, um composto cancerígeno eliminado por fábricas que utilizam ácido clorídrico nos seus processos industriais. (Rios Tietê e Pinheiros têm tipos de poluição diferentes, mostra estudo. O Estado de São Paulo, São Paulo, 11 fev. 2012. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,rios-tiete-e-pinheiros-tem-tipos-de-poluicao-diferentes-mostra-estudo,834594,0.htm>. Acesso em: 1 abr. 2014).

23 “Durante as últimas semanas, o nível chocante de poluição do ar de Pequim e de outras cidades

da China tem sido tema constante, tanto na mídia chinesa quanto na Ocidental. Porém, tão assustador quanto as densas nuvens de fumaça que cobrem o céu é o aumento do nível de

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Estima-se que 80% das doenças em países em desenvolvimento são

causados por água não potável e saneamento precário, incluindo instalações de

saneamento inadequadas, já que 828 milhões de pessoas vivem em condições de

favela, faltando serviços básicos como água potável e saneamento (esgotamento

sanitário). Esse número aumenta até 6% a cada ano e vai atingir um total de 889

milhões até 2020.25

Concluem Carlos Ferreira de Abreu Castro e Aldicir Scariot que:

Hoje, apenas metade da população das nações em desenvolvimento tem acesso seguro à água potável. A escassez de água aumentará significativamente nos próximos anos, devido ao crescimento do impacto combinado resultante do aumento do uso per capita de água e dos efeitos das mudanças climáticas. O aumento da população e da sua renda reflete diretamente no crescimento do consumo de água e na produção de resíduos poluentes. A população urbana dos países em desenvolvimento crescerá dramaticamente, gerando uma demanda muito além da capacidade, já inadequada, de infra-estrutura para fornecimento de água e saneamento.

26

A contaminação das águas de rios por esgotamento sanitário lançado “in

natura”, associada à utilização destas águas para o suprimento das necessidades

básicas por milhares de pessoas que não dispõem de água tratada em suas casas é

responsável por mortes decorrentes da contaminação por doenças como diarréia,

cólera, disenteria, febre tifóide, hepatite, entre outras.

A situação no Brasil não é diferente do que ocorre no mundo, especialmente

por se tratar de um país ainda em desenvolvimento.

poluição das águas. De acordo com um relatório divulgado em 2012, ‘cerca de 40% dos rios chineses estão seriamente poluídos’ e ‘20% estão tão poluídos que suas águas são tóxicas e impróprias ao contato humano’. Parte do problema se deve às aproximadamente 10 mil indústrias petroquímicas ao longo do rio Yangtze e de outras 4 mil instaladas ao longo do Rio Amarelo. O cenário parece ainda mais alarmante se levarmos em conta que, embora extremamente poluídos, nenhum desses dois rios está entre os sete mais poluídos da China. Segundo o Ministério de Supervisão do país, em média 1.700 acidentes industriais por ano poluem as águas da China. Os vazamentos (ou lançamentos) de poluição industrial nas águas dos rios chineses são responsáveis anualmente por cerca de 60 mil mortes prematuras” (Poluição na China: Quase metade dos rios na China estão poluídos. Opinião & Notícia, Rio de Janeiro, 23 jan 2013. Disponível em: <http://opiniaoenoticia.com.br/vida/meio-ambiente/quase-metade-dos-rios-na-china-estao-poluidos/>. Acesso em: 31 mar. 2014).

24 “No rio Ganges, na Índia, despeja-se 1,1 milhão de litros de esgoto por minuto, uma figura

surpreendente, uma vez que um grama de fezes pode conter 10 milhões de vírus, 1 milhão de bactérias, mil cistos de parasita e 100 ovos de vermes. [...] Na África, 115 pessoas morrem por hora por conta de doenças ligadas a falta de saneamento, falta de higiene e água contaminada”. (Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/detalhe.php?secao=21>. Acesso em: 12 mar. 2014).

25 Departamento de Informação Pública das Nações Unidas, jun. 2012. Disponível em

<http://www.onu.org.br/rio20/temas-agua/>. Acesso em: 1 abr. 2014. 26

CASTRO, Carlos Ferreira de Abreu; SCARIOT, Aldicir. Op. cit., p. 100.

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22

O caso mais evidente da escassez da água e das consequências para a

população está sendo verificado no começo deste ano de 2014 na cidade de São

Paulo.

Como tem sido noticiado diariamente pelos meios de comunicação, um dos

principais reservatórios de água que atende a quase 9 milhões de pessoas na

cidade de São Paulo (maior cidade da América do Sul) atingiu níveis nunca antes

verificados. O “sistema Cantareiras” está com cerca de 10% de sua capacidade de

reservação em razão da falta de chuvas e da não redução do consumo pela

população.27

Este fato deixa claro que a população do planeta, mais especificamente dos

grandes centros, corre o risco de desabastecimentos futuros com consequências

imprevisíveis.

2.2 A SITUAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO NO BRASIL

É impossível compreender o cenário atual do saneamento no Brasil sem

analisar o histórico da evolução deste setor e a forma como o Estado tem tratado a

questão ao longo do tempo.

Importante avaliar também a situação em que se encontra o atendimento da

população com os serviços essenciais de água e esgoto, assim como externar a

relação da universalização do acesso a estes serviços com a melhoria das

condições da vida população e com o desenvolvimento humano.

2.2.1 Escorço Histórico

Para o estudo das questões que envolvem o saneamento que se seguirá

nesta pesquisa é imperioso analisar o histórico deste setor, a fim de apurar as

27

Nível de água do Sistema Cantareira chega a 10,5%. Portal G1. Globo. São Paulo. 1º de maio de 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/05/nivel-de-agua-do-sistema-cantareira-chega-105.html>. Acesso em: 5 mai. 2014.

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23

razões que motivaram o atual cenário dos déficits sanitários existentes e apontar

eventuais soluções que podem ser adotadas em razão das experiências já vividas.

O início da história do saneamento básico no Brasil se confunde com o início

dos adensamentos urbanos, quando as pessoas tinham que recorrer a bicas e

fontes para se abastecer. Durante os séculos XVI a XVIII e primeira metade do

século XIX não havia preocupação de Portugal com as condições sanitárias de sua

colônia.28

Nesta época a água era tida como bem público de quantidade infinita

(renovável) e à completa disposição do homem. Com efeito,

Os primeiros registros sobre o tema datam do início do século XIX. O abastecimento de água era feito através da coleta nas bicas e fontes. Os dejetos domésticos eram armazenados em tonéis, que eram conduzidos pelos escravos e despejados nos rios, no mar e em outras localidades perto dos centros urbanos. Consta que, até os primeiros anos do século passado, as praias das cidades do Rio de Janeiro, Salvador e Recife serviam de depósito para excrementos, lixo domiciliar e das ruas e bichos mortos. O mar serviu, durante algum tempo, como sepulcro de escravos falecidos. Assim, as praias até o início do século XIX não eram lugares onde se podia passear e tomar banhos de mar, lazer corriqueiro e muito apreciado nos dias atuais.

29

Somente no início do século XX, com o surgimento dos maiores

adensamentos urbanos, em boa parte causado pela crise na produção cafeeira, é

que o Estado passa a preocupar-se com as questões sanitárias, especialmente pela

constatação do reflexo que o fornecimento de água tratada produz na redução da

mortalidade infantil.30

Entre os anos de 1850 e 1910 os serviços de água e esgoto eram prestados

por empresas privadas estrangeiras, na sua maioria inglesas.31

28

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A evolução jurídica do serviço público de saneamento básico. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 15-48, 2011, p. 16.

29 GAZETA MERCANTIL. Análise setorial: saneamento básico. vol. 1. São Paulo: Gazeta

Mercantil, 1998, p. 12. 30

CHAD, Eduardo Cezar. A política pública de saneamento básico e a proteção ao meio ambiente equilibrado. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 329-340, 2011, p. 334.

31 HELLER, Léo; et. al. A experiência brasileira na organização dos serviços de saneamento básico.

In: HELLER, Léo; CASTRO, José Esteban (Org.). Política pública e gestão de serviços de saneamento. Ed. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 483-501, 2013, p. 485.

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24

A partir de 1910, em razão da pressão social por melhorias nas condições

dos serviços prestados, observa-se uma posição estatal mais centralizadora,

culminando com a criação das Divisões de Água e Esgoto a partir da década de 20.

Depois da 1ª Primeira Guerra Mundial há um declínio da influência

estrangeira no saneamento básico, com a centralização destes serviços nas mãos

do poder público, preservando-se formalmente a autonomia municipal com apoio dos

Estados e auxílio técnico e financeiro da União.32

É bom frisar que o esgotamento sanitário nesta época limitava-se aos

banheiros encontrados em algumas residências de luxo das maiores cidades, vez

que a população em geral dispunha seus dejetos a céu aberto.

Mesmo diante da crise que se abateu sobre o mundo na década de 30,

intensifica-se no Brasil um processo de centralização dos serviços de água e esgoto

pela atuação de organismos governamentais, mediante a aplicação de recursos

orçamentários a fundo perdido.

A partir da década de 40 observa-se uma alteração no papel desempenhado

pelo governo federal que passa apenas a atuar como coordenador e fiscalizador das

ações realizadas pelos Estado e Municípios. Os Estados passam a criar as

estruturas administrativas para os serviços de água e esgoto e a implementar os

respectivos sistemas, repassando-os para a administração pelos Municípios.33

Em 4 de julho de 1940, pelo Decreto-Lei nº 2.367, foi criado o Departamento

Nacional de Obras de Saneamento e em 19 de setembro de 1949, pela Lei nº 819,

institui-se um regime de cooperação para execução de obras de saneamento entre

União, Estados e Municípios.

Somente no final da década de 50 é que o Estado efetivamente passa a

dedicar maior atenção para as questões sanitárias no Brasil. Com o lançamento do

Plano Nacional de Financiamento para Abastecimento de Água, há uma

descentralização das ações pela União, com vistas a estimular a gestão pelos

Municípios (sistemas autônomos), via receita tarifária.34

32

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A evolução jurídica do serviço público de saneamento básico. cit., p. 18.

33 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Idem., p. 20.

34 REZENDE, Sonaly Cristina; HELLER, Léo. O saneamento no Brasil: políticas e interfaces. 2ª ed.

rev. e ampl. Belo Horizonte: UFMG, 2008, p. 232.

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25

Há, portanto, um fortalecimento do poder municipal nas décadas de 50 e 60,

quando foram criados inúmeros sistemas autônomos de água e esgoto, autarquias

municipais responsáveis pela gestão dos serviços.

A partir da década de 60 há uma migração em grande escala da população

rural para as áreas urbanas, o que provoca um déficit de infraestrutura necessária

para a população, também no que se refere ao saneamento básico.

Com o regime militar instituído a partir de 1964 há uma nova política de

centralização pelo governo federal que, pensando na solução do déficit dos serviços

de água e esgoto, pelo Decreto-lei nº 248, de 28 de fevereiro de 1967 instituiu a

Política Nacional de Saneamento Básico (PNSB) e pelo Decreto-Lei nº 949, de 13 de

outubro de 1969 instituiu o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), executado

pelo Banco Nacional da Habitação (BNH) a partir de 1971.

Este Plano deu origem às 27 Companhias Estaduais de Saneamento Básico

(CESBs), com vistas a implementar a política tarifária instituída pela Lei nº 6.528, de

11 de maio de 1978 e Decreto nº 82.587, de 7 de novembro de 1978.

Alexandre Santos de Aragão destaca que:

O objetivo principal do PLANASA era promover a criação de empresas públicas estaduais para o fornecimento de água e esgoto, encorajando as prefeituras a celebrarem contratos de concessão de longo prazo com essas empresas, em troca de investimentos a serem realizados pelo Banco nacional da habitação (BNH).

35

Vê-se que o governo federal adotou uma política estatizante, pela qual os

Municípios eram incentivados a delegar a prestação e o planejamento dos serviços

de água e esgoto para os Estados (empresas estaduais).36 Os serviços passam a

ser desenvolvidos mediante financiamentos públicos federais (BNH), sendo que as

35

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de janeiro: Forense, 2007, p. 301.

36 Art. 2º - São serviços públicos de saneamento básico, integrados ao PLANASA, aqueles

administrados e operados por companhias de saneamento básico, constituídas pelos Governos Estaduais que, em convênio com o Banco Nacional da Habitação, estabelecem as condições de execução do Plano, nos respectivos Estados, observados os objetivos e metas fixados pelo Governo Federal. § 1º - Para os efeitos deste Decreto, equiparam-se às companhias estaduais de saneamento básico as que, sob o controle acionário do Poder Público, atuarem no Distrito Federal e nos Territórios. (BRASIL, Planalto Central. Decreto 82.587, de 6 de novembro de 1978: regulamenta a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978, que dispõe sobre as tarifas dos serviços públicos de saneamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D82587.htm>. Acesso em: 20 abr. 2014.

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26

companhias estaduais assumiram o papel de implementar a política pública de

saneamento, sendo as executoras do planejamento e da prestação dos serviços

delegados pelos Municípios.

Bem destaca João Paulo Pellegrini Saker que:

Sendo a União detentora do planejamento e controle da política nacional de saneamento, por meio do BNH, resta aos Estados a execução dos serviços no “âmbito das Companhias Estaduais de Saneamento (CESBs)”. Mesmo assim, alguns municípios ainda possuíam uma infra-estrutura melhor e mantiveram o controle de seus sistemas por meio de autarquias ou empresas municipais.

37

Os serviços passaram a ser prestados por companhias estaduais e por

alguns sistemas autônomos municipais, mediante uma total submissão dos Estados

e dos Municípios à política federal, baseada no regime autoritário militar que

controlava os financiamentos.38 Esta situação que fica evidente quando foi deferido

ao Ministério do Interior o poder de instituir normas tarifárias e decisões de

investimentos para o setor.

O PLANASA tinha como meta alcançar no mínimo 80% da população

urbana com água potável e 50% desta população com os serviços de coleta e

tratamento de esgoto até o ano de 1980.39

Segundo Juarez Moreira:

[...] o Brasil investiu no período de 1968/1980 no setor de saneamento básico o montante de 4,7 bilhões de dólares, representando uma média de 392 milhões de dólares/ano, sendo que foi dada prioridade para o abastecimento de água. (...) para que fossem atingidas as metas preconizadas pela ONU para o ano de 1990, deveriam ter sido investidos em torno de dois (2) bilhões de dólares ao ano (1% do Produto Interno Bruto Nacional). Em realidade, na década de 80 foram efetivados investimentos médios da ordem de 800 milhões de dólares/ano.

40

37

SAKER, João Paulo Pellegrini. Serviços públicos e saneamento. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editora, 2008, p. 28.

38 COSTA, Silvano Silvério da; RIBEIRO, Wladimir Antonio. Dos porões à luz do dia: um itinerário

dos aspectos jurídicos-institucionais do saneamento básico no Brasil. In: HELLER, Léo; CASTRO, José Esteban (Org.). Política pública e gestão de serviços de saneamento. Ed. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 467-482, 2013, p. 472.

39 BRASIL. Ministério das Cidades. Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB).

Disponível para download em: <http://www.cidades.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2014. 40

MOREIRA, Juarez Nazareno Muniz, Custos e preços como estratégia gerencial em uma empresa de saneamento. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, 1998. Disponível em: <http://www.eps.ufsc.br/disserta98/moreira/cap2.html#2.1>. Acesso em: 21 mar. 2014.

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27

A falta de investimentos no setor acabou por atrasar as metas estabelecidas

no PLANASA, sendo que a meta de atendimento de 80% da população urbana do

país com abastecimento de água somente foi alcançada em 1984. Nesta época, a

população servida com esgoto era de 32%.41

Este déficit de investimentos e as crises econômicas da década de 80,

aliados ao alto grau de endividamento do setor e a extinção do BNH em 1986

(Decreto-lei nº 2.291), contribuíram para que as empresas estaduais e as autarquias

municipais não conseguissem atender à crescente demanda pelos serviços de

saneamento no Brasil.

Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo constata que:

A crise fiscal do Estado e o consequente endividamento das companhias estaduais de saneamento decretaram a necessidade de pôr um fim ao modelo de financiamento público planejado pelo governo militar como forma de garantir a universalização, a qualidade do serviço e a modicidade das tarifas. Era necessário discutir novas formas de garantir o bem-estar da população quanto à gestão desse tipo de serviço, discussão essa que ganhou novo relevo a partir do processo de redemocratização.

42

Apesar do PLANASA ter ficado abaixo das expectativas de sua criação,

pode se dizer que foi a primeira política pública a oferecer efetivos resultados de

atendimento da população, especialmente no que se refere ao serviço de água, vez

que no período compreendido entre 1971 e 1985 passaram a ser atendidas mais 52

milhões pessoas com os serviços de água e esgoto.43

A promulgação da Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma nova

ordem para o setor de saneamento, já que fortaleceu a posição dos Municípios

(titulares dos serviços locais), prevendo ainda que os serviços de água e esgoto

podem ser delegados para empresas da iniciativa privada, nos termos do art. 175.

41

GAZETA MERCANTIL. Op. cit., p. 12. 42

RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Regulação jurídica, racionalidade econômica e saneamento básico. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 280.

43 “Considerando a possibilidade de aumentar a capacidade de financiamento ao Setor Saneamento,

mediante a participação da iniciativa privada como concessionária na prestação de serviços de saneamento no Brasil; considerando a necessidade de criar alternativas para a reciclagem dos ativos do FGTS, relativos a empréstimos anteriormente concedidos ao setor público para investimentos no Setor Saneamento, RESOLVE: 1. Aprovar o Programa de Financiamento a Concessionários Privados de Saneamento (FCP/SAN), conforme regulamentação anexa. [...].” (BRASIL. Caixa Econômica Federal. Resolução nº 267, de 21 de outubro de 1997: aprova o programa de financiamento a concessionários privados de saneamento (FCP/SAN). Disponível em: <https://webp.caixa.gov.br/Portal/Legislacao/legislacao.asp?Navegacao=Proxima>. Acesso em 31 mar. 2014).

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28

Nesta direção, em 1995, foi sancionada a Lei nº 8.987, denominada Lei das

Concessões, que passou a regulamentar o regime de concessões da prestação dos

serviços públicos para a iniciativa privada. Esta lei, cujo projeto foi apresentado por

Fernando Henrique Cardoso quando ainda Senador e sancionado por ele já na

condição de Presidente da República, teve cunho privatizante, estabelecendo que

toda a concessão de serviço público deveria ser precedida de licitação, isto em

contraposição a toda a estrutura vigente à época, egressa do Plano Nacional de

Saneamento - PLANASA, na qual a prestação dos serviços era quase que

exclusivamente realizada pelas Companhias Estaduais de Saneamento.

Neste mesmo ano de 1995, em 5 de janeiro, o Presidente Fernando

Henrique Cardoso vetou o Projeto de Lei – PL nº 53/91 (Projeto de Lei

Complementar nº 199/93), já aprovado pela Câmara e pelo Senado, sob a

justificativa de que a Política Nacional de Saneamento que se tentava implementar

nos moldes do PLANASA, era incompatível com o regime jurídico da Constituição de

1988.

No ano seguinte, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado – PLS nº

266/96, de autoria do Senador José Serra, o qual foi tratado por vários agentes do

setor de saneamento básico como privatizante.44

Tal posição governamental motivou a criação da Frente Nacional pelo

Saneamento Ambiental – FNSA, congregando dezoito (18) entidades da sociedade

civil organizada com vistas a evitar a “privatização da água” em nosso país, a qual,

explorando os vícios constitucionais presentes no projeto, fez com que ele fosse

vetado.45

44

SOUSA, Ana Cristina Augusto de; COSTA, Nilson do Rosário. Ação coletiva e veto em política pública: o caso do saneamento no Brasil (1998-2002). In: Ciência & Saúde Coletiva. Rio de Janeiro, v. 16, nº 8, ago., 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232011000900022&script=sci_arttext>. Acesso em: 31 mar. 2014.

45 Participaram: ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental; AESABESP –

Associação dos Engenheiros da SABESP; ANSUR – Associação Nacional do Solo Urbano; APU – Associação dos Profissionais Universitários da SABESP; ASSEMAE - Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento Ambiental; CMP - Central dos Movimentos Populares; FASE - Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional / Observatório de Políticas Públicas e Gestão Municipal; FISENGE – Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros; FNRU - Fórum Nacional da Reforma Urbana; FNU/CUT - Federação Nacional dos Urbanitários; IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor; MNLM - Movimento Nacional de Luta pela Moradia; OAB – Ordem dos Advogados do Brasil (Seção Taboão da Serra-SP); POLIS - Instituto de Estudos Formação e Assessoria em Políticas Sociais; SEESP - Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo; SENGE-RJ – Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro; UNMP – União Nacional por Moradia Popular; Água e Vida. (SOUSA, Ana Cristina Augusto de; COSTA, Nilson do Rosário. Idem.).

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29

Objetivando estimular a participação da iniciativa privada no setor, foi

flexibilizado o financiamento de recursos para concessões privadas pela Resolução

nº 267, de 12 de outubro de 1997, do Conselho Curador do Fundo de Garantia por

Tempo de Serviço (FGTS).46 Ao passo que em Novembro de 1997 o Conselho

Monetário Nacional vetou empréstimos de recursos do FGTS e limitou financiamento

para o setor público como forma de restringir a sua atuação.47

Esta tendência neoliberal,48 que ganhou força na última década do século

passado, fez surgir a participação privada no setor de saneamento, seja mediante

concessões novas (via licitação), seja na participação societária em empresas

estaduais, como é o caso da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR).49

Na segunda metade da década de 90 ocorreram várias tentativas de

privatização, nos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Ceará e São

46

“O PLANASA, foi instalado pelo Banco Nacional da Habitação, do Brasil, em 1968 de modo experimental e em 1971 de maneira formal. Hoje, pode ser considerado extinto, pois suas regras foram abandonadas e foi destruído o Sistema Financeiro do Saneamento que lhe dava suporte. O censo de 1970, informava que apenas 26,7 milhões de brasileiros, ou 50,4% da população urbana, eram abastecidos com água potável e 10,1 milhões ou 20% servidos pela rede de esgotos. Quinze anos depois - em 1985 - a Pesquisa Nacional de Domicílios do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - assinalava que 82,8 milhões de brasileiros ou 87% da população urbana eram abastecidos com água potável. O PLANASA, nesse período, havia conseguido acrescentar à população abastecida, 56 milhões de pessoas - contingente maior que a população da França. Muitas tentativas anteriores para equacionar o problema do saneamento básico no país haviam falhado, o PLANASA foi o primeiro e único até hoje a oferecer resultados satisfatórios durante toda sua vida, até ser intencionalmente destruído”. (MONTEIRO, José Roberto do Rego. Plano nacional de saneamento: análise de desempenho. Nov/1993, p. 3. Disponível em: <http://www.bvsde.paho.org/bvsacg/e/fulltext/planasa/planasa.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2014).

47 Ver: Resolução nº 2.444, de 14 de novembro de 1997. Disponível em:

<http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?tipo=res&ano=1997&numero=2444>. Acesso em: 29 mar. 2014.

48 “Nas décadas de 80 e 90, no âmbito da crise do capitalismo global, surge nova lógica do capital,

voltado para a flexibilização da produção e do trabalho. A chamada crise das energias utópicas, com o fracasso do socialismo real, abre espaço para um novo ideário das políticas públicas. O Welfare State, cunhado por Keynes, deixa de ser referência, embora ele nunca tivesse se realizado na América Latina. Em contrapartida, o ideário neoliberal avança, principalmente como modelo para os pobres do mundo. No Brasil, passa-se a implementar a reforma do Estado, tendo o Consenso de Washington e as experiências da Inglaterra de Margaret Thatcher e dos Estados Unidos de Ronald Reagan, como referência. O Banco Mundial e o FMI fortalecem as suas atuações e passam a representar os bastiões do receituário neoliberal na América Latina”. (BORJA, Patrícia Campos (Coord.). Panorama do saneamento básico no Brasil: análise situacional dos programas e ações federais. Vol. nº 3, Brasília: Ministério das Cidades/Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, 2011, p. 33. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 10 mai. 2014).

49 Ver, por exemplo, a composição acionária da Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR).

Disponível em: <http://www.sanepar.com.br/RelacoesInvestidores/CotacaoAcoes/Maiores> Acesso em: 27 mar. 2014.

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30

Paulo.50 Alguns Municípios privatizaram os serviços, entre eles os casos que serão

objeto de estudo na seção 3.3.2 desta pesquisa.

Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso houve incentivo

governamental para esta participação privada no setor com recursos do Banco

Mundial e do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),

inclusive tendo se projetado a privatização de diversas empresas estaduais para que

estas obtivessem ganhos de capital e uma melhoria na sua capacidade de

investimento. Nessa esteira, foi firmado acordo entre o governo brasileiro e o Fundo

Monetário Internacional (FMI), objetivando incentivar a privatização dos serviços de

água e esgoto.51 Para cumprir estes acordos firmados, em 2001, o governo federal

apresentou proposta de um novo marco regulatório para o setor através do Projeto

de Lei nº 4.147/2001.

Para Dinorá Adelaide Musetti Grotti “essa concepção de atuação

governamental traduzia tendências internacionais que vinham se fortalecendo desde

o final da década de 80 em vários países e tentava incutir ao setor o modelo do

Estado Mínimo”.52

Mais uma vez a FNSA se opôs ao projeto que acabou sendo retirado de

tramitação em 2002.53

Há que se ressaltar que este período de turbulência política no setor foi o de

menor investimento, motivo pelo qual existem aqueles que afirmam que esta falta de

investimentos do “governo FHC” tinha cunho privatizante. Nos artigos publicados na

sua coluna na Folha de São Paulo, Luís Nassif chegou a batizar tal estratégia de

"critério Herodes de privatização" ou “privatização selvagem”, com o objetivo de

"paralisar investimentos e inviabilizar todas as companhias para privatizá-las, à custa

do aumento da mortalidade infantil".54

Porém, o mencionado “cunho privatizante” não parece ser o principal motivo

para a redução de investimentos no setor, mas sim a ausência de um Marco

50

ARRETCHE, Marta Teresa da Silva. Federalismo e relações intergovernamentais no Brasil: a reforma dos programas sociais. In: Revista de ciências sociais. Rio de JANEIRO. Vol. 45, nº 3, p. 431-457, 2002, p. 438.

51 Ver: GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A evolução jurídica do serviço público de saneamento

básico. cit., p. 27. 52

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Idem, p. 27. 53

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Idem, p. 28. 54

NASSIF, Luís. O mercado e o saneamento. Folha de São Paulo, São Paulo, 1 nov. 2000. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0111200008.htm>. Acesso em: 24 abr. 2014.

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Regulatório que definisse a titularidade dos serviços nas áreas de Região

Metropolitana e de regras claras para delimitar a forma de participação dos diversos

agentes envolvidos no setor (empresas estatais, concessionárias privadas,

entidades reguladoras, usuários entre outros), bem como a falta de um planejamento

efetivo dos serviços com vistas à sua universalização.

A inexistência de regras jurídicas claras para o setor de saneamento

ocasionou o vencimento de inúmeros contratos firmados na década de 70 (prazo

médio de 30 anos), levando a prestação dos serviços para uma condição jurídica de

precariedade e com isso prejudicando ainda mais a aplicação de novos

investimentos no setor, que continuou sendo regido pelas regras do antigo

PLANASA, só revogadas pela Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007.

Os investimentos em saneamento, que durante toda a década de 1970

chegaram a representar 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), caíram para 0,2% do

PIB durante a década de 1980, chegando, em alguns anos da década de 1990

(1993-1994), a representar menos que 0,1% do PIB.55

Com a assunção do governo pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva o

saneamento passou a ser tratado como prioridade, motivo pelo qual foi criado o

Ministério das Cidades, com o objetivo de resgatar o caráter público da gestão do

setor.56

Para tanto, o governo federal, por iniciativa do Poder Executivo, apresentou

o Projeto de Lei nº 5.296/2005, este fruto de ampla discussão popular. Contra o PL,

que prejudicava as Companhias Estaduais na prestação dos serviços, se insurgiu o

Fórum de Secretários Estaduais de Saneamento que apresentou como alternativa,

na defesa dos interesses dos Estados, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº

155/2005.

55

“Diante dessa necessidade, é importante destacar que, após o auge do Planasa (década de 1970), os investimentos em saneamento básico (como parcela do PIB) reduziram-se significativamente, conforme ilustrado no Gráfico 22. Tal queda só foi revertida durante a década de 1990. De 1995 a 1998, a parcela do PIB referente aos investimentos no setor elevou-se sensivelmente, mas voltou a se retrair em 1999. A partir de então, manteve-se praticamente constante ao longo do tempo. Na primeira metade da década de 2000, o investimento médio anual foi de 0,20% do PIB e em nenhum ano foi alcançada a meta considerada ideal para a universalização do acesso aos serviços”. (SAIANI, Carlos César Santejo; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Evolução do acesso a serviços de saneamento básico no Brasil (1970 a 2004). Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 1 (38), p. 79-106, abr. 2010, p. 104. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ecos/v19n1/a04v19n1.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2014).

56 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A evolução jurídica do serviço público de saneamento básico.

cit., p. 28.

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O projeto formulado pelo Fórum dos Secretários Estaduais de Saneamento,

em conjunto com a Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais

(AESBE), foi aprovado por unanimidade em duas comissões e tramitava no Senado

em fase mais avançada do que o PL nº 5.296/2005, de iniciativa do governo na

Câmara.57

Por contrariar alguns pontos centrais da proposta governista, a aprovação da

proposta dos estadualistas representaria uma derrota para as pretensões dos

municipalistas, motivo pelo qual houve pressão para a criação de uma Comissão

Mista - de deputados e senadores - para a análise e fusão dos dois projetos de lei,

do que resultou o projeto substitutivo do relator Julio Lopes (PP/RJ), PLS nº

219/2006.58

Renomeado de PL nº 7.361/2006, o projeto das diretrizes nacionais para o

saneamento básico (Marco Regulatório do Saneamento Básico) foi aprovado em

dezembro de 2006, com sanção da Lei nº 11.445, em 5 de janeiro de 2007.

Ainda no mês de janeiro de 2007, numa das medidas do Plano de

Aceleração do Crescimento (PAC),59 em 17 de janeiro, entrou em vigor o Decreto nº

57

“Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Aldo Rebelo e Renan Calheiros, instalaram nesta terça-feira (30) a comissão mista destinada a sistematizar os projetos de lei sobre saneamento em tramitação nas duas Casas do Congresso. Com prazo de 30 dias para concluir seus trabalhos, a comissão será composta de seis senadores e seis deputados. Uma política nacional de saneamento básico foi recentemente objeto de discussão na Câmara, mas os deputados não chegaram a um acordo para a votação de um projeto. Estados e municípios brasileiros, assim como entidades da sociedade civil, também não concordaram sobre uma política nacional de saneamento, discordando, sobretudo, em itens como a participação da iniciativa privada, os meios de fiscalização, as regras e os objetivos da gestão dos serviços. [...]. A comissão mista está sendo criada justamente para encontrar um ponto de equilíbrio entre algumas propostas de um marco regulatório para o saneamento básico do país - disse. Renan lembrou que no Senado está em tramitação o Projeto de Lei (PLS) 155/2005, de autoria do senador Gerson Camata (PMDB-ES), que é relatado pelo senador César Borges. Outra proposta, o PL 5.296/2005, em tramitação na Câmara dos Deputados, tem como relator o deputado Júlio Lopes e teve origem no próprio governo federal. O projeto do Senado, disse Renan, tem o apoio dos governos estaduais. O projeto do Executivo, em tramitação na Câmara, segundo entendimento dos secretários estaduais, rompe com o sistema atual, trazendo um relativo centralismo federal ao propor a criação do Sistema Nacional do Saneamento (Sinasa), e traz ‘uma dose de complexidade técnica e jurídica’, disse Renan”. (BRASIL, Senado Federal. Renan e Aldo instalam comissão mista de saneamento. Agência Senado, 30 mai. 2006. Disponível em: <http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2006/05/30/renan-e-aldo-instalam-comissao-mista-de-saneamento>. Acesso em: 31 mar. 2014.

58 SOUSA, Ana Cristina Augusto de; COSTA, Nilson do Rosário. Incerteza e dissenso: os limites

institucionais da política de saneamento brasileira. In: Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro: v. 47, nº 3, mai./jun. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-76122013000300003&script=sci_arttext>. Acesso em: 31 mar. 2014.

59 O Plano de Aceleração do Crescimento foi instituído pelo governo federal em 27 de janeiro de

2007, pelo Decreto nº 6.025. (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6025.htm>. Acesso em: 31 mar. 2014).

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6.017, que regulamentou a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005. Com base nesta Lei

e Decreto fica autorizada a gestão associada entre entidades públicas para a

prestação dos serviços de água e esgoto, possibilitando a contratação das

Companhias Estaduais de Saneamento por dispensa de licitação.

Depois de mais de três décadas desde a edição do PLANASA, foi

implementado o Marco Regulatório do Setor de Saneamento pela Lei nº

11.445/2007, regulamentada pelo Decreto nº 7.218, de 23 de junho de 2010.

A meta do governo federal é acabar com os déficits dos serviços de água e

esgoto (universalização dos serviços), ao custo estimado de R$ 420 bilhões a serem

investimentos nos próximos 20 anos.60

Com este objetivo, na cerimônia de abertura da 5ª. Conferência Nacional

das Cidades, realizada no dia 20 de novembro, a Presidente da República, Dilma

Rousseff, assinou o Decreto 8.141/2013, determinando à aprovação do Plano

Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB).61

Este plano prevê alcançar nos próximos 20 anos 99% de cobertura no

abastecimento de água potável, sendo 100% na área urbana; e de 92% no

esgotamento sanitário, sendo 93% na área urbana.

2.2.2 Os Déficits Sanitários Brasileiros

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento

(SNIS), em 2012, somente 48,3% da população tinha acesso à rede de esgotamento

sanitário e 82,7% acesso à água tratada. Do total de esgoto gerado, apenas 38,7%

era tratado. Porém, se levado em consideração apenas as áreas urbanas, os índices

60

UOL Notícia Economia. País terá de investir R$ 420 bi em saneamento até 2030, diz ministério. São Paulo. 30 out. 2012. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2012/10/30/pais-tera-de-investir-r-420-bi-em-saneamento-ate-2030-diz-ministerio.jhtm>. Acesso em: 24 mar. 2014.

61 “O Plansab conta com investimentos estimados de R$ 508 bilhões entre 2013 e 2033 e prevê

metas nacionais e regionalizadas de curto, médio e longo prazos, para a universalização dos serviços de saneamento básico. O plano nacional deve abranger o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, o manejo de resíduos sólidos e de águas pluviais [...]”. (BRASIL, Portal. País terá Plano Nacional de Saneamento Básico. Agência Brasil. Brasília: 6 dez. 2013. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/saude/2013/12/pais-tera-plano-nacional-de-saneamento-basico>. Acesso em: 29 mar. 2014.

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de atendimento com água e esgoto sobem, respectivamente para 93,2% e 56,1%, o

que externa um grande déficit de serviços também nas áreas rurais.62

Estudo divulgado pelo Instituto Trata Brasil sobre a prestação de serviços de

água e esgoto nas 81ª maiores cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes,

revela que, apesar do avanço de 4,5% no atendimento de coleta de esgoto e de

14,1% no tratamento de esgoto entre 2003 e 2008, ainda se está muito distante de

uma situação ideal.63

Observando os dados coletados no SNIS 2011, nas 100 maiores cidades do

Brasil vivem 78 milhões de habitantes (aproximadamente 40% da população

brasileira), sendo que destes quase 92% tinham acesso à água potável, mas

somente 38,5% a esgotamento sanitário tratado. Assim, mais de 6 milhões de

habitantes ainda não tinham acesso a água tratada e somente estas cidades são

responsáveis pelo lançamento diário na natureza de quantidade de esgoto “in

natura” equivalente a 3.500 piscinas olímpicas.64

Das 100 maiores cidades brasileira, apenas 23 delas ofereciam água tratada

a 100% de sua população, entre elas figurando 9 capitais: Belo Horizonte/MG, Boa

Vista/RR, Curitiba/PR, Florianópolis/SC, Goiânia/GO, Palmas/TO, Porto Alegre/RS,

São Paulo/SP e Vitória/ES. Outras capitais situaram-se em patamar muito próximo

dos 100%: Cuiabá/MT, 99,7%, Brasília/DF, 99,4%; e Aracaju/SE, 99,1%. Apenas 36

das 100 cidades possuíam índice de coleta de esgoto superior a 80% da população,

sendo que somente 10 delas possuíam índice de tratamento de esgoto superior a

80%. Sorocaba, Niterói, São José do Rio Preto, Jundiaí, Curitiba, Limeira, Ribeirão

Preto, Londrina, Maringá e Petrópolis.65

O déficit é ainda mais severo quando analisada a situação das áreas rurais,

onde, “aproximadamente, 8,8 milhões de brasileiros não possuem acesso adequado

62

BRASIL, Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos – 2012. Brasília: SNSA/MCIDADES, 2014, p. 15. Disponível em: <http://www.snis.gov.br/PaginaCarrega.php?EWRErterterTERTer=103>. Acesso: 26 mai. 2014.

63 Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/pdfs/ranking-81-cidades-

release_final.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2014. 64

INSTITUTO Trata Brasil. Ranking do saneamento. Setembro/2013. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento>. Acesso em: 2 abr. 2014.

65 BRASIL, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Sistema nacional de informações

sobre saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos – 2011. Brasília: MCIDADES. SNSA, 2013, p. XXII. Disponível em: <http://www.snis.gov.br/PaginaCarrega.php?EWRErterterTERTer=101>. Acesso: 26 mar. 2014.

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a abastecimento de água, enquanto 3,3 milhões de habitantes das áreas urbanas

encontram-se na mesma situação”.66

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de

2008, 7,36% dos domicílios brasileiros não possuem canalização interna

hidrosanitária e 3,88% não possuem sequer banheiro ou sanitário. Dos domicílios

sem canalização interna de água no País, aproximadamente 2,8 milhões situam-se

em áreas rurais, o que corresponde à cerca de 67,6% desse déficit total, distribuído

por macrorregião da seguinte forma: 2,8 milhões de domicílios na Região Nordeste;

850 mil na Norte; 400 mil na Sudeste; 120 mil na Sul; e 97 mil na Centro-Oeste. A

falta de banheiros também se concentra nas áreas rurais, atingindo cerca de 1,7

milhões de residências sem uma instalação adequada onde os moradores possam

dispor seus dejetos.67

Embora as pesquisas apontem que a maioria da população brasileira já tem

acesso aos serviços de água e esgoto, o déficit sanitário ainda é muito grande e

provoca a contaminação do solo, de rios e praias, com impactos diretos na saúde da

população, no meio ambiente e na economia do País.

Por este motivo, o Brasil se comprometeu com a meta de objetivo de

desenvolvimento do milênio fixada pela ONU para reduzir o déficit dos serviços de

saneamento básico em 50% entre os anos de 1990 e 2015.68

Apesar dos reconhecidos avanços do Brasil nesta última década, o país é o

quarto mais desigual em distribuição de renda da América Latina, ocupando apenas

a 19ª posição geral em atendimento de saneamento básico, sendo as cidades

intermediárias as menos favorecidas neste quesito.69

66

MORAES, Luiz Roberto Santos (Coord.). Panorama do saneamento básico no Brasil: análise situacional do déficit em saneamento básico. Vol. nº 2, Brasília: Ministério das Cidades/Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, 2011, p. 117. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 10 mai. 2014.

67 BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Pesquisa nacional por amostra

de domicílios. Volume 29, Rio de Janeiro, p. 1-129, 2008, Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2008/brasilpnad2008.pdf>. Acesso em:5 abr. 2014.

68 Cf. nota 3.

69 TABAK, Bernado. Brasil avança, mas é quarto país mais desigual da América Latina, diz ONU.

Portal G1 Brasil, Rio de Janeiro, 21 ago. 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/08/brasil-avanca-mas-e-quarto-pais-mais-desigual-da-america-latina-diz-onu.html>. Acesso em: 23 mar. 2014.

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36

A Organização Mundial da Saúde (OMS/UNICEF) atesta que o Brasil é o 9º

colocado no ranking mundial “da vergonha”, com 13 milhões de habitantes sem

acesso a banheiro no domicílio.70

No contexto mundial, o Brasil ocupa a 112ª posição num ranking de

saneamento entre 200 países. O índice brasileiro em 2011 era inferior às médias da

América do Norte e da Europa e de alguns países do Norte da África e Oriente

Médio, como é o caso do Equador, Chile, Honduras e Argentina. O reflexo disso se

verifica na saúde, mais especificamente na taxa de mortalidade infantil do país (12,9

mortes por 1.000 nascidos vivos em 2011), que é bem mais elevada que a média

mundial ou que as taxas de mortalidade infantil de Cuba (4,3‰), Chile (7,8‰) e

Costa Rica (8,6‰). Outro reflexo é a longevidade da população brasileira que tem

expectativa de 73,3 anos (2011), menor que a média da América Latina (74,4

anos).71

Estes problemas são motivados por alguns fatores técnicos, políticos e

estruturais, pois antes das diretrizes fixadas em 2007, a última política instituída por

Lei para o setor ocorreu na década de 70, com o PLANASA. Esta lacuna gerou

insegurança jurídica para a realização de investimentos e contratações no setor,

conforme constatam Alceu de Castro Galvão Junior e Wanderley da Silva Paganini:

Diversos são os fatores responsáveis pelo déficit dos serviços de água e esgoto no país. Dentre eles, podem ser mencionadas a fragmentação de políticas públicas e a carência de instrumentos de regulamentação e regulação (NASCIMENTO; HELLER, 2005) e insuficiência e má aplicação de recursos públicos. De fato, desde o final dos anos 1980, com a extinção do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), o país não dispõe de política setorial consistente, apesar dos esforços do governo federal mediante a criação do Ministério das Cidades e da Secretaria Nacional de Saneamento a partir de 2003.

72

70

UOL Notícia Cotidiano. No Brasil, 13 milhões de pessoas não possuem banheiro em casa; país é 9° em "ranking mundial da vergonha”. São Paulo. 27 jul. 2010. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2010/07/27/no-brasil-13-milhoes-de-pessoas-nao-possuem-banheiro-em-casa-pais-e-9-em-ranking-mundial-da-vergonha.htm>. Acesso em: 4 abr. 2014.

71 INSTITUTO Trata Brasil; CONSELHO Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.

Benefícios econômicos da expansão do saneamento. Book: principais resultados do estudo qualidade de vida produtividade e educação valorização ambiental. Março de 2014, p. 8. Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/estudo-beneficios-da-expansao-do-saneamento-brasileiro>. Acesso em: 22 abr. 2014.

72 GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; PAGANINI, Wanderley da Silva. Aspectos conceituais da

regulação dos serviços de água e esgoto no Brasil. In: Engenharia Sanitária Ambiental. Fortaleza, v. 14, n. 1, p. 79-88, jan./mar., 2009, p 79-80. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-41522009000100009>. Acesso em: 23 abr. 2014.

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37

Constata-se, portanto, que existe um atraso no atendimento da população

com os serviços de água e esgoto, fruto da conjunção de diversos fatores técnicos,

jurídicos, políticos e econômicos. Estes déficits produzem efeitos nos direitos sociais

dos cidadãos e também na economia brasileira, motivo pelo qual a universalização é

premente, especialmente pelos seus reflexos nos desenvolvimentos humano e

nacional.

2.3 OS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO E O DESENVOLVIMENTO

Não há dúvida de que o Brasil atingiu um patamar razoável de crescimento

econômico, figurando atualmente como a sétima maior do mundo e acumulando nos

últimos doze meses anteriores a esta pesquisa, um PIB de 2,391 trilhões de dólares,

conforme estudo do Economist Intelligence Unit, ligado à revista britânica The

Economist.73

Porém, o conceito de crescimento econômico que inicialmente era tido como

meio e fim do desenvolvimento, sofreu transformações nos últimos anos, pois os

índices quantitativos atrelados ao crescimento econômico (PIB, PNB, Renda “Per

Capita”, entre outros) não mais absorvem os índices qualitativos que são

necessários para quantificar o desenvolvimento de uma nação.

Como destaca Adriana da Costa Ricardo Schier:

[...] o desenvolvimento passa a ser qualificado pelo adjetivo humano. Com efeito, enquanto o referencial utilizado na década de 50 para classificar os países era baseado no grau de industrialização, desde 1990, por influência da obra de Amartya Sen, por todos, a classificação de um país desenvolvido, em desenvolvimento e subdesenvolvido baseia-se na expectativa de vida ao nascer, na educação e no PIB per capita. É o chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

74

73

COSTA, Ana Clara. PIB fraco faz Brasil perder posto de 6ª economia do mundo. Veja Economia, São Paulo, 31 ago. 2012. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/pib-fraco-faz-brasil-perder-posto-de-6a-economia-do-mundo>. Acesso em: 2 abr. 2014.

74 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Serviço público como direito fundamental: mecanismo de

desenvolvimento social. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder (Coord.). Globalização, direitos fundamentais e Direito Administrativo: novas perspectivas para o desenvolvimento econômico e socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, p. 285-296, 2011, p. 289.

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38

Por esse motivo as Nações Unidas passaram a mensurar o desenvolvimento

a partir de uma perspectiva mais humana e social, passando a usar a expressão

“desenvolvimento humano” como indicador de qualidade de vida e do bem estar das

pessoas e grupos de forma equânime e da expansão de suas capacitações e

funcionamentos com vistas à manutenção das condições da vida no planeta.75

Destaca-se que o crescimento econômico tem a sua importância para

retroalimentar a economia, de modo a gerar renda para a população e,

consequentemente, receita para que o governo possa investir na área social e

ambiental, itens que incorporam o desenvolvimento junto ao crescimento.

Sobre a relação entre o crescimento e o desenvolvimento aponta Amartya

Sen:

As recompensas do desenvolvimento humano, como vimos, vão muito além da melhora direta da qualidade de vida, e incluem também sua influência sobre as habilidades produtivas das pessoas e, portanto, sobre o crescimento econômico em uma base amplamente compartilhada. [...] Ademais, existem provas consideráveis de que a melhora nos serviços de saúde e na nutrição também tornam a força de trabalho mais produtiva e bem remunerada.

76

Apesar da boa situação econômica, atualmente o Brasil ocupa apenas a 85ª

posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),77 fator que,

mesmo diante da posição conquistada entre as maiores economias do mundo, lhe

impõe a condição de país subdesenvolvido.

75

Segundo Sakiko Fukuda-Parr: “O desenvolvimento humano é motivado pela busca da liberdade, do bem estar e da dignidade dos indivíduos em todas as sociedades, preocupações essas que não estão presentes nos conceitos de desenvolvimento social, de formação de capital humano e de necessidades básicas. A abordagem do desenvolvimento humano também afirma que todas as capacitações ampliam as liberdades humanas ao mesmo tempo que incentiva o desenvolvimento de toda a gama dessas capacidades, bem como a conquista das liberdades sociais, que não podem ser exercidas sem a garantia dos direitos civis e políticos”. (Introdução ao desenvolvimento humano: conceitos básicos e mensuração. PUC Minas Virtual. Disponível em: <http://www.soo.sdr.sc.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=108&Itemid=20.6>. Acesso em: 5 abr. 2014).

76 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. Revisão

técnica de Ricardo Dominelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 191. 77

PNUD Brasil. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório do desenvolvimento humano 2013. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2011_PT_Complete.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2014.

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39

Esta situação fez com que Jessé Souza comentasse que “em países como o

Brasil só se pensa na dimensão material que se mede em dinheiro ou PIB”.78

Um dos componentes do IDH de um país é o saneamento básico, do qual

dependem diretamente a melhoria das condições de saúde pública e do meio

ambiente, com reflexos na economia.79

Os serviços de água e esgoto produzem externalidades positivas na saúde

pública, pois a elevação nos níveis de atendimento com estes serviços influencia

drasticamente na redução dos índices de mortalidade infantil e no aumento da

expectativa de vida da população, com expressiva redução nos gastos hospitalares

e impactos na educação e na capacidade de trabalho.

Estes investimentos impactam também na melhoria da qualidade do

biomeio, em razão da redução de lançamentos de esgotos “in natura” nos rios e

praias, com impactos econômicos no turismo e na diminuição de custos com

tratamento de água captada para abastecimento.

Como adverte Daniel Ferreira, “o desenvolvimento é triplamente sustentável

– no viés econômico, social e ambiental – ou não é desenvolvimento”.80

Tal conclusão aplica-se diretamente ao saneamento básico, já que a

universalização do acesso aos serviços de água e esgoto tem reflexos nestes três

aspectos do desenvolvimento nacional.

Motivado pelos graves problemas sociais existentes no país, o governo

brasileiro, seguindo os regimes de proteção social de caráter universal

desenvolvidos nas sociedades capitalistas a partir do chamado Estado de Bem-Estar

Social, adotou na Constituição Federal de 1988 a opção político-jurídica de buscar o

desenvolvimento e o bem estar social da população, com vistas à concretização de

uma sociedade justa e solidária.

78

SOUZA, Jessé (Org.). A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 31. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/68591327/SOUZA-Jesse-A-Rale-Brasileira-quem-e-e-como-vive>. Acesso em 21 mar. 2014.

79 Para Taiane Lobato de Castro “o saneamento público não pode ser concebido de forma

dissociada das noções de saúde, meio ambiente e água, pois aquele será o genuíno instrumento de realização destes”. (Os princípios legais do saneamento básico: uma análise do artigo 2º da Lei nº 11.445/2007. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 49-68, 2011, p. 58).

80 FERREIRA, Daniel. A licitação pública no Brasil e sua nova finalidade legal: a promoção do

desenvolvimento nacional sustentável. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 52.

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40

Atender a universalidade dos cidadãos brasileiros é o principal objetivo do

marco jurídico implementado pelo governo em 2007, constando da Lei como

princípio fundante da política pública implementada.

Isto porque se trata de princípio fundamental para a consecução dos direitos

fundamentais da pessoa humana, em razão dos impactos gerados na vida, na

saúde, no meio ambiente e na economia.

Bem destacam Alceu de Castro Galvão Junior e Wanderley da Silva

Paganini que “o acesso aos serviços de saneamento básico é condição fundamental

para a sobrevivência e dignidade humana”.81

Mais adiante, quando se abordar sobre a opção do legislador por enquadrar

os serviços de saneamento básico como serviço público, será demonstrada esta

ampla relação dos serviços de água e esgoto com a realização dos direitos

fundamentais e com a consecução do princípio da dignidade humana.

Acerca da política pública e do marco legal implementado em 2007 pelo

governo federal e do potencial de seus instrumentos voltados para a promoção da

universalização com equidade e modicidade tarifária, será abordado no último

capítulo desta pesquisa.

Tal análise é importante para apontar as potencialidades efetivas do Direito

na contribuição para a reversão do atual quadro deficitário na prestação dos serviços

de água e esgoto no Brasil

Já alertava Norberto Bobbio que “o problema fundamental em relação aos

direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”.82

Antes, porém, há a necessidade de destacar os efeitos da universalização

destes serviços na área social e na economia do país, visando a inclusão social e a

cidadania.83

81

GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; PAGANINI, Wanderley da Silva. Op. cit., p. 79. 82

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 23.

83 Adota-se aqui o “sentido amplo” de cidadania de José Afonso da Silva: “A cidadania está aqui num

sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como base e meta essencial do regime democrático”. (Curso de Direito Constitucional positivo. 36ª ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional nº 71, de 29.11.2012. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 106-107).

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2.3.1 Os Impactos do Acesso aos Serviços de Água e Esgoto

O consumo de água sem tratamento e a falta de instalações sanitárias

aumenta os riscos de transmissão de doenças. Muitas vezes os dejetos são

lançados diretamente nos rios, de onde é retirada a água para consumo da

população, situação que é responsável pelo aumento das taxas de mortalidade,

especialmente infantil, em decorrência de diarréias, cólera, febre tifóide e hepatite.84

O atendimento com os serviços de coleta e tratamento de esgotos também

produz reflexos diretos no biomeio, estes motivados pela retirada de toneladas de

esgotos que são despejados diariamente nos rios brasileiros, com impactos sobre a

pesca, subsolo, turismo e até sobre o próprio abastecimento de água que tem o

custo de tratamento reduzido pela melhora das condições dos recursos hídricos.

No Brasil, anualmente, 217 mil trabalhadores precisam se afastar de suas

atividades em decorrência de problemas gastrintestinais causados pela falta de

saneamento básico, sendo que cada um destes afastamentos impacta, em média,

na perda 17 horas de trabalho/ano.85

Em 2013, dos 340,2 mil pacientes internados por essas infecções, 2.135

morreram no hospital, pelo que se estima que essa quantidade poderia cair a 1.806

casos, numa redução de 329 mortes se houvesse acesso universal aos serviços de

água e esgoto, numa redução de 15,5% na mortalidade por essa causa.86

No ano de 2011 a falta de esgotamento sanitário foi responsável pelo

internamento, no Brasil, de 396.048 pessoas por diarréia, sendo que 138.447 delas

foram crianças menores de 5 anos. A probabilidade de uma pessoa com acesso a

84

“Por atingir principalmente as crianças até cinco anos de idade, têm efeito devastador no crescimento e no desenvolvimento de aptidões, uma vez que levam à desnutrição e a situações de fragilidade que deixam os organismos dessas crianças sem defesa para outras doenças”. (PHILIPPI JR, Arlindo; MARTINS, Getúlio. Águas de abastecimento. In: PHILIPPI JR, Arlindo (Edit.). Saneamento, saúde e ambiente: fundamentos para um desenvolvimento sustentável. Barueri, SP: Manole, p. 117-180, 2005, p. 153).

85 INSTITUTO Trata Brasil; FUNDAÇÃO Getúlio Vargas. Benefícios Econômicos da Expansão do

Saneamento Brasileiro. FGV/Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), Julho/2010, p. 18 - 20. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/pesquisa7/pesquisa7.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2014.

86 Ver mais detalhes em: INSTITUTO Trata Brasil; CONSELHO Empresarial Brasileiro para o

Desenvolvimento Sustentável. Idem, p. 25-28. Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/estudo-beneficios-da-expansao-do-saneamento-brasileiro>. Acesso em: 22 abr. 2014.

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rede de esgoto faltar as suas atividades normais por diarréia é 19,2% menor que

uma pessoa que não tem acesso à rede.87

A falta de melhores condições sanitárias no Brasil também é responsável por

uma diferença de aproveitamento escolar em torno de 18% entre crianças com e

sem acesso a saneamento básico, assim como por cerca de 11% das faltas dos

trabalhadores ao serviço, decorrentes de problemas causados por esse déficit

sanitário.88

Para Luciana Ferreira:

O acesso à água potável é inseparável do direito ao melhor estado de saúde possível. Os Estados só conseguirão atingir as metas previstas nos parágrafos desse artigo se fornecerem água potável e criarem condições adequadas de saneamento. A disponibilidade de água potável reduz sensivelmente a mortalidade infantil e o risco de várias doenças relacionadas com a água contaminada.

89

José Eli da Veiga alerta para o risco de “ecocídios” gerados pela falta de

água limpa, bem como para as diferenças que afetam os povos ricos e pobres em

relação ao acesso à água. Destaca este autor que: “Para necessidades básicas –

como beber, cozinhar, ou cuidar da higiene –, a falta de acesso, com graves

consequências para a saúde pública, atinge hoje 1 bilhão de habitantes dos países

periféricos e no máximo 50 milhões nos centrais”.90

O abastecimento de água e o esgotamento sanitário estão inseridos entre os

objetivos do milênio de proteção do meio ambiente e da qualidade de vida.

Porém, os efeitos positivos destes serviços ultrapassam o objetivo 7, e

refletem em outras searas, exercendo influência direta nos meios elementares para

87

KRONEMBERGER, Denise. Análise dos impactos na saúde e no sistema único de saúde decorrentes de agravos relacionados a um esgotamento sanitário inadequado dos 100 maiores municípios brasileiros no período 2008-2011. Janeiro/2013. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/doencas-x-saneamento-2>. Acesso em: 5 abr. 2014.

88 NERI, Marcelo Cortes (Coord.). Trata Brasil: saneamento e saúde. Rio de Janeiro: FGV/IBRE,

Centro de Pesquisas Sociais (CPS), 2007. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/pesquisa2/texto_principal.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2014.

89 FERREIRA, Luciana. Do acesso à água e do seu reconhecimento como direito humano. In:

Revista de Direito Público, Londrina: v. 6, n. 1, p. 55-68, jan./abr. 2011, p. 61. 90

VEIGA, José Eli da. A emergência socioambiental. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007, p. 69.

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a sobrevivência humana e sobre o equilíbrio do meio ambiente e o desenvolvimento

social.91

Estes impactos do acesso aos serviços de água e esgoto tem reflexos

diretos na economia. Dela decorrem a geração de empregos e renda, a valorização

imobiliária, efeitos positivos no turismo, no emprego e na saúde pública.

Como demonstrado, a universalização dos serviços de água e esgoto

implica na economia de R$ 309 milhões por ano em horas pagas e não trabalhadas

pela falta dos trabalhadores decorrente de infecções gastrintestinais por falta do

serviço de esgoto no Brasil. O acesso à rede de esgoto ainda reduz o risco de que

estes adoeçam por diarréia e impacta na produtividade do trabalhador, aumentando-

a em de 13,3%, com crescimento da sua renda na mesma proporção.92

91

“Um exercício possível, no sentido de avaliar essas relações, consiste em interpretar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), a partir da perspectiva do papel do abastecimento de água e esgotamento sanitário. Ao se desenvolver esse raciocínio, com certa facilidade observa-se que não apenas o Objetivo 7 e sua Meta 10 estão relacionados à área, mas quase todas as demais, conforme a seguir: Erradicar a pobreza extrema (Objetivo 1; Meta 1): a melhoria das condições de água e esgotos produz um ambiente domiciliar mais digno, melhorando a habitação e contribuindo para quebrar o ciclo entre a pobreza e o processo saúde-doença; Erradicar a fome (Objetivo 1; Meta 2): a melhoria das condições ambientais tem comprovados efeitos no combate à desnutrição infantil, mediante a redução da incidência de parasitoses e diarreia; Alcançar a universalização da educação primária (Objetivo 2): a melhoria do quadro de saúde propiciado por medidas de saneamento possibilita maior frequência das crianças à escola, e a instalação de banheiros nas escolas traz um efeito significativo na presença das meninas, que passam a ter privacidade no ambiente escolar para satisfazer suas necessidades fisiológicas; Alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher (Objetivo 3): o fornecimento de água nos domicílios, com maior disponibilidade, tem a capacidade de liberar a mulher, em geral encarregada de prover de água a famílias carentes, para a vida produtiva, valorizando seu papel; Reduzir a mortalidade infantil (Objetivo 4): é perfeitamente comprovado o efeito das ações de abastecimento de água e esgotamento sanitário na redução da mortalidade infantil; Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças (Objetivo 6): o papel das ações de WSS na redução dos níveis de doenças infecciosas e parasitárias é tema suficientemente aceito pela comunidade científica. Especificamente, avaliações têm evidenciado a relação do saneamento com as doenças destacadas nos ODM: HIV/AIDS, pois a ausência de adequadas condições sanitárias eleva o risco de infecções oportunistas, além do que, a doença aumenta a susceptibilidade individual para as doenças relacionadas com a água [...]”. (HELLER, Léo. Política pública e gestão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário e suas interfaces: a perspectiva da saúde pública. In: HELLER, Léo; CASTRO, José Esteban (Org.). Política pública e gestão de serviços de saneamento. Ed. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 179-195, 2013, p. 182-183.

92 “[...] 217 mil trabalhadores foram afastados de suas atividades em razão de infecções intestinais.

Segundo essas informações, a cada afastamento por infecção, um trabalhador fica longe do emprego por 3,1 dias em média. Levando em conta que a jornada média desses trabalhadores é de 39,1 horas na semana (ou 5,6 horas/dia), a cada afastamento perde-se 17 horas de trabalho se afastaram por este motivo e a cada afastamento perde-se 17 horas de trabalho. Considerando o valor médio da hora de trabalho no país de R$ 5,70, chega-se a um custo de R$ 95,76 reais por afastamento que, multiplicado pelo número de empregados afastados por infecções intestinais, leva a um valor global de R$ 21 milhões a cada duas semanas. Num ano, são despendidos R$ 547 milhões em horas pagas, mas não-trabalhadas. As informações foram relacionadas com um conjunto de variáveis que podem interferir na frequência de afastamentos, permitindo a

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Recente estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil concluiu que o acesso

universal à rede de esgoto e à água tratada possibilitaria uma redução de 23% no

número total de dias de afastamento por diarréia, que passariam de 849,5 mil para

algo em torno de 654 mil. Isso implicaria uma redução de custo de R$ 258 milhões

por ano. Concluiu-se também que trabalhadores sem acesso à coleta de esgoto

ganham salários, em média, inferiores aos daqueles que moram em locais com

coleta de esgoto e que a falta de acesso à água tratada impõe uma perda média de

4% na remuneração do trabalho, sendo que a universalização do esgoto e da água

tratada traria um acréscimo nos pagamentos equivalente a 105,5 milhões por ano.93

A prestação dos serviços de água e esgoto também é um grande

responsável pela geração de empregos diretos e indiretos.

Em 2011, os investimentos em saneamento movimentaram R$ 76,0

bilhões/ano, referente a investimentos que totalizaram R$ 8,4 bilhões, mais receitas

operacionais de R$ 35,0 bilhões e despesas de R$ 32,6 bilhões. Levando-se em

consideração o Modelo de Geração de Emprego e Renda do Banco Nacional de

Desenvolvimento Social (BNDES), estima-se que o setor saneamento brasileiro, no

ano de 2011, ao investir cerca de R$ 8,4 bilhões, gerou, aproximadamente, 444 mil

empregos, que, somados aos 198,9 mil nas atividades diretas de prestação dos

serviços somam 642,9 mil empregos diretos e indiretos e de efeito renda em todo o

país.94

identificação da magnitude dessa interferência. A análise mostrou que os moradores em residências sem acesso à coleta de esgoto têm uma probabilidade maior de afastamento de suas atividades. Já considerados os demais fatores que interferem na frequência de afastamentos, a probabilidade de uma pessoa com acesso à rede de coleta de esgoto se afastar das atividades por qualquer motivo é 6,5% menor que a de uma pessoa que não tem acesso à rede. No caso de afastamento por diarréia, a diferença é ainda maior: de 19,2%. Em outros termos, o acesso universal à rede de esgoto teria um impacto bastante considerável nos afastamentos de trabalhadores de suas ocupações, reduzindo o custo em R$ 309 milhões por ano – de R$ 546 milhões para R$ 238 milhões”. (INSTITUTO Trata Brasil; FUNDAÇÃO Getúlio Vargas. Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro. FGV/Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), Julho/2010, p. 18-20. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/pesquisa7/pesquisa7.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2014).

93 INSTITUTO Trata Brasil; CONSELHO Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.

Benefícios econômicos da expansão do saneamento. cit. Qualidade de vida produtividade e educação valorização ambiental. Março de 2014, p. 25-28. Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/estudo-beneficios-da-expansao-do-saneamento-brasileiro>. Acesso em: 22 abr. 2014.

94 BRASIL, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Sistema Nacional de Informações

sobre Saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos – 2011. Brasília: MCIDADES.SNSA, 2013. Disponível em: <http://www.snis.gov.br/PaginaCarrega.php?EWRErterterTERTer=101>. Acesso em: 22 abr. 2014.

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Já no ano de 2012, os serviços de água e esgotos movimentaram R$ 83,2

bilhões, referentes a investimentos que totalizaram R$ 9,7 bilhões, mais receitas

operacionais de R$ 39,2 bilhões e despesas de R$ 34,3 bilhões. O aumento dos

investimentos gerou 726,6 mil empregos diretos, indiretos e de efeito renda em todo

o país, sendo 209,8 mil nas atividades diretas de prestação dos serviços e 516,8 mil

gerados pelos investimentos.95

Segundo estudo do BNDES a cada 1 milhão investido em obras de

saneamento básico são gerados 161 novos postos de trabalho, sendo 42 empregos

diretos, 29 indiretos e 89 devido ao chamado efeito renda.96 Levando em

consideração somente a universalização dos serviços de esgoto (maior déficit

existente), se investidos os 11 bilhões por ano que são reivindicados pelo setor,

seriam gerados 550 mil novos empregos.97

Também há reflexo direto da universalização dos serviços de água e esgoto

na valorização imobiliária e no turismo.

Há uma diferença de 13,6%98 entre o valor de um imóvel com e outro sem

acesso ao saneamento, motivo pelo qual estima-se que a universalização do acesso

no Brasil representaria um ganho de aproximadamente R$ 178,3 bilhões para o

mercado imobiliário, sendo que boa parte desta valorização influencia diretamente

nos cofres públicos devido aos impostos arrecadados, como é o caso do Imposto

Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre a Transferência de Bens

Imóveis (ITBI), ambos de competência municipal. Estima-se que, em longo prazo,

somente a universalização dos serviços de esgotos implicaria no aumento de

95

BRASIL, Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental – SNSA. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento: diagnóstico dos serviços de água e esgotos – 2012. Brasília: SNSA/MCIDADES, 2014, p. 1. Disponível em: <http://www.snis.gov.br/PaginaCarrega.php?EWRErterterTERTer=103>. Acesso em: 22 abr. 2014.

96 NERI, Marcelo Cortes (Coord.). Trata Brasil: saneamento, educação, trabalho e turismo. Rio

de Janeiro: FGV/IBRE, Centro de Pesquisas Sociais (CPS), 2008, p. 53. Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/pesquisas-fgv>. Acesso em: 22 abr. 2014.

97 Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/situacao-do-saneamento-no-brasil>. Acesso em: 12 abr.

2014. 98

“Numa cidade não existe coleta de esgoto, o valor médio dos imóveis, a preços de 2013, é R$ 84,0 mil. Quando a cobertura atinge 50% da população, o preço médio chega a R$ 90,2 mil; com 80%, a R$ 93,9 mil; e assim por diante até atingir R$ 96,4 mil quando todos os domicílios têm acesso à rede. Esse efeito é particularmente importante para a poupança das famílias de menor rendimento, para quem a moradia é quase que exclusivamente o único ativo”. (INSTITUTO Trata Brasil; CONSELHO Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. cit., p. 20. Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/estudo-beneficios-da-expansao-do-saneamento-brasileiro>. Acesso em: 22 abr. 2014).

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arrecadação de IPTU em R$ 845 milhões por ano e de R$ 183 milhões por ano no

ITBI.99

A valorização das construções decorrente da implantação de infraestrutura

de água e esgoto implica no aumento do capital imobiliário das cidades, assim como

provoca impactos ambientais e, consequentemente, tem reflexos também na

atividade relacionada ao turismo.

A universalização dos serviços de água e esgoto impacta no turismo, com a

melhora nas condições de balneabilidade do extenso litoral brasileiro, gerando um

impacto econômico direto nas áreas de potencial turístico. É notório que os turistas

tendem a evitar áreas poluídas e contaminadas por águas residuárias, assim como,

quando resolvem residir no Brasil, optam por áreas de infraestrutura básica

implantada.

Estima-se que a universalização criaria quase 500 mil postos de trabalho em

hotéis, pousadas, restaurantes, agências de turismo, empresas de transportes de

passageiros, entre outros. Isto geraria uma renda que poderia alcançar R$ 7,2

bilhões por ano em salários e um crescimento de PIB de mais de R$ 12 bilhões para

o país, especialmente em áreas carentes de recursos no Norte e Nordeste

brasileiro.100

Além dos citados impactos na economia e na geração de empregos, a

universalização produz reflexos positivos nos direitos sociais.

A universalização dos serviços de água e esgoto tem influência direta na

redução dos gastos com saúde pública e, consequentemente, reduz a mortalidade

infantil, as faltas ao trabalho e poupa inúmeras vidas e alguns milhões para os cofres

públicos.

A diferença que o acesso aos serviços de água e esgoto para a população

provocam é notada na comparação entre o sistema de Taubaté (SP) e de

Ananindeua (PA). Enquanto o primeiro conta com atendimento de 100% da

população com água tratada e 96,59% com coleta de esgoto (16º melhor sistema

99

INSTITUTO Trata Brasil; CONSELHO Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável Idem, p. 22. Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/estudo-beneficios-da-expansao-do-saneamento-brasileiro>. Acesso em: 22 abr. 2014.

100 INSTITUTO Trata Brasil; CONSELHO Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Benefícios econômicos da expansão do saneamento. cit., p. 9. Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/estudo-beneficios-da-expansao-do-saneamento-brasileiro>. Acesso em: 22 abr. 2014.

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entre as 100 maiores cidades do país), a cidade do Pará tem apenas 26,73% da

população atendida com água tratada e 0% do esgotamento é coletado.101

A consequência é que Município de Ananindeua (PA) apresentou o pior

índice de internações por diarréias, com valores acima de 900 internações por 100

mil habitantes, enquanto Taubaté apresentou o menor índice (1,4 internações por

100 mil habitantes). Em números absolutos, Ananindeua (PA) apresentou os

maiores gastos por internação por diarréias em 2011, no total de R$ 314.459,00 por

100 mil habitantes. Taubaté (SP) é o Município com o menor gasto (R$ 721,00 por

100 mil habitantes).102

Neste comparativo se verifica, na prática, o impacto positivo da

universalização do saneamento na saúde pública com redução expressiva de gastos

públicos.

Outro exemplo prático da redução de doenças diarreicas nota-se no

comparativo entre os estudos realizados pelo Instituto Trata Brasil em 2009 e 2013.

Em 2013, segundo informações do Ministério da Saúde (DataSus), foram notificadas

mais de 340 mil internações por infecções gastrintestinais em todo o país, o menor

dos últimos anos, indicando avanços no combate às doenças intestinais infecciosas.

Foram quase 125 mil casos a menos do que o verificado em 2009, situação que

decorre dos avanços na área de saneamento do Brasil que neste período de 4 anos

elevou o atendimento com o serviço de esgotos de 40,6% para 48,7%, possibilitando

o acesso a estes serviços a 19,3 milhões de pessoas. Com a universalização do

acesso à coleta de esgoto, esse número cairia para algo em torno de 266 mil,

representando uma economia de R$ 27,3 milhões por ano para o Sistema Único de

Saúde (SUS).103

Evidente, portanto, que o acesso aos serviços públicos de saneamento

básico é um direito social previsto na Constituição e que provoca impactos sociais,

ambientais e econômicos. Por isso é fundamental adotar política de universalização

101

Dados obtidos em: INSTITUTO Trata Brasil. Ranking do Saneamento - As 100 maiores cidades do Brasil (SNIS 2011). Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento>. Acesso em: 17 abr. 2014.

102 Ver: KRONEMBERGER, Denise. Op. cit., p. 12 e 35. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/doencas-x-saneamento-2>. Acesso em: 5 abr. 2014.

103 INSTITUTO Trata Brasil; CONSELHO Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Benefícios econômicos da expansão do saneamento. cit., p. 10. Disponível em: <http://tratabrasil.org.br/estudo-beneficios-da-expansao-do-saneamento-brasileiro>. Acesso em: 22 abr. 2014.

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de forma a promover o acesso a esses serviços a todos os cidadãos, como forma de

obter o desenvolvimento (social, ambiental e econômico).

2.3.2 A Inclusão Social pelo Saneamento e o Papel das Empresas Prestadoras de

Serviço

Os impactos gerados pela universalização dos serviços de água e esgoto

refletem diretamente na cidadania, pois aquele que não possui os serviços de água

e esgoto está excluído socialmente pela falta de acesso há vários direitos

fundamentais dependentes do saneamento básico, como é o caso da saúde, da

educação, da capacidade produtiva, entre outros.

Compete ao Estado brasileiro possibilitar a todos os cidadãos brasileiros,

sem qualquer preconceito e em condições de igualdade material, o recebimento da

prestação de serviços essenciais, independente da raça, do sexo, da cor, da

condição econômica ou da região em que se encontrem. É o que determina o

modelo social implementado pela Constituição de 1988, que tem a dignidade

humana como o princípio basilar de nossa República, cabendo ao Estado garantir

aos seus administrados direitos que lhe sejam necessários para viver com

dignidade.

Aplica-se aqui o conceito de igualdade material dependente da

compatibilização de uma justiça distributiva com a justiça social para se possibilitar

uma igualdade de oportunidades para os cidadãos.104

Já restou demonstrado que aquelas pessoas que não tem acesso aos

serviços de água tratada e coleta e tratamento de esgotos estão excluídas

socialmente pelos impactos que esta condição provoca em vários direitos

fundamentais destas pessoas, com prejuízos para a cidadania.

Destaca Paulo José Villela Lomar que a universalização do acesso aos

serviços de água e esgoto é um direito de todo o ser humano residente no território

104

Ver: LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Dimensiones de la Igualdad. 2ª ed., Madrid: Dykinson, 2007, p. 61 e BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 27ª ed. at. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 391.

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nacional por se tratar “de direito fundamental de natureza social que exige prestação

ativa por parte do Poder Público para seu atendimento”.105

Para reduzir as desigualdades de acesso ao saneamento básico existentes

em nosso país existe a necessidade da aplicação de vultosos investimentos e da

cooperação dos diferentes níveis federativos, com vistas à execução de

planejamento integrado e à prestação de serviços públicos que garantam os direitos

sociais de forma universal, estimulando o consumo sustentável.

No modelo institucional atual, a consecução destes objetivos depende da

atuação das concessionárias que atuam no setor, já que são elas (Companhias

Estaduais e empresas privadas) as grandes responsáveis pela prestação de

serviços de água e esgoto no Brasil.

As Políticas Públicas devem dialogar também com o setor privado, pois o

Estado depende, por força do modelo capitalista adotado na Constituição, da

contribuição deste setor para a melhoria da sociedade da qual pertencem e retiram

seus lucros. No saneamento básico a participação da iniciativa privada é garantida

pelo art. 175 da Constituição e nas leis de concessão, das parcerias público-privadas

e de saneamento.

As empresas – estatais e privadas – têm sido ao longo dos últimos anos os

implementadores da Política Pública do governo no setor de saneamento básico,

sendo os contratos de concessão e agora de programa, instrumentos de inclusão

social pelo acesso que proporcionam aos serviços de água e esgoto.

Além disso, impactam economicamente na geração de renda e emprego,

assim como na redução de gastos públicos em certas áreas de atuação do governo,

com impactos positivos diretos e indiretos nos cofres públicos.

A atuação empresarial deve ser pautada sempre pelo cumprimento de metas

voltadas para a realização de direitos fundamentais decorrentes do objetivo de

universalização e da prestação de serviços de qualidade, respeitados os direitos dos

consumidores/usuários, os quais sempre devem se sobrepor aos interesses

econômicos do setor.

Ocorre que a questão econômica e financeira também não pode ser deixada

de lado, sob pena de inviabilizar a prestação dos serviços. Tanto é verdade que a

105

LOMAR, Paulo José Villela. Dos princípios fundamentais. In: MUKAI, Toshio (Coord.). Saneamento básico: diretrizes gerais. Comentários à Lei 11.445 de 2007. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 15.

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legislação reconhece a remuneração dos serviços de água e esgoto mediante a

cobrança de tarifas ou taxas (prestação direta), de forma a garantir o equilíbrio

econômico-financeiro dos contratos firmados com os prestadores de serviço.106

O grande desafio de compatibilizar os interesses públicos do Estado de

universalizar o acesso aos serviços de água e esgoto e os interesses privados e

empresariais de obterem lucro com a prestação dos serviços. A grande questão a

ser investigada é como fazê-lo.

É o desafio de promover o crescimento econômico vinculado aos objetivos

sociais do art. 3º da Constituição, de forma a promover desenvolvimento e

garantindo acesso aos direitos fundamentais.107

Em última análise, o acesso aos serviços de água e esgoto reflete nos

planos individual e coletivo, impactando diretamente na vida das pessoas e da

sociedade, melhorando a qualidade de vida da população.

É evidente o conteúdo econômico destes serviços, especialmente porque se

trata com bens escassos e essenciais para a vida, os quais são prestados mediante

o pagamento de tarifas pelos usuários às empresas que atuam no setor em busca

da realização de lucro.

A investigação acima decorre do interesse dos grandes conglomerados

nacionais e internacionais no setor, motivando ampla discussão acerca da

qualificação da água e do “saneamento” (esgoto) como um direito ou uma

necessidade humana, assumindo a condição de mercadoria.

106

Esta questão será tratada mais especificamente no último capítulo da dissertação, quando da análise do Marco Regulatório implementado em 2007.

107 Ver: FERREIRA, Daniel. Op. cit., p. 59.

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3. SANEAMENTO BÁSICO: UM DIREITO HUMANO E NÃO UMA MERCADORIA

A escassez da água como recurso natural e a essencialidade dos serviços

de água e esgoto têm colocado frente a frente interesses sociais e econômicos,

posto que ao mesmo tempo em que estes serviços são indispensáveis para o

desenvolvimento humano, também tem cunho econômico, o que desperta o

interesse de grandes corporações transnacionais que almejam obter lucro através da

sua exploração.

A contraposição de interesses atrelados à exploração destes serviços

essenciais fez surgir ampla discussão relacionada ao controle do uso da água,

mediante a dotação de valor econômico ou da sua transformação em commoditie

pelo movimento das privatizações, em contraposição aos interesses sociais que

nortearam o posicionamento da Organização das Nações Unidas em estabelecer a

água e o esgoto como direitos humanos.

O regime jurídico implementado no Brasil pela Constituição de 1988 permite

ao Poder Concedente decidir por prestar diretamente o serviço ou delegar a sua

gestão para empresas do Estado (gestão associada) ou ainda transferir a prestação

para a iniciativa privada mediante concessão, privatizando os serviços.108

A privatização mencionada neste capítulo é em sentido amplo e está,

portanto, mais identificada com a posição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro de que

ela

[...] abrange todas de medidas com o objetivo de diminuir o tamanho do Estado e que compreendem, fundamentalmente: [...] d) a concessão de

108

Destaca-se a posição de Alaôr Caffé Alves, para quem “não se pode falar em ‘privatização’ do serviço de saneamento básico, visto que, como serviço público privativo do Estado que é, está vinculado a certos critérios constitucionais e legais indisponíveis, e, dessa forma, não pode, terminantemente, ser caracterizado como atividade econômica. Neste sentido, não é possível passar a titularidade do serviço de saneamento básico para o setor privado. Isto significa que sua disciplina, controle e fiscalização ficam sempre sob a responsabilidade do Poder Público competente. O que este pode fazer é outorgar a terceiros, entes governamentais ou privados, mediante procedimentos específicos legalmente definidos – como, por exemplo, o contrato de concessão ou a delegação de poder (mediante lei) – o exercício das atividades executivas correspondentes à prestação dos serviços de saneamento básico, isto é, a gestão desses serviços, inclusive a execução das respectivas obras de infra-estrutura (sic)”. (Saneamento básico: concessões, permissões e convênios públicos. Bauru, SP: EDIPRO, 1998, p. 23).

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serviços públicos (com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo).

109

Diante disso, a principal questão a ser desvendada neste capítulo é a da

possibilidade de se obter uma prestação de serviço com qualidade, eficiência,

modicidade tarifária e satisfação dos interesses sociais atrelados a este serviço

essencial, mediante a atuação da iniciativa privada, ou seja, com a privatização dos

serviços de água e esgoto permitida pela legislação.

Especialmente porque os interesses da iniciativa privada, seguindo a lógica

capitalista, visam primeiramente o lucro e não o interesse comum de dar acesso a

todos, independentemente da capacidade de pagamento (interesse do Estado).

Adiante serão apresentados dados empíricos para ajudar a formar um

conceito sobre o assunto, através do estudo de alguns casos de atuação privada no

setor de saneamento básico, suas vantagens e desvantagens. Assim como casos de

sucesso e de fracasso na privatização dos serviços de água no Brasil e no mundo.

3.1 OS REFLEXOS DOS MOVIMENTOS NEOLIBERAIS NO SANEAMENTO

O período de três décadas que sucedeu a II Guerra Mundial é conhecido

como os “trinta gloriosos”, isto em razão do “Estado Providência” instituído com base

no modelo Keynesiano (Welfare State) de intervenção e controle do Estado na

sociedade e na economia, motivado pela necessidade de reconstrução dos países

europeus e do Japão.110

109

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4ª edição, São Paulo: Atlas, 2003, p. 18.

110 Segundo Silvia Ferreira: “O termo traduz o conceito anglo-saxónico de Estado de bem-estar (welfare state) sob influência do termo francês État Providence. Indica a intervenção do Estado no domínio da segurança social, do emprego, da educação e da saúde que se veio a desenhar desde inícios do séc. XIX e tem o seu ponto alto nos 30 Anos Gloriosos que se seguiram à II Guerra Mundial. O chamado Estado-Providência keynesiano, que articula políticas sociais e económicas, é o resultado da Grande Depressão da década de 1930. Keynes propunha um papel mais interventor do Estado e os EUA de Roosevelt saíam da Depressão com políticas económicas de investimento público e expansão dos programas sociais. Respondia-se, por um lado, às necessidades de crescimento económico estimulando a procura e, por outro, às exigências de segurança, saúde e bem-estar dos indivíduos e dos movimentos sociais”. (Centro de Estudos Sociais. Laboratório Associados. Universidade de Coimbra. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/index.php?id=6522&id_lingua=1&pag=7732>. Acesso em: 24 de abr. 2014.

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Com a globalização da economia e o consequente aumento do consumo, o

capitalismo voltou a ganhar força. Motivado pela crise do modelo de Estado

Providência e pelo endividamento público, ganham força as teorias baseadas no

liberalismo e na consequente intervenção mínima do Estado na economia.

Derivado das teorias lideradas pelo economista austríaco Friedrich Auguste

Hayek surge o movimento neoliberal que defende a teoria de um Estado Mínimo,

sob o argumento de que a intervenção do Estado limita a livre iniciativa.111

Este movimento liberal, que defende a valorização das opções do indivíduo

no que se refere às suas escolhas, ganha força no “Consenso de Washington”

formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras

situadas em Washington D.C., o qual fixa-se como marco ideológico e político de

reformas em vários campos de atividade, entre eles, na gestão dos serviços

essenciais.112

Tanto é verdade que as decisões e regras do Consenso de Washington

nortearam a política oficial do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1990,

especialmente para os países em desenvolvimento. Dentre estas regras estava a

privatização de empresas estatais, sob a justificativa de reduzir os déficits fiscais

destes países.

111

Ver: HAYEK, Friedrich Auguste. O caminho da servidão. Tradução e revisão de Anna Maria Capovilla, José Ítalo Stelle e Liane de Morais Ribeiro. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1984.

112 “Em 1989, no bojo do reaganismo e do tatcherismo máximas expressões do neoliberalismo em ação, reuniram-se em Washington, convocados pelo Institute for International Economics, entidade de caráter privado, diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O tema do encontro Latin Americ Adjustment: Howe Much has Happened?, visava a avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina. John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes. E quem cunhou a expressão ‘Consenso de Washington’, através da qual ficaram conhecidas as conclusões daquele encontro, ao final resumidas nas seguintes regras universais: 1. Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público; 2. Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura; 3. Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributário, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos; 4. Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor; 5.Taxa de câmbio competitiva; 6. Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da economia; 7. Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro; 8. Privatização, com a venda de empresas estatais; 9. Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas; 10. Propriedade intelectual”. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.cefetsp.br/edu/eso/globalizacao/consenso.html>. Acesso em: 25 abr. 2014.

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54

Na América Latina a conjugação dos ideais neoliberais com a globalização

econômico-financeira proporcionada pelos movimentos capitalistas, fez surgir uma

política de redução de gastos pelos Estados nacionais, imposta pelos organismos

internacionais de crédito.113

Este movimento começou a chegar ao Brasil em 1988, com a criação do

primeiro Programa Federal de Desestatização, instituído pelo Decreto nº 95.886, de

29 de março de 1988. Ganhou mais força no governo do Presidente Itamar Franco,

quando foram privatizadas várias empresas, entre elas a Companhia Siderúrgica

Nacional (CSN), no ano de 1993.

Porém, o período em que mais se incentivou as privatizações e de maior

influência das teorias neoliberais no Brasil ocorreu durante o governo do Presidente

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando entraram em processo de

privatização os setores das telecomunicações, de energia elétrica, de mineração,

petroquímica, entre outros. A principal privatização ocorrida foi da Companhia Vale

do Rio Doce (CVRD), no ano de 1997.

Na área do saneamento, como se observou no escorço histórico, a intenção

do governo brasileiro também foi a de deixar de lado a figura do Estado-empresário,

que foi marca do governo militar nas décadas de 70 e 80, quando os serviços de

113

“A re-introdução de muitos dos princípios do privatismo do século dezenove mediante a reforma da gestão dos sistemas de saneamento a partir da década de 1980 surge como resultado da implementação em nível internacional das políticas neoliberais motivadas pelo assim denominado Consenso de Washington. Na prática, muitas das reformas introduzidas no setor de saneamento tiveram pouco a ver com os problemas intrínsecos do setor, e foram, senão, o resultado da dinâmica imposta pelos governos centrais e as agências internacionais de financiamento, com a aceitação voluntária ou obrigada das administrações nacionais. Os princípios fundamentais deste modelo de gestão são: – o fornecimento de serviços de saneamento deveria ser transferido às empresas privadas monopolistas, com o menor grau possível de regulação. O Estado deve retirar-se da função de provedor destes serviços e exercer o papel de facilitador da gestão privada; – a concepção de que o acesso aos serviços de saneamento constitui um direito social ou é um bem público deve ser abandonada e deve-se retomar o princípio de que estes serviços são, não realidade, uma mercadoria, um bem privado que os indivíduos e famílias devem adquirir mediante um contrato com as empresas privadas e sem mediação do Estado; – a promoção da identidade social do cliente privado da água (e do ladrão de água), o que constitui uma redenção do processo iniciado no começo do século dezenove durante a época privatista, tentando deslocar a identidade do cidadão portador de direitos típico da versão liberal da cidadania, que havia predominado nas democracias capitalistas durante boa parte do século vinte; – a redução dos direitos do cidadão à dimensão civil e, em particular, a um aspecto dos direitos de propriedade privada: o direito do consumidor”. (CASTRO, José Esteban. Gestão democrática nos serviços de saneamento: caderno temático nº 9. In: REZENDE, Sonaly Cristina. (Org.). Panorama do saneamento básico no Brasil: cadernos temáticos para o panorama do saneamento básico no Brasil. Vol. nº 7. Brasília: Ministério das Cidades (editora), p. 420-452, 2011. p. 444. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 5 abr. 2014.

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água e esgoto eram atendidos exclusivamente por agentes públicos (autarquias

municipais e companhias estaduais), para se adotar uma postura mais liberal,

voltada para a atuação da iniciativa privada mediante concessões e permissões.

A Constituição de 1988 é o marco da abertura de mercado para a iniciativa

privada no setor de saneamento básico. Seguindo previsão do art. 175 da

Constituição, é editada a Lei nº 8.987 (Lei das Concessões), que passa a regular o

regime de concessões da prestação dos serviços públicos para a iniciativa privada.

O movimento privatizante no saneamento brasileiro é verificado na década

de 90, coincidindo também com a atuação (lobby) de empresas transnacionais da

água junto aos organismos internacionais, com vistas a expandir seus negócios

mediante a orientação dos movimentos neoliberais para privatização das estatais

dos países em desenvolvimento, como foi o caso do Brasil.

Em 2002, a ONU chegou a propor a qualificação da água como um bem

econômico, situação que coincide com os movimentos de privatização provocados

pela onda neoliberal que influenciava as economias mundiais naquele período,

especialmente nos países subdesenvolvidos.

A intenção de abrir o mercado no saneamento teve fundamento na

privatização do sistema britânico, ocorrida em 1989,114 assim como na abertura das

barreiras nacionais para a penetração das empresas francesas Suez Lyonnaise des

Eaux e Vivendi (ex-Générale des Eaux), na época, as líderes mundiais neste

mercado; assim como das inglesas North West Water e Thames Water.

Oscar Adolfo Sanchez destaca que estas grandes multinacionais passaram

a atuar na América Latina, obtendo concessões para operar em grandes cidades,

como Buenos Aires, Santa Fé, Córdoba e Tucumán (Argentina), Valdivia (Chile),

Bogotá (Colômbia) e na cidade do México, entre outras. Destaca também que, no

Brasil, a chegada das operadoras multinacionais teve o incentivo de setores do

governo federal, mais especificamente do Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES).115

114

AMPARO, Paulo Pitanga do; CALMON, Katya Maria Nasiaseni. A experiência britânica de privatização do setor saneamento. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 2000, p. 5. Disponível em: <https://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_0701.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2014.

115 SANCHEZ, Oscar Adolfo. A privatização do saneamento. São Paulo Perspect. Vol.15, nº.1, São Paulo, Jan./Mar. p. 89-101, 2001, p. 92. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/produtos/spp/index.php?men=rev&cod=5054>. Acesso em: 16 abr. 2014.

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Este movimento privatizante pode ser compreendido na evolução histórica

do posicionamento internacional acerca do saneamento que oscilou entre os

interesses sociais e econômicos.

3.1.1 Os Interesses Econômicos de Tornar a Água uma Commoditie

O primeiro encontro especializado em que se discutiu os problemas da água

ocorreu na Conferência Mundial das Nações Unidas realizada em março de 1977,

em Mar del Plata, Argentina. Destaca Riccardo Petrella que, nesta oportunidade, se

estabeleceu que a água seria tratada como uma importante questão da agenda

política internacional.116

O assunto só retornou à pauta da ONU em janeiro de 1992, na Conferência

Internacional sobre água realizada em Dublin, Irlanda. Naquela ocasião se admitiu

que a água doce é um recurso finito e vulnerável, e que o abastecimento de água e

o saneamento são essenciais para garantir a vida, o desenvolvimento e o meio

ambiente, ao mesmo tempo em que se começou a adotar uma posição mercantilista

com relação à água, admitindo que ela é um bem dotado de valor econômico e

disposto para a competição, isto sob a justificativa de com essa política conter os

desperdícios de bens essenciais para a vida.117

116

PETRELLA, Riccardo. Op. cit., p. 45. 117

Declaração de Dublin Uma ação concentrada é necessária para reverter a presente tendência de superconsumo, poluição, e desafios crescentes de secas e enchentes. O Relatório da Conferência sugere recomendações de ação a níveis locais, nacionais e internacionais, baseados em quatro princípios de orientação: Princípio n° 1 - A água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente. Já que a água sustenta a vida, o gerenciamento efetivo dos recursos hídricos demanda uma abordagem holística, ligando desenvolvimento social com o econômico e proteção dos ecossistemas naturais. Gerenciamento efetivo liga os usos da terra aos da água nas áreas de drenagem ou aqüífero de águas subterrâneas. (...) Princípio n° 4 - A água tem valor econômico em todos os usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem econômico. No contexto deste princípio, é vital reconhecer inicialmente o direito básico de todos os seres humanos do acesso ao abastecimento e saneamento à custos razoáveis. O erro no passado de não reconhecer o valor econômico da água tem levado ao desperdício e usos deste recurso de forma destrutiva ao meio ambiente. O gerenciamento da água como bem de valor econômico é um meio importante para atingir o uso eficiente e eqüitativo, e o incentivo à conservação e proteção dos recursos hídricos. (Disponível em: <http://www.meioambiente.uerj.br/emrevista/documentos/dublin.htm>. Acesso em: 24 abr. 2014).

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Os interesses sociais e econômicos na água mais uma vez foram

destacados nas discussões travadas no Fórum Mundial da Água realizado em Haia,

Holanda, em março de 2000, quando foi afirmado que: “A água é um recurso

escasso, um bem vital econômico e social. Como petróleo ou qualquer outro recurso

natural, deve ser submetido às leis de mercado e aberto à livre competição”.118

Alguns autores, entre eles Riccardo Petrella e Maude Barlow, criticam esta

posição dos organismos internacionais de restringir desperdícios e buscar a

universalização dos serviços de água e esgoto mediante a dotação de valor

econômico à água, com base na justificativa de que, de fato, se pretendia com isso

possibilitar às grandes corporações de saneamento básico mundiais a exploração de

uma mercadoria escassa e, portanto, com um enorme potencial lucrativo.119

De fato, várias corporações transnacionais avançaram no mercado

internacional neste período, especialmente na América do Sul, como foi o caso da

Vivendi e da Suez.

Outro fato que deixa claro o interesse econômico despertado pela água é

que em maio de 2000 a Fortune Magazine publicou: “A água promete ser para o

século XXI o mesmo que o petróleo foi no século XX: a matéria-prima mais preciosa

a determinar a riqueza das nações”.120

Segundo Maude Barlow, no final do século passado vários interesses

econômicos e políticos teriam influenciado, com apoio de alguns órgãos financeiros

internacionais – especialmente o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial

– a privatização dos serviços de água e esgoto em vários países do Terceiro

Mundo.121

Nota-se que a diretriz mundial caminhava para a declaração da água como

uma necessidade humana, passível de satisfação baseada apenas em critérios

econômicos. A proposta de transformá-la em commoditie não teria outro objetivo que

não fosse o de elevar os preços na proporção do aumento da escassez do produto.

118

PETRELLA, Riccardo. Op. cit., p. 51. 119

Ver: PETRELLA, Riccardo. Op. cit.. e BARLOW, Maude. Água, pacto azul: a crise global da água e a batalha pelo controle da água potável no mundo. cit.

120 DIAS, Patrícia Silva. Água: investir no petróleo do futuro. Jornal de Negócios, 21 abr. 2008. Disponível em: <http://www.jornaldenegocios.pt/mercados/investidor_privado/detalhe/agua___investir_no_petroleo_do_futuro.html>. Acesso em: 24 abr. 2014.

121 BARLOW, Maude. Água, pacto azul: a crise global da água e a batalha pelo controle da água potável no mundo. cit., p. 49.

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Porém, diferentemente do petróleo, a água é um bem insubstituível e

essencial à vida no planeta terra. Logo, a escassez da água não pode dar margem a

exploração econômica baseada nas leis de mercado, sob o risco de que as pessoas

mais carentes, que atualmente já sofrem com a falta de saneamento básico, sejam

ainda mais privadas destes bens e submetidas ao risco de morte por doenças

diarreicas.

Por estes motivos de cunho social é que sucumbiram as tentativas de tornar

a água uma commoditie.

3.1.2 A Água e o Saneamento (Serviço de Esgoto): Direitos Humanos

Segundo Riccardo Petrella, a água é um recurso de natureza única e,

diferentemente de outros como o petróleo, não pode ser substituído, motivo pelo

qual a impossibilidade de escolha por parte dos consumidores no momento da

contratação confere à água o status de bem comum ou bem público essencial à

vida, pois todos precisam da água para manter uma condição saudável, sem poder

optar por outro produto para substituí-la.122

Impulsionado especialmente pela Bolívia, que reagiu contra a atuação da

iniciativa privada em seu território no ano de 2000 (mais especificamente em

Cochabamba), a ONU voltou a discutir a questão acerca do acesso à água e ao

serviço de esgoto (saneamento) e passou a adotar uma posição mais voltada para o

interesse social do que econômico.

Tanto é que no Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH) de 2006 a

água é explicitamente tratada pela primeira vez como “direito humano”.123

Esta posição se consolidou em 28 de julho 2010, quando a Assembléia

Geral das Nações Unidas, pela Resolução A/RES/64/292, decorrente de proposta

122

PETRELLA, Riccardo. Op. cit., p. 83-84. 123

“Todos os governos deveriam ir além dos vagos princípios constitucionais, na legislação em vigor, para a preservação do direito humano à água. Isso implica, no mínimo, uma meta de pelo menos 20 litros diários de água potável para todos os cidadãos — e sem qualquer custo para os que são muito pobres para pagar”. (PNUD Brasil. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatório do desenvolvimento humano - 2006. Além da escassez: poder, pobreza e a crise mundial da água. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/HDR/Relatorios-Desenvolvimento-Humano-Globais.aspx?indiceAccordion=2&li=li_RDHGlobais#2006>. Acesso em: 23 abr. 2014.

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redigida pela Bolívia, declarou a água limpa e segura e o saneamento como um

direito humano essencial para gozar plenamente a vida e todos os outros direitos

humanos.124

Segundo Ban Ki-moon, Secretário Geral da ONU, “a água potável segura e o

saneamento adequado são fundamentais para a redução da pobreza, para o

desenvolvimento sustentável e para a prossecução de todos e cada um dos

Objetivos de Desenvolvimento do Milénio”.125

O direito de acesso à água de qualidade e ao saneamento (leia-se

esgotamento sanitário)126 é um direito humano, cujo acesso não pode estar adstrito

apenas a aqueles que possuem dinheiro, mas a todas as pessoas.

O reconhecimento do acesso aos serviços de água e esgoto como direitos

do homem é mais um exemplo da evolução gradual desta espécie de direitos.

Segundo Norberto Bobbio “são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas

circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra

velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma

vez por todas”.127

3.1.3 O Risco de Mercantilização versus A Necessidade de Universalização

Mesmo diante do posicionamento da ONU sobre o assunto, é presente o

risco de mercantilização da água pela atuação das grandes transnacionais do setor,

como destacado por Maude Barlow para quem tais mudanças estruturais tiveram

impactos devastadores sobre as condições de vida da maioria pobre dos países em

desenvolvimento nos últimos 15 anos. Destaca a autora que nos últimos anos, uma

das principais condições para renovação de empréstimos do Banco Mundial e do

124

Luciane Ferreira destaca que: “Em 07 de Fevereiro de 2009, a Constituição Boliviana considerou a água um direito humano essencial. A nova Carta também define em seu artigo 20, inciso III, como direitos universais no país a saúde e a educação, institui o controle social sobre a administração pública e define serviços básicos - água, eletricidade, etc. - como direitos humanos”. (Op. cit., p. 65).

125 Organização das Nações Unidas – ONU. O direito humano a água e saneamento. Disponível: <http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/human_right_to_water_and_sanitation_media_brief_por.pdf> Acesso em: 25 abr. 2014.

126 Cf. nota 1.

127 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. cit., p. 5.

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FMI tem sido a privatização dos serviços públicos de água e esgoto dos países e

que os gigantes globais do setor de água têm trabalhado intensamente na

transformação desse recurso vital numa mercadoria a ser vendida, com finalidade de

lucro, àqueles que podem pagar. Resume ela que hoje tudo está à venda para quem

paga mais, incluindo sêmen, genes e mesmo a água.128

Boaventura Souza Santos é outro crítico da ação das multinacionais em

busca de lucro, apoiadas por organismos financeiros internacionais e em detrimento

dos interesses sociais dos países periféricos, ao que chama de “globalização da

pobreza”.129

Defendendo o modelo das privatizações existe posicionamento de Penelope

Brook Cowen e Tyler Cowen no sentido de que a privatização dos recursos hídricos

e a monopolização privada da prestação dos serviços de água a esgoto são a

melhor alternativa para melhorar a infraestrutura dos países pobres em

desenvolvimento, isto mesmo depois de sopesados os problemas de exclusão

parcial que este sistema pode provocar.130

No caso do Brasil, a preocupação com os interesses privados nos serviços

de água e esgoto deve ser ainda maior, já que o país conta com a maior reserva de

água doce do mundo,131 contando com água subterrânea suficiente para abastecer

continuamente 2,8 bilhões de habitantes dentro dos padrões de consumo

recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).132

128

BARLOW, Maude. Um negócio bilionário. Portal Multirio, Rio de Janeiro: 17 jan. 2007. Disponível em: <http://portalmultirio.rio.rj.gov.br/sec21/chave_artigo.asp?cod_artigo=378>. Acesso em: 26 abr. 2014.

129 SANTOS, Boaventura de Sousa. Os processos da Globalização. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). A globalização e as ciências sociais. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 31-33.

130 BROOK COWEN, Penelope; COWEN, Tyler. Deregulated private water supply: a policy option for developing countries. Cato Journal, Vol. 18, nº 1, spring/summer, p. 21-41, 1998. Disponível em: <http://www.cato.org/sites/cato.org/files/serials/files/cato-journal/1998/5/cj18n1-3.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2014.

131 “A situação colocou o Brasil em uma situação estratégica, de maneira que, quando o assunto é água, o mundo todo volta seus olhos para cá. Para começar, somos o país que tem mais água disponível. Para se ter uma idéia, nossos rios reúnem 13% do volume fluvial mundial. Não bastasse toda essa abundância, temos sob nossos pés a maior reserva de água doce do mundo, o aqüífero Guarani, uma superpoça subterrânea que cruza a fronteira de sete Estados e avança pelos territórios argentino, paraguaio e uruguaio. Só ali jazem 37 mil quilômetros cúbicos de água potável, o que daria para encher até a boca 7,5 milhões de estádios do Maracanã, segundo cálculos do geólogo Heraldo Campos, especialista no aqüífero. E o Brasil só utiliza 5% desse potencial”. (QUADRADO, Adriano; VERGARA, Rodrigo. Op. cit. Disponível em: <http://super.abril.com.br/saude/vai-faltar-agua-443923.shtml>. Acesso em: 25 abr. 2014).

132 Disponível em: <http://climate21.wordpress.com/2009/07/17/a-agua-escondida-que-abastece-o-mundo-como-se-pode-gerenciar-essas-fontes-que-ninguem-ve/>. Acesso em: 23 abr. 2014.

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O Estado brasileiro tem o dever de garantir as reservas de água brasileiras

como parte de nossa soberania, mas, diferentemente do que já aconteceu em outros

países (e.g. constitucionalização da água como direito humano no Uruguai, 2004, na

Venezuela, em 2006, no Equador, em 2008 e Bolívia, em 2009), o reconhecimento

da água e do saneamento como direitos humanos pela ONU não foi positivado

explicitamente pelo ordenamento constitucional brasileiro como um direito

fundamental. Neste sentido, existe a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº

39-A, de 2007, que dá nova redação ao artigo 6º da Constituição Federal, incluindo a

água como direito social.133

Independentemente do resultado da PEC acima, existem vários dispositivos

constitucionais que relacionam os serviços de água e esgoto com a consecução de

outros direitos fundamentais, mas não existe disposição específica na Constituição

que enquadre estes serviços como direitos fundamentais do cidadão.

Importante destacar que mesmo sendo os direitos humanos declarados

internacionalmente como prerrogativas fundamentais para a consecução da

dignidade humana universal, é a positivação constitucional dos valores reconhecidos

internacionalmente como direitos humanos (validade supranacional), pelos Estados,

que os qualifica como direitos fundamentais.134

O acesso à água e aos serviços sanitários tem um impacto significativo no

direito à dignidade e no direito à vida, pois se não há vida sem água, quando se

nega água está se negando o direito fundamental à vida.135

Dentro do conceito proposto por Amartya Sen, a falta de acesso ao

saneamento impede o desenvolvimento das pessoas e, consequentemente, impacta

133

O andamento da PEC está disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=347951>. Acesso em: 23 abr. 2014.

134 Segundo José Joaquim Gomes Canotilho: “As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta”. (Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 9).

135 Zulmar Fachin e Deise Marcelino da Silva propõem o enquadramento do acesso a água potável como um direito fundamental de sexta geração, isto levando-se em consideração a existência da quinta geração defendida por Paulo Bonavides. (Acesso à água potável: direito fundamental de sexta dimensão. 2ª ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2012).

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no seu direito de liberdade136 e também no princípio constitucional da igualdade,137

que deve nortear as ações estatais na busca do atendimento de todos os cidadãos

com os serviços de água e esgoto, com vistas a reduzir as desigualdades entre ricos

e pobres,138 satisfazendo os interesses de toda a população.

Além dos efeitos nefastos gerados pela escassez de água, a falta de

esgotamento sanitário é responsável pela poluição de rios, lagos e dos reservatórios

subterrâneos, por esgotos domésticos e industriais, com efeitos sanitários terríveis e

consequências ambientais não menos graves.

Bem destaca João Paulo Pellegrini Saker que “o saneamento básico faz

parte da realização plena dos direitos humanos, pois é um recurso básico e um

serviço de saúde, corolário do direito ao desenvolvimento”.139

Por este motivo, alerta Manoel Nascimento de Souza que esta realidade tem

obrigado os Estados, inclusive o brasileiro, a desenvolver políticas voltadas à

universalização dos serviços de água e esgoto com vistas a efetivar o atendimento à

sadia qualidade de vida, resguardando-se uma sobrevivência digna para presente e

futura geração.140

Segundo Luciana Dayoub Ranieri de Almeida:

O que se nota é que o saneamento é serviço cuja prestação eficaz merece atenção e primazia, visto que, profundamente conectado com os meios elementares de subsistência do ser humano, pode (e deve) ser considerado como patamar de realização essencial na concretização do direito ao

136

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Op. cit. 137

“Com efeito, a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo subordinado à rubrica constitucional ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’) contra perseguições e, de outro, tolher favoritismos”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. 18. Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 23).

138 “Parte significativa do déficit brasileiro em saneamento se refere à falta de atendimento à população de baixa renda, segundo o RDH 2006. O estudo diz que é possível perceber uma relação entre nível de pobreza e acesso a água e saneamento e usa a desigualdade no atendimento com coleta de esgoto no Brasil para ilustrar a afirmação. ‘À medida que a renda aumenta, a cobertura média melhora. Mesmo uma renda nacional média relativamente alta não é garantia de uma alta taxa de cobertura entre os pobres. No Brasil, os 20% mais ricos da população desfrutam de níveis de acesso a água e saneamento geralmente comparáveis ao de países ricos. Enquanto isso, os 20% mais pobres têm uma cobertura tanto de água como de esgoto inferior à do Vietnã’, destaca”. (Disponível em: <http://www.pnud.org.br/hdr/arquivos/rdh2006/rdh2006_br_odm.pdf> Acesso em: 16 de abr. 2014).

139 SAKER, João Paulo Pellegrini. Op. cit., p. 19.

140 SOUZA, Manoel Nascimento de. O direito fundamental à água potável. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 92, set. 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10330&revista_caderno=9>. Acesso em: 8 abr. 2014.

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desenvolvimento, o qual, como se viu, é imprescindível para a progressiva concretização do valor dignidade da pessoa humana.

141

No primeiro capítulo foi demonstrado que o acesso aos serviços de água e

esgoto gera benefícios diretos à saúde, à educação, ao meio ambiente e à qualidade

de vida dos cidadãos, motivo pelo qual a universalização destes serviços é medida

urgente no Estado brasileiro.

O Brasil possui déficits sanitários gravíssimos, com boa parte da população

sem acesso a água tratada e ao serviço de esgoto, especialmente nas classes mais

baixas, sendo boa parte deste déficit fruto da incapacidade do Estado de investir no

setor de saneamento básico ou das políticas públicas implementadas. Por isso, o

apoio do capital privado neste setor parece inevitável.

Tanto é que o ordenamento jurídico brasileiro, entre as hipóteses de

delegação da gestão dos serviços de água e esgoto por seu titular, possibilita a

atuação da iniciativa privada no apoio à consecução da dignidade humana e do

desenvolvimento social mediante o instrumento jurídico da concessão.

Porém, o ponto nevrálgico desta participação privada reside no aparente

conflito existente entre o interesse social, que está diretamente relacionado ao

acesso universal com os serviços de água e esgoto e que depende de elevados

investimentos nas áreas de população carente e no meio rural e a expectativa de

lucro que está diretamente relacionada com a atuação capitalista da iniciativa

privada, normalmente interessada em áreas adensadas e com maior poder

aquisitivo.

É inevitável que as empresas privadas visem o lucro nas atividades que

desenvolvem, pois ele é essencial para a própria existência delas (interesses de

seus acionistas).

Sobre o lucro, merece ressalva o posicionamento de Michael Rouse de que

é preferível a prestação de um serviço eficiente e sustentável que gere lucro para o

setor privado, à atuação ineficiente do setor público, especialmente porque em

141

ALMEIDA, Luciana Dayoub Ranieri de. O saneamento básico como elemento essencial do direito ao desenvolvimento e a correlata orientação da Lei nº 11.445 de 2007. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 69-91, 2011, p. 75.

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muitas situações os sistemas operados pelo Estado utilizam recursos financiados

por instituições privadas (e.g. bancos), que obtêm lucros com estes empréstimos.142

Em sentido contrário é a opinião de José Esteban Castro, para quem as

políticas neoliberais agravaram as desigualdades existentes no setor, já que é

retórica a possibilidade de se obter a universalização sustentável dos serviços com a

mercantilização deles. Destaca ainda que o setor privado não deve lucrar as custas

de financiamentos públicos.143

O que é certo é que os interesses econômicos que norteiam a atividade

privada nunca devem se sobrepor aos interesses socais e ambientais ligados ao

saneamento básico, posto que estes guardam relação direta com a consecução do

princípio da dignidade humana.

Diante da possibilidade legal da atuação privada no setor e de que ela já é

um fato, mister se faz um exame sobre quais as vantagens e desvantagens da

opção pela privatização dos serviços com vistas á universalização do acesso e para

isso é importante analisar as experiências já vividas em outros países e no Brasil.

3.2 AS VANTAGENS E OS RISCOS DA PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE

ÁGUA E ESGOTO

A água é um direito fundamental para a sobrevivência dos seres vivos no

planeta, com influência direta sobre outros direitos fundamentais, como é o caso da

vida, da liberdade, igualdade e solidariedade, sendo o acesso aos serviços de água

e esgoto de responsabilidade do Estado.

Ao mesmo tempo é um bem escasso e que desperta o interesse de grandes

corporações transnacionais, que pretendem lucrar com o binômio

necessidade/escassez, situação que é abordada por Maria Lúcia Navarro Lins

142

ROUSE, Michael. Paradigma centrado no papel do setor privado. (Tradução de Vera Ribeiro). In: HELLER, Léo; CASTRO, José Esteban (Org.). Política pública e gestão de serviços de saneamento. Ed. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 196-213, 2013, p. 201.

143 CASTRO, José Esteban. Políticas públicas de saneamento e condicionantes sistêmicos. (Tradução de Vera Ribeiro). In: HELLER, Léo; CASTRO, José Esteban (Org.). Política pública e gestão de serviços de saneamento. Ed. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 53-75, 2013, p. 66.

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65

Brzezinski, inclusive se referindo a água como a última fronteira da economia liberal

de mercado.144

Grande parte dos governos, especialmente dos países em desenvolvimento,

como é o caso do Brasil, enfrentam dificuldades econômicas e, consequentemente,

não têm aplicado os investimentos necessários para garantir o atendimento de suas

populações com serviços de água eficientes e de qualidade, motivo pelo qual tem

recorrido ao apoio do capital privado, por meio de concessões de serviço para

companhias da iniciativa privadas.

Muito se fala também sobre a eficiência destas empresas privadas na

prestação dos serviços de água e esgoto, da sua capacidade de investimento e da

possibilidade de transferência de tecnologia mediante a participação das grandes

organizações privadas transnacionais que atuam neste setor.

Passa então a surgir uma espécie de contraposição entre o interesse público

que está atrelado ao acesso a serviços essenciais e o interesse econômico que

norteia a atividade da iniciativa privada.

Pelo regime jurídico vigente na Constituição de 1988 a prestação dos

serviços de água e esgoto pode se dar diretamente pelo Poder Público ou mediante

gestão associada de delegação para companhias estaduais, nos termos do art. 241

da Constituição (contrato de programa – Lei nº 11.107/2005); ou, caso o Poder

Concedente opte pela prestação de serviços pela iniciativa privada, por concessão

mediante processo licitatório, conforme previsto no art. 175 da Constituição (contrato

de concessão – Lei nº 8.987/95).145

144

BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Água doce no século XXI: serviço público ou mercadoria internacional? São Paulo: Lawbook, 2009, p. 60.

145 Art. 38. O titular poderá prestar os serviços de saneamento básico: I - diretamente, por meio de órgão de sua administração direta ou por autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista que integre a sua administração indireta, facultado que contrate terceiros, no regime da Lei n

o 8.666, de 21 de junho de 1993, para determinadas atividades;

II - de forma contratada: a) indiretamente, mediante concessão ou permissão, sempre precedida de licitação na modalidade concorrência pública, no regime da Lei n

o 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; ou

b) no âmbito de gestão associada de serviços públicos, mediante contrato de programa autorizado por contrato de consórcio público ou por convênio de cooperação entre entes federados, no regime da Lei n

o 11.107, de 6 de abril de 2005. (BRASIL. Planalto Central. Decreto 7.217 de 21

de junho de 2010 - Regulamenta a Lei no 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece

diretrizes nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7217.htm>. Acesso em: 27 abr. 2014).

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66

Existe extensa discussão na doutrina sobre o espaço que pode ser ocupado

pela iniciativa privada no setor de saneamento básico, especialmente sobre qual o

papel do Estado com relação à gestão dos serviços concedidos, isto em razão de

que eles não se sujeitam às leis de mercado, pelo fato de que a titularidade não é

transferida do Poder Público.146

De outro lado, existem inúmeras críticas à atuação do Estado à frente da

prestação dos serviços de água e esgoto. Tem pesado contra a prestação de

serviços por agentes públicos o argumento da ineficiência, da incapacidade

financeira e da ingerência política na gestão dos serviços. Esta é a situação

verificada em várias das Companhias Estaduais de Saneamento, que enfrentam

dificuldade financeira e apresentam serviços com perdas de água superiores a

quarenta por cento (40%).147

O histórico acima deixa claro que apesar dos avanços da atuação dos

agentes públicos na prestação dos serviços de água e esgoto, ainda se está muito

distante da sua universalização de acesso.

Diante disto, tem sido defendida a atuação das grandes empresas privadas

nos países em desenvolvimento, com base na premissa de que estas conseguem

prestar serviços com maior eficiência, bem como que dispõem de maior capacidade

de investimentos na busca deste atendimento universal.

Em contraposição, já foram citados vários riscos da atuação privada,

especialmente com relação à preocupação das grandes transnacionais com a

lucratividade, deixando de lado os critérios sociais, optando pela majoração

excessiva das tarifas, com redução de acesso dos serviços para a população,

especialmente para os mais carentes.

E a preocupação neste caso é especial com relação às pessoas mais

carentes, já que é nestas áreas desprovidas de capacidade de pagamento que se

146

Destaca Alaôr Caffé Alves que o saneamento básico “como serviço público privativo do Estado que é, está vinculado a certos critérios constitucionais e legais indisponíveis, e, dessa forma, não pode, terminantemente, ser caracterizado como atividade econômica. Neste sentido, não é possível passar a titularidade do serviço de saneamento básico para o setor privado”. (Op. cit., p. 23).

147 “[...] das 26 companhias estaduais de saneamento, apenas 10 têm condições de autofinanciamento e 15 têm perdas de água acima de 40%”. (PENA, Dilma. Secretária Estadual de Saneamento de São Paulo em pronunciamento na abertura do seminário “Tecnologia e eficiência em saneamento ambiental”, Valor Econômico. Disponível em: <http://www.valor.com.br/sites/default/files/dilmapena_valor_09dez10_0.pdf>. Acesso em: 26 abr. 2014).

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encontram os principais déficits sanitários. Ali também estão os principais focos de

contaminação pela falta de higiene decorrente da ausência dos serviços de água

esgoto, com sérios riscos para a vida das pessoas (muitas perecem pela falta de

saneamento),148 e reflexos negativos na saúde, na educação, na capacidade de

trabalho e, por consequência, ao desenvolvimento nacional.

Invariavelmente estas áreas mais carentes não são atrativas para o setor

privado, já que tem pouco potencial para gerar resultado econômico.

Outro risco é o de que a iniciativa privada estimule o consumo para obter

maiores resultados econômicos, isto em detrimento da sustentabilidade ambiental e

social que deve nortear a prestação de serviço essencial, como é o caso do

abastecimento de água.

Bem observam Saulo de Oliveira Pinto Coelho e André Fabiano Guimarães

de Araújo que o desenvolvimento econômico não deve ser um fim, mas o meio para

que se obtenha melhores condições de vida para a população.149

Marcelo Coutinho Vargas e Roberval Francisco de Lima destacam

posicionamento da literatura especializada apontando vários riscos potenciais do

envolvimento privado na prestação de serviços de água, entre eles o citado prejuízo

aos mais pobres, com a inversão da lógica social que deve nortear os serviços para

uma lógica econômica de mercado, voltada somente para o lucro das empresas,

assim como para a possível fragmentação da oferta de serviços outrora integrados

pelos subsídios cruzados. Isto em razão do interesse da iniciativa privada apenas

em sistemas rentáveis, deixando para os governos o ônus de arcarem sozinhos com

o atendimento das áreas e populações mais pobres.150

Diante deste cenário, parece necessário o exame de alguns casos, a fim de

se verificar quais foram as consequências positivas e negativas da atuação da

iniciativa privada no setor de saneamento básico em países desenvolvidos e em

desenvolvimento. Este estudo de casos é importante para o debate sobre os

mecanismos criados pela legislação editada em 2007 e seu potencial para nortear

148

Vide nota 20. 149

COELHO, Saulo de Oliveira Pinto; ARAÚJO; André Fabiano Guimarães de. A sustentabilidade como princípio constitucional sistêmico e sua relevância na efetivação interdisciplinar da ordem constitucional econômica e social: para além do ambientalismo e do desenvolvimentismo. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia, Uberlândia, v. 39, p. 261-291, 2011, p. 284.

150 VARGAS, Marcelo Coutinho; LIMA, Roberval Francisco de. Concessões privadas de saneamento no Brasil: bom negócio para quem? Ambiente & Sociedade. vol. VII, nº. 2, jul./dez., 2004, p. 76.

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as políticas públicas deste importante setor do desenvolvimento social do país, de

modo a se obter uma prestação de serviço eficiente e sustentável, seja ela por

agentes públicos ou privados.

3.3 EXPERIÊNCIAS DE PRIVATIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE

ÁGUA E ESGOTO

Vários Estados nacionais, inclusive o brasileiro, tem se valido da participação

do setor privado na prestação de serviços públicos.

No saneamento básico esta situação não é diferente, já que a atuação da

iniciativa privada é tida como uma boa alternativa para o aporte de recursos

financeiros na expansão dos serviços, assim como para o incremento de novas

tecnologias e de uma gestão mais eficiente para o setor.

Nesse aspecto nos cabe analisar algumas experiências vividas, para delas

poder retirar pontos positivos e negativos, a fim de que se possa estabelecer pontos

de referência na consecução do objetivo de atendimento universal da população

brasileira com os serviços de água e esgoto, de forma sustentável do ponto de vista

socioambiental e econômico.

3.3.1. A Experiência Internacional: Análise de Casos

No ambiente internacional existem várias experiências vividas com a

transferência da prestação dos serviços de água e esgoto para a iniciativa privada,

algumas delas de sucesso e outras de absoluto fracasso.

Serão avaliados sistemas privados em países desenvolvidos e em

desenvolvimento, com o objetivo de formar conceitos que se identifiquem com a

realidade brasileira, os quais serão úteis para examinar o potencial do Marco

Regulatório implementado em 2007 para a consecução do objetivo de

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universalização do acesso aos serviços. E quais as medidas que podem ou

necessitam ser implementadas com este objetivo.

A primeira situação interessante a ser analisada é a do Reino Unido

(Inglaterra e País de Gales).

A privatização do setor Saneamento na Inglaterra e no País de Gales é o

principal exemplo de desestatização de sucesso no mundo.

Os serviços de água e esgoto nestes países eram prestados de forma

descentralizada por centenas de organizações públicas até o ano de 1973, quando

se iniciou o processo de privatização. Entre os anos de 1973 e 1985 o governo

central decretou medidas de regionalização da prestação dos serviços mediante a

criação de dez Companhias Regionais de Água (Regional Water Authorities - RWA),

empresas públicas ligadas ao governo central e destacadas para centralizar o setor

nas mãos da União. Seguindo a tendência neoliberal de privatizações das

telecomunicações (1984) e da energia (1986), em 1989, estas Companhias

Regionais tiveram seu capital negociado em bolsa com a constituição de 10

companhias de privadas de saneamento, que foram autorizadas a aplicar reajustes

de tarifa 5% acima da inflação pelo período de 10 anos, como forma de fazer frente

aos investimentos necessários no setor sem aporte financeiro do governo.151

Em que pese o preço das tarifas tenha sido elevado nos primeiros anos da

atuação privada (28% em termos reais entre 1989 e 1995), nos primeiros seis anos

de privatização as companhias investiram quase que o dobro do que foi investido

pelo setor público nos seis anos anteriores à privatização.152

Na sequência o que se viu foi a implementação de uma regulação forte pelo

Estado britânico, o que permite a prestação de serviços eficientes, com ganhos de

produtividade e adequação de tarifas a patamares acessíveis para aquela sociedade

de primeiro mundo.

A regulação econômica dos serviços ficou a cargo de uma agência

independente (Office of Water Services - OFWAT), com vistas a promover a

competição, proteger os consumidores, controlar as tarifas de água e assegurar a

aplicação de investimentos pelas companhias privadas, mediante duas ferramentas 151

Ver explicação detalhada deste processo em: AMPARO, Paulo Pitanga do; CALMON, Katya Maria Nasiaseni. Op. cit. p. 6-10.

152 Para maiores detalhes, verificar: VAN DEN BERG, Caroline. Water privatization and regulation in England and Wales. Viewpoint World Bank, Washington, note 115, may/1997, p. 2. Disponível em: <https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/11585>. Acesso em: 11 abr. 2014.

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inovadoras que até os dias de hoje são largamente utilizadas, a saber: o sistema

price cap (limite de preços) e yardstick competition (competição comparativa).153

A qualidade dos serviços é regulada por duas agências reguladoras, a

Agência de Meio Ambiente (Environment Agency - EA) e a Inspetoria da Água

Potável (Drinking Water Inspectorate - DWI). Entre os objetivos desta regulação,

estão a prevenção e o controle da poluição, o gerenciamento dos recursos hídricos e

controle da qualidade das águas e dos lançamentos das estações de tratamento de

esgotos, fazendo-se cumprir as normas da Comunidade Européia para

potabilidade.154

Vê-se que foi uma política de privatização geral dos serviços de água e

esgoto, mediante a adoção de regulação por agências independentes que passaram

a utilizar instrumentos regulatórios que são replicados em vários sistemas de

saneamento pelo mundo.

Paulo Pitanga do Amparo e Katya Maria Nasiaseni Calmon concluem que a

estrutura de regulação implantada na Inglaterra e no País de Gales trouxe benefícios

para o setor de saneamento básico e tem incentivado as companhias a buscar

melhor desempenho operacional; assim como proporcionou um melhor controle por

parte dos usuários. Porém, os pesquisadores destacam a dificuldade de se replicar

este modelo para outros países, isto em razão das peculiaridades do regime

econômico e político britânico, onde as instituições são plenamente responsáveis e a

população com alto nível de educação e participação no controle social.155

Trata-se de um modelo peculiar, também porque, quando ocorreu a

privatização os serviços de água e esgoto já estavam universalizados pelo Estado

153

“A regulação econômica britânica muniu-se de duas ferramentas inovadoras: o sistema price caps (limite de preços) que estabelece o limite máximo das tarifas considerando os custos de longo prazo, estabelecidos a partir das metas de expansão, qualidade dos serviços e em taxa de retorno razoável. Neste sistema, se a companhia é capaz de reduzir os seus custos em níveis inferiores aos esperados, os ganhos de produtividade são considerados lucros adicionais decorrentes da sua eficiência. O sistema price caps incentiva a eficiência operacional (redução dos custos). A outra ferramenta adotada é o sistema de competição comparativa (yardstick competition) o qual fixa parâmetros baseados no desempenho médio ou de empresas modelo, fictícias, usadas para a comparação com o desempenho real das empresas. Com esse sistema ficam estabelecidos os níveis esperados de eficiência e de preço. Esta ferramenta é utilizada para balizar o limite dos preços”. (NASCIMENTO, Luciana Vaz do; QUEIROZ, Cláudio Marcio. Regulação e privatização dos serviços de saneamento: experiências de países da américa latina e da Inglaterra. Revista Sanare – Revista técnica da Sanepar. Vol. 15, nº 15, p. 21-35, jan./jun. 2001. Disponível em: <http://www.sanepar.com.br/sanepar/sanare/v15/regprivpag21.html>. Acesso em: 10 abr. 2014.

154 AMPARO, Paulo Pitanga do; CALMON, Katya Maria Nasiaseni. Op. cit., p. 18.

155 AMPARO, Paulo Pitanga do; CALMON, Katya Maria Nasiaseni. Idem, p. 25-26.

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desde 1960, ficando o setor privado apenas responsável pela manutenção do

atendimento atrelado ao crescimento populacional e à melhoria da qualidade da

prestação dos serviços.156

Esta situação, portanto, é completamente distinta da brasileira e de outros

países da América do Sul, onde a universalização dos serviços ainda demanda a

aplicação de vultosos investimentos, especialmente em áreas de baixo poder

aquisitivo e que não oferecem retorno para o investidor.

O modelo britânico também diverge da situação da América Latina porque as

reformas estruturais dos sistemas de água e esgoto contaram com participação da

sociedade e não foram motivadas apenas pela pressão da situação deficitária do

setor público, sem condições de prestar os serviços sem o apoio da iniciativa

privada.

Outro caso de destaque é a privatização chilena.

Adverte Michael Rouse que a “privatização no Chile é vista como um dos

exercícios mais bem-sucedidos e há quem trace paralelos com a experiência do

Reino Unido”.157

Na década de setenta os serviços nas principais cidades chilenas, com

destaque especial para Santiago e Valparaiso, eram prestados por empresa

públicas.

Em 1977, na primeira grande reforma institucional do setor de saneamento

do Chile, as companhias de águas estatais foram integradas pela criação de um

ente regulador (Servicio Nacional de Obras Sanitarias - SENDOS), ao qual foi

atribuída a responsabilidade de planejamento central e do financiamento e

administração dos serviços regionais de água e esgoto do Chile.158

O SENDOS era constituído por 11 empresas regionais, uma em cada região

administrativa do país, e pelas empresas públicas de Santiago (Empresa

Metropolitana de Obras Sanitarias – EMOS) e de Valparaiso (Empresa Sanitaria de

Valparaiso – ESVAL). Esta centralização surtiu efeitos positivos no que se refere à

cobertura dos serviços, mas começou a obstar a melhoria na qualidade destes. O

156

CASTRO, José Esteban. Políticas públicas de saneamento e condicionantes sistêmicos. cit., p. 59. 157

ROUSE, Michael. Op. cit., p. 207. 158

ALFARO, Raquel. Desarrollo institucional del sector de agua y saneamiento urbano en Chile. PNUD Banco Mundial, Programa de agua y saneamiento, Serie Documentos de Trabajo, julio/1997. Disponível em: <www.wsp.org/sites/wsp.org/files/.../working_chile_sp.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2014.

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fato de as funções de regulação, fiscalização e execução dos serviços estarem

centralizadas num mesmo órgão, acabou por limitar as potencialidades de

organização e desenvolvimento (ente fiscalizador de suas próprias condutas),

obrigando o governo a redefinir o seu papel no setor.159

Em 21 de junho de 1989 foi publicada a Lei Geral dos Serviços de

Saneamento (DFL MOP n.º 382/88) que constitui o marco regulatório do setor,

representando a segunda reforma institucional chilena. Por esta lei ficou definida

uma regulação de serviços independente e desvinculada das atividades

operacionais, para o que foi criado pela Lei 18.902 de 27/1/90 a Superintendencia de

Servicios Sanitarios (SISS). Fez parte desta reforma também a Lei de Subsídios das

Tarifas para usuários de baixa renda (Lei 18.778/89), os quais passaram a ser pagos

diretamente às empresas de saneamento pelos Municípios.

Destacam Luciana Vaz do Nascimento e Cláudio Marcio Queiroz que:

A partir do marco regulatório a prestação dos serviços de saneamento é feita mediante concessão, por prazo indeterminado, outorgada a sociedades anônimas, regidas por normas de sociedade anônima de capital aberto. As 13 empresas estatais prestadoras dos serviços de saneamento, responsáveis ao atendimento de mais de 90% da população, foram transformadas mediante as Leis 18.777/89 e 18.885/90, modificadas em 4/2/98 pela Lei nº 19.549, em sociedades anônimas de propriedade do Tesouro Geral da República e da Corporação de Fomento da Produção. Com isto o governo ficou autorizado a desenvolver atividades empresariais na área de saneamento (água e esgoto). No caso de privatização das empresas de saneamento, o governo chileno tem a intenção de permanecer com, pelo menos, 35% das ações, de modo que ele possa ter direito de veto nas principais decisões. Se a participação do governo for reduzida, em função da falta de recursos para o aumento de capital, mas superior a 10% das ações, ele ainda terá direito de voto durante 10 anos a contar da data que, pela primeira vez, teve sua participação acionária inferior a 35%.

160

Em 1995 o governo apresentou um projeto da lei que representa o início da

terceira reforma institucional do setor de saneamento chileno, com vistas a conciliar

os interesses públicos e privados envolvidos no setor.

Já considerando a privatização161 dos serviços de água e esgoto, o governo

chileno tomou o cuidado de assegurar o acesso a toda a população - com foco nos

159

NASCIMENTO, Luciana Vaz do; QUEIROZ, Cláudio Marcio. Op. cit.. 160

NASCIMENTO, Luciana Vaz do; QUEIROZ, Cláudio Marcio. Op. cit.. 161

“Considerando a necessidade de investimentos em tratamento de esgotos, e a existência dos regulamentos do setor e dos aspectos legais e financeiros de cada empresa o governo chileno resolveu atrair recursos do setor privado. Em dezembro de 1998 foram vendidas 35% das ações da Esval S.A. para o Consórcio Aguas Puerto (constituído pelas empresas: a chilena Enersis

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mais carentes162 - a serviços eficientes e de qualidade. Para tanto, lançou mão de

um modelo fundado na regulação forte dos serviços que fez com que as empresas

de saneamento se tornassem bem gerenciadas e com prestação de serviços de

qualidade superior aos demais países da América Latina.

A experiência chilena demonstra a possibilidade de que o setor privado

atenda a população mais carente, mediante instrumentos regulatórios e legais

fixados pelo Estado, desde que os interesses não estejam voltados apenas para

questões econômicas e financeiras, como ocorreu em outros exemplos sul-

americanos que serão citados adiante.

A experiência chilena também difere das demais, pois a prestação dos

serviços pelo setor público não se encontrava em crise quando da implementação da

privatização.

Diferentemente do Chile, a Argentina se encontrava em situação de crise

quando implementou seu processo de privatização dos serviços públicos.

Até o ano de 1980 a responsabilidade da prestação dos serviços de

abastecimento de água e esgotamento sanitário na Argentina, era do governo

federal. A partir de então se iniciou um processo de descentralização dos serviços

para as províncias (equivalentes aos de estados no Brasil), com exceção da capital

federal (Buenos Aires), que continuou a cargo da Obras Sanitarias de la Nación

(OSN).163

Esta descentralização motivou a criação de 161 sistemas de água e esgoto

no país. A partir de 1989, com a edição da Lei nº 23.696 (Ley de Reforma del

Estado) o governo argentino passou a implementar reformas políticas que levaram,

na primeira metade da década de 90, à privatização de quase todas as empresas

(72%) e a inglesa Anglian Water (28%)). Em junho de 1999 foram vendidas, por meio de licitação pública, 51,2% das ações da Emos S.A para o consórcio formado pelo Grupo Agbar (Aguas de Barcelona e Lyonnaise des Eaux). Constata-se então que as duas maiores empresas de saneamento do Chile estão sendo operadas por firmas estrangeiras, uma vez que a Enersis foi incorporada à espanhola Endesa”. (NASCIMENTO, Luciana Vaz do; QUEIROZ, Cláudio Marcio. Op. cit.).

162 “O programa de privatização, operando num forte sistema regulador, teve muito sucesso e produziu companhias de águas com um desempenho do melhor nível internacional. Esse êxito é parcialmente atribuível à ênfase dada, durante todo o programa de reformas, nas fases pública e privada, às necessidades dos pobres. Os governos locais financiaram ampliações dos sistemas de distribuição, para que eles chegassem às comunidades pobres, e a taxa de acesso pôde ser paga em prestações mensais, ao longo de cinco anos. Além disso, houve subsídios conforme os meios (means-tested subsidies) para o pagamento das contas de água”. (ROUSE, Michael. Op. cit., p. 207).

163 NASCIMENTO, Luciana Vaz do; QUEIROZ, Cláudio Marcio. Op. cit..

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públicas nos setores de telecomunicações, petróleo, aéreo, elétrico, portuário,

siderúrgico e de água e esgoto, numa velocidade só compatível com as ocorridas no

bloco soviético.164

Foi um processo de mudanças estruturais profundas no plano econômico,

social e institucional, calcado nas idéias neoliberais que foram implementadas na

América Latina na década de 1990, incentivando a política do governo a

implementar a privatização, desregulamentação, abertura da economia e a

liberalização financeira.165

Segundo Fernando de Sousa Santana e Juliene Rocha Borges:

Esse programa objetivava reduzir rapidamente os gastos públicos, pois grande parte desses gastos se dava em função das empresas estatais, e obter uma absorção de fundos considerável, para sanear os déficits públicos e suavizar o endividamento externo, por meio da troca de títulos da dívida externa por participações nas empresas a serem privatizadas.

166

Neste contexto, seguindo o pronunciamento do então Ministro de Obras y

Servicios Públicos, Roberto Dromi, várias das províncias argentinas decidiram

privatizar empresas públicas responsáveis pela prestação dos serviços de água e

esgoto.167

No saneamento, a privatização iniciou em 1991, com a transferência dos

serviços de água e esgoto na província de Corrientes, motivado pela busca do

governo argentino pela ampliação dos serviços, aumento da eficiência e pela falta de

recursos financeiros do setor público em função da crise hiperinflacionária da

economia na década de 80.

164

AZPIAZU, Daniel; et. al. Agua potable y saneamiento en Argentina. Privatizaciones, crisis, inequidades e incertidumbre futura. Cuadernos del Cendes, ano 22, nº 59, mayo, p. 45-67, 2005, p. 46. Disponível em: <http://www.scielo.org.ve/scielo.php?pid=S1012-25082005000200004&script=sci_arttext>. Acesso em: 12 abr. 2014.

165 AZPIAZU, Daniel. Privatización del sistema de agua potable y saneamiento en el Área Metropolitana de Buenos Aires, Argentina. Debilidad institucional-regulatoria y enseñanzas. Revista de Gestão de Água da América Latina - REGA, Porto Alegre: Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH, Vol. 1, nº 1, p. 5-11, jan/jun, 2004, p. 5-6. Disponível em: <http://www.abrh.org.br/SGCv3/index.php?PUB=2&ID=63&PUBLICACAO=REGA&VOLUME=1&NUMERO=1>. Acesso em: 12 abr. 2014.

166 SANTANA, Fernando de Sousa; BORGES, Juliene Rocha. Privatizações no Brasil e na Argentina: uma perspectiva comparada. Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery, nº 13, Jul/dez 2012. Disponível em: <http://re.granbery.edu.br/index.php?centro=revista>. Acesso em: 16 abr. 2014.

167 “Nada de lo que deba ser estatal permanecerá em manos del Estado”. Disponível em: <http://www.argentina.ar/temas/democracia-30-anos/24124-argentina-en-venta-privatizando-un-pais-y-el-decalogo-menemista>. Acesso em: 12 abr. 2014.

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Diferentemente do que aconteceu no Chile, o processo de privatização na

Argentina não foi precedido de planejamento e do estabelecimento de marcos legais

regulatórios para estabelecer o balizamento das ações do setor privado.

Foi um processo rápido e conduzido por decisões do Poder Executivo por

meio de decretos e resoluções presidenciais motivados na “urgência”, o que

restringiu a ação do Poder Legislativo e, por consequência, o debate público acerca

da privatização do saneamento. Também não ocorreu a implementação de

regulamentação efetiva e controle social. Além disso, a reforma administrativa foi

imposta pelo governo central às províncias mediante a restrição à participação em

programas de crédito por agências governamentais nacionais e fundos especiais do

Tesouro Nacional para aquelas que rejeitaram a privatização dos serviços (e.g.

Província do Chaco).168

O método de privatização implementado foi o de demonstrar que as

empresas estatais estavam debilitadas e que a melhor opção para a melhoria dos

serviços seria vendê-las a investidores estrangeiros, para que estes

implementassem as melhorias necessárias.

O reflexo desta política foi que no governo do Presidente Carlos Menem

ocorreu massiva transferência das empresas públicas de saneamento ao setor

privado, redundando no crescimento da população atendida por empresas privadas

de 0% para 70% entre os anos de 1993 e 1999.169

O maior destaque, porém, se dá com relação ao sistema da Região

Metropolitana de Buenos Aires, que foi concedido para o consórcio Aguas

Argentinas S.A., liderado pelo Grupo francês Suez (Lyonnaise des Eaux) e pela

espanhola Aguas de Barcelona, envolvendo o atendimento de mais de 9,2 milhões

de pessoas (o maior do país e um dos maiores do mundo).

Em 1 de Maio de 1993, o Consórcio Aguas Argentinas assumiu a prestação

de serviços em regime de concessão pelo prazo de 30 anos. O contrato continha

168

Ver mais sobre a dimensão política e institucional da privatização argentina em: AZPIAZU, Daniel; et. al. Agua potable y saneamiento en Argentina. Privatizaciones, crisis, inequidades e incertidumbre futura. cit., p. 49-50.

169 HELLER, Léo (Coord.). Panorama do saneamento básico no Brasil: elementos conceituais para o saneamento básico. Vol nº 1, Brasília: Ministério das Cidades/Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, 2011, p. 21. Disponível em <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 10 mai. 2014.

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compromissos de investimento de 4 bilhões de dólares, metas de cobertura e

qualidade dos serviços prestados.

Para a administração do contrato de concessão da Aguas Argentinas, pelo

Decreto nº 999, de 18 de junho de 1992, foi criado o Ente Tripartite de Obras e

Serviços Sanitários (ETOSS), organismo regulador autônomo que possuía a

atribuição de regular a prestação dos serviços, controlar sua qualidade, proteger os

interesses dos consumidores, aprovar e supervisionar os planos de expansão e os

investimentos de acordo com o contrato de concessão, vigiar o cumprimento das

cláusulas contratuais e definir o regime de bens da concessão.170

A privatização resultou em reajustes tarifários muito acima da inflação171 no

período entre os anos de 1993 e 2002.172

A concessionária também deixou de cumprir as metas contratuais de

expansão dos serviços. Em 2001, a cobertura com os serviços de água potável foi

de 79% dos habitantes da área de concessão, quando o contrato previa 88%, o que

representa o desatendimento de aproximadamente 800.000 pessoas. Da mesma

forma, a cobertura com o serviço de esgoto de 63% da população estava defasada

com relação aos 74% previstos no contrato (desatendimento de aproximadamente

1.032.000 de habitantes). Pior ainda foi o desempenho ambiental. O contrato previa

o tratamento do esgoto coletado de 74% da população, enquanto apenas 7%

estavam sendo efetivamente tratados.173

Os descumprimentos contratuais acima permitiram que a concessionária

tivesse altas taxas de retorno médio, de 13% sobre a receita entre 1994 e 2001,

porcentagem que ultrapassa os 20% quando considerado apenas o

lucro/patrimônio.174

170

NASCIMENTO, Luciana Vaz do; QUEIROZ, Cláudio Marcio. Op. cit.. 171

“Em matéria de tarifas, em várias e não transparentes revisões de contrato, a empresa Aguas Argentinas foi favorecida por inúmeros aumentos das tarifas: desde o início da concessão (maio de 1993) até janeiro de 2002, a taxa média residencial aumentou em 88 por cento (no mesmo período, os preços do varejo cresceram 7 por cento). Isto é de extrema importância por duas razões básicas. Primeiro, porque o contrato original declarou especificamente que as tarifas não poderiam ser aumentadas por dez anos”. (AZPIAZU, Daniel; et. al. Agua potable y saneamiento en Argentina. Privatizaciones, crisis, inequidades e incertidumbre futura. cit., p. 53, tradução nossa).

172 Explicação detalhada sobre este aumento de tarifas consta de: LENTINI, Emilio. La regulacion en los servicios de agua y saneamiento: el caso de la concesión de Buenos Aires. Revista de Gestão de Água da América Latina - REGA, Porto Alegre: Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH, Vol. 1, nº 2, p. 11/24, jul/dez, 2004, p. 16.

173 Dados disponíveis em: LENTINI, Emilio. Idem, p. 15.

174 AZPIAZU, Daniel; et. al. Agua potable y saneamiento en Argentina. Privatizaciones, crisis, inequidades e incertidumbre futura. cit., p. 55.

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A defesa utilizada pelo consórcio contratado para ter deixado de cumprir as

metas fixadas no contrato, foi de que as tarifas aplicadas eram muito baixas e não

possibilitavam a aplicação dos investimentos necessários. Porém, no período entre

1995 e 1997 este consórcio teve margem de lucro três (3) vezes maior do que as

empresas que atuaram no Reino Unido, no mesmo período.175

Entendimentos entre o governo, a concessionária e os demais atores

envolvidos no processo levaram, atrelado à edição da Lei nº 25.561 (Ley de

Emergencia Pública y Reforma del Régimen Cambiario), a uma revisão de contrato

provocada pelas alterações no ambiente regulatório e operacional em que operavam

as empresas privatizadas, inclusive prevendo o congelamento de tarifas a partir de

janeiro de 2002.

Entre 2004 e 2005 o governo Kirchner e a Aguas Argentinas estabeleceram

ampla discussão sobre as condições contratuais, posto que a concessionária

questionava o congelamento de tarifas e a impossibilidade de cumprir o contrato.176

Depois de 3 anos de uma discussão que chegou até as Cortes

internacionais, o governo argentino, por decreto, em 21 de março de 2006,

reestatizou os serviços de água e esgoto da Grande Buenos Aires. Para tanto, foi

criada a empresa Aguas y Saneamientos Argentinos (Aysa), que substituiu a

concessionária privada que atuava frente aos serviços desde 1993, sob o argumento

de que esta não cumpriu o contrato, colocando em risco a saúde dos usuários.177

175

BARLOW, Maude; CLARKE, Tony. Ouro azul: como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do nosso planeta. cit., p. 124.

176 “ ‘Ante a impossibilidade de recompor o equilíbrio econômico da concessão, a empresa já não está em condições de continuar assumindo os riscos e responsabilidades que implica a operação de serviço de água e saneamento na área de concessão’, diz um comunicado divulgado ontem pela empresa Suez. Segundo o texto, as conversas com o governo argentino não progrediram. ‘Apesar dos esforços realizados por ambas as partes, as últimas negociações entre o governo argentino e Aguas Argentinas não permitiram alcançar um acordo’. O comunicado diz ainda que, no próximo dia 19, quando ocorre uma reunião da direção da empresa, será examinada uma moção com o objetivo de iniciar o processo de saída do grupo Suez. [...] Segundo a imprensa local, o acordo que estava sendo negociado previa dois aumentos de tarifas no próximo ano e a criação de um fundo com aportes do governo para financiar investimentos. A escalada de preços é hoje uma das principais preocupações do governo do presidente Néstor Kirchner, que já tomou várias medidas este ano para tentar controlar a inflação”. (PRADO, Maeli. Grupo francês quer deixar mercado argentino. Empresa Suez e o governo Kirchner não conseguiram chegar a um acordo sobre as tarifas, congeladas desde 2002. Folha de São Paulo, São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1009200522.htm>. Acesso em: 16 abr. 2014).

177 “Para substituir Aguas Argentinas, cujo controle acionário é da francesa Suez (39,9% das ações), foi criada uma nova estatal, com 90% de ações do governo. Os outros 10% seguirão com os funcionários, o chamado PPP (Programa de Propriedade Participada). No anúncio da decisão, o ministro do Planejamento, Julio de Vido, alegou o reiterado "não cumprimento" do contrato de

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Neste período, o governo conseguiu renegociar alguns contratos, mas em

vários outros, a exemplo do que ocorreu na Grande Buenos Aires, foram constatas

falhas, motivando a respectiva rescisão por caducidade, como é o caso das

empresas Aguas del Aconquija (controlada pela francesa Vivendi, em Tucumán);

Azurix (controlada pela Enron, na província de Buenos Aires) e Aguas del Valle

(pertencente ao grupo espanhol FCC, na província de Catamarca).178

Em razão disso, relata José Esteban Castro que a Argentina enfrenta

“dezenas de processos judiciais movidos por empresas privadas, decorrentes de

contratos de privatização falhos, a maioria delas pleiteando centenas de milhões de

dólares apenas em indenizações”.179

A experiência argentina é um caso de privatização pelas pressões dos

organismos financiadores internacionais nos países em desenvolvimento que não

deu certo. A falta de um marco legal e de um ambiente regulatório técnico, eficiente

e transparente impediu que o Estado exercesse seu papel de garantidor do acesso

concessão e afirmou que o rompimento se deu "por culpa" da empresa, que não teria cumprido planos de investimento e de ampliação dos serviços. Citando relatórios da agência reguladora, acusou a Aguas Argentinas de pôr em risco a saúde dos usuários, pelo suposto elevado nível de nitrato na água. A empresa informou por nota que em setembro de 2005 seus controladores já haviam pedido o rompimento do contrato, "por culpa do concedente", e rechaçou os argumentos do governo de Néstor Kirchner. Disse ter feito "trabalho exemplar" desde 1993, quando começou a operar. Afirmou que fará uma transferência "ordenada" do serviço. Não havia detalhes desse processo ontem. No anúncio, o ministro Julio de Vido instruiu aos diretores da nova estatal a fazerem uma auditoria dos ativos e assumir de imediato o serviço. A disputa entre governo e a empresa começou em 2002, no auge da crise argentina. Desde então, a maior parte das tarifas públicas estão congeladas. A empresa e outros concessionários de serviços, como os de telefonia, tentavam, sem sucesso, obter da Casa Rosada autorização para reajuste. No ano passado, tanto a controladora Suez como a espanhola Aguas de Barcelona (25% das ações) já haviam anunciado que deixariam o consórcio e buscavam compradores. [...] Consertar o que considera "erros" do amplo processo de privatização da era Carlos Menem (1989-1999) é uma das bandeiras políticas de Kirchner. Por isso e por causa da perspectiva de alta da inflação, consultoras privadas descartam reajustes nas tarifas neste ano. Antes da decisão de ontem, o último round entre Aguas Argentinas e Kirchner havia sido em fevereiro. Em discurso, o presidente reclamou da empresa e chamou de "flagelo" as falhas no serviço. A empresa respondeu cobrando subsídios e reajustes. Diferentemente de outras concessionárias como a Telefônica e a Telecom, que fecharam acordos recentes com a Casa Rosada, a Suez se recusava a tirar a ação no tribunal de arbítrio do Banco Mundial onde cobra do governo argentino o ressarcimento do US$ 1,7 bilhão investidos no país. Aguas Argentinas era responsável, até ontem, pelo abastecimento e serviços de esgoto de 12 milhões de pessoas de Buenos Aires e região metropolitana (cerca de um terço da população do país). O governo anunciou investimento de cerca de US$ 135 milhões entre 2006 e 2007 na nova estatal, e a notícia foi comemorada pelo sindicato de funcionários”. (MARREIRO, Flávia. Argentina reestatiza empresa de água e esgoto. Governo Kirchner acusa empresa controlada por franceses de não cumprir o contrato de concessão. Folha de São Paulo, São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 2006. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2203200602.htm>. Acesso em: 16 abr. 2014.

178 AZPIAZU, Daniel; et. al. Agua potable y saneamiento en Argentina. Privatizaciones, crisis, inequidades e incertidumbre futura. cit., p. 47.

179 CASTRO, José Esteban. Políticas públicas de saneamento e condicionantes sistêmicos. cit., p. 65.

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universal dos serviços de água e esgoto e de controlador dos contratos,

especialmente em favor dos interesses da população mais pobre. A consequência

disso é a lucratividade dos prestadores de serviço com aumentos de tarifa acima dos

padrões de mercado, com restrição de acesso a serviços essenciais para a

realização da dignidade humana.

Outro exemplo de privatização frustrada ocorreu na Bolívia, em especial na

cidade de Cochabamba, na Bolívia. Assim como ocorreu na Argentina, este

movimento foi impulsionado por políticas do Banco Mundial que culminaram na

privatização de ferrovias, do sistema de telefonia, das companhias aéreas

domésticas e de minas de bauxita em Oruro e em Potosi.

As privatizações ocorridas em Cochabamba e em La Paz foram impostas

como condição de empréstimos de recursos pelo Banco Mundial e pelo Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID). Em Cochabamba, a privatização visava

por fim ao déficit no abastecimento de água da população que era aproximadamente

de 40% e ainda diminuir as desigualdades do abastecimento das populações

urbanas e rurais.180

Até 1999 os serviços em Cochabamba eram fornecidos pela Empresa

Municipal Servicio Municipal de Agua Potable y Alcantarillado de Cochabamba

(SEMAPA), que enfrentou uma série de problemas relativos à eficiência e

sustentabilidade econômica e financeira. Por influência dos organismos

financiadores internacionais, o governo boliviano buscou junto ao setor privado o

apoio necessário para fazer frente aos investimentos para expansão dos serviços de

água e esgoto na área urbana e rural de Cochabamba.

Assim, em setembro de 1999, cumprindo um acordo com o Banco Mundial,

os serviços foram cedidos para o consórcio multinacional Aguas del Tunari,

controlado pela norte-americana Bechtel.181

180

Maiores detalhes em: KRUSE, Thomas. La "Guerra del Agua" en Cochabamba, Bolivia: terrenos complejos, convergencias nuevas. In: TOLEDO, Enrique de la Garza. Sindicatos y nuevos movimientos sociales en América Latina. Colección Grupos de Trabajo de Clacson. Buenos Aires, Argentina, p. 121-161, 2005, p. 132-139. Disponível em: <http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/grupos/sindi/kruse.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2014.

181 Merece destaque o fato de que apesar desta multinacional atuar na América Latina, no seu país sede, a maioria da população é atendida por empresas públicas, conforme se verifica no “Panorama do Saneamento no Brasil” do Ministério das Cidades: “Em contraste, nos Estados Unidos, por exemplo, a maior parte da população (cerca de 85%) continua sendo atendida por empresas públicas, já que, em geral, não se optou pela possibilidade de transferir esses serviços ao setor privado, apesar do governo daquele país ser um dos principais um dos principais

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Entre as cláusulas contratuais existia a previsão de que a concessionária

tinha direito a todas as fontes de água existentes na área de abrangência do

contrato por 40 anos e do reajustamento médio das tarifas no primeiro ano de 35%

(chegando a 150% em alguns casos). Nos anos seguintes a previsão era de que o

reajuste deveria seguir a inflação medida em dólares americanos, isto como forma

de fazer frente aos investimentos alocados nos sistemas operados a uma taxa de

retorno entre 15 e 17%. Para tanto foi editada a Lei nº 2.029 (Prestacion de Servicios

de Agua Potable y Alcantarillado Sanitario) que estabeleceu o monopólio privado de

todos os recursos hídricos existentes na região, isto sem qualquer consulta á

população local, dependente de inúmeras fontes e poços para sua subsistência.182

O aumento excessivo das tarifas e a pretensa transformação em mercadoria

da água que era utilizada pelos agricultores para a irrigação e para o abastecimento

de pequenas comunidades pobres que autogeriam suas fontes de abastecimento,

resultou no agravamento das tensões já existentes na população com relação ao

abastecimento de água. Especialmente porque a legislação passou a prever o

monopólio privado de toda a captação de água (exigia-se licença até para que a

população captasse água de chuva), sem prever qualquer direito das comunidades

locais sobre os sistemas que por elas haviam sido construídos.183

Para discutir o modelo de privatização dos serviços de água e esgoto em

Cochabamba, liderado por Omar Fernandez, foi instituído a Coordenação de Defesa

da Água e da Vida (Coordinadora de Defensa del Agua y de la Vida), movimento do

qual também participou o líder sindical Oscar Oliveira.

Inconformados com a formatação do modelo de privatização, a população de

Cochabamba, liderada por Oscar Olivera, iniciou movimento pacífico de greve geral,

fechando a cidade por quatro dias consecutivos, situação que se tornou violenta pela

ação governamental contra os manifestantes em 4 de fevereiro de 2000. Os

protestos se estenderam pelos meses de março e abril, culminando com a prisão

promotores das políticas neoprivatistas no resto do mundo”. (HELLER, Léo (Coord.). Panorama do saneamento básico no Brasil: elementos conceituais para o saneamento básico. Vol nº 1, cit., p. 21).

182 BUSTAMANTE, Rocio. The water war: resistance against privatisation of water in Cochabamba, Bolivia. Revista de Gestão de Água da América Latina - REGA, Porto Alegre: Associação Brasileira de Recursos Hídricos – ABRH, Vol. 1, nº 1, p. 37-46, 2004, p. 38-39. Disponível em: <http://www.abrh.org.br/SGCv3/index.php?PUB=2&ID=63&PUBLICACAO=REGA&VOLUME=1&NUMERO=1>. Acesso em: 12 abr. 2014.

183 Maiores detalhes em: KRUSE, Thomas. La "Guerra del Agua" en Cochabamba, Bolivia: terrenos complejos, convergencias nuevas. cit. p. 132-139.

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das lideranças do movimento (incluindo Oscar Olivera) durante reunião no gabinete

do Prefeito de Cochabamba, fato motivador de mais protestos, os quais atingiram

também as cidades de La Paz, Oruro, Potosi e outras áreas rurais. Com estradas

bloqueadas184 e devido aos confrontos entre manifestantes e policiais, em 08 de

abril de 2000, foi declarado estado de sítio pelo governo boliviano. Depois de mais

alguns confrontos, em 10 de abril de 2000, Oscar Olivera assinou um acordo com o

governo para afastar a empresa Aguas del Tunari da prestação dos serviços, para a

libertação dos manifestantes presos e revogação da Lei nº 2.029 (revogada em 11

de abril).185

Diante de toda esta situação o governo boliviano declarou que o contrato de

concessão dos serviços estava revogado e a empresa Bechtel foi expulsa do país.186

A concessionária moveu um processo na Organização Mundial do Comércio

contra o Estado boliviano, requerendo uma indenização cinquenta (50) vezes maior

do que o valor que foi investido durante o período contratado.187

A 19 de janeiro, 2006 um acordo foi alcançado entre o governo da Bolívia

(então sob a presidência de Eduardo Rodríguez Veltzé) e a Aguas del Tunari, pelo

valor simbólico de 2 bolivianos (30 centavos de dólar).

A partir da retomada dos serviços pela população, foi criado o Serviço

Municipal de Água Potável e Esgotos de Cochabamba, empresa pública orientada

para um modelo de serviço público transparente, eficiente, com participação e justiça

social. O objetivo deste novo modelo de gestão pública com controle social é reduzir

a pobreza, ampliar o acesso à água segura e proteger recursos hídricos, por

diversas formas alternativas de prestação de serviço.188

184

Como curiosidade, merece destaque o fato de que o movimento indígena dos cocaleros teve ampla participação no bloqueio da rodovia de Cochabamba ao Chapare para evitar o transporte de produtos, situação que também contribuiu para a ascensão de Evo Morales ao poder na Bolívia. (Ver: GUTIERREZ, Carlos Jahnsen; LORINI, Irma. A trilha Morales: novo movimento social indígena na Bolívia. Novos Estudos: CEBRAP, São Paulo, nº 77, março, p. 49-70, 2007, p. 58. Disponível em: <http:// >. Acesso em: 12 abr. 2014.

185 Ver: KRUSE, Thomas. La "Guerra del Agua" en Cochabamba, Bolivia: terrenos complejos, convergencias nuevas. cit., p. 146-150.

186 Ver: CONFLITO das águas. Direção de Iciar Bollain. México: Paris Filmes LK TEL, 2010, 103 min., colorido, legendado.

187 Ver: BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Op. cit. p. 125.

188 “Estas formas organizativas conhecidas como: poços, associações, comitês, cooperativas de água, são reconhecidas pela população e também pela Lei nº 2.066, que disciplina o abastecimento de água potável e o esgotamento sanitário, em seu art. 8º, inciso k, que as define como entidade prestadora de serviços de água potável e esgoto sanitário (EPSA), reconhecidas como pessoas jurídicas, públicas ou privadas, que prestam um ou mais serviços de água potável e de esgoto sanitário. Cada uma destas EPSAS apresenta diferentes características, de acordo com

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Protestos semelhantes ocorreram em La Paz contra a empresa Aguas del

Illimani, subsidiária da multinacional francesa Suez. Neste caso, também o contrato

foi desfeito em 2007, pelo governo de Evo Morales, por discussões relativas ao

preço dos serviços, mas com algumas melhorias para os serviços prestados. Por um

bom tempo este contrato foi considerado como de sucesso.189

Estes movimentos sociais verificados na Bolívia levaram ao governo a

apresentar proposição junto a ONU, a qual resultou na declaração da água e do

saneamento como um direito humano.190

3.3.2 A Experiência Brasileira: Análise de Casos

Seguindo a mesma política implementada nos países vizinhos (e.g.

Argentina, Bolívia e Chile) os organismos financiadores internacionais (e.g. FMI, BID

e Banco Mundial) influenciaram o governo brasileiro a estabelecer diretrizes

favoráveis à atuação da iniciativa privada no setor de saneamento básico, conforme

já destacado.

A previsão do art. 175 da Constituição de que os serviços públicos podem

ser concedidos, seguidos da edição da Lei nº 8.987/95, fez com que vários

Municípios contratassem empresas privadas para a prestação dos serviços de água

e esgoto.

a zona, organização, costumes ou necessidades dos cidadãos. No Distrito 9 de Cochabamba, a população se encontra organizada em diferentes sistemas de água, e um exemplo são os “poços de água”, que apresentam costumes próprios no departamento, através da atividade agrícola, pecuária e leiteira de suas populações, que utilizam água para irrigação de cultivos, para consumo do gado e para consumo humano”. (WARTCHOW, Dieter. Cooperação público-público e público-comunitária para a gestão dos serviços de saneamento básico: caderno temático nº 12. In: REZENDE, Sonaly Cristina. (Org.). Panorama do saneamento básico no Brasil: Cadernos temáticos para o panorama do saneamento básico no Brasil. Vol. nº 7. Brasília: Ministério das Cidades (editora), p. 567-613, 2011. p. 592. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 5 abr. 2014.

189 “Qualquer que tenha sido a verdade a respeito dos números, esse contrato resultou em melhorias expressivas nos serviços de água em La Paz, mas foi atingido pelas mudanças políticas do país, e, em janeiro de 2006, o governo anunciou que o suspenderia. O cancelamento finalmente se deu em janeiro de 2007, quando o presidente Evo Morales disse que ‘a água não pode ser entregue à iniciativa privada; deve continuar a ser um serviço essencial, com a participação do Estado, para que os serviços de água possam ser prestados quase de graça’”. (ROUSE, Michael. Op. cit. p. 205).

190 Cf. Nota 124.

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Assim como no ambiente internacional, no Brasil, existem várias

experiências vividas com a atuação do setor privado a frente destes serviços, cuja

análise é importante para que se possa avaliar a melhor forma de prestar os serviços

e os mecanismos que são necessários para compatibilizar os interesses públicos e

privados existentes no setor, com vistas à universalização do acesso.

A primeira concessão plena de serviços de saneamento de uma cidade de

médio porte (cerca de 250 mil habitantes) registrada no país deu-se em 1995, no

município paulista de Limeira, mediante concessão por trinta (30) anos para a

empresa “Águas de Limeira” (Grupo Suez), formada pela construtora Odebrecht

(50%) e a companhia Suez - Lyonnaise des Eaux (50%).191

A concessionária privada assumiu os serviços, até então prestados por

autarquia municipal, sem ter que assumir os compromissos financeiros anteriores,

que ficaram sob a responsabilidade do Poder Público (e.g. dívidas contratuais e

passivos trabalhistas). Em contrapartida, foram previstas obrigações de ampliação

dos serviços e de melhoria das condições técnicas da sua prestação (redução de

perdas e aumento de produção de água).192

A concessionária “Águas de Limeira”, poucos meses depois de assumir a

prestação dos serviços, promoveu o reajustamento das tarifas e a diminuição do

volume de água subsidiado, fato que motivou inúmeros protestos e a investigação

pelo Legislativo municipal e pelo Ministério Público tanto da atuação da empresa,

quanto do processo de sua contratação, com suspeita de ser onerosa e irregular.193

191

Ver: VARGAS, Marcelo Coutinho. O negócio da água: debatendo experiências recentes de concessão dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário a empresas privadas no Brasil. Cuadernos del Cendes, ano 22, nº 59, mayo, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.org.ve//scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1012-25082005000200005&nrm=iso&lng=pt&tlng=es>. Acesso em: 12 abr. 2014.

192 VARGAS, Marcelo Coutinho; Lima, Roberval Francisco de. Abastecimento de água e esgotamento sanitário nas cidades brasileiras: riscos e oportunidades do envolvimento privado na prestação dos serviços. In: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Encontro da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. São Paulo, ANPPAS, p. 1-34, 2004, p. 16-17. Disponível em: <http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=REPIDISCA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=24029&indexSearch=ID>. Acesso em: 12 abr. 2014.

193 VARGAS, Marcelo Coutinho; Lima, Roberval Francisco de. Idem, p. 17.

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Constata Karine Silva Demoliner que foi um processo fraudulento e que

resultou em longa discussão judicial com imposição do congelamento das tarifas por

cinco (5) anos.194

Em virtude do congelamento de tarifas a “Águas de Limeira” deixou de

realizar investimentos programados e ingressou na Justiça reivindicando a

atualização tarifária prevista no contrato, acerca do que obteve decisão liminar no

ano de 2000.195

Objetivando solucionar o impasse, o Município e a concessionária firmaram

acordo em 2001, no qual ficou consignada a autorização para o reajuste das tarifas

em 63% (em três parcelas), a contrapartida da concessionária de assumir parte da

dívida da antiga autarquia municipal (20 milhões de um total de R$ 64 milhões) e o

repasse para esta de 9,5% da receita líquida dos serviços.196

Conclui Oscar Adolfo Sanchez que o exemplo de Limeira serviu

primeiramente de impulso para as empresas privadas, especialmente as francesas,

ingressarem na prestação dos serviços no estado de São Paulo e depois serviu de

aprendizado para o setor evitar condutas duvidosas como as aplicadas pela

Lyonnaise des Eaux neste caso. A empresa acabou por ficar com má-fama no

principal estado do Brasil e depois de se investigar outras concessões operadas por

esta empresa, constatou-se que ela esteve envolvida nas cidades de Mendoza e

Córdoba, na Argentina, em concorrências suspeitas, quase sempre com algum tipo

de acordo prévio com as autoridades que comandavam o processo.197

Karine Silva Demoliner cita que em Limeira e em outras privatizações

ocorridas em São Paulo a população teve prejuízo, especialmente a de baixa renda,

em evidente desrespeito aos direitos fundamentais tutelados.198

Superadas as questões acima, que certamente redundaram em prejuízos

sociais, atualmente, do ponto de vista técnico de índices de cobertura com serviços,

este sistema é considerado o melhor sistema operado por concessionária privada no

194

DEMOLINER, Karine Silva. Água e saneamento básico: regimes jurídicos e marcos regulatórios no ordenamento brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 150.

195 VARGAS; Marcelo Coutinho; LIMA Roberval Francisco de. Concessões privadas de saneamento no brasil: bom negócio para quem? cit., p. 78-79.

196 Para mais detalhes, ver: VARGAS, Marcelo Coutinho; Lima, Roberval Francisco de. Abastecimento de água e esgotamento sanitário nas cidades brasileiras: riscos e oportunidades do envolvimento privado na prestação dos serviços. cit., p. 17.

197 SANCHEZ, Oscar Adolfo. Op. cit., p. 97.

198 DEMOLINER, Karine Silva. Op. cit., p. 154.

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Brasil (quarto no ranking geral), conforme ranking do saneamento do Instituto Trata

Brasil.199

A primeira capital a conceder os serviços de água e esgoto para uma

empresa privada foi Manaus (Amazonas), no ano de 2000. Na ocasião, o grupo

Suez adquiriu em leilão a Manaus Saneamento, subsidiária integral da Companhia

de Saneamento do Amazonas (COSAMA), empresa estatal responsável pela

prestação dos serviços na capital do estado do Amazonas, por R$ 193 milhões.200

Logo após a privatização, a empresa passou a se chamar “Águas do Amazonas”.

Trata-se do mesmo grupo privado que assumiu os serviços na primeira

concessão brasileira, na cidade de Limeira, anteriormente citada.

Cristiane Fernandes de Oliveira, em sua tese de doutoramento, aponta que a

prioridade da empresa privada não foi a defesa dos interesses públicos, mas sim a

obtenção de lucro com a atividade mediante atrasos e retração nos investimentos,

bem como do alijamento de parcelas mais pobres da população ao acesso da água

tratada e ao esgotamento sanitário.201

Outra situação que é notória é o interesse do grupo francês no potencial

hídrico da região amazônica.

As tarifas praticadas pela concessionária privada imediatamente após a

assunção dos serviços, em 2000 e 2001, foram abaixo dos valores cobrados por

outras empresas similares, com redução em relação ao que era praticado pela

COSAMA até 1999. Porém, depois de consolidado o controle privado em Manaus,

os preços foram significativamente majorados, elevando a tarifa da “Águas do

Amazonas” para uma das mais altas do país.202

199

INSTITUTO Trata Brasil. Ranking do Saneamento - As 100 maiores cidades do Brasil (SNIS 2011) Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento>. Acesso em: 18 abr. 2014.

200 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi3006200006.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.

201 Ver: OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. Água e saneamento: a atuação do grupo Suez em Limeira e Manaus. Tese de Doutorado em Geografia. São Paulo: Biblioteca Digital da Universidade de São Paulo/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2007. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-01062007-131026/pt-br.php>. Acesso em: 28 abr. 2014.

202 OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. Água e saneamento básico em Manaus, Amazonas - Brasil: valoração econômica em serviços de utilidade pública. In: Geografia em Questão/Associação dos Geógrafos Brasileiros. Marechal Cândido Rondon: EDUNIOESTE, Vol. 04, nº 02, p. 181-196, 2011, p. 189-190. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/geoemquestao/article/view/4755/4236>. Acesso em: 17 abr. 2014.

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86

Apesar da majoração das tarifas, os investimentos realizados pela

concessionária foram inferiores aos da empresa estatal que a antecedeu na

operação do sistema (COSAMA). Este fato motivou vários problemas de saúde

decorrentes da falta de saneamento básico.203

Por questões políticas e econômicas o Grupo Suez, em 2007, transferiu a

prestação dos serviços para o Grupo Nacional Solvi, atualmente responsável pelos

sistemas através da empresa “Manaus Ambiental”.

Apesar de alguns avanços na prestação dos serviços, especialmente de

abastecimento de água, em 2012, a empresa foi investigada pelo Legislativo

municipal pelo alegado descumprimento de metas contratuais e lucratividade

excessiva.204

Atualmente o sistema ocupa a 72ª posição no “Ranking do Saneamento”.205

Outro caso de privatização de serviços de água e esgoto se verificou na

Região dos Lagos, no estado do Rio de Janeiro.

A região que era atendida pela empresa estatal carioca Companhia Estadual

de Águas e Esgoto (CEDAE) foi dividida em duas áreas de concessão atendidas por

uma mesma barragem, sendo a primeira composta por cinco (5) municípios (Búzios,

Cabo Frio, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia e Arraial do Cabo), concedida para

a empresa Águas de Portugal (Consórcio Prolagos); e a segunda por outros três

(Araruama, Saquarema e Silva Jardim), concedida para a “Águas de Juturnaíba”.

A concessão foi inicialmente regulada e fiscalizada pela Agência Reguladora

de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro (ASEP-RJ),

atualmente extinta e substituída pela Agência Reguladora de Energia e Saneamento

Básico do Estado do Rio (AGENERSA).

203

“Segundo o Banco de Dados do Sistema Único de Saúde – Datasus, este tipo de doença representou em 2004 aproximadamente 13% das mortes por doenças infecciosas em Manaus. Ainda, sobre o baixo índice e involução registrada da cobertura de coleta de esgoto na região Norte entre 1995 e 2006, o economista Francisco Marcelo Rocha Ferreira do BNDES afirmou que se não fosse o bom funcionamento do sistema de vacinação brasileiro a mortalidade seria ainda maior”. (OLIVEIRA, Cristiane Fernandes de. Água e saneamento básico em Manaus, Amazonas - Brasil: valoração econômica em serviços de utilidade pública. cit., p. 191.

204 FURTADO, Aristide. Presidente do grupo que controla a Águas do Amazonas será convocado pela CPI da Água. A crítica.com. Manaus, 24 de Maio de 2012. Disponível em: <http://acritica.uol.com.br/manaus/Manaus-Amazonas-Amazonia-cotidiano-CPI_da_Agua-Camara_Municipal_de_Manaus-Aguas_do_Amazonas-Abastecimento_de_agua-Falta_de_Agua-investigacao-politica_0_706129388.html>. Acesso em: 17 abr. 2014.

205 INSTITUTO Trata Brasil. Ranking do Saneamento - As 100 maiores cidades do Brasil (SNIS 2011) Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento>. Acesso em: 18 abr. 2014.

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A região de grande potencial turístico estava completamente desassistida

pela CEDAE, convivendo com racionamento de água e falta de rede de esgotos. Por

este motivo, em 1996, os Municípios e o Estado firmaram convênio para preparar a

concessão dos serviços de saneamento para a iniciativa privada, com o apoio da

própria CEDAE. O contrato de concessão foi firmado em abril de 1998 entre a

Prolagos, o governo estadual e os Municípios envolvidos (área urbana de Búzios,

Cabo Frio, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia e Arraial do Cabo) pelo prazo de 25

anos.206

Segundo Marcelo Coutinho Vargas e Roberval Francisco de Lima, nos

primeiros cinco anos da concessão o resultado técnico da atuação da empresa

privada foi positivo se comparado à atuação anterior da CEDAE e do problema

estrutural ali enfrentado pela má qualidade dos serviços prestados pela referida

estatal, devido à falta de investimentos nos sistemas. Todavia, o resultado social não

é bom, por não se verificar política voltada para garantir o acesso das populações de

baixa renda aos serviços.207

Karine Silva Demoliner também critica os atrasos de cumprimento de metas

e a falta de acesso para as populações mais carentes aos serviços da concessão

“Prolagos”.208

Outro caso de concessão de serviço para a iniciativa privada no Rio de

Janeiro ocorreu em 1999, no município de Niterói. O contrato do Município com a

CEDAE houvera vencido em 1992 também pela ausência de investimentos da

concessionária estadual. Os serviços foram concedidos por 30 anos à companhia

formada por empresas brasileiras, “Águas de Niterói” (Grupo Águas do Brasil).

O balanço desta concessão é globalmente positivo com bom desempenho

operacional e investimentos, especialmente se comparado ao da CEDAE. A “Águas

de Niterói” vem cumprindo as metas contratuais com alcance social das regiões mais

pobres do município.209

206

VARGAS; Marcelo Coutinho; LIMA Roberval Francisco de. Concessões privadas de saneamento no brasil: bom negócio para quem? cit., p. 80.

207 VARGAS; Marcelo Coutinho; LIMA Roberval Francisco de. Concessões privadas de saneamento no brasil: bom negócio para quem? Idem, p. 81-82.

208 DEMOLINER, Karine Silva. Op. cit., p. 156.

209 VARGAS; Marcelo Coutinho; LIMA Roberval Francisco de. Concessões privadas de saneamento no brasil: bom negócio para quem? cit., p. 82-83.

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Estes são exemplos de privatização em que a substituição da atuação

estatal por gestores privados surtiu resultados positivos, especialmente porque o

Estado não estava investindo na prestação dos serviços de água e esgoto

adequadamente.

O sistema de Niterói se encontra entre os melhores sistemas de saneamento

do Brasil, atualmente em 12º lugar, segundo o ranking do Instituto Trata Brasil.210

3.4 PRIVATIZAÇÃO: CONCILIANDO OS INTERESSES

Depois de analisados os casos nacionais e internacionais de atuação da

iniciativa privada à frente da prestação dos serviços de água e esgoto se podem tirar

algumas conclusões.

Na sequência serão analisados os aspectos positivos e negativos dos

processos de privatização e as possíveis formas de compatibilizar os interesses

públicos e privados envolvidos.

3.4.1 Principais Aspectos Positivos e Negativos das Privatizações

Ao analisar as experiências vividas com as privatizações dos serviços de

água e esgoto no Brasil e no Mundo, se verificou que esta pode ter efeitos positivos

ou desastrosos, dependendo principalmente do nível de fiscalização e regulação

exercidas pelos Estados tanto com relação à eficiência, quanto com relação à oferta

dos serviços para a população.

Ficou claro que os gestores privados têm condições técnicas de prestar

serviços com qualidade e de expandir a sua oferta. No caso da Inglaterra, do Chile e

em Limeira se verificou o sucesso dos gestores privados no atendimento da

210

INSTITUTO Trata Brasil. Ranking do Saneamento - As 100 maiores cidades do Brasil (SNIS 2011) Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento>. Acesso em: 17 abr. 2014.

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população com serviços adequados, de forma a dar acesso à população aos direitos

fundamentais atrelados à prestação dos serviços essenciais de água e esgoto.

Porém, em todos os casos de atuação privada analisados, mesmo nos de

sucesso acima citados, em algum momento se verificou a opção pelo lucro de seus

acionistas, em detrimento da oferta dos serviços para as camadas mais pobres da

população.

No estudo de casos, foram detectadas como principais falhas dos processos

de privatização, a falta de regulação forte e da participação efetiva da população

(controle social), albergados por regimes jurídicos e arranjos institucionais

específicos, que permitam ao Poder Público e à sociedade controlar a atuação

privada e os impactos sociais, ambientais e econômicos da prestação dos serviços.

Por se tratar de um monopólio natural, a falta de concorrência exige a

implementação de mecanismos de regulação que estabeleçam critérios de eficiência

e simulem um ambiente concorrencial (utilizando outras empresas eficientes como

referência).

Onde houve descaso do Poder Público, com a simples transferência do

serviço essencial para a iniciativa privada, sem nenhum acompanhamento

governamental ou da sociedade, os gestores privados passaram a se preocupar

apenas com a fixação das tarifas e com a maximização dos lucros, deixando de lado

critérios preferenciais como a qualidade dos serviços e a expansão do acesso para a

população.

Constatou-se também que na maioria das concessões privadas,

especialmente as operadas por multinacionais, ocorreu o cancelamento dos

contratos pelo descumprimento de metas e pelo aumento das tarifas, sendo que em

alguns dos casos os serviços foram reestatizados.

Neste ponto é mister destacar que os modelos de privatização

implementados na América do Sul são oriundos de políticas econômicas

incentivadas por organismos internacionais de desenvolvimento (FMI, BID e Banco

Mundial) a partir do final da década de 80. Foram aplicados com foco no mercado e

não na universalização dos serviços de água e esgoto, diferentemente do que

ocorreu em países desenvolvidos.211

211

“Assim, as recomendações dos especialistas do Banco Mundial que afirmam que a ‘privatização completa dos recursos hídricos’ e a criação de ‘monopólios privados não regulamentados’ são a

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Aliás, a análise de exemplos de privatização em países desenvolvidos

sempre deve levar em consideração a dificuldade de replicá-los nos países em

desenvolvimento, isto em razão das flagrantes diferenças de regime econômico e

político e do ambiente social entre estes países.

Aa privatização deve ser precedida de ampla discussão social, da prévia

definição do modelo a ser adotado e do respectivo marco legal. A falta destas

condições foi determinante para o fracasso das privatizações na Argentina e na

Bolívia, assim como a presença deles teve papel fundamental no sucesso do modelo

chileno, onde a iniciativa privada é responsável pelo desenvolvimento de serviços de

qualidade.

De outra sorte, além dos exemplos de Argentina e Bolívia, citados

anteriormente, as experiências negativas com as reformas neoprivatistas levaram

outros governos à decisão de cancelar as privatizações, partindo para a recuperação

de suas empresas (públicas), como foi o caso de China, Estados Unidos, França,

Tanzânia e Uruguai,212 este último tendo vedado a participação privada no

saneamento no art. 47 de sua Constituição.213

Bem destaca Jorge Luis Salomoni que estes processos de privatização sul-

americanos não foram objeto do necessário debate sobre o melhor modelo a ser

implementado para contemplar os interesses do Estado, da sociedade e dos

indivíduos, levando em consideração as questões políticas, sociais, econômicas e

jurídicas de cada local. Alerta que são modelos fundados em ideologias dominantes

e implementados por razões econômicas e financeiras desses Estados

empobrecidos.214

Neste contexto, as experiências já vividas contribuem para o

estabelecimento de alguns limites e condições para a sustentabilidade social,

econômica e ambiental da atuação dos prestadores privados, para que ela se torne

chave para ampliar a abrangência dos SAE (Sistemas de Água e Esgoto), bem como para melhorar a infraestrutura dos países mais pobres [...]”. CASTRO, José Esteban. Políticas públicas de saneamento e condicionantes sistêmicos. cit., p. 60.

212 HELLER, Léo (Coord.). Panorama do saneamento básico no Brasil: elementos conceituais para o saneamento básico. Vol nº 1, cit., p. 21.

213 “[...] por força do artigo 47, item 3, da Constituição da República do Uruguai, os serviços de distribuição de água e saneamento são prestados direta e exclusivamente por pessoas jurídicas estatais”. (SAKER, João Paulo Pellegrini. Op. cit., p. 39-40).

214 SALOMONI, Jorge Luis. Reforma del Estado y Mercosur. Hacia la construcción de un Derecho Público Comunitario. Documento de Trabajo nº 65, Universidad de Belgrano. Mayo, 2001, p. 9. Disponível em: <http://www.ub.edu.ar/investigaciones/dt_nuevos/65_salomoni.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2014.

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uma alternativa viável para apoiar o Estado na ampliação e melhoria da qualidade

dos serviços, com vistas à universalização do acesso.

3.4.2 Compatibilizando os Interesses Econômicos com a Universalização

O grande desafio parece ser encontrar a forma de compatibilizar os

interesses econômicos que norteiam a atuação das empresas privadas, com os

interesses sociais que devem presidir toda a prestação de serviço essencial e

escasso, como é especialmente o caso da água.

Isto sem impedir a viabilidade econômica e financeira da operação dos

sistemas de água e esgoto, seja por empresas privadas, seja por prestadores

públicos, com o foco na universalização do acesso a estes serviços, dependente de

vultosos investimentos.

As experiências citadas de atuação da iniciativa privada, assim como o

histórico da atuação do setor público no saneamento brasileiro são importantes na

perspectiva do desenvolvimento dos serviços eficientes e sustentáveis.

O Brasil adota o sistema capitalista, com a possibilidade de delegação da

prestação dos serviços públicos para a iniciativa privada ou para Companhias

Estaduais, motivo pelo qual busca-se maneiras de incentivar a atuação privada de

forma eficiente e sustentável do ponto de vista social, ambiental e econômico, assim

como de estabelecer condições para que os prestadores públicos operem de

maneira comercial.

Há necessidade da implementação de regulação forte e independente, que

estabeleça critérios de eficiência e qualidade dos serviços, através da fixação de

tarifas módicas e que permitam o acesso dos serviços para as populações carentes.

A regulação também deve estabelecer a concorrência comparativa, como forma de

resolver a “falha de mercado” existente no ambiente de monopólio natural dos

serviços de água e esgoto.

As políticas públicas devem ser adotadas com base em planejamento

voltado para o atendimento de todos os brasileiros com os serviços essenciais de

água e esgoto, isto, preferencialmente, sem a utilização de subsídios gerais, os

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quais, na medida do possível, devem ser voltados apenas para os usuários de baixa

renda.

Do contrário, há estimulo do próprio Estado (via subsídios) para que os

prestadores se tornem ineficientes e a prestação dos serviços insustentável.

Com relação aos subsídios é importante destacar que boa parte dos

sistemas de água e esgoto existentes no País, são operados por meio dos

chamados “subsídios cruzados” entre sistemas superavitários e deficitários, na

grande maioria operados por Concessionárias Estaduais, em regime de prestação

regional oriundo do modelo PLANASA.

O interesse da iniciativa privada tem ficado restrito a sistemas de porte

médio e grande, normalmente os responsáveis pelo equilíbrio econômico e

financeiro das Concessionárias Estaduais que atuam em inúmeros outros sistemas

pequenos e, na sua maioria, deficitários.

Nesse contexto, as privatizações devem ser precedidas da avaliação com

relação ao formato que será adotado, isto de maneira a evitar que os grandes

sistemas superavitários fiquem sob o controle da iniciativa privada, ficando a parte

deficitária do negócio sob a responsabilidade de entidades estatais.

A participação popular (controle social) e a transparência são obrigatórias no

planejamento, na regulação e na prestação dos serviços, possibilitando ao usuário,

maior interessado, de participar das decisões sobre o seu futuro.

Analisando os vinte melhores sistemas de água e esgoto do Brasil constata-

se a existência de bons exemplos de prestação de serviços privados, onde o

principal problema verificado é o aumento das tarifas com restrição de acesso para

as pessoas mais carentes. Também existem bons exemplos da prestação de

serviços pelo Poder Público (via direta ou indireta). Isto prova ser possível

compatibilizar a atuação dos prestadores públicos e privados desde que haja uma

política pública série e voltada para a expansão eficiente dos serviços, com foco

especialmente nos mais carentes.215

215

Entre os vinte (20) melhores sistemas do Brasil: (13) sistemas operados por Companhias Estaduais; três (3) por autarquias municipais; duas (2) por concessionárias privadas e duas (2) por parcerias público-privadas, a saber: 1) Uberlândia/MG - Município; 2) Jundiaí/SP - Município/Privado; 3) Maringá/PR – SANEPAR; 4) Limeira/SP – Privado; 5) Sorocaba/SP - Município; 6) Franca/SP – SABESP; 7) São José dos Campos/SP – SABESP; 8) Santos/SP – SABESP; 9) Ribeirão Preto/SP – Município/Privado; 10) Curitiba/PR – SANEPAR; 11) Londrina/PR – SANEPAR; 12) Niterói/RJ - Privado; 13) Uberaba/MG – Município; 14) Montes Claros/MG – COPASA; 15) Brasília/DF – CAESB; 16) Taubaté/SP – SABESP; 17) Suzano/SP – SABESP; 18)

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Da análise anterior, conclui-se que acertou o legislador constitucional ao

permitir a prestação dos serviços de forma democrática, mediante a delegação para

prestadores públicos e privados, desde que existam mecanismos de controle e

estímulo da sustentabilidade social, econômica e ambiental. A análise acerca da

existência ou não, em nosso ordenamento, dos mecanismos jurídicos hábeis para

isso será objeto do último capítulo desta pesquisa.

Embora se tenha ciência das limitações do Direito (restrições que o

positivismo jurídico insiste em ignorar), posto que o saneamento básico possui

dimensões que escapam ao seu alcance (econômica, política, técnica etc.), não se

deve ignorar a sua importância nessa e em outras searas da vida em sociedade,

formulando normas para o equacionamento de problemas reais, oriundos das

relações de administração firmadas pelos prestadores e usuários desse serviço.

Daí a importância de o Estado estabelecer o marco regulatório do setor de

saneamento, para tranquilizar a sociedade e dar segurança para as relações

jurídicas dos agentes envolvidos.

O exame desta questão é importante para a posterior avaliação do alcance

das políticas públicas implementadas no Marco Regulatório do Saneamento no

tocante ao controle da gestão dos serviços e para se perquirir a melhor forma de

prestá-los com vistas a atender a universalidade dos cidadãos brasileiros.

Assim como é relevante a análise do papel da atuação das empresas

concessionárias (públicas e privadas) na consecução do princípio da dignidade

humana e na inclusão social decorrente do acesso a serviços essenciais para a

realização de vários direitos fundamentais.

Antes, porém, em face deste cunho econômico e da relação direta destes

serviços com o bem-estar social é importante perquirir sobre a definição dada pela

Constituição e pela legislação para os serviços de água e esgoto, assim como em

que medida o Direito pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida da

população.

Ponta Grossa/PR – SANEPAR; 19) Belo Horizonte/MG – COPASA; 20) Praia Grande/SP – SABESP. (Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/ranking-do-saneamento>. Acesso em: 22 abr. 2014).

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4. O SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL: UMA VISÃO JURÍDICA

O objetivo deste capítulo é analisar a forma como o ordenamento brasileiro

trata o saneamento básico, abordando os dispositivos constitucionais e a legislação

infraconstitucional aplicável a matéria, com foco específico na natureza jurídica da

prestação dos serviços de água e esgoto, na titularidade dos serviços, nas

competências constitucionais e formas de contratação e delegação pelo Poder

Público da gestão destas atividades essenciais.

A investigação sobre o posicionamento do Estado brasileiro acerca do

saneamento básico passa, obrigatoriamente, pela análise da Constituição, fonte de

todo o ordenamento jurídico pátrio e fruto das forças políticas dominantes no

momento histórico em que é promulgada.216

Deve se interpretar a ordem jurídica de acordo com os valores consagrados

na Constituição de 1988 e com vistas à realização dos fundamentos e objetivos

consagrados em seus artigos 1º e 3º. E os serviços de água e esgoto não são

diferentes, pela essencialidade e externalidades ligadas a consecução de outros

direitos fundamentais.

4.1 O SANEAMENTO BÁSICO COMO SERVIÇO PÚBLICO: ÁGUA TRATADA E

ESGOTAMENTO SANITÁRIO

Inicialmente deve ser definido o que é serviço público para assim poder

apontar os fundamentos pelos quais o legislador resolveu enquadrar uma atividade

de cunho econômico (serviços água e esgoto), como serviço público.

216

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Leite Cordeiro dos Santos. 10ª ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 65.

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4.1.1 A Definição de Serviço Público

Desde que foi concebida na França pela Escola do Serviço Público, a noção

de serviço público tem sofrido várias modificações com o passar dos anos, estas

relacionadas ao contexto social, político e econômico de cada país e com o modelo

de Estado adotado (mais ou menos intervencionista).

Embora o serviço público fosse considerado peça fundante do Direito

Público para a Escola de Serviços Público, dois de seus juristas expoentes

divergiam sobre o seu elemento caracterizador. Para Léon Duguit o conteúdo

material era peça chave para qualificar toda a atividade desempenhada pelo Estado

e dependente do governante para seu cumprimento, com o objetivo de satisfação

coletiva, como serviço público. Já para Gaston Jèze a caracterização do serviço

público decorria de critério legal e não material, ou seja, do regime especial fixado

pelo governante para determinar que se tratava de serviço público.217

A definição da escola clássica para o serviço público reunia os elementos

subjetivo (serviço prestado pelo Estado), material (voltado para a satisfação de

necessidades coletivas) e formal (exercido sob o regime de Direito Público), ou seja,

como bem observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro o serviço público abrangia as

atividades de interesse geral, prestadas pelo Estado sob o regime publicístico.218

Como o Estado passou a gradativamente se afastar dos princípios do

liberalismo, mediante a expansão de suas atividades (serviços públicos), inclusive as

delegando para a execução por particulares, a conceituação do serviço público

deixou de conter todos os três elementos acima.219

Ao abordar este assunto, Dinorá Adelaide Musetti Grotti entende que esta

conceituação ainda depende da conjugação de dois ou três destes elementos, com

217

RIBAS, Paulo Henrique. O serviço público como meio de concretização de direitos fundamentais. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; BLANCHET, Luiz Alberto (Coord.). Serviços públicos: estudos dirigidos. Organizadores: Daiana Trybus, Paulo Henrique Ribas e Rodrigo Pironti Aguirre de Castro, Belo Horizonte: Fórum, p. 65-105, 2007, p. 70-71.

218 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 104.

219 “[...] os autores passaram a falar, na década de 50, em crise na noção de serviço público, entendendo que os três elementos normalmente considerados pela doutrina para conceituar o serviço público não são essenciais, porque às vezes falta um, ou até mesmo dois, dos elementos. (GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti Grotti. Teoria dos serviços públicos e sua transformação. In SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito Administrativo Econômico. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, p. 39-71, 2002, p. 43).

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base no entendimento de que “nenhum deles, por si só, oferece condições para

fazer emergir uma satisfatória noção de serviço público, dentro do contexto jurídico

vigente”.220

Sobre estes três elementos ou “critérios”, Paulo Henrique Ribas entende

“imprescindível” a coexistência de todos eles simultaneamente para que uma

atividade seja caracterizada como serviço público.221

A maioria da doutrina também deixou de lado a concepção essencialista de

que todas as atividades desenvolvidas visando o bem estar da coletividade,

independentemente do regime jurídico implementado, se caracterizam como serviço

público. Isto em virtude de que predomina na doutrina brasileira a posição formalista

de que o aspecto relevante para se conceituar uma atividade como serviço púbico é

o regime jurídico aplicável e o conteúdo da relação jurídica que está sendo objeto de

análise.222

A atual Constituição é o principal marco para a conceituação do serviço

público, especialmente porque as concepções doutrinárias necessariamente devem

seguir as disposições do texto constitucional vigente.

Dinorá Adelaide Musetti Grotti bem destaca que:

Cada povo diz o que é serviço público em seu sistema jurídico. A qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano da concepção sobre o Estado e seu papel. É o plano da escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes em um dado momento histórico.

223

220

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. Coleção Temas de Direito Administrativo, v. 6. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 52-53.

221 RIBAS, Paulo Henrique. Op. cit., p. 88.

222 “Todos que estudamos na Faculdade de Direito tivemos contato com a teoria do serviço público, que dividia a questão dos serviços públicos em duas linhas: uma essencialista e outra formalista. A primeira consiste em defender que a noção de serviço público reporta a uma essencialidade e, portanto, a própria natureza do serviço já predicaria que o serviço é um serviço público. De outro lado, há a concepção pela qual pende a doutrina brasileira, que chamaríamos de concepção formalista do serviço público. Por esta segunda linha teríamos que o serviço público é aquilo que a lei e a Constituição venham a dizer que é serviço público”. (MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito das telecomunicações e ANATEL. In SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito Administrativo Econômico. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, p 300-316, 2002, p. 310).

223 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. cit., p. 87.

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97

No mesmo sentido, Marçal Justen Filho defende que este conceito é

relativizado pelas “características de um ordenamento jurídico, num determinado

momento histórico”.224

Para Celso Antônio Bandeira de Mello “a noção de ‘serviço público’ depende

inteiramente da qualificação que o Estado (nos termos da Constituição e das leis)

atribui a um tipo de atividades”.225 Segundo este mesmo autor:

Se o direito positivo de um dado País qualifica a atividade tal ou qual como sendo serviço público, é da mais completa e total irrelevância para o intérprete, para o aplicador do Direito, se, acaso, em outros países diversa for sua qualificação.

226

No Brasil, a Constituição estabelece algumas atividades que expressamente

são reservadas ao Poder Público, em razão do interesse público envolvido, em que

pese a Constituição seja omissa com relação à noção de serviço público.

Daí decorrem divergências doutrinárias sobre o conceito de serviço público.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.

227

Defende o ilustre autor que a definição do serviço público depende da

submissão da atividade ao regime de direito público, já que a prestação destes

serviços mediante delegação para particulares não o desvincula da titularidade do

Poder Público.

224

JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 17.

225 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Serviço público e sua feição constitucional no Brasil. In: Grandes temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, p. 270-288, 2009, p. 275-276.

226 BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Serviço público e atividade econômica: serviço postal. cit., p. 301-314, 2009, p. 309.

227 BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29ª ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional 68, de 21.12.2011. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 687.

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No mesmo sentido é o posicionamento de Odete Medauar, para quem “o

serviço público é, por sua natureza, estatal”, tendo como “titular uma entidade

pública” e, por consequência, sendo regido “pelo regime de direito público”.228

Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro define o serviço público como “toda

atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por

meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às

necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou parcialmente público”.229

Outro que defende a possibilidade da prestação de serviços públicos em

regime de Direito Privado ou híbrido é Carlos Ari Sundfeld, quando analisa as

recentes legislações inovadoras que regem os serviços de telefonia e energia

elétrica.230

Discordam desta posição Marçal Justen Filho231 e Romeu Felipe Bacellar

Filho. Este último, ao abordar o tema, conclui que:

Não podemos concordar com a idéia de desvincular o serviço público do regime jurídico administrativo. Afinal, a Constituição de 1988 inaugurou um capítulo dedicado à Administração Pública. Se uma das pedras de toque do Estado de Direito é a fixação de um regime jurídico administrativo, a Lei Fundamental optou por consagrar um regime jurídico constitucional-administrativo, fundado em princípios constitucionais expressos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput). Estes princípios devem ser entendidos como de obediência obrigatória não somente pela Administração Pública em sentido subjetivo (órgãos da Administração Pública direta, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista que compõem a Administração Pública

228

MEDAUAR, Odete. Ainda existe serviço público? In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Serviços públicos e Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, p. 30-40, 2005, p. 37-38.

229 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. cit., p. 106.

230 “A propósito, está em curso no Brasil um debate, um tanto surdo, quanto à possibilidade de a exploração de serviço de titularidade estatal, como os de telecomunicações e energia elétrica, ser feita em regime privado, o que foi previsto nas leis de reestruturação, com intuito de introduzir a desregulação parcial desses setores (por meio de mecanismos como a liberalização do aceso dos exploradores ao mercado, a flexibilização dos preços, a ausência de garantia de rentabilidade etc.). Alguns de meus colegas consideram que isso seria contrário à Constituição, pois dela decorreria o caráter necessariamente público de exploração, por particulares, das atividades reservadas ao Estado. Esse argumento baseia-se na crença de que existiria, implícito nas dobras constitucionais, um regime jurídico único para a exploração de serviços estatais (que mereceria o qualificativo de ‘público’)”. (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord). Direito Administrativo Econômico. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, p 17-38, 2002, p. 33).

231 “Serviço Público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transidividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, insuscetíveis de satisfação adequada mediante os mecanismos da livre iniciativa privada, destinada a pessoas indeterminadas, qualificada legislativamente e executada sob o regime de direito público”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 596).

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indireta), mas também pela Administração em sentido objetivo, de atividade administrativa, que inclui o serviço público.

232

Filio-me a posição de que os serviços públicos devem ser prestados sob o

regime de direito público, posto que na Constituição não consta permissão para que

o legislador infraconstitucional estabeleça que a prestação destes serviços possa se

submeter ao “regime privado”. Como bem observa Romeu Felipe Bacellar Filho, o

que existe é disposição contrária a esta possibilidade.

Especialmente porque é serviço público somente aquilo que o ordenamento

jurídico determinar. Por escolha política, o Estado resolveu qualificar algumas

atividades como garantidoras de direitos fundamentais, a fim de atender aos mais

relevantes interesses coletivos, como ocorre no rol de obrigações estatais previstas

na Constituição.233

Neste ponto, há que se considerar que todo o serviço público está sujeito ao

regime de Direito Público. Porém, nem toda atividade desenvolvida pelo Estado é

serviço público, mas tão somente aquelas atividades vinculadas à realização dos

direitos fundamentais, em especial a dignidade humana. Mesmo as atividades de

cunho econômico, vinculadas a direitos fundamentais, são serviços públicos.

Esclarecedora a posição de Adriana da Costa Ricardo Schier:

Verificou-se, entretanto, principalmente em face das reformas na seara administrativa, que atribuir ao serviço público a natureza de direito fundamental é insuficiente para a efetivação dos direitos sociais plasmados no texto da Carta Magna. Faz-se necessário que as atividades sejam prestadas sob um regime jurídico especializado, o regime de direito público específico, previsto no art. 6º, da lei nº 8.987/95.

234

Alguns autores entendem que o serviço público é uma espécie do gênero

atividade econômica.

Para Floriano de Azevedo Marques Neto a Constituição Federal estabelece

duas acepções de serviços públicos. Os serviços públicos em “sentido amplo”

(função pública), quando a incumbência prestacional é do Estado em caráter

indelegável, o qual não pode ser caracterizado como atividade econômica (e.g. 232

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A natureza contratual das concessões e permissões de serviço público no Brasil. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; BLANCHET, Luiz Alberto (Coord.). Serviços públicos: estudos dirigidos. Organizadores: Daiana Trybus, Paulo Henrique Ribas e Rodrigo Pironti Aguirre de Castro, Belo Horizonte: Fórum, p. 11-46, 2007, p. 18-19.

233 Sobre o elenco de serviços públicos ver: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit. p. 132-143.

234 SCHIER, Adriana da Costa Ricardo. Op. cit., p. 292.

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segurança pública); e em “sentido mais restrito” quando os serviços (públicos) são

uma espécie do gênero “atividade econômica” e, portanto, “delegáveis à opção do

Poder Público”.235

Compete ao Estado determinar quais as atividades que, com ou sem cunho

econômico, estão diretamente relacionadas ao bem-estar social e, portanto, são de

sua titularidade, podendo ou não ser delegadas nos termos do regime jurídico

aplicável. Do ponto de vista lógico-jurídico os serviços são de titularidade do Estado

porque são públicos e não o contrário.236

Nesta mesma linha segue Silvio Luis Ferreira da Rocha, para quem “a

Constituição é que estabelece quais atividades econômicas, por serem consideradas

socialmente relevantes, devem servir de suporte fático à incidência do regime

jurídico específico relativo aos serviços públicos”.237

Eros Roberto Grau se posiciona sobre a inter-relação entre os conceitos de

atividade econômica e serviço público:

Como tenho observado, inexiste, em um primeiro momento, oposição entre atividade econômica e serviço público; pelo contrário, na primeira expressão está subsumida a primeira. [...] ‘Serviço público – dir-se-á mais – é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público. Não exclusivamente, note-se, visto que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão. [...] Daí a verificação de que o gênero – atividade econômica – compreende duas espécies: o serviço público e a atividade econômica.

238

235

MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. As parcerias público-privadas no saneamento ambiental. In SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias público-privadas. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 276-325, 2005, p. 309.

236 “É fato que o serviço público é de titularidade do Estado, que o presta diretamente ou por meio da atuação de particulares, Mas não é possível afirmar que todo e qualquer serviço prestado pelo Estado seja público. Nem é correto (ao menos, perante o Direito brasileiro) afirmar que o serviço se qualifica como público porque de titularidade do Estado. Ao contrário, o serviço é de titularidade do Estado por ser público. Portanto, atribuição da titularidade de um serviço ao Estado é decorrência de seu reconhecimento como serviço público”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. cit., p. 21).

237 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Breves considerações sobre a intervenção do Estado no domínio econômico e a distinção entre atividade econômica e serviço público. In: SPARAPANI, Priscila; ADRI, Renata Porto (Coord.). Intervenção do Estado no domínio econômico e no domínio social: homenagem ao professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, p. 13-27, 2010, p. 23.

238 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 15ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 99-100.

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Carlos Ari Sundfeld conclui que o conceito de atividade econômica é obtido

residualmente das atividades econômicas não reservadas para o Estado no texto

constitucional.239

Há que se especificar que o Estado só pode explorar diretamente a atividade

econômica (em sentido estrito) nos casos previstos no art. 173 da Constituição.

Dessa forma, está previsto o princípio da subsidiariedade, pelo qual o Estado deve

ausentar-se da atividade econômica.

O serviço público é a atividade assim qualificada na Constituição ou na Lei

em determinado momento histórico, posto sob a titularidade do Estado para a

realização dos direitos fundamentais, sob o regime de Direito Público. São as

atividades mantidas fora do âmbito da livre iniciativa em decorrência do projeto

político positivado implementado.

Há que se ressalvar que a definição de serviços públicos pelo legislador

ordinário não é arbitrária, mas está obrigatoriamente atrelada à vinculação da

atividade assim qualificada, com os objetivos consagrados na Constituição e com o

interesse público.240

Segundo Vitor Rhein Schirato:

[...] podemos entender que os serviços públicos serão aquelas atividades que sejam consideradas necessárias, à luz da égide constitucional vigente, para o atendimento dos interesses da coletividade, de acordo com os parâmetros e premissas estabelecidos na Constituição Federal. Nesta toada, é possível concluirmos que os serviços públicos poderão ser, entre outras possibilidades, atividades que tenham por finalidade assegurar a dignidade humana e o desenvolvimento nacional sustentado, ambos valores consagrados constitucionalmente como norteadores da atividade estatal brasileira (artigos 1º e 174 da Constituição Federal).

241

239

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 78.

240 “Em suma: o reconhecimento há de ser feito ao lume dos critérios e padrões vigentes em dada época e Sociedade, ou seja, em certo tempo e espaço, de acordo com a intelecção que nela se faz do que sejam a ‘esfera econômica’ (âmbito da livre iniciativa) e a esfera das atividades existenciais à Sociedade em um momento dado e que, por isto mesmo, devem ser prestadas pelo próprio Estado ou criatura sua (‘serviços públicos’)”. (BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. cit., p. 710).

241 SCHIRATO, Vitor Rhein. A regulação dos serviços públicos como instrumento para o desenvolvimento. In: Revista Interesse Público. Belo Horizonte: Editora Fórum, ano 7, n. 30, p. 77-97, mar./abr. 2005, p. 78.

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É pressuposto básico para que o legislador ordinário identifique uma

atividade como serviço público a sua essencialidade para a realização da dignidade

humana.242

Portanto, o serviço público é atividade fim do Estado, reconhecida

juridicamente como relevante socialmente e por isso submetida ao regime jurídico de

Direito Público.

4.1.2 Os Serviços Públicos de Água e Esgoto

Como foi analisado na seção anterior, os serviços públicos são identificados

no texto constitucional ou infraconstitucional.

No caso do saneamento básico (mais especificamente no que se refere aos

serviços de água e esgoto), deve se perquirir sobre a concepção política do Estado

brasileiro acerca deste setor e de sua relação com a realização dos direitos

fundamentais e do mínimo existencial para a dignidade humana da população, para

apurar o fundamento para qualificar esta atividade como serviço público.

Esta avaliação é importante em virtude do cunho econômico que também

está atrelado à prestação dos serviços de água e esgoto, os quais envolvem a

cobrança de tarifas e, como visto no escorço histórico, permitem a atuação

empresarial no setor com vistas a obter lucro.

Por isso é imperioso deixar claro o fundamento pelo qual o legislador

ordinário optou por qualificar a atividade como serviço público, retirando-a do âmbito

da livre iniciativa e colocando-a sob a titularidade do Estado.

Para Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer o “novo modelo de Estado

de Direito objetiva uma salvaguarda cada vez maior da dignidade humana e de

todos os direitos fundamentais”.243

242

“Os serviços públicos devem voltar-se à realização do princípio da dignidade da pessoa humana, ao atendimento das necessidades concretas dos cidadãos em determinada sociedade e em determinado momento histórico. Diga-se, aliás, que tal afirmação nada mais é que óbvia, pois o atendimento aos cidadãos consiste na principal razão de existência do Estado”. (RIBAS, Paulo Henrique. Op. cit., p. 101).

243 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: Estudos sobre a Constituição, os direitos fundamentais e a proteção do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 99.

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A Constituição de 1988 ampliou o conceito de direito social (Estado Social e

Democrático de Direito), com vistas a concretizar o bem estar e a justiça social,

incluindo entre eles a saúde, como dispõe o seu art. 6º.244

Como foi visto anteriormente, o acesso à água tratada e ao tratamento de

esgoto tem ampla vinculação com a melhoria das condições de saúde da

população,245 isto em decorrência de que o Estado deve garantir os serviços

necessários à prevenção, promoção e recuperação da saúde, como prevê o art. 196

da Constituição. O acesso aos serviços de água e esgoto, portanto, está associado

diretamente à saúde pública, posto que possui reflexos diretos na redução de

doenças e, principalmente, da mortalidade infantil.246

Quando o texto constitucional247 e a Lei nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde

- SUS)248 expressamente reconhecem o saneamento básico como fator

determinante e condicionante da saúde, automaticamente reconhecem a vinculação

dos serviços de água e esgoto a direitos sociais e fundamentais para uma vida com

dignidade.249

Há evidente vocação destes serviços para a satisfação de interesses

coletivos (redução de doenças e desenvolvimento social e ambiental), mediante o

atendimento das necessidades individuais (interesse do usuário individual). Sobre

este assunto, esclarecedora é a opinião de César Augusto Guimarães Pereira:

244

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, Planalto Central. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 abr. 2014).

245 “Não nos referimos à saúde apenas como ausência de doença, mas sim como o equilíbrio que permite ao indivíduo responder às exigências da vida social. Essa noção mais ampla nos permite enxergar o saneamento básico com o um elemento primordial para assegurá-la” (AITH, Fernando Mussa Abujamra. Teoria geral do direito sanitário brasileiro. (Tese de doutorado). São Paulo: USP, Faculdade de Saúde Pública, 2006, 2v. p. 50).

246 Cf. nota 20.

247 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico”. (BRASIL, Planalto Central. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 abr. 2014).

248 Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. (BRASIL, Planalto Central. Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 - Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 12 abr. 2014).

249 Sobre a fundamentalização dos direitos sociais, ver: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 499.

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Assim, ao prestar o serviço de abastecimento de água potável, o Poder Público realiza o interesse do usuário (que necessita de água de qualidade para sobrevivência com saúde) e o interesse coletivo na prevenção da transmissão de doenças e na redução dos eventuais custos de tratamento médico.

250

A água é sinal de vida, pois dela depende o ser humano para consumo

próprio, para a sua higiene, preparação de alimentos, entre outros.

Ao lado de outros direitos sociais, como é o caso da educação, habitação,

alimentação etc., o saneamento básico é essencial para as pessoas gozarem de

uma vida digna e saudável.

Riccardo Petrella destaca que:

A saúde humana está intimamente ligada ao acesso básico e seguro à água, como vemos pelo fato de que os problemas relacionados com a quantidade ou a qualidade da água estão à base de 85 por cento das doenças humanas nos países pobres. A proteção à saúde é, assim, muito mais que uma questão de ação pessoal por parte de indivíduos; é uma tarefa fundamental para a coletividade como um todo.

251

Os serviços de água e esgoto, em razão de sua essencialidade, podem ser

considerados para além de um serviço público – aplicando-se a aludida doutrina de

Floriano de Azevedo Marques Neto –, uma função pública, porque

constitucionalmente existe previsão de que a sua prestação está intrinsecamente

relacionada à garantia do bem-estar social e, especialmente, à garantia de uma vida

digna para o indivíduo como “finalidade da atuação do Estado”,252 nos termos do

preâmbulo constitucional (fundamento do Estado Democrático de Direito). Ou seja, o

Estado tem a obrigação constitucional de prover o mínimo de condição de

subsistência para os seus cidadãos, o que inclui o saneamento “básico”.

O acesso aos serviços de água e esgoto está, portanto, diretamente ligado à

consecução do princípio da dignidade humana, princípio basilar da Constituição

Federal de 1988 e que orienta a totalidade do catálogo de direitos fundamentais,

entre eles os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e a saúde.

250

PEREIRA, César Augusto Guimarães. Usuários de serviços públicos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 5.

251 PETRELLA, Riccardo. Op. cit., p. 88.

252 “Conquanto não tenha havido uma reforma constitucional específica entre nós que leve a essa modificação de pensamento, a consagração cada vez mais intensa da dignidade da pessoa humana como fundamento da ação do Poder Público conduz à valorização do indivíduo, da pessoa, como finalidade da atuação do Estado”. (PEREIRA, César Augusto Guimarães. Op. cit., p. 1).

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Sobre o tema leciona Maria Lúcia Navarro Lins Brzezinski:

A Constituição é omissa quanto à definição da noção de serviço público, embora, ao tratar da competência dos entes federados, refira-se a determinadas atividades como serviços públicos, tendo mencionado o serviço de saneamento [...].

253

Por ser um dever do Estado, o abastecimento de água potável e o

esgotamento sanitário foram enquadrados entre os serviços públicos pela Lei nº

11.445, de 5 de janeiro de 2007.254

Importante destacar que a Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995 já mencionava

o saneamento básico entre os serviços públicos.255

No Parecer sobre o Projeto da Lei de Saneamento, Marçal Justen Filho

deixou clara a vinculação destes serviços públicos com a dignidade humana.256

Seguindo-se os ensinamentos de Ruy Cirne Lima e diante da análise

constitucional chega-se à conclusão de que a Lei ordinária acima encontra respaldo

para a conceituação do saneamento básico como serviço público.257

Ficou claro que o legislador ordinário tem discricionariedade para qualificar

determinada atividade como serviço público, se ela for essencial para a realização

253

BRZEZINSKI, Maria Lúcia Navarro Lins. Op. cit., p. 75. 254

Art. 2o Os serviços públicos de saneamento básico [...].

(BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

255 Art. 2

o É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e

serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios, observado, em qualquer caso, os termos da Lei no 8.987, de 1995. (BRASIL, Planalto Central. Lei 9.074, de 7 de julho de 1995 - Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9074cons.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

256 “Por isso, reconhecer que as condições satisfatórias do saneamento básico são essenciais e indispensáveis à dignidade humana e ao respeito aos direitos fundamentais produz um efeito jurídico-político inafastável. Trata-se de incluir a promoção do saneamento básico como um compromisso da Nação brasileira, abrangido nos arts. 1º, inc. III; 3º, incs. III e IV, da CF/88. Mais ainda, trata-se de um dever do Estado brasileiro, que recai sobre todas as manifestações político-organizacionais: União, Estados e Distrito Federal e Municípios”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre a minuta do Projeto de Lei nº 5296/2005: diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e política nacional de saneamento básico - PNS. In: Brasil: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Brasília: Ministério da Cidades, 2005, p. 209. Disponível em: <http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd63/diretrizes/diretrizes.html>. Acesso em: 27 abr. 2014.

257 “A definição do que seja, ou não, serviço público, entre nós, em caráter determinante, formula-se somente na Constituição Federal e, quando não explícita, há de ter-se suposta no texto daquela”. (LIMA, Ruy Cirne. Pareceres (Direito Público). Porto Alegre: Livraria Sulina, 1963, p. 122).

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dos direitos fundamentais e para a dignidade humana, que é o caso dos serviços de

água e esgoto, conforme alhures demonstrado.

E nem o mencionado cunho econômico, decorrente da cobrança das tarifas

ou do lucro dos prestadores de serviço é capaz de retirar o caráter público destes

serviços, pois se trata de serviço essencial, indispensável ao atendimento das

necessidades inadiáveis da população e cuja ausência implica em consequências

drásticas para a sobrevivência, a saúde e segurança dos cidadãos.

Neste sentido, destaca Francisco Octavio de Almeida Prado Filho que:

A finalidade da prestação é a própria vantagem dela decorrente, o que se busca não é o lucro, mas o constante aperfeiçoamento dos serviços e seu oferecimento ao maior número possível de usuários, de forma a garantir os maiores benefícios possíveis à coletividade. A contraprestação pecuniária paga pelos usuários pela prestação dos serviços deve ser entendida, dessa forma, como instrumento necessário para o atingimento de sua finalidade precípua, qual seja, a satisfação da coletividade e o amplo acesso aos serviços pelos usuários.

258

A Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, conhecida como Lei de Greve, em

seu art. 10, inc. I define como “serviços ou atividades essenciais” o tratamento e

abastecimento de água, assim como a sua universalização é princípio fundamental

da Lei nº 11.445/2007 (art. 2º, inc. I), com todos os reflexos já apontados e que

ainda serão abordados no capítulo seguinte.

Para Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer “o direito humano – e

fundamental - à água potável e ao saneamento básico cumpre papel elementar não

apenas para o resguardo do seu próprio âmbito de proteção e conteúdo, mas

também para o gozo e o desfrute dos demais direitos humanos”.259

Conclui Marçal Justen Filho que:

Nesse contexto, é evidente o vínculo indissociável entre saneamento básico e direitos fundamentais. Os direitos fundamentais se traduzem na atribuição a todo e qualquer indivíduo de condições de sobrevivência como “sujeito” (e não como “objeto”) da vida. Isso envolve o fornecimento de utilidades materiais e imateriais que assegurem a existência saudável e a proteção possível contra os fatores nocivos do meio-ambiente circundante, de modo a propiciar o desenvolvimento de todas as potencialidades individuais e

258

PRADO FILHO, Francisco Octavio de Almeida. Diretrizes para a instituição de tarifas e taxas para os serviços de saneamento básico. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 319-327, 2011, p. 321.

259 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit., p. 117.

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coletivas. Por mais problemática que seja a definição do conteúdo dos direitos fundamentais, é inquestionável que um aspecto essencial envolve o que se poderia denominar de “direito à vida”. Todos têm direito a ver respeitadas as condições necessárias à manutenção da própria existência.

260

Para José Joaquim Gomes Canotilho o ser humano é o fundamento e o

limite da República.261 Portanto, a disponibilização dos serviços de água e esgoto é

um dever do Estado, pelos reflexos diretos provocados na melhoria da qualidade de

vida da população, o que denota seu caráter essencial.

Segundo Silvia Badim Marques e Maria Célia Delduque:

Isso se justifica pelo fato de a Constituição da República tratar o saneamento básico como um aspecto relevante do SUS. Certamente isso significa que o saneamento no Brasil é tema de saúde, aplicando-se-lhe os princípios constitucionais inerentes à saúde e ao SUS. Nesse sentido, vale ressaltar que as ações de saneamento, além de serem fundamentalmente ações de saúde pública e de proteção ambiental são também um bem de consumo coletivo, um serviço essencial, um direito do cidadão e um dever do Estado.

262

Por ser um dever do Estado, o saneamento básico está enquadrado entre os

serviços públicos. Segue-se mais uma vez o magistério de Ingo Wolfgang Sarlet e

Tiago Fensterseifer para quem o saneamento básico é “direito (e dever) fundamental

do indivíduo e da coletividade, além de serviço público essencial – e, portanto, dever

do Estado”.263

Segundo classificação de Eros Roberto Grau, consiste o saneamento de

atividade econômica qualificada como serviço público pelo sistema jurídico-

constitucional, em razão de seu interesse social.264

Logo, os serviços de água e esgoto devem ser prestados sob o regime de

direito público, estando sua prestação vinculada a certos critérios constitucionais e

legais indisponíveis, mediante o domínio do Estado.

260

JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre a minuta do Projeto de Lei nº 5296/2005: diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e política nacional de saneamento básico - PNS. cit., p. 208.

261 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. 4ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003, p. 225.

262 MARQUES; Silvia Badim; DELDUQUE, Maria Célia. Saúde e saneamento básico: relação necessária na perspectiva do Direito. In MOTA, Carolina (Coord.). Saneamento básico no Brasil: aspectos jurídicos da Lei Federal nº 11.445/07. Ed. Quartier Latin: São Paulo, p. 216-231, 2010, p 228.

263 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit., p. 117.

264 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 126.

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108

4.2 AS COMPETÊNCIAS E A TITULARIDADE DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E

ESGOTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Inicialmente esclarece-se que não se abordará sobre as competências

constitucionais relativas aos recursos hídricos, já que estes, em que pese sejam

determinantes para o saneamento básico, possuem legislação própria e formalmente

“não integram os serviços de saneamento básico” (art. 4º da Lei 11.445/2007).265

Conforme determina o art. 1º da Constituição, a Federação é formada pela

união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, devendo existir

colaboração entre estes entes na busca harmônica da realização de interesses

públicos comuns.

A composição federativa impede que qualquer dos Entes exerça uma

competência de forma absoluta e em prejuízo dos demais. Como adverte Marçal

Justen Filho, “ainda quando exista uma competência privativa para um determinado

ente federado, deverá dita competência ser executada de modo a assegurar a

realização dos interesses conjuntos de todos os demais entes federados”.266

Tratando especificamente do saneamento básico, sabe-se que se trata de

serviço de interesse social, cuja universalização do acesso provoca reflexos na

consecução dos direitos fundamentais básicos e, portanto, é interesse comum de

todos os Entes Federados empreender esforços para a melhoria das condições

destes serviços no território nacional.

É a expressão do regime de Federalismo Cooperativo da Constituição de

1988.

Tratando expressamente dos efeitos do saneamento básico na saúde

pública existe a previsão contida no art. 200, inc. IV, a seguir:

265

Art. 4º Os recursos hídricos não integram os serviços públicos de saneamento básico. Parágrafo único. A utilização de recursos hídricos na prestação de serviços públicos de saneamento básico, inclusive para disposição ou diluição de esgotos e outros resíduos líquidos, é sujeita a outorga de direito de uso, nos termos da Lei n

o 9.433, de 8 de janeiro de 1997, de seus regulamentos e das

legislações estaduais. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

266 JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre a minuta do Projeto de Lei nº 5296/2005: diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e política nacional de saneamento básico - PNS. cit. p. 204.

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Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico.

Anteriormente já foi observada a influência do saneamento básico na

melhoria das condições de saúde da população, sendo plenamente justificável que

as políticas públicas implementadas no Sistema Único de Saúde (SUS) guardem

estreita relação com as questões vinculadas ao saneamento básico.

A universalização dos serviços de saneamento básico é compromisso da

Nação Brasileira, motivo pelo qual a sua implementação depende da ação

coordenada e cooperativa de todas as esferas federativas.267

Para garantir a autonomia legislativa, administrativa e política dos Estados e

Municípios, a Constituição prevê competências de cada um dos entes, dispondo

sobre matérias reservadas e sobre matérias de competência comum ou

concorrente.268

As competências são poderes destinados a que os órgãos

constitucionalmente definidos cumpram as tarefas que lhes são determinadas.269

Na Constituição de 1988 a União detém a competência material exclusiva

para “instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação,

saneamento básico e transportes urbanos” (art. 21, inc. XX da CF/88).

Desta forma, é da União o papel de coordenadora das ações de

implementação da política pública relativa ao setor de saneamento básico com

abrangência nacional.270

Exercendo sua competência, a União editou a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro

de 2007, fixando as diretrizes para o setor.

Para Camila Pezzino Balaniuc Dantas:

267

CARVALHO, Vinícius Marques de. Cooperação e planejamento na gestão dos serviços de saneamento básico. In: MOTA, Carolina (Coord.). Saneamento básico no Brasil: aspectos jurídicos da Lei Federal nº 11.445/07. São Paulo: Quartier Latin, p. 53-88, 2010, p. 63.

268 Ver: PETIAN, Angélica. O alcance e os limites da competência da União para legislar sobre saneamento. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 95-110, 2011, p. 97.

269 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. cit., p. 543

270 Ver: CARVALHO, Vinícius Marques de. O direito do saneamento básico. Coleção Direito Econômico e Desenvolvimento. Vol. 1. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 374.

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A interpretação que podemos tirar de tal norma constitucional é que à União Federal cabe a instituição de normas gerais, de parâmetros a serem observados em âmbito nacional, sem, entretanto, exaurir o tema do saneamento básico. É preciso que haja uma margem para que os entes competentes para a prestação e consequente delegação de serviço de saneamento básico possam legislar sobre a matéria também.

271

Diante das diretrizes gerais fixadas pela União, compete aos Estados e

Municípios “disciplinarem em seu respectivo âmbito de competência as questões

afetas aos serviços de saneamento, implementando as políticas regionais e locais

que objetivem dar cumprimento aos princípios arrolados no artigo 2º da Lei nº

11.445/07”.272

Abordando expressa e diretamente a questão do saneamento, existe

previsão no art. 23, inc. IX de que é competência material comum da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “promover programas de construção

de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”,

confirmando o Federalismo Cooperativo instituído na Constituição brasileira.273

Os entes federados acima citados devem agir de maneira cooperativa para

atingir às finalidades públicas, sendo esta competência comum, como observa Cid

Tomanik Pompeu, mais voltada para atividades de cooperação do que para a

produção legislativa.274

Destaca Luis Roberto Barroso que “a norma não se refere à titularidade do

serviço, mas à possibilidade de uma ação de quaisquer dos entes estatais visando

ao melhor resultado na matéria”.275

Importante destacar também que no tocante ao saneamento básico, jamais

foi editada a Lei Complementar citada no parágrafo único do art. 23.276

271

DANTAS, Camila Pezzino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana (Org.). Saneamento básico: estudos e pareceres à luz da Lei nº 11.445/2007. Belo Horizonte: Fórum, p. 27-84, 2009, p 35-36.

272 PETIAN, Angélica. Op. cit., p. 106.

273 Sobre os dispositivos constitucionais que estão indiretamente relacionados com o saneamento, ver: PETIAN, Angélica. Idem, p. 97-103.

274 POMPEU, Cid Tomanik. Direito de águas no Brasil. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 53.

275 BARROSO, Luis Roberto. Saneamento básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE). Salvador, Bahia, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 11, ago./set./out., p. 1-21, 2007, p. 9. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/artigo/luis-roberto-barroso/saneamento-basico-competencias-constitucionais-da-uniao-estados-e-municipios>. Acesso em: 21 abr. 2014.

276 Ressalte-se que João Paulo Pellegrini Saker defende que esta lei “já foi criada e é a que disciplina os consórcios públicos e convênios de cooperação, ou seja, Lei nº 11.107/2005”. (Op. cit., p. 58).

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Tal situação, porém, não exclui a competência comum aplicável neste caso.

Sobre a natureza da competência comum, leciona José Afonso da Silva que:

Trata-se de competência material relativa à prestação de serviços da mesma natureza da competência prevista no art. 21, com a diferença de que esta é exclusiva da União, enquanto aquela é comum dela, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. ‘Competência comum’ significa que a prestação do serviço por uma entidade não exclui igual competência de outra – até porque aqui se está no campo da competência-dever, porque se trata de cumprir a função pública de prestação de serviços à população.

277

Não existe no texto constitucional dispositivo tratando diretamente da

titularidade dos serviços de água e esgoto ou do regime de prestação destes

serviços. Porém, já ficou demonstrado anteriormente nesta pesquisa que se trata de

serviço público, cuja prestação deve observar o regime de Direito Público e as

regras gerais previstas para todos os serviços públicos.

Pelo disposto no art. 30, incisos I e V da Constituição, em regra, a

titularidade dos serviços é do Município, ente competente para “legislar sobre

assuntos de interesse local”, assim como para “organizar e prestar, diretamente ou

sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local,

incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”.278

Este dispositivo acima só vem a confirmar o regime municipalista da

Constituição de 1988, cuja autonomia municipal foi consolidada no art. 34, inc. VII,

alinea “c”.

A exceção a esta regra se verifica nos municípios integrantes de regiões

metropolitanas. Houve intenso debate entre Estados e Municípios sobre a

titularidade nestas regiões, com ampla discussão doutrinária sobre o tema.279

A posição doutrinária prevalente até a decisão pelo Supremo Tribunal

Federal sobre a matéria entendia que a competência para prestar os serviços de

277

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6ª ed. atual. até a Emenda Constitucional 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 273).

278 “Os serviços de saneamento básico consistentes na distribuição de água e captação de esgoto no âmbito do Município são serviços tipicamente públicos e de interesse local”. (CAMMAROSANO, Márcio. A divisão constitucional de competências e a cooperação federativa na prestação de serviços municipais de saneamento básico. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 143-153, 2011, p. 147.

279 Sobre a discussão doutrinária acerca da titularidade em áreas de “interesse comum” (entre Estados e Municípios), ver: CARVALHO, Vinícius Marques de. O Direito do saneamento básico. cit., p. 382-384 e DANTAS, Camila Pezzino Balaniuc. Op. cit.

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água e esgoto em geral era dos Municípios, cabendo aos Estados a capacidade de

avocar para si tal competência (titularidade metropolitana), mediante Lei

Complementar, nos termos do artigo 25, §3º da Constituição.280

A questão acerca da titularidade em áreas de interesse comum –

especialmente regiões metropolitanas – foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal

Federal, que decidiu na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1842-RJ que o

poder concedente (titular) é o “colegiado formado pelos municípios e pelo Estado”,

assim como confirmou a autonomia dos municípios acima citada.281

280

Ver: BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 14 e TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual (Parecer). Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar/FGV, volume 222, outubro/dezembro de 2000, p. 307.

281 “Ação direta de inconstitucionalidade. Instituição de região metropolitana e competência para saneamento básico. Ação direta de inconstitucionalidade contra Lei Complementar n. 87/1997, Lei n. 2.869/1997 e Decreto n. 24.631/1998, todos do Estado do Rio de Janeiro, que instituem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro e a Microrregião dos Lagos e transferem a titularidade do poder concedente para prestação de serviços públicos de interesse metropolitano ao Estado do Rio de Janeiro. 2. Preliminares de inépcia da inicial e prejuízo. Rejeitada a preliminar de inépcia da inicial e acolhido parcialmente o prejuízo em relação aos arts. 1º, caput e § 1º; 2º, caput; 4º, caput e incisos I a VII; 11, caput e incisos I a VI; e 12 da LC 87/1997/RJ, porquanto alterados substancialmente. 3. Autonomia municipal e integração metropolitana. A Constituição Federal conferiu ênfase à autonomia municipal ao mencionar os municípios como integrantes do sistema federativo (art. 1º da CF/1988) e ao fixá-la junto com os estados e o Distrito Federal (art. 18 da CF/1988). A essência da autonomia municipal contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que determina a eleição do chefe do Poder Executivo e dos representantes no Legislativo. O interesse comum e a compulsoriedade da integração metropolitana não são incompatíveis com a autonomia municipal. O mencionado interesse comum não é comum apenas aos municípios envolvidos, mas ao Estado e aos municípios do agrupamento urbano. O caráter compulsório da participação deles em regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas já foi acolhido pelo Pleno do STF (ADI 1841/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20.9.2002; ADI 796/ES, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 17.12.1999). O interesse comum inclui funções públicas e serviços que atendam a mais de um município, assim como os que, restritos ao território de um deles, sejam de algum modo dependentes, concorrentes, confluentes ou integrados de funções públicas, bem como serviços supramunicipais. 4. Aglomerações urbanas e saneamento básico. O art. 23, IX, da Constituição Federal conferiu competência comum à União, aos estados e aos municípios para promover a melhoria das condições de saneamento básico. Nada obstante a competência municipal do poder concedente do serviço público de saneamento básico, o alto custo e o monopólio natural do serviço, além da existência de várias etapas – como captação, tratamento, adução, reserva, distribuição de água e o recolhimento, condução e disposição final de esgoto – que comumente ultrapassam os limites territoriais de um município, indicam a existência de interesse comum do serviço de saneamento básico. A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal. Para o adequado atendimento do interesse comum, a integração municipal do serviço de saneamento básico pode ocorrer tanto voluntariamente, por meio de gestão associada, empregando convênios de cooperação ou consórcios públicos, consoante o arts. 3º, II, e 24 da Lei Federal 11.445/2007 e o art. 241 da Constituição Federal, como compulsoriamente, nos termos em que prevista na lei complementar estadual que institui as aglomerações urbanas. A instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões pode vincular a participação de municípios limítrofes, com o objetivo de executar e planejar a função pública do saneamento básico, seja para atender adequadamente às exigências de higiene e saúde pública, seja para dar

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A competência dos Estados para constituírem regiões metropolitanas,

prevista no art. 25, §3º, é o fundamento da necessidade da participação destes, nas

decisões acerca da prestação dos serviços de interesse regional ou comum, porque

compete a eles integrar, mediante a edição de Lei Complementar, a organização, o

planejamento e a execução dos serviços de saneamento básico, quando declarados

de interesse comum.

No caso dos serviços que não ultrapassam o território de um único município

e não estão inseridos em áreas de região metropolitana, o interesse é “local” e,

portanto, de titularidade municipal.

Existem ainda outras competências constitucionais indiretamente

relacionadas ao saneamento básico, como é o caso da competência concorrente da

União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre a proteção ao meio

ambiente e a proteção e defesa da saúde, contidas nos incisos IV e XII do art. 24 da

Constituição, respectivamente.

viabilidade econômica e técnica aos municípios menos favorecidos. Repita-se que este caráter compulsório da integração metropolitana não esvazia a autonomia municipal. 5. Inconstitucionalidade da transferência ao estado-membro do poder concedente de funções e serviços públicos de interesse comum. O estabelecimento de região metropolitana não significa simples transferência de competências para o estado. O interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das consequências para a saúde pública de toda a região. O parâmetro para aferição da constitucionalidade reside no respeito à divisão de responsabilidades entre municípios e estado. É necessário evitar que o poder decisório e o poder concedente se concentrem nas mãos de um único ente para preservação do autogoverno e da autoadministração dos municípios. Reconhecimento do poder concedente e da titularidade do serviço ao colegiado formado pelos municípios e pelo estado federado. A participação dos entes nesse colegiado não necessita de ser paritária, desde que apta a prevenir a concentração do poder decisório no âmbito de um único ente. A participação de cada Município e do Estado deve ser estipulada em cada região metropolitana de acordo com suas particularidades, sem que se permita que um ente tenha predomínio absoluto. Ação julgada parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “a ser submetido à Assembleia Legislativa” constante do art. 5º, I; e do § 2º do art. 4º; do parágrafo único do art. 5º; dos incisos I, II, IV e V do art. 6º; do art. 7º; do art. 10; e do § 2º do art. 11 da Lei Complementar n. 87/1997 do Estado do Rio de Janeiro, bem como dos arts. 11 a 21 da Lei n. 2.869/1997 do Estado do Rio de Janeiro. 6. Modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Em razão da necessidade de continuidade da prestação da função de saneamento básico, há excepcional interesse social para vigência excepcional das leis impugnadas, nos termos do art. 27 da Lei n. 9868/1998, pelo prazo de 24 meses, a contar da data de conclusão do julgamento, lapso temporal razoável dentro do qual o legislador estadual deverá reapreciar o tema, constituindo modelo de prestação de saneamento básico nas áreas de integração metropolitana, dirigido por órgão colegiado com participação dos municípios pertinentes e do próprio Estado do Rio de Janeiro, sem que haja concentração do poder decisório nas mãos de qualquer ente. (SUPREMO Tribunal Federal. ADI 1842/RJ – Rio de janeiro. Julgamento 6 de mar. 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+1842%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+1842%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bbuaqul>. Acesso em: 22 abr. 2014).

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Até agora o que tem se verificado é a participação das três esferas de

governo no setor, sendo que não existe hierarquia entre eles, mas apenas a divisão

de tarefas imposta pela Constituição em regime de cooperação.

Em muitas situações a cooperação federativa é deixada de lado por

interesses políticos e econômicos referentes à titularidade dos serviços

(especialmente entre Estados e Municípios), em detrimento do interesse público que

devem nortear as políticas públicas deste setor essencial para o desenvolvimento.

A articulação entre as esferas federativas é muito importante para as

situações onde o titular não tem condições de prestar os serviços e muitas vezes

recorre para os financiamentos da União e para a prestação de serviços por

Companhias Estaduais. Esta cooperação federativa encontra fundamento no art.

241 da Constituição, regulamentado pela Lei nº 11.107/2005.

Independentemente de quem seja o titular dos serviços, é esta cooperação

entre os entes federados a única forma de se desenvolver o acesso universal ao

saneamento, a fim de realizar a dignidade humana.

4.3 AS FORMAS DE DELEGAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO

Sobre o regime de prestação dos serviços também não há uma disposição

constitucional específica para o saneamento básico, pelo que se aplicam as regras

do art. 175 para a prestação direta dos serviços pelo Poder Público ou concessão

destes mediante prévia licitação;282 e do art. 241 para gestão associada na

prestação dos serviços por entidades públicas. Estes dispositivos foram

regulamentados, respectivamente, pelas Leis ns. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995

(Lei de Concessões) e 11.107, de 5 de abril de 2005 (Lei de Consórcios Públicos).

282

Importante destacar que embora o art. 175 da Constituição também preveja a possibilidade de permissão dos serviços públicos, foi a concessão que se tornou o principal instituto jurídico utilizado no Brasil. Esta preferência pelo instituto da concessão advém da semelhança dos regimes jurídicos da permissão e da concessão, este último com maior segurança jurídica para os contratados. Em certos casos tem sido fixado prazo para as permissões, motivo pelo qual, apesar da denominação, a natureza jurídica do negócio realizado é de verdadeira concessão. Sobre o tema, destaca Marçal Justen Filho que embora a permissão seja a delegação de serviços unilateral, precária e revogável a qualquer tempo, em virtude da exigência de prévia licitação para outorgá-la e das regras vigentes, de fato, ela muito se assemelha a uma concessão. (Ver: JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. cit., p. 107-110).

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Nesta legislação específica, existe previsão de que a contratualidade

envolvendo a delegação de serviços públicos apresenta configuração distinta da

aplicável aos contratos privados e até mesmo aos contratos administrativos ditos

simples (regidos pela Lei 8.666/93).283

Nas situações onde o titular dos serviços de água e esgoto não tem

interesse de prestar diretamente os serviços de saneamento básico, existe a

possibilidade de delegação para que um terceiro preste, mediante a celebração de

contrato, nos termos dos artigos 8º e 10 da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007.284

Antes mesmo do advento da legislação acima, já existia previsão no texto

constitucional e legal possibilitando a delegação da prestação dos serviços de água

e esgoto pelos titulares.

Importante destacar que não se trata aqui da descentralização (outorga)285

dos serviços que o ente federado faz para entidades de sua própria Administração

indireta, a qual é prolongamento personalizado para executar o serviço da própria

alçada do titular. Marçal Justen Filho trata destes casos como uma subespécie da

concessão imprópria (concessão-descentralização).286

283

Adota-se a posição de Odete Medauar de que a delegação é a descentralização dos serviços públicos para terceiros, estranhos ao titular e desvinculados de sua própria administração. (Ver: Direito Administrativo moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 319).

284 Art. 8º Os titulares dos serviços públicos de saneamento básico poderão delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços, nos termos do art. 241 da Constituição Federal e da Lei n

o 11.107, de 6 de abril de 2005.

Art. 10 A prestação dos serviços de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato, sendo vedada a sua disciplina mediante convênios, termos de parceria ou outros instrumentos de natureza precária. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014).

285 MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo moderno. cit., p. 318-319.

286 “Na hipótese da descentralização, não se efetiva a atribuição do serviço a setores privados ou a terceiros, para desempenho por conta e risco alheios. O titular da competência mantém os serviços em sua órbita jurídica, mas sob modelo descentralizado. Cria pessoa ‘administrativa’, com personalidade de direito própria, a quem incumbe o desempenho do serviço público. Também é claro que a gestão dos serviços não se faz sob conta e risco de terceiros nem se sujeita ao integral regime jurídico de direito privado. Afinal, quem presta o serviço é a própria Administração, apenas que Administração indireta. [...] Quando o ente federado promove a sua descentralização, não existe transferência do serviço público para um particular. Tudo se passa tal como se o serviço público fosse prestado diretamente pelo próprio ente estatal. Ou seja, não há diferença substancial entre o desempenho do serviço pelo próprio ente federado (por meio de um órgão próprio), por via de uma autarquia ou por meio de uma entidade integrante de sua administração indireta”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre a minuta do Projeto de Lei nº 5296/2005: diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e política nacional de saneamento básico - PNS. cit. p. 235-236).

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Trata-se aqui da delegação pela Administração de serviços para a iniciativa

privada ou para entidades ligadas a outras esferas federativas, sendo o objeto da

delegação apenas a gestão dos serviços, permanecendo a titularidade sobre os

serviços na mão do Poder Concedente.287

No mesmo sentido são as observações de Dinorá Adelaide Musetti Grotti,

para quem:

O serviço público é sempre incumbência do Estado e depende, em última instância, do poder público: a sua criação corresponde a uma opção do Estado e supõe necessariamente uma decisão da autoridade pública; a sua gestão também incumbe ao Estado, que pode fazê-la direta ou indiretamente, por meio de concessão ou permissão, ou de pessoas jurídicas criadas pelo Estado com essa finalidade.

288

Por ser privativo do Estado, os serviços de água e esgoto podem ser

prestados pela iniciativa privada mediante delegação, porém, como alerta João

Paulo Pellegrini Saker, “com a indelegabilidade da regulamentação, controle e

fiscalização, privativos do Poder Público sempre”.289

Nos casos em que o Poder Concedente resolve transferir esta gestão dos

serviços de água e esgoto para concessionária não vinculada à sua Administração,

existem algumas formas de delegação, especialmente depois da Constituição de

1988.

A análise aqui se concentra apenas nas concessões de serviços públicos,

que passaram a ser utilizadas para a participação da iniciativa privada no setor de

saneamento básico e nas formas de contratação das Companhias Estaduais de

Saneamento, por serem estes os modelos tradicionalmente adotados no setor.

287

Ver: GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Concessão de serviço público. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 67.

288 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. cit. p. 49.

289 SAKER, João Paulo Pellegrini. Op. cit., p. 51.

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4.3.1 Modalidades de Contratos de Concessão

Na década de 70, se o titular dos serviços de água e esgoto delibera-se por

não prestá-los diretamente ou por uma concessão descentralizada para ente da sua

própria administração, a respectiva delegação só poderia ocorrer para uma das

concessionárias estaduais, criadas com fundamento no Plano Nacional de

Saneamento – PLANASA, respeitadas as respectivas competências territoriais.290

Para tanto, o titular poderia firmar um contrato de concessão com o objetivo de

aplicar a política governamental da época, firmada pela Lei nº 6.528, de 11 de maio

de 1978 e pelo Decreto nº 82.587, de 7 de novembro de 1978.

Para Rodrigo Pagani de Souza os Municípios não figuraram como Poder

Concedente nestes contratos firmados com as Companhias Estaduais. Entende este

autor que estas contratações “estiveram muito mais para delegações da

responsabilidade pelos serviços de água e esgoto que para concessões

propriamente ditas”.291

De fato, estas contratações seguiram o modelo do PLANASA, no qual as

Companhias Estaduais tinham a incumbência da prestação dos serviços e de seu

planejamento e regulação, caracterizando apenas a transferência dos serviços para

outro ente, no caso os Estados. Via de regra eram os Estados que fixavam as tarifas

e as respectivas estruturas tarifárias aplicáveis aos municípios atendidos por suas

estatais, isto nos termos da legislação federal vigente.292

290

Marçal Justen Filho conclui que: “Existe a concessão-descentralização, em que a pessoa política titular da competência para prestar o serviço não aliena de si o poder de controle sobre a prestação. Atribui o serviço a ente integrante da Administração indireta (autárquica ou não), sob controle e tutela seus. Não há transferência de gestão do serviço para órbita alheia, nem existem interesses distintos de concedente e concessionário. Não existe um concessionário, como sujeito com interesses próprios. A prestação do serviço não é retirada da órbita administrativa do sujeito que é titular para sua prestação”. (Teoria geral das concessões de serviço público. cit., p. 125).

291 SOUZA, Rodrigo Pagani de. A experiência brasileira nas concessões de saneamento básico. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias público-privadas. São Paulo: Malheiros, p. 326-356, 2005, p. 332-333.

292 Art. 32 As companhias estaduais de saneamento básico deverão, até 31 de dezembro de 1979, adequar suas estruturas tarifárias às disposições deste Decreto. (BRASIL, Planalto Central. Decreto 82.587, de 6 de novembro de 1978: Regulamenta a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978, que dispõe sobre as tarifas dos serviços públicos de saneamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D82587.htm>. Acesso em: 20 abr. 2014).

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Apesar serem tratados de contratos de concessão, tinham natureza de

convênio, amparado na legislação do PLANASA e nos artigos 13 e 167 da

Constituição Federal de 1967.293

Sobre esta questão observam Nahima Peron Coelho Razuk e Emerson

Gabardo:

Efetuando-se um drástico resumo, é possível inferir que existem dois modelos tradicionais que se reportam às duas principais maneiras de prestação do serviço de saneamento básico (em sentido estrito) no Brasil: o mais antigo, tratava-se de prestação direta, ainda que transversal, ou seja, um ente federado contratando com empresa pertencente a outro; e o mais recente, em que, revertendo-se a tendência histórica, passa-se a realmente conceder os serviços à iniciativa privada.

294

Bem destaca Marçal Justen Filho que com a consagração de um Estado

Democrático de Direito pela Constituição de 1988, é aberta a possibilidade para que

os titulares deleguem os serviços de água e esgoto também para o setor privado.295

Esta situação ficou bem demonstrada anteriormente, quando se abordou a

possibilidade legal da “privatização” dos serviços de água e esgoto.

O texto constitucional, implementado em 1988, prevê no art. 175: “Incumbe

ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou

permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.296

Com base no dispositivo acima e no disposto no art. 2º da Lei nº 8.987, de

13 de fevereiro de 1995 (Lei de Concessões),297 a prestação de serviços pela via

293

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parecer elaborado para a Cia. de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP - Término de prazo dos contratos de concessão entre a SABESP e Municípios. Investimentos não amortizados. 2007, p. 6-8.

294 RAZUK, Nahima Peron Coelho; GABARDO, Emerson. As diretrizes de reversão e transição no caso de extinção das delegações de serviços públicos de saneamento básico. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana (Org.). Saneamento básico: estudos e pareceres à luz da Lei nº 11.445/2007. Belo Horizonte: Fórum, p. 209-235, 2009, p. 211.

295 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. cit., p. 154.

296 BRASIL, Planalto Central. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 abr. 2014.

297 Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: [...] II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; IV - permissão de serviço público: a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco. (BRASIL, Planalto Central. Lei 8.987 de 13 de fevereiro de 1995 - Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987cons.htm. Acesso: 18 abr. 2014).

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indireta para o setor privado só pode ser delegada por contrato de concessão ou

mediante permissão (precária), precedida de processo licitatório. Foi visto

anteriormente que esta legislação infraconstitucional é originária dos movimentos

neoliberais que conduziram as privatizações de vários serviços públicos no Brasil

durante a década de 90.

Com base nos dispositivos acima, alguns autores, mais expressivamente

Celso Antônio Bandeira de Mello, passaram a defender que toda a concessão de

serviços públicos deveria ser precedida de licitação, mesmo nos casos em que se

pretendesse contratar uma concessionária estadual.298

Outra corrente, com destaque para Marçal Justen Filho, defende que apenas

as concessões para a iniciativa privada devem ser precedidas de licitação, pois as

concessões para concessionárias estaduais (sociedades de economia mista) são

passíveis de dispensa por se tratarem de contratos de “concessão-convênio”299.

Nos casos em que os serviços são precedidos de processo licitatório – via

de regra para a contratação de empresas da iniciativa privada – devem observar as

Leis ns. 8.987/95 (concessões) e 8.666/93 (licitações), na modalidade de

concorrência pública.

O silêncio da lei com relação à atuação das concessionárias estaduais fez

surgir, com apoio na doutrina, especialmente do Professor Marçal Justen Filho, uma

figura contratual dita precária.

Por se tratarem de empresas estatais, constituídas especificamente para a

prestação de serviços públicos de água e esgoto pelos respectivos Estados, as

concessionárias estaduais passaram a firmar contratos com os Municípios na

década de 70, com base no PLANASA.

Foi demonstrado que depois da Constituição de 1988, estas empresas

continuaram a prestar serviços, o que provocou forte discussão doutrinária acerca da

interpretação do disposto no art. 175 da Constituição acerca da necessidade ou da

dispensa da participação das empresas estaduais em processo de concorrência com

os sujeitos integrantes da iniciativa privada.

298

Ver nota 308. 299

Ver: JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. cit., p. 122-124.

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O fundamento legal utilizado para defender a dispensa de licitação neste tipo

de contratação está na interpretação sistemática de dispositivos das Leis 8.666/93 e

8.987/95.

Na legislação que rege as concessões (Lei nº 8.987/95) existe expressa

previsão de que na celebração dos contratos deve observar as “as normas legais

pertinentes” ou a “legislação própria” das licitações, no caso a Lei nº 8.666/93,

conforme se verifica na transcrição abaixo:

Art. 1o As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as

permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos. Art. 4

o A concessão de serviço público, precedida ou não da execução de

obra pública, será formalizada mediante contrato, que deverá observar os termos desta Lei, das normas pertinentes e do edital de licitação. Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria [...].

300 (grifos nossos)

Na citada “legislação própria” que rege as licitações, existe expressa

previsão de sua aplicação aos contratos de concessão. Também prevê a Lei

8.666/93, em seu artigo 24, inc. VIII, que “é dispensável a licitação para a aquisição,

por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços

prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha

sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que

o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado”.301

O dispositivo acima se aplica à contratação pelos titulares, dos serviços

prestados pelas concessionárias estaduais (sociedades de economia mista),

entidades que integram a Administração Pública indireta dos Estados, criadas

especificamente para a prestação de serviços públicos de água e esgoto (longa

manus dos Estados).

300

BRASIL, Planalto Central. Lei 8.987 de 13 de fevereiro de 1995 - Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987cons.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014.

301 Art. 124. Aplicam-se às licitações e aos contratos para permissão ou concessão de serviços públicos os dispositivos desta Lei que não conflitem com a legislação específica sobre o assunto. (BRASIL, Planalto Central. Lei 8.666 de 21 de junho de 1993 - Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014).

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Aqui, cita-se o exemplo da Companhia de Saneamento do Paraná –

SANEPAR, sociedade de economia mista criada pela Lei Estadual nº 4.684, de 23

de janeiro de 1963, com o fim específico de prestar serviço de saneamento básico

em todo o Estado, estando desde então à disposição de todos os Municípios que

queiram dispor de seus serviços.302

Parece evidente que o espírito de constituição destas empresas estatais não

foi o de integrá-las a um ambiente competitivo de mercado, mas de oferecer aos

Municípios um apoio para a prestação de serviços essenciais de interesse comum

das entidades públicas envolvidas,

Estas empresas não foram constituídas para competir com a iniciativa

privada (mediante processo licitatório), especialmente porque o incentivo á

participação privada no setor surgiu depois da Constituição de 1988, quando as

Companhias Estaduais já estavam operando há mais de duas décadas.

Apesar de as estatais serem, via de regra, entidades constituídas sob o

regime de direito privado, elas exercem atividade pública (prestação de serviços de

água e esgoto), com a participação majoritária de capital público em sua constituição

societária.303

Esta vinculação com Estado faz com que as concessionárias estaduais,

como é o caso da SANEPAR, SABESP, COPASA, entre outras, possuam garantias

e benefícios para a captação de financiamentos públicos junto aos órgãos federais

(sempre com a anuência do Governador do Estado), situação não verificada com a

iniciativa privada. A garantia pública acima é um diferencial que até impede a

concorrência em igualdade de condições dos prestadores estatais e privados.

302

Art. 1º. Fica o Poder Executivo autorizado a constituir uma sociedade por ações, sob a denominação de Companhia de Saneamento do Paraná - SANEPAR, destinada à exploração de serviços públicos e de sistemas privados de abastecimento de água, de coleta, remoção e destinação final de efluentes e resíduos sólidos domésticos e industriais e seus subprodutos, de drenagem urbana, serviços relacionados à proteção do meio ambiente e aos recursos hídricos, outros serviços relativos à saúde da população, prestação de consultoria, assistência técnica e certificação nestas áreas de atuação e outros serviços de interesse para a SANEPAR e para o Estado do Paraná, dentro ou fora de seus limites territoriais, ficando autorizada, para os fins acima, a participar, majoritária ou minoritariamente, de consórcios ou sociedades com empresas privadas. (Disponível em: <http://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=exibirImpressao&codAto=11047>. Acesso em: 19 abr. 2014).

303 Adilson Dallari conclui que: “Órgãos e entidades públicas não concorrem entre si. Quando o Poder Público cria uma entidade para servir como instrumento de sua atuação, é como se fosse o próprio Estado ‘contratando’ consigo mesmo, ainda que se trate de relação entre entidades de diferentes pessoas jurídicas de capacidade política” (Aspectos jurídicos da licitação. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 60).

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Em contraposição ao citado benefício, diferentemente das empresas da

iniciativa privada, as concessionárias estaduais têm de se submeter às regras

aplicáveis ao poder público, mais especificamente ao disposto no artigo 37 da

Constituição. Tal situação provoca certa redução na agilidade destas estatais,

gerada pela necessidade de contratarem com fornecedores mediante contratos

administrativos precedidos de licitação, assim como de contratarem seus

empregados por concurso público. A notória morosidade destes procedimentos

administrativos desequilibra a disputa entre as empresas estatais e privadas,

especialmente no tocante à eficiência operacional.

Pelos motivos acima, conclui-se pela impossibilidade de competição justa

entre as concessionárias estaduais e as empresas da iniciativa privada, o que

impede a participação daquelas em processo licitatório, sob pena de ser violado o

princípio da isonomia, norteador de todas as licitações.304

Sobre este tema destacamos a posição de Alaôr Caffé Alves:

A rede institucional, de natureza constitucional e legal, em que estão envolvidas as paraestatais, não permite jamais a existência da referida isonomia. Portanto, a licitação de serviços públicos, para efeito de concessão, que pressupõe a igualdade entre os licitantes, não poderia efetivamente ocorrer entre empresas privadas e paraestatais, embora tal igualdade seja superficialmente pressuposta pela legislação de concessões. Seus regimes operacionais e de controle são muito distintos. A empresa estatal, ao contrário da privada, deve sempre submeter-se aos princípios da licitação, à regra de concursos públicos para arregimentação de pessoal, aos controles dos tribunais de contas, etc. Suas despesas não são ‘livres’; ela não pode aplicar quantias não transparentes para a consecução de seus propósitos legais.

305

Nesta mesma linha, Eros Roberto Grau conclui que se aplica a licitação

somente para a contratação de pessoas privadas estranhas ao Estado.306

304

Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a

seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010). (BRASIL, Planalto Central. Lei 8.666 de 21 de junho de 1993 - Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014).

305 ALVES, Alaôr Caffé. Op. cit., p. 315.

306 GRAU, Eros Roberto. Op. cit., p. 141.

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O fundamento para dispensa de licitação está no art. 23, inc. VIII da Lei

8.666/93.307

Merece destaque o posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro no

sentido de que a contratação direta das Companhias Estaduais se dá por

inexigibilidade de licitação.308

Contrária a este argumento é a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello,

em parecer emitido para a Associação Brasileira das Concessionárias de Serviços

Públicos de Água e Esgoto – ABCON, sobre a possibilidade de contratação por

dispensa de licitação de estatais.309

307

Art. 24. É dispensável a licitação: [...] VIII - para a aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994). (BRASIL, Planalto Central. Lei 8.666 de 21 de junho de 1993 - Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014).

308 “No caso da SABESP, os vários aspectos analisados permitem a conclusão de que se trata de hipótese de inexigibilidade de licitação: quer porque a empresa foi criada por lei com o objetivo específico de prestar o serviço público de saneamento em todo o território do Estado, estando à disposição dos Municípios que queiram dispor de seus serviços; quer porque a sua qualificação técnica, nessa área de atuação, em termos de estrutura, de organização, de recursos humanos e técnicos, torna inviável a competição; quer porque os acordos celebrados com os Municípios se inserem mal no conceito de concessão, mais se aproximando dos convênios, na medida em que visam atender a resultado que se insere na competência comum da União, Estados e Municípios; quer porque a empresa, por prestar serviço público, sem objetivo específico de lucro, não atua em atividade competitiva no domínio econômico da iniciativa privada”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parecer sobre a consulta formulada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) sobre a necessidade de licitação para contratação da SABESP, pelos Municípios, para execução de serviço público de água e esgoto. São Paulo. Novembro de 1997, p. 14).

309 “O Poder Público tem o dever jurídico inescusável de tratar com igualdade quaisquer sujeitos de direito que queiram e possam se candidatar ao travamento de vínculos negociais com ele, maiormente se tais vínculos ensejam, como é natural, a captação de proveito econômico. Pois bem, a busca do cumprimento deste dever de isonomia, como se sabe, efetua-se mediante licitação, instituto este cuja finalidade é, nos termos da lei própria (art. 3° da lei n° 8.666, de 21.06.93, modificada pela lei n° 8.883, de 08.06.94), precisamente o de assegurar, de um lado, tratamento isonômico aos interessados e de outro proporcionar ao promotor do certame a realização do negócio mais vantajoso. A lei n° 8.987 de 13.12.95, que é diploma posterior e específico de concessões de serviço público, pressupõe, como resulta notadamente do parágrafo único de seu art. 17, que a prestação de tais serviços, quando pretendida por entidades estatais alheias à órbita da concedente, depende de disputa efetuada na intimidade do competente procedimento licitatório. As observações feitas, absolutamente curiais, despertam, todavia, atenção para um tópico que se constitui no próprio cerne da Consulta; qual seja: mesmo que o possível interessado em obter concessão de serviço público seja entidade estatal, nem por isto ficará liberado de disputá-la em licitação aberta para tal fim, amenos que pertença à própria órbita administrativa do eventual concedente. [...] Municípios não podem contratar diretamente, isto é, com dispensa de licitação, entidade governamental estadual prestadora de serviços públicos de água e esgoto, porque a lei n° 8.987 I de 13.12.95, que é diploma posterior e específico de concessões de serviço público, pressupõe, como resulta notadamente do parágrafo único de seu

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A posição deste renomado administrativista parece ter sido superada pela

evolução do regime jurídico. Atualmente (será demonstrado no item seguinte)

dispensa-se a licitação para a contratação de concessionárias estaduais, com base

na cooperação federativa.

Filio-me neste ponto ao posicionamento de Marçal Justen Filho que entende

dispensável a licitação nos casos de “concessão-convênio” ou concessão imprópria:

Muitas vezes, a solução jurídica acaba por desembocar na constituição de ente integrante da Administração indireta, que recebe a gestão dos serviços a título de concessão. Essa tem sido a experiência nacional, no âmbito do saneamento, por exemplo. As companhias estaduais de saneamento possuem natureza de sociedades de economia mista e são compostas, na maior parte dos casos, pela associação entre o Estado e alguns de seus Municípios. Prestam serviços públicos no âmbito dos Municípios associados. Também nesse caso não se configura uma concessão em sentido próprio. Existe convênio entre entes políticos diversos, norteado a propiciar conjugação de esforços e utilização harmônica das competências de que cada qual é titular. A atividade desempenhada pela concessionária não se rege pelos princípios próprios da concessão, mas retrata atuação associativa entre vários entes políticos. Não existe contraposição de interesses entre a concessionária e cada uma das pessoas políticas. Há uma paridade de interesses homogêneos, característica dos contratos associativos. No caso, a ausência da criação de ente com personalidade autônoma dificultaria a gestão e produziria eventos problemáticos, em matéria de formalização jurídica. Logo, a opção de instituir um novo sujeito de direito representa alternativa no processo de organização das relações entre as pessoas políticas. [...] Portanto, as concessões sob as quais se oculta um convênio não se subordinam ao modelo próprio correspondente, delineado a partir do artigo 175 da Constituição Federal. Em suma, quando há prestação de serviço público mediante entidade da Administração indireta não há exercício de atividade econômica em sentido estrito, nem há concessão, nem se aplica (de regra) a obrigatoriedade da submissão da atividade ao regime de direito privado.

310

Parece razoável que a atuação das concessionárias estaduais neste caso

possa ser enquadrada na expressão “poder público” do artigo 175 da Constituição,

se tratando de prestação direta, não depende de licitação.311

art. 17, que a prestação de tais serviços, quando pretendida por entidades estatais alheias à órbita da concedente, depende de disputa efetuada na intimidade do competente procedimento licitatório". (Disponível em: <http://www.sindcon.com/biblioteca/parecer-juridico-bandeira-de-mello/>. Acesso em 19 de abr. 2014).

310 JUSTEN FILHO, Teoria geral das concessões de serviço público. cit., p. 124-127.

311 Para Eros Roberto Grau: “Estas empresas estatais [...] são delegadas do Estado, criadas no bojo do movimento da descentralização administrativa, para fim específico. É o próprio Estado, então, que através de uma sua extensão, dotada de personalidade jurídica privada, presta os serviços. Por isso que, no caso, não há como cogitar de licitação. Esta se impõe, nos termos do que define o art. 175 do texto constitucional, unicamente quando se trate de concessão ou permissão, ou seja, de atribuição de capacidade para o exercício da atividade de serviço público a pessoas privadas, estranhas ao Estado” (Op. cit., p. 139-141).

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Estas concessões chamadas de “impróprias” encontram fundamento na

dispensa de licitação para que Estados e Municípios possam conjugar esforços na

prestação de serviço de interesse comum dos Entes Federados envolvidos na

cooperação federativa prevista na competência comum estatuída no artigo 23, inc.

IX da Constituição.

Alice Maria Gonzalez Borges também comunga do seguinte entendimento:

[...] as relações entre pessoas públicas e entidades públicas de unidades federadas diversas se desenvolvem em outro plano, um plano superior, em que não cabe qualquer espécie de competição, e, sim, uma associação, em prol da consecução de objetivos e competências comuns”.

312

A edição da Emenda Constitucional, 19 de 4 de junho de 1998,313 confirmou

a possibilidade da conjugação de esforços entre Entes da Federação para a

prestação de serviços comuns, como é o caso da água e do esgoto.

Este dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei 11.107, de 6 de

abril de 2005, que confirmou a possibilidade da cooperação federativa e a dispensa

de licitação para a contratação das concessionárias estaduais por parte dos titulares

dos serviços de água e esgoto, mediante a celebração de contratos de programa.

4.3.2 Contrato de Programa

O modelo federativo brasileiro estabelece que a União, os Estados, os

Municípios e o Distrito Federal devem cumprir as obrigações constitucionais relativas

aos serviços públicos de saneamento em regime de colaboração mútua, com vistas

a construir uma sociedade livre, justa e solidária; a garantir o desenvolvimento

nacional; erradicar a pobreza e a marginalidade e reduzir as desigualdades sociais e

regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos (art. 3º da Constituição).

312

BORGES, Alice Maria Gonzalez. Concessões de serviço público de abastecimento de água aos municípios. Revista Trimestral de Direito Público, vol. 17, p. 39-48, 1997, p. 47.

313 Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (BRASIL, Planalto Central. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 abr. 2014).

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A cooperação entre as entidades federais é diretriz expressa no art. 241, que

foi regulamentado pela Lei 11.107/2005, na qual estabeleceu-se parâmetros para a

gestão associada dos serviços públicos entre entidades que compõem a Federação

brasileira (Federalismo cooperativo).

No esteio da teoria que defendia a possibilidade de se entabular contratos de

“concessão-convênio” para autorizar a prestação de serviços de água e esgoto por

concessionárias estaduais, dispensada a licitação por se tratar de prestação de

serviço de interesse comum (associação entre entidades públicas), o legislador

formalizou a possibilidade da “cooperação federativa”.

O citado artigo 241 prevê expressamente a possibilidade de colaboração

intergovernamental por meio de convênios ou consórcios entre os entes políticos

que integram a Administração, na execução de interesses homogêneos.

No mesmo sentido é a regulamentação deste dispositivo constitucional (Lei

11.107/2005), que permite aos entes federados (União, Estados, Municípios e

Distrito Federal) se consorciarem ou firmarem convênio de cooperação (art. 13).314

Nos dois tipos de associação entre entes federados (consórcios ou convênio

de cooperação), existe a possibilidade de que ente da Administração de um dos

Entes Federados conveniados ou consorciados seja contratado para a prestação de

serviços por dispensa de licitação, mediante a celebração de um contrato de

programa, com base no art. 24, inc. XXVI da Lei nº 8.666/93 e nos artigos 31 e 32 do

Decreto nº 6.017/2007.315

314

Art. 13. Deverão ser constituídas e reguladas por contrato de programa, como condição de sua validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos. [...] § 5º Mediante previsão do contrato de consórcio público, ou de convênio de cooperação, o contrato de programa poderá ser celebrado por entidades de direito público ou privado que integrem a administração indireta de qualquer dos entes da Federação consorciados ou conveniados. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.107, de 6 de abril de 2005 - Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm>. Acesso em: 15 abr. 2014).

315 Art. 24. É dispensável a licitação: [...] XXVI – na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005). (BRASIL, Planalto Central. Lei 8.666 de 21 de junho de 1993 - Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em: 18 abr. 2014).

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127

Bem destaca Floriano de Azevedo Marques Neto que:

[...] o contrato de programa não serve a estruturar a prestação conjunta dos serviços, a delinear as fronteiras e o regime de associação entre os diferentes entes federativos. Ele serve tão-somente a disciplinar a operacionalização de serviços do ponto de vista estritamente obrigacional, tanto que não precisa ser celebrado entre entes políticos, podendo ser assinado por entidades da Administração indireta ou por consórcios públicos.

316

O contrato de programa é o instrumento pelo qual se definem os critérios de

prestação dos serviços públicos por meio de gestão associada.

A gestão associada é pactuada em consórcio público ou convênio de

cooperação, os quais são celebrados exclusivamente por entes federados. Neles

podem ser delegados também a regulação e a fiscalização dos serviços prestados,

consoante incisos do art. 2º do Decreto Federal nº 6.017/2007.317

Art. 31. Caso previsto no contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação entre entes federados, admitir-se-á a celebração de contrato de programa de ente da Federação ou de consórcio público com autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista. §1º Para fins do caput, a autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista deverá integrar a administração indireta de ente da Federação que, por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação, autorizou a gestão associada de serviço público. [...] Art. 32. O contrato de programa poderá ser celebrado por dispensa de licitação nos termos do art. 24, inciso XXVI, da Lei 8.666, de 1993. (BRASIL, Planalto Central. Decreto 6.017, de 17 de janeiro de 2007 - Regulamenta a Lei n

o 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas

gerais de contratação de consórcios públicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6017.htm>. Acesso em: 15 abr. 2014).

316 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Parecer sobre a minuta do Projeto de Lei nº 5296/2005: diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e política nacional de saneamento básico - PNS. In: Brasil: Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Brasília: Ministério da Cidades, 2005, p. 127. Disponível em: <http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd63/diretrizes/diretrizes.html>. Acesso em: 27 abr. 2014.

317 Art. 2º Para os fins deste Decreto, consideram-se: I - consórcio público: pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei n

o 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a

realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos; [...] VIII - convênio de cooperação entre entes federados: pacto firmado exclusivamente por entes da Federação, com o objetivo de autorizar a gestão associada de serviços públicos, desde que ratificado ou previamente disciplinado por lei editada por cada um deles; [...] IX - gestão associada de serviços públicos: exercício das atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação entre entes federados, acompanhadas ou não da prestação de serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (BRASIL, Planalto Central. Decreto 6.017, de 17 de janeiro de 2007 - Regulamenta a Lei n

o 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de

contratação de consórcios públicos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6017.htm>. Acesso em: 15 abr. 2014).

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128

Para que não pairem dúvidas, é importante destacar que, nos termos do art.

13 da Lei 11.107/2005, os contratos de programa são instrumentos adequados para

a constituição de “obrigações” de um ente da Federação para outro (inclusive

entidade da Administração indireta), no âmbito da gestão associada em que “haja

prestação de serviços ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços,

pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos”.

Portanto, quando um ente da Federação delega a regulação para outro ente,

não se está diante da prestação de serviços ou transferência de encargos, pessoal

ou bens, mas sim da gestão associada de uma competência que não sai da esfera

do Poder Público, mesmo quando exercida por entidade vinculada a outro ente

federado.

Além do que o contrato é instrumento adequado para que se estabeleçam

obrigações e não a gestão associada das atividades de planejamento, regulação e

fiscalização dos serviços públicos. Este tipo de delegação, seguindo o disposto no

art. 241 da Constituição e no art. 2º, incisos VIII e IX do Decreto nº 6.017/2007 deve

ocorrer mediante convênio de cooperação, situação que pode ou não estar

acompanhada da prestação dos serviços.318

Evidente que o legislador ordinário estabeleceu o contrato de programa,

autorizado em convênio de cooperação firmado entre entes da Federação (União,

Estados, Distrito Federal e Municípios); ou firmado com consórcio público, como o

instrumento apto a viabilizar a gestão associada para a prestação de serviço de

saneamento básico por ente da Administração indireta integrante de qualquer dos

convenentes ou consorciados. Ou seja, no caso do saneamento, a legislação agora

contempla expressamente a possibilidade da prestação dos serviços pelas

318

“Esse é o espírito da Lei n. 11.107/2005, regulamentada pelo Decreto n. 6.017/2007, que também no inc. IX do mesmo art. 2º deixa clara a distinção entre regulação, de um lado, e, do outro, prestação ou transferência de serviços públicos, ao estabelecer que a gestão associada de serviços públicos inclui o exercício das atividades de regulação, planejamento ou fiscalização, ‘acompanhadas ou não da prestação de serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos’. Conclui-se quanto à matéria, portanto, que o contrato de programa é necessário apenas nos casos em que o convênio de cooperação incluir no seu objeto a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos, no sentido anteriormente explicitado, o que não é o caso dos convênios previstos para a atribuição de competências à agência reguladora”. (LIMA, Gislene Rocha de. Modelos e mecanismos de regulação independente. In: GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; MELO, Alisson José Maia; MONTEIRO, Mario Augusto P. (Org.). Regulação do saneamento básico. Barueri, SP: Manole, p. 1-32, 2013, p. 15).

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129

Concessionárias estaduais por dispensa de licitação, anteriormente denominadas

“concessão-convênio”.

Veja-se o posicionamento de Cristiana Fortini e Rúsvel Beltrame Rocha:

Há muito se admite a existência da chamada “concessão imprópria”, ou “concessão-convênio”, entre Municípios e entidades da Administração Indireta estaduais ou federais, por meio dos quais se entregava a estas últimas a execução de serviço público de titularidade do primeiro. [...] Tem-se agora nova nomenclatura (contrato de programa), que pode ser usado para disciplinar relações entre dois entes federados e entre um ente federado e um consórcio, como já dito.

319

O contrato de programa é uma figura jurídica originária do Direito Francês,

onde identifica-se com um processo de contratualização no setor público. No Brasil,

esta espécie de contrato de gestão foi implementada para possibilitar a delegação

indireta de serviços a partir de um ambiente convenial ou consorcial prévio,

entabulado entre entes da Federação.320

Pelo regime jurídico atual, a prestação dos serviços por entidade não

integrante da Administração do titular deve se dar por “contrato” (art. 10 da Lei

11.445/2007). Contrato de concessão quando os serviços são delegados para a

iniciativa privada com prévia licitação e contrato de programa quando delegados

para entidade integrante da Administração de outro ente federado em regime de

gestão associada.321

A confirmação de que a prestação dos serviços de água e esgoto por

companhias estaduais consiste de uma associação para a consecução de um fim

comum foi atestada pelo artigo 3º, inc. II da Lei 11.445/2007.322

319

FORTINI, Cristiana; ROCHA, Rúsvel Beltrame. Consórcios públicos, contratos de programa e a Lei de saneamento. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana (Org.). Saneamento básico: estudos e pareceres à luz da Lei nº 11.445/2007. Belo Horizonte: Fórum, p. 137-156, 2009, p 148-149.

320 ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Direito do saneamento: introdução à lei de diretrizes nacionais de saneamento básico (Lei Federal nº 11.445/2007). 2ª ed. Campinas/SP: Milennium Editora, 2010, p. 46-47.

321 “Quais contratos seriam estes? Duas são as alternativas. Celebram-se contratos de concessão de serviços públicos, objeto do art. 175 da Constituição da República, na hipótese de se contratar empresa da iniciativa privada, ou ajustam-se contratos de programa, quando o titular optar por valer-se da ajuda de outro ente da federação, ou da entidade da Administração Indireta deste outro ente, ou finalmente de consórcio de que não seja partícipe”. (FORTINI, Cristiana; ROCHA, Rúsvel Beltrame. Op. cit., p. 149).

322 Art. 3º [...] II - gestão associada: associação voluntária de entes federados, por convênio de cooperação ou consórcio público, conforme disposto no art. 241 da Constituição Federal. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

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130

Da interpretação dos dispositivos implementados com o Marco Regulatório

do Saneamento conclui-se que procedia a tese anterior da existência de fundamento

para a contratação das Companhias Estatais por contratos de “concessão-convênio”,

dispensada a licitação.

4.3.3 Formas de Gestão dos Serviços de Água e Esgoto

Na análise acima se constata que existem algumas espécies de

transferência da gestão dos serviços de água e esgoto pelo Poder Concedente.

Quando o titular abre mão de prestar os serviços pela via direta centralizada

(e.g. via secretaria de governo) ou descentralizada (autarquia ou sociedade de

economia mista do próprio titular do serviço), pode delegar a prestação dos serviços

mediante concessão ou permissão precedida de licitação; ou estabelecer um regime

de gestão associada com outro ente da Federação.323

Esta conclusão decorre da análise do art. 10 da Lei nº 11.445/2007 que

prevê a delegação da prestação dos serviços de água e esgoto sempre executada

por contrato.

A contratação de ente da Administração Pública indireta (e.g.

Concessionárias Estaduais), deve ocorrer mediante a celebração de contrato de

programa por dispensa de licitação, desde que estabelecida gestão associada entre

entes Federados por Consórcio ou Convênio de Cooperação.

Já para a contratação de empresa da iniciativa privada, o Poder Concedente

deve celebrar um contrato de concessão, precedido de licitação (art. 175 da

Constituição).

Tais hipóteses são destacadas por Cristiana Fortini e Rúsvel Beltrame

Rocha:

323

Sobre o tema discorre Luiz Henrique Antunes Alochio: “Ocorre que o titular de um serviço poderá trabalhar com espécies distintas de formas de gestão. a) Prestação direta centralizada; b) Prestação ‘direta descentralizada’ (autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas, fundações): é o caso de delegação; c) Prestação indireta, mediante licitação; d) E, agora, também pela forma de Gestão Associada ou Regionalizada, na qual encontramos os contratos de programa”. (Op. cit., p. 43).

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O art. 10 conjuga-se com o art. 16 da mesma Lei nº 11.445/07, no qual se afirma quem prestará o serviço público de saneamento: a iniciativa privada (mediante concessão) ou entidades da Administração indireta (inclusive consórcio), mediante contrato de programa.

324

A dicotomia entre o contrato de programa para a contratação empresas

estaduais e do contrato de concessão para a contração de empresas privadas, fica

ainda mais evidente no disposto no art. 38 do Decreto nº 7.217, de 21 de junho de

2010 (regulamento da Lei nº 11.445/2007).325

É Coerente a posição do Legislador com o ambiente democrático vigente

dentro do sistema econômico capitalista da Constituição de 1988, já que franquia a

oportunidade ao titular dos serviços de verificar qual a melhor alternativa para a

prestação dos serviços de água e esgoto, seja pela via direta, indireta ou pela

gestão associada.

Um exemplo prático destas três situações ocorre no Litoral do estado do

Paraná. No município de Antonina, os serviços são prestados pelo Serviço

Autônomo Municipal de Água e Esgoto (SAMAE Antonina), autarquia municipal

autônoma, criada pela Lei Municipal nº 10 de 11 de dezembro de 1.968.326 No

município vizinho de Morretes, o serviço é prestado em regime de cooperação com o

Estado do Paraná, através de delegação para a Companhia de Saneamento do

Paraná, conforme autorizado pela Lei Municipal nº 247, de 29 de novembro de

2013.327 E no outro município vizinho de Paranaguá o serviço foi delegado para a

324

FORTINI, Cristiana; ROCHA, Rúsvel Beltrame. Op. cit. p. 149. 325

Art. 38. O titular poderá prestar os serviços de saneamento básico: I - diretamente, por meio de órgão de sua administração direta ou por autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista que integre a sua administração indireta, facultado que contrate terceiros, no regime da Lei n

o 8.666, de 21 de junho de 1993, para determinadas atividades;

II - de forma contratada: a) indiretamente, mediante concessão ou permissão, sempre precedida de licitação na modalidade concorrência pública, no regime da Lei n

o 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; ou

b) no âmbito de gestão associada de serviços públicos, mediante contrato de programa autorizado por contrato de consórcio público ou por convênio de cooperação entre entes federados, no regime da Lei n

o 11.107, de 6 de abril de 2005. (BRASIL, Planalto Central. Decreto 7217 de 21 de

junho de 2010 - Regulamenta a Lei no 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes

nacionais para o saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7217.htm>. Acesso em: 20 de abr. 2014).

326 Disponível em: <http://www.samaeantonina.com.br/sobre_o_samae>. Acesso em: 9 mai. 2014.

327 Disponível em: <https://www.leismunicipais.com.br/a/pr/m/morretes/lei-ordinaria/2013/24/247/lei-ordinaria-n-247-2013-autoriza-o-poder-executivo-municipal-a-estabelecer-com-o-governo-do-estado-do-parana-a-gestao-associada-para-a-prestacao-planejamento-regulacao-e-fiscalizacao-dos-servicos-de-abastecimento-de-agua-e-esgotamento-sanitario-no-municipio-de-morretes.html>. Acesso em: 9 mai. 2014.

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132

iniciativa privada por subconcessão da empresa municipal, Companhia de Água e

Esgoto de Paranaguá (CAGEPAR), para a empresa privada CAB Águas de

Paranaguá, integrante do grupo privado Galvão.328

Para melhor compreender as formas de gestão, planejamento e regulação

dos serviços, assim como as suas especificidades e objetivos, é necessário a

análise do Marco Regulatório do Saneamento.

328

Disponível em: <http://www.cabaguasdeparanagua.com.br/site/quemsomos>. Acesso em: 9 mai. 2014.

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133

5. O MARCO REGULATÓRIO DO SANEAMENTO BÁSICO E OS MEIOS PARA

ASSEGURAR A UNIVERSALIZAÇÃO - ANÁLISE CRÍTICA

Seguindo a determinação constitucional prevista no art. 21, inc. XX da

Constituição,329 o legislador infraconstitucional, decorridos mais de 20 anos da

edição da Constituição de 1988, editou a Lei que traça diretrizes para o setor de

saneamento básico (Lei nº 11.445/2007), que foi regulamentada pelo Decreto

Federal nº 7.217, de 21 de junho de 2010.

A Lei nº 11.445/2007 veio a aplacar a ânsia de todos os envolvidos com este

importante setor de desenvolvimento social e econômico, que há muito aguardavam

a implementação de um marco jurídico, com vistas a obter uma efetiva política

pública para o saneamento básico.

A necessidade de que o Estado estabeleça um marco legal para organizar o

setor evidencia a necessidade que o Direito tem de ser convertido em palavras para,

aí sim, baseado na linguagem dos juristas, tornar-se texto jurídico que produz a

organização das condutas humanas.330

O Estado brasileiro, através do Direito, busca a implementação da regulação

das condutas sociais com vistas a obter a universalização dos serviços de água e

esgoto e com isso contribuir para a concretização dos objetivos sociais previstos na

Constituição.

O acesso aos serviços de água e esgoto está diretamente ligado à

consecução do princípio da dignidade humana, o qual figura como princípio basilar

da Constituição Federal de 1988 e que orienta a totalidade do catálogo de direitos

fundamentais, entre eles os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e a saúde.

Já foi citado que o setor de saneamento básico ficou adstrito a Lei nº

6.528/78, editada no período da Ditadura Militar, mesmo depois da entrada em vigor

da Constituição de 1988.

329

Art. 21. Compete à União: XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; (BRASIL, Planalto Central. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 abr. 2014). 330

Sobre a teoria comunicacional do Direito ver mais em: ROBLES. Gregório. O Direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do Direito. Tradução de Roberto Barbosa Alves. Barueri, SP: Manole, 2005.

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134

O resultado disso foi o surgimento de inúmeras discussões doutrinárias e

judiciais sobre a titularidade dos serviços, formas de tarifação, instrumentos legais

para a contratação de empresas estatais e privadas, critérios para extinção dos

contratos firmados na vigência do PLANASA, entre outras. E, consequentemente, o

atraso dos indicadores dos serviços de água e esgoto, em boa parte decorre da

insegurança jurídica causada pelos questionamentos e incertezas acima.

Além do que se trata de serviço público que, ao mesmo tempo em que está

diretamente relacionado com o interesse social, possui cunho econômico e potencial

de lucratividade em face da escassez da água e da sua essencialidade. Há,

portanto, a necessidade de que os interesses públicos e privados presentes no setor

sejam compatibilizados na busca do acesso universal aos serviços de água e

esgoto, com qualidade, eficiência e modicidade tarifária.

A edição da Lei de Saneamento, na sequência da Lei de Consórcios

Públicos (Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005), constitui efetivo Marco Regulatório

para o setor, pois traz princípios e regras claras para a implementação das políticas

públicas do governo, assim como para delimitar as condutas dos interessados na

prestação de serviços e em investir no saneamento básico.

Neste capítulo será analisado se as diretrizes fixadas pela União possuem

os instrumentos necessários para induzir a adoção de políticas públicas aptas a

solucionar os problemas concretos identificados nesta pesquisa, com o objetivo de

superar o desafio de disponibilizar o acesso aos serviços de água e esgoto a todos

os brasileiros, independentemente das condições econômicas, classe social, sexo,

cor ou raça.

Mais uma vez destaca-se que o propósito aqui não é esgotar o tema, o que

nem seria possível, mas apenas apresentar uma visão crítica sobre o marco legal

implementado e suas potencialidades para reduzir os déficits sanitários brasileiros,

especialmente no que se refere aos serviços de água e esgoto, conforme recorte

epistemológico já apontado anteriormente.

É importante deixar claro que o Direito não é uma fórmula mágica, mas

apenas uma das ferramentas necessárias para a busca pelo acesso universal com

água e esgoto, já que tal condição depende de vários fatores sociais, econômicos e

políticos, todos já destacados nesta pesquisa.

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135

Existem, portanto, alguns pontos centrais que merecem ser explorados, para

analisar se a legislação editada possui os critérios mínimos para direcionar a

participação livre e democrática de todos os interessados – entidade públicas ou

iniciativa privada – em atuar no setor, com vistas a atingir a meta governamental de

aplicar vultosos investimentos nos próximos 20 anos.331

Se estão presentes os mecanismos de incentivo a eficiência e à prestação

de serviços de qualidade com modicidade tarifária e respeito aos direitos dos

consumidores, sem deixar de lado o equilíbrio econômico e financeiro necessário

para a continuidade da prestação destes serviços essenciais. Se existem regras

claras para disciplinar a relação entre o Poder Público e os prestadores de serviços,

assim como para a participação dos usuários.

A abordagem neste capítulo se iniciará com a análise dos princípios da Lei

11.445/2007 (reproduzidos no Decreto nº 7.217/2010) e a relação deles com o

princípio da universalização dos serviços de água e esgoto das condutas que devem

ser adotadas pelo Poder Público para o cumprimento destes e dos princípios que

norteiam os serviços públicos.

Prosseguirá com a análise das diretrizes para a política pública a ser

implementada, no que se refere às funções de planejamento, regulação e prestação

dos serviços e a melhor forma de aplicá-las dentro do ambiente de convivência entre

agentes públicos e privados, conciliando o lucro, com os aspectos sociais

envolvidos. O papel destas funções exercidas pelo Estado na inclusão social e na

realização do bem-estar da população, evitando-se os problemas verificados em

outros países e em alguns sistemas de água e esgoto que foram privatizados no

Brasil.

Tudo isto sem deixar de analisar o papel dos usuários e a parcela de

responsabilidade da sociedade para o sucesso da política pública a ser

implementada.

331

Ver nota 60.

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136

5.1 AS DIRETRIZES PRINCIPIOLÓGICAS E O PRINCÍPIO ESTRUTURANTE DA

UNIVERSALIZAÇÃO

Os princípios são o fundamento do ordenamento jurídico e servem para ditar

os limites e o alcance em que as normas devem ser interpretadas, com vistas à

proteção dos valores declarados pelo Estado como essenciais ao desenvolvimento

nacional.

Princípio, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello:

[...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.

332

No caso do saneamento básico, os princípios estabelecidos no art. 2º da Lei

11.445/2007 e 3º do Decreto Federal nº 7.217/2010 são, de fato, as diretrizes

fixadas pelo legislador para o setor, com vistas à universalização do acesso, que é o

princípio fundamental estruturante e o objetivo central da política pública

implementada pelo Marco Regulatório de 2007.

Nesta seção se discute sobre o princípio da universalização e sua relação

com os demais princípios previstos na Lei.

A universalização do acesso aos serviços de água e esgoto está relacionada

aos objetivos da República, previstos no art. 3º da Constituição, posto que dela

deriva a realização de vários direitos fundamentais dependentes do acesso aos

serviços de água e esgoto para se concretizarem.

Em virtude dos impactos sociais e econômicos decorrentes da

“universalização do acesso” ao saneamento, este é o princípio fundamental da Lei nº

11.445/2007, conforme preceitua o art. 2º, inc. I. Importante destacar que o foco

especial deve ser nas pessoas mais carentes e dependentes do Estado para a

332

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. cit., p. 974-975.

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melhoria de suas condições de vida, as quais normalmente se concentram em áreas

pobres e que pouco despertam o interesse da iniciativa privada pelo baixo potencial

econômico da prestação dos serviços.

Como princípio fundante da Lei, o princípio da universalização do acesso

está relacionado com os outros doze incisos do art. 2º, nos quais estão elencados os

demais princípios fundamentais da prestação de serviços de água e esgoto.

Há relação hierarquizada e ao mesmo tempo dinâmica entre o princípio

estruturante da universalização e as demais normas e princípios previstos na Lei de

saneamento e no ordenamento que rege a prestação de serviços públicos.333

O princípio da universalização está pautado nas noções de solidariedade,

equidade e integralidade (eficiência) que devem nortear as ações do Poder Público,

no sentido de reduzir as desigualdades e aplicar uma política inclusiva, objetivando

assegurar a dignidade humana.

Observa Vinicius Marques dos Santos que a “universalização dos serviços

relacionados ao saneamento básico é um compromisso com a Nação brasileira, cuja

implementação envolve todas as esferas federativas, por meio de seus mecanismos

de cooperação e coordenação”.334

Há relação direta deste princípio com o da dignidade humana, pois para a

existência digna e saudável da pessoa humana deve o Estado garantir o conteúdo

mínimo para a sua sobrevivência, possibilitando todo o tipo de desenvolvimento

social, cultural e psíquico.

Esta garantia de acesso universal aos serviços de água e esgoto está

assentada no princípio constitucional da igualdade,335 já que tem por objetivo

principal a redução de desigualdades entre ricos e pobres, de forma a satisfazer os

interesses de toda a população, promovendo o bem estar social e a cidadania.

Assenta-se também no objetivo de justiça social que norteia as atividades do

Estado brasileiro, diretamente relacionado ao princípio da equidade ou

333

Sobre a questão relativa ao sistema de regras e princípios, ver: BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 78-82.

334 CARVALHO, Vinícius Marques de. Cooperação e planejamento na gestão dos serviços de saneamento básico. cit., p. 63.

335 “Com efeito, a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo subordinado à rubrica constitucional ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’) contra perseguições e, de outro, tolher favoritismos”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. 18. Tiragem. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 23).

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solidariedade, já que se pretende solucionar uma situação concreta, com base nos

critérios da justiça e da igualdade.

Neste sentido é o posicionamento utilizado, no campo da saúde, por

Jairnilson Silva Paim, para quem atender:

[...] igualmente aos desiguais poderia resultar na manutenção das desigualdades, impedindo atingir a igualdade. Com vistas, sobretudo, à distribuição de recursos, a noção de equidade se impõe. Admite, em tese, a possibilidade de atender desigualmente os que são desiguais (equidade vertical), priorizando aqueles que mais necessitam para que possam alcançar a igualdade.

336

O inc. I do art. 48 da Lei 11.445/2007 faz menção expressa de que as

diretrizes da União devem priorizar “as ações que promovam a eqüidade social e

territorial no acesso ao saneamento básico”.

A esse respeito, esclarecedora é a posição de Vinícius Marques de

Carvalho:

O princípio que preside os direitos sociais é o da solidariedade, ou da equidade. Trata-se de tentar garantir, por meio de ações interventivas do Estado, patamares de igualdade material. Por isso, os serviços sociais têm como principal objetivo a redução de desigualdades, dirigindo-se às parcelas mais pobres da população e se regendo pela idéia de não-exclusão. A superação das desigualdades é uma função primordial das sociedades que pretendem assegurar a dignidade humana (...).

337

As políticas públicas devem estar voltadas para a inclusão social mediante o

acesso aos serviços de água e esgoto, com qualidade e eficiência, diminuindo as

diferenças existentes, como forma de promover a cidadania para aqueles que estão

excluídos de alguns direitos fundamentais da pessoa humana, indispensáveis para

gozar de uma vida digna.338

336

PAIM, Jairnilson Silva. Universalidade, integralidade e equidade: caderno temático nº 1. In: REZENDE, Sonaly Cristina. (Org.). Panorama do saneamento básico no Brasil: Cadernos temáticos para o panorama do saneamento básico no Brasil. Vol. nº VII. Brasília: Ministério das Cidades (editora), p. 20-58, 2011. p. 34. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 5 abr. 2014.

337 CARVALHO, Vinícius Marques de. O Direito do saneamento básico. cit., p. 364.

338 “A descrição e interpretação dos aspectos relacionados à desigualdade da distribuição do déficit de acesso ao saneamento básico no território nacional e os impactos também desiguais desse déficit nos diversos segmentos sociais que produzem o território, evidenciam, no presente, os desafios envolvidos na formulação de políticas voltadas para a universalização, com equidade. Visto que são pobres, negros, mestiços, favelados, índios, analfabetos, mulheres, trabalhadores rurais os segmentos que mais sofrem em decorrência de déficits de acesso, integrá-los nos

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É correto o espírito da Lei de buscar atender toda a população,

independentemente do poder aquisitivo, tratando-se os iguais de forma igual e os

desiguais de forma desigual.

E para que isso aconteça podem ser adotadas tarifas diferenciadas e

subsídios, especialmente para atender aos mais carentes.339 Tal previsão consta da

legislação, no art. 29 da Lei nº 11.445/2007 e no art. 46 da do Decreto nº

7.217/2010, conforme será melhor abordado quando da análise da regulação dos

serviços.

Além da equidade social, a universalização também está diretamente ligada

à integralidade e intersetorialidade dos serviços.

A integralidade refere-se “ao conjunto de todas as atividades e componentes

de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o

acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações

e resultados” (art. 2º, inc. II da Lei nº 11.445/2007).

O princípio da integralidade está relacionado com o objetivo de fornecer

serviços acessíveis a todos, independentemente do usuário reconhecer ou não

estas questões. Devem os serviços de água e esgoto estar disponíveis em sua

plenitude e com a máxima eficiência.340

Significa ainda que os serviços de água e esgoto devem ser prestados de

maneira integrada e articulados com o conjunto de políticas públicas voltadas para a

melhoria das condições de vida da população.

Quando o legislador trata das condições de eficiência integrada, fica mais

uma vez evidente o espírito voltado para a aplicação do princípio da equidade, pois

processos de decisão e considerá-los fortemente na etapa de execução parece um requisito para o fortalecimento das próprias políticas. Para Milton Santos apud Koga (2003), o povo como sujeito é também o povo como objeto, sobretudo ao se considerar o povo e o território como realidades indissoluvelmente relacionadas”. (HELLER, Léo. Panorama do saneamento básico no Brasil: elementos conceituais para o saneamento básico. Vol nº 1, cit., p. 44).

339 “De acordo com o princípio da solidariedade, as tarifas devem ser módicas, podendo ser diferenciadas em função do perfil de usuário. Isto permite que determinadas categorias de usuários subsidiem outras menos abastadas. Ainda na mesma linha, também poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços”. (SOUTO, Marcos Juruena Villela. O marco regulatório do saneamento básico e o poder normativo das agências reguladoras. In: GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; XIMENES, Marfisa Maria de Aguiar Ferreira (Org.). Regulação: normatização da prestação de serviços de água e esgoto. Fortaleza: Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará – ARCE, p. 51-72, 2008, p. 55).

340 ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Op. cit., p. 9-10.

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se pretende prestar serviço uniforme, sem distinção de qualidade para todos os

grupos sociais, com vistas a disponibilizar as mesmas condições de salubridade

para todos os brasileiros, de todas as regiões.341

A universalização com eficiência e qualidade uniforme é um desafio enorme

que o Poder Público tem pela frente.

A integração prevista no inciso II guarda estreita relação também com a

intersetorialidade342 contida nos incisos III, VI e XII do art. 2º, que prevêem,

respectivamente, que os serviços de saneamento básico devem ser “realizados de

formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente”, sendo que a

gestão destes serviços deve estar articulada “com as políticas de desenvolvimento

urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de

proteção ambiental e de promoção à saúde e outras de relevante interesse social

voltadas para a melhoria da qualidade de vida”.

Nesse contexto, os serviços de água e esgoto não possuem um fim em si

mesmo, já que a sua disponibilização causa impactos positivos (externalidades) na

saúde, na educação, no meio ambiente e na economia do país, com reflexos nos

direitos sociais e no desenvolvimento nacional.

Diante desta situação, o legislador prevê que os serviços de água e esgoto

não podem ser prestados com base em políticas públicas restritas ao setor do

saneamento básico, mas devem transcender estas fronteiras, mantendo estreita

relação com as políticas de recursos hídricos (art. 2º, inc. XII), saúde pública,

habitação, meio ambiente, educação, entre outras.

Segundo Karine Yanne de Lima Pereira e Solange Maria Teixeira:

A noção de intersetorialidade surgiu ligada ao conceito de rede, a qual emergiu como uma nova concepção de gestão contrária à setorização e à especialização, propondo, por outro lado, integração, articulação dos

341

É importante destacar que a integralidade deve sempre estar adequada às peculiaridades locais e regionais de um país continental como é o Brasil (princípio fundamental do inc. V do art. 2º).

342 Rosie Marie Inojosa trata da introdução da perspectiva intersetorial nas políticas públicas para oferta dos serviços, com o objetivo de impulsionar o desenvolvimento social e reverter a exclusão, referindo à intersetorialidade como a “articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e avaliação de políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em situações complexas”. (Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento com intersetorialidade. São Paulo: Cadernos FUNDAP, nº. 22, p. 102-110, 2001, p. 105. Disponível em: <http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/cadernos/cad22/dados/Inojosa.pdf>. Acesso em: 1 maio 2010).

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saberes e dos serviços ou mesmo a formação de redes de parcerias entre os sujeitos coletivos no atendimento às demandas dos cidadãos.

343

A Lei 11.445/2007 segue uma tendência já verificada no Sistema Único de

Saúde (SUS), assim como no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº. 10.257 de 10 de

julho de 2001), que prevê, no art. 2º, inc. I deste último, a garantia do direito a

cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao

saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços

públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.344

Diante do que foi anteriormente demonstrado, acertou o legislador, pois a

realização de vários direitos fundamentais depende diretamente do saneamento,

pelo que é obrigatória a integração das políticas públicas relacionadas com os

direitos sociais.

Bem adverte Taiane Lobato que “a noção de saneamento público deve ser

conjugada de maneira integrada com todos os serviços que com ele tenham relação

e não isolada no sistema jurídico”.345

A própria Constituição prevê a relação integrada entre a saúde, o

saneamento e o meio ambiente, pelo que a inter-relação entre as políticas públicas

destes setores é essencial para a eficácia destas no atendimento da população.

Nos incisos V, VII e VIII do artigo 2º constam os princípios que visam a

universalização gradual e progressiva, com eficiência e sustentabilidade econômica,

mediante a adoção de tecnologias apropriadas (métodos, técnicas e processos), que

devem considerar as peculiaridades locais e regionais e a capacidade de pagamento

dos usuários.

343

PEREIRA, Karine Yanne de Lima; TEIXEIRA, Solange Maria. Redes e intersetorialidade nas políticas sociais: reflexões sobre sua concepção na política de assistência social. In: Textos & Contextos. Porto Alegre. Vol. 12, nº. 1, p. 114-127, jan./jun. 2013, p. 121-122.

344 “Há pontos de contato entre o dispositivo da Lei Federal de Saneamento Básico e as chamadas diretrizes gerais da política urbana, mesmo porque, ao prescrever a ‘articulação (dos serviços de saneamento básico) com as políticas de desenvolvimento urbano e regional’, o que se pretende é, justamente, a aproximação de tais serviços com a política urbana, que é guiada por tais diretrizes gerais. Isso fica nítido pela leitura do inciso I, do artigo 2º, do Estatuto da Cidade, no qual é garantido o direito a cidades sustentáveis, ou seja, ao equilíbrio urbano, com o qual o serviço de saneamento básico também está comprometido”. (PINTO, Henrique Motta. A articulação dos serviços de saneamento básico com a política urbana. In MOTA, Carolina (Coord.). Saneamento básico no Brasil: aspectos jurídicos da Lei Federal nº 11.445/07. Ed. Quartier Latin: São Paulo, p. 169-195, 2010, p 179).

345 LOBATO, Taiane, Op. cit., p. 58.

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A tecnologias apropriadas estão diretamente ligadas ao princípio da

atualidade e, por consequência, ao princípio da eficiência.346

A Lei nº 8.987/95, que disciplina as concessões de serviços públicos,

estabelece que “a atualidade compreende a modernidade das técnicas, do

equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e

expansão do serviço” (art. 6º, § 2º).

Ao comentar sobre o princípio da atualidade Mateus Eduardo Siqueira

Nunes Bertoncini esclarece que “a atualização dos serviços com a incorporação de

novas tecnologias, em contínuo desenvolvimento, está ligada à própria eficiência

dos serviços, cuja adequada prestação é mais um direito básico garantido ao

consumidor”.347

A eficiência a que faz menção à legislação advém da Reforma Administrativa

implementada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, que a incluiu na

principiologia do Direito Administrativo.

Para Alexandre de Moraes:

[...] princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar-se desperdícios e garantir-se uma maior rentabilidade social.

348

A eficiência incluída entre os princípios fundamentais da Lei de Saneamento

vai além dos critérios econômicos, contemplando critérios materiais relativos à

qualidade dos serviços prestados, especialmente quando se trata de serviços

essenciais, como é o caso da água e do esgotamento sanitário.

346

“Este requisito impõe ao concessionário o dever de manter o serviço permanentemente atualizado, compatível com o tempo presente, adotando as técnicas, os equipamentos e as instalações mais recentes para a sua prestação. De igual forma, o requisito reclama a permanente melhoria e expansão do serviço, de acordo com as necessidades dos usuários. Assim, se aumenta a demanda, impõe-se ao concessionário seu atendimento. Se novos equipamentos e novas técnicas surgem no mercado, há o dever de sua adoção”. (AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALENCAR, Maria Lúcia Mazzei de. Concessão de serviços públicos: comentários às Leis 8.987 e 9.074 (parte geral) com as modificações introduzidas pela Lei 9.648, de 27.5.98. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 32).

347 BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Op. cit., p. 160.

348 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 326.

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Busca-se a satisfação do bem comum pela prestação destes serviços, de

forma imparcial e solidária.

A prestação dos serviços envolve custos, sendo que estes devem ser

cobertos, preferencialmente, mediante a cobrança de tarifas, considerada a

capacidade de pagamento dos usuários. Neste sentido são o art. 29 da Lei

11.445/2007 e o art. 45 do Decreto nº 7.217/2010. Logo, a eficiência também está

atrelada à viabilidade econômica.

Foi visto quando se comentou sobre a integralidade, que a universalização

deve levar em consideração critérios econômicos e sociais. Os serviços devem ter

qualidade, com o menor custo possível e observadas as condições de pagamento

dos usuários, sendo que aqueles de maior poder aquisitivo devem pagar mais, para

que se possa dar acesso aos usuários carentes (princípio da equidade e

solidariedade).

Quando se trata da capacidade de pagamento dos usuários e da adoção de

subsídios e tarifas diferenciadas, deve-se levar em consideração a modicidade

tarifária (art. 22, inc. IV da Lei 11.445/2007), ou seja, tarifas acessíveis à condição

econômica dos usuários. Esta questão será tratada especificamente, mais adiante,

no item relativo à análise da regulação.

Também devem ser levadas em conta as peculiaridades de cada local e

região, pois as soluções adotadas não poderão ter um único método, gestão ou

solução num país continental como é o caso do Brasil.

Analisa Luiz Henrique Antunes Alochio que “o planejamento e a gestão

desses serviços deverão levar em conta as especificidades da região ou do

município em que se estão implantados”.349

Importante destacar que a integralidade deve ser preservada dentro do

planejamento local ou regional,350 de forma a garantir que todos os usuários tenham

acesso ao mesmo tipo de serviço.

A universalização dos serviços de água e esgoto com eficiência também

compreende a sua prestação com segurança, qualidade e regularidade (art. 2º, inc.

XI).

349

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Op. cit., p. 12. 350

A Lei nº 11.445/2007 trata da prestação de serviços locais (art. 8º e segs.) e regionais (art. 14 e segs.), como será demonstrado no capítulo referente ao planejamento.

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A segurança significa o desenvolvimento das atividades atreladas aos

serviços de água e esgoto sem risco à integridade física e emocional dos usuários,

isto mediante a adoção das técnicas e cautelas conhecidas e providências

possíveis, em face das circunstâncias, para evitar riscos.351

É evidente que a segurança não exige critérios absolutos, pois mesmo que

adotadas todas as cautelas possíveis existe sempre a possibilidade de que

acidentes aconteçam.

Destaca Taiane Lobato que a “segurança aqui versada abrange a redução

de riscos inerentes às atividades de saneamento básico”, devendo ser “interpretada

de maneira relativa, no sentido de que para a prestação do serviço, é necessária a

observância de todas as normas de segurança e condutas técnicas capazes de

evitar qualquer ocorrência que eventualmente venha a produzir algum dano”.352

Aliás, a segurança no fornecimento de produtos e serviços é um direito

básico do consumidor, entre os previstos no art. 6º da Lei nº 8.078, de 11 de

setembro de 1990 (código de Defesa do Consumidor).

Com relação à qualidade, considerando o disposto no art. 43 da Lei nº.

11.445/2007, incluem-se entre os seus “requisitos mínimos”, itens como

“regularidade, a continuidade e aqueles relativos aos produtos oferecidos, ao

atendimento dos usuários e às condições operacionais e de manutenção dos

sistemas, de acordo com as normas regulamentares e contratuais”.

A qualidade está diretamente relacionada com a regularidade, em razão de

que a continuidade é a execução dos serviços de forma continuada nas frequências

determinadas por normas regulamentares e contratuais a ela vinculadas.

Esclarecedora é a posição de Dinorá Adelaide Musetti Grotti:

Embora para alguns autores a regularidade constitua uma consequência do princípio da continuidade do serviço público e empreguem ambos de modo indistinto, o certo é que são duas regras diferentes. Com efeito, se a continuidade se refere à realização ininterrupta do serviço público, segundo a natureza da atividade desenvolvida e do interesse a ser atendido, a regularidade se vincula à prestação devida de acordo com as regras, normas e condições preestabelecidas para esse fim, ou que lhe sejam aplicáveis. [...] A regularidade é um plus em relação à continuidade, de tal modo que aquela pressupõe esta. Assim, pode ocorrer que um serviço

351

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. cit., p. 293.

352 LOBATO, Taiane. Op. cit., p. 65.

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público esteja sendo prestado com continuidade, porém sem regularidade. Mas, o serviço não pode ser regular, se também não for contínuo.

353

Para que se tenha regularidade e, por consequência, qualidade, os serviços

de abastecimento de água devem estar dentro dos parâmetros fixados pela Portaria

nº. 518/2004 do Ministério da Saúde que obriga o abastecimento ininterrupto e que o

esgotamento sanitário deve ser coletado adequadamente sem qualquer

intercorrência (e.g. refluxos).

Já a continuidade é o fornecimento ininterrupto dos serviços, mesmo quando

os parâmetros mínimos não estejam sendo atendidos (regularidade). A continuidade

dos serviços também é direito do consumidor, previsto no art. 22 do Código de

Defesa do Consumidor, admitindo-se a descontinuidade dos serviços apenas nas

hipóteses e condições previstas no art. 40 da Lei 11.445/2007 e no art. 6º, §3º da Lei

nº 8.987/95. Destaca-se que, embora a jurisprudência do STJ seja pacífica neste

sentido,354 existe divergência doutrinária a respeito.355

Todo o exposto anteriormente deixa claro que a eficiência tem como

consequência a boa qualidade dos serviços prestados, sendo que a partir da

positivação destes princípios fundamentais, “a sociedade passa a dispor de base

353

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988. cit., 287.

354 Com relação ao corte por falta de pagamento (descontinuidade) o Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento no sentido de que este pode ocorrer em casos individuais daqueles que deixam de pagar a contraprestação pelos serviços (não por débitos antigos), a fim de evitar o inadimplemento em massa e, consequentemente, o colapso dos sistemas por falta de recursos ou pela majoração excessiva das tarifas, com restrição de acesso para toda a coletividade, especialmente os mais carentes. Leva-se em consideração os princípios da isonomia, da supremacia do interesse público e da reserva do possível, já que a prestação do serviço de água depende de contraprestação, motivo pelo qual o interesse da coletividade, de ver preservada a continuidade e a expansão dos serviços de água, se sobrepõe aos interesses individuais dos inadimplentes. Sobre o assunto ver: REsp. n.º 363.943/MG - DJ de 01/03/2004; REsp. n.º 337.965/MG – DJ de 20/10/2003; AgRg no Ag n. 1.401.587/RS - DJe 17.10.2011; e Rcl. nº 5.814, DJe 22.09.2011. Disponíveis em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 11 mai. 2014.

355 Doutrina favorável ao corte por falta de pagamento ver: OLIVEIRA, José Carlos de. Código de Defesa do Consumidor: doutrina, jurisprudência e legislação complementar. 3ª ed. São Paulo: Lemos e Cruz, 2002, p. 111; DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços. In GRINOVER. Ada Pellegrini; et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, vol. 1, p. 233; e BLANCHET, Luiz Alberto. Concessão e Permissão de Serviços Públicos, Curitiba: Juruá, 1995, p. 42. Contra, entendendo que o corte de pagamento é ilegal e viola a dignidade humana, ver: NUNES, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 398; MARQUES. Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 541; BOLZAN, Fabrício. Serviço público e a incidência do Código de Defesa do Consumidor. In: MARINELA, Fernanda e BOLZAN, Fabrício (Org.). Leituras complementares de Direito Administrativo: Advocacia Pública. 2. ed. Bahia: Juspodivm, 2010, p. 255.

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jurídica expressa para cobrar a efetividade do exercício de direitos sociais como a

educação, a saúde e outros, os quais têm que ser garantidos pelo Estado com

qualidade ao menos satisfatória”.356

Desta forma, a população passa a ter ferramentas para questionar a

qualidade das obras e das atividades desempenhadas pelo Poder Público e por

seus delegatários, ou seja, passa a discutir as opções dos gestores públicos

mediante o princípio do “controle social”, previsto no art. 2º, inc. X da Lei.

Para isso a lei expressa os mecanismos necessários para a efetivação do

“controle social” como o “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à

sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de

formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços

públicos de saneamento básico” (art. 3º, inc. IV).

A lei prevê como mecanismos de controle social a realização de audiências

e consultas públicas para realização do planejamento de todas as esferas de

governo e para a contratação de prestadores de serviços, assim como a participação

popular em órgãos colegiados de caráter consultivo, tendo a população amplo direito

à informação (art. 34 do Decreto nº 7.217/2010).

Porém, o controle social depende da transparência das ações e da plena

disponibilização de informações que também é princípio contido no art. 2º, inc. IX da

Lei nº 11.445/2007.

A transparência das ações está baseada na disponibilização de informações

para os cidadãos, a fim de que estes tenham assegurado a possibilidade de

participação da formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e

projetos de saneamento básico e, por consequência, de desenvolvimento urbano, no

mesmo sentido do que já previa o Estatuto da Cidade.357

A participação popular prevista no Estatuto da Cidade é fruto da “plena

realização da gestão democrática” que visa promover a “cidade para todos”, de

356

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 10ª ed. Niterói, RJ: Editora Impetus, 2006, p. 125.

357 “Confirmando esta exegese, a alínea ‘g’ do inciso III do art. 4º do Estatuto da Cidade inclui expressamente os planos, programas e projetos setoriais, como os de saneamento básico, na listagem de instrumentos de política urbana. Quando se trata do exercício da cidadania no processo de gestão da cidade e do saneamento básico não parece adequada eventual exegese restritiva”. (LOMAR, Paulo José Villela. Op. cit., 19).

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modo que ninguém seja excluído das oportunidades para desenvolver plenamente

suas atividades.358

Esta é a mesma concepção que norteia os princípios fundamentais do

saneamento básico, com base no qual se busca a universalização do acesso a

serviços essenciais e que refletem diretamente na consecução de vários direitos

fundamentais do cidadão, tornando-o apto ao desenvolvimento pleno de suas

atividades.

Sobre a relação destes dois diplomas legais (Leis 10.257/2001 e

11.445/2007) com a meta da universalização destaca Paulo Roberto Ferreira Motta

que “em ultima ratio, ambas as leis asseguram e defendem, de modo intransigente,

a universalização material dos serviços públicos de saneamento básico”.359

As medidas de fomento ao consumo de água consciente também dependem

desta participação popular, mediante a aplicação de conceitos éticos pelos usuários,

questão que será melhor abordada mais à frente.

Nesse contexto, resta evidente que a participação popular e a transparência

das ações dos prestadores de serviço e do Poder Público são corolários do princípio

da publicidade previsto no art. 37 da Constituição Federal,360 princípio da “essência

do Estado Democrático de Direito e da República”.361

Estes princípios estão diretamente ligados ao conceito amplo de cidadania,

permitindo que o cidadão participe diretamente da vida do Estado.

Do ponto de vista teórico a legislação contempla a participação popular,

porém, de fato, isto vem ocorrendo com extrema lentidão, especialmente porque o

358

BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão democrática da cidade. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da cidade: comentários à Lei Federal 10.257/2001. 1ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, p. 322-341, 2003, p. 324.

359 MOTTA, Paulo Roberto Ferreira. A universalização como princípio fundamental do regime jurídico do saneamento básico e do Estatuto das Cidades. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana (Org.). Saneamento básico: estudos e pareceres à luz da Lei nº 11.445/2007. Belo Horizonte: Fórum, p. 237-246, 2009, p 244.

360 “A transparência das ações nos serviços de saneamento básico decorre do princípio da publicidade, previsto expressamente no caput do art. 37 da Constituição Federal. A transparência é da essência do próprio Estado Democrático de Direito, cujos atos fundamentalmente devem ser revestidos de cristalinidade e notoriedade pública, de maneira a garantir aos administrados um possível controle de validade e eficácia de seus atos. [...] Controle social. [...] Tal princípio espelha a máxima axiológica do Estado Democrático de Direito. Conforme o parágrafo único do primeiro artigo de nossa Constituição, o poder é do povo, logo não existe a possibilidade do titular do poder desconhecer todas as nuances do comportamento estatal, devendo ser garantida sua participação na gestão e no controle da Administração Pública”. (LOBATO, Taiane, Op. cit., p. 63-64).

361 BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Op. cit., p. 112.

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interesse da população sobre o assunto é inversamente proporcional à importância

dos serviços.

Estes e todos os princípios fixados na Lei e no Decreto anteriormente

analisados possuem inter-relação e visam a consecução do atendimento universal

dos cidadãos brasileiros com os serviços de água e esgoto de qualidade, com

compromisso social e preservada a sustentabilidade econômica.

Dito isso, embora a legislação tenha fixado as diretrizes adequadas para o

desempenho das atividades ligadas ao saneamento básico, é necessário também

analisar se os dispositivos legais têm condições de dar efetividade à principiologia

anteriormente apresentada, no que se refere ao planejamento, regulação,

remuneração dos serviços, participação social, entre outros.362

5.2 A POLITICA PÚBLICA E A META DE UNIVERSALIZAÇÃO

As políticas públicas são direcionadas pelo interesse público de alcançar os

objetivos constitucional e legalmente estabelecidos. Já foi visto que no caso do

saneamento básico a universalização do acesso é o principal objetivo a ser

alcançado.

Destaca Luciana Dayoub Ranieri de Almeida que:

[...] a Constituição é um projeto político positivado como a lei maior do Estado e, portanto, nela se dá a comunicação entre política e Direito, de modo que de seu texto depreendem-se os objetivos reputados socialmente relevantes, cuja realização encontrará supedâneo nas políticas públicas. [...] Sendo assim, as políticas públicas nada são senão instrumentos de concretização do interesse público, à medida que, em vista da axiologia constante da Constituição, esse interesse se reconhece em programas essenciais à realização efetiva do projeto democrático.

363

O déficit dos serviços de água e esgoto existente tem excluído milhões de

brasileiros dos direitos fundamentais, com reflexos negativos na saúde, no meio

362

“Havendo uma ‘política’ de saneamento, sua gestão deverá ser preordenada, planejada, regulada e preocupada com a eficiência”. (ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Op. cit., p. 40).

363 ALMEIDA, Luciana Dayoub Ranieri de. Op. cit., p. 81-82.

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ambiente, na economia, entre outros. A população tem sido tratada de forma

desigual, exposta a sérios riscos decorrentes da insalubridade do meio em que vive.

Diante desta situação, a meta do governo brasileiro é universalizar o acesso

aos serviços de água e esgoto nos próximos vinte (20) anos, para o que editou o

Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB).

Tal meta e Plano são partes da política pública que teve início com a

implementação das diretrizes para o setor de saneamento pela Lei 11.445/2007, isto

em razão da essencialidade destes serviços para a vida humana e em virtude da sua

vinculação a vários direitos fundamentais cuja realização é indispensável para o

desenvolvimento nacional.

Adota-se aqui a posição de Fábio Konder Comparato, de que a política

pública é um conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um

objetivo determinado (finalidade).364

É dever do Estado a promoção do saneamento básico, devendo os titulares

dos serviços (Estados e Municípios) adotarem políticas inclusivas, que enfatizem os

princípios fundamentais previstos na Lei de Saneamento antes analisados.

As ações políticas, jurídicas e administrativas do Estado no setor de

saneamento básico devem estar pautadas na realização dos objetivos da República

Federativa do Brasil contidos no art. 3º da Constituição, como forma de ofertar aos

brasileiros uma vida com dignidade.

Para tanto, há necessidade de que as políticas públicas sejam

concretizadas. Sejam implementadas do ponto de vista material pela coordenação

estatal de atividades públicas (serviços públicos) e privadas para a realização de

direitos dos cidadãos e proteção do meio ambiente, observada a principiologia

anterior.

O Estado optou pela definição dos serviços de água e esgoto como serviços

públicos, que devem permanecer sob o seu domínio ou titularidade, assim como

pela definição de critérios para a prestação (por entidades públicas ou pela iniciativa

privada), planejamento e regulação destes serviços.365

364

COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista dos Tribunais, ano 86, n. 737, março, São Paulo, 1997, p. 353.

365 Pensamento que se coaduna com a definição de Maria Paula Dallari Bucci sobre política pública: “[...] coordenação dos meios à disposição do Estado, harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”. (As políticas públicas e o Direito Administrativo. In: Revista de Informação Legislativa, v. 34, n. 133,

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150

Nesse contexto, a Lei estabeleceu que a política pública de saneamento

deve se pautar na priorização das ações que promovam a eqüidade social e

territorial no acesso ao saneamento básico; na aplicação dos recursos financeiros de

modo a promover o desenvolvimento sustentável, a eficiência e a eficácia; no

estímulo ao estabelecimento de adequada regulação dos serviços; na utilização de

indicadores epidemiológicos e de desenvolvimento social no planejamento,

implementação e avaliação das suas ações de saneamento básico; na melhoria da

qualidade de vida e das condições ambientais e de saúde pública; na colaboração

para o desenvolvimento urbano e regional; na garantia de meios adequados para o

atendimento da população rural dispersa; no fomento ao desenvolvimento científico

e tecnológico, à adoção de tecnologias apropriadas e à difusão dos conhecimentos

gerados; na adoção de critérios objetivos de elegibilidade e prioridade; na adoção da

bacia hidrográfica como unidade de referência para o planejamento de suas ações;

no estímulo à implementação de infra-estruturas e serviços comuns a Municípios,

mediante mecanismos de cooperação entre entes federados; e no estímulo ao

desenvolvimento e aperfeiçoamento de equipamentos e métodos economizadores

de água.

Além disso, deve observar o princípio fundamental da intersetorialidade,

levando em consideração outras políticas públicas de desenvolvimento urbano e

regional, de habitação, de combate e erradicação da pobreza, de proteção

ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas

para a melhoria da qualidade de vida.

A legislação ainda traça como objetivos desta política de saneamento a

contribuição para o desenvolvimento nacional, a redução das desigualdades

regionais, a geração de emprego e de renda e a inclusão social; a priorização de

planos, programas e projetos que visem à implantação e ampliação dos serviços

para as populações de baixa renda; o oferecimento de condições adequadas de

salubridade ambiental aos povos indígenas e outras populações tradicionais, assim

como para as populações rurais e de pequenos núcleos urbanos isolados; a

aplicação dos recursos financeiros administrados pelo poder público com base em

critérios de promoção da salubridade ambiental, de maximização da relação

p. 89-98, jan./mar., 1997, p. 91. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/198>. Acesso em: 12 mai. 2014.

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benefício-custo e de maior retorno social; o incentivo à adoção de mecanismos de

planejamento, regulação e fiscalização da prestação dos serviços de saneamento

básico; a promoção de alternativas de gestão que viabilizem a auto-sustentação

econômica e financeira dos serviços de saneamento básico; a promoção do

desenvolvimento institucional do saneamento básico; o fomento ao desenvolvimento

científico e tecnológico, a adoção de tecnologias apropriadas; a defesa do meio

ambiente, inclusive com a promoção de educação ambiental com vistas à redução

do consumo de água.

Na sequência serão analisadas as diretrizes para as atividades de

planejamento, prestação, regulação, fiscalização e controle social, pontos centrais

da política pública que deve ser fixada pelo titular dos serviços (art. 9º da Lei

11.445/2007).366

Política pública esta que, seguindo a diretriz constitucional, coloca o Estado

numa posição mais de regulador que de prestador. Embora existam inúmeros

municípios atendidos por serviços autônomos ou por Concessionárias Estaduais, já

é bem difundida a participação da iniciativa privada no setor, inclusive via

participação acionária em empresas “estatais”.

Antes foi destacado sobre o interesse da iniciativa privada no setor, em face

de duas características diretamente relacionadas com atividades lucrativas: a

escassez e a essencialidade que estão presentes nos serviços de água e esgoto.

Também foi destacado que se está diante de serviços cuja universalização

produz externalidades em outros direitos sociais e dos quais dependem outros

366

Art. 9º - O titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto: I - elaborar os planos de saneamento básico, nos termos desta Lei; II - prestar diretamente ou autorizar a delegação dos serviços e definir o ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os procedimentos de sua atuação; III - adotar parâmetros para a garantia do atendimento essencial à saúde pública, inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para abastecimento público, observadas as normas nacionais relativas à potabilidade da água; IV - fixar os direitos e os deveres dos usuários; V - estabelecer mecanismos de controle social, nos termos do inciso; IV do caput do art. 3

o desta Lei;

VI - estabelecer sistema de informações sobre os serviços, articulado com o Sistema Nacional de Informações em Saneamento; VII - intervir e retomar a operação dos serviços delegados, por indicação da entidade reguladora, nos casos e condições previstos em lei e nos documentos contratuais. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

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direitos fundamentais e, consequentemente a realização do princípio constitucional

da dignidade humana.

Portanto, se está diante de um setor peculiar e que tem déficits de

atendimento indesejáveis do ponto de vista social, ambiental e até econômico.

Diante disso, procura-se, com a análise das diretrizes e instrumentos para a

implementação de política pública que constam do Marco Regulatório do

Saneamento Básico, verificar a capacidade de promover a compatibilização dos

interesses públicos e privados existentes no setor com vistas à universalização do

acesso aos serviços de água e esgoto com qualidade e eficiência.

Como foi analisado, o grande desafio do setor é a forma de promover a

viabilidade econômica e financeira da operação dos sistemas de água e esgoto, seja

por empresas privadas, seja por prestadores públicos, impedindo que o lucro seja o

objetivo principal, mas sim que ele seja módico e comprometido com o

desenvolvimento eficiente e sustentável dos serviços de água e esgoto.

Busca-se apontar as formas de se evitar situações de atuação de

prestadores de serviço sem qualquer compromisso com as questões sociais e

ambientais e apenas focadas no interesse econômico, como algumas das que foram

objeto de estudo anteriormente.

E ainda esclarecer a uma das dúvidas desta pesquisa que é a capacidade

do Marco Regulatório do Saneamento, como política pública fundada nas funções de

planejamento, regulação e prestação dos serviços, de fornecer as condições

necessárias para que se promova a universalização do acesso aos serviços de água

e esgoto, com qualidade, eficiência e participação da sociedade.

5.2.1 Planejamento e Plano de Saneamento

Para isso, analisa-se o papel do planejamento e do plano de saneamento na

ordem jurídica implementada do Marco Regulatório do setor, mecanismos estes que

indicam o começo de uma nova fase para o desenvolvimento de políticas públicas

no território brasileiro.

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Para José Roberto Pimenta Oliveira, “planeja-se porque se pretende, com

racionalidade, transformar certa realidade em função dos fins assinalados”.367

O Decreto nº 7.217/2010 define o planejamento como “as atividades

atinentes à identificação, qualificação, quantificação, organização e orientação de

todas as ações, públicas e privadas, por meio das quais o serviço público deve ser

prestado ou colocado à disposição de forma adequada” (art. 2º, inc. II).

Pelo planejamento, o Estado busca alcançar determinadas transformações

na realidade atual, com o objetivo de atingir finalidades atreladas ao

desenvolvimento econômico, social e ambiental. A busca é pela universalização dos

serviços de água e esgoto de forma sustentável, com vistas a reduzir as

desigualdades no acesso, contribuindo para inclusão social e para a consecução

dos objetivos fundamentais previstos na Constituição.368

Segundo João Batista Peixoto, “o planejamento é instrumento de gestão

indispensável, tanto para o poder público titular dos serviços, como para os seus

prestadores e deve ser adotado de forma permanente e sistemática”.369

Por força do art. 11, o planejamento é condição de validade dos contratos

celebrados depois da edição da Lei nº 11.445/2007.

Trata-se, portanto, de instrumento indispensável para que o titular dos

serviços de água e esgoto defina as questões técnicas, a forma de prestação, os

objetivos e metas a serem alcançados pelos prestadores de serviço e os

instrumentos de fiscalização.370

Pelo planejamento, aliado à análise de viabilidade (também condição de

validade dos contratos – art. 11, inc. II), o Estado tem ampla ferramenta para

direcionar a expansão dos serviços de água e esgoto. Inclusive prevendo o

atendimento de regiões mais pobres, com a aplicação de mecanismos tarifários

367

OLIVEIRA. José Roberto Pimenta. O planejamento do serviço público de saneamento básico na Lei nº 11.445/2007 e no Decreto nº 7.217/2010. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 223-261, 2011, p. 224.

368 O processo de planejamento enfatiza a universalização no art. 25, II, parágrafo 6º do Decreto nº 7.217/2010.

369 PEIXOTO. João Batista. Aspectos da gestão econômico-financeira dos serviços de saneamento básico no Brasil. In: HELLER, Léo; CASTRO, José Esteban (Org.). Política pública e gestão de serviços de saneamento. Ed. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 502-524, 2013, p. 507.

370 MACIEL, Luciana de Campos. Do planejamento. In: MUKAI, Toshio (Coord.). Saneamento básico: diretrizes gerais. Comentários à Lei 11.445 de 2007. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p. 55.

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baseados em políticas de subsídios e na capacidade de pagamento dos usuários.

Para a efetividade destes instrumentos, devem constar das normas de regulação e

dos contratos.

É ferramenta essencial também para que os prestadores tenham plena

ciência das regras a que estão vinculados contratualmente,371 as quais são

materializadas no respectivo Plano de Saneamento Básico.372

O documento formal pelo qual se consolida o produto final do processo de

planejamento é o plano de saneamento, conforme se pode verificar nos artigos 17 e

19 da Lei 11.445/2007, onde consta que a prestação dos serviços deve observar o

seu respectivo plano.

Destaca José Roberto Pimenta Oliveira que:

O plano, como norma jurídica singular, impõe o dever público, ao titular do serviço, de realização da atividade material nele contemplada. Nesta exata medida, o plano desencadeia efeito jurídico de conformação da margem de decisão outorgada à Administração, na persecução do interesse público. Vincula a Administração a respeitá-lo, no exercício de suas atribuições.

373

Portanto, compete ao titular dos serviços de água e esgoto a execução da

atividade de planejamento dos serviços e, consequentemente, da elaboração do

respectivo plano de saneamento básico ou, no caso específico do plano dos

serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgotos (art. 9º, inc. I

da Lei 11.445/2007).

O planejamento é indelegável, posto que a legislação o excluiu das

competências que podem ser delegadas, previstas no art. 8º (organização,

regulação, fiscalização e prestação).374

371

O § 5º do art. 25 do Decreto nº 7.217/2010 prevê que: “O disposto no plano de saneamento básico é vinculante para o Poder Público que o elaborou e para os delegatários dos serviços públicos de saneamento básico”. (BRASIL. Planalto Central. Decreto 7.217 de 21 de junho de 2010 - Regulamenta a Lei n

o 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o

saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Decreto/D7217.htm>. Acesso em: 27 abr. 2014).

372 O art. 19 da Lei 11.445/2007 prevê que o plano pode abranger todo o saneamento básico do território do titular dos serviços (água, esgoto, drenagem urbana e resíduos sólidos) ou que seja específico para cada serviço.

373 OLIVEIRA. José Roberto Pimenta. Op. cit., p. 241.

374 Neste sentido: BORJA, Patrícia Campos; BERNARDES, Ricardo Silveira. Avaliação de políticas públicas de saneamento no Brasil. In: HELLER, Léo; CASTRO, José Esteban (Org.). Política pública e gestão de serviços de saneamento. Ed. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de

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Esta indelegabilidade fica ainda mais evidente quando no art. 19, §1º da Lei

nº 11.445/2007 prevê que estabelece a competência do titular dos serviços para a

elaboração dos planos (compreendido na política pública a que faz menção o art.

9º), podendo para tanto utilizar estudos fornecidos pelos prestadores de cada

serviço.

Essa decisão tem evidente relação com a necessidade do planejamento

estar efetivamente atrelado ao diagnóstico e aos interesses do local em que está

sendo executado, pois a possibilidade de delegação para outro ente, via de regra,

causa à perda da identificação do planejamento com a comunidade local

interessada.

Há que se ressaltar que nos casos em que a prestação dos serviços

envolver um único prestador, para vários Municípios, contíguos ou não, haverá

necessidade de compatibilidade de planejamento por se tratar de prestação

regionalizada, nos termos do art. 14 e do § 7º do art. 19 da Lei 11.445/2007. Já a

competência para fixar o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) é da

União, por força do art. 52, inc. I da Lei 11.445/2007.

Sobre o citado apoio dos prestadores para a execução do planejamento é

importante destacar que o Decreto nº 7.217/2010 inovou ao permitir que ele seja,

além de técnico, também financeiro (art. 25, § 3º).

Critica-se esta possibilidade de apoio financeiro porque entendemos que

conflita com a diretriz firmada no art. 13, § 3º da Lei nº 11.107/2005, que veda a

participação efetiva do prestador de serviços no planejamento, estabelecendo que é

“nula a cláusula de contrato de programa que atribuir ao contratado o exercício dos

poderes de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços por ele próprio

prestados”.

Apesar de não se tratar da transferência do planejamento para o prestador

dos serviços, o Poder Concedente contar com o apoio financeiro deste para a

Janeiro: Editora Fiocruz, p. 525-541, 2013, p. 538 e OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Op. cit., p. 244. Contra, entendendo que o titular pode delegar o planejamento para outro Ente da Federação está Rodrigo Pagani de Souza, para quem “a possibilidade de delegação do planejamento está contemplada pelo preceito constitucional [CF art. 241], que se refere à ‘transferência total ou parcial’ de encargos relativos aos serviços; entendemos que uma transferência total ou parcial possa envolver, também, o planejamento”. (Planejamento dos serviços de saneamento básico na Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. In: MOTA, Carolina (Coord.). Saneamento básico no Brasil: aspectos jurídicos da Lei Federal nº 11.445/07. Ed. Quartier Latin: São Paulo, p. 23-52, 2010, p. 49).

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elaboração do plano pode refletir na vinculação ou captura do executor dos planos

pelos interesses daqueles que estão custeando o respectivo trabalho, influenciando

negativamente na independência que deve nortear esta etapa fundamental para a

aplicação da política pública de saneamento.

Em nossa opinião e seguindo a legislação, esta fase do processo deve ser

executada com o máximo de independência, tecnicidade e democracia possível,

posto que é dela que depende a expansão dos serviços, assim como o atendimento

de metas progressivas, visando a progressão do acesso à população em todas as

localidades do território do titular e para todas as classes sociais.

O planejamento é a ferramenta para induzir a atividade dos prestadores de

serviço na direção da universalização, motivo pelo qual deve se afastar dos

interesses das empresas e se voltar para o interesse público.

Estes planos de saneamento ou específicos de cada um dos serviços devem

atender, entre outros, os princípios da publicidade, impessoalidade, do controle

social, da intersetorialidade, da eficiência, da solidariedade, sempre com vistas à

universalização, conforme previsto nos parágrafos do art. 19 da referida Lei.

E parece que o legislador agiu com boa técnica quando estabeleceu no art.

19 da Lei nº 11.445/2007 (art. 25 do Decreto nº 7.217/2010), que os planos devem

conter, no mínimo, o conhecimento da realidade atual (indicadores e causas dos

déficits); a análise dos cenários futuros, com o prognóstico dos objetivos e metas

voltadas para a universalização do acesso; e a respectiva definição dos programas,

ações e projetos necessários para tanto, inclusive com a preocupação com relação à

questão econômica, de fiscalização e com os planos de bacias a que estão

integrados.375

375

Art. 19. A prestação de serviços públicos de saneamento básico observará plano, que poderá ser específico para cada serviço, o qual abrangerá, no mínimo: I - diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas; II - objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais; III - programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento; IV - ações para emergências e contingências; V - mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

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Isto porque o planejamento é função essencial para direcionar a atividade

dos prestadores aos interesses sociais atrelados à expansão dos serviços de água e

esgoto, mediante a fixação de metas e objetivos nos contratos de concessão ou de

programa, cuja fiscalização e normatização compete à entidade reguladora,

conforme previsão do art. 11 da Lei e que será objeto de análise no item destinado à

regulação. Não deixou o legislador também de se preocupar com a viabilidade da

atuação dos prestadores de serviços, quando acertadamente estabelece a

progressão gradual do atendimento com garantia do equilíbrio econômico-financeiro

das contratações.

Intensifica a importância deste instrumento o fato de que ele deve ser fruto

de ampla discussão com a sociedade (principal destinatário da prestação dos

serviços). Para tanto, as propostas e respectiva minuta dos planos deve ser

submetida à consulta e audiência pública para, somente após, serem aprovadas por

lei ou decreto do titular.376

Posteriormente, para que o plano se torne “norma jurídica” há necessidade

de aprovação pelo respectivo titular dos serviços, de documento escrito público,

precedido de ampla divulgação de suas propostas e dos estudos que os

fundamentaram.

Por se tratar de uma questão dinâmica e permanente, os planos devem

estar articulados com as demais políticas públicas governamentais e com o Plano

Plurianual, sendo que as revisões periódicas, que devem ocorrer no máximo a cada

quatro (4) anos, devem preceder ao Plano Plurianual.

Não só a questão orçamentária, mas também o Plano Diretor depende dos

diagnósticos da situação do saneamento básico para o planejamento da expansão

urbana, posto que tem se convencionado a não autorização de construção de

habitações sem o atendimento com os serviços essenciais de água e esgoto

(Habite-se).

Como se viu, a existência do plano de saneamento é condição de validade

dos contratos (art. 11, inc. I da Lei 11.445/2007) e, a partir de 31 de dezembro de

2015, condição de acesso a recursos financeiros e orçamentários da União (Decreto

376

José Roberto Pimenta Oliveira entende que “o Plano deve ser exteriorizado através da formalidade própria dos atos da Chefia do Poder Executivo [...], ou seja, através de Decreto [...]”. (Op. cit., p. 257).

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nº 8.211/2014), seguindo com isso política indutiva instituída pelo governo federal,

na busca pelo atendimento universal da população.

Esta nova disciplina instituída com o Marco Regulatório já tem surtido efeitos

positivos, pois obriga que as novas contratações sejam precedidas de planejamento,

executado com participação da sociedade nas discussões acerca da política pública

a ser implementada pelo titular dos serviços, obedecidos, entre outros, os princípios

da publicidade, transparência e controle social, coisa que não acontecia no modelo

do PLANASA, nem mesmo depois da edição da Lei de Concessões (Lei Federal nº

8.987/95).

A Lei de Saneamento trouxe ainda a distinção evidente entre as funções de

planejamento e regulação, tratados em dispositivos diferentes. É competência da

entidade reguladora, verificar o cumprimento dos planos de saneamento por parte

dos prestadores de serviços, na forma das disposições legais, regulamentares e

contratuais aplicáveis à espécie (art. 20, parágrafo único).

Há evidente relação entre as funções de planejamento, regulação e

prestação, pois das diretrizes do plano de saneamento é que emanam as questões

técnicas e econômicas da prestação dos serviços, as quais dependem da atividade

regulatória para a fiscalização e fixação dos padrões e indicadores de qualidade,

informações acerca da estrutura tarifária, entre outros.

Embora a legislação tenha definido que se tratam de atividades distintas,377

elas estão conexas e dependentes entre si, pois tem por finalidade a prestação de

serviço adequado.378

Por isso, passa-se a analisar a atividade regulatória, parte integrante e

essencial para a realização efetiva da política pública implementada com o Marco

Regulatório do Saneamento Básico.

377

Ver: art. 3º, incisos I e II do Decreto nº 7.217/2010. 378

Ver: HARB, Karina Houat. A revisão da concessão de saneamento básico na Lei nº 11.445/2007. In: OLIVEIRA, José Roberto Pimenta; DAL POZZO, Augusto Neves (Coord.). Estudos sobre o marco regulatório de saneamento básico no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, p. 283-300, 2011, p. 295.

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159

5.2.2 A Regulação: Princípios

A nova legislação estabeleceu uma maior intervenção estatal no setor de

saneamento através do planejamento e da regulação.

A intervenção do Poder Público pela função reguladora da prestação dos

serviços tem, entre outras finalidades, a de estabelecer normas, fiscalizar o

cumprimento dos contratos, o controle das tarifas e o arbitramento de conflitos entre

as partes envolvidas, tudo com vistas a atingir a universalização dos serviços com

qualidade, eficiência e modicidade tarifária.

A atuação dos prestadores passou a ser separada da regulação,

diferentemente do que ocorria com o antigo PLANASA, onde as empresas estatais

eram responsáveis pelo estabelecimento das normas de prestação dos serviços,

normalmente fixadas pela própria empresa ou por Decreto editado pelo Chefe do

Poder Executivo Estadual.

Essa desvinculação dos prestadores de serviços – especialmente das

Concessionárias Estaduais – das funções de planejamento e de regulação é um dos

avanços do marco legal, pois visa encerrar com a fase em que a fixação das tarifas

ficava sob o controle dos prestadores dos serviços, criada no modelo instituído pela

Lei nº 6.528/78 (PLANASA).379

A partir das diretrizes fixadas pela União na Lei nº 11.445/2007, se pretende

uniformizar as regras de regulação, situação que não existia até então. Aliás, poucas

eram as agências reguladoras de serviços de saneamento básico existentes no

Brasil (e.g. Ceará e Distrito Federal).

A função de regulação foi definida como sendo todo e qualquer ato que

discipline ou organize determinado serviço público, incluindo suas características,

padrões de qualidade, impacto socioambiental, direitos e obrigações dos usuários e

dos responsáveis por sua oferta ou prestação e fixação e revisão do valor de tarifas

e outros preços públicos, para atingir os objetivos do art. 27 da Lei e art. 2º, inc. II do

Decreto nº 7.217/2010.

379

O art. 13, §3º da Lei nº 11.107/2005 estabelece que é “nula a cláusula de contrato de programa que atribuir ao contratado o exercício dos poderes de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços por ele próprio prestados”.

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160

Desta definição extrai-se que a intenção do legislador para a regulação foi

além da questão econômica de coibir falhas de mercado e manter o equilíbrio

econômico-financeiro do setor, preocupando-se também com as questões sociais

presentes no saneamento básico, bem como com as externalidades decorrentes do

atendimento dos objetivos da política pública do setor, que visa a universalização do

acesso aos serviços e a proteção dos direitos dos usuários.380

No âmbito jurídico, Maria Sylvia Zanella Di Pietro define que “a regulação

constitui-se como o conjunto de regras de conduta e de controle da atividade

econômica pública ou privada e das atividades sociais não exclusivas do Estado,

com a finalidade de proteger o interesse público”.381

Para Alceu de Castro Galvão Junior e Wanderley da Silva Paganini:

[...] o conceito de regulação é entendido como a intervenção do Estado nas ordens econômica e social com a finalidade de se alcançarem eficiência e equidade, traduzidas como universalização na provisão de bens e serviços públicos de natureza essencial por parte de prestadores de serviço estatais e privados.

382

Na abordagem das diretrizes nacionais de saneamento básico ficou evidente

que regulação e fiscalização são obrigatórias, pois no art. 9º, inc. II da respectiva Lei

há previsão de que o titular dos serviços, na formulação de sua política pública,

deverá “definir o ente responsável” por estas atividades.

Compete ao titular dos serviços (via de regra Municípios)383 a criação de

entidade reguladora ou a delegação desta competência para outra entidade ou

órgão de outro ente da Federação, constituída dentro dos limites do respectivo

380

“Por conseguinte, a regulação ultrapassa a área econômica, devendo também garantir a prestação adequada dos serviços. Em outras palavras, para além de buscar a modicidade tarifária, as entidades de regulação devem cobrar dos prestadores regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade e cortesia dos serviços (art. 6º, § 1º, da Lei Federal nº 8.987/95)”. (BRITTO, Ana Lúcia (Coord.). Panorama do saneamento básico no Brasil: Avaliação político-institucional do setor de saneamento básico. Vol. nº 4. Brasília: Ministério das Cidades (editora), 2011. p. 117. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 5 abr. 2014.

381 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Limites da função reguladora das agências diante do princípio da legalidade. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (Org.). Direito regulatório: temas polêmicos. 2ª ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, p. 19-50, 2004, p. 22.

382 GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; PAGANINI, Wanderley da Silva.Op. cit., p 81.

383 Exceção aos casos envolvendo municípios inseridos em área integrante de Região Metropolitana, onde se aplicam as regras específicas fixadas pela legislação que constituiu a respectiva área metropolitana, atendidas as diretrizes de compartilhamento da titularidade definidas pelo STF, na decisão da ADI nº 1.842-RJ (ver nota 281).

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Estado (art. 23, § 1º);384 ou a consórcio público constituído, conforme preceitua o art.

31, incisos I e II do Decreto nº 7.217/2010.

A mesma regra se aplica aos casos de prestação regionalizada por um único

prestador para vários Municípios, contíguos ou não (art. 15 da Lei nº

11.445/2007),385 ressalvando-se apenas a necessidade de uniformidade de

fiscalização e regulação dos serviços, inclusive de sua remuneração (art. 14, inc. II).

Nestes casos de gestão associada ou prestação regionalizada dos serviços, os

titulares poderão adotar os mesmos critérios econômicos, sociais e técnicos da

regulação em toda a área de abrangência da associação ou da prestação (art. 24).

Além dos consórcios, a função regulatória pode ser delegada por meio de

convênio de cooperação firmado entre entes da Federação, no qual se estabelece a

gestão associada das funções de regulação e fiscalização dos serviços prestados.

Esta situação normalmente ocorre nos casos em que a prestação dos serviços é

delegada para o Estado pela celebração de contrato de programa entre o titular dos

serviços e as Concessionárias Estaduais (entes da Administração indireta

estadual).386

A regulação é obrigatória mesmo nos casos em que mais de um prestador

dos serviços de água e esgoto execute atividade interdependente com outra (art. 12

da Lei 11.445/2007). Nestes casos a regulação e fiscalização devem ser executadas

por entidade única, com a finalidade de que não sejam estabelecidas regras

384

É importante alertar para o risco da existência de conurbações em áreas de fronteira, atendidas por um mesmo prestador de serviços, o que coloca em cheque esta regra do art. 23, § 1º, ante a necessidade de uniformidade de regulação e fiscalização prevista no art. 14 e segs. Impedir a atuação da entidade reguladora de um Estado, no território de Município(s) de Estado vizinho que é atendido por um mesmo prestador de serviços seria colocar em risco a uniformidade da prestação regional com potencial tratamento desigual entre os usuários. Nestes casos a solução parece ser o compartilhamento da atividade de regulação entre as agências envolvidas, mediante convênio específico. Segue-se aqui a lógica do art. 12 da Lei.

385 Art. 15. Na prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico, as atividades de regulação e fiscalização poderão ser exercidas: I - por órgão ou entidade de ente da Federação a que o titular tenha delegado o exercício dessas competências por meio de convênio de cooperação entre entes da Federação, obedecido o disposto no art. 241 da Constituição Federal; II - por consórcio público de direito público integrado pelos titulares dos serviços”. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

386 Ver nota 145.

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diferentes para a mesma prestação de serviços, prejudicando com isso “a prestação

do serviço público de forma adequada e com segurança jurídica”.387

Conclui-se, portanto, que a regulação dos serviços públicos de saneamento

básico deve sempre ser executada por entidade de direito público (autônoma)

específica para essa finalidade, como condição de validade dos contratos firmados

com os prestadores de serviços.

Com esse espírito a legislação traçou os princípios e objetivos da regulação,

assim como estabeleceu as normas técnicas a serem aplicadas para reproduzir um

modelo de concorrência perfeita, com foco na realização dos objetivos sociais que

estão atrelados à meta de universalização dos serviços de água e esgoto.

A regulação dos serviços de água e esgoto deve atender aos princípios da

“independência decisória, incluindo autonomia administrativa, orçamentária e

financeira da entidade reguladora” e da “transparência, tecnicidade, celeridade e

objetividade das decisões” (art. 21, inc. I e II).

Em que pese a Lei trate de “entidades reguladoras” (existe a possibilidade

jurídica de que os consórcios executem a função regulatória), via de regra, se está

diante de características comuns às autarquias sob “regime especial”, ou seja, das

“agências reguladoras”.388

A independência decisória visa evitar que o Poder Executivo tenha

ingerência sobre as decisões da entidade reguladora, ou seja, que elas não possam

ser revisadas ou alteradas pelo Poder Executivo.389

387

CAMMAROSANO, Márcio. Op. cit., p. 151-152. 388

“Embora não haja disciplina legal única, a instituição dessas agências vem obedecendo mais ou menos ao mesmo padrão, o que não impede que outros modelos sejam idealizados posteriormente. Elas estão sendo criadas como autarquias de regime especial. Sendo autarquias, sujeitam-se às normas constitucionais que disciplinam esse tipo de entidade; o regime especial vem definido nas respectivas leis instituidoras, dizendo respeito, em regra, à maior autonomia em relação à Administração Direta; à estabilidade de seus dirigentes, garantida pelo exercício de mandato fixo, que eles somente podem perder nas hipóteses expressamente previstas, afastada a possibilidade de exoneração ad nutum; ao caráter final das suas decisões, que não são passíveis de apreciação por outros órgãos ou entidades da Administração Pública”. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. cit., p. 527).

389 Carlos Ari Sundfeld entende que “a independência é uma expressão certamente exagerada”, porque as agências sempre estão vinculadas às entidades ligadas à Administração Pública direta (secretarias, ministérios entre outros), deve utilizar a expressão autonomia. (Introdução às agências reguladoras. cit., p. 25-26). Já Leila Cuéllar é favorável à adoção do conceito de independência. (As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001, p. 95).

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Para tanto, é fundamental a estabilidade dos seus dirigentes, com o

estabelecimento de mandatos fixos, dos quais não possam ser exonerados “ad

nutum” (sem o devido processo legal).390

E fala-se em “dirigentes” porque é recomendável que as entidades

reguladoras sejam comandadas por mais de um dirigente, a fim de evitar que a

administração se torne personalíssima, Assim, a gestão se torna mais pluralista e

independente.

Os dirigentes devem ser nomeados mediante processo que preveja a

indicação de uma lista, via de regra tríplice, encaminhada pelo Poder Executivo ao

Poder Legislativo para que este decida sobre quem deve ser investido no respectivo

cargo, mediante prévia arguição secreta (sabatina), conforme diretriz constitucional

prevista no art. 52, inc. III, alinea “f”.391

Busca-se com isso criar autonomia administrativa capaz de garantir que as

decisões sejam técnicas e não políticas, ou seja, que a entidade reguladora seja um

órgão de Estado e não de governo.392

Segundo Gaspar Ariño Ortiz:

A experiência histórica mostra que não importa o quão bem um sistema é projetado, se não houver a garantia de independência e neutralidade do que tem de aplicar a lei, em curto prazo, ele acaba agindo de acordo com os interesses políticos.

393

Por isso, as leis de criação das entidades de regulação devem se pautar nos

princípios fixados na Lei de Saneamento Básico, dando ênfase à tecnicidade na

formação de seus quadros de funcionários, assim como de suas diretorias.

390

Sobre a questão já decidiu o STF na ADI nº 1.949 MC/RS. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28ADI%24%2ESCLA%2E+E+1949%2ENUME%2E%29+OU+%28ADI%2EACMS%2E+ADJ2+1949%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/bpwe53h>. Acesso em: 19 mai. 2014.

391 Ver: Lei 9.986, de 18 de julho de 2000 que “dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9986.htm>. Acesso em: 19 mai. 2014.

392 “[...] a agência é um órgão do Estado e não de um governo e, como tal, assim deve exercer suas atribuições e competências. Havendo interrupção da continuidade dessas funções por decisão governamental, corre-se um sério risco de descrédito da agência [...]”. (MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Agências reguladoras e o Direito Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2002, p. 86).

393 ORTIZ, Gaspar Ariño. Economía y Estado: crisis y reforma del sector público. Madrid: Marcial Pons, 1993, p. 363, tradução nossa.

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Esta tecnicidade também é importante para evitar ou pelo menos diminuir a

assimetria de informações entre a entidade reguladora e os prestadores de serviços,

como forma de que a regulação atinja seus objetivos.

Para tanto, o quadro técnico deve ser composto mediante concurso público

e o pessoal contratado deve ter remuneração compatível com o mercado de trabalho

dos serviços regulados.

Outra característica prevista na Lei é a autonomia orçamentária e financeira,

que decorre da necessidade de dotações orçamentárias específicas e da previsão,

na lei de criação da entidade reguladora, de fontes próprias de renda, tais como:

taxas de fiscalização pela atividade regulada, arrecadação de valores cobrados a

título de multas, doações, recursos provenientes de convênios, entre outros.

Bem destaca Vitor Rhein Schirato que:

A grande vantagem de se adotar o sistema de regulação independente dos serviços públicos é a perfeita segregação existente no âmbito do Poder Público entre o exercício de funções políticas, que permanecem sendo exercidas pelo órgão competente do Poder Executivo, e o exercício de funções regulatórias, que são delegadas às agências reguladoras.

394

A crítica que se faz a esse respeito é de que são poucos os casos no Brasil

onde a regulação é exercida com efetiva autonomia e sem a ingerência do Poder

Executivo.

São inúmeros os casos onde os dirigentes das entidades reguladoras são

nomeados diretamente pelo Chefe do Poder Executivo, sem qualquer participação

do Poder Legislativo e sem mandato fixo. Nestes casos, a regulação está violando

princípio legal e norma constitucional, podendo ser objeto de questionamentos.

Outra situação que pode ocorrer é a captura da entidade reguladora pelos

prestadores de serviços, especialmente pelas Concessionárias Estaduais, isto em

razão de que a grande maioria das entidades reguladoras também estão vinculadas

à Administração estadual.

A imparcialidade e neutralidade política das agências reguladoras é

especialmente importante para a regulação econômica (política tarifária), pois só

394

SCHIRATO, Vitor Rhein. Op. cit., p. 82.

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elas, atreladas à tecnicidade, são capazes de promover fixação de tarifas que

refletiam os custos de serviços eficientes.395

Devem ser evitadas as interferências políticas na fixação das tarifas (“preços

políticos”), devendo o órgão regulador ter neutralidade política, imparcialidade e

técnica regulatória.396

Além da independência e autonomia, a regulação deve ser regida pelo

princípio da transparência, “que determina que suas decisões, sua [sic] normas e

demais atividades sejam de amplo conhecimento”.397 Isto como forma de atender o

princípio fundamental da transparência das ações anteriormente analisado.

Para a efetividade da atividade regulatória, a Lei prevê que os prestadores

de serviços devem apresentar todas as informações de interesse da regulação (art.

25), sendo vedada qualquer cláusula contratual que prejudique as atividades de

regulação e de fiscalização ou o acesso às informações sobre os serviços

contratados (art. 11, § 3º).

Também vinculados ao princípio da transparência decisória estão as

disposições dos artigos 26 e 27 da Lei. Aplica-se o princípio da publicidade a todas

as decisões referentes à regulação e fiscalização dos serviços de saneamento

básico, assim como aos direitos dos usuários. A exceção à regra da publicidade se

dá com relação a documentos sigilosos e cuja divulgação seja prejudicial ao

interesse público, conforme disposto na Lei de Acesso à Informação (Lei nº

12.527/2011).

É fundamental que as ações da Administração Pública sejam de

conhecimento de toda a população, pois se trata de serviços públicos com reflexos

diretos na vida dos cidadãos que a compõem.

Ademais, a publicidade é elemento essencial para a validade dos atos

administrativos, especialmente das decisões das agências reguladoras.398

395

Sobre a independência e neutralidade das entidades reguladoras, inclusive defendendo que o Poder Concedente não deve ser o responsável pela regulação, ver: GORDILLO, Augustín. Tratado de Derecho Administrativo y obras selectas. Tomo I, 1ª ed. Buenos Aires, F.D.A., 2013. p. XV-4/6. Disponível em: <http://www.gordillo.com/tomo1.html>. Acesso em: 30 mai. 2014.

396 Ver: LIMA, Gislene Rocha de. Op. cit., p 19.

397 ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Op. cit., p. 70.

398 GONDIM, Liliane Sonsol; CARVALHO, Ivo César Barreto de. Mecanismos de participação democrática, transparência e accountability. In: GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; MELO, Alisson José Maia; MONTEIRO, Mario Augusto P. (Org.). Regulação do saneamento básico. Barueri, SP: Manole, p. 33-56, 2013, p. 49.

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Esta transparência é necessária também para o controle social da prestação

dos serviços, que será analisado mais à frente.

Ainda há necessidade de atendimento ao princípio da celeridade,

objetividade e tecnicidade das decisões, os quais estão relacionados diretamente

com a definição de entidades e normas de regulação pautadas em critérios técnicos

e não políticos.

Daí a necessidade de se destacar quais os objetivos da regulação.

5.2.3 Os Objetivos da Regulação: Técnicos, Econômicos e Sociais

Os objetivos da regulação estão relacionados com suas atividades básicas

de normatização e estabelecimento de padrões técnicos para a adequada prestação

dos serviços e para a satisfação dos usuários; de regulação técnica ligada à

fiscalização do cumprimento das regras aplicáveis e das metas previstas na

atividade de planejamento; da regulação econômica, pela definição de tarifas

módicas e que assegurem o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos,

mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e que

permitam a apropriação social dos ganhos de produtividade; e pela fiscalização do

abuso do poder econômico (art. 22, incisos I a IV da Lei nº 11.445/2007).

Segundo Alisson José Maia Melo “a normatização do serviço público é uma

das principais funções a ser exercida pelas agências reguladoras”, pois a própria

“origem anglo-saxônica do termo ‘regulação’ (regulation) remonta à elaboração de

regras de condutas gerais e abstratas” aplicáveis às pessoas fiscalizadas.399

É competência das entidades reguladoras a definição das normas

necessárias ao funcionamento dos serviços regulados de maneira eficaz e apta a

promover à universalização do acesso com modicidade tarifária e sustentabilidade

econômico-financeira.

Sobre este poder normativo vinculado à atividade de regulação comenta

Vitor Rhein Schirato:

399

MELO, Alisson José Maia. Poder normativo, segurança e estabilidade da normatização. In: GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; MELO, Alisson José Maia; MONTEIRO, Mario Augusto P. (Org.). Regulação do saneamento básico. Barueri, SP: Manole, p. 57-72, 2013, p. 57.

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Assim, para que seja efetiva e eficiente a regulação dos serviços públicos no Brasil, é fundamental que as agências reguladoras independentes gozem de competência normativa que lhes permita estabelecer as regras necessárias à prestação dos serviços públicos regulados, bem como à exploração das atividades econômicas em sentido estrito realizadas nos mesmos campos dos serviços públicos, desde que tal competência normativa não se contraponha a disposições de normas hierarquicamente superiores. Tais regras inauguram em nosso sistema jurídico a existência das denominadas normas reguladoras, as quais, via de regra e ao contrário das demais espécies normativas, não determinam condutas, mas sim resultados, e incidem apenas com relação a aspectos técnicos nos campos de deslegalização operada pelo legislador.

400

A entidade reguladora deve editar normas de regulação técnica, econômica

e social, conforme se depreende da leitura do disposto no art. 23 da Lei de

Saneamento.401

Ainda existem inúmeras outras competências “do ente regulador, entre as

quais se destacam: indicar a intervenção e a retomada dos serviços ao titular (art. 9º,

VII); verificar o cumprimento dos planos de saneamento por parte dos prestadores

(art. 20, parágrafo único e art. 22, inc. II); interpretar e fixar critérios para a fiel

execução dos contratos, dos serviços e para a correta administração de subsídios

(art. 25, § 2º); definir pautas das revisões tarifárias e autorizar o repasse de custos e

encargos tributários, não previstos originalmente aos usuários (art. 38, §§ 1º e 4º);

estabelecer modelo de fatura (art. 39, parágrafo único); aprovar manual de prestação

do serviço e de atendimento ao usuário (art. 27, III) e negociações de tarifas com

grandes usuários (art. 41); auditar e certificar investimentos, valores amortizados,

depreciação e respectivos saldos (art. 42, § 2º); e determinar mecanismos tarifários

de contingência, nos casos de escassez ou contaminação de recursos hídricos (art.

400

SCHIRATO, Vitor Rhein. Op. cit., p. 83. 401

Art. 23. A entidade reguladora editará normas relativas às dimensões técnica, econômica e social de prestação dos serviços, que abrangerão, pelo menos, os seguintes aspectos: I - padrões e indicadores de qualidade da prestação dos serviços; II - requisitos operacionais e de manutenção dos sistemas; III - as metas progressivas de expansão e de qualidade dos serviços e os respectivos prazos; IV - regime, estrutura e níveis tarifários, bem como os procedimentos e prazos de sua fixação, reajuste e revisão; V - medição, faturamento e cobrança de serviços; VI - monitoramento dos custos; VII - avaliação da eficiência e eficácia dos serviços prestados; VIII - plano de contas e mecanismos de informação, auditoria e certificação; IX - subsídios tarifários e não tarifários; X - padrões de atendimento ao público e mecanismos de participação e informação; XI - medidas de contingências e de emergências, inclusive racionamento. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

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46). Ainda, nos termos da Lei, caberá ao titular dos serviços, na elaboração da

política pública de saneamento básico, definir os procedimentos da atuação do ente

regulador (art. 9º, II), respeitando, por óbvio, a disciplina legal da regulação”.402

Porém, este poder normativo (ou “regulador”)403 é limitado pela lei, conforme

prevê o art. 11, inc. III da Lei de Saneamento. Diogo de Figueiredo Moreira Neto

trata este processo de transferência da competência de regular da lei para as

agências reguladoras como “deslegalização” motivada pela tecnicidade das normas

a serem produzidas.404

A fiscalização é outra atividade inerente à regulação, já que, por força de lei,

compete às entidades reguladoras a fiscalização do cumprimento dos planos de

saneamento (art. 20, parágrafo único), assim como receber reclamações de usuários

e verificar o seu respectivo cumprimento pelos prestadores de serviço (art. 23, § 3º),

para o que devem exigir os dados e informações necessárias junto a estes (art. 25).

A própria definição da atividade de regulação no art. 2º, inc. II do Decreto nº

7.217/2010 deixa clara esta condição.

A competência fiscalizatória está relacionada ao poder de polícia para que o

regulador possa exercer a efetiva fiscalização, mediante suas decisões na

conciliação de conflitos, aplicação de sanções e definição de intervenções, entre

outros.

Segundo Rodrigo Pironti Aguirre de Castro:

O poder de fiscalizar conferido às entidades reguladoras tem relevância ímpar no desempenho de suas funções, uma vez que é através dele que se consegue uma harmonia e uma aproximação na conjugação de interesses

402

BRITTO, Ana Lúcia (Coord.). Panorama do saneamento básico no Brasil: Avaliação político-institucional do setor de saneamento básico. Vol. nº 4. cit., p. 118. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 5 abr. 2014.

403 “Acompanhamos a idéia de que regular é a competência delegada, por lei, às agências, a fim de que expeçam normas jurídicas compulsórias (atos administrativos gerais ou individuais) para os usuários, para todos os agentes econômicos e para todos os entes públicos ou privados alcançados pela atividade normativa e fiscalizatória da agência. Dizendo de outra forma, Poder Regulador é o poder que cria regulação em parceria com os agentes regulados nos limites da legalidade”. (MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Op. cit., p. 106).

404 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 123-124 e MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Mutações nos serviços públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 1, fev./mar./abr., 2005, p. 9. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-1-FEVEREIRO-2005-DIOGO-NETO.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2014.

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do poder concedente, dos concessionários e dos usuários dos serviços públicos, mormente quando se trata de saneamento básico.

405

Os objetivos desta regulação técnica pelo estabelecimento de regras para a

adequada prestação dos serviços, assim como da fiscalização do cumprimento

delas, é o de trazer segurança jurídica para os prestadores e para os usuários, com

foco na universalização do acesso.

A regulação é importante para os serviços, especialmente quando o Estado

se afasta da prestação direta destes, ocasião em que a entidade reguladora passa a

exercer as funções normativas, arbitradoras e fiscalizadoras do cumprimento dos

planos de saneamento (expansão dos serviços), da qualidade dos serviços

prestados, da preservação dos direitos dos usuários e mesmo dos prestadores de

serviços com relação ao equilíbrio econômico e financeiro dos contratos.

A regulação econômica também tem papel decisivo na implementação de

uma política tarifária voltada para o interesse público de que os usuários tenham

acesso a serviços eficientes e com tarifa adequada à capacidade de pagamento,

sempre com a atenção maior voltada para os mais pobres e que representam a

maior parcela do déficit sanitário brasileiro.

Por isso a regulação deve primar pela tecnicidade, deixando de lado os

interesses políticos que, via de regra, estão enraizados na estrutura do Estado.

No caso dos serviços de água e esgoto, em razão do potencial econômico e

das externalidades sociais a ele atreladas, deve ser ainda maior a preocupação com

a independência do regulador e tecnicidade das decisões, pois há risco de captura

da regulação tanto pelo Estado (fins políticos eleitorais), quanto pela iniciativa

privada (fins econômicos - lucratividade).

Sobre os riscos da captura das entidades reguladoras pelos interesses

políticos ou privados será melhor analisado na abordagem sobre a regulação

econômica.

Em especial porque é neste ponto em que se controlam os vultosos

investimentos necessários para a expansão dos serviços de água e esgoto e os

mecanismos necessários para viabilizar uma política tarifária que proporcione, ao

mesmo tempo, a justa remuneração do prestador de serviços, com a aplicação e

405

CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. Regulação dos serviços de saneamento básico e a Lei nº 11.445/07. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana (Org.). Saneamento básico: estudos e pareceres à luz da Lei nº 11.445/2007. Belo Horizonte: Fórum, p. 275-284, 2009, p. 282.

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retorno destes investimentos, com satisfação dos interesses públicos e sociais

inerentes.

E tal condição é ainda mais difícil em ambientes de monopólio natural, onde

existe extrema dificuldade para se diminuir as assimetrias de informação entre ente

regulador e regulado, assim como para se estimular a eficiência dos serviços com a

aplicação de tarifas módicas, ou seja, de conciliar os interesses dos prestadores, as

garantias dos eventuais investidores e a satisfação dos consumidores.406

Antes de analisar a regulação econômica é importante destacar que a

prestação de serviços de água e esgoto é um ambiente tido como de “falha de

mercado”, vez que os custos para a implementação dos serviços são altíssimos e

inviabilizam a existência de mais de um prestador em cada localidade, o que impede

o a exploração dos serviços em regime de competição.

Os serviços de água e esgoto têm algumas características próprias, entre

elas a inviabilidade de se construir duas redes de água e de esgoto, sob pena

inviabilizar a própria prestação dos serviços.

Os custos fixos iniciais da prestação destes serviços são extremamente

altos, pela necessidade de se construir as estações de captação e tratamento,

reservatórios e redes de distribuição de água e estações elevatórias e de tratamento

e redes coletoras de esgoto, isto antes que uma gota de água seja produzida e de

esgoto seja coletada.

Estes custos fixos elevados e a existência de custos comuns entre os

serviços de água e esgoto (geralmente tarifado com base no consumo de água)

induzem à necessidade de que se atue com base em grandes economias de escala

e de escopo em contratos longos, de modo que os custos médios da produção

decresçam na proporção do aumento do volume de produção e consumo.

Logo, é mais viável uma única empresa prestar os dois serviços do que

existirem várias empresas prestando cada um deles, isto em razão de que as

eventuais empresas concorrentes teriam que arcar cada uma com os elevados

custos de implantação dos serviços acima apontados para dividirem os

406

MELO, Bruno Aguiar Carrara de; TUROLLA, Frederico Araújo. Modelos de regulação tarifária e a Lei n. 11.445/2007: as alternativas possíveis. In: GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; MELO, Alisson José Maia; MONTEIRO, Mario Augusto P. (Org.). Regulação do saneamento básico. Barueri, SP: Manole, p. 125-165, 2013, p. 129.

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consumidores e, consequentemente, as receitas decorrentes da respectiva

prestação.

Pelo sistema de escala ou escopo acima apontado, quanto maior o número

de usuários dos serviços, menor será o custo para fornecê-los e, via de

consequência, menores serão as tarifas ou taxas cobradas.

Mais de um prestador nestes casos acarretará no aumento das tarifas para

os usuários, este decorrente do inevitável aumento do custo do serviço prestado.

É insensata a construção de um sistema de água ou de esgoto em paralelo

ao já existente, especialmente quando se está diante de um enorme déficit de

serviços de água e esgoto no Brasil.

Por ser mais viável que uma única empresa preste os serviços do que haja

competição, se estabelece um regime de monopólio natural.

Sobre o monopólio natural bem esclarece Marçal Justen Filho:

Os serviços públicos pertinentes a saneamento envolvem, usualmente, monopólios naturais. Vale dizer, são serviços cuja prestação exige custos fixos extremamente elevados, envolvendo custo marginal decrescente à medida que a escala da atividade se eleva. Para utilizar linguagem mais próxima dos juristas, o monopólio natural se verifica quando o custo econômico de certa atividade é necessariamente inferior se houver um único prestador do serviço. A duplicação de operadores produzirá a duplicação de custos – com resultado prático tão elevado que será impossível a ambos os competidores obterem lucro ou oferecerem vantagens maiores para os usuários. Mas uma outra característica relevante do monopólio natural se relaciona com a dimensão da escala. Quanto maior a escala de prestação da atividade, tanto menor o custo individual das unidades fornecidas. Assim o é porque a implantação da atividade envolve custos muito elevados.

407

Foi citado que o monopólio é tido como uma espécie de falha ou defeito de

mercado, costumeiramente pautado pelo regime concorrencial.

Ocorre que em alguns casos, como é dos serviços de água e esgoto, o

monopólio não configura propriamente uma falha, mas sim o único modo de

produção factível, pois a atuação de dois ou mais prestadores pode fazer com que

todos os envolvidos sejam conduzidos a situações de brutal ineficiência (e mesmo

de quebra), com custos desnecessários e na maioria das vezes irrecuperáveis.

407

JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre a minuta do Projeto de Lei nº 5296/2005: diretrizes para os serviços públicos de saneamento básico e política nacional de saneamento básico - PNS. cit., p. 216.

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Apesar disso, não se pode ignorar que a prestação monopolista pode

redundar em abusos de poder econômico (lucratividade excessiva), bem como na

prestação de serviços ineficientes e de má-qualidade motivados exatamente pela

ausência de concorrência.408

Em se tratando de um serviço em que a universalização é princípio

fundamental reconhecido por Lei e a prestação está diretamente ligada com o bem-

estar e a preservação da vida da população (dignidade humana), é obrigatória a

intervenção estatal para regular este regime monopolista de prestação de serviços

públicos essenciais, isto com base nas diretrizes traçadas pela Lei nº 11.445/2007.

Compete ao governo garantir que as empresas não utilizem seu poder

monopolista para gerar lucros excessivos ou para restringir a quantidade e qualidade

dos serviços prestados.

Especialmente quando a prestação dos serviços se dá mediante a atuação

de empresas de capital privado, as quais tem por objetivo principal gerar lucro para

os seus acionistas. Esta situação já foi objeto de abordagem anteriormente, sendo

apontados vários exemplos em que os prestadores de serviços deixaram de lado os

objetivos sociais destes serviços essenciais e fundamentais para a realização de

vários direitos fundamentais, para alcançar lucros, sem qualquer comprometimento

com o reinvestimento na expansão dos serviços.

Por isso, cresce a importância da regulação e apontam-se nesta análise da

regulação econômica quais os instrumentos aptos a criar um ambiente de

concorrência comparativa para que o Estado exerça o controle sobre a atuação dos

prestadores de serviços.

A regulação econômica é parte da regulação, mas tem um item específico

nesta pesquisa em virtude do impacto que o estabelecimento da política tarifária

causa na prestação dos serviços.

Isto porque esta parte da regulação tem como objetivo principal o

estabelecimento de normas que permitam que o prestador opere em regime de

máxima eficiência com o menor custo possível (justa remuneração), de modo que o

408

“A consequência imediata do monopólio é a estipulação do preço do produto ou serviço acima do custo marginal, o que leva à maximização do lucro pelo monopolista em detrimento do consumidor. A situação se agrava, e muito, quando o consumidor, além de não ter escolha, é praticamente obrigado a comprar. Este é o caso dos serviços de saneamento básico. Por se tratar de um bem fundamental à vida e insubstituível, a clientela é cativa”. (CARVALHO, Vinícius Marques de. O Direito do saneamento básico. cit., p. 168).

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usuário receba um serviço adequado e em quantidades mínimas, por uma tarifa

módica (menor preço para o usuário).

Outro objetivo desta regulação é o de evitar o abuso do poder monopolista e

a consequente proteção dos usuários.

A regulação econômica também está atrelada a critérios sociais, já que a

definição das tarifas deve estar voltada para ganhos de eficiência e eficácia dos

serviços, sempre com vistas à modicidade tarifária e à apropriação social dos

ganhos de produtividade. Esta modicidade tarifária está relacionada diretamente

com a capacidade de pagamento dos usuários, sendo que “o preço módico para

certa classe dotada de maior poder aquisitivo será diverso do preço módico em

relação a grupos mais carentes”.409

Segundo Marçal Justen Filho:

Embora seja costumeira a alusão a ‘regulação econômica’, isso não significa que a regulação seja dotada de uma única dimensão. Toda regulação é concomitantemente econômica e social. Isso significa que a intervenção estatal no âmbito econômico corresponde sempre à promoção de valores sociais. Toda e qualquer atuação regulatória consiste num conjunto de providências econômicas e sociais.

410

Em se tratando aqui da regulação de serviços prestados em regime de

delegação para empresas da iniciativa privada ou para empresas da Administração

indireta (via gestão associada), a respectiva remuneração tem natureza jurídica de

tarifa, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça411.

Logo, o principal ponto da regulação econômica está relacionado com a

regulação tarifária e também a uma eventual adoção de subsídios para fazer frente

aos custos dos serviços, complementando as receitas tarifárias de maneira solidária

com vistas a propiciar a universalização do acesso aos serviços.

409

GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Op. cit., p.184. 410

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. cit., p. 562. 411

“A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que a contraprestação pelos serviços de água e esgoto não possui caráter tributário por ter natureza jurídica de tarifa ou preço público e que sua prescrição é regida pelo Código Civil. O recurso foi julgado pelo rito da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672/2008). Citando vários precedentes do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), o relator do processo, ministro Luiz Fux, reiterou que a natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto prestados por concessionária de serviço público é de tarifa ou preço público, consubstanciando em contraprestação de caráter não-tributário, razão pela qual não se submete ao regime jurídico tributário estabelecido para as taxas”. (Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=95441>. Acesso em 18 abr. 2014).

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Busca-se, portanto, “a eficiência e a sustentabilidade econômica” previstas

como princípios fundamentais no art. 2º, inc. VII da Lei nº 11.445/2007.

O estabelecimento de uma política tarifária que remunere o prestador dos

serviços de forma justa, propiciando o acesso aos serviços para todos os usuários,

especialmente aos mais carentes, mediante a definição de mecanismos tarifários

que propiciem até mesmo a adoção de subsídios para propiciar o acesso aos

serviços essenciais de água e esgoto.

O art. 29 da Lei 11.445/07 estabelece que “os serviços públicos de

saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada,

sempre que possível, mediante remuneração pela cobrança dos serviços”, bem

como que esta remuneração poderá levar em consideração os fatores previstos no

art. 30 da referida Lei.412

A legislação não qualificou e nem limitou as formas de regulação tarifária,

existindo alguns modelos que podem ser tecnicamente implementados com efeitos

satisfatórios.413

Um deles é a de regulação pelo custo ou taxa de retorno, no qual as tarifas

são definidas com base nos custos do prestador, a fim de que a remuneração

recupere tais custos e que o lucro do prestador seja definido por taxa de retorno ou

de remuneração do capital financeiro investido por ele.

O principal aspecto positivo é a segurança para a continuidade da prestação

dos serviços, vez que o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos fica

412

Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores: I - categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo; II - padrões de uso ou de qualidade requeridos; III - quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente; IV - custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas; V - ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e VI - capacidade de pagamento dos consumidores. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 abr. 2014).

413 PEIXOTO, João Batista. Aspectos econômicos: caderno temático nº 5. In: REZENDE, Sonaly Cristina. (Org.). Panorama do saneamento básico no Brasil: Cadernos temáticos para o panorama do saneamento básico no Brasil. Vol. nº 7. Brasília: Ministério das Cidades (editora), p. 167-219, 2011. p. 181. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 5 abr. 2014.

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garantido por uma remuneração apta a fazer frente aos custos dos serviços e ainda

garantir uma taxa de retorno para o prestador. Os ajustes regulares (reajustes) das

tarifas praticadas neste tipo de regulação trazem a garantia de que estas sempre

serão praticadas em patamares pouco acima dos custos, com benefícios para os

usuários dos serviços, pela limitação dos lucros do prestador.

A principal desvantagem é o baixo incentivo à redução de custos e a ganhos

de eficiência pelo prestador. Como existe garantia da contrapartida referente aos

custos, esta situação gera certa comodidade para o prestador e ainda pode

acarretar na apropriação de custos artificiais ou supérfluos, que venham a ser

utilizados na aquisição de bens e serviços de empresas coligadas ou controladas a

preços superiores aos de mercado ou na aquisição de bens para uso de diretores

(e.g. helicóptero), isto em razão da garantia de receber a contraprestação mediante

a remuneração cobrada dos usuários.

Alertam Bruno Aguiar Carrara de Melo e Frederico Araújo Turolla que:

Quando os custos incorridos pelo prestador são incorporados integralmente na composição da tarifa, sem considerações de eficiência operacional ou prudência de investimento, há tendência de ineficiência e inchaço de custos que implicam tarifas altas. Esse sistema foi amplamente adotado em contratos de concessão antes da efetiva ação de agências reguladoras e da adoção da regulação por incentivos.

414

De sorte que os efeitos positivos ou negativos deste tipo de regulação estão

diretamente ligados à atuação técnica e eficiente do regulador, com o mínimo de

assimetria de informações possível.

Várias empresas de saneamento brasileiras ainda possuem sistemas

tarifários oriundos do PLANASA (Lei nº 6.528/78 e Decreto nº 82.587/78). Na

legislação vigente até a edição da Lei 11.445/2007, havia previsão de que a

determinação da tarifa deveria considerar os custos mínimos dos serviços, com a

adoção de subsídio tarifário (tarifa mínima) e uma taxa de retorno de 12% ao ano.415

414

MELO, Bruno Aguiar Carrara de; TUROLLA, Frederico Araújo. Op. cit., p. 138. 415

A Lei Federal nº 6.528/78 prevê: Art. 2º [...] § 2º - As tarifas obedecerão ao regime do serviço pelo custo, garantindo ao responsável pela execução dos serviços a remuneração de até 12% (doze por cento) ao ano sobre o investimento reconhecido. Art. 4º - A fixação tarifária levará em conta a viabilidade do equilíbrio econômico-financeiro das companhias estaduais de saneamento básico e a preservação dos aspectos sociais dos respectivos serviços, de forma a assegurar o adequado atendimento dos usuários de menor

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Em complemento à regulação pelo custo, muitas vezes se utiliza a regulação

por incentivos, a qual compartilha lucros e custos, com vistas a atingir mais

rapidamente determinados objetivos sociais.

Sobre este método destaca Rodrigo Ferreira Madeira que:

Um aumento ou diminuição dos custos da firma são repassados apenas parcialmente para as tarifas, fazendo com que, no caso de aumento dos custos, a firma fique com parte destes e, no caso de redução dos custos, internalize apenas parte dos ganhos (aumento da taxa de retorno). Esse tipo de regulação incentiva parcialmente a firma a reduzir custos e a aumentar a eficiência.

416

A legislação prevê expressamente que “poderão ser estabelecidos

mecanismos tarifários de indução à eficiência, inclusive fatores de produtividade,

assim como de antecipação de metas de expansão e qualidade dos serviços” (art.

38, § 2º da Lei nº 11.445/2007).

É recomendável aplica-la quando existe muita assimetria de informações

entre o regulador e o prestador, porque os incentivos servem para que o primeiro

induza o segundo a realizar objetivos sociais baseado nas informações privilegiadas

que detém.417

Assim como para reduzir a margem de conforto do prestador, com relação à

recuperação dos custos dos serviços.

consumo, com base em tarifa mínima”. BRASIL, Planalto Central. Lei 6.528, de 11 de maio de 1978: Dispõe sobre as tarifas dos serviços públicos de saneamento básico, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6528.htm>. Acesso em: 20 mai. 2014. O Decreto Federal nº 82.587/78 prevê: Art. 21 [...] § 1º O custo dos serviços, a ser computado na determinação da tarifa, deve ser o mínimo necessário à adequada exploração dos sistemas pelas companhias estaduais de saneamento básico e à sua viabilização econômico-financeira. (BRASIL, Planalto Central. Decreto 82.587, de 6 de novembro de 1978: Regulamenta a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978, que dispõe sobre as tarifas dos serviços públicos de saneamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D82587.htm>. Acesso em: 20 abr. 2014).

416 MADEIRA, Rodrigo Ferreira. O setor de saneamento básico no Brasil e as implicações do marco regulatório para a universalização do acesso. In: Revista do BNDES. Vol. 33, jun. p. 123-154, 2010, p. 140.

417 “Algumas alternativas para a formulação desta modalidade são: (i) a flexibilização da taxa de retorno dos investimentos, admitindo sua variação dentro de um limite mínimo e máximo; (ii) alongamento (moratória) do prazo para revisão das tarifas; (iii) compartilhamento de lucros, admitindo-se que o prestador opere com taxa de retorno maior que a originalmente definida, desde que compartilhe parte do resultado (lucro) obtido com os usuários, de forma progressiva; e (iv) compartilhamento de receitas extraordinárias, variante similar à anterior, com a diferença de que a parcela a ser compartilhada com os usuários incide sobre a receita adicional obtida”. (PEIXOTO, João Batista. Op. cit., p. 182).

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Outra espécie de regulação tarifária é a pelo preço, vinculada não aos

custos, mas a mecanismos de incentivo que estimulam a eficiência operacional,

podendo ser pela metodologia de tarifação por preço-teto (método price cap) ou de

referência.

A regulação por preço teto (price cap) foi desenvolvida na década de 1980

no Reino Unido para a aplicação na prestação de serviços por empresas

privatizadas.418

Nesta modalidade apenas o fator preço é controlado pelo regulador, que fixa

um teto para a tarifa a ser aplicada, este desvinculado dos custos do prestador e

responsável pelos riscos e incertezas do negócio (custos, produtividade, taxa de

retorno, entre outros).

O regulador não leva em consideração a planilha de custos dos prestadores

dos serviços, mas regula com base em critérios de eficiência projetados para o

futuro (“fator X”),419 devidamente corrigidos e baseados em critérios de

produtividade. Deve ser incluído um fator de produtividade que estimule a eficiência

e a redução de custos, com consequências positivas na desoneração de tarifas em

favor do consumidor.

Segundo Marcos Juruena Villela Souto “a fixação de um preço teto, portanto,

incentiva a concessionária a obter ganhos de produtividade, por meio da redução de

custos, pois seu lucro será tanto maior quanto reduzidas as suas despesas”.420

Por depender menos das informações contábeis do prestador, essa

metodologia reduz a assimetria de informações entre ele e o regulador.

Porém, uma regulação eficaz está diretamente ligada ao bom conhecimento

do regulador das condições econômicas que afetam o serviço e de fiscalização

efetiva, já que a redução de tarifas eventualmente implementada pelo prestador,

pode ser provocada pela redução de investimentos, com a consequente redução da

qualidade do serviço.

418

MELO, Bruno Aguiar Carrara de; TUROLLA, Frederico Araújo. Op. cit., p. 141. 419

“O fator X tem papel central no modelo de regulação por preço-teto, por consistir na diferença entre o reajuste e a inflação”. (MELO, Bruno Aguiar Carrara de; TUROLLA, Frederico Araújo. Op. cit., p. 145).

420 CARVALHO, Alessandra Ourique de. NAVES, Rubens. Aspectos técnicos, econômicos e sociais do setor de saneamento: uma visão jurídica. In: GALVÃO JUNIOR, Alceu de Castro; XIMENES, Marfisa Maria de Aguiar Ferreira (Org.). Regulação: normatização da prestação de serviços de água e esgoto. Fortaleza: Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará – ARCE, p. 73-90, 2008, p. 84.

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A fixação de um teto elevado pelo regulador também pode resultar numa

lucratividade excessiva para o prestador, com prejuízos para os usuários.

Merece destaque o posicionamento de Fernando Vernalha Guimarães:

Uma preocupação subjacente ao modelo do price cap está em promover um efetivo e adequado monitoramento dos prestadores, ante o risco de uma redução excessiva dos custos comprometer a qualidade do serviço prestado. Não se pode desconsiderar também o alto custo de capital envolvido nos sistemas de tarifa máxima, dado a elevada taxa de risco inerente ao modelo. Esse ônus é apontado como uma desvantagem da tarifação price cap comparativamente ao modelo da taxa de retorno, que, pelo baixo risco financeiro relacionado, induz menores custos de capital.

421

A outra modalidade regulatória é a regulação de referência (benchmark ou

yardstick competition).

Notadamente adotada para os casos de monopólio natural, consiste na

adoção de parâmetros derivados de outros exemplos de empresas de alto

desempenho no setor em que atua o regulado (empresa de referência no mercado -

benchmark).422

Em outras situações, simula-se um modelo de prestador concebido dentro

de padrões de eficiência desejados pelo regulador, denominado de “firma

sombra”.423 Trata-se de um ambiente de concorrência virtual normalmente aplicado

ao ambiente de monopólio natural, a fim de simular um ambiente concorrencial.

Este método é utilizado como complemento da tarifação pelo sistema price

cap, isto com o objetivo de incentivar a eficiência do prestador, fixando-se a sua

remuneração com base em critérios de avaliação e comparação retirados das

empresas congêneres (média de desempenho).

Assim como no método de tarifação price cap, a eficácia desta regulação

está diretamente ligada a uma diminuição da assimetria de informações entre

421

GUIMARÃES, Fernando Vernalha. p. cit., p. 193. 422

“Embora haja alguma diferença conceitual entre yardstick competition e benchmarking, o modelo ora descrito é designado genericamente de regulação de referência (benchmarking) porque emprega métodos comparativos, não fazendo diferenciação entre os referidos termos”. (PEIXOTO, João Batista. Op. cit., p. 183).

423 Fernando Vernalha Guimarães destaca que: “Dada a especial dificuldade prática em conformar-se um padrão puro constituído a partir de certo prestador, a heterogeneidade das empresas prestadoras conduziu os reguladores, no propósito de facilitar a comparação entre aquelas, a eleger modelos de referência a partir de uma firma hipotética (firma-sombra), composta pela média de variáveis representativas do desempenho de diversos prestadores atuantes num segmento” (Op. cit., p. 194).

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prestador e regulador, de maneira que não ocorram manipulações de dados

contábeis, principalmente no que se refere aos custos dos serviços.

Daí a importância de um bom sistema de contabilidade regulatória,

garantindo que os dados sejam registrados pelos prestadores regulados com base

em uma plataforma de dados previamente definida e compatível com os das demais

empresas adotadas como parâmetro (definições de critérios contábeis uniformes).

A ineficácia da regulação neste caso criará um modelo de referência

superdimensionado e proporcionará maiores lucros ao prestador, que dentro de um

ambiente mal regulado facilmente apresentará custos mais baixos do que o da

“firma-sombra”.

A Lei nº 11.445/2007 prevê expressamente que os “fatores de produtividade

poderão ser definidos com base em indicadores de outras empresas do setor” (art.

38, § 3º).

Estas modalidades acima são aplicadas à fixação das tarifas, assim como

aos seus reajustes e revisões.

No art. 38 da Lei 11.445/2007 existe previsão para revisões tarifárias

periódicas (intervalos definidos pelo regulador), as quais objetivam a “distribuição

dos ganhos de produtividade com os usuários e a reavaliação das condições de

mercado”; ou extraordinárias, com o objetivo de reavaliar as condições de mercado

“quando se verificar a ocorrência de fatos não previstos no contrato, fora do controle

do prestador dos serviços, que alterem o seu equilíbrio econômico-financeiro”.

De todo o exposto, nota-se que a regulação econômica é fator essencial

para o controle de preços dos serviços, garantindo a eficiência e qualidade com

sustentabilidade econômica e social.

Do ponto de vista social, a regulação econômica deve controlar outro

mecanismo importante para a estrutura tarifária, que é a política de subsídios.

Por dependerem de pesados investimentos, os serviços de água e esgoto

normalmente requerem também a adoção de subsídios tarifários entre categorias de

usuários e entre localidades.

Desde o PLANASA já existe a política de subsídios cruzados entre usuários

de maior e menor poder aquisitivo, baseada na cobrança de tarifa mínima

(disponibilização de volume mínimo a preço especial), tabelas progressivas e

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categorias de consumidores com preços diferenciados, conforme se verifica nos

artigos 11, 13, 14 e 15 do Decreto nº 82.587/78.424

A atual legislação manteve estes instrumentos tarifários, como se pode

verificar nos artigos 29, 30 e 31 da Lei 11.445/2007,425 que revogou a legislação

anterior.

O objetivo destes subsídios cruzados entre usuários é o de cobrar um preço

mais elevado dos usuários de maior poder aquisitivo, a fim de praticar tarifas mais

424

Art. 11 - As tarifas deverão ser diferenciadas segundo as categorias de usuários e faixas de consumo, assegurando-se o subsídio dos usuários de maior para os de menor poder aquisitivo, assim como dos grandes para os pequenos consumidores. Art. 13 - Os usuários serão classificados nas seguintes categorias: residencial, comercial, industrial e pública. Art. 14 - As tarifas da categoria residencial serão diferenciadas para as diversas faixas de consumo, devendo, em função destas, ser progressivas em relação ao volume faturável. Art. 15 - Os usuários das categorias comercial e industrial deverão ter duas tarifas específicas para cada categoria sendo uma referente ao volume mínimo e a outra ao excedente, em que a segunda será superior à primeira e esta maior do que a tarifa média. (BRASIL, Planalto Central. Decreto 82.587, de 6 de novembro de 1978: Regulamenta a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978, que dispõe sobre as tarifas dos serviços públicos de saneamento e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D82587.htm>. Acesso em: 20 abr. 2014).

425 Art. 29. Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante remuneração pela cobrança dos serviços: I - de abastecimento de água e esgotamento sanitário: preferencialmente na forma de tarifas e outros preços públicos, que poderão ser estabelecidos para cada um dos serviços ou para ambos conjuntamente; [...] § 2

o Poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários e localidades que

não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços. Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores: I - categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo; II - padrões de uso ou de qualidade requeridos; III - quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente; IV - custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas; V - ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e VI - capacidade de pagamento dos consumidores. Art. 31. Os subsídios necessários ao atendimento de usuários e localidades de baixa renda serão, dependendo das características dos beneficiários e da origem dos recursos: I - diretos, quando destinados a usuários determinados, ou indiretos, quando destinados ao prestador dos serviços; II - tarifários, quando integrarem a estrutura tarifária, ou fiscais, quando decorrerem da alocação de recursos orçamentários, inclusive por meio de subvenções; III - internos a cada titular ou entre localidades, nas hipóteses de gestão associada e de prestação regional. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 mai. 2014).

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acessíveis para os usuários menos favorecidos (princípio da solidariedade). Por esta

sistemática é possível implementar uma tarifa social de valor mais baixo, já que os

déficits do fornecimento dos serviços abaixo do custo de produção são

compensados pelos resultados positivos da arrecadação junto aos demais usuários.

Nesta mesma linha de raciocínio os usuários das categorias industrial e

comercial devem pagar tarifas mais elevadas do que os da categoria residencial.

Esta política tarifária baseada em subsídios cruzados também foi

implementada para possibilitar o atendimento de localidades ou sistemas deficitários

com os recursos captados nos superavitários. Para tanto, estipula-se uma tarifa

uniforme para todos os sistemas operados pelas companhias de saneamento

básico, fundada no equilíbrio econômico e financeiro de todos estes sistemas

operados (deficitários e superavitários).

Por esta sistemática, todos os custos, despesas e receitas dos sistemas

operados compõe uma única planilha tarifária, o que possibilita prestar um serviço

de mesma qualidade em todos eles, independentemente do resultado financeiro ser

positivo ou não.

Este tipo de prestação em regime regionalizado também foi contemplado

pela Lei 11.445/2007.426

Com isso se pretende afastar o risco de que sistemas maiores e ocupados

por populações de maior renda (superavitários) tenham uma tarifa menor; enquanto

sistemas menores constituídos por populações carentes (deficitários) tenham que

arcar com tarifas elevadas para fazer frente aos custos dos sistemas.

A adoção das políticas de subsídios cruzados tem evidente cunho social, já

que se pretende com elas expandir os serviços para as localidades menores e mais

distantes (via de regra deficitárias), bem com o atender aos usuários de baixa renda

com tarifas módicas e que possibilitem o acesso aos serviços de água e esgoto, isto

mediante a cobrança de tarifas mais elevadas dos usuários de maior poder

aquisitivo.

426

Art. 14. A prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico é caracterizada por: I - um único prestador do serviço para vários Municípios, contíguos ou não; [...] II - uniformidade de fiscalização e regulação dos serviços, inclusive de sua remuneração; III - compatibilidade de planejamento. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 mai. 2014).

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Além dos subsídios cruzados, foram implementadas as tarifas progressivas,

as quais visam cobrar tarifa mais elevada daqueles que consomem mais e que,

teoricamente, o fazem por ter maior poder aquisitivo (empresas, residências com um

maior número de banheiros, banheiras, piscinas etc.).

A progressividade já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça na

Súmula 407: “É legítima a cobrança da tarifa de água, fixada de acordo com as

categorias de usuários e as faixas de consumo”.427

Merece destaque o fato de que a progressividade só é aplicada para os

consumos superiores à tarifa mínima (usualmente 10 metros cúbicos), quantidade

mínima que deve ser disponibilizada por um valor subsidiado.

Por isso a Lei 11.445/2007, no seu art. 3º, inc. VII define os subsídios “como

um instrumento econômico de política social para garantir a universalização do

acesso ao saneamento básico, especialmente para populações e localidades de

baixa renda”.428

Os subsídios descritos acima são indiretos (concessão indireta e indistinta

mediante tarifas diferenciadas para cada categoria de usuário) e tarifários (oriundos

de uma política tarifária).

Porém, além dos citados, podem com eles coexistir os subsídios destinados

direta e distintamente a um determinado usuário ou grupo de usuários (direto), isto

mediante isenção ou desconto em conta; e os fiscais, quando decorrentes de

dotações orçamentárias.

Como prevê a Lei, o subsídio deve ser aplicado prioritariamente para “os

usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala

econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços”, isto de maneira

proporcional à renda e à capacidade de pagamento dos usuários.

Compete ao regulador estabelecer a forma de aplicação destes subsídios de

maneira a evitar que estes sirvam para cobrir custos de ineficiências operacionais,

administrativas e financeiras dos prestadores, isto com vistas à universalização do

acesso, respeitando-se o princípio da modicidade tarifária.

427

Disponível: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=407&b=SUMU>. Acesso em: 21 mai. 2014.

428 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em 21 mai. 2014.

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Neste sentido é o posicionamento defendido por Diogo Rosenthal Coutinho,

para quem a regulação deve ser “redistributiva”, ou seja, “do ponto de vista

econômico, a concepção de um mecanismo de tarifação redistributiva, por meio do

qual certos consumidores de serviços essenciais contribuam para a universalização

através do pagamento de taxas [sic] diferenciadas em função de sua renda”.429

Do exposto, resta evidente a importância da regulação tarifária para que se

possa estabelecer limites de preço para os prestadores de serviço, sempre

objetivando o acesso aos serviços a toda à população.

Pela regulação econômica e pela política de subsídios é possível

estabelecer um regime de competição, mesmo que virtual, no ambiente de

monopólio natural dos serviços de água e esgoto, impedindo que os prestadores,

especialmente aqueles vinculados ao capital privado, lucrem de maneira exorbitante.

A regulação deve evitar que a iniciativa privada se aposse dos sistemas

superavitários, localizados em grandes centros, deixando de lado os sistemas

deficitários que, via de regra, tem seus serviços subsidiados pelas receitas tarifárias

obtidas nos grandes centros.

Foi destacado que tal conduta representaria a inversão da lógica de permitir

que nos sistemas compostos de usuários com capacidade de pagamento as tarifas

sejam reduzidas, enquanto naqueles deficitários, localizados em periferias, áreas

rurais e de baixa capacidade de pagamento dos usuários, as tarifas tenham de ser

majoradas pela eventual quebra dos subsídios cruzados.

Muito se fala também sobre a eficiência da iniciativa privada na prestação dos

serviços de água e esgoto, da sua capacidade de investimento e da possibilidade de

transferência de tecnologia mediante a participação das grandes organizações privadas

transnacionais que atuam neste setor.

Pesa ainda contra as companhias estaduais o argumento de que muitas

delas estão em situação de dificuldade financeira e com perdas de água superiores

a quarenta por cento (40%).430

429

COUTINHO, Diogo Rosenthal. A universalização do serviço público para o desenvolvimento como tarefa da regulação. In: SALOMÃO FILHO, Calixto (Coord.). Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, p. 65-86, 2002, p. 84.

430 Segundo a Secretária Estadual de Saneamento de São Paulo “das 26 companhias estaduais de saneamento, apenas 10 têm condições de autofinanciamento e 15 têm perdas de água acima de 40%”. Disponível em <http://www.valor.com.br/sites/default/files/dilmapena_valor_09dez10_0.pdf>. Acesso em: 6 abr. 2014.

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Também são relevantes os argumentos contra a presença da iniciativa

privada no setor de saneamento básico, sendo o principal deles o de que ela

trabalha na busca pelo resultado econômico, podendo deixar de lado os critérios

sociais que estão atrelados a este serviço essencial.

Por não serem atrativas à iniciativa privada, a regulação deve ter sua

atenção voltada para esta situação, para que não ocorra uma quebra abrupta da

atual política de subsídios cruzados entre sistemas maiores e menores que vem

sendo aplicada pelas Companhias Estaduais de Saneamento desde o PLANASA.

Os mecanismos de controle de tarifas para garantir o acesso aos serviços

com preços acessíveis a todas as camadas da população, com sustentabilidade

econômica da atuação dos prestadores é uma função primordial para a manutenção

e expansão dos serviços em busca da universalização.

O art. 11 da Lei prevê que “são condições de validade dos contratos que

tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico a

existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-financeira da

prestação universal e integral dos serviços, nos termos do respectivo plano de

saneamento básico”, podendo para tanto se utilizar a cobrança de tarifas e da

aplicação de subsídios.

Dessa forma, os prestadores públicos e especialmente os privados têm

garantia de que poderão atuar na exploração econômica dos serviços, por

intermédio da necessária segurança jurídica para os investimentos vultosos que são

necessários para expandir a cobertura com os serviços e assim diminuir os déficits

sanitários do Brasil.

Ao passo que aos usuários também é garantido que a prestação dos

serviços ocorrerá de forma sustentável e sem riscos de descontinuidade por

questões políticas e econômicas, como aquelas verificadas nas décadas de 80 e 90,

citadas neste estudo.

O foco principal deve ser o de evitar a exclusão daqueles que não dispõe de

condições de pagar as tarifas, já que são estes os mais prejudicados pela falta de

saneamento básico, com consequências sociais nefastas.

Evitar a exclusão social, orientando a atuação da iniciativa privada na

redução dos passivos sociais e não apenas na lucratividade é um dos desafios da

regulação.

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Bem observa Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo que “a

autossustentabilidade do modelo a ser escolhido é fator primordial, uma vez que não

sujeita os usuários do setor a problemas de investimentos sazonais por ajustes

fiscais ou por qualquer outro motivo”.431

Além da regulação econômica, a fiscalização também é fator preponderante

para evitar que os prestadores de serviços deixem de atender os princípios e normas

fixados nas diretrizes nacionais para o saneamento, bem como para garantir que as

políticas públicas sejam cumpridas.

A tarifa social é ferramenta imprescindível para a obtenção do acesso

universal. A modicidade tarifária também passa pela definição de tarifas

diferenciadas por classes de usuários, dando possibilidade de acesso para aqueles

que não dispõem de condições de pagamento. A legislação prevê esta condição de

sustentabilidade tarifária.

Da análise da política pública implementada conclui-se que existem

mecanismos nas diretrizes fixadas pela União para que os agentes envolvidos com a

prestação, planejamento e regulação dos serviços de água e esgoto busquem

atender a universalidade dos brasileiros com os serviços de água e esgoto.

Porém, o Direito não pode agir sozinho neste caso, dependendo a solução

dos déficits sanitários de inúmeras ações das instituições do Estado, da sociedade e

do mercado, como foi alhures demonstrado anteriormente.

Depende de ações técnicas no planejamento e na regulação, sendo que

esta última deve ser forte, conciliando os interesses sociais da expansão dos

serviços essenciais de água e esgoto com a fixação de política tarifária que garanta

preços acessíveis a todas as camadas da sociedade (especialmente para os mais

pobres) e ao mesmo tempo faça frente aos custos dos serviços (equilíbrio

econômico e financeiro).

Tudo isto como forma de garantir a continuidade da prestação dos serviços

com qualidade e eficiência.

Foi visto que os interesses públicos de universalização dos serviços em

áreas rurais ou de baixo poder aquisitivo contrastam com os interesses econômicos

dos prestadores de serviços privados e mesmo de algumas Companhias Estaduais

que possuem participação privada em seu capital.

431

RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Op. cit., p. 305.

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Aqui se debate o entrelaçamento do Estado, da sociedade e do mercado,

que são “os três principais eixos organizativos ou balizadores sobre os quais vive

hoje grande parte da humanidade”.432 Sobre os interesses comuns e contrapostos

que existem entre estes eixos no que se refere aos serviços de água e esgoto.

Pela regulação técnica e econômica o Estado busca exercer a fiscalização e

o controle da prestação dos serviços, de modo a realizar uma política pública de

acordo com as diretrizes fixadas na Lei 11.445/2007, com relação aos seus

princípios e objetivos.

As entidades reguladoras devem exercer o papel de proteção do interesse

público, especialmente no que se refere à qualidade, eficiência, continuidade e

modicidade, objetivando planejada e progressivamente a universalização do acesso

aos serviços a todos os cidadãos brasileiros, independentemente da condição social.

É o papel de conciliação entre as vantagens econômicas e a meta social de

atingir a universalidade dos cidadãos brasileiros com os serviços de água e esgoto.

Para isso o Estado deve intervir efetivamente no planejamento e na regulação,

utilizando de todos os mecanismos analisados, com vistas a atingir todo o “grupo

regulado”.433

O Estado deve ainda garantir e estimular a participação da sociedade no

controle social dos serviços, bem como de agir de forma transparente, fornecendo

todas as informações necessárias para a participação popular.

5.3 A PARTICIPAÇÃO DO CIDADÃO NA ATIVIDADE DESEMPENHADA PELO

PODER PÚBLICO

No atual contexto, como foi analisado no item 4.3, a Constituição e a

legislação infraconstitucional permitem que os serviços de água e esgoto sejam

432

SOUZA, Celina. Estado e política de saneamento no Brasil: caderno temático nº 13. In: REZENDE, Sonaly Cristina. (Org.). Panorama do saneamento básico no Brasil: Cadernos temáticos para o panorama do saneamento básico no Brasil. Vol. nº 7. Brasília: Ministério das Cidades (editora), p. 614-639, 2011. p. 616. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=302:plansab&catid=84&Itemid=113>. Acesso em: 5 abr. 2014.

433 Sobre a definição de “grupo regulado”, ver: MOREIRA, Vital. Auto-regulação profissional e administração pública. Coimbra: Almedina, 1997, p. 131.

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prestados diretamente pelo seu titular ou que sejam delegados para a iniciativa

privada por meio de licitação ou ainda para entidade da Administração indireta em

regime de gestão associada (cooperação federativa).434

Para tanto, além dos mecanismos que foram apontados anteriormente, a

fiscalização deve contar com a participação popular ativa. Assim como os cidadãos

devem participar ativamente da formulação das políticas públicas.

5.3.1 O Controle social

Foi visto anteriormente que a Lei nº 11.445/2007, seguindo diretriz

constitucional do art. 37, elenca o controle social e a transparência das ações dos

prestadores de serviço e do Poder Público entre os princípios fundamentais dos

serviços públicos de saneamento básico descritos no art. 2º.

A participação popular prevista na legislação visa permitir que o cidadão

participe diretamente da vida do Estado.

Neste ponto, tratando especificamente do controle social dos serviços

públicos, é a forma pela qual a sociedade exerce seu papel dentro do Estado

Democrático de Direito (gestão democrática).

Seguindo ensinamento de Jürgen Habermas “para que o Direito mantenha

sua legitimidade, é necessário que os cidadãos troquem seu papel de sujeitos

privados do direito e assumam a perspectiva de participantes em processos de

entendimento que versam sobre as regras de sua convivência”.435

A participação popular nas decisões administrativas acerca do saneamento

básico é essencial para garantir que o verdadeiro dono do poder exerça plenamente

sua soberania, diminuindo a distância que existia até então entre o Estado e os

cidadãos neste importante setor do desenvolvimento nacional.436

A Lei de Saneamento estabeleceu a obrigatoriedade do controle social nas

atividades de planejamento, regulação e prestação dos serviços de água e esgoto. A

434

Cf. nota 325. 435

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. 2. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 323.

436 Ver: LOBATO, Taiane, Op. cit., p. 64.

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partir dela o plano de saneamento (art. 19, § 5º), a minuta do contrato de concessão

ou de programa (art. 11, inc. IV) e os processos de revisão tarifária (art. 38, § 1º),

como condição de validade, devem ser precedidos de audiências ou consultas

públicas.

O art. 47 da Lei ainda prevê que “o controle social dos serviços públicos de

saneamento básico poderá incluir a participação de órgãos colegiados de caráter

consultivo, estaduais, do Distrito Federal e municipais”.

Os órgãos colegiados devem assegurar a participação dos titulares, dos

prestadores e dos usuários dos serviços; dos órgãos governamentais e de entidades

técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas

ao setor de saneamento básico.

Para assegurar a participação popular, a legislação estabelece vários

instrumentos descritos no art. 34 do Decreto nº 7.217/2010.437

A crítica que se faz é com relação à previsão de que estes órgãos

colegiados têm caráter apenas consultivo, o que dá pouca margem para a

interferência efetiva da população nas decisões acerca da política de saneamento

básico.

Pedro Roberto Jacobi também critica o texto legal “pela pouca abertura para

um efetivo controle social”, em virtude de que não se estabelece a sua

obrigatoriedade e sim a possível existência (facultativa) de órgãos colegiados no

controle social dos serviços.438

A deficiência apontada acima foi solucionada parcialmente pelo Decreto nº

7.217/2010 que, no § 6º do art. 38, limitou o acesso aos recursos federais ou aos

geridos ou administrados por órgão ou entidade da União, quando destinados a

serviços de saneamento básico, àqueles titulares de serviços públicos de

437

Art. 34. O controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá ser instituído mediante adoção, entre outros, dos seguintes mecanismos: I - debates e audiências públicas; I - consultas públicas; III - conferências das cidades; ou IV - participação de órgãos colegiados de caráter consultivo na formulação da política de saneamento básico, bem como no seu planejamento e avaliação. (BRASIL, Planalto Central. Lei 11.445 de 5 de janeiro de 2007 - Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11445.htm>. Acesso em: 14 mai. 2014).

438 JACOBI, Pedro Roberto. Planejamento e participação na governança da água no Brasil e suas interfaces com a governabilidade dos serviços de saneamento. In: HELLER, Léo; CASTRO, José Esteban (Org.). Política pública e gestão de serviços de saneamento. Ed. ampl. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p. 542-555, 2013, p. 553.

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saneamento básico que não instituírem, por meio de legislação específica, o controle

social realizado por órgão colegiado até 31 de dezembro de 2014.

Apesar disso a participação social como pressuposto de validade do

processo de planejamento e contratação faz com que as políticas públicas fiquem

mais próximas dos efetivos anseios da comunidade, situação inédita até então no

setor.

Existem também várias formas de participação popular na regulação, como

adverte Romeu Felipe Bacellar Filho:

Várias são as formas de participação popular nas agências reguladoras, sendo imperioso referir: a) a criação de ouvidorias, para receber e analisar as reclamações e sugestões formuladas por agentes regulados e usuários e consumidores, bem como propor medidas para atendê-las; b) a previsão de audiências públicas que, ao mesmo tempo em que concretizam o princípio da publicidade, viabilizam a participação de indivíduos ou grupos determinados expondo suas idéias, preferências e sugestões que propiciem à Administração Pública decidir com maior probabilidade de acerto; c) a previsão de contrato de gestão a possibilitar o controle da ação administrativa da agência, bem como da avaliação de seu desempenho junto à comunidade destinatária de sua atuação; d) finalmente, a previsão da existência de um Conselho Consultivo, com função opinativa, onde se denota a representação e participação da sociedade.

439

Todos estes mecanismos são importantes para que o maior interessado nos

serviços possa opinar sobre a sua expansão, assim como fiscalizar o cumprimento

dos contratos, do planejamento e da prestação dos serviços, que deve guardar

relação com os princípios previstos na Lei de Saneamento.

Para tanto, há necessidade de que o princípio da transparência seja

observado pelo Poder Público e pelos prestadores dos serviços, especialmente com

relação à disponibilização das informações a todos os interessados, a fim de que

estes tenham condições de exercer o controle sobre as atividades do setor.

Outra medida necessária para o controle social eficaz e efetivo no setor de

saneamento é a redução da assimetria de poder entre o Estado e a sociedade. Para

isso é importante que os cidadãos passem a participar, de fato, da organização e

prestação dos serviços de água e esgoto. Isto para que os avanços trazidos pela Lei

não se limitem ao campo formal, mas para que se consolidem materialmente pela

participação, discussão, fiscalização da gestão e regulação dos serviços.

439

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Op. cit., p. 23-24.

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Entre as principais mudanças para a efetivação do controle social, também

está a busca dos usuários pelo aperfeiçoamento técnico e a adoção de condutas

adequadas à ética.

Passa pelos usuários a melhoria das condições dos serviços de água e

esgoto, sendo que para isto devem eles exercer os seus direitos, assim como

cumprir com os seus deveres.

5.3.2 A Ética dos Usuários

Segundo Marilena Chauí o termo ética tem origem na língua grega, da

palavra ethos, que significa:

[...] caráter, índole natural, temperamento, conjunto das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa. [...] ethos se refere às características pessoais de cada um que determinam quais virtudes e quais vícios cada um é capaz de praticar. Referem-se, portanto, ao senso moral e à consciência ética individuais.

440

Para Adolfo Sánchez Vázquez “a ética é a teoria ou ciência do

comportamento moral dos homens em sociedade”.441

O crescimento da demanda por recursos naturais para fazer frente ao

crescimento populacional e ao consumo, tem provocado preocupação com o meio

ambiente e com a sustentabilidade.

No caso especifico dos serviços de água e esgoto, foi visto anteriormente

que escassez da água e o lançamento de esgotos sem tratamento nos rios, são

problemas que afetam milhões de pessoas no Brasil, com consequências nefastas

para a saúde da população.

É pequena a disponibilidade de água doce para fazer frente ao aumento

desenfreado da demanda, principalmente ocasionado pela massificação da

produção decorrente do atendimento aos efeitos do crescimento populacional numa

sociedade globalizada.

440

CHAUI, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2001, p. 166. 441

SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. Tradução de João Dell’Anna. 30ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 23.

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Outro fator que coloca em risco a sustentabilidade da vida no planeta é a

quantidade de resíduos decorrentes do binômio produção/consumo, situação que

afeta a qualidade, do ar, da água, do solo e, por consequência, de todo o meio

ambiente.

Ocorre que não é apenas o Estado o responsável por atuar na busca da

solução destes problemas. A sociedade também tem seu papel. E ele deve

ultrapassar o do controle social.

A ética no consumo, que está diretamente ligada à ética ambiental, deve

nortear o poder de escolha dos consumidores, de modo que eles optem por

condutas de menor impacto no meio ambiente.

Faz parte de um comportamento ético evitar banhos demorados, torneiras

abertas no momento de escovar os dentes, controlar vazamentos, optar pelo reuso

da água em descargas de banheiro, entre outros.

A educação do consumidor é fundamental para que ele tenha plenas

condições de exercer um juízo de valor ético a respeito de suas condutas, de forma

que elas convirjam para a realização do bem comum. Ela é premissa tanto para que

o consumidor tenha plena ciência de seus direitos, como também de seus deveres e

do impacto de suas condutas no meio ambiente (consumismo).

A Política Nacional de Resíduos Sólidos trata desta parcela do consumidor

para a sustentabilidade, como observa Patrícia Faga Iglecias Lemos:

Nesse sentido, o art. 3º, XIII, da Política Nacional de Resíduos Sólidos, define os padrões sustentáveis de produção e de consumo como aqueles realizados “de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das gerações futuras.

442

Somente assim é que vai encorajar este mesmo comportamento ético

daqueles que prestam os serviços.

E para isso o Estado também deve adotar políticas voltadas para a

racionalização da utilização dos recursos, assim como trabalhar na educação dos

usuários para que estes utilizem efetivamente dos serviços de água e esgoto, mas

sem desperdícios.

442

LEMOS, Patrícia Faga Iglecias. Resíduos sólidos e responsabilidade civil pós consumo. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 39.

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192

6. CONCLUSÕES

O saneamento básico no Brasil, mais especificamente no que se refere aos

serviços de água e esgoto, investigados nesta pesquisa, tem um histórico de atrasos

e déficits de atendimento, com consequências drásticas para a população.

Diante disso foram investigadas as causas destes déficits e os horizontes

destes serviços essenciais para a vida da população, especialmente depois da

edição, em 5 de janeiro de 2007, da Lei nº 11.445, que instituiu as diretrizes

nacionais para o saneamento básico.

O eixo central deste trabalho é a universalização dos serviços de água e

esgoto e seus reflexos sociais, ambientais e econômicos. Discutiu-se sobre a

solução de questões decorrentes das relações destes serviços com a dignidade

humana e o risco de mercantilização de bens essenciais a vida.

Sem pretensão de esgotar o tema, investigou-se sobre a possibilidade de se

compatibilizar os interesses públicos e privados existentes no setor dentro das

condições disponibilizadas pelo marco legal implementado.

Ao analisar as condições sanitárias da população mundial apresentou-se

uma situação extremamente preocupante, com risco de desabastecimento futuro de

quase metade da população mundial. Verificou-se também que a água é um recurso

escasso e, pela sua essencialidade, tem despertado interesses privados na sua

comercialização.

Foi visto que este binômio escassez e essencialidade motivou movimentos

internacionais de privatização com o objetivo de transformar a água numa

commoditie, situação que foi contida, depois de longa discussão, pela declaração da

água de qualidade e do acesso ao saneamento (serviço de esgoto) como direito

humano pela ONU.

Mesmo assim, é presente o risco de mercantilização da água pela atuação

das grandes transnacionais do setor em países em desenvolvimento.

Estes movimentos chegaram nos países da América Latina na década de

90, provocando a privatização de vários serviços até então prestados pelo Estado.

Não foi diferente com o saneamento básico.

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Seguindo-se a diretriz neoliberal vigente, vários países, inclusive o Brasil,

optaram pelo apoio da iniciativa privada para prestar serviços que até então estavam

sob a gestão exclusiva do Estado.

É o reflexo da redução do Estado Providência que triunfou nos 30 (trinta)

anos do pós-guerra, mas que entrou em crise pela falta de recursos dos Estados

nacionais para fazer frente aos compromissos sociais, tendo de buscar apoio na

iniciativa privada.

Na análise de casos foi constatado que o ordenamento brasileiro permite a

prestação direta dos serviços pela iniciativa privada desde a Constituição de 1988 e

que existem casos de sucesso nas privatizações no Reino Unido e no Chile.

Já na Bolívia e na Argentina as empresas privadas transnacionais foram

expulsas por descumprimentos de metas contratuais e lucros excessivos.

No Brasil, também foram verificados casos positivos da atuação privada com

relação a índices de atendimento, mas em todos os casos analisados a iniciativa

privada priorizou o lucro em detrimento dos interesses sociais que estão diretamente

ligados à disponibilização de acesso aos serviços de água e esgoto.

Aliás, a compatibilização entre o interesse pelo lucro, que está diretamente

relacionado com a atividade empresarial, e os interesses públicos na universalização

do acesso aos serviços de água e esgoto foi um dos questionamentos que nos

prepusemos a responder nesta pesquisa.

Com foco nesta análise, no primeiro capítulo foi demonstrado que o acesso

aos serviços de água e esgoto gera benefícios diretos à saúde, à educação, ao meio

ambiente e à qualidade de vida dos cidadãos, com reflexos no desenvolvimento

nacional.

Restou demonstrado que o Brasil possui déficits sanitários gravíssimos, com

parte da população sem acesso a água tratada e aproximadamente metade sem

acesso ao serviço de esgoto, situação que tem provocado milhares de mortes,

especialmente de crianças, por contaminações por doenças como diarréia, cólera,

disenteria, febre tifóide, hepatite, entre outras.

Constatou-se ainda que estes déficits estão localizados em áreas mais

carentes e nas zonas rurais, o que torna ainda maior o desafio de universalizar o

acesso aos serviços de água e esgoto em razão da falta de capacidade de

pagamento destas populações atualmente desassistidas.

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Ainda no primeiro capítulo se buscou a explicação para estes déficits, que

colocam o Brasil entre os piores índices sanitários mundiais. E a conclusão foi de

que historicamente não se investiu adequadamente no saneamento básico, sendo

que a primeira política pública nacionalmente implementada só ocorreu na década

de 70, com o PLANASA.

Mesmo não tendo o PLANASA atingido as suas metas de atendimento,

acabou por proporcionar inúmeros avanços no setor, com o acréscimo de 52 milhões

de pessoas ligadas em redes de água e esgotos no período compreendido entre

1971 e 1985.

A crise econômica que afetou o Brasil na década de 80 provocou o

endividamento dos Estados e, consequentemente, a incapacidade financeira das

Companhias Estaduais, até então principais responsáveis pela política de

saneamento. Este período, compreendido entre o final da década de 80 e primeira

metade da década de 90, é o período que foi descrito acima, quando iniciaram as

privatizações no Brasil, decorrentes dos movimentos neoliberais egressos da Europa

e dos Estados Unidos da América, incentivados pelos organismos internacionais de

disponibilização de crédito.

Com base na Constituição de 1988, que, democraticamente, criou condições

para que a iniciativa privada apoiasse o Estado na prestação dos serviços de água e

esgoto mediante concessões e permissões (art. 175), vários Municípios, apoiados

pela política da União, privatizaram seus serviços.

Na evolução histórica foi demonstrado que na década de 90 e no início deste

século o setor de saneamento foi objeto de disputa entre os interesses privados,

apoiados na política pública de cunho privatizante do governo central e os interesses

das Companhias Estaduais e de movimentos sociais contrários à privatização.

Estes embates políticos e ideológicos impediram por diversas vezes a

aprovação de diretrizes nacionais para o setor, situação que terminou por provocar

insegurança jurídica. Os serviços continuaram sendo prestados com base na

legislação do PLANASA, editada na década de 70, num contexto diferente do que

passou a viger depois da Constituição de 1988.

Dúvidas com relação à forma de contratação e a titularidade dos serviços e a

inexistência de regras jurídicas claras para o setor de saneamento impediram

investimentos, também contribuindo para o atraso no desenvolvimento nacional.

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195

Isto porque a expansão dos serviços de água e esgoto produz reflexos

positivos na saúde, onde vidas são poupadas; no meio ambiente, com impactos nas

condições dos rios, do solo entre outros; na capacidade laborativa dos trabalhadores

que deixam de faltar; na educação, pela melhora de aproveitamento dos alunos; no

turismo com a despoluição de praias e rios; na economia, por gerar melhoria no

emprego, na renda e na valorização imobiliária; e na arrecadação tributária.

Os impactos gerados pela universalização dos serviços de água e esgoto

refletem diretamente no desenvolvimento social e no crescimento econômico. Logo,

trata-se do desenvolvimento atrelado aos objetivos previstos no art. 3º da

Constituição Federal, com ampla relação na realização dos direitos fundamentais e

na consecução do princípio da dignidade humana.

E aqui se responde a um dos questionamentos formulados nesta pesquisa,

posto que os serviços analisados são fundamentais para a sobrevivência com

dignidade e possibilitando o acesso a outros direitos fundamentais, como é o caso

da vida, liberdade, igualdade e solidariedade.

A relação do saneamento básico, especialmente dos serviços de água e

esgoto com o princípio da dignidade humana está materializada na opção do

legislador de qualifica-lo como serviço público, conforme foi apresentado no capítulo

quatro.

Diante de tal situação é dever do Estado brasileiro possibilitar o acesso a

estes serviços a todos os brasileiros, sem qualquer preconceito e em condições de

igualdade material, para a inclusão social.

Para tanto, lançou mão de um marco legal que permite a atuação de

prestadores públicos e privados.

Esta opção de buscar apoio nas empresas estaduais e na iniciativa privada é

a mais adequada ao ordenamento constitucional, que permite a delegação dos

serviços pelos titulares, via de regra Municípios (exceção nas Regiões

Metropolitanas), por licitação para empresas privadas ou por gestão associada em

regime de cooperação.

Outro ponto de discussão nesta pesquisa se deu com relação à participação

privada no setor, pelo aparente conflito existente entre o interesse social, que está

diretamente relacionado ao acesso universal com os serviços de água e esgoto e a

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expectativa de lucro relacionada com a atuação do capital privado, focado no

interesse de seus acionistas.

Por isso foram analisados casos nacionais e internacionais de privatização,

chegando-se à conclusão de que é possível a prestação de serviços eficiente e

sustentável nestas condições, desde que haja uma regulação forte pelo Estado,

permitindo a prestação de serviços eficientes, com ganhos de produtividade e

adequação de tarifas a patamares acessíveis para a sociedade, que deve

acompanhar a gestão destes serviços (controle social).

Nesta pesquisa ainda foram detectados os riscos da atuação privada,

especialmente com relação à preocupação das grandes transnacionais com a

lucratividade, deixando de lado os critérios sociais, optando pela majoração

excessiva das tarifas, com redução de acesso dos serviços para a população mais

carente.

Em contrapartida, também se observou a existência de exemplos de

prestação de serviços por empresas estaduais ineficientes, com atrasos na

implementação dos serviços. Tal situação evidencia a necessidade de que exista

regulação pelo Estado da atividade desenvolvida, seja por prestadores públicos, seja

por privados.

A regulação deve ser pautada na manutenção de uma estrutura tarifária que

possibilite a prestação dos serviços em municípios deficitários e superavitários da

mesma forma, motivo pelo qual a política vigente de subsídios cruzados entre

sistemas e usuários não pode ser abandonada até que outra seja implementada em

seu lugar de maneira eficiente.

Deve imperar a solidariedade, com vistas a que todos tenham acesso aos

serviços de água e esgoto, independentemente da condição social e econômica. Por

isso, há necessidade de evitar que as privatizações fiquem restritas apenas aos

sistemas superavitários e que atualmente subsidiam a prestação dos serviços em

municípios menores e para populações mais pobres, desprovidas de capacidade de

pagamento.

E foi com este objetivo que se implementou o marco legal do setor, questão

também analisada nesta pesquisa.

A Lei nº 11.445/2007 estabelece em seus princípios fundamentais a

universalização com eficiência, qualidade, tecnicidade, modicidade tarifária e,

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principalmente, com foco no atendimento das populações mais carentes, que

habitam exatamente as áreas desprovidas de capacidade de pagamento e onde

estão os principais déficits sanitários brasileiros.

A lógica que deve nortear a prestação dos serviços de água e esgoto deve

ser a social, isto sem deixar de lado a lógica econômica, pois as empresas –

estaduais ou de capital majoritariamente privado – dependem dos lucros para fazer

frente aos custos dos serviços. A questão econômica e financeira não pode ser

relegada, sob pena de inviabilizar a prestação dos serviços.

O que não se pode admitir é que a prestação dos serviços esteja voltada

apenas para o lucro das empresas, sob pena de não se atingir os objetivos da

República previstos na Constituição e da Lei.

E o legislador teve esta preocupação de aliar a sustentabilidade social, com

a econômica e com a ambiental, conforme se verifica nos princípios fundamentais da

lei e nas disposições sobre o planejamento e a regulação.

Em diversos dispositivos da Lei existe a preocupação de que se busque a

progressão da expansão dos serviços atrelada à capacidade de pagamento dos

usuários; mediante a adoção de políticas de subsídios com foco solidário no

atendimento dos mais carentes; e sempre respeitando o planejamento e o equilíbrio

econômico e financeiro dos contratos.

O planejamento é outro mecanismo muito importante para a realização dos

objetivos de universalização do Estado, desde que efetivamente implementado, com

independência, tecnicidade e participação efetiva da população.

Desta forma, Estado e sociedade tem amplas condições de proceder ao

levantamento da realidade atual e analisar os cenários futuros, com o prognóstico

dos objetivos e metas voltadas para a universalização do acesso, definindo as

ações, os projetos e os investimentos necessários para tanto.

Por ser condição de validade dos contratos e vinculante para as ações do

prestador dos serviços, o planejamento é indelegável e serve para que o titular dos

serviços determine a ação dos respectivos prestadores. A população também tem

oportunidade de exigir o atendimento de suas necessidades pela participação nas

consultas e audiências públicas que são obrigatórias no processo de planejamento e

contratação de serviços.

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Para isso, a população deve agir de maneira ética, tendo a exata

consciência de seu papel no desenvolvimento das políticas públicas do governo, o

que até então não ocorre por absoluta falta de informação e educação em nosso

País.

Outra condição de validade dos contratos é a regulação. Pela regulação, o

titular deve estabelecer os padrões técnicos para a adequada prestação dos

serviços e para a satisfação dos usuários, assim como criar meios para fiscalizar o

cumprimento da atividade de planejamento, dos contratos e a regulação tarifária.

A entidade reguladora criada pelo titular ou vinculada a outro ente federado

deve ser independente e autônoma, tratando das questões técnicas, econômicas e

das normas necessárias ao funcionamento dos serviços regulados de maneira eficaz

e apta a promover à universalização do acesso com modicidade tarifária e

sustentabilidade econômico-financeira.

O objetivo central é estabelecer normas que façam com que o prestador

opere em regime de máxima eficiência com o menor custo possível (justa

remuneração) e que o usuário receba serviço adequado por uma tarifa acessível, ou

seja, que se implemente um regime de lucro justo.

Para isso, a regulação deve contar com técnicos especializados e

desvinculados dos interesses políticos. Os interesses norteadores da atividade

regulatória devem ser os do Estado (interesses públicos), sempre voltados para

coibir o abuso do poder monopolista e para a proteção dos usuários, mediante

regulação econômica voltada para a fixação de tarifas que refletiam os custos de

serviços eficientes e com expansão progressiva.

Responde-se afirmativamente ao questionamento sobre a possibilidade de

privatizar os serviços com sustentabilidade social e econômica, com base no

argumento de que é a regulação o ponto de equilíbrio entre o interesse público e o

mercado.

É notória a evolução que promoveu a legislação, afastando os prestadores

de serviços, especialmente as Companhias Estaduais de Saneamento das funções

de planejamento e regulação dos serviços.

A legislação editada traz maior clareza para a atuação dos atores envolvidos

com o saneamento básico, especialmente no que se refere à disciplina e a

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consequente segurança jurídica para o setor, incentivando a eficiência e a qualidade

dos serviços prestados ao usuário.

A Lei prevê ainda que os novos contratos celebrados devem observar o

regime legal que determina o planejamento prévio, a sustentabilidade econômica e

financeira comprovada, metas de progressão de cobertura com serviços voltados

para as camadas mais pobres da população, controle social, regulação e

fiscalização por entidades independentes.

De acordo com o trabalho desenvolvido se pode concluir que a atenção do

Poder Público finalmente se volta para uma questão estratégica e primordial para a

garantia de vida da população e das próximas gerações, pois a Administração

Pública agora dispõe de instrumentos jurídicos aptos a possibilitar que prestadores

públicos e privados possam atuar mediante delegação pelos titulares, num ambiente

regulado e com segurança para a aplicação dos investimentos necessários para a

expansão da oferta de serviços.

É um passo relevante de um longo caminho a ser percorrido na busca da

universalização dos serviços de água e esgoto, cuja concretização depende de

pesados investimentos, da ação governamental e da iniciativa privada.

Assim como depende da participação efetiva da sociedade, que deve

exercer o seu papel de fiscal da prestação dos serviços e do atendimento dessas

metas, através do controle social previsto na legislação.

Enfim, é possível se responder positivamente aos dois questionamentos

formulados nessa pesquisa, no sentido de que os serviços de água e esgoto são

serviços públicos intimamente relacionados com o princípio da dignidade da pessoa

humana, e que a Lei 11.445/2007 apresenta-se como um adequado marco

regulatório para o setor, cujo completo e almejado desenvolvimento, no entanto,

depende para a sua implementação de fatores outros além do Direito.

O Direito, dentro de suas limitações, proporcionou meios adequados para a

solução dos problemas do setor. As limitações decorrem das dimensões que

escapam ao seu alcance (econômica, política, técnica etc.). Deixou-se claro que o

Direito não é uma fórmula mágica, mas apenas uma das ferramentas necessárias

para a busca pelo acesso universal com água e esgoto, já que tal condição depende

de vários fatores sociais, econômicos e políticos, todos já destacados nesta

pesquisa.

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Especialmente porque o que se nota é que a população não está preparada

para exercer o controle social adequadamente, assim como a regulação e o

planejamento não estão sendo executados de forma independente, mas sim de

maneira vinculada, via de regra, a interesses políticos e em alguns casos até a

interesses privados voltados para a lucratividade em detrimento da realização dos

direitos sociais.

Nota-se também que as Companhias Estaduais ainda continuam exercendo

muita influência sobre os processos de planejamento e regulação, muitas vezes de

acordo com os interesses estaduais, em detrimento dos locais.

O extinto PLANASA ainda exerce muita influência nas políticas

implementadas no setor, que precisa que uma regulação forte e com participação

ativa da população seja efetivamente implementada.

Ainda existe muito a ser feito para que sejam efetivamente aplicadas as

regras previstas na legislação.

Conclui-se que as ferramentas já estão à disposição, agora é necessário que

a sociedade e o Estado as utilizem para a consecução do interesse público e para o

efetivo acesso dos brasileiros aos direitos fundamentais.

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