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12
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNICURITIBA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA
CYNTIA BRANDALIZE FENDRICH
O DIREITO, AS CLÍNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA E O DESCARTE DE MATERIAL GENÉTICO
CURITIBA 2014
13
CYNTIA BRANDALIZE FENDRICH
O DIREITO, AS CLÍNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA E O DESCARTE DE MATERIAL GENÉTICO
Dissertação apresentada em Banca do Curso de Pós-Graduação stricto sensu - Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Unicuritiba, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito. Orientadora: Professora Doutora Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr. Coorientador: Professor Doutor Jose Edmilson de Souza-Lima.
CURITIBA 2014
14
CYNTIA BRANDALIZE FENDRICH
O DIREITO, AS CLÍNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA E O DESCARTE DE MATERIAL GENÉTICO
Presidente: ___________________________________________ DRA. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR ___________________________________________ DR. JOSE EDMILSON SOUZA-LIMA ___________________________________________ DR. ALEXANDRE COUTINHO PAGLIARINI
Curitiba, 05 de junho de 2014.
15
Aos meus pais, ORLANDO e IVONETE,
pelo apoio e suporte nos momentos árduos,
sempre priorizando o ensino e o conhecimento intelectual;
À RAFAEL e FERNANDO, razões de minha caminhada acadêmica.
16
AGRADECIMENTOS
À Deus, pelo amparo nos momentos difíceis, provendo forças para superar os
desafios, mostrando os caminho nas horas incertas e suprindo todas as minhas
necessidades.
Meus agradecimentos sinceros à minha orientadora no curso de Mestrado do
Unicuritiba, Professora Doutora Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr, pela confiança
desde o início em meu potencial, pelas dicas e condução de minha dissertação.
Agradeço pelos ensinamentos, incentivos e compreensão.
Agradeço ao Professor Doutor Jose Edmilson Souza-Lima, coorientador e
amigo, pela doçura no tratamento com seus alunos e orientandos, pela sua
disponibilidade sempre nos momentos necessários, com soluções simples às
minhas dúvidas, exemplo de pesquisador e dedicação à vida acadêmica, levo suas
orientações para minha vida.
Agradeço ao Professor Doutor Alexandre Coutinho Pagliarini por ter
gentilmente aceitado compor minha banca, pelas sugestões e análises significativas
às quais busquei atender na versão definitiva do texto.
Agradeço aos colegas do grupo de pesquisa do qual fiz parte durante o
mestrado, em especial Leonardo Sanches Ferreira, Jaqueline Ryndack e Joice
Bontorin.
Agradeço aos professores do curso de mestrado, que de alguma forma
contribuíram para o resultado de minha dissertação. Agradeço ainda aos
funcionários do Programa de Mestrado, cada um tendo relevância em algum
momento do curso.
Aos colegas do curso de Mestrado, admiro todos porque vencedores.
Aos meus amados pais, pela generosidade e simplicidade, carinho e afeto.
Maiores incentivadores em minha jornada acadêmica, apoio incondicional. Aos meus
queridos irmãos e sobrinho, pelo incentivo na conquista do sonho do Mestrado.
Por fim, agradeço ao meu esposo pelo apoio sempre que necessário, pelos
cuidados do Fernando nos momentos em que estive ausente em minhas aulas,
meus estudos e no período de elaboração de minha Dissertação. Muito Obrigada!
17
"As tarefas que nos propomos devem conter exigências
que pareçam ir além de nossas forças.
Caso contrário, não descobrimos nosso poder,
nem conhecemos nossas energias escondidas
e assim deixamos de crescer".
(LEONARDO BOFF)
18
RESUMO
A Constituição Federal prevê que o Estado tem o dever de garantir ao cidadão o direito fundamental à uma vida digna, englobando o direito à saúde e o direito ao planejamento familiar, seja através dos métodos contraceptivos, como dos métodos conceptivos. Neste sentido, o presente trabalho terá por finalidade a análise da reprodução assistida como um direito fundamental e sua via de prestação pelo Estado através da sua implementação como serviço público. Para tanto, será abordada a atuação empresarial das clínicas de reprodução humana e o papel desempenhado na sociedade, dentro dos limites da ética e em respeito aos princípios constitucionais. Ademais, será verificada a destinação do material genético inutilizado pelas clínicas de reprodução humana, a tutela jurídica quanto ao descarte deste material e o resguardo do princípio fundamental da dignidade humana. O tema escolhido relaciona-se com a linha de pesquisa "Obrigações e Contratos Empresariais - Responsabilidade Social e Efetividade" desenvolvida no programa de mestrado, aprofundando-se o estudo na liberdade de iniciativa, dignidade da pessoa humana e proteção ao meio ambiente empresarial - inclusão, sustentabilidade, função social e efetividade: os limites do poder diretivo na atividade empresarial.
Palavras-chave: Clínica de reprodução humana. Descarte embrionário. Dignidade humana. Responsabilidade social. Serviço público.
ABSTRACT
19
The Constitution provides that the State has the duty to guarantee the citizens' fundamental right to a dignified life, encompassing the right to health and the right to family planning, either through contraception such as methods of contraceptives. In this sense, the present thesis will aim at the analysis of assisted reproduction as a fundamental right and its supply by the State through implementation as a public service. To do so, will be addressed business activities of human reproduction clinics and role in society, within the limits of ethics and respect for constitutional principles. Moreover, the allocation will be verified the genetic material unusable for human reproduction clinics, legal guardianship for disposal of this material and the shielding of the fundamental principle of human dignity. The theme relates to the research line "Business Contracts and Obligations - Social Accountability and Effectiveness" developed in the master's program, deepening the study on free enterprise, human dignity and protection to the business environment - including, sustainability, social function and effectiveness: the limits of the governing power in business activity.
Keywords: Human fertility clinic. Embryo disposal. Human dignity. Social responsibility. Public service.
20
LISTA DE SIGLAS
ADI
- Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADN
- Ácido Desoxirribonucleico
ARN
CDC
- Ácido Ribonucleico
- Código de Defesa do Consumidor
CFM
CTNBio
IDH
- Conselho Federal de Medicina
- Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
- Índice de Desenvolvimento Humano
OGM
PIB
- Organismos Geneticamente Modificados
- Produto Interno Bruto
STJ
SUS
- Supremo Tribunal de Justiça
- Sistema Único de Saúde
TRIPS
- Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio (Agreement on Trade-Related Aspects
of Intellectual Property Rights)
21
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 12
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIGNIDADE: A MÁXIMA DA VIDA.................... 15
2.1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.................... 15
2.2 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS
HUMANOS................................................................................................................ 16
2.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.................................... 20
2.3.1 A normatização jurídico-positiva da dignidade como norma fundamental
no âmbito constitucional brasileiro........................................................................... 23
2.3.2 Dignidade da pessoa humana como norma jurídica e valor fundamental....... 24
2.3.3 Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais................................... 26
3 TUTELA JURÍDICA DO EMBRIÃO....................................................................... 28
3.1 O DIREITO À VIDA............................................................................................. 28
3.2 INÍCIO DA VIDA E PERSONALIDADE DO EMBRIÃO....................................... 30
3.3 A PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988.......................................................................................................................... 34
3.4 A REPRODUÇÃO HUMANA............................................................................... 36
3.5 O DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA............................................................ 39
3.6 O VALOR DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PROTEÇÃO
JURÍDICA DO EMBRIÃO E O DIREITO À VIDA...................................................... 43
3.6.1 Da condição de hipervulnerabilidade do embrião............................................ 47
3.7 DA VEDAÇÃO AO PATENTEAMENTO DE EMBRIÕES HUMANOS............... 51
3.7.1 Limites legais ao patenteamento..................................................................... 55
3.8 DA VEDAÇÃO E LIMITES LEGAIS AO COMÉRCIO DE EMBRIÕES
HUMANOS................................................................................................................ 59
3.9 ASPECTOS ÉTICOS DA DOAÇÃO DE EMBRIÕES.......................................... 61
4 O DESCARTE DE EMBRIÕES HUMANOS.......................................................... 67
4.1 SOCIEDADE DE RISCOS E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO PENAL.. 68
4.2 A TUTELA PENAL DO DESCARTE EMBRIONÁRIO......................................... 72
4.2.1 Aspectos gerais da Lei de Biossegurança....................................................... 72
4.2.1.1 Utilização de embriões humanos em desacordo com a Lei.......................... 73
4.2.1.2 Da constitucionalidade do artigo 5º. da Lei de Biossegurança..................... 75
4.2.2 Praticar engenharia genética com célula germinal, zigoto ou embrião
humano..................................................................................................................... 81
4.2.3 Realizar clonagem humana............................................................................. 83
4.2.4 Liberar ou descartar OGM no meio ambiente.................................................. 84
4.2.5 Das penas na Lei de Biossegurança................................................................ 85
4.3 DA CRIMINALIZAÇÃO DO DESCARTE DO EMBRIÃO HUMANO
EXTRANUMERÁRIO................................................................................................ 86
5 RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CLÍNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA... 89
5.1 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL E SEUS PRESSUPOSTOS... 89
22
5.2 OS CONTRATOS RELACIONADOS ÀS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO
HUMANA................................................................................................................... 92
5.3 DA OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS............................................... 97
5.4 DOS PROCEDIMENTOS DE DESCARTE DO EMBRIÃO HUMANO
EXTRANUMERÁRIO.............................................................................................. 100
5.5 DAS NORMAS QUE TUTELAM O DESTINO DOS EMBRIÕES
EXTRANUMERÁRIOS............................................................................................ 105
5.6 A RESPONSABILIZAÇÃO DAS CLÍNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA
PELOS PROCEDIMENTOS REALIZADOS E PELO DESCARTE DOS EMBRIÕES
EXTRANUMERÁRIOS............................................................................................ 108
6 DIREITO AO SERVIÇO PÚBLICO DE REPRODUÇÃO HUMANA.................... 112
6.1 A GÊNESE DE SERVIÇO PÚBLICO................................................................ 112
6.2 CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO............................................................... 114
6.3 COMPETÊNCIA PARA A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO E
POSSIBILIDADE DE ESTABELECIMENTO DE NOVOS SERVIÇOS................... 115
6.4 O SERVIÇO PÚBLICO COMO DIREITO FUNDAMENTAL.............................. 116
6.5 DAS NORMAS APLICADAS À PRÁTICA DA REPRODUÇÃO HUMANA
ASSISTIDA DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE NORMA ESPECÍFICA..................... 118
6.6 A REPRODUÇÃO HUMANA COMO SERVIÇO PÚBLICO.............................. 122
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 127
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 131
12
1 INTRODUÇÃO
As clínicas de reprodução humana desempenham uma função social
relevante ao viabilizar àqueles que não podem gerar filhos naturalmente o acesso à
vida reprodutiva, cumprindo o papel de proporcionar o bem estar da sociedade e a
melhoria da qualidade de vida da população.
No entanto, os avanços da tecnologia utilizada pelas clínicas, a biotecnologia,
impõe a necessidade de um acompanhamento jurídico a fim de impor limites a sua
atuação. Neste sentido, verifica-se que as implicações éticas e jurídicas decorrentes
das reproduções humanas ainda não foram juridicizadas.
A necessidade de se legislar sobre o assunto decorre do próprio princípio da
legalidade que não é dirigido apenas à Administração Pública, mas também à
coletividade que clama por segurança jurídica, a qual só poderá existir com lei
preexistente para disciplinar as liberdades individuais do cidadão.
O ordenamento jurídico brasileiro dispõe de valores constitucionais que
impedem violações aos direitos do embrião, tal como a vedação aos procedimentos
de patenteamente e comercialização de embriões. Dentre estas limitações, cita-se
ainda a dignidade da pessoa humana, prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição
Federal.
Portanto, o estudo partirá da análise do princípio da dignidade da pessoa
humana como norma fundamental na ordem juridico-constitucional brasileira,
considerando-se a sua normatização juridico-positiva, constituindo uma norma
jurídica mas também um valor fundamental.
No capítulo segundo a tutela jurídica do embrião será o objeto de estudo,
inicialmente em sua condição de hipervulnerabilidade, posteriormente quanto à
vedação legal e ética ao patenteamento embrionário. Nosso ordenamento jurídico
veda referida prática, o que coaduna com a idéia de dignidade, visando coibir a
possibilidade da invenção de embriões destinados especificamente ao
patenteamento, com características eventualmente superiores após sua
manipulação, tais como supergênios ou supermodelos.
13
No capítulo terceiro, será analisada a tutela penal relativa ao descarte ou
liberação de embriões excedentes de técnicas de reprodução humana assistida,
através da análise dos tipos previstos nos artigos 24 a 29 da Lei nº 11.105/05 (Lei de
Biossegurança), em especial o artigo 27, o qual estabeleceu o crime de liberação ou
descarte de OGMs (Organismos Geneticamente Modificados) no meio ambiente.
No capítulo quarto o estudo passará a análise da responsabilidade civil das
clínicas de reprodução humana, em especial no que se refere ao descarte dos
embriões extranumerários, resultado das fertilizações artificiais, tendo como escopo
pontuar de que forma referidas clínicas atingem seu fim social, atuando com
responsabilidade e nos limites éticos e sociais.
Segundo determina a Lei de Biossegurança, os embriões extranumerários
podem ser destinados às pesquisas de células-tronco, vedando-se, por
consequência, o seu descarte. Diversamente ao estabelecido na Lei, uma
Resolução do Conselho Federal de Medicina autoriza expressamente o descarte dos
referidos embriões após cinco anos de criopreservação, se esta for a vontade
manifesta dos doadores dos gametas.
Portanto, as clínicas de reprodução humana, em atendimento ao regramento
legal, oferecem aos pacientes a possibilidade de destinar seus embriões
extranumerários à adoção ou às pesquisas, ou mantê-los criopreservados para uma
inseminação futura.
No entanto, diante da inexistência de um Estatuto do Embrião, inexistindo lei
que estabeleça expressamente o procedimento de descarte dos embriões
extranumerários, autorizando ou vedando o seu descarte, observa-se que as clínicas
de reprodução humana, pela prática do descarte, podem ser responsabilizadas
civilmente e criminalmente, assim como seus profissionais médicos.
Neste sentido, observa-se que estas clínicas são detentoras de todos os
bônus que o princípio da livre iniciativa oferece, no entanto, possuem também o
ônus advindo do mesmo princípio no sentido de agir de modo responsável e em
respeito ao princípio basilar da dignidade humana.
No último capítulo será analisado o tratamento de fertilização sob o enfoque
de serviço público, concebido como direito fundamental, restando ao Estado o dever
14
de fornecê-lo, através do desenvolvimento de uma política pública eficientemente
implementada.
Ao Estado cabe propiciar recursos para garantir o planejamento familiar.
Segundo o entendimento majoritário, o artigo constitucional que relaciona os
serviços públicos não constitui um rol taxativo, mas meramente exemplificativo,
cabendo ao legislador descrever outras modalidades de sua prestação. Neste
contexto, falar de prestação do serviço público de reprodução humana não é algo
improvável, pelo contrário, constitui tendência já implementada no país porém
pendente de uma sistematização eficiente.
É neste sentido que se desenvolverá o trabalho, a fim de resgatar uma
aproximação teórica e prática da questão relativa à reprodução humana assistida, a
atuação das clínicas de reprodução e os direitos do embrião constitucionalmente
garantidos. Para o desenvolvimento do trabalho será utilizada a legislação como
referencial, considerando o ordenamento constitucional brasileiro e a legislação
infraconstitucional, tais como o Código Civil Brasileiro, a Lei de Biossegurança e
demais normativos correlatos.
15
2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIGNIDADE: A MÁXIMA DA VIDA
2.1 DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais estão diretamente relacionados à política, pois
ambos foram impostos à sociedade por meio de lutas, revoluções, guerras e outros
acontecimentos similares.
Atualmente não há Estado que não tenha reconhecido os direitos
fundamentais de seus cidadãos, em suas Constituições. Entretanto, permanece um
longo caminho até a solução dos problemas que a matéria suscita, afinal, da
normatização à eficácia e efetivação dos direitos leva tempo.
Propõe-se inicialmente uma delimitação conceitual no que se refere a
terminologia e conceito da expressão 'direitos fundamentais'. Geralmente são
usadas palavras sinônimas para expressar os direitos fundamentais, tais como:
direitos naturais, direitos humanos, direitos fundamentais do homem, direitos
subjetivos públicos, direitos dos povos.
Diante da variedade de expressões, SARLET ensina: "a doutrina tem alertado
para a heterogeneidade, ambiguidade e ausência de um consenso na esfera
conceitual e terminológica, inclusive no que diz com o significado e conteúdo de
cada termo."1
Diferenciam-se alguns termos utilizados. O primeiro denomina-se direitos
naturais2, termo que se aproxima de uma definição jusnaturalista, teoria esta que
buscava fundamentar a partir da razão prática uma crítica para distinguir o que não é
razoável na prática do que é razoável, e assim o que é importante de se considerar
na prática e o que não é. Segundo MORRISON, "O direito natural é a porção
1 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 11. ed. rev. atual. e ampl. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p.33. 2 O professor PAGLIARINI entende que: "[...] não existe Direito natural. A norma jurídica se explica
pelo dever ser, pela linguagem prescritiva, pela imputação [...]. Direito é um objeto cultural prescritor de condutas, que fala linguagem da obrigação, da proibição e da permissão, vindo sempre acompanhado de uma sansão, tudo posto pelo Estado ou pela Comunidade Internacional". PAGLIARINI, Alexandre Coutinho. Teoria Geral e Crítica do Direito constitucional e internacional dos direitos humanos. In: Direito constitucional e internacional dos direitos humanos. Coordenadores: Alexandre Coutinho Pagliarini e Dimitri Dimoulis. Belo Horizonte: Forum, 2012. p.33.
16
intelectual do homem na verdade de Deus, ou na lei eterna de Deus."3 O termo
encontra-se em desuso.
O termo direitos humanos é expressão que possui uma ideia semelhante à do
direito natural, representando um direito que seria atribuído por Deus. Apesar do
termo direitos humanos ser relacionado frequentemente a documentos do direito
internacional, o que revela no termo um caráter supranacional, observa-se não haver
diferença entre direitos naturais, direitos fundamentais e direitos humanos,
importanto apenas para o fim de classificação doutrinária.
Direitos humanos é a denominação mais difundida no cenário internacional,
sendo inclusive a opção da Organização das Nações Unidas (ONU) na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Outro termo refere-se aos direitos subjetivos públicos, o qual surge com a
intenção de delimitar os direitos considerados essenciais à pessoa humana dentro
de um marco positivista, estando preso ao conceito de Estado Liberal, mas atuando
como um limite ao poder político. Porém esta denominação não consegue tutelar
relações estabelecidas entre particulares, sendo necessário reivindicar tais direitos.
Direitos dos povos é utilizado para designar aqueles direitos que os povos
têm de determinar seu destino, no campo político, social, cultural, econômico, o
direito de se relacionar com outros Estados, direito a paz, não abrangendo,
entretanto os direitos da pessoas como indivíduos.
O termo direitos fundamentais indica uma situação jurídica sem a qual a
pessoa humana não se realiza, nem mesmo sobrevive. Se é fundamental ao
homem, todos os direitos, por igual, devem ser formalmente reconhecidos e
concreta e materialmente efetivados.
2.2 A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS HUMANOS
Os direitos fundamentais não se restringem a limitar um poder e a reclamar
benefícios, pois alguns direitos objetivam compartilhar o poder, de espalhar à todos
o poder, reservada até então às minorias. O poder se incorpora ao ser e soma novas
3 MORRISON, Wayne. Filosofia do Direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p.72.
17
vontades para a formação da vontade do poder, chamados de direitos de
participação.
Os denominados direitos de participação decorrem da função dos direitos
fundamentais em compartilhar o poder, que inicialmente ocorrerá na partilha dos
direitos políticos, e em seguida, se estendendo à esfera do poder econômico e
cultural. Neste sentido os direitos fundamentais apresentam-se com funções de não
interferência, participação e prestação, e para que estas funções tenham eficácia, é
necessário reforçar as normas do direito positivo.
Assim os direitos fundamentais surgem juntamente com a formação do
Estado, e a partir daí foram conquistados historicamente, conforme expõe PEREIRA
"pela necessidade, primeiramente, de limitar as ações do Estado; em um segundo
momento para exigir desse mesmo Estado prestações; e, em um terceiro momento,
para obter participação no poder do Estado."4
Em face da importância dos direitos fundamentais para a sobrevivência da
humanidade, assim como sua vulnerabilidade, embora positivado, necessário se faz
a sua proteção, na busca da concretização desses direitos.
Para tanto, os direitos fundamentais representam os direitos de todos os
homens, com perspectivas de efetividade, que tenham consequências jurídicas a
partir do momento em que forem efetivados. Compreendem direitos e garantias do
ser humano, cuja finalidade principal é o respeito a sua dignidade, com proteção ao
poder estatal e a garantia das condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser
humano, ou seja, visa garantir ao ser humano, o respeito à vida, à liberdade, à
igualdade e a dignidade, para o pleno desenvolvimento de sua personalidade.
Esta proteção deve ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos nacionais e
internacionais de maneira positiva. Atualmente, eles são reconhecidos
mundialmente, através da internalização de pactos, tratados, declarações e outros
instrumentos de caráter internacional.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem dita que os direitos são
proclamados, ou seja, eles pré existem a todas as instituições políticas e sociais,
não podendo ser retirados ou restringidos pelas instituições governamentais, que por
4 PEREIRA, Anna Kleine Neves. A Proteção Constitucional do Embrião: Uma leitura a patir do
princípio da dignidade da pessoa humana. Curitiba: Juruá, 2012. p.63.
18
outro lado devem proteger tais direitos de qualquer ofensa.
Vale dizer, todos os direitos humanos são fundamentais, porém nem todos os
direitos fundamentais são humanos, eis que, por acaso a Constituição Federal
Brasileira fez constar em seu Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, todos
os direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
No entanto, alguns direitos fundamentais não humanos da mesma forma são
tutelados constitucionalmente, em capítulos próprios, a exemplo do direito
fundamental ao meio ambiente equilibrado, previsto no artigo 225 da Constituição
Federal Brasileira, fundamental porém não humano.
Compreende-se o termo direitos fundamentais como instrumento para
assegurar e proteger a dignidade da pessoa humana às futuras gerações, assim
como menciona JONAS: "Aqueles que valorizam a dignidade humana não deveriam
desejar um tipo de satisfação semelhante para as futuras gerações. Deveriam temê-
la."5
A respeito de pontuar uma diferenciação sobre as expressões, com a
finalidade de concluir na necessidade de proteger os direitos fundamentais como
humanos, BONAVIDES 6 professa que quem diz direitos humanos, diz direitos
fundamentais e vice-versa, sendo aceitável a utilização das duas expressões
indistintamente, pois seriam sinônimas.
Porém, afirma BONAVIDES que didaticamente recomenda-se o uso das duas
expressões diferenciadamente, sendo o termo direitos humanos adotado para
referir-se aos direitos da pessoa humana antes de sua constitucionalização ou
positivação nos ordenamentos nacionais, enquanto direitos fundamentais designam
os direitos humanos após sua positivação, incorporado ao âmbito estatal.
No mesmo sentido, CANOTILHO pontua que ambos termos são sinônimos,
porém:
[...] direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista): direitos fundamentais são
5 JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.
Tradução do original alemão Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006. p.327. 6 BONAVIDES, Paulo. Os Direitos Humanos e a Democracia. In: Direitos Humanos como Educação
para a Justiça. Reinaldo Pereira e Silva org. São Paulo: LTr, 1998. p.16.
19
os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente. Os direitos humanos arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal: os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta."
7
Em sentido diverso o professor PAGLIARINI 8 explica que existe uma
confusão terminológica na compreensão das expressões Direitos Humanos, Direitos
Fundamentais, Direitos do Homem, Liberdades Públicas, Direitos Individuais, pois
segundo ele, seriam todas expressões com o mesmo significado.
A partir disso, PAGLIARINI propõe um conceito para o termo que adota em
seus estudos, Direitos Humanos (o qual representaria os termos Direitos
Fundamentais, Direitos do Homem e Direitos Humanos Fundamentais):
Direitos Humanos são as normas jurídicas contidas em regras, princípios e costumes, escritos ou não - mas que tenham sido positivados pelo Estado ou pela Comunidade Política Internacional - que salvaguardam o indivíduo e a coletividade em face da atuação do próprio Estado, da própria Comunidade jurídica Internacional organizada e até dos particulares.
9
Portanto, os direitos fundamentais se confundem com os direitos humanos na
medida em que podem ser considerados: direitos humanos, positivados, decorrentes
de um percurso no tempo, nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-
se como direitos positivos particulares - quando incorporados pela Constituição de
cada Estado - para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos
positivos universais, caso em que serão denominados de direitos fundamentais.
Portanto, ainda que não exista significativa diferença entre direitos naturais,
direitos fundamentais e direitos humanos, sugere-se no presente trabalho, para fins
didáticos, a adoção do termo direitos fundamentais.
7 CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da constituição, 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002.
p.369. 8 PAGLIARINI, 2012, p.43.
9 Ibid., p.44.
20
2.3 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Há uma ideia relativa ao valor intrínseco da pessoa humana, a qual deita
raízes no pensamento clássico e no ideário cristão. Segundo ela, todos os seres
humanos são dotados de um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser
transformado em mero objeto ou instrumento.
No pensamento filosófico e político da antiguidade clássica verifica-se que a
dignidade da pessoa humana referia-se, geralmente, com a posição social ocupada
pelo indivíduo e seu grau de reconhecimento pelos colegas.
BRUNO AMARO LACERDA, realizando uma releitura da obra Discurso sobre
a dignidade do homem de GIOVANNI PICO DELLA MIRANDOLA, menciona que:
, de de si mesmo e do mundo onde vive. Sua dignidade decorre dessa capacidade criadora e inovadora, que o torna imagem de Deus, microcosmo que reflete, em escala menor, o poder divino da
(de
-lo bem, melhor.
10
De outra senda, no pensamento estóico 11 , a dignidade representava a
qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no
sentido de que todos os seres humanos seriam dotados da mesma dignidade.
Durante o medievo (século V a XV) a concepção de inspiração cristã e
estóica seguiu sendo sustentada, destacando-se Tomás de Aquino, partindo da
racionalidade como qualidade inerente ao ser humano, sendo esta a qualidade que
10
LACERDA, Bruno Amaro. A dignidade humana em Giovanni Pico Della Mirandola.
http://apl.unisuam.edu.br/legis_augustus/pdf/ed1/Artigo_2.pdf. Acesso em 23/04/14. 11
O estoicismo (escola de filosofia fundada em Atenas no início do século III a.C. - Grécia antiga), é uma abordagem da vida; implica o controle das emoções e a aceitação tanto das forças da vida quanto do destino em um cosmo que, quanto ao mais, é caótico e imprevisível. [...] Os estóicos procuravam a felicidade através da sabedoria para determinar o que podia ser controlado pelo poder humano e aceitar com dignidade o que estava além do controle do homem. MORRISON, 2006, p.60.
21
lhe possibilita constituir de forma livre e independente sua própria existência e seu
destino.
Na visão de Immanuel Kant, a concepção de dignidade parte da autonomia
ética do ser humano, considerando esta como fundamento da dignidade do homem,
além de sustentar que o ser humano não pode ser tratado, nem mesmo por ele
próprio, como objeto.
KANT 12 apresenta um conceito moderno, segundo o qual a dignidade
representa o valor de uma disposição de espírito, colocando-a acima de todo o
preço. Segundo sua teoria da autonomia da vontade, o ser humano é capaz de
autodeterminar-se e agir conforme as regras legais, qualidade encontrada apenas
em criaturas racionais. Logo, todo ser racional existe como um fim em si mesmo e
não como um meio para a imposição de vontades arbitrárias.
É justamente no pensamento de Kant que a doutrina jurídica mais expressiva
ainda hoje se identifica, nas bases de uma fundamentação e, de certa forma, de
uma conceituação de dignidade da pessoa humana.
Fato é que a permanência da concepção kantiana no sentido de que a
dignidade da pessoa humana, esta considerada como fim e não como meio, repudia
toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano.
E assim a dignidade da pessoa humana continua, talvez mais do que nunca,
ocupando um lugar central no pensamento filosófico, político e jurídico. Ocorre que
uma conceituação clara do que efetivamente seja a dignidade, inclusive para efeitos
de definição de seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela
difícil de ser obtida. É conceito de contornos vagos e imprecisos.
A dignidade independe das circunstâncias concretas, pois inerente a toda e
qualquer pessoa humana, eis que todos são iguais em dignidade, ainda que não se
portem de forma igualmente digna nas suas relações com os seus semelhantes e
consigo mesmas.
Não é diverso o entendimento estampado no artigo primeiro da Declaração
Universal da ONU (1948), segundo o qual todos os serem humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos.
12
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Tradução de Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2006. p.134 e 141.
22
E no mesmo sentido, cita-se CHAMON JR., o qual trata do princípio à luz da
modernidade:
O princípio moderno da dignidade desenvolve-se, desenrola-se e desdobra-se jurídica e legitimamente a partir do respeito ao princípio democrático, pois. Já de um ponto de vista da Moral, o princípio da dignidade cobra-nos o respeito ao princípio da universalização. Assim, posso entender que o princípio da dignidade é um elemento normativo da Modernidade, uma exigência da qual o mundo da vida moderno não tem como se afastar sem se autodestruir.
13
Como tarefa imposta ao Estado, a dignidade reclama que este guie as suas
ações tanto no sentido de preservar a dignidade existente como objetivando a
promoção da dignidade, viabilizando o pleno exercício e fruição da dignidade, sendo
portanto dependente a dignidade da ordem comunitária.
SARLET14 busca conceituar o princípio da dignidade humana explicando que
apenas a dignidade de determinada pessoa é passível de ser desrespeitada,
inexistindo atentados contra a dignidade da pessoa em abstrato. Para além disso,
cita que a dignidade constitui atributo da pessoa humana individualmente
considerada, e não de um ser abstrato, razão pela qual não se confunde as noções
de dignidade da pessoa e dignidade humana, quando esta for referida à humanidade
como um todo.
Conclui o autor que onde não houver respeito pela vida e pela integridade
física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência
digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, onde a
liberdade, a autonomia, a igualdade e os direitos fundamentais não forem
reconhecidos e assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa
humana. Sendo assim, SARLET ousa em propor um conceito de dignidade da
pessoa humana, sendo:
[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
13
CHAMON JR., Lucio Antonio. Qual o sentido normativo do principio jurídico da dignidade? Reflexões sobre legitimidade e coerência na alta modernidade. In: Enfoques sobre o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Clássica, 2008, p.438. 14
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.58.
23
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
15
A dignidade da pessoa humana, como qualidade intrínseca do ser humano é
irrenunciável, inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal
e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade
de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a
dignidade.
2.3.1 A normatização jurídico-positiva da dignidade como norma fundamental no
âmbito constitucional brasileiro
A Constituição Federal brasileira de 1988 foi a primeira a destinar um capítulo
próprio para tratar dos princípios fundamentais, localizado após o preâmbulo e antes
dos direitos fundamentais. Esta previsão ocorreu a fim de "outorgar aos princípios
fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda ordem
constitucional."16
A crise do Estado contemporâneo permitiu ofensas à dignidade humana, a
exemplo cita-se a Segunda Guerra Mundial, na qual as vítimas perderam a noção de
dignidade diante de ataques com armas invencíveis, a ideologia de dominação e as
aniquilações ao ser humano.
Visando a proteção do humano contra estas ofensas, houve um período no
qual se expandiu uma onda humanística, na qual filósofos e estudiosos do direito
buscavam a retomada do direito natural como um direito superior às injustas leis
decretadas pelas ditaduras. Segundo SOUZA, a retomada do direito natural "[...] vai
confluir, em 1948, na Declaração Universl dos Direitos do Homem da ONU,
repercutindo em todos os países democráticos, inclusive na Constituição Brasileira
15
Ibid., p.60. 16
SARLET, 2001, p.65.
24
de 1988."17
Portanto, observa-se que a positivação do princípio da dignidade humana é
recente, pois apenas após a Segunda Guerra Mundial é que ela foi positivada nas
Constituições dos Estados. No Brasil, a positivação do referido princípio determinou
a ruptura entre o regime ditatorial instalado em 1964 e o regime democrático pós
ditadura.
Embora positivada, as violações ao princípio ainda são frequentes, pois a sua
positivação não impede a ocorrência de violações. A positivação do princípio, ou
seja, a referência do princípio em doutrina, leis e na Constituição Federal não é
suficiente para preservar o cidadão alheio de abusos à sua dignidade.
O Estado moderno é despreparado para prestar sua proteção aos cidadãos
em razão de que originalmente a legislação surgiu como forma de proteção e
limitação dos direitos do Estado.
Apesar disso, é de se reconhecer que o Estado existe em função da pessoa
humana, e não o contrário. Neste contexto, vislumbra-se que a dignidade da pessoa
humana deve ser compreendida como norma jurídica e valor fundamental ao
desenvolvimento nacional.
2.3.2 Dignidade da pessoa humana como norma jurídica e valor fundamental
O status de princípio e valor fundamental à dignidade da pessoa humana foi
conferido pela Constituição Federal, no inciso III do seu artigo 1°:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípiose do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...]
Referido dispositivo constitucional não traduz uma simples norma, mas uma
norma que estabelece e define direitos, garantias e deveres fundamentais. O
17
SOUZA, Carlos Aurélio Mota de. Direitos Humanos, uma visão antropológica. In: Enfoques sobre o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Clássica, 2008. p.25.
25
dispositivo traduz um princípio e valor, não somente a norma constitucional em suas
características impositivas de deveres.
Se referido dispositivo constitucional que traz o princípio da dignidade
humana prevê garantias, direitos e deveres fundamentais, temos que o princípio da
dignidade possui uma dupla função defensiva e prestacional: a função de encerrar
normas que outorgam direitos subjetivos de cunho negativo (não violação da
dignidade), mas que também impõe condutas positivas para proteger e promover a
dignidade.
E apesar de positivada a dignidade não é algo que outorgamos aos
indivíduos, mas algo instrínseco da pessoa humana. Não há um direito à dignidade,
mas um direito de seu reconhecimento, respeito, proteção e promoção pela
constituição, pelo Estado e pelos demais indivíduos. Portanto pode-se dizer existir
um 'direito fundamental à dignidade da pessoa humana'.
Não se confundem os termos, porém no entendimento da doutrina unânime é
este o aspecto principal da dignidade, sua qualidade intrínseca do ser humano, e por
tal razão, desnecessária a sua concessão pelo Estado, porém, obrigatória a sua
proteção e promoção.
Tomando este conceito, o princípio da dignidade humana consiste no valor
fonte que justificaria a existência do próprio ordenamento jurídico, sendo
considerado o princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa.
Portanto, o valor-fonte da nossa Constituição Federal não é outro senão o
mencionado princípio da dignidade humana.
Ante o exposto, pode-se certamente afirmar que uma das principais funções
do princípio da dignidade da pessoa humana repousa na circunstância de ser o
elemento que confere "unidade de sentido e legitimidade a uma determinada ordem
constitucional."18
E assim, o valor-fonte da dignidade humana confere uma unidade axiológico-
normativa de sentido à Constituição Federal.
18
SARLET, 2001, p.79.
26
2.3.3 Dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais
Conforme verificado anteriormente, à ordem constitucional é conferida sentido
e legitimidade pelo princípio da dignidade da pessoa humana, traduzida pela ideia
de que a pessoa é o fundamento e o fim das sociedades e do Estado. Para que seja
legítima, a dignidade deve ser reconhecida e protegida pelo ordenamento jurídico
nacional, e o seu respeito é imprescindível para a legitimação e atuação do Estado.
Não à toa atualmente diversas decisões jurisprudenciais fundamentam-se na
violação à dignidade humana, e tão somente, no sentido de proteger alguma
violação de conduta que pode ser considerada como ofensiva à dignidade.
A dignidade da pessoa humana deve ser considerada, portanto, o mais
importante dos direitos fundamentais, já que estes visam promover e constituem
explicitações da dignidade da pessoa humana, de sorte que em cada direito
fundamental se faz presente um conteúdo ou uma projeção do relevante princípio.
No mesmo sentido é o entendimento de MASTRANTONIO:
Em outras palavras, a dignidade da pessoa humana em sua condição de princípio normativo chama para si todos os direitos fundamentais e de todas as dimensões. Caso isso não aconteça, a dignidade está sendo negada.
19
Nota-se, portanto, que os direitos e garantias fundamentais podem conduzir à
noção de dignidade da pessoa humana, vez que remetem à idéia de proteção e
desenvolvimento de todas as pessoas.
Ocorre que nem sempre o Estado consegue realizar seu dever protecionista e
promocional da dignidade da pessoa humana. As atuais omissões do Estado, diante
das inovações sociais nas sociedades industrializadas e somado à globalização,
diversas violações aos direitos fundamentais tem sido verificadas, e não somente
violações aos direitos subjetivos, mas também violações aos direitos difusos.20
19
MASTRANTONIO, Simone Aparecida Barbosa. Ação afirmativa como forma de promover a cidadania no âmbito empresarial. p.72. Dissertação (Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania) Unicuritiba, Curitiba, 2010. 20
NOVAK, Amanda Sawaya e CASTOR, Belmiro Verde Jobim. O Estado de Direito: paradoxos entre as bases de sua construção e os direitos fundamentais. In: PONCHIROLLI, Osmar. Estado, organizações e desenvolvimento local: um olhar interdisciplinar. 1 ed., Curitiba: Editora CRV, 2010. p.166.
27
Outro aspecto é apresentado por MORAES21, a partir de uma leitura que esta
autora faz sobre a perspectiva da teoria sistêmica de Niklas Luhmann, na qual
afirma que seria equivocado o entendimento de que princípios são a base dos
sistemas, diante de uma sociedade atualmente complexa. Porém, ela cita que os
direitos fundamentais ou direitos subjetivos são estruturas que confirmam e
delimitam a diferenciação dos sistemas da sociedade moderna, através dos
princípios como premissas das decisões.
Para efeito de hierarquização no processo hermenêutico, a dignidade humana
tem sido considerada, de forma reiterada, como princípio de maior hierarquia de
todo o ordenamento jurídico, o que remete ao problema de eventual relativização da
dignidade, e da necessária ponderação de bens.
Portanto, se a finalidade maior do Estado é a promoção do bem comum do
povo, ele deve propiciar condições para as pessoas se tornem dignas. E a ordem
jurídica participa zelando para que todos recebam igual consideração e respeito pelo
Estado e pela comunidade, no sentido de vedar a sua violação.
21
MORAES, Ariane Cintra Lemos de. Humana Dignidade? In: Enfoques sobre o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Clássica, 2008. p.43.
28
3. TUTELA JURÍDICA DO EMBRIÃO
3.1 O DIREITO À VIDA
Conforme ensinamentos de ARAÚJO 22 a proteção jurídica da vida tem
reconhecimento no âmbito internacional, por meio de tratados e convenções e no
nacional o ordenamento constitucional sublima a sua tutela, motivado pelo
pressuposto de que esse direito é fundamental e condicionante aos demais direitos.
Partimos à análise do direito à vida, tendo em vista o posicionamento de que
o embrião humano representa uma vida humana, eis que a ciência confirma a
capacidade autônoma do feto de sobreviver, desde a sua concepção, fora do ventre
materno, o que se comprova pelas técnicas de procriação artificial.
O direito à vida direito do ser humano. No ordenamento
jurídico brasileiro foi recepcionado como direito fundamental ao se internalizar o
Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos)23,
tratado internacional ratificado pelo Brasil em setembro de 1992.
Em seus estudos, o professor CLAYTON REIS conceitua o direito à vida
tratando-se de um direito amplo e irrestrito, "[...] posto que se refere aos seres vivos
de um modo geral, que possuem especial proteção no ordenamento jurídico."24
Importa ainda citar JOSÉ AFONSO DA SILVA o qual ensina que a vida,
conforme inserida no texto constitucional (artigo 5º, caput), não pode ser
considerada apenas no sentido biológico, mas seria um processo vital iniciado na
concepção, transformando-se porém mantendo-se sua identidade:
A vida humana, que é o objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, integra-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais) [...] Por isso que ela constitui a fonte primária de todos os
22
ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. Disciplina jurídica do embrião extracorpóreo. Salvador: Revista Jurídica UNIFACS, julho 2007. p.08. 23
PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS). Disponível em: http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/ instrumentos /sanjose.htm. Acesso em 17/04/2014. 24
REIS, Clayton. Os Novos Princípios que Tutelam a Dignidade do Nascituro. In: CORRÊA, Elidia Aparecida de Andrade. et. al. (Orgs.). Biodireito e Dignidade da Pessoa Humana. Diálogo entre a Ciência e o Direito. Curitiba: Juruá, 2008. p.34.
29
outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direito. No conteúdo de seu conceito envolvem o direito à dignidade da pessoa humana [...] o direito à privacidade [...] o direito à integridade físico-corporal, o direito à integridade moral e, especialmente, o direito à existência.
Consoante antes citado, pode-se extrair do artigo 5º, caput, da
Federal, o destaque à vida, não por coincidência, como primeiro dos direitos
fundamentais:
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no P
propriedade [...]
E segundo o artigo 4º do Pacto de San José da Costa Rica, todos os
indívíduos merecem ter sua vida respeitada desde a sua concepção:
Artigo 4º . Direito à vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
Diante da recepção do direito à vida como direito fundamental no
ordenamento brasileiro, verifica-se que o homem possui uma vocação inata à
sobrevivência, sendo dever de cada indivíduo zelar pela sua própria vida, em
respeito à sua dignidade e à das demais pessoas, não sendo lícito nem justo
aprovar qualquer lei contra a vida.
No entanto, ainda que o direito à vida seja inato, merecendo tutela desde a
concepção do embrião, segundo o Código Civil o embrião possui apenas expectativa
de direitos, confirmada apenas quando do seu nascimento com vida. Citado Código
dispõe em seu artigo 2º que a personalidade civil da pessoa inicia com o nascimento
com vida, porém põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
A confirmação dos direitos do embrião ocorre com seu nascimento com vida,
mas ainda no estado de embrião tutela-se sua expectativa de direitos, considerando-
se que todo ataque ao embrião representa uma violação do direito à vida.
30
Segundo CANÇADO TRINDADE o gozo do direito à vida é condição
necessária ao gozo dos demais direitos fundamentais, portanto:
[...] o direito à vida compreende um princípio substantivo em virtude do qual todo ser humano tem como direito inalienável a que sua vida seja respeitada; e um princípio processual, segundo o qual nenhum ser humano haverá de ser privado arbitrariamente de sua vida.
25
Para Leonardo BOFF26, a vida é resultado de um processo evolutivo, não
apenas configura-se pela fecundação do óvulo, mas é composto por tudo o que
concorre para o surgimento da vida, tal como infraestrutura ambiental e social. Para
ele, interromper qualquer fase do processo evolutivo representa uma violação ao
direito à vida.
Segundo ensinamentos de João Paulo II, na Encíclica Evangelium vitae, "[...]
a vida é sempre um bem", um valor inviolável, "[...] uma inviolabilidade inscrita desde
as origens no coração do homem"27, perante a qual nenhuma violação se legitima.
Neste sentido, tomado em ampla dimensão, o direito fundamental à vida
compreende o direito do ser humano não ser privado de sua vida e o direito do ser
humano dispor de meios apropriados de subsistência e de um padrão de vida
decente, confirmando neste aspecto, a indivisibilidade dos direitos humanos.
Para a análise do que constitui este citado direito, faz-se necessário um
apanhado das teorias da origem da vida humana para o fim de confirmar que a vida
é, de fato, o bem maior do ser humano.
3.2 INÍCIO DA VIDA E PERSONALIDADE DO EMBRIÃO
A personalidade jurídica é estabelecida pelo artigo 2º do Código Civil
brasileiro, portanto, juridicamente, o marco inicial da vida assenta-se no instante em
25
TRINDADE, A.A. Cançado. Direitos Humanos e Meio Ambiente. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993. p.71. 26
BOFF, Leonardo. O processo da vida e o aborto. Disponível em: www.cartamaior.com.br/ templates/colunaimprimir.cfm?coluna_id=4828. Acesso em 19/03/2014. 27
PAPA JOÃO PAULO II. Encíclica Evangelium vitae. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_ father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae_po.html. Acesso em 15/02/2014.
31
que ocorre o nascimento com vida.
No entanto, reconhecer o embrião como uma potencialidade de direitos não
torna facultativo o respeito que lhe é devido, mas tão somente registra a diferença
real, fática e inegável entre ele e as pessoas existentes e individuais.
Demais questionamentos exsurgem em se precisar o momento exato do
nascimento com vida, em especial nos casos de reprodução assistida em
laboratório.
Diversas teorias visam estabelecer o marco inicial da vida, sendo as
principais a concepcionista e a natalista. Segundo a primeira corrente, a
personalidade teria início no momento da concepção do feto e não no momento do
seu nascimento com vida, pois a personalidade do nascituro seria incondicional,
independente de evento futuro, estando seus direitos personalíssimos (vida,
liberdade, saúde) garantidos desde a concepção do embrião.
Para a corrente concepcionista, alguns efeitos de direitos, tais como os
efeitos patrimoniais, dependeriam do nascimento com vida. A titularidade dos
direitos não seria discutida, havendo apenas que se analisar a capacidade para
dispor de seus direitos. Assim, em relação aos direitos patrimoniais, o nascimento
sem vida seria condição resolutiva para a aquisição.
DINIZ 28 é uma das defensoras de que a vida humana começa com a
concepção, sendo que desde tal preceito existe o ser humano e, portanto, merece
respeito ao seu direito à vida. Para ela, o embrião humano é um ser que possui sua
individualidade, não devendo ser confundido com seus genitores, o que confirma a
sua posição de adepta à corrente concepcionista.
A segunda corrente é denominada natalista29, segundo a qual não se atribui
ao nascituro a condição de pessoa e não sendo pessoa não possui ele
personalidade civil, pois possuí-la pressupõe o nascimento com vida.
Seus defensores entendem que a personalidade jurídica se inicia com o
nascimento com vida, sendo que os direitos assegurados ao nascituro constituiriam
mera expectativa de direitos, os quais seriam concretizados apenas em razão do
28
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.12. 29
Defendem a teoria natalista: Silvio Rodrigues, Vicente Ráo, Sady Cabral Gusmão, Eduardo Espínola .
32
nascimento com vida. Esta teoria corrobora com o conceito jurídico da vida, previsto
no artigo 2º do Código Civil brasileiro.
Ocorre que a teoria natalista não explica por completo a situação jurídica do
nascituro, uma vez que não menciona a razão do reconhecimento de direitos ao
nascituro. Segundo entendimento de RAFFUL:
[...] quando o código menciona colocar a salvo seus direitos (do nascituro), o faz fixando esta personalidade como sendo um pré-requisito ou mesmo um pressuposto para que se possam adquirir direitos e contrair obrigações.
30
Apesar de criticada, a corrente natalista prevê direitos ao nascituro, todavia
estariam subordinados a uma condição, qual seja, o seu nascimento com vida.
ARAÚJO ainda aponta uma terceira corrente doutrinária voltada a explicar o
marco inicial da vida, segundo a qual o seu início depende da fase embrionária na
qual se encontra:
Parte da doutrina jurídica acolhe postulados da Embriologia que apontam para a existência de fases no desenvolvimento do embrião, imputando-o diferentes terminologias. GARCIA, citado por Jussara Meirelles (2000, p.112), entende que a primeira fase, denominada de período pré-embrionário, vai da fertilização até o final da terceira semana (o concepto chama-se pré-embrião ou zigoto); a segunda, período embrionário, é contada a partir da quarta semana e vai até a oitava (embrião); após essa fase, entra-se numa etapa denominada período fetal, portanto, já havida a implantação no útero, que vai da nona semana até o nascimento (feto).
31
Para a embriologia, embrião é a denominação dada ao ser humano durante
as oito primeiras semanas do seu desenvolvimento. O conceito jurídico de embrião é
diverso, pois para o direito, após a implantação no útero, o embrião passa a ser
denominado nascituro.
As demais teorias que visam estabelecer o início da vida condicionam esta
determinação à verificação de fatores fisiológicos capazes de evidenciar a existência
da individualidade humana através da diferenciação das células do embrião.
Neste sentido, uma corrente fundamenta sua teoria citando que o início da
30
RAFFUL, Ana Cristina. A reprodução artificial e os direitos de personalidade. São Paulo: Themis, 2000. p.270. 31
ARAÚJO, 2007. p.05.
33
vida se dá no momento da fertilização com a formação do zigoto. Outra corrente
defende que vida somente surge a partir da quarta semana do zigoto, o qual é
denominado de embrião. Ainda outra corrente defende que a vida se inicia com a
nidação do embrião na parede do útero. Segundo ARAÚJO uma das correntes
entende:
[...] só ser possível a identificação da individualização humana na fase do blastocisto, ou seja, após os quatorze primeiros dias posteriores à fecundação, quando se tem a formação rudimentar da organização do sistema nervoso central.
32
A importância de se precisar juridicamente o início da vida humana confirma a
própria legalidade dos procedimentos de reprodução humana e a possibilidade dos
estudos com células-tronco, assim como consigna ARAÚJO:
Esta necessidade de se definir o momento inicial da vida, momento em que o embrião passa a ser considerado um ser humano, influencia na legalidade do próprio processo de procriação artificial e das pesquisas com células-tronco embrionárias, vez que a vida e a dignidade da pessoa humana são bem jurídicos de relevância singular.
33
Apesar disso, após exame detalhado das correntes doutrinárias defensoras
dos diversos momentos em que a vida se inicia, assim como as posições adotadas,
percebe-se que doutrinariamente não há um consenso. Juridicamente, quanto à
aquisição da personalidade jurídica, nossa legislação adota expressamente a
corrente natalista.
Das teorias citadas, observam-se alguns aspectos comuns, tais como: a) o
embrião não é nascituro, porque não se encontra em desenvolvimento no ventre
materno; b) não é prole eventual, porque já foi concebido; c) não é pessoa natural,
porque não nasceu.
Importante consignar neste momento que a Resolução nº 1358/92 do
Conselho Federal de Medicina faz ainda uma distinção do embrião e do pré-
embrião, sendo o pré-embrião aquele que foi desenvolvido até quatorze dias após a
fecundação; a partir de quatorze dias tem-se propriamente o embrião.
32
ARAÚJO, 2007. p.06. 33
ARAÚJO, 2007. p.05.
34
Diante do exposto, não há dúvida de que o embrião criopreservado deve ser
protegido, contudo é inapropriado fazê-lo conforme a exegese do artigo 2º
do
Código Civil, pois apesar de estar fora do ventre materno, representa uma
expectativa de vida, ou seja, pode se tornar ou não uma pessoa humana.
Embora cientificamente fala-se em vida no momento da fecundação, para fins
legais é a fase da nidação e da formação do sistema nervoso que o embrião passa a
ser tutelado juridicamente, momento no qual se permite a diferenciação celular,
aquela em que se reconhece a individualidade humana, viabilizando o
desenvolvimento do feto para logo após o parto se tornar uma pessoa.
3.3 A PROTEÇÃO DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988 apresenta diversos artigos que asseguram a
proteção do ser humano, seja no que se refere à proteção à vida, saúde, igualdade,
liberdade, segurança, meio ambiente equilibrado, e proteção ao princípio da
dignidade da pessoa humana.
A partir do vetor constitucional e tendo em vista os grandes interesses sociais
envolvidos, a bioética surgiu como limitador das pesquisas científicas, a fim de
conter abusos que possam ser praticados contra o ser humano, pois as pesquisas
médicas têm avançado rapidamente nas últimas décadas, em especial a pesquisa
genética, visando especialmente a cura para determinadas doenças.
Esta limitação às pesquisas não impedem avanços benéficos da ciência, mas
quer se evitar, através destes 'freios' aos avanços e no que se refere às técnicas de
reprodução humana, as práticas eugênicas, relacionadas à escolha dos caracteres
genéticos da criança, sem motivos científicos relevantes.
Apesar de limitar práticas não aceitas moralmente, tal como a eugenia,
verifica-se que a Constituição Federal busca garantir o acesso das pessoas ao
projeto parental, se este se assevera condizente com os direitos fundamentais da
pessoa, respeitando-se os princípios da dignidade humana, da responsabilidade, da
intimidade e do direito à saúde.
35
No que se refere ao já mencionado princípio da dignidade humana,
recepcionado constitucionalmente como valor fundamental, pode-se extrair que este
independe de circunstâncias concretas a que o sujeito é imerso, pois inerente a toda
e qualquer pessoa, eis que todos são iguais em dignidade, ainda que não se portem
de forma igualmente digna nas suas relações com os seus semelhantes e consigo
mesmas.
Não é diverso o entendimento estampado no artigo primeiro da Declaração
Universal da ONU (1948), segundo o qual todos os serem humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos.
Assim, a base de sustentação que oferece condições para que o Estado
intervenha nas pesquisas e descobertas científicas é a aplicação do princípio da
dignidade da pessoa humana, incorporado pela nossa legislação constitucional e
infraconstitucional. Vale dizer: o princípio da dignidade da pessoa humana assegura
aos embriões a proteção jurídica frente ao descarte de material genético e sua
utilização para estudos de células-tronco.
Pacifica-se portanto o entendimento quanto ao valor inerente ao indivíduo: a
sua dignidade, o que importa afirmar que aos embriões dever-se-ia aplicar o mesmo
princípio para a proteção do seu direito à vida, concluindo-se que toda a atividade
abusiva que venha a atingir seres embrionários importa em conflito com o respeito à
vida e à dignidade humana assegurados constitucionalmente.
E o direito de procriar envolve ainda outros direitos garantidos
constitucionalmente e infraconstitucionalmente, tais como o direito à vida, à
liberdade, à saúde e o direito ao planejamento familiar.
Neste aspecto é válido transcrever o artigo 1.597 do Código Civil, segundo o
qual o Estado estimula os avanços da medicina reprodutiva, bem como legitima a
possibilidade de reprodução pelos casais que a desejam porém não podem obtê-la
pela via natural.
Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial
36
homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.
Ainda, o artigo 196 do mesmo texto reconhece a saúde como um direito de
todos e dever do Estado, sendo que para possibilitar a realização deste direito, é
dever do Estado estabelecer políticas públicas para a redução do risco de doenças,
oportunizando o acesso universal e igualitário à população. Restaram ainda
protegidas expressamente pela Constituição a maternidade e a priorização dos
direitos da infância.
Além dos direitos tutelados na Constituição Federal de 1988 já citados, ainda
da Constituição Federal pode-se elencar outros relevantes direitos: o artigo 1°, inciso
III, já citado, garantidor do direito à dignidade da pessoa humana; no artigo 4°, inciso
II, o princípio da prevalência dos direitos humanos que regem as relações
internacionais da República Federativa do Brasil; e no artigo 5°, caput, o direito à
vida.
Todos os direitos citados constituem garantia fundamental da Constituição
Federal, portanto constituem subsídio pronto e suficiente para proteção do embrião
humano.
3.4 A REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
O desenvolvimento tecnológico provoca rupturas com a ordem até então
vigente, impulsionando a criação de novos conceitos e institutos capazes de
promover a adaptação necessária aos tempos modernos. Novas questões criadas
pelo progresso no campo da genética colocam em xeque concepções arraigadas há
séculos, e por vezes abrangem, todo um novo entendimento a respeito da vida.
A possibilidade de manipulação genética desde os anos 70 resultou em
grande impulso na biologia. Porém, ao mesmo tempo fez nascer, no mundo
científico, "[...] uma inquietude diante dos riscos de disseminação de organismos
geneticamente modificados."34
34
LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações Artificias e o Direito: aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.136.
37
Diante das inovações da engenharia genética, necessário se faz incluir, entre
as temáticas que tiveram alterados ou ampliados os seus conceitos e os seus
paradigmas, a referente à reprodução humana, pois tal vocábulo, há bem pouco
tempo, poderia indicar, apenas, a capacidade natural de procriação, ou seja, aquela
proveniente da conjunção carnal.
Porém, o ato ou efeito de reproduzir-se, de gerar, de procriar, de multiplicar,
de perpetuar-se pode ser atingido por outros métodos que não o presumível. As
técnicas que compreendem a chamada fertilização artificial, fecundação artificial,
fecundação por meios artificiais, impregnação artificial, concepção artificial,
semeadura artificial, inseminação artificial, fecundação in vitro ou fertilização
matrimonial são realidade no meio médico e na vida daqueles impossibilitados de
reproduzirem-se através do meio convencional.
Em razão da variada nomenclatura citada, vale esclarecer que a expressão
mais aceita na doutrina pesquisada é Reprodução Humana (Assistida) em face das
demais denominações.
De acordo com o exposto, conceitua-se a reprodução humana assistida como
o conjunto de técnicas que favorecem a fecundação humana, a partir da
manipulação de gametas e embriões, objetivando principalmente combater a
infertilidade e propiciando o nascimento de uma nova vida humana. Nas palavras de
Andréa Aldovrandi e Danielle Galvão de França35, o método de reprodução humana
assistida consiste na:
[...] intervenção do homem no processo de procriação natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas com problemas de infertilidade e esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou paternidade.
Maria Helena Diniz, ao manifestar-se acerca do tema, é enfática em sua
posição, não admitindo como terapêuticos os processos da reprodução assistida.
Profere, nessa senda, o seguinte comentário:
35
ALDROVANDI, Andréa, FRANÇA, Danielle Galvão de. A reprodução Assistida e as relações de parentesco. Jus Navigandi, Teresina, n. 58, ago. 2002. Disponível em http:/www1.jus.com.Br/ doutrina/texto.asp?id=3127. Acesso em 10/10/12. p.01.
38
[...] é mister que se tome consciência de que aqueles processos de fertilização humana assistida não trazem em si, remédio algum à esterilidade, pois quem é estéril continuará a sê-lo, uma vez que, na verdade, o partícipe da criação é o doador, um estranho ao casal, que tão somente coloca à disposição seu material fecundante.
36
As técnicas de reprodução humana assistida classificam-se em dois gêneros:
inseminação homóloga e inseminação heteróloga. A primeira é realizada utilizando-
se gametas doados pelo próprio casal; a segunda é realizada quando a mulher
casada utiliza de gameta masculino doado por terceira pessoa ou quando a mulher
não é casada.
A fecundação heteróloga divide-se em genética (quando há doação de
material genético) e gestacional (quando tratar-se de útero de substituição). É
indicada para os casos de esterilidade masculina e doenças hereditárias que
possam ser transmitidas pelo material genético.
Das técnicas principais atualmente disponíveis, destacam-se a inseminação
artificial, a transferência intratubária de gametas, a transferência intratubária de
zigotos e a fertilização in vitro seguida de transferência de embriões.
Especificamente no processo de fertilização in vitro, se obtem alguns gametas
para fecundação, gerando da fertilização alguns embriões, os quais serão
implantados no útero da mulher. Aqueles que não são implantados denominam-se
embriões extranumerários e são criopreservados, com a finalidade de serem
implantados numa futura tentativa de gravidez.
Citados embriões extranumerários são armazenados em nitrogênio líquido,a
196 graus abaixo de zero, mantendo-se congelados e conservados mantendo-se
sua capacidade de fertilização e desenvolvimento dos embriões. Esta medida é
tomada a fim de economia, viabilizando-se a repetição da inseminação, por tal razão
são fecundados mais embriões do que o número dos que serão inseminados.
DIAS conceitua o embrião excedentário como aquele que não foi implantado
no ventre materno, vejamos:
Os embriões concebidos por manipulação genética, e que não foram implantados no ventre de uma mulher, são chamados de embriões excedentários. De modo geral, no procedimento de fertilização são gerados
36
DINIZ, 2011. p.524.
39
vários embriões, sendo levadas a efeito diversas tentativas de concepção. Os embriões descartados e não utilizados permanecem armazenados na clínica que levou a efeito a fertilização. As questões referentes aos embriões excedentários podem gerar delicados problemas sobre direito de personalidade, havendo o risco de serem reconhecidos como nascituros e sujeitos de direitos.
37
Segundo prevê o item 6° do Capitulo I da Resolução n° 2013/2013 do CFM,
no Brasil somente se aceita que sejam implantados até quatro embriões por
tentativa, quantidade que depende da idade da paciente, nos seguintes termos:
-
-
- 38
A questão alcança vulto em razão de que a quantidade de embriões
produzidos, através desta técnica, é maior do que quatro, deparando-se médicos e
pacientes com a problemática de ter que decidir o que fazer com estes embriões
extranumerários. Este tema é objeto do presente estudo, sendo analisado em
capítulo posterior com mais detalhes.
3.5 O DIREITO À IDENTIDADE GENÉTICA
O artigo 5º da Constituição Federal garante ao indivíduo o direito à igualdade,
o direito à vida, o direito à liberdade, o direito à segurança, a qual envolve o direito à
integridade física e moral, entre outros. Identifica-se destes direitos os
personalíssimos, aqueles pertencentes à condição humana, a qual, somente exerce
toda as suas faculdades, se os mesmos forem protegidos. São personalíssimos os
direitos próprios da pessoa em si, existentes por sua natureza, como ente humano,
com o nascimento.
37
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5a. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p.333. 38
RESOLUÇÃO 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2013_2013.pdf. Acesso em 10/04/2014.
40
No mesmo sentido, faz parte integrante dos direitos personalíssimos o direito
à identidade, o direito do indivíduo em saber sua origem, de reconhecer-se como ser
único, tendo importância intrínseca e pertencente a todo ser humano,
indistintamente, pois "o embrião, enquanto ser potencial, agrega o patrimônio
genético de seus genitores [...]."39
-
-se a certeza de sua
origem g
artificial tem, da mesma forma,
Nos ensinamentos de
BARACHO:
-
40
que a identidade genética é um substrato fundamental da identidade pessoal,
expressão da dignidade do ser humano. Neste sentido ensina BAUMAN que a
ade pessoal do indivíduo.
BAUMAN entende que a
o como um meio para o status social, pessoal
39
LEITE, 1995. p.13. 40
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. A identidade genética do ser humano. Bioconstituição: Bioética e Direito. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/8938-8937-1-PB.pdf. Acesso em 10/04/2014.
41
direito de personalidade, o acesso à origem genética
- micos, pelo qual “a vida
continua a ser ganha e os direitos de dignidade e respeito social continuam a ser
obtidos ou perdidos."41
Salienta ainda citado autor
- as são
-
ode ser comparada a um fato que:
“[...] os geneticamente herdados e determinados do corpo humano, pode ser desvirtuado, arquivado ou encoberto de outras maneiras, mas nunca realisticamente descartado ou desfeito.”
42
Portanto, a constitui um
ser humano. No entanto, o conhecimento dess , da identidade
genética, nos casos de reprodução humana assistida,
, nas reproduções humanas via
inseminação heteróloga, Referida garantia encontra previsão no Item
IV da Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina:
-
[...] - -
versa. [...]
-
-se a identidade civil do doador.
Embora os mencionados itens dois e quatro
2013/2013 do Conselho Federal de Medicina determine o anonimato
41
BAUMAN, Zygmunt. Identidade.
Zahar, 2005. p.36. 42
Idem. p.67.
42
dos doadores dos embriões, com fundamento n
deveria admitir exatamente
(Estatuto da Criança e do Adolescente)43
direito personal
Vale ressaltar que o
Destaca-se a fragilidade do tema, tendo em vista a
fundamentais, seja o direito ao estado de filiação, compreendido como o direito ao
estabelecimento de laços afetivos entre pai e filho; o direito à identidade genética,
visando a adoção de medidas preventivas de saúde; e o direito à preservação do
anonimato do doador de gametas
ncia de um sobre o outro, pois todos são
ncia. Observa-se que assegurando-se um dos mencionados direitos,
violam-se os outros.
Importa verificar que apesar da referida regra do anonimato, uma exceção é
viabilizada nos
como determinados tr
as. Citada previsão encontra-se inserta no
Diante do tema, verifica-se que o
de direito que busca sua
43
LEI N. 8.069/1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em 29/04/2014.
43
do ois, surge
ser tutelado constitucionalmente. Nas palavras de BARACHO:
A consagração de um direito a identidade genética aponta para o entendimento de que o genoma humano seja não só inviolável, como também irrepetível, para que seja basicamente fruto do acaso e não da heterodeterminação.
44
-
novos os quais o direito ao
reconhecimento d
deveres e, principalmente, de dignidade.
3.6 O VALOR DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PROTEÇÃO
JURÍDICA DO EMBRIÃO E O DIREITO À VIDA
Do ponto de vista jurídico, faz-se necessária a discussão acerca das formas
de proteção do embrião humano, principalmente quanto ao momento em que se
inicia a vida, conforme analisado em capítulo anterior, analisando-se se ao embrião
cabe a mesma proteção dispensada à pessoa, ou se deve haver uma tutela jurídica
compatível com a sua condição, porém em harmonia com os preceitos
fundamentais.
O cerne da discussão consiste em atribuir ao embrião a proteção jurídica de
uma pessoa. Para CARDIN e ROSA45 "[...] entender que há proteção da vida
humana desde a concepção não pressupõe, necessariamente, como requisito, o
atributo da personalidade, uma vez que ele emana do nascimento com vida." Para
44
BARACHO, acesso em 10/04/2014. 45
CARDIN, Valéria Silva Galdino e ROSA, Leticia Carla Baptista. Do Status Jurídico do Embrião Crioconservado e do Princípio da Dignidade Humana frente a Utilização das Técnicas de Reprodução Humana Assistida. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=f7 efa4f864ae9b88>. Acesso em 10/08/13. p.02.
44
SANTOS, em discussão quanto ao início do que ele denomina personalidade
jurídica formal, manifesta que:
[...] o início da personalidade jurídica formal começa, não com o nascimento com vida, mas no momento em que o óvulo fecundado se torna viável, com o advento da nidação, sendo assegurado ao nascituro, desde a concepção, o direito à vida, dentre outros direitos personalíssimos. [...] a condição de nascer com vida não subtrai do nascituro outros direitos, como os concernentes ao acompanhamento pré-natal, e a de ter uma dupla linha parental.
46
Apesar do discenso doutrinário, tanto pelo início da vida humana, quanto ao
início da personalidade jurídica, o embrião, em qualquer fase deve ser tutelado,
considerando-se logicamente que ele não possui alguns direitos e deveres inerentes
àqueles nascidos com vida, devido à inviabilidade de tê-los, como por exemplo o
direito de posse e os direitos subjetivos.
Portanto, o simples fato do embrião possuir natureza humana já lhe confere
direitos fundamentais como o direito à vida e à dignidade. No mesmo sentido, veja-
se a posição de MEIRELLES:
[...] o embrião concebido e mantido em laboratório mostra-se estranho ao modelo clássico. Não é pessoa natural, pois inexistente o nascimento com vida; não é nascituro, porquanto à época do Código, evidentemente caracterizava-se como tal apenas o ser concebido e em desenvolvimento no ventre materno; tampouco é prole eventual, posto que concepção já houve, o que parece afastar a eventualidade. [...] não há como negar a sua natureza humana. E essa constatação é, por si só suficiente para que se lhe reconheça a necessidade de proteção jurídica.
47
Desta maneira, independentemente da corrente adotada, é pacífico o
entendimento quanto ao valor inerente ao indivíduo: a sua dignidade. O
reconhecimento do homem como sujeito de dignidade é elemento fundante da
ordem jurídica brasileira. Desde os alicerces do Estado Democrático de Direito
destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
46
SANTOS, Luciano Borges dos. Conotações Jurídicas das Reproduções Artificiais. In: Revista Jurídica das Faculdades Integradas Curitiba. ed. n°15. Curitiba: FIC, 2002. p.245. 47
MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A Vida Humana Embrionária e sua Proteção Jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p.57 e 85.
45
A dignidade, reconhecida a toda a vida humana, ampara-se em dois
pressupostos: a) todas as pessoas humanas devem ser igualmente respeitadas; e b)
o respeito deve ser assegurado independentemente do grau de desenvolvimento
individual das potencialidades humanas.
Assim, importa afirmar que aos embriões aplicam-se o princípio fundamental
da dignidade humana e a proteção ao direito à vida, concluindo-se que toda a
atividade abusiva que venha atingir seres embrionários conflitará com o respeito à
vida e à dignidade humana assegurados constitucionalmente. Nos ensinamentos de
BARACHO:
A legitimação e a legalização sobre a vida humana, no que diz respeito às experimentações não terapêuticas sobre o embrião humano, as modalidades de fecundação artificial com a produção de embriões destinados à destruição, vem acompanhada da temática do valor e do direito da pessoa. Em nome do reconhecimento do valor moral e da subjetividade jurídica da pessoa, examina-se o direito ao progresso da ciência.
48
O princípio da dignidade humana encontra tutela na Constituição Federal de
1988, na qual foi positivado como garantia e proteção dos direitos humanos e
fundamentais. Assim, a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade do direito à
vida fazem com que as relações jurídicas busquem personificação e reflitam os
direitos humanos, de modo que no roteiro constitucional brasileiro possam ser
identificadas as opções sobre a problemática dos embriões extranumerários das
reproduções humanas assistidas.
Não à toa, o princípio constitucional da dignidade, como fundamento da
República, exige como pressuposto a intangibilidade da vida humana. Sem vida, não
há pessoa, e sem pessoa, não há dignidade.
Tal preceito é absoluto, ou seja, não admite exceção e está confirmado no
artigo 5° da Constituição Federal, vedando o aborto, por exemplo, na medida em
que o zigoto, posteriormente desenvolvido no ventre materno é, sem dúvida, um
novo ser humano que recebeu sua parcela de vida e se inseriu com individualidade
no fluxo vital contínuo da natureza humana.
48
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Vida Humana e Ciência: complexidade do estatuto epistemológico da bioética e do biodireito. Mexico: Revista Cuestiones Constitucionales. Num. 10, jan.-jun., 2004. p. 133.
46
Por certo que no âmbito constitucional o feto possui proteção tanto pelo
princípio da dignidade da pessoa humana, que pressupõe o direito à vida, quanto
pelo caput do artigo 5° da Constituição Federal.
Tendo em vista estas considerações, constata-se que em se tratando de vida,
especialmente vida humana em potencial, nenhuma atividade destruidora é
moralmente admissível, e não com base no princípio da intangibilidade da vida
humana, mas com fulcro na proteção à vida em geral.
Em seus estudos CARDIN e ROSA49 concluem que a lacuna legislativa à
respeito da tutela do embrião humano permite que sejam praticados diariamente
atentados contra o primado da vida humana, em nome de um relativismo ético. E o
maior atentado à vida se observa na questão relativa à destruição do embrião
extranumerário, em decorrência da retirada das células-tronco. Chega-se a esta
conclusão principalmente àqueles que defendem a corrente concepcionista quanto
ao início da vida.
Não à toa a Lei de Biossegurança é frequente alvo de críticas,
especificamente no que tange à permissão de utilização, para fins de pesquisa e
terapia, de células-tronco obtidas de embriões humanos, produzidos em fertilizações
in vitro e que não foram transferidos para o útero materno.
Analisando-se a regra prevista pela Lei de Biossegurança, a qual autoriza as
pesquisas com os embriões, salta aos olhos o fato de que ela contraria preceitos
constitucionais que consagram o direito à vida e o princípio da dignidade da pessoa
humana.
As células-tronco embrionárias são células que possuem um grande potencial
de multiplicação e diferenciação, contudo, o dilema ético reside no fato de que, para
obtê-las é necessário a proteção, utilização e destruição dos embriões humanos. A
discussão encontra mais divergência pelo fato de que as células-tronco embrionárias
não são as únicas células embrionárias com poder de multiplicação celular, podendo
ser utilizadas para os estudos as células adultas também.
Estas células adultas são encontradas em diferentes tecidos, e em cada um
deles, dão origem a diferentes tipos celulares que constituem aquele tecido. Desta
forma, não sendo as células embrionárias as únicas com poder de multiplicação e
49
CARDIN e ROSA. 2013. p.03.
47
diferenciação, e sendo possível a realização de estudos com céluas-tronco adultas,
reforça-se a desnecessidade da utilização dos embriões humanos para tais estudos.
E apesar das divergências de correntes quanto ao momento do início da vida
humana, tem-se que no contexto o bem jurídico protegido é a vida humana
embrionária, desde o momento de sua concepção, estágios iniciais, e não após o
quinto dia ou de sua nidação, ou após o nascimento com vida.
Ora, uma vez entendido que o legislador protege a vida humana embrionária
a partir da concepção, admite-se que tal proteção se dá no útero ou fora do útero
materno.
Com base no exposto, verifica-se que algumas premissas lançadas
inicialmente se confirmam, no sentido de que: a) os direitos fundamentais previstos
constitucionalmente alcançam a esfera jurídica das questões bioéticas; b) existe no
Brasil legislação que regulamenta a utilização de embriões humanos em atividades
biotecnocientífica, porém sem respaldo constitucional, aliás, em afronta ao princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana; c) o princípio da dignidade da pessoa
humana assegura aos embriões a proteção jurídica frente ao descarte de material
genético e sua utilização para estudos de células-tronco.
3.6.1 Da condição de hipervulnerabilidade do embrião
Para tratar de
motivação inicial do casal ao buscar uma clínica de reprodução humana.
Se o objetivo do casal era a concepção de um filho, a fertilização de diversos
gametas resultará em embriões extranumerários não interessantes ao casal. Tais
embriões podem receber diversas destinações, dentre elas a criopreservação,
adoção por outros casais, utilização em pesquisas ou o seu simples descarte.
Diante disso, é nítido que o embrião humano encontra-se em uma condição
de grande vulnerabilidade porque depende de circunstâncias alheias a sua vontade
para o seu pleno desenvolvimento, razão pela qual denomina-se a
hipervulnerabilidade do embrião.
48
O embrião é consideravelmente mais vulnerável que o humano nascido, pois
não possui nenhuma capacidade de defesa, tampouco possui artifícios para
manifestar a sua vontade. É de sua natureza esta fragilidade, eis que para o seu
amplo desenvolvimento, ele depende de fatores externos que não dependem dele,
por exemplo, da vontade dos doadores dos gametas, conforme mencionado
inicialmente.
Portanto, por sua condição de hipervulnerável, o embrião humano necessita
de uma maior tutela de sua dignidade, devendo esta ser preservada sempre na
ocorrência das técnicas de reprodução humana assistida e sobretudo nos casos de
sua manipulação.
Conforme já observado neste trabalho, na solução de controvérsias relativas
ao embrião humano e sua vulnerabilidade, o princípio da dignidade da pessoa
humana deverá prevalecer, conjugado ou não aos demais princípios da bioética, tais
como o da autonomia, o consentimento informado e o princípio do melhor interesse
da criança.
Ao falar de maternidade substitutiva 50 , por exemplo, observa-se que o
embrião vulnerável pode experimentar sequelas se a mãe gestacional não toma as
devidas cautelas para a preservação da sua integridade física durante o período
gestacional. Verifica-se que o embrião encontra-se vulnerável aos atos praticados
pela mãe gestacional no período estabelecido na gestação e inteiramente indefeso.
Ao tratar de fertilização post mortem 51 , segundo exemplo, ao embrião
vulnerável é garantido todos os direitos decorrentes da filiação, ainda que seja
privado do convívio familiar do falecido, pois a sua condição de filho decorre da
presunção referida no artigo 1.597, inciso IV, do Código Civil Brasileiro, ao admitir
que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos “havidos, a
qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de
concepção artificial homóloga". Portanto, neste caso, apesar de hipervulnerável,
50
que irá gestar, ao nascer será criada pelas pessoas que propuseram este procedimento". GOLDIM, A Maternidade Substitutiva www.ufrgs.br/bioetica/martersub.htm.
Acesso em 10/04/2014. 51
"A inseminação post mortem, também chamada intermediária, porque não é homóloga nem heteróloga, é a inseminação de uma mulher realizada com o esperma de seu marido, após a morte deste". LEITE.1995.p.154.
49
goza de garantia constitucional decorrente dos seus direitos de filho.
A criopreservação do embrião é outra situação a demonstrar a sua
hipervulnerabilidade. O congelamento de embriões gera risco ao próprio embrião,
pela baixa temperatura a que é submetido. Neste momento, o embrião não possui
condições de defesa para manifestar anuência ou discordância ao seu
congelamento. Portanto, mantém-se integralmente vulnerável à sua manipulação e
criopreservação. Agrava-se diante da possibilidade do embrião poder ser mantido
criopresenvado por tempo indefinido, o que evidencia a sua vulnerabilidade.
Não se pode deixar de observar a hipervulnerabilidade do embrião destinado
às pesquisas científicas. Segundo CARDIN e WINKLER 52, "[...] é na destinação
para as pesquisas científicas que o embrião mostra-se mais vulnerável. O limite que
permite ao pesquisador avançar ou retroceder é muito controvertido". Segundo as
autoras ainda, o embrião entendido como ser humano em desenvolvimento, não
possui capacidade para reagir, tampouco autonomia para escolher o que pretende,
razão que justifica sua vulnerabilidade.
Como último exemplo de hipervulnerabilidade do embrião, dentre outros
casos, vale citar casos em que ocorre a prática da redução embrionária53
Med
52
CARDIN, Valéria Silva Galdino; WINCKLER, Cristiane Gehlen. Da vulnerabilidade do embrião emergente da reprodução humana assistida. In: SANCHES, Mário Antonio; GUBERT, Ida Cristina (org.). Bioética e vulnerabilidades. Curitiba: Champagnat, 2012. p.60. 53
in vitro
-
deste. (Luiz Fernando COELHO. Clonagem reprodutiva versus clonagem terapêutica: avanços e limites.
in vitro.” (MACHADO, Maria Helena. Reprodução assistida: aspectos éticos e jurídicos. Curitiba, PR: Juruá, 2009. p.89.)
50
-se as previstas nos itens 4,
6 e 7, parte I:
4 - As técnicas de RA não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se trate de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer. 5 - [...] 6 - O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não pode ser superior a quatro. Quanto ao número de embriões a serem transferidos faz-se as seguintes recomendações: a) mulheres com até 35 anos: até 2 embriões; b) mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões; c) mulheres entre 40 e 50 anos: até 4 embriões; d) nas situações de doação de óvulos e embriões, considera-se a idade da doadora no momento da coleta dos óvulos. 7 - Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.
-se que tanto técnicas de
reprodução humana
ser realizados indiscriminadamente. E quanto à vedação ao procedimento de
redução embrionária, prevista na Recomendação 7 (da parte I), esta é mitigada nas
situações que ofereçam risco de vida para a gestante, tutelada pelo disposto no
artigo 128, inciso I do Código Penal54.
Acerca da hipervulnerabilidade do embrião, em todos os exemplos
mencionados o que se observa é a existência de uma relativização ética do assunto,
pois as práticas citadas são ofe
Interessante citar o princípio ético da vulnerabilidade, o qual, segundo
SERRÃO, prevê que:
[...] os seres humanos, em situação, não são iguais na sua capacidade para suportar as relações com o mundo natural e com os outros seres humanos, pelo que é eticamente aceitável uma discriminação positiva em favor dos mais fracos, ou seja, dos mais vulneráveis.
55
54
Art. 128 (Código Penal) “Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário. I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; [...]” 55
com/gca/index.php?id=124. Acesso em: 10/04/2014.
51
A partir do ponto de vista do princípio ético citado, a vulnerabilidade faz-se
presente em todos os seres vivos eis
imensuravelmente maior, uma vez que ele constitui um ser que não possui nenhuma
capacidade de defesa e sequer pode expressar sua vontade.
3.7 DA VEDAÇÃO AO PATENTEAMENTO DE EMBRIÕES HUMANOS
A comunidade médica tornou-se capaz de intervir no processo reprodutivo
humano e associado com a diversidade religiosa, filosófica e médica, enfrentam na
reprodução assistida discussões polêmicas, em que as reflexões legais e éticas
ainda são pouco definidas. A respeito da possibilidade do patenteamento dos genes
humanos, vejamos a seguinte situação:
Um gene específico nas células do corpo de todas as pessoas tem papel fundamental no desenvolvimento inicial da medula espinhal. Ele pertence à Universidade de Harvard. Outro gene é responsável por fazer a proteína que o vírus da Hepatite A usa para se ligar às células, neste caso, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos detém a patente. (...) Desde meados de 2005, o escritório de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos registrou patentes sobre quase 20% do genoma humano para empresas, unversidades e agências do governo. A pesquisa confirmou que o patenteamento da vida é hoje prática bem estabelecida.
56
O que se extrai do excerto acima é resultado de uma pesquisa científica que
visa demonstrar a que ponto o mapeamento genético pode estar sendo manipulado
por empresas internacionais.
A vida, o bem maior do ser humano, deve ser tutelado contra a possibilidade
de seu futuro patenteamento, vedando-se esta prática expressamente. IACOMINI
manifesta a importância que a biotecnologia teve ao implementar avanças científicos
para a humanidade:
56
PEREIRA, Lygia da Veiga. Sequenciaram o genoma humano... e agora. Moderna, 2001. In: DALVI, Luciano. Curso Avançado de Biodireito - Doutrina, Legislação e Jurisprudência. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p.50.
52
A biotecnologia iniciou sua presença perante a humanidade com técnicas e resultados gratificantes, como a criação de novos medicamentos, o cultivo de células para a produção de espécies vegetais ao consumo humano, o tratamento do lixo produzido em nossas atividades diárias, as novas técnicas que revolucionaram a genética, a busca pela cura de doenças, novos adubos menos danosos ao ambiente e com menos impacto sobre nossa saúde, logo esses avanços implicam em melhorias na qualidade de vida do ser humano, otimizando de uma maneira racional a forma como se interage com a natureza de modo a suprir as necessidades de sobrevivência.
57
DINIZ, da mesma forma manifesta que os grandes avanços da biotecnologia
inauguraram "[...] a questão da concessão de patentes, com o escopo de incentivar
as investigações e suas aplicações à indústria."58
Sobre o tema DINIZ adota uma posição no sentido de que o patenteamento
dos genes humanos representaria o patenteamento da vida. O que se falar então em
patentemento de embriões humanos?
Nesta hipótese pode-se aventar a possibilidade de seleção embrionária, no
intuito de se optar pelo embrião que possua as características físicas que atendam
ao que os pais desejam.
A seleção embrionária é uma realidade, e a -
im
laboratorial aceito e sugerido em casos médicos. No entanto, a
-
reprodutiva, porém resulta em ato discriminatório e condenado eticamente, eis que
ofende a .
Segundo CARDIN e WINKLER, "a possibilidade de escolha indiscriminada de
características do embrião (designer baby) aproxima-se muito da eugenia, e o
diagnóstico genético não pode ser utilizado para esse fim."59
Posiciona-se no mesmo sentido DINIZ60, quanto à hipótese da criação de
embriões com determinados caracteres físicos ou determinadas raças no
favorecimento da reprodução de pessoas incomuns em seu talento, beleza e saúde,
57
IACOMINI, Vanessa. Biotecnologia: Repercussões Jurídicas e Sociais da pesquisa sobre Genoma Humano. In: Propriedade Intelectual e Desenvolvimento. Welber Barral, Luiz Otávio Pimentel (Organizadores). Florianópolis: Fundação Boiteux, 2006. p.281 58
DINIZ. 2011. p.601. 59
CARDIN e WINCKLER. 2012. p.62. 60
DINIZ, 2011. p.593.
53
manifestando entendimento a autora que esta seleção fere de forma frontal, o
princípio da não discriminação, previsto no artigo 3°, inciso IV e artigo 5°, da
Constituição Federal Brasileira.
Seria o mesmo que buscar um ser perfeito, inteligente, saudável porém
artificial. Referida seleção embrionária pode gerar ofensas à dignidade do próprio
ser, ainda embrionário, assim como daqueles que o cercam.
A seleção discriminatória embrionária e a possibilidade de criação de um
super embrião, quem sabe viabilizando ainda o seu eventual patenteamento,
estimularia o comércio de embriões, prática que de igual forma é vedada pelo
ordenamento nacional.
A biotecnologia é significativa nesta questão do patenteamento, vindo a tomar
corpo a partir da conclusão do sequenciamento do genoma humano, visto que é
através do conhecimento do código genético que se pretende revolucionar a ciência
para as futuras gerações.
Quanto aos embriões extranumerários, serão analisadas em capítulo posterior
as normas que determinam sua destinação. Vale adiantar que para o Supremo
Tribunal de Justiça a matéria é pacífica, pois em Ação Direta de
Inconstitucionalidade este Egrégio órgão Judiciário autorizou que o material genético
extranumerário seja enviado à pesquisa de células-tronco.
Contrário é o entendimento de DINIZ, por entender que a pesquisa com
células-tronco constitui uma instrumentalização do ser humano e fere a dignidade
humana, a menos que as pesquisas fossem realizadas exclusivamente para tratar
doenças do próprio embrião.61
Apesar de todos os riscos a que o embrião está sujeito, pois encontra-se em
um estado de hipervulnerabilidade, observa-se que o ser humano tem o direito de
não ser programado em laboratório.
A origem natural do ser humano é resultado da doação de gametas
conjugado ao amor de seus pais. Portanto o ser humano, salvo exceções motivadas
pela infertilidade, não pode ser concebido como produto de uma intervenção médica,
por seleção embrionária conduzida pelas técnicas da biotecnologia, o que reduz o
61
DINIZ. 2011. p.590.
54
ser humano a um objeto resultante de uma tecnologia científica.
Vale dizer, somente o ser humano é possuidor e responsável pela sua carga
genética, ninguém mais, nem mesmo seus pais podem se dizer proprietários da
carga genética de seus filhos, muito menos patenteá-los.
Segundo MOREIRA et al.: "[...] é evidenciado um profundo dilema ético, a
respeito da 'cosificação' da vida humana, iniciando uma nova onda de dominação do
homem sobre o próprio homem."62
No caso hipotético do super embrião, patenteado embrionário e sua
comercialização, práticas todas ilegais, outro grande problema além das próprias
vedações legais que a hipótese encerra seriam as relações de filiação e parentesco.
Nos casos citados seria adotada a legislação relacionada à adoção? Se
envolver a compra previamente encomendada do embrião, não se pode falar em
adoção. Cria-se então uma nova forma de filiação, além da natural e a resultante da
adoção, denominada filiação adquirida no mercado de embriões? SABADA se
posiciona quanto a manipulação genética citando que:
La convergencia entre el intercambio mercantil y el par biotecnologia-genómica en un escenario global se concreta y garantiza mediante una fórmula legal proprietaria (las patentes). [...] Manipular la materia viva hasta su constitución más íntima dibuja una situación históricamente única y nueva. Las posibilidades comerciales del conocimiento derivado del genoma humano abren un nuevo campo social y económico, así como un conjunto de conflictos sociales cada vez más intensos [...].
63
O ser humano é um fim em si mesmo, não pode de forma alguma ser
considerado um meio. Portanto não se pode admitir a criação de um banco de
embriões, tampouco a possibilidade de seu patenteamento e comercialização,
consoante já veda o ordenamento pátrio.
62
MOREIRA, Eliane; et al. PATENTES BIOTECNOLÓGICAS: Um estudo sobre os impactos do desenvolvimento da Biotecnologia no Sistema de Patentes Brasileiro. Centro Universitário do Estado do Pará. p. 02. Disponível em: <http://www.cesupa.br/saibamais/nupi/nupi.asp>. Acesso em: 10/07/2013. 63
SABADA, Igor. Propriedad Intelectual: Bienes Públicos o mercancías privadas? Madrid. Catarata, 2008. p.205-206, tradução nossa. "A convergência entre o intercâmbio de mercado e o par biotecnologia-genômica em um cenário global se concretiza se garante mediante uma fórmula legal de propriedade (as patentes). [...] A manipulação da matéria viva para sua constituição mais íntima desenha uma situação historicamente única e nova. As possibilidades comerciais do conhecimento derivado do genoma humano abre um novo campo social e econômico, bem como um conjunto de conflitos sociais cada vez mais intensos [...]."
55
Consoante será observado adiante, quando se fala em propriedade intelectual
por patentes, se pressupõe que o produto seja novo, possua caráter inventivo e seja
passível de inserção em um processo industrial pré-determinado, ou seja, tenha
aplicação industrial. Portanto, para a aplicação do sistema de proteção por patentes,
os critérios universais exigidos, invenção, novidade e interesse industrial, devem ser
simultaneamente satisfeitos.
Neste contexto observa-se que o embrião humano não pode ser objeto de
patenteamento pois nem mesmo se adequa às exigências legais para o
patenteamento. Neste sentido vale citar os ensinamentos de IACOMINI:
Diante dos resultados apresentados, ficou constatado que a vida não é um invento que coloca os seres vivos fora do leito conceitual das patentes, visto que os direitos de propriedade intelectual referem-se às criações do intelecto humano, e a concessão de direitos de propriedade intelectual é o meio pelo qual o próprio Estado poderá oferecer proteção, diante de condições variadas e por diferentes períodos, aos criadores de novos conhecimentos em troca da divulgação completa da nova descoberta. Assim, o regime de patentes não se aplicaria à matéria viva.
64
Ante o exposto, percebe-se que o Sistema de Propriedade Intelectual
experimenta uma nova fase, na qual, de um lado debate-se sobre as novas
necessidades da indústria biotecnológica, a qual pugna pela concessão ampla de
patentes para esse setor, e de outro lado, a necessidade de se preservar uma lógica
no Sistema, privilegiando as invenções e não meras descobertas e produtos
resultantes de manipulação.
3.7.1 Limites legais ao patenteamento
O sistema de propriedade intelectual foi criado para garantir aos criadores de
inventos recompensas pelo esforço desprendido, uma vez que, é justo que recebam
por isso, o que os incentiva a trabalhar pelo progresso tecnológico. Nesse
panorama, contribui IACOMINI:
64
IACOMINI, 2006. p. 291.
56
[...] os direitos de propriedade intelectual referem-se a um conjunto de instrumentos legais que fornece proteção para criações do engenho humano e do conhecimento, cuja característica é de ser um bem incorpóreo.
65
Dessa forma, os inventores e criadores necessitam de amparo e proteção da
legislação contra cópias, que vêm a ser observada num conjunto de regras
pertencentes aos direitos de propriedade intelectual.
A patente é um título outorgado pelo Poder Público a um inventor para que
este tenha exclusividade na exploração de sua invenção, impedindo que outro o
explore sem a sua anuência, conforme previsto no artigo 8° da Lei n° 9.279/9666.
A invenção é uma criação intelectual que requer três requisitos: novidade,
atividade inventiva e aplicação industrial, consoante previsto no artigo 8° da Lei: "Art.
8º. É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial."
Citada Lei proibe o patenteamento de embriões humanos ao prever em seu
artigo 18° os objetos não patenteáveis, vejamos:
Art. 18. Não são patenteáveis: I - o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas; II - as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta. Parágrafo único. Para os fins desta Lei, microorganismos transgênicos são organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem, mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais.
Do artigo transcrito se extrai que o todo ou parte dos seres vivos não podem
ser objeto de patente, ainda porque a intenção de se patentear o embrião fere à
moral, bons costumes, segurança e a ordem e a saúde públicas (artigo 18, I da Lei
65
IACOMINI, Vanessa. Os direitos de propriedade intelectual e a biotecnologia. In: IACOMINI, Vanessa. Propriedade intelectual e biotecnologia. Curitiba: Juruá, 2008, p. 18 e 19. 66
LEI N 9.279/1996. Dispõe sobre a Lei de Patentes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/leis/l9279.htm.> Acesso em 15/08/13.
57
n° 9.279/96).
Partindo-se do entendimento de que o embrião é um ser vivo, possuidor de
direitos, tutelado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, que o assegura
proteção jurídica frente ao seu descarte e utilização para estudos, confirma-se a
vedação ao seu patenteamento.
Justifica-se ainda porque o embrião humano não é considerado legalmente
uma invenção ou um modelo de utilidade, tal como previsto no artigo 10° da Lei n°
9.279/96:
Art. 10°. Não se considera invenção nem modelo de utilidade: I - descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos; [...] IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais.
A fim de compreender a situação, importa ressaltar que a fertilização artificial
é um ato de indução de um acontecimento que ocorreria naturalmente não fosse
algum impedimento natural dos doadores dos gametas. Por esta razão, a fertilização
artificial e a manipulação embrionária não representam atividades inventivas.
Pelo contrário, os conhecimentos sobre o corpo humano, segundo prevê o
artigo 10°, I, da Lei n° 9.279/96, e seus elementos em estado natural, são
descobertas científicas, não podendo ser considerados invenções patenteáveis.
Esclarece VARELLA que os direitos de propriedade intelectual atuais são de
duas naturezas: patentes sobre plantas, de genes e de produtos, e processos
farmacêuticos e direitos de proteção de cultivares. Cita que o sistema de
propriedade intelectual não aceita a proteção dos recursos genéticos encontrados na
natureza, proibindo a prática expressamente. E conclui:
Mesmo que houvesse a possibilidade de patentes sobre seres vivos, não haveria satisfação aos requisitos de novidade, inventividade e aplicação industrial. Logo, um sistema novo de direito precisaria ser criado.
67
67
VARELLA, Marcelo Dias. Políticas Públicas para a Propriedade Intelectual no Brasil. In: Propriedade Intelectual e Desenvolvimento. Marcelo Dias Varella (Coordenador). São Paulo: Lex Editora, 2005. p. 226.
58
Internacionalmente o diploma que regulamenta a situação é o Acordo TRIP68,
acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o
comércio.
Interessa notar o fato da ratificação do acordo TRIPS ser compulsório para os
países filiados à Organização Mundial do Comércio (OMC). Portanto, todos os
países que visam o acesso aos mercados internacionais abertos pela OMC
subordinam-se às leis estipuladas pelo Acordo TRIPS. E por tal razão, este diploma
é o mais importante instrumento multilateral para a globalização das leis de
propriedade intelectual.
Segundo dispõe o artigo 27° do Acordo TRIPS69, podem ser obtidas patentes
para quaisquer invenções, de produtos ou processos, em todos os setores da
tecnologia, desde que essas invenções sejam novas, envolvam uma atividade
inventiva e sejam passíveis de aplicação industrial.
No mesmo artigo, item 2, dispõe o Acordo que se excluem do rol dos
patenteáveis as invenções cuja exploração no seu território deva ser impedida para
proteção da ordem pública ou da moralidade e bons costumes, inclusive para a
proteção da vida e da saúde humana, animal ou vegetal e para se evitar graves
prejuízos ao ambiente, desde que essa exclusão não se deva unicamente ao fato da
exploração ser proibida pela sua legislação.
Desta maneira, confirma-se que os embriões humanos não podem ser objeto
de patente, segundo o Acordo TRIPS, sendo esta vedação nacional e internacional.
Trata da matéria ainda DINIZ, a qual esclarece que: "os organismos vivos não
são invenções humanas, mas produtos da natureza, e a biotecnologia somente
copia e efetua a recombinação das 'peças' soltas desse instrumento que é a vida."70
Em regra, são patenteáveis os processos criados pela biotecnologia
utilizando genes ou organismos geneticamente modificados, desde que essenciais à
sadia qualidade de vida, mas não o material genético humano; com isso, tutelada
68
TRIPS significa Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights - Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. 69
Acordo TRIPS. Disponível em: < http://www.itamaraty.gov.br/o-ministerio/conheca-o-ministerio/tecnologicos/cgc/solucao-de-controversias/mais-informacoes/texto-dos-acordos-da-omcportugues/1.3-anexo-1c-acordo-sobre-aspectos-dos-direitos-de-propriedade-intelectual-relacionados-ao-comercio-trips/view>. Acesso em 15/08/2013. 70
DINIZ. 2011. p.603.
59
estará a vida e protegida estará a dignidade humana.
Nesta senda, considerando que não concede patentes ao que for contrário à
moral e aos bons costumes, à segurança, à ordem e à saúde pública, tendo em vista
vedação legislativa nacional e internacional, somado ao entendimento doutrinário,
conclui-se que a concessão de patentes sobre embriões humanos não possui
respaldo legal.
3.8 DA VEDAÇÃO E LIMITES LEGAIS AO COMÉRCIO DE EMBRIÕES HUMANOS
Segundo o princípio da indisponibilidade do corpo humano, previsto no artigo
199, parágrafo 4º da Constituição Federal, o corpo humano não pode ser objeto de
atividade mercantil. A Lei de Biossegurança seguiu a mesma orientação, pois ao
permitir a doação de embriões para pesquisas com células-tronco, criminalizou a
possibilidade de sua comercialização, fazendo referência ao crime do artigo 15º da
Lei nº 9.434/97, o qual veda a compra e venda de tecidos, órgãos ou partes do
corpo humano.
A doação de órgãos, de sangue, tecidos e leite materno é estimulada, mas a
prática remunerada de qualquer destes elementos é considerada um caso grave de
ilicitude penal e civil, do mesmo modo que é ilícita a remuneração pela cessão de
útero, nos casos de maternidade por substituição. Ademais, qualquer negócio
mercantil envolvendo gametas ou embriões humanos constitui um negócio jurídico
inválido.
Apesar da doação de células embrionárias não envolver dinheiro e constituir o
único meio lícito de negócio gratuito envolvendo o gameta doado ou o embrião,
garantindo o anonimato aos doadores do material genético, não se tem
conhecimento de que a vedação ao comércio seja efetivamente respeitada pelas
clínicas que realizam os procedimentos de reprodução humana.
Em sentido contrário, SANDEL71 manifesta que a economia de mercado,
característica da democracia no âmbito das atividades produtivas, tem se
transformado em sociedade de mercado, na qual valores sociais, vida em família,
71
SANDEL, Michael J. O que o dinheiro não compra. Os limites morais do mercado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. p.33.
60
educação, saúde e demais bens podem ser objeto de compra e venda.
Ocorre que a proibição de qualquer tipo de transação comercial com o corpo
humano e seus elementos constitui orientação mundial, tanto que o genoma
humano, em um sentido simbólico, é considerado patrimônio da humanidade. O
artigo 4º da Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos dispõe
que: “O genoma humano em seu estado natural não deve ser objeto de transações
financeiras."72
A Lei de Biossegurança autorizou a doação de embriões para pesquisas
unicamente, vedando por consequência, a sua comercialização. O artigo 15º da Lei
nº 9.434/97 também veda a compra e venda de tecidos, órgãos ou partes do corpo
humano. Uma vez que células embrionárias estão excluídas da tutela da referida lei,
extrai-se a ilicitude dos procedimentos eventualmente ocorridos da Constituição
Federal quanto à proteção da dignidade humana.
Tratamentos de fertilização levados a efeito diante do comércio das células
embrionárias podem invalidar os termos de consentimento e, em tese, configurar,
dentre outras conseqüências, crime de constrangimento ilegal ou lesão corporal.
Atente-se que o consentimento para qualquer tratamento exige, para sua validade,
agente capaz e objeto lícito, dentre outros requisitos. Não sendo lícito o objeto
quando há comércio, por vedação constitucional, e a nulidade do consentimento da
doação da célula embrionária é inquestionável.
A ordem jurídica nacional protege o ser humano, não só no interesse do
próprio indivíduo, mas também no interesse da sociedade. Assim, o comércio do
material genético para fins reprodutivos de forma alguma coaduna com valores
constitucionais com ela relacionados.
Do exposto, percebe-se que o ordenamento jurídico nacional é todo
construído no sentido de vedar o comércio das células embrionárias humanas,
confirmando-se a sua invalidade, devido à ilicitude do objeto negocial.
72
HUMANO, Declaração Universal sobre o Genoma. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001229/122990por.pdf.> Acesso em 02/05/2014.
61
3.9 ASPECTOS ÉTICOS DA DOAÇÃO DE EMBRIÕES
A comunidade médica tornou-se capaz de intervir no processo reprodutivo
humano e associado com a diversidade religiosa, filosófica e médica, fazem da
reprodução assistida uma área polêmica, na qual reflexões legais e éticas ainda são
pouco definidas.
Diante dos problemas correlatos à reprodução humana exsurgem os direitos
humanos, a fim de socorrer as situações ainda não tuteladas pelo direito. Neste
aspecto MARIA GARCIA73 ensina que os direitos humanos representam uma forma
de moralidade, baseada na racionalidade de ums determinada concepção ética da
pessoa humana, da sociedade e do Estado. Segundo ela, o surgimento da bioética é
relevante para trazer respostas e soluções aos conflitos éticos no campo das
ciências da saúde e da vida. Ensina a autora:
Da bioética originou-se várias controvérsias, se a biologia deveria ter em conta e considerar a ética como pura e simplesmente a ética da vida e, portanto, pode definir-se como área de reflexão filosófica que analisa, desde as categorias de valor, dever, bondade e etc. dos atos humanos nas questões relacionadas com a vida.
74
Aliás, no entendimento de LEITE75, somente a ética, voltada a tutelar o corpo
social, neste caso excedendo a moral individual, poderá indicar o melhor caminho
para enfrentar os problemas e responder as questões decorrentes das procriações
artificiais. Neste sentido, ensina referido autor:
A ética aparece como a intuição da maneira de bem viver no meio social. A ética seria a moral do homem em relação ao semelhante e, especialmente, do médico que, em decorrência da relação terapêutica estabelecida com o paciente, pode exercer um poder considerável.
76
E para tratar de aspectos éticos do tema em estudo, importa ainda citar
SÉLLOS-KNOERR e DARCANCHY, as quais trazem algumas características dos
princípios éticos:
73
GARCIA, Maria. Os Limites da Ciência: A Dignidade da Pessoa Humana: A Ética da Responsabilidade. São Paulo: RT, 2004. p.106. 74
GARCIA. 2004. p.156. 75
LEITE. 1995. p.134. 76
Ibid. p.135.
62
Considerando-se que os princípios gerais ou básicos da ética são universais, transcendem o tempo e o espaço, atingem a um sem número de destinatários e refletem a imprescindibilidade da convivência, da comunicação, da ajuda mútua, do intercâmbio e da tolerância entre os indivíduos, entre os povos e entre as gerações.
77
Diante desta inquietude ética gerada pelas técnicas de fertilização artificial, a
possibilidade de doação de gamentas e de embriões se destaca, pois a utilização de
gametas ou embriões de terceiros pelo casal infértil resulta em violação ao direito à
identidade genética do indivíduo, entre outros problemas.
A doação de embriões é indicada aos casais inférteis em que um ou ambos
os membros não possuem gametas, ou no caso de que um deles possua uma
doença genética que poderá ser transmitida com alta freqüência para seus
descendentes.
No Brasil, a Resolução nº 1358/92 do CFM regulamenta que a doação deverá
ser gratuita, e a identidade dos doadores mantida em segredo. Uma análise desta
regulamentação revela que do ponto vista ético, é de fato fundamental a
preservação do anonimato entre receptores e doadores.
Tal conduta evita o aparecimento futuro de complexas situações emocionais,
e legais, do relacionamento receptor-doador, com repercussões também no
desenvolvimento das crianças geradas.
Um aspecto que incita a discussão sobre os entornos éticos da utilização de
embriões criopreservados, refere-se ao período no qual ele pode ser mantido
criopreservado. A técnica permite a preservação de células por tempo prolongado,
mantendo suas propriedades biológicas após o descongelamento. Diversos
problemas decorrem da estocagem de embriões humanos.
A exemplo, podemos nos questionar quanto a idade do indivíduo que
permanece criopreservado durante dois anos. Após este prazo, já constituindo um
embrião, ele é insiminado no útero de uma mulher, e ao nascer, terá idade de dois
77
SÉLLOS-KNOERR, Viviane Coêlho de. DARCANCHY, MARA VIDIGAL. Aids e Ética no Meio Ambiente de Trabalho: O Direito e a Cidadania Empresarial na Tutela das Minorias. In: BARACAT, Eduardo Milléo; SÉLLOS-KNOERR, Viviane Coêlho de. (Coord.). Tutela Jurídica do Trabalhador Soropositivo: Desafios Jurídicos de Inovação e Desenvolvimento. São Paulo: Clássica, 2013. p. 101.
63
anos? Questão não esclarecida ainda na doutrina.
Enquanto a criopreservação de embriões extranumerários é rotina em clínicas
de reprodução humana, este procedimento deve ser considerado de risco para o
desenvolvimento de atuais e futuros problemas da natureza ética e legal.
O casal que vai à clínica de reprodução para realizar uma fertilização deve
expressar por escrito o destino dos seus eventuais embriões extranumerários,
inclusive no caso de divórcio, doença grave, ou morte de um ou ambos os
integrantes do casal, ou mesmo se desejam doá-los.
Outro aspecto ético quanto a doação de embriões envolve o nascimento de
crianças defeituosas. Como solucionar o caso em que houver a doação de um
embrião criopreservado por anos ou ainda que seja um embrião criopreservado por
pouco tempo, se dele resultar em uma criança defeituosa? A quem responsabilizar?
Ou melhor, há como responsabilizar alguém por ter recebido um embrião que se
desenvolveu com anormalidade?
Demais questionamentos sobre o assunto foram incitados por Anne Kleine
Neves Pereira.78 Analisando os embriões extranumerários congelados, resultado da
fertilização, que não foram utilizados porque defeituosos ou porque outro embrião
fora utilizado para a geração do bebê, a autora questiona: "Se nasceu com defeito,
poderemos responsabilizar o laboratório por lesão corporal?" "E se jogarem fora,
poderemos responsabilizar o laboratório por infanticídio doloso, culposo?"
O ordenamento jurídico brasileiro não está preparado para tutelar estas
situações, primeiro porque a nossa legislação sobre o assunto é deficiente, e
segundo porque da legislação existente, observamos que todo o ordenamento é
disposto no sentido de vedar o comércio de embriões, é premissa a sua gratuidade,
portanto, não seria crível reclamar uma anomalia do bebê gerado de embrião
recebido por doação, quando esta ocorreu de forma gratuita.
Estas questões éticas são apenas alguns exemplos para reflexão, não se
esgotando as repercussões da doação dos embriões. No entendimento de LEITE79:
Provocar um nascimento através destas técnicas de reprodução artificial é um ato que gera interrogações éticas. Não pelo fato de tratar-se de algo
78
PEREIRA, 2012. p.67. 79
LEITE. 1995. p.137.
64
artificial, mas em decorrência da indefinição do direito da criança, do direito de família, do direito dos pais e do direito do embrião, até o presente momento aguardando um posicionamento legal preciso.
É fato incontestável que as inovações biotecnológicas e biomédicas,
sobretudo as técnicas de reprodução humana assistida, impuseram à sociedade
uma nova postura reflexiva desses acontecimentos. O progresso científico colocou o
homem novamente no epicentro das discussões seja no âmbito jurídico ou nos
demais campos do conhecimento que tenham o ser humano ou suas relações como
objeto de análise.
Essas áreas se depararam com novas possibilidades, antes tidas como
impossíveis, improváveis ou, no mínimo, distantes de uma realização concreta,
provocando profundas transformações sociais, e, conseqüentemente, a necessidade
de releitura e reconstrução de diversos institutos jurídicos, seja pela insuficiência ou
inexistência de conceitos e dispositivos adequados no tecido normativo. Nos
ensinamentos de SÉLLOS-KNOERR e DARCANCHY:
[...] a ética inspira a positivação do direito, para que a ninguém seja dado o direito de alegar o seu desconhecimento e para o que for permitido, proibido ou obrigado, o seja a todos. A ética corresponde à conduta pautada na axiologia e é voltada ao desenvolvimento da antropologia, ou melhor, tem base em valores e destina-se à evolução do indivíduo em benefício da espécie humana.
80
Analisando os preceitos constitucionais nacionais sobre estas questões,
observa-se que, a despeito da localização no texto constitucional dos princípios
gerais de proteção e promoção da pessoa humana e muitos princípios e regras
constitucionais que se aplicam perfeitamente aos temas relacionados à
biotecnologia, enquadram-se tais questões seguramente no campo do direito
privado, que, de acordo com as premissas aqui aceitas, exigem a devida
observância aos direitos fundamentais, que ocupam, sem dúvida, o mais alto posto
na escala normativa, sendo essa superioridade hierárquica dos princípios
constitucionais fundamentais justificada pelos valores supremos que expressam.
Compartilha deste pensamento MEIRELLES:
80
SÉLLOS-KNOERR, Viviane Coêlho de. DARCANCHY, MARA VIDIGAL. 2013. p. 110.
65
Há uma preocupação especial envolvendo ao assunto porque podem alterar substancialmente o curso da vida humana tanto presente quanto futura, merecendo atenção especial quanto a imposição de novos e mais diligentes limites éticos, morais e jurídicos, hábeis para garantir a eficácia dos direitos humanos e dos direitos fundamentais.
81
A regulamentação do uso das tecnologias reprodutivas e o mercado que elas
geram incide sobre questões de vida social, sobremodo, nas áreas afetas a
afirmação da autonomia reprodutiva e do papel de destaque que o consentimento
assume na sua caracterização.
Apesar de ser o direito à reprodução humana reconhecidamente como
fundamental, dado ao fato de ser essencialmente inerente à pessoa humana, vê-se
que o embrião, que é fruto e parte integrante de todo esse processo, possui
significação jurídica com características próprias, ainda não pacificada na doutrina.
O aumento do número de clínicas que se dedicam à prestação de serviços de
reprodução assistida decorre da popularização das técnicas e da perspectiva de
lucros. Neste sentido, importa citar ensinamentos de SOUZA-LIMA e
PONCHIROLLI:
A investigação ética, além de visar ao estabelecimento de conceitos sobre o comportamento moral dos seres humanos, pode ser entendida a partir do seguinte princípio: toda decisão que implicar danos ou prejuízos diversos aos outros não pode ser considerada ética. Nos termos expressos, a ética não pode apresentar-se como ameaça ou como aquilo que as pessoas, empresas ou governos jamais fariam se não fossem obrigadas. Se aceitarmos estas percepções negativas da ética como verdadeiras, estaremos negando sua dimensão civilizatória. Estaremos negando que o sucesso tanto das nações quanto das organizações diversas tem como pano de fundo a ética; a ação responsável em termos não apenas econômicos, mas principalmente socioambientais, é o sustentáculo de uma grande organização.
82
Vislumbra-se que o aumento da oferta desses serviços encontra respaldo na
elevada demanda que a busca pela realização do desejo de ter filhos adquire na
sociedade. A despeito do diferenciado tratamento dispensado a esse ramo, é
marcante, desde seu surgimento, a crescente mercantilização que as práticas
81
MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Biodireito em Discussão. (Coord.). Curitiba: Juruá, 2007. p.33. 82
SOUZA-LIMA, Jose Edmilson. PONCHIROLLI, Osmar. Ética empresarial. Coleção Gestão Empresarial. 2006. p. 62. Disponivel em: http://www.asmayr.pro.br/attachments/article/11/Etica_ empresarial_col_gestao.pdf. Acesso em 31/04/2014.
66
propiciadas por essas tecnologias revelam.
No Brasil, embora atualmente a reprodução assistida seja oferecida tanto por
clínicas públicas quanto particulares, essa tecnologia chegou ao país e permanece
sendo oferecida quase que exclusivamente pelo setor privado, diante do seu alto
custo hospitalar, o que favorece a influência cada vez maior do mercado na relação
entre genitores e clínicas de reprodução assistida.
67
4. O DESCARTE DE EMBRIÕES HUMANOS
Dos embriões obtidos nas técnicas de fertilização artificial, alguns não são
inseminados devido ao seu desenvolvimento anormal, por apresentarem anomalias
genéticas ou morfológicas, embriões estes denominados inviáveis. Dos demais
embriões fertilizados, aqueles que ultrapassam o número recomendado para a
inseminação, ainda que viáveis, deixam de ser implantados, sendo congelados para
possíveis inseminações futuras.
Este congelamento de embriões saudáveis, denominados viáveis, excedentes
das técnicas de reprodução assistida, passou a ser normatizado no início dos anos
90, quando a Resolução nº 1.358/1992 do Conselho Federal de Medicina proibiu o
seu descarte. Mais recentemente citado Conselho, revendo o dispositivo, publicou
em 09/05/13 a Resolução nº 2.013/2013, autorizando o descarte embrionário.
Com base nesta previsão do Conselho Federal de Medicinal, as clínicas de
reprodução assistida podem se desfazer de embriões congelados há mais de cinco
anos, desde que haja o consentimento dos genitores (doadores dos gametas).
De outra senda, a Lei de Biossegurança autoriza a destinação de tais
embriões unicamente às pesquisas, desde que eles sejam inviáveis ou estejam
congelados há três anos ou mais, na data da publicação da Lei (28/03/2005). No
mais, é omissa em relação ao descarte de embriões excedentes das técnicas de
reprodução assistida.
À vista deste panorama normativo, em que a Resolução do Conselho autoriza
o descarte de embriões, aspecto quanto ao qual a Lei de Biossegurança é omissa,
verifica-se que o embrião, segundo o ordenamento jurídico brasileiro, possui uma
expectativa de direitos, podendo ser titular de direitos personalíssimos. E embora
ainda possuidor de uma expectativa de direitos, conforme já pontuado em capítulo
anterior, o embrião merece ter sua dignidade respeitada.
Considerando o respeito aos direitos do embrião e, uma vez que a Lei de
Biossegurança prevê um rol de tipos penais relacionados ao tema, faz-se necessário
analisar a tutela penal do descarte embrionário, tecendo uma leitura dos tipos penais
68
previstos nos artigos 24 a 29 da referida Lei, em especial o artigo 27, o qual
estabeleceu o crime de liberação ou descarte de OGMs no meio ambiente.
Da análise dos artigos poderá se constatar que o Direito Penal, inserido no
sistema de controle social como principal instrumento do
sobrevivência da sociedade humana no planeta.
ROXIN83
como o bem maior, a vida.
4.1 SOCIEDADE DE RISCOS E AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO PENAL
a em comum. No entanto,
atualmente, o direito penal tem procurado minimizar a insegurança oriunda de uma
sociedade de riscos. Explica-se.
-
-
-
-individuais e no controle
dos novos fenômenos do risco. Neste contexto, o direito penal tranforma-se, a fim de
83
ROXIN, Claus. Tratado de Derecho Penal – Parte General. Tomo I. Civitas, 1997. p.51.
69
acompanhar o desenvolvimento da sociedade e cumprir seu papel de oferecer a ela
segurança e estabilidade.
A partir destes dois contextos, pode-se alocar no segundo as inovações da
biotecnologia, tais como as técnicas de reprodução humana, os riscos já conhecidos
e ainda os desconhecidos, decorrentes das técnicas de reprodução, e a tutela penal
necessária diante das referidas inovações. O descarte de embriões humanos é
exemplo de uma prática resultante das inovações biotecnológicas, que ainda não foi
tutelado pelo Direito e expõe à sociedade à dilemas éticos e sociais, pois a
sociedade não conhece os resultados futuros das experimentações da biotecnologia.
Nas palavras de JONAS:
Ante um potencial quase escatológico de nossa tecnologia, a ignorância sobre as últimas consequências será em si mesma razão suficiente para uma moderação responsável (...) Há outro aspecto digno de menção, os não-nascidos carecem de poder (...) Que força deve representar o futuro no presente?
84
Daí a necessidade do casal doador dos gametas analisar previamente cada
aspecto que envolve a fertilização artificial, a fim de que atuem conscientemente em
suas responsabilidades e riscos.
O desenvolvimento social, urbano e tecnológico somado ao crescimento
populacional, faz surgir demandas sociais por mais segurança, frequentemente
pleiteadas como mais punição penal. BECK85 aponta uma sistemática da troca de
liberdade por segurança, desde que o risco assumiu papel central para as tomadas
de decisões políticas.
Neste momento vem à tona um problema de adequação: as estruturas e
institutos do Direito Penal tradicional servem à tarefa de acabar com a insegurança?
Conquanto Marta Rodrigues de Assis Machado86 constata que o direito penal está
em adaptação, visando ao atendimento das novas expectativas preventivas, mas
revela-se pessimista. Esclarece que a transformação resultou no Direito Penal do
Risco, fundado na sociedade de risco, com características bastante peculiares
84
JONAS. 2006, p.56. 85
BECK, Ulrich. Sociedade de risco. São Paulo: Editora 34, 2010. p.32. 86
MACHADO, Marta Rodrigues de Assis. Sociedade do Risco e Direito Penal. Uma avaliação de novas tendências político-criminais. São Paulo: IBCCRIM, 2005. p.155.
70
quando em confronto com o modelo de Direito Penal tradicional.
Na chamada sociedade de risco a produção social de riqueza é acompanhada
por uma correspondente produção de riscos. Ao mesmo tempo em que se assiste a
um extraordinário desenvolvimento tecnológico e social, observa-se o aumento dos
riscos de procedência humana a que a sociedade é exposta.
Verifica-se que apesar das técnicas de reprodução humana constituirem um
grande avanço da ciência, viabilizando àqueles que não conseguem procriar-se pela
via natural a possibilidade da paternidade, muitas questões éticas e efetivos riscos à
que a sociedade é exposta resultam deste progresso tecnológico. A pensar na
possibilidade da manipulação embrionária e seleção eugênica de embriões87, fatos
que violam princípios constitucionais já mencionados em capítulos anteriores.
De modo geral, estas ameaças da sociedade de riscos provém de decisões
tomadas por outros cidadãos no manejo dos avanços tecnológicos, destacando,
assim, riscos ao meio ambiente e ao ser humano, que derivam das modernas
aplicações resultantes dos avanços, energia nuclear, informática, biologia, e na
genética, objeto do estudo. Segundo GUARAGNI, interessa-nos o estabelecimento
de pontes entre o direito penal e outras disciplinas, iniciando-se com a sociologia:
[...] O primeiro contributo provém da sociologia do risco, que põe em evidência o descontrole dos riscos procedentes de tecnologias humanas como marca carcterística dos nossos tempos [...].
88
Portanto, a sociedade tem experimentado mudanças que repercutem
diretamente no direito penal, tais como a criação de novos bens jurídicos
supraindividuais e a disseminação dos delitos de perigo. O surgimento destes novos
bens jurídicos demandam nova tutela penal, em razão das mudanças
87
A seleção eugênica de embriões consiste na seleção dos embriões antes de ser implantado, visando escolher aqueles viáveis, os quais não apresentam anomalias genéticas ou morfológicas. Cabe esclarecer que do conceito de Eugenia derivam conceitos de eugenia positiva e eugenia negativa. A eugenia positiva
tica específica escolhida pelos doadores dos gametas. A eugenia negativa
88
GUARAGNI, Fábio André. A função do direito penal e os "sistemas peritos". In: CAMARA, Luiz Antonio e GUARAGNI, Fábio André (Coord) Crimes contra a Ordem Econômica. Temas Atuais de Processo e Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2011. p.73.
71
proporcionadas pelo grande desenvolvimento técnico e científico.
É esse o caso, por exemplo, da genética, do meio ambiente, da ordem
econômica, e também das relações jurídicas travadas pela internet, que são
chamados de bens jurídicos supraindividuais, uma vez que sua titularidade é
exercida por uma coletividade indefinida de indivíduos.
Esses bens jurídicos novos, em razão de sua própria natureza, são
indeterminados, dificultando o seu enquadramento no sistema penal. Porém, o
direito penal, a fim de abarcar essas condutas que antes não eram previstas como
penalmente relevantes, passa a de
Sobre o assunto, vale
citar SALLES:
Neste sentido, o conflito em torno das definições de risco abre ainda um complexo espaço de responsabilidade global em sentido moral e político, onde as ações não são boas ou más, mas somente mais ou menos arriscadas. Os riscos globais fazem surgir novas "comunidades de risco", que não se vinculam espacialmente, dando-lhes o sentido de um "cosmopolitismo forçado", aglutinando forçosamente a diversidade e a pluralidade em um mundo por criar, para Beck, cheio de lacunas, ao menos do ponto de vista comunicativo e econômico.
89
Dentre as novas vertentes da transformação do direito penal, assiste-se a sua
atuação nos ramos ligados à biotecnologia. Conforme ressalta Maria Auxiliadora
Minahim90 a preocupação com a regulação dos conflitos decorrentes do uso da
biotecnologia tem conduzido a questionamentos que levam ao seu chamamento
como recurso capaz de dar efetividade às diretrizes traçadas pela Bioética.
Um dos pontos marcantes da nova legislação penal, gestada pelas
transformações impostas pela sociedade de risco, é a proliferação de normas penais
em branco. A norma penal em branco é aquela cujo preceito primário é completado
por outra norma, “no todo ou em parte.”91
89
SALLES, Daniel José Pereira de Camargo. Direito diante das incertezas e dos riscos gerados pelo desenvolvimento tecnológico. Dissertação. (Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania) Unicuritiba, Curitiba, 2011. p.84. 90
MINAHIM, Maria Auxiliadora. Direito Penal e Biotecnologia. São Paulo: RT, 2005. p.42. 91
Conquanto não seja tema deste trabalho, cumpre salientar que a remissão integral à norma diversa, sobretudo com hierarquia inferior à lei, conduz à inconstitucionalidade da norma penal em branco, à vista do art. 5º, XXXIX, CR. Em sentido reverso, admitindo remissão integral, define WELZEL as leis penais em branco como “aquelas que contêm só a ameaça da pena e no que respeita ao tipo remetem a outras normas”. (WELZEL, Hans. El nuevo sistema del derecho penal.
72
Nas leis penais em branco em sentido amplo, o tipo encontra complemento
noutro setor da legislação, podendo ser em outro artigo da mesma lei ou em outra
lei. Já na norma penal em branco em sentido estrito, a complementação está
incluída em uma norma que não emana do poder legislativo e, enquanto fonte
normativa formal, é hierarquicamente inferior à lei.
Nessa última hipótese encontram-se alguns tipos penais relativos à
biotecnologia previstos especialmente na Lei nº 11.105/05. Com efeito, os crimes
previstos nos artigos 27 e 29 da Lei de Biossegurança, por exemplo, são expressos
a referir que o crime neles previstos somente se configura nos casos em que a
conduta do autor está em “desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e
pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização” (artigo 27 da referida Lei).
Nos ensinamentos de BECK 92 existe uma “modernidade reflexiva”,
apontando a necessidade de se adotar, em resposta, uma atitude reflexiva,
discutindo-se a ncias e as antinomias da primeira modernidade, que
marca a “sociedade do risco”, sociedade atual que reflete as incertezas dos rumos
da tecnologia e os descontroles ambientais.
4.2 A TUTELA PENAL DO DESCARTE EMBRIONÁRIO
4.2.1 Aspectos gerais da Lei de Biossegurança
A Lei de Biossegurança tem como objeto estabelecer o regime jurídico
aplicável às normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a
construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a
importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o
consumo, a liberação em meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente
modificados e seus derivados, depreendendo-se, desde já, maior abrangência e
(Trad. José Cerezo Mir). Buenos Aires: B de F, 2004, p. 181). Quanto à definição da norma em branco concentrar-se na fonte formal de complementação – ao invés de material – CURY, ao conceituar norma penal em branco como “toda aquela que remete o complemento do seu preceito à disposição distinta, quaisquer que sejam a origem e localização desta última”. (CURY, Enrique. La Ley Penal en Blanco. Bogotá: Editorial Temis, 1988, pp. 39-40). 92
BECK. 2010. p.10-13.
73
avanço quando se compara à lei anterior, procurando encerrar todos os aspectos
jurídicos que envolvem as relações por ela reguladas (artigo 1º da Lei nº 11.105/05).
A intenção do legislador ao elaborar a mencionada Lei de Biossegurança foi o
de proporcionar mais um meio de proteção ora do patrimônio genético humano ou
genoma humano (artigos 24 a 26), ora do patrimônio genético ambiental (artigos 27
a 29), sob a rubrica genérica da biossegurança. Sua finalidade evidente foi evitar
eventuais perigos ou reduzir os danos para a saúde humana e ao meio ambiente
derivados de tais atividades, com a observância do princípio da precaução.
Citado princípio da precaução relaciona-se à ausência de conhecimentos
sobre a periculosidade de determinadas atividades futuras. Deriva da inexistência de
certeza científica ou estatística sobre os resultados concretos decorrentes destas
atividades, seja de caráter lesivo ou perigoso. Complementa MACHADO93 que o
termo biossegurança designa a segurança dos novos procedimentos e técnicas em
relação à vida existente no planeta.
Com o intuito de regulamentar as normas de segurança acerca de OGMs
(Organismos Geneticamente modificados) e derivados, a Lei de Biossegurança
dispôs sobre a Política Nacional de Biossegurança e destinou seis artigos (artigo 24
a 29 do Capítulo VIII denominado Dos Crimes e das Penas) para tipificar crimes
relacionados ao tema.
Fixado o objeto da citada lei, interessa-nos identificar a seguir os tipos penais
dos artigos 24 a 26 relacionados e a tutela conferida ao embrião, sua manipulação,
destinação e descarte.
4.2.1.1 Utilização de embriões humanos em desacordo com a Lei
O artigo 24 da Lei de Biossegurança94 prevê como crime “Utilizar embrião
humano em desacordo com o que dispõe o artigo 5º desta Lei”. A pena estipulada é
de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. O artigo 5º, por sua vez, dispõe que:
93
MACHADO. 2005. p.13-14. 94
BIOSSEGURANÇA, Lei de. Lei n. 11.105 de 24 de março de 2005. Disponivel em <www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm>. Acesso em 07/02/2014.
74
Art. 5º. É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1
o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou
terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa. § 3
o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este
artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4
de fevereiro de 1997.
-
-tronco. Trata-se de norma penal
em branco lato sensu, de complementação homogênea univitelina (complementação
de lei mediante lei, com norma complementadora e complementada no mesmo
diploma legal). Realiza remissão estática, uma vez que refere direta e
expressamente a norma complementadora.
humano para
-
-
No entanto PRADO95 diverge quanto ao bem jurídico tutelado. Afirma tratar-se
da vida humana em formação, o denominado embrião humano. Ele alerta que a Lei
de Biossegurança não utiliza o termo pré-embrião, em virtude da adoção, pelo
ordenamento nacional, da teoria concepcionista do marco inicial da vida humana (há
colisão entre esta posição e a orientação do Código Civil, quanto à aquisição da
personalidade jurídica).
95
PRADO, Luiz Régis. Direito penal do ambiente. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.351-352.
75
Muito embora PRADO mantenha este entendimento, considera ele que “[...] a
dignidade da pessoa humana deve ser resguardada desde a concepção.”
Ainda sobre o bem tutelado, SOUZA96 prevê que os bens jurídicos tutelados
pelo tipo inserido no artigo 24 da Lei de Biossegurança seriam tanto a vida humana
embrionária, quanto a dignidade reprodutiva humana, posto que o próprio estatuto
da reprodução da espécie poderia vir a sofrer degradação pelo desrespeito em
relação à destinação de seu produto, representado pelo embrião.
E, de forma mais genérica, HAMMERSCHMIDT97 defende que o bem jurídico-
penal supraindividual vem a ser a própria biossegurança, elevada ao posto de bem
categorial deste gênero de delitos, muito embora outros bens jurídicos específicos
sejam tutelados de forma subsidiária em cada figura típica contida na Lei nº
11.105/2005.
A Lei ainda determina que seja respeitado o prazo de 3 anos de
congelamento, para que se proceda a ut
-
De outro lado, possibilidades de realização típica como a comercialização não
exigem a condição profissional de pesquisador.
exigências legais.
4.2.1.2 Da constitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança
96
SOUZA, Paulo Vinícius Sporleder de. A criminalidade genética. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p.21-22. 97
HAMMERSCHMIDT, Denise. Proteção jurídico-penal da biossegurança: algumas reflexões. In: PRADO, Luiz Régis (Coord.). Direito penal contemporâneo: estudos em homenagem ao Professor José Cerezo Mir. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p.347.
76
O artigo 5º. da Lei de Biossegurança já foi objeto da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) nº 3510/2008, cuja tese central era de que a vida inicia-
se na fecundação e que a autorização da pesquisa com célula -
vida, bem como do que se entende por vida.
Na inicial da ADI, proposta pelo Procurador-Geral da República Carlos
Fonteles, sustentou-se que o zigoto, constituído por uma única célula, é um ser
humano embrionário. Ainda, que é no momento da fecundação que a mulher
engravida, acolhendo o zigoto e proporcionado ambiente próprio para seu
desenvolvimento. Por fim, sustentou-se que a pesquisa com células-tronco adultas é
mais promissora do que a pesquisa com células-tronco embrionárias.
Resumidamente, o argumento que fundamentou a inicial da ADI era de que o
embrião é um ser humano cuja vida e dignidade seriam violadas pela realização das
pesquisas que as disposições legais impugnadas naquela ação autorizavam.
A tese inicial da ADI foi sustentada com base na visão de alguns geneticistas
que afirmam que a vida começa na concepção, entre eles Dernival da Silva
BRANDÃO (apud MARTINOTTO):
O embrião é um ser humano na fase inicial de sua vida. É um ser humano em virtude de sua constituição genética específica própria e de ser gerado por um casal humano através de gametas humanos – espermatozóide e óvulo. Compreende a fase de desenvolvimento que vai desde a concepção, com a formação do zigoto na união dos gametas, até completar a oitava semana de vida.
98
Em manifestação sobre o assunto, o Presidente da República confirmou a
constitucionalidade do dispositivo objeto da ADI. Contrariamente, atuando como
fiscal da Lei, o Chefe do Ministério Público Federal concluiu pela
inconstitucionalidade do dispositivo.
Diante da diversidade dos posicionamentos adotados, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal optaram por realizar uma audiência pública para discutir a
98
MARTINOTTO, Fernanda. O STF e a constitucionalidade do artigo 5o da lei de Biossegurança. Disponível em: <www.egov.ufsc.br/portal/print/conteudo/o-stf-e-constitucionalidade-do-artigo-5o-da-lei-de-biossegurança>. Acesso em 05/02/2014. p.01-02.
77
matéria entre especialistas. Mayana ZATZ, professora de genética da Universidade
de São Paulo, defendeu seu posicionamento:
Pesquisar células embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto. É muito importante que isso fique bem claro. No aborto temos uma vida no útero que só será interrompida por intervenção humana, enquanto que, no embrião congelado, não há vida se não houver intervenção humana. É preciso haver intervenção humana para a formação do embrião, porque aquele casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também para inserir no útero. E esses embriões nunca serão inseridos no útero. É muito importante que se entenda a diferença.
99
De outra senda, Lenise GARCIA, professora do Departamento de Biologia da
Universidade de Brasília, defendeu que:
Nosso grupo traz o embasamento científico para afirmarmos que a vida humana começa na fecundação, tal como está colocado na solicitação da Procuradoria. [...] Já estão definidas, aí, as características genéticas desse indivíduo; já está definido se é homem ou mulher nesse primeiro momento [...]. Tudo já está definido, neste primeiro momento da fecundação. Já estão definidas eventuais doenças genéticas [...]. Também já estarão aí as tendências herdadas: o dom para a música, pintura, poesia. Tudo já está ali na primeira célula formada. O zigoto de Mozart já tinha dom para a música e Drummond, para a poesia. Tudo já está lá. É um ser humano irrepetível.
100
Como resultado da ADI nº 3510, decidiu o STJ, em 29 de maio de 2008, após
três anos em trâmite, pela sua improcedência e pela consequente declaração da
constitucionalidade do artigo 5º. da Lei n. 11.105/2005.
–
ncia) a cinco (Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Carlos
-
-
- -
Vale transcrever trecho da decisão do Ministro Carlos Brito, nas
99
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=611723&tipo=AC&descricao=Inteiro%20Teor%20 ADI%20/%203510>. Acesso em 02/02/2014. p.150-151. 100
Idem. p.151.
78
considerações iniciais do seu voto, consignando uma reflexão sobre o significado da
vida em nosso ordenamento:
Falo pessoas físicas ou naturais, devo explicar, para abranger tão-somente aquelas que sobrevivem ao parto feminino e por isso mesmo contempladas com o atributo a que o art. 2º. do Código Civil Brasileiro chama personalidade civil, literis: 'A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro'. Donde a interpretação de que é preciso vida pós-parto para o ganho da personalidade perante do Direito (teoria natalista, portanto, em oposição às teorias da personalidade condicional e da concepcionista). Mas personalidade como predicado ou apanágio de quem é pessoa numa dimensão biográfica, mais que simplesmente biológica.
101
Para o Ministro Relator da ADI 3510 somente se fala em indivíduo quando
este for perceptível a olho nu, quando tiver sua própria história de vida, sendo
definido como membro dessa ou daquela sociedade civil. Logo, sujeito capaz de
adquirir direitos em seu próprio nome. Entretanto, o Ministro Relator confirma que a
vida humana tem início na fecundação, vejamos:
-prima da vida hum
isso mesmo: o germe de toda102
Em análise posterior, o Ministro Relator passa a interpretar a Constituição
Federal e conclui que esta não esclarece quando se inicia a vida humana. Ao final,
conclui que a Constituição não protege a vida em todo e qualquer estágio, mas
somente a vida dotada de compostura física ou natural.
Portanto, na decisão do Relator a inviolabilidade de que trata o artigo objeto
da ação é exclusivamente para pessoas já nascidas, de um indivíduo já
personalizado. O Ministro Eros Grau manifesta posição sua quanto ao status do
embrião criopreservado:
101
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510. Acesso em 02/02/2014. p.142-209. 102
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510. Acesso em 02/02/2014. p.449-460.
79
-a
humana.103
Citado posicionamento representa flagrante atentado à vida, pois conforme
verificado no presente estudo, diante da própria lei da natureza humana, a qual
protege a vida em qualquer das suas manifestações, desde a sua concepção, se os
juristas e cientistas "admitem a supressão da vida, contradizem o próprio conceito de
bioética, pois onde está a vida aí está a reflexão ética sobre seu valor e sua
inviolabilidade."104
Em síntese, pode-se dizer que não houve consenso entre os Ministros sobre
o início da vida humana. Para aqueles que votaram pela improcedência da ADI
3510, um embrião produzido em laboratório, sem condições para implantação no
útero de uma mulher, denominado inviável, não é pessoa humana e, portanto, não é
amparado pelo princípio constitucional da inviolabilidade da vida.
O Ministro Ricardo Lewandowski orientou que:
seu potencial de desenvolvimento comprometido.”105
E não somente o direito à vida, mas também o princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana foi amplamente utilizado para justificar o voto dos
ministros na ADI 3510. Interessa transcrever trecho do voto do Ministro Eros Grau:
Dir-se-á ainda, por outro lado, que o topos da dignidade da pessoa humana pode ser tomado para afirmarmos coisas distintas, inclusive antagônicas. Mas uma delas seria assim: a utilização de óvulo fecundado congelado há mais de três anos, com a prévia autorização dos que viriam a serem pais do embrião que poderia dele decorrer, é adequada à afirmação da dignidade da pessoa humana na medida em que potencialmente permitirá a evolução dos métodos de tratamento médico do ser humano e o aprimoramento da sua qualidade de vida.
106
103
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510. Acesso em 02/02/2014. p.449-460. 104
SOUZA. 2008, p.26. 105
Op cit. p.449-460. 106
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510. Acesso em 02/02/2014. p.449-460.
80
No mesmo sentido, o Ministro Carlos Brito abordou a dignidade da pessoa
humana, distinguindo as normas infraconstitucionais e as diferentes etapas do
desenvolvimento da pessoa. Afirma que a potencialidade de algo se tornar pessoa
humana já é “meritória o bastante para acobertá-lo, infraconstitucionalmente contra
tentativas esdrúxulas, levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade
fisiológica”.
Em manifestação de um posicionamento diverso, o Ministro Cezar Peluso
trata de graduar a dignidade humana:
matriz da vida humana
. E o fundamento intui
- --
107
Ao tratar de princípio da dignidade humana, o Ministro Relator da ADI conclui:
As três realidade não se confundem: o embrião é o embrião, o feto e o feto e a pessoa humana é pessoa humana. Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos. É o produto final dessa metamorfose. O sufixo grego “meta” a significar, aqui, a mudança tal de estado que implica um ir além de si mesmo para se tornar um outro ser. Tal como se dá entre a planta e a semente, a chuva e a nuvem, a borboleta e a crisálida, a crisálida e a lagarta (e ninguém afirma que a semente já seja uma planta, a nuvem, a chuva, a lagarta, a crisálida, a crisálida, a borboleta). O elemento anterior como que tendo de se imolar para o nascimento do posterior. Donde não existe pessoa humana embrionária, mas embrião de pessoa humana.[...] Assim, a dignidade humana é adquirida em etapas e no caso das células-tronco embrionárias, divide-se em dois planos de realidade: o da vida humana extra-uterina e o da vida humana intra-uterina, ou seja, cada coisa tem o seu momento, não por efeito de uma unânime convicção metafísica, mas porque assim é que preceitua o ordenamento jurídico.
108
107
Idem. p.449-460. 108
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510. Acesso em 02/02/2014. p. 142-209.
81
Portanto, ainda que constitua matéria polêmica, seja em consideração à
concepção religiosa, ética ou sociológica, resta pacificada no Supremo a
constitucionalidade do referido artigo 5º da Lei de Biossegurança, nos termos
gizados.
4.2.2 Praticar engenharia genética com célula germinal, zigoto ou embrião humano
O artigo 25 da Lei de Biossegurança dispõe que é crime “Praticar engenharia
genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano”,
estabelecendo pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
-se preservar a dignidade da
pessoa humana, materializada no desenvolvimento natural do ser.
participar do ambiente da pesquisa científica, o fato é que não há referência a
caracteres especiais do agente no texto legal. Nada impediria o desenvolvimento de
reportada manipulação por pessoa leiga, em ambiente desajustado.
-
tipo, não existindo previsão culposa, nem de qualificadoras ou causas de aumento
de pena, conforme ensina PRADO109.
Dada a especificação do tipo penal, insta esclarecer que em virtude do
exposto no artigo 3º, inciso IV, a Lei de Biossegurança supostamente acolheu uma
109
PRADO. 2009. p.355.
82
acepção estrita de engenharia genética, equiparando-a à manipulação genética
molecular, o que tende a limitar o campo de aplicação do delito analisado, restando
excluídas do âmbito de tutela desta norma as técnicas de reprodução humana
assistida, mas também outras que não implicam a manipulação direta das moléculas
de ácido desoxirribonucleico (ADN), de ácido ribonucleico (ARN), material genético
que contém as informações.
Embora empregadas como sinônimos, engenharia genética (ou manipulação
genética própria) não se confunde com a manipulação genética em sentido amplo
(ou imprópria), de modo que a engenharia genética humana pressupõe sempre uma
modificação, total ou parcial, do genoma de uma célula ou organismo mediante a
adição, substituição ou supressão de um ou mais genes SOUZA.110
Assim sendo, crimes de engenharia ou manipulação genética humana seriam
“[...] aquelas atividades que, de modo programado, permitem modificar total ou
parcialmente o genoma humano, com fins não terapêuticos reprováveis, mediante a
manipulação de genes.”111
Devido ao exposto, é de se observar que ficou fora do campo de proteção do
artigo 25 condutas graves como, a título de exemplo, a criação de embriões
humanos com características pré-selecionadas, super-embriões, ou a mistura de
informação genética humana com o genótipo de outros animais.
Nos ensinamentos de MACHADO112 a proibição da manipulação genética de
células germinativas humanas e de zigoto e embrião humanos revelou-se acertada,
ante o princípio da precaução, “[...] haja vista que os riscos que tais procedimentos
podem trazer para a espécie humana como um todo ainda são imprevisíveis.”
Todavia, emerge flagrante crítica ao uso de reportado princípio – transportado
sobretudo do direito administrativo ambiental – pelo direito penal.
É que seu pressuposto é a falta de certeza sobre a lesividade do
comportamento, ao passo que o direito penal orienta-se justamente pela exigência
avessa: a certeza de que o comportamento contém carga lesiva capaz de gerar
dano ou, no mínimo, perigo de dano, ainda que abstrato (apoiado em regras de
110
SOUZA. 2001. p.23-24. 111
Idem. p.24. 112
MACHADO, Juliana Araújo Lemos da Silva. Direito, ética e biossegurança: a obrigação do Estado na proteção do genoma humano. São Paulo: Ed. Unesp, 2008. p.208.
83
experiência, patamares científicos de certeza e relevância estatística entre o
comportamente coibido e o resultado que se pretende evitar).
Como já se mencionou, entende-se que o bem protegido pelos delitos
relacionados ao patrimônio genético humano é a identidade genética humana, que
constitui uma nova dimensão do valor dignidade humana, revelada pelo advento da
sociedade de risco.
Colocada assim a questão, qualquer conduta manipulatória potencialmente
ofensiva a esse bem jurídico-penal é típica, desde que produtora de crime de perigo
abstrato.
4.2.3 Realizar clonagem humana
O artigo 26 da Lei de Biossegurança estabelece que é crime “Realizar
clonagem humana”, prevendo ainda a pena de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos
e multa. Segundo PRADO, clonagem consiste em um:
[...] processo de reprodução assexuada, produzida artificialmente, baseada em um único patrimônio genético, com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética”, ou seja, trata-se de duplicar o material genético de uma célula ou organismo, sem, todavia, alterá-lo.
113
PRADO assenta que duas são as categorias de bens tutelados pela norma: de modo
direto, a identidade e a irrepetibilidade do ser humano individualmente tomado e
indiretamente, a inalterabilidade do patrimônio genético da humanidade.
Por se tratar de crime comum, não prevendo a lei diversamente, pode ser em
tese praticado por qualquer pessoa. Mas há entendimento diverso, do qual se
disc
113
PRADO. 2009. p.356.
84
Quanto ao sujeito passivo, o autor aponta para a existência de dois deles, a
saber, o clone nascido por meio da eventual clonagem e a coletividade ou a espécie
humana globalmente considerada.
resultado, o produto ultimado: a clonagem ou atos dessa qualidade.
Discute-se se no injusto penal con -
-se como um dos principais
instrumentos de cura, na busca de uma sadia qualidade de vida, uma das premissas
que sustentam o arcabouço normativo de tutela do meio ambiente e da
biodiversidade. Porém, o tipo não faz restrição, em seu texto, ao primeiro modelo de
clonagem.
4.2.4 Liberar ou descartar OGM no meio ambiente
O artigo 27 da Lei n. 11.105/05 estabelece o crime a liberação ou descarte de
OGMs no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio
e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização.
A pena fixada é de reclusão, de um a quatro anos, e multa, a qual pode ser
agravada de um sexto a um terço, se resultar dano à propriedade alheia; de um
terço até a metade, se resultar dano ao meio ambiente; da metade até dois terços,
se resultar lesão corporal de natureza grave em outrem e de dois terços até o dobro,
se resultar a morte de outrem.
85
Segundo este artigo 27, liberar ou descartar organismos geneticamente
modificados no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelec
-
-
Quanto ao tipo penal, o caput
Entende-se que o crime do artigo 27 é comum, pois sua prática pode ocorrer
por qualquer pessoa. O tipo penal objetivo do caput reside no ato de liberar ou
descartar OGMs no meio am
ambiente qualquer organismo geneticamente modificado.
-
-se a crime de
result
geneticamente modificados no meio ambiente.
4.2.5 Das penas na lei de biossegurança
Concluída a análise pormenorizada dos crimes previstos na Lei de
Biossegurança respectivos ao descarte de OGM e derivados -
multas.
86
É possível, sem embargo, a aplicação das penas restritivas de direito, haja
vista o caráter subsidiário do Código Penal, conforme o previsto no artigo 12114
artigo 44 115 stituir a pena por
restritiva de direitos.
cumprimento de pena para os sujeitos que se enquadrarem na conduta prescrita no
artigo 24. Para os demais tipos penais, estabeleceu a lei o regime
ponderar, entretanto, posicionamento de Régis Prado quanto ao tema116:
-– – -
-
Neste sentido, verifica-se que o sujeito que praticar crimes previstos na Lei de
Biossegurança poderá ser condenado ao cumprimento de penas privativas de
liberdade, pena restritiva de direitos ou multa, dependendo das condições,
agravantes e minorantes que envolverem o caso.
4.3 DA CRIMINALIZAÇÃO DO DESCARTE DO EMBRIÃO HUMANO
EXTRANUMERÁRIO
Nosso ordenamento jurídico permite que o processo reprodutivo seja
realizado artificialmente, por meio da inseminação artificial homóloga ou heteróloga,
114
CÓDIGO PENAL. Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em 08/04/14. 115
CÓDIGO PENAL. - As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II - o réu não for reincidente em crime doloso; III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. [...]. 116
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal BrasileiroTribunais, 2005. v.1. p.576.
87
uma vez que o projeto de parentalidade é uma garantia constitucional. Contudo, as
técnicas utilizadas para tanto geram problemas de ordem ética, moral, religiosa,
psicológica e jurídica quanto aos embriões extranumerários, conforme tratado em
capítulos anteriores.
Conforme já citado, o Código Civil Brasileiro não disciplinou a destinação dos
embriões extranumerários. O embrião criopreservado não é protegido segundo o
modelo clássico previsto no Código Civil, porquanto não é nascituro, já que não se
encontra no ventre materno. E não é prole eventual, porque já foi concebido, e não é
pessoa, porque ainda não nasceu. Ressalte-se que ser pessoa, juridicamente, não é
apenas existir biologicamente, mas relacionar-se com o mundo.
Portanto, o embrião representa uma expectativa de vida, pois pode ficar anos
criopreservado em laboratório, sem jamais nascer. Do ponto de vista ético, os
embriões extranumerários terão destinação mais nobre se forem utilizados para
pesquisas do que se forem mantidos congelados ou descartados em razão de nossa
legislação permitir que haja sobras. Ao tratar do assunto, LEITE observa que:
Para se extrair a licitude da destruição ou descarte do pré-embrião, considera-se o já exaustivamente abordado princípio da legalidade. Não havendo proibição expressa, o expediente é lícito. De outra parte, deve-se considerar o princípio da anterioridade, não havendo como se falar em crime, pois não há crime sem lei anterior que o defina, o que determina a impossibilidade de punição, pois também não há pena sem prévia cominação legal. Não há como alegar aborto ou qualquer figura penal. Ressalta-se a opinião de notáveis criminalistas, aborto é interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção. O Direito Penal protege com a tipificação do aborto a vida intra-uterina, havendo, para a configuração do crime, necessidade do estado de gravidez.
117
A Lei de Biossegurança, embora discipline OGMs, tratou de forma bem
sucinta o descarte de embriões, tema muito polêmico. Não obstante, protege a
dignidade do embrião, uma vez que proíbe a sua criação para fins de pesquisa,
determinando que apenas sejam utilizados os inviáveis e aqueles que estiverem
congelados há mais de três anos até a data da vigência da Lei, e desde que haja
anuência dos progenitores e aprovação do Conselho de Ética.
Do ponto de vista ético, observa-se que o próprio Código Penal excluiu a
117
LEITE. 1995. p.13.
88
punibilidade do aborto no caso de gravidez decorrente de estupro, estabelecendo
uma valoração moral e jurídica diferenciada entre a vida do feto oriundo dessa
situação e a dos demais. Logo, atribuir ao embrião natureza de pessoa ou
personalidade seria exagerado. Porém, razoável seria, à luz do princípio da
dignidade humana, conferir ao embrião uma tutela específica, impedindo sua criação
exclusivamente para pesquisa, legislação esta que ainda está para ser criada.
89
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CLÍNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA
5.1 O CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL E SEUS PRESSUPOSTOS
Antes de adentrar ao tema da responsabilidade das clínicas de reprodução
humana pelo descarte de embriões extranumerários, faz-se relevante apresentar o
entendimento atual da doutrina acerca da responsabilidade civil e consequente
reparação do dano, a fim de que se possa apurar ao final deste capítulo a
possibilidade de penalização das clínicas pelo descarte do material genético.
Clayton Reis conceitua a responsabilidade civil como um instrumento que visa
assegurar àquele que teve seu bem lesado, o direito ao ressarcimento pelas perdas
geradas pela lesão, pelos indivíduos que assim atuaram em desconformidade com a
ordem legal, violando direito e produzindo prejuízos. Segundo REIS, "[...] o dever de
indenizar decorre da produção de dano ao patrimônio material e imaterial de
terceiros, em virtude da falta de conduta jurídica do agente ofensor."118
A idéia de responsabilidade civil está relacionada à noção de não se
prejudicar o outro, pois se isso ocorrer, o instituto tutelará a busca da reparação do
dano causado à vítima, a fim de que o causador do dano seja reconhecido culpado e
instado a reparar por sua ação ou omissão. Como pontua Rui STOCO:
A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana.
119
Ainda quanto ao conceito de responsabilidade, vale mencionar que sob o
118
REIS, Clayton. Responsabilidade civil em face da violação aos direitos da personalidade no direito de família. In Responsabilidade civil em face da violação aos direitos da personalidade: uma pesquisa multidisciplinar. Clayton Reis (Coordenador). Curitiba: Juruá, 2011. p.15. 119
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed.. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.114.
90
ponto de vista da filosofia tradicional, mencionando aqui a concepção de Hans Jonas
e Emmanuel Levinas, citados por KUIAVA:
[...] responsabilidade se constitui como decorrente da liberdade. A noção de responsabilidade é baseada na noção de ecolha livre. Uma ação é livre na medida em que se responde por ela. Em princípio, se o ser humano é livre, então cabe a ele assumir as consequencias dos seus atos. [...] A liberdade de escolha é condição de possibilidade para que o sujeito seja responsável pela sua ação ou omissão.
120
Segundo Paul RICOUEUR, há um efeito perverso no tema da
responsabilidade civil, o qual consiste no fato de que:
[...] quanto mais ampla a esfera dos riscos, mais preemente e urgente a busca de um responsável, ou seja, de alguém, pessoa física ou jurídica, capaz de indenizar e reparar.
121
Pelo visto, a busca do violador dos danos a fim de tê-lo reparado ainda conta
com a urgência conforme a sua extensão na esfera dos riscos.
A responsabilidade civil é classificada em razão da culpa e quanto a natureza
jurídica da norma violada. Quanto à culpa, a responsabilidade pode ser objetiva ou
subjetiva. Quanto à sua natureza jurídica ela pode ser contratual, decorrente de
contrato, ou extracontratual, quando o dever jurídico violado não está descrito em
nenhum contrato, não havendo relação jurídica anterior.
A responsablidade civil subjetiva é causada por uma conduta culposa na qual
o agente causador do dano pratica um ato com negligência ou imprudência, ou
ainda quando a prática ocorre com o dolo, ou seja, com a intenção consciente de
causar o dano. Sobre o assunto Rui Stoco complementa:
A necessidade de maior proteção a vitima fez nascer a culpa presumida, de sorte a inverter o ônus da prova e solucionar a grande dificuldade daquele que sofreu um dano demonstrar a culpa do responsável pela ação ou omissão. O próximo passo foi desconsiderar a culpa como elemento
120
KUIAVA, Evaldo Antonio. A responsabilidade como princípio ético em H. Jonas e E. Levinas: uma aproximação. Revista Veritas, v. 51, nº 2, jun. 2006, Porto Alegre. p.56. 121
RICOUEUR, Paul. Conceito de responsabilidade: ensaio de análise semântica. In: RICOUEUR, Paul. O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p.50.
91
indispensável, nos casos expressos em lei, surgindo a responsabilidade objetiva, quando então não se indaga se o ato é culpável.
122
Neste contexto surge a responsabilidade civil objetiva, a qual prescinde da
culpa, ou seja, não pressupõe de sua demonstração para caracterizar o dano e
responsabilizar o seu causador. Neste caso, o prejuízo apurado causado à vítima
deve ser atribuído ao causador, independentemente de ter ele agido com culpa (a
denominada teoria do risco).
Importa destacar que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais é
apurada mediante a verificação de culpa, regra que representa exceção à
responsabilidade objetiva adotada de forma geral pelo Código de Defesa do
Consumidor, eis que as contratações de profissionais liberais devem ser norteadas
pelo caráter personalíssimo (artigo 14, §4° do CDC).
No entanto, inexistindo este caráter personalíssimo na contratação e
prestação do serviço ao consumidor, é de se aplicar a regra da responsabilidade
objetiva. O fato de ser responsabilidade subjetiva, em nada altera as regras a
respeito da inversão do ônus da prova em favor do consumidor.123
Do exposto, temos que os pressupostos tradicionais da responsabilidade civil
são: ato ilícito ou previsto e lei como hipótese de responsabilidade objetiva, dano e
nexo causal entre os primeiros. Porém, Segundo Altheim, “[...] há situações em que
pessoas são condenadas a indenizar mesmo sem estarem presentes os três
pressupostos tradicionais da responsabilidade civil [...].”124
A doutrina moderna tem apresentado novos pressupostos da
responsabilidade civil, tais como nos ensinamentos de Fernando Noronha, segundo
o qual, para que surja a obrigação de indenizar, é necessário: que haja um fato (uma
ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou
ainda um fato da natureza), que seja antijurídico, isto é, que não seja permitido pelo
direito, em si mesmo ou nas suas consequências; que o fato possa ser imputado a
alguém, seja por dever a atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter
122
STOCO, 2007. p.157. 123
EFING, Antônio C. Fundamentos do direito das relações de consumo. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2004. p.160. 124
ALTHEIM, Roberto. Direito de Danos: pressupostos contemporâneos do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2008. p.115.
92
acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela; que tenham
sido produzidos danos;que tais danos possam ser juridicamente considerados como
causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente
que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente
ter sido causado por esta.125
A partir disso, ALTHEIM propõe, seguindo perspectivas estabelecidas pelos
seus pares, tais como o citado Fernando Noronha e Roberto Vázquez Ferreyra, os
novos pressupostos para a reparação do dano, quais sejam: a verificação do dano
injusto, um fato antijurídico, o nexo de imputação e o nexo de causalidade para dar a
medida da reparação.126
No mesmo sentido manifesta-se Anderson SCHREIBER, ao tratar da erosão
dos filtros tradicionais da reparação, ao falar na "[...] perda de importância da prova
da culpa e da prova do nexo causal como obstáculos ao ressarcimento dos danos
na dinâmica das ações de ressarcimento.127"
Esta nova sistemática da responsabilidade civil busca assegurar uma
justificativa ética ao dever de indenizar, e enquanto os pressupostos tradicionais da
responsabilidade civil (conduta culposa ou prevista em lei, dano e nexo causal)
focam na conduta da pessoa, os pressupostos contemporâneos são voltados à
reparação do dano injusto, aquele decorrente de conduta lícita não razoável, em que
a vítima permaneça irressarcida.
5.2 OS CONTRATOS RELACIONADOS ÀS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO
HUMANA
A relação contratual estabelecida entre a clínica médica de reprodução
humana assistida e os pacientes pode ser concretizada não apenas através do
contrato de prestação de serviços médicos, mas também por intermédio de outros
instrumentos contratuais específicos à cada tratamento realizado pela clínica.
125
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 468-469. 126
ALTHEIM, 2008. p. 115. 127
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: Da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p.11-12.
93
Estes instrumentos firmados entre a clínica e os pacientes devem levar em
consideração o método escolhido e a utilização dos gametas para a realização do
procedimento de reprodução humana, razão pela qual será necessário firmar um ou
mais instrumentos contratuais. O contrato de assistência médica é o mais genérico,
e pode abranger tanto o contrato de assistência médica quanto o contrato de
assistência médico-hospitalar.
No contrato de assistência médica estabelece-se a prestação de serviços
profissionais desta espécie a um cliente; o contrato de assistência médico-hospitalar
inclui ainda a internação em clínica ou hospital e alimentação, inclusos ou não o
plano de saúde128. De acordo com DINIZ129
-
a) Subjetivo, p
-
os hospitalares. os m
contratante.
Em se tratando de contrato celebrado entre os pacientes e a clínica de
reprodução humana assistida, observa-se o cumprimento dos seguintes requisitos: o
contrato é realizado a partir do momento em que se tem acesso à documentação
das partes, comprovando-se sua capacidade civil e o registro da clínica enquanto
pessoa jurídica; o segundo requisito se perfaz dentro do próprio contrato,
estabelecendo-se o seu objeto, isto é, as obrigações pactuadas; e o requisito formal
é cumprido com o próprio instrumento contratual documentado, por escrito e não
apenas verbal.
Em regra, os contratos são realizados por escrito, através do contrato por
128
DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos de acordo com o novo Código Civil, volume 2. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 590. 129
Idem. p. 590.
94
adesão, já impresso, sendo suas cláusulas submetidas à aprovação do sócio
contratante. Porém, há clínicas que realizam apenas um acordo informal com o
paciente, o que não confere nulidade ao negócio jurídico. Mas, sendo o contrato de
adesão, o requisito formal estará preenchido desde que o contratante tenha aceitado
as cláusulas estipuladas.
Diante da possibilidade do estabelecimento de um contrato de adesão entre a
clínica e o paciente, vislumbra-se que a relação entre eles é manifestamente uma
relação de consumo, pois apresentam os seus três elementos essenciais: o
consumidor (o paciente); o fornecedor (o médico); e o serviço, que é o ofício
especializado objeto da obrigação médica ou ato médico. Sendo assim, aplicáveis
as regras consumeiristas à relação. O profissional médico, na posição de prestador
de serviços, poderá ser enquadrado na posição de fornecedor, nos termos do artigo
3° do Código de Defesa do Consumidor130.
Vencidas as generalidades, passa-se à análise dos instrumentos contratuais
que podem ser considerados mais específicos. Cumpre ao médico, representante da
clínica de reprodução humana, explicar a natureza e os riscos dos procedimentos
que serão aplicados no paciente, a fim de encorajar o paciente através de uma
linguagem de fácil compreensão e orientá-lo quanto ao instrumento contratual
específico para o serviço contratado.
O primeiro é o informe de consentimento para técnicas de fertilização
assistida, extensão do contrato médico, pois traz informações referentes aos
procedimentos que serão realizados, particularidades e riscos a que os pacientes
estão sujeitos.
A Resolução n° 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina determina que
para todos os pacientes submetidos às técnicas de reprodução assistida, inclusive
doadores, será obrigatório o consentimento informado. Aspectos médicos sobre a
técnica utilizada na reprodução humana deverão ser expostos em detalhe, assim
como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta.
O segundo instrumento em análise é denominado Autorização para
130
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Art. 3°.
os. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em 07/02/2014.
95
Fertilização in Vitro / Inseminação Artificial com Ovócito / Sêmen doado ou cedido
gratuitamente, documento que representa o consentimento do contratante para a
realização da técnica de reprodução utilizando-se um gameta de terceiro doador.
Este instrumento outorga à clínica contratada poderes para selecionar o
material genético apropriado para a realização do procedimento de fertilização, não
relacionado à seleção genética eugênica positiva, mas a seleção do gameta viável
para a fecundação.
Um terceiro instrumento é denominado Acordo de Criopreservação de Sêmen
e constitui em um contrato firmado pelo homem interessado em guardar seus
gametas e o banco de sêmen de uma clínica. A prestação de serviço refere-se ao
armazenamento e preservação do material genético masculino, ou seja, espécime
de sêmen coletado, com o escopo de realização de futura reprodução em sua
esposa ou companheira, mediante autorização do doador do gameta e o
consentimento da mulher.131
Saliente-se nessa espécie de instrumento contratual que a clínica de
reprodução humana terá apenas a custódia do sêmen processado e criopreservado,
sendo que a propriedade do material genético será mantida a do próprio contratante.
O quarto instrumento apresentado denomina-se Informe de Consentimento
para Congelamento e Preservação do Embrião e representa um instrumento
informativo, com o escopo de explicar detalhadamente os procedimentos realizados
na reprodução assistida por embriões criopreservados.
Portanto, as informações necessárias são passadas aos pacientes
contratantes, de forma detalhada, assim como os riscos que podem advir da
realização das técnicas de fertilização humana, facultando a eles a concordância.
O quinto instrumento especializado utilizado nas clínicas para complementar
o contrato principal de prestação de serviços é denominado Instrumento de Doação
Voluntária de Ovócitos e versa sobre a concessão gratuita de material genético da
mulher a uma determinada clínica de reprodução humana.
Neste instrumento a doadora expressará sua concordância com a utilização
de seus ovócitos por outras mulheres, para o fim de fecundação. A responsabilidade
da clínica restringe-se à escolha da pessoa ou casal receptor, sempre mantendo-se
131
DINIZ. 2003. p. 591.
96
o sigilo de identidade de todos os envolvidos.
Em estudo aprofundado dos mencionados instrumentos contratuais,
estabelecidos entre pacientes e clínicas de reprodução humana assistida, FRANÇA
e ESPOLADOR 132 observaram que estes instrumentos possuem em comum
cláusulas de não-indenização, cláusulas que objetivam isentar a clínica e seus
profissionais de responsabilidades. No entanto, referidas cláusulas são contrárias às
normas consumeiristas, em especial ao previsto pelos artigos 25 e 51 do Código de
Defesa do Consumidor, na medida em que confrontam inclusive com as regras
estabelecidas nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina.
Cite-se como exemplo a cláusula contida na Autorização para Fertilização in
Vitro / Inseminação Artificial com Ovócito / Sêmen doado ou cedido gratuitamente, a
qual isenta de responsabilidade a clínica pelo nascimento de criança deficiente física
ou mental, ou pela não ocorrência de concepção, por transmissão de doenças
sexualmente transmissíveis, contida no material genético oriundo de doação,
quando deve-se considerar o previsto no item III da Resolução n° 1.957/2010 do
Conselho Federal de Medicina:
III - REFERENTE ÀS CLÍNICAS, CENTROS OU SERVIÇOS QUE APLICAM TÉCNICAS DE RA
As clínicas, centros ou serviços que aplicam técnicas de RA são responsáveis pelo controle de doenças infectocontagiosas, coleta, manuseio, conservação, distribuição, transferência e descarte de material biológico humano para a paciente de técnicas de RA, devendo apresentar como requisitos mínimos: 1 - um diretor técnico responsável por todos os procedimentos médicos e laboratoriais executados, que será, obrigatoriamente, um médico registrado no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição. 2 - um registro permanente (obtido por meio de informações observadas ou relatadas por fonte competente) das gestações, nascimentos e malformações de fetos ou recém-nascidos, provenientes das diferentes técnicas de RA aplicadas na unidade em apreço, bem como dos procedimentos laboratoriais na manipulação de gametas e embriões. 3 - um registro permanente das provas diagnósticas a que é submetido o material biológico humano que será transferido aos pacientes das técnicas de RA, com a finalidade precípua de evitar a transmissão de doenças.
Outras cláusulas que isentam as clínicas de responsabilidade também devem
132
FRANÇA, Loreanne Manuella de Castro; ESPOLADOR, Rita de Cássia Resquetti Tarifa. Da inserção de clausulas de não indenização nos contratos relacionados à reprodução humana assistida. Disponível em: www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=7c220a2091c26a7f. Acesso em 10/03/2014.
97
ser consideradas ilegais, como as que isentam de responsabilidade na ocorrência de
alteração cromossômica do sêmen armazenado, ou no caso de qualquer evento que
possa inutilizar o material genético criopreservado.
Tecidas estas breves considerações sobre os tipos contratuais firmados pelas
clínicas de reprodução humana, passa-se à análise da responsabilidade das clínicas
pela raparação dos danos relacionados às técnicas de reprodução humana
assistida.
5.3 DA OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS
Consoante exposto em item anterior, a idéia de responsabilidade civil está
relacionada à noção de não se prejudicar o outro, pois na ocorrência de prejuízo, o
instituto fundamentará a busca pela reparação do dano causado à vítima, a fim de
que o causador seja condenado a reparar o dano por sua ação ou omissão.
Embora todos os intrumentos contratuais envolvendo as clínicas de
reprodução humana e pacientes tenham previsão de cláusulas que eximem qualquer
responsabilidade das clínicas por danos, uma vez que se estabelece a relação de
consumo, tais cláusulas deixam de ter valor normativo, sendo desconsideradas no
momento da apuração dos danos.
Cita-se o Informe de Consentimento para Congelamento e Preservação de
Embriões133, no qual constam apenas dados relativos ao método empregado para se
realizar a obrigação contratada e suas técnicas, bem como os riscos que podem
advir da realização do tratamento, o que não exime a responsabilização da clínica
na hipótese de ocorrência de danos aos contratantes, ainda que estes estejam
cientes das eventuais consequências.
Igualmente no Informe de Consentimento para Técnicas de Fertilização
Assistida134 consta a informação de que a clínica assume uma obrigação de meio e
133
DINIZ. 2011. p. 685. 134
Idem. 679. "As possibilidades de se obter uma gravidez clínica são geralmente entre 15 a 25%; dessa forma, a U.R.H assume uma obrigação de meios e não de resultados. A U.R.H compromete-se a realizar os serviços médicos do programa de fertilização assistida com prudência e diligência segundo a ética médica, oferecendo todas as alternativas admissíveis cientificamente e mais adequadas para cada caso em particular".
98
não de resultado, ou seja, de que está obrigada apenas em realizar o procedimento,
não dando conta de seu resultado (a gravidez) sem a possibilidade de ser
demandada para imputação de responsabilidade caso esta não ocorrer.
Neste sentido, observa-se que a clínica busca desvirtuar a natureza de sua
obrigação, com o fim de modificar a teoria a ser aplicada em sua responsabilização
civil, tendo em vista a relação da responsabilidade civil objetiva com a obrigação de
resultado e da responsabilidade civil subjetiva com a obrigação de meio.
No Instrumento de Autorização para Fertilização in Vitro com Ovócito
Doado135 observa-se várias cláusulas de não indenização, visando isentar a clínica
de reprodução humana de qualquer reponsabilidade pela criança nascer com defeito
físico ou mental, por complicações obstétricas, ou pela transmissão de doenças
sexualmente transmissíveis contidas do material genético oriundo de doação.
Analisando-se o Acordo de Criopreservação de Sêmen 136 , verifica-se a
aposição de tratativas tendentes a impedir a imputação de responsabilidade às
clínicas, especialmente no caso de alterações cromossômicas no sêmen
armazenado.
Do analisado constata-se que nos instrumentos contratuais e anexos ao
contrato de prestação de serviços fornecidos pelas clínicas de reprodução humana,
eximir a clínica de todas as responsabilidade sempre será visado. A motivação desta
exagerada proteção contratual das clínicas quanto à sua não responsabilização,
refere-se aparentemente à ignorância, das mesmas, por resultados das técnicas que
nem mesmo elas são capazes de prever.
No entanto, ainda que em se tratando de pessoa jurídica a clínica de
reprodução humana não responda por culpa, no mínimo ela responde pela causa de
algum evento danoso causado ao paciente contratante, razão pela qual as cláusulas
inseridas nos instrumentos contratuais analisados não possuem condições legais
para afastar a integral responsabilização civil das clínicas. Sobre o tema, vale citar a
contribuição de TONO:
135
Idem. p. 683-684. "Este instrumento não é uma garantia de sucesso do tratamento, isto é, concepção e ausência de complicações obstétricas, logo, os contratantes assumem os riscos inerentes ao FIV, ICSI, etc. [...] embora testes diagnósticos preventivos tenham sido realizados na doadora com resultados negativos, a fertilização 'in vitro' com oócito de doadora não exclui o risco intrínseco de transmissão de doença sexualmente transmissiveis, [...]". 136
DINIZ. 2011. p.677.
99
Quando determinado empresário estabelece uma empresa, para nela gerar trabalho e riqueza, os riscos assumidos transcende toda e qualquer delimitação física e abstrata do empreendimento. Uma série de incidentes potenciais, que não estão sob seu controle, podem ocorrer, sem que se possa reagir para evitar danos. É por isso que tal evento está sob a égide da responsabilidade civil objetiva, que tem por fundamento o risco, e não a culpa.
137
E ao tratar da relação entre as clínicas de reprodução humana e seus
pacientes como relação de consumo, Hildegard Taggesell Giostri138 cita que:
Destarte, a pessoa jurídica, se responde sem culpa, não responde sem causa, bem como a responsabilidade objetiva das entidades prestadoras de serviço na área de saúde já não é mais vista de modo irrestrito como anterirmente, quando bastavam tão somente o dano e o nexo. Hoje, não só se impõe o uso da forma mitigada da responsabilidade objetiva, como cada vez mais se releva a importância da análise do trabalho do médico, enquanto profissional liberal, cuja responsabilidade assenta-se na teoria subjetiva, por força da qual, sua culpa há que ser provada (art. 14, §4º do CDC), para então se presumir a culpa da entidade nosocomial (art. 14, caput do CDC), desde que haja vínculo de preposição entre eles.
Diante da responsabilidade das clínicas, civilmente, após afastadas as
cláusulas ilegais de não-indenização, passa-se a verificação da espécie de
responsabilidade civil. Conforme observado no item 5.1 anterior, a responsablidade
civil subjetiva é causada por uma conduta culposa em que o agente pratica, sem
intenção, um ato danoso, ou quando a prática ocorre com o dolo, com a intenção de
causar o dano.
A responsabilidade civil objetiva não pressupõe da demonstração de culpa
para caracterizar o dano e responsabilizar o seu causador. O prejuízo apurado é
atribuído ao causador, independentemente de ter ele agido com culpa.
Como exceção à teoria da responsabilidade objetiva, adotada pelo Código de
Defesa do Consumidor nas relações de consumo, a responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais, ainda que se mantenha a relação de consumo, é apurada
137
TONO, Samuel Paulino. Autonomia privada e boa-fé objetiva nas relações empresariais: Reflexos na Contratação. Dissertação. (Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania) Unicuritiba, Curitiba, 2011. p. 149. 138
GIOSTRI, Hildegard Taggesell. A Responsabilidade Médico-Hospitalar e o Código do Consumidor. In: Repensando o direito do consumidor: 15 anos do CDC. Marcelo Conrado (org.) 1.ed. Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, 2005. p.155.
100
mediante a verificação de culpa, eis que as contratações de profissionais liberais
devem ser norteadas pelo seu caráter personalíssimo.
Por esta razão, em que pese clínicas e hospitais possuírem personificação
anômala, são responsáveis pelos atos de seus prepostos, segundo dispõe o artigo
932, inciso III, do Código Civil Brasileiro139.
Desse modo, verifica-se que as clínicas de reprodução humana assistida
deverão ser responsabilizados por condutas praticadas pelos seus profissionais
enquanto agindo como empregados ou prepostos das clínicas. Ao atribuir a
responsabilidade à clínica, a responsabilidade do profissional é absorvida, abrangida
pela responsabilidade da pessoa jurídica demandada, garantindo-se o direito à ação
regressiva contra o profissional, na evidência de sua culpa.
Diante do exposto, ainda que os intrumentos contratuais possuam previsão
de isenção de qualquer responsabilidade, as clínicas sempre poderão ser
responsabilizadas objetivamente, ou seja, sem necessidade de se demonstrar a
culpa, pelos danos decorrentes da realização de técnicas de reprodução humana
assistida, bastando a prova do prejuízo e do nexo de causalidade deste com os
procedimentos realizados pela referida pessoa jurídica prestadora/fornecedora de
serviços médicos.
5.4 DOS PROCEDIMENTOS DE DESCARTE DO EMBRIÃO HUMANO
EXTRANUMERÁRIO
Até o momento, apurou-se no trabalho a responsabilidade civil das clínicas de
fertilização quanto aos procedimentos realizados e técnicas adotadas para a
reprodução humana. Constatou-se que apesar de constar nos instrumentos
contratuais diversas cláusulas que visam eximir as clínicas de responsabilidade por
danos causados nos pacientes contratantes, estas não possuem força para afastar a
responsabilidade civil pela reparação dos danos.
139
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: [...] III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.
101
Passa-se agora à análise do procedimento de descarte do embrião humano
que excede das técnicas de reprodução humana pelas clínicas. Conforme analisado
em capítulo anterior, o embrião extranumerário é aquele que não foi implantado no
útero materno, portanto, constitui o embrião que sobrou no processo de reprodução
humana assistida. Para sobreviver, é mantido congelado (criopreservado).
Na opinião de Maria Helena Diniz, um dos maiores dilemas da reprodução
assistida é o destino dado aos embriões extranumerários, posicionando-se contra o
seu descarte e uso para pesquisa.
Dessarte, há milhares de embriões criopreservados em laboratórios
brasileiros aguardando alguma destinação. Segundo dados da Agência Nacional de
Saúde140, no Brasil, 28.283 novos embriões foram congelados no ano de 2011 e
16.117 embriões criopreservados foram descartados.
Segundo determina a Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de
Medicina, após cinco anos os embriões criopreservados podem ser dados à adoção,
se ainda não foram, doados para pesquisas ou descartados. Se for da vontade dos
doadores dos gametas, manifestada expressamente, os embriões podem continuar
criopreservados, porém a responsabilidade pelos embriões será dos pacientes.
Portanto, cita-se três destinações aos embriões extranumerários. Na primeira
opção, o embrião extranumerário pode ser destinado à adoção, situação na qual os
doadores dos gametas assinam autorização de doação dos embriões a outros
casais que não podem gerar filhos naturalmente.
Diante da mencionada opção de adoção do embrião extranumerário, importa
comentar que, frente à hipervulnerabilidade do embrião, sua proteção implica
inicialmente em não se proceder à fertilização de número excedente à sua
implantação.
Contudo, se ocorrer fertilização de mais embriões que o número implantado,
o destino que se harmoniza com o princípio da dignidade humana é certamente a
adoção do embrião por um casal infértil. Ou seja, esta primeira opção de destino de
embriões é a que seria aceita eticamente, considerando-se o princípio da dignidade
humana.
140
ANVISA. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/ee4898004d63c9ebb695f7 c116238c3b/5_relatorio_2012.pdf?MOD=AJPERES. Acesso em 15/07/2013.
102
Uma segunda hipótese é a doação dos embriões para sua utilização em
pesquisas científicas, sendo que hoje a mais recente pesquisa é a desenvolvida com
células-tronco.
Quanto à destinação dos embriões à pesquisa, vale questionar se seria lícito
sacrificar embriões em prol da busca da cura e melhoramentos na qualidade de vida
de toda a humanidade. Há outras formas eficazes para se obter células-tronco para
pesquisas, pois não apenas células embrionárias podem ser utilizadas nas
pesquisas com células-tronco, mas as células-tronco adultas (retiradas da medula) e
as retiradas do cordão umbilical também são viáveis para tais pesquisas.
Quanto à posição adotada por CASSIERS sobre o embrião extranumerário,
importa transcrever:
[...] o embrião, oriundo de fertilização em clínicas especializadas precisa ser respeitado desde a concepção, entretanto, a partir do momento [...] em que ele não mais faz parte de um projeto parental, como, por exemplo, no caso dos embriões excedentes da fecundação in vitro, os próprios pais aceitam a idéia de que eles sejam descongelados e, portanto, destruídos ou cedê-los para pesquisas científicas, uma vez que não podem ficar armazenados 'para sempre'. [...] o embrião não apresenta suficientes características humanas, a fim de que seja considerado uma pessoa inteira, entretanto, não se pode negar que é uma possibilidade necessária, mas não suficiente, para se tornar uma pessoa, assim, no entendimento do referido autor, o embrião humano pode ser destinado às pesquisas, sem que haja transgressão do tabu do assassinato.
141
Vale considerar que atitudes éticas nas pesquisas devem ser praticadas
antes do embrião ser enviado à pesquisa, pois a criação de embriões destinados à
esta finalidade afronta a lei natural, princípios da bioética e demais normas jurídicas.
Neste norte a Resolução nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina proíbe a
fecundação de oócitos humanos, com qualquer finalidade que não seja a de
procriação humana.
O assunto relacionado ao destino dos embriões extranumerários, porque
polêmico, foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 3.510/2005, já
mencionada em Capítulo anterior, tendo como Relator o Ministro Carlos Britto. A
141
CASSIERS, Léon. Dignidade do embrião humano. In: Direitos fundamentais e biotecnologia. Ingo Wolfgang Sarlet e George Salomão Leite (organizadores) São Paulo: Método, 2008. p.197.
103
decisão final, por seis votos a cinco, reconheceu a possibilidade do destino dos
embriões excedentários às pesquisas de células-tronco. Diante de tal decisão, as
pesquisas com células-tronco embrionárias foram autorizadas, possibilitando assim
a descoberta e o desenvolvimento de novas terapias, a fim de curar ou auxiliar no
tratamento de doenças degenerativas.
A terceira hipótese de destinação -
s, se esta for a vontade
expressa dos pacientes, doadores dos gametas.
Analisando-se as Resoluções da ANVISA, observa-se que a Resolução RDC
nº306 142
os de s
fetos com peso inferior a 500 g, ou estatura inferior a 25 cm e
idade gestacional, ou menor que 20 semanas
planejados com
ambiente.
O item 7, denominado Grupo A3, do Capítulo III da Resolução RDC
nº306/2004 da Anvisa, trata da destinação dos seres que resultaram da fecundação,
delimitando o rol que engloba, no item 7.1:
-
142
ANVISA. Resolução RDC nº 306, de 07/12/2004. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/anvisa/2004/res0306_07_12_2004.html. Acesso em 26/03/2014.
104
devidamente licenciado para esse fim.
Referente à primeira opção, a do sepultamento, importa relatar que a Lei dos
143 (Lei 6015 de 31/12/1973) em seu Artigo 77 prevê que:
pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte.
-
que 500g, ou estatura menor que 25cm, ou idade gestacio
sepultado.
Assim, é permitido
-
impedimento para a concessão do atestado de óbito.
Quanto à segunda opção de descarte de material humano, prevista no
subitem 7.1.1 da Resolução RDC nº306/2004 da Anvisa, a sua incineração ou
cremação choca ao considerar que ao embrião pode ser dado esta destinação.
Portanto, diante do dilema do descarte do material genético, DINIZ propõe a
edição de uma lei para regulamentar o destino dos embriões, uma vez que o
Conselho Federal de Medicina veda a redução embrionária 144 e o descarte do
material não utilizado na fertilização. Para tanto, sugere que:
143
LEI DE REGISTROS PÚBLICOS. LEI N. 6015 de 31/12/1973. 144
Redução embrionária consiste na retirada de um dos fetos de uma gestação múltipla. A prática é considerada aborto perante a legislação brasileira. Por isso, só é permitida em casos específicos, como quando a mãe sofre risco de morte por conta da gestação de múltiplos.
105
Seria de bom senso que a lei estipulasse: [...] c) a utilização efetiva dos embriões congelados para procriação, facilitando sua ´doação´, ou melhor, cessão a outros casai estéreis e evitando sua destruição; d) a ampliação do prazo máximo de crioconservação dos embriões para resolver sua situação, se não forem usados, mediante adoção pré-natal, vedando sua eliminação, comercialização e utilização para fins científicos não terapêuticos, experimentais, cosmetológicos ou bélicos.
145
Baseado no comentário de DINIZ, esta legislação complementar poderia
compor o Estatuto do Embrião, conjunto de normas destinadas à proteção legal do
embrião humano, a qual deveria definir o seu status jurídico, estabelecendo um
paradigma de comportamento em relação ao embrião.
Na ausência de um Estatuto formal e específico, consideramos a existência
de um Estatudo subentendido do Embrião, decorrente das diversas legislações
aplicáveis aos casos em que o embrião é envolvido, o que será analisado a seguir.
5.5 DAS NORMAS QUE TUTELAM O DESTINO DOS EMBRIÕES
EXTRANUMERÁRIOS
in vitro - -somente
sua vida intra-uterina
-
disciplina dos direitos patrimoniais. A preocupa -
titular de direitos. Tal personalidade é adquirida somente com o nascimento com
vida, conforme previsto no artigo 2° do Código Civil, portanto, constitui um instituto
jurídico não aplicável ao embrião.
145
DINIZ. 2011. p. 568.
106
se presta a preservar os interesses futuros do
nascituro, ao adotar normas para salvaguardar os direitos.
-se
concluir que os direitos preservados pertencem ao ser concebido. No entant
-
e c
Apenas em janeiro de 1995, com a edição da Lei n° 8.974, denominada Lei
de Biossegurança, que o tema passou a ser considerado objeto de tutela jurídica,
-
a (CTNBio).
humano in vivo -
analisado no capítulo 4° deste estudo).
Objetivando a invenção de novas técnicas terapêuticas, a Lei de
Biossegurança autorizou o uso de embriões congelados há mais de três anos, ou
que não seriam utilizados em processos de fertilização, para pesquisas sobre o uso
de células-tronco.
No intuito de averiguar a constitucionalidade do artigo 5° desta Lei, foi
ajuizada a ADI nº 3.510/2005, analisada em capítulo anterior, principalmente diante
da autorização do uso de embriões humanos extranumerários em pesquisas de
células-tronco.
107
A constitucionalidade da referida Lei foi apreciada e confirmada pelo Supremo
Tribunal Federal, permitindo-se as pesquisas com células-tronco embrionárias. No
entanto, não houve consenso quanto à possibilidade de descarte de embriões
extranumerários, uma vez que a ADI não impugnou o descarte puro e simples de
embriões não aproveitados no respectivo procedimento. A impugnação ocorreu em
relação ao emprego de células em pesquisa científica e terapia humana.
Em paralelo com a Lei de Biossegurança, porém três anos antes de sua
publicação, o Conselho Federal de Medicina já ousava editar Resoluções para
disciplinar a questão dos embriões humanos e o destino dos extranumerários.
146
A Resolução nº 1.358/92 em seu Item V, subitem II, ainda vedava o descarte
dos embriões extranumerários, nos seguintes termos: "O número total de pré-
embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se
decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser
criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído."
procedimento
-
146
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n. 1.358/1992. Acesso em 06/02/2014.
108
humano.
njuges e companheiros expressar a
-
descartados.
Observa-se que a legislação que envolve a tutela do embrião, principalmente
em relação aos cuidados com o descarte do extranumerário, decorre de
interpretação de princípios gerais do direito, somado ao previsto na Lei de
Biossegurança e Resoluções do Conselho Federal de Medicina.
Ressalta-se apenas, no que contende às Resoluções do CFM, que estas
regras ali inseridas não constituem Lei, não possuem força normativa. Isto posto,
necessário ainda a elaboração e adoção de legislação pertinente que possa
complementar a Lei de Biossegurança em suas lacunas.
5.6 A RESPONSABILIZAÇÃO DAS CLÍNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA
PELOS PROCEDIMENTOS REALIZADOS E PELO DESCARTE DOS EMBRIÕES
EXTRANUMERÁRIOS
Devido ao crescimento populacional e surgimento de alguns institutos tal
como o da globalização, a busca incessante do mercado pelo lucro, o Estado
outorgou à iniciativa privada a exploração de alguns campos econômicos que fez
surgir a necessidade de participação dos empresários na solução de problemas
crônicos sociais.
Esta outorga de prerrogativas de exploração do mercado fez surgir uma nova
dimensão empresarial, relacionada à responsabilidade social. Neste sentido, LEWIS:
[...] do poder emanado constitucionalmente ao empreendedor de exercer livremente sua atividade emana o dever de utilizá-la em prol da justiça
109
social, consubstanciada no sentido de assegurar a todos uma existência digna, moral e paritária.
147
Neste contexto, conclui-se que empresas, seja qual for o ramo de atuação,
devem assumir o papel de agentes transformadores da sociedade, com o dever de
atuação responsável e na busca da dignidade da pessoa humana. Complementa
LEWIS:
Ao mesmo tempo que a Constituição concede e outorga o exercício da atividade empresarial ao setor privado, ela exige a contrapartida. Tal exigência se concretiza no fazer ou abster-se de fazer algo. Essa é uma postura responsável que as empresas podem extravasar nos estreitos limites dos conceitos da livre iniciativa e livre concorrência.
148
E por constituir uma empresa, as clínicas de reprodução humana assistida
possuem liberdade de contratar, bônus que o princípio da livre iniciativa oferece. No
entanto, possuem também o ônus advindo do mesmo princípio, relacionado ao agir
de modo responsável e em respeito ao princípio basilar da dignidade humana. Este
dever social foi previsto por JONAS, segundo o qual
[...] nenhuma ética anterior vira-se obrigada a considerar a condição global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da espécie. O fato que que hoje eles estejam em jogo exige, numa palavra, uma nova concepção de direitos e deveres.
149
O dever social da empresa, no caso das clínicas de reprodução humana
assistida, relaciona-se à preocupação do empresário com a comunidade na qual
está inserida, demonstrando preocupação em atender os anseios da sociedade, o
que resulta em maior repercussão positiva das atividades praticadas e por
consequencia, maior aceitação social.
Especialmente no que se relaciona ao descarte dos embriões, a clínica
socialmente responsável será aquela que, ainda que diante de uma lacuna legal,
agirá de modo correto, em respeito à dignidade do embrião, visando atender o que a
sociedade espera da clínica, ou seja, a proteção do ser embrionário ainda que em
147
LEWIS, Sandra Barbon. Responsabilidade jurídica e social da empresa. In: Reflexões sobre o desenvolvimento sustentável: agentes e interações sobre a ótica multidisciplinar. Organizadores: Christian luiz da Silva e Judas Tadeu Grassi Mendes. Petropolis, RJ: Vozes, 2005. p.129. 148
Ibidem. 2005. p.131. 149
JONAS. 2006. p.41.
110
sua fase inicial.
Mas não apenas a partir da sua atuação social as clínicas de reprodução
humana são responsabilizadas, mas também civilmente. Capítulos anteriores foram
destinados à tratar sobre o descarte dos embriões extranumerários e legislação
relacionada, sejam os princípios constitucionais, os artigos da Lei de Biossegurança
e as Resoluções do Conselho Federal de Medicina. Quanto às Resoluções do CFM,
apesar de não possuírem força normativa, as clínicas que descumprem seus
dispositivos podem sofrer desde advertência e cassação do registro de atuação.
Após análise exautiva do regramento, cumpre dizer que o ordenamento
jurídico brasileiro, de modo amplo, proíbe a destruição dos embriões. Civilmente,
pela prática do descarte, apesar da proibição, como dito, de modo amplo, a clínica
de reprodução humana poderia ser responsabilizada.
Porém, diante da omissão legal, uma vez que a Lei de Biossegurança não
autoriza o descarte nem o veda; e a Resolução 2013/2013 do CFM autoriza o
descarte, mas é destituído de força normativa; pela falta de uma legislação que
regulamente em que situações o descarte poderia ocorrer, não há como se
responsabilizar ditas clínicas. Até mesmo porque civilmente, qual o dano a ser
reparado? O bem da vida? Legalmente vida apenas surge após o nascimento.
As clínicas podem responder civilmente apenas quanto às cláusulas
contratuais firmadas com os pacientes, sendo imputado às clínicas responsabilidade
por atos que causem danos aos pacientes contratantes.
Neste sentido, o descarte do embrião extranumerário pode resultar em dano
aos pacientes caso não houvesse a sua anuência pelo descarte. Não havendo a
anuência do paciente pelo descarte do embrião extranumerário, as clínicas podem
ser responsabilizadas objetivamente, independe da aferição de culpa.
Este caso não ocorre com frequencia, pois as clínicas de reprodução se
acautelam desta situação e, na contratação, induzem o paciente a assinar diversos
instrumentos, nos quais dão ciência e anuência aos procedimentos.
Facilmente se conclui que na realidade das clínicas de reprodução humana,
muitos pacientes preferem o descarte dos embriões extranumerários a manter
despesas com a crioconservação dos embriões.
111
As clínicas podem ainda ser responsabilizadas pelos atos de seus prepostos.
Desse modo, verifica-se que as clínicas são responsabilizadas por fatos de terceiro,
isto é, pelas condutas praticadas pelos médicos ou funcionários enquanto agindo
como empregados ou prepostos dessas clínicas.
Portanto, as clínicas de reprodução humana poderão ser responsabilizadas
objetivamente pelo descumprimento de suas obrigações ou ocorrência de prejuízo
ao contratante, ainda quando o ato for praticado por seu preposto, o que significa
que não estão sujeitas a exame de culpa, bastando a prova do prejuízo.
Corrobora com o entendimento KFOURI 150 , ao tratar das disposições da
legislação consumerista no que tange à responsabilidade civil das clínicas médicas,
quando apresenta posicionamento no sentido de que a elas não se aplicaria o
privilégio de que dispõe os profissionais liberais quanto à sua responsabilização
pessoal, considerando, portanto, que a responsabilidade das clínicas pela prestação
de serviços é apurada objetivamente, havendo apenas a necessidade da prova da
ocorrência do dano.
Se uma clínica presta serviço de saúde e explora a sua atividade com
características peculiares de risco, é responsável de forma objetiva pelos prejuízos
causados por uma má prestação de seu serviço, não importando quem seja o
causador do dano, sem esquecer o eventual direito de regresso do estabelecimento
contra o profissional que agiu ou deixou de agir em seu nome ocasionando o
prejuízo, seja ele empregado ou autônomo.
Para concluir, insta mencionar que a responsabilidade das clínicas, seja
social ou civil, constitui um desdobramento da concretização dos princípios
fundamentais, pela tênue relação entre ações privadas e valores constitucionais,
quando estas ações privadas são vistas a partir de enfoques fundamentados na
responsabilidade social da empresa.
6 DIREITO AO SERVIÇO PÚBLICO DE REPRODUÇÃO HUMANA
150
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 3. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998. p.179-181.
112
6.1 A GÊNESE DE SERVIÇO PÚBLICO
Ensina GROTTI151 que o modelo de Estado adotado em certo momento da
história e em certo local guarda uma relação com as funções pertinentes à
Administração Pública e consequentemente com o delineamento do Direito, cuja
compostura pode retratar caráter mais flexível ou mais autoritário aos valores
democráticos.
Tendo em vista a estreita relação entre o momento histórico, o rumo do
direito, e o fato de que os serviços públicos assumem caracerísticas próprias ao
longo do tempo, é interessante analisar o que se passava na sociedade quando o
conceito de serviço público surgiu.
Refere-se a três fases eminentemente marcadas: a primeira fase delimitada
pelo final do século XVIII até a primeira parte do século XIX. Neste período
predominava no mundo a concepção liberal clássica de Estado, sendo ele limitado,
com funções reduzidas, não intervindo na economia. Ou seja, nesta fase o Estado
assumia apenas aqueles serviços que já lhe incumbiriam naturalmente, quais sejam
a implantação da infraestrutura, proteção do território, a manutenção da ordem
pública e a segurança das relações jurídicas.
Ainda nesta fase prevalecia a famosa “mão invisível” de Adam Smith,
segundo a qual o Estado tinha apenas três papéis: a. Proteger a sociedade da
violência e invasão de outros Estados; b. Estabelecer uma adequada administração
da justiça; c. Realizar obras públicas e prestar serviços públicos economicamente
desinteressantes aos particulares.
A segunda fase ocorreu da segunda parte do século XIX ao início do século
XX. Após a primeira Guerra Mundial, devido às injustiças sociais, desigualdade
social e incapacidade de auto-regulação dos mercados, o Estado assumiu nova
função, pois o Estado Social passa a ter relevância máxima, um crescente
intervencionismo e a ampliação dos serviços públicos.
151
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público e a constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 62.
113
O Estado passa a ter o dever de garantir os direitos fundamentais. Observa-
se uma atuação do Estado no fornecimento de serviço de utilidade coletiva, como
transporte, água, gás e eletricidade.
O desenvolvimento dos países passa a ser qualificado pelo adjetivo
“humano”. O desenvolvimento nos anos 50, antes medido com o referencial grau de
industrialização dos países, nos anos 90 passa a ser o IDH (expectativa de vida ao
nascer, educação e PIB per capita).
No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, como pontua
SCHIER152, ocorre a constitucionalização dos direitos sociais, sendo que o instituto
do serviço público foi objeto de intervenção estatal para assegurar a efetividade
desses direitos, concretizando a dignidade das pessoas.
Em meados da década de 90, o país enfrentou a crise do Estado Social,
mesma época em que emergia no contexto internacional a globalização e o
neoliberalismo, pretendendo diminuir a estrutura estatal mediante privatizações.
Devido à crítica ao Estado de bem-estar social, decorrente do endividamento
público, o potencial do Estado é visto com descrédito, inaugurando uma terceira
fase.
Na terceira fase, iniciada no final do século XX surge um consenso de que
seria necessário o enxugamento dos encargos estatais e a devolução das atividades
à iniciativa privada. Portanto, na década de 80, a discussão de serviço público
reaparece no contexto internacional da globalização e do neoliberalismo,
pretendendo diminuir a estrutura estatal mediante privatizações.
Enquanto isso no Brasil, com o advento da República, o serviço público
caracterizou-se por ser um instrumento de infraestrutura, aparecendo pela primeira
vez na Constituição Federal de 1934, mas tornando-se instrumento visando o
desenvolvimento do país nas áreas de segurança e desenvolvimento econômico
apenas no Estado Novo (1937 a 1945), com Getúlio Vargas.
152
SCHIER, Adriana da Costa. Serviço público como direito fundamental: mecanismo de desenvolvimento social. In: BACELLAR FILHO, Romeu Felipe; GABARDO, Emerson; HACHEM, Daniel Wunder. Globalização, direitos fundamentais e direito administrativo: novas perspectivas para o desenvolvimento econômico e socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p.290.
114
6.2 CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO
Para SCHIER 153 , serviço público constitui a atividade de utilidade ou
comodidade material destinada à satisfação da coletividade, que o Estado presta por
si mesmo ou quem lhe faça as vezes, sob um regime de direito público.
Oferecendo uma visão desenvolvimentista ao serviço público, SCHIER 154
aponta que atribuir ao serviço público o conceito de direito fundamental não é
suficiente para efetivar os direitos sociais. Serviço público como integração social e
redistribuição de riqueza não quer dizer distribuição de renda, mas sim diminuição
da exclusão social na medida em que permite aos cidadãos o acesso aos bens que
garantirão uma existência digna.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello 155 certas atividades destinadas a
satisfazer a coletividade são qualificadas como serviços públicos quando o Estado
reputa que não convém relegá-las à livre iniciativa, pois não seria socialmente
desejável que fiquem sob responsabilidade privada.
Para definir o termo, Celso Antônio156 propõe que serviço público possui um
substrato material e um formal. O substrato material caracteriza-se pelo serviço
tratar-se de uma prestação de atividade singularmente fruível pelos usuários,
constituindo na prestação seguidamente disponibilizada, destinada à satisfação da
coletividade em geral.
Os serviços devem ser considerados pelo Estado como de utilidade pública.
Para aqueles serviços que não o são, o Estado deve fomentar, abrindo linhas de
crédito, por exemplo.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello157, o substrato formal caracteriza-
se pela submissão a uma específica disciplina de direito público, conferindo o
caráter jurídico do conceito de serviço público. Ao submeter a prestação do serviço à
disciplina específica, busca-se assegurar que o interesse público prepondere sobre
o particular.
153
SCHIER. 2011. p.286. 154
Ibid. p. 292. 155
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Serviço público e sua feição constitucional no Brasil. In: Grandes temas de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 273. 156
Ibid. p. 274. 157
Idem. p. 275.
115
6.3 COMPETÊNCIA PARA A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO E
POSSIBILIDADE DE ESTABELECIMENTO DE NOVOS SERVIÇOS
No artigo 21 da Constituição Federal consta o rol de serviços de titularidade
privativos da União. Serão públicos federais: serviço postal e o correio aéreo
nacional, serviços de telecomunicações, serviços de radiodifusão sonora, e de sons
e imagens, serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético
dos cursos de água, navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária,
serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras
nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território, serviços de
transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, portos marítimos,
fluviais e lacustres.
Além desses, há serviços não exclusivos da União mas também serviços
públicos federais: saúde, educação, previdência e assistência social. E aos Estados
cabe a competência remanescente, artigo 25, parágrafo 1°, aquelas que não cabe a
União e aos Municípios.
Aos Municípios compete os serviços de natureza local (ou peculiar interesse,
conforme consta na Constituição Federal de 1988), incluído o transporte coletivo.
Há competências comuns aos entes, devido à sua relevância: saúde, sistema de
ensino.
Quanto a possibilidade de criação de novos serviços, observa-se que na
realidade jurídica brasileira, foi o constituinte quem fixou o que seria serviço público,
e portanto, o rol de serviços pode mudar, pois não há um serviço público por
natureza.
A expressão serviço público surgiu pela primeira vez na Constituição Federal
de 1934, tratando-se de atividade de titularidade do poder público. Alguns serviços,
quando desempenhados pelos particulares não são considerados públicos, por
exemplo a seguridade e previdência social, assistência social, ensino. O ingresso da
iniciativa privada não descaracteriza a categoria de serviço público, ainda que não
dependam de delegação.
116
Quanto a possibilidade de criação de serviços públicos pela via legislativa,
divergem os doutrinadores. Para o primeiro grupo, composto por Celso Antonio
Bandeira de Mello, Benedicto Porto Neto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ministra do
Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia Antunes Rocha, Eros Roberto Grau, Juarez
Freitas e Marçal Justen Filho, é possível a criação de novos serviços públicos,
havendo uma relativa liberdade ao legislador ordinário, desde que respeitadas a
ordem econômica garantidora da livre iniciativa. Neste caso, deve-se analisar a
essencialidade do serviço e se ele atende ao interesse social.
Diversa posição adotada por Fernando Herren Aguilar158 que entende serviço
público exclusivamente por aqueles arrolados na Constituição Federal, só havendo
inclusão de nova categoria por via de emenda constitucional, corrente esta
minoritária.
Acompanhando-se a corrente majoritária conclui-se portanto que é possível a
criação de novos serviços, sendo necessário observar primeiro que o serviço deve
estar dentro das competências da pessoa jurídica instituidora e segundo observar
que as indicações do artigo 173 da Constituição Federal merecem respeito, no que
se refere à exploração da atividade econômica diretamente pelo Estado.
6.4 O SERVIÇO PÚBLICO COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Todo ser humano nasce com direitos e garantias, não podendo estes
serem considerados uma concessão do Estado, pois alguns destes direitos são
criados por ordenamentos jurídicos, outros são criados pela manifestação de
vontade, e outros apenas são reconhecidos nas cartas legislativas.
Os sensíveis níveis de exclusão social no país demonstram que ainda é
tempo de se defender o Estado social e democrático de Direito, premissa que
norteia o estudo do serviço público como instrumento de concretização dos direitos
fundamentais e mecanismo de desenvolvimento social mediante intervenção do
poder público. Neste contexto, faz-se necessário buscar formas para assegurar a
máxima efetividade dos direitos sociais.
158
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social dos Serviços Públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999. p.129.
117
Serviço público constitui uma atividade de utilidade material destinada à
satisfação da coletividade que o Estado presta por si mesmo ou quem lhe faça as
vezes, sob um regime de direito público.
Verificou-se que atribuir ao serviço público o conceito de direito fundamental
não é suficiente para efetivar os direitos sociais. Necessário um regime jurídico
especializado, o regime de direito público, previsto no artigo 6° da Lei n° 8.987/95.
Serviço público como integração social e redistribuição de riqueza não quer
dizer distribuição de renda, mas sim diminuição da exclusão social na medida em
que permite aos cidadãos o acesso aos bens que garantirão uma existência digna. É
a noção de desenvolvimento social baseada no desenvolvimento humano.
A devida prestação do serviço público permite à sociedade alcançar níveis de
desenvolvimento mais abrangentes do que a diminuição da pobreza. A defesa do
serviço público, prestado sob regime adequado, elevado à categoria de direito
fundamental, contribui para assegurar a redistribuição de bens essenciais à
concretização da vida digna permitindo a inclusão de pessoas na esfera política e
emancipação.
Em países emergentes, a intervenção do Estado continua sendo para a maior
parte da população, o único meio de acesso aos bens essenciais.
Portanto, a releitura do serviço público como mecanismo de concretização de
direitos fundamentais apresenta-se no contexto da reformulação dos papéis do
Estado como condição de desenvolvimento democrático. Neste sentido, relevante
citar MACIEL-LIMA:
A transformação do modo de produção capitalista força o Estado a assumir, paulatinamente, as funções de cuidados médicos e de controle. Nesse modo de produção, a medicina perde seu caráter religioso, para articular-se direta e indiretamente com a esfera produtiva. Não é mais a salvação das almas, mas a conservação e adaptação da força de trabalho às exigências de uma economia de reprodução ampliada. A saúde à serviço do capitalismo.
159
159
MACIEL-LIMA, Sandra Mara. Acolhimento solidário ou atropelamento? A qualidade na relação profissional de saúde e paciente face à tecnologia informacional. Cad. Saúde Pública [online]. 2004, vol.20, n.2, pp. 502-511. ISSN 0102-311X. p.504.
118
O serviço público é, certamente, o instrumento de realização efetiva dos
direitos sociais viabilizando a todos uma condição digna no alcance do bem comum
e trazendo à população felicidade. É neste contexto que passa-se a analisar o
serviço de reprodução humana assistida como serviço público, sendo um direito
fundamental e portanto, dever do Estado.
6.5 DAS NORMAS APLICADAS À PRÁTICA DA REPRODUÇÃO HUMANA
ASSISTIDA DIANTE DA INEXISTÊNCIA DE NORMA ESPECÍFICA
Silvio de Salvo Venosa 160 ao tratar do significado de Direito, em sentido
amplo, adentra aspecto de grande relevância. Declara o autor que "[...] Para que
haja essa disciplina social, para que as condutas não tornem a convivência inviável,
surge o conceito de norma jurídica". No mesmo sentido, merece enfoque a Teoria do
Tridimensionalismo do Direito. De acordo com o sustentado por Miguel Reale161,
fato, valor e norma "[...] não existem separados uns dos outros".
São nítidas as descobertas da Biomedicina, constantes e velozes,
diferentemente do Direito, o qual não detém a mesma dinâmica em sua atualização.
É notório que o Direito, ciência mais estagnada que a Medicina, por sua própria
natureza, não tenha acompanhado, lado a lado, a evolução das técnicas de
reprodução assistida.
Na verdade, os progressos científicos comprovam a lacuna jurídica – ou a
incompletude da ordem jurídica – nestas matérias relacionadas à Biomedicina,
fazendo ainda se rever princípios clássicos, que se tinham como definitivos, tais
como o da prevalência da paternidade biológica ou da certeza da maternidade, e
que diante das procriações artificiais, dão mostras de insuficiência ou esgotamento.
Não obstante a falta de regulamentação sobre o tema, este não pode ser
considerado desimportante. Ao contrário, as implicações sociais, políticas, morais e
sanitárias das tecnologias reprodutivas exigem um suporte jurídico como forma de
proteção dos direitos e interesses das pessoas envolvidas.
160
VENOSA, Silvio de Salvo. A reprodução Assistida e seus aspectos legais. Disponível em: <http://www.ejuridico.com.Br/noticias/exibe_noticias.asp?grupo=5&código=10401> Acesso em 21/10/2012. p.30. 161
REALE, Miguel. Lições Preliminares do Direito. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 65.
119
Cabível incumbir ao Direito a criação das condições para prevenção e
preservação da saúde moral e social dos indivíduos, correspondendo aos anseios e
necessidades da sociedade a que se refira, pois as inter-relações entre as normas
jurídicas e a sociedade são mútuas, e dessa influência deriva em grande parte a
evolução e a vida de ambas.
Em face à importância existente na conexão das normas e da sociedade,
incompreensível se torna a falta de respaldo legal em torno da reprodução humana
assistida, pelo ensejo de questões tormentosas, envolvendo a dignidade e a vida do
ser humano, desde sua concepção.
Na concepção de LEITE162 a procriação artificial surge como meio legítimo de
satisfazer o desejo de ter filhos; ainda, o intento de barrar sua constante evolução
seria algo impossível. O mesmo autor, quanto à divergência de posicionamentos
sobre o tema, assevera que a própria pluralidade de posições está a exigir uma
manifestação sem ambiguidades do mundo jurídico.
Importa observar que o Código de 2002 não autorizou nem regulamentou a
reprodução humana assistida. Diante do perigo de se ter o tema relegado à falta de
regulamentação, soluções jurídicas são geralmente anunciadas, para os casos
aparentes, pela análise dos costumes, do Direito Comparado, da analogia, e dos
princípios básicos de nosso ordenamento.
Ressalte-se que a base da própria existência do Estado brasileiro e, ao
mesmo tempo, fim permanente de todas as suas atividades, é a criação e
manutenção das condições para que as pessoas sejam respeitadas, resguardadas e
tuteladas, em sua integridade física e moral, assegurados o desenvolvimento e a
possibilidade da concretização de suas potencialidades e aptidões.
Nítido é, no entanto, que, embora sendo um direito fundamental, a dignidade
não foi, ao longo da história, garantia constante. Ao contrário, passou por recuos e
avanços, tendo em vista a influência de fatores culturais, econômicos e científicos.
No âmbito dos progressos científicos, no que tange à reprodução humana
assistida, a dignidade é relevante na demonstração do caminho a ser seguido, na
falta de legislação específica, na obrigação de cumprimento de um compromisso: o
do absoluto e irrestrito respeito à identidade e à integridade de todo ser humano.
162
LEITE.1995. p.215.
120
A ponderação, em muitos casos, deverá recair na análise da relação entre os
interesses dos que almejam se tornar pais, com o auxílio das tecnologias
reprodutivas, e os da criança a ser concebida. Nesse sentido deve-se garantir que a
criança não seja apenas um objeto a ser reivindicado. A dignidade do novo ser é
merecedora de ampla proteção.
Na busca por dispositivos constitucionais que embasam o contexto da
reprodução humana assistida, importa verificar o objetivo fundamental do Estado
brasileiro, constante no artigo 3°, inciso IV, da CF, qual seja, o da promoção do bem
estar. O significado de bem estar é bastante complexo, atentando-se, por exemplo,
para o fato de que diferentes entendimentos podem surgir em decorrência de
concepções individuais.
Ademais, no contexto da procriação humana artificial, pode-se considerar a
expressão por dois aspectos, pelo critério positivo e pelo negativo. Desse modo,
refere-se a bem comum tudo aquilo que contribui para a consolidação e para a
expansão, em harmonia com o contexto social, das virtualidades de cada indivíduo.
Por outro lado, o infringe, toda e qualquer medida contra a vida e a liberdade, contra
a dignidade e a igualdade dos seres humanos.
Fundamental esclarecer que o direito à vida, conforme a abordagem da atual
Constituição, apanha todo e qualquer projeto vital (inclusive células, tecidos, etc.),
vocacionado à vida ainda quando incapaz de manter, por si só, a existência. Assim,
por certo, conclamados podem ser os procedimentos da reprodução humana
orientada, mesmo porque, a vida humana integra-se de elementos materiais (físicos
e psíquicos) e imateriais (espirituais).
Ressalta-se que o direito em tela foi trazido à discussão, pois imprescindível
função exerce na abordagem sobre quem pode fazer uso dos procedimentos
artificiais de reprodução. Uma indagação paira sobre o fato de ser a utilização das
tecnologias reprodutivas direito de todos, indistintamente, em decorrência do direito
à igualdade.
O direito à liberdade, também encontrado na parte inicial do artigo 5°, reclama
destaque, pois sendo a liberdade encarada como permissão jurídica que se
reconhece às pessoas para comandar sua própria vontade, ocorre sua forte
interligação com o tema abordado, no que tange à oportunidade das pessoas
121
poderem optar por recorrer às técnicas reprodutivas e à necessidade de
consentimento informado para a prática das técnicas citadas.
O princípio da legalidade e da anterioridade, inscritos, respectivamente, nos
incisos II e XXXIX do mesmo artigo, implicam estudo. Por seus ditames, entende-se
que, no Brasil, o que não é proibido, é permitido, do mesmo modo como,
determinado é, não haver crime sem lei anterior o definindo.
Frente à inexistência de legislação específica, considerando-se tais
disposições, isoladamente, torna-se, então, plenamente legal a aplicação de
técnicas que visam à procriação humana artificial. Todavia, necessária se torna a
observação de outras regras constitucionais, conjuntamente.
A garantia da livre expressão científica, prevista no inciso IX do artigo 5° da
Constituição Federal, pode, ainda, ser mencionada. Na verdade, a possibilidade
dada a todos para poderem exprimir o pensamento a respeito de descobertas na
área científica, não parece adequar-se à ideia de liberalidade total na implementação
de técnicas nessa área. Há que se atentar à questão de que a ciência deve
submeter-se ao crivo ético e jurídico, em prol da dignidade humana.
O direito ao acesso à informação, previsto no inciso XIV do mesmo artigo
constitucional, por seu turno, necessita de menção na atual abordagem, uma vez
que, sob sua alegação, questiona-se a relevância de permanecerem anônimos os
doadores de material genético.
Ainda a proteção à família, prevista no artigo 203, inciso I, da Constituição
Federal, requer atenção, em especial no que concerne aos princípios da paternidade
responsável (artigo 227, § 6°) e do planejamento familiar (artigo 226, § 7°).
No tocante ao planejamento familiar é o artigo 2° da Lei 9.263/96 que oferece
seu conceito, garantindo-se ao planejamento familiar a chance, por parte da família,
de optar pelo uso das tecnologias reprodutivas.
O direito à convivência familiar também é direito assegurado pela Constituição
Federal em seu artigo 227, e por fim, cabível referenciar o artigo 225 da Constituição
Federal, segundo o qual depreende-se o direito ao meio ambiente equilibrado, sendo
dever da coletividade e do Poder Público sua defesa e preservação em prol das
presentes e das futuras gerações.
122
Nessa senda, salienta-se que na proteção ao meio ambiente está inserida a
necessária proteção à espécie humana de forma que a diversidade e a integridade
do patrimônio genético deve ser preservada, bem como devem controladas ser as
entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação do material genético.
Sobre o tema, complementa ARAÚJO:
A procriação é uma das faces de outros direitos que estão garantidos constitucionalmente, é extensão do direito à liberdade, do direito à saúde e do direito ao planejamento familiar. O Estado, enquanto ente responsável por normatizar as condutas de seus súditos, deve estimular os avanços na área da medicina reprodutiva, corroborando a necessidade de tratar a infertilidade e legitimando a possibilidade da reprodução pelos casais que a desejam e não podem pela via natural.
163
Portanto, como dito inicialmente, embora a Constituição Federal sirva de
socorro à lacuna legal relativa à tutela do embrião e aos tratamentos de reprodução
humana assistida, os aspectos regulatórios no Brasil estão muito aquém das
práticas e impactos provocados por essa revolução biotecnológica na qual foram
iniciados tais tratamentos. Além da regulação ainda tímida, a elaboração de políticas
de saúde e de ciência e tecnologia nessa área se ressentem da falta de
conhecimento das peculiaridades desse mercado de serviços.
6.6 A REPRODUÇÃO HUMANA COMO SERVIÇO PÚBLICO
Antes de entrar em vigência a Constituição Federal de 1988, serviços
públicos de saúde eram prestados pelos profissionais inseridos no mercado formal.
Após a promulgação da citada Constituição, os serviços de saúde passaram a
constituir um dever do Estado, conforme estabelecido no artigo 196, segundo o qual
a saúde “é direito de todos e dever do Estado”, além de instituir o “acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Certo é que as escolhas reprodutivas da população e a sua efetivação
dependem do acesso aos serviços de planejamento reprodutivo, tanto para o
atendimento da contracepção quanto para o atendimento da concepção.
163
ARAÚJO. 2007. p. 04.
123
A Lei do Planejamento Familiar de 1996 (Lei n° 9263)164 em seu artigo 226,
§2° define "planejamento familiar como um conjunto de ações de regulação da
fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da
prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal". Dentre o rol de ações elencadas no
artigo citado, observa-se a assistência à contracepção e à concepção. Portanto,
verifica-se que o dispositivo implica em ser disponibilizado, pelo Sistema Único de
Saúde (SUS), serviços de reprodução humana assistida.
Apesar do serviço de reprodução humana assistida ser oferecido por clínicas
públicas e particulares, o acesso ao serviço público de reprodução humana é
precário, fato que restringe o acesso às clínicas.
O número de clínicas privadas que realizam esses procedimentos tem
aumentado significativamente, porém determinar o número exato é inviável devido à
inexistência de um cadastro obrigatório. O único registro obrigatório existente é da
Anvisa, por meio do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio)165.
Entretanto, esse cadastramento é para os chamados Bancos de Células e Tecidos
Germinativos (BCTG), os quais podem ser localizados ou não nas clínicas de
reprodução humana.
Segundo Trabalho apresentado no XVIII
166, através de
levantamento de informações e cruzamento dos dados de clínicas, pesquisa em
meio eletrônico e por telefone, em 2012 foi registrado 217 (duzentos e dezessete)
serviços que oferecem tratamento para reprodução humana assistida no Brasil,
sendo que destas apenas 09 (nove) eram pertencentes de instituições públicas.
A primeira vez que se aventou a ideia de ser ofertado o serviço de reprodução
humana assistida pelo Sistema Público ocorreu no ano de 2005, com a Portaria
GM/MS nº 426 de 22/03/2005, a qual instituiu a Política Nacional de Atenção Integral
164
LEI DO PLANEJAMENTO FAMILIAR. Lei 9263/1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9263.htm. Acesso em 05/04/2014. 165
O SisEmbrio foi criado em 2008 para conhecer o número de embriões humanos produzidos pela técnica de FIV no País e que não foram implantados. Também há a possibilidade de saber o possível número de embriões a serem destinados para pesquisa e fins terapêuticos. Com esse sistema, a Anvisa pode controlar de maneira mais adequada as atividades das clínicas de reprodução assistida no Brasil. 166
http://174.121.79.98/~naotembr/anais/files/MR8%5B59
0%5D.pdf. Acesso em 05/04/2014.
124
em Reprodução Humana Assistida, sendo regulamentada pela Portaria nº 388,
também do Ministério da Saúde167, a qual determinava o oferecimento da fertilização
pelo Sistema Único de Saúde à pessoas com dificuldade para ter filhos.
No entanto, apesar do Ministério da Saúde, através de seu Ministro, ter
ciência da necessidade de se incluir procedimentos de Reprodução Humana
Assistida nas Tabelas do Sistema Único de Saúde afim de contemplar a atenção em
reprodução humana assistida, quatro meses depois de sua publicação, a Portaria
que instituiu a Política de Reprodução Humana foi suspensa, a fim de que fossem
realizados estudos de seus impactos financeiros.
Somente no ano de 2012 o Ministério da Saúde publicou a Portaria n° 3.149
de 28/12/2012168 na qual destinou R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) para
estabelecimentos de saúde que realizam procedimentos de Reprodução Humana
Assistida gratuitamente, no âmbito do Sistema Único de Saúde.
Esta iniciativa do Governo aparenta ser uma saída para o cumprimento de
seu dever de prestação do serviço de reprodução àqueles que não possuem
condições de custeio do tratamento em clínicas particulares, melhorando os serviços
já ofertados gratuitamente.
Uma outra possibilidade de cumprimento da obrigação de prestação dos
serviços de reprodução pelo Estado seria através do reembolso de clínicas
particulares de reprodução humana assistida.
Ocorre que, apesar de representar um direito do administrado, previsto em
nossa Constituição Federal e na Lei do Planejamento Familiar, o direito à
Reprodução Humana Assistida oferecida pelo Estado gera críticas àqueles
administrados que não dependem dos serviços, os quais alegam existir outras
necessidades precárias do Estado mais relevantes para se receber investimentos.
Na falta de uma política pública de reprodução humana assistida, o Poder
Judiciário pode ser demandado para julgamento de ações impetradas contra o
Estado, por pessoas que se veem impedidas do acesso aos procedimentos de
reprodução assistida.
167
Portaria nº 388 do Ministério da Saúde. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/ PORTARIAS/Port2005/PT-388.htm. Acesso em 09/04/2014. 168
Portaria n° 3.149 de 28/12/2012. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/ 2012/prt3149_28_12_2012.html. Acesso em 16/04/2014.
125
Devido à inexistência de uma Política Pública de Reprodução Humana
Assistida, qualquer argumento para defender a sua necessidade de implantação
apresenta-se insuficiente para contrapor-se às necessidades mais urgentes dos
administrados, tal como habitação e saúde. LEITE169 rebate algumas críticas de
maneira eficaz, incluindo críticas quanto à desnecessidade de investimentos em
reprodução assistida diante do grande número de crianças para adoção, vejamos:
A questão que se coloca é a de saber se existe ou não, e em que medida, o direito de ter um filho [...] poder-se-ia negar em cada ser este direito fundamental como expectativa tanto natural quanto essencial? Certamente que não. Este direito incontestável é absoluto? Se há verdadeiramente um direito absoluto à criança, isso quer dizer que todos os meios são possíveis para ter um filho. Se existe este direito - e nem a lei civil, nem a religiosa o negam - a sociedade tem o dever de ajudar os casais que se chocam contra o obstáculo da esterilidade, a superar esta barreira. [...] Alegar que a procriação artificial é inaceitável enquanto existirem crianças abandonadas aptas à adoção é confundir conceitos, pois o direito à maternidade é de foro íntimo e nada tem a ver com a questão social da adoção. [...] Afirmar que investimentos em serviço público de reprodução assistida é egoísta e não interessa à sociedade, a qual possui necessidades mais primárias para destinação dos recursos públicos, "[...] redunda em justificar a omissão do Estado na solução de problemas decorrentes do abandono de menor, jogando a responsabilidade sobre o ombro do particular". [...] Portanto, nunca é demais frisar, a adoção não tem, nem pode ter, qualquer prerrogativa intrínseca ou extrínseca de afastar o direito de ter filhos.
O direito de acesso à reprodução humana assistida gratuitamente, fornecida
pelo SUS, guarda um rol de ponderações sem as quais se pode distanciar. E ainda
que o Estado seja legitimado para prestar os serviços de reprodução humana
assistida, é notório que a efetivação destes direitos é limitado em virtude da
disponibilidade econômica estatal, exigindo-se a adequada aplicação e controle dos
recursos públicos. Neste sentido, vale citar BERTONCINI e SÉLLOS-KNOERR170:
mica deva ser per
169
LEITE.1995. p.139. 170
SÉLLOS-KNOERR Viviane Coêlho de e BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. NCIA. Revista Jurídica Cesumar -
Mestrado. Vol. 12, No 1 (2012). p.253. Disponível em: www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index. php/revjuridica/article/view/2353/1648. Acesso em 25/02/2014.
126
Tendo em vista o exposto, com fundamento no dever do Estado de fornecer
o serviço de concepção, seja ela natural ou através da Reprodução Humana
Assistida, observa-se que o Estado passa a assumir mais um serviço público a ser
prestado para a população. Neste contexto, os administrados que necessitam deste
serviço podem se beneficiar gratuitamente de um tratamento de saúde que na
realidade efetivará o direito constitucionalmente garantido à vida.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento científico e a reprodução humana não podem ficar à
127
margem de análise legal e doutrinária de cunho jurídico, tendo em vista a tutela dos
direitos fundamentais e interesses difusos correlacionados com as técnicas de
reprodução humana assistida.
A Constituição Federal de 1988 foi o marco jurídico da transição democrática
e da institucionalização dos direitos e garantias fundamentais. Em seu preâmbulo
verificamos a construção do Estado Democrático de Direito destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos.
É nesse cenário que a Lei de Biossegurança finca sua bases de justiça,
segurança jurídica e bem-estar social. Por conseguinte, o valor solidariedade e a
dignidade da pessoa humana tornam-se sustentáculos do que se defende neste
estudo, permitindo confirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana é o
fundamento para as decisões eventualmente emanadas a respeito das técnicas de
reprodução humana assistida, pois é o único princípio que permite a análise do
embrião sob o enfoque de ser humano constituído, aplicando-se a ele toda a
proteção jurídica equiparada aos humanos já nascidos.
Ao tratar da tutela jurídica do embrião no capítulo terceiro, após exame das
correntes doutrinárias defensoras dos diversos momentos em que a vida se inicia,
observou-se que doutrinariamente não há um consenso, porém juridicamente a
legislação brasileira adota a corrente natalista, considerando o nascimento com vida
o evento que confere ao ser humano a sua personalidade jurídica.
Após exposição das teorias que fundamentam o início da vida e o status do
embrião, importa constar que sobre o tema não houve consenso entre os Ministros
do Supremo ao votar a ADI 3510/2005, valendo consignar a decisão final da Côrte
de que o embrião produzido em laboratório, sem condições para implantação no
útero de uma mulher, denominado inviável, não seria pessoa humana e, portanto,
estaria desamparado pelo princípio constitucional da inviolabilidade da vida.
Neste contexto pode se observar que o embrião humano encontra-se
nitidamente em uma condição de grande vulnerabilidade pois depende de
circunstâncias alheias a sua vontade para o seu pleno desenvolvimento. Por tal
razão fala-se da hipervulnerabilidade do embrião. Ao tratar da maternidade
128
substitutiva observou-se que o embrião encontra-se vulnerável aos atos praticados
pela mãe gestacional no período estabelecido na gestação e inteiramente indefeso.
A criopreservação do embrião é outra situação a demonstrar a sua
hipervulnerabilidade, pois ele não possui condições de defesa para manifestar
anuência ou discordância ao seu congelamento, mantendo-se integralmente
vulnerável à sua manipulação e criopreservação. Portanto, o embrião não possui
capacidade para reagir, tampouco autonomia para escolher o que pretende, razão
que justifica sua hipervulnerabilidade.
Diante da hipervulnerabilidade do embrião humano, o ordenamento buscou
garantir ao embrião que ele não poderia ser objeto de comércio e patenteamento.
Conforme previsão legal, só podem ser patenteados microorganismos modificados,
vedando-se o patenteamento de qualquer outra forma de organismo vivo, tais como
os genes e os processos biológicos naturais, dentre eles o embrião humano.
Da mesma forma, no que se refere ao comércio de embriões, a prática é
vedada no ordenamento jurídico brasileiro e ainda, à luz do princípio da dignidade da
pessoa humana, constitui um procedimento inválido, por ser um negócio jurídicos
viciado pela ilicitude de seu objeto.
O capítulo quarto foi destinado à análise do descarte de embriões humanos
iniciamente sob o aspecto penal, considerando que a sociedade experimenta
avanços que aumentam sua exposição à riscos imprevisíveis. Embora as técnicas
de reprodução humana constituam um grande avanço da ciência, viabilizando
àqueles que não conseguem procriar-se pela via natural a possibilidade da
paternidade, riscos ao meio ambiente e ao ser humano são evidenciados.
Neste sentido, a sociedade tem experimentado mudanças que repercutem
diretamente no direito penal, tais como a criação de novos bens jurídicos
supraindividuais e a disseminação dos delitos de perigo, demandando nova tutela
penal. Ele atua preventivamente por meio dos delitos de perigo, mas sem abandonar
a missão de proteção subsidiária de bens jurídicos indispensáveis à vida.
Após análise dos tipos penais previstos na Lei de Biossegurança, cuja
iniciativa foi de assegurar o conjunto normativo de cunho penal, co -
contra o patrimônio genético humano supostamente tutelariam diferentes bens
129
jurídico-penais, muito embora a doutrina divirja acerca deles, apontando-se
divergências, ainda, quanto à classificação de referidos delitos.
Analisada a redação legislativa dos tipos ali contidos, concluiu-se que a
solução de tutela do patrimônio genético do homem encontrada pela Lei de
Biossegurança de 2005 é tão somente parcialmente conforme a orientação político-
criminal de intervenção mínima e a exigência de ofensividade impostas pela
Constituição da República de 1988, uma vez que não se expôs, com clareza devida,
quais as condutas objetivamente idôneas a criar um injusto risco ao bem identidade
genética humana.
No capítulo quinto a análise contornou a extensão da responsabilidade das
clínicas de reprodução humana quanto ao descarte do embrião humano, concluindo-
se pela sua responsabilização objetiva pela prática. No caso de uma clínica de
reprodução humana assistida cometer alguma falta ou falha no serviço prestado, ou,
na realização do procedimento contratado ou posteriormente a ele, causar qualquer
tipo de dano ou prejuízo aos seus pacientes, serão devidamente responsabilizadas.
O último capítulo foi destinado à análise da reprodução humana como serviço
público, sendo possível perceber que a reprodução assistida é um direito
fundamental e deve ser implementado como serviço público pelo Estado.
A Constituição Federal prevê que o Estado tem o dever de garantir saúde aos
seus administrados e o direito fundamental à uma vida digna, englobando neste o
direito à saúde e o direito ao planejamento familiar, seja através de métodos
contraceptivos mas também métodos conceptivos.
Não é razoável privar o indivíduo de gerar um filho, já que o impedimento de
concepção de um filho pela via natural pode acarretar abalo em seu psicológico,
consoante reconhece o Conselho Federal de Medicina, cabendo ao Poder Público
intervir para garantir, assim, a dignidade dos seus administrados.
A legislação neste sentido é omissa, mas diante da periculosidade de se ter
assunto tão sério relegado à falta de regulamentação, faz-se necessário buscar
soluções jurídicas para os casos que delas necessitam, pela análise dos costumes,
direito comparado, da analogia, dos princípios básicos de nossa sociedade.
Portanto, diante de todos os aspectos analisados no presente estudo, pode-
se afirmar que a prestação adequada do serviço público, elevado à categoria de
130
direito fundamental, contribui para assegurar a concretização da vida digna
permitindo a concepção da vida àqueles impedidos de fazê-lo.
REFERÊNCIAS
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social dos Serviços Públicos. São Paulo:
Max Limonad, 1999.
131
ALDROVANDI, Andréa, FRANÇA, Danielle Galvão de. A reprodução Assistida e
as relações de parentesco. Jus Navigandi, Teresina, n. 58, ago. 2002. Disponível
em http:/www1.jus.com.Br/doutrina/texto.asp?id=3127. Acesso em 10/10/12.
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