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CENTRO UNIVERSITÁRIO FG - UNIFG BACHARELADO EM DIREITO LUCIANA PINHEIRO FONSECA ARTIGO CIENTÍFICO A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Guanambi BA 2021

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FG - UNIFG

BACHARELADO EM DIREITO

LUCIANA PINHEIRO FONSECA

ARTIGO CIENTÍFICO

A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO À

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Guanambi – BA

2021

LUCIANA PINHEIRO FONSECA

ARTIGO CIENTÍFICO

A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO À

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Artigo científico apresentado ao curso de

Bacharelado em Direito, do Centro Universitário

FG - UNIFG, como requisito de avaliação da

disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Carneiro Bezerra

GUANAMBI – BA

2021

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 5

2 FEMINISMO E O MOVIMENTO DE MULHERES NA LUTA PELAS POLÍTICAS

PÚBLICAS ................................................................................................................................. 6

3 A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE À VIOLÊNCIA

CONTRA A MULHER ............................................................................................................ 11

4 A EXECUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA

CONTRA A MULHER ............................................................................................................ 16

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 18

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 19

4

A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO À

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Luciana Pinheiro Fonseca1, Cláudio Carneiro Bezerra

2

1 Graduanda do curso de Direito, Centro Universitário FG - UniFG.

2 Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, Centro Universitário FG - UniFG.

RESUMO: As políticas públicas são um conjunto de ações implementadas pelo Estado com o

intuito de garantir o atendimento à população de serviços considerados necessários à sua

manutenção enquanto cidadãos dotados de direitos. Nesse sentido, as políticas públicas tem

um papel fundamental no enfrentamento à violência contra a mulher. E apesar dos avanços

neste setor, os altos índices de agressão à mulher e de feminicídios nos últimos anos,

demonstram que estas políticas e sua forma de execução não estão sendo suficientes. Diante

disso, este artigo pretende, à luz da história e da Lei Maria da Penha, da Lei do Feminicídio e

de outras leis e literaturas pertinentes sobre o assunto, discutir como as construções culturais

de dominação do homem sobre a mulher são legitimadoras da violência, assim como o

movimento feminista e o movimento de mulheres contribuíram para os avanços neste quesito.

Além disso, faz-se a análise da importância e da execução das políticas públicas de

enfrentamento à violência contra a mulher, apresentando possíveis formas de amenizar a

ausência do Estado no atendimento à estas mulheres vítimas de violência.

PALAVRAS- CHAVES: Lei Maria da Penha. Lei do Feminicídio. Movimento feminista e

de mulheres. Políticas Públicas.

ABSTRACT: The public policies are a set of actions implemented by the State in order to

ensure the care of the population of services have been considered necessary for their

maintenance as citizens with rights. In this sense, public policies have played a fundamental

role in confronting violence against women. Despite of advances in this sector, the high rates

of aggression against women and femicides in recent years demonstrate that these policies and

their form of execution are not being sufficient. Therefore, this article intends, in the light of

the history and the Maria da Penha Law, the Law of Femicide and other relevant laws and

1 Endereço para correspondência: Avenida Sandoval Moraes, nº 679, apartamento 04- Bairro: Sandoval

Moraes- Guanambi, Bahia, CEP: 46130-000.

Endereço eletrônico: e-mail: [email protected]

5

literature about this subject, to discuss how the cultural constructions of man's domination

over women are legitimizing violence, as well as the feminist movement and the women's

movement contributed to the advances in this issue. In addition, an analysis is made of the

importance and implementation of public policies to combat violence against women,

showing possible ways to alleviate the absence of the State in serving these women victims of

violence.

KEY WORDS: Maria da Penha Law. Femicide Law. Feminist and women's movement.

Public Policies.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com o Atlas da Violência (2020), em 2018, uma mulher foi assassinada no

Brasil a cada duas horas, totalizando 4.519 vítimas. Estes dados são reflexos da violência a

que as mulheres estão submetidas diariamente, que em muitos casos culminam com a morte

das mesmas.

Para entender estes dados é necessário entender que o Brasil carrega em sua história

uma herança patriarcal que repercute nos relacionamentos tanto públicos quanto privados. Tal

herança é visível, principalmente, na relação entre homem e mulher, em que o primeiro se

acha dono do corpo e mente da mulher.

Essa relação de poder exercida pelo homem se configura em relacionamentos

abusivos, visto que os índices de agressão e violência contra a mulher são crescentes.

Entretanto, a atuação do Estado na prevenção à violência contra a mulher ainda é muito

incipiente e não vem apresentando os resultados esperados, visto que este tipo de violência

continua em crescimento.

De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do ano de 2015 até

o ano de 2018 houve um aumento de 62,7% nos casos de feminicídio no Brasil (BRASIL,

2019). Diante destes elevados índices e tendo em vista que o Estado brasileiro tem a função

de garantidor dos direitos e garantias fundamentais, torna-se necessário uma discussão da

ausência do Estado na prevenção deste e de outros crimes que tenha a mulher como vítima.

Nesse interim, este artigo tem o propósito de levar à reflexão acadêmica e à população

em geral o histórico social e cultural de dominação dos homens sobre os corpos das mulheres

presente na nossa sociedade e que são legitimadas por ações reproduzidas cotidianamente nos

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diversos setores sociais, o que culmina nas diversas formas de violência de gênero, além

disso, pretende analisar a importância da luta do movimento feminista e de mulheres na

conquista de proteção à mulher vítima de violência, assim como, destacar a importância das

políticas publicas no enfrentamento à violência contra a mulher e ao fim, analisar como estas

políticas publicas estão sendo executadas, destacando- se a atuação dos profissionais que

promovem os primeiros atendimentos a estas mulheres. Para tanto, o presente artigo foi

dividido em três tópicos os quais são “Feminismo e movimento de mulheres na luta pelas

políticas públicas”, “A importância das políticas públicas no combate a violência contra a

mulher” e “Execução das políticas públicas no enfrentamento à violência contra a mulher”, os

quais serão discutidos a seguir.

Metodologicamente, este artigo se pauta no método de pesquisa de análise

bibliográfica. Assim, pretendeu-se analisar a importância do movimento de mulheres e

feministas na implementação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra as

mulheres, além disso, pautando-se na prerrogativa do Estado enquanto garantidor dos direitos

fundamentais, assim como, buscou-se analisar os avanços que foram conquistados neste setor.

Para tanto, este trabalho deu-se em consonância com as legislações consideradas mais

relevantes sobre o assunto, como a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 11.340/2006, a Lei

Maria da Penha, a Lei nº 13.104/2015, Lei do Feminicídio e outras legislações e literaturas

pertinentes.

2 FEMINISMO E O MOVIMENTO DE MULHERES NA LUTA PELAS POLÍTICAS

PÚBLICAS

A disputa pelo poder está presente em todos os setores de nossa sociedade: instituições

públicas e privadas, no trabalho e nas relações humanas de uma forma geral e isso ocorre

porque existe os dominadores e os dominados, relação que é aceita e construída pelos diversos

meios de socialização, como as crenças ideológicas, religiosas e culturais, que se configura

nas divisões sociais. No caso das diferenciações atribuídas a homens e mulheres, essa vai se

manifestar principalmente na família sobre diferenças biológicas, ou seja, o cuidado com as

crianças e sua socialização inicial são competências femininas, enquanto o homem age apenas

como auxiliar. Pierre Bourdieu atribui essa divisão à “naturalização” na sociedade, trazendo

reconhecimento e legitimidade para a divisão sexual, a qual opõe o lugar de assembleia ou de

mercado, reservados aos homens, e a casa, reservada às mulheres (BOURDIEU, 1999, p. 35).

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Eunice Durham (1983) afirma que baseando-se nessas argumentações e em outras,

várias sociedades em diferentes épocas, impuseram-se às mulheres posições e deveres em

concordância com a vontade de outros, tanto no que diz respeito ao homem quanto ao sistema.

Entretanto, a própria cultura e outros motivos, como a necessidade de sobrevivência ou de

mudança fizeram com que a mulher em diversos lugares e momentos não se adequasse ao

sistema pretendido de delimitação de objetivos e atuação imposta. Essa incorporação da

mulher aos setores “impróprios” a ela, de uma forma geral, foi resultado de certas mudanças

culturais, e assim, a cultura é determinante para a legitimação da posição dos indivíduos na

sociedade, tornando-se requisito primeiro de mudança dos lugares em que esses se encontram,

conforme destaca Eunice Durham (DURHAM, 1983).

A colonização brasileira foi marcada pelo estabelecimento de uma economia de base

agrária, latifundiária e escravocrata e esse campo foi propício à instalação de uma sociedade

paternalista, que tinha no patriarca sua base, a qual estimulava a dependência na autoridade

paterna e a solidariedade entre os parentes, que se configurava na família patriarcal brasileira,

ressalta Samara (1983). Para esta autora, esse modelo de família que foi transplantado de

Portugal, se adaptou as peculiaridades brasileiras e através da parentela se expandiu

verticalmente por miscigenação e horizontalmente pelos casamentos entre a elite branca.

Nesse modelo de estrutura familiar, o chefe tinha autoridade quase absoluta, restando à esposa

um papel mais restrito e tradicional e as mulheres depois de casadas passavam da tutela do pai

para a do marido, cuidando dos filhos e dos serviços da casa. Assim, o mito da mulher

submissa e do marido dominador se baseia nessa concepção, que relegava à mulher um papel

mais restrito ao âmbito familiar e ao patriarca o dever de cuidar dos negócios, da honra

familiar e dos agregados, assim, a responsabilidade maior ficava com o “homem como

provedor da mulher e dos filhos, por costumes e tradições apoiados nas leis” (SAMARA,

1983, p. 58).

Apesar dos avanços conquistados acerca da diminuição da desigualdade existente

entre homem e mulher presente na nossa legislação, culturalmente essa herança permeia a

nossa sociedade e o imaginário masculino, que coloca o sexo masculino dono dos corpos e

mentes femininas, o que resulta em relacionamentos abusivos que acarreta a violência contra

a mulher e eleva a cada ano os índices de feminicídio no país (TELES e MELO, 2002). Nesse

sentido, Maria de Almeida Teles e Mônica Melo (2012) acrescentam que a disputa pelo poder

se materializou nos papeis de dominação do homem e submissão da mulher, que foram

reforçados pelo patriarcalismo, induzindo relações violentas entre os sexos.

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As discussões em torno dessa organização social existente entre homem e mulher fez

surgir o termo “gênero” inicialmente dentro do movimento feminista americano, que passou a

usar o termo como uma forma de rejeitar o uso de termos como “sexo” ou diferença sexual,

com o objetivo de “descobrir a amplitude dos papeis sexuais e do simbolismo sexual nas

várias sociedades e épocas”, além de entender seu sentido para manter a ordem social e para

modificá-la (SCOTT, 1995, p. 74).

O gênero pode ser definido, também, como um elemento constitutivo de relações

sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos enquanto relação de poder, pois a

mudança na organização das relações sociais corresponde a mudanças nas representações de

poder, a partir de elementos como cultura, simbólicas presentes em todas as instituições destes

símbolos tem-se a construção identitária da mulher “ideal”, como destaca Scott (1995).

Corroborando com esta ideia, Gervásio e Almeida (2019), defendem que:

A normatividade dos poderes de gênero se inscreve sobre os corpos dos

sujeitos. E esses questionamentos tem como fundamento (não somente) a

libertação desses corpos, a desnaturalização dos poderes que exercem

violentamente sobre eles; são lutas que buscam a superação da falsa ordem

binária social e politicamente estabelecida (GERVÁSIO e ALMEIDA, 2019,

P. 07).

“O brasileiro não é cordial”, ao contrário disso, a história do Brasil revela uma

“sociabilidade violenta”, destaca Saffioti (SAFFIOTI, 2004, p. 56). A Violência contra as

mulheres sempre existiu no Brasil e no mundo, independentemente da riqueza e do grau de

desenvolvimento da nação, do nível de escolaridade dos envolvidos, do tipo de cultura e da

religião dominante e para eliminá-la são necessária medidas que vão desde a discussão do

assunto nas instituições educacionais e familiares até a implantação de políticas públicas

incisivas (SAFFIOTI, 2004).

Destarte, a violência de gênero se configura em uma relação de poder pautada,

principalmente, na violência dos homens contra as mulheres, que se legitima na herança

patriarcal de dominação do homem sobre as mulheres, com o intuito de controlar suas ações,

desejos e anseios, essa é chamada “dominação simbólica” descrita por Bourdieu (1999), que

anula a história dessas mulheres enquanto indivíduos e naturaliza as desigualdades existentes

entre homens e mulheres.

Para Medeiros (2018) os crimes cometidos contra as mulheres que tiveram repercussão

nacional em nome da “honra” tiveram um importante papel na temática da violência

doméstica contra a mulher, visto que o movimento feminista ganhou visibilidade e rompeu

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com o estigma de que a violência é um fenômeno social que acontece somente com mulheres

pobres, negras, e com baixa escolaridade que residem na periferia dos centros urbanos. Desse

modo, o movimento feminista se empenhou em denunciar casos em que o agressor havia sido

absolvido, conclamando as mulheres brasileiras à resistência e ao protesto através de material

de publicidade e outros meios.

Nesse interim, com o impacto da atuação feminista e dos movimentos sociais no

Brasil, a década de 1980 foi o marco para formulação das primeiras políticas relacionadas ao

gênero com a criação do SOS-Mulher de São Paulo, que foi o primeiro do país e que logo se

espalhou pelo Brasil. Medeiros (2018) destaca que a criação do SOS- Mulher representou um

maro no atendimento às mulheres vítima de violência, pois foi a primeira experiência de

contato direto com as mulheres vítimas de violências e isso deu visibilidade a situações e,

consequentemente, a desafios até então invisíveis para o conjunto do movimento feminista e

para a sociedade em geral. Esta autora destaca as principais atividades do SOS-Mulher, que

eram:

Denunciar as violências sofridas, principalmente as relacionadas aos

assassinatos de mulheres pelos seus parceiros íntimos; mobilizar a sociedade

para os atos públicos realizados pelo movimento feminista pelo

enfrentamento da violência contra a mulher e temas relacionados com a

desigualdade de gênero, e, atender as mulheres vítimas de violência

doméstica... (MEDEIROS, 2018, p. 38).

Este trabalho de atendimento, iniciado com o SOS-Mulher, às mulheres vítimas de

violência está presente atualmente nos serviços de atendimento especializados às mulheres

vítimas de violência doméstica de todo o país e produziu um modelo de atendimento às

mulheres vítimas de violência doméstica, ressalta Medeiros (2018). E mesmo entrando em

crise pela falta de estrutura, apoio e de políticas sociais que solidificassem o projeto, o SOS-

Mulher consistiu em uma experiência que foi utilizada como parâmetro para as políticas

relacionadas à temática de gênero que viriam a seguir. Desde então, partidos começaram a

construir seus projetos visando o eleitorado feminino, o que levou o movimento feminista a

repensar a sua relação com o Estado e assim o movimento deixou de ser mero portador de

reivindicações para ser tornar sujeito político, acrescenta Medeiros (2018).

Com a criação da Delegacia Especializada no atendimento à Mulher (Deam) e a

criação dos Conselhos Estaduais dos Direitos da Mulher na década de 1980, a pauta no

âmbito federal e estadual foi se modificando e isso levou o movimento de mulheres e

feminista a influenciarem na formulação legal e institucional por meio de políticas públicas

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voltadas à igualdade de direitos entre homem e mulher e em políticas voltadas para o combate

à violência doméstica contra a mulher (MEDEIROS, 2018).

Um dos exemplos de resultado da luta do movimento feminista ocorreu em 1991,

quando o Supremo Tribunal de Justiça declarou que “(...) o homicídio não pode ser encarado

como o meio normal e legitimo de reação contra o adultério, pois nesse tipo de crime o que se

defende não é a honra, mas a auto-valia, a jactância, o orgulho do Senhor que vê a mulher

como propriedade sua....” (BAESTED, 1994, p. 53 apud Mereiros 2018). Esta decisão

representou uma vitória, pois ao considerou a “legitima defesa da honra” uma tese não

jurídica e representou uma incorporação do discurso feminista no Supremo Tribunal de

Justiça (STJ).

A Lei Maria da Penha, lei nº 11. 340 de 07 de agosto de 2006, foi um dos marcos

importantes para o enfrentamento à violência contra a mulher, a qual foi resultado da atuação

dos movimentos feministas e do caso Maria da Penha versus Brasil na Comissão

interamericana de Direitos Humanos no ano de 2001. Foi a partir desta lei que o Estado

brasileiro iniciou a revisão de estratégias e políticas públicas de defesa dos direitos humanos

das mulheres, denunciando o cotidiano das mulheres e tornando visível a violação de seus

direitos fundamentais. Entretanto, esta lei não estava sendo efetiva no sentido de impedir o

assassinato de mulheres em decorrência do gênero, o que se fez necessário reconhecer o

feminicídio como um novo tipo penal previsto no Código Penal Brasileiro (FONSECA, et al.

2018). Ao ratificar a Lei nº 13.104 de 09 de março de 2015, Lei do Feminicídio, o Estado

brasileiro acrescentou ao artigo 121 do código Penal Brasileiro, o inciso IV, colocando o

crime como uma qualificadora do homicídio. O que aumentou o poder de punição a quem

cometer esse crime, que apesar de não restringir a homens, esses são os principais autores.

A lei em questão tipifica o feminicídio como homicídio qualificado, considerando-o

como crime hediondo, que são considerados de extrema gravidade e por esse motivo recebem

uma punição mais severa do legislador. Esse termo “feminicídio” pode ser conceituado, de

acordo com Wânia Passinato (2011) como sendo o ato de matar que deve estar ligado a um

histórico de violência e de intenção, “que inclui abusos verbais e físicos e uma extensa gama

de manifestações de violência e privações a que as mulheres são submetidas ao longo de suas

vidas” e caso esses abusos resultem na morte da mulher, esse crime é considerados como

feminicídio (PASSINATO, 2011, p. 224).

Segundo o Atlas da violência (2019), houve um crescimento de 30,7% no número de

homicídios de mulheres no Brasil durante a década analisada de 2007 a 2017. Esse aumento

pode ser explicado, também, devido a criação da Lei do Feminicídio, Lei nº 13.104, de 09 de

11

março de 2015, mas não se sabe ao certo o aumento real, já que antes muitos casos eram

subnotificados. Ao se analisar o número de mulheres que procuraram as delegacias de polícia

para registrar episódios de agressão em decorrência de violência doméstica no ano de 2017,

esses registros somavam mais de 221, número que pode ser maior pelo fato de muitas

mulheres terem medo ou vergonha de denunciar os seus agressores. O Atlas da Violência

(2020) trouxe outros indicadores, entre 2013 e 2018 houve uma diminuição da taxa de

homicídios de mulheres fora de casa de 11,5%, mas as mortes de mulheres dentro de casa

aumentaram 8,3%, o que é um indicativo do crescimento de feminicídios e pode ser um

reflexo do crescimento da difusão de armas nos últimos anos. Diante destes dados e das

discussões realizadas, é notória a necessidade de uma discussão sobre a reformulação das

políticas públicas existentes, assim como considerar a formulação de políticas públicas mais

eficientes para que ocorra uma diminuição dos índices de agressão à mulher e do feminicídio.

Podemos considerar a violência contra as mulheres como uma das principais formas

de violação dos seus direitos humanos, atingindo-as em seus direitos à vida, à saúde, e à

integridade física, destacam Jardim e Paltrinieri (2018). E esta violência se dá em diversas

formas, quais sejam: a doméstica, a psicológica, a física, a moral, a patrimonial, a sexual, o

assédio sexual, dentre outras, que atinge mulheres de diferentes classes sociais, origens,

idades, regiões, estados civis, escolaridade, raças e orientação sexual. Para amenizar e

solucionar esta questão, o Estado brasileiro deve adotar políticas públicas que sejam

acessíveis, de forma concreta, às mulheres vítimas de violência, por isso torna-se a relevante a

discussão acerca das políticas públicas.

3 A IMPORTÂNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBATE À VIOLÊNCIA

CONTRA A MULHER

Silva (2018) afirma que as mudanças ocorridas a partir da década de 1970 no cenário

nacional trouxeram alterações do papel do Estado com relação à visibilidade da situação da

mulher enquanto cidadã dotada de direitos e no movimento feminista com, inicialmente,

pautas reivindicatórias contribuiu para estas discussões atuando em diversas frentes, dentre

elas podemos citar a resistência contra a ditadura e colaborando no processo de

redemocratização do Brasil através da luta por direitos e por políticas públicas voltadas ao

enfrentamento das desigualdades de gênero.

O conceito de política pública é amplo, assim, para Silva (2018) política pública é um

“conjunto de ações do Estado orientadas por determinados objetivos, refletindo ou traduzindo

12

em decisões que procuram responder a determinados problemas da sociedade”. Esta autora

acrescenta, ainda, que considera as políticas públicas como resultado de um processo que

envolve “governantes, legisladores, eleitores, administração pública, grupos de interesses,

público-alvo e organismos transnacionais” (SILVA, 2018, p. 48).

Sousa, 2006 apud Silva, 2018, ressalta que as políticas públicas surgiram nos Estados

Unidos com ênfase nas ações de governo, mas não estabelecia relação com as discussões

sobre o papel do Estado, do ponto de vista teórico, o que foi diferente na Europa, em que os

estudos e pesquisas se concentraram na análise do Estado e suas instituições, do que na

atuação do governo em si. Com relação ao Brasil, a visibilidade dos estudos das políticas

públicas cresceu a partir da década de 1990, com uma nova reconfiguração do papel do

Estado, visando a recuperação econômica diante da crise dos anos anteriores e

consequentemente, com a instalação de sistemas de proteção social frente às demandas dos

movimentos dos trabalhadores que reivindicavam direitos relacionados ao trabalho e melhoria

nas condições de vida.

Nesse sentido, a redemocratização do país trouxe a tona o surgimento de diversos

movimentos sociais, que reivindicavam direitos de cidadania frente a Constituinte e os

movimentos feministas tiveram uma atuação importante tanto contra a ditadura quanto a favor

do restabelecimento democrático e criticando a omissão do Estado frente aos direitos das

mulheres, como afirma Barsted, 1994 apud Silva, 2018:

Assim, o movimento de mulheres no Brasil surge com uma dupla identidade:

de um lado, fazia parte do movimento contra a ditadura, já que muitas de

suas militantes pertenciam a grupos de resistência; de outro, apresentava-se

como um ator social novo na luta pelo reconhecimento da condição da

mulher enquanto problemática social (BARSTED,1994, p. 39-40 apud

SILVA, 2018, p. 53)

Na década de 1980 surgiram propostas de criação de novos espaços de interlocução

entre Estado e sociedade civil com o intuito de eliminar a discriminação contra a mulher

assegurando condições de liberdade e de igualdade de direitos nos diversos setores como na

politica, economia, cultura por meio da criação de políticas públicas. Assim, destas lutas,

resultou a criação de diversos órgãos públicos, programas governamentais direcionados aos

direitos das mulheres, dentre os quais é destacado por Barsted, 1994, p. 43- 44 apud Silva,

2018, p. 54.

– o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), elaborado

em 1983 e incorporado formalmente à estrutura do INAMPS em 1986;

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– o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), criado em 1985,

definindo um amplo campo de atuação interministerial, junto ao movimento

de mulheres, ONGs, Poder Legislativo, Poder Judiciário, governos estaduais

e mídia;

– os Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Mulher, criados a

partir de 1983; a princípio nos estados de São Paulo e Minas Gerais e,

sucessivamente, nos estados mais significativos do País, num total de onze

Conselhos Estaduais e cerca de quarenta Conselhos Municipais.

– as Delegacias de Atendimento às Mulheres vítimas de violência, criadas a

partir de 1985;

– os abrigos, centros de orientação jurídica à mulher vítima de violência e os

cursos sobre direitos da mulher em academias de polícia, criados a partir de

1985;

– a mudança legislativa constante na Constituição Federal, de 1988,

Constituições Estaduais de 1989 e Leis Orgânicas Municipais, de 1990

(BARSTED, 1994, apud, Silva, 2018, p. 54).

Entretanto, Medeiros (2018) destaca que o reconhecimento acima não significou que

estas iniciativas mencionadas corresponderam as expectativas do movimento das mulheres,

mesmo diante dos documentos internacionais em favor da causa, como o reconhecimento pela

ONU - Organização das Nações Unidas da necessidade de rever a atuação dos Estados, como

por meio da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as

Mulheres de 1979 e do documento elaborado na III Conferência Mundial da Mulher, que

ocorreu em Nairóbi em 1985, que possibilitaram que os países signatários se

comprometessem na “formulação e implementação de políticas públicas voltadas para a

eliminação das desigualdades de gênero”(BARSTED, 1994 apud Silva, 2018, p. 53).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve alterações com relação a

descentralização política administrativa e a municipalização, permitindo a participação da

população na formulação das políticas públicas. Desse modo, o artigo 204 da Constituição de

1988 elenca como se daria esta organização;

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão

realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos

no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas

seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e

as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos

respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a

entidades beneficentes e de assistência social;

II - participação da população, por meio de organizações

representativas, na formulação das políticas e no controle das ações

em todos os níveis (BRASIL, 1988).

14

Corroborando, Farah (2004) ressalta que a descentralização político-administrativa

representou uma maior autonomia dos municípios nas decisões e formulações das políticas

públicas, mas ao mesmo tempo, estes passaram a ter que buscar e otimizar recursos diante da

redução de recursos do governo federal e tiveram que instituir formas de controle das finanças

públicas.

Em 2003, a criação da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM) pelo

governo federal representou um importante avanço para a criação e constituição de políticas

voltadas às mulheres, principalmente aquelas em situação de violência. Dentre estas ações, foi

implementado o I e II Planos Nacionais de Enfrentamento à Violência contra as mulheres e do

Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e do Programa Mulher,

Viver sem Violência, o qual estabelecia os conceitos, diretrizes e ações com o intuito de

combater a violência contra as mulheres e ao mesmo tempo promover a capacitação de

agentes públicos para prevenção e atendimento, assim como a criação de normas e padrões de

atendimento, aperfeiçoamento da legislação e o incentivo a projetos educativos e culturais de

prevenção à violência e a ampliação do acesso de mulheres à justiça e serviços relacionados à

Segurança Pública (SPM, 2011, p. 10).

A promulgação da Lei nº 11. 340/2006 – Lei Maria da Penha foi de encontro à

Convenção Interamericana para prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que

havia sido adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em

09 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. Na referia lei, a

violência passou a ser tipificada e trouxe inovações com relação ao enfrentamento à violência

contra a mulher. Além disso, reforçou a necessidade da criação de serviços especializados no

atendimento dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e alertou sobre a

responsabilidade dos governos na implantação de políticas públicas de enfrentamento à

violência contra as mulheres (SILVA, 2018).

A importância dos movimentos de mulheres e feministas e outros movimentos sociais

na pressão ao governo federal, estadual e municipal na priorização das políticas públicas que

promovam a igualdade de gênero e o enfrentamento à violência contra a mulher devem ser

ressaltados, visto que foi a partir das suas demandas que as conquistas em prol dos direitos

das mulheres ocorreram. Entretanto, a criação das políticas públicas não foi suficiente para

garantir a proteção destas mulheres, modificar as relações de poder e possibilitar o acesso a

esta proteção de forma concreta (SILVA, 2018).

Quando se trata da questão do Estado enquanto garantidor da proteção individual e

coletiva pautada na nossa Carta Magma, deve-se ressaltar que existem várias definições

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aceitas de Estado, mas a que predomina hoje é a que este se dá pela necessidade natural do

homem, englobando a sua consciência e vontade, conforme destaca Dallari (2011). Para esse

autor, o contratualismo de Rousseau exerceu uma grande influência na ideia contemporânea

de democracia, pois o Estado faz uma correção, uma vez que os homens deixam de ser

desiguais e passam a ser iguais por convenção e direito (DALLARI, 2011).

Dentre as acepções de direito que a sociedade ao longo da história construiu e

formulou, podemos destacar a concepção contemporânea de direitos humanos, que nasceu

com a Declaração Universal de 1948 e foi depois ratificada pela Declaração de Direitos

Humanos de Viena em 1993, sendo resultado das atrocidades cometidas na Segunda Guerra

Mundial, momento em que o Estado foi o grande violador dos direitos humanos, conforme

ressalta Piovesan (2004). Para a autora, o objetivo de se criar vários instrumentos jurídicos de

proteção a direitos fundamentais tem relação com a ampliação e fortalecimento dos direitos

humanos, de modo que a norma ofereça proteção à vítima em caso concreto. Assim, os

sistemas internacionais de proteção aos direitos fundamentais se fundam aos nacionais, com o

intuito maior de garantia da dignidade humana (PIOVESAN, 2004).

Para a proteção dos direitos humanos são necessárias não apenas políticas

universalizantes, mas específicas que sejam direcionadas a vítimas preferencialmente da

exclusão e ao implementar os direitos humanos deve-se requerer a universalidade e

indivisibilidade desses direitos, levando em conta a diversidade, destaca Piovesan (2004).

Nesse sentido, para a autora, determinados sujeitos de direitos e determinadas violações de

direitos necessitam de uma resposta especifica e diferenciada, como as mulheres, crianças, a

população afrodescendente, migrantes, portadores de deficiência, dentre outros (PIOVESAN,

2004).

Dias e Matos (2012) afirmam que, por meio dos recursos, o Estado tem o dever de

atender as demandas da sociedade e para isso faz-se planejamento com a adoção de critérios

de racionalidade para que as metas e objetivos sejam alcançados de forma eficiente, fazendo

escolhas sobre em que área atuar, onde atuar, por que atuar e quando atuar. Dias e Matos

(2012) acrescentam ainda que:

Uma política pública, desse modo, pode ser considerada um programa de

ação de um governo, que pode ser executada pelos próprios órgãos

governamentais ou por organizações do terceiro setor (ONGs, OSCIPs,

fundações, etc.) investidas de poder público e legitimidade governamental

pelo estabelecimento de parcerias com o Estado como, por exemplo, as

agências de desenvolvimento (DIAS; MATOS, 2012, p. 15).

16

As políticas públicas, que para Dias e Matos (2012) são um conjunto de “princípios,

critérios e linhas de ação que garantem e permitem a gestão do Estado na solução dos

problemas nacionais”, são um meio de concretizar os direitos codificados na Constituição

Federal de 1988 que não as define, mas detém direitos que garantem e embasam a sua

efetivação. Para tanto, deve-se considerar, também, as constituições estaduais e as leis

orgânicas municipais, as quais apresentam as disposições jurídicas que estão codificados nos

direitos humanos, sociais, ambientais, dentre outros. Nesse sentido, as políticas públicas

resultam de um processo de decisão surgido nos governos com a participação da sociedade

civil, estabelecendo meios, agentes e fins das ações a serem realizadas para que se atinjam os

objetivos estabelecidos, destacam Dias e Matos (2012). Caracterizados como procedimentos

que garantem o acesso aos direitos assegurados constitucionalmente, as políticas públicas tem

a função de possibilitar o acesso a tais direitos de modo que sejam respeitados os direitos

adquiridos sendo, nesse caso, os direitos fundamentais das mulheres vítimas de violência.

4 A EXECUÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO ENFRENTAMENTO À

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres tem como

objetivos “estabelecer conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e combate à

violência contra as mulheres, assim como de assistência e garantia de direitos às mulheres em

situação de violência, conforme normas internacionais de direitos humanos e legislação

nacional” (PNPM, 2011, p. 09). Dentre os eixos que estruturam a referida política podemos

citar:

prevenção, que prevê o desenvolvimento de ações que desconstruam o

estereótipo de gênero e modifique os padrões sexistas que corroboram e

legitima a desigualdade de poder entre homens e mulheres e a violência; o

enfrentamento e o combate, que estabelece ações punitivas e o

cumprimento da legislação referente à violência contra a mulher; a

assistência que garante o fortalecimento da rede de mulheres vítimas de

violência; a criação de novos equipamentos que compõem a rede e a

formação contribua dos agentes públicos que prestam atendimento a esse

público; e finalmente, o acesso e a garantia de direitos, que garante o

cumprimento da legislação nacional e internacional, além de iniciativas para

o empoderamento da mulher (JARDIM e PALTRINIERI, 2018, p. 65).

Jardim e Paltrinieri (2018) destacam a importância da capacitação profissional e o uso

adequado das técnicas e instrumentos de intervenção previstas nas políticas públicas,

17

destinadas ao enfrentamento à violência contra a mulher para uma efetivação dos resultados

propostos.

Ao ministrar o curso de Especialização Políticas Publicas no Enfrentamento à

violência contra a Mulher na PUC-Rio, as autoras, Jardim e Paltrinieri (2018) perceberam que

apesar de dispor dos conhecimentos legais e da política pública de enfrentamento à violência

contra as mulheres, os profissionais relegavam a segundo plano as técnicas e instrumentos de

intervenção, ou mesmo estas não eram abordadas nos espaços de formação profissional e no

exercício do cotidiano profissional. Mesmo o artigo 8º, inciso IX da Lei Maria da Penha

afirmar a necessidade de “destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para

os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao

problema da violência doméstica e familiar contra a mulher” (BRASIL, 2006).

Mas se temos legislações e normas com diretrizes e metas específicas para o

enfrentamento à violência contra a mulher, quais seriam os obstáculos para esta execução?

Jardim e Paltrinieri (2018) constataram que além do “levantamento das necessidades,

planejamento, avaliação das ações e a importância do registro de informações acerca das

ações empreendidas” que devem ser colocadas como primeiro plano, o profissional que

atende estas mulheres deve ter em mente que a realidade social é constantemente alterada, e

por isso é necessário avaliar as ações que estão sendo empreendidas. Dentre estas ações as

autoras destacam:

O conhecimento pelos profissionais de como se estrutura a rede, de como se

dá a atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não-

governamentais e a comunidade-objetivando ampliar e otimizar a qualidade

do atendimento; a identificação e encaminhamento adequado das mulheres

em situação de violência, e o desenvolvimento de estratégias efetivas de

prevenção... (JARDIM e PALTRINIERI, 2018, p. 69).

Jardim e Paltrinieri (2018) esclarecem que a utilização de instrumentos e técnicas de

intervenção são constituídas por estratégias, ferramentas e habilidades para realizar uma

determinada ação, que deve se dá de forma planejada, estruturada visando o sujeito da ação,

que neste caso em discussão são as mulheres vítimas de violência. Além disso, estas autoras

identificam a dificuldade da infraestrutura com a efetiva criação de órgãos para atendimento

às mulheres vítimas de violência, ou seja, a ausência de infraestrutura e de capacitação

profissional necessária por parte dos agentes públicos.

Com relação ao tema abordado, violência contra as mulheres, falar sobre isso ainda é

considerado um campo desconfortável para grande parte dos profissionais, seja por questões

pessoais, ausência de amparo técnico e preconceito, pois esse está enraizado na nossa cultura

18

e é transmitido por gerações e por expressões que legitimam este preconceito como o termo

“em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” ou, “mulher gosta de apanhar” e outras

que confirmam a violência contra a mulher como algo aceitável e “normal”. Além disso, a

violência contra a mulher é reafirmada na mídia, na política, na família, na escola, igrejas,

enfim, nos espaços públicos e privados e até mesmo pelos profissionais sem o devido preparo

técnico (JARDIM E PALTRINIERI, 2018).

Estas mesmas autoras, afirmam, ainda, que as áreas consideradas “clássicas” no

atendimento de mulheres em situação de violência não se restringem à área da saúde, mas

também são as da segurança publica ou do judiciário, por serem espaços em que ocorrem as

denúncias e acolhimentos e são nestes campos que ocorrem a angustia de profissionais ao

lidar com a questão da violência contra a mulher, pois não dispõem da capacitação necessária

para o atendimento adequado às mulheres vítimas de violência (JARDIM e PALTRINIERI,

2018). Para tanto, faz-se necessário o investimento em cursos de capacitação dos profissionais

que atuam no atendimento às mulheres vítimas de violência, assim como a inclusão do tema

“violência de gênero” nas grades curriculares dos cursos de graduação, conforme estabelece a

Lei Maria da Penha no inciso IX, artigo 8º: “o destaque, nos currículos escolares de todos os

níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de

raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher” (BRASIL,

2006).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado neste artigo, percebe-se que a discussão acerca das

políticas públicas deve estar presente em nosso cotidiano, visto que os contextos sociais e

históricos mudam constantemente. Além disso, verificou-se a importancia do movimento

feminista e das mulheres na garantia de direitos às mulheres, mais especificamente, às

mulheres vítimas de violência.

No que concerne às políticas públicas, a criação da SOS- Mulher em São Paulo na

década de 1980, representou um marco no avanço às politicas publicas de assistência e

atendimento às mulheres vítimas de violência em todo o país, aliado a isso, o artigo 204 da

Constituição Federal de 1988 legou aos estados e municípios autonomia, o que representou a

possibilidade de implantação de políticas públicas e projetos objetivando a oferta aos cidadãos

serviços de uma forma mais independente.

A criação da Política Nacional de Enfrentamento à violencia contra a Mulher,

institucionalizou diretrizes e normas de assistencia e atendimento às mulheres vítimas de

19

violência, o que contribuiu para ampliar as discussões sobre o tema e a organização de formas

de acesso à estes meios de proteção. Do mesmo modo, a promulgação da Lei nº 11.340/2006,

Lei Maria da Penha e da Lei nº 13.104/2015, Lei do Feminicídio representou um grande passo

na luta contra a violência às mulheres.

Entretanto, cabe ressaltar que os altos indíces de violência contra as mulheres ainda

são altos, assim como os casos de feminicídio, o que nos leva a repensar as formas de

implantação e execução das políticas publicas vigentes. Nesse sentido, a capacitação dos

profisssionais que atendem a estas mulheres, assim como o investimento em infraestrura dos

locais de atendimento devem ser considerados nesta revisão, visto que muitos destes

profissionais não se sentem capacitados a realizar o atendimento adequado à estas mulheres

que já se encontram, na maior parte das vezes, fragilizadas pela agresssão sofrida.

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