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Chao de promessas - Pere Petit.pdf

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  • Cho de Promessas, do professor e historiador Pere Petit, revela-se leitura extremamente agradvel, abordando a recente histria econmica, poltica e regional da Amaznia brasileira. Em suas pginas, o autor trata da economia paraense ao longo do sculo X X , desde o perodo da borracha at a instalao dos Grandes Projetos, com maior destaque para o perodo ps-1964; dos jogos da poltica paraense, particularmente sob a gide da Ditadura Militar e da Repblica Nova, sem perder de vista as vinculaes entre o nacional e o regional, embora enfatizando o aspecto regional. Marab, Sudeste do Par, foi a rea escolhida pelo autor como lcus de sua investigao. N o presente trabalho, o autor faz uma anlise do discurso das elites acerca da Regio Amaznica, incluindo a o debate em torno da propos.ta de criao do Estado de Carajs. Pere Petit nos leva a refletir sobre a realidade atual amaznica, demonstrando a falsidade do antigo chiste existente nas Cincias Sociais de que a Histria no se ocupa do tempo presente, to-somente do estudo do passado.Cho de Promessas, por estas e outras razes apontadas no prefcio do professor Roberto Santos, alm daquelas que os leitores podem indicar, desponta como livro de referncia para novos estudos, adquirindo a condio de clssico, ao lado de outras importantes obras sobre a Amaznia.

    Jos Maia B. Neto

  • 1

  • Cho de PromessasElites Polticas e Transformaes Econmicas

    no Estado do Par ps-1964

  • Coleo Aa

    Coordenao:Jos Alves Jnior

    Conselho Editorial:Aldrin Moura de Figueiredo

    Ernani Chaves Guttemberg Guerra Jos Alves Jnior

    Maria Luzia Alvares

    Ttulos Lanados:

    Belm: riquezas produzindo a Belle-poque (1870-1912).Maria de Nazar Sarges

    O Po Nosso de Cada Dia. Trabalhadores, Indstria da Panificao e a Legislao Trabalhista em Belm (1940-1954).Edilza Fontes

    Prximos Ttulos:

    Memrias do Velho Intendente. Antnio Lemos (1869-1973)Maria de Nazar Sarges.

    Saias, Laos e Ligas. Uma histria da participao poltica-partidria das mulheres. Maria Luzia Alvares.

  • Cho de PromessasElites Polticas e Transformaes Econmicas

    no Estado do Par ps-1964

  • Editorao Eletrnica:Antonio C. S. Gomes Jr.

    Cludio M. V. Serra

    Capa:Antonio C. S. Gomes Jr. e Cludio Serra,

    sobre a foto de Alfredo Ri^utti.

    Reviso:Lui%F. Branco

    Impresso:Alves Grfica e Editora

    Catalogao na fonte do Departamento Nacional do Livro

    P489c

    Petit, PereCho de promessas: elites polticas e transformaes

    econmicas no estado do Par ps-1964 / Pere Petit - Belm: Paka-Tatu, 2003.

    352 p.; (Aa)

    ISBN 85-87945-18-1

    1. Par - Poltica e governo 2. Par Histria. 3. Elites (Cincias Sociais) - Par. I. Ttulo. II. Srie (Aa)

    Copyright 2003 by Pere Petit

    CDD: 981.15

    Todos os direitos desta edio reservados Editora Paka-Tatu Ltda.

    Rua Oliveira Belo 386, Salas 06/07/08 Umarizal, CEP 66050-380

    Belm-PA - Brasil Telefone/Fax: (91) 212-1063 Fone: (91) 212-7308

    E-mail: [email protected]

  • A Telma Saraiva, e para s suas e minhas filhas, Samaila Caxiuan, Isis Maialen e Luana Gabriela.

  • Sumrio

    Agradecimentos................................................................... 9

    Prefcio.............................................................................. 11

    Lista de Mapas...................................................................15

    Lista de Tabelas................................................................. 17

    Lista de Abreviaturas........................................................ 19

    Introduo ......................................................................... 23

    O Par na poca das grandes transformaes scio-econmicas na Amaznia: da criao da Sudam ao Ciclo do Minrio......................................... 49

    1. O Ciclo da Borracha (1850-1912) ..................512. Da fase do declnio econmico fase de crescimento moderado (1912-1966) ........................593. Da SPEVEA Sudam ..........................................644. O Ciclo do Minrio ............................................. 97

    Elites polticas, partidos e eleies no Pardurante o Regime Militar e no perodo daNova Repblica............................................................... 123

    1. A influncia do baratismo nas disputas polticas no Par aps a Revoluo de 1 9 3 0 ........ 1262. A Revoluo de 1964 no Par........................ 1333. As eleies de 1982: a vitria do PM DB......... 1584. Conclui-se a transio poltica: os eleitores elegem o presidente da Repblica..................... . 163

  • Municpio de Marab: oligarquias,fazendeiros, posseiros e Grandes Projetos.................. 185

    1. O ncleo urbano de Marab na pocada borracha............................................................... 1862. O mundo da poltica ........................................ 1973. Marab na poca das grandestransformaes.......................................................... 2024. Auge e decadncia da famlia Mutran............. . .213

    Economia, poltica e discursosregionalistas no Par......................................................249

    1. Discursos regionalistas na poca doRegime Militar.......................................................... 2562. A unio assume o controle das terrasdo Par ...................................................................... 2663. Os discursos regional-progressistas e os cientistas sociais paraenses ......................................2694. A Teoria da Dependncia e as contradiesdo discurso regionalista............................................2755. Criticas ao centro ou imperialismopaulista .....................................................................2826. Discursos nos tempos do PMDB e daNova Repblica ......................................................... 2907. A proposta de criao do Estado deCarajs e do Estado do Tapajs..............................298

    Consideraes Finais.......................................................319

    Crditos das Ilustraes................................................. 325

    Bibliografia. 327

  • Agradecimentos

    A tese de doutoramento, cujos resultados apresento neste livro, no teria sido iniciada e, menos ainda, concluda, sem o apoio de diversas instituies e pessoas. Entre elas, desejo agradecer especialmente ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), pelo apoio financeiro concedido para realizar os crditos do doutorado e o desenvolvimento da pesquisa. Sou tambm muito grato Universidade Federal do Par (UFPA) pela ajuda recebida para poder realizar, em 1997, trabalho de campo no municpio de Marab. Desejo agradecer tambm aqui aos professores Osvaldo Coggiola e Wilson Barbosa, pelo interesse em que eu conseguisse iniciar meus estudos no Departamento de Histria Econmica da USP A Tereza Furtado, em So Paulo, por ter tentado resolver alguns dos problemas burocrtico-acadmicos da minha relao com a USP agradecimento que desejo estender aos funcionrios da Secretaria de Ps-Graduao do Departamento de Histria da USP especialmente a Oswaldo Medeiros.

    De inestimvel ajuda para a concluso da tese foram alguns professores e alunos do Departamento de Histria da UFPA com os quais tive a oportunidade de discutir alguns dos temas da Histria da Amaznia e da Histria do Par presentes neste trabalho. Entre eles, desejo agradecer especialmente as leituras atentas e criteriosas do texto realizadas pelo professor do Departamento de Histria da UFPA, Geraldo Coelho, e pela jornalista * /Ana del Aguila. Agradecimentos que fao extensivos sociloga Tereza Furtado, ao historiador Rafael Chanbouleyron e antroploga Sara Alonso, sem cuja colaborao e carinho no teria concludo a verso final da tese. Desejo agradecer tambm ao professor Roberto Santos pelas palavras com as quais apresenta este livro e pelas sugestes jurdicas, polticas e lingusticas feitas verso preliminar do texto, gratido que fao extensiva ao historiador e editor Jos Maia Bezerra Neto.

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  • Prefcio

    Depois do seu excelente trabalho sobre a histria do Partido dos Trabalhadores - em verdade, a dissertao de mestrado que defendeu na Universidade Central da Venezuela (Petit, 1996) - Pere Petit Penarrocha nos oferece Cho de Promessas, sua tese de doutorado em Histria Econmica, aprovada em 1998 na Universidade de 5o Paulo, dentro da conceituada Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas.

    Curiosidade, inteligncia viva, solidariedade com o objeto de estudo so, em qualquer ordem, qualidades que no podem faltar ao bom pesquisador de cincias humanas. /Is obras de Pere Petit denunciam a presena dessas trs qualidades, harmoniosamente combinadas, o que lhe permitiu, em poucos anos aps a chegada Amaznia brasileira e fixao no Par, acumular sobre ambos um bom cabedal de informaes histricas, geogrficas, econmico-sociais e polticas; e, em particular, desenvolver a partir da um saber prprio, resultante dum acompanhamento dos fatos permanentemente interessado nos destinos das populaes locais.

    A chave metodolgica desse saber o estudo das estruturas de poder, encaradas na trplice perspectiva poltica, econmica e territorial. Em suas mos, a histria no apenas uma coleo de fatos privada de significado, e sim uma parte do drama humano reconstrudo e peculiarmente situado conforme as regies em que se desenvolve.

    Petit se inspira, sem servilismo, numa sociologia das classes de cunho gramsciano, mas refundida ou adaptada s necessidades do contato dire to com at ores sociais concretos, localizados em seus stios reais (amaznicos) de luta pela vida, de competio, cooperao, de confronto e at de morte. Da por que os comentrios geogrficos mostram-se sumrios, prendendo-se mais observao de relaes econmicas e comerciais ou de luta pela

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  • terra entre atores, do que descrio detalhada de sistemas naturais, ou artificiais - de abastecimento, de transporte etc. a dimenso social que lhe interessa na anlise geogrfica, e ele a encontra numa geografia ps-clssica, que lana razes no pensamento do grande e saudoso gegrafo brasileiro Milton Santos (e indiretamente no de Max Sorre).

    Ao contrrio da maioria dos historiadores, que constroem suas historiografias a partir da perspectiva das elites polticas e econmicas - simplificadamente, os "grupos dirigentes - Pere Petit comeou seus trabalhos de Histria da Amaznia tomando como protagonistas os grupos sociais subalternos" (Gramsci, Cadernos do Crcere, V-25), ou melhor, uma pequena frao deles que, na poca dos primeiros contatos do autor, bem se poderia chamar um grupo de resistncia". Foi a ele que dedicou sua dissertao de mestrado, A Esperana Equilibrista: A trajetria do PT no Par. Tratou esse grupo e sua liderana poltica - sem esquecer os membros da Igreja Catlica ligados ou prximos Teologia da Libertao - com a pacincia e a dedicao metdicas de um bom analista. Pareceu-me manter ao longo daquele trabalho uma posio imparcial entre as vrias faces que compunham o partido, em equilbrio delicado e muitas vezes beira'do rompimento recproco. Apesar disso, o grupo, em conjunto, visto pelo autor como portador de um dinamismo utpico nico na regio, com tendncia a tornar-se o "heri" (no arrisca a dizer se vitorioso ou no) do drama regional.

    J Cho de Promessas concentra seu interesse sobre as elites dirigente do Par, constituindo mais um passo na compreenso da sociedade regional. Primeiramente, desenha, em largos traos, um panorama da evoluo do sistema econmico da Amaznia, de meados do sc. XIX ao ltimo quartel do sc. XX. Trata-se de um pano de fundo no qual o autor destaca as atividades econmicas principais em que, no seu entender, as elites locais e, por fim, as extra-regionais exerceram sua dominncia, como a exportao da borracha, a de castanha-do-par e ultimamente a de minrios.

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  • Comea no Captulo 2 o estudo das prticas das elites - conceito que Petit retrabalha com base na teoria das elites, de Norberto Bobbio e outros pensadores. Sua finalidade analisar o cenrio poltico paraense, dando prioridade ao estudos das instituies polticas (estruturas de governo de tipo formal-legal [...]), das prticas das principais lideranas polticas - especialmente daquelas que assumiram responsabilidades de governo - e partidos polticos paraenses", mas ele expande a anlise at os pleitos eleitorais para sentir o resultado das disputas, entre as prprias elites polticas, pelo controle do Executivo estadual, Prefeituras, Assemblia Legislativa e Cmaras Municipais, e para tambm clarear, com isso, um dos principais mecanismos de seleo de elites relevantes", a que se refere Renato Lessa.

    Tais propsitos, que ocupam todo o resto do Captulo 2, assumem substncia no captulo seguinte, quando o autor se detm na anlise do municpio de Marab, escolhido com sucesso para estudo de caso". H muito a regio do Tocantins e especificamente

    a castanha-do-par tm fascinado estudiosos da Amaznia Oriental, inclusive paraenses, como Catharina V Dias (1947), A. Tupiassu e N. V C. Oliveira (1967) e Marlia Emmi (1987, 1999). Petit no fugiu ao fascnio, de modo que seu livro revisita longamente o processo de consolidao do poder econmico e poltico das oligarquias familiares do Tocantins, sua evoluo e sobretudo suas transformaes at nossos dias.

    Outro ponto de interesse da obra a anlise crtica do discurso de algumas "personalidades da Amaznia (captulo 4). Para apreender o carter dessas comunicaes - de governantes, empresrios e, mesmo, de alguns intelectuais - Petit as descreve como componentes do objeto da investigao histrica, cujo propsito referenciar as declaraes como prticas sociais e, portanto, no cenrio das oposies tpicas (de classe, de regio/nao ou de classe/regio). Como todos os enunciados lingusticos a partir de certa dimenso, os discursos pblicos pretendem transmitir (ou ocultar) as idias do orador, por vezes sua viso de mundo e projetos de ao, diante de um auditrio especfico. E possvel, pois, a partir

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  • do confronto da retrica do orador com o real que ele produz, ou pelo qual se deixa arrastar, esboar um roteiro de significados de

    *

    seus discursos polticos, delinear suas preferncias ideolgicas e seus traos de personalidade poltica e carter.

    Para facilidade de anlise, Petit classifica os discursos em grupos e subgrupos: o regionalista" (da poca do Regime Militar), o de intelectuais regional-progressistas", os "antiimperialistas internos" (intelectuais amaznicos contra a suposta ou real dominao" paulista) etc. Acrescenta os grupos de discursos separatistas, que lutam pela autonomizao de um Estado de Carajs (sede, Marab), de um Estado do Tapajs (sede, Santarm) e um do discurso unitarista, pela manuteno do sistema unitrio atual. Tais grupos e subgrupos so examinados, com os respectivos argumentos, e criticados.

    O mnimo com que se pode recepcionar um autor, cuja integridade e qualidade foram indiscutivelmente provadas pela produo anterior, ler e discutir seu novo trabalho.

    Roberto Santos

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  • Lista de Mapas

    Distribuio da Populao Rural e Urbana (1960) ... 115

    Amaznia Legal (Mapa do Ministrio do Interior/

    Sudam, 1971)................................................................ 116

    Amaznia Legal - Delimitao Poltico-

    Administrativa Atual....................................................... 117

    Traado das rodovias Transamaznica;

    Cuiab-Santarm e Belm-Braslia.............................. 118

    Mapa da Regio de Marab.......................................... 119

    Mapa Ilustrado da Macroregio de Barcarena.......... 120

    Mapa da Cidade de Marab (1984).............................238

    Carajs no Brasil............................................................247

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  • Lista de Tabelas

    Tabela 1: Populao aproximada do Par,Regio Norte e Brasil:

  • Tabela 16: Composio da Cmara Federal por regiessegundo legenda partidria: 1978........................................ 151

    Tabela 17: Nmero de deputados estaduais do Parsegundo legenda partidria: 1966-1978............................. 152Tabela 18: Legenda partidria: deputados federais eleitospelo Estado do Par: 1966-1978.......................................... 153Tabela 19: Regio Norte: nmero de deputados federaispor partido e Estado: 1974-1978......................................... 154Tabela 20: Resultados no 2o turno das eleiespresidencias de 1989............................................................... 164Tabela 21: Representao partidria na AssembliaLegislativa paraense: 1982-1996...........................................170Tabela 22: Candidatos com maior nmero de votosnas eleies presidenciais de 1994........................................173Tabela 23: Municpio de Marab: produo de cauchoe castanha - 1913-1926..........................................................190

    Tabela 24: Municpio de Marab, propriedades ruraissegundo atividade econmica: 1985...................................... 205Tabela 25: Marab, populao total,urbana e rural: 1940-1995..................................................207Tabela 26: Nmero de conflitos agrrios (1980-1990)......211Tabela 27: Nmero de mortes decorrentes dos conflitosagrrios no Brasil e no Par (1971-1993).......................... 212Tabela 28: Jurisdio das terras do Estadodo Par (1987)......................................................................... 268

  • Lista de Abreviaturas

    AP: Ao PopularARENA: Aliana Renovadora Nacional BASA: Banco da Amaznia S /A BCB: Banco de Crdito da BorrachaBRASTEC: Sociedade Brasileira de Servios Tcnicos e Econmicos LimitadaCDP: Coligao Democrtica ParaenseCEPAL: Comisso Econmica para a Amrica Latina e o CaribeCGT: Gomando Geral dos TrabalhadoresCIS: Comisso de Investigao SumriaCNRA: Campanha Nacional de Reforma AgrriaCONTAG: Confederao Nacional dos Trabalhadores na AgriculturaCPT: Comisso Pastoral da TerraCUT: Central nica dos TrabalhadoresCVRD: Companhia Vale do Rio DoceEUA: Estados Unidos da Amrica/FASE: Federao de Orgos para Assistncia Social e Educacional FBP: Frente Brasil PopularFETAGRI: Federao dos Trabalhadores na Agricultura FNS: Fundao Nacional de Sade FPNP: Frente Popular Novo ParFUNRURAL. Fundo de Assistncia ao Trabalhador Rural/FUP: Frente Unica ParaenseIBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaIDESP: Instituto de Desenvolvimento Econmico-Social do ParINCRA: Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria IPAR: Instituto de Pastoral Regional (Regional Norte II)LEC: Liga Eleitoral Catlica ,MDB: Movimento Democrtico Brasileiro MDP: Movimento Democrtico Paraense

  • MIRAD: Ministrio da Reforma e Desenvolvimento Agrrio MR-8: Movimento Revolucionrio 8 de outubro MRN: Minerao Rio do NorteMST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem TerraPC: Partido ComunistaPCB: Partido Comunista BrasileiroPCdoB: Partido Comunista do BrasilPDA: Plano de Desenvolvimento da AmazniaPDC: Partido Democrata CristoPDC: Partido Democrtico CristoPDS: Partido Democrtico SocilPDT: Partido Democrtico TrabalhistaPEA: Populao Economicamente AtivaPFL: Partido da Frente LiberalPGC: Programa Grande CarajsPIB: Produto Interno BrutoPIN: Plano de Integrao NacionalPL: Partido LiberalPMDB: Partido do Movimento Democrtico BrasileiroPND: Plano Nacional de DesenvolvimentoPNRA: Plano Nacional de Reforma AgrriaPOLAMAZNIA: Programa de Plos AgropecuriosAgromineraisPP: Partido PopularPP: Partido ProgressistaPPB: Partido Progressista BrasileiroPPP: Partido Popular do ParPPR: Partido Progressista ReformadorPPR: Partido Progressista RenovadorPPS: Partido Popular SindicalistaPPS: Partido Popular SocialistaPRC: Partido Comunista RevolucionrioPRF: Partido Republicano FederalPRN: Partido de Reconstruo NacionalPRP: Partido de Representao PopularPSB: Partido Socialista Brasileiro

  • PSD: Partido Social DemocrticoPSDB: Partido Social Democrata BrasileiroPSP: Partido Social ProgressistaPST: Partido Social TrabalhistaPSTU: Partido Socialista dos Trabalhadores UnificadoPT: Partido dos TrabalhadoresPTB: Partido Trabalhista BrasileiroPTR: Partido Trabalhista RenovadorPV: Partido VerdeRIDA: Reunio de Incentivo ao Desenvolvimento da Amaznia SEMTA: Servio Especial de Mobilizao de Trabalhadores para a AmazniaSPVEA:- Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da AmazniaSTR: Sindicato dos Trabalhadores RuraisSUDAM: Superintendncia para o Desenvolvimento da AmazniaSUDENE: Superintendncia de Desenvolvimento do NordesteTRE: Tribunal Regional EleitoralUDN: Unio Democrtica NacionalUDR: Unio Democrtica RuralistaUFPA: Universidade Federal do Par

  • Introduo

    Com o estudo que ora apresento, tese de doutoramento no Departamento de Histria Econmica da Universidade de So Paulo (USP), intitulacfa Territrio, Poltica e Economia: Elites Polticas e Transformaes Econmicas no Estado do Par ps- 1964 (defendida em 1998), pretendi dar continuidade a meus trabalhos anteriores focalizados no mesmo territrio poltico-ad- ministrativo do Brasil, o Estado do Par. O primeiro foi uma dissertao de mestrado em Histria da Amrica Contempornea (Universidade Central da Venezuela-UCV), que teve como principal objtivo estudar as prticas polticas dos setores progressistas da Igreja Catlica, movimentos sociais, sindicatos e organizaes ou partidos de esquerda e a participao de alguns dos seus membros na formao e trajetria do Partido dos Trabalhadores no Par.1 O segundo intitula-se Uma Aproximao Economia do Estado do Par, sua Vida Poltica e aos Estudos de Histria Regional no Brasil, e foi escrito em 1993 como trabalho final da disciplina Problemas na Expanso da Sociedade Industrial, ministrada pelo professor Wilson Barbosa, no programa de ps-gradu- ao em Histria da USP.

    As importantes mudanas scio-econmicas ocorridas na Amaznia brasileira a partir da dcada de 1960, influenciadas, em grande medida, pela interveno de diferentes instituies da Administrao Federal e pelo interesse nas riquezas da floresta e do subsolo da regio por parte de grupos econmicos brasileiros e internacionais, tm merecido crescente ateno por parte de cientistas sociais nacionais e estrangeiros. A maioria das pesquisas, realizadas sobretudo desde finais dos anos 1970 at incios dos 90, centra-se no impacto produzido na Amaznia pela abertura das novas rodovias, pela implementao dos denojninados grandes projetos minero-hidreltricos e pelas lutas pela terra entre as diferentes frentes de expanso agrcola na rea de fronteira

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  • (latifundirios, colonos e posseiros) e camponeses e povos indgenas da regio.2

    So escassos, porm, os trabalhos que destinaram sua ateno anlise das prticas polticas das elites locais, partidos polticos, movimentos sociais e sindicais. Menos numerosos ainda, so aqueles que se preocuparam em indagar sobre a maior ou menor participao, nesse processo de mudanas scio-eco- nmicas, dos governos estaduais e municipais da Regio Norte e, portanto, sobre as prticas dos diferentes atores polticos que assumiram os cargos de prefeito e governador. Contribuir para a anlise dessas questes no Estado do Par um dos objetivos a que se prope este Livro. Trata-se, tambm, de mostrar que uma das consequncias do m odelo de desenvolvim ento implementado na Amaznia pela cpula das Foras Armadas e pelos tecnocratas das diferentes instituies da Administrao Federal, no perodo do Regime Militar, foi o enfraquecimento do poder poltico e da capacidade econmico-administrativa dos governos estaduais e prefeituras da regio, os quais exerceram escassa influncia na sua implementao e, no mximo, atua- ram como meros atores coadjuvantes.

    Esse enfraquecimento foi, certamente, favorecido pelas mudanas polticas ocorridas nesse perodo no pas que influram decisivamente no prprio cenrio poltico paraense, sobretudo ao assumirem, no perodo de junho de 1964 at maro de 1971, o cargo de governador do Par dois militares que tiveram destacada participao na organizao do golpe de estado que afastaria Joo Goulart da Presidncia da Repblica: Jarbas Passarinho e Alacid Nunes. Ambos, disputando entre si o controle do partido no poder (Arena), converteram-se, at incio dos anos 80, nas principais lideranas polticas do Par e preocuparam-se, em sua ao de governo, mais propriamente em implementar as diretrizes da Revoluo, que em favorecer os interesses dos diferentes grupos ou classes sociais paraenses. Com a vitria do candidato do PMDB, Jader Barbalho, nas eleies para governador de 1982, abria-se um novo perodo poltico no Par, agora sob a supremacia das

  • lideranas do novo partido no poder (PMDB), especialmente dos x-governadores Jader Barbalho, Hlio Gueiros e Almir Gabriel.

    O regime militar nascido em 1964 no representa, em essncia, uma mudana radical no modelo econmico nacional- desenvolvimentista dos anos cinquenta, especialmente em relao ao perodo de Juscelino Kubitschek na Presidncia da Repblica, embora fosse incrementada a participao de capitais estrangeiros e empresas multinacionais na economia nacional e aumentado a desigualdade na distribuio da riqueza e da renda per capita no pas. Entretanto, com relao Amaznia, embora tenham sido elaborados planos de desenvolvimento econmico a serem implementados na regio e, alguns deles, postos em prtica antes da implementao do Regime Militar em 1964, foi a partir de 1966, aps a criao da Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia (SUDAM) e do Banco da Amaznia S /A (BASA), que se intensificaram as aes da Administrao Federal na regio. Essa interveno modificaria substancialmente a forma de ocupao e utilizao econmica do territrio e aceleraria o processo de expanso das relaes capitalistas na Amaznia e sua articulao ao mercado nacional e, sob novas formas e produtos, ao mercado internacional..

    Alguns dos principais instrumentos de interveno da Administrao Federal na Amaznia foram: a) a poltica de incentivos fiscais destinados a favorecer a instalao de novas indstrias e, sobretudo, a ocupar grandes extenses de terra por fazendas agropecurias; b) os projetos de colonizao das reas prximas Transamaznica; c) os investimentos direcionados a extrair, beneficiar e transportar as riquezas minerais descobertas no Par na dcada de 60 e nos anos posteriores. Essas atividades minerais provocaram uma mudana radical no volume e no valor total das exportaes paraenses nos anos 1980, sobretudo a partir de meados dessa dcada ao iniciar-se a exportao, atravs da Estrada de Ferro Carajs-Ponta da Madeira (So Lus do Maranho), do minrio procedente de Carajs. Nos anos 90, esses empreendimentos converteram o Par no Estado brasileiro-que maior volume de minrio

  • exporta e, esse setor, no item principal do PIB paraense. anlise das mudanas econmicas ocorridas no Par a partir dos anos 60 ser destinado o primeiro captulo da tese. No segundo captulo tratarei das prticas das elites polticas paraenses, especialmente as que assumiram responsabilidades de governo aps o golpe de estado de 1964. Esta diviso, nessa ordem - Economia e Poltica - est justificada simplesmente por motivos analticos e narrativos.

    No desenvolvimento da pesquisa, com o intuito de examinar, em mbito local, um dos municpios paraenses no qual maior impacto tiveram as mudanas scio-econmicas ocorridas na Amaznia nas ltimas dcadas, comparativamente com outros municpios dessa mesma regio brasileira, dei prioridade ao estudo dessas mudanas e das prticas das elites polticas de Marab, principal municpio da Regio Sudeste do Par. Entre essas mudanas pode-se destacar aquelas decorrentes da descoberta das jazidas minerais na Serra dos Carajs, rea ento pertencente ao municpio de Marab, da chegada de milhares de trabalhadores rurais de outros Estados do pas, principalmente do Nordeste, e de novos fazendeiros que se apropriaram de milhares de hectares de terra de Marab e de outros municpios do Sudeste do Par. Surgem, assim, novos atores sociais (camponeses e fazendeiros) que disputaram entre si, e tambm com as tradicionais famlias oligrquicas (as quais controlavam, entre outras atividades econmicas, a coleta e a comercializao da castanha), pelo uso e o controle da terra. Esses so fatores relevantes para tentar compreender por que Marab e os outros municpios do Sudeste do Par seriam, desde incio dos anos 1980, o cenrio do maior nmero de conflitos agrrios e de assassinatos de trabalhadores rurais ocorridos no Brasil.

    O quarto e ltimo captulo destina-se a examinar os discursos de governadores e outros membros da elite poltica local, empresrios, intelectuais e outros atores sociais paraenses que exerceram notvel influncia na construo de diferentes discursos regionalistas no Par, fossem pr-amaznidas ou, segundo momento e circunstncias, pr-paraenses. Produzidos com objetivos

  • diferenciados ou no, esses diSctrrsos so de interesse para examinar como alguns desses atores se posicionaram a respeito das transformaes scio-econmicas ocorridas na Amaznia nas ltimas dcadas e sobre a interveno da Administrao Federal na regio e a prpria influncia que exerceu, em seus discursos - interpretados como prticas sociais as mudanas no cenrio poltico nacional e estadual durante o Regime Militar e nos anos transcorridos da Nova Repblica.

    * * *

    Estou consciente de que os objetivos de pesquisa definidos acima como prioritrios poderiam ter-se convertido, cada um deles, num campo prprio de estudo, o que, sem dvida, permitiria um maior aprofundamento do tema escolhido. Entretanto, ao optar por tentar fazer uma anlise mais abrangente das mudanas scio-econmicas e prticas polticas no Estado do Par durante o Regime Militar e os anos transcorridos da Nova Repblica, e ao avaliar tambm, como estudo de caso que considero exemplar, o municpio de Marab, objetivei, antes de tudo, examinar a inter- relao entre territrio, mudanas econmicas e prticas polticas. Pretendo, assim, contribuir para os denominados estudos de Histria Regional e Local, obviamente, sempre restringindo minhas pretenses tericas e de pesquisa aos temas ao recorte do tempo histrico e territrios poltico-administrativos enunciados e tentando escapar aos predeterminismos analticos, sejam geogrfico-climticos, economicistas ou politicistas.

    Entendidos os fenmenos polticos e econmicos, no como planos ou sistemas autnomos, mas como elementos da totalidade social, tentei avaliar como os chamados fatos econmicos e os polticos se inter-relacionam no decorrer histrico, isto , no contexto geral no qual determinadas escolhas e aes so realizadas e influenciam as transformaes do todo social.3 Tenhoconscincia, entretanto, de que no uma tarefa simples desvendar quando mudanas na estrutura econmica so fundamentais para poder

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  • interpretar determinadas prticas polticas e quando acontecimentos polticos, sobretudo nos momentos conjunturais, convertem-se no fator-chave para a compreenso da situao histrica e, portanto, de decises no plano econmico e outras prticas dos diversos atores envolvidos.4 Vejamos, a esse respeito, as reflexes do historiador catalo Josep Fontana:

    La articulation de la economia con la ideologia o la poltica es distinta en cada uno de estos planos, y las regias que hay que aplicar para interpretaria no pueden ser las mismas. Sin olvidar que estos planos no son independientes (...), sino que se imbrican y potencian. Por otra parte, en todos estos niveles existen otros nexos que corren del terreno de lo ideolgico y de lo poltico al de la evolucin econmica. '5

    Mesmo que boa parte das crticas aos enfoques econo- micistas tenham sido dirigidas produo cientfico-poltica de Karl Marx e de alguns dos seus seguidores, considero pertinente pra o assunto aqui tratado, citar, sem pretender discutir agora o maior ou menor determinismo do enfoque marxista, um texto de Luiz Augusto Faria em defesa de Marx:

    Ora, o que Marx quis dizer que os homens fazem a histria dentro de condies predeterminadas. Essas condies so aquelas legadas das aes de outros homens que os precederam. Diante delas, so feitas escolhas que vo definir o sentido da evoluo histrica. Que escolhas sero feitas vai depender de quais dos membros da coletividade humana tm o poder de fazer as escolhas que devem ser seguidas pelos demais e da viso do mundo desses homens, que lhes vai indicar quais dentre as possibilidades dadas pelas condies do momento devem ser as opes preferenciais (...). As situaes histricas so, pois, o resultado dessas aes

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  • humanas. O equvoco do determinismo exatamente o de tomar causa por efeito.6

    Ao reiterar minha vontade de evitar cair em qualquer tipo de anlise reducionista dos fenmenos sociais, no pretendo negar a existncia de determiriaes, mas enfatizar que o problema est em reconhecer quando umas ou outras (por exemplo, econmicas ou polticas) so mais marcantes para a compreenso das transformaes ocorridas num determinado pas, regio, estado ou municpio. Neste sentido, tambm considero de interesse reproduzir as palavras da sociloga paraense Marlia Emmi: Procuro fugir todavia de uma interpretao simplista segundo a qual toda mudana poltica ou ideolgica particular seria reflexo direto e imediato de transformaes econmicas parciais, divirjo tambm das anlises de mo nica entre o econmico e o poltico, como se aquele influsse neste sem a possvel reciprocidade 7

    Nos ltimos anos tm-se revitalizado os estudos de histria poltica - ou o que seria denominado por alguns autores como o retorno da Histria Poltica - , influenciados, entre muitos outros fatores, pelos debates estabelecidos entre as diversas disciplinas nas quais se subdividem as cincias sociais. Isto ocorreu tanto no Mxico e no Brasil, como nos centros acadmicos e de pesquisa existentes nos EUA, Gr-Bretanha, Frana, Alemanha e Itlia, os quais, a despeito das suas diferenas (inclusive no seio de cada um desses pases), continuam sendo as principais referncias da produo cientfica (e no somente na rea de cincias humanas ou sociais) dos pases latino-americanos.8

    Esse retorno histria poltica no pressupe um retorno aos velhos postulados positivistas que priorizaram em seus estudos a anlise do papel do Estado e dos grandes personagens na histria nacional. Alguns dos novos historiadores ou cientistas sociais que assinalam a importncia dos fenmenos polticos, tambm criticam aos precursores da Escola dos Annales por negligenciarem, em seus trabalhos (talvez como reao preponderncia do estudo dos fenmenos polticos na historiografia positivista), a

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  • anlise desse tipo de fenmeno. Mas, como assinala Peter Burke, ainda que essa crtica talvez fosse mais pertinente a respeito de Lucien Febvre: Seria difcil sustentar esse argumento no caso de Marc Bloch (...). Os medievalistas dos Annales esto longe de rejeitar a histria poltica, mesmo quando dedicam maior ateno a outros temas .9 Seja como for, o fato que a histria poltica foi relegada, por um bom tempo, a um plano secundrio por boa parte dos historiadores vinculados ou prximos Escola dos Annales at finais dos anos 60. A partir de ento, na Frana, e com anterioridade nos Estados Unidos da Amrica e Gr-Bretanha, uma histria poltica rejuvenescida, renovada,]0 contribuiria para que, na periferia (leia-se aqui, alm dos latino-americanos, tambm outros pases europeus), aumentasse o nmero de investigaes destinadas a desvendar as prticas polticas. Agora, no apenas focalizando o fenmeno do Estado e/ou da Nao, mas tambm as destinadas a examinar as prticas polticas de setores das classes populares e ao resgate, em oposio historiografia oficial, da, talvez mal denominada, histria dos vencidos; e a respeito da histria de partidos polticos, processos eleitorais, movimentos sociais e sindicatos.

    * * *

    Entre os estudos dos tericos marxistas que aprofundaram o conhecimento dos fenmenos regionais, cabe destacar alguns dos escritos de Antonio Gramsci destinados a desvendar a Questo Meridional na Itlia. Um dos aspectos de maior interesse que nos fornece a obra do fundador e dirigente do Partido Comunista Italiano (PCI) para os estudos de Histria Regional est aquele em que Gramsci vislumbra as regies como cenrio da disputa pela hegemonia entre diferentes classes sociais que, para ele, eram de fundamental importncia para a compreenso. das diferenas no desenvolvimento scio-econmico dos diferentes territrios regionais e para a prpria compreenso das disputas inter-regionais no processo de constituio da Itlia como Estado-Nao. Para

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  • Gramsci a existncia de diferentes realidades regionais era tambm decorrente do desigual desenvolvimento, em cada uma delas, como parte integrante de uma determinada e histrica formao scio-econmica, do modo de produo capitalista." Num texto, escrito em 1926 pelos dirigentes do PCI, Antnio Gramsci e Palmiro Togliatti, que seia conhecido como as leses de Lyon, pode-se ler:

    As relaes entre a indstria e a agricultura que so essenciais para a vida econmica de um pas e para a determinao das superestruturas polticas tm, na Itlia, uma base territorial. No Norte a produo e a populao agrcolas esto concentradas em alguns grandes centros. Por conseguinte, todos os contrastes inerentes estrutura social do pas contm um elemento que diz respeito unidade do Estado [...]. Os grupos dirigentes burgueses e agrrios procuram a soluo deste problema atravs de um compromisso [...]. O compromisso que permite salvar a unidade tal que, por outro lado, agrava a situao. Ele coloca as populaes trabalhadoras do Mezzogiorno em uma posio anloga dos povos colonizados. A grande indstria do Norte representa em relao a elas o papel das metrpoles capitalistas: os grandes proprietrios rurais e a prpria mdia burguesia meridional tomam uma posio comparvel das categorias que, nas colnias, se aliam metrpole para manter dependente a massa do povo trabalhador.12

    A crescente influncia dos escritos e conceitos gramscianos, os da denominada Escola de Geografia Crtica e corrente marxista do pensamento geogrfico, aqui entendidos como todos os que abriram combate s formulaes da geografia tradicional e da nova geografia13, e, alm de outros autores e/ou abordagens tericas, os estudos da Comisso Econmica para a Amri

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  • ca Latina e o Caribe (Cepal) e os da corrente da Teoria da Dependncia, favoreceram, em alguns pases latino-americanos, sobretudo no Brasil, o surgimento de novas perspectivas para os estudos inseridos na perspectiva metodolgica denominada de Histria Local e Histria Regional.

    Com o intuito de avaliar as aes dos homens ao longo do tempo - temporalidade - num determinado espao - espacialidade -, os gegrafos marxistas ou crticos, tentando superar a tradicional utilizao do conceito espao como sinnimo de regio natural, deram prioridade em seus estudos anlise das atividades humanas nele desenvolvidas.14 Afinal, embora a Geografia Tradicional avaliasse a relao homem-natureza, como assinalou Rosa Maria Silveira, pelo peso atribudo s condies naturais na constituio da vida social, seus pressupostos escamoteavam a relao dos homens entre si, sendo o elemento humano mais um componente da paisagem.15

    Por serem usados s vezes como sinnimos, considero pertinente, para os fins deste texto, assinalar as diferenas que existem entre os conceitos de espao e territrio. Milton Santos, por exemplo, assinala que o espao no pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geogrficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos d a Natureza. O espao tudo isso, mais a sociedade ,16 j o territrio, que etimologicamente deriva da palavra latina terra ou tirou, significando terra pertencente a algum,17 est vinculado apropriao, controle ou domnio exercido numa determinada rea quer se faa referncia ao poder pblico, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentculos por grandes reas territoriais.18

    Assim, os recortes do territrio que fixam as fronteiras entre pases e, tambm, os limites regionais e divises poltico- administrativas internas dos Estados-Nao, tm que ser vistos como construes sociais e no como produto d Natureza. Afinal, quem determina que partes so includas ou excludas dos diversos recortes do territrio, no o espao, mas sim o tempo, a histria.19 Fronteiras que foram definidas, fixadas, modificadas

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  • ou anuladas (leia-se destrudas), resultado, por motivaes ou interesses diversos, de disputas polticas ocorridas ao longo do tempo, experincia vivida recentemente em alguns pases do Leste Europeu com a criao de novos Estados-Nao e de novas divises regionais ou provinciais em muitos desses velhos ou novos pases.

    Entretanto, admitir *que no so as caractersticas naturais que determinam os diferentes recortes do territrio no pressupe negar que os fatores geogrfico-climticos no exeram qualquer influncia no momento de legitimar ou fazer real o que tambm fora construdo. Pois, ainda que no sejam elementos geogrficos os que nos ajudariam a explicar, por exemplo, as atuais fronteiras do Brasil com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolvia, Peru, Colmbia, Venezuela e as Guianas, no podemos desconhecer que na negociao da delimitao dessas ou anteriores fronteiras, desde o Tratado de Tordesilhas, assinado por Espanha (leia-se pelos reinos de Castela e Arago) e Portugal, em 1494, um dos principais critrios utilizados para sustentar uma ou outra definio desses limites foram os geogrficos. Nesse sentido, j no incio dos anos c30, Arajo Lima, em sua obra intitulada Amaznia: a Terra e o Homem, sem negar a influncia do meio geogrfico na evoluo da humanidade, mas criticando o determinismo geogrfico de Ratzel,20 assinalava que,

    Se imprudente recusar em absoluto a ao do meio natural, temerrio certamente exager-la, aceitando-a como um imperativo a prefigurar a histria, reger-lhe o curso e determinar-lhe os acontecimentos [...]. No h uma fora cega e brutal, impulsionada por fatal determinismo; mas, em funo do complexo or- ganismo-meio e por consequncia de suas interaes, processa-se o trabalho biolgico e social de adaptao. Os excessos de doutrina derivaram de conceber-se o meio como exclusivo elemento ativo, admitindo a passividade do homem ante as implacveis aes naturais [...]. A natureza no jaz imutvel: modifica-se sob a atividade humana.21

  • Quando me refiro a que os recortes do territrio so o resultado de escolhas e prticas sociais, como tambm o so as propostas dirigidas a alter-las, isso no pressupe negar a eficcia simblica da sua existncia real para os atores sociais que se consideram parte integrante delas, seja pela Histria (inventada ou no), no tempo presente ou pela vontade de instituir novas fronteiras. Pois, como assinala Pierre Bourdieu: [...] logo que a questo regional ou nacional objetivamente posta na realidade social [...], qualquer enunciado sobre a regio funciona como um argumento que contribui [.:.] para favorecer ou desfavorecer o acesso da regio ao reconhecimento e, por este meio, existncia.22

    Os processos de construo das regies de um pas e suas especficas singularidades econmicas, polticas ou culturais no podem ser interpretados corretamente margem da Formao Scio-Econmica e, tambm, Espacial (como Milton Santos, um dos mais reconhecidos gegrafos brasileiros vinculado, at o incio dos anos oitenta, corrente da Geografia Crtica, gostaria de ver ampliado esse conceito desenvolvido por Karl Marx) na qual esses diversos recortes do territrio se inserem,23 sem esquecer, porm, que cada um deles mantm uma relao especfica com outros espaos da totalidade mundo, que configuram, por exemplo, a diviso internacional do trabalho. H relaes econmicas entre algumas regies com o mercado internacional que, num determinado momento histrico, podem ser de maior importncia que as estabelecidas com outras regies ou estados do mesmo pas, em decorrncia da expanso espacialmente desigual do sistema capitalista; veja-se, por exemplo, a Amaznia brasileira durante o ciclo da borracha e o atual ciclo do minrio no Estado do Par.

    Atravs dos enfoques aqui resumidos, considero que podemos tentar situar melhor como foram sendo definidas ou alteradas, no Brasil, as fronteiras que fixaram os limites formais entre os diferentes estados e municpios e aqueles entre as cinco macrorregies hoje existentes no pas (Norte, Nordeste, Centro- Oeste, Sudeste e Sul). Essa perspectiva tambm nos ser til para tentar compreender por que foram criadas outras divises do ter

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  • ritrio nacional, entre elas, as destinadas a ordenar a interveno econmica da Administrao Federal nas reas de atuao da Sudam, Sudene e Programa Grande Carajs (PGC), cujos limites diferem dos recortes poltico-administrativos e tambm macrorregionais do territrio nacional.

    Ao ser o Brasil, como fora definido desde a Constituio de 1891, uma federao de estados e no de regies, so trs as estruturas que assumem distintas competncias para atuar sobre o territrio: a Unio, os Estados e os Municpios, cada uma delas com suas estruturas poltico-administrativas especficas e diviso de poderes: presidente da Repblica, governo federal, Congresso Nacional: governadores, executivos estaduais e assemblias legislativas; prefeitos, governos municipais; e cmaras municipais. O sistema poltico e eleitoral brasileiro organiza-se tambm com base nessas divises, favorecendo, assim, que Estados e Municpios sejam os principais mbitos de atuao poltico-eleitoral dos brasileiros, como eleitores, ou como candidatos. Portanto, quando defino Marab ou Belm e o Estado do Par como territrios poltico-administrativos, quero destacar que nessa diviso e no, por exemplo, na Regio Norte ou Amaznia Legal, que se mostra com clareza a indiscutvel relao entre territrio e prticas polticas, isto , como espao legal de ao poltica de elites, grupos de interesse e classes sociais,24 ao serem esses os lugares onde basicamente se definem as alianas, lealdades e competies polticas.25

    * * *

    As confuses existentes a respeito dos conceitos espao, regio e territrio poltico-administrativo so trasladadas ao que pode ser includo ou excludo dos denominados estudos de Histria Regional. De fato, existem trabalhos inseridos nessa perspectiva metodolgica que tanto se referem a uma macrorregio, ou ao territrio de um ou vrios estados ou s subdivises' regionais no seio deles, por exemplo, as mesorregies ou microrregies estabelecidas no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

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  • Estatstica (IBGE). Contudo, e ainda que consdere de fundamental importncief distinguir o que so divises poltico-admi- nistrativas do territrio (Regies, Estados e Municpios), com outras diferenciaes oficiais ou no do espao, do ponto de vista estritamente metodolgico no considero que seja problemtico pretender incluir no mbito dos denominados estudos de Histria Regional, quando for relevante, esse recorte do territrio, a histria de um ou vrios estados ou municpios brasileiros, ainda que sempre com o intuito de diferenciar esse tipo de estudo dos de Histria Nacional.

    Um dos principais interesses dos trabalhos de Histria Regional, seja qual for o recorte do espao ou do territrio escolhido pelos diferentes autores, que eles fornecem, como assinala a historiadora Vera Silva, elementos insubstituveis para estudos comparativos.26 Trata-se de comparar aspectos similares entre regies de um mesmo pas ou entre regies de diferentes pases, pois, ainda que possa ser til tentar estabelecer um dilogo entre a historiografia nacional e a regional ou local, isso no prgssupe que seja correto tentar comparar uma regio com o todo nacional.27 Afinal, uma das principais, ou bvias, diferenciaes entre Histria Regional (por exemplo, Histria da Amaznia brasileira ou Histria do Estado do Par) e a Histria Nacional (a Histria do Brasil, por exemplo), que esta ltima tende a ressaltar as semelhanas do todo nacional, sendo uma das suas preocupaes, explcitas ou implcitas, tentar diferenciar a histria de um determinado pas da histria de outros Estados-Nao, o que, por sua vez, faz emergirem outros problemas metodolgicos para os cientistas sociais que do prioridade em suas pesquisas a esse tipo de recorte da realidade mundo. So matizes com os quais no pretendo entrar na disputa por outras perspectivas metodolgicas e, menos ainda, diminuir o interesse das mesmas para o conhecimento do todo social, aquilo qu, na maioria das universidades do pas, definido (no currculo escolar) como Histria do Brasil ou Histria Geral da Civilizao Brasileira.28 Portanto, como assinala Vera Silva:

  • O regionalismo justifica-se como uma entre outras perspectivas possveis de anlise da economia, da sociedade e da poltica. No exclui e nem se ope a outros enfoques de estudo. Nem melhor ou pior que outros mtodos de abordagem da Histria.29

    Entretanto, os estudos de Histria Regional tambm podem contribuir para uma melhor compreenso da Histria Nacional, at porque, como escreveu Jorge Baln, comentando um dos trabalhos de Simon Schwartzman: [...] no apenas que a anlise dos subsistemas regionais fornea uma melhor compreenso dos sistema nacional, mas, tambm, que o sistema nacional no pode ser entendido de maneira adequada sem seus componentes regionais.'30

    As consideraes anteriores permitem, agora, tentar discutir alguns dos problemas que podem ser detectados nos estudos de Histria Regional e tambm nos de Histria Local. Entre estes podem ser apontados os trabalhos que no aprofundam as especificidades das diferentes regies ou territrios poltico-ad- ministrativos escolhidos como objeto de pesquisa, tratando-os apenas, como avaliou a historiadora Rosa Maria Silveira, como mero reflexo de recortes espaciais mais amplos.31 O finalismo ou ponto de chegada dessas histrias regionais seria a construo do Estado-Nao. Assim, a [...] Histria de um determinado Estado ou provncia repete os acontecimentos da histria do Estado brasileiro ou o que se pensa que seja a Histria do Estado brasileiro, que se irradia dos seus centros de deciso .32 Um exemplo paradigmtico desse tipo de produo a respeito do Estado do Par e do Estado do Amazonas a obra do historiador Arthur Czar Ferreira Reis. Citemos, entre os inmeros trabalhos escritos por ele, nos quais poder-se-ia ver reproduzidas idias similares, apenas um exemplo, extrado do livro intitulado Sntese da Histria do Par, cuja primeira edio foi publicada em 1942:

  • O Par tem uma histria rica, farta em lances e episdios que a definem como das mais invulgares na histria nacional, pois a contribuio paraense para o processo de criao do Brasil , realmente, uma contribuio cheia de maior interesse e com aspetos particulares expressivos. Em nenhum momento o Par es* teve ausente no plano da formao nacional participao intensa no quadro dos acontecimentos que significam o Brasil como empresa dos brasileiros.33

    A perspectiva de situar s histrias regionais caminhando na construo do Estado-Nao foi predominante, como assinalou o socilogo Luiz Roberto Targa, na historiografia clssica brasileira, sejam as regionais, seja a nacional.34 Porm, nos ltimos anos, tem aumentado o nmero de pesquisas que, focalizando seus trabalhos no mbito regional, estadual ou local, com o objetivo de examinar suas singularidades ou particularidades, no inserem seu objeto de estudo na totalidade qual esses territrios esto integrados. Sem desmerecer os resultados alcanados pelos autores que centram suas pesquisas nessa perspectiva analtica, sobretudo pela sua (explcita ou implcita) vontade de evitar que o nacional anule a compreenso do regional e, portanto, das diferenas entre regies ou estados do territrio nacional, no se pode deixar de mencionar que esse tipo de enfoque dificulta a prpria compreenso da histria regional, estadual ou local. Sem dvida, uma histria que estuda a regio, mas a converte numa espcie de microcosmo que se basta e se auto-explica,35 aparecendo, assim, descoladas do processo histrico brasileiro.36 No mesmo sentido, o economista Wilson Cano, autor que destinou boa parte das suas investigaes ao estudo das transformaes econmicas em diversas regies do pas, especialmente as ocorridas no Estado de So Paulo, escreve:

    Embora j exista maior conscientizao sobre a questo regional brasileira, persistem algumas interpreta

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  • es equivocadas que retardam o correto entendimento desse fenmeno [...]. Deve-se lembrar que, infelizmente, raro o trabalho ou estudo que apresente uma viso integrada do fenmeno regional, inserido na dinmica social de toda a nao. Esse erro, o de ver compartimentadamente o problema, tem conduzido o debate, em alguns casos, a uma verdadeira disputa entre Estados .37

    * * *

    A escolha das diferentes fontes que so utilizadas, por historiadores ou outros cientistas sociais, est influenciada ou condicionada, obviamente, pela temtica, enfoque, corte histrico, objetivos e pelas condies (acesso s fontes, tempo etc.) nas quais o pesquisador desenvolve seu trabalho. Nesse sentido, desejo mencionar que o enfoque metodolgico que inspirou minha investigao, alm das consideraes feitas acima, baseou-se numa espcie de dilogo comparativo (anlise cruzada, nos diria Paul Thompson) entre as fontes secundrias (livros, artigos), as fontes primrias (documentais, hemerogrficas) e fontes orais. Afinal, ainda que qualquer mtodo possa ser til para nos aproximar do real histrico com maior fidelidade, no se pode esquecer os pertinentes comentrios de Paul Thompson em A Voz do Passado:

    Todas elas [as fontes] so falveis e sujeitas a vis, e cada uma delas possui fora varivel em situaes diferentes. Em alguns contextos, a evidncia oral o que h de melhor; em outros, ela suplementar, ou complementar, de outras fontes.38

    Na mesma obra, Paul Thompson alerta quanto ao vis potencial de qualquer fonte utilizada pelos historiadores, mencionando, entretanto, a escassa discusso que existe entre os cientis

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  • tas sociais quando se trata de questionar as fontes escritas, diferentemente do que acontece a respeito das fontes orais. O historiador, para reconstruir o passado, deve perguntar-se tambm como o documento passou a existir inicialmente, quem foi exatamente seu autor e qual foi seu objetivo ao escrev-lo.

    Estou consciente de que um dos problemas com os quais nos defrontamos, os pesquisadores que trabalhamos com momentos histricos muito prximos aos dos nossos dias, sobretudo os que tentamos compreender as prticas polticas dos indivduos, especialmente a das elites polticas, o fato de que boa parte dos nossos atores continua ativa, em maior ou menor grau, no cenrio poltico. E compreensvel, portanto, que os estudos das prticas polticas baseadas em fontes orais e tambm os trabalhos inseridos na perspectiva metodolgica da anlise do discurso tenham sido questionados quanto sua pretensa cientificidade/obje- tividade.39 Como j mencionei na dissertao de mestrado, alguns dos atores polticos entrevistados avaliavam sua participao na Histria como expresso coerente de sua evoluo poltica, enquanto outros faziam uma autocrtica de sua ao poltica anterior. Em ambos os casos, considerava e, ainda considero, que suas palavras tentavam justificar as posies polticas assumidas na ocasio do depoimento. Como nos diz Pierre Bourdieu:

    [...] os homens polticos, diretamente implicados no jogo, portanto diretamente interessados e percebidos como tais, so imediatamente percebidos como juizes e partes, logo, sempre suspeitos de produzirem interpretaes interessadas, enviesadas e, por isso mesmo, desacreditadas.40

    Algumas das repercusses provocadas pela publicao do livro A Esperana Equilibrista: A Trajetria do PT no Par, tm provocado determinadas mudanas na relao pesquisador- pesquisado, isto , com os atores polticos que entrevistei ou tentei entrevistar com a finalidade de concluir a tese de doutorado.41

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  • Alguns deles no esconderam sua preocupao em que se gravasse a entrevista; outros, entretanto, mostraram no somente grande interesse em ser entrevistados, mas, at, se esforavam em orientar, alm das minhas perguntas, suas respostas como se estivessem fazendo um discurso para seus clientes polticos.42 Desejo tambm informar aqui qtTe o trabalho de histria oral foi prejudicado pela mudana na data final para a concluso da tese e tambm pelo incio de uma nova campanha eleitoral na qual a maioria dos atores polticos que eu pretendia entrevistar, concretamen- te os ex-governadores do Par que exerceram seus mandatos a partir de 1960, estavam nela envolvidos.

    Vrios so os problemas com os quais me defrontei ao trabalhar-com fontes oficiais, sobretudo quando procurava levantar dados scio-econmicos e demogrficos do Par ou de outros Estados da Regio Norte, seja porque no esto atualizados, seja por serem pouco confiveis. Mostra disso so as informaes contraditrias fornecidas sobre um mesmo assunto por diferentes rgos pblicos e, at, pelo mesmo rgo.43 Tais situaes me fazem questionar no somente a veracidade das informaes, mas tambm as possveis manipulaes das mesmas, alm de advertir para o fato de que os diferentes dados fornecidos ao longo do texto devem ser interpretados com a devida cautela. Uma das mais claras mostras da disputa pelos nmeros o questionamento que fazem algumas prefeituras e governos estaduais sobre os dados dos recenseamentos do IBGE, considerando que os mesmos no refletem o nmero real do total de habitantes, objees que no so, certamente, de pouca importncia. Uns ou outros dados determinaro o aumento ou diminuio percentual das verbas que cada um dos respectivos governos (estaduais e municipais) receber da Unio, j que, como conhecido, so verbas distribudas pelo governo federal, com o acordo formal do Congresso Nacional (mas, nem sempre na prtica), a partir de dados fornecidos pelo IBGE. '

  • Notas

    1 A dissertao de mestrado foi publicada em 1996 pela Editora Boitempo (So Paulo), em co-edio com o Ncleo de Altos Estudos Amaznicos da Universidade Federal do Par (NAEA-UFPA), sob o ttulo de A Esperana Equilibrista: A Trajetria do P T no Par.2 Nos ltimos anos as preocupaes dos diferentes cientistas sociais que estudam a Amaznia brasileira diversificaram os temas a serem pesquisados. Por exemplo, os destinados a desvendar os impactos sociais e culturais e econmico-ecolgicos do modelo de modernizao econmica implementado, considerado no somente destruidor do meio ambiente, mas tambm desestruturador do modo de vida das populaes tradicionais da regio: ribeirinhos, povos indgenas, caboclos, seringueiros, pescadores. O interesse nessas populaes, vistas como baluartes da preservao, para ns e para as futuras geraes, da excepcional diversidade da flora e da fauna amaznica, tem servido para popularizar os conceitos de desenvolvimento ou manejo sustentado, que hoje alimentam no apenas os discursos dos ambieiUalistas ou ecologistas e da maioria dos cientistas da regio, mas, tambm, da maioria dos candidatos a cargo eletivo majoritrio (governador, senador ou prefeito) que aspire a ter chances de vencer um pleito eleitoral.3 Defino como atividade econmica aquela destinada obteno e uso de determinados bens materiais, e relaes econmicas, as prticas destinadas a regular como esses bens sero produzidos, acumulados e distribudos. Relaes econmicas entre os homens que so, portanto, tambm relaes de poder, nas quais est em jogo a forma como esses bens sero usados. Ainda que o concito do poltico no seja muitas vezes explicitado ou seja utilizado de forma diferenciada por diversos cientistas sociais (segundo paradigmas tericos e, at, ou sobretudo, em decorrncia das diferentes reas de especializao nas quais se dividem e subdividem as cincias sociais), a utilizao que fao desse conceito est orientada para a anlise das prticas direcionadas a manter, ampliar ou modificar determinadas parcelas de podr num determinado sistema poltico, grupo ou instituio, entre outras entidades nas quais a sociedade se organiza. Sendo, pois, uma das prticas sociais que os homens e mulheres desenvolvem ao longo da sua vida, talvez seja importante distinguir tambm entre o que poderia ser definido como relaes de poder e relaes de autoridade. So vislumbradas, as primeiras, com a ajuda do especialista em antropologia poltica, Ronald Cohen, como a capacidade para influenciar o comportamento de outros e/ou lograr influncia sobre o controle das aes valoradas (R. Cohen, "El sistema poltico, 1979, p. 34), e as de autoridade (por exemplo, a exercida por presidentes, governadores, prefeitos, juizes, chefes de instituies religiosas, lderes de partidos polticos, sindicatos, chefes de famlia etc.), como poder socialmente legitimado, no qual o superior tem um direito reconhecido a uma quantidade de poder sobre os subordinados (idem, ibidem). Mas, reiteramos, tanto uns (os superiores), como os outros

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  • (os subordinados), podem tentar, atravs da luta poltica, modificar essas relaes de poder.4 Seguindo os cientistas polticos Gildo Maral Bezerra Brando e Eli Diniz, defino as conjunturas como momentos de inflexo, nos quais tendncias desiguais, distintas ou contrapostas provenientes do desenvolvimento anterior atingem um ponto crtico, criando a base para una nova participao de trajetos (G. M. B. Brando, Partido jOomunist, Capitalismo e Democracia: Um estudo sobre a gnese e o papel poltico da esquerda brasileira, 1992, p. 17), mas sempre situando as diferentes conjunturas como momentos especficos de uma problemtica mais geral, considerados portanto, em sua conexo com o passado recente ou com tendncias de mais longo prazo" (E. Diniz, Reflexes sobre anlise de conjuntura, 1991, p. 2). Assim, cada conjuntura tem a sua especificidade, mas se insere numa cadeia de fatos e de processos que lhe do significado, ou por revelarem linhas de continuidade ou, ao contrrio, pontos de ruptura (idem: 2-55). Isto , como tambm escrevera o historiador francs Pierre Vilar: No sentido mais geral, a conjuntura o conjunto das condies articuladas entre se que caracterizam um momento no movimento geral de la matria histrica. En este sentido, se trata de todas las condiciones, tanto das psicolgicas, polticas e sociais como das econmicas" (R Vilar, Iniciacin a/ vocabulrio del anlisis histrico, 1981, p. 81).5 Josep Fontana, Cambio Econmico y Actitudes Polticas, 1975, p. 7-8.(i Luiz Augusto Estrella Faria, A Economia Poltica, seu Mtodo e a Teoria da Regulao, 1992, p. 285-6. A respeito das contribuies de Marx anlise dos fenmenos polticos, ver a instigante obra de John M. Maguire, Marxysua Teoria de Ia Poltica, 1984.' Marlia Emmi, A Oligarquia do Tocantins e o Domnio dos Castanhais, 1988, p. 8. H Sobre o retorno da histria poltica, veja-se de Vavy Pacheco Borges, Histria e Poltica: Laos permanentes (1991 /1992), e "Histria Poltica: Totalidade e Imaginrio (1996); Peter Burke (org.), 'Abertura: A nova histria, seu passado e seu futuro , em P Burke, A Escrita da Ilistria: Novas Perspectivas, especialmente as pginas 10-11 e 32-37 (1992); Aspsia Camargo, Histria Oral e Histria Poltica (1994); Marieta de Moraes Ferreira, A nova 'velha histria : O retorno da Histria Poltica (1992); Jacques Julliard, A poltica (1976); e Ren Remond (org.), Por uma Histria Poltica (1996).9 Cf. Peter Burke, A Escola dos Annales, 1991, p. 100-101. Franois Dosse compartilha com Peter Burke as crticas a Lucien Febvre, mas as estende tambm a Marc Bloch. Segundo Dosse, ao dar prioridade aos aspectos econmicos e sociais, Bloch tambm rejeitava o aspecto poltico (F Dosse, Histria em Migalhas, 1992, p. 5). Entretanto, Dosse cita duas passagens de um trabalho de Lucien Febve que so exemplares para mostrar que o percurso intelectual no deixa de ser um caminho cheio de contradies. Escreve Lucien Febvre: Em cada perodo da histria, a estrutura econmica da sociedade que, ao determi-

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  • nar as formas polticas, comanda tambm os costumes sociais e at a direo geral do pensamento e at a orientao das foras espirituais (L. Febvre, Pour une histoire part entirfe, p. 364-365; apud. Dosse, op. c/f., p. 95). Porm, a seguir, referindo-se polmica desatada por Max Weber a respeito da relao entre o processo de Reforma da Igreja Catlica e o desenvolvimento do capitalismo em alguns pases europeus, Lucien Febvre, escreve: "A Reforma, filha do capitalismo ou, ao contrrio, o capitalismo fruto da reforma: no, mil vezes no. preciso substituir o dogmatismo dessa interpretao to simples, da seguinte forma: necessrio ressaltar a jovem noo de interdependncia dos fenmenos (F Dosse, op. cit., p. 95).10 Vavy Pacheco Borges, Histria e Poltica: Laos permanentes", 1991/1992, P. 7.11 Ver, a respeito dos assuntos tratados neste pargrafo, os livros de Antonio Gramsci, La cuestin meridional (1978) e Os Intelectuais e a Organizao da Cultura (1989).12 Antnio Gramsci e Palmiro Togliatti, A situao italiana e as tarefas do PCI, 1980, p. 6.IS Cf. Wagner Costa Ribeiro, O marxismo na geografia brasileira", 1996: 151. 14 A respeito dos trabalhos de alguns dos gegrafos brasileiros que se vincularam corrente marxista do pensamento geogrfico e/ou Ecola da Geografia Crtica, ver, por exemplo, Milton Santos, Por uma Geografia Nova: Da Crtica da Geografia a uma Geografia Crtica (1978); a coletnea organizada por esse mesmo autor intitulada, Novos Rumos da Geografia Brasileira (1996); Wagner Costa Ribeiro, O marxismo na geografia brasileira (1996); e Armando Corra da Silva, Geografia e Lugar Social (1991).10 Rosa Maria Godoy Silveira, Regio e Histria: Questo de Mtodo , 1990, p. 20-21.10 Milton Santos, Espao e Mtodo, 1992, p. 1.17 Roberto Lobato Corra, Territorialidade e corporao: um exemplo , 1996, p. 251.18 Idem, ibidem.IH Pierre Bourdieu, O Poder Simblico, 1989, p. 115.20 Arajo Lima refere-se ao naturalista Friedrich Ratzel, que em 1882 publicou o primeiro volume da sua obra intitulada Antropogeografia. Segundo Arajo Lima, Ratzel concebia a terra como um suporte rgido que regula os destinos dos povos . Para Lima, as idias de Ratzel favoreceram interpretaes de um determinismo geogrfico, brutal e cego (Arajo Lima, Amaznia: a Terra e o Homem, 3a edio 1945, pp. 19-20). No mesmo livro, Lima, aps prosseguir suas crticas aos deterministas geogrficos, faz tambm uma lcida avaliao dos autores que pretendiam explicar, em geral tentando sustentar suas teses em estudos antropolgicos, as diferentes sociedades humanas a partir da relao entre raa e histria. Isto , atravs do preconceito de desigualdades das raas, median

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  • te o qual se pretendia firmar a importncia da pureza racial como determinante dos estados de civilizao mais adiantados", admitindo, assim, no mesmo momento histrico a coexistncia de raas superiores e inferiores (idem, ibidem, p. 42).21 Idem, p. 31 e 34-35.22 P. Bourdieu, op. cit., p. 120.23 Tenho conscincia dos inmeros debates e no poucas confuses que o conceito de Formao Econmico-Social tem provocado ao ser vinculado, ao conceito de totalidade (que alguns preferem tambm definir como sinnimo de pas) e ao de Modo de Produo (foras produtivas e relaes sociais de produo, distribuio e consumo). Sem desconsiderar os riscos de tentar naturalizar o conceito de Formao Econmico-Social-Espacial, isto , faz-lo existir como se se tratasse de uma estrutura real em vez de referncia analtica, considero pertinente servir-me da noo de espao-tempo (espao social historicamente definido) trabalhada por Milton Santos, no intuito de diferenciar os modos de produo (por exemplo, o capitalista) e o que se decidiu chamar de formao social. Partindo da definio segundo a qual modo de produo, formao econmico-social e espao so categorias interdependentes, Milton Santos assinala que: Os modos de produo escrevem a Histria no tempo, as formaes sociais escrevem-na no espao [...]. A histria da formao social aquela da superposio de formas criadas pela sucesso de modos de produo, da sua complexificao sobre seu territrio espacial [...]. Um Estado-Nao uma Formao Scio-Econmi- ca. Um Estado-Nao uma totalidade. Assim, a unidade geogrfica ou espacial de estudo o Estado-Nao" (M. Santos, Espao e Sociedade: Ensaios, 1982, p. 15 e 28).24 Vera Alice Cardoso Silva, "Regionalismo: O Enfoque Metodolgico e a Concepo Histrica, 1990, p. 46.25 In Castro, Poltica e territrio: Evidncias da prtica regionalista no Brasil , 1989, p. 389.28 Vera Alice Cardoso Silva, op. cit., p. 46.27 Ver, a esse respeito, as pertinentes reflexes de Luiz Roberto Pecoits Targa, Comentrio sobre a utilizao do mtodo comparativo em anlise regional , 1991.28 Seria interessante aprofundar o conhecimento do histrico escolar das universidades na rea de Cincias I lumanas e Sociais, sobre a maior importncia concedida ao conhecimento da Histria do Brasil em detrimento da Histria Regional. No departamento de Histria da UFPA, por exemplo, so quatro os semestres destinados primeira dessas disciplinas e dois ao estudo da Histria da Amaznia, sem nenhuma disciplina destinada formalmente ao conhecimento da Histria do Par, geralmente includa nas disciplinas Amaznia-I e Amaznia-II. Sem dvida, a prioridade dada a uns ou outros temas e perodos da Histria no foi e nem inocente, como tampouco o seriam suas mudanas. 29 Vera Alice Cardoso Silva, op. cit., p. 43.

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  • 30 Jorge Baln (org.), Centro e Periferia no Desenvolvimento Brasileiro, 1974, p. 21.31 Rosa Maria Godoy Silveira , op. tit., p. 23.32 Idem.33 Arthur Czar Ferreira Reis, Sntese da Histria do Par, 1972, p. XVII.34 Luiz Roberto Pecoits Targa, op. tit., p. 270.33 Sandra Jatay Pesavento, Histria regional e transformao social , 1990, p. 70 e 72.36 Rosa Maria Godoy Silveira, op. tit., p. 23.37 Wilson Cano, Desequilbrios Regionais e Concentrao Industrial no Brasil: 1930-1979, 1985, p. 21.38 Paul Thompson, A Voz do Passado, 1992, p. 176. No mesmo sentido, Aspsia Camargo escreve: Toda fonte, em principio, provida de objetividade, mas tambm um fator de desconfiana e, evidentemente, pode ser um indutor do equvoco" (A. Camargo, Histria Oral e Histria Poltica , 1994, p. 78).39 A respeito do recurso metodolgico da anlise do discurso ver as primeiras pginas do Captulo IV deste livro.40 Pierre Bourdieu, op. cit., p. 55. Ver tambm, a esse respeito, as pertinentes reflexes de Aspsia Camargo, Os usos da Histria Oral e da Histria de Vida: Trabalhando com Elites Polticas (1984), especialmente as pginas 13-14.41 Entre elas de se destacar a utilizao de algumas pginas do livro por parte de Ramiro Bentes (PDT), candidato Prefeitura de Belm nas ltimas eleies municipais (1996), durante o ltimo debate eleitoral realizado dois dias antes do segurtdo turno das eleies, com o intuito de mostrar que o candidato do PT, Edmilson Rodrigues, hoje prefeito de Belm, e sempre foi um comunista revolucionrio. A segunda delas, quando membros da Igreja Catlica de Gurup e o bispo da prelazia do Xingu, dom Erwin Krautler, exigiram de Jos Vicente de Paula (Z Vicente), ex-prefeito de Gurup durante o Regime Militar, que se retratasse publicamente das acusaes feitas por ele contra o setor progressista da Igreja Catlica que foram reproduzidas no meu livro. Z Vicente no somente fez questo de reafirmar o depoimento que me deu, mas tambm fez questo de ampliar suas acusaes e crticas s prticas polticas dos catlicos afinados com a Teologia da Libertao nas sesses da Cmara Municipal convocadas, por proposio dos vereadores do PT, para discutir esse importante assunto . Em resposta, o bispo cumpriu a ameaa de processar Z Vicente por difamao e hoje o processo corre na Justia.42 Experincia no uso da histria oral que tentei sistematizar no trabalho intitulado Fontes Orais e Elites Polticas Paraenses, apresentado no IV Encontro Nacional de Histria Oral (Recife, 11-14 de novembro de 1997).43 Por exemplo, o municpio de Marab, segundo dados do IBGE, em 1994, tinha 141.436 habitantes, porm, para a Fundao Nacional de Sade (FNS) o total de habitantes, nesse mesmo ano, era de 148.291. Em So Geraldo do

    46

  • Araguaia, para o IBGE, os residentes no municpio somavam, em 1995, 43.832 pessoas e, segundo a FNS, apenas 32.251 (Cf. Haroldo Costa Bezerra, Parecer da Relatoria Adjunta da Regio de Carajs, Comisso Especial de Estudos das Possibilidades Econmicas e Administrativas de Emancipao das Sub-Regies Tapajs e Carajs, 1995). So tambm notveis as divergncias existentes entre muitos dos dados do IBGE e os fornecidos pelo Instituto de Desenvolvimento Econmico Social do Par (IDESP), por exemplo sobre a Populao Economicamente Ativa (PEA) do Estado do Par e, portanto, tambm sobre o total de pessoas que so includas num ou outro setor econmico.

  • O Par na poca das grandes transformaes scio-econmicas na Amazonia:

    da criao da Sudam ao Ciclo do Minrio

    Introduo

    O estudo da evoluo econmica do sistema capitalista, vinculando-o s diferentes fases da revoluo tecnolgica-industri- al, geralmente feito atravs da anlise da sucesso peridica de ciclos econmicos: ciclos de prosperidade, de estagnao ou crise, de altas e baixas dos preos, elevada ou fraca produo, alta ou baixa disponibilidade de capital, escassez de mo-de-obra ou desemprego. A anlise dos diferentes ciclos de grande interesse para uma aproximao s mudanas da economia mundial, porm, tem que ser utilizada com muito cuidado no momento de avaliar a evoluo econmica de um determinado pas e, sobretudo, os surtos econmicos no mbito regional. Isto se deve ao fato de que a influncia dos ciclos mundiais nas diferentes regies ser maior ou menor segundo sua respectiva importncia na economia internacional, mas tambm, como assinalam, por exemplo, Carlos da Silva e Maria Yedda Linhares, porque tal enfoque pode dificultar a anlise das estruturas scio-econmicas regionais e, portanto, da evoluo econmica do pas como um todo. Assim, as transformaes scio- econmicas desses recortes da totalidade mundo no podem ser compreendidas, em seus diferentes momentos histricos, simplesmente como uma justaposio de etapas ou ciclos que se sucediam saltando de um local e de um produto para outro .1

    Feitas essas advertncias, considero pertinente, para fins analticos, propor uma subdiviso da histria econmica da Amaznia brasileira em trs principais perodos: a) Ciclo

  • da economia regional, 1912-1965; e c) poca das grandes transformaes scio-econmicas da Amaznia, a partir da segunda metade da dcada de 1960 at os dias de hoje. Todas essas fases foram grandemente influenciadas pela maior ou menor demanda internacional de matrias-primas da regio, seja a das riquezas da floresta ou, nas ltimas dcadas, as do subsolo, neste caso particular, a das jazidas minerais descobertas e exploradas no Estado do Par a partir dos anos 60. A ltima fase, apresenta ainda a influncia da crescente integrao da economia regional ao mercado nacional e da interveno da Administrao Federal na Amaznia.

    Essa proposta de periodizao tem muitas semelhanas com a apresentada pelo economista e jurista paraense Roberto Santos. A obra intitulada Histria Econmica da Amaznia o trabalho no qual Roberto Santos, sem dvida o principal estudioso da histria econmica da Amaznia, melhor aprofunda as diferentes fases nas quais ele subdivide, baseando-se na* evoluo da Renda Interna Regional, os ciclos econmicos na Amaznia brasileira desde incios do sculo XIX at 1970. O primeiro momento, de 1800 a 1840, que denomina de fase de decadncia; o segundo, de fase de expanso gomfera, 1840-1910; o terceiro, de declnio, entre 1910 a 1920; o quarto, de 1920 a 1940, que Santos prefere no definir (depois voltarei a este assunto); e, finalmente, o quinto, a partir dos anos 40 at o final dos 70, que ele denomina de fase de crescimento moderado.2 Roberto Santos no esquece de advertir que o critrio de periodizao baseado nas mudanas na renda interna, numa regio em que grande parte dos fatores de produo pertence a pessoas no residentes nela, pode insinuar iluses sobre o proveito real de um dado crescimento para a populao residente. Mas, desde que alertados para a significao tcnica da Renda Interna, esse critrio no pior do que, digamos, falar em fases colonial [...], imperial [...] e republicana [...]. Na verdade, pelo que respeita aos fins da anlise econmica, melhor .3

    50

  • 1. O Ciclo da Borracha (1 8 5 0 - 1 9 1 2 )

    Variadssimos so os produtos naturaes d esta fertilissima regio, o que, entretanto, mais entre todas avulta a borracha, que incontestavelmente a principal fonte de riqueza da provncia e a causa manifesta do seu to espantoso desenvolvimento commercial, ao qual o de nenhum pas pode ser comparado. (Governo da Provncia do Par, 1886)

    A construo do Forte de Belm pelos portugueses em 1616 (hoje localizado no bairro da Cidade Velha), situado na desembocadura das guas do rio Guam, na baa do Maraj, em territrio dos ndios tupinambs, marcaria o incio da presena e posterior expanso portuguesa na Amaznia alm dos limites fixados no Tratado de Tordesilhas, no dia 7 de junho de 1494.4 As ativi- dades econmicas s quais deram prioridade os portugueses na Amaznia at as primeiras dcadas do sculo XVIII, foram as destinadas coleta das drogas do serto: cravo, canela, baunilha, castanha, salsaparrilha, copaiba. A partir de ento, e at o incio do boom da borracha, a coleta de cacau foi a principal atividade econmica destinada ao mercado internacional desenvolvida na regio.'5

    Foi somente a partir da segunda metade do sculo XVIII que Portugal mostrou um maior interesse em incentivar a produo agrcola na Amaznia. Com essa finalidade, em 1755, foi criada a Companhia do Comrcio do Gro-Par e Maranho, objetivando ampliar o nmero de barcos que faziam o transporte de mercadorias, alimentos e outras matrias-primas entre Lisboa, So Lus e Belm, e, sobretudo, com o intuito de trazer Amaznia milhares de escravos africanos que foram os principais responsveis pelo incremento da produo agrcola e pecuria (neste ltimo caso, especialmente na Ilha de Maraj), nos atuais Estados do Par e Maranho a partir da segunda metade do sculo XVIII.6

    Em 1730, o cacau somava cerca de 90% do valor total das exportaes da Amaznia portuguesa e, 61%, em mdia

    51

  • anual, entre 1 755 e 1778. Nesse mesmo perodo, as exportaes de caf e cravo, tambm em mdia anual, equivaliam, respectivamente, a 10% e 11% do total.7 Entre 1836 e 1852, segundo dados levantados pelo historiador Moacir da Silva nos Relatrios dos Presidentes da Provncia do Par, as exportaes de cacau do Par somavam 43% do seu valor total, 31% as de borracha, 14% as de arroz, 6% as de couro, 4% as de castanha e 2% as de algodo.8 A queda do valor do preo do cacau nos mercados europeus, as Guerras Napolenicas e as lutas polticas no Par, antes, durante e aps a independncia do Brasil, especialmente os efeitos da Revoluo Cabana (1835-1840), e a crise do sistema escravista e semi-escravista, sob o qual padeciam os negros e ndios, so os principais aspectos que explicariam por que o perodo de 1805 a 1840 definido como uma fase econmica de estagnao ou decadncia.

    Se excluirmos a falsa euforia exportadora maranhense na segunda metade do sculo XVIII, de que falava [Celso] Furtado, a Amaznia permanece at o incio da segunda metade do sculo XIX, como economia extrativista, de baixa produtividade e de quase nenhuma integrao com o resto do territrio nacional.9

    No perodo de 1852 a 1862, a borracha j representava, em mdia anual, 62% do valor total das exportaes do Par, as de cacau tinham diminudo, tambm no mesmo perodo e percentualmente, a 27%, as de castanha somavam 5% e 3% as de couro e arroz, respectivamente.10 Em 1877, foram produzidas na Amaznia brasileira cerca de 9 mil toneladas de borracha, 14 mil dez anos depois e 21 mil toneladas em 1897.11 Entre 1891 e 1900, a produo mdia anual de borracha foi de cerca de 21 mil toneladas12 e de 34.500, em mdia anual tambm, no perodo de 1901 a 1910 ,13 sendo que, entre 1890 e 1910, esse produto proporcionou 30% do valor total das exportaes do pas e cerca de 40% em 1910, ano no qual o Brasil exportou 38.547 tonela

    52

  • das a 655 libras a tonelada.14 Nessas duas dcadas (1890-1910), somente as exportaes de caf superaram o valor total das de borracha, oscilando, anualmente, entre um mnimo de 45% a 60% das exportaes do pas.15

    Esse extraordinrio incremento da produo de borracha no Brasil durante as duas ltimas dcadas do sculo XIX e primeira do sculo XX, deve ser creditado, em boa parte, chegada Amaznia de milhares de nordestinos, especialmente cearenses, que imigraram ao Par, Amazonas e Acre, migrao favorecida pela crise do sistema escravista e posterior abolio da escravatura (1888), pelas repercusses econmicas provocadas pela crise da cultura do algodo e as peridicas secas que atingiram o Nordeste em 1870, 1877, 1887, 1903 e 1909.16 Em 1848, residiam em Belm, segundo Vicente Salles, cerca de 16.092 pessoas, sendo 5.085 escravos.17 Em 1872, Belm era a quarta cidade do Brasil com maior nmero de habitantes (61.997), somente perdendo para Rio de Janeiro (274.972), Salvador e Recife.18 Em fins do sculo XIX a capital do Par tinha cerca de 150 mil habitantes e 232.402, em 1920. Em 1902, Manaus tinha uma populao de cerca de 50 mil habitantes e, em 1920, a estimativa do total de habitantes era de 75.704.'9

    Recordando sempre as pertinentes palavras de Jos Verssimo, escritas em 1892, essas informaes demogrficas devem ser tomadas como meramente aproximativas: Ningum ignora quo deficientes so os nossos dados estatsticos. Impossvel dizer, ao menos com probabilidade de acertar, a populao da maioria dos nossos Estados. [...] A do Amazonas, bem como a do Par, incerta, e, a falar a verdade, vagamente hipotticos os clculos at agora feitos. Quanto aos pretendidos recenseamentos, creio merecem ainda menos f que tais clculos .20 Contudo, nem por isso, Verssimo deixava de constatar o crescimento demogrfico do Amazonas e do Par nas ltimas dcadas do sculo XIX, em decorrncia, primeiro pela copiosa emigrao cearense que desde 1877 no cessou at hoje; segundo pelo excesso de nascimentos, em uma regio onde a populao, como o reconhe-

    53

  • ceram quantos a conhecem, excessivamente prolfica, e onde [...] a mortalidade diminuta.21

    Tabela 1Populao aproximada do Par, Regio Norte e Brasil:

    1872-1940*

    Ano Par RegioNorte BrasilRegio Norte/

    Brasil %

    1872 275.237 332.847 9.930.478 3,4

    1890 328.455 476.370 14.333.915 3,3

    1900 445.356 695.112 17.438.434 4,0

    1920 983.507 1.439.052** 30.635.605 4,7

    1940 944.775 1.462.420 41.236.315 3,6

    Fonte: IBGE, Estatsticas Histricas do Brasil (1987) e Anurio Estatstico do Brasil (1981).* Excludos os ndios no pacificados .** Com a correo recomendada nos estudos crticos do Censo de 1920. Nos dados de 1920 e 1940, inclui-se tambm a populao do Acre (92.379, em 1920).

    As pessoas que foram trabalhar na extrao do ltex sofreram, por imposio dos comerciantes e/ou seringalistas que controlavam a produo e comercializao da borracha, as penosas consequncias de ter que se vincular s relaes de trabalho baseadas no sistema de aviamento. Esse sistema j fora utilizado pelos portugueses nas suas relaes econmicas com os indgenas - troca de produtos da floresta por mercadorias - , mas somente durante o ciclo da borracha ele se consolidaria como o principal articulador das relaes sociais e de trabalho entre seringalistas e seringueiros, comerciantes e pequenos produtores agrcolas e extratores de produtos da floresta.

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  • Conforme resume Roberto Santos, o sistema de aviamento (ainda hoje vigente em alguns municpios da Amaznia) um "sistema de crdito informal, pelo qual um indivduo (aviador) adiantava ao produtor (aviado) certa quantidade de bens de consumo (alimentos, roupas, material de caa e de trabalho) e algum dinheiro para que o produtpr os utilizasse durante o perodo de espera da safra extrativa.22 O resultado foi a sujeio permanente do seringueiro ao seringai, por no poder abandon-lo sem antes sufragar as dvidas contradas , dvidas que aumentavam progressivamente pela manipulao dos preos das mercadorias entregues pelos comerciantes/ seringalistas e do valor que os mesmos ofereciam pelo ltex convertido em borracha. Tratava-se de uma espcie, parafraseando Marx, de acumulao originria da dvida que escravizava os seringueiros, que eram impedidos de abandonar o seringai sem antes ter liquidado suas dvidas o que favorecia a acumulao de capital dos aviadores nacionais e estrangeiros. A referncia ao sistema de aviamento que aparece num livro publicado em 1888 pelo Governo da Provncia do Par, nos exime de maiores comentrios:

    [...] visto como o trabalhador , em regra geral, de que pouqussimas so as excepes, uma espcie de escravisado do dono da fabrica que trabalha [...]. Sabemos de verdadeiras caadas dadas em procura de trabalhadores evadidos das fabricas de borracha. E ai dos que so apanhados! O fabricante de borracha, salvas muito honrosas excepes, em geral um senhor por dvida de todos os seus trabalhadores. Seja qual for a safra anual, o trabalhador nunca fica quite com o patro: dahi a obrigao de trabalhar em cada anno seguinte para pagar o que ficou a dever em cada anno anterior. Por isto e s por isto, que o trabalhador dos seringais no s pobre mas em gera ^vive miseravelmente pagando-lhe o patro sempre barato o trabalho e com gneros enormemente caros.23

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  • Apesar de boa parte dos benefcios da exportao de borracha ter ficado nas mos das empresas comerciais e financeiras estrangeiras, no pode ser desconsiderada a riqueza acumulada pelos comerciantes da Amaznia nesse longo perodo de prosperidade econmica, graas ao controle dos seringais, das redes de comercializao da borracha no nvel local e regional e do abastecimento dos produtos de que precisava o seringueiro para subsistir na floresta e extrair o ltex. importante mencionar que o sistema de aviamento no somente regia as relaes entre serin- galistas e seringueiros; ele converteu-se numa cadeia hierarquizada que vinculava todos os setores comprometidos na produo e comercializao de borracha, desde as firmas e bancos estrangeiros at alcanar os seringalistas, sendo seu elo intermedirio os comerciantes locais, todos eles oferecendo ou recebendo crdito antecipado em troca da futura entrega de borracha.

    Belm, que j era o principal centro comercial, financeiro e poltico da Amaznia, experimentou, nas ltimas dcadas do sculo XIX e primeira do sculo XX, um rpido crescimento demogrfico e das atividades financeiras e comerciais. Essa expanso no foi acompanhada, pelo menos no mesmo ritmo, pelo setor industrial, que estava centrado, principalmente, em pequenos estabelecimentos destinados ao beneficiamento de produtos agrcolas. Mas, por que, ento, em que pese a grande massa humana que esse complexo ocupou e do excedente gerado, no teve condies de firmar razes para um processo de desenvolvimento econmico? ,24 perguntam-se Wilson Cano e Leonardo Guimares Neto.

    Espera-se que, no futuro, novas pesquisas ajudem a compreender melhor por que razo os recursos econmicos obtidos na comercializao da borracha no foram utilizados para incentivar as atividades industriais na Amaznia, especialmente em Belm ou Manaus durante o Ciclo da Borracha (diferentemente do que ocorrera, por exemplo, com o Estado de So Paulo durante o Ciclo Cafeeiro). Pode-se, enquanto isso, assinalar alguns aspectos que poderiam servir como hiptese ou, no mnimo, como infor

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  • mao. Trs parecem ser as principais causas para explicar o fenmeno referido. Uma delas seria a escassez de matrias-pri- mas fornecidas pelas diferentes culturas agrcolas, provocada, pelo menos em parte, pela reduo das reas cultivadas, fosse pela falta de braos, j que muitos trabalhadores partiam procura do ltex, inclusive pelo incentivo que alguns deles receberam dos prprios fazendeiros que ingressavam no sistema do aviamento. J em 1854,

    O presidente da provncia Sebastio do Rego Barros reclamava j, contra o xodo dos lavradores em busca do rpido lucro, na extrao da goma elstica [...], a

    . agricultara definhava. Mas todo esse monto de ouro adquirido fcil e rapidamente, era desbaratado.25

    Outra das causas que poderia explicar a estagnao do setor industrial de Belm (ou sua diminuio percentual se a compararmos com o elevado crescimento demogrfico da regio durante o Ciclo da Borracha), foi a opo de no poucos industriais de, em vez de ampliar esse tipo de atividade econmica, destinar parte do seu capital ao setor ento mais rentvel:

    Quem conseguia formar um peclio, tratava de reinvesti-lo na borracha sob formas diversas, mas no em atividades produtivas de tipo urbano, indstrias [...] O fato que Belm, na poca do dinamismo da borracha, era uma cidade de servios rica e, aps a queda da rentabilidade da borracha amaznica, passou a ser uma cidade de servios pobre.26

    A terceira causa poderia ser atribuda ao grande vilo dessa histria, o sistema de aviamento, considerado um dos principais obstculos para a modernizao econmica da Amaznia brasileira durante o Ciclo da Borracha, mas tambm nos anos posteriores. Segundo Wilson Cano e Leonardo Guimares Neto:

  • [...] [a] forma de interao do homem na floresta, para a extrao do ltex, o fato de no fazer aberturas de terras, e a grande necessidade de mo-de-obra por parte de atividade primria impediram que ali se desenvolvesse uma agricultura comercial produtora de alimentos. A despeito de ocupar mo-de-obra livre, no criou o assalariamento, transformando su mo- de-obra, atravs da economia do aviamento, em produtores diretos.27

    Entre 1901 e 1910, a mdia anual da produo de borracha na Amaznia brasileira foi de 34.500 toneladas.28 Em 1913, a borracha produzida nos seringais asiticos explorados pelos ingleses superaria, pela primeira vez