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XIII Congresso Brasileiro de Sociologia 29 de maio a 1º de junho de 2007 UFPE, Recife (PE) GT10: Estado, Cidadania e Identidade Cidadania cibernética como construção não-governamental: o cyberativismo do Greenpeace Autora: Samira Feldman Marzochi (IFCH-Unicamp) [email protected] Orientador: Renato Ortiz Campinas, 16 de abril de 2007

Cidadania Cibernética Ongs Greepeace Samira Marzochi

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  • XIII Congresso Brasileiro de Sociologia 29 de maio a 1 de junho de 2007

    UFPE, Recife (PE) GT10: Estado, Cidadania e Identidade

    Cidadania ciberntica como construo no-governamental: o cyberativismo do Greenpeace

    Autora: Samira Feldman Marzochi (IFCH-Unicamp)

    [email protected] Orientador: Renato Ortiz

    Campinas, 16 de abril de 2007

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    Cidadania ciberntica como construo no-governamental: o cyberativismo do Greenpeace

    Samira Feldman Marzochi (IFCH-Unicamp)

    Resumo: Que tipo de cidado pressupe uma ONG Internacional como o Greenpeace? A quem esta organizao apela que participe como cyberativista ao lanar suas campanhas? Atravs das prticas no-governamentais, a figura de um cidado ciberntico desterritorializado vem sendo construda. O trabalho consiste de um exerccio de caracterizao deste sujeito por meio da anlise emprica sobre o Greenpeace (publicidade, pginas eletrnicas, material de campanha, entrevistas) e da discusso terica sociolgica sobre o indivduo na modernidade. Sustento a hiptese de que o cidado ciberntico possa ser tomado como emblema da dimenso transnacional da cultura poltica contempornea e estendido, desse modo, compreenso de outras situaes de ativismo eletrnico. Por ser um produto histrico e ideolgico, capaz de refletir, em sua prpria figura, novos valores poltico-culturais.

    Palavras-chave: cidadania; ativismo; organizaes no-governamentais; Greenpeace; cultura poltica; mundializao.

    Introduo

    Observando o modo como o Greenpeace apela participao dos scios e cadastrados em seus sites nacionais, percebemos que um novo tipo de ativismo se configura. Alm de afiliado ou simpatizante, a organizao prope que sejamos cyberativistas1: uma grande quantidade de pessoas annimas a quem a organizao se dirige mas que raramente se encontra, aparece ou manifesta publicamente. O contato entre os afiliados e a ONG ocorre atravs do correio eletrnico ou telefone e as aes da organizao so acompanhadas pela Internet, TV, rdio, jornais e publicaes prprias. Simpatizantes e afiliados participam como espectadores, torcedores e no mximo se tornam voluntrios para executar aes que no so planejadas por eles. E o voluntrio, inscrito e recrutado pelo Greenpeace para a realizao das aes diretas, corresponde a mais um dos mecanismos de funcionamento e coordenao da ONG. Ele executa as aes planejadas sua revelia, como soldado annimo. Ao invs de desfazer a distncia que envolve a relao entre a ONG e os seus scios, o voluntrio introduzido num outro tipo de distanciamento ao viver situaes que na verdade lhe so estranhas. Conforme observa Fruet, preciso ter um grande controle emocional para evitar reaes

    1 O ciberativismo se torna, nos anos recentes, um meio reconhecido de protesto: O ciberativismo uma forma de

    ativismo realizado atravs de meios eletrnicos, como a informtica e a Internet. Na viso dos que o praticam, o ciberativismo uma alternativa aos meios de comunicao de massa tradicionais, permitindo-lhes driblar o monoplio da opinio pblica por estes meios, ter mais liberdade e causar mais impacto, ou apenas uma forma de expressar opinies http://pt.wikipedia.org/wiki/Ciberativismo.

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    agressivas em momentos em que os voluntrios possam sentir-se ameaados, sofrer ofensas ou serem alvos de violncia. H um treinamento prvio ao estilo de uma dinmica de grupo em que um dos membros exerce o papel de um guarda fabril ou de um policial violento e os outros so orientados para apenas fugir sem em nada demonstrar reao (Fruet, 2004, pp. 57-58).2

    Para os scios, h uma central de relacionamento e um frum virtual de discusso em que os contribuintes podem trocar idias, criticar, propor aes, fazer perguntas e criar grupos de discusso sobre diversos temas dentro daqueles que fazem parte das campanhas do Greenpeace. Os pontos de acesso (GIDDENS, 1991, p.91), entendidos como pontos de conexo entre indivduos ou coletividades leigas e os representantes de sistemas abstratos, atravs dos quais a confiana no Greenpeace pode ser mantida e reforada, so poucos e quase todos virtuais3. Os escritrios nacionais da organizao so restritos permanncia dos funcionrios para evitar o vazamento de informaes sobre as estratgias de campanha e aes diretas. Os 2,8 milhes de colaboradores (22 mil no Brasil) de 158 pases (dos quais 41 tm escritrios nacionais)4 no so consultados e em nada ajudam a definir os rumos da organizao, as prioridades de campanha, o uso dos recursos, os tipos de ao ou a forma como a ONG se estrutura.

    Como o telespectador de chinelos de Edgar Morin5 que projeta seu esprito para alhures atravs das imagens eletrnicas, ser scio do Greenpeace , de algum modo, estar conectado a todos os cantos do mundo onde a organizao tem escritrios ou realiza aes de campanha. Na perspectiva do scio (sublinho esta condio), uma ONG internacional como esta pode lhe servir de extenso, assim

    2 O voluntrio assiste a uma apresentao do projeto de voluntariado do Greenpeace e decide se quer ou no

    participar. Depois, recebe um treinamento institucional em que o voluntrio entende a estrutura e o funcionamento da organizao e das campanhas. Em seguida, treinado para a no-violncia. Os voluntrios so treinados para trabalhar basicamente fora da organizao em atividades de engajamento pblico (Pompeu, 2005). 3 A organizao mexicana ainda convoca seus scios a assistir apresentao anual do relatrio financeiro e de

    atividades e esclarecer dvidas, mas esta no uma prtica na grande maioria dos escritrios: Para Greenpeace es fundamental mantener un contacto cercano con quienes hacen posible nuestras campaas y victorias. Para ello, adems de los talleres, charlas y acciones, al inicio de cada ao organizamos una reunin especial con socios donadores de Greenpeace Mxico. En ella les informamos del trabajo que Greenpeace ha realizado -gracias a su apoyo- a lo largo del ao anterior.Este ao, nuestra Reunin anual de Socios Greenpeace se realiz en el Club de Periodistas de Mxico. Alrededor de 650 socios donadores nos acompaaron y pudimos informarles acerca del trabajo realizado en 2005, un ao de mucho esfuerzo a favor de nuestro medio ambiente. Durante su exposicin Alejandro Calvillo, director de Greenpeace Mxico, dio a conocer el panorama social y poltico en el cual est trabajando nuestra organizacin. Le siguieron exposiciones de cada una de nuestras campaas y de las reas de acciones, comunicacin y finanzas, apoyadas con videos.Despus del informe tuvimos la oportunidad de convivir con nuestros socios, platicar con ellos, aclarar dudas y profundizar en algunos temas de nuestras campaas. Nos acompaaron socios del Distrito Federal, Jalisco, Morelos, Estado de Mxico, Quertaro, Veracruz, Puebla, Monterrey y Baja California. Si t pudiste acompaarnos, muchas gracias! Si no te fue posible asistir, sigue el desarrollo de nuestras actividades y recuerda: te esperamos el prximo ao. http://www.greenpeace.org/mexico/newsletter/reuni-n-anual-de-socios-greenp. 4 Observar que h mais scios colaboradores em pases que no possuem escritrios nacionais do Greenpeace que

    nos pases onde h escritrios. H uma identificao com o a ONG que ultrapassa as fronteiras e os limites culturais da nacionalidade, ainda que a organizao possa realizar aes no interior destes pases (sem escritrios nacionais) e lidar com questes a estes relacionadas. 5 a televiso que realiza a extrema ubiqidade do alhures na extrema imobilidade do aqui. Um condensado mltiplo

    do cosmo se oferece diariamente ao telespectador de chinelos (MORIN, 1990, p.178).

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    como a mdia de McLuhan6. O Greenpeace reorganizaria o sensorium dos indivduos. como se suas aes, imagens, slogans, barcos e bales funcionassem como extenses das faculdades polticas clssicas: a razo, o discurso e a ao. Parafraseando Morin, o Greenpeace fantasmaliza o espectador, projeta seu esprito na pluralidade dos universos figurados ou imaginados, faz sua alma emigrar para os inmeros ssias que vivem para ele. (...) Estes ssias vivem em nosso lugar, livres, soberanos, eles nos servem de consolo para a vida que nos falta, nos servem de distrao para a vida que nos dada (MORIN, 1990, p.169-170). O espao de encontro entre os cyberativistas , virtualmente, o prprio objeto da organizao: a Terra.

    O cyberativismo pressupe, portanto, uma cibercidadania que j no se limita ao pertencimento cidade ou ao territrio nacional7. O que nos indica o cyberativismo uma nova cultura de ligao individual com o mundo. O mundo, porm, no mais aquele do sentido puramente cosmolgico ou identitrio, o universo que nos situa socialmente, organiza nosso modo de pensar e as divises do cl (DURKHEIM, 1995). O universo deste novo ser poltico, o cibercidado, a Terra em sua existncia material e finita, que corre riscos, pode ser fotografada por satlites, est submetida s leis da natureza que so independentes da vontade humana, da tradio, da f e da cultura. O cidado ciberntico tambm o cidado do mundo. Embora possa sofrer de modo diferente e em cada lugar social e geogrfico os efeitos dos problemas ambientais, est igualmente sujeito possibilidade de uma hecatombe ecolgica. Por trs do cidado abstrato e a rigor muito pouco ativo, revela-se um mundo demasiadamente real que se impe, cada vez mais, s existncias individuais.

    Ao mesmo tempo em que se desenha a figura, ainda impressionista, do cidado do mundo, tornam-se mais ntidos os problemas (possibilidade de guerra nuclear, calamidades ecolgicas, exploso populacional, colapso do cmbio econmico global) que ameaam a todos sem respeitar divises entre ricos e pobres ou regies do mundo. Ao mesmo tempo em que aumenta o acesso informao e a iluso do controle, os mecanismos de desencaixe (GIDDENS, 1991) aparentemente tiram as coisas das mos de quaisquer indivduos ou grupos especficos. As campanhas de proteo natureza surgem em todo o globo exatamente quando o indivduo se acha desterritorializado (ORTIZ, 1997, p.79), suspenso.

    A poltica se torna, neste novo modelo de cidadania, um modo de funcionamento, no algo a que se entrega, sacrifica-se, ou que implica perdas,

    6 A roda extenso dos ps, o livro extenso dos olhos, as roupas so extenso da pele, o circuito eltrico

    extenso do sistema nervoso central e assim por diante (MCLUHAN, 1969, p.81). 7 Tambm no diz respeito ao pertencimento ao cyberespao, uma vez que admiti-lo seria redundante: a cultura j

    um lugar virtual.

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    escolhas e definies poltico-ideolgicas precisas. A ONG Internacional apenas exige que o scio deposite regularmente sua contribuio, mesmo que pequena, como se pagasse um servio terceirizado de participao poltica. Voc pode ajudar tanto quanto um ativista mesmo sem sair de casa, anuncia um cartaz publicitrio que apresenta duas moas conversando e tomando ch num bote de borracha atracado no centro de uma sala de estar8. A organizao promete no atrapalhar nossa vida cotidiana, promete no nos tirar o conforto e a segurana ou exigir que entremos fisicamente em contato com pessoas para alm do crculo social mais ntimo.

    O cyberativista deve subscrever cartas de protesto j elaboradas pelo Greenpeace nas quais s preciso digitar nome, e-mail e dar enter para remet-las aos endereos eletrnicos de polticos ou empresrios pr-definidos sobre os temas de campanha da ONG (Mudanas Climticas, Florestas, Energia Nuclear, Engenharia Gentica, Paz e Desarmamento, Oceanos, Substncias Txicas). Muitas vezes, em algumas campanhas como a de Oceanos, nem preciso informar o nome, a idade, o pas ou endereo, mas somente o e-mail9. Cada ativista apenas uma conexo numa rede, capaz de ler mensagens, lidar com mquinas computadoras e comover-se o suficiente para clicar enviar:

    Excelentssimo Sr. Lus Incio Lula da Silva Presidente da Repblica

    Exma. Sra. Dilma Roussef Ministra Chefe da Casa Civil

    Exmo. Sr. Silas Rondeau Cavalcante Silva Ministro de Minas e Energia

    Exmo. Sr. Srgio Machado Rezende Ministro da Cincia e Tecnologia

    Exmos. Senhores,

    Fao parte daquele grupo de brasileiros apaixonados pela beleza natural do nosso Pas e consciente da necessidade de garantir um desenvolvimento sustentvel para o Brasil. Energia um elemento fundamental para nosso desenvolvimento, portanto, para garantir a sustentabilidade, devemos buscar fontes de energia limpas, renovveis,

    8 www.greenpeace.org.br

    9 http://oceans.greenpeace.org/pt/defensores-oceanos

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    economicamente viveis e socialmente justas.

    O Brasil solar, elico, renovvel e deve ter um papel de liderana nesta revoluo energtica. No queremos nem precisamos de usinas de carvo ou nucleares.

    Vamos mudar a cara deste Pas! Vamos investir em energias limpas e renovveis em grande escala. Vamos afastar o fantasma do apago e crescer usando a energia de forma consciente, sem desperdcio e sem destruir o meio ambiente.

    Obrigado,

    Nome:

    Data de nascimento: DD/MM/AAAA

    e-mail:

    Cidade:

    Estado:

    Pas:

    BRASIL

    Sim! Desejo receber mais informaes sobre o Greenpeace e esta campanha.

    Enviar

    Limpar

    Este novo tipo de pertencimento e participao no encontra com facilidade referentes tericos que auxiliem sua compreenso. Mesmo a diviso entre cidadania ativa e passiva defendida por autores como Bryan Turner (1990;1993;1994) se restringe ao espao nacional e no contempla, de modo satisfatrio, o uso dos recursos eletrnicos. A cidadania passiva, relacionada aos direitos garantidos pelo Estado, e a ativa, que se realiza atravs da participao em associaes locais e autnomas, no satisfazem o objetivo de compreenso da cidadania ciberntica que no se limita ao no interior de um pas (e no to passiva quanto simplesmente usufruir das garantias do Estado, nem to ativa quanto participar de instituies locais). O termo cidadania pressupe, normalmente, o Estado Nacional. Mas, pode-se dar a ele um sentido mais genrico, como o faz Michael Walzer que se refere ao direito de membership, de pertencimento a uma comunidade (TOURAINE, 1994, p.111).

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    A cidadania ciberntica no corresponde, portanto, igualdade de direitos inspirada na cidadania romana, um estatuto nico pelo qual todos os cidados so iguais em direitos (de estado civil, de residncia, de sufrgio, de matrimnio, de herana, de acesso justia etc.), mas pressupe uma igualdade de pertencimento Terra. A cidadania ciberntica estaria, portanto, muito prxima idia abstrata de universalidade, admitindo-a como conceito capaz de abranger todas as diferenas, ao invs de ser um modelo. Uma cidadania que dispensa as identidades nacionais, regionais, de gnero, raa, credo e classe, ao mesmo tempo que as envolve igualmente.10 Para ser um cyberativista ambiental no preciso estar em nenhum lugar especfico, nem identificar-se com qualquer grupo em particular. A cidadania ciberntica no pressupe, como o faz Robert Sack, que para ser um agente preciso estar em algum lugar (GIDDENS, 1991, pp.119-120).

    Cibercidadania

    Schnapper e Bachelier (2000, pp. 9-10) observam que o termo cidado, de que a Revoluo j vez uso entusiasmado e por vezes excessivo, voltou moda na ltima dcada de maneira insistente nos pases democrticos. Fala-se em encontros cidados, ao cidad e mesmo em caf cidado. Toda a cidadania parece restringir-se aos direitos polticos e, destes, somente a um aspecto, normalmente exaltado: a participao no formalizada pelo Estado em todas as questes que possam ter carter poltico. Os direitos sociais, civis e os direitos polticos formais (por ex., de votar e candidatar-se)11 parecem menores diante da livre possibilidade de manifestao atravs de mtodos imprevistos.

    No pensamento poltico ocidental inspirado na idealizao da Grcia Antiga, o conceito de razo, discurso, ao e humanidade se desenvolvem juntos (ARENDT, 1987). Interiorizamos de tal modo a idia de cidadania segundo a frmula um homem, uma voz que ela hoje nos parece evidente (SCHNAPPER; BACHELIER, 2000, pp. 11-12). A cidadania atribuda aos gregos mistura-se profundamente idia de indivduo no pensamento poltico democrtico (numa demonstrao de exagerada complacncia por parte de filsofos e cientistas sociais em relao s profundas desigualdades e ausncia de liberdade na democracia grega).12 Assim, como compreender a

    10 Desde que se saiba ler, escrever e manipular um computador.

    11 Marshall divide o conceito de cidadania em trs partes e as chama de civil, poltica e social. Por elemento poltico se

    deve entender o direito de participar do exerccio do poder poltico como membro de um organismo investido da autoridade poltica ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituies correspondentes so o parlamento e conselhos do governo local (Marshall, 1967, p. 66). 12

    Os lugares sociais na Grcia Antiga eram limitados e pr-definidos pela ordem social. Mulheres, crianas, escravos e estrangeiros (nascidos fora da Grcia) no eram cidados, e os jovens eram obrigados a lutar em guerras peridicas (ORTIZ, 2006). A polis grega se definia por valores tnicos. Os cidados eram classificados segundo o nascimento, o pertencimento e a filiao a uma fratria ou a um cl. O cidado ateniense era filho, neto, bisneto de um cidado

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    cidadania sem razo, ao, discurso e voz prprios como a cibercidadania? No mesmo processo de individualizao (BECK, 1995, p.25), a cidadania parece desindividualizar-se.

    A democracia moderna herdou de Roma a concepo de uma cidadania definida em termos de estatuto jurdico. No Imprio Romano que se tornou imenso, no se tratava mais de organizar a vida e os conflitos entre os grupos de indivduos reais, mas de regrar as relaes entre os sujeitos de direito. Agora, os estrangeiros poderiam ascender sociedade poltica definida em termos jurdicos. As elites provinciais adquiriam cidadania romana na medida em que as provncias eram anexadas ao Imprio. Mesmo que a maioria dos cidados se encontrasse alheia prtica poltica cotidiana, os romanos definiram a cidadania em termos jurdicos. Alm disso, eles fundaram a idia segundo a qual a cidadania estava aberta e tinha vocao universal (SCHNAPPER; BACHELIER, 2000, pp. 15).

    Por outro lado, a cidadania romana, assim como o universalismo posterior do cristianismo catlico, era imposta. A cidadania romana impunha-se pela conquista territorial, o catolicismo pelas Cruzadas, Inquisio, Catequese e outros mecanismos. O universalismo se mostra, at a modernidade, como um modelo a que se deve submeter ao preo da inexistncia social ou efetiva (por assassinato, clandestinidade, marginalidade, invisibilidade, enfim, pela completa ausncia de direitos individuais). Segundo a frmula do dominicano Las Casas, considerado defensor do direito indgena catequese na Disputa de Valladolid de 1550-1551, no existe nenhuma nao no mundo, mesmo as brbaras, ferozes ou depravadas nos costumes, que no possa se tornar, um dia, uma nao polida cujos membros se comportem de modo humano e conforme a razo (SCHNAPPER; BACHELIER, 2000, pp. 16).

    O pensamento poltico moderno, redescobrindo o direito romano e elaborando em seguida a idia do contrato social, introduz uma ruptura na concepo e na prtica poltica. A cidadania moderna no mais uma essncia (quase uma alma) dada de uma vez para todos, mas uma conquista por direitos que se desenrola historicamente. As prticas da cidadania tomam hoje formas concretas diferentes nos vrios pases democrticos. Para Schnapper e Bachelier (2000, pp. 17), uma grande diversidade de instituies organiza a cidadania e sua evoluo continua.

    ateniense. A aquisio da cidadania pelos estrangeiros foi excepcional e a atividade poltica era, de fato, limitada aos membros mais afortunados da polis. Os gregos eram reconhecidos pela origem, lngua, deuses, lugares sagrados, festas sacrificiais e modo de vida (SCHNAPPER; BACHELIER, 2000, pp. 14). Alm disso, no havia separao entre Estado e Religio (algo que s foi possvel na modernidade poltica instaurada aps a Revoluo Francesa), o que torna os conceitos de cidadania e de esfera pblica no-estatal incoerentes neste contexto. A Grcia dos filsofos um mundo ideal que no nos serve de registro histrico para reconstruir a cidadania grega. Lembremos que Scrates fora condenado por defender a liberdade de pensamento e a independncia em relao s crenas do Estado. Suas idias no correspondiam, portanto, realidade poltica e cultural da Grcia Antiga.

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    Ortiz observa que a liberdade individual, valor caro modernidade, estava longe de realizar-se na Grcia Antiga. A esfera privada era carregada de conotao negativa. Idion era um dos termos que se opunha pblico, ao qual se associava idiotes, algum que se encontrava na ignorncia das coisas coletivas (ORTIZ, 2006, p.86). Foi o Romantismo que contribuiu para a valorizao do privado em relao ao pblico junto separao entre Igreja e Estado. A distino entre pblico e privado , portanto, indissocivel do conceito de cidadania.

    A cidadania uma inveno recente e no o prolongamento e um passado distante e glorioso. A realizao do indivduo como cidado livre e consciente, capaz de escolher a orientao poltica que lhe convm, apenas se concretizaria como vontade no mbito da esfera pblica. Apenas a partir Revoluo Francesa fomos capazes de incorporar s leis a associao entre cidadania, igualdade e tambm liberdade entre os indivduos, embora permaneam, a rigor, como princpios aos quais se pode apelar juridicamente e no como emancipao real. Conforme Schnapper e Bachelier (2000, pp. 23), o que a modernidade poltica seno a elaborao de uma sociedade na qual a cidadania constitui o fundamento da legitimidade? A universalidade pode, ento, realizar-se menos como um modelo imposto e mais como espao capaz de envolver a diversidade dos grupos e dos indivduos e lhes assegurar iguais direitos.

    A cibercidadania talvez possa ser compreendida como manifestao do direito de participao poltica, ainda que desvinculada de instituies governamentais. Sua condio o acoplamento dos indivduos ao computador pessoal conectado Internet. A cibercidadania pressupe, desse modo, um novo tipo de indivduo que, alm de encarnar os aspectos atribudos individualidade moderna, apenas existe em conexo com estes aparelhos. O cyberativista do Greenpeace no apenas um cidado ciberntico, conectado Internet por meio do computador, como est em relao com contedos (informao, conhecimento, discursos, imagens, sons) organizados ou produzidos por esta ONG Internacional. Como organizao inserida num sistema tcnico, cientfico e poltico, o Greenpeace atua como uma tecnologia que economiza esforo intelectual dos indivduos no conhecimento, interpretao e julgamento da realidade (LVY, 1993, p.142).

    A percepo individual do cyberativista sobre as questes ecolgicas depende, neste sentido, do modo como a organizao elabora seus contedos. Este sistema de tecnologias e instituies faz dos cibercidados os pontos ltimos de sua extenso, ao contrrio do que McLuhan imaginava. No so os aparelhos e as instituies a ampliao dos nossos sentidos mas ns que somos o meio atravs do qual as mquinas e as organizaes operam. Para os socilogos americanos da dcada de

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    50, o indivduo moderno no mais tradition-directed (orientado pela tradio), nem self-directed (orientado por projetos pessoais), mas other-directed, orientado por um outro (CHESNEAUX, 1995).

    O cibercidado um cyborg. O conceito de cyborg (cybernetic organism) foi forjado em 1960 por Manfred Clynes e Nathan Kline no mbito dos projetos aeroespaciais da Nasa (SANTOS, 2003a). Haraway define o cyborg como um hbrido de mquina e organismo. A tecnologia das ltimas dcadas do sculo XX teria mesclado natureza e artificialidade, corpo e mente, interior e exterior, criando mquinas perturbadoramente vivas e humanos apavorantemente inertes com implicaes culturais e polticas importantes. No fica claro quem faz e quem feito na relao entre homem e mquina. Os cyborgs necessitam de conexo (HARAWAY, 1994, pp.243-278).

    Velhos conceitos da poltica de inspirao clssica no podem mais se aplicar. Temos para anlise um universo em que no h espao pblico, visibilidade, exerccio da razo individual, ao, discurso e encontro fsico entre scios, mas que no deixa de ser um campo poltico. Deparamo-nos com o desafio de compreender novas prticas polticas muito distantes dos modelos conhecidos.

    Ao que tudo indica, o prprio Greenpeace quem assume o papel do ator poltico tradicional capaz de promover aes, ser visto atravs da publicidade institucional, levar adiante sua palavra e convencer um grande pblico. A passividade dos indivduos vem acompanhada da atividade das instituies. Para o Greenpeace, assim como para o modelo de Hannah Arendt, o espao da aparncia tambm o do poder. Dessa relativa impotncia do ser humano condenado a espectador, a organizao retira a sua fora. Tal como o Moderno Prncipe (GRAMSCI, 1991b, p.8-9), o Greenpeace se dedica reforma intelectual e moral. Porm, diferente dele, constri uma concepo de mundo que ultrapassa as fronteiras do nacional-popular. O Moderno prncipe, o mito-prncipe, no pode ser uma pessoa real, um indivduo concreto; s pode ser um organismo, um elemento complexo da sociedade no qual j tenha se iniciado a concretizao de uma vontade coletiva, reconhecida e fundamentada parcialmente na ao (GRAMSCI, 1991b, p. 6).

    As ONGs Internacionais ganham prestgio exatamente a partir dos anos 60/70 da contracultura internacional, quando o papel do Estado e dos partidos polticos como representantes da sociedade e promotores de transformaes sociais era profundamente questionado. Para os militantes ecologistas, os partidos polticos no correspondiam mais s clivagens contemporneas, especialmente s noes de direita e esquerda (SAINTENY, 2001, p.64). Como defendia Brice Lalonde nos anos 70, estas noes de direita e esquerda no so pertinentes porque elas se referem

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    aos partidos polticos que representam tradies culturais ultrapassadas. Direita e esquerda se remetem s instituies polticas, mas no aos movimentos sociais (SAINTENY, 2001, pp.64-65).

    Os grandes debates que deram nascimento oposio entre esquerda e direita (forma do regime, separao entre Igreja e Estado, questo do trabalho) no seriam mais os conflitos fundamentais da sociedade contempornea. Os ecologistas insistem seguidamente sobre a recusa da disciplina do partido, sua vontade de uma poltica la carte e sua preferncia pelos grupos temporrios de objetivos precisos, na linha de Mose Ostrogorski (SAINTENY, 2001, p.66; OSTROGORSKI, 1979). Os partidos cultivam interesses particulares e no mais que um objetivo: a conquista do poder do Estado quando, para os ecologistas, este deveria ser apenas um entre outros. So todos organismos totalitrios de que os ecologistas desejam a metamorfose ou o desaparecimento, ao mesmo tempo em que eles querem o fim (...) dos grandes rgos de informao centralizada (Brice Lalonde13) (SAINTENY, 2001, p.66).

    Diferente de uma ONG, um partido uma organizao local bem estabelecida e aparentemente durvel que estabelece relaes regulares e variadas em escala nacional. Seus dirigentes nacionais e locais buscam tomar e exercer o poder (do Estado) sozinhos ou atravs de outros e no simplesmente influenciar o poder. Procuram, enfim, um apoio popular que deve traduzir-se em votos em eleies governamentais (OFFERL, 1987, p.8). Para Offerl (1987, p.8), um partido , antes de tudo, uma marca coletiva. Um partido uma empresa de representao (OFFERL, 1987, p.11).

    Na definio weberiana, os partidos podem empregar todos os meios para obter o poder e so suscetveis de ser orientados em direo ao interesse pessoal ou a interesses objetivos. Os grupos so fundados sobre uma adeso formalmente livre e seus membros e dirigentes so interessados pelo poder poltico no seio de um agrupamento (OFFERL, 1987, p.10; WEBER, 1991). O partido poltico est sempre circunscrito s atividades polticas no interior da Nao.

    O prprio conceito de associao poltica, para Weber, restringe-se aos limites nacionais. Weber denomina associao poltica uma associao de dominao. Sua subsistncia e a vigncia de suas ordens dentro de determinado

    13 O discurso anti-partidrio e anti-estatal no corresponde, porm, trajetria poltica de Brice Lalonde. Ele foi

    militante do PSU e da UNEF. Integrou no incio dos anos 70 a associao Amigos da Terra cuja seo francesa foi fundada por Alain Herv. Foi diretor de campanha do candidato ecologista eleio presidencial francesa de 1974, Ren Dumont. Foi candidato dos ecologistas eleio presidencial francesa em 1981 e candidato s eleies municipais de Paris em 1983. Ser em seguida a terceira posio da lista Entente Radical Ecologista pelos Estados Unidos da Europa com Franois Doubin (MRG) e Olivier Stirn (UCR). Em 1988, ele participa do Governo de Michel Rocard. Ser encarregado do meio ambiente at abril de 1992, como secretrio de Estado do Meio Ambiente, depois como Ministro Delegado do Meio Ambiente em outubro de 1990 e, enfim, como Ministro do Meio ambiente em maio de 1991. Em 1990, funda o Gerao Ecologia, partido fundado por iniciativa de Franois Mitterrand que esperava um possvel sucesso dos Verdes nas eleies regionais de 1992 (Consultar www.wikipedia.org - francs).

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    territrio geogrfico estariam garantidas mediante ameaa e aplicao de coao fsica por parte do quadro administrativo. Uma empresa com carter de instituio poltica denominada Estado quando seu quadro administrativo reivindica o monoplio legtimo da coao fsica para realizar as ordens vigentes.

    Para Weber, uma ao social politicamente orientada quando e na medida em que tenha por fim a influncia da direo de uma associao poltica, particularmente a apropriao ou expropriao, a nova distribuio ou atribuio de poderes governamentais de forma no-violenta. (WEBER, 1991, p.34, grifo meu). No quadro deste autor, o adjetivo poltico est to intimamente ligado ao Estado quanto o Estado est atado ao poder, sendo este essencialmente o poder de dominao (obedincia forada a uma ordem) do Estado. Um partido poltico pode realizar aes politicamente orientadas, mas apenas adquire poder ao conquistar o Estado.

    Conforme este ponto de vista, as atividades de uma organizao internacional como o Greenpeace no podem ser consideradas as de uma associao poltica, e tampouco a ONG realizaria aes sociais politicamente orientadas. O poder a que est ligado o Greenpeace no reconhecido por Weber. Se tomssemos como referncia este conjunto de conceitos, diramos que a cibercidadania promovida por esta organizao Internacional no poltica, mas civil, lembrando que os direitos civis dizem respeito aos de associao, e diferem dos direitos polticos de participao em mbito nacional.

    Weber denomina empresa uma ao contnua que persegue determinados fins, e associao de empresa uma relao associativa cujo quadro administrativo age continuamente com vista a determinados fins (WEBER, 1991, p.32). Ele nota, porm, que sob o conceito de empresa se inclui, tambm, a realizao de atividades polticas e religiosas, desde que apresentem continuidade na persecuo de seus fins (WEBER, 1991, p.32). O carter da empresa, todavia, no se define pela poltica, mas por sua finalidade (que pode ser variada).

    A concepo de cidadania (e prtica poltica) amordaada s instituies nacionais e ao territrio tem sido revista de diferentes maneiras (CASTELLS, 1996; ORTIZ, 1997; VIEIRA, 2001; FOUCAULT, 2002; SILVA, 2005) abrindo um campo de estudos promissor. A chamada crise de representao um compendium de fenmenos muito diversos, muitos ligados ao processo de mundializao, entre os quais 4 nos interessam aqui: o resultado da Segunda Guerra Mundial (hegemonia norte-americana), a criao de um sistema de instituies multilaterais (Naes Unidas e agncias relacionadas), o movimento da contracultura internacional (questionamento da tradio, dos padres de sociabilidade e das instituies polticas) e o desenvolvimento dos sistemas peritos (GIDDENS, 1991).

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    As organizaes modernas conectam o local e o global de formas impensveis nas sociedades tradicionais afetando simultaneamente a vida de milhes de pessoas. As relaes sociais so retiradas dos contextos locais de interao e reestruturadas atravs de extenses indefinidas de tempo-espao. A estas transformaes Giddens chama desencaixe. O sentido de lugar bsico e integrativo fragmenta-se em partes complexas, contraditrias, justapostas. O espao se torna muito mais integrado porm territorialmente fragmentado. As posies singulares no espao geogrfico passam a ter uma importncia meramente secundria (GIDDENS, 1991). Este aspecto acentuado pelas mdias eletrnicas que tornam familiar ambientes, pessoas e objetos ausentes de origens distantes. Para Giddens, familiaridade e lugar esto muito menos constantemente vinculados do que j estiveram. Nos familiarizamos com eventos, aes e paisagens h milhares de quilmetros de onde vivemos. Enquanto armazenamos informaes sobre lugares, perdemos o senso de lugar. As paisagens que resultam dos processos modernos so pastiches justapostos e desorientadores. Parodiando Subirats, (1989, p.71), os meios de comunicao se transformam numa segunda pele, numa segunda conscincia, o rgo da realidade para o ser humano e, at mesmo, o princpio da sua realizao como existncia aberta ao devir histrico-universal. A vida interior do indivduo moderno transborda para uma vasta rea nacional ou internacional.

    O cyberativista vive a experincia do deslocamento, familiarizao e desencaixe (GIDDENS, 1991), da distncia e proximidade como o estrangeiro de Simmel (1983), mas sem estranhamento14. A distncia experimentada mentalmente enquanto os corpos sofrem a similitude da vida cotidiana (MORIN, 1991). Tudo interessa e ao mesmo tempo se indistingue. Para Simmel (1987), no h fenmeno psquico mais caracterstico da vida metropolitana que a atitude blas: o embotamento do poder de discriminar. O significado e os valores das coisas, assim como as prprias coisas, perdem a substncia, gerando, para alm da liberdade, a sensao de inutilidade e impotncia.

    Assim, a esfera privada se torna enfraquecida e amorfa enquanto a esfera pblica excessivamente institucionalizada (GIDDENS, 1991). A excluso da maioria das arenas onde as polticas de maior conseqncia so elaboradas e as decises tomadas fora uma concentrao sobre o eu. A perda do espao pblico significa a perda da relao objetiva com os outros homens, da noo de realidade (ARENDT, 1987) e da capacidade de diferenciar o domnio do eu do que est situado fora (CHESNEAUX, 1995). como se os indivduos estivessem isolados no plano espectral da hiperconexo.

    14 O estrangeiro de Simmel pode tambm ser traduzido por estranho.

  • 14

    As gentes contra o conceito

    Nem todos os sites nacionais possuem um frum virtual de discusso disponvel para os scios. O Greenpeace Internacional, Brasil e USA o tm. Para acompanhar as discusses no Frum Virtual do Greenpeace Brasil e ser tambm uma scia ativista, afiliei-me pelo valor mnimo de 12 reais mensais. No site do GP Internacional pude acompanhar algumas discusses mesmo no sendo scia deste escritrio. O Frum no funciona como um chat em que as pessoas ficam conectadas conversando em tempo real. Pode ser melhor compreendido como um mural de recados em que se publica opinies, avisos, crticas, reclamaes, perguntas e respostas.

    A partir do Frum, as pessoas podem fazer contatos e continu-los atravs de outros meios, e mesmo formar grupos de encontro fora do ciberespao. Para a maioria das pessoas que se manifestam no Frum brasileiro, a filiao ao Greenpeace apenas um ponto de partida para a mobilizao e ao coletiva em benefcio do meio ambiente. ntida uma certa revolta em relao condio virtual (associada passividade e ao conformismo). O cyberativista reage a esta imagem sociolgica que lhe imposta e tenta ultrapass-la. Os erros de ortografia e a nova escrita dos correios eletrnicos nos lembram da realidade nacional e internacional e chamam ateno para o fato de que estas pessoas que escrevem so verdadeiras e escapam abstrao terica de um indivduo de formao intelectual e sensibilidade semelhante em todas as partes do mundo.

    Esta pequena mostra nos leva a perguntar se possvel, a partir de uma brecha terica que emerge de solo emprico, questionarmos a prpria modernidade como conceito vlido para a compreenso do indivduo contemporneo, mesmo correndo o risco de uma nova generalizao. Em substituio ao conceito que simultaneamente exalta e anula o indivduo, no poderamos imaginar um outro que o compreenda de modo mais prximo da realidade social, libertando de fato a modernidade sociolgica da modernidade filosfica?

    O que, a final, a sociedade contempornea tem a revelar ou acrescentar ao plano da cultura poltica internacional? Por que denominar modernas atividades polticas que no so previstas pelo direito poltico modernamente constitudo? Como compreender a cidadania que no est circunscrita aos limites institucionais e jurdicos de um Estado Nacional? A cibercidadania talvez expresse uma dimenso do indivduo contemporneo que simultaneamente cosmopolita, envolvida pelas coisas do lugar e ansiosa por engajamento (conservador ou revolucionrio). O que h de coincidente

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    com o indivduo moderno no o seu alheamento, mas a sensao angustiante de impotncia que resiste, no entanto, desesperana.

    preciso levar em conta, claro, que a pequena mostra apresentada a seguir j foi extrada de um universo selecionado. Os scios do Greenpeace, a princpio, esto preocupados com o meio ambiente e acreditam que a ajuda deles pode levar a mudanas. Mas, este recorte, como qualquer outro, nos lembra que no suficiente reproduzir modelos tericos, mesmo numa pesquisa que pretende atingir resultados muito abrangentes.

    No Frum do Greenpeace Internacional no preciso ser scio para participar, basta informar o nome e o e-mail e, caso haja interesse, fornecer mais alguns dados. O Frum Internacional funciona de modo parecido com o do Greenpeace Brasil. possvel propor um item para discusso dentro dos temas pr-existentes. Dentre os itens encontrados em general discussion esto temas como vegetarianismo, modificao gentica, hbitos alimentares, regulamentao para testes em animais, questo nuclear. H um grande nmero de mensagens, em torno de 100 ou mais para os itens mais freqentados e, diferente do Greenpeace Brasil, as mensagens so sempre recentes (de horas a poucos minutos).

    Por no exigir filiao, a participao muito maior, e a lngua usada, sendo o ingls, permite a comunicao entre pessoas de diversos pases, ricos e pobres: Nigria, Estados Unidos, Islndia, Eslovquia, Itlia, Espanha, Brasil, Inglaterra, Tunsia, Canad, Coria, Indonsia, Holanda, Moldvia, Israel, Esccia, Noruega, Austrlia, Tasmnia, Equador, Romnia, Nova Zelndia, Venezuela, Argentina, Filipinas, Crocia, Srvia, Dinamarca, Colmbia, frica do Sul, Turquia, Costa Rica, Singapura...

    O tema Geral o mais movimentado, assim como no site do Greenpeace Brasil. Por no exigir um cadastro rigoroso, as pessoas podem inventar seus nomes e lugares de origem. freqente encontrar localidades como earth, the world e outros mais criativos como fond du lac. possvel montar seu avatar com qualquer imagem da Internet. O nmero de mensagem de cada item contado a partir do nmero de respostas ao item de discusso proposto.

    No Frum do Greenpeace Internacional o que se encontra so discusses superficiais, trocas rpidas de idias, comentrios curtos. A idia parece ser mais a de marcar presena e expor a opinio que sustentar uma discusso. Esto quase ausentes tentativas de mobilizao e de ao conjunta como no Frum do GP Brasil. No Frum Internacional, so relatados problemas, experincias com questes ambientais, s vezes se repetem informaes veiculadas pelo prprio Greenpeace, mas tudo em nvel superficial. H, no mximo, propostas de boicote, como o de no

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    comer nada que provenha do mar (If you love the oceans don't eat seafood). Duas campanhas esto em evidncia no Greenpeace Internacional: oceanos e mudanas climticas. (Aquelas que mais dizem respeito ao mundo todo).

    No raro, identificamos rivalidades e sentimentos nacionalistas nos dois Fruns. Brasileiros contra os gringos na Amaznia e estranheza entre nacionalidades no GP Internacional. - Iceland is a "bad" country? Do you know ANYTHING about Iceland's fisheries? Reason this statement, please. O domnio da lngua inglesa escrita pode ser usado como estratgia de afirmao e desqualificao do interlocutor: - Hello????? Read what I say!!! Your English not that good, eh? I stated these people should be allowed to eat seafood!.15

    A preocupao com as questes ecolgicas, portanto, no exclui nacionalismos e preconceitos de qualquer tipo, ainda que paream anacrnicos ao nosso modelo de cyberativista. Como conciliar modelo e excesso o desafio que nos resta.

    Fragmentos do cibercidado scio do GP Brasil16:

    - Concordo com Liana, estamos aqui reclamando e achando supostas solues para todos os problemas, mas na verdade o que importa a ao, nossa eficcia em ajudar as floresta, enfim, agirmos! Vamos postar os emails para contatos!!!!!!!!.

    - Dani como vai ? tudo bem??? vc de onde? eu sou de So Paulo capital. Estamos tentando colocar em prtica os temas das campanhas do Greenpeace, mas parece que tem gente que entra como colaborador s pra dizer que tem a carterinha do green, isso ta desanimando a gente um pouco. Enfim, a princpio lancei a idia de baixarmos o abaixo assinado contra a angra3, que se encontra na parte de nucleares aqui do site. Mas , no tem s isso! Se vasculharmos o item campanhas, iremos encontrar algumas coisas a serem feitas, Por favor Dani, se vc tiver idias vamos mandar bala. To afim de fazer o evento dos transgnicos,que o Greenpeace coloca direitinho como podemos faz-lo e d os passos a serem seguidos. Mas precisamos de unio n..... um abrao a ti e boa sorte a todos ns.

    - Falar facil!!! ficar indignado tbm, mas procurar solucoes e aplicar ao seu dia-a-dia ehhh mto dificil, nao votar em candidatos que so visam o consumo desenfreado e irresponsavel, nao gastar agua em excesso, reciclar o lixo, denunciar, sair do estado letargico em q a maioria se encontra mto mto dificil, desde o pequeno ao maior, todos temos que nos conscietizar e mudar primeiro em ksa, e atingir o mundo. No dia em que a sociedade se der conta que a Amazonia e seus recursos naturais sao seus como nacao e q responsabilidade de cada um cuidar e defender, esse dia nao vai ser governo, nao vai ser madeireiro ou sojeiro que vai fazer e usufruir como kiser, destruindo e acabando. Bjoks.

    - E a... o q vcs vo fazer... ahh .. deixa eu ver... Nada n ..Pois ... Que perca de tempo.. heim????

    15 http://forum.greenpeace.org/int/showthread.php?t=118

    16 As mensagens foram copiadas e coladas diretamente do Frum Virtual para scios do Greenpeace Brasil. No

    foram realizadas, propositalmente, correes de qualquer tipo (ortografia, pontuao, concordncia). Os nomes originais foram substitudos por fictcios. Os grifos so meus. As falas no esto ordenadas.

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    - Galera, estou em busca de colaboradores do ABC pra que possamos montar um projeto de educao ambiental e tb pra conhecer a galera e saber o que juntos podemos fazer, blz?! Valeu!!. Pessoal queria entrar em contato com colaboradores de Goias , saber como eh feita esta colaborao , ou so apenas doao de grana , quero me engajas em projetos mais srios em Goias , ongs goianas , podem por favor entrar em contato pelo mail [email protected].

    - Gostaria de pedir ajuda ou opinio para saber como eu comeo alguma atividade voluntria do Greenpeace aqui no meu estado, Espirito Santo, onde no possuimos nenhuma sede do Greenpeace. Tambm no conheo outras pessoas aqui que esto filiadas ao Greenpeace. Para se fazer um Grupo Local de Voluntrios necessrio todos estejam filiados ao Greenpeace? Bom, essas so as minhas dvidas e se vcs puderem me ajudar eu ficarei muito grata. Obrigado pela ateno. E muita paz pra todos.

    - Pessoal! Quero unificar grupos que pensem em medidas estratgicas polticas inteligentes em driblar grandes coorporaes desavergonhadas, que danificam o meio ambiente, sugerindo aplicaes de polticas locais, que possam gerar lucros na regio e desfoque interesses internacionais! UM DESAFIO E TANTO!! Abraos e PAZ VERDE!!.

    - No gostei de forma alguma de como foi disposta as propostas dos canditados, uma vez que o GreenPeace em si fala de modo totalmente opinativo e pendendo para beneficiar o candidato Alckmin.Lula tendo muito mais propostas do que Alckmin tem os comentrios do GreenPeace todos negativos, enquanto Alckmin com 3 propostas tem os comentrios positivos. O que isso? Vocs querem vender o Brasil? Alckmin sinnimo de venda e privatizao. A amaznia pode ser praticamente leiloada por ele, assim como o Banco do Brasil e a Petrobrs. Lembrem-se que para cuidarmos de um pas, primeiro precisamos t-lo.

    - Gostaria de saber porque essas instituies no trabalham juntas na preservao do nosso querido Brasil.No pas existe tres importantes (as mais conhecidas) organizaes que e: SOS mata atlantica, o WWf, e o Greenpeace. Acredito que se essas instituioes se unissem as campanhas seriam melhores realizadas. Abraos para todos. - Todos ns temos conscincia de tudo isso... Pelo amor de Deus!!! Temos que tomar uma atitude drstica sei que esto fazendo lavagem cerebral nas crianas americanas, pois em seus livros de Geografia j consta que a Floresta pertence a eles. Qualquer dia desses vamos ver os mariners atracando em Manaus e matando todo mundo para reevindicar Suas Terras. As crianas de hoje sero os soldados de amanh....Tem aldeias onde os americanos constroem igrejas e catequisam os indios cobrando entrada nossa (turista brasileiro) para visitar a aldeia...Estou dizendo porque fui vitima desse despaltrio....Estamos falando muito e fazendo nada a respeito.... O mundo inteiro est a par e os nossos governantes???.

    - Aqui no Amap, apesar de termos uma das reas mais bem preservada da amaznia. Tente entrar numa aldeia indgena? se voc no tiver a permisso do "irmo missionrio"( leia-se aki americano) voc no entra, se bobear at mesmo os funcionrios da FUNAI E FUNASA esto pedindo autorizao para realizar o precrio trabalho de atendimento aos nossos irmos ndios.

    - So para constar como exmeplo em Sao Gabriel da cachoeira - AM ha indios q falam alemao....chegam padres la como se aidna estivessemos no seculo XVI pedem infromacoes sobre a flora fauna levam ervas medicinais ilegalmente pedras preciosas e cade o SIPAM????? ele nao servia para proteger nossa amazonia dos estrangeiros??? Ah e tem outra nao podemos deixar a amazonia virar cerrado o Governador de Rondonia eh DOIDO!!! tudo pra ele eh derrubar pra plantar ou criar gado.

    - Ana Lusa, concordo com voc! Temos que valorizar mais o convvio familiar com o almoo/jantar em famlia. Eu tenho o privilgio de estar sempre comendo na casa de minha v, e a

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    comida dela alm de muito gostosa bastante saudvel. S pra ter idia, o po-de-milho feito com milho modo no moinho, na hora. muito mais saboroso do que o vendido no comrcio, alm de mais saudvel. Esse s um exemplo.

    - Sou novo aqui na ONG e gostaria de conhecer pessoas que queiram uma ao mais ativa aqui em POA. Sa pra rua e fazer o que for possvel! Meu msn: bernado_#####@xxxxx.com

    - Bom, primeiramente gostaria de avisar que a primeira vez que participo do frum. Gostaria de pedir ajuda ou opinio para saber como eu comeo alguma atividade voluntria do Greenpeace aqui no meu estado, Espirito Santo, onde no possuimos nenhuma sede do Greenpeace. Tambm no conheo outras pessoas aqui que esto filiadas ao Greenpeace. Para se fazer um Grupo Local de Voluntrios necessrio todos estejam filiados ao Greenpeace? Bom, essas so as minhas dvidas e se vcs puderem me ajudar eu ficarei muito grata. Obrigado pela ateno. E muita paz pra todos.=) P.S. Eu pus esse mesmo tpico no forum Amazonia. Como eu vi q todos esto reunindo aqui, passei o tpico pr c.

    - Como vai pessoal.....pelo assunto vcs podem desconfiar em que eu estou interessado,estava lendo todos os assuntos do forum realmente muito interessante....gostaria da opinio de vcs j velhos de gerra nessa batalha.Sei que cada um tem um propsito nessa vida e acho que acabei de descobrir o meu. No queria ficar aqui em casa atrs desse computador e dando somente meu dinheiro e debatendo o que eu acho disso ou daquilo....gosto de vestir a camisa mesmo..j comeei aqui na minha cidade Poos de Caldas MG, temos vrias trilhas ecolgicas aqui sempre saio com um saco de lixo limpando as trilhas.Gostaria de perguntar o que o pessoal do grenpeace poderia me orientar alem disso??Minha cidade muito linda ela esta sendo destrida pelas mineradoras de alunnio. Forte abrao Lus.

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    17 (http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1777,1.shl)