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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL
Disciplina: SEMINÁRIOS APLICADOS
CISTATINA C: UM NOVO MARCADOR PRECOCE DE FUNÇÃO RENAL
Saura Nayane de Souza Orientador: Maria Clorinda Soares Fioravanti
GOIÂNIA
2012
ii
SAURA NAYANE DE SOUZA
CISTATINA C: UM NOVO MARCADOR PRECOCE DE FUNÇÃO RENAL
Seminário apresentado junto à Disciplina Seminários Aplicados do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Escola de
Veterinária da Universidade Federal de Goiás. Nível: Doutorado
Área de concentração: Patologia, Clínica e Cirurgia Animal
Linha de Pesquisa: Alterações clínicas, metabólicas e toxêmicas dos
animais e meios auxiliares de diagnóstico
Orientadora:
Profª Drª Maria Clorinda Soares Fioravanti – UFG
Comitê de Orientação: Prof. Dr. Adilson Donizeti Damasceno- UFG
Profª Drª Naida Cristina Borges – UFG
GOIÂNIA 2012
iii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................1
2 REVISÃO DE LITERATURA.................................................................................3
2.1 Doença renal crônica (DRC)..............................................................................3
2.2 Determinação da TFG........................................................................................6
2.2.1 Creatinina sérica.............................................................................................7
2.2.2 Cistatina C.....................................................................................................10
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................21
REFERÊNCIAS......................................................................................................23
iv
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Modelo da evolução dos estágios da DRC e intervenções
terapêuticas. Elipses sombreadas representam os estágios
da DRC; elipses sem sombra representam antecedentes
potenciais ou consequências da DRC. Setas espessas entre
elipses representam fatores de risco associados com o
início e progressão da doença: seta preta - fatores de
susceptibilidade; seta cinza escura - fatores de iniciação;
seta cinza claro - fatores de progressão; e seta branca -
fatores de estágio final. TFG: taxa de filtração glomerular;
IR: insuficiência renal..............................................................
04
FIGURA 2 Estrutura terciária da cistatina C humana, evidenciando o
sítio de ligação (círculo vermelho)..........................................
14
FIGURA 3 Dímero da cistatina C humana............................................... 15
FIGURA 4 Aparelho de nefelometria (BN Prospec® - Siemens
Healthcare Diagnósticos Ltda)...............................................
19
v
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Estágios da DRC em cães e gatos................................................ 05
QUADRO 2 Classificação da proteinúria de acordo com a relação
proteína/creatinina urinária (PU/CU).............................................
06
QUADRO 3 Subestágios da DRC de acordo com a pressão arterial em cães
e gatos...........................................................................................
06
QUADRO 4 Equações de estimativa da taxa de filtração glomerular
baseadas na creatinina sérica no qual, TFG: taxa de filtração
glomerular; Cr: creatinina sérica; k é 0,7 para mulheres e 0,9
para homens; α é -0,329 para mulheres e -0,411 para homens;
min indica o mínimo de creatinina sérica ou 1; max indica o
máximo de creatinina sérica ou 1..................................................
09
QUADRO 5 Denominações atribuídas para uma proteína com padrão de
migração em eletroforese na região γ e atividade inibidora das
cisteíno-proteinases......................................................................
11
QUADRO6 Classificação da superfamília das cistatina humanas................... 12
QUADRO 7 Equações para a estimativa da taxa de filtração glomerular com
base na cistatina C sérica (mg/L) isoladamente ou em
combinação com a creatinina sérica (mg/dL)................................
18
1 INTRODUÇÃO
A avaliação da função renal é de extrema importância em cães
doentes renais crônicos. Sabe-se que a doença renal crônica (DRC), com
evolução para insuficiência renal crônica, é uma das principais causas de
morbidade e mortalidade em cães. Portanto, o acompanhamento clínico e
laboratorial de pacientes com DRC deve ser constante e a monitoração da função
renal é decisiva na condução ao diagnóstico e à terapêutica.
A determinação da taxa de filtração glomerular (TFG) é o principal
parâmetro para avaliação da função renal em pacientes com DRC. A TFG é
definida como o volume de fluido plasmático que é filtrado para dentro da cápsula
de Bowman por unidade de tempo (NOVO, 2009). A determinação da TFG é
estimada por meio da depuração plasmática (clearance) de determinadas
substâncias endógenas ou exógenas pelos rins (NERI, 2007).
Para que o clearance de uma substância possa refletir a TFG, esta
substância deve apresentar as seguintes características: não se ligar a proteínas
plasmáticas, ser livremente filtrada pelos glomérulos, possuir ritmo de produção
estável, manutenção constante do seu nível circulante por não ser influenciado
por outras doenças e não deve sofrer a interferência tubular, como secreção ou
reabsorção (GABRIEL et al., 2011). Entretanto, os métodos disponíveis para
determinação da TFG nem sempre preenchem todos esses requisitos.
Apesar da evolução e modernização das técnicas laboratoriais nas
últimas décadas, os pesquisadores ainda estudam um marcador de função renal
que seja próximo do ideal e de fácil determinação laboratorial. Sabe-se que a
TFG diminui anteriormente ao aparecimento dos sinais clínicos de insuficiência
renal, portanto a utilização de marcadores precoces de função renal pode
direcionar o médico veterinário a estabelecer um diagnóstico precoce da lesão
renal e classificar a doença de base.
Estudos realizados em humanos têm indicado a cistatina C como um
marcador confiável e de rápida execução na análise da função renal pelo fato de
que a cistatina C não sofre influência de fatores extrarrenais (ANTOGNONI et al.,
2
2005). Assim, a cistatina C tem se tornado popular entre os nefrologistas pelo seu
papel promissor como um novo marcador sensível de mudanças na TFG.
Na medicina veterinária existem poucos estudos a respeito da
utilização da cistatina C como marcador de função renal. O objetivo deste
seminário foi discutir a aplicabilidade do uso da cistatina C sérica como marcador
precoce de disfunção renal em cães doentes renais e discorrer as principais
vantagens e desvantagens quanto à sua inserção na rotina laboratorial na clínica
de pequenos animais.
3
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Doença renal crônica (DRC)
A prevalência de doenças renais em pequenos animais aumenta com o
avançar da idade. Em cães acima de 15 anos o percentual pode chegar até 10%
(MELO et al., 2006). A doença renal crônica (DRC) é uma afecção
frequentemente diagnosticada em cães, sendo os cães de meia idade os mais
acometidos (SOUZA, 2011).
A DRC é definida como presença de lesão renal persistente pelo
período mínimo de três meses, podendo ocasionar ou não decréscimo da taxa de
filtração glomerular (TFG) (POLZIN, 2011). A DRC é caracterizada pela perda
definitiva e irreversível de massa funcional e/ou estrutural de um ou de ambos os
rins, e pode-se observar redução da TFG de até 50% em relação ao seu normal
(WAKI et al., 2010).
As consequências da DRC em humanos, independentemente da
causa, incluem a progressão para insuficiência renal, doença cardiovascular e
complicações decorridas da diminuição da função renal (LEVEY et al., 2003).
WAKI et al. (2010) relatou a hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus,
nefrolitíase, glomerulopatia, glomeruloesclerose associada à proteinúria e
ureterolitíase, como algumas das complicações da DRC em cães, favorecendo a
perda precoce da função renal.
Em 2002, a Kidney Disease Outcome Quality Initiative (KDOQI),
patrocinada pela National Kidney Foundation (NKF), publicou uma diretriz sobre
DRC que compreendia avaliação, classificação e estratificação de risco de DRC
em humanos (Figura 1). A definição de DRC foi baseada em três componentes:
um componente anatômico ou estrutural (marcadores de dano renal); um
componente funcional (baseado na TFG) e um componente temporal. Com base
nessa definição, seria portador de DRC qualquer indivíduo que, independente da
causa, apresentasse TFG < 60 mL/min/1,73m2 ou a TFG > 60 mL/min/1,73m2
associada a pelo menos um marcador de dano renal parenquimatoso (por
4
exemplo, proteinúria) presente há pelo menos três meses (BASTOS &
KIRSZTAJN, 2011).
FIGURA 1 – Modelo da evolução dos estágios da DRC e intervenções terapêuticas. Elipses sombreadas representam os estágios da DRC; elipses sem sombra representam antecedentes potenciais ou consequências da DRC. Setas espessas entre elipses representam fatores de risco associados com o início e progressão da doença: seta preta - fatores de susceptibilidade; seta cinza escura - fatores de iniciação; seta cinza claro - fatores de progressão; e seta branca - fatores de estágio final. TFG: taxa de filtração glomerular; IR: insuficiência renal
Fonte: LEVEY et al. (2003)
A diferenciação dos estágios da DRC é muito importante no
estabelecimento das condutas terapêuticas, a fim de melhorar a qualidade de
vida, retardar a progressão da doença, aumentar a expectativa de vida e reduzir
as complicações inerentes a sua evolução (POLZIN, 2009).
A DRC também foi definida a partir da classificação em estadiamentos
para cães e gatos (Quadro 1). A IRIS (International Renal Interest Society) propôs
um sistema de classificação da DRC para cães e gatos baseada na concentração
plasmática de creatinina e dividida em quatro estágios e após em subcategorias
por meio da mensuração da proteinúria e pressão arterial (Quadros 2 e 3) (IRIS,
2009). Esses estágios foram estabelecidos de acordo com as concentrações
séricas de creatinina, pois esse marcador de taxa de filtração glomerular (TFG)
ainda é o mais utilizado na rotina veterinária, sendo considerada a melhor variável
laboratorial para emprego na rotina clínica por muitos autores (POLZIN, 2010).
5
QUADRO 1 – Estágios da DRC em cães e gatos
Estágios Creatinina plasmática
mmol/l
mg/dl
Comentários
Cães Gatos
Grupos
de risco
<125
<1.4
<140
<1.6
Para os pacientes identificados como
"em risco" considerar triagem normal
e tomar medidas para reduzir os
fatores de risco
Estágio I <125
<1.4
<140
<1.6
Animal não-azotêmico
Algumas anormalidades renais
presentes, por exemplo, capacidade
de concentração urinária diminuída
sem identificação de causas
extrarrenais; palpação renal anormal
e/ou alterações renais observadas no
exame de imagem; proteinúria
persistente de origem renal;
alterações observadas na biópsia
renal com elevação progressiva dos
níveis de creatinina; Presença de
hipertensão e/ou proteinúria
Estágio II 125 – 179
1.4 - 2.0
140 - 249
1.6 - 2.8
Azotemia renal discreta
Sinais clínicos discretos ou ausentes.
Extremidade inferior do intervalo
encontra-se dentro do intervalo de
referência para muitos laboratórios,
mas a baixa sensibilidade da
creatinina como teste de triagem
sugere que os animais com valores de
creatinina perto do limite superior da
normalidade, muitas vezes possuem
falha na excreção
Estágio
III
180 – 439
2.1 - 5.0
250 - 439
2.9 – 5.0
Azotemia renal moderada
Sinais clínicos de uremia podem estar
presentes
Estágio
IV
>440
>5.0
>440
>5.0
Azotemia renal grave
Sinais clínicos referentes ao quadro
de síndrome urêmica
Fonte: IRIS (2009)
6
QUADRO 2 - Classificação da proteinúria de acordo com a relação proteína/creatinina urinária (PU/CU)
Classificação PU/CU
Cães Gatos
Não-proteinúrico <0,2 <0,2
Proteinúria limítrofe 0,2 - 0,5 0,2 - 0,4
Proteinúrico >0,5 >0,4
Fonte: IRIS (2009) QUADRO 3 – Subestágios da DRC de acordo com a pressão arterial em cães e
gatos
Estágios Pressão arterial
sistólica
Pressão arterial
diastólica
0 <150 mmHg <95 mmHg
1 150 - 159 mmHg 95 - 99 mmHg
2 160 - 179 mmHg 100 - 119 mmHg
3 >180 mmHg >120 mmHg
Fonte: Adaptado de IRIS (2009)
2.2 Determinação da TFG
A determinação da TFG é a maneira mais eficaz para avaliação da
função renal e a medida da filtração glomerular (FG) é o método de escolha para
classificar o estágio de gravidade da DRC (LEVEY et al., 2003).
Até o momento, apenas substâncias exógenas têm sido consideradas
como marcadores ideais para a determinação da TFG, entre elas destacam-se a
inulina, o ácido etilenodiaminotetracético (EDTA), o ácido
etilenodiaminopentacético (DTPA), o iotalamato e, recentemente, o iohexol
(SARKAR et al., 2005). Entretanto, o uso de tais substâncias é limitado, uma vez
que não estão presentes na circulação e, consequentemente, precisam ser
infundidas. Além disso, as técnicas possuem custo oneroso, requerem tempo
prolongado para sua realização e não são práticas para uso rotineiro
(KIRSZTAJN, 2007).
7
Na prática clínica, a TFG é avaliada por meio da mensuração das
concentrações de substâncias endógenas (BASTOS & KIRSZTAJN, 2011).
Marcadores endógenos são de determinação menos complexa e oferecem
resultados mais rápidos. Até pouco tempo, a creatinina plasmática era
considerada o marcador endógeno cujo perfil mais se assemelhava àquele de
uma substância endógena ideal para medir a TFG (GABRIEL et al., 2011).
Entretanto, a National Kidney Foundation (NKF) não recomenda o uso isolado da
creatinina sérica para avaliar o nível de função renal (LEVEY et al., 2003).
A avaliação da TFG é pouco praticada na medicina veterinária. Os
testes de clearance na urina (que na maioria das vezes são usados a creatinina
ou inulina como indicadores) são complicados e exigem coleta precisa de
amostras de urina em tempos cronometrados (WATSON et al., 2002).
Diversas proteínas plasmáticas de baixo peso molecular vêm sendo
estudadas com o intuito de identificar um marcador de TFG mais eficiente. Em
condições normais, essas proteínas são filtradas, quase que livremente, através
da membrana glomerular e algumas são reabsorvidas e degradadas pelas células
tubulares proximais (FILLER et al., 2005). A cistatina C tem sido apontada como
um marcador mais sensível da função renal, embora sua acurácia para
determinar a TFG não tenha sido completamente definida (FELÍCIO et al., 2009).
2.2.1 Creatinina sérica
A avaliação da FG em humanos é realizada em indivíduos que
possuem risco aumentado em desenvolver DRC. Nesse grupo estão incluídos
pessoas acima de 65 anos, com diagnóstico de hipertensão arterial, diabetes
mellitus, com histórico familiar de diálise ou transplante renal e pessoas
provenientes de grupos étnicos de risco. A avaliação laboratorial básica sugerida
é a medida da albumina urinária e de creatinina sérica (PRATES et al., 2007).
A depuração de creatinina sérica continua sendo um dos marcadores
mais utilizados na avaliação da função renal em cães. Entretanto, a utilização
isolada da concentração de creatinina para avaliação da função renal não é um
parâmetro fidedigno, visto que ela é influenciada por vários fatores como a massa
8
muscular, idade, sexo, dieta alimentar, alterações da secreção tubular e excreção
extrarrenal (FERREIRA, 2006). Além disso, o nível sérico de creatinina não se
eleva significativamente até que a TFG reduza em menos que 50% dos valores
normais (FELICIO et al., 2009).
Muitos fatores limitam a acurácia da creatinina, uma vez que sua
concentração sérica é o reflexo da produção, que é proporcional à massa
muscular, sendo influenciada especialmente pela idade e sexo. Outro fator que
interfere na utilização da creatinina como marcador ideal da TFG é o fato de ser
secretada pelos túbulos renais em cães machos, superestimando, dessa forma, a
TFG (WATSON et al., 2002). Em condições normais, a depuração tubular de
creatinina corresponde a aproximadamente 10% a 20% da depuração renal
dessa substância. Como o percentual de creatinina depurada do plasma por
secreção depende de seu nível plasmático e da massa de tecido tubular
funcionante, em algumas situações a depuração tubular da creatinina pode atingir
50% a 70% da depuração renal (GABRIEL et al., 2011).
Muitas drogas aumentam as concentrações de creatinina sérica sem
diminuir a TFG. A cimetidina, trimetoprim, pirimetamina e salicilatos inibem a
secreção de creatinina pelo túbulo proximal. Os corticosteróides e os metabólitos
de vitamina D modificam a taxa de produção e a liberação de creatinina
(WEINERT et al., 2011).
Em humanos, devido às diferenças na geração da creatinina a partir de
fatores determinantes da massa muscular como idade, gênero e etnia, é
recomendado o uso da creatinina em equações de estimativa da TFG que
considerem em conta essas variáveis (Quadro 4). Atualmente são recomendadas
as equações de Cockcroft-Gault do estudo Modification of Diet in Renal Disease
(MDRD) e a do estudo CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology
Collaboration) (LEVEY et al., 2003).
A precisão das equações para diagnosticar os estágios da DRC é
limitada. A equação do estudo MDRD subestima a FG em indivíduos sem perda
significativa de função renal (PRATES et al., 2007). Além disso, essas equações
não foram validadas em algumas nefropatias como, por exemplo, a nefropatia
diabética, pois apresentam acentuada subestimativa da TFG nas faixas normais
ou elevadas de filtração glomerular. Esse desempenho insatisfatório das
9
equações parece estar relacionado às limitações da própria creatinina sérica
como marcador pouco sensível e pouco específico da TFG (CAMARGO, 2011).
QUADRO 4 – Equações de estimativa da taxa de filtração glomerular baseadas na creatinina sérica no qual, TFG: taxa de filtração glomerular; Cr: creatinina sérica; k é 0,7 para mulheres e 0,9 para homens; α é -0,329 para mulheres e -0,411 para homens; min indica o mínimo de creatinina sérica ou 1; max indica o máximo de creatinina sérica ou 1
Equação Cockcroft-Gault
TFG (ml/min)= [140-idade] x peso/ [72 x Cr] x 0,85 (mulher)
Equação MDRD (Modification of Diet in Renal Disease)
TFG (ml/min/1,73m2)= 186 x (Cr)-1,154 x (idade)-0,203 x 1,212 (negro) x 0,742
(mulher)
Equação MDRD (re-expressa com creatinina calibrada)
TFG (ml/min/1,73m2)= 175 x (Cr)-1,154 x (idade)-0,203 x 1,212 (negro) x 0,742
(mulher)
Equação QCM (Quadrática Clínica Mayo)
TFG (ml/min/1,73m2)= exp [1,911 + 5,249/Cr - 2,114/Cr - 0,00686 x idade – 0,
205 (mulher)]
Observação: creatinina <0,8 = fixada como 0,8 mg/dl
CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration)
TFG (ml/min/1,73m2)= 141 x min (Cr/k, 1)α x max (Cr/k, 1)-1,209 x 0,993 idade x
1,018 [mulher] x 1,159 [negro]
Fonte: CAMARGO (2011)
O clearance urinário de creatinina endógena e exógena produz
avaliações precisas da TFG em cães. A pouca utilização desse exame deve-se
ao fato dos protocolos serem poucos práticos na medicina veterinária, pois
exigem coletas frequentes de urina por cateterização uretral ou gaiolas
metabólicas (NOLAN et al., 2009)
Na medicina veterinária o clearance de creatinina endógena (Ccr) é
calculado pela seguinte fórmula (BRUM, 2007):
10
Ccr (ml/kg/min) = Ucr (mg/mL) x Uv (mL) / peso (kg)
Scr (mg/mL) x T (min)
onde Ccr: clearance de creatinina; Ucr: creatinina urinária; Scr: creatinina sérica;
Uv: vomume urinário; T: tempo
2.2.2 Cistatina C
A cistatina C é uma proteína inibidora das cisteíno-proteases. As
proteases ou proteinases são enzimas cuja atividade é regulada por seus
inibidores e estão envolvidas em processos de degradação proteica intra e
extracelular e em uma variedade de reações metabólicas. As cistatinas atuam
formando complexos com suas enzimas alvo na proteção dos tecidos do
hospedeiro contra a destruição proteolítica (SHLIPAK et al., 2006).
a) Histórico
A cistatina C foi identificada pela primeira vez em 1961, quando Jorgen
Clausen descreveu a ocorrência no líquido cefalorraquidiano humano de uma
proteína específica que apresentava um padrão de migração em eletroforese na
região γ (gama). No mesmo ano, Butler e Flynn identificaram uma proteína com
as mesmas características na urina em humanos. Em 1962, Hochwald e
Thorbecke isolaram a mesma proteína em outros fluidos biológicos, entre eles
plasma sanguíneo, urina, líquidos ascítico e pleural. Entre 1961 e 1981, a
sequência parcial de aminoácidos foi determinada e neste período a proteína foi
designada por nomes diferentes ao longo dos anos (Quadro 5). Em 1981, Anders
Grubb e Helge Löfberg demonstraram a presença da proteína na hipófise
humana e determinaram a sequência completa de aminoácidos. Em 1983, Turk e
colaboradores isolaram a partir do soro de um paciente com uma doença auto-
imune, um inibidor que se assemelhava ao traço γ na sequência de aminoácidos
e relacionaram essa sequência a da cistatina presente na clara de ovo. Com base
nos estudos realizados para estabelecer o papel desta proteína como um inibidor
das cisteíno-proteinases e para comparar as suas propriedades com as das
11
cistatinas A e B (estefinas), o novo nome cistatina C foi finalmente atribuído a
essa proteína por Barrett e colaboradores em 1984 (MUSSAP & PLEBANI, 2004).
Somente em 1985, foi demonstrada pela primeira vez a forte
correlação inversa da cistatina C sérica com a TFG. Desde então, tem havido um
interesse crescente na cistatina C como um marcador da TFG, sendo atualmente
um forte concorrente da creatinina na avaliação de pacientes com doenças renais
(PRATES et al., 2007).
QUADRO 5 – Denominações atribuídas para uma proteína com padrão de migração em eletroforese na região γ e atividade inibidora das cisteíno-proteinases
Nomes designados Autores e anos
Post-γ -protein BUTLER & FLYNN (1961)
γ -CSF (γ -cerebrospinal fluid) CLAUSEN (1961)
Human γ -trace HOCHWALD & THORBECKE (1962)
γc-Globulin MACPHERSON (1962)
δaT LATERRE, HEREMANS & CARBONARA
(1964)
Post-γ –globulin MANUEL (1965)
Cystatin C BARRETT, DAVIES & GRUBB (1984)
Cystatin C BRZIN (1984)
Fonte: MUSSAP & PLEBANI (2004)
b) Classificação
As cistatinas são proteínas com uma sequência estrutural particular o
que as tornam capazes de se ligar às cisteíno-proteases de forma reversível,
formando um complexo enzimático inativo (BOBEK & LEVINE, 1992).
As cistatinas estão amplamente distribuídas em plantas, animais e
protozoários. Estima-se que há mais de 1 bilhão de anos plantas e animais
divergiram de um ancestral comum que possuía o mesmo tipo de cistatina
(MUSSAP & PLEBANI, 2004).
Segundo NOVO (2009), todas as cistatinas apresentam três porções
que se conservaram ao longo da evolução, as quais formam um sítio de ligação
12
com a enzima. Esta característica permitiu classificar as cistatinas em uma única
superfamília, subdivididas em quatro grandes grupos (Quadro 6).
QUADRO 6 - Classificação da superfamília das cistatina humanas
Grupos Cistatinas Característica
Tipo 1 (estefinas) A e B Predominantemente
intracelulares
Tipo 2 C, S, SN, SA, D, E/M, F Proteínas não-glicosiladas
extracelulares
Tipo 3 Cininogênios Proteínas glicosiladas
intravasculares
Tipo 4 Fetuínas Importantes na osteogênese,
reabsorção óssea e na
recuperação de processos
inflamatórios
Fonte: NOVO (2009)
c) Estrutura
A cistatina C humana é uma proteína não glicosilada, de cadeia única,
formada por 120 aminoácidos, que tem baixo peso molecular (13.343 Da na
forma não hidroxilada). Espacialmente, constitui-se de cinco folhas β paralelas,
envolvendo uma longa α-hélice (α1). Apresenta ainda uma α-hélice curta (α2). As
alças L1 (entre as folhas β2 e β3) e L2 (entre as folhas β4 e β5) e a extremidade
N-terminal da folha β1 ficam alinhadas na forma de uma cunha (Figura 2). Esta
cunha, ao ligar-se ao sítio catalítico da enzima, inibe sua ação (MUSSAP &
PLEBANI, 2004).
O gene que codifica a cistatina C foi sequenciado e localiza-se no
cromossomo 20. A estrutura do gene parece ser do tipo housekeeping, que é
compatível com um ritmo de produção estável pela maioria das células nucleadas
(PÉREZ-CALVO et al., 2011). Os genes housekeeping são tipicamente genes
constitutivos que são necessários para a manutenção da função celular básica
(ABRAHAMSON et al., 1990).
Existe um alto grau de homologia (68% a 73%) entre a sequência
13
completa de cistatina C em seres humanos e outras espécies como o rato,
camundongo e bovinos. No cão, apenas uma curta sequência de 27 aminoácidos
C-terminal foi determinada, apresentando homologia com a cistatina C humana
entre 46% a 79% (BRAUN et al., 2002).
FIGURA 2 – Estrutura terciária da cistatina C humana, evidenciando o sítio de ligação (círculo vermelho)
Fonte: Modificado de JANOWSKI et al. (2001)
d) Papel fisiológico e metabolização
A cistatina C é considerada a inibidora fisiologicamente mais
importante das proteases endógenas da cisteína, pois seu papel é o de inibir tais
proteases secretadas ou “vazadas” dos lisossomos de células doentes ou
rompidas, protegendo o tecido conjuntivo. A cistatina C é sintetizada e secretada
de forma constante por todas as células nucleadas. Portanto, mesmo em
processos infecciosos, a sua concentração sérica depende fundamentalmente da
TFG e não é influenciada pela massa muscular, estado nutricional ou febre
(SHLIPAK et al., 2006; PRATES et al., 2007).
A cistatina C está amplamente distribuída nos fluidos biológicos
(GABRIEL et al., 2011). Em cães ela foi identificada principalmente no soro,
14
líquido cefalorraquidiano, glândulas parótidas, rins e sistema nervoso central. A
cistatina C também foi identificada nos depósitos de placas amiloides no cérebro
em seres humanos (BRAUN et al., 2002).
A distribuição intracelular de cistatina C é predominante no retículo
endoplasmático e nos corpúsculos de Golgi, na forma de dímeros, que são
inativos. Os dímeros são formados a partir da troca de três subdomínios (α1, β1 e
β2) entre dois monômeros de cistatina C (Figura 3). Como consequência a alça
L1 desaparece, e por esse motivo, o dímero não é capaz de inibir a ação das
cisteínas proteases. Nas vesículas secretoras os dímeros dissociam-se de modo
que só são secretados monômeros ativos (NOVO, 2009).
FIGURA 3 - Dímero da cistatina C humana Fonte: JANOWSKI et al. (2001)
Devido à sua pequena massa molecular e à sua carga positiva em pH
fisiológico, a cistatina C é livremente filtrada pelos glomérulos, sendo quase
totalmente removida da circulação. Sua metabolização se dá nos túbulos
proximais distais, onde ocorre reabsorção quase completa (99%) pelas células
tubulares, e posterior degradação enzimática dentro dos lisossomos
(ROYAKKERS et al., 2011). Assim, em condições fisiológicas, a concentração
urinária de cistatina C é mínima, e por esse motivo não pode ser utilizada para
determinar o clearance da TFG (SCHWARTZ & FURTH, 2007).
Várias funções da cistatina C são bem conhecidas. Além de seu papel
fisiológico como inibidora das proteinases, ela possui outras funções como
15
modulação do sistema imunológico, atividade antibacteriana e antiviral e proteção
à lesão cerebral (MUSSAP & PLEBANI, 2004).
e) Interferências na medida da cistatina C
A cistatina C, quando comparada com a creatinina sérica, tem melhor
acurácia e é considerada um melhor marcador para estimar a TFG, em indivíduos
com pequenas perdas de função renal. Entretanto, alguns fatores têm sido
relacionados a variações da medida da cistatina C independente da função renal
(CAMARGO, 2011).
RANDERS & ERLANDSEN (1999) relataram que o melanoma, câncer
de cólon e infecção pelo HIV são causas extrarrenais associadas a níveis
elevados de cistatina C sérica em humanos. Segundo BRAUN et al. (2002) os
tumores devem ser investigados quanto aos efeitos sobre a concentração de
cistatina C em cães.
O uso de doses elevadas de corticoides tem sido associado ao
aumento da produção de cistatina C e elevação de seus níveis séricos, o que
resulta em uma subestimativa da TFG devido à elevação da cistatina C
(CAMARGO, 2011). Entretanto, OKAY (2002) afirma que somente a
metilprednisolona aumenta os níveis de cistatina C, enquanto que a ciclosporina
causa a sua diminuição.
A cistatina C também é influenciada pela ação dos hormônios
tireoidianos. Possivelmente essa interferência ocorre por influência direta do
hormônio tireoidiano na taxa de produção desta proteína. Assim, ao contrário do
que acontece com a creatinina, os níveis de cistatina são mais baixos no
hipotireoidismo e mais elevados no hipertireoidismo (NOVO, 2009). Possíveis
explicações para esses achados baseiam-se nos efeitos dos hormônios
tireoideanos sobre a hemodinâmica renal, a homeostase renal de sal e água e o
transporte tubular ativo de sódio, potássio e íons hidrogênio (GABRIEL et al.,
2011).
Alguns autores relatam que a vantagem da cistatina C sobre a
creatinina sérica é o fato da cistatina não ser influenciada por fatores como sexo,
idade e massa corporal (ANTOGNONI et al., 2005). No entanto, KNIGHT et al.
(2004) observaram em estudo em humanos que idade mais elevada, sexo
16
masculino, maior peso, maior altura, hábito de fumar e altos níveis de proteína C
reativa estavam positivamente associados com níveis mais altos de cistatina C
após o ajuste para a depuração de creatinina. Em estudo em cães, o sexo não
influenciou na concentração de cistatina C plasmática. Em relação ao peso, os
maiores valores de cistatina C foram observados nos cães acima de 15 Kg
(BRAUN et al., 2002).
A cistatina C tem a sua concentração aumentada de acordo com a
idade, enquanto a filtração glomerular cai, paralelamente. Estudos sugerem que o
volume renal diminui em pacientes idosos, acarretando diminuição na TFG e na
perfusão renal. Dessa forma, a cistatina C é considerada como melhor marcador
de função renal do que a creatinina sérica em idosos (PRATES et al., 2007). Em
estudo em cães, BRAUN et al. (2002) observaram valores mais baixos de
cistatina C plasmática nos adultos jovens e de meia idade, do que nos filhotes e
idosos. No entanto, foi utilizado o mesmo limiar de referência para qualquer
idade.
Outro aspecto importante na avaliação da função renal é a
interferência da ingestão de proteínas e o estado nutricional. Estudos
evidenciaram que a cistatina C sérica, diferentemente da creatinina sérica, não foi
afetada pelo conteúdo proteico da dieta independente de mudanças na TFG,
indicando que a cistatina pode fornecer estimativas mais precisas da TFG que a
creatinina em pacientes com ingestão reduzida de proteínas (GABRIEL et al.,
2011).
g) Fórmulas baseadas na cistatina C em humanos
Na medicina vários estudos foram desenvolvidos para avaliar a
acurácia da dosagem de cistatina C para estimar a TFG. De forma análoga às
equações baseadas na creatinina sérica para avaliar a TFG, nos últimos anos
foram desenvolvidas várias equações incluindo a cistatina C (Quadro 7) e
validadas em várias populações (WEINERT et al., 2011).
Algumas dessas fórmulas que envolvem a cistatina C apresentaram,
segundo os investigadores que as utilizaram, melhor desempenho que equações
que utilizam a creatinina ou foram similares. Para outros, a combinação das
dosagens séricas de creatinina e cistatina C em fórmulas foi a melhor opção,
17
particularmente quando foram considerados dados demográficos (CAMARGO,
2011).
QUADRO 7 - Equações para a estimativa da taxa de filtração glomerular com base na cistatina C sérica (mg/L) isoladamente ou em combinação com a creatinina sérica (mg/dL)
Autores Fórmulas propostas
HOEK et al. TFG = -4,32 + 80,35 x 1/ cistatina
TAN et al. TFG = 87,1 / cistatina - 6,87
RULE et al. TFG = 66,8 x cistatina -1,30
GRUBB et al. TFG = 99,19 x cistatina -1,713 x 0,823 (se sexo feminino)
GRUBB et al. TFG = 87,62 x cistatina-1,693 x 0,94 (se sexo feminino)
MACISAAC et al. TFG = 86,7 / cistatina - 4,2
LARSSON et al. TFG = 77,239 x cistatina -1,2623
STEVENS et al. TFG = 177,6 x creatinina-0,65x cistatina-0,57x idade-0,20x 0,82 (se sexo feminino) x 1,11 (se raça negra)
Fonte: GABRIEL et al. (2011)
g) Determinação laboratorial
Várias metodologias já foram empregadas para a mensuração da
cistatina C, tais como: enzimaimunoensaio, radioimunoensaio, fluoroimunoensaio
e imunodifusão radial simples, porém ainda não estão adequadamente
padronizados. A imunodifusão radial simples é um processo lento, necessitando
de pelo menos 10 a 20 h e tem um coeficiente de variação relativamente elevado
(cerca 10%), diminuindo a acurácia do exame (FILLER et al., 2005).
Após diversas tentativas de padronização, desenvolveram-se métodos
imunológicos baseados na turbidimetria - PETIA (Particle-Enhanced Turbidimetric
Immunoassay) e nefelometria - PENIA (Particle-Enhanced Nephelometric
Immunoassay). Esses ensaios são mais simples, acurados, rápidos e requerem
pequenas amostras e apresentam possibilidade de automatização, permitindo o
uso clínico em larga escala (PRATES et al., 2007).
O ensaio PENIA é realizado no aparelho de nefelometria automatizada
com necessidade de 80 µl de amostra de plasma, o tempo de duração do ensaio
é de 6 minutos e tem coeficientes de variação (CV) intra e interensaio de 1,8% e
18
1,1% respectivamente (PRATES et al., 2007). O ensaio PETIA apresenta a
vantagem de ser realizado em qualquer espectrofotômetro automatizado ou
analisador clínico, enquanto o PENIA (Figura 4) foi desenvolvido apenas para
analisadores do seu mesmo fabricante (RAMOS, 2010).
FIGURA 4 – Aparelho de nefelometria (BN Prospec® - Siemens Healthcare Diagnósticos Ltda)
Fonte: http://www.labpack.com.br/
A variabilidade biológica intraindividual e interindividual, definida com
índice de individualidade, fornece informações relevantes para a escolha de um
ensaio laboratorial. Quando o índice de individualidade é maior ou igual a 1,4, a
variação de um indivíduo particular estará próxima à dos limites dos valores de
referência populacionais, o que facilita o uso diagnóstico desse marcador (NERI,
2007).
Valores de referência baseados em dados populacionais não devem
ser usados quando um índice de individualidade de um ensaio é menor que 0,6.
PAGITZ et al. (2007) em estudo sobre a variabilidade biológica em cães,
empregaram o PETIA para mensuração da cistatina C e encontraram valores
para o índice de individualidade de 0,96 e 0,85 para a cistatina C e creatinina,
respectivamente. Esses autores concluíram que os componentes de variância
biológica de cistatina C e creatinina estavam no mesmo intervalo. Além disso,
enfatizaram que a aplicação das diferenças fundamentais para creatinina ou
cistatina C pode ser útil na detecção de um decréscimo na taxa de filtração
glomerular, quando as mensurações sequenciais em um indivíduo aumentam
19
excedendo as diferenças críticas, mas não o limite superior de referência.
ANTOGNONI et al. (2005) afirmaram que o método PENIA, disponível
em um reagente comercial para uso humano, pode ser usado para mensurar a
cistatina C sérica em cães. Em estudo comparativo entre os ensaios PETIA e
PENIA para mensuração da cistatina C em cães, foi observado que o PENIA
mostrou-se mais sensível e estreitamente correlacionado com outros indicadores
de função renal do que o PETIA (JONKISZ et al., 2010).
f) Cistatina C como marcador de função renal
Além de seu papel fisiológico como inibidora das proteinases, a
cistatina C atua como marcador de função renal e como marcador prognóstico em
diferentes aspectos da fisiopatologia cardiovascular (PÉREZ-CALVO et al., 2011).
Várias pesquisas em humanos relataram que a concentração da
cistatina C sérica possui alta correlação com a TFG e consideraram um teste de
triagem confiável para a avaliação precoce de lesão renal e melhor marcador
para a detecção de alterações bruscas na função renal em indivíduos com
doença renal estabelecida (UZUM et al., 2005).
Alguns estudos realizados em cães apontaram a cistatina C sérica
como potente marcador de TFG. BRAUN et al. (2002) mensuraram a cistatina C
sérica em 179 cães clinicamente saudáveis utilizando ensaio imunoturbidimétrico
para a cistatina C humana. O limite superior de referência para a cistatina C
sérica foi 1,3 mg/L. No mesmo estudo avaliaram 27 cães com sinais clínicos de
insuficiência renal e elevação concomitante dos níveis plasmáticos de ureia e
creatinina e observaram que 98% dos cães apresentaram níveis de cistatina C
sérica acima de 1,3 mg/L. Os autores também observaram aumento nas
concentrações de cistatina C em alguns cães que apresentaram sinais clínicos de
insuficiência renal e que tinham concentrações de creatinina nos níveis normais
ou discretamente aumentadas e concluíram que a cistatina C pode auxiliar a
discriminar elevações limítrofes de creatinina plasmática quando a insuficiência
renal é suspeita. Em outro estudo, foi observado valor médio de cistatina C sérica
igual a 0,93 mg/L em 24 cães saudáveis utilizando o ensaio imunoturbidimétrico
(PAGITZ et al., 2007).
Em estudo em cães, ANTOGNONI et al. (2005) utilizaram o ensaio
20
nefelométrico para mensurar a cistatina C. Esses autores relataram alta
correlação entre os valores séricos de cistatina C e creatinina, ureia e fósforo e
afirmaram que o aumento nas concentrações de cistatina C sérica é indicativo de
progressão da doença como consequência da alteração da função renal. Esses
autores observaram valor de cistatina C sérica igual a 0,25 ± 0,14 mg/l em cães
que não apresentavam disfunção renal.
Em estudo posterior, ANTOGNONI et al. (2007) avaliaram 53 cães que
apresentavam insuficiência renal e azotemia associada à nefrite crônica,
leishmaniose visceral (LV) e diabetes mellitus (DM) cetoacidótica e 31 cães não-
azotêmicos que apresentavam LV e DM compensada. Nesse estudo utilizaram o
ensaio nefelométrico e observaram que as concentrações de cistatina C sérica
foram maiores no grupo que apresentava azotemia (0,59 ± 0,34 mg/L). Em
relação ao grupo não-azotêmico, os níveis de cistatina C sérica foram
significativamente maiores em cães com LV do que em cães com DM
compensada, sugerindo que cães afetados por LV são mais propensos à lesão
renal que cães com DM. Para esses autores a mensuração da cistatina C é
bastante importante em pacientes que possuem alto risco em desenvolver
nefropatias.
PASA et al. (2009) determinaram a concentração de cistatina C sérica
em 16 cães com diagnóstico de LV. Os autores observaram que o valor médio de
cistatina C sérica nos cães com LV (1,07 ± 0,62 mg/L) foi significativamente maior
do que nos cães do grupo controle (0,56 ± 0,15 mg/L) e relacionaram o aumento
da concentração de cistatina C como consequência da deposição de
imunocomplexos na membrana basal glomerular e possível lesão renal. Nesse
estudo, somente um dos cães com LV apresentou valor de cistatina C sérica
menor do que o limite superior de referência <1,3 mg/L proposto por BRAUN et
al. (2002).
21
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A doença renal crônica no cão tem merecido atenção especial em
diversas pesquisas, pois se sabe que ela é uma das principais causas de
morbidade e mortalidade nessa espécie. É muito importante detectar pequenas
alterações na função renal a modo de impedir a progressão para insuficiência
renal crônica, pois o diagnóstico precoce permite estabilizar o paciente e assim
obter maiores chances de sucesso no tratamento.
Cães com idade superior a sete anos possuem maiores chances de
apresentarem doença renal do que animais jovens. Portanto, o acompanhamento
clínico e laboratorial de cães de meia idade é a principal medida profilática para
retardar a instalação da doença renal, aumentando a expectativa de vida desses
animais.
Várias ferramentas de diagnóstico têm surgido para auxiliar os médicos
veterinários quanto ao diagnóstico da doença renal crônica nos estágios iniciais.
A cistatina C tem sido relatada como marcador precoce na avaliação da função
renal em humanos além de ser útil na avaliação de pacientes com alto risco de
desenvolver nefropatias. Entretanto, a principal desvantagem da cistatina C é que
sua determinação possui um custo elevado se comparado ao custo da creatinina.
Na medicina veterinária a cistatina C tem sido utilizada somente na
pesquisa e existem poucos estudos a respeito de sua eficiência como marcador
precoce de função renal, especialmente no contexto da doença renal crônica. A
maioria dos estudos avalia o desempenho da cistatina C comparando-a com a
creatinina e não com marcadores diretos da taxa de filtração glomerular. A
mensuração direta da taxa de filtração glomerular, independente de creatinina, é
importante para a correta avaliação do desempenho da cistatina C. Sabe-se que
a creatinina possui várias limitações como a produção de creatinina pelas células
tubulares e o consequente erro de estimativa da TFG. Além disso, os valores de
referência da cistatina C para cães citados pela literatura possuem alta
discrepância. São necessários novos estudos com maior número de animais, que
avaliem a cistatina C em diferentes populações de cães, assim como em
diferentes nefropatias.
22
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