Civilizac o Urbana Primeiro Capitulo

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Nesta obra o autor aborda as questões sobre o desenvolvimento urbano. Buscando o desenvolvimento do turismo no Brasil. O autor conclui: "Uma triste constatação de quem viaja bastante pelo exterior: com certeza, o Brasil é o país mais enfeado do planeta nos últimos cinqüenta anos."

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CIVILIZAO URBANA, PLANEJAMENTO E TURISMO - Trecho

CIVILIZAO URBANA, PLANEJAMENTO E TURISMO

1 CaptuloO sentido deste livroOn a besoin de quelque chose d\'infini - une ouverture, um fragment de ciel (de uma carta de Van Gogh para seu irmo Theo).A motivao turstica, o acerto de toda sociedade

Mais do que nunca, nossos dias anseiam por profundas reflexes sobre o sentido do processo civilizatrio; no h mais tempo para derivas, neste mundo infestado de ameaas. Meu ponto de partida foi a busca da organizao do turismo no Brasil mas, sabendo previamente que isso inseparvel da construo do prprio pas e de seu cotidiano, fui obrigado a ir to longe quanto convinha complexidade desta particularidade no todo. A rigor, poderia considerar esta obra como pertencente muito mais teoria do planejamento ou a algum ramo da sociologia, do que do turismo. O que no existe, e isso que justifica tanto volteio para amarrar o turismo com a organizao do espao , precisamente, a falta de conscincia desse enlace. Os profissionais do turismo pretendem aprimorar seus campos, mas no atribuem o correto peso ao emaranhado social, econmico, cultural e espacial. Por essas razes, sugiro ao leitor que, a cada passagem aparentemente estranha ao desenvolvimento do turismo, procure imaginar como as coisas ficariam com ou sem um adequado ajuste do planejamento no pas todo. Quem examinar as estatsticas ver que o Brasil tem uma participao insignificante no contexto do turismo mundial; onde ao longo do tempo mal consegue passar reles 1%. Isso no seria espantoso, se seu territrio no fosse grande como a Europa ocidental; se suas virtudes naturais e alguns servios tursticos no fossem de excelente qualidade. A esto milhares de hotis e flats sendo construdos, aeroportos sendo reformados, restaurantes se sofisticando... S os governos no acordam para a ntima relao entre espao e turismo. Com razo, brasileiros se orgulham da privilegiada natureza da terra, da qualidade de muitos hotis e da simpatia que permeia todos segmentos sociais. So traos que estrangeiros sempre reconhecem com admirao, cativados pelo sinal do respiro em todas partes. O grande equvoco est, justamente, na contradio entre ofertas bem-sucedidas e o contexto nacional. Por fora de muitos terem nascido e crescido, convivendo com fatores adversos ao processo civilizatrio, acabam se familiarizando de tal modo com o desleixo que no conseguem entender a ofensa que este causa ao turismo, cujo nvel de exigncia costuma ser alto. O desmazelo ou deteriorao das construes urbanas, a feira, o crime e outras vergonhas so encarados com perplexidade pelos nacionais, esquecidos ou, o que pior, considerados fatalidades. Apesar de denncias incessantes, respostas vigorosas e coletivas tm sido excees. Acesso e hospedagem so premissas bsicas do turismo, mas o mundo das viagens vai muito alm. Em vrios pases de intensidade turstica, o hotel se presta antes de tudo para higiene e repouso. Todavia, como a oferta do lugar turstico no Brasil tem se pautado naquilo que mais fcil (natureza e sol so ddivas no trabalhadas pelo homem...), temos negligenciado, vergonhosamente, a organizao do espao urbano, ignorando o quanto, por si s, ele pode ser motivo de permanncia mais prolongada e de deleite cotidiano do residente. No por acaso, ento, a hotelaria brasileira tenta compensar a mediocridade do espao banal das cidades. Por conta disso, se refora a concepo resorts repletos de atraes, mas que se repetem, item por item, em todas as partes. A cidade continua mal amada, em um dos pases em que mais se celebra a amizade, a alegria de viver, a dana... Embora tenha usado o turismo como ponto de partida para avaliar a organizao do territrio e vice-versa, desejo convir com todos os leitores, uma firme clareza inicial, de que a dignidade de um lugar deve ser concebida, antes de tudo, para seu habitante, aquele que permanece ao longo do tempo com uma fidelidade imprpria do turista. Assim se deu com as civilizaes mais antigas, que em tempo oportuno foram descobertas pelo turismo: souberam, silenciosamente, praticar uma construo secular para si mesmas, at que os Marcos Polos revelassem seus valores. Quem hoje vai Frana, Espanha ou Itlia, campees mundiais de turismo, de onde emanam vultuosas riquezas, vai por um conjunto de razes. No se escolhe a Frana s para ver a Torre Eiffel ou a Espanha para comer paella. Alm de perfumes, primo piatto ou sapateados do flamengo, a motivao est sempre num conjunto de fatos e eventos, produtos de construes milenares: cincia, arte, tecnologia, urbanismo, arquitetura, acervos... Considerem isto: s a Itlia possui cerca de metade do patrimnio artstico da humanidade! Civilizao, como ser pormenorizado no prximo captulo, comporta imensa variedade de iniciativas, sem as quais, com a menor chuva, o turista fecha sua mala e vai embora, e o hospedeiro fica a ver navios.

Tomando o Rio de Janeiro e So Paulo como exemplos (pois a acontecem grandes fluxos tursticos em virtude do desenvolvimento), haveremos de nos dar conta do quanto fomos e continuamos sendo violentados pela inadvertncia, incompetncia, corrupo e injustia social. Turismo, sob tais condies, s aquele que defini, em outra obra (Yzigi, 1998), como \"obrigatrio\", isto , o do homem que tem de fechar um negcio, do peregrino que vai cumprir promessa ou de algum que precisa ver a famlia ou amigos. Vo onde quer que seja, pouco importando se lugar turstico, feio ou violento. Essas viagens acontecem e acontecero revelia, pois independem de polticas de turismo. Se temos motivos para louvar certas graas da vida brasileira, por outra mo, somos instados a refletir sobre o que nos dizem opinies de fora (do pas ou do lugar: so importantes referncias construtivas). Anestesiados pela incessncia de turbulncia de nosso cotidiano, perdemos a capacidade de entender o pensamento do turista que vem ou deixa de vir. Como brasileiros, fomos obrigados a desenvolver esquemas para nossa prpria sobrevivncia, quase no dando ateno aos demais passantes. Um brasileiro de outro lugar ou um estrangeiro no conseguem se armar de esquemas de segurana no tempo de uma estadia e, assim, muitos preferem evitar a viagem. S quem no l as freqentes crnicas estrangeiras sobre a Amrica do Sul ignora isso. Se voc estiver com tempo limitado, So Paulo no uma etapa obrigatria de sua viagem, recomenda um importante guia impresso francs (Camus et alii). Outro popular guia da Frana, assim se referia, em 1996, s cidades que so objeto desse estudo. O centro do Rio de Janeiro monstruoso, suicida, barulhento, com circulao diurna infernal (Gloagnen: p. 45); Copacabana uma sucesso de imveis de estilo freqentemente pesado, s vezes decididamente feios, que se alinham ao longo de dois eixos: a Avenida Atlntica (...) e a Avenida Copacabana, muito animada e comerciante, mas um inferno de poluio e de barulho nas horas do rush (p. 51). Hoje o Aqueduto da Carioca parece terrivelmente isolado, no meio de terrenos esvaziados pela renovao urbana (p. 65). (Chamo a ateno para o termo \"isolado\", a ser retomado na definio de patrimnio ambiental urbano.) Em So Paulo, voc no passa jamais de 48 horas (p. 73). uma megalpole que preciso visitar como um planeta um tanto bizarro... (p. 79). O guia chega a desaconselhar muitas outras cidades brasileiras, lugares indignos de serem vistos, como a to turstica Guarapari... Poderia acrescentar dezenas de pareceres negativistas que tenho colecionado. O historiador e pesquisador de turismo, Mrio Jorge Pires (2001a, p. VII) francamente consciente: imputar a culpa pelo nosso medocre desempenho em turismo imprensa internacional perdermos tima oportunidade de reconhecermos nossas mazelas, dentre as quais inclui-se a fraqueza do nosso prprio produto, daquilo que temos a oferecer ao visitante. Infelizmente, at hoje nenhum guia brasileiro foi capaz de elaborar uma avaliao cultural de cidades com descries minuciosas dos interesses que elas possam conter: preferem dar mais nfase cama e comida; suas estrelas brindam os pontos de interesse e no as totalidades urbanas. As editoras, seguramente, ficariam muito intimidadas se revelassem fatos que o orgulho paroquial no quer ouvir. Uma triste constatao de quem viaja bastante pelo exterior: com certeza, o Brasil o pas mais enfeado do planeta nos ltimos cinqenta anos. o que constato, num universo de cinqenta pases, do ocidente ao oriente. A feira tal que, salvo restritos casos, e limitados a algumas de suas reas, j no ousamos recomendar cidades a turistas: recomendamos as belezas naturais que os municpios dispem. J no se fazem mais canes de amor s cidades e lugares. preciso ir mais alm da crena de Fidor Dostoievski, de que o mundo seria salvo pela beleza. Denis Cosgrove registra que uma de das tarefas dos gegrafos fazer com que a geografia seja apreciada. Mas nossa geografia deixa escapar muito do significado contido na paisagem humana, tendendo a reduzi-la a uma impresso impessoal de foras demogrficas e econmicas. A idia de aplicar paisagem humana algumas habilidades interpretativas que dispomos ao estudar um romance, um poema, um filme ou um quadro, de trat-la como expresso humana intencional composta de camadas de significados claramente estranha para ns (p. 97). A repelncia no se limita questo esttica, mas ao descaso oficial pela coisa pblica, incompetncia gerencial, corrupo, s leis estreis, ao mau entendimento do que seja democracia, falta de isonomia, violncia. Alguma nusea por causa do urbanismo selvagem apenas o primeiro sintoma. massacrante saber disso: nos anos 60, quando se falava de Brasil pelo mundo, logo vinha a lembrana da Garota de Ipanema. Menos de meio sculo depois, Brasil virou sinnimo de um dos pases mais violentos do mundo. Como pode um povo to ciente de sua simpatia, hospitalidade e sentido de festa pactuar com essa armao infame, ainda mais agora, que todas as plataformas polticas sonham com o turismo? A opinio dos guias franceses deve ser, certamente, produto de uma pesquisa superficial, ainda que verdadeira. Como Copacabana e Ipanema esto no imaginrio do mundo inteiro, criam expectativas de um quadro urbano altura da garota de Vinicius de Moraes: da a decepo pelo espao. Quem se der ao trabalho de examinar a regio do Flamengo ou Botafogo, haver de encontrar, em contrapartida, edifcios residenciais ou comerciais de qualidade equiparveis aos melhores de Paris (onde, apesar de tudo, certas edificaes deixam muito a desejar). Diria, ento, que na totalidade de Copacabana, para ficar no exemplo referido, e em que pesem muitos valores praianos, a totalidade do bairro justifica a crtica feita: a maravilhosidade da Baa da Guanabara merecia muito, muito mais! Como brasileiros, reagimos com irritao pueril, porque os mesmos guias no economizam elogios acerca de vrios outros fatos e coisas do Brasil. A funo de um guia informar. Qualquer turista brasileiro haveria de ficar enfurecido com textos que no lhe prevenissem sobre possveis decepes ou perigos em lugares estranhos. Vivemos em um mundo em que indispensvel contar com opinies diferentes, bem fundamentadas: so referncias de reconstruo. Cidades brasileiras que ainda insistem em copiar, cegamente, os modelos vigentes de desenvolvimento metropolitano que tomem cuidado! Certa feita (Yzigi: 1998) lancei a idia de que o que bom para o habitante de uma cidade bom para o turista, e hoje at ministros repetem meu pensamento. Entretanto, um motorista de caminho me forou a rever o slogan. Muitas vezes, gente do povo tem a capacidade de derrubar opinies, com uma facilidade que poucas teorias acadmicas conseguem... Para mim, Manaus e continuar sendo uma cidade no-turstica, enclausurada em condomnios, com um centro altamente deteriorado, de costas para um deslumbrante rio onde despeja seus esgotos, lixos e onde se proliferam favelas. Quando andava por l, nas horas vagas de trabalho, minha nica opo era flanar em um de seus shoppings. Como, a partir da cidade, fica muito difcil contemplar a deslumbrante floresta, no centro comercial pode-se, ao menos, se sentar com conforto ambiental. Ao sair de um deles, uma forte chuva me obrigou procurar a um abrigo de nibus e da a conversa com um motorista, conhecedor das loucuras de minha So Paulo. Voc quer saber de uma coisa? Manaus o melhor lugar do Brasil para se viver! Fiquei temporariamente surdo e mudo, mas no duvidei de sua predileo pessoal, como tambm no duvido de todos que l moram bem, em requintados condomnios intramuros. As pessoas tm seus esquemas de vida e segurana, seus familiares e amigos, seus trabalhos, suas histrias. Esse caminhoneiro me forneceu valiosa pista e o responsvel por muito do que ser explorado pela frente. Como fica ento minha antiga assero? Fica que nem tudo que bom para o residente vale para o turista. Agora a equao me parece ser esta: todo cotidiano dignificante para o residente e engajado no processo civilizatrio bom para o turista se permitir interpenetrabilidade do movimento turstico com a totalidade do lugar. Inversamente, muitos podero igualmente argumentar: nem tudo que bom para o turista pode ser para o residente H uma expresso brasileira to corrente quanto popular, bem prpria dos que se espantam com algum absurdo, com alguma barbrie do cotidiano. Assim argumentam: Num pas civilizado isso jamais aconteceria... Numa cidade civilizada... Mas o que ser civilizado nesses casos? Muitos nem pensam nessas coisas, outros nem falam, mas sempre percebo um silncio magoado pairando nas entrelinhas e suspiros. No podiam ter feito tantas canalhices com nossas cidades, com a minha cidade.Uma certa clivagem O presente estudo nos remeter, de ponta a ponta, ao sentido da construo de uma civilizao no Brasil, focalizando como ela cresce ou se deteriora no fato urbano: abordagens sobre a cultura material e a regulao dos territrios. Haver, como no poderia deixar de ser em qualquer enfoque sobre a forma, grande preocupao com a visibilidade - mas no o entendimento simplrio das exterioridades (em que pese o fator colrio). Ser preciso ver o que a forma traz consigo, o que significa, j que a percepo sempre ponto de partida que detona reflexes aprofundadas. Em poucas palavras, este livro pretende demonstrar a inseparabilidade do desenvolvimento turstico local dos nveis nacional e regional, especialmente pautados na justia social e na riqueza cultural. Sem a construo de civilizao no pode haver turismo consistente e muito menos se viver em ascenso! Preocupa-se ainda em alertar lugares tursticos ou turistificveis, de que o desenvolvimento local sempre limitado se o todo no for trabalhado, em tudo aquilo que se encadeia. Reconhecendo no turismo uma das frentes de desenvolvimento social e de divisas, o estudo busca, finalmente, esboar diretrizes gerais para que se possa contar com uma ambincia minimamente conveniente, pelo menos do ponto de vista urbano. A abordagem de quase todos captulos me forou a pesquisar o estado da arte de diferentes conceitos que resvalam essa narrativa - civilizao, patrimnio ambiental urbano, vandalismo, elite, luxo, mentalidades, renovao e revitalizao urbanas e outros, cujas ausncias me impediriam de situar a tese central, sobretudo entre leitores no familiarizados com a linguagem do planejamento. Em outras palavras, esses apndices facilitam o entendimento da complexidade - postura que as epistemologias recomendam cada vez mais. Embora tenha sido obrigado a me servir abundantemente da histria, no considero meu trabalho um clssico da disciplina. Como o que devo demonstrar no rumo da civilizao recai em intervenes urbanas do passado, prefiro dizer que tomei passagens crticas de histria urbana para filosofar sobre significados e abrangncias. Nessas anlises, privilegiei o patrimnio ambiental urbano, pois ele que nobilita o lugar como modo de vida e, por conseqncia, formula ou deixa de formular os quadros em que acontece o turismo. Revendo os assuntos pelos quais me enveredei, h algo em comum: tratem eles do patrimnio, do turismo ou das favelas; suas solues convergem, obrigatoriamente, para a questo social no resolvida e pela escandalosa falta de isonomia em todos assuntos que regulam a vida brasileira. Ao invs de tratar da questo social de per si, este livro, passando pela tangente, mostra o quanto seu destrato afeta todos os campos da vida, inclusive o do turismo. Sempre repito que o turismo incompatvel com a misria; que o desenvolvimento turstico pode ser um trampolim para a cidadania, j que se nutre de cultura e qualidade ambiental. Muitos leitores ou interlocutores demoram para entender minha afirmao, confundindo misria com pobreza. No Egito h pobreza, dizem, e no entanto o pas tem muito turismo... No conseguem separar o padro de pobreza - em que as limitaes ainda permitem viver com certa dignidade - da misria, situada abaixo de qualquer patamar aceitvel; em que a associao com o crime quase inevitvel. Malgrado o turismo existente no Egito (na ndia, na Indonsia, no Mxico...), os analistas se esquecem da densidade histrica que so portadores, e bem atrs disso que os turistas vo. Na maioria dos casos, os turistas no ficam tanto no Cairo ou Nova Dlhi pelo que suas carentes civilizaes contemporneas proporcionam, mas antes pelo que conservaram do passado: os turistas permanecem neste meio enquanto durar o interesse cultural - como herana ou, eventualmente, pelas criaes do presente. A cumplicidade dos que argumentam uma suposta indiferena do turismo pela pobreza parece, reacionariamente, querer legitim-la. H uma constatao ainda pior, devida falta de domnio sobre a questo turstica. Refiro-me a professores da rea que chegam a afirmar que a disciplina turstica uma cincia (!!!); outros, ainda, ignorando (inexplicavelmente) o papel da organizao do espao para o turismo, chegam a repetir que o urbanismo nada tem a ver! Eis porque, ao tentar fornecer elementos para uma teoria do turismo no Brasil, sou forado a deixar de lado as receitas fceis, to convenientes s urgncias do capital. Para a economia de rapina, a construo dos fatores de civilizao relegada num vago porvir, s iniciativas dos abnegados. Iludem-se com o marketing a ser feito sobre imagens isoladas do contexto: o sol, a natureza, a msica, a simpatia, o artesanato... isto , uma viso primria e ingnua do que possa ser a musculatura turstica. Em outras palavras, a oferta se resume em psiquismo e em ddivas de Deus (que esto prontas e no exigem trabalho, como comum nos Gersons). Por que escolhi o Rio de Janeiro e So Paulo? O Rio, alm de assentar-se no stio celebrizado como \"cidade maravilhosa\" (cognome dado, ao que parece, pela neta de Victor Hugo), teve muitos privilgios. Foi sede do governo portugus, recebeu a Misso Artstica Francesa; foi capital da Repblica; foi morada das elites que pretendiam construir a civilizao dos trpicos, de representaes diplomticas e est no imaginrio do planeta. O Rio conheceu a nsia de civilizao com a primeira grande renovao, reproduzida tambm nas capitais florescentes: Manaus e Belm com a borracha, e So Paulo com o caf, sem se falar das cidades de porte menor. No vos parece miraculoso como o prazer de uma pequena xcara cheirosa e fumegante modifica parte da terra? So Paulo, metrpole do caf, conheceu um esplendor menor, planaltino, mas nem aquele pouco construdo soube conservar, preferindo ser eterno canteiro de obras, contrrio a qualquer idia de civilizao no campo da forma urbana. Em ambas cidades, dei especial destaque s regies centrais, aquelas que no s conheceram as primeiras ocupaes mas que, em virtude disso mesmo, foram alvo de fortes processos de renovao e revitalizao. As duas capitais pretenderam ser grandes focos irradiadores de civilizao. Priorizei suas centralidades pelo fato de terem tido mais tempo de consolidar suas evolues, pois uma civilizao no se mede por curtos espaos de tempo. At onde chegaram seus intentos? Muito do que ser explicado tem pontos comuns em ambas, pois se inserem na mesma dinmica que regula o pas. No entanto, ser preciso reconhecer as peculiaridades e rumos diversos que as distinguem. Apesar de buscar certos paralelos, a simetria histrica ou sociolgica no sempre bvia. Alis, servindo-me de um procedimento comum na historiografia, procurei dar nfase a certos fenmenos l onde eles me pareciam mais vigorosos. Isso porque as extenses territoriais e seus contedos sociolgicos so to grandes e diversificados que humanamente impossvel para um pesquisador dominar tudo: da a escolha por fatos representativos e anlises qualitativas como sada metodolgica. A prtica dessa postura pode ser entendida, por exemplo, atravs da insistncia crtica ao espao pblico de So Paulo e no do Rio. Como essa categoria problemtica no pas inteiro, mas em So Paulo que se apresenta da pior forma, a escolha da representatividade recaiu sobre a Paulicia - da mesma forma que outros fatos so mostrados onde adquirem mais expressividade. Em uma ou outra passagem o leitor encontrar referncias a algum fenmeno verificado em uma cidade que no faz parte do campo central de anlise. Neste caso, justifico a citao pela relevncia do fenmeno que, ou j existiu nas metrpoles, ou pertence a uma possvel lgica de ocorrncia nas mesmas. Espero, com essas excees espaciais, fixar certos fenmenos, a partir de um nico caso, isto , estarei valorizando uma singularidade sem a ela me ater, mesmo porque ela se insere em processos mais amplos e no se explica por si s. Ademais, se as anlises do Rio e So Paulo evidenciaro o quanto elas precisam ser trabalhadas, pode-se imaginar como ficam inmeros centros brasileiros, ansiosos por entrar na famlia do universo turstico. O importante isto: reconhecer o substrato do sentido da civilizao no fato urbano, num pas de contrastes mas regido por uma forte dinmica dominante. Uma aproximao das histrias do Rio de Janeiro e So Paulo evidencia alguns momentos em que as intervenes se tornaram mais agudas. No Rio, elas se deram primeiramente pela chegada da famlia real portuguesa em 1808; pelas reformas devidas economia cafeeira; pela industrializao ocorrida no Estado Novo e pelas grandes obras de infra-estrutura provocadas, principalmente, com a nascente indstria automobilstica. Em So Paulo, os marcos so semelhantes, com algumas diferenas: a no se verificaram as renovaes ocasionadas pela presena da famlia real e as mudanas do ciclo cafeeiro ocorreram com ligeira defasagem, porque a rubicea a chegou mais tardiamente. So Paulo sobrepuja o Rio do ponto de vista industrial. Veja-se que a construo da civilizao, como explicarei no captulo seguinte, vincula-se necessariamente a espaos, territrios que delineiam sua identidade. Neste caso, a separao do Rio de Janeiro e So Paulo para fins de estudo se justificam, tambm, por causa dos substratos culturais que distinguem suas nuances, seja por acasos histricos, seja por formaes tnicas: toda civilizao tributria de culturas. Alguns pases europeus - a Frana em particular - sero vrias vezes citados, nos paralelos que tm algo a nos dizer. A histria nos revela como alguns episdios foram vitais para nossa prpria formao - da Revoluo Francesa hospedagem de protestos contra a ditadura brasileira de 1964, grandemente denunciados naquele pas. Ademais, como diz Lucrcia d\'Alssio Ferrara (p.122), s depois de se ver Paris que se entende So Paulo... Conhece-se uma cidade por meio de outra, conhecemos melhor So Paulo ao flanar por Paris, porque colhemos sugestes possveis de serem comparadas. Essa oposio ao passeio turstico est diretamente vinculada ao carter sugestivo do imaginrio porque, se o primeiro exige a concreo da imagem/monumento para ser fixado, podemos dizer que quanto mais tnue ou ambguo for o roteiro de imagens, mais dinmica e eficiente ser a sugesto imaginria. In Elias de Castro (p. 131) continua: Se Paris , possivelmente, uma das cidades mais visitadas do mundo, deve-se ao que ela representa como modelo urbano no imaginrio ocidental. Mesmo se h uma eficiente poltica do poder pblico local para atrair turistas, no pode ser descartado o poder simblico da histria gravada em sua paisagem. Paris comparece insistentemente na bibliografia mundial dos que se propem a discutir cidades a fundo porque - quem duvida? - ela o laboratrio mais completo de todos os tempos, onde tudo foi pensado - da sua seduo. Ela mero pretexto metodolgico para discutir qualquer cidade; quem diria, at favelas ela teve em tempos relativamente recentes! Nesta mesma linha de pensamento, o Brasil urbano, por sua vez, tem sido objeto de abordagens metodolgicas ou polticas, no que diz respeito, por exemplo, a cidades novas, por causa de Braslia ou a condomnios intramuros. Isso se tornou um procedimento cada vez mais comum no mundo globalizado, do qual a sociologia urbana no pode abrir mo. Em certas passagens, o leitor haver de encontrar algumas metforas irnicas, mas evitei, conscientemente, qualquer uso injustificvel. Usei-as quando passavam melhor certos pensamentos - campos em que a linguagem \"oficial\" ou cientfica no conseguem dar conta direito. Como repetirei, a esttica , sobretudo, a potencializao de uma funo. Em teoria da narrativa isso chamado de esttica literria, que no meu caso um esforo de potencializar idias por imagens, sem, claro, comprometer a natureza cientfica do trabalho. Alis, por mais que tenha lido sobre mtodo cientfico no campo das cincias exatas e humanas, jamais encontrei referncias que desrecomendassem comparaes justas. Vez ou outra se encontraro passagens aparentemente de cunho jornalstico que ser preciso ver como flashes de uma possvel sociologia. Relacionando uma coordenada com objetividade e uma abscissa com emoo, Arthur Koestler demonstrou como os vrios campos cientficos e literrios se separam por passagens flus, que vo da poesia lrica matemtica. Conquanto um trabalho cientfico deva primar pela objetividade, no podemos deixar de reconhecer percepes do espao em que vivemos e circulamos. Trata-se daquilo que Simon Laflamme chama de \"emorazo\", isto , trocas simblicas entre razo e emoo. Em meu trabalho, tentei identificar algumas emoes que os espaos urbansticos suscitam. O leitor encontrar ainda umas raras citaes bblicas, com a nica finalidade de mostrar como certas evocaes so antiqussimas, no resolvidas, mas contextualizadas nesse estudo. Alis, se em livros ou doutorados pretensamente srios chegamos a encontrar citaes de filsofos de segunda e terceira linha; se verificamos imposturas cometidas por grandes nomes (vide Sokal); se o uso da ilustrao potica j est banalizado em textos acadmicos, por que no usar referncias tiradas das grandes religies? Fsicos ou matemticos no conseguem se exprimir sem servir-se de analogias primrias. Alis, a cosmologia que est dentro da Fsica e se aproxima cada vez mais da Teologia. Bem, sempre procurei me guiar por um documento rigoroso, documentado da melhor forma possvel, recusando qualquer colocao viciada ou com a inteno deliberada de falsear os eventos. Como minha pesquisa tem de citar fatos, datas, lugares, nomes, pode at suceder que tenha me enganado em alguma coisa, mas estou sempre atento para eventuais correes em novas edies. Pretendi que meu livro fosse finamente complementado com as primeiras fotos que documentaram o Rio de Janeiro e So Paulo - no como ilustrao, mas como elementos discursivos. Devo registrar as dificuldades encontradas para a utilizao desse recurso que enriqueceria, substancialmente, uma obra como esta. Em primeiro lugar, denuncio as dificuldades burocrticas dos lugares de pesquisa: falta de pessoal, precariedade de meios de documentao e comunicao, horrios de atendimento inconstantes, tanto no Rio como em So Paulo. Apesar de alguns fotgrafos terem falecido h mais de sessenta anos (limite razovel para que cessem os direitos autorais), muitos deles no podem ter suas fotos livremente reproduzidas, devido a litgios com seus descendentes. Muito mais grave, porm, so as altas tarifas exigidas por institutos e fundaes para cesso e autorizao de reproduo de cada foto antiga. Gravssimo, na medida em que essas instituies foram montadas com recursos pblicos da Lei Federal n 8313/91 (Rouanet) e outras similares. Alerto as entidades de pesquisa do pas para esta aberrao: se essas fundaes se isentam de 4% de seus impostos federais (e outras regalias municipais) para enriquecer a cultura, seus administradores caminham em sentido exatamente contrrio. justo que necessitem de recursos para se manterem, mas preciso impor limites e distinguir um fim de difuso cultural do uso de uma foto para fins comerciais. Cobram preos abusivos por foto. Uma empresa internacional de refrigerantes pouco se importa se tem de pagar as taxas tabeladas para suas publicidades, mas, para os pesquisadores em geral, no s fica difcil como cerceia a difuso. Cobram at por hora de pesquisa - algo equivalente ao valor de entrada para um bom espetculo... Enquanto isso, arquivos fotogrficos puramente comerciais demandam, at menos, por fotos que tiveram de pagar alto pela produo - em contraposio s velhas fotos dos atuais institutos que no arcaram com esse investimento. E mais: casos h em que descendentes de fotgrafos venderam os negativos s fundaes (teriam o direito?) que agora detm negativos de fotgrafos pagos pelo IPHAN ou outro rgo do governo, isto , de investimento pblico... e agora reivindicam o direito de comercializ-los. No vos parece um desplante que um cidado tenha de pagar por aquilo que j foi pago por uma agncia estatal e por isso pertence legitimamente ao patrimnio comum? Onde est o compromisso com essa faceta da civilizao? S no cito os nomes dos institutos por onde andei porque desconheo a totalidade dos que assim procedem e, deste modo, estaria sendo injusto ao focalizar num s uma crtica que genrica. Uma coisa certa: o retorno social das leis de incentivo cultura vem se demonstrando altamente mercantilizado.A importncia da crtica e do pensamento criativo para o mtodo H uma evocao que ilustra, bombasticamente, a validade das crticas. Atente bem leitor: se um jornal como o New York Times criticar, negativamente, uma pea teatral, por exemplo, a encenao sai de cartaz na semana seguinte. Com maior ou menor grau, outras imprensas, com bons crticos, provocam efeito semelhante. No Brasil, entretanto, se um jornal, ainda que de grande reputao, fizer semelhante comentrio, no acontece nada, porque as pessoas no acreditam mais na crtica, o que altamente nocivo para o processo civilizatrio e para a universidade tambm. As simpatias (e dios) pessoais ou poltico-partidrias exacerbadas impedem um grau razovel de impessoabilidade, necessrio ao trabalho cientfico. Esse fenmeno est a exigir que crticos da imprensa ou acadmicos reflitam sobre os fundamentos de suas matrias e sobre a objetividade de seus papis. Se a universidade no tiver essa grandeza objetiva (quase impossvel entre polticos), com qual tica haveremos de construir uma civilizao? Tenho tentado incorporar em meu esquema de pensamento que uma crtica s boa quando aponta para a libertao. Jamais conclu um texto sem fornecer diretrizes mnimas: esta minha nica fora e f. Trato do objeto de meu estudo como trato meus alunos: por querer que dem certo, por gostar deles, sou compelido a dar meus toques, amargos se forem necessrios. No posso pactuar com a mediocridade que vai tomando conta deste Brasil e do mundo; no h mais tempo para vagares frouxos ou avestruzes pudicas. Alis, para quem quiser fugir de crticas e renovao faclimo: basta deixar as coisas como esto. A quem pode isso interessar seno aos reacionrios, incompetncia e ao banditismo? Eis porque ningum mais acredita em discursos sem horizonte: se tirais o respiro eles perecem. Em vrios momentos desta obra o leitor haver de se deparar com opinies que chocam nosso orgulho. Ponderaes feitas, ser preciso optar entre a estratgia da vista grossa ou reconhecer na crtica o principal fator superao. Alis, este o princpio que fundamenta toda a teoria da criatividade: trabalhar o erro. O desenvolvimento da humanidade depende, sobretudo em condies adversas, da potncia do pensamento criativo: ele que nos ala s estrelas. Todos quantos j se inteiraram do que seja a heurstica e sua teoria tero relido vrias vezes que uma das piores receitas para a criatividade o pensamento viciado no sistema \"ou isto\", \"ou aquilo\", ignorando que a resposta poder vir (como acontece freqentemente na arte, cincia ou tecnologia) de onde menos se espera (confira-se com Koestler, Beveridge e tantos outros). Isto ou aquilo o prprio maniquesmo. Entre isto e aquilo h constelaes de possibilidades, impossveis de serem contabilizadas. A soluo pode vir de cima, de baixo, de dentro, dos lados, das oblquas do quadrante, da estratosfera. Esse pensamento que me guia ser percebido em variadas consideraes desta obra. Sob esse prisma, haverei de insistir no que sempre repito em aulas e conferncias, tocante prtica do planejamento no Brasil. O procedimento banal e corrente consiste na atuao tpica, isto , num esforo de se vencer o problema no lugar em que ocorre, abandonando-se, quase sempre, aes no campo estrutural - justamente o que pode evitar a repetio do inconveniente. Minha convico de que a postura unilateral no s errada, como acentua ainda mais o que convm ao status quo. Ignora-se que no se trata de agir no tpico ou no estrutural, mas em ambos simultaneamente. Mas entenda-se que o estrutural, hoje em dia, fora-nos a ir to longe quanto a origem do problema: inconvenincias que aparecem em nvel municipal podem ter origem nas esferas estadual, nacional ou internacional. Infelizmente, o Brasil no dispe de todos canais para esses procedimentos, que exigiram representaes em conselhos deliberativos de governo, com incluso do poder municipal, onde se mostrar necessrio. Como resolver o problema de uma favela, que nacional, na vetusta e personalista teoria de fortificao do municipalismo? Este trabalho foi pensado em funo das condies da organizao espacial do turismo no Brasil, a qual, entendo, no categoria autnoma, pois se atrela a vrias questes no resolvidas do pas inteiro. O esforo pela organizao do turismo s pode se dar por meio de uma aproximao sub-sistmica. Por fora dessa associao com o todo, meus leitores seriam, prioritariamente, planejadores do turismo, que em virtude do enfoque dado devem ser antes de tudo e simplesmente planejadores: do urbano, do regional, do ambiental, como convier. Pretendo alert-los sobre a importncia de que a dimenso turstica pode ou deve ter. Terei de entrar em campos que muitos turismlogos mal suspeitam estarem relacionados com sua disciplina. Entenda-se, por conseqncia, que esta obra s pode se enquadrar na teoria do planejamento. Planejamento, que em razo do enfoque, dar grande importncia arquitetura, ao urbanismo - ao ambiente em geral. A presente abordagem far diversas menes a formas arquitetnicas, onde preciso ver, alm do sentido artstico, toda uma proposta de renovao e, conseqentemente, na vida do lugar. Como se ver no primeiro captulo, civilizao no se planeja, mas o planejamento pode e deve escolher certos rumos, assim como impedir que outros aconteam. O turismo nem sempre ser colocado em foco, mas estar pressuposto em cada lance da narrativa. A questo centralssima deste trabalho consiste, precisamente, no entendimento do que seja civilizao na construo do fato urbano. A civilizao pode ser percebida em todos os campos que o homem atua. Devido s limitaes que se impem a todo trabalho cientfico, a clivagem que escolhi se reporta relao sociedade-cidade, forma urbana, como seu produto. (No teria a ousadia, nem competncia, para explicar toda a evoluo civilizatria do Brasil!) Ora, sabemos que a quantidade e variedade de estudos sobre So Paulo e Rio de Janeiro soma dezenas de milhares de textos, entre livros, artigos, lbuns, sem se falar de outros tipos de fontes, como os espcimes da cultura material. Muitas dessas obras so excelentes e atualizadas. No teria muito sentido produzir mais uma histria ou geografia das cidades em questo, para meu fim especfico de relacionar civilizao com cotidiano e turismo. Minha proposta no tem o atrevimento de renovar a viso da histria, mas de introduzir uma reflexo sobre as modalidades de mudana, em vista de uma teoria especfica do planejamento. Nesta viso, a filosofia ganha sobre o circunstanciamento histrico pormenorizado, buscando antes referncias que definam caminhos para formas urbanas mais condizentes com ideais civilizatrios. A razo da existncia humana no construir cidades mas viver: isso muda tudo. Ora, sei que h crticas e mais crticas mas, tanto quanto tenha conhecimento, no dispomos de muitos subsdios tericos sobre as convenincias formais da ordem urbana, especialmente no Brasil. Sem esta referncia, o planejamento permanece saltitando entre atos isolados, arbitrrios e casusmos... O desenvolvimento do turismo, ento, depende muito mais de um corpo coerente de teorias do que deva ser uma cidade e as polticas que delas emanam para o resto do territrio, do que muros levantados para cercar pequenos parasos. Desde ento, cuidei de buscar reflexes to consistentes quanto pude, acerca das intervenes urbanas, e seus graus de coerncia com o sentido civilizatrio - e conseqentemente com o turismo. Com o incio da democratizao do Brasil, vimos privilegiando a atuao poltica em detrimento da tcnica, como se esta ltima acontecesse por encanto em decorrncia da primeira. Esquece-se a prpria origem da palavra tcnica: em grego, tekn , justamente, o saber fazer; o saber no cai do cu. Os resultados so viadutos e edifcios que desabam, oleodutos que explodem, pesticidas que matam a populao, pragas, frmulas administrativas que nascem erradas, trapalhadas, enganos e por a sem fim. H certos saberes cujas construes no precisam ser o espelho filosfico de uma poltica partidria. A prova que tendncias de pensamento, diametralmente opostas, podem ter solues tcnicas comuns. Mas preciso reconhecer que h saberes infiltrados de filosofia e que a, sim, passam pela redefinio poltica. Casos, tambm, de polticas to medocres que no conseguem praticar tcnicas minimamente aceitveis. Todos casos tm de ser considerados na plataforma de anlise que escolhi, mas no podem ser confundidos. Quem olhar detalhadamente para cada fragmento de cidade ficar espantado com a profuso de conhecimentos (ou disparates...) que vo da poltica engenharia, da arte qumica, do srio ao ldico, do cu terra... O prximo captulo ser contundente: segundo os melhores autores, a tecnologia trao de extrema vitalidade para a construo de uma civilizao. Como pessoa e estudioso que sempre remou contra a mar, peo que tentem entender este meu trao. que, viciado no pensamento criativo, acredito na possibilidade de recompor uma receita nova a partir de vrios ingredientes - que fica sendo a \"minha\" contribuio poltica. Decididamente, o que mais desejo uma poltica urbana para valer! Quando Stephen Hawkins lanou sua Breve histria do tempo, sonhava que seu livro pudesse ser encontrado em bancas de aeroportos; j eu, em minha pequenez, ficaria muito feliz se esse relato pudesse ser encontrado em estaes rodovirias! Seria a glria de ter chegado s pessoas mais simples e de testar onde vale minha moeda. Darcy Ribeiro lamentava a dor de no termos logrado construir uma civilizao no Brasil, ainda que reunamos muitos ingredientes necessrios. Hoje, quando a conscincia da globalizao anda to explcita nas mentes, a questo do processo civilizatrio se recoloca com dois aspectos que nos interessam: a) de entender seu significado num pas emergente e b) de vislumbrar suas peculiaridades sob os movimentos da globalizao, que nos incitam a equacionar a relao de identidade com civilizao. Caminhos e descaminhos estaro entre minhas preocupaes. Quando consideramos que o Brasil um pas com pouca homogeneidade (o abismo social, os entendimentos culturais distintos ou contraditrios, a falta de isonomia, entre outros fatores), somos epistemologicamente forados a tomar cuidado com generalizaes, ponderaes e afirmaes, to correntes nos trabalhos sobre espao e sociedade. Nesta ordem de idias, tudo o que se relatar sobre a organizao do espao no pode ser generalizado nem mesmo prpria cidade, e muitas vezes nem para uma nica rua, s vezes com um \"lado nobre\" e o \"resto\"... Essa precauo ficar clara em cada passagem. No obstante, se algum leitor no tiver clareza sobre o significado e peso do fator esfera pblica na construo da democracia e da civilizao, se no tiver pelo menos abertura para assumi-lo, haver de encontrar muita dificuldade em entender a lgica que fundamenta este livro: melhor que desista de sua leitura. Em vista dessas preocupaes metodolgicas, explico porque tive de conceber os captulos como delimitadores de enfoques. Civilizao ter sede de luz, explora o que seja a civilizao e sua incidncia no fato urbano, visto como filosofia; como fica sob a globalizao num pas como o Brasil e sua importncia para o turismo. Mas, afinal, o que um samovar? atualiza o conceito de patrimnio ambiental urbano; sua viabilizao num pas de poucos recursos e sua importncia para o turismo. Das quimeras aos fatos nos fala dos sonhos no realizados de uma civilizao urbana no Brasil, destacando conceitualmente como as renovaes e revitalizaes so instrumentos desses projetos. A cidade onde o maravilhoso molha os ps e Desvairada mesmo so os dois captulos subseqentes, que procuram mostrar como as intervenes urbanas conduzidas no Rio e em So Paulo oscilaram entre construes e desconstrues, at chegar aos tempos de clausura. Desplantes e migalhas denuncia e explora, genericamente, as foras adversas civilizao, que inventam prmios de consolao, ao invs de reconceberem a cidade como uma totalidade dignificante. Sobreviveremos o pr do sol prope caminhos estratgicos que permitam a reconstruo do urbano (e do turismo), apegando-se fora dos que vo silenciosamente construindo o que o Brasil tem de melhor: os Discpulos do Amanhecer. Aqui o fato urbano j no conceitual ou filosfico como aparece em Mas, afinal, o que um samovar? - estruturao de polticas, ou mais propriamente direcionamentos estratgicos, na consecuo de certa ordem administrativa e civilizatria. Conclusivamente, As cartas esto dadas coloca a sociedade frente a seu futuro. Convenhamos que a abordagem deste livro uma viagem pelas venfluas paisagens da cidade. Para facilidade dos leitores profissionais, acadmicos ou comuns, traduzi todas as citaes retiradas de originais estrangeiros, conforme bibliografia. Mas palavras ou expresses que aparecem em itlico sem citao das fontes so destaques meus. Assim, preferi para no abusar do negrito ou maisculas que sempre poluem o texto. So palavras chaves desta obra: civilizao, patrimnio ambiental urbano, turismo, Rio de Janeiro, So Paulo, renovao urbana, revitalizao urbana, vandalismo, administrao pblica, planejamento e cotidiano.Meu reconhecimento Ao CNPq devo quase tudo o que publiquei de melhor, porque sempre concedeu voto de confiana s minhas pesquisas, sem as quais me resultaria difcil ser professor. Minha pastorcia essa mesma: sou pragmtico e gostaria que no ficasse a menor dvida. Ao tramitar para que essa seja mais uma pesquisa a se transformar em livro, devo deixar bem claro perante o pblico o meu profundo reconhecimento por tudo que esta organizao tem feito pelo progresso das cincias, mantendo-se firme nos momentos mais difceis e se empenhando cada vez mais em seu prprio aperfeioamento - que da sociedade brasileira. Muito obrigado, CNPq! Ao fim dessas palavras iniciais, selo uma especial deferncia ao meu editor - homem que, antes de ser profissional do ramo, professor e mestre em vasto universo de conhecimentos. Sua abertura a novas idias e seus estmulos concretos conseguem criar um nimo nos pesquisadores como poucas instituies tm a grandeza de praticar. Este meu reconhecimento pblico a Jaime Pinsky.