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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
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CLASSIFICAÇÃO E EXAME CRÍTICO DA LITERATURA
SOBRE HISTÓRIA DA COMUNICAÇÃO 1
Luiz C. Martino 2
Resumo: Exame crítico da literatura sobre história da comunicação com o
desenvolvimento de uma classificação. São analisadas outras classificações e
discutidas questões epistemológicas sobre a história da comunicação. O autor
defende o ponto de vista de que o avanço na matéria deve incorporar não somente
os aportes metodológicos e teóricos da historiografia mais recente, mas também
integrar as contribuições da epistemologia da comunicação.
Palavras-Chave: História da comunicação. Epistemologia da comunicação.
Pensamento comunicacional.
1. Qual historia da comunicação?
Um breve contato com a literatura sobre história da comunicação é suficiente para
deixar algumas impressões fortes. A primeira delas é a dificuldade de se encontrar livros e
artigos sobre o assunto. O interessado não encontrará nenhuma seção particular nas livrarias e
bibliotecas, tampouco lhe será de grande ajuda os mecanismos de buscas disponibilizados por
estas últimas. A sensação de vazio é inevitável e será preciso algum esforço e tempo para
mudar este cenário. Para se ter uma idéia, após mais de dez anos envolvido com o assunto
conseguimos reunir cerca de cinco dezenas de livros que abordam diretamente a matéria.
Mas vencer a soleira da iniciação não significa estar de posse de algo seguro. Na
verdade, apenas um passo separa a escassez da abundância. Basta transigir com títulos
pontuais e se acomodar às inúmeras dimensões e detalhes de uma matéria vasta e mal
articulada, cuja unidade resta conceber e imaginar. O pesquisador tem, então, a
desconcertante impressão de lidar com uma bibliografia demasiado extensa e extremamente
variada, a ponto de não recortar um campo de estudo preciso. 1 Trabalho apresentado no GT “Epistemologia da Comunicação”, do XVII Encontro da Compós, na UNIP, São Paulo, junho de 2008. 2 Universidade de Brasília, [email protected].
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De todos os lados, e das mais variadas fontes e âmbito de estudo lhe chegam
informações. Do lado do objeto empírico, são sinais, símbolos, processos, tecnologias,
instituições, artistas, emissões, ideologias, leis e liberdade... Como assunto, quase tudo lhe
interessa: conhecimento, cultura, sociedade, costumes, educação, política... Tudo que tem
algo a ver com a comunicação e que possa ser historiado. Não demora muito para perceber
que a matéria transborda os limites do bom senso e se espalha por todos os pontos cardeais da
investigação sobre o homem. Como, então, assegurar um eixo que garanta a unidade
necessária à pesquisa e à reflexão? Nos damos conta, então, que o problema do neófito é
também o do epistemólogo: não podemos avançar no estudo da história da comunicação sem
saber o que é comunicação. Mesmo não sendo o caso, aqui, de entrar nos meandros dessa
discussão, fica claro que a história da comunicação não pode prescindir de uma análise de
seus conceitos fundamentais (comunicação, meio...) e a nosso ver, segundo a tese que
defendemos, ela deve ser pensada conjuntamente com a autonomia do saber comunicacional
e seu objeto de estudo, do contrário ela permanece uma categoria opaca e impenetrável, tão
vasta quanto os interesses que possa suscitar (MARTINO, 2005).
Por isso, se deparar com um volume enorme e pouco articulado de livros sobre o
assunto nada mais é que a contrapartida de uma lacuna no trabalho epistemológico, duas
faces de um mesmo problema que convergem e coincidem na pergunta: o que é história da
comunicação? Como delimitá-la? Como apreender sua unidade sem deixá-la dissolver
através dos vários âmbitos que lhe compõem sua problemática?
Visto dessa forma, nosso problema não é o de desdobrar uma infindável série de idéias,
objetos e alternativas possíveis de serem chamadas de “história da comunicação”, exercício
inútil se nos damos conta que, sendo a comunicação intrínseca ao homem, sua história
coincide com a história humana. Não se trata, portanto, de importar e reproduzir métodos e
teorias da História em seu objetivo de apreender o devir humano, mas do desenvolvimento de
um ponto de vista que parta diretamente de uma compreensão particular e especializada dos
processos comunicacionais. O problema se desloca do devir humano para a apreensão da
historicidade da comunicação, o que pode ser entendido de duas maneiras diferentes: seja à
moda do historiador que deve passar a focar os instrumentos de seu conhecimento (o acesso à
história se faz através de documentos, gerados por meios de comunicação); seja da maneira
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do comunicólogo, que necessita transpor seus estudos essencialmente ligados à sociedade
industrial e o contemporâneo para outros períodos, aceitando o desafio de gerar uma
perspectiva diacronia.
Claro que diferentes perspectivas trazem contribuições diferentes. De um lado, os
aportes de dois ramos da História, a história da imprensa (ou do livro) e a chamada historia
do presente, onde os historiadores são colocados frente ao desafio de levar a sério a
influência dos meios de comunicação na construção do acontecimento (Boorstin, Nora) e da
ativação da consciência histórica (Nora). De outro lado, o trabalho epistemológico relativo à
determinação de um conceito comunicação e do objeto de estudo do saber comunicacional
capaz de garantir a autonomia dos estudos de comunicação estrito senso (por ex. Martino,
2001b).
O contraste, a crítica recíproca, a integração, dessas contribuições constitui, para nós, a
via mais fecunda para a reflexão sobre a história da comunicação. Mas isto é apenas um
projeto, pois a bibliografia se revela ainda bastante longe dessas questões.
2. Exame da Literatura
A história da comunicação pode ser entendida de várias maneiras, segundo aquilo que
está sendo historicizado. Pode ser uma tecnologia (escrita, rádio, TV), uma instituição
(universidade, emissora), o sistema de comunicação (conjunto das instituições de
comunicação) as leis que regem a circulação de informação de um país ou outros aspectos da
realidade. Ainda pode ser entendida como uma história do conhecimento sobre os processos
comunicacionais (história do saber comunicacional).
Isto leva a diferentes histórias da comunicação, diferentes possibilidades de abordar o
tema. Classificamos abaixo aquelas mais correntes na bibliografia consagrada ao assunto.
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2.1 História dos estudos e das teorias da comunicação
Corresponde ao estudo da formação do campo de estudos, ou seja, das principais
formas de compreensão dos processos comunicacionais em sentido amplo, suas teorias,
paradigmas, métodos, correntes de pensamento. Pode ser encontrada como capítulo de obras
gerais (Balle, Media et Société) ou em trabalhos especialmente dedicadas ao assunto, como
Mattelart & Mattelart, História das Teorias da Comunicação. O que certamente não exclui
estudos especializados de tendências, como M. Jay, L’Imagination dialectique: histoire de
l’école de Frankfort. Também devemos ter em conta que a compreensão de algumas
tendências (a Escola de Frankfurt, por exemplo) está intimamente ligada a um certo contexto
histórico e que muitos livros de teorias da comunicação recorrem, por razões didáticas, ou
por facilidade de apresentação, a uma exposição cronológica das teorias (ex.: Wolf, Teorias
da Comunicação), de modo que os livros de teoria da comunicação muitas vezes estão
estruturados de forma histórica.
Os problemas levantados nestas obras dizem respeito: à formação e autonomização do
campo comunicacional em seu aspecto teórico; à emergência das diferentes correntes de
pensamento; ao trabalho dos pioneiros, sua herança. Se de um lado a interferência de
questões epistemológicas exigem um trabalho muito cuidadoso (muito mais que as certezas
levianas que costumam minar este terreno), de outro lado, mesmo os pontos mais básicos,
como a determinação das origens do campo comunicacional, se apresentam igualmente
pouco desenvolvidos e aguardam estudos mais acurados (entenda-se, menos regionalistas e
mais criteriosos). A própria maneira de se contar a história das teorias também merece
consideração. Wolf (1994, p. 48) contrasta dois modelos da história dos efeitos dos meios de
comunicação, a reconstrução por coexistência e a reconstrução por ciclos, mas estudos como
este são verdadeiramente raros.
Em suma, tanto em volume, quanto em qualidade, a reflexão sobre a história das teorias
é um ponto ainda pouco desenvolvido, malgrado significativos esforços realizados a partir
dos anos 80.
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2.2 História da Linguagem
Desde a antiguidade, a linguagem é um assunto que vem merecendo a atenção.
Inicialmente da parte dos filósofos, preocupados em determinar o seu valor na atividade do
pensamento e conseqüentemente sua importância para a determinação da reflexão sobre o ser.
Uma história da filosofia certamente poderia ser contada a partir do eixo da linguagem e os
diferentes posicionamentos diante do problema fundamental da relação entre o ser e a
linguagem.
Também não passou desapercebida a importância desta para distinguir e conferir ao
homem sua especificidade frente ao animal. Mas é na época de Rousseau, com seu famoso
Essai sur l'origine des langues, que a filosofia se abre à questão da primeira língua e coloca
definitivamente o problema das relações entre elas. Este último será retomado e colocado em
novas bases (propriamente investigativas e não somente de forma especulativa) pelos
lingüistas, que a partir do século XIX passam a considerar a idéia de uma Ursprache (língua
originária, como o indo-europeu) e a falar de famílias lingüísticas, estabelecendo quadros de
comparação bastante complexos entre elas (como em Rosenstock-Huessy, A Origem da
Linguagem). O problema dos sistemas das línguas também foi tomado em sua relação com a
escrita, como na gramatologia (estudo da escrita), proposta por Gelb (A Study of writing,
1953) ou por outros estudiosos da escrita (ex.: Daniels & Bright, The World's Writing
Systems).
De outra parte, os estudos de antropologia compreenderam o papel importante da
função simbólica para o desenvolvimento do homem e da cultura (ex.: Leroi-Gourhan, O
Gesto e a Palavra; Goody, The Logic of Writing and the Organization of Society), voltando
sua atenção para os aspectos relacionados ao desenvolvimento da linguagem e dos meios de
comunicação em sentido amplo. Outra linha de investigação remonta até a pré-história
colocando a questão da aquisição da fala, tentando situar, no processo de hominização, o
momento em que nossos ancestrais passam para o domínio do simbólico e começam a
empregar a fala através de sons articulados. As discussões aqui se concentram na
determinação da data e do levantamento das condições que liberaram a fala, também se
discute sobre a possibilidade de ter havido outras espécies (ou subespécies) de primata que
teriam desenvolvido a fala. Apoiando-se no exame de fósseis humanos e conhecimentos de
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anatomia, entre outros, procuram hipóteses sobre os fatores que disparam a aquisição de
linguagem, como, por exemplo, a capacidade do homo habilis de fabricar instrumentos
(atividade complexa que demanda a fala?), do homo erectus de andar sobre dois pés
(liberação da mão e do pólo técnico da boca para a função de linguagem). Também se discute
a possibilidade de uma protolinguagem (Bickerton, Language and Species) para marcar o
período de evolução das primeiras atividades de comunicação, tais como o uso de sinais,
gestos, até atingir o estágio da fala articulada. Período que se estende entre 2 milhões e 50 mil
anos atrás, quando o registro simbólico se desenvolve rapidamente, o que deixaria o estudo
da língua, em sentido estrito, apenas para este último período.
Todas estas considerações colocam idéias muito diferentes, mobilizam metodologias,
teorias e abordagens de diversas disciplinas. Mas todas poderiam e efetivamente têm sido
consideras “história da comunicação”, o que seria aceitável apenas no sentido lato da
expressão.
2.3 História dos meios
Várias acepções para a expressão “meios de comunicação” podem e devem ser
distinguidas nesta categoria. De forma muito sintomática, a literatura comporta uma
variedade dificilmente sistematizável, reveladora da fraca articulação teórica. A ausência de
um conceito que possa integrar ou conduzir a crítica das diferentes dimensões de análise, nem
sempre compatíveis, faz com que tenhamos uma bibliografia abrangente e dispersa,
convivendo com assuntos fortemente heterogêneos, ainda que, para muitos, ela apareça como
uma única categoria da história da comunicação. Vejamos as principais maneiras que os
meios são tomados.
a) Tecnologia: correspondendo ao exame da evolução tecnológica ou do progresso
técnico relativo às formas de comunicação mediada. Trata-se da forma mais clássica, ou pelo
menos mais intuitiva, do que se entende por história da comunicação. Atualmente a tendência
é ampliar e integrar as práticas sociais, tirando a ênfase dos dispositivos técnicos para situá-
los nas lógicas de usos sociais das tecnologias, mas os meios de comunicação ainda
permanecem como eixo de suas preocupações, tal como nas obras de divulgação e nos
primeiros estudos especializados. Alguns exemplos deste último grupo são as obras de Fabre,
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História da Comunicação e de Pastore, A Historia da Comunicação. Um exemplo da
tendência mais recente é a obra de P. Flichy, Une histoire de la Communication Moderne:
espace publique et vie privée.
Também são abundantes os trabalhos que se concentram em um único meio ou sua
família, por exemplo: Lemagny & Rouillé, Histoire de la Photographie; Mannoni, A grande
arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema; Ph. Breton, Une Histoire de l’informatique.
As obras ainda podem se concentrar: i) em um aspecto do meio de comunicação, como
sua invenção (ex.: Kossoy, Hércules Florence, A Descoberta Isolada da Fotografia no
Brasil); ii) em parte de seu processo (ex.: Cavallo & Chartier, Historia de la Lectura en el
Mundo Occidental); em sua regionalização (ex.: Nascimento, História da Imprensa de
Goiânia; Emery, The Press and America); iii) segundo sua especialização (Blois, Rádio
educativo no Brasil, uma história em construção; Buitoni, Imprensa feminina; Miriam
Ferreira, Imprensa Negra Paulista).
b) Instituição de difusão: desta perspectiva os meios passam a ser as organizações
responsáveis pela circulação de informação, sejam elas empresas estatais, públicas ou
privadas, como jornais, revistas, diários oficiais, emissoras de rádio e TV, estúdios
cinematográficos, agências de notícias. Apesar de poderem aparecer dessa forma na
literatura, como “meios de comunicação”, achamos que as obras deste item podem ser melhor
classificadas na categoria “instituições”. Ver mais abaixo.
c) Mensagens: os meios também podem ser tomados como mensagens e confundidos
com seus conteúdos (filmes, novelas, noticiários). Então temos uma história da comunicação
baseada na sucessão dos elementos das grades de emissoras, ou, como no caso dos jornais e
revistas, dos principais acontecimentos cobertos pelo órgão de imprensa. Exemplos: Jornal
Nacional: a Noticia Faz História; I. Fernandes, Memória da telenovela brasileira.
d) Personagens: as pessoas que trabalham nas instituições de difusão também são
incorporadas à história da comunicação. Artistas, diretores e jornalistas são os mais visados.
Geralmente assumem a forma da biografia, aparecem também misturadas à história da
instituição de difusão ou de outro âmbito maior. Por isso, o volume é bastante elevado. Dois
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ramos aparecem, marcados pela história da imprensa ou daquela dos meios elétricos. Alguns
exemplos do primeiro: Marco Morel, Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade; João
Carlos Rodrigues, João do Rio: uma biografia; Barbosa L. Sobrinho, Hipólito da Costa,
pioneiro da imprensa no Brasil. Do segundo grupo: Souza & Rodrigues, Mazzaropi: a
imagem de um caipira; F. Morais, Chatô o Rei do Brasil; Guilles, Jane Fonda; Morin, As
Estrelas: Mito e Sedução no Cinema.
2.4 História das instituições do campo comunicacional
Voltada para o estudo do aparecimento de faculdades, revistas, associações científicas,
sindicatos, emissoras, leis, políticas de regulamentação, organismos estatais (agências de
regulamentação) ou da sociedade civil (Ongs, associações civis) e demais elementos que
compõem e formam o campo da comunicação em seu aspecto institucional.
É bastante comum que as referências institucionais sejam misturadas aos elementos
históricos das outras categorias do campo comunicacional. Aqui e ali, tanto nas obras que
historicizam os meios como aquelas que historicizam as teorias da comunicação, estão
presentes dados institucionais. De outra parte, temos obras especializadas, que identificamos
como sendo típicas dessa categoria.
Podemos subdividi-la segundo o tipo de instituição:
a) Ensino/Pequisa: universidades, associações científica. Por exemplo: Faro,
“Historiografia das Revistas Acadêmicas de Comunicação”; Fuentes Navarro, La
institucionalización del campo académico, un primer acercamiento comparativo; E. Nuzzi,
História da Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero.
b) Instituição de difusão: jornais, emissoras de rádio e TV, agências de notícias. Por
exemplo: D. Herz, A História Secreta da Rede Globo; Briggs, The BBC, The First Fifty
Years; Braga, O Pasquim e os anos 70; Gardner, The International American Press
Association and Its fight for freedom of the Press, 1926-1960.
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c) Instituições trabalhistas: sindicatos, associações profissionais. Por exemplo, Morel,
A trincheira da liberdade, história da ABI; Adisa Sá, Biografia de um Sindicato [Jornalistas
Profissionais do Ceará].
d) Estado/Sociedade: leis, censura, opinião pública, regulamentação, Ongs. Uma
variante dessa categoria constituem as obras dedicadas à emergência da comunicação nas
suas relações com o Estado, com particular interesse no tocante ao aparecimento de uma
esfera pública. Tais estudos se voltam, sobretudo, para as questões políticas, as
transformações que preparam o advento da democracia moderna. Por exemplo: Habermas,
Mudança estrutural da esfera pública; Bautier & Cazenave, Les Origines de la
communication moderne: gourverner l’opinion au XIX siècle. Também podemos ter estudos
mais específicos, ou cobrindo outros períodos históricos, como, por exemplo, Luis Gil,
Censura en el Mundo Antiguo.
2.5 História da publicidade, propaganda e relações públicas.
Um ramo da história da comunicação ainda pouco desenvolvido. Alguns dos principais
problemas convergem com aqueles colocados à história do jornalismo, como a definição de
um momento inicial das atividades publicitárias, de propaganda e de relações públicas no
estrito senso; a construção de uma periodização do objeto; suas relações e determinação com
fenômenos mais amplos, tal como o aparecimento do capitalismo, ou de uma economia de
mercado, a organização social e as transformações culturais. Vemos, então, que se trata mais
de um deslocamento temático, uma focalização sobre um aspecto da circulação da
comunicação, que de um campo à parte. Ambas devem ser reportadas a um todo, ou a
condições mais gerais, que constituem a história da comunicação em seu sentido estrito (a
parte não é o todo). Alguns exemplos são: Castelo Branco & et alii, Historia da Propaganda
no Brasil; Chaumely & Huisman, Les relations publiques; Quesada, Comunicación y
propaganda de creencias, opiniones e ideas en la Europa de los siglos XIV y XV.
2.6 História dos sistemas sociais de Comunicação.
Corresponde à correlação da comunicação com a estrutura das organizações sociais
formadas ao longo da história. Trata-se da historicidade do que não é meio (tecnologia), nem
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teoria ou conteúdo veiculado por um meio, tampouco teoria, mas da própria comunicação,
apreensível apenas através da relação entre os sistemas comunicacionais e a organização
social. Trata-se de apreender os processos, as dinâmicas e estruturas da comunicação na
perspectiva da macro-história, ou do tempo de longa duração. Claro que o termo
comunicação não designa aqui um requisito fundamental do ser humano, mas a comunicação
social, seu desenvolvimento, suas mudanças através dos grandes períodos históricos. Alguns
exemplos, Mcluhan – A Galáxia de Gutenberg; R. Debray, Manifestos Mediológicos. A
estreita relação com a organização social faz com que este tipo de historicidade, ou esta
compreensão da história da comunicação, se encontre bastante ligada à elaboração de tipos
ideais, razão pela qual ela pode ser desenvolvida não somente por historiadores, mas por
sociólogos e antropólogos. Por exemplo, Lohisse, Communication et Sociétés: essai de
typologie évolutive; e do mesmo autor, Les systèmes de communication: approche socio-
anthropologique. Mais abstrata e teórica que as demais, ela tem um importante valor
epistemológico, pois permite apreender a comunicação (e não somente a tecnologia ou as
instituições) como um processo histórico ou cultural, ao invés de um invariável histórico ou
de um atributo da natureza humana. Ainda que este potencial epistemológico não tenha sido
explorado por nenhum dos autores citados, a análise dos sistemas sociais tem uma relação
direta com a fundamentação da Comunicação como saber autônomo (MARTINO, 2001).
Também incluímos nesta mesma categoria estudos ligados a uma civilização ou
sociedade histórica importante, por compreender que se trata de um elemento dentro do
quadro traçado pelos trabalhos acima citados. Por exemplo, Coulet, Communiquer en Grèce
Ancienne; Archad, La Communication à Rome.
A guisa de síntese, segue-se um quadro sinóptico abaixo das categorias analisadas:
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Seria vão esperar dessas categorias acima uma precisão a toda prova. Pelo contrário,
muitas obras podem facilmente pertencer a mais de uma delas. Nosso sistema padece das
insuficiências típicas dos sistemas de classificação, contudo seu objetivo não é chegar a
propor nada de absoluto, mas permitir uma visão geral dos diferentes entendimentos sobre a
história da comunicação e, conseqüentemente, ressaltar a necessidade dos trabalhos
epistemológicos empenhados na compreensão das diferenças, sua avaliação e articulação em
um sistema de conhecimento.
Em relação a sua descrição, ela é essencialmente dominada por:
1. Trabalhos que se amparam em uma visão muito restrita do trabalho do
historiador, entendido como registro ou memória social.
2. Estudos de casos, voltados para uma instituição de comunicação, um meio
específico ou outro aspecto qualquer sem relacionar com o problema maior da história
da comunicação.
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Um verdadeiro avanço, nos anos 70, foi o de compreender que a história da
comunicação não pode ser confundida com história da imprensa ou história do cinema ou
qualquer outro meio (SARDÀ; DIAZ & LAFONTE). Ela coloca em jogo aspectos globais, que
sem descartar as contribuições em relação a seus elementos constituintes, não pode ser
reduzida a análises pontuais desprovidas de articulação com o todo. Esta orientação pode ser
considerada a certidão de nascimento da história da comunicação como sub-disciplina e a
conseqüente demanda de uma reflexão epistemológica apropriada.
Também devemos acrescentar outros dois tipos de obras que poderiam passar
desapercebidos, mas que não podem ser considerados história da comunicação sem colocar
em risco toda e qualquer esperança de dar alguma precisão a esta expressa, tamanha a
amplitude de suas considerações. Refiro-me a:
3. Estudos que a princípio não visavam um alcance histórico, mas tornaram-se
história (ou fonte para o comunicólogo), como a obra de Tobias Peucer (1690), Os
Relatos Jornalísticos, apontada como a primeira tese de doutoramento.
4. Estudos que parecem história da comunicação, mas onde os meios de
comunicação são apenas fontes para o historiador (ou outros estudiosos), recurso para
alcançar seu objeto de estudo. Por exemplo: G. Freyre, O Escravo nos Anúncios de
Jornal do Brasil do século XIX; D.R. Spencer, “The Art of Politics Victorian
Canadian Political Cartoonists Look at Canada-U.S. Relations”. Também não
devemos excluir os trabalhos de estudiosos da comunicação, que estando no limite,
hesitam e colocam o foco mais nas questões históricas que comunicacionais. Por
exemplo, Beatriz Marocco, Prostitutas, Jogadores, Pobres, Delinqüentes e
Vagabundos nos Discursos Jornalísticos (o problema está constituído menos pela
análise da historicidade dos discursos jornalísticos que pelas entidades neles
descritas).
Em suma, a literatura especializada não prima por uma reflexão epistemológica,
entendendo o trabalho de historiador como o de registro ou memória, mas não de reflexão
sobre as arquiteturas comunicacionais em sua relação com a especificidade dos fenômenos
comunicacionais em particular, única maneira de captar o sentido e a significação destes.
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3. Questões epistemológicas e outras classificações
Evidentemente, existem outras maneiras de mapear a produção sobre história da
comunicação. Destaquemos dois trabalhos de epistemologia dessa sub-área. A mais
importante me parece a de Michael Schudson, que em um dos raros trabalhos sobre o
assunto, trabalha os enfoques históricos dos estudos da Comunicação a partir de suas
abordagens metodológicas (na verdade, epistemológicas).
Aparecem, então, três categorias: a) Macro-história, representada pelos trabalhos de
Innis, McLuhan, Ong e Goody; b) A história da comunicação propriamente dita definida
como a relação dos meios com a história cultural, política, econômica, social e representada
pelos trabalhos de Habermas sobre a esfera pública e Eisenstein, sobre a imprensa; c)
História das instituições, categoria muito parecida com a que apresentamos acima.
O autor descreve esta última como “ladrilhos necessários de uma história da
comunicação, mas que não oferecem uma compreensão geral do lugar da comunicação na
experiência humana ou na mudança social” (p. 216). Esta afirmação é particularmente
importante não só porque descarta esta categoria (o que, aliás, estamos plenamente de acordo,
no sentido que não traz aportes epistemológicos), mas porque acertadamente redireciona a
atenção para as duas outras, inclusive ajudando a esclarecer a diferença entre elas, em função
da centralidade ou não dos meios de comunicação em relação à experiência humana ou à
mudança social. É isso que, em definitivo, separa as duas visões dominantes sobre o assunto:
ali onde a macro-história se interessa somente pelo que a comunicação nos diz sobre alguma outra coisa (a natureza humana, “o progresso”, a “modernização”), a história propriamente dita trata do que a comunicação nos diz a respeito de sociedade e o que a sociedade nos conta da comunicação ou ambas as coisas ao mesmo tempo (SCHUDSON, 1993, p.214).
Contudo, a oposição destes dois grandes blocos tem alcance muito maior do que aquele
atribuído por Schudson, que as entende como diferenças metodológicas, além do mais, ela
está longe de constituir uma novidade para historiadores e estudiosos do campo
comunicacional.
Para os primeiros, trata-se de duas maneiras de se compreender a história da
comunicação, duas possibilidades que muito recentemente começam a ser contempladas,
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quando os historiadores, nos anos 80, se dão conta que poderiam historicizar seus
instrumentos de conhecimento (os meios de comunicação) e não simplesmente ver através
deles (EISENSTEIN, 1996; DARNTON & ROCHE, 1996.).
Já para os comunicólogos, ela toca o âmago da questão da possibilidade de uma ciência
da comunicação, na medida em que corresponde justamente à possibilidade de uma leitura do
social a partir dos meios de comunicação, ou seja, tomando-os a partir de uma perspectiva
que os coloca como elementos centrais na interpretação dos processos sociais, culturais, etc.
Então, o que na verdade a classificação Schudson coloca em jogo são dois pontos de
vista que, a meu ver, recobrem e separam a perspectiva do comunicólogo daquela do
historiador (aliás, é significativo que está seja denominado pela expressão “história
propriamente dita”, ou seja, a história do historiador simplesmente).
A discussão sobre os choques, análises e reações sobre estes dois posicionamentos não
pode ser desenvolvido aqui, sendo matéria para outro trabalho. Por hora gostaríamos de
apontar que, embora esteja de acordo com a importância e a forma genérica de introduzir esse
debate, que opõe a visão do comunicólogo a aquela do historiador, é preciso salientar duas
observações. Primeiramente, que o problema não foi percebido como duas possibilidades de
abordagem e desenvolvimento da história da comunicação, tese que defendemos, mas sim
como uma visão de “métodos” da disciplina história abordar o problema dos meios. O que
exclui o saber comunicacional do horizonte da história da comunicação. Posição, aliás,
passivamente aceita pela grande maioria dos trabalhos comunicacionais, que se limitam a se
apropriar da visão do historiador, como se a única questão fosse a reprodução das técnicas
deste.
Em segundo lugar, o problema de uma história da comunicação me parece ainda mais
rico e complexo para se deixar expressar plenamente em uma oposição sumária. Por isso nos
pareceu importante partir de uma visão geral sobre a bibliografia, tomar contato com sua
riqueza e dificuldades, mesmo porque os rótulos de “macro-história” e “história propriamente
dita” e “história da cultura impressa” e “história cultural do impresso” (Chartier) ou
“determinismo tecnológico” e “determinismo social”, como prefiro dizer, além de outras
variantes, não se adéquam exatamente aos trabalhos desenvolvidos. A razão disso é que
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muitos desses estudos são realmente complexos, admitindo mais de uma entrada, o que
dificulta sua interpretação. Por exemplo, Chartier (2005) entende a obra de Eisenstein de
forma paradigmática para compreender as tendências atuais dos estudos sobre a imprensa,
atribui-lhe lugar ao lado daqueles que vêem o meio como determinante, de forma que a
colocaria na primeira categoria (história dos meios) e não naquela que Schudson lhe reserva
(macro-história).
Mesmo a oposição entre “historiador” e de “comunicólogo”, também apresenta suas
limitações. Seja porque muitos comunicólogos continuam fazendo uma história da
comunicação extremamente simplória, e típica dos historiadores menos elaborados, e, de
outra parte, alguns historiadores mais avançados, mesmo que não reconheçam, assumem
pontos de vista comunicacional, de modo que os posicionamentos epistemológicos nem
sempre correspondem aos títulos e à origem institucional de cada autor.
Isto sugere que as posições podem ser muito mais nuançadas que esta oposição
fundamental pode deixar transparecer.
Outro sistema de classificação que merece ser citado, ainda que não haja espaço aqui
para comentá-lo, é aquele proposto na interessante obra de Diaz & Lafonte, que analisam os
estudos de história da comunicação segundo sua filiação a uma tendência de historiografia.
Discernem e fazem o mapeamento do campo segundo os paradigmas clássicos dos aportes do
marxismo, do funcionalismo e da escola dos Anais.
Notemos que estas duas classificações sofrem dos mesmos problemas de fundo: não
reconhecem a possibilidade de uma contribuição do saber comunicacional aos problemas
epistemológicos da história da comunicação.
Isto fica claro na definição que apresentam para o objeto de estudo da história da
comunicação. Para Diaz & Lafonte trata-se da: “comunicação entendida como resultado da
ação dos meios em um espaço e tempo concretos... a partir de um enfoque diacrônico,
próprio do historiador” (p. 19, grifo meu). Definida deste modo, a história da comunicação
aparece como um ramo da história geral (o que também é válido para Schudson), mas não
estando ligada ao trabalho do comunicólogo. Outros autores isolam a história da
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comunicação e acabam recaindo no mesmo problema ao defender a história da comunicação
como disciplina autônoma (ex.: SARDÀ, 1997; RUIZ ACOSTA, 1998).
Outro ponto importante e comum a vários estudos, é uma visão extremamente ampla
dos processos comunicacionais, que acabam sendo confundidos com o social3. O que permite
explicar a falta de foco dos estudos de história da comunicação, que incluem elementos
inusitados em suas análises, como: cidade (Borderia Ortiz et alii; Diaz & Lafonte), estradas,
meios de transporte, música. O corolário disso é a ausência de definições de meio de
comunicação, mesmo daqueles que reconhecem seu papel central para viabilizar o estudo da
história da comunicação. Schudson, por exemplo, entende “partidos político” como meio de
comunicação.
4.Conclusão
A bibliografia em história da comunicação se apresenta de forma bastante heterogênea,
marcada pela variedade de abordagens e uma orientação descritiva, voltada sobretudo para a
memória social. Seu volume se restringe consideravelmente se aceitarmos, como muitos
investigadores têm sugerido, a história da comunicação como algo distinto das histórias
parciais (imprensa, cinema, etc.). Outro fator de desenvolvimento bastante significativo é a
incorporação dos avanços da historiografia. Nosso entendimento, contudo, é de que há um
terceiro fator – decisivo para as pretensões dos comunicólogos –, que consiste na
incorporação dos aportes da epistemologia da comunicação, de modo a fornecer conceitos e
critérios de uma visão crítica da abundante, mas caótica, produção na matéria.
Enfim, não somente a história da comunicação deve integrar os avanços da
historiografia, mas deve também corresponder aos avanços epistemológicos da teoria da
comunicação. Somente a integração desses dois pontos pode nos permitir “enxugar” a
bibliografia e ao mesmo tempo colocar as diretrizes que permitam à história da comunicação
ser uma verdadeira sub-disciplina e não simplesmente um assunto vago.
3 Para Borderia Ortiz et alii, a comunicação é aquilo que torna “possível a relação interpessoal, que configurou a personalidade de um grupo social, inclusive que permitiu a colocação em marcha dos mecanismos operativos que fundamentaram a base econômica do sistema, a organização jurídica, política, cultural, etc., da sociedade (p.15).
Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
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Referências
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