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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP CLAUDIA MARIA LAS CASAS BRITO LAMAS A EDUCAÇÃO POLÍTICA COMO STANDARD MÍNIMO VITAL DO DIREITO À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2012

CLAUDIA MARIA LAS CASAS BRITO LAMAS A EDUCAÇÃO … Maria... · Mestra Rosa e Prof.ª Beatriz ... Márcia Aguiar, Roberta Barros, Beth Seabra, Rosana Silva Portela, Cristina

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

CLAUDIA MARIA LAS CASAS BRITO LAMAS

A EDUCAÇÃO POLÍTICA COMO STANDARD MÍNIMO VITAL DO DIREITO

À EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo

2012

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CLAUDIA MARIA LAS CASAS BRITO LAMAS

PUC-SP

EDUCAÇÃO POLÍTICA COMO STANDARD MÍNIMO VITAL DO DIREITO À

EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação de Mestrado apresentada à

Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para obtenção do

título de MESTRE em Direito, área de

concentração: Direito do Estado, sub-

área Direito Constitucional, sob a

orientação do Professor Doutor Vidal

Serrano Nunes Júnior.

São Paulo

2012

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

Como agradecer em palavras por algo que lhe gerou e vai lhe gerar benefícios

pelo resto da vida, quando as palavras não parecem preencher tudo o que está no

coração? Esse é um dos dilemas do agradecimento. O outro é: e se nos esquecermos de

citar o nome de alguém, mesmo sendo essa pessoa muito importante para a nossa vida e

para a realização desse trabalho? Por isso, desde então, pedimos perdão aqueles que não

citamos; isso não significa, de maneira alguma, que vocês não são parte integrante e

importante de minha vida.

Aristóteles dizia que ser ético é ser feliz, estar bem com os amigos, com a

família e com o Estado. Bom, então nesse caso sou obrigado a afirmar que meus amigos

e família fizeram de mim uma pessoa ética. Por isso, a todos o meu mais profundo

agradecimento.

Em especial e com profunda admiração, agradeço ao meu orientador Prof. Dr.

Vidal Serrano Nunes Júnior, pelos caminhos apontados com tanta precisão, objetividade

e afeto.

Agradeço do fundo do meu coração ao Prof. Dr. Roberto Baptista Dias da Silva,

Prof. Dr. João Manuel da Silva Miguel, Prof. Dr. Abdul Wahab Abdul, Prof. Pedro

Buck, Prof. Dr. Flávio Comin, Prof.ª Dra. Flávia Piovesan, Prof.ª Dra. Maria Garcia,

Prof.ª Dra. Ossanna Chememian Tolmajian, Prof. Dr. Claudio de Cicco, Prof. Dr.

Álvaro de Azevedo Gonzaga, Prof. Dr. Clilton Guimarães dos Santos, Prof. Dr. Luiz

Alberto David Araújo, Prof. Dr. Chizzotti, Prof. Dr. Marco Antônio Marques da Silva,

Prof. Dr. Guilherme Concci, Prof. Derly Barroso, Prof.ª S. Riyadh Weyersbach, Prof.

Dr. Marcelo Figueredo, Prof. Dr. Damásio de Jesus, Prof. Dr. Lênio Streck, Prof. Dr.

Motauri Ciochetti de Souza, Prof. Dr. Oswaldo Peregrina Rodrigues, Mestra Lindinha,

Mestra Rosa e Prof.ª Beatriz Nunes Las Casas, por nossos diálogos sempre tão fecundos

que construíram pontes de saber e porque me ensinaram os pilares básicos da educação

com amor e dedicação profundas: o aprender a conhecer, aprender a criar, aprender a

conviver e aprender a ser.

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Agradeço as minhas queridas e tão amadas amigas Camila Ploennes, Marina

Pedroso e Hellen Ribeiro, que guardam em seus corações os dias felizes do meu futuro.

Agradeço igualmente as minhas amigas: Erika Virginia Cangueiro, Sandra Romão,

Elizete Santos, Márcia Vilela, Talita Vilela, Edna Mattos, Aparecida Zavitoski, Patrícia

Zavitoski, Isabella Zavistoski, Alexandra Cherri, Walquíria Guedes, Lita Vieira, Sueli,

Sônia, Natália Nambara, Márcia Aguiar, Roberta Barros, Beth Seabra, Rosana Silva

Portela, Cristina Christo, Akemi Kamimura, Teresinha Vasarhely Porto, Paula Brito,

Marcos Marinho, Ana Paula Breda, Amauri Paroni, Cid Paroni, Anderson José Dias e

Marcelo Augusto Santana de Melo, Prof. Mário e Pascoal Baptistny, Mozart Morais,

Angelina Campos Pereira, Diana Capella Barca e Marília Capella Barca, pelo carinho,

pela estima, pelo amor, pela paciência, pelo incentivo, pelo ombro amigo nos momentos

difíceis e pela risadas das horas alegres, quanta honra ser amiga de vocês!

Agradeço, em especial, aos amigos e funcionários, biblioteca e secretárias, da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Cogeae, pelo profissionalismo, pelo

afeto e por fazerem desses espaços acadêmicos, onde sou tão feliz, um universo de

aprendizagem.

E agradeço profundamente a bibliotecária Claudia Prado do Instituto Brasileiro

de Geografia IBGE, que muito me ensinou e auxiliou.

Também agradeço ao CNPq/Capes que, por meio de uma bolsa de estudos,

permitiu-me dedicação aos estudos e à pesquisa acadêmica.

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Dedicatória

Ao Julinho e ao Juan, razões de minha vida, por e para vocês, sempre.

Ao meu filho do coração e de leite, Rafael Las Casas pelo amor e pelo

apoio.

Aos meus pais, Beatriz e Luiz Carlos, minha raiz, meu berço, meu

orgulho.

Aos meus outros pais, Julio Ferradás e AméliaVidueiros, que vieram

de além mar para completar minha felicidade.

Ao Schumacker e a Amy pelo amor incondicional e amigo de todos os

momentos.

In memória de minha avó Maria Barbosa Nunes e Aracy Belisário, pela

sabedoria.

In memória de meu avó materno constitucionalista de 1932: João

Barbosa Teixeira.

In memória do meu amado tio Toninho: A Libertadores, é nossa!

In memória do amor do meu vozinho Tango: a estrela ainda brilha.

In memória de Theotônio Negrão: você continua sendo o melhor dos

meus amigos.

À você, Julio Vidueiros, alegria e amor de todos os meus dias, por

nossos vinte e cinco anos, você cumpre sua promessa diariamente: sou

feliz, mas com você ao meu lado não poderia ser diferente.

ps: te amo.

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PENSAMENTOS

“Pergunto coisas ao Buriti; e o que ele

responde: é a coragem minha, Buriti

quer todo azul, e não se aparta de sua

água carece de espelho. Mestre não é

quem sempre ensina, mas quem de

repente aprende”.

João Guimarães Rosa in Grandes

Sertões Veredas.

“O regime democrático só terá

condições de se transformar, em nosso

país, em um ‘valor universal’ quando

estiver associado a um maior bem-estar

dos cidadãos e à perspectiva de um

futuro melhor”

Boris Fausto in História Concisa do

Brasil.

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RESUMO

Trata-se de pesquisa sobre o tema “A Educação Política como standadt mínimo vital do

direito à educação na Constituição de 1988”. Aborda a construção do direito à educação

como direito fundamental e humano, que visa o pleno desenvolvimento da pessoa, o seu

preparo para cidadania e sua qualificação para o trabalho. Esse direito humano e

fundamental que lhe causa empoderamento, tem assim o escopo de desenvolver suas

habilidades cognitivas, motoras, mentais e espirituais, que o transformarão em um ser

potencialmente crítico e pensante, logo um indivíduo capaz de participar racionalmente

de um regime democrático, que por sua vez é o único regime político capaz de, nesses

termos, o habilitar. Apontamos assim, que o direito à educação, como todo o direito

fundamental social prestacional, conforme disposto na Constituição de 1988, somente é

realizável partindo da concepção de que ele contém um standard mínimo vital

incondicional, que consagra que a opção da organização socioeconômica do Estado

pode até sofrer variações, porém toda ela sempre deve ser comprometida com a

proteção da dignidade da pessoa humana. E a essência do direito à educação, conforme

disposto na Constituição de 1988, abrange como limite a ser alcançado pelo processo

educacional que os cidadãos brasileiros devam, principalmente, ser preparados pelas

escolas para a vivência de uma cidadania ativa e dinâmica, o que, entretanto, está sendo

ministrado por uma modalidade de ensino informal, que mesmo que intencional, não

está sendo capaz de transformar o cidadão brasileiro em um cidadão ativo. E isso se

opõe contra os objetivos de um direito de educação como diretos de todos, que por sua

vez pressupõe uma educação cidadã igual, a ser ministrada de acordo com as diferenças

que portam os educandos em solo brasileiro. Nesse sentido, apontamos que uma

educação formal intencional, que se perfaça por um processo dialógico, deva ser

ministrada como uma disciplina, que seja interdependente com as demais, desde a mais

tenra idade, para que o brasileiro enraíze e se habitue com a Democracia Social, tendo

por fundamento dessa matéria o Texto Constitucional de 1988. Constatação que ganha

solidez quando se faz uma interpretação sistêmica da Constituição Federal de 1988,

principalmente, pela inteligência dos artigos 205 do corpo do Texto Constitucional

permanente e pelo artigo 64 dos Atos de Disposição Transitórias.

Palavras chaves: Constitucionalismo- Democracia- Cidadania- Mínimo Vital -

Educação Política.

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ABSTRACT

This research is about the theme “The Political Education as a minimum vital standard

of the right to education in the 1988´s Constitution”. Involve the right to education

construction as a fundamental and human right that brings the complete person

development, his prepare to the citizenship and job qualification. This human and

fundamental right, that gives this social empowerment, has the scope of develop his

cognitive, motor, mental and spiritual abilities, change him in critical thinking being, in

order to rationally participate in a democratic regime that is, on the other side, the

unique regime efficient for this human development. So, we are indicating that the right

to education, as a fundamental, social and state provider right, like is disposed at 1988´s

Constitution statements, can be a fact if contains the unconditional and minimum vital

standard, that establish the commitment to the human dignity protection, even if

changes made in the socioeconomic or organization of the State. And the real essence of

the right to education as disposed at 1988´s Constitution, involve the base line to be

gotten in the educational process give to the Brazilian citizens at the schools, including

an active and dynamic citizenship experience, that however is delivered in an informal

and intended instruction, and doesn’t be able to change the Brazilian citizen in an active

person. It is opposed to the objectives of a right to education as a right of all, that

presupposes an equal and citizen education, to be given in accordance with the

differences between the Brazilian citizens. So, we are pointing a formal and intended

education, made in a dialogical process, gives as an interdependent discipline, since the

first age, to permit the knowledge and the habit of a Social Democracy for the Brazilian

people, using the statements of the 1988´s Constitution. This declaration gains strength

when is taking a systemic interpretation of the 1988´s Constitution, specially the 205th

article and the 64th article at the Acts of Transitional Provision.

Key words: Constitution – Democracy – Citizenship – Vital minimum – Political

Education.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1

I CAPÍTULO - DA LINGUAGEM DO DIREITO COMO JUSTIÇA E

DA LINGUAGEM DO DIREITO COMO LEI. DA FORMAÇÃO DO

ESTADO MODERNO AO ESTADO CONSTITUCIONAL. DO

CONSTITUCIONALISMO MODERNO AO

NEOCONSTITUCIONALISMO

1.1 A Linguagem natural e científica e sua função política ....................................... 7

1.2 A Linguagem do Direito como Justiça e a Linguagem do Direito como Lei ...... 16

1.3 Da Formação do Estado: do Constitucionalismo antigo ao Constitucionalismo

Moderno. Da formação do Estado Liberal e de sua educação .............................

20

1.4 O Estado Liberal: jusnaturalismo, contratualismo, Separação dos Poderes, da

Educação Liberal burguesa e Direitos de Primeira Geração ...............................

30

1.5 Do Estado Social e socializante, Direitos de Segunda Geração e a Educação

como Direito Fundamental na Constituição de Weimar 1919 .............................

51

1.6 Internacionalização dos Direitos Humanos e a formação de um Estado

Constitucional Integralizador e Cooperativista- um caminho possível ...............

63

1.7 Estado Constitucional e Direitos da Terceira Geração ........................................ 72

1.8 Estado Constitucional e Democracia Social, um direito de Quarta Geração ....... 76

1.9 Funções de uma Constituição .............................................................................. 87

1.10 Algumas considerações sobre Hermenêutica e Interpretação Constitucional e

Interpretes Constitucionais ...................................................................................

89

1.11 Fontes Interpretativas ou Agentes Interpretativos- Quem interpreta a

Constituição? ........................................................................................................

95

1.11.a Fontes Interpretativas Oficiais ............................................................................. 96

1.11.b Intérpretes não oficiais da Constituição- Sociedade Aberta de Intérpretes ......... 101

II CAPÍTULO - DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Etimologia, Conceito e Definição de Direitos Fundamentais .............................. 109

2.2 A Finalidade principal dos Direitos Fundamentais: a dignidade da pessoa

humana e a importância das dimensões de seus conteúdos e formalidade ..........

117

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2.3

Das Dimensões ou Funções dos Direitos Fundamentais. Função Subjetiva.

Função Objetiva, Função de não-discriminação e da sua Função Social ............

123

2.4 Características dos Direitos Fundamentais .......................................................... 128

2.5 Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988 ................................. 131

2.6 Algumas considerações sobre a correlação entre Direitos Humanos e Direitos

fundamentais ........................................................................................................

136

2.7 DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS ..................... 141

2.7.1 Pressupostos dos direitos sociais ......................................................................... 141

2.7.2 Elementos estruturais dos Direitos Sociais .......................................................... 142

2.7.3 O Complexo Conceito de Direitos Sociais .......................................................... 144

2.7.4 A Constituição de 1988 e os Direitos Sociais ...................................................... 150

2.7.5 Dimensões (Funções) Subjetiva e Objetiva dos Direitos Sociais e suas

implicações ..........................................................................................................

165

2.7.6 Direitos sociais e o standard mínimo social ........................................................ 173

2.7.7 A eficácia dos direitos sociais na sua dimensão prestacional restrita como

problema específico .............................................................................................

191

2.7.8 O significado da Teoria da “reserva do possível” para o Brasil .......................... 198

III CAPÍTULO - DA EDUCAÇÃO

3.1 Do conceito de educação e do ensino e suas implicações filosóficas, históricas,

sociais, políticas e jurídicas ..................................................................................

211

3.2 Modalidades da Educação .................................................................................... 221

3.3 Da evolução da educação como um direito social no Brasil- das Constituições

de 1934 a 1969. Das Reformas educacionais de Francisco Campo a Educação

em tempos da ditadura da junta militar ................................................................

222

3.4 O processo de abertura política no Brasil, eleições diretas e a necessidade da

construção de um sistema educacional constitucional .........................................

248

3.5 A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 251

3.5.1 O Artigo 205 da Constituição de 1988: educação como direitos de todos e a

necessidade de uma educação igual para gerar iguais oportunidades ..................

252

3.5.2 Educação Direito Público Subjetivo: Dever do Estado e o standard mínimo a

ser assegurado pelo Estado Brasileiro ..................................................................

266

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3.5.3 Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional: Salário Educação e seus

programas e a exigência de um controle social de seus recursos ........................

284

3.5.4 Educação: Dever da Família em colaboração com a sociedade .......................... 288

3.5.5 Os objetivos da educação na Constituição de 1988 ............................................. 294

3.5.6 Princípios básicos do ensino brasileiro: limites constitucionais .......................... 305

CONCLUSÃO ....................................................................................................

313

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................

321

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1

INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 é conhecida por ser a “Constituição Cidadã”. O

arcabouço de seu Texto reflete a pluralidade de pensamentos e opiniões de nosso

imenso país. Contudo, expressa por cada cidadão brasileiro um único desejo: a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária. É a primeira Constituição

brasileira, que determina ao poder público brasileiro, instituído democraticamente, por

meio de uma linguagem natural, sobre os valores supremos, eleitos pelo povo, para a

nação. Tem por objetivos: erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir desigualdades

regionais e por meio da educação, do trabalho, pelo respeito aos direitos humanos,

defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, autodeterminação dos povos, repúdio ao

terrorismo e ao racismo e, cooperação com outros povos garantir o desenvolvimento

nacional, para que finalmente se promova o bem de todos, sem preconceitos de origem,

raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, para que,

principalmente, por meio do desenvolvimento humano de cada cidadão que aqui esteja e

para aqueles que estejam, além de nossas fronteiras, consiga desenvolver todas as suas

potencialidades de pessoa humana e, assim viver uma vida digna, livre do medo e da

necessidade.

O Texto Constitucional de 1988 deu primazia ao ser humano quando consagrou

os direitos fundamentais e humanos aos seus titulares: a pessoa humana. Compreendeu-

se no momento de sua promulgação, 5 de outubro de 1988, que após vinte e um anos de

ditadura militar com desaparecimentos, assassinatos, torturas, prisões arbitrárias,

censura à liberdade de expressão, fome, desemprego, arrocho salariais, altíssimos

níveis de inflação, pagos por brasileiros e estrangeiros, que aqui escolheram por pátria,

que a organização de seu Estado, a organização de seus Poderes, sua ordem econômica

e financeira e o seu sistema tributário estão, conjuntamente, à serviço da pessoas

humanas e não o contrário. Compreendeu-se naquele momento, que há necessidade de

arrecadação de tributos, mas que esses recursos devem ser voltados para que cada

cidadão desse país e sua família possam gozar de: saúde, educação, trabalho, moradia,

alimentação, segurança, transporte, assistência e proteção ao futuro por meio de

assegurar à maternidade e a infância a devida assistência como também assegurar

àqueles que já trabalharam pelo Brasil o devido amparo e o bem-estar em sua velhice.

Ficou certo que esses recursos, oriundos do suor do trabalho de cada cidadão deveriam

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garantir-lhe assistência em caso de desamparo e que todos esses diretos seriam a eles

garantido, inclusive pela excelência da qualidade do serviço público, que deve ser

esmerar por salvo guardar nessa prestação: legalidade, moralidade, impessoalidade,

eficiência e transparência de todos seus atos.

Compreendeu-se em 5 de outubro de 1988, que a todos que estão em solo

brasileiros, incluindo: negros, índios, deficientes, criança, idosos e estrangeiros que

deve ser assegurado um standard mínimo vital de recursos materiais e imateriais, mas,

que esses recursos são alcançados porque são direitos fundamentais e não mais atos de

caridade, para que assim possam usufruir plenamente de todas as dimensões de sua

dignidade de pessoa humana. Nesse sentido, então consideramos consagrar o direito à

educação como “direito de todos” como sendo esse direito àquele capaz de causar

empoderamento aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Com a

promulgação da Constituição de 1988 fomos ainda mais longe. Diante da consciência da

tamanha riqueza de que somos capazes de produzir, nessa terra abençoada, onde tudo o

que se planta nasce, compreendemos a imensa necessidade em que há em explorar o

meio ambiente sem danificá-lo, assim fomos uma das primeiras nações a compreender a

sustentabilidade como um valor supremo que caminha lado a lado com a justiça, com a

liberdade, com a igualdade e com solidariedade. E nisso encontramos mais um motivo

para eleger a educação como o meio próprio para alcançar a sustentabilidade de nosso

meio-ambiente tão ímpar e singular, do qual todas as outras nações dependem, porque

são as nossas matas os pulmões do mundo, são nossas lavouras, o celeiro do mundo que

estão guardados e assegurados pelo trabalhado de uma gente alegre, sorridente, amável

e amiga. Contudo, sofrida porque não podem usufruir de uma vida digna como tanto

desejam.

Isso porque, tudo o que ficou certo e perfeitamente compreendido, entre Estado

Brasileiro e povo brasileiros, em 5 de outubro de 1988, vem sendo cuidado, pelos vários

governos que se sucederam, depois dessa data, por alguns mais por outros menos, mas

sempre e como um simples rompante de esperança, que esvaneceu. Assim, e apesar de

por aqui, ter se instituído uma democracia social, isso não tem sido nem o bastante nem

o suficiente. Porque ao longo de quase um quarto de século, os fatores reais de poder

predominantes, a corrupção e o vício da manipulação, estão fazendo sucumbir a

Constituição de 1988, que aos poucos como se ela fosse portadora de uma doença

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neurológica incurável, atinge incansavelmente os nervos, os músculos, e os ossos da

democracia, sua moradia, para que Ela fique afastada de seu verdadeiro beneficiário, o

povo brasileiro, e seja por muitos considerado apenas uma lembrança histórica, guarda

da estante. E os fundamentos e objetivos da Constituição Social em face disso estão

estagnados e não superam uma complexa “situação democrática”1 e não conseguem

realizar o desejo do povo brasileiro: a construção de um sociedade livre, justa e

solidária, para todos.

Esqueceu-se que com o passar do tempo e em face da burocracia ministrada pela

administração pública, em sua maioria concursada, e seus papéis e dos avanços

tecnológicos, que a Constituição de 1988 tem uma função integrativa. E que, assim, é

Ela, a ponte entre a linguagem natural do povo e a linguagem científica dos

especialistas, que em muitos casos, governam por representação, esse país. De maneira,

que em geral, face aos seus interesses egoístas e mesquinhos e disputas partidárias,

tentam afastá-la o máximo possível de seu verdadeiro dono aportando que sua

interpretação é complicada que são necessários anos de estudos. E na verdade nem

mentem quando dizem isso, mas manipulam em parte a realidade de que: “todos

interpretam a Constituição”. Dado que, seu conhecimento sempre chega a todos, de uma

forma ou outra, pois a decisões que são tomadas sobre ela se refletem no dia a dia de

cada cidadão brasileiro. Logo, está claro que conhecimento e o contato direto com a

Constituição de 1988 devem representar, acima de tudo: liberdade!

A cada lei infraconstitucional que elaborou para se concretizar direitos

fundamentais pela consecução de políticas públicas sociais enfatizou-se a importância

da participação do cidadão. Os políticos e os poderes desse país, a todo instante

conclamam a participação do cidadão, mas, em geral, não em respeito ao Texto

Constitucional de 1988, seus fins visam seus próprios interesses eleitorais, e assim, por

1 Expressão usada pelo historiador Boris Fausto para referir-se ao nosso atual momento histórico, pois segundo ele, o fato de que tenha havido um aparente acordo geral pela democracia, por parte de quase todos os atores políticos facilitou, segundo ele, a continuidade de práticas contrárias a uma verdadeira democracia, visto que o fim do autoritarismo nos levou apenas a uma “situação democrática” do que propriamente, a um regime democrático consolidado. Sendo essa a grande tarefa a ser realizada pelos governos e sociedade civil em geral nos anos que se seguem a 1988. Contudo, podendo fracassar, já que as questões da afirmação e ampliação da democracia e do acesso dos excluídos à plena democracia estão profundamente ligadas. FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011. p. 290-310.

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fim selaram com o povo brasileiro uma constituição real nos seguintes termos: “eu finjo

que respeito seus direitos fundamentais e vocês me dão seu voto”. E isso perpetua a

“situação democrática” e nos distancia, dia a dia, da democracia social da Constituição

jurídica, política e social, que é um construído e não um dado, que apesar de respirar

com sofreguidão, ainda vive.

A solução para isso dizem os estudiosos bem intencionados, desse país: “é a

educação”. Porém, que tipo de educação? Com certeza, uma que muito além de

enfatizar o pleno desenvolvimento da pessoa humana e qualificação para o trabalho,

prepare intencionalmente a pessoa humana para cidadania. Contudo questiona-se se essa

intencionalidade deve ser formal ou informal.

A diferença entre a intenção formal e informal da educação que quer cumprir o

objetivo de preparar para a cidadania, é a diferença que existe entre intenção e gesto.

Por um preparo formal e intencional compreende-se um preparo dinâmico, para que,

principalmente se desenvolva mentes criticas que por meios de saberes

multidisciplinares e interdisciplinares, faça os cidadãos brasileiros capazes de retirar da

estante a Constituição de 1988, e em face de sua leitura ao se depararem com seus

diretos, deveres e garantias compreendam que seu conhecimento lhes restitui o poder da

liberdade. Nesse sentido, uma educação voltada para cidadania começa dentro de casa, e

essa, sim é uma educação informal, ainda que muitas vezes intencional, o que já aponta

que sua continuidade deve ser formal e intencional, ou seja, desenvolvida na escola.

Pois, por mais louvável que seja a educação informal, ministrada em casa, no clube, na

igreja, nos sindicatos, nas agremiações, e mesmo que venha por seminários, colóquios,

palestras, convenções e congressos nacionais e internacionais e ainda que saiba sua

direção, ela não goza de sistematização e metodologia e isso impede que um amplo

conhecimento chegue a todos, e a educação seja ela qual for, é direito de todos. De

maneira que o preparo para cidadania brasileira como objetiva a educação direito de

todos requer que todos os cidadãos conheçam e estudem a Constituição de 1988, que

longe de ser uma doutrina, é seguramente o nosso contrato social, onde lá a pouco mais

de vinte anos consagramos nossa liberdade pela vivência da cidadania. Isso porque, em

seu Texto aprendemos a lidar com os significados dos valores supremos, os quais

elegemos para ser a sustentação da nossa comunidade.

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Daí, ter-se erigido os direitos fundamentais humanos como normas

constitucionais que face às outras normas constitucionais gozam de primazia; daí termos

instituídos suas regras e princípios como um sistema aberto, para que ele se comunique

com seu dono e as situações reais que vivencia.

Por isso, desde início dos nossos estudos queríamos compreender essa complexa

relação entre constituição, constitucionalismo e educação partindo das seguintes

concepções: a linguagem foi desenvolvida pelos seres humanos para permitir sua

vivência em sociedade, o direito foi instituído, em um primeiro como um fator social

capaz de dar a cada um o que é seu, ou seja, construiu-se como uma linguagem que é

capaz de distribuir justiça e com a evolução do processo civilizatório essa linguagem

passou a ser dominada por aqueles que detinham o poder da força, do mercado e da

política por meio de leis que os fizeram selar entre si pactos para que sozinhos

pudessem manter em suas mãos esses poderes, em contrapartida aqueles que ansiavam

por maior liberdade, disseram que o governo de tudo aquilo que está em domínio

público somente poderia vir por uma lei legítima e justa que limitasse esses poderes.

Nasce, então, o constitucionalismo moderno que visa questionar tudo que está no

domínio público sob um ponto de vista: filosófico, político, cultural, sociológico,

psicológico e agora, sabemos, educacional. É sobre isso que cuidamos em nosso I

capítulo: apresentar como essas idéias de formaram influenciando a formação e a função

do Estado, que deve a princípio visar o bem comum. Logo, por esse, apresentamos

como historicamente formou-se a idéia de Constituição como sendo aquele documento

formal que falando a linguagem do povo quer impedir que atos arbitrários do Estado e

de terceiro firam a dignidade da pessoa humana.

No capitulo II, estudamos porque foram e porque são os direitos fundamentais e

humanos aqueles direitos que gozam de primazia sobre todo o ordenamento jurídico e

porque são eles a base de sustentação da comunidade, ao mesmo tempo em que traçam

o perfil do Estado. Nesse capítulo damos ênfase àqueles direitos que para se concretizar

necessitam que por parte do Estado seja planejado e executado políticas públicas

sociais, bem como exigem que a pessoa humana titular desse direito social participe

diretamente desse planejamento e dessa consecução para que seja a ela garantido um

standard mínimo vital, que não podem ser manipulados por compreensão que lhes

impõe reservas ou lhe causem insuficiência ou retrocesso.

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Por derradeiro, no Capitulo III, apontamos a Educação com sendo aquele direito

que permite ao ser humano que desenvolva todas as suas potencialidades, talentos e

dons, para que muito além de pô- los a serviço de si mesmo, pela formação que se

recebe passa a compreender que sua potencialidades, talentos e dons, também devem ser

posto a serviço da comunidade onde vivem, para que assim se assegure a si mesmo e as

demais pessoas, do qual também dependem, e às gerações futuras uma vida digna. E

questionamos por fim se não está mais do que na hora de emergirmos, enquanto nação,

por um processo educacional intencional formal de ensino-aprendizagem construtivo,

ou seja, por uma educação política que tenha por base e fundamento desse processo

dialógico educacional, a ser realizado em sala de aula e desde o ensino básico, a

Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988.

Em suma, essa dissertação cuida ser um diálogo, e como tal nem sempre

objetivo, porque ela cuida falar das necessidades humanas que devem ser protegidas por

direitos e leis justas. Logo, como diálogo cuida muito mais do que apresentar

pensamentos fixos e definitivos, visa principalmente ser fecunda pelo questionamento

em face aos estudos e a pesquisa realizada, que sob os olhos do Outro quer ser objeto de

objeções visto que sem elas nenhum diálogo é fecundo. Pois, conforme aprendemos

com as Objeções de Sócrates, como interlocutores estamos sempre à procura de uma

verdade que julgamos possuir. Isso porque, o estudo que realizamos sobre a

Constituição de 1988 nos reforçou e provou que o Outro não é “somente um ser ideal e

abstracto ao qual me dirijo, ou sob o olhar do qual aceito colocar-me. Ele é aquele que

se dirige a mim, e na reciprocidade me responde: Pensaríamos muito e bem, se não

pensássemos, por assim dizer, em comum com os outros?” 2

2 DICIONÁRIO DE FILOSOFIA PRÁTICA. verbete: Diálogo 1ª ed. Portuguesa. Portugal. Lisboa: Terramar. 1997. p 98. CLÉMENT, Elizabeth, DEMONQUE, Chantal, HANSEN Love Laurence e KAHN, Pierre. Título Original: Pratique de La Philosophie, de A à Z. Ed. Original: Hatier, Paris, 1994.

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I CAPÍTULO

DA LINGUAGEM DO DIREITO COMO JUSTIÇA E DA LINGUAGEM DO

DIREITO COMO LEI. DA FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO AO

ESTADO CONSTITUCIONAL. DO CONSTITUCIONALISMO MODERNO AO

NEOCONSTITUCIONALISMO.

“O homem é um ser essencialmente racional e histórico que, na sua relação com outros, em uma atividade prática comum, intermediado pela linguagem, se constitui e se desenvolve enquanto sujeito.” Bakhtin

1.1 A Linguagem natural e científica e sua função política

De acordo com Hilton Japiassú e Danilo Marcondes3 podemos definir a

linguagem como “um sistema de signos convencionais que pretende representar a

realidade”.

Iniciamos de tal forma para enfatizar que todos os principais temas dessa

dissertação - Direito, Direito Constitucional e Educação - podem ser genericamente

definidos como “sistemas de signos convencionais” isso porque todos eles buscam de

fato pela sua particular linguagem formar um conjunto de coisas e conhecimentos

coordenados e conexos entre si que visam um mesmo fim, ou seja, todos possibilitam a

comunicação de valores entre as pessoas e na medida em que vão formando sua

particular linguagem perpassam valores de geração em geração e o que pretendem é

proteger e preservar a realidade mais presente na humanidade: a condição de ser

humano.

3 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 4a. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 169 e 170.

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Contudo, Japiassú e Marcondes, também aportam que foi a partir da construção

do pensamento moderno que a linguagem passou a ser considerada “elemento

estruturador da relação do homem com o real” e como tal, passou a estar presente nessa

esfera até transformarem-se em importantes conceitos filosóficos, dado que toda ciência

e teoria necessariamente prescindem de “uma formulação linguística” 4

Desta feita Direito, Direito Constitucional e Educação desde o momento em que

começaram a desenvolver-se a partir da modernidade e de conceitos filosóficos

começaram também a desenvolver formulações linguísticas que acabaram por

transformá-los em saberes “metódicos e rigorosos”, ou seja, também passaram a ser

“um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos

sistematicamente organizados e suscetíveis de serem transmitidos por um processo

pedagógico de ensino”5, em outra palavras tornaram-se ciências.

Nesse sentido Miguel Reale6 nos ensina que cada ciência se exprime em uma

linguagem e que muitos pensadores modernos ponderam que “a ciência é a linguagem

mesma, porque na linguagem se expressam os dados e valores comunicáveis (...) e onde

quer que exista uma ciência, existe uma linguagem.”. (g. n.)

Para Clarice Von Oertzen de Araújo, a linguagem é uma criação do homem e foi

instituída para permitir a vida em sociedade e possibilitar a construção de elos entre as

pessoas por meio da comunicação, em suas palavras7: “A linguagem inclui-se entre as

instituições resultantes da vida em sociedade. (...) A linguagem é o veiculo do qual se

utiliza o homem para comunicar-se.”

4 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit.; p. 170 5 Idem, Ibidem, p. 44. 6 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 7. 7 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen. Semiótica do Direito. São Paulo: Quartien Latin, 2005, p. 19.

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Logo, a(s) linguagem (ens) assumiu (ram), principalmente, a partir da formação

do Estado Moderno, século XVIII, uma “clara função política”8, na medida em que elas

começaram a referenciar a relação de comunicação9 que se estabelece entre os cidadão

o governo das cidades onde habitam ou estão, comunicando a todo cidadão as formas e

as condições de poder que nela estão presentes. Isso implica afirmar que seu

desconhecimento, ou ainda um acesso limitado a ela e aos recursos mediáticos do

sistema complexo de comunicação que a envolve pode impedir que, de fato, uma pessoa

venha a conhecer o “código político da sociedade global”. De maneira que essa pessoa

ficará impedida e desmotivada pra superar os “obstáculos que a estrutura social coloca

em seu caminho.” 10

Essa é a delimitação do nosso tema, pois considerando o que expressou

Aristóteles, no sentido de que o homem é um animal político, que se define por sua vida

numa sociedade organizada politicamente, parece lógico que ele tome conhecimento das

linguagens que dizem respeito ao conhecimento prático e a natureza normativa dessa

política que o cercam, em que ele está profundamente inserido; entretanto as coisas não

evoluem exatamente assim, com tal coerência e simplicidade. 11

Conforme afirma Kant do ponto de vista metafísico, as ações humanas, “como

todo outro acontecimento natural, são determinadas por leis naturais universais”.

Porém, sobre elas há uma imensa atuação da “livre vontade humana”, visto que

enquanto indivíduos o que de fato perseguimos são nossos próprios propósitos

particulares12 o que impedem tracemos um plano que seja um fio condutor que nos guie

8 Podemos compreender função como a própria razão de ser de fenômeno ou coisa, ou seja, conforme afirma Canotilho quando nos referimos à uma função estamos nos perguntando: “para que serve, tal coisa?” in CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Portugal, Coimbra: Almedina, 2003.p. 1.438. 9 Comunicação pode ser compreendida como a: “capacidade de trocar ou discutir idéias, de dialogar, conversar com vista ao bom entendimento entre as pessoas” conforme: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: O Dicionário da Língua Portuguesa. 3ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 517. 10 BORDENAVE, Juan. E. Diaz. O que é comunicação?. 1ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2007. p. 83. 11 Ver verbete política 1 que disserta sobre o sentido político da liberdade em JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit. p. 168 e Aristóteles. Política. 5ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2009. Livro I, cap.II. 12 Compreende Kant em sua obra Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita que para que se tente traçar um historia universal da humanidade o historicista deve levar em conta algumas

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para viver em paz, como espécie. De maneira tal que:13 “no homem (única criatura

racional sobre a Terra) aquelas disposições naturais que estão voltadas para o uso de

sua razão devem desenvolver-se completamente apenas na espécie e não no individuo.”

Desta feita, o ser humano foi construindo ao longo do decurso histórico do

processo civilizatório linguagens naturais, aquela falada no dia a dia, e linguagens

científicas. Ambas visam transmitir mensagens de um a outro, porém elas estão repletas

de signos e significados que precisam ser selecionados, percebidos, decodificados,

interpretados, incorporados para que diante delas as pessoas possam reagir e, assim,

manter ativa a dinâmica da vida em sociedade, uma vez que as mensagens são

transmitidas, em geral, por meio de palavras escritas ou faladas, que como veremos

portam algumas características, que precisam passar por etapas desse intricado e

complexo processo de comunicação para alcançar seu fim.14

Sob um ponto de vista mais amplo, compreendemos que as palavras, tentam

traçar um plano, ou seja, os seres humanos tentam fazer delas o fio condutor que

transmite de geração para geração valores humanos que traçam os limites possíveis

entre o ser humano como indivíduo e o ser humano enquanto espécie, ou ainda buscam

traçar os limites do poder de quem governa uma polis e as escolhas que um indivíduo

faz dentro desta e que dizem respeito ao seu modo de agir, independentemente de

qualquer determinação externa. Logo, evidenciaremos do ponto de vista do direito

constitucional algumas linguagens e suas correlações e as interdependências que foram

se construindo para se trabalhar a liberdade possível a todo e qualquer ser humano

preposições que dizem respeito as leis naturais que exercem influência sobre o ser humano, (assim com fez Newton ao formular suas leis para a física), e as enumera num total de nove preposições e por hora fizemos referência a primeira dessas que diz: “ todas as disposições naturais de uma criatura estão destinadas a um dia se desenvolver completamente e conforme um fim” e segunda é aquela com a qual fechamos esse parágrafo. KANT, Immanuel. Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. 3ªed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. 3-5. 13 KANT, Imannuel, op.cit. Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. p. 3 14 Ver em BORDENAVE, Juan. E. Diaz. op.cit. 43-45, que nos explica algumas das fases do processo de comunicação, inclusive nos alertando que teórica e praticamente é impossível dizer onde começa e onde termina o processo de comunicação, bem como é impossível enumerar as fases de uma comunicação como se fossem partes de uma sequência linear e ordenada, pois é a comunicação: “processo multifacético que ocorre ao mesmo tempo em vários níveis- consciente, subconsciente, inconsciente- como parte orgânica do dinâmico processo da própria vida”

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mediante o poder de quem governa, afinal conforme afirma Spencer15: “A liberdade de

cada um termina onde começa a liberdade do outro.”

O que vem ao encontro ao Categórico Imperativo prático definido por Immanuel

Kant como uma sentença moral que limita nossos atos em face de outro e determina a

cada um de nós: - "Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa

como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca

apenas como um meio" – que, portanto, propõe que liberdade “é a ação em

conformidade com a lei moral que nos outorgamos a nós mesmos”, ou seja, nós essa

proposição afirmar que somos responsáveis pelos nossos próprios atos.16

Aportamos assim, que o indivíduo precisa a aprender a lidar com a comunicação

com os signos convencionais de várias linguagens, em especial, com aquelas que têm

uma clara função política, pois esse será um indivíduo que além de gozar de maior

liberdade porque terá mais opções de escolhas, poderá formar maiores juízos

valorativos, além de que esse conhecimento o tornará mais responsável para consigo e

para os outros.

Sem mencionar que a comunicação serve para que cada pessoa não seja um

“mundo fechado em si mesmo” 17:

Pela comunicação as pessoas partilham experiências, idéias e sentimentos. Ao se relacionarem como seres interdependentes, influenciam-se mutuamente e, juntas, modificam a realidade onde estão inseridas.

Portanto, a linguagem e o seu correlato processo de comunicação está

diretamente relacionada com o grau de liberdade que vivenciamos, impondo-nos que

15 FERRARI, Márcio. Herbert Spencer: O ideólogo da luta pela vida, in Revista Escola, Ed. 0186, Especial Grandes Pensadores -Matéria 94622. São Paulo: Abril, outubro de 2008. 16 Ver o verbete política 2.e 3 que disserta sobre o sentido ético e filosófico da liberdade em JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit. p. 169 e KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2003. p. 59. 17 BORDENAVE, Juan. E. Diaz. op.cit. p 36.

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trabalhemos, consequentemente, com os limites da liberdade que podemos exercer,

principalmente, perante Outrem.

A liberdade, nesse sentido, é um valor humano apenas percebido e

compreendido pelo homem quando está no meio social; daí ser18: o “meio social uma

grande influência para o desenvolvimento da linguagem. [...] Na vida em sociedade,

sem linguagem, o ser humano não é social, nem histórico, nem cultural.”; portanto,

podemos compreender que a linguagem, enquanto característica humana que trabalha

valores humanos comunicáveis é o elemento unificador da cultura e da sociedade, é

“berço da comunicação.”

Nesse contexto e na medida em que o processo civilizatório da humanidade foi

se conduzindo, também foi sendo inserido, gradativamente, nesse contexto o

reconhecimento da liberdade de Um em face de Outrem. A linguagem, articuladas por

palavras, comum ou científica, também, começou a debruçar-se sobre mais dois outros

valores humanos que com a liberdade se complementam: a igualdade e, a solidariedade.

E essa tríade de valores liberdade, igualdade e solidariedade foram assumindo e

acumulando de tempos em tempos significados diferentes em detrimento de diferentes

fatores sociais, políticos, jurídicos, culturais e econômicos ocorridos no processo

histórico da humanidade, principalmente porque são eles, valores que se desenvolvem,

frente a três principais atividades humanas propagadas em uma sociedade civilmente

organizada: política, mercado e comunidade.

Mas, conforme nos ensina Genaro Carrió, a linguagem por palavras, face à sua

flexibilidade, pode assumir algumas funções19:

a) Função descritiva: quando nos servimos dessa função da linguagem usamos as

palavras, escrita ou falada, para descrever sobre fenômenos e sobre os estados de

coisas. E quando assumem essa função o que devemos perguntar sobre elas é se

18 Texto: A linguagem como característica humana e como elemento unificador da cultura e da sociedade. Disponível na internet: http:/wwwverdadespedagogicas.blogspot.com.br/2010/11/linguagem-como-carateristica-humana-e.html. A acesso em julho de 2012. 19 CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y Lenguaje. 4ªed. Buenos Aires: Abeledo- Perrot, 1990, p. 19-21 –

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são verdadeiras ou falsas. A Linguagem paradigma dessa função é a Linguagem

Científica;

b) Função expressiva: nessa função, usamos as palavras para expressar

sentimentos e emoções: “não para descrevê-los, mas para exteriorizá-las”. A

Linguagem paradigma dessa função é Linguagem poética: “Não tem sentido

perguntamos se as expressões que aparecem em uma poesia são verdadeiras ou

falsas, nem pretender julgar o mérito sobre ela utilizando-se dos cânones

adequados para julgar uma obra cientifica.”

c) Função diretiva: ao usarmos essa função da linguagem nos servimos de certas

palavras para induzir outra pessoa a fazer algo ou a dirigimos para comporta-se

de uma determinada forma. Do mesmo modo que ocorre na função expressiva,

não há porque perguntar se falsa ou verdadeira: “Parra destacar seus méritos ou

defeitos não apelamos a esses qualitativos” Temos apenas que nos perguntar se é

justa ou injusta, oportuna ou inoportuna, progressiva ou retrograda; A linguagem

paradigma dessa função, em geral, é encontrada nas leis.

d) Função operativa ou performativa: Nessa função, estamos usando uma

linguagem com características bem específicas ou especiais, assim ainda que a

usemos das palavras para expressar nossos desejos ou estado de ânimo, a sua

função central não é essa, ou seja, quando a usamos estamos desejando atingir

um objetivo, fazer algo específico, que na verdade pressupõe a existência de um

sistema de regras vigentes. Essa função tem suma importância para o Direito.

Todas elas, diz Genaro Carrió, são apenas algumas das funções que nos serve

para questionar20: “como devo tomar uma expressão linguística?” ou, ainda: “Qual é a

sua força?”. Pois, de certo podemos observar pelas funções acima descritas que existe

uma variedade enorme de atos ligados à linguagem; Nessa medida, concordamos com o

referido autor no sentido de que ainda que saibamos seja a linguagem21: “a mais rica e

20 Idem, Ibidem, p.21. 21 Idem, Ibidem, p.17.

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completa ferramenta de comunicação entre os homens. Nem sempre, contudo, essa

ferramenta funciona bem.”

Daí que o ser humano, conforme foi sofisticando seus saberes desenvolveu ao

que denominou de Hermenêutica, que hoje pode ser compreendida como a ciência que

estuda e sistematiza os meios e processos de interpretação que determinam o sentido e o

alcance das palavras orais e escritas que transportam o conhecimento e o saber do

homem, de uma ciência a outra, de uma cultura a outra e, que, principalmente é

utilizada para argumentar, racionalizar e explicar sobre causas e efeitos de fenômenos

observáveis social-físicos e culturais.

A Hermenêutica, enquanto ciência, também compreendeu que uma das

principais funções da linguagem natural e científica é nomear (dar nome) por palavras a:

objetos, pessoas, fenômenos naturais ou instituídos. Porque assim, ela pode predicar

com nomes aqueles fenômenos criados ou observados pela mente humana justamente

para permitir a clarificação da comunicação e aumentar o nível de segurança e a

melhoria contínua da interação entre as pessoas proporcionando progresso entre a

liberdade que deseja e a liberdade que se deve.

E, ainda, conforme nos ensina Maria Garcia22: Gilberto de Mello ao aportar que

a linguagem é a mediação das coisas entre si e delas conosco, e a língua o idioma pela

qual se transmite, vai desenvolver algumas características dentro desse contexto: 1) ela

é modificante, ou seja, ela se transforma e transforma; 2) ela é compreensiva, porque

capta, ou seja, apanhar para si um modo de ser; 3) e é temporalizante porque ao ser

registrada transporta o que aquele tempo quis dizer.

Assim, se dermos ênfase a uma dessas características a: “temporalizante”, por

exemplo, podemos compreender que a linguagem que foi desenvolvida por qualquer

ciência, também, se encontra envolta pelo processo histórico da humanidade que deve

ser levado em consideração, visto que o conhecimento da história, que não tem um

curso regular, em última análise desenvolve a nossa percepção na medida em que somos

22 Ensinamento Ministrado pela Prof. Doutora e Livre Docente em Direito Constitucional Maria Garcia durante o curso de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica em Direito Constitucional, no crédito Hermenêutica e Interpretação Constitucional com requisito parcial para aprovação do referido curso. 2º semestre de 2009.

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levados a decodificar a mensagem deixada pelos nossos antepassados para conseguir

interpretar o sistema de signos convencionais que pretendemos represente a realidade na

qual vivemos para que, desse modo, possamos viver em maior liberdade. Dessa forma,

pelo conhecimento do processo histórico da humanidade nos tornamos aptos a

interpretar e a compreender melhor já que quando nos tornamos capazes de

correlacionar passado e presente, passamos a compreender a razão do porquê das coisas

o que em si nos torna aptos à contextualizar e finalmente escolher e decidir se a

compreensão que desenvolvemos sobre esse ou aquele valor precisa de fato ser

modificada, o que pode proporcionar maior liberdade e autonomia às pessoas, pois a

linguagem por se efetivar no meio social quer balizar o limite dessa liberdade.

Logo, do ponto de vista temporalizante e histórico, podemos compreender que

algumas palavras se perderam nesse processo e são concebidas por nós como palavras

mortas isso já que a língua que as criou eram escrita ou faladas por civilizações antigas.

Ainda que tais civilizações ou traços delas estejam presentes na atualidade as ações

humanas que sobre elas exerceram influência perderam todo seu sentido e deixaram de

representar a realidade. Salvo e dentro de alguns contextos da modernidade que

presentificam algumas áreas do conhecimento humano como, por exemplo, os que

estudam a civilizações antigas e a origem das palavras (etimologia) ou ainda para

ciências que aplicam no cotidiano o conhecimento que buscam sistematizar e

contextualizar.

Há, entretanto, palavras cujo sentido e significado caminham junto à

humanidade desde o início de seu processo civilizatório e o acompanham

permanentemente. Tais palavras, precisamente porque representam significados

importantes para humanidade e porque transportam em si valores civilizatórios - como a

liberdade, a igualdade e solidariedade - e porque permitem a formação de juízos

valorativos e edificam a base de sustentação de uma sociedade que busca efetivar um

equilíbrio entre liberdade e organização, e que, portanto, são palavras responsáveis pela

manutenção da dinâmica dos processos de comunicação são pelo e como conhecimento

humano, constantemente, vivificadas.

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Este é o caso da palavra directus, que vem do latim23 uma língua dada por morta

e que era falada na antiga região central da Itália, o Lácio, antiga Roma, mas que

traduzida para português ou outros idiomas, mantém até hoje o mesmo significo: “reto,

ou fazer aquilo que é correto.”

1.2 A Linguagem do Direito como Justiça e a Linguagem do Direito como Lei

Sob esse ângulo etimológico convém sublinhar que a palavra direito, que deu

origem a área do conhecimento humano que chamamos de Direito ou Ciências

Jurídicas, ainda, hoje, imprime a essa área de ensino uma conotação filosófica que

atravessou tempo e espaço porque vai definir o direito como objeto de realização de

justiça, ou seja, um tipo de linguagem que criada pela humanidade permite que as

pessoas, na prática dos acontecimentos do seu dia a dia, por toda parte, por meio de

gestos e atitudes, oral e escrita realizem a virtude de dar a cada um aquilo que lhe

pertence o que, em tese, possibilita a convivência pacífica entre as pessoas que vivem

em sociedade. Nesse sentido, o Direito, também, é importante fator de comunicação

responsável entre os humanos, justamente porque transmite pelas normas-

(compreensão de seu texto enunciativo) - valores que protegem e garantem, conforme

afirmamos a condição de ser humano.

Desse maneira, postula Genaro Carrió, que sem muita elaboração podemos

demonstrar que as normas jurídicas, enquanto autorizam, proíbem ou fazem obrigatórias

certas ações humanas e “como fornecem à súditos e à autoridades orientações de

comportamentos acabam por ser compostas por palavras próprias da linguagem do

cotidiano ou ainda serão definidas em termos delas.”24

Por isso é que Clarice Von Oertzen de Araújo tanto inspirada pelos

ensinamentos de Willis Santiago Guerra como de Jean Baudrillard afirma ser “o direito

apenas uma das formas sociais institucionais que se manifesta através da linguagem, a

qual possibilita e proporciona a sua existência.” 25

23 NOVA ENCICLOPÉDIA BARSA. v. 8. São Paulo: Encyclopédia Britânnica do Brasil, 1999. p. 464. 24 CARRIÓ, Genaro. op.cit. p. 49. 25 ARAÚJO, Clarice Von Oertzen, op. cit. p. 19.

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Mas, quando a humanidade começou a desenvolver a escrita, que é uma forma

de linguagem que se desenvolve por signos, e que pode ser expressa foneticamente, o

direito, segundo Miguel Reale, já havia passado a corresponder: “à exigência essencial e

indeclinável de uma convivência ordenada, pois nenhuma sociedade poderia subsistir

sem um mínimo de ordem, direção e solidariedade”26. Dessa forma, passou, também, a

ser escrito por um texto que convencionamos chamar de lei que é outra palavra que

também encontra suas origens no Latim e significa “elo, ligação, liame”.

Logo, uma lei escrita deveria, a princípio, sempre buscar o sentido daquilo que é

capaz de transmitir, o que é reto e justo a fazer, mas, devido às paixões humanas que

atuam sobre as ações humanas e como tais, conforme argumentou Kant, são

determinadas por leis universais naturais, dão também à linguagem um sentido

emotivo27. Com o passar do tempo, “nos olhos do homem comum o Direito

transformou-se tão somente em ‘lei e ordem’, isto é, um conjunto de regras obrigatórias

que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um

de seus membros.”28

Assim, uma lei no meio social deveria representar a comunicação de justiça de

um a outro dado que proporciona a cada um a liberdade que é sua. Porém, esse sentido

passou ao longo da história política, social, cultural e jurídica da humanidade a ser

considerado fator secundário, pois o que essencialmente ficou ligado à ideia de Direito

por lei é a possibilidade de se restringir a liberdade das pessoas através de uma

linguagem que expressa seus ditames, principalmente pelo poder29 político, que

26 REALE, Miguel. op. cit. p. 2. 27 CARRIÓ, Genaro. op. cit. p. 22 28 REALE, Miguel. op. cit.; p. 2. 29 Max Weber defini poder: “como a probabilidade de impor a vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade” WEBER, Max Economia e Sociedade. .Brasília : UnB, 1991, p. 33.

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segundo Noberto Bobbio é a forma mais complexa e completa de poder por ter ele a

capacidade e habilidade de recorrer à força física e à violência para ser executado.30

Desse modo, o Direito se diferencia das demais áreas de conhecimento humano

porque sua linguagem textual, principal, é um enunciado normativo, ou seja, representa

uma norma que, ainda de acordo com Noberto Bobbio, é uma comunicação que

determina uma conduta de dar, fazer ou não fazer. Portanto, um texto que expressa em

essência um limite sobre a liberdade das pessoas.31

Por isso, enquanto vocábulo, o direito fez uma passagem da percepção prática à

teórica, ou seja, de fato social passou, cumulativamente, também a ter um significado

percebido no plano da consciência32 e durante seu processo histórico de

desenvolvimento adquiriu dois principais sentidos: um que chamamos de objetivo e

outro de subjetivo.

Em seu sentido objetivo, direito passou a significar um conjunto preordenado de

princípios e regras, que são escritos em leis, que dotados de sanção formam um sistema

jurídico - que a princípio deveria significar um sistema, ou conjunto de leis coordenadas

e entre si voltadas à busca de igual distribuição de justiça entre todos - que vai

disciplinar dentro de uma sociedade civilmente organizada as condutas e as relações

humanas que inspiram e advêm das principais atividades desenvolvidas pela

humanidade na modernidade: política, mercado e comunidade. Preordenado de maneira

tal, que as pessoas não podem ser constrangidas a fazer ou deixar de fazer qualquer

coisa que já não esteja estabelecida em lei, visto que lá estão predeterminados seus

deveres33.

Na sua acepção subjetiva, direito passou a representar a prerrogativa ou a

faculdade que cada um tem de acionar o poder político a cada vez que seu âmbito de

30 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, p. 221. 31 Idem, Ibidem, p. 500. 32 REALE, Miguel Filosofia do Direito. 33 Logo, direito como sistema também passou a ter por seu fundamento o princípio da segurança jurídica.

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liberdade é ameaçado ou violado por outro. Isso porque os direitos subjetivos como

veremos e, conforme assevera Cezar Fiúza, não passam de mero reflexo do direito

instituído objetivamente, portanto meio de proteção de interesses individuais.34

Ressalvamos, entretanto, que ainda que houvesse leis, no início do processo

civilizatório da humanidade, elas nem sempre estariam ligadas à conotação filosófica de

directus, ou seja, de justiça; elas estavam preliminarmente ligadas à ideia de força bruta.

Assim, aqueles que possuíam o poder de definir o que era reto a se fazer, eram os que

também possuíam algum tipo de força física, espiritual ou econômica e podiam exercer

seu poder pela violência física, o que possibilitava a dominação pela autoridade35. Por

meio de sua linguagem, ao invés de promover justiça, distribuíam injustiças e opressões

através da imposição de uma série de restrições às liberdades dos oprimidos. Tais

pessoas, que ficavam, por sua vez, submetidas à vontade dos mais fortes, sequer podiam

oferecer resistência a tal tratamento, visto que eram reduzidas pelo tratamento que

recebiam a coisas, objetos de ordem pessoal dos poderosos que podiam usufruir deles

como bem lhes aprouvesse, com direito, inclusive, de determinar se podiam viver ou

morrer.

Jean-Cassien Billier e Aglaé Maryoli36 ressalvam em sua obra História da

Filosofia do Direito que os pensamentos desenvolvidos por Emannuel Kant em A ideia

de Uma História Universal também valem como uma reflexão crítica moral, pois afirma

ele que o problema “mais difícil” e “aquele que será resolvido por último pela espécie

humana” é o problema de se assegurar o máximo de liberdade com um mínimo de

restrições. Reflexão essa, dizem os referidos autores, que nos leva a compreender que

tender à maximização constante da liberdade tornou-se tanto seu maior imperativo

como também sua maior restrição moral interna.

34 FIÚZA, Cezar. Direito Civil – curso completo. 8ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, p. 15. 35 Segundo nos ensina Lênio Streck e José Luiz Bolsan, para Burdeau autoridade é uma qualificação para dar ordem. – STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. Ciência Política e Teoria do Estado. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2010, p. 43. 36 BILLIER, Jean-Cassien e MARYOLI, Aglaé. História da Filosofia do Direito. Barueri, SP: Manole, 2005. p. 154.

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Nas palavras de Kant37:

Terceira proposição: A Natureza quis que o homem tirasse inteiramente de si tudo o que ultrapassa a ordenação mecânica de sua existência animal e que não participasse de nenhuma felicidade ou perfeição senão daquela que ele proporciona a si mesmo, livre do instinto, por meio da própria razão. [...] Quarta proposição: O meio que a natureza se serve para realizar o desenvolvimento de todas as suas disposições é o antagonismo delas na sociedade, na medida em que ele se torna ao fim a causa de uma ordem regulada por leis desta sociedade* [...] Quinta proposição: O maior problema para a espécie humana, a cuja solução a natureza obriga, é alcançar um sociedade civil que administre universalmente o direito (g. n). Sexta proposição: Este é, ao mesmo tempo, o mais difícil e o que será resolvido por último pela espécie humana. A dificuldade que a simples idéia dessa tarefa coloca diante dos olhos é que o homem é um animal que, quando vive entre outros de sua espécie, tem necessidade de um senhor.

Partindo assim das proposições de Kant, a ideia de se trabalhar as relações de

poder e limites às restrições de liberdade somente começou a ser questionada, com

maior ênfase, ao final da Idade Média, século XIII, quando entra em decadência o

Feudalismo que foi um sistema social, político, jurídico e econômico que ascendeu ao

poder, pessoas que praticavam a estratificação social como uma prática jurídica, política

e econômica. A estratificação tem por fundamento discriminar e excluir as pessoas do

convívio em sociedade de acordo com a origem de seu nascimento. Portanto, era

considerado correto e justo, e até divino, no Sistema Feudal, conceder privilégios e

prerrogativas somente àqueles que eram compreendidos pelos poderosos políticos como

bem nascidos e aos não desse modo compreendidos, restava ser tratados como coisas e

objetos de propriedade dos seus senhores feudais, que podiam usar e usufruir de suas

vidas conforme lhes aprouvessem. Por quase seis séculos, milhares de pessoas sofreram

as mais opressivas, penosas, cruéis e árduas restrições à sua liberdade.

1.3 Da Formação do Estado: do Constitucionalismo antigo ao Constitucionalismo

Moderno. Da formação do Estado Liberal e de sua educação

Entretanto, quando entra em decadência o Sistema Feudal devido a vários

acontecimentos sociais, políticos e econômicos, as pessoas oprimidas começam a se

37 KANT, Immanuel. Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita. op.cit. p. 6-11.

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opor a essa situação e passam a oferecer resistência às autoridades e, assim, entram na

luta pela disputa do poder, o que levou a humanidade a desenvolver uma nova forma de

organização social: o Estado.

Segundo nos ensina Lênio Streck e José Luis Bolsan, o Estado transformou o

poder que existia em uma instituição, ou seja, em uma: “empresa a serviço de uma

ideia” o que por sua vez acaba por dissociar o exercício da autoridade da pessoa do

indivíduo. O Estado centralizado torna-se uma nova forma de ideia de poder, tendo em

vista que, nas palavras dos referidos autores38:

O Poder despersonalizado precisa de um titular: O Estado. Assim, o Estado procede da institucionalização do Poder, sendo que suas condições de existência são o território, a nação, mais potência e autoridade. Esses elementos dão origem à idéia de Estado. Ou seja, o Estado Moderno deixa de ser patrimonial. Ao contrário da forma estatal medieval, em que monarcas, marqueses, condes e barões eram donos do território e de tudo o que neles se encontrava (homens e bens), no Estado Moderno passa a ver a identificação absoluta entre Estado e monarca em termos de soberania estatal. L’ État c’ est moi.

A primeira forma de Estado como poder despersonalizado, conforme os

referenciados autores, era representado pelo Estado Estamental que, de acordo com os

autores, Linares Quintana aponta como uma espécie de transição entre Estado Medieval

Feudal e Estado Absolutista que é pela doutrina considerada a primeira forma strictu

sensu de Estado Moderno formado pela concentração das seguintes classes: nobres,

clero e burguesia que tinham arranjado entre si “pactos elaborados e subscritos” por

vários membros dessas mesmas classes sociais, pelos quais juravam lealdade uns aos

outros e obediência aos seus príncipes e reis e, segundo os autores, tais pactos39:

Era, assim, um conglomerado de direitos adquiridos e privilégios, e não uma Constituição, o que dava forma jurídica a estes protestado medieval, que, ao concluir seu processo de desenvolvimento histórico, constituirá o Estado Nacional típico do mundo mediterrâneo europeu ocidental. (...) Com o Estado, nessa nova feição, procura-se ligar o Poder a uma função e para que se formasse o conceito de Estado era necessário que a potência que é a possibilidade de ser obedecido, se reforçasse com a autoridade, que é uma qualificação para dar a ordem.

38 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit.; p. 42. 39 Idem, Ibidem, p. 42 e 43.

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A velha ordem feudal, dizem os autores mencionados, foi superada por uma

nova ordem, principalmente, porque houve uma passagem das relações de poder e a

autoridade, a administração da justiça, a cobrança de impostos, as comunicações e até o

exército que estava em mãos privadas foram para as mãos do Estado que passou a tudo

exercer na esfera pública. Os autores apud André-Noel Roth comentam40:

[...] a distinção entre esfera privada e pública, a dissociação entre poderio político e econômico e a separação entre as funções administrativas, políticas e a sociedade civil, são as principais especificidades que marcam a passagem da forma estatal medieval para o Estado Moderno.

Nessa mesma época começa a ganhar força jurídica o sentido subjetivo de

direito. Isso porque tal prerrogativa individual de busca de justiça, nesse período de

acentuação da formação do processo civilizatório, que centraliza o poder nas mãos de

um monarca, somente era exercitável através do próprio monarca que queria

monopolizar todas as atividades estatais, pois afinal, a concepção que se tinha era que

ele representava por conta de Deus o Estado e, como ele também era onipotente, tinha

soberania plena, ou seja, nenhuma força externa tinha o poder de limitá-lo.

Convém, ressalvar que não podemos compreender que o sistema41 formado

pelas concepções de direito se pode ver isolado dos demais sistemas de regras que

paralelo a ele foram se formando, e que como ele, também, atuam como sistemas

regulatórios da vida em sociedade, ou seja, como o próprio direito existem outros

sistemas que visam, também, melhorar a convivência humana pacífica, como por

exemplo: a moral, a ética, a política e a religião. Mas, que entremeios, do direito vão se

distinguir porque não preveem sanções na medida em que essas somente podem ser

aplicadas pelo Estado na esfera pública.

Isso, contudo não significa dizer que os demais sistemas tidos, também, como

regulatórios não sejam providos de sanção, pois, na verdade elas vão atuar sobre o

prestígio que a pessoa goza junto ao seu meio social, pois a exclusão social, por

40 Idem, Ibidem, p. 43. 41 Segundo Ludwig Von Bertalanty sistema é um conjunto de coisas coordenadas e conexas entre si voltadas à busca de uma finalidade. BERTALANFFY, Ludwig Von. Teoria Geral dos Sistemas. Fundamentos, desenvolvimento e aplicações. Petrópolis: Vozes, 2008. p.84.

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exemplo por desaprovação moral pode levar a pessoa a se sentir coagida e constrangida,

fazendo com que ela se sinta forçada, por pressão psicológica a modificar seu

comportamento.

Dessa forma, o Direito busca nesses outros sistemas inspiração para instituir

valores, princípios e regras que preconizam, o que se faz necessário visto que um

sistema jurídico não é o bastante nem suficiente para isolado regular e prever todos os

tipos de condutas e comportamentos humanos que poderiam ocorrer de época a época

para a convivência pacífica da humanidade.

Devemos considerar que sendo o Direito uma ciência, o seu intuito é buscar a

verdade dos fatos por uma racionalidade objetiva, porém os acontecimentos na prática,

como afirmam Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, ao explicarem a correlação entre

ciência e valores, se complicam o que tornam as ideias científicas e aqueles que as

desenvolvem dependentes de conhecimentos outros que vêm de outras áreas do

conhecimento que formaram outros sistemas como aqueles que citamos. 42

Dessa forma, com o passar dos séculos e o concomitante progresso da linguagem

oral e escrita dentro de uma sociedade civil que se pretende organizada, a linguagem do

Direito passou, então, a se manifestar por meio de leis, jurisprudências e costumes e seu

conjunto formou a base de sustentação do que posteriormente no século XIX foi

nomeado de Estado de Direito, concepção de Estado segundo o qual o poder político

não é onipotente, mas deve estar submetido aos ditames da lei justa para possuir

legitimidade. 43

E foi durante o Estado Estamental, como transição para o Estado Absolutista,

primeira versão de Estado Moderno, que surgi ao que J.J. G. Canotilho definiu como

constitucionalismo antigo44:

42 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.citi; p. 45 43 Idem, Ibidem, p.94. 44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op.cit. p. 52.

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Conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores de seu poder. Estes princípios ter-se-iam sedimentados num longo tempo- desde os fins da Idade Média até ao século XVIII.

Mas, o Constitucionalismo como todo movimento criado pelo homem, também

sofreu influência do processo histórico e da lingüística bem como de outras áreas de

conhecimento humano e modernamente transformou-se ao que, também, J. Gomes

Canotilho denomina de Constitucionalismo Moderno que em sendo45:

[...] uma teoria (ideologia) ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade” e que, portanto, retrata, especificamente, uma “técnica específica de limitação do poder com fins garantístico.

Sob uma acepção histórico-descritiva, o Constitucionalismo Moderno pode ser

designado como sendo46:

[...] o movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político [...] esse constitucionalismo como o próprio nome indica, pretende opor-se ao chamado constitucionalismo antigo. (g.n.)

Assim, é à origem do constitucionalismo moderno que devemos o aparecimento

de uma lei que convencionamos chamar de Constituição Moderna que instituída pelos

homens do século XVIII, por meio de revoluções, começa historicamente a construir e

validar as ideias e os pensamentos de estudiosos e filósofos da época pré-iluminista e

Iluminista, que em síntese, propunham uma forma diferenciada de se ver a correlação

entre Estado, Poder Político e Direito, justamente para que as pessoas pudessem

usufruir de liberdade com a menor restrição possível e que, além disso, pudessem

também referenciar cada Estado como um senhor de si mesmo, para diminuir e impedir

que as nações recém-formadas se destruíssem pelas constantes guerras que travavam

entre si.

45 Idem, Ibidem, p. 52. 46 Idem, Ibidem, p. 51- 52.

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Daí Kant formular a sexta, a sétima, a oitava e nona e última proposição nos

seguintes termos47:

Sétima proposição: O problema do estabelecimento de uma constituição civil perfeita depende do problema da relação externa legal entre Estados, e não pode ser resolvido sem que esse último o seja. Para que serve trabalhar uma constituição o civil conforme leis entre indivíduos, ou seja, na ordenação de uma república? A mesma insociabilidade que obrigou os homens a essa tarefa é novamente a causa de que cada república, em suas relações externas- ou seja, como um Estado em relação a outros Estados. [...] Oitava proposição: Pode-se considerar a história da espécie humana, em seu conjunto, como a realização de um plano oculto da natureza para estabelecer uma constituição política (Staatsverfassung) perfeita interiormente e, quanto a este fim, também exteriormente perfeita, como o único estado no qual a natureza pode desenvolver-se plenamente na humanidade, todas as suas disposições [...]. Nona proposição: Uma tentativa filosófica de elaborar a história universal do mundo segundo um plano da natureza que vise à perfeita união civil na espécie humana deve ser considerada possível e mesmo favorável a este propósito da natureza [...]

Nesse sentido, Kant, tanto pelas proposições que elaborou, como pelo conjunto

de suas obras, advogou em sua obra Sobre a Pedagogia ser o homem a “única criatura

que precisa ser educada.”48 Segundo ele, como o homem não é guiado pelo instinto,

deve através da educação obter o que a natureza lhe nega. Logo, a educação que, para

ele, se entende como o cuidado que se tem na infância, que ocorre por meio de se

ministrar disciplina e instrução para a formação do caráter humano, devendo habituar o

homem a suportar os constrangimentos das leis, ajudando-o a ultrapassar o seu natural

estágio de selvageria, ao mesmo tempo em que pela ação positiva de instruir e formar

enriquece o espírito humano pela transmissão de saberes que se concretizam pelo

estudo.49

Nas palavras de Kant50:

A disciplina transforma a animalidade em humanidade. [...] A espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco, com sua

47 KANT, Immanuel, Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita op.cit. 12-22. 48 KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. 2ª ed. Piracicaba: Unimep. 1999, p.11. 49DICIONÁRIO DE FILOSOFIA PRÁTICA. verbete: Educação. op.cit. p. 110. 50 KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. op. cit. p.12-23.

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próprias forças, todas as qualidades naturais, que pertencem a humanidade. [...] A selvageria consiste na independência de qualquer lei. A disciplina submete o homens às leis da humanidade e começa a fazê-los sentir a força das próprias leis. [...] O homem não se pode tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que educação faz dele. [...] A Educação é um arte, cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias gerações. Cada geração, de posse de seus conhecimentos das gerações precedentes, está sempre melhor aparelhada para exercer uma educação que desenvolva todas as disposições naturais na justa proporção e de conformidade com a finalidade daquelas, e assim guie toda a humana espécie a seu destino. [...] Entre as descobertas humanas há duas dificílimas, e são a arte de governar os homens e a arte de educá-los. [...] A única causa do mal consiste em não submeter à natureza a normas.

Porém, tal construção sucedeu por um longo processo histórico, complexo e

movido a paixões e vaidades humanas, que como dissemos, exerce forte influência na

linguagem natural e científica de modo que ao longo dos anos foi exigindo-se do

operador do direito que ele desenvolvesse ferramentas/métodos para interpretá-la, o que

fez através da Hermenêutica.

De maneira que podemos considerar que a cada ideologia política, econômica e

comunitária que foi se desenvolvendo fez com que surgisse e se construísse tipos

diferenciados de poderes políticos que se manifestavam pelo Estado, sendo que, para

cada um, também a comunidade que ansiava por maior liberdade fosse construindo

ideias sobre a formação, a conformação, o limite, a estrutura, e a essência dos direitos

que as pessoas podiam opor ante esse poder Estatal.

Durante a “época das luzes” ganha evidência os pensamentos de filósofos e

estudiosos como Hobbes e John Locke que mesmo tendo vivenciado o Estado

Estamental com seus pensamentos, inspiraram os próprios iluministas como

Montesquieu e Rousseau que elaboraram concepções extremamente frutíferas para

traçar os limites entre atuação do poder do Estado e liberdade das pessoas em uma

sociedade civilmente organizada.

Eles inauguram ao que Lênio Streck e José Luiz Bolsan denominam de uma

visão positiva do Estado que teoriza que a origem do Estado tem por fundamento um

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contrato social, que a princípio podemos destacar como uma linguagem que tem a

função política de comunicar os limites do poder de quem governa o Estado. 51

Cabe-nos, porém, fazer uma ressalva quanto a alguns textos da história

documentada, que sustentam que os direitos do homem tiveram suas origens entre os

séculos XVII e XVIII, no limiar do Iluminismo, como força normativa necessária a ser

empregada para proteger a pessoa humana do poder estatal, por meio de uma lei que

sendo superior às demais, influenciasse suas feituras determinando que fossem

elaboradas de acordo com seus ditames, bem como controlasse e limitasse as atividades

estatais, visto que o Estado a ela estava submetido.

Assim, os primeiros documentos que transcreveram os direitos dos homens o

fizeram levando em consideração que o homem era súdito de um senhor feudal e de

acordo com a história do mundo ocidental surgiram na Alta Idade Média, na Inglaterra,

no ano de 1215, em um documento que recebeu o nome de Carta Magna52, sua primeira

versão que foi imposta pelos barões ingleses ao Rei João Sem Terra (1167-1216),

senhor da Irlanda e rei da Inglaterra (1199-1216), com a intenção de impor limites ao

seu poder, já que este era conhecido por seu temperamento cruel e violento. A Carta

Magna visava, primordialmente, limitar seu poder absolutista e desmedido evitando o

confisco de bens e prisões sem o devido processo legal, como também a imposição de

impostos sem o consentimento dos nobres.

Após a morte de João Sem Terra, novos textos da Carta Magna foram redigidos

pelos seus sucessores, e em 1297 passam a ser, no reinado de Eduardo I, não apenas um

ordenamento legal, mas a fonte de princípios jurídicos básicos que vieram a inspirar,

posteriormente, as legislações britânicas e a Constituição dos Estados Unidos.

Em 1629, foi a vez da Petition of Rights impor a Carlos I que se criasse um

parlamento para que fosse reconhecido direitos aos seus súditos, o que acabou se

tornando uma condição para que ele continuasse no trono.

51 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit.; p.28-50 52 Nova Enciclopédia Barsa, op. cit. V. 8, p. 333.

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Mas, foi a Declaração da Virgínia, nos Estados Unidos, em 1776, a primeira a

reconhecer expressamente que os direitos individuais existiam e que pelo Estado

deveriam ser protegidos. Entretanto, a primeira que alcançou grande repercussão foi a

Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão, na Revolução Francesa, em 1789.

Também, destacamos que para a chamada Teoria das Gerações53 dos Direitos

Humanos, são chamados direitos humanos de primeira geração aqueles direitos

fundamentais que surgiram para combater o absolutismo.

Tais direitos surgiram do pensamento liberal burguês54 e sua função era defender

o indivíduo da intervenção do Estado na sua vida privada, e gozam eles de status

negativo, já que eles vão impor ao poder público uma abstenção, ou seja, o Estado está

proibido de atuar na esfera de autonomia individual da vontade, salvo para protegê-los.

Também é importante ressalvar que eles foram forjados a partir de uma concepção

jusnaturalista de direito, ou seja, uma concepção jusfilosófica que admite que os direitos

do homem antecedem a formação do Estado.

À época da primeira fase do constitucionalismo moderno, no direito, também se

destacou a ideia de sua codificação, ou seja, foram criados os primeiros códigos de leis

que são uma compilação de normas voltadas a regular determinada atividade humana. O

primeiro da época é o Código Civil Napoleônico55 que a partir de 1808 passou a regular

as relações entre as pessoas e entre estas, influenciou os sistemas jurídicos de vários

53 Uma das formas mais usadas da doutrina para expor a historicidade dos direitos fundamentais tem por base a exposição do jurista Kare Vasak em 1979, em Estraburgo, no Instituto Internacional dos Direitos do Homem, que metaforicamente demonstrou a evolução dos direitos humanos com base no lema da Revolução Francesa em 1789: liberdade, igualdade e fraternidade 1ª. Geração aqueles direitos que passaram a ser respeitados como naturais pelo Estado liberal-burguês; de 2ª geração aqueles que se somaram aos primeiros durante a formação do Estado Social e os de 3ª geração aqueles foram congratulados pelas Constituição e que são repartidos por toda a humanidade como a paz mundial, o meio ambiente. E como veremos parte de doutrina como Paulo Bonavides dado a essa geração diz termos chegado aos direitos de 4ª geração que podemos considerar como uma nova interpretação que se busca dar às gerações de direitos anteriores como por exemplo a Democracia Social, conforme em tempo explicaremos. 54 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 10ª ed. rev. atual e ampl. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Ed., 2009. p. 46 55 FIÚZA, Cezar. Direito Civil – curso completo. op.cit. p. 96-97.

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outros Estados, desse modo, ressalva-se: tinham mais força jurídica do que as

Constituições que, como explicaremos, não passavam de documentos políticos que no

máximo expressavam alguns valores da função política que possuía a linguagem do

Direito.

Contudo, desde já, é importante evidenciar que ainda que durante esse período

tenha-se assegurado liberdades públicas, como a liberdade de expressão, de reunião, de

manifestação e de participação política, a realidade imposta pelo liberalismo, que

podemos definir como a ideologia que conjuga e enaltece a individualidade56 e que

posteriormente foi complementado pela crescente industrialização, sufocava e reprimia

as pessoas que tinham que cumprir os contratos que, por codificação, elaboravam leis

entre as partes e mesmo que se pleiteasse aos juízes, nomeados pelos reis ou clero, a

revisão destas, isso não era passível de efetivação, uma vez que o judiciário apenas

podia aplicá-las e nunca interpretá-las para buscar de fato um sentido de justiça que

levasse equilíbrio entre as partes. E como o Estado não podia intervir nas relações

privadas, dado o seu status negativo, geravam-se muitas injustiças, desgastes, situações

humanamente insustentáveis e “graves problemas econômicos e sociais”.57

No entanto, de que maneira se construíram as ideias que alimentaram a

premissa de que uma única lei pudesse ser superior às demais e tivesse, assim, a função

de proteger as pessoas do abuso de poder do Estado? Já que ao mesmo tempo em que

ela conjuga os ideais da justiça conjuga também segurança jurídica.

Segundo nos ensinam Lênio Streck e José Luiz Bolsan, há duas principais

teorias que se destacam para que possamos responder a essa questão, uma delas,

conforme também já apontamos, é aquela que repassa uma visão positiva da construção

da relação Estado/Sociedade que nasce com a teoria contratualista que partindo da

construção de uma hipótese lógica, o Estado de Natureza, vai dizer que entre as pessoas

56 LOSURDO, Domenico. Contra-História do Liberalismo. Trad. Giovanni Semeraro. Aparecida, São Paulo: Ideias & Letras, 2006, p. 13.

57 NUNES Junior, Vidal Serrano. A Cidadania Social na Constituição de 1988 - Estratégias de

Positivação e Exigibilidade Judicial dos Direitos Sociais. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 46.

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e o Estado Civil há um contrato social expresso ou tácito, que permite a passagem de

um Estado a outro; outra é a teoria marxista que ao nos repassar uma visão negativa da

origem do Estado/Social, conclui que o Estado vai se extinguir naturalmente assim que

cessar as lutas de classe e elas entrarem em equilíbrio.58

Ambas as teorias, é importante dizer, se destacam porque frisam a compreensão

de que o Estado “é um fenômeno original e histórico de dominação”, fato que permite

vislumbrarmos que “cada momento histórico e o correspondente modo de produção

(prevalecente) engendra um determinado tipo de Estado”. Formação Estatal que,

acrescentamos, acabou por influenciar o modo de feitura das Constituições por todo o

mundo, que por sua vez deram formação ao Estado Constitucional que acabou

desenvolvendo um constitucionalismo local.

Tais teorias também nos são úteis na medida em que elas, também demonstram

conforme expõe Lênio Streck e José Luiz Bolsan que: “O Estado não tem uma

continuidade (evolutiva) que o levaria ao aperfeiçoamento; são as condições

socioeconômicas que fazem emergir a forma de dominação apta a atender os interesses

das classes hegemônicas”.59

1.4 O Estado Liberal: jusnaturalismo, contratualismo, Separação dos Poderes, da

Educação Liberal burguesa e Direitos de Primeira Geração

Assim, para os referidos autores, a escola contratualista concebeu a instituição

estatal como uma criação artificial do homem, o que significa que os pensadores já

citados, entre outros, apontam o Estado como um instrumento da vontade racional dos

indivíduos que sempre estão em busca do “atingimento de determinados fins que vão

marcar ou identificar as condicionantes de sua criação.”60

Os autores citados observam que a Teoria Contratualista foi elaborada para

contrapor-se à concepção orgânica de sociedade. Logo, tanto o Estado como a

58 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit. p.28. 59 Idem, Ibidem, p. 28. 60 Idem, Ibidem, p. 29.

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Sociedade devem ser vistos como criação artificial da razão humana, e essa relação

somente poderia nascer de um acordo tácito ou expresso entre a maioria ou a

unanimidade dos indivíduos.

Dessa feita, a teoria contratualista propõe que o Estado de Natureza (aquele que

antecede ao Estado Civil) somente pode ser reconhecido como uma hipótese lógica

negativa ou um fato histórico, o que implica em afirmar que a origem do homem

civilizado se deu porque o Estado de Natureza, em que ele habitava anteriormente, não

era capaz de tratar as deficiências que a este eram inerentes.

Munidos desse pensamento, surge, então, um consenso entre os pensadores, que

já citamos, sobre a existência de um contrato expresso ou tácito que por sua vez fez

surgir um contrato clássico que é, para eles, por excelência, o instrumento de

legitimação do Estado e a base sistemática de construção do sistema jurídico.61

Porém, os referidos pensadores que formaram a escola contratualista entre o

interregno dos séculos XVI a XVIII, não chegaram a um consenso sobre como ocorreu

a passagem do Estado de Natureza para o Estado Contratualista ou Civil, justamente

porque não chegaram a um consenso sobre exatamente o que era o Estado de Natureza.

Rousseau (1712-1778) definia o Estado de Natureza como um estado histórico,

em que a satisfação do ser humano era plena e, partindo dessa premissa, constrói o mito

do bom selvagem revelando que a passagem para o Estado Civil foi um acontecimento

que corrigiu o próprio desenvolvimento humano. Já que os homens haviam estabelecido

a propriedade privada, foi necessário que surgisse o contrato social para que sucedesse a

convivência pacífica.

Já para os demais pensadores, que o antecederam, como Thomas Hobbes (1588-

1679) e Spinoza (1632-1677), o Estado de Natureza representava um ambiente de

guerra em que predominam as paixões, a incerteza e a insegurança. Para John Locke,

(1632-1704) que também o antecedeu, mas que como Rousseau foi fortemente

influenciado pela filosofia de Hugo Grotius (1583-1645) - um jurista e estadista

61 Idem, Ibidem, p. 30-44.

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holandês que afirmava que existia “um direito natural independente de religião, baseado

na razão e nas necessidades humanas”62- a vida em natureza se apresentava como uma

sociedade em “paz relativa” dado que o homem era, na concepção dele, capaz de deter

um certo domínio sobre suas paixões e interesses. Portanto, havia para Locke no Estado

de Natureza um predomínio não somente de paixões, egoísmo e vaidades humanas, mas

também existia uma certa racionalidade que permitia aos homens a percepção dos

limites de suas ações, e isso configurava um “quadro de garantias naturais”, um quadro

de “direitos naturais” que deveriam ser respeitados pelos homens e suas instituições.63

Mas, conforme afirmamos, para cada um desses três pensadores, Hobbes, Locke

e Rousseau, a passagem do Estado de Natureza para o Estado Civil se concretizou por

um mecanismo que foi capaz de efetivar essa passagem, ou seja, o contrato social.

Contudo, havia divergências sobre o que de fato vinha a ser o contrato social e suas

ideias.

Hobbes acreditava que, para findar o permanente estado de guerra, incertezas e

paixões, é realizado entre os indivíduos um pacto que conferia os poderes do Estado e

da sociedade a um terceiro – homem ou assembleia - e assim, o faziam com o intuito de

preservar suas vidas. Portanto, não poderia ser cogitada a ideia de direitos preexistentes,

esses somente surgem com a instituição do Estado e em troca de segurança. O Estado,

para ele, era representado por Leviatã, um deus “mortal” a quem devemos a paz e a

defesa de nossas vidas.

Para John Locke, que admitiu como Rousseau que o contrato social também tem

um caráter histórico que o faz permanecer como um princípio que legitima o poder, a

existência e permanência dos direitos naturais é que vão circunscrever os limites do

Estado e da Sociedade Civil. Assim, por meio do contrato social, proposto por Locke

“os indivíduos dão seu consentimento unânime para a entrada no Estado Civil e,

posteriormente, para a formação do governo quando então se assume o princípio da

maioria.”64

62 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op. cit. p. 124 63 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit. p.30-31. 64 Idem, Ibidem, p. 36.

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De fato, as ideias de Hobbes e Locke são contrapostas na medida em que para

esse último, o poder do Estado é um poder limitado que, inclusive, permite ao súdito

opor resistência aos excessos do monarca: “Os homens são todos, por natureza, livres,

iguais e independentes, e ninguém pode ser despossuído de seus bens nem submetido ao

poder político sem seu consentimento.”65

Uma leitura sobre as obras de John Locke, realizada por Japiassú e Marcondes,

propaga que a consequência do seu empirismo se revela na concepção do Estado social

e do poder político66:

[...] em primeiro lugar, refuta o poder divino e o absolutismo, pois trata-se de renunciar a essas especulações para se voltar as coisas mesmas; em seguida, declara que o poder só é legitimo quando é emanação da vontade popular, pois a soberania pertence ao povo que a delega a uma assembleia ou a um monarca; finalmente antecipa Marx declarando que o fundamento da propriedade é o trabalho.

Todavia, é importante destacar ainda, uma outra leitura sobre John Locke,

concebida pelo historiador italiano Domenico Losurdo, que demonstra claramente as

contradições do filósofo inglês “pai do liberalismo” intitulando-o como o último grande

filósofo que procura justificar a escravidão de pessoas humanas, em determinados

casos, de forma absoluta e perpétua, evidenciando essa proposição em sua obra Dois

Tratados sobre governo. Ademais, Domenico Losurdo noticia que John Locke tinha

sólidos investimentos no tráfico de negros, ressalvando inclusive que tais pensamentos

sobre igualdade não lhe impediu, de forma alguma, combater a escravidão política que o

absolutismo queria impor.67

Foram das ideias preconizadas por John Locke que emergiu a ideia da

construção de um Estado Liberal que é aquele tipo de Estado que obrigatoriamente

mantém uma posição de abstenção face ao âmbito de liberdade individual das pessoas,

65 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op. cit. 171. 66 Idem, Ibidem, p. 170-171. 67 LOSURDO, Domenico. op.cit. p. 15-16

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ou seja, de qualquer maneira ele, Estado, não pode interferir face aos direitos naturais

das pessoas que existiam mesmo antes da formação do Estado.

Portanto, para esse pensador, conhecido como o “pai do liberalismo”, o contrato

social surgiu como uma ideia que selou o pacto de consentimento que se estabelece para

preservar e consolidar os direitos preexistentes no estado natural68. Por isso ele pregava,

nas palavras de Lênio Streck e José Luiz Bolsan que69 “o estado civil nasce duplamente

limitado. Por um lado, não se pode atuar em contradição com aqueles direitos; por outro

deve oportunizar, o mais completamente possível, a usufruição dos mesmos.”

Mas, esse axioma era válido para ele e para as demais pessoas que eram

consideradas iguais a ele, ou seja, somente para pessoas que por nascimento não podiam

ser escravizadas. Logo, podemos concluir que os pensamentos contraditórios de John

Locke se refletem na história do próprio liberalismo burguês, visto que o liberalismo,

dito como clássico, fica marcado como profundamente contraditório, no qual o

desenvolvimento da liberdade individual só vale para alguns poucos, valendo

principalmente para aqueles que têm poder econômico. Fato que condicionou muitas

pessoas a terem que enfrentar uma profunda desigualdade de oportunidades, adiando o

desenvolvimento humano em muitos séculos, apesar de todo o avanço tecnológico que

nunca mais parou de progredir.

Entretanto, Lênio Streck e José Luiz Bolsan sublinham que é nos pensamentos

de John Locke que encontraremos os moldes que caracterizaram o Estado Liberal que

nasce limitado pelo exercício dos direitos naturais fundamentais: vida e propriedade, ou

seja, que são direitos naturais que devem ser conservados pelas pessoas quando se

caracteriza a criação do Estado. É devido à existência deles que os indivíduos vão dar o

consenso aos governantes sob a condição de que exerçam o poder dentro dos limites

que são estabelecidos por esses direitos. E foi, também, John Locke, que

contraditoriamente, pois aceitava a escravidão, expressou que há necessidade da defesa

da liberdade e da tolerância religiosa.

68 JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilio, op.cit. p. 36. 69 Idem, Ibidem, p.34.

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Para o pensador Jean- Jacques Rousseau aportam os citados autores para que se

chegue com exatidão ao que seja um contrato social é de fundamental importância que

antes se compreenda o Estado de Natureza e como se deu a inserção do homem em

comunidade.

No entanto, conforme explicamos anteriormente, para ele, o Estado de Natureza

é necessariamente uma categoria histórica de maneira que o verdadeiro fundador do

Estado Civil foi aquele que proclamou, ao delimitar um terreno, que “isto é meu”

exprimindo esse enunciado a outros ingênuos que nele acreditaram. Portanto, em seu

Discurso sobre a desigualdade, em que escreveu tais ideias, a desigualdade nasce junto

com a ideia de propriedade privada. É sobre ela que se cria a hostilidade humana, e o

contrato social surge precisamente para remediar os efeitos da passagem de um estado

para o outro, uma vez que o homem face a instituição da propriedade privada substitui o

instinto pelo sentimento de justiça.

Pelo contrato social, segundo Rousseau, a voz do dever substitui o impulso

físico e o direito substitui o apetite; e o homem que antes olhava apenas para si mesmo

passa a contemplar também seus princípios e, ao invés, de atuar de acordo com suas

inclinações passa a atuar com a razão, o que permitirá, apesar das perdas, que

desenvolva sua inteligência e enobreça seus sentimentos.

Nas palavras de Rousseau70:

Reduzamos todo esse balanço a termos de fácil comparação: o que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que tenta alcançar; o que vem a ganhar é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para não se enganar nessas comparações, é preciso distinguir bem a liberdade natural, que tem apenas por limites as forças dos individuo da liberdade civil, que é limitada pela vontade geral.” (g.n.)

Rousseau argumenta, partindo das ideias de Grotius, que um povo é um povo

mesmo antes de se entregar a um rei e tal ato em si é um ato civil que supõe uma

deliberação pública. Por isso, ainda que sempre exista a necessidade de trabalhar a ideia

pela qual um povo escolhe um rei, convém antes trabalhar a ideia pela qual um povo é

70 ROUSSEAU, Jean- Jacques. O Contrato Social.São Paulo: Hemus, p. 31

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um povo, visto que o primeiro ato – ser povo – antecede ao segundo – a escolha de um

rei – portanto, é o primeiro ato, o ato fundador da sociedade, e como tal foi aquele que

instituiu uma convenção que supôs ao menos uma vez a unanimidade, pois o ato

formador de um povo exige o concurso de muitos71.

Assim, partindo coincidentemente do mesmo problema disposto por Kant, já

exposto, o argumento de Rousseau propõe o contrato social como um ato coerente que

faz a passagem da liberdade natural, encontrada no Estado de Natureza, para as

restrições impostas a ela no Estado Civil72:

Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum à pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, se unindo a todos, obedeça apenas, portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre quanto antes. Este é o problema fundamental a qual o Contrato Social dá solução.

Portanto, para Rousseau, o que permite a legitimidade de um governo é a

vontade geral, pois segundo ele, se eliminarmos do pacto social o que não é de sua

essência veremos que ele se reduz: “cada um de nós coloca sua pessoa e toda sua

potência sob a direção suprema da vontade geral; e recebemos, enquanto corpo, cada

membro como parte indivisível do todo.”73

Pelo conjunto de suas idéias ele estabeleceu que é somente a vontade geral

aquela vontade que tem permissão para dirigir as forças do Estado segunda a finalidade

de sua instituição, que é o bem comum. Portanto, a vontade geral se diferencia da soma

da vontade da soma dos particulares porque cada homem possui como indivíduo uma

vontade particular, mas como cidadão detém uma vontade geral que o conduz a desejar

o bem do conjunto a qual pertence como membro, e caberá à educação formar essa

vontade geral.74

71 Idem, Ibidem, p.26 72 Idem, Ibidem, p.27 73 Idem, Ibidem, p. 28. 74 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit.; p. 243.

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Assim foi que Rousseau por meio de pregar o evangelho político do homem

comum que dá a ele a educação como um direito de nascimento.75 E ainda que não

tenha sido ele o único contratualista que tenha falado sobre educação, pois John Locke e

Voltaire, por exemplo, também o fizeram, porém não nos moldes que propôs Rousseau.

Ao contrário eles consideravam a educação como pura disciplina que devia ser pela

percepção dos sentidos treinada, metódica e rigorosamente, até que sendo possível se

tornasse sofisticada, logo para eles a educação não podia ser um considerado um direito

de nascimento que se estendia a todos.76

E Rousseau, ao contrário, pelo conjunto de sua obra destacou-se acima de tudo

como o grande intérprete da política e da infância. Sua educação destinava-se acima de

tudo ao homem livre, isso porque para ele a educação deveria ter por objetivo a

estruturação de um ser virtuoso.77

Em abril de 1762, são publicados duas de suas principais obras “O Contrato

Social” e “Emilio ou da Educação” uma interligada a outra profundamente. Por elas ele

teve o mérito de “estabelecer um fértil diálogo entre política e pedagogia, pois ao

formar o homem moral, ele também construía o homem civil.”78

Ainda que na história da humanidade a civilização grega tenha se destacado por

ser a primeira a reconhecer a intricada relação entre progresso individual e progresso

social, por meio da divulgação dos pensamentos de seus grandes filósofos, como

Sócrates, Platão, Aristóteles, e, além dos romanos terem associado a isso os ideais

educacionais referentes à conduta prática, o que fez com que suas instituições se

75 MONROE, Paul. História da Educação. 6ª ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional. 1958. p. 282. 76 Mas, não apenas nos pensamentos de John Locke encontramos o reverso do pensamento iluminista conforme aporta Paul Monroe, op. cit. p. 278: Voltaire e seus colaboradores da primeira metade do - século XVIII não eram menos aristocráticos do que os aristocratas privilegiados que eles combatiam. Sustentavam que as classes humildes não se achavam em condição de se reconduzir pela razão e eram incapazes de ser educadas, estavam pouco acima dos selvagens, e que, consequentemente, a religião tinha para elas uma função legitima. 77 BOTO, Carlota. Jean - Jacques Rousseau- Intérprete da Política e da Infância. Revista Educação. São Paulo: Segmento. Dezembro de 2010. p. 17. 78 Idem, Ibidem p. 17.

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desenvolvessem como meios para realizar ideias ou propósitos sociais79, é Rousseau

quem afirma que a educação deve cuidar principalmente de promover a felicidade: o

ensino não poderia mais ser ministrado de maneira que condenasse os alunos a trabalhos

contínuos e árduos, além disso, era preciso que os “professores não tomassem o aluno

como se este representasse um fardo a ser carregado” e os “alunos não mais vissem seus

professores como a razão de seus flagelos.”80

Emílio o protagonista de sua obra sobre a educação é por seu orientador formado

para ser: “o sujeito virtuoso capaz de se tornar o cidadão ou o próprio legislador da

sociedade do contrato. Em meio ao mundo corrupto, será talvez aquele que contribui

para fundar o novo pacto.”81

Para todas as etapas de formação do Emílio Rousseau recomenda82:

[...] ensinai a vosso aluno a amar todos os homens, mesmo que os menosprezem; fazei com que não se situe em nenhuma classe, mas com que se reconheça em todas; diante dele, falai do gênero humano com ternura, até mesmo com piedade, mas nunca com desprezo. Homens, não desonres o homem.

E como para ele a natureza dá a cada homem um poder absoluto sobre os

demais, afirma Rousseau, “o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre

todos os seus, e é esse mesmo poder que, dirigido pela vontade geral, recebe, como foi

dito, nome de soberania.” 83

Daí para o pensador ser a soberania inalienável e indivisível e assim é, porque

representa ela: o exercício da vontade geral.84 É por consideração a essa soberania,

sustenta ele, que se faz o pacto social que dará existência e vida ao corpo político, assim

79 MONROE, Paul. op. cit. p. 29 -101. 80 BOTO, Carlota. op. cit.. p.16. 81 Idem, Ibidem. p. 16 82 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emilio ou Da Educação.2ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 294. 83 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Contrato Social. op. cit. p. 47 84 Idem, Ibidem, p.38.

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como é pela legislação que o pacto ganhará movimento e vontade, o que é mais do

necessário visto que os deveres devem se unir aos direitos para, mesmo que

artificialmente, possa o homem finalmente restabelecer a igualdade, porque era ela

aquela virtude que estava presente no momento de seu nascimento e que lhe foi tomada

pelo estado civil. Por isso mesmo, para ele, as leis são propriamente as condições dessa

associação civil de maneira que “o povo submetido às leis deve ser o autor destas.” 85

Explica Carlota Boto diante da afirmação de Rousseau, síntese do afirmado

acima: “os homens como são e as leis como podem ser”86:

[...] Ou seja, deverá ser mobilizado o direito para a obtenção da justiça- não mais uma justiça que atenda apenas a minorias de privilegiadas, mas a justiça do ponto de vista de todos. Esse novo pacto – o Contrato Social- pretenderá fundar uma forma nova de governo diante a qual todos os homens são compreendidos como possuidores da soberania. Rousseau aqui desloca, portanto o significado do próprio termo soberania. Soberano não é mais o governante. Soberano passa a significar ‘povo’. De certo modo advoga-se com isso o estado de direito. A legitimidade do novo pacto social estaria exatamente no fato de não recorrer ao ideário do contratualismo da época, segundo o qual o poder é necessariamente concedido, mediante a submissão de todos a um ou alguns poucos homens. O Contrato Social é apresentado por Rousseau como uma forma de associação que protege todas as pessoas. [...] os fundamentos da democracia moderna estavam ali desenhados. Um ato de soberania requererá, portanto, uma convenção do corpo social com cada um dos seus membros- ‘convenção legítima por ter como base o contrato social, equitativa por ser comum a todos, útil por poder ter por objetivo que não o bem geral e sólida por ter como garantia a força pública e o poder supremo.” Esse tipo de convenção faria os homens obedecerem não há um terceiro, mas a si próprios, à sua própria vontade. [...] se o acordo inclui todos, cada um sabe-se senhor de si. Essa é a liberdade possível no território civil. A soberania- bem que reside no povo- é apresentada por Rousseau como inalienável, indivisível, intransferível. A vontade geral assegura, pela escolha, o acerto das vontades, produzindo consensos tácitos que legitimam a vida democrática. (g.n.)

Ainda sintetizando o pensamento de Rousseau observam Lênio Streck e José

Luiz Bolsan que a vontade geral encarnada no Estado e pelo Estado é o todo, e como tal

a vontade do indivíduo é absorvida por esse “todo” que passa a ser representado pelo

85 Idem, Ibidem,p. 49. 86 BOTO, Carlota, op. cit. p. 14-15.

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Estado portador da vontade geral, por isso é que os referidos autores acabam por

salientar ao que diz Sergio Cotta que chamou atenção para fato de ser a idéia do

Contrato Social aquela idéia que dá origem ao Estado Democrático na vigência do

Estado Liberal: “na medida em que o poder já não pertence a um príncipe ou a uma

oligarquia, e sim a uma comunidade.” 87

Todavia, pelo que expomos pelos escritos de Rousseau podemos, então,

compreender que ele não apenas instituiu a educação como um direito de nascimento

que deve promover a felicidade de cada um, mas ela também é um valor instrumental e

reestruturante da própria sociedade e do Estado. Logo se para ele o Contrato Social é

um instrumento de justiça que mobiliza o direito, será lógico afirmar que a educação,

também é, por excelência, para o Estado Democrático de Direto, um instrumento que

promove, implementa e garante tanto a democracia como o tipo de justiça que ela deve

promover.

Dessa forma, as idéias do contratualismo, principalmente aquelas preconizadas

por Rousseau, foram fatores determinantes para a Revolução Francesa que, sob o lema:

Liberdade, Igualdade e Fraternidade inauguraram, em 1789, uma nova fase do Estado

Moderno. Isso porque, tais idéias vinham ao encontro dos ideais da classe burguesa que

estava em ascensão e andava descontente com os desmandos dos monarcas, a quem em

um primeiro momento haviam ajudado com seu poder econômico.

Porém, antes de dar continuidade ao histórico do constitucionalismo moderno

como um construído que visa principalmente garantir a proteção à dignidade da pessoa

humana, é preciso destacar o surgimento de uma outra idéia, deveras importante, que

surgiu na passagem do constitucionalismo antigo para o moderno e que também foi

solidificada como uma instituição pelas Constituições Modernas.

Tal idéia foi estruturada por Montesquieu e exposta em 1748 em sua obra “O

Espírito das Leis”. Partindo da idéia de que as leis não podem ser deduzidas a priori de

idealista e que elas, tão pouco, podem advir da arbitrariedade dos homens, mas, que

racionalmente elas: “constituem as relações necessárias que derivam da natureza das

87 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit.; p.38.

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coisas.” Ele foi capaz de demonstrar a ineficiência do absolutismo e propôs um outro

sistema de governo, onde o máximo de liberdade poderia ser produzido porque os

poderes públicos: Legislativo, Executivo e Judiciário seriam fixados em lei como

independentes e harmônicos entre si e, assim constituídos, poderiam controlar-se

mutuamente88.

Contudo, a condução harmônica e equilibrada na gestão da “res publica”, para

ele pressupunha um governo republicano, pois a repartição entre os poderes deveria,

segundo Montesquieu, ser instituída como uma forma para se garantir às pessoas maior

liberdade.

Lembra ainda, Roberto Dias que essa idéia de identificação das funções estatais

não era em si uma novidade uma vez que Aristóteles na antiga Grécia já havia feito isso

na sua obra Política e mesmo John Locke séculos depois, mas antes, de Montesquieu na

sua obra Segundo Tratado do governo civil que também idealizou a divisão das funções

dos poderes.

Porém, há de se considerar que foi Montesquieu que inovou nesse aspecto com

a idéia da separação das funções estatais a serem exercidas por órgãos “distintos,

especializados, autônomo, independentes entre si.”. Por isso cabe ressalvar que ainda

que tenhamos convencionado chamar tal teoria de separação dos poderes ou de

tripartição dos poderes, devemos ter presente que o poder é uno e indivisível, conforme

vimos em Rousseau, sendo, então, ser mais “adequado falar em separação ou

distribuição das funções estatais.” 89

Conforme esclarecem Japiassú e Marcondes, 90 embora a obra de Montesquieu

citada não tivesse objetivo de ação prática, foi uma obra que contribuiu deveras com a

transformação da sociedade francesa entre os anos de 1750 e 1800, tanto que o princípio

88 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit.; p. 192.

89 SILVA, Roberto Baptista Dias da. Manual de Direito Constitucional. Barueri, SP: Manole, 2007. p.

203.

90 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op.cit.; p. 192.

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da separação dos poderes passou a constar como cláusula na Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789 em seu artigo 16, que afirma categoricamente que não

há Constituição quando não for garantido em toda sociedade seus direitos e a separação

dos poderes, nos seguintes dizeres: “Toda a sociedade na qual não esteja assegurada a

garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes não tem Constituição”.91

Porém, observamos que mesmo antes de constar no documento francês, fruto da

Revolução Francesa que inaugura oficialmente a Era dos Direitos,92 o princípio da

separação dos poderes já havia sido declarado pelos norte-americanos por ocasião de

sua independência ao elaborarem a Declaração de Direitos da Virginia de 1776 e

fizeram constar no seu parágrafo 5º “que os poderes executivos e legislativos do Estado

deverão ser separados e distintos do Judiciário”, artigo que posteriormente também

acabou sendo refletido na Constituição dos Estados Unidos de 1787 que declarou em

seu artigo 1º o Poder Legislativo, em seu artigo 2º o Poder Executivo e no artigo 3º o

Poder Judiciário. Inclusive, Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, aporta a

doutrina brasileira fizeram o seguinte comentário em um de seus artigo “O

Federalista”93:

A acumulação de todos os poderes, legislativos, executivos e judiciais, nas mesmas mãos, sejam estas de um, de poucos ou de muitos, hereditários, autonomeadas ou eletivas, pode -se dizer com exatidão que constitui a própria definição de tirania.

Conforme discorre Dalmo de Abreu Dallari em sua obra Elementos da Teoria

Geral do Estado, 94 o princípio da separação dos poderes, por idealizar um sistema que

impõe a gestão equilibrada entre os poderes, é desde o início um princípio que engendra

a possibilidade da formação de um Estado Democrático, visto que ao propor um Poder

91 SILVA, Roberto Baptista Dias da. op.cit. p. 18, em nota de roda pé. 92 Estamos nos referindo ao termo usado por Noberto Bobbio na obra do mesmo título: “A Era dos Direitos”. Onde o referido autor aponta que os direitos humanos não são um dado da natureza como querem os jusnaturalista, nas palavras de Celso Lafer nesse livro ele aponta que são eles um construído jurídico historicamente voltado para o aprimoramento político da convivência coletiva. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Apresentação de Celso Lafer Nova ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p.11. 93 Ver em DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado op.cit. abaixo completa p. 218 e SILVA, Roberto Baptista Dias da. op. cit. p. 203 94 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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Legislativo que têm a função de criar normas, um Poder Executivo que têm a função de

aplicar essa mesmas normas e um Poder Judiciário que deve atuar mediante provocação

quando ocorre abuso da função por parte dos outros dois poderes não somente vai o

princípio da separação das funções dos poderes otimizar o equilíbrio da gestão na coisa

pública como também vai limitar a atuação desse poderes políticos que agora está nas

mãos do Estado por vontade do povo.

Desse modo, para impedir desvios e ilegalidades na administração da coisa

pública, a separação das funções dos poderes, além de facilitar a fiscalização por parte

do povo também passa a exigir maior transparência da gestão dos negócios públicos por

meio da maior participação dos cidadãos nessa gestão, considerando-se também que

agora é ele quem detém o poder político para escolher quem o representará nessa

administração da “res publica” de maneira que95:

O sistema de separação dos poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo” – esteja associado - “a idéia de Estado Democrático e deu origem a um engenhosa construção doutrinária, como sistema de frios e contrapesos.

Por isso, bem observou Canotilho que ao lermos o artigo 16 da Declaração dos

Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789, também, não podemos perder de vista que

o referido artigo não usa a expressão Estado, mas enfatiza a sociedade, pela expressão

“toda a sociedade”, o que significar que ela, sociedade, é que tem uma constituição96: “a

constituição é a constituição da sociedade. Isto, significava que nos “esquemas políticos

oitocentistas” a constituição aspirava a ser um ‘corpo jurídico’ de regras aplicáveis ao

‘corpo social’.”

A observação de Canotilho, nos será importante na medida em que nos indica

porque muitas das constituições ocidentais adotaram, ao serem proclamadas ou mesmo

outorgadas a nomenclatura de Constituição da República, nas palavras do referido

autor97:

95 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. op.cit. p. 218. 96 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op.cit. p.88 97 Idem, Ibidem, p. 88.

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Nos princípios teóricos do constitucionalismo (Montesquieu, Rosseau, Locke) as estruturas sociais tinham, de resto, significativa expressão nas próprias tecnologias organizativas do poder desenhadas na constituição. Nesse sentido se compreende a expressão – constituição.

De maneira que desde a formação do Estado Moderno a grande maioria das

nações adotaram um regime político republicano, que Geraldo Ataliba ensina ser98:

[...] o regime político em que os exercentes de funções políticas (executivas e Legislativas) representam o povo e decidem em seu nome, fazendo-o com responsabilidade, eletivamente e mediantes mandados renováveis periodicamente.

Aporta o referido autor que as características desse regime são: a) eletividade; b)

a periodicidade; c) responsabilidade. A eletividade é instrumento da representação,

periodicidade assegura fidelidade aos mandatos e ainda possibilita a alternância no

poder e a responsabilidade é: “o penhor da idoneidade da representação popular”99

Logo, no Estado Liberal burguês, os ideários de um regime democrático

associado à idéia de um regime político republicano, começam a caminhar juntos, mas

não de mãos dadas, apenas um ao lado do outro, isso porque representar é privilégio de

poucos bem como participar escolhendo quem os representava, também, aliás concedido

à bem poucos ou a quem pudesse pagar. E além do que na verdade a democracia no

Estado Moderno foi se definido, sim, como uma forma de governo que é capaz de dar

maior liberdade ao maior número possível de pessoas, e que, portanto, reconhece e

garante direitos políticos à todas as formas de diversidade humana possíveis, mas isso

se deus nos campos de batalhas100:

O que define a Democracia não é, portanto, somente um conjunto de garantias institucionais ou o reino da maioria, mas antes de tudo o respeito pelos projetos individuais e coletivos, que combinam a afirmação de uma liberdade pessoal com o direito de identificação com uma coletividade social nacional ou religiosa particular. A democracia não se apoia somente nas leis, mas sobretudo em uma

98 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 13. 99 Idem, Ibidem, p. 13. 100 TOURAINE, Alain. O que é Democracia? 2ª ed.Petropolis: Vozes, 1996, p. 21-26.

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cultura política. A cultura democrática tem sido frequentemente definida pela igualdade.

Assim, ao final do século XVIII, podemos compreender que a ideologia do

liberalismo, que o historiador italiano Domenico Losurdo definiu como sendo: “a

tradição de pensamento que situa no centro de suas preocupações a liberdade do

individuo”101 conceituou preliminarmente a Constituição como uma lei suprema e

política que tinha por objetivo declarar os direitos individuais e a liberdades públicas

das pessoas, pois a vontade geral dos indivíduos como cidadãos representava a

soberania popular que tinha o poder de legitimar ao menos ideologicamente o exercício

do poder político do Estado por meio de uma Lei que, ao mesmo tempo em que

circunscrevia a atuação da administração pública, por meio da separação de suas

funções e por lei, também garantia que ele, pela declaração de direitos, se abstivesse e

não interferisse no âmbito de liberdade das pessoas.

Entretanto, explica, Alain Touraine, houve um incentivo para que os regimes

revolucionários concentrassem poder em suas mãos e apelassem para unidade nacional

e para a unanimidade de engajamento, o que denunciou que a eles que a coabitação com

adversários era impossível e assim eles puderam considerar a muitos traidores e mesmo

que alguns não o fossem assim considerados eram, por fim visto como portadores de

interesses ou idéias diferentes, e isso não salvou a Democracia porque não a propagou

como cultura política102 Logo, o autor referido compreende que países que são mais

fortes econômica ou politicamente mais fortes, em tempos que acentuam o

individualismo pode falar em democracia, mas aqueles que não o são podem apenas

indiretamente julgar o que seja ela, pois lhes falta igualdade substancial, o que vivem

são de fato são “situações democráticas.”

Em outras palavras: quando o homem europeu ocidental oitocentista passou a

negar que a sociedade era fruto do impulso associativo natural passou a acreditar que

somente a vontade humana justificava a existência em sociedade, ou seja, também

desenvolveu o ideário de que a vontade humana encontra seu fundamento na razão

101 LOSURDO, Domenico, op. cit. p. 13. 102 TOURAINE, Alain. op. cit. p. 27.

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humana e não na natureza humana, ou seja, a razão é fundamento dessa mesma vontade

de maneira que ordem social passou a ser considerada como um direito sagrado não

proveniente da natureza, mas fundada em um contrato que os levou a considerar que

nenhuma sociedade poderia subsistir sem um governo com o qual deveriam selar tal

contrato social, mas que entretanto sobre eles havia uma forte influência de fatores reais

de poderes, que impedia que ele protegesse à todos.103

Esse contrato deveria consubstanciar-se em uma Lei Suprema, que então passa a

ser o limite sagrado que atua sobre a vontade do poder de quem governa. Assim, a

concepção de liberdade passou a atuar unicamente na esfera da autonomia individual,

que devia sempre ser protegida contra a atividade estatal. E para assegurar tal concepção

de liberdade ao indivíduo, começam a ser reconhecidos direitos fundamentais como

inatos, e isso sela a concepção da existência de direitos subjetivos como preexistentes ao

Estado. É esse reconhecimento que obriga ao Estado a uma atitude de não interferência

face ao âmbito de liberdade individual. 104

Entretanto, ainda que presentes todos os elementos para a conformação de um

Estado de Direito democrático e republicano a presença forte do liberalismo econômico

prevalece. Os economistas enfatizavam que as leis de mercado não podem estar sujeitas

às limitações impostas pelas leis humanas sob pena de impedir a livre circulação de

mercadorias e riquezas.

De maneira que, aqueles que detinham poder econômico para tanto,

contratavam quem e como bem compreendesse sem qualquer tipo de restrição ou

limitação legal imposta, e na execução de qualquer contrato “uma vez celebrado o

pacto, havia dever de submissão à avença.” 105

Além, disso segundo Dalmo de Abreu Dallari, uma constituição não tinha

eficácia de norma jurídica superior e, apesar de toda pressão feita em revoluções do

103 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, Ada Pellegrine Grinover e FERRA, Anna Cândida da Cunha. Liberdades Públicas- parte geral. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 41 104 Idem, Ibidem, p. 41 105 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit.p. 49

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século XVIII e suas conseqüentes declarações, ainda não era, nas palavras do referido

autor106:

[...] expressão de valores consagrados pela sociedade nem de direitos inerentes à condição humana, ficando limitada à definição formal o do sistema político, a enumeração das instituições do governo e à disciplina jurídica do funcionamento do setor público, bem como à definição das instituições garantidoras dos direitos privados. Em relação aos direitos fundamentais, pode-se dizer que a Constituição teve mais valor de um manifesto político ou, na melhor das hipóteses, de compromisso ético do que de norma jurídica fundamental de um povo.

Desta feita, para que os direitos dos homens e dos cidadãos pudessem gozar de

eficácia, era necessária uma lei ordinária que regulasse o exercício de tal direito e ainda,

e conforme o autor referenciado acima, essa era uma das características do

constitucionalismo liberal-burguês que vai perdurar até o final da II Guerra Mundial.

Por isso o liberalismo original, como nos explica Vidal Serrano Junior107, que

implicava numa fuga do direito, passa a evocar o direito de propriedade para “alicerçar

o domínio do capitalista em relação aos chamados meios de produção e isso associado à

liberdade de contratar tornou-se modelo balizador das relações comerciais, trabalhistas e

de consumo”.

E ainda que houvesse a implementação de um Estado Liberal democrático,

republicano que tivesse por obrigação respeitar direitos fundamentais, o Estado Liberal

fracassa, conforme aportaram Paulo Bonavides e Paes Andrade108:

O Estado liberal, produto acabado do liberalismo e sua ideologia, teve assim uma infância coroada das esperanças de que vinha mesmo para libertar. Os dogmas eram claros e precisos: na ordem econômica, a livre empresa, a livre iniciativa. O laisse faire, laisse passer, a livre troca, a livre competição; na ordem política, o homem-razão, o homem-governante, o homem-cidadão, o homem-sujeito, em

106 DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao Século XXI. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 136. 107 NUNES Júnior, Vidal Serrano. op. cit. p. 49. 108 BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991: p. 105.

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substituição do sub-homem ou subser, que fora aquele genericamente aquele súdito e servo das épocas da monarquia e do feudalismo.

Porém, não podemos perder de vista que a burguesia concentrou todo seu poder

econômico e político na realização de seus ideais egoístas e individualistas por meio do

princípio da legalidade e do princípio da igualdade formal que se consubstanciava na

expressão “todos são iguais perante a lei”. O que acabou predicando ao Poder

Legislativo um imperialismo sem precedentes.

Logo, o processo de elaboração das leis tinha um único objetivo: serem as vias

necessárias para que os burgueses participassem ativamente da organização do governo

e pudessem influir no estabelecimento de suas limitações109. E isso, por fim, os fez

apenas lograr êxito, como nos referimos acima, em se fazer substituir como opressores

aos seus antigos algozes, na medida em que a garantia absoluta de suas liberdades 110:

“gerava, como contraponto, a submissão dos economicamente vulneráveis (...) o que

aflorou, com irrecusável clareza, a insuficiência e a incapacidade do chamado Estado

absenteísta para garantir a convivência livre e harmônica entre seus súditos”.

Cabe aqui ressalvar a concepção do princípio da legalidade daquela época,

salienta Marinoni 111:

O princípio da legalidade, porém, constitui apenas a forma, encontrada pela burguesia, de substituir o absolutismo do regime deposto. É preciso ter em conta que uma das idéias fundamentais implantadas pelo principio da legalidade foi que uma qualidade essencial de toda lei é pôr limites à liberdade individual. Para haver intromissão na liberdade dos indivíduos, seria necessária uma lei aprovada com a cooperação da representação popular. Não bastaria uma ordenação do rei. Como adverte Carl Schimitt, para entender esse conceito de lei, (lei como limite da liberdade), é necessário considerar a situação política da qual se originou (....) no processo histórico de afirmação da burguesia, tal noção de lei cedeu espaço para o seu oposto, isto é, para a noção de lei defendida pelos representantes do absolutismo de

109 DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao Século XXI op. cit.; p. 130 110 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, Ada Pellegrine Grinover e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit.; p. 50 111 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 24

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Estado, segundo a qual, na formula clássica cunhada por Hobbes, auctoritas, non veritas facit legem – a lei é vontade, não vale por qualidades morais ou lógicas, mas precisamente como ordem.

E esse “culto” ao Poder Legislativo, habitado por representantes da burguesia,

onde não havia embates ideológicos112, acabou por mitigar o poder de realizar justiça

que ao menos em tese pertencia ao Poder Judiciário.

Assim, ainda que houvessem instituído a separação dos poderes como uma

garantia das novas instituições para que pudessem enquanto homens livres e iguais

vivenciar suas liberdades públicas em um Estado legítimo e justo o culto ao direito

tendo por única fonte a lei positivada como uma ordem seca e sem critérios morais

impedia a concretização da justiça de democracia.

Principalmente porque os juízes estavam impedidos de serem vetores da

interpretação desta mesma lei, isso porque o texto da lei no Estado Liberal era

considerado perfeito, portanto, quando da sua aplicação ao caso concreto, os juízes

estavam proibidos de interferir. A eles cabia apenas proclamá-la diante do caso concreto

vez que ela era resultado de um procedimento legislativo regular. Além, juízes, também

eram em essência o Estado e Estado não podia interferir no âmbito de liberdade

individual que por sua vez estava expressa na lei.

De forma que restava aos juízes no tocante às questões que lhes eram

apresentadas, e que envolviam conflitos, simplesmente aplicar a lei sem considerar as

circunstâncias peculiares e especiais, ou seja, as diferenças substanciais das partes

envolvidas não podiam ser levadas em consideração. E a prevalência desse pensamento

dentro desse contexto histórico marcadamente de capitalismo liberal acabava por

garantir apenas os direitos dos economicamente poderosos que em geral apoiavam os

resquícios da política absolutista.

Ademais, conforme, articula Dalmo de Abreu Dallari113:

112 Idem, Ibidem, p.41. 113 DALLARI, Dalmo de Abreu. A Constituição na vida dos povos: da Idade Média ao Século XXI .op. cit.; p. 124

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O liberalismo, que dava embasamento teórico a essa posições, era na essência, aristocrático, não democrático, pois vedava os privilégios da antiga nobreza de origem medieval, mas, admitia outra categoria de privilegiados, que em termos concretos, era a burguesia.

E sendo grande parte da massa populacional formada por trabalhadores e

intelectuais que não gozavam de credibilidade, os burgueses temendo “os excessos de

suas lideranças radicais e da população, fixaram uma série de restrições para que se

tivesse acesso à condição de cidadão” 114.

Entre essas restrições, vigorava por instituição legal o famigerado meio de

participação pelo voto censitário, que exigia uma renda mínima para participação

política de escolha de quem os representasse, e isso excluía uma grande massa

populacional que acuada não tinha como pleitear por maior justiça social, daí que alguns

intelectuais indignados, mas em geral sem posse de bens, começaram a instigar a massa

de trabalhadores a lutar por mais direitos.

De qualquer forma, com o advento da Revolução Industrial diante do quadro de

injustiças sociais, lado a lado trabalhadores e intelectuais começaram a contrapor-se a

essa ordem jurídica e legalista que instava considerar apenas a igualdade formal e que

encontrava no exercício absenteísta do Estado sua garantia e proteção. 115

Toda essa oposição somada a outros fatores de ordem social que também se

agravaram pela Revolução Industrial, como por exemplo, uma grande migração em

massa do campo para centros urbanos onde se estabeleceram os pólos industriais, em

busca de melhores empregos que pudessem proporcionar melhores condições de vida,

acabou por causar um grande inchaço nesses centros recém-industrializados, e esses,

por sua vez, como não ofereciam nenhuma, ou quase nenhuma, infraestrutura para

suportar adequadamente os problemas sociais, acabaram sucumbindo as pessoas a

estado de profunda miséria, pois não tinham se quer acesso a um mínimo existencial,

como alimentação, saúde, educação, moradia e uma renda mínima para se manter bem.

114 Idem, Ibidem, p. 130 115 Nova Enciclopédia Barsa. São Paulo: Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações, 1999, v. 12. p. 330.

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A classe operária, diante de tais condições de vida tão penosa e cada vez mais

consciente do novo modo de exploração do trabalho, cria condições para o surgimento

de lideranças trabalhistas. Nesse sentido116:

O operariado tomaria consciência crescente da sua condição de nova classe ao longo do século XIX e seria auxiliado nas suas reivindicações pelo nascimento dos movimentos socialistas, que proliferaram na Europa a partir da década de 1830. As primeiras medidas de proteção do trabalho seriam tomadas para beneficiar a classe trabalhadora apenas em 1833, quando o parlamento inglês votou a Lei de Fábrica, que estabelecia a proibição do trabalho de crianças menores de 13 anos por jornadas superiores há nove horas por dia. Em 1847, nova legislação trabalhista proibiu jornadas diárias com mais de 10 horas para os menores de 18 anos e mulheres. Apenas em 1874 foi promulgada a lei que estipulava a jornada diária de dez horas para trabalhadores adultos do sexo masculino.

Então, o povo operário e oprimido começa a fazer reivindicações por melhores

condições de vida e se insurgem contra seus empregadores e contra o Estado. Primeiro

em pequenos movimentos de greve que logo foram se alastram, e a seguir várias

insurreições que acabavam por refletir na sociedade como um todo.

1.5 Do Estado Social e socializante, Direitos de Segunda Geração e a Educação

como Direito Fundamental na Constituição de Weimar 1919

O ápice dessas reivindicações e revoltas se dá com a chamada “Primavera dos

Povos”, mais conhecida como a Revolução Francesa de 1848. E ainda que seu

baricentro tenha se dado em Paris, essa foi uma revolução que se estendeu por vários

países europeus como Itália, Alemanha, Áustria e Hungria.

A Primavera dos Povos iniciou-se como um surto revolucionário de aspirações

democráticas e liberais. Classe burguesa (intelectuais) e trabalhadora, lado a lado

lutando pelos mesmos ideais. Porém, aos poucos, a classe operária que tinha assegurada

a liberdade apenas pela igualdade formal somente na lei e que, como supunham os

liberais burgueses, tinham necessidades absolutamente idênticas às suas, se viu de fato

116 LESSA, Antônio Carlos. História das relações internacionais I: a PAX Britannica e o mundo do século XIX. 4ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p.63

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impedida de desfrutar dessa mesma liberdade, porque afinal não podiam possuir ou

sequer quer ter as mesmas condições que eles para conquistar os meios para tanto. E

isso foi realmente um golpe para pretensão dos liberais burgueses intelectuais. Fica

patente que o pensamento da igualdade formal de que todos merecem tratamentos

idênticos bastada na lei vai se dissolvendo117:

[...] negada pela dimensão concreta da vida em sociedade, inexoravelmente formada por pessoa e classes sociais diferentes e com necessidades e aspirações completamente distintas. (...) rapidamente fez perceber que a igualdade social constituía requisito para a efetivação da própria liberdade, ou melhor, para o desenvolvimento da sociedade. Conclui-se, em síntese, que a liberdade somente poderia ser usufruída por aquele que tivesse o mínimo de condições materiais para ter uma vida digna.

Karl Marx e Engels lançam o Manifesto Comunista “fruto de uma reflexão

intelectual sobre a realidade da época”. Argumentam que a história dos homens na

busca por mais liberdade sempre esteve às voltas com a luta entre as classes sociais.

Defendem como sendo a classe operária aquela que efetivamente trabalha para obter

recursos e sustentar o Estado, então deveria ser ela a estar no poder, e ainda que lá

chegasse pela revolução. Marx e Engels conceberam idéia negativa de Estado

argumentando pelo conjunto de suas idéias que esse será extinto, já que sua mecânica

prevê que a “rotação de classes, que se dará até o inteiro desaparecimento das mesmas,

condiciona a natureza e os fins do Estado.” 118

Do levante revolucionário de 1848 na França, surge a Constituição Francesa de

1849 entre seus constituintes estavam aqueles que lutavam por considerar o trabalho um

direito e alguns outros constituintes que não partilhavam dessa mesma opinião.

Conta Fábio Konder Comparato, que entre eles estavam aqueles que

argumentavam que uma vez que fosse declarado um direito ao trabalho ele poderia

inclusive “destruir a economia” ou ainda, representar um “direito à fome”. E mesmo o

famoso Toqueville comentou: “se tal direito fosse levado às últimas conseqüências os

bens de produção passariam a ser propriedade do Estado, que seria dominado pela

117 MARINONI, Luiz Guilherme. op. cit.; p. 40. 118 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luis Bolsan. op.cit. p. 46-50.

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classe de operários revoltosos, ou seja, estaria instado ‘o comunismo uma nova forma

de servidão’”.119

Assim, a Constituição Francesa de 1848, apesar de representar a ideologia do

liberalismo clássico, já estava tendenciosa a um socialismo democrático, pois tanto

declara o compromisso que a nação francesa tinha com a redução das despesas públicas

e impostos de um lado, como declarou em seu artigo 13 que todo cidadão francês tem

um direito à liberdade de trabalho e indústria.120

Temos que considerar, também, que no mundo a força da Igreja Católica era

ainda muito presente nos Estados, não de outro modo, também enfrentou a questão: em

15 de Maio de 1891 o Papa Leão XIII edita uma carta documental aos seus bispos, uma

Encíclica Papal, que foi nomeada de Rerum Novarum, que significa em português “das

coisas novas”.

O Papa manifestou-se contra a sociedade porque, face aos dogmas da Igreja

Católica, seus valores éticos e morais foram reduzidos. Segundo ele, devido ao

desenvolvimento do pensamento progressivo e dominante da laicidade. O mundo, de

acordo com ele encontrava-se em decomposição social. Todavia, por esse documento

ele defende os princípios que devem ser empregados para que o Estado alcance justiça

social, como, por exemplo: melhor distribuição de riqueza e intervenção do Estado na

economia para proteção dos mais pobres e desprotegidos. Salientando que a caridade do

patronato é de significativa importância para os trabalhadores.

A Rerum Novarum na interpretação de Zulmar Fachin121:

Se, por um lado, contestava o direito de greve e defendia o direito de propriedade, por outro, foi uma voz em defesa dos trabalhadores explorados. Argumentava que os patrões não deveriam tratar os trabalhadores como escravos, mas respeitar sua dignidade de homem, pois é o trabalho de seu corpo, fornecendo-lhe um meio de

119 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. VII Ed.. São Paulo: Saraiva, 2010, p.180-181. 120 Idem, ibidem,, p. 180-181. 121 FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 3ª ed. São Paulo: Método, 2008, p. 329

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subsistência, que faz a honra do homem. Desse modo, reconheceu como vergonhoso e desumano o uso dos homens como instrumentos de lucro e advertiu que os patrões não devem impor aos seus subordinados um trabalho superior às suas forças ou desproporcional à sua idade e à sua condição sexual.

Na linha cronológica de afirmação histórica pela luta de planificação de textos

normativos estatais que levem ao reconhecimento, respeito, proteção e concretização de

direitos sociais- direitos chamados pela Teoria das Gerações de Direitos Humanos de 2ª

geração- em paralelo as conquistas do século XVIII e XIX, no que diz respeito aos

direitos individuais civis e políticos foi a Constituição Mexicana de 1917 a primeira a

inovar. Foi ela a primeira constituição moderna do século XX a enunciar e qualificar

direitos trabalhistas como direitos fundamentais e inclusive proclama que esses

deveriam andar a passos com as liberdades individuais e direitos políticos. Conforme

aporta Vidal Serrano Junior122:

A carta mexicana, refletindo esse ideário de bem – estar social promoveu a constitucionalização dos direitos de proteção do trabalho. Nela houve minudente tratamento do tema, revelando, portanto a preocupação dos movimentos sociais com a limitação do poder econômico nas relações de trabalho.

Todavia, foi a Assembléia Constituinte na cidade de Weimar, na Alemanha, em

1919 que, após a eclosão de um movimento republicano, elaborou a primeira

constituição de “conteúdo socializante com efeitos práticos, atribuindo ao Estado o

papel garantidor de direitos sociais, rompendo com a tradição liberal- burguesa.”123 E

com isso renova os objetivos do Constitucionalismo Moderno.

O texto constitucional Weimariano124 começa declarando especificamente

proteção à comunidade a partir do artigo 120, ressalvando a importância da educação

dos filhos, assinalando que por ela devem ser alcançados os seguintes objetivos:

desenvolvimento mental, social e promoção da eficiência física da criança e do jovem.

Tanto isso é importante que, a seguir no mesmo texto declara que educação dos filhos

122 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 52. 123 DALLARI, Dalmo de Abreu. op.cit. p. 138 124 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit.; p. 83 -86.

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não é apenas o primeiro dever supremo dos pais, mas também seu direito natural

nascendo dessa contraposição a obrigação à comunidade política de zelar para que tais

objetivos se cumpram.

Do artigo 122 a 134 as de liberdades públicas de origem liberal que protegem a

vida em sociedade como, por exemplo, o direito de reunião (art.123); o direito de livre

associação (124); a liberdade e sigilo de voto (art. 125); e ainda, consagra que todos os

alemães devem ter acesso para trabalhar no funcionalismo público, portanto abole a

prevalência da aristocracia e da nobreza na gestão da coisa pública e em especial

consagra os direitos e os deveres dos funcionários públicos.125

A Constituição de Weimar inova a concepção de direito social ao consagrar no

art. 142 a educação escolar pública como um direito individual de cada cidadão, mas

também inova ao dizer que é a mesma é a principal instituição do país, pois é por meio

dela que se vai garantir a reconstrução e manutenção da unicidade alemã, que se

encontrava retalhada após a I Guerra Mundial.

Vale salientar que o sistema educativo alemão de 1919 também se assentava na

melhoria e no aperfeiçoamento pessoal do aluno, tanto que determinava que a

organização e a estrutura das escolas deveriam levar em consideração a multiplicidade

de profissões e inclusive vedou expressamente qualquer tipo de discriminação que

pudesse impedir a admissão à escola, o jovem ou a criança não deveriam sofrer

qualquer tipo de discriminação baseada na sua posição social, econômica ou ainda no

credo religioso de seus pais; a escola deveria considerar apenas a vocação e a

capacidade de cada criança ou de cada jovem.126

Há também uma preocupação por parte do constituinte alemão de 1919 com a

continuidade dos estudos para além da primária, já que visavam conquistar

aprimoramento, tanto que eles garantem que aqueles que não tiverem recursos para o

ensino médio e o superior poderão se valer de um fundo público instituído pelo Reich,

pelos estados e municípios conjuntamente para tal fim e para que os pais dessas crianças

125 Idem, Ibidem. 88 126 Idem, Ibidem. 88-90

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pudessem usá-lo, ou seja, eles criam uma espécie de sistema único de educação, desde

que comprovem que seus filhos estejam aptos a esse tipo de aperfeiçoamento.

Mas é pela redação do artigo 148 que vislumbramos o quanto os alemães do

início do século XX desejavam uma educação que pudesse ser usufruída por todo e

qualquer cidadão alemão para que ele pudesse unificar e reconstruir o país, pois esse

artigo determina a educação cívica e a educação política como um viés da educação que

se ensina, principalmente, às crianças alemãs: respeito ao país e submissão a sua lei

suprema. 127

Porém, o fato de eles terem vinculado uma educação específica para o civismo e

a para a política “conforme o espírito patriótico de reconciliação entre os povos” acaba

por cair no vazio, pois o espírito que tomava as ruas era o da ideologia do puro

nacionalismo e a raiva que nutriam por outras nações que estavam cobrando o

pagamento da indenização pelos prejuízos que causaram na I Grande Guerra acaba se

refletindo nas escolas e nas famílias e com o espírito alemão inflamado e Constituição

de Weimar sem força normativa o suficiente os idéias de implantação de

Constitucionalismo Moderno fracassa e deixa triunfar a crença de que os alemães eram

um raça pura e superior face às demais. Assim posto, esse foi o grande pecado do

sistema educativo alemão, pois, quando aplicado era demasiado nacionalista.

Por isso e ainda que a Constituição de Weimar tenha sido uma constituição que

consagrou direitos fundamentais políticos e civis lado a lado com direitos fundamentais

sociais no ano de 1933 ela fracassa no seu ideal, pois ao contrário do que pretendia ela

acaba se transformando em um dos veículos que vai permitir a instalação da ditadura

nazista que vai suprimir os direitos fundamentais dos alemães, principalmente daqueles

que não tinham sangue ariano.

Assim, mesmo que tenha sido o texto dessa Constituição o primeiro a por fim à

discussão doutrinária se direitos fundamentais civis e políticos tem ou não status de

direitos subjetivos, discussão doutrinária que havia iniciado com a Declaração dos

Direitos dos Homens após a Revolução Francesa ela acaba por não vingar e isso causa

127 Idem, Ibidem. 89-90.

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tanto trauma que a atual Lei Fundamental Alemã promulgada após a II Guerra mundial

e vigente desde 1949, termina por não repetir essa fórmula de tecer detalhadamente os

direitos sociais e se restringe simplesmente a enunciar o princípio do Estado Social no

seu artigo 20, o que vai abrir campo para a dogmática empírica alemã.128

Porém, é importante registrar que a educação escolar da Alemanha de 1919

defendia pelo Texto Constitucional, art. 149, um sistema educativo que

obrigatoriamente tinha que fazer necessária correlação que deve haver entre direitos

civis e políticos e direito sociais, haja visto que determinou que uma boa educação deve

visar o universal, e o fez isso na medida em que ressalvou expressamente que as

escolas públicas devem tomar cuidado para que as “sensações” (opiniões) de dissidentes

não sejam violadas. Portanto, o sistema educativo alemão foi o primeiro sistema

educativo constitucional que visava também garantir a liberdade de expressão e a livre

manifestação de pensamento, o que faz do ponto de vista pedagógico, pleno sentido já

que a escola é com certeza entre muitos locais, o mais certo para se pôr a salvo a

pluralidade de idéias, traduzindo-se, nisso como verdadeira: fonte de democracia.129

Há que se destacar que Texto normativo da Constituição de Weimar, também,

foi elaborado como uma importante fonte de integração social, que deveria ser utilizado

como instrumento para desenvolver cidadania, visto que determinou uma obrigação ao

Estado Alemão: a distribuição de um exemplar da Constituição a cada cidadão que

tivesse êxito em cumprir todas as etapas imposta para obter um mínimo da escolaridade

obrigatória.

Logo, essa foi uma Constituição que merece maior estudo porque foi uma sim

uma Constituição no qual começa a se instituir a cultura democrática porque começa a

delinear a sociedade política como uma construção institucional “cujo objetivo era

combinar liberdade individual e coletividades com a unidade da atividade econômica e

das regras jurídicas” Isso porque a cultura democrática define-se como: “um esforço de

128 LEDUR, José Felipe. Direitos Fundamentais sociais: Efetivação no âmbito da democracia participativa. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2009. p. 74-75 129 129 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit.; p. 83 -86.

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combinação entre unidades e diversidade, liberdade e integração.” Porém os líderes e a

forças políticas do social nacionalismo presentes na comunidade alemã a reduziu ao

“poder da razão, à liberdade dos grupos de interesse e ao nacionalismo comunitário” e o

que tinha de errado nisso prevaleceu.130

Dessa forma, o sistema educativo alemão do início do século, apesar de

concentrar os objetivos da educação, principalmente para edificar um Estado forte e não

na pessoa humana, expondo como objetivos do Estado: unicidade, estabilidade estatal e

nacionalismo, faz da educação um direito fundamental que dá vitaliciedade e força a

vivência de outros direitos fundamentais, sobretudo porque visava garantir uma

estabilidade nacional que na verdade se encontrava bem abalada, visto que eles

enfrentavam as conseqüências da derrota da I Guerra Mundial o que os desestabilizou

economicamente e feriu seu orgulho de cidadão nacional alemão a ponto de fazê-los

apostar suas esperanças, ao menos inicialmente, de maneira democrática, naquele que

foi um dos maiores carrasco do mundo. E ainda que tivessem a mais moderna das

constituições da época, dado que seu texto normativo já procurava dar funções objetiva

e subjetiva aos direitos fundamentais individuais e sociais , ela fracassa.

E pelo § 1º do artigo 163 já demonstra uma preocupação constitucional com a

instituição de um standard mínimo vital incondicional a ser suprido pelo Estado ao

trabalhador alemão que se encontrasse sem uma ocupação laboral que pudesse suprir

seu próprio sustento, nos seguintes termos131:

A todo alemão deve ser proporcionada a possibilidade de ganhar seu sustento mediante um trabalho produtivo. Quando não se lhe possam oferecer ocupações adequadas, atender-se-á ao seu necessário sustento. Leis especiais fixaram as disposições complementares.

Dessa feita, tendo a Constituição de Weimar enunciado lado a lado direitos

fundamentais individuais e direitos sociais, econômicos e culturais, garantindo a

vivência comunitária sob os dogmas de uma justiça social que fosse capaz de

130 TOURAINE, Alain. op. cit. p. 28-29. 131 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit.; p. 92.

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proporcionar vida digna, tornou-se ela uma inspiração que passou a influenciar as

chamadas Constituições Contemporâneas do século XX nesse sentido132:

La Constitución de Weimar ha sido, durante mucho tiempo, el texto inspirador de las cartas constitucionales que han intentado conjugar em su sistema de derechos fundamemtales las libertades con los derechos económicos, sociales y culturales. Esta orientación se refleja en nuestra Constitucion republicana de 1931, así como en la mayor parte del constitucionalismo surgido el fin de la Segunda Guerra Mundia. ES el caso, por ejemplo, de la Constituición francesa de 1946 de la Constitución Italiana de 1947 o de la Ley Fundamental (Grundgesetz) de la República Federal de Alemania que data de 1949. Esta tendencia se ha reforzado em las últimas constituciones europeas surgidas de la vuelta a la democracia de países sometidos anteriormente a regímenes autoritários. Así, las constituciones de Grécia (1975), Portugal (1976) y España (1978) han tratado deliberadamente de establecer un marco de derecchos fundamentales integrado lo mismo por las libertades públicas, tendentes a garantizar las situaciones individuales, que por derechos sociales. Quizás uno de los rasgos distintivos de estos textos sea, precisamente, la ampliación del estatuto de los derechos sociales, intentando así satisfacer las nuevas necessidades de caráter econômico, cultural y social que conforman el signo de definitorio de nuestra época.

Ademais foi a partir do texto da Constituição de Weimar, conforme aporta

Dalmo de Abreu Dallari, que surgiu a necessidade de uma reformulação da teoria

jurídica que vai dar um novo significado jurídico à Constituição133: “Nessa ocasião, a

partir da obra do checo-austríaco Hans Kelsen, foram dados os primeiros passos para

uma teoria constitucional, ao lado da tradicional teoria civilista que era eminentemente

individualista, privatista e patrimonialista”.

Assim, em seu texto, encontramos os primeiros passos para efetivar a

democracia como: “um regime em que a maioria reconhece os direitos das minorias

porque aceita que a maioria de hoje venha a se tornar minorias amanhã e ficar

submetida a uma lei que representará interesses diferentes dos seus, mas não lhes

recusará o exercício de direitos fundamentais.” Também, ali estão as primeiras linhas de

uma democracia que não reduz o ser humano apenas um cidadão e o reconhece como:

“um individuo livre que também faz parte das coletividades econômicas e culturais”

132 LUÑO, Antonio – Enrique Perez. Los Derechos Fundamentales 9ª ed. Espanha, Madrid: Tecnos, 2007, p. 40 133 DALLARI, Dalmo de Abreu. op. cit p. 138

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Porém, o fato de não apoiar-se numa consciência da interdependência da unidade com a

diversidade e porque não se apoiou em manter um debate permanente sobre encontrar

seus limites morais, para que se visse assim a instalação de um regime democrático que

fundamentado em uma cultura democrática, seus ideais não passam de primeiras linhas

e seus primeiros passos foram, então, claudicantes e levam a nação Alemã à queda, e

junto com ela toda humanidade. 134

Isso porque, ainda, que vigente a Constituição de Weimar o Estado Alemão

sofria com uma profunda crise política, social e econômica e o povo sofria com as

conseqüências dessas disputas ideológicas, conforme já aportamos. Grande parte dessa

crise advinha do fato de que o estado alemão da Baviera, havia se separado do resto da

Alemanha se declarado comunista e abolido a propriedade privada, inspirados pela

Revolução Russa de 1917 e sua correspondente “Declaração do Povo Trabalhador e

Explorado”, redigida pelo ditador Lênin em 1918.

O povo alemão temia o comunismo e seus ideais e o impacto que isso iria causar

em suas vidas. E realmente o comunismo causou um grande impacto na formação dos

estados socialistas. Na Rússia do início de 1918 o “III Congresso Pan Russo de

Sovietes, de Deputados Operários, Soldados e Camponeses” ao adotarem a “Declaração

do Povo Trabalhador e Explorado” a incorporam em sua Constituição do mesmo ano.135

Além disso, ao contrário do que pedia os ensinamentos da escola liberal

burguesa, desprezam por completo o reconhecimento de qualquer direito individual e os

operários, sovietes e soldados russos creditam os direitos trabalhistas como sendo eles

os únicos direitos que são capazes de impedir a exploração patronal - são as idéias de

Marx levadas a últimas conseqüências. É o temor de Toqueville, referido anteriormente,

durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1848 na França, concretizando-se. E o

temiam com razão como poderemos ver.

Dessa maneira, mesmo que posteriormente tenha a Constituição Soviética de

1936 previsto e estendido a titularidade de direitos políticos a todos os cidadãos da

134 TOURAINE, Alain. op. cit. p. 29. 135 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit. p.81-83,

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União Soviética e não tenha restringido seu exercício somente aos trabalhadores seu

exercício estava limitado pelo interesse da coletividade e conforme aporta Pérez

Luño136: “Este texto há inspirado el ulterior estatuto constitucional de los derechos

fundamentales no solo em la URSS, sino em la mayor parte de los países socialista.”

Porém, desprezava completamente o ser humano considerado individualmente e

muito mais do que um direito ao trabalho, eles decidem que o trabalho é um dever e

passam a expor os investidores, os comerciantes, e proprietários de terras como

parasitas e não como pessoas que deveriam ser retalhadas violentamente pelo poder de

armas, aliás, a expressão usada por eles em relação a existência físicas dessa pessoa é

que devem ser “suprimidas da sociedade.”137

Desse modo, os operários russos, de maneira radical e implacável tomam para si

todos os meios de produção e inclusive estatizam o sistema financeiro e eliminam o

direito do cidadão à propriedade privada. Por isso e apesar de instituir os direitos sociais

como a educação e trabalho para que seja garantida uma vida digna aos cidadãos

acabam por abolir os direitos civis e políticos. De maneira que quando Stalin tornou-se

o grande líder da República Socialista Federativa Soviética da Rússia, qualquer um que

discordasse de sua política era torturado e assassinado, haja visto não havia mais um

devido processo legal ou uma forma que garantisse a defesa dessas pessoas138.

Milhares de pessoas morreram no regime ditatorial que passou a usar os direitos

sociais como fachada para justificar todo o tipo de arbitrariedade e abuso de poder. De

tal sorte que a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado apenas nos é

importante na medida em que ressalva as questões do reconhecimento em concreto dos

direitos sociais, mas por outro lado na medida em que ela nega os direitos civis e

políticos e usa da violência física, psicológica e moral não merece maior acolhimento de

nossa parte porque acabou sendo usada para formar a base de um Estado Socialista que

não assegura a vivência em liberdades públicas, sem o qual é inconcebível uma vida

136 LUÑO, Antonio – Enrique Perez. op. cit.; p. 39 137 FERREIRA Filho, Manuel Gonçalves, GRINOVER, Ada Pellegrini e FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. op. cit. p. 82. 138 FERREIRA, Lauro Cesar Mazetto. Seguridade Social e Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2007.p. 41-42.

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digna. Portanto, fica consignado que tal Declaração ficou marcada na História Social da

Humanidade, que buscou por declarações alcançar maior concretização em Direitos

Humanos Fundamentais como um uma Declaração que implicou em um enorme

retrocesso histórico.

No entanto, histórica e juridicamente, os direitos econômicos, sociais e culturais

que são considerados pela Teoria das Gerações dos Direitos Humanos os de segunda

geração, ficam compreendidos como aqueles direitos fundamentais que têm por

principal característica, mas não a única, uma ação positiva do estado para que todos

alcancem bem estar social. Nos dizeres de Ingo. W. Sarlet não são:139 "de liberdade

perante o Estado, mas sim de liberdade por intermédio do Estado".

Na República de Weimar Adolf Hitler ganhou popularidade em 1924 pela edição

do seu livro Mein Kampf, onde sistematizou suas idéias do movimento nazista e após as

queda da bolsa em 1929 o povo alemão que já encontrava em profunda crise acaba

colocando-o no poder em janeiro de 1933 “pelas vias formais de uma democracia

parlamentarista” e ele um mês depois se aproveitando da idéias da oposição comunista,

os culpa pelo incêndio o Parlamento Alemão e a partir daí deflagra um processo de

reforma constitucional, atrofiando os demais poderes constitucionalmente previstos.

E em 1 de Setembro de 1939 Adolf Hitler com seu exército xenofóbico e

chauvinista invade a Polônia e a partir de então outras nações, até o ano de 1945

mergulha o mundo no maior conflito bélico de sua história - a II Guerra Mundial - que

vai terminar apenas em 1945 quando os Estados Unidos da América laçaram sobre duas

cidades do Japão bombas nucleares praticamente exterminando os civis que lá

moravam.

A II Guerra Mundial foi um conflito bélico sem precedentes em dimensão e

atrocidades que levou a óbito, aproximadamente, 60 milhões de pessoas, sendo a

maioria delas civis. A Alemanha, a Itália e o Japão que comungavam das mesmas

ideologias formavam o Eixo, que então passa a ser combatido pelos Aliados, formado

pela Rússia, Inglaterra e Estados Unidos da América as duas primeiras foram atacadas e

139 Idem, Ibidem, p. 46

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invadidas em seus territórios logo no primeiro ano da Guerra pelo exercito nazista e os

Estados Unidos somente ingressou para a guerra quando foi atacado pela marinha

imperialista japonesa em 1941.

Quando, finalmente, a II Guerra termina em 1945 com a vitória dos Aliados –

sobre o Eixo, as potências vencedoras precisam reconstruir o mundo, mas, já sabiam

que havia necessidade que toda a humanidade se engaje para universalizar uma filosofia

e ideologia política, jurídica e social que alcance assegurar a completa proteção de todo

e qualquer ser humano em todas as suas dimensões, não importando em qual nação,

território, povoado ou Estado ela nasça ou viva.

1.6 Internacionalização dos Direitos Humanos e a formação de um Estado

Constitucional Integralizador e Cooperativista- um caminho possível

Assim, inspirados, líderes de diversas nações, pela Carta Internacional dos

Direitos Humanos que foi subscrita em São Francisco em 1945 criou a Organização das

Nações Unidas - ONU o que já estava assumido pela Carta das Nações Unidas, desde

1942 de que as nações, a partir de então, teriam por objetivos principais criminalizar a

guerra e universalizar a paz, por meio de creditar às pessoas humanas pleno

reconhecimento da sua dignidade de pessoa humana o que implica em impor aos

Estados-membros, órgãos, entidades, e cidadãos de toda parte do mundo que o ser

humano deve ser protegido pelas ações de: promoção, respeito e implementação de

Direitos Fundamentais como direitos humanos, porque são os humanos os titulares

desses.

Reforçam, assim de que não há como sustentar a separação entre economia e

política, uma vez que pelos fatos históricos ficou evidenciado que a “própria existência

do Estado e da ordem jurídica significa uma intervenção”, que por sua vez são

pressupostos inerentes da economia, e ainda, que alguns considerem que a intervenção

estatal não cumpre nenhuma papel socializante, evidenciou-se que sua intervenção

alivia os conflitos do Estado Liberal, atenuando nas palavras de Lênio Streck e José

Luiz Bolsan, suas características: liberdade contratual e a propriedade privada dos meios

de produção. O que, então, se pactua é a separação entre os trabalhadores e os meios de

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produção, o que por si produziu a necessidade de impor função social a esses institutos

e a transformação de outros.140

O tipo de Estado Welfare State, que juridicamente começou a emergir com a

Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar após, duas Grandes

Guerras e uma crise econômica em 1929, derrubam definitivamente a forma de Estado

assistencial paternalista, isso porque eles exigiam em troca de benefícios as garantias da

liberdade pessoal. Após todos esses acontecimentos, os autores citados, comentam H.L .

Wilensky em Gloria Regonini 141:

[...] no modelo de Bem-Estar as prestações públicas são percebidas e construídas como um/uma direito/ conquista da cidadania. [...] À vista disso, pode-se caracterizar esse modelo de Estado como aquele que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade, mas como direito político.

Fábio Konder Comparato observa, que do ponto de vista humanístico e espiritual

não podemos negar que estavam presentes entre as nações após o final da Segunda

Guerra Mundial, o fato de que ao final dela foram lançadas duas bombas nucleares no

Japão: uma em 6 de agosto na cidade de Hiroschima e outra em 9 de agosto na cidade

de Nagasaki, pelos Estados Unidos argumentando-se que era mais do que necessário

por um ponto final nessa Guerra. Esse acontecimento cruel, trágico e pavoroso evento

deu ao mundo um “prenúncio de apocalipse” que nos pôs conscientes de que “o homem

acabará de adquirir o poder de destruir toda a vida na face da Terra.” 142

É como consequência desse despertar de consciência que a humanidade

compreenderá que se quiser sobreviver, deverá haver entre todos os povos uma

colaboração “na reorganização das relações internacionais com base no respeito

incondicional à dignidade da pessoa humana.” 143

140 STRECK, Luiz Lênio e MORAIS, José Luiz Bolsan. op. cit. p. 74-75. 141 Idem, Ibidem, p 78. ver também: REGONINI, Glória. Estado do Bem-estar. in Dicionário de Política. Noberto Bobbio, Nicola Matteuci e Gianfranco Pasquino. 13ª ed. Brasília: UNB, 2008, p.416-419. 142 COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. op. cit.; p. 226. 143 Idem, Ibidem, p. 226.

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Assim nasceu a consciência de que é mais do que necessário a construção da

idéia de que qualquer Estado seja capaz de integralizar, por meio de uma Lei Suprema,

direitos fundamentais civis, políticos, econômicos, sociais e culturais à sua agenda, à

base de seus valores comunitários, e ainda, que seja capaz de os levá-los para cidadãos

que estejam além de suas fronteiras, por meio do desenvolvimento da colaboração e do

cooperativismo entre todas as nações.

Por fim, é o surgimento da idéia de um Estado Social Integralizador e

Cooperativista que adota como condição que seu poder político pode ser mitigado, pois,

enquanto Estado, a partir do momento que toma consciência da necessidade da função

integrativa de sua constituição ratifica tratados, convenções, pactos internacionais de

proteção ao ser humano que consagrados nos Sistemas Internacionais de Proteção dos

Direitos Humanos e isso para integrá-los. Então, ao fazerem isso também devem

desenvolver a compreensão de que sua soberania foi relativizada, dado que passam a

aceitar pela ratificação que uma ordem (poder) supranacional pode intervir em seu

território para fiscalizar, ajudar e garantir a implementação de respeito e garantias a

plena vivência de Direitos Humanos Fundamentais, o que deve se estender à toda

pessoa humana que esteja sobre a proteção de suas fronteiras.

Isto porque a concepção de soberania que até então vinha e, ainda, vem, sendo

propagado pelos Estados- nações e o positivismo jurídico que lhes acompanha e que

propõe um formalismo rígido e exagerado não podem mais oferecer respostas

suficientes e adequadas que, sobretudo protejam as pessoas, onde quer que elas se

encontrem, do abuso de poder, de outras pessoas, ou dos Estados.

Logo, podemos concluir que o (neo) Constitucionalismo Moderno e Local

passou a caminhar lado a lado com um Constitucionalismo Global e Contemporâneo. A

ordem de se trabalhar os valores humanos que protegem a condição de ser humano,

impostas por esse movimento de internacionalização de Direitos Humanos, estabelece o

que a doutrina nomeia de Neoconstitucionalismo que passou, por sua vez a reorientar a

Teoria Constitucional desenvolvida em quase todas as nações, já que por toda a parte do

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mundo tornou-se comum que um Estado adotasse uma Constituição como sua lei

suprema. Nos dizeres de Lilian Balmant Emerique foi preciso144:

[...] oxigenar o debate no campo do Direito, principalmente no que concerne a Teoria Constitucional, a fim de avaliar os mecanismos de mudança sugeridos e provocar um debate enriquecedor sobre o papel da Constituição dentro da conjuntura social cambiante.O coevo momento coloca na agenda dos debates no âmbito constitucional novos problemas ou desafios que demandam um interesse maior dos estudiosos da Teoria Constitucional e da Constituição, dentre os fatores responsáveis pela mudança podem ser arroladas as transformações tecnológicas, a crise do Estado providencia, as tendências neoliberais, os novos corporativismos, o pluralismo político-social e a afirmação de identidades, as forças centrífugas internas e externas, a integração nos espaços transnacionais e supranacionais, a globalização económica e da comunicação social, a fragilidade ambiental, a exasperação de conflitos com incidência mundial.

Já a etimologia da palavra integralização145 tem suas origens no Latim, na

palavra integratio e significa “não tocado, intacto, completo em todas as suas partes”.

Hoje, porém, a ela foram dados outros dois sentidos: um que podemos chamar de

individual psicológico, de um cunho subjetivo e que denota a ação de centrar os

diversos elementos de uma personalidade em torno de um eixo de valores estáveis. E,

um outro sentido objetivo, de cunho mais social que representa a polarização de todos

os elementos da sociedade, em torno de um projeto comum, ou seja, a participação de

todos num bem comum, ou seja, integralização está intimamente ligada à idéia de

comunidade.

144 BALMANT, Lilian Emerique. Neoconstitucionalismo e Interpretação Constitucional. Revista da Faculdade de Direito de Lisboa. V. XLVIII n.1 e 2. Portugal, Lisboa: Coimbra, 2007, p. 354. Disponível na internet em: http://www.fd.ul.pt/LinkClick.aspx?fileticket=zFAKd2su_nI%3D&tabid=648. Acesso em janeiro de 2012. 145 Pequena Enciclopédia da moral e civismo – Fundação Nacional de Material Escolar – Ministério da Educação e Cultura. 1972 p. 391- Ressalvamos, desde, então, que esse dicionário ainda que tenha sido elaborado sob o regime ditatorial brasileiro, que perdurou por 21 anos no Brasil, do inicio de março de1964 a início de 1985. Época dúbia para o ensino, como explicaremos mais a frente no processo histórico dos direito sociais brasileiros, trata-se de um obra de referência útil para a nossa pesquisa histórica, pois, em primeiro podemos buscar em cada verbete a etimologia da palavra procurada e por uma análise desses mesmos verbetes compreender perfeitamente o que se passava com a educação e a sociedade brasileira em tempos de ditadura brasileira.

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Desta forma podemos alinhar tal pensamento àquele já desenvolvido por R.

Smend146 que preconiza que a Constituição tem uma função integralizadora, ou seja, os

valores supremos de uma comunidade devem ser fundamentados numa Lei Suprema

que reconhece direitos humanos fundamentais como sendo aqueles direitos que visam

proteger a dignidade de todo o ser humano que esteja em seu território.

Logo, a Democracia passou a ser compreendida como a “busca de combinações

entre a liberdade privada e a integração social ou entre o sujeito e a razão”. Também

passou a ser um atributo da modernização econômica. Porém esse apelo a democracia

não pode em nome de uma cultura particular reforçar o Poder Político, como por

exemplo, impor uma relação direta entre um religião e um Estado, isso porque pode

eclodir ao invés de uma ditadura nacionalista uma ditadura comunitarista, como vem

acontecendo com muitos países da comunidade de nações árabes. Isso tem sido entre

muitos os dos principais desafios da internacionalização dos direitos humanos, entre

outros, como por exemplo, a concepção de que a democracia somente pode existir nos

países ricos, para aqueles que dominam o mercado mundial, o que se opõe

completamente ao ideário de democracia, visto que ela é um construído que como

dissemos foi e está sendo, infelizmente conquistado em campos de batalhas, de maneira

que ela foi se construindo como um “ente” que necessariamente caminha lado a lado

com a economia de mercado e a secularização, que em geral podem ser vistas como as

três fases de um processo geral de modernização, que vem para combater tanto as

ditaduras totalitárias bem como o ideário laisser-faire que “favorece o crescimento das

desigualdades e a concentração do poder nas mãos de grupos restritos.”147

O que nos leva a compreender que um Estado Constitucional Democrático e

Integralizador é aquele tipo de Estado, que para além de adotar uma Constituição que

esteja aberta a toda essa ordem externa de sistemas internacionais de proteção aos

direitos humanos como “norma cogens”, para que os direitos fundamentais humanos de

sua Constituição fique perfeitamente alinhada com o eixo dos valores da comunidade

internacional, também, vai em sua ordem interna consagrar e incentivar que a

146 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional.; p.129 em nota de roda pé. 147 TOURAINE, Alain. O que é Democracia? op.cit. p. 30-31.

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participação de todos os indivíduos para o desenvolvimento dessa nova ordem é de

suma importância para que se consiga progresso social e justiça social tanto isso

valendo para uma ordem local como para uma ordem externa, com o qual estarão

perfeitamente alinhados, pelo que preconiza sua constituição.

Portanto, as constituições de toda e qualquer Estado- membro da Organização

das Nações Unidas assumem um compromisso de integrar o ser humano tanto à sua

comunidade local como à comunidade internacional. Devendo as Constituições alcançar

por meio de sua função integrativa a efetivação de todas as suas demais funções e

dimensões: política, jurídica e social e axiológica, o que vai exigir que os Poderes

Políticos Locais e Globais respeitem, implementem e garantam os direitos humanos

fundamentais, isso porque seu titular é a pessoa humana e seu objetivo: a proteção de

sua dignidade.

Nesse sentido por Estado Constitucional Cooperativista palavras de Peter

Härbele é aquele Estado 148:

[...] que justamente encontra a sua identidade também no Direito Internacional, no entrelaçamento das relações internacionais e supranacionais, na percepção da cooperação e responsabilidade internacional, assim como no campo da solidariedade. Ele corresponde com isso, à necessidade internacional de políticas de paz.

Isso porque, do ponto de vista moral aos olhos de toda a humanidade emergiu a

necessidade de que uma ordem política e jurídica protegesse a todas as pessoas em todas

nações, de maneira a garantir a execução de obrigações recíprocas que ligam todo

homem ao seu semelhante, “pois cada um depende de todos.” Isso, significa dizer que

nasceu por toda parte, mesmo que tardiamente, a necessidade de se proteger,

implementar e garantir juridicamente, a solidariedade, tanto na ordem local como na

ordem internacional, para principalmente combater o solipsismo que vem a designar o

isolamento da consciência individual em si mesmo, “tanto em relação ao mundo externo

quanto em relação a outras consciências.149

148 HÄRBELE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p.4 149 JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilo.op. cit. p. 258.

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O que fica imediatamente claro para todas as nações é que o Estado

Constitucional, conforme aporta Jorge Miranda, não pode perder de vista a

essencialidade de se articular conjuntamente150:

[...]direitos, liberdade e garantias (direitos cuja função imediata é a proteção da autonomia da pessoa) com direitos sociais (direitos cuja função imediata é o refazer das condições materiais e culturais em que vivem as pessoas); de articular igualdade jurídica (à partida) com igualdade social (à chegada) e segurança jurídica com segurança social. (g.n)

E foi com essas intenções proclamadas na Carta das Nações Unidas151, e o

compromisso firmado pela Assembleia Geral da ONU que se criou o Conselho

Econômico e Social que hoje é o órgão coordenador do trabalho econômico e social da

ONU, das Agências Especializadas e das demais instituições integrantes do Sistema das

Nações Unidas: 152

O Conselho formula recomendações e inicia atividades relacionadas com o desenvolvimento, comércio internacional, industrialização, recursos naturais, direitos humanos, condição da mulher, população, ciência e tecnologia, prevenção do crime, bem-estar social e muitas outras questões econômicas e sociais. Entre suas atribuições encontra-se principalmente: encarregar-se, sob a supervisão da Assembléia Geral, das atividades econômicas e sociais das Nações Unidas; Elaborar ou iniciar estudos, relatórios e recomendações a respeito de assuntos de caráter econômico, social, cultural, educacional e conexos; promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos.

Por isso e para isso pela resolução 217 A (III) em 10 de Dezembro de 1948 a

Assembléia Geral das Nações Unidas promulga a Declaração Universal dos Direitos

Humanos153. E em 1966 novamente reunidos em Assembléia Geral promulgam o Pacto

150 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 43. 151 Aprovada no Brasil, pelo Decreto-lei n. 7.935, de 4 de setembro de 1945, e promulgada pelo Decreto n. 19.841 de 22 de novembro de 1945. 152Missão Permanente de Portugal junto às Nações Unidas . Disponível na internet:

http://www.missionofportugal.org/mop/index.php?option=com_content&view=article&id=50&Itemid=5

5 Acesso em fevereiro de 2012.

153 Assinada pelo Brasil em 10 de dezembro de 1948. Fonte: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 11ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 383.

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Internacionais de Direitos Civis e Políticos154 e o Pacto Internacional de Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais155 que formam em conjunto o Sistema Global de

Proteção ou International Bill of Rights.

Com o passar dos anos deu-se continuidade a esse processo de

Internacionalização dos Direitos Humanos pela formulação de várias convenções,

tratados e pactos que visam completar a proteção o e o respeito de pessoas humanas

que, principalmente a muito já se encontravam historicamente excluídas da proteção das

leis e por isso tiveram devidamente protegidos seu estado de vulnerabilidade natural,

formando-se então o Sistema Especial de Proteção156, que caminha em conjunto e

paralelo ao Sistema Global e a partir de 1950 a Convenção Européia dos Direitos

Humanos, inaugura ainda mais um Sistema de Proteção dos Direitos Humanos: o

Sistema Regional de proteção que acaba então se estendendo para outros países que em

conjunto também formaram seus próprios sistemas regionais de proteção da pessoa

humana. Sendo que para o Brasil se aplica o Sistema Regional Interamericano formado

pelos seguintes e principais instrumentos: Convenção Americana de Direitos

154 Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI0 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 6 de dezembro de 1966 e aprovado no Brasil pelo Decreto-legislativo n. 226 de 12 de dezembro de 1991, e promulgada pelo Decreto n. 592 de 6 de julho de 1992. Fonte: Idem, Ibidem, p. 383. 155 Adotado pela Resolução 2.200-A (XXI0 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 6 de dezembro de 1966 e aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n. 226 de 12 de dezembro de 1991 e promulgado pelo Decreto n. 591 de 6 de junho de 1992. Fonte: Idem, Ibidem, p. 383. 156 Alguns dos mais importantes instrumentos de proteção ratificado pelos Estados-membros da ONU, inclusive o Brasil que fazem parte do Sistema Especial de Proteção, são: a) Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio- Adotado pela Resolução 260-A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas e ratificado pelo Brasil em 4 de setembro de 1951; b) Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes- adotada pela Resolução 39/46 da Assembléia Geral das Nações Unidas e ratificada pelo Brasil em 29 de setembro de 1989; c) Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher Adota pela Resolução 34/184 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de1979 ratificada pelo Brasil em 1 de dezembro de 1984; d) Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial Adota pela Resolução 2.106-A (XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 21 de dezembro de1965 ratificada pelo Brasil em 27 de março de1968; e) Convenção sobre s Direitos da Criança Adota pela Resolução L.44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990; f) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo à Convenção sobre Direitos das Pessoas com deficiência ambas adotada pela Resolução A/RES/61/106 da Assembléia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006. No Brasil a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência e seu Protocolo Facultativo foram aprovados pelo Decreto Legislativo n. 186/2008 em 9 de agosto 2008, já de acordo com o § 3º do art. 5. da Constituição Federal de 1988. Fonte: Idem, Ibidem, p. 384-385.

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Humanos157, Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em

matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais158 mais conhecido como Protocolo

de San Salvador e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura159,

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher160.

Destaca-se que a positivação pela ordem interna de um país dos dois principais

sistemas globais de proteção, especial e International Bill of Rigths em paralelo: muito

mais do que consagrar o direito à igualdade entre as pessoas faz respeitar o direito à

diferença: “Importa assegurar a igualdade com respeito à diversidade” 161

Toda essa ordem jurídica e política de proteção internacional deve ser vista

conjuntamente, ou seja, nenhum exclui o outro, dá-se primazia aquele sistema que mais

se encontra em condições de tanto materialmente como formalmente dar maior proteção

a pessoa humana onde quer que ela esteja, afinal o direito é dela e não do Estado, a ele

cabe apenas reconhecer por ações focadas: respeitar, proteger e implementar tais

direitos. Por respeitar devemos compreender que ao Estado está vedado violar tais

direitos. Por proteger devemos compreender que o Estado deve evitar e impedir que

terceiros - atores não estatais- violem esses direitos. Por obrigação de implementar

devemos compreender que o Estado tem a obrigação de adotar medidas que concretizem

esses direitos, e ainda que tais ações tenham sido ressalvadas pela Recomendação Geral

n. 12 do Comitê dos Direitos Econômicos e Sociais, conforme aporta Flávia Piovesan

para realçar as obrigações que os Estados têm face à ratificação do Pacto Internacional

dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a bem da verdade compreendemos que

essas obrigações se estendem para inclusive a consecução de direitos civis e políticos

157 Adotada e aberta a assinatura na Conferência especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992. Fonte: PIOVESAN, Flávia. ibidem, p. 386. 158 Adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 17 de novembro de 1988, Ratificada pelo Brasil em 21 de agosto de 1996. Fonte: Idem, Ibidem, p. 386. 159 Adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 9 de dezembro de 1985, Ratificada pelo Brasil em 27 de julho de 1989. Fonte: Idem, Ibidem, p. 386. 160 Adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1985, Ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995. Fonte: Idem, Ibidem, p. 386. 161 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 192.

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vez que a instrumentalização deles para instar um regime democrático se fazem

necessários.162

1.7 Estado Constitucional e Direitos da Terceira Geração

Justamente por causa do desenvolvimento da idéia de comunidade, integração e

cooperativismo, entre Estado e Direitos Fundamentais e Humanos é que a Teoria das

Gerações dos Direitos Humanos vai dizer que são direitos de terceira geração os direitos

que dizem respeito a todos.

Nesse sentido, em a Era dos Direitos, comenta Noberto Bobbio163:

Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impedi de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada individuo.

Confere assim a compreensão de Fernando Reverendo Vidal Akaoui164, de que

essa percepção de uma nova classe direitos, que principalmente ficou visível após a

Revolução Industrial, permitiu um “salto do individualismo como valor claro para

sociedade considerada de ‘massa’ ”. O que está a exigir do Estado local uma proteção

jurisdicional que dê aos direitos metaindividuais tutela constitucional, que caracterizado

por sua transindividualidade, ultrapassem o limite de serem apenas, considerados

fundamentais que estão a exigir uma simples proteção ou cumprimento de diretos e

obrigações de cunho individual. Como bem alerta o referenciado jurista, a exemplo do

que fez o Brasil, mesmo ainda em uma época que não se reconhecia a existência de uma

162 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. op.cit. 181-182.

163 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. p.cit. p. 5. 164 AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Jurisdição Constitucional e a Tutela dos Direitos Metaindividuais. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2009.p. 8-9.

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nova classe de direitos, e mesmo outros que estavam expressos, indiretamente a admitiu

ao promulgar a Lei de Ação Popular, n. 4.717 de 29 de Junho de 1965, que deu

legitimidade a qualquer cidadão para ser parte legítima e poder pleitear a anulação ou a

declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos

Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista de

sociedades mútuas de seguro, nas quais a União represente os segurados ausentes, de

empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para

cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50%

do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do

Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou

entidades subvencionadas pelos cofres públicos, e com a promulgação da Constituição

Brasileira de 1988, erigiu a ação popular ao status de garantia constitucional, como um

remédio jurídico, posto ao alcance do cidadão para que ele possa zelar e cuidar do

patrimônio público quando for lesado ou ameaçado de lesão, conforme art. 5º, inciso

LXXIII, nos seguintes termos:

Art. 5º, inciso LXXII - “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

Bem como também, o Brasil, promulgou, o que também lembrado pelo autor

referido, a Lei de Política Nacional de Meio ambiente n. 6.938 de 31 de Agosto de 1981

que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação e aplicação. E que posteriormente foi recepcionada pelo Texto da

Constituição de 1988 o que fez com fundamento nos incisos VI e VII do art. 23 e no

artigo 235 para estabelecer uma moderna e mais precisa Política Nacional do Meio

Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação para constituir o Sistema

Nacional do Meio Ambiente - Sisnama- e instituir o Cadastro de Defesa Ambiental.

Como o objetivo principal de compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com

a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.165

165 Idem, Ibidem, p. 9.

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Esses exemplos, já apontam para a principal preocupação sobre os direitos

chamados de terceira geração de eles devem se estender a todos igualmente, homens e

nações. Porém, esse reconhecimento exige além de investimento imediato e

consideração de que se houver um retorno, esse será a um longo prazo devido aos

desgastes da natureza. Também exige uma efetiva conscientização, compromisso e

responsabilização das nações e dos homens e, que sobretudo isso seja por meio de

normas escritas para que sejam devidamente cumpridas. Nesse sentido, Ingo W. Sarlet,

alerta sobre a responsabilidade que se exige das nações e sua conseqüente

positivação166:

Compreende-se, porquanto, porque os direitos de terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em fase de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação. No que tange à sua positivação, é preciso reconhecer que, ressalvadas algumas exceções, a maior parte destes direitos fundamentais da terceira dimensão ainda (inobstante cada vez mais) não encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional, estando, por outro lado, em fase de consagração no âmbito do direito internacional, do que dá conta um grande número de tratados e outros documentos transnacionais nesta seara.

Concluímos, portanto, que os direitos de terceira dimensão têm por sujeito a

humanidade no seu coletivo sem, entretanto, perder de vista cada indivíduo, mesmo

porque os direitos ao saírem da sua posição jusnaturalista e adentrarem para ordem

interna dos ordenamentos jurídicos e se positivarem como direitos fundamentais,

também fizeram seu percurso histórico. Assim, as primeiras constituições modernas

positivaram os direitos individuais de base liberal burguesa, no início do século XX, e

agora muitas já contemplam os direitos fundamentais de terceira dimensão, como a

preservação do meio ambiente saudável e conjugam o valor do desenvolvimento

humano associado ao valor da sustentabilidade.

Todavia, é importantíssimo ressalvar que a solidariedade consubstanciada como

direitos de terceira dimensão também prescinde do reconhecimento da igualdade

material. E a ela se soma a solidariedade sob seu aspecto lógico, aquele que requer um

despertar da consciência humana do que seja alteridade, conceito que somente pode ser

166 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional op. cit., p. 49.

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construído na medida em que se efetiva os direitos de segunda dimensão. Assim, se

compreendemos por alteridade a qualidade de pressupor o Outro como um ser existente

podemos concluir que ela deve alcançar aqueles que ainda estão por vir, inclusive com

suas possíveis diferenças.

Com isso, o desenvolvimento humano e o econômico sustentável, a paz e a

manutenção do meio ambiente são direitos a serem perseguidos hoje, para que deles

possam, desfrutar as gerações futuras. Isso exige da sociedade e do Estado um

aprofundamento da conscientização do conceito de alteridade, o que pode e deve ser

feito pela efetivação de um direito que está apregoado como direito de segunda geração,

a educação. Pois, os direitos de 3ª geração não são direitos que são apenas vivenciados

no momento de existência de uma única pessoa sua plena consecução ultrapassa isso,

embora exijam na sua construção a participação das gerações presentes.

Assim, a conseqüência imediata de se pressupor o Outro como ser existente,

reconhecido pelo "meu eu" no “aqui e agora”, é que o Estado deve convocar o cidadão

para participar do diálogo constitucional. Pois, para que os direitos fundamentais se

efetivem plenamente, o cidadão deve ser chamado a participar ativa e diretamente da

consecução dos direitos fundamentais que lhe dizem respeito. Tal participação refere-se

ao que Paulo Bonavides chamou de Democracia Social. Na concepção do referido

jurista a Democracia é guindada de sistema de governo a direito fundamental, quando

todos devem ser chamados a participar ativa e diretamente do desenvolvimento de

políticas públicas sociais que consagram e efetivem seus direitos fundamentais de

primeira, segunda e terceira geração.

Todos os direitos conquistados podem e devem ser desenvolvidos por ações de

políticas públicas, que podem ser compreendidas, por hora, como nos termos expostos

por Jair Militão da Silva167:

As políticas públicas são respostas que os governos dão, através de seus dirigentes, aos problemas que ganham caráter de demanda coletiva (...) por não ser espontânea, em nossa sociedade, a defesa da

167 SILVA, Jair Militão da. Cultura dos Direitos Humanos. Coordenado por: Maria Luzia Marcílio, Lafaiete Pussoli.: Editora Ltr, São Paulo, 1998 _Texto: A Consideração da dignidade Humana como critério de Formulação de Politicas Públicas;

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dignidade humana, é preciso que aqueles sensibilizados por essa necessidade utilizem-se de meios eficazes e eficientes na luta pela criação de um clima de respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.

É verdade que podemos considerar que em parte os diálogos já estão acorrendo,

não apenas devido aos avanços da comunicação dados pela tecnologia, que encurtaram

os espaços entre as pessoas e as nações, mas também porque líderes do mundo todo

estão se encontrando em fóruns e convenções e dialogando constantemente sobre a

efetivação dos direitos conquistados pelas três dimensões inspiradas pela Revolução

Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Temos que considerar que nesta era de

globalização os líderes mundiais nem poderiam se portar de forma diferente, já que são

as nações são dependentes uma das outros em muitos aspectos.

1.8 Estado Constitucional e Democracia Social, um direito de Quarta Geração

Vale dizer também que a era da globalização e da tecnologia avançada tem nos

impelido a repensar os pontos de tensão entre moral e ciência que constantemente são

colocadas como fenômenos contraditórios, e por isso, temos sido constantemente

chamados a dar opinião sobre um e outro assunto que envolve, questões políticas e

questões de direito principalmente no que diz respeito à direitos fundamentais.

E quando tais questões nos são postas pelo espaço de domínio público, somos

compelidos a travar uma dialética produtiva para encontramos uma solução para

conflitos que seja compatível com a dignidade da pessoa humana e suas dimensões.

Entretanto, o maior problema para muitas nações está no fato de a mentalidade

do século passado não ter sido totalmente ultrapassada, e muitas delas sofrem porque

sequer foram reconhecidos às pessoas os direitos de primeira dimensão. Ou ainda pior

nem a efetivação dos direitos de segunda dimensão, que são para outros tantos povos e

nações conquistas de séculos passados, o que faz com que os direitos de terceira e

quarta dimensão não passem de puras utopias.

Nessas nações há uma profunda falta de reconhecimento e comprometimento

com o despertar da consciência humana do valor da dignidade humana e coma força

normativa de uma Constituição. Mesmo entre aquelas nações que assumiram

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conscientemente tal compromisso, há muito trabalho a ser feito, como ensina Fernando

Magalhães, quando disserta sobre os pensamentos de Engels e Marx168:

Mais de cem anos nos separam do período em que viveram Marx e Engels. No entanto, sua teoria se mantém tão atual que se torna quase impossível imaginá-la como produto de uma mentalidade do século passado. Isso porque todos os problemas que ele criticou em sua época permanecem vivos na atualidade: exploração, alienação, sofrimento físico e mental causado pelo trabalho desgastante da Pós-modernidade, divisão de classes, desigualdades etc.

Por isso se faz de extremada importância que o Estado- nação de hoje, sendo o

espaço local de vivência desses direitos fundamentais por excelência, deva

comprometer-se com maior seriedade ao chamamento do cidadão, levando-o a

participar diretamente da consecução de políticas públicas sociais que lhe dizem

respeito.

Contudo, isso implica que o Estado deve conduzir a Democracia para além do

que ela já é. O Estado precisa deixar de pensar no regime democrático como um simples

regime que dá ao cidadão apenas o direito de participação do governo, ou seja, um

regime de governo que propicia o direito de votar e de ser votado.

Em suma é preciso transmutar o ideário de Democracia e ir além, porque os

direitos conquistados ontem exigem que hoje, o regime democrático aperfeiçoe a

concepção de participação. O cidadão deve participar diretamente sobre as normas que

se vão elaborar, organizar e distribuir os meios pelos quais ele vivenciará seus direitos

fundamentais individuais, coletivos e sociais.

A Democracia precisa ganhar seu espaço social, ou seja, o Estado tem que

interiorizar, planificar, desenvolver uma tipo de Democracia que seja capaz de dispensar

a assistência paternalista e firmar definitivamente uma democracia social. No mundo de

hoje não basta mais o Estado intervir com ações positivas para concretizar direitos

fundamentais.

168 MAGALHÃES, Fernando. 10 lições sobre Marx, Petrópolis, RJ: Vozes. 2009, p. 133.

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É importante que o próprio sujeito de direito ou seja a pessoa humana aponte e

revele diretamente qual a dimensão da sua dignidade que pode estar vulnerável. O

cidadão precisa intervir diretamente na governança estatal, afinal ninguém melhor do

que ele para apontar quais são suas reais necessidades.

Vista assim a Democracia deixa de ser apenas uma forma de governo e passa a

ser um Direito. Quando o regime democrático chama para o diálogo: fala o Estado e o

cidadão ouve; fala o cidadão e o Estado ouve, respeita, protege, concretiza e garante.

E é por meio desse diálogo que se mantém a Constituição viva. Por ele há

paridade de forças permanentemente entre estado e povo e não apenas em tempo de

eleições, pois conforme aporta Paulo Bonavides169:

Nessa condição é a Democracia do Estado social, por conseguinte, o mais fundamental dos direitos da nova ordem normativa que se assenta sobre a concretude do binômio igualdade-liberdade; ordem cujos contornos se definem já com desejada nitidez e objetividade, marcando qualitativamente um passo avante na configuração dos direitos humanos.

Ressalvamos que sendo a Democracia Social um direito que se conquista no dia

a dia, será por meio dela que abrirá as portas para que continuemos agregando novos

direitos ao rol dos fundamentais já conquistados. Assim se manterá a Constituição

permanentemente viva, como Carta Maior que assegure este diálogo, pois certos estão

José Luiz Bolsan e Valéria Ribas quando afirmam que170: “A Carta Maior não é

somente um texto jurídico, é expressão de uma situação cultural dinâmica, espelho da

sociedade e fundamento de suas esperanças.”

Por isso a Constituição Contemporânea também deve ser vista como construído

histórico da humanidade, a qual a doutrina chama de Constituição Aberta, o que impõe

que as exigências sociais, políticas, culturais e econômicas do mundo atual e

globalizado, sejam conjugadas e favor da proteção da dignidade da pessoa humana para

livrá-la do medo e da necessidade por meios da efetivação concreta de seus direitos

169 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9a ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.16 170 MORAIS, José Luiz Bolsan. op. cit. p. 26

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fundamentais que passam a ser incorporados pela legislação interna de cada Estado-

nação.

Portanto, fica evidente a necessidade que as constituições locais estejam abertas

às inovações das legislações internacionais que tanto visem à proteção integral da

pessoa humana bem como aberta aquelas legislações que integralizem as nações umas

as outras para que a humanidade seja de fato como apontado na Declaração de Direitos

Humanos, uma só família, que dada a sua dimensão e complexidade se vejam capazes

de interagir por meio de documentos legais que, apesar de gozarem uma certa

formalidade, na verdade buscam simplificar pela linguagem do direito reconhecimento e

responsabilidade face à necessidade de se garantir proteção integral à pessoa humana.

Daí, Liliam Balmant enfatizar a postura de Jorge Miranda que afirmou que

diante de todos esses desafios as Constituições Locais tem que exercer os seguintes

papéis171: a) criar instrumentos de segurança jurídica e de proteção da confiança à favor

daqueles que precisam para desenvolver suas atividades se utilizar das mudanças

tecnológicas; b) fortalecer as garantias das pessoas no campo da genética; c) instituir e

fiscalizar mecanismos de proteção ambiental, criar entidades reguladoras independentes

e eficazes; a exemplo do que tem tentado fazer o Brasil. d) alinhar e emoldurar os

fatores corporativos em órgãos adequados e em fórmulas democráticas de participação;

No entanto, convêm também consignar as observações feitas por Jorge Miranda

sob essa nova ordem jurídica constitucional integralizadora e cooperativista.

Partindo da premissa de que está a emergir um constitucionalismo global que vai

neutralizar o constitucionalismo nacional, ele passa a considerar a atual existência de

vários fatores impeditivos que vão atrasar ou mesmo impedir que essa passagem se

realize. Por isso acrescentamos nós que apesar da força universal empregada na sua

linguagem que consagra a universalidade dos direitos humanos fundamentais “não tão

prontamente será o Estado social nacional substituído como um modelo político

171 BALMANT, Lilian Emerique. op.cit. p. 354 e em MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 5.ª ed., Coimbra: Coimbra, 2003, p. 29-31.

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alternativo” que consagre um Estado Social Integralizador e Cooperativo, isto porque 172:

1º.) A Força do Estado continua sendo a predominante, pois, é ela que se aplica

diretamente às pessoas; Aproveitamos para fazer um observação: tal sentença é

fortemente proclamado pelos Estados Unidos da América que apesar de sediar a ONU

não aceita a relativização de sua soberania ou juridicamente se submete à órgãos

jurídicos supranacionais principalmente no que diz respeito aos direitos humanos. Com

um comportamento imperialista se colocam como “xerifes do mundo” e ainda que por

atos de guerra (o que é criminalizado pela ONU) invadem outros territórios a pretexto

de “implantar democracia” e caçar e punir lideres chauvinista e xenofóbicos.

Entretanto, não ratificam nenhum pacto, convenção ou tratado internacional

principalmente porque muitos de seus estados aplicam a pena de morte, o que é

positivado por muitos de seus Estados Federados.

2º.) Apenas somos capazes de garantir liberdade face aos fatores reais de

poderes porque o Estado- nação de Direito é aquele que imediatamente ainda continua a

revelar-se como indispensável nessa função o que vem sendo modificado pela própria

sociedade que tem mundializado a comunicação entre as pessoas numa escala nunca

antes vista e isso tem nos servido como instrumento de pressão junto ao Estado- nação.

3) Já e apesar da dinâmica que alcançaram as organizações internacionais e a

União Européia, suas decisões fundamentais estão baseadas na conjugação das

vontades dos Estados Membros envolvidos e não de seus cidadãos, daí que ainda não se

alcançou assegurar por completo a participação política dos cidadão das nações

envolvidas, portanto, elas “enfermam de déficit democrático”;

4) E por último porque os Estados nacionais, principalmente na Europa, ainda

continuam a demonstrar uma “surpreendente capacidade de resistência e noutros

continentes, a sua formação e sua autoridade se têm revelado condições de

desenvolvimento contra ímpetos localista e tribalistas.”

172 MIRANDA, Jorge. . Teoria do Estado e da Constituição. op.cit.; p. 46

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E ainda, que o autor citado, aponte tais fatores impeditivos, ele defende que tem

sim o Estado, de coexistir com outras estruturas, acima e abaixo de seu âmbito, para

poder “inserir no seu contexto cada vez mais complexo e correcional” uma rede de

poderes públicos, para assim repensar funções, meios de agir e fórmulas jurídicos-

políticas”, e, acrescentamos, principalmente, àquelas que dizem respeito à concreção e

efetivação de direitos sociais.

Nesse sentido Konrad Hesse nos ensina que as Constituições face à formação e a

manutenção da unidade política e a criação do ordenamento jurídico assume as

seguintes tarefas fundamentais173:

a) Integração: por não ser o Estado hoje algo que venha dado sem outros

motivos, precisa ele estabelecer uma unidade política de ação que não precisa estar

corporificada na vontade uniforme do povo soberano ou de uma classe dirigente. Tal

ação na verdade, referencia o autor citado, precisa “cultivar-se e assegurar-se no

processo político da moderna sociedade pluralista”, na exata proporção da justaposição

e na contenda dos números grupos para que haja compensação entre as diferentes

opiniões, interesses e aspirações. E ainda que partindo da pluralidade de vontades, da

qual não se possível formar uma vontade conjunta vinculante somente será possível ao

Estado não sucumbir como unidade política de ação, se o seu nascimento e sua

existência estiverem em constante processo de integração estatal, que é o que lhe

condiciona na mesma medida em que é elemento fundamental de sua essência. Porém

isso dependerá muito, afirma ele: do grau de adesão que o Estado encontre para fazer

isso sustentável, o que requer principalmente que sejam responsáveis por ele, inclusive

se for o caso que o defenda, pois somente se fazendo assim, pode se afirma que está o

Estado consolidado, robusto. E a responsabilidade que ser requer dos cidadãos

dependem e muito dos fatores extrajurídicos como: a.1) tradição; a.2) nível de

consciência política dele e de seus lideres. E acrescenta que tais fatores extrajurídicos

173 HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional.- Texto: Constituição e Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 3-6. Observamos que mais a frente apontaremos as funções de uma Constituição segundo os ensinamentos de Canotilho, Todavia compreendemos que entre as duas há uma sutil diferença: tarefas se dirigem diretamente à “Constituição Real”, logo a expressão tarefas assumem uma ordem moral prática e as funções de uma constituição, delineadas, em parte historicamente, refere-se a “Constituição Jurídica” e foram construídas pelas doutrina jurídica de uma maneira ideal. De forma que diante das funções de uma constituição exige-se sejam realizadas tarefas.

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também depende, não determinável exatamente, mas certamente crescente, do

conhecimento do Direito174:

Isso porque qualquer processo necessita de um ordenamento jurídico: a colaboração, que conduz à formação de uma unidade política e na qual devem ser levadas a cabo competências do Estado, necessita da organização e de um processo ordenado, e também a conciliação de vontades que não depende menos do que se configure o conteúdo do ordenamento de modo tal, que encontre a adesão das pessoas que hão de viver sob ele. Essa tarefa fundamental a cumpre a Constituição mediante seus direitos fundamentais. Nessa medida, a Constituição pode considerar-se como o ordenamento jurídico do processo de integração estatal” (g.n).

b) Organização: o ordenamento jurídico diz Konrad Hesse não é somente para

formar e conservar a unidade política, mas também para direcionar a ação e incidir

sobre os órgãos estatais constituídos com base em seus fundamentos. De maneira que a

Constituição funda competências o que gera poder estatal conforme o Direito

garantindo dessa forma a cooperação, a responsabilidade, o controle, a limitação do

poder, e o abuso das competências. De tal forma que a função de integração interna

estatal se complementa com a função de organização, uma complementa a outra, de

maneira que nisso o Estado também precisa encontrar adesão e apoio dos cidadãos e dos

lideres.

c) Direção Jurídica: A função do ordenamento jurídico não se aplica somente ao

Estado, requer outro sim que ele atue sobre a convivência da comunidade dentro de um

território nacional, convivência essa que sem ordenamento jurídico seria impossível,

mas isso não constitui um fim em si mesmo, não se ordena por ordenar, afirma o jurista:

“o importante é o conteúdo dessa ordenação: deve ser moralmente reto e, portanto

legitimo”. Porém hoje, isso não é dedutível de um direito natural que existe a margem

das ações humanas, mas também não se pode remeter a um positivismo cético, que não

depende de referência alguma, seus parâmetros ao contrário encontra-se na História do

Direito, na história de sua conquista. Isso porque ela mostra claramente o que não é

moralmente reto, como por exemplo, se extrai da experiência que são moralmente reto

os cânones que advém dos princípios jurídicos que foram se firmando de geração a

geração, principalmente aqueles que dizem respeito aos direitos civis e humanos, bem

174 Idem, Ibidem. p. 3-6.

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como a independência do judiciário, e o direito de ser ouvido: “Cânones são,

finalmente, os modelos para configurar o presente e o futuro da geração atual.” E a

função diretriz da Constituição consiste em assumir esses cânones, principalmente os

direitos fundamentais, para dotá-los de força vinculante e assim se refletir a todo o

ordenamento jurídico.

E conforme afirma Peter Härbele175 trata se de uma forma de Estado que “está a

caminho” e que somente vai propagar-se pelo movimento da Internacionalização dos

Direitos Humanos, o que ainda está em processo de adoção pelas nações.

Portanto, é de significativa importância que o constitucionalista e os demais

operadores do direito nacional salientem a importância do entrecruzamento crescente do

Direito Internacional e do Direito Constitucional, principalmente no que diz respeito aos

direitos fundamentais. No Brasil com mais razão de ser porque estamos dentre aqueles

países membros da Organização das Nações Unidas que mais ratifica os Tratados, os

Pactos e as Convenções sobre Direitos Humanos e que os insere no ordenamento local

como parte integrante de seu Bloco de Constitucionalidade, ainda que os Poderes

Públicos e suas decisões que, tomadas com fundamento em positivismo deverás

ultrapassado, nos tenha impelido a passar por esse caminho lentamente.

Assim, valer citar a questão elaborada por Amartya Sen que vem reforçar a

consciência de respeito pela internacionalização de direitos humanos e de um direito

comum de cooperação176:

E, se as instituições e políticas de um país influenciam as vidas em outros lugares, as vozes das pessoas afetadas em outros lugares não deveriam contar, de algum modo, na determinação do que é justo ou injusto na forma como a sociedade está organizada, geralmente com efeitos profundos- diretos ou indiretos- sobre as pessoas em outras sociedades?

Até porque, conforme o autor referido, a cooperação para se efetivar exige que

os Estados –nações desenvolvam o aprendizado de ouvir outras vozes que trazem

175 HÄRBELE, Peter. Estado Constitucional Cooperativo op.cit.; p. 70 176 SEN, Amartya. A Idéia de Justiça. São Paulo: Companhia da Letras, 2011. p. 160

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consigo outros pontos de vista de outros lugares, e isso não se deve ocorrer porque

simplesmente consideramos que elas existem, mas, também porque devemos

considerar que sofremos fortíssimas influências de suas experiências empíricas, e

acrescentamos a esse pensamento, de sua dogmática jurídica que exercem sobre nós e

sobre as nossas instituições sérios impactos, ou seja, somente o exercício de um olhar

crítico sobre o fenômeno da cooperação é que nos torna aptos a quebrar as crenças fixas

e práticas específicas do paroquialismo local que sabemos, por tudo que já expomos

serem constantemente avaliadas e questionadas, pois: “considerar opiniões dos outros e

os argumentos por trás delas pode ser uma forma eficaz de determinar o que a

objetividade exige.”177

Portanto, concluímos que a idéia de justiça local pode realmente se tornar mais

completa quando ela é capaz de compreender que ela pode também ser realizada em

cooperação com outros Estados- nações e organismos e instituições internacionais, até

porque elas de fatos foram organizadas e sistematizadas para esse objetivo, e ainda

conforme aporta Amartya Sen178:

[...] a avaliação da justiça exige um compromisso com os ‘olhos da humanidade’; em primeiro lugar, porque podemos nos identificar de forma variada com as pessoas de outros lugares e não apenas com nossa comunidade local; em segundo, porque nossas escolhas e ações podem afetar as vidas dos outros, estejam eles distantes, estejam próximos, e terceiro, porque o que eles vêem desde suas respectivas perspectivas históricas e geográficas pode nos ajudar a superar nosso próprio paroquialismo.

De maneira que a Constituição, hoje tida como a Lei Maior de um Estado

carrega em si várias concepções temporais e espaciais que se interligam. Entre as

principais temporais estão: a jurídica, a filosófica, a política, a social e a cultural e entre

as espaciais a local e a internacional. Todas essas acepções devem ser consideradas e

avaliadas sempre em seu conjunto, pois, elas veiculam as principais acepções do direito

que acima explicamos: o objetivo e o subjetivo e, além, vinculam o Estado e seus

poderes para que efetivem os direitos fundamentais, considerando-se que não mais e

177 Idem, Ibidem, p. 160. 178 Idem, Ibidem, p. 161.

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apenas vincula e rearticula essa efetivação aos poderes locais, mas, também à toda

comunidade mundial.

Direitos, deveres e garantias fundamentais frisa-se, sem as quais não se poderia

garantir uma vida plena às pessoas, ou mesmo lhes garantir um mínimo existencial. De

maneira que podemos concluir que uma das tarefas de uma Constituição é colocar o

Estado à serviço do bem estar da pessoa humana. Daí, nesse sentido ser precisa a

definição de Konrad Hesse179 de que a Constituição é a ordem jurídica fundamental de

uma comunidade, em suas palavras180: “é o plano estrutural básico, orientado por

determinados princípios que dão sentido à forma jurídica de uma comunidade.”

E por comunidade podemos tomar o que Maria Garcia nos repassa sobre os

ensinamentos de Franco Montoro sobre tal fenômeno: “é a participação em algo que nos

é comum.” Sentido que vem de encontro ao significado de cooperação, conforme já

expusemos, ao que nos leva a concluir que podemos definir Constituição como: a ordem

jurídica de uma comunidade que coloca um face ao outro em cooperação e

responsabilidade.”

Portanto, como vimos, uma Constituição se expressa por uma linguagem que na

durante o processo civilizatório da humanidade foi se construindo como uma linguagem

mista visto que ao mesmo tempo em que foi se construindo como linguagem técnica-

jurídica, também foi se colocando como linguagem natural, do cotidiano justamente

para alcançar a todos e, ainda que tenha se construindo no espaço e no tempo como um

documento formal, enquanto ferramenta humana e cientifica, ela perpetua valores

comunicáveis que condizente com a realidade humana e os perpassam de geração a

geração, bem como otimizam a essência: da liberdade, da igualdade e da solidariedade

como valores supremos que protegem e guardam a condição de ser humano.

É nesse sentido, também, que repassamos as lições que nos ensina Maria Garcia

sobre a correlação existente entre constituição e linguagem. Para ela, e pelos estudos

que realizou, a Constituição é um tipo de linguagem que quer antes de tudo fazer uma

conciliação entre a linguagem jurídica e a realidade do povo, justamente, para que não

180 HESSE, Konrad. Temas Fundamentais do Direito Constitucional. op.cit. p.8

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haja obstaculização no exercício dos direitos; deve haver uma relação próxima entre

direito constitucional e a linguagem da comunidade; a linguagem de uma Constituição

deve ser sempre vista como um texto que enaltece a liberdade, pois para um texto

normativo é a forma de sua linguagem que vai tornar possível seu conteúdo.

De maneira que aquele que está no poder, por representação direta ou indireta

pela vontade do povo, deve ter sempre em sua mente que a linguagem de uma

Constituição, pela qual recebeu seus poderes, é uma linguagem que goza de

superioridade sobre as demais, e mesmo a linguagem mais simples vincula e

responsabiliza o exercício de suas funções que devem ser sempre voltadas à consecução

e efetivação dos direitos fundamentais de cada pessoa que no seu conjunto forma o povo

que é de fato e de direito no Estado de Direito Democrático o detentor do poder.

Por isso mesmo é que muito além de levar em consideração a tecnicidade da

redação de seu texto normativo devemos ter às claras que uma Constituição foi feita

pelo povo e para o benefício do povo, pois sendo a Constituição um texto jurídico

quando nela se busca um sentido e um significado encontra-se sempre uma “Norma

Maior” que, por excelência e determinação de cada uma das pessoas humanas de um

determinado território, faz o elo entre o Direito e Justiça; sendo que a busca de seu

sentido e significado devem sempre ser voltados, principalmente, para a proteção da

dignidade da pessoa humana, o que se alcança sempre que se efetiva direitos humanos

e fundamentais.

Daí serem dentro do ordenamento constitucional local as normas de direitos

fundamentais superior às demais normas. Por isso a importância de compreendermos

melhor o que são direitos fundamentais quais são suas características, objetivo e

funções. Entretanto, é mister, até para que compreendamos melhor o que são direitos

fundamentais, que dissertamos um pouco mais sobre o campo em que eles se abrigam,

sintetizando quais são as funções de uma constituição, ou seja: para o que ela serve?

Todavia, ainda assim a Constituição pode ser considerado “um sistema de

signos convencionais”, e a como tal requer uma interpretação, o que podemos fazer pela

ferramentas construídas pela Hermenêutica Jurídica que nos fornece ainda para

Constituição uma interpretação diferenciada, considerando, conforme observa Jorge

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Miranda, que sobre ela atuam os “fatores pertubadores”181 que fazem com que ela seja

vista não como uma lei comum, mas uma lei que goza de supremacia face às demais.

Confere, entretanto, que antes falemos de suas funções como Lei Suprema.

1.9 Funções de uma Constituição

De acordo com Canotilho, o que ainda reforça a doutrina de Konrad Hesse, que

como vimos destacou as tarefas de ordem prática e fundamentais de uma constituição, já

delimitar quais são as funções de uma Constituição é perguntar-se, idealmente, para que

serve uma Constituição?”.E em face disso, Canotilho apresenta as seguintes funções

clássicas de uma Constituição, interdependentes e correlacionadas entre si 182:

1. Consenso Fundamental: Uma Constituição tem a função de ser a “revelação

normativa do consenso fundamental” de uma comunidade política no que diz respeito

aos princípios, valores e idéias diretrizes, ou seja, servem de paradigma para conduta

política e jurídica dessa mesma comunidade. E ainda de acordo com o autor serve para

ilustrar tais funções: o princípio do Estado de Direito, o princípio democrático, o

principio republicano, o princípio da separação dos poderes, o princípio da fiscalização

judicial dos atos do poder público, o princípio da socialidade, o princípio pluralista e o

princípio da dignidade da pessoa humana.

2. Legitimidade e legitimação da ordem jurídico-constitucional: porque

legalidade e legitimação numa ordem constitucional são necessariamente

complementares; não basta apenas a legitimidade pela aceitação para ser ordem justa

para toda a coletividade ela tem que ter uma razão de legitimidade, ou seja, uma função

para tanto, pois isso contribui para sua aceitação real instigando o consenso fático e o

sociológico que o que de fato legitimam seu poder, pois além do mais é ela que funda o

181 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo II. op.cit. p. 255 -256. Isso porque segundo ele: “Existe, pois, hoje o sentido da importância da interpretação constitucional, mas existe, ao mesmo tempo, a noção de dificuldades ou (doutro ângulo) dos fatores de pertubação que se deparam aos obreiros. 182 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit. p.1438;

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poder e regula seu exercício, e nisso justifica o poder de mando. Nas palavras do

referido autor183:

Confere legitimidade a uma ordem política e dá legitimação aos respectivos titulares do poder político. [...] A articulação destas duas dimensões – a da legitimidade e da legitimação- implica que a constituição não seja considerada como uma simples “carta” ou “folha de papel” resultante da relações de poder ou da pressão de forças sociais. A constituição não se legitima através da simples legalidade, ou seja, não é pelo fato de ela ser formalmente superior criada por um poder constituinte, que ela pode ser considerada legítima. A legitimidade de constituição (ou validade material) pressupõe uma conformidade substancial com a ideia de direito, os valores, os interesses de um povo num determinado momento histórico. Consequentemente, a constituição não representa uma simples positivação do poder. É também a positivação dos valores jurídicos radicados na consciência jurídica geral da comunidade.

3. Garantia e proteção184: A Constituição tem uma função de garantia dos

direitos e liberdades que foi se construindo historicamente; por isso diz Canotilho que

nas constituições modernas, os direitos e liberdades não podem ser reconduzidos

segundo o “entendimento dos homens”, não foram inicialmente concebidos por uma

competência subjetiva que foi atribuída ao poder político, mas sim foram positivados

como direitos e liberdade inerentes aos indivíduos que preexistente ao Estado. E

também tem função de garantia porque é reconhecida como direito maior ou lei superior

que vincula juridicamente e politicamente os titulares do poder, limitando seus poderes.

4. Ordem e ordenação185: A Constituição tem função de ordem fundamental do

Estado, pois, também conforma juridicamente tudo aquilo que se instituiu como social,

que composto por uma multiplicidade de órgãos que entre si são interdependentes

apesar de diferenciados. E é também ordem fundamental porque ao se construir a

pirâmide normativa nela se encontra os fundamentos, nesse sentido: “é ela que fixa o

valor, a força e a eficácia das restantes normas do ordenamento jurídico (das leis, dos

tratados, dos regulamentos, das convenções coletivas de trabalho etc.).”

183 Idem, Ibidem, p. 1438- 1439. 184 Idem, Ibidem, p. 1440. 185 Idem, Ibidem, p. 1441.

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5. Organização do poder político186: Porque sendo a Constituição ordem

fundamental pertence à constituição criar órgãos constitucionais- quer dos órgãos

constitucionais de soberania quer dos órgãos simples, como também lhe é atribuível

definir competências e atribuições desses mesmos órgãos. E, principalmente pertence à

Constituição definir os princípios estruturantes de uma organização do poder político,

inclusive descrevendo as relações intercorrentes e desenhando repartição dos poderes.

1.10 Algumas considerações sobre Hermenêutica e Interpretação Constitucional e

Interpretes Constitucionais

Pelo que expusemos até agora, podemos concluir que o Direito, como toda e

qualquer linguagem, o que deseja de fato é transmitir uma mensagem para possibilitar a

comunicação entre as pessoas, apenas diferenciando-se das demais porque seu conteúdo

é uma norma que quer determinar uma conduta de fazer, não fazer ou prestar algo e que,

portanto, vincula, responsabiliza e sanciona. No entanto, como as demais mensagens de

qualquer outra linguagem, seu conteúdo está impregnado de signos e significados que

precisam ser compreendidos.

Quando a norma é constitucional, ainda que sua linguagem seja, em parte

simples, justamente por ser política, ela também busca significados, significados esses

que sempre andam as voltas com as funções e as tarefas de uma Constituição, daí, a

importância de termos enunciado anteriormente as suas funções clássicas e sua tarefas;

funções essas, que como vimos foram se construindo e se acoplando uma as outras, em

razão das batalhas que a humanidade travou com que estava no exercício do poder, para

sempre e cada vez mais os humanos pudessem viver em maior liberdade.

Assim, não perdendo de vista quais são as funções e as tarefas fundamentais de

uma Constituição partiremos para um breve esboço do que seja a Hermenêutica e

Interpretação, Interpretação Jurídica, Interpretação Constitucional para que serve uma

interpretação constitucional e finalmente quais são as fontes interpretativas.

186 Idem, Ibidem, p. 1441.

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Hermenêutica, cuja palavra tem origens no nome do deus grego Hermes, hoje,

pode ser compreendida como já colocamos como a ciência que estuda e sistematiza

meios e processos de interpretação que determinam o sentido e o alcance das palavras

orais e escritas que transportam o conhecimento e o saber do homem, de uma ciência a

outra, de uma cultura a outra e que principalmente é utilizada para argumentar,

racionalizar e explicar sobre causas e efeitos de fenômenos observáveis social-físicos e

culturais.

Sendo o Direito uma ciência social aplicada, pois acontece no seio da sociedade,

ele frequentemente é utilizado para manter a estabilidade entre as pessoas, pessoas e

Estado e entre Estados, de maneira que é preciso que para o alcance de significados ela,

também, se utilize da Hermenêutica, mas mais propriamente da Hermenêutica Jurídica,

aquela que “lato sensu”, diz direitamente respeito ao Direito e a Justiça.

Hermenêutica diz Maximiliano 187: “é a teoria cientifica da arte de interpretar”;

logo, a Hermenêutica jurídica pode ser compreendida como aquela teoria científica que

tem por objeto, o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para se determinar

o sentido e o alcance das expressões de direito, apontando a relação exata entre o texto

abstrato e o caso concreto, entre a norma jurídica e o fato social.

Interpretar para o referido autor é188: “explicar, esclarecer; dar o significado ao

vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado;

mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair de frase, sentença ou norma,

tudo o que a mesma contém.” Desse modo, podemos compreender que interpretar é

encontrar aquela atribuição que dê um significado e aponte um sentido a símbolos,

signos e vocábulos jurídicos, ou seja, àqueles vocábulos que estão contidos na letra da

lei que vinculam e responsabilizam as pessoas, umas as outras, por direitos e

obrigações.

187 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p1. 188 Idem, Ibidem, p. 7.

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No dicionário jurídico interpretação jurídica é189:

A investigação metódica de uma lei, a fim de apreender-lhe o sentido não apenas gramatical, mas em função lógica, sistemática, histórica e teleológica, ou seja, sua conexão harmônica com o sistema jurídico, o motivo por que foi feita e o intuito para que ela foi feita. Exegese, na moderna acepção.

Porém, nem sempre interpretar uma lei foi permitido. Quando o Código Civil

Francês entrou em vigor, exatamente, após, 14 anos da Revolução Francesa, 1803,

Napoleão disse extasiado diante da beleza de sua Codificação, que seu Código não era

para ser interpretado, mas, aplicado. Historicamente essa proibição não era uma idéia

nova, Justiniano no séc. VI também proibiu que houvesse qualquer interpretação sobre

suas compilações, que ficaram conhecidas mais tarde como “corpus iuris civilis”. 190

Entretanto, com a codificação da lei, e como é do espírito humano o querer

compreender e esmiuçar o que se escreve desenvolveu-se uma forma de interpretação: a

exegese que durante o século XIII e XIX tornou-se uma escola que examina a lei

isoladamente, artigo por artigo, palavra por palavra e hoje, apesar da critica feita e com

razão a essa escola, de que ela se atém demasiadamente ao texto, é importante ressalvar

que ela foi e ainda é utilizável e muito importante para o Direito, não com a mesma

força, mas, somente naquilo que nos legou de bom. Por exemplo, quando estudamos um

texto legal podemos detectar os vários problemas que há na sua linguagem e na língua

utilizada e que impedem sua real compreensão. Além do que sendo nosso sistema legal

de origem romana positivamos, ou seja, escrevemos as leis, inclusive a sua feitura e

aprovação passa por um complexo processo legislativo. Além do que, sendo nosso

sistema legal de origem romana, positivamos, ou seja, escrevemos as leis, inclusive a

sua feitura e aprovação passam por um complexo processo legislativo, além, também,

embasamos todo nosso sistema de justiça no princípio da legalidade, no princípio da

reserva legal e no principio da segurança jurídica. Logo, todo nosso sistema está

intrinsicamente ligado ao um texto normativo escrito que nos fornece uma lei, de

maneira que qualquer interpretação que fizermos, sempre estamos limitados pelo texto

189 DICIONÁRIO JURÍDICO. Verbete: interpretação jurídica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 303. 190 FIÚZA, Cezar. Direito Civil Completo, 8ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 16.

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da lei, ele é nosso ponto de partida para qualquer outro método de interpretação, mas,

também, é nosso ponto de chegada.191

Desse modo, a interpretação da linguagem e também a interpretação da

linguagem jurídica ocorre para solucionar certos problemas que podem perturbar a

codificação da mensagem positivada em lei que se quer transmitir, que impedem seja

ela comunicável de maneira clara e fluida. A linguagem escrita ou oral, coloquial ou

científica pode sofrer de ambigüidade192, ou seja, ser de compreensão duvidosa, incerta,

variável porque tem mais de um sentido, ou ainda ser vaga, já que ao ser transmitida

confere pouca certeza ao conteúdo, gerando dúvidas sobre realmente qual é o alcance e

o limite de seu significado, ou ainda ela pode nos levar a uma compreensão bem

diversa daquilo que deveria ser compreendido, porque sua textura é aberta, é porosa.

Verifica- se, portanto a importância de nos utilizarmos dos recursos proposto pela

Hermenêutica, que substancialmente “trata-se de traduzir linguagens e coisas

atribuindo-lhes um determinado sentido.”193. Pois, por ela: “busca-se traduzir para uma

linguagem mais acessível aquilo que não é compreensível.”194. E a ferramenta da

Hermenêutica é a interpretação que quando se aplica à linguagem escrita pode ser

compreendida genericamente como “a atividade que procura imprimir uma vontade ao

texto a ser interpretado.”

A linguagem do Direito, justamente em razão de ter a função precípua de

permitir a convivência pacífica e harmoniosa entre as pessoas e dado que define e

prescreve condutas para evitar ou solucionar conflitos, deve buscar “conferir ou irrogar

um sentido à norma, com vistas à sua aplicação num caso concreto” 195

191 SILVA, Roberto B. Dias da. op. cit. p. 37. 192 DICIONÁRIO DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 102

193 STRECK, Lênio in Dicionário de Filosofia do Direito. Verbete: Hermenêutica Jurídica. Leopoldo,

RS: Unisinos e Renovar, Rio de Janeiro, 2006, p.430.

194 Idem, Ibidem, p. 430. 195 BASTOS, Celso. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002. p. 20.

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Dessa maneira, a Interpretação Jurídica se diferencia dos demais tipos de

interpretação na medida em que ela é “levada a efeito com um sentido prático de aplicar

o objeto interpretado que é a norma.” 196 E o sentido que a interpretação jurídica busca

se diferencia da interpretação que se dá as demais áreas do conhecimento humano, pois

o direito conforme afirma Celso Bastos deve ter uma atuação racional e lógica.

Portanto, podemos aceitar a lição de Eros Roberto Grau197 de que na verdade ao

realizarmos a interpretação jurídica não estamos interpretando a norma, mas sim

interpretando os textos normativos. As normas são, portanto, aquilo que resulta da

interpretação: “Texto e norma não se identificam. A norma é a interpretação do texto

normativo. A interpretação é, portanto, atividade que se presta a transformar textos-

disposições, preceitos, enunciados – em normas.”

Porém, segundo Celso Ribeiro Bastos a interpretação que se faz de uma

Constituição não pode ser feita apenas pela hermenêutica e a interpretação gerais, e

embora elas resolvam grande parte de seus problemas não são suficientes para a

compreensão do Texto Constitucional devido as particularidades que ela apresenta198:

[...] inicialidade, supremacia da ordem jurídica, caráter predominante coloquial de seus termos, a regulação do fenômeno político e outras mais. Justifica-se, pois, uma interpretação que leve em conta essas particularidades que acabam ser transcendentais, porque constituem a própria essência da Constituição. Interpretar a Constituição sem levar em conta essas suas grandes particularidades seria, sem dúvida nenhuma, subestimar o Texto Constitucional, reduzindo-o também a normas ordinárias ou comuns. (g.n)

Também interpreta-se uma Constituição porque sendo ele a Lei Superior e Maior

de um país ela dita as diretrizes da feitura e da aplicação das demais leis, fornecendo o

sentido de como devem ser feitas as normas infraconstitucionais, material e

formalmente, falando, pois um ordenamento jurídico que é presidido por uma

Constituição deve caminhar em consonância com as diretrizes, valores, princípios e

regras dispostos por essa Constituição, sob pena de ela ser inócua e de fato a nada reger.

196 Idem, Ibidem, p. 27. 197 GRAU, Erro Roberto. In in Dicionário de Filosofia do Direito. Verbete: Interpretação do Direito. Leopoldo, RS: Unisinos e Renovar, Rio de Janeiro, 2006. p. 471 198 BASTOS, Celso. op.cit. p. 16.

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Por isso, não sem razão as constituições escritas em geral prevêem cláusulas pétreas, ou

seja, um núcleo rígido, que não pode ser tocado ou modificado por ninguém, instituição

ou poder, seja qual for o pretexto, logo também há previsão de um sistema de controle

para averiguação da constitucionalidade das leis infraconstitucionais ou emendas

constitucionais que deve acontecer em geral dentro do âmbito de atuação dos Poderes

Políticos instituídos: Judiciário, Legislativo e Executivo.

Por isso vai apontar Peter Härbele que as lições ensinadas pela doutrina apontam

que as tarefas o os objetivos de uma interpretação constitucional incluem: justiça,

equidade, equilíbrio de interesses, resultados satisfatórios para solução de conflitos,

razoabilidade, praticabilidade, justiça material, segurança jurídica, previsibilidade,

transparência, capacidade de consenso, clareza metodológica, abertura, formação de

unidade, harmonização, força normativa da constituição, correção funcional, proteção

efetiva da liberdade, igualdade social bem como voltar a ordem pública para o bem

comum.199

Mas a interpretação Constitucional diz Celso Bastos200, também, têm ainda uma

outra função a de adaptar o Texto Constitucional às novas realidades sociais e segundo

ele relata é dessa premissa que parte Peter Härbele para teorizar que uma Constituição

é feita pelo povo e para o povo, o que nos leva a conclusão lógica de que a feitura de

seu Texto, parte da vontade popular e de que nesse fato reside uma importância séria de

que o povo deve conhecê-la e debatê-lá.

Conferidas, então, tais considerações sobre hermenêutica e interpretação, em

especial que dizem respeito ao Texto Constitucional estamos aptos a iniciar uma

abordagem sobre o cerne da questão que queremos levantar sobre o direito à educação,

que tem a ver com a formação das fontes interpretativas, entretanto, cumpre-nos, antes,

apontar quais são essas fontes, ainda e porque conforme nos ensina Eros Roberto Grau

sendo201: “o significado, isto é, a norma é o resultado da tarefa interpretativa, vale dizer

199 HÄRBELE, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e ‘Procedimental’ da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2002, p. 11. 200 BASTOS, Celso, op. cit. p. 17. 201 GRAU, Erro Roberto. op.cit. p. 472.

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que o significado da norma é produzido pelo intérprete. Por isso dizemos que as

disposições e enunciados, os textos nada dizem; elas dizem o que os intérpretes dizem

que elas dizem.”

1.11. Fontes Interpretativas ou Agentes Interpretativos- Quem interpreta a

Constituição?

Afirma Celso Bastos que202: “praticamente todos os indivíduos acabam

interpretando o Texto supremo.” E tomando por fundamentos as lições preconizadas por

Raul Canosa Usera, nos ensina que essa multiplicidade de intérpretes se dá por causa do

nível hierárquico superior que conquistou a Constituição, fazendo com que todos

estejam submetidos aos seus mandamentos. Porém, ressalva que de maneira mais

imperativas a elas estão submetidos os órgãos públicos, isso porque eles aplicam seus

ditames e executam suas diretrizes como deveres e obrigações que devem ser

respeitados como limites de suas atividades, pois em essência “suas atividades e funções

a esse dever de respeito ao Texto Constitucional se resume.”

Portanto, o termo fonte interpretativas usada por Celso Bastos, e inspirada a ele

por Jerzy Wróblewski se refere a “quem” interpreta uma regra jurídica. E segundo ele

quem, principalmente, interpreta o Texto Constitucional são aqueles que se destacam,

especialmente, pelas atividades que exercem no Estado Constitucional e que estão a

frente de cada um dos poderes instituídos. Assim, de acordo com os agentes que a

interpretam nesse âmbito de atuação, as interpretações podem ser: 1) Interpretação

político-legislativa; 2) Interpretação Jurisdicional; 3) e a interpretação promovida pelo

executivo; 203

Entretanto, o autor classifica mais duas fontes: a uma que ele nomeia de

interpretação doutrinária e outra que denomina de fontes interpretativas genéricas. À

primeira, associamos os trabalhos, teses, dissertações, artigos e pareceres dos estudiosos

do Direito e à segunda não associamos a nenhuma atividade especifica relacionada

202 BASTOS, Celso, op. cit. p. 123. 203 Idem, Ibidem, p. 123-142.

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diretamente com as atividades e funções dos Poderes Públicos ou do Direito, mas,

enquanto fonte, podemos compreender que está relacionada com a atividade que todos

exercemos enquanto cidadãos; a está fonte o autor denomina de fonte genérica de

intérpretes não- oficiais que se concretizam porque vivem a norma uma interpretação

pluralista e procedimental da Constituição. Frisamos que o nascedouro de tal teoria se

deve às idéias preconizada por Peter Häbele em sua obra Hermenêutica Constitucional-

A sociedade Aberta dos Interpretes da Constituição: contribuição para a Interpretação

Pluralista e Procedimental da Constituição, que pretendemos explorar,

preliminarmente, porque ela nos remete e condiz com o caminho possível que busca a

humanidade, e ainda porque ela torna o conhecimento da Constituição instrumento

indispensável para o exercício de uma cidadania ativa.

1.11. a. Fontes Interpretativas Oficiais

1) Interpretação político legislativa204: É aquele interpretação feita pelos

legisladores. E face ao Texto Constitucional podemos distinguir dois tipos de

legisladores: o legislador constituinte derivado que é aquele detém o poder de fazer as

modificações necessárias na Constituição vigente para que ela se mantenha atual, sem

entretanto, modificá-la a ponto de descaracterizá-la como Lei Suprema, portanto

podendo apenas realizar modificações nos limites imposto pelo próprios valores,

princípios e regras preconizadas pela própria Constituição; e os legisladores ordinários

que são aqueles que atuam no âmbito das pessoas políticas- Estado –membro e

município que são os legisladores que atuam nas legislações infraconstitucionais que

sempre devem ser redigidas e interpretadas em conformidade com a Constituição, que é

lei hierarquicamente superior.

O tipo de interpretação que realiza é o que chamamos de interpretação autêntica:

“Quando o legislador, ao editar novas normas, procede a uma interpretação das normas

já existente, para a partir delas criar outras, estamos diante do que se denomina em de

interpretação autêntica.”205

204 Idem, Ibidem, p. 125. 205 Idem, Ibidem, p. 125.

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Cronologicamente sempre é a primeira interpretação a ser realizada, visto que é

condição para o próprio exercício da atividade legislativa. Entretanto, é importante

ressalvar que ela não visa um decisão em face de um caso concreto. O legislador

ordinário está adstrito a uma âmbito restrito de atuação que está limitado pelo Texto

Constitucional e sobre ele deve realizar uma interpretação para construir ainda um outro

texto legislativo. Portanto, uma legislador não importa em qual esfera esteja sempre será

“minimamente, um legislador constitucional”206. Recorda, também, Celso Bastos que

algumas vezes embora caiba a função de legislar ao legislador pode acontecer que a

Constituição preveja delegação desse poder a um outro Poder, como é o caso da

Constituição brasileira de 1988, que prevê poder ao Executivo para editar medidas

provisórias e leis delegadas, porém esses também devem editar suas leis de acordo com

a normas constitucionais: “Em síntese, não pode o legislador ignorar normas

constitucionais, sob pena de produzir regra jurídica inconstitucional e, por isso, inválida

(....). Por isso, quando vão editar uma lei, o legislador ordinário tem de proceder a uma

verdadeira interpretação do dispositivo constitucional, que lhe traça os limites válidos

de atuação.”207

No caso do Brasil que possui atualmente, uma Constituição escrita e rígida, ou

seja, para que haja alteração em seu texto ela tem que passar necessariamente por um

procedimento mais árduo com mais etapas do que aquele que se exige para a feitura de

uma lei ordinária. Inclusive foi previsto pelo Texto Constitucional um controle

preventivo de constitucionalidade, ou seja, quando ainda há apenas o projeto de lei a

ser discutido ele deve necessariamente passar antes pelo crivo da Comissão de

Constituição, Justiça e Cidadania do Senado e na Câmara dos Deputados pela

Comissão de Constituição, Justiça e Redação. Comissões estas que estão encarregadas

de examinar o texto do projeto e verificar sua compatibilidade com a Constituição.

Mas, do ponto de vista filosófico, quem é o legislador? Rousseau que pregava

que as leis são propriamente apenas as condições da associação civil e o povo

submetido às leis deve ser o autor destas208, destaca que como é impossível encontrar

206 Idem, Ibidem, p. 126. 207 Idem, Ibidem, p. 127. 208. Rousseau, Jean- Jacques. Contrato Social . op cit. p. 49

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em terra uma inteligência superior que visse todas as paixões dos homens e que ao

mesmo tempo não experimentasse nenhuma, pois esse seria o legislador ideal, ressalva

que deve ser o legislador um tipo de homem que ao menos sinta em seu interior que

pode modificar a natureza humana e pela sua ação transformar cada individuo “que por

si mesmo é um todo perfeito e solitário, na parte de um todo maior.”209 Ou seja, para

Rousseau o legislador em essência é um homem que têm a capacidade de impor que

uma existência parcial e moral se sobrepuja a uma existência física e independente que

era a natural quando estávamos em Estado de Natureza. Para o filosofo da Revolução

Francesa, a soberania popular é o legislador, portanto o homem que legisla tem que ser

um homem extraordinário no Estado porque na obra legislativa encontramos duas coisas

que são incompatíveis: “uma empresa acima das forças humanas e, para executá-las,

nenhuma autoridade.” 210

Já para Montesquieu, idealizador da tripartição das funções dos poderes, o

legislador é um homem que compreende que as formalidades da justiça são necessárias

à liberdade, ou seja, o legislador é um homem cujo espírito esteja disposto a trabalhar

para a liberdade e a segurança, pois sem as leis: “os cidadãos perderiam a sua liberdade

e a sua segurança, os acusadores não teriam mais os meios de convencer, nem os

acusados teriam o meio de se justificar.” 211

2) Interpretação jurisdicional212 - juízes e tribunais: Celso Bastos nos ensina

que são os juízes e o tribunais que realizam a interpretação operativa, pois são eles os

órgãos incumbidos de aplicar o Direito; é ainda a sua função interpretativa entre todas

as mais relevante, pois é o juiz ou tribunal aquele que faz a adequação ao caso concreto,

da norma abstrata.

No Brasil todo juiz deve verificar a compatibilidade da norma que se aplica ao

caso concreto com a norma constitucional. Trata-se de mandamento constitucional a

209 Idem, Ibidem, p. 49 210 Idem, Ibidem, p. 52. 211 MONTESQUIE, Do Espírito das Leis. Trad. Otto Maria Carpeaux. Rio de Janeiro, Ediouro.p. 392. 212 BASTOS, Celso. Op. cit. 128-132.

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todo e qualquer juiz que ele faça o controle de constitucionalidade. O controle Judicial

da normas constitucionais são de suas espécies: difuso e concentrado. Por controle

difuso de constitucionalidade compreende-se aquele que cabe a todo e qualquer juiz de

qualquer instância realizar via ação judicial, diz Roberto Dias213: “por meio de qualquer

ação judicial, o Poder Judiciário, no caso concreto, para resolver o litígio, pode declarar

a inconstitucionalidade de qualquer lei federal, estadual, ou municipal, editadas antes ou

depois da Constituição vigente.” . E controle concentrado é aquele que cabe apenas ao

órgão da cúpula do Poder Judiciário Brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, e sua

analise é realizada “in abstrato”, ou seja, não há caso concreto apenas exame da lei e a

verificação de seu texto para verificação de compatibilidade com as normas

constitucionais.214

Porém, lembra Celso Bastos a atividade interpretativa do juiz é uma atividade

induzida, ou seja, o poder judiciário deve ser provocado, e uma vez provocado ele deve

julgar a ação.

3) Interpretação promovida pelo Poder Executivo215: A interpretação

constitucional promovida pelo Poder Executivo acontece sob duas perspectivas

diferentes: uma quando seus órgãos administrativos estão aplicando diretamente a lei e

quando por mandamento constitucional a eles é dado competência para a feitura da lei

como a criação de outras normas, como decretos, portarias e regulamentos.

O que importa ressalvar é que a Administração Pública deve sempre obedecer o

principio da legalidade, art. 5, II da Constituição Federal que determina que ele somente

pode atuar se houver uma lei que determine essa atuação, assim: “em relação a

Administração vige o princípio segundo o qual só pode ser realizado o quanto for

determinado pela lei, na exata extensão em que o for.”216

213 SILVA, Roberto Baptista Dias da. Manual de Direito Constitucional. op. cit. p. 103. 214 O Controle de constitucionalidade concentrado no Brasil está previsto na Constituição de 1988 e para tanto prevê a possibilidade das seguintes ações: Ação de Constitucionalidade genérica, artigo 102, I, a; Ação Declaratória de Constitucionalidade (art. 102, I, a, parte final; Argüição de descumprimento de preceito fundamental, artigo 102,§ 1º; Ação direta de Constitucionalidade por omissão (art. 103,§ 2º); e Ação Direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III). 215 BASTOS, Celso. op. cit. p.132-135. 216 Idem, Ibidem, p. 132.

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Mas poderia o Poder Executivo deixar de aplicar uma lei porque a compreende

como Inconstitucional?

Segundo nos ensina Celso Bastos, no Brasil a maioria da doutrina dá o aval no

sentido de que é possível sim que o executivo deixe de aplicar uma lei que ele interprete

como inconstitucional, nesse sentido ele cita decisão do relator Moreira Alves do STF

na cautelas da Ação direta de Constitucionalidade 221 julgado em 29.03.1990 e

publicado em 22.10.1993217:

Ementa: Em nosso sistema jurídico, não se admite declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo com força de lei por lei ou ato normativo com força de lei posteriores. O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os poderes Executivo e Legislativo, por sua chefia- e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na Ação Direta de inconstitucionalidade- podem tão só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais.

Entretanto, a questão não é tão simples assim. A lei pode deixar de ser aplicada

administrativamente porque inconstitucional, mas não o pode o administrador suspender

ao seu bel prazer, afinal seria uma ato que atentaria em preliminarmente contra os

princípio republicano e a democracia. Por isso se faz mister, que não seja a ordem

descumprida por qualquer funcionário da Administração, mas sim tratar-se de uma

ordem de descumprimento de lei que venho do Chefe do Poder Executivo e que deve

estar devidamente fundamentada de acordo com a Constituição.

Para o Poder Executivo a Constituição Brasileira vigente também previu um

controle de constitucionalidade preventivo que deve ser realizado pelo Presidente e que,

por decorrência, também foi previstos nas Constituições Estaduais e nas Lês Orgânicas

dos Municípios e estende-se tal controle a Governadores e Prefeitos: Os chefes dos

Poderes Executivos no Brasil tem o poder do veto jurídico que pode ocorrer logo após

o projeto de lei ter sido aprovado pelas casas legislativas, porque ele pode compreendê-

217 www.stf.gov.br Acesso em julho de 2012.

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lo como inconstitucional, art. 66, §1º. Além do que, a permissão dada pelo STF para que

o Poder Executivo descumpram lei que estão a compreender como inconstitucional está

acompanhada da exigência de que eles, concomitantemente, promovam a respectiva

ação de inconstitucionalidade dado a extensão do rol de legitimados inseridos no

próprio texto constitucional que podem promover as ações de controle de

constitucionalidade.

Celso Bastos218, ressalva, também o importante entendimento de Elival da Silva

Ramos que, compreendemos vem ao encontro com o fato de ser a Constituição a

“constituição de uma sociedade”, conforme expusemos sobre o entendimento de

Canotilho. Diz Elival que o Poder Executivo pode apenas reconhecer ou declarar a

situação de inconstitucionalidade de uma lei, visto que a decisão nesse sentido não pode

vincular a terceiros que sempre poderão questioná-la em juízo, devendo prevalecer neste

caso o entendimento do Poder Judiciário, guardião por excelência da Constituição.

4) Interpretação doutrinária219: Inserimos essa denominação junto ao rol de

interpretações oficiais, porque essa é um interpretação feita por especialistas e

professores que em geral são da área de Direito, e normalmente são citados em

sentenças e acórdãos. A interpretação doutrinária é aquela realizada pelos mestres e

teorista do direito, mas que segundo Paulo Bonavides, e nesse sentido Celso Bastos o

cita, a autoridade dessa interpretação vai depender e muito do grau de reputação

intelectual e da força lógica dos argumentos expedidos por eles. Como também há que

se considerar que esse tipo de interpretação tem por função abrir caminhos para uma

aplicação correta da Constituição inclusive para situações inéditas.

1.11.b Intérpretes não oficiais da Constituição- Sociedade Aberta de Intérpretes

Os estudos sistematizados sobre a fonte genérica, conforme já apontamos se

iniciou com a obra doutrinária de Peter Härbele, que partiu da concepção de que o Texto

Constitucional deve ser interpretado porque ele, inclusive deve estar aberto às novas

realidades sociais o que significa dizer que a interpretação constitucional deve se abrir

218 Idem, Ibidem, p. 134. 219 Idem, Ibidem, p. 135.

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ao povo, pois dele é a vontade geral e a ele pertence a soberania popular que impôs a

feitura do Texto Constitucional.

Entretanto, antes de aprofundarmos a teoria hermenêutica constitucional de Peter

Härbele convém dizer qual é o pensamento sobre o conceito de vontade soberana do

povo ou soberania popular ou ainda sobre a soberania estatal para o referido autor.

Para Peter Härbele com o desenvolvimento histórico permitiu-se a construção de

um Estado Constitucional e as soberanias, a popular e a estatal, com o tempo passaram

apenas a representar um marco histórico inicial. Visto que, atualmente, ambas devem

ser vivenciadas dentro do limites do princípio da supremacia constitucional. Argumenta

o referido autor nesse sentido de que e como a democracia de um Estado Constitucional

é uma democracia de divisão de Poderes, isso significa dizer que nenhum órgão do

Estado têm poder soberano, portanto o que de fato e de direito caracteriza um modelo de

Estado Constitucional é o princípio da supremacia constitucional e por isso mesmo

poderíamos substituir o conceito de soberania popular ou soberania estatal pelo conceito

de Soberania da Constituição; isso porque, em um Estado Constitucional que funciona,

inclusive o poder que elabora e dita a constituição está constituído, o que implica em

afirmar que ele está restrito legalmente por certos princípios de uma cultura

constitucional nacional. E, atualmente, conforme exposto, tais princípios são aqueles

preconizados pela internacionalização de direitos humanos. 220

Portanto, conforme, já apontamos um Estado Constitucional, para Peter Härbele

é um Estado Integralizador e Cooperativo que têm por fundamento uma Constituição

que declara e protege a dignidade da pessoa humana por meio da concreção de direitos

fundamentais das pessoas, daí ele teorizar e defender um interpretação constitucional

que acolha não mais e apenas os intérpretes jurídicos formais que participam do

processo constitucional, mas que acolha a sociedade como um todo mantendo-se aberta

a eles, pois são eles de fato e de direito os titulares de tais direitos.

De acordo com Peter Härbele a teoria da interpretação constitucional dá muito

destaque a duas questões: a) quais são as tarefas e os objetivos da interpretação

220 VALADÉS, Diego. Conversas com Peter Härbele. São Paulo: Saraiva, 2009. p.4

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constitucional; b) e a indagação sobre os processos e as regras de interpretação.

Deixando de lado o problema relativo aos participantes da interpretação constitucional,

assunto que se relaciona não apenas com a teoria, mas diz respeito a prática jurídica em

geral. E argumenta 221:

Uma análise genérica demonstra que existe um circulo muito amplo de participantes do processo de interpretação pluralista, processo este que se mostra muitas vezes difuso. [...]. A teoria da interpretação constitucional esteve muito vinculada a modelo de uma “sociedade fechada.” Ela se reduz, ainda, seu âmbito de investigação, na medida que se concentra, primariamente, na interpretação constitucional dos juízes e nos procedimentos formalizados.

Daí ele propor a seguinte tese222:

No processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausus de intérpretes da Constituição.

Para o referido autor a interpretação reclama um esclarecimento223: “quem vive a

norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-intepretá-la.” De maneira que

cidadãos individualmente considerados, grupos, sindicatos, clubes, organizações não

governamentais, associações, escolas públicas ou privadas, universidades públicas e

privadas, igrejas e etc., podem ser considerados pré-interpretes da Constituição.

Evidentemente que essa ótica da interpretação não retira e muito menos diminui a

importância da interpretação jurisdicional, aliás, a enaltece, pois conforme ele, o que se

passa a ter é uma democratização da interpretação situação adequada para um Estado

Democrático Constitucional e para o Estado que não mais vê a Democracia como um

sistema de governo, mas como um direito fundamental da pessoa humana. Haja vista

que a efetivação de todos eles em todas as suas dimensões, somente é possível em um

Estado que coloca a participação de cada um de seus cidadãos como uma condicion sine

qua non de sua própria existência.

221 HÄRBELE, Peter. Hermenêutica Constitucional. op. cit. p. 12. 222 Idem, Ibidem, p. 13. 223 Idem, Ibidem, p. 13.

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A aplicação de tese da interpretação aberta a uma sociedade pluralista pode levar

à quebra do monopólio que têm os intérpretes jurídicos sobre a Constituição, pois a

Interpretação Constitucional é um elemento/uma fator da sociedade aberta, e todos estão

envolvidos nela, porque tanto é elemento resultante da sociedade aberta como é também

um elemento conformador e formador dessa mesma sociedade224. Isso porque muitos

dos direitos fundamentais, como por exemplo: a liberdade de imprensa, a liberdade

artística, a liberdade científica, liberdade de reunião, a liberdade de livre associação, a

liberdade de pesquisa e de expressão do livre pensamento no momento mesmo em que

são vivenciados já estão sendo interpretados pelos seus titulares. Nesse momento há em

andamento um “processo de interpretação no modo como os destinatários da norma

preenchem o âmbito de proteção daquele direito.”

Além do que, conforme aporta o referido jurista e filósofo do Direito hoje a

interpretação constitucional potencialmente diz respeito à todos, pois de fato onde existe

um texto constitucional e um controle dessa constituição de fato já há uma conformação

da realidade, que também é imposta pela realidade da Constituição.225

E ainda salientamos que tal aspecto da interpretação se revela substancial na

medida em que a atuação interpretativa dos órgãos estatais ao se somar a atuação

interpretativa do indivíduo ou do grupo, configuram uma completa e produtiva forma de

vinculação da interpretação constitucional. Isso está profundamente ligado com a

função objetiva dos direitos fundamentais, conforme explicaremos mais adiante, o que

ao nosso ver encoraja e concretiza força normativa a Constituição, ou seja, as pessoas

passam a ter “vontade de constituição” (Verfasung). E além, desenvolvem

“sentimentalismo constitucional positivo” em relação ao Texto Constitucional, e diante

disso passam a se comportar e a ter condutas de acordo com os valores supremos que

ela veicula. Conforme aporta Konrad Hesse226:

224 Idem, Ibidem, p. 13. 225 Idem, Ibidem, p. 24. 226 HESSE, Konrad.A Força Normativa da Constituição.Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991, p. 21.

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Embora a Constituição não possa por si só realizar nada ele pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem estabelecida.

Logo, a Constituição diz Konrad Hesse necessita para converte-se em força ativa

que se faça presente na consciência geral não só e apenas vontade de poder (wille zur

match), mas também e sobretudo vontade de Constituição (wille zur Verfassung).

Segundo ele a vontade de Constituição origina-se de três vertentes227: 1)

compreensão da necessidade e do valor de uma ordem normativa inquebrantável, que

proteja o Estado contra arbítrios; 2) compreensão de que essa ordem constituída está

mais do que legitimada pelos fatos; 3) consciência de que ela difere de uma lei do

pensamento visto que ela não logra êxito sem a vontade humana.

De maneira que, a força normativa de uma Constituição, que constitui sua

essência e sua eficácia reside, principalmente, na natureza das coias, de maneira que

para se desenvolver de maneira ótima, diz Konrad Hesse sua prática constitucional,

requer o atendimento dos seguintes pressupostos228: a) o conteúdo de uma constituição

deve corresponder ao máximo possível com a natureza singular do presente; b) um

ótimo desenvolvimento da força normativa não depende apenas de seu conteúdo, mas

de sua práxis, ou seja de que todos os partícipes da vida constitucional partilhem a

vontade de constituição, o que é fundamental afirma Konrad Hesse;

Nesse sentido, então afirmar Peter Härbele que isso nos revela que não existe

apenas um processo pluralista anterior à feitura dela, mas o desenvolvimento do

processo posterior ao Texto também vai se revelar pluralista, na medida que a Teoria da

democracia somadas a Teoria da Constituição e da Hermenêutica Constitucional vão

propiciar uma mediação específica entre Estado e sociedade. 229

227 Idem, Ibidem, p. 21. 228 Idem, Ibidem, p. 21-22. 229 HÄRBELE, Peter. Hermenêutica Constitucional. op. cit. p. 18.

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Contudo, devemos consignar a posição de Celso Bastos sobre os pré-

interpretes230. Ainda que para ele não pareça haver dúvidas de que a própria abertura da

Constituição demonstra, conforme e ainda próprio Peter Härbele aponta de que é ela que

propicia o entendimento de que não é mais e apenas o constitucionalista que participa

do processo de interpretação, pois a unidade da Constituição surgi exatamente da

“conjugação do processo e das funções de diferentes intérpretes e está bem nítido que se

pode aplicar um direito com uma fonte extremamente importante de equacionamento

das forças política dentro do Estado”, ao referido autor, parece que na medida em que a

interpretação vai se afastando do sistema jurídico, revela-se uma dificuldade muito

grande no sentido de sua formalização, e isso para ele implica que um interpretação

realizada por pré-interpretes vai acabar por compor apenas mais um conjunto de fatores

como a língua, ou espírito de determinação de um povo, ou sua cultura, que apesar de

ingressar na interpretação não podem ser captados na sua total abrangência, como a

legislação, a doutrina ou a jurisprudência. Desta feita, Celso Bastos não nega a

importância da interpretação feita pelo cidadão. Todavia, apenas diz da dificuldade que

existe em captá-la e utilizá-la na aplicação das normas constitucionais: “na medida em

que os juízes e os tribunais não tem acesso a todos esses fenômenos.”231

Entretanto, temos que considerar que ainda que seja quase impossível e passível

de uma formalização a interpretação realizada pelos pré-interpretes no Brasil tem

conquistado cada vez mais credibilidade nesse sentido. Podemos nos referir a dois

exemplos no campo jurídico: as audiências públicas realizadas face ao julgamento pelo

Supremo Tribunal Federal de questões que dizem respeito a direitos fundamentais e a

possibilidade da presença e da participação do “amicus curie” nos processos civis.

Somente nos últimos anos, principalmente do ano de 2009 para cá o STF

realizou várias audiências públicas, a fim de julgar ações que abarcam temas referentes

a direitos fundamentais como: em agosto de 2012 sobre o impacto que o amianto pode

causar na saúde dos trabalhadores, audiência essa que foi convocada pelo ministro

Marco Aurélio, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3937, ajuizada

em 2007 contra a Lei paulista 12.648/2007, que proíbe o uso, no Estado de São Paulo,

230 BASTOS, Celso, op. cit. p. 141. 231 Idem, Ibidem, p. 142.

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de produtos, materiais ou artefatos que contenham qualquer tipo de amianto ou asbesto

ou outros minerais que tenham fibras de amianto na sua composição; em março de 2010

foi realizada audiência pública para discutir os argumentos referentes Ação de

Descumprimento de Preceito Fundamental 186 e Recurso Extraordinário 597.285/RS

que correspondia discutir a constitucionalidade de políticas de ação afirmativa de acesso

ao ensino superior; em abril de 2009 foi realizada audiência pública sobre saúde para se

discutir e dar esclarecimentos sobre os serviços prestados as população pelo Sistema

Único de Saúde, audiência pública de grande importância, porque referia-se a

julgamento de vários processos de competência da presidência do STF que versam

sobre esses direito e para qual tramitava no Tribunal vários agravos regimentais que

decidiam sobre suspensões de liminares números 47 e 64, nas suspensões de Tutela

Antecipada números 36, 185, 211 e 278, e nas suspensões de segurança números 2361,

2944, 3345 e 3355, todos processos de relatoria da Presidência que a época era do

Senhor Ministro Gilmar Mendes.

O que demonstra os exemplos acima é que muito além de participarem como

interpretes da Constituição advogados, defensores públicos, promotores e procuradores

de justiça, magistrados e professores, também participaram médicos, técnicos de

saúde, gestores e usuários do sistema único de saúde e da rede pública de ensino

superior.232 O que por si já prova que não é tão impossível assim que se formalize a

posição dos pré-intérpretes, conforme asseverava Celso Bastos.

Entretanto, a questão aqui a ser levantada é: estão os cidadãos brasileiros leigos

preparados para acompanhar tais audiências? Acreditamos que deve haver uma parte

deles que sim, porém muitos outros não, sem mencionar que essa informação nem

chegou a muitos, outros tantos se quer sabem que há possibilidade de realização de

audiências públicas em assuntos que se referem à proteção de seus direitos

fundamentais, e muitos se quer, infelizmente, sabem da existência de uma Constituição.

232 Informações encontradas e disponíveis do sitio eletrônico do Supremo Tribunal Federal em: http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp acesso agosto de 2012.

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Além do que a participação nessas e em outras formas de participação, pode vir

a formar um sentimento constitucional que segundo Pablo Lucas Verdú233:

[...] é a expressão capital da afeição pela justiça e pela equidade, porque concerne ao ordenamento fundamental, que regula, como valores a liberdade, a justiça e a igualdade, bem como o pluralismo jurídico. [...] Por outro lado, o sentimento constitucional suscita um entusiasmo mais chamativo, público e representativo do que o simples sentimento jurídico ordinário.

Por isso: “todas as pessoas inseridas no contexto social devem pleitear pela efetividade constitucional.” 234

233 LUCAS Verdú, Pablo. O sentimento Constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política tradução de prefácio Agassis Almeida Filho.. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.70. 234 MORAIS, José Luiz Bolsan de e NASCIMENTO, Valéria Ribas. op.cit.; ibidem.

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II CAPÍTULO

DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Etimologia, Conceito e Definição de Direitos Fundamentais

A palavra fundamental vem do latim fundamentale e é um adjetivo, ou seja, sua

função é designar uma qualidade específica de um objeto, de uma ação, ou de uma

pessoa e quer significar: básico, essencial, necessário. Portanto, se juntarmos a duas

palavras direito e fundamental, poderíamos, sem comprometer as várias significações

que ambas tem, compreender, para iniciar, que o direito fundamental é o justo essencial,

o reto necessário ou a norma essencial.

Apesar de essa construção etimológica estar impregnada de vagueza e

ambigüidade, por outro lado aponta para o seu real significado e sentido. Assim,

ficamos capacitados para dar início a uma compreensão axiológica do que vêm a ser os

Direitos Fundamentais, principalmente, já que ao atrelar a palavra direito à qualidade de

fundamental estaremos dando destaque ao seu caráter único e específico. Com isso,

marcamos a sua real essencialidade e começamos a compreender também porque esses

direitos são de fato superiores aos demais, os quais em sua ausência nem poderiam ser

postos ou exigidos.

Por isso, compreendemos tal qual Vidal Serrano Júnior, que o adjetivo

sintaticamente analisado encerra as duas acepções mais importantes do conceito de

direito fundamental, em primeiro lugar enquanto direito subjetivo, o que vem a

compreender nas palavras dele235:

Tal especificação sintática facilita, por sua vez, a abordagem semântica, pois o adjetivo fundamentais indica, a toda evidência, que o substantivo direitos assumiu feição específica, vale dizer, o direito como conjunto de prerrogativas e instituições predispostas a uma finalidade.

Já na sua concepção objetiva (material) e institucional se refere ao Estado que o

reconhece, e se traduz naquilo que "o torna parte integrante da própria noção de Estado

235 NUNES Junior, Vidal Serrano. o p. cit. 12.

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Democrático de Direito". É sob a égide dessa dimensão objetiva que se traça as ações

do poder do Estado e as funções que exercem os direitos fundamentais dentro de um

ordenamento jurídico posto.236

Podemos compreender direito fundamental da mesma forma que se faz com o

vocábulo direito, ou seja, este também tem duas grandes acepções: uma subjetiva e

outra objetiva ou institucional.

A acepção subjetiva de um direito fundamental se traduz em seu caráter de

prerrogativa, que lhe faculta, enquanto pessoa, exigir de outra pessoa ou Estado

determinada prestação ou abstenção face ao seu direito fundamental/essencial. Esse

direito o especifica e o individualiza em uma sociedade como um ser inserido dentro de

um determinado ordenamento jurídico e que, portanto, lhe deve garantir liberdades.

Na sua acepção institucional, direito fundamental, indica que os mesmos direitos

fundamentais devem ser obedecidos e respeitados, principalmente porque eles são a

essência da nossa ordem social, política, econômica e cultural que condiciona condutas

e comportamentos dos agentes que estão no exercício do poder.

Quando apontamos para a acepção institucional dos direitos fundamentais

estamos demarcando, ao que Vidal Serrano Júnior chama de perfil do Estado237: "O

Estado exprime uma forma de ser e atuar". Em outras palavras, quando um Estado

Contemporâneo em sua Constituição Moderna enuncia direitos fundamentais está

afirmado que, enquanto Estado, tem uma estrutura política e um ordenamento jurídico

condizente com os direitos fundamentais da pessoa humana, preservando-lhe a

dignidade por meio de assegurar seus direitos mais básicos à vida, à saúde, à segurança,

à propriedade, à educação, à moradia e aos direitos políticos. Está também assegurando

uma estrutura política baseada na democracia, porque é esse o sistema de governo que

garante ao indivíduo plenas condições de liberdade para escolher quem o comanda e

exerce o poder em seu nome, mas que, por sua vez, o faz limitado face aos direitos

236 Idem, Ibidem, p.12 237 Idem, Ibidem, p. 13.

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fundamentais desse mesmo individuo. Além disso, pelo regime democrático é que fica

garantida a participação desse indivíduo juntos às instituições que efetivam seus direitos

fundamentais.

E Konrad Hesse ensina que os direitos fundamentais têm duplo caráter e, assim

vistos, os direitos fundamentais produzem efeito fundamentador de status, em suas

palavras238:

[...] como direitos subjetivos, eles determinam e asseguram a situação jurídica do particular em seus fundamentos; como elementos fundamentais (objetivos) da ordem democrática e estatal-jurídica, eles inserem nessa ordem que, por sua vez, pode ganhar realidade primeiro pela atualização daqueles direitos subjetivos. O status jurídico constitucional do particular, fundamentado e garantido pelos direitos fundamentais da Lei Fundamental, é um status jurídico material, isto, é, um status de conteúdo concretamente determinado que, nem para o particular, nem para os poderes estatais, está ilimitadamente disponível.”

Entretanto, devemos frisar que o sentido subjetivo oferecido ao direito, teve sua

dimensão de compreensão e significado ampliado, não podendo mais ser apenas

compreendido como sinônimo de direito individual, ou seja, aquele direito que pode ser

apenas titularizado por uma só pessoa. Nesse sentido transcrevemos a preciosa lição de

João dos Passos Martins Neto239:

O direito subjetivo desempenhou até agora um papel fundamental nos debates da ciência jurídica. Poucos conceitos mereceram uma atenção tão constante. Entretanto, questiona-se atualmente o seu grau de relevância prática e teórica em razão da incorporação doutrinária e legislativa de tipos novos que não encontrariam correspondência nos dois modelos básicos de concepção romana, o jus in rem (direito real) e o jus in personam (direito pessoal de crédito). O declínio do conceito estaria associado à sua incapacidade de absorver e explicar fenômenos dos chamados direitos transindividuais (g.n.), aí compreendidos os três grupos em que eles se distribuem: direitos individuais homogêneos, direitos coletivos e direitos difusos. Essa leitura tem sua origem no preconceito de que direito subjetivo é sinônimo de direito individual, no sentido estrito de titularizado por uma só pessoa e incidente sobre um objeto que nenhuma outra possui em igual ou concomitantemente. A locução direito subjetivo, contudo,

238 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luis Afonso Heck. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 230 239 MARTINS, Neto, João Passos. Direitos fundamentais: Conceito, função e tipos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 31-32.

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em sua significação mínima obrigatória, pretende sugerir que apenas um bem pertence a alguém, sendo bem o objeto do direito e alguém o sujeito do direito. De nenhum modo ela impõe pressupor que o objeto do direito tenha de ser heterogêneo (no sentido de que outras pessoas não tenham nada exatamente idêntico) ou exclusivo (no sentido de que outras pessoas dele não fruam conjuntamente), mesmo ainda que o sujeito haja de ser sempre um ente individual, quer uma pessoa física, quer uma pessoa jurídica.

A qualidade fundamental ao ser acoplada a um direito indica ainda, dentro de

uma acepção subjetiva do direito, que nenhuma pessoa poderá ser privada de vivenciar

de fato esse direito, como bem assevera Vidal Serrano240: “De outro modo, privar

alguém de direitos fundamentais significa, em última analise, privá-lo da vida ou do

direito de pertencer à sociedade na qual se integra". Ou ainda, nas palavras de Dalmo de

Abreu Dallari, também, citadas por Vidal Serrano241: "esses direitos são considerados

fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de

se desenvolver e de participar plenamente da vida".

Sob uma ótica normativa restrita, ou seja, uma ótica da ordem constitucional

como documento escrito que positiva direitos fundamentais, e nisso Paulo Bonavides

cita Konrad Hesse242: “Direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente

qualifica como tais”.

Sob uma perspectiva visionária e mais completa, Vidal Serrano Júnior conceitua

direitos fundamentais como243:

[...] Sistema aberto de princípios e regras que, ora conferindo direitos subjetivos a seus destinatários, ora conformando a forma de ser e de atuar do Estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões, a saber: em sua liberdade (direitos e garantias fundamentais), em suas necessidades (direitos sociais econômicos e culturais) e em relação à sua preservação (solidariedade). (g.n).

240 NUNES Junior, Vidal Serrano, op. cit. p. 14 241 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit, p.14 242 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 24ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 560 243 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit, p.15

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Esta conceituação é bem completa e se destaca pela ênfase ao caráter de

universalidade com a seguinte expressão: "proteção do ser humano em suas diversas

dimensões".

Indica que os direitos fundamentais não se dirigem apenas aos cidadãos que

estão sob a tutela ou sob a égide de determinada Constituição, mas que os projeta e

estende a todo e qualquer ser humano de qualquer outro país, em solo nacional ou não,

mesmo que entre estes não haja acordo de reciprocidade.

Esse autor ainda conceitua direitos fundamentais como sendo um sistema aberto,

para que os vejamos não apenas como uma espécie de normas que se somam, isolando-

os em si mesmos, já que "um direito fundamental implica outro e um influencia o

conteúdo do outro" 244

Desta forma, não se dissocia a proteção constitucional que se dá a um direito

fundamental da de outro. Entre eles há uma integração, até porque a pessoa humana

deve ser vista na sua inteireza, na sua total complexidade; ela precisa ser vista como

portadora de múltiplas necessidades a serem satisfeitas, já que assim é a nossa natureza

física, espiritual e metal. Não temos apenas direito à vida, temos direito à vida com

saúde. Não podemos nos educar se a nossa saúde não está garantida, já que sem esta não

há como a educação se efetivar de forma plena atingindo o objetivo de completo

desenvolvimento da pessoa humana. É preciso respeitar o ser humano também como

portador de muitas potencialidades e ressaltar que cada individualidade tem em si um

valor que o torna fim e nunca meio. Cada indivíduo é portador de um valor intrínseco

que convencionamos chamar de dignidade para se opor ao que chamamos de preço, este

último o valor que coisas e objetos possuem ou que damos a eles.

Do ponto de vista da hermenêutica constitucional é por meio de uma análise

sistemática, que se dará completo sentido à norma constitucional portadora de um

direito fundamental, como diz Luís Roberto Barroso245:

244 NUNES Júnior, Vidal Serrano op. cit.; p. 14. 245 BARROSO Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: Fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 2ª. Edição, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 45.

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Uma norma constitucional,vista isoladamente, pode fazer pouco sentido ou mesmo estar em contradição com outra. Não é possível compreender integralmente alguma coisa- seja texto legal, uma história ou uma composição- sem entender suas partes, assim como não é possível entender as partes de alguma coisa sem compreensão do todo. A visão estrutural, a perspectiva de todo o sistema, é vital.

Porém os direitos fundamentais não formam apenas um sistema, salienta Vidal

Serrano, mais do que isso, representam um sistema aberto. O adjetivo aberto acoplado

ao substantivo sistema está a indicar a forma de interpretação desse sistema, quer dizer

que o sistema tem que ser formado por normas que se adaptem as mudanças da

realidade, ou seja, normas capazes de integrar-se com a realidade política, econômica e

cultural de uma nação.

A idéia de direitos fundamentais como sistema aberto também se alinha à

concepção contemporânea de Constituição Aberta. Após as atrocidades da II Guerra

Mundial, como explicamos no I capítulo, as várias nações do mundo compreenderam

que a Constituição, como documento superior, também se traduz num modelo de

cultura, o que vem sendo denominado de Constituição Cultural.O Texto Constitucional

deve refletir a “soma de atitudes, idéias, experiências, escalas de valores e expectativas

subjetivas que correspondem a ações objetivas, das suas associações e dos seus órgãos

culturais”. 246

Entretanto, dado os acontecimentos mundiais, foi necessário garantir diante dos

valores e das expectativas dos seres humanos que a ações objetivas realizadas pelo

Estado, seus órgãos e agentes, estivessem compromissados e vinculados com uma

ordem supra-estatal que protegesse a dignidade da pessoa humana.

Assim, conforme apresentamos foram elaborados vários sistemas internacionais

de proteção da pessoa humana. Quando a Constituição recebe em seus textos os

preceitos e os institutos enunciados nos sistemas internacionais, nomeamos tal

Constituição de Constituição Aberta. Logo, um sistema de direitos fundamentais é

considerado aberto se enunciados em uma Constituição aberta.

246 MORAIS, José Luis Bolsan e RIBAS, Valéria, o.p. cit. p. 27-28.

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Desse modo, não se trata de um simples sistema aberto, mas sim de um sistema

aberto de princípios e regras, porque a Constituição, sendo um documento escrito em

que estão inseridos os direitos fundamentais, passa a ser um documento mandamental

formado por normas que se consubstanciam esses princípios e regras.

Por isso quando entendemos que normas constitucionais são formadas por

princípios e regras, além de querermos nos referir ao seu conteúdo axiológico,

concluímos que estas passam a ser objeto de análise estrutural por parte do intérprete, já

que conhecer a estrutura das normas constitucionais pode ajudar na solução de conflitos

que envolvem a colisão de direitos fundamentais.

Robert Alexy ensina que a distinção entre elas implica em conhecer

principalmente247:

[...] a estrutura de uma teoria normativo-material dos direitos fundamentais e com isso, um ponto de partida para resposta à pergunta a cerca das possibilidades e limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais. Nesse sentido a distinção entre regras e princípios é uma das colunas-mestras do edifício da teoria dos direitos fundamentais.

Alfonso García Figueroa, cátedra da cadeira de Filosofia de Direito da

Faculdade de Direito de Toledo, Espanha, no prefácio ao livro de André Rufino do

Vale248, alerta:

La distinción entre principios y valores (....) evoca un problema filosófico profundo acerca de las diferencias entre lenguaje valorativo e lenguaje normativo o, em otras palabras, entre ele concepto axiológico de valor y el concepto deontológico de norma.

Roberto Dias, nesse sentido, ensina as lições de Ronald Dworkin e Robert

Alexy249:

247 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução da 5ª. Edição alemã Theorie der Grundrechte por Virgilio Afonso da Silva, São Paulo, Malheiros, 2008, p. 85 248 VALE, André Rufino do. Estruturas das normas de direitos fundamentais: repensando a distinção entre regras, princípios e valores- São Paulo: Saraiva: 2009, prólogo, VII 249 SILVA, Roberto Dias da.op. cit. p. 33.

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Ronald Dworkin afirma que a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica. As regras são aplicáveis à maneira do ‘tudo ou nada’, pois podem ser válidas e se aplicar integralmente ou ser inválidas e, portanto, inaplicáveis. Por outro lado, os princípios possuem um dimensão de peso ou importância e, quando, colidem, o intérprete deve levar em conta a força relativa de cada principio que está em jogo, no caso concreto. Para Robert Alexy, a diferença entre regras e princípios é qualitativa, e não de grau. Enquanto princípios ‘são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível’, ou seja, são mandamentos de otimização que se caracterizam pelo fato de poder ser cumpridos em graus diferentes, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. As regras, então expressam direitos e deveres definitivos, ou seja, se são válidas, devem realizar-se precisamente aquilo que determinam. Por outro lado, os princípios expressam direitos e deveres prima facie e, portanto, quando em colisão com outros princípios, deverão ser sopesados, revelando-se, no caso concreto, mais ou menos amplos.

Assim, podemos iniciar a conceituação de direitos fundamentais dizendo que

eles são um conjunto de normas, que formam um sistema aberto, que veiculam

princípios e regras, que ora se perfazem em direitos subjetivos e ora definem a forma de

atuar de um Estado, e que se encontram escritos na lei maior de um país, a Constituição,

formando assim a base dos valores que sustentam e integram uma determinada

comunidade.

Já, Dimitri Dimoulis define direitos fundamentais com maior especificidade 250:

Direitos fundamentais são direitos- subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.

A definição dada pelo citado jurista ganha importância na medida em que

ressalva, como ele mesmo aponta para: a) os sujeitos da relação criada quando há direito

fundamentais envolvidos; b) a finalidade da fundamentalidade desses direitos, ou seja,

de limitar o poder estatal na atuação que exerce sobre a liberdade dos indivíduos; c) a

posição dos direitos fundamentais no sistema jurídico como sendo superiores aos

250 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 1ª. ed. 2ª. Tiragem, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 54.

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demais direitos, infraconstitucionais, e superiores mesmo em relação aos demais

direitos postos na própria Constituição.

Entretanto, o próprio Dimoulis critica que definição de direitos fundamentais

dessa forma, gerando outras questões. A primeira delas é se as relações jurídicas criadas

por direitos fundamentais se dirigem apenas para aquelas geradas entre Estado e

cidadão, ou o respeito aos direitos fundamentais também se aplica as relações privadas

geradas entre as pessoas apenas.

A outra questão a ser vislumbrada é que nem toda doutrina concorda que os

direitos fundamentais estão apenas postos no texto da Constituição. Autores como

Robert Alexy, assim como nós, acreditamos que moralidade e razoabilidade justificam a

existência e o exercício dos direitos fundamentais mesmo que não escritos no texto da

Constituição, como por exemplo, os direitos fundamentais veiculados por pactos e

acordos internacionais, que ainda não foram inseridos, ou ratificados, pela ordem

interna de cada país.

Assim, podemos conceituar direitos fundamentais como sendo aqueles direitos

essenciais a cada uma das pessoas, que tem por finalidade proteger a sua condição

humana, principalmente contra a arbitrariedade do Estado, assegurando sua dignidade e

lhe dando a prerrogativa de poder exigir prestação ou abstenção do Estado, e de outras

pessoas, que venham a lesionar ou ameaçar de lesão esses mesmo direitos fundamentais.

2.2 A Finalidade principal dos Direitos Fundamentais: a dignidade da pessoa

humana e a importância das dimensões de seus conteúdos e formalidade

A grande finalidade dos Direitos Fundamentais é proteger a dignidade da pessoa

humana. E o que é dignidade da pessoa humana? 251

Palavra que provém da palavra latina dignitas, na Grécia Antiga estava ligada a

posição social que a pessoa ocupava e tinha a ver com se aceitar pessoas nos círculos

251 SARLET Ingo Wofgang in Dicionário de Filosofia do Direito, coordenador Vicente de Paulo Barreto Unisinos, Leopoldo, RS e Renovar, Rio de Janeiro, 2006, Verbete Dignidade da pessoa humana, p.212-225

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sociais. Assim as pessoas eram mais dignas ou menos dignas se aceitas ou não nos

grupos, era o império de um critério quantitativo.

Com a reflexão e o desenvolvimento da filosofia dos estóicos, a dignidade

passou a ser compreendida como uma qualidade inerente ao ser humano que o

distinguia de outras criaturas. Assim todos os humanos eram dotados da mesma

dignidade, essa idéia estava ligada a idéia de liberdade individual, como domínio de si

próprio, e o homem passa a ser considerado responsável por seus atos.

Foi Cícero, em Roma, que desenvolveu um entendimento de dignidade

desvinculada de qualquer posição social. Sua formulação de dignidade se fundou

principalmente na noção de natureza humana que despertada no individuo lhe levava a

obrigação de levar em conta não apenas seus interesses, mas também o interesse alheio,

colocando todos sob a égide da mesma lei. Por isso, os romanos preconizavam a

proibição de prejudicar uns aos outros por seus preceitos honest vivere, alterum non

laedere, suum cuique tribuire - viver honestamente, não causar dano a outrem e dar a

cada um o que é seu.

Até durante a idade medieval, dita como a era das trevas, a concepção greco-

romana continuou sendo sustentada, e foi o Humanista Pico de La Mirándola, que disse

que a racionalidade permitia ao ser humano ser digno porque ele tinha o poder, entre

todos os seres, de construir sua vida de forma independente e traçar assim seu destino.

Preconizava que, sendo o homem criatura de Deus, tem assim a natureza indefinida, o

que possibilita que seja dele seu próprio árbitro.

São Thomas de Aquino já sustentava a dignitas humana, porque o homem é

feito a imagem e semelhança de Deus, e por isso também tinha capacidade de

autodeterminação para que exista em função da sua própria vontade.

Foi apenas nos séculos XVII e XVIII, época do pensamento jusnaturalista, que a

concepção da dignidade da pessoa humana conjuntamente como o pensamento do

direito natural, passaram por uma secularização. Entretanto, manteve-se essa noção de

que todos os homens são iguais em dignidade e liberdade.

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Deste período, dois nomes da Filosofia se destacam. Samuel Pudenford, que

proclamava que mesmo o monarca tem que respeitar a dignidade da pessoa humana, e

considerar essa como a liberdade que o ser humano tem de optar com base na razão que

tem e ainda proceder de acordo com esse pensamento. Mas, foi o filósofo e professor

Emmanuel Kant que melhor desenvolveu uma concepção de dignidade humana, pois

acoplava o valor desta ao da ética, que era compreendida como autonomia, concluindo

que era a ética a base fundamental da dignidade. Como sustentava que o ser humano

não podia ser tratado como objeto, já que o homem é um fim em si mesmo, o ser

humano nunca devia ser visto como um meio para alguma coisa.

Nas palavras de Kant 252:

Mas supondo que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesmo, possa ser o fundamento de determinadas leis, nessa coisa, e somente nela, é que estará o fundamento de um possível imperativo categórico, quer dizer de uma lei prática. Agora eu afirmo: o homem- e, de uma maneira geral, todo o ser racional- existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas as suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim.

Em suma, a idéia de Kant considerava que todo homem é dotado de razão, e por

isso livre para agir. Portanto, possui autonomia para repudiar qualquer idéia de

coisificação ou instrumentalização do ser humano. E até hoje é aceita como idéia central

do que seja dignidade humana. Por isso dizer que o ser humano tem dignidade significa

que ele possui um valor absoluto e nunca pode ser relativizado. Todo ser humano possui

um valor que se irradia de dentro para fora, a dignidade, ao contrário das coisas que

podem receber um preço que lhes é imposto de fora para dentro.

A concepção de Kant passou a influenciar profundamente a produção jurídica,

mesmo que na época existissem pensamentos como o de Hegel, que dizia que a

dignidade era uma qualidade a ser conquistada. Para Hegel, o homem não nasce digno,

mas torna-se digno apenas a partir do momento em que se torna cidadão. Esse

252 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 58.

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pensamento de Hegel até certa medida representava um retrocesso na evolução do

pensamento filosófico sobre a dignidade humana porque acabava ligando a noção de

dignidade à posição que a pessoa ocupava na sociedade como acontecia na idade antiga.

Mas se de um lado ele afastava a concepção puramente ontológica, por outro a sua idéia

acabou impondo que a dignidade humana precisava ser reconhecida, já que a idéia de

ética determinava que uma vez reconhecida à pessoa, o outro teria que respeitá-la.253

Esse pensamento também teve grande influência no mundo acadêmico do

direito, devido à proteção jurídica correspondente ao reconhecimento da dignidade,

criando possibilidade de se cobrar prestações que possibilitassem o respeito aos direitos

que advinham dessa dignidade. Vale citar a lição de Ingo W. Sarlet, nesse sentido254:

Da concepção jusnaturalista - que vivencia se apogeu justamente no século XVIII - remanesce, indubitavelmente, a constatação de que uma ordem constitucional que - de forma direta ou indireta- consagra a idéia da dignidade da pessoa humana, parte do pressuposto de que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado. Da mesma forma, acabou sendo recepcionada, especialmente (mas não exclusivamente, sempre convém seja reprisado) a partir e por meio do pensamento cristão e humanista, uma fundamentação metafísica da dignidade da pessoa humana, que, na sua manifestação jurídica, significa uma última garantia da pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por parte do poder estatal e social.

É verdade que existe uma dificuldade em dar compreensão jurídico-

constitucional sobre o que seja a dignidade da pessoa humana, mas ressalva Ingo W.

Sarlet, que assim se passa porque a palavra é polissêmica e seus contornos são

imprecisos e vagos, e se caracteriza pela ambigüidade e pela porosidade. Entretanto,

esses são predicados que se atribuem à palavra, mas que não atingem a dignidade em si.

Como ensina Michael Sachs, ao contrário das demais normas jusfundamentais, a

dignidade é uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano. Tem um

valor próprio que identifica o ser humano como tal e é certo que não é uma definição

253 SARLET Ingo Wofgang in Dicionário de Filosofia do Direito. op. cit p. .212-225 254 Idem, Ibidem, p. 216

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que contribui muito com a construção de normas jurídicas de proteção à dignidade.

Mas, como aponta Ingo W. Sarlet255:

Mesmo assim não, não resta dúvida de que a dignidade é algo real, algo vivenciado concretamente por cada ser humano, já que não se verifica maior dificuldade em identificar claramente muitas das situações em que é espezinhada e agredida, ainda que não seja possível estabelecer uma pauta exaustiva de violações da dignidade.

A dignidade da pessoa humana está consagrada na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, como fundamento da nossa República Federativa, artigo1,

inciso III. A dignidade da pessoa humana no Brasil é uma ordem "fundante", de alicerce

de base essencial da ordem político, jurídico constitucional sem a qual todo o mais não

se sustenta.

Trata-se, como diz Uadi Lammêgo Bulos, de um "valor constitucional Supremo

que agrega em torno de si a unanimidade dos demais direitos e garantias fundamentais

do homem, expressos nessa Constituição".256

Como ensina Antônio Enrique Pérez Lunõ, também citado por Uadi Lammêgo, é

valor supremo na medida em que abarca três dimensões257:

1) dimensão fundamentadora, porque é núcleo basilar e informativo de todo o

sistema jurídico-positivo;

2) dimensão orientadora, porque estabelece metas ou finalidades pré-

determinadas;

3) dimensão crítica no que se refere às condutas;

255 Idem, Ibidem, p. 217. 256 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 9 ed. revisada e atualizada, Editora Saraiva, São Paulo, 2009, p. 83 257 Idem, Ibidem, p.83

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As conseqüências dessa análise dimensional sobre a função constitucional da

dignidade da pessoa humana parecem ser simples ao serem ditas, porém são

avassaladoras se não acontecerem. Se um dia a ordem política do país por qualquer ato

deixar de perseguir e assegurar a dignidade da pessoa humana, este deixa de existir

enquanto Estado e estará se autodestruindo, ao menos sob a perspectiva axiológica.

A dimensão orientadora implica em que os poderes públicos devem sempre ser

direcionados a consagrar a proteção da pessoa humana por meio do planejamento,

desenvolvimento e implementação de políticas publicas sociais.

Na sua dimensão crítica, a dignidade da pessoa humana impõe a cada cidadão a

reflexão e análise de suas condutas como pessoa e como parte da sociedade,

possibilitando o despertar da consciência da imensa importância que a sua participação

exerce sobre a manutenção de um Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, afirma

Ingo W. Sarlet258:

O que se percebe em última análise é que onde não houver respeito pela vida pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação de poder, enfim onde a liberdade e autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.

Concluímos, então, que a dignidade da pessoa humana, posta como fundamento,

é valor constitucional supremo da nossa República, o que indica um caminho axiológico

e polarizador que se assenta por todo o texto constitucional. Isto impõe ao intérprete

constitucional que realize um juízo valorativo filosófico sobre a própria condição

humana que decorre de sua natureza, dando maior eficiência e aplicabilidade, no dia a

dia, ao "sistema aberto de princípios e regras que ora conferem direitos subjetivos aos

indivíduos ora conforma o atuar do Estado", que se materializam em direitos

fundamentais humanos postos na Constituição, sua Lei fundamental. Procedendo assim,

258 SARLET, Ingo Wolfgang, in Dicionário de Filosofia do Direito. op.cit. Verbete Dignidade. P. 222.

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a Constituição ganha força ativa, ou seja, força normativa259 face aos problemas

impostos pela realidade, mitigando em muito os fatores reais de poderes260 que se

aproveitam da realidade para coisificar e instrumentalizar a pessoa humana pondo-a a

serviço de seus próprios interesses. Em suma a Constituição deixa de ser um simples

papel que pode ser queimado e passa a ser um valor vivo261:

Neste sentido, Uadi Lammêgo e Pérez Luño262:

Os valores constitucionais compõe, portanto, o contexto axiológico fundamentador ou básico para a interpretação de todo o ordenamento jurídico; o postulado-guia para orientar a hermenêutica teleológica e evolutiva da constituição; e o critério para medir a legitimidade das diversas manifestações do sistema de legalidade.

2.3 Das Dimensões ou Funções dos Direitos Fundamentais. Função Subjetiva.

Função Objetiva, Função de não-discriminação e da sua Função Social

Quando Caio Mario Pereira da Silva263 disserta sobre direito das obrigações, ele

nos ensina uma preciosa lição: uma classificação só é válida se útil. Portanto, nos

socorremos de uma determinada classificação para melhor compreender um instituto

jurídico. Uma das classificações mais úteis elaborada para os direitos fundamentais os

revela sob dois planos de existência distintos que se completam, mas que não devem ser

confundidas com a categoria anteriormente apresentada.

Estamos nos referindo à dimensão subjetiva e à dimensão objetiva dos direitos

fundamentais. Correspondem preliminarmente à dimensão subjetiva, aqueles que

impuseram ao Estado Liberal uma abstenção de interferência na vida particular do

indivíduo, salvo se houver uma justificativa constitucional que a permita. Entretanto, a

dimensão (função) subjetiva dos direitos fundamentais também, pode surgir face às 259 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. op.cit. p. 19 260 LASSALE, Ferdinad. O que é uma Constituição? Tradução Ricardo Rodrigues Gama, 2ª. Edição, Russel editores, Campinas, São Paulo, 2007. 261 Idem, Ibidem. 262 BULOS, Uadi Lammêgo. op. cit.; p. 83 263 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civi, 20 ed. atualizada por Luiz Roldão de Freitas Gomes. Editora Forense, 2003. v. II, p. 45.

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ações positivas que deve o Estado prestacionar como, por exemplo, no caso dos direitos

sociais que se concretizam por uma prestação de serviço.

Nesse sentido, Dimitri Dimoulis disserta sobre dimensão subjetiva dos direitos

fundamentais264:

Trata-se da dimensão ou da função clássica, uma vez que o seu conteúdo normativo refere-se ao direito de seu titular de resistir à intervenção estatal em sua esfera de liberdade individual (...). A dimensão subjetiva aparece também nos direitos fundamentais que fundamentam pretensões jurídicas próprias do status positivus. Quando o individuo adquire um status de liberdade positiva (liberdade para alguma coisa) que pressupõe a ação estatal, tem-se como efeito a proibição de omissão por parte do Estado. Trata-se aqui de direitos sociais e políticos e de garantias processuais entre as quais a mais relevante é a garantia de acesso ao judiciário para a apreciação de toda lesão ou ameaça a direito (art. 5, XXXV). O efeito para o Estado é dever de fazer algo.

Canotilho265 também ensina que a primeira grande função dos direitos

fundamentais é a de defesa ou de liberdade, ou seja, a função subjetiva ao qual nos

referimos acima, porque estes essencialmente visam proteger a pessoa e sua dignidade

contra atos do poder estatal de duas formas:

a) impedindo a ingerência do Estado na vida privada dos indivíduos;

b) outorgando poder ao indivíduo para exercer seus direitos fundamentais e,

também, lhe assegurando direito de cobrar omissões do Estado que impeçam o exercício

dos mesmos.

O autor referenciado acima também aporta que quando as pessoas tem o direito

de requerer e obter alguma prestação do Estado, como educação, saúde, segurança

social, assistência judiciária, quer seja em forma de principio, regra, ou valor, passam os

direitos fundamentais a exercer função objetiva em relação ao titular do direito. O que

implica dizer que a liberdade do individuo não está mais apenas assegurada pela não

264 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo.op.cit. p. 118 265 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit., p.408.

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interferência, já que nesse caso a vivência plena de sua liberdade depende da ação do

Estado.

Nesse sentido Gilmar Ferreira Mendes apud Krebs266: “não se cuida apenas de

ter liberdade em relação ao Estado (Freiheit vom...), mas de desfrutar essa liberdade

mediante atuação do Estado (Freiheit durch...)."

Já afirmar que os direitos fundamentais têm uma dimensão (função) objetiva, é

historicamente recente e nem tão clássico quanto sua dimensão subjetiva. A dimensão

objetiva foi usada inicialmente pelo constitucionalista alemão Horst Dreier e sua teoria

não tem qualquer intenção de afastar a importância da dimensão subjetiva, mas apenas

quer que sejam os direitos fundamentais tenham uma perspectiva que independa do

ponto de vista dos sujeitos titulares da relação jurídica.

Assim, direitos fundamentais, sob a perspectiva da dimensão objetiva, englobam

três aspectos267:

1) caráter de normas de competência negativa, em relação àquilo que está sendo

outorgado ao individuo e está objetivamente sendo retirado do Estado;

2) critério de interpretação e configuração do direito infraconstitucional: é o

efeito de irradiação dos direitos fundamentais sobre todo o restante do ordenamento

jurídico;

3) dever estatal de tutela dos direitos fundamentais: refere-se ao dever do Estado

de proteger o direito fundamental de ameaças.

Dimitri Dimoulis alerta sobre a importância dessa função:268

266 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. 3ª. Edição, 4ª. Tiragem, editora Saraiva, São Paulo, 2009, p.7. 267 DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo. 119-120. 268 Idem, Ibidem, p. 119

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Relevante é este conceito objetivo ou esta dimensão dos direitos fundamentais para o controle abstrato de constitucionalidade de normas. Exercer esse controle é dever do Estado que realiza uma espécie de autocontrole em função dos direitos fundamentais, podendo (e devendo) uma série de autoridades estatais provocar seu exercício. Assim, por exemplo, não é necessário esperar a impetração de mandado de segurança que questione a constitucionalidade de uma lei de censura com base na liberdade de imprensa para proceder ao controle dessa lei que viola a Constituição. As partes legitimadas devem dar andamento ex officio a esse controle, fazendo o Estado respeitar o limite de sua competência [...].

Os direitos fundamentais também funcionam como critério de interpretação e

configuração do direito infraconstitucional. Vale aqui que a mesma nomenclatura dada

por Vidal Serrano às funções dos direitos humanos referentes à sua aplicação na ordem

interna do Estado se transpassa ao direitos fundamentais, enquanto fundamentos, para o

restante das normas do ordenamento jurídico brasileiro. Assim, também têm uma

função normogenética, ou seja, os direitos fundamentais uma vez em nosso

ordenamento irradiam seu conteúdo para as normas infraconstitucionais.

Todo o ordenamento jurídico infraconstitucional quer seja durante sua

elaboração quer seja durante sua interpretação e aplicação, deve levar em primeiro a

consideração a valores, princípios e regras postas como conteúdo dos direitos

fundamentais que estão positivados no texto constitucional. Essa é uma das nuances do

chamado princípio da interpretação conforme a Constituição, que tem por fundamento a

supremacia que exerce sobre toda a nação. Nas palavras de Dimitri Dimoulis269:

A doutrina nacional refere-se muitas vezes ao princípio da ‘interpretação conforme a Constituição’ Uma importante dimensão desse princípio é a ‘interpretação conforme os direitos fundamentais’ (grunderechtskonforme Auslegung). Quando o aplicador do direito está diante de várias interpretações possíveis de uma norma infraconstitucional, deve escolher aquela que melhor se coadune às prescrições dos direitos fundamentais.

O terceiro aspecto que se desdobra da dimensão objetiva é o dever estatal de

tutela dos direitos fundamentais, que é aquele a que se refere nas palavras de Dimitri

Dimoulis: 270

269 Idem, Ibidem, p. 120 270 Idem, Ibidem, p. 121

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Dever de Estado de proteger ativamente o direito fundamental contra ameaças de violação proveniente, sobretudo, de particulares, é por isso que Estado deve forçar o respeito aos direitos fundamentais, impondo a omissão a condutas violadoras provenientes de particulares. Isso deveria de ocorrer de forma preventiva por meio do Poder Legislativo.

A doutrina norte-americana, aporta Canotilho, tem explorado a função de não

discriminação dos direitos fundamentais, que parte do princípio da igualdade e dos

direitos de igualdade consagrados no texto constitucional. O Estado tem que assegurar

que os cidadãos serão tratados como cidadãos fundamentalmente iguais. Essa função

deve irradiar seus efeitos sobre todos os demais direitos fundamentais e a explicação de

Canotilho é muito clara nesse sentido271:

Esta função de não discriminação abrange todos os direitos. Tanto se aplica aos direitos, liberdade e garantias pessoais (ex; não discriminação em virtude de religião), como aos direitos de participação política (ex: direito de acesso aos cargos públicos), como ainda aos direitos dos trabalhadores (ex: direito ao emprego e formação profissional). Alarga-se, de igual modo, aos direitos a prestação (prestação de saúde, habitação). É com base nesta função de não discriminação que se discute o problemas de quotas (ex: parlamento paritário de homens e mulheres) e o problema das afirmate actions tendentes a compensar a desigualdade de oportunidade (ex: quotas de deficientes). É ainda com uma acentuação-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efectivação plena da igualdade de direitos numa sociedade multicultural e hiperinclusiva (direitos dos homossexais, direitos das mães solteiras direitos das pessoas portadoras de HIV).

Há que se destacar, ainda a função social dos direitos fundamentais, preconizada

por Peter Härbele, que condiz com o conjunto de sua obra. Nesse sentido ela afirma que

o novo constitucionalismo traz nova função ao direitos fundamentais, a que ele chama

de função social isso porque o ordenamento constitucional privilegia os direitos

fundamentais face ao restante do ordenamento e, ainda em face de seu significado

político que permeia toda a convivência social, ele, também orienta objetivamente a

conduta individual das pessoas. Essa tensão que existe entre direito e poder encontra-se

no meio social onde as pessoas buscam dar à sua individualidade o máximo possível de

liberdade de acordo com a lei e um Estado Constitucional e essa constatação, como

vimos, foi construído histórico, que se transformou em cultura. Logo, e objetivamente o

próprio ordenamento impõe uma vivência em Direitos Fundamentais devendo cada um

271 CANOTILHO, José Joaquim Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit. p. 409.

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respeitar a individualidade do outro, em outras palavras: a liberdade individual de cada

um deve visar também o bom viver em coletividade e, se assim não se comporta o

indivíduo está, segundo o autor citado cometendo abuso de direito, de forma que o

conteúdo de seu direito não está acobertado pelo próprio conteúdo do texto

constitucional do direito que exige ser respeitado, justamente porque os direitos

fundamentais têm uma função ético- jurídico, que vai além de sua potencialidade, eles

são objetivamente funcionais. Tal ponto de vista está intimamente ligado com a função

objetiva dos direitos fundamentais, o que implica assim que não apenas o Poder Público

têm responsabilidade em dar à Constituição força ativa, as pessoas individualmente

consideradas também, é o que determina o próprio Texto Constitucional. 272

2.4 Características dos Direitos Fundamentais

Todas as coisas, pessoas e fenômenos possuem caracteres, ou seja, traços

marcantes que lhe dão singularidade e distinção das demais coisas, que as tornam

únicas, ímpares, singulares.

Os caracteres podem ser agrupados e assim representam em sua globalidade um

conjunto ou um sistema, sobre os quais recaem determinadas leis naturais ou instituídas,

distinguindo cada coisa, pessoa ou fenômeno desse sistema. A diferença varia de acordo

com o foco que se pretende, macro ou micro, ou seja, pode-se olhar os caracteres de um

conjunto ou pode se olhar os caracteres de cada um que forma o conjunto.

Ao identificarmos as características dos direitos, o que se põe em evidência é o

seu real grau de sua importância dentro do ordenamento, assinalando qual é a sua

principal função. Identificar caracteres também nos leva a possibilidade de distinguir se

um direito é essencial ou não, o que possibilita ao intérprete reconhecer qual o regime

que a ele se aplica, inclusive se ele pode ser modificado ou extinto. Isto é extremamente

útil para os hermeneutas e aplicadores do direito, facilitando muito a execução do seus

trabalhos, identificando e eliminando pontos de conflito entre eles.

272 HÄBERLE, Peter. La Garantía del Contenido Esencial de Los Derechos Fundamentales. Madrid: Dykinson, 2003. p. 11-14.

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As características dos direitos fundamentais, como dito, os tornam únicos e

marcantes, e é por meio desse estudo que se vislumbra a importância e a essencialidade

destes para qualquer ordenamento jurídico posto:

- todos têm por alicerce a liberdade como valor básico do ser humano;

- historicidade: todos foram postos na medida em que acontecia o processo histórico, na

medida em que o homem foi se civilizando como respostas às agressões que sofriam;

- são erga omnnes, ou seja, oponíveis contra todos;

- são universais, pertencem a todo e qualquer ser humano, não apenas a um grupo ou

conjunto de pessoas;

- pré-existem a ordem constitucional, porém, como ressalva Vidal Serrano Jr. 273:

[...] são o alicerce de legitimação da própria ordem constitucional [...] Assim, sendo, a sua incorporação e proteção pelo direito constitucional positivo não faz desaparecer o momento anterior- de jusnaturalização, de divinilização ou, de modo geral, de uma concepção de justiça desenraizada da idéia de Estados soberanos ou de ordens jurídicas específicas.

- todos possuem a função primordial de proteger a dignidade humana, compreendendo o

ser humano como um fim em si mesmo e nunca como meio: a pessoa humana tem valor

absoluto e por isso nunca pode ser relativizada e rebaixada a grau de coisa ou objeto.

Eles são inalienáveis, impenhoráveis e intributáveis;

- são irrenunciáveis, como explica Vidal Serrano Jr.274: "a aceitação da renúncia dos

mesmos consistiria em negação da sua fundamentabilidade e, por via de consequência,

na sua desconstituição enquanto categoria jurídica”;

273 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 38 274 Idem, Ibidem, p. 39

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- são limitáveis, ou seja, não são absolutos ou ilimitáveis, isso porque podem entrar em

conflito entre si. A atuação de um limita a do outro a qual se opõe, sendo essa a melhor

forma de dar máxima efetividade a direitos fundamentais que em um caso concreto

entram em choque. É o principio da máxima efetividade, como afirma Canotilho275:

Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um principio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada a tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje, sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve-se preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais);

- são cumulativos e concorrentes, o que significa dizer que um único titular pode

acumular o exercício de vários direitos fundamentais em um só momento. Vejamos o

exemplo que é dado Vidal Serrano Jr.276:

A título de figuração, contemple-se a idéia de uma passeata. Aqueles que a integram estão, a um só tempo, exercendo o direito de reunião (itinerante) e de manifestação de pensamento (...). O reconhecimento de tal característica é importante para que o intérprete possa, em uma situação concreta, verificar o conteúdo e o alcance da proteção constitucional;

- tem status negativo, ou seja, protege o cidadão contra terceiros e contra o Estado;

- são custosos, ou seja, geram custos para o Estado porque estipulam garantias

institucionais e processuais;

- tem eficácia imediata;

- geram status positivos de liberdade, que nos dizeres de Ricardo Lobo Torres: gera a

obrigação de entrega de prestações estatais individuais para a garantia da liberdade e das

condições essenciais;

275 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit., p. 1.224. 276 NUNES Junior, Vidal Serrano op. cit. p. 41

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- são imprescritíveis, ou seja, eles nunca deixam de ser exigíveis.

2.5 Direitos Fundamentais na Constituição Brasileira de 1988

O enfoque que se dará aqui parte da definição dada por J.J. G. Canotilho de que

direitos fundamentais seriam "os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica

concreta".277

Desde 1789, a Declaração dos Direitos dos Homens já pronunciava, como

apontamos, pelo artigo 16: "Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos

direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição".

Por isso, as constituições escritas surgiram para combater o absolutismo e

impedir interferência do poder estatal na vida dos indivíduos, descrevendo em um

documento jurídico quais seriam as liberdades que o Estado deve respeitar para não

interferir na vida dos cidadãos com abusos e atos arbitrários. Assim, Roberto Baptista

Dias da Silva define constituição nos seguintes termos278:

A Constituição é o documento jurídico que, fundamentalmente, rege as relações de poder em uma sociedade, fixando a maneira de seu exercício, a forma e o sistema de governo, a estrutura dos órgãos do Estado, bem como os limites de sua atuação, especialmente por meio da previsão dos direitos fundamentais” (g. n.).

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de Outubro

de 1988, é tida por todos como uma Constituição Cidadã, principalmente porque ela

privilegia a pessoa humana e a proteção de sua dignidade por meio de elencar direitos

fundamentais individuais, sociais e coletivos.

O constituinte originário de 1988 também quis impedir que se tentasse por

qualquer ato normativo posterior, aboli-los. Qualquer ato ou norma que seja tendente a

abolir ou diminuir os direitos fundamentais já estipulados, não poderá ser objeto de

deliberação para Emenda Constitucional. Um determinado projeto de lei que conseguir

277 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição op. cit. p. 393. 278 SILVA, Roberto Baptista Dias da. op. cit. p. 28.

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passar pelo controle preventivo de constitucionalidade do Poder Legislativo, e que tenha

por objeto modificar e eliminar direitos fundamentais, deverá ser expulso pelo nosso

sistema de controle de constitucionalidade jurisdicional. Tais controles caracterizam a

nossa Constituição como uma Constituição rígida, ou seja, ainda que tal projeto venha a

passar por um processo de modificação, estará ainda sujeito a institutos que foram

enunciados e que formam seu núcleo rígido, denominadas cláusulas pétreas, estipuladas

no artigo 60, § 4, onde estão elencados os direitos e garantias individuais:

Art. 60. A constituição poderá ser emendada mediante proposta: §4 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado; II- o voto direto, secreto universal e periódico; III - a separação dos poderes; IV - os direitos e garantias individuais;

Para o exercício desse controle de constitucionalidade, a doutrina brasileira se

utiliza de dois critérios para identificar quais são os direitos fundamentais da

Constituição de 1988, já que o Titulo II não cuida ser um rol taxativo de direitos

fundamentais. Na verdade, por todo o texto constitucional encontramos direitos

fundamentais, que nem sempre são identificáveis pela simples leitura, e isso força o

intérprete a utilizar determinados critérios para poder identificá-los, os quais estão

associados às características já apontadas, o que facilita a interpretação. Conforme

ensina Vidal Serrano Jr.279: "a fundamentalidade de um direito implica um regime

jurídico específico, distinto de outros direitos constitucionais, o que, a toda evidência,

realça a importância do tema".

E dois são os critérios utilizados, o formal e o material. Pelo critério formal

compreendem-se como direitos fundamentais aqueles que estão devidamente

positivados na Constituição Federal de 1988 no Título II que cuida "Dos Direitos e

Garantias Fundamentais", o qual está dividido em cinco capítulos:

- Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos- art. 5

- Capítulo II- Dos Direitos Sociais- art. 6 ao 11. 279 NUNES Junior, Vidal Serrano, op. cit., p. 65

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- Capítulo III - Da Nacionalidade- art. 12

- Capítulo IV- Dos Direitos Políticos- arts. 13 a 16

- Capitulo V- Dos Partidos Políticos- art. 17.

Observe-se que a simples disposição do texto da lei já demonstra por parte dos

Constituintes originários a sua escolha em dar primazia aos direitos fundamentais do

homem face ao Estado, o que corrobora com o posicionamento de Vidal Serrano Jr. que

um Estado, ao consagrar os direitos fundamentais, quer em primeiro traçar um perfil

sobre a forma essencial de atuar enquanto governo.

Como dissemos o rol acima não é exaustivo, apenas "enuncia as categorias

genéricas, mediante as quais foram organizados os direitos e garantias fundamentais na

Constituição" 280. Além disso, o § 2 do art. 5 enuncia que281:

Direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Isto implica em afirmar que foi introduzido em nosso sistema uma extensão do

critério formal, o que ainda está reforçado na introdução do §3 ao artigo 5, pela Emenda

Constitucional n. 45 de 2004, onde se determinou que direitos humanos dispostos em

tratados e convenções internacionais que forem aprovados em cada Casa do Congresso

Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão

equivalentes a emendas constitucionais. Assim, os direitos humanos, dispostos em

tratados, pactos e convenções internacionais de proteção de direitos humanos que

ratificamos, são parte integrante de nosso sistema de direitos fundamentais e são por

isso também direitos fundamentais, e têm as mesmas funções e estrutura.

Porém, conforme assinala Vidal Serrano Jr., deve-se proceder a uma

investigação desses direitos e garantias “decorrentes do regime de princípios e

garantias”, o que nos leva a examinar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e,

280 BULOS, Uadi Lammêgo, op. cit., p. 106. 281 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. 32

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quando assim procede, está o intérprete diante da utilização do critério material. Por ele,

o intérprete vai identificar quais outros direitos, que apesar de não estarem elencados

formalmente, com eles compartilham da mesma essencialidade. 282

Nesse sentido, explica o autor, a Constituição Federal ao apontar o princípio da

dignidade humana como fundamento do Estado brasileiro, também buscou atribuir ao

sistema de direitos fundamentais uma unidade valorativa. Por isso a noção de dignidade

não deve ter por parâmetro único a pessoa considerada na sua individualidade. Ela

também deve considerar que a pessoa faz parte da sociedade, ou seja, a pessoa para

viver dignamente deve fazê-lo integrada à sociedade. Por isso, a dignidade tem um valor

intrínseco e um valor extrínseco. O primeiro está associado à noção de preservação da

vida individual, o que envolve a integridade física e psíquica da pessoa, e o segundo

está ligado à inclusão do individuo à sociedade. Assim, será direito fundamental todo

direito que tenha por objeto tanto preservar a sua liberdade individual como tenha por

objeto inseri-lo no contexto social, assim a dignidade da pessoa se completa, “quer do

ponto de vista político, quer do ponto de vista econômico, o que rende ensejo à

afirmação de que, como membro da sociedade, o individuo tem direito de partilhar de

suas decisões e participar dos resultados dos esforços comuns” 283.

Por isso, ainda que a nossa ordem econômica constitucional tenha adotado a

propriedade privada e a livre iniciativa como fundamentos próprios, não deixou de

ressalvar que tem por objetivo propiciar dignidade a todos segundo os ditames da justiça

social. Analisando o conteúdo dos direitos fundamentais, podemos afirmar ainda que o

critério material direciona para ao menos três valores que, caudatários da dignidade

humana, também apontam para outros direitos fundamentais que, embora não estejam

formalmente postos na Constituição, são dele parte integrante: a liberdade, a democracia

política e a democracia econômica social. Segundo Vidal Serrano Jr.284:

O conteúdo material de um direito fundamental ao preservar a liberdade do indivíduo lhe assegura a liberdade em suas principais

282 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. p. 32. 283 Idem, Ibidem, p. 33 284 Idem, Ibídem, p. 36

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acepções: como domínio de si próprio, como ser passível de fazer valer suas vontades e decisões, o que lhe garante faculdades, ou seja, lhe dá prerrogativas para exigir respeito ao seu direito fundamental por parte do poder público ou de terceiros. Também lhe preserva a liberdade enquanto ser inserido em um contexto social o que lhe garante liberdade de escolher e participar da escolha de seus representantes na ordem política partilhando suas decisões e ‘partilhando dos resultados dos esforços comuns’, esse é o valor da democracia política.

Outro valor que está contido no conteúdo material dos direitos fundamentais, e

tem suas raízes no valor da dignidade humana, é o valor da democracia econômica e

social. A nossa ordem econômica, conforme dissemos, tem por fundamento a livre

iniciativa e propriedade privada. Entretanto, o exercício de ambos deve visar à

dignidade de todos para se alcançar a justiça social.

Pelo exposto, então concluímos que qualquer texto normativo, dentro ou fora da

Constituição de 1988 que tenham por valor proteger a dignidade da pessoa humana, a

liberdade, a democracia política, econômica e social, deve ser reconhecido como direito

fundamental.

Formalmente os direitos fundamentais estão disposto logo após a Constituição

enunciar os elementos estruturantes e informativos que dão suporte aos direitos sociais.

Que começam a partir do art. 1º do Titulo I que enuncia os princípios fundamentais do

Estado Brasileiro - que é uma união indissolúvel, formada por Estados, Municípios e

Distrito Federal -que têm por fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da

pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo

político.

O parágrafo único do art. 1º consolidar todo o poder na mão do povo - que o

passa a exerce por meio de um regime democrático representativo, cujo representantes,

são eleitos diretamente; e pelo artigo 2º instituir que são os Poderes da União: o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário -cuja tripartição como explicamos visa garantir

institucionalmente todos esses fundamentos para evitar principalmente que se instale a

desordem ética pela consolidação de um único poder absoluto e irresponsável na mão de

uma só pessoa ou grupo de pessoas, ou seja, sua principal função é assegurar o respeito

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aos direitos fundamentais da pessoa humana por meio de uma atuação responsável para

que se evite a supressão de todo o poder instituído285

A Constituição de 1988 pelo artigo 3º estabelece os objetivos da República

Federativa do Brasil para construir uma sociedade livre, justa e solidária bem como

garantir o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização por

meio de reduzir desigualdades sociais e regionais promovendo o bem de todos sem

preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.

A Constituição Brasileira vigente realmente inovou quando imediatamente pelo

Título II - ao contrário do que aconteceu com as demais constituições – passa a cuidar

preliminarmente de enunciar direitos e garantias fundamentais da pessoa humana

acoplando os direitos civis e políticos aos direitos sociais, para que sejam eles lidos

conjuntamente o que evidentemente já demonstra aos seus leitores que eles são

correlacionados e interdependentes.

O Titulo II está dividido em 5 capítulos enumerados de I a V, e contém 17

artigos: O Capitulo I, têm apenas o artigo 5º com 78 incisos enumerados em algarismos

romanos de I a LXXVIII e 4 parágrafos e cuida de reconhecer e planificar os direitos e

deveres individuais e coletivos, traçando assim quais são direitos e deveres pelos quais

individualmente e coletivamente expressamos nossas liberdades públicas que impõe ao

Estado Brasileiro uma ação de abstenção e não interferência face a eles.

2.6 Algumas considerações sobre a correlação entre Direitos Humanos e Direitos

fundamentais

Em poucas palavras, Vidal Nunes Serrano Jr. explica os motivos do tema desse

item286: ”A importância da empreitada não precisa ser ressaltada: protegem o mesmo

285 COMPARATO, Fábio Konder. As Garantias Institucionais dos Direito Humanos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/comparato/comparato_garantias.html Acesso: em maio de 2010. 286 NUNES Junior, Vidal Serrano op. cit. p. 23

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objeto, nascem com os mesmo propósitos e entre eles parece existir, a prima facie, uma

relação de derivação”

Ricardo Lobo Leite quando disserta sobre direitos fundamentais ensina, pondo

fim a uma discussão travada sobre a terminologia empregada para diferenciá-los287:

Os direitos fundamentais tem como sinônimos os direitos naturais, ou direitos individuais, ou direitos civis, ou direitos da liberdade, ou direitos humanos, ou liberdades públicas (...). A expressão direitos fundamentais é empregada principalmente pelos autores alemães, na esteira da Constituição de Bonn, que indica o capitulo inicial aos Grundrechete. Mas, a advertência de parte significativa da doutrina é de que não existe diferença entre direitos fundamentais e os direitos de liberdade ou os direitos humanos (Peres Lunõ, 1988, p. 44). Ingressou no Brasil no texto de 1988 (Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais). (g.n)

Todavia, convém nesse momento frisar o porquê são semelhantes, e o são por

três razões: a primeira diz respeito ao seu objeto de proteção: ambos protegem a

dignidade da pessoa humana. A segunda por trata-se de direitos que surgem impelidos

pelas condições que decorrem da natureza física e espiritual do humano, e a terceira

porque eles têm a mesma origem, na medida em que são os mesmos direitos

historicamente considerados, como alerta Flavia Piovesan288:

Os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção. Como leciona Noberto Bobbio, os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais. (g.n.)

A sua diferenciação está, diz Vidal Serrano, na função que exercem dentro do

sistema. Os direitos fundamentais estão na ordem interna de cada ordenamento

jurídico289:

287 TORRES, Ricardo Lobo. Dicionário de Filosofia do Direito, coordenador Vicente de Paulo Barreto, Editora Unisinos, Leopoldo RS, e Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2006, Verbete Direitos Fundamentais, p. 243. 288 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito constitucional Internacional. op.cit. p. 121-122. 289 NUNES Junior, Vidal Serrano op. cit. p. 23

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Os direitos fundamentais, hospedados na ordem interna, asseguram direitos e concorrem para a consagração de um modelo de Estado. Em outras palavras, cumprem uma função normativa em cada Estado, prescrevendo direitos sindicáveis, inclusive por via judicial.

Os direitos humanos exercem uma função de importância transnacional na

medida em que estão postos nas declarações, pactos e convenções internacionais. Vale

dizer que quando um Estado lesa um direito fundamental inserido na ordem interna, tal

lesão não atinge apenas o ordenamento interno, mas também fere um ordenamento

internacional, que também protege esse direito, principalmente porque esse direito

pertencer a todo e qualquer humano, antes mesmo de pertencer a um ordenamento

jurídico de um Estado específico.

Dentro da ordem interna o indivíduo e, por ter o direito fundamental uma

dimensão subjetiva, que lhe dá a prerrogativa de exigi-lo, poderá pleitear no Poder

Judiciário que cesse a lesão e, inclusive requerer reparação material e moral ou mesmo

pleitear que o dano aconteça se ainda for apenas uma ameaça. Esta é a função de

proteção de defesa contra terceiros. Assim, se esse direito está em declarações

internacionais, o Estado que o desrespeitou ou permitiu que ele fosse desrespeitado,

poderá ser punido pela ordem internacional de proteção dos direitos humanos. E ainda,

ressalva, Vidal Serrano Jr.290:

O principal traço diferencial não consiste exatamente nos distintos documentos que os hospedam: A Constituição (direitos fundamentais) ou as declarações e convenções (direitos humanos), mas, sim na função que estão predispostos a cumprir. Com efeito, o mesmo direito pode estar contemplado pela Constituição de um país e por uma declaração internacional, o que, aliás, de regra, acontece. Assim, sob a perspectiva do conteúdo, a distinção entre direitos humanos e os fundamentais não teria utilidade, pois conduziriam a uma mesma realidade. Todavia, analisando da perspectiva da função que devem cumprir, a distinção ganha pujança.

Por isso, conclui o autor supracitado, os direitos humanos têm duas funções: a

função normogenética ou função de substanciação dos direitos fundamentais, porque

são fundamentos para que sejam consagrados na ordem interna, e a translativa que se

refere ao nível de suficiência de proteção que cada país dá aos direitos fundamentais, ou

290 Idem, Ibidem, p.24

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seja, se o que está previsto não bastar, poder-se-ia levar a questão para os tribunais

internacionais.

No Brasil, a Constituição de 1988 afirma no artigo 5º § 2, que os direitos ali

enunciados não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por elas

adotados. Assim, não exclui aqueles direitos e garantias fundamentais postos nos

tratados, pactos e convenções internacionais em que o Brasil faça parte. Com a emenda

constitucional no 45 de 2004, que reformou o Poder Judiciário, acrescentou-se o §3 ao

artigo 5º da Constituição Federal, que prescreve:

os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Porém, "a inteligência do novo dispositivo não exclui a possibilidade de o

Congresso Nacional aprovar um tratado internacional de direitos humanos pelo

processo legislativo regular do Decreto Legislativo". Conforme está previsto no artigo

49, I, da Constituição Federal, que aponta para a obrigação de que todo e qualquer

tratado internacional para fazer parte da ordem interna depende da aprovação do

Congresso Nacional. Tal aprovação por decreto legislativo é pressuposto de sua

vigência. 291

Walter Claudius Rothenburg292 destaca que a responsabilidade do Brasil “em

relação aos direitos humanos, é cada vez mais firme e evidente, haja visto que também

ficou consagrado um pela E.C. 45 um incidente de deslocamento de competência nas

hipóteses de grave violação de direitos humanos, o que não ficou restrito ao

cometimento de crimes, seu objetivo principal é: “assegurar o cumprimento de

obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil

seja parte” , conformem art. 109, § 5º, da Constituição.

291 Idem, Ibidem, p.30 292 ROTHENBURG, Walter Claudius. “Deslocamento de Julgamento protege direitos.” in Revista Consultor Jurídico em 24 de Dezembro de 2011. Disponível na internet http://www.conjur.com.br/2011-dez-24/deslocamento-julgamento-justica-federal-protege-direitos-humano. Acesso em: agosto de 2012.

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Portanto, mais uma vez apontamos que o âmbito de proteção da dignidade da

pessoa humana para nós brasileiros se viu alargado, enaltecido e sobreposto a toda

legislação brasileira a partir da promulgação da Constituição da República Federativa

do Brasil desde 5 de outubro de 1988, que foi um marco que deu início a um processo

de abertura e democratização de nosso país irradiando seus efeitos para todo o resto do

ordenamento porque é comando superior que vem do povo e para o povo brasileiro.

Logo, podemos concluir que a Constituição de 1988 têm uma função

integralizadora que dá ao nosso sistema local de proteção a permeabilidade necessária e

suficiente para que possamos aceitar as imposições de medidas eficientes de proteção do

ser humano no âmbito interno que venha da comunidade internacional a qual também

pertencemos. Pois, conforme bem assevera Peter Härbele293:

A ciência do Estado Constitucional livre e democrático tem sua própria tarefa: Ela somente pode subsistir se perceber, de forma conceitual –dogmática, responsabilidade regional e global para além do Estado – está é sua missão ético-constitucional!

Dessa feita, entendemos que os Direitos Fundamentais na Constituição

Brasileira de 1988 é um sistema aberto de estrutura axiológica normativa que insere em

nosso ordenamento jurídico valores, princípios e normas como direitos essenciais, que

visam proteger a dignidade da pessoa humana nas suas várias dimensões e que buscam

tanto fundamento jurídico como inspiração axiológica nos tratados, pactos, convenções

que formam o Sistema Internacional de Proteção de Direito Humanos que acoplados

pela Constituição Brasileira de 1988 formam ao que a doutrina denominou de Bloco de

Constitucionalidade

O Bloco de Constitucionalidade têm por funções dar prerrogativa às pessoas

para que elas possam exigir dos poderes públicos que se abstenham de ingerir na sua

liberdade individual, para evitar abusos e arbitrariedades, como também dá as pessoas o

direito de exigi-los judicialmente para que eles sejam protegidos, garantidos e

efetivados, uma vez que positivados no ordenamento jurídico pela Constituição, Lei

fundamental, que tem supremacia sobre todos os poderes, que os compele para atuar

conforme, seus preceitos.

293 NUNES Junior, Vidal Serrano op. cit. p. 70

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Contudo, é preciso compreender que as pessoas e os poderes necessitam se

conscientizar que suas condutas devem ter disposição para agir, conforme nos ensina

Konrad Hesse, segundo a ordem estabelecida na Constituição, pois apenas essa

conscientização é que despertará no cidadão, na coletividade e nos poderes que a

Constituição tem uma força normativa que impõe a todos que seus valores, princípios e

regras sejam efetivamente concretizados. Assim, por meio de uma ação conjunta dos

poderes e dos cidadãos a vida passará a ser mais digna, realizável e feliz.

E partindo da concepção de que direitos humanos e fundamentais não são um

dado, mas um construído, é que partiremos para aprofundar a compreensão dogmática -

jurídica do que sejam direitos humanos fundamentais sociais.

2.7 DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS.

2.7.1 Pressupostos dos direitos sociais

Conforme observamos através da exposição da trajetória histórica dos direitos

humanos fundamentais sociais e sua correlata proteção local e universal, vale dizer, que

eles andam às voltas, conforme aponta Canotilho294 associados a um conjunto de

condições econômicas, sociais e culturais que a moderna doutrina chama de

pressupostos dos direitos fundamentais que configura na verdade uma multiplicidade de

fatores:

1) Capacidade econômica do Estado- o que deu ensejo a mal interpretada

cláusula de progressividade nos tratados, pactos e convenções que cuidam da promoção

e proteção dos direitos sociais (observação nossa);

2) Clima espiritual da sociedade - que pode tanto pode estar sob forte

arbitrariedade de estados autoritários como pode estar na plena vivência de seus direitos

civis e políticos (observação nossa);

294 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op.cit.;p. 473

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3) Estilo de vida das mais variadas espécies- que em geral passam por um

processo de otimização com a efetivação dos direitos sociais porque correlato a

qualidade de vida;

4) Distribuição de bens – que depende diretamente da implementação de

políticas publicas econômicas que em nosso país está associada, principalmente, a

alcançar objetivos constitucional de superar as desigualdades regionais e extremada

pobreza.

5) Nível de ensino- que depende essencialmente da implementação de políticas

públicas por parte do Estado que efetivem o sistema educacional nos termos da

Constituição de 1988.

6) Desenvolvimento econômico- que está ligado a conjugação aos princípios da

ordem econômica e social que também visam o desenvolvimento humano,

7) Criatividade cultural- diretamente ligada a proteção do patrimônio cultural

8) Convenções éticos, filosóficas ou religiosa- que estão também ligadas a

proteção dada a educação e cultura pela conjugação do principio da pluralidade

pedagógicas;

Todos esses fatores condicionam, diz o autor, de forma positiva ou negativa a

existência e a proteção dos direitos sociais. Mas, três deles porque podem transforma-se

em dados e indicadores como o nível de ensino, a distribuição de bens e de riqueza e o

desenvolvimento econômico assumem particular relevância e condicionam

decisivamente o regime jurídico- constitucional.

2.7.2 Elementos estruturais dos Direitos Sociais

Também aporta Canotilho295 que além dos pressuposto acima, que condicionam

os direitos, porém não fazem parte do regime jurídico existem outros elementos que ele

295 Idem, Ibidem. p. 473-474

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designa de estruturais ou de configuradores dos direitos economicos, sociais e culturais;

que podemos compreender como sendo, numa sociedade concreta, os valores que estão

na base da proteção dos direitos sociais. Assim, a concepção da dignidade da pessoa

humana e o seu livre desenvolvimento são exemplos citados por ele para identificar os

elementos estruturante.

No Brasil os elementos estruturantes ou configuradores dos direitos sociais já

estão expressos na sentença preambular da Constituição de 1988:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercicio dos direitos sociais, individuais, a liberdade , a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacifica das controvérsias promulgamos [...]. (g.n.)

E o artigo 1º que instituí os principios fundamentais da República: I) soberania;

II) cidadania ; III) a dignidade da pessoa humna; IV)- os valores do trabalho e da livre

iniciativa; V)- o pluralismo político. Faz par com o artigo 3º que traça quais são os

objetivos que a nossa republica deve buscar. Ambos, princípios fundamentais e

objetivos são os elementos conformadores da ordem social brasileira.

Então, para agir em harmonia e estrategicamente de acordo com o Preâmbulo

Constitucional e os fundamentos da República que visa essencialmente construir uma

sociedade que assegure numa ordem social que mantenha sua vivência comunitária

com respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do

trabalho e da livre iniciativa os constituintes originários se viram obrigados entrelaçar o

alcance e a permanência de todos os princípios fundamentais por meio da busca na

consecução de determinados objetivos que somente são atingivéis por intermédio da

concreção e efetivação dos direitos sociais. Desta feita, genericamente, toda politica

pública social desenvolvida no Brasil, muito além do dever de estar atrelada aos

fundamentos da República do Brasil, deve buscar alcançar cumulativamente: a

construção de uma sociedade livre, justa e solidária que garanta o desenvolvimento do

país por meio da erradicação da pobreza e da marginalização e ainda deve ela promover

a redução das desigualdades sociais e regionais para e por meio delas promover o bem

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de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra formas de

discriminação, o que faz com fundamento nos artigos 1º. 2º e 3º da Constituição de

1988, respectivamente.

2.7. 3 O Complexo Conceito de Direitos Sociais

Face à multifuncionalidade dos direitos fundamentais, sabemos que os direitos

civis, depois de separados dos políticos, conforme aporta Canotilho296, referindo-se a

teoria Georg Jellinek, passaram a ser denominados de liberdades individuais. Mas,

ainda, explica o referido autor de acordo com Jellinek, há ainda uma outra distinção,

que se faz em relação aos direitos fundamentais, levando-se em conta a posição jurídica

do cidadão, pois, perante o Estado, o cidadão é considerado titular de direitos. Por isso,

Liberdades, assim compreendidas como sendo direitos individuais estão ligadas ao

status negativo do Estado, ou seja, a previsão de tais liberdades procuram defender a

esfera de liberdade individual de cada cidadão da intervenção do Estado, daí o nome de

Direitos de liberdade, liberdade autonomia ou ainda direitos negativos. Assim, há

direitos que por sua vez, também, estão ligados a outras dois status: o status activus e o

status positivus. Os direitos ligados ao status activus dizem respeito aos direitos de

participação do cidadão na vida política e centram-se no seu direito em participar das

decisões de governo é o caso do direito ao voto ou seu ingresso em carreiras públicas, e

são esses denominamos de direito do cidadão e ou liberdades de participação. Porém,

ainda há outra gama de direitos que estão intrinsicamente ligados as posições jurídicas

dos cidadãos e que ficam no aguardo de uma atitude por parte do Estado, de uma

prestação para poderem ser vivenciados esses direitos são denominados de direitos de

status positivos, porque o cidadão fica no aguardo de prestações necessárias por parte do

Estado que possibilite seu pleno desenvolvimento ou mesmo sua existência individual,

tais direitos são chamados também de direitos positivos ou de direitos à prestação,

“modernamente conhecidos por direitos econômicos, sociais e culturais.”

Entretanto, conceituar Direitos Sociais, diz Vidal Serrano Junior, não é tarefa

simples. E o diz com razão, pois, os direitos sociais têm caráter multifacetário e

296 Idem, Ibidem. p.395

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apresentam-se de diversas formas, tanto que assevera297: “A delimitação conceitual dos

direitos sociais não é uma tarefa simples, tampouco que comporte reducionismos, como

o de traduzi-los singelamente como direitos prestacionais”.

Lembremos que o autor citado define direitos fundamentais como:

Sistema aberto de princípios e regras, que ora confere direitos subjetivos aos seus destinatários, ora conformando a forma de ser e atuar do Estado que os reconhece, tem por objetivo a proteção do ser humano em suas diversas dimensões, a saber: em sua a liberdade (direito e garantias individuais) em suas necessidades (direitos sociais, econômicos e culturais) e em relação a sua preservação (solidariedade).

Daí ele conceituar Direitos Sociais298:

[..] como o subsistema dos direitos fundamentais que, reconhecendo a existência de um segmento social economicamente vulnerável, busca, que por meio da atribuição de direitos prestacionais, quer pela normatização e regulação econômicas, ou ainda pela criação de instrumentos assecuratórios de tais direitos atribuir a todos os benefícios da vida em sociedade. (g.n).

Porém, o autor alerta que isso pode nos levar a compreender que direitos sociais

humanos e fundamentais estão principalmente ligados a idéia de que todo ser humano

precisa gozar de um mínimo material para vivenciar sua vida de maneira plena, livre e

digna. E essa idéia da necessidade de fruição por parte de todo ser humano de um

mínimo vital, pode conduzir o intérprete ao equívoco de apenas “traduzi-los

singelamente como direitos prestacionais.”299, ou seja, de que o Estado somente deve

intervir na situação daqueles que estão econômica e socialmente vulneráveis e prestar-

lhes esse mínimo para que eles alcancem per si um patamar de dignidade material que

lhes permitiria desenvolver plenamente sua personalidade, e realizar conjuntamente com

os demais em pé de igualdade todas as suas potencialidade e viver regularmente suas

liberdades. Esse é mesmo o caso da prestação de direitos que estão ligados

intrinsicamente com a saúde, a educação, a alimentação, a moradia, a segurança e o

lazer mas, nem todos os direitos sociais estão ligados a idéia de uma prestação.

297 NUNES Junior, Vidal Serrano. p.63 298 Idem, Ibidem. p.70 299 Idem, Ibidem. p.63

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Não podemos olvidar que existem direitos sociais humanos e fundamentais que

envolvem outros âmbitos de proteção que, aliás estão extremamente ligados a sua

origem de luta em reconhecer o trabalho como um direito. Direito cujo âmbito de

proteção está, principalmente, associado a uma idéia de que o Estado deve apenas

intervir para normatizar e regular o que está no domínio das relações privadas, até

porque, como vimos, se o Estado não intervir nas questões sociais que envolvem os

economicamente vulneráveis, esses ficarão à mercê da vontade dos economicamente

mais fortes, portanto, em parte os direitos sociais que dizem respeito aos direitos

trabalhistas, como, por exemplo: regular o piso salarial da várias categorias de

trabalhadores, imposição da limitação da jornada de trabalho, proibição do trabalho

infantil, mas, por outro lado permissão para ser aprendiz, proteção da gestação e a da

maternidade da mãe trabalhadora exige do Estado uma intervenção legislativa para

regular as relações privadas, mas que se ocorrem em sociedade. Entretanto, também são

previstos como direitos sociais, ligados ao trabalho outra ordem de direitos que não

exige do Estado qualquer tipo de intervenção, mas reclama-se dele uma atitude de não

interferência, visto que exigem que à sua volta haja uma “esfera de liberdade, para cuja

ocorrência se reivindica o afastamento do Estado.”300 É o caso do direito de greve ou de

associação sindical esses tem natureza dos status negativos.

Logo, conceituar direitos sociais envolve, ao mesmo tempo proteção aos direitos

individuais de exercício coletivo e direitos prestacionais – portanto, não é mesmo tarefa

simples como veremos mais a frente quando cuidaremos da problemática dos direitos

prestacionais.

Também porque conceituar direitos sociais exige de nós uma certa percepção

cognitiva analítica, que nos fará compreender que o que essencialmente vem dar base

aos direitos fundamentais – liberdade e igualdade- transmuta. Pois, quando pensamos

em liberdade na vivência individual estamos culturalmente treinados a pensá-la como

sendo liberdade somente aquele tipo de liberdade cuja nascença está envolta numa

concepção liberal de Estado concepção que não se transfere para a liberdade que temos

300 Idem, Ibidem. p.63

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na vida comunitária. A liberdade e a igualdade na vida comunitária exige de nós uma

concepção cultural de Estado Social nas palavras de Jorge Miranda301:

Tanto na concepção liberal como na concepção social, deparam-se a liberdade e a igualdade; porém na primeira, igualdade é a titularidade dos direitos e demanda liberdade para todos, ao passo que na segunda, a igualdade é concreta de agir e a liberdade a própria igualdade puxada para ação. Na concepção liberal, a liberdade de cada um tem como limite a liberdade do outro; na concepção social, esse limite prende-se com a igualdade material e situada. Os direitos constitucionais de índole individualista podem resumir-se num direito geral de liberdade, os direitos de índole social num direito geral à igualdade. Sabemos que essa igualdade material não se oferece, cria-se, não se propõe, efetiva-se; não é um princípio, mas uma conseqüência. O seu sujeito não a traz como qualidade inata que a Constituição tenha que confirmar e que requeira uma mera atitude de respeito; ele a recebe-a através de uma série de prestações, porquanto nem é inerente às pessoas nem preexistente ao Estado. Onde bastaria que o cidadão exercesse ou pudesse exercer as próprias faculdades jurídicas, carece-se doravante de actos públicos em autómona discricionariedade. Onde preexistiam direitos, imprescindíveis, descobre-se condições externas que se modificam, se removem ou se adquirem. Assim o direito a igualdade consiste sempre num comportamento positivo, num facere ou num dare.”

Porém, Vidal Serrano nos ensina que parte da tarefa para conceituá-los como

sendo um subsistema de direitos fundamentais e acrescentamos subsistema de direitos

humanos, encontra-se no fato marcante e simples de que eles têm uma identidade de

objetivos: todos visam igualmente proteger a dignidade da pessoa humana nas suas

várias dimensões para livrá-lo da necessidade e do medo.

A complexidade conceitual que os envolve, profere o referido autor pode ser

desembaraçada se, mostrarmos quais são as características comuns às diversas faces

conceituais apontadas para direitos sociais, ou seja, existem características comuns entre

os direitos sociais que são análogos aos de defesa, (direitos individuais de exercício

coletivo), e os direitos sociais a prestação. que apresentaremos a seguir não apenas com

inspiração no texto do referido autor, mas, de outra tão importantes doutrinas que

também cuidam do tema302:

301 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV Direitos Fundamentais. 3ª ed. Portugal, Coimbra: Coimbra, 2000. p. 102-103. 302 NUNES Junior. Vidal Serrano. op.cit. p. 68-69.

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1) Devemos fixar que direitos sociais são direitos fundamentais, uma vez que

será a promoção, o respeito e a implementação deles por parte do aparelhamento estatal

que permitirá colocar o ser humano “ a salvo”. Portanto, isso implica dizer que o Estado

deve adotar um certo tipo de perfil democrático de direito que envolva as todas as

pessoas que estão em seu território, que permita a elas não apenas se creditarem-se

garantidas na sua igualdade perante a lei, mas também as permita alcançar um certo

nível de igualdade material, que as levará vivenciar enquanto sociedade civil organizada

um certo nível de igualdade social, que lhes permita viver dignamente, em segurança e

em paz. Ou seja, para além da possibilidade de se garantir em lei um mínimo vital para

que todos possam igualmente concretizar sua liberdade é preciso compreender e

considerar que mesmo que o Estado não preveja expressamente tal mínimo vital isso já

está previsto tacitamente nos direitos fundamentais individuais “uma vez que não se

pode pensar em exercícios de liberdades, de preservação da dignidade humana, enfim de

direitos intrínsecos ao ser humano, sem que um “mínimo vital” esteja garantido

caudatariamente à própria vida em sociedade.”303 Portanto, o conteúdo mínimo dos

direitos individuais se funde com a realização de um mínimo material que propicie à

todos igualdade de oportunidades, o que vai além de proporcionar e garantir uma

igualdade face à lei, mas permite que o sujeito de direitos, pessoa humana, possam

alcançar bens materiais (alimentação, moradia, vestuário) e imateriais (educação,

saúde, segurança e lazer) “que concretamente possibilite o gozo da liberdade.”

E conforme assevera José Felipe Ledur304:

O que a igualdade social postula é que haja a igualdade de direito e tratamento de todos os membros da Sociedade. E nisso não há uma meta absoluta, até porque o absoluto é inalcançável. (...) A confirmação de que a igualdade absoluta é inatingível revela-se em que intervenções, efetuadas com o propósito de eliminar desigualdades sociais, muitas vezes levaram a novas desigualdades. Incontestável, apesar disso, é que o alargamento da igualdade social propicia liberdade real entre os cidadãos. É nesse ponto que o Estado Liberal se coloca em xeque, uma vez que prometeu liberdade sem considerar a concreta situação de populações inteiras. Sem educação,

303 Idem, Ibidem.p.65 304 LEDUR, José Felipe. op.cit. 111.

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postos de trabalhos e sistema de seguridade social não se assegura, de maneira alguma, a possibilidade de fazer uso da liberdade.

Por isso parte da doutrina305 é cediça no entendimento de que o mínimo

vital,ainda que direitos sujeitos à prestações positivas do Estado são no que diz respeito

a sua natureza jurídica análogos aos direitos de defesa da liberdade. Portanto, gozam

ainda que tacitamente de “jusfundamentalização.”

2) A outra característica comum entre os direitos sociais, diz respeito a sua

natureza responsiva sob o prisma da ética, pois, de acordo com Vidal Serrano Junior306

devido ao fato de existir uma massa populacional que não pode contar com alcance se

quer de recursos mínimos para sua sobrevivência e subsistência digna os direitos sociais

então307: “surgem com uma aspiração ética que parte da premissa de que todos que

participam da vida em sociedade devem ter direito a uma parcela dos frutos por ela

produzidos.” Tal característica ética, observamos, faz ligação com as questões,

levantadas por Nancy Fraser sobre a bidimensionalidade da justiça social que ensina que

é preciso estarmos cientes de que a justiça social na prática é um conceito que integra:

reconhecimento, redistribuição e participação. Assim, um Estado Democrático de

Direito com perfil integralizador que tem na base de seus valores supremos e

comunitários, também já aportados por nós, os direitos humanos e fundamentais, deve

minimamente adotar uma postura ética face à esse contingente de pessoas que não

podem contar per si como o mínimo de recursos não importando julgar quais razões a

levaram a esse estado de pobreza e profunda desigualdade. Daí, também considerar a

solidariedade um dos princípios polarizadores dos direitos sociais que vem fazer par

constante ao binômio já consagrado da liberdade-igualdade.

3) Outro ponto comum entre os direitos sociais análogos aos de liberdade e os

direitos prestacionais, aporta Vidal Serrano Junior é o fato de que ambos tem o Estado

por referência.

305 Nesse sentido: QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais Sociais. Portugal, Coimbra: Coimbra, 2006; NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit.; ALEXY, Robert. op.cit; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição op.cit;. 306 NUNES Junior, Vidal Serrano.op.cit. p.67. 307 Idem, Ibidem, 67.

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E ainda, o mesmo autor referencia Mazziotti, que argumenta que os direitos

sociais tem dois planos distintos de existência: 1) um é o plano subjetivo e se baseia no

fato de que todo e qualquer cidadão por ter prerrogativas aos benefícios da vida em

sociedade também têm direitos à determinado direitos específicos que lhe devem ser

prestado pelo Estado; 2) O outro é o plano de existência objetivo que considera que

sendo o Estado um Estado Social de Direito ele tem obrigação de consubstanciar “um

conjunto de normas através das quais o Estado leva a efeito sua função modeladora e

equilibradora das relações sociais.” 308

Destaca-se também, que esse esforço conceitual, conforme. assevera Vidal

Serrano Junior, para além de reportá-los como direitos subjetivos, enfoque que

necessariamente deve partir da premissa que as relações sociais, não podem realizar-se

sem um mínimo de intervenção estatal, visto que o mais forte economicamente sempre

acaba predominando. Os direito sociais devem conter mecanismo, instrumentos

assecuratórios, como por exemplo: acesso à jurisdição, greve, organização de

trabalhadores, dissídios coletivos e convenções coletivas de trabalho, bem como,

acrescentamos, nesse sentido a participação ativa do cidadão em escolas, conselhos

tutelares, conselhos de saíde, etc., podem, sim, assegurar a prestação à execução do

serviço de política pública que objetiva concretizar direitos fundamentais, nisso se

afigura, o controle social, tão importante quanto o controle judicial e o controle político. 309

Nesse sentido, a participação do cidadão no desenvolvimento de políticas

públicas sociais ou mesmo o exercício do controle social dos recursos dirigidos para sua

consecução, configura-se instrumento assecuratório, mas essa participação deve ser de

maneira consciente. Logo e nesse sentido o acesso a uma educação condigna, também

se faz necessária para que ele se informe e forme sobre seus direitos opiniões, críticas e

pareceres, que podem ser sim, um instrumento assecuratório de direitos sociais.

2.7. 4 A Constituição de 1988 e os Direitos Sociais

308 Idem, Ibidem. p.67 309 Idem, Ibidem. p.68-69.

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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a primeira

constituição brasileira que inova desde seu preâmbulo, no que diz respeito aos direitos

sociais, pois, de imediato já ressalva seu exercício como um dos valores supremos que

institui o Estado Democrático Brasileiro como um Estado destinado a conjugar

liberdade, segurança, bem estar, desenvolvimento e justiça pela seguinte sentença

política : “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o

bem-estar, o desenvolvimento e a justiça como valores supremos de uma sociedade

fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida

com a ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...).”

Assim, o preâmbulo, abertura textual de nossa Constituição deve ser posto em

relevo porque ele já aponta o caminho ao intérprete da Constituição, nesse sentido o

STF já se manifestou pelo voto da Ministra Relatora Carmem Lúcia em 8de maio de

2008 Ação Direta de Constitucionalidade – ADI 2649 que discutiu a constitucionalidade

da Lei 8.899/1994 que concede passe livre às pessoas portadoras de deficiência no

sistema de transporte coletivo interestadual310:

Devem ser postos em relevo os valores que norteiam a Constituição e que devem servir de orientação para a correta interpretação e aplicação das normas constitucionais e apreciação da subsunção, ou não, da Lei 8.899/1994 a elas. Vale, assim, uma palavra, ainda que brevíssima, ao Preâmbulo da Constituição, no qual se contém a explicitação dos valores que dominam a obra constitucional de 1988 (...). Não apenas o Estado haverá de ser convocado para formular as políticas públicas que podem conduzir ao bem-estar, à igualdade e à justiça, mas a sociedade haverá de se organizar segundo aqueles valores, a fim de que se firme como uma comunidade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...). E, referindo-se, expressamente, ao Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, escola José Afonso da Silva que ‘O Estado Democrático de Direito destina-se a assegurar o exercício de determinados valores supremos. ‘Assegurar’, tem, no contexto, função de garantia dogmático-constitucional; não, porém, de garantia dos valores abstratamente considerados, mas do seu ‘exercício’. Este signo desempenha, aí, função pragmática, porque, com o objetivo de ‘assegurar’, tem o efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação em favor da efetiva realização dos ditos valores em

310 http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp. Acesso em Abril de 2012. “A Lei 8.899/1994 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados.” (ADI 2.649, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-5-2008, Plenário, DJE de 17-10-2008.)

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direção (função diretiva) de destinatários das normas constitucionais que dão a esses valores conteúdo específico’ (...). Na esteira destes valores supremos explicitados no Preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é que se afirma, nas normas constitucionais vigentes, o princípio jurídico da solidariedade.

O capítulo II, do Título II, consagra os direito sociais do artigo 6º a 11. Pelo

artigo 6º estão eles genericamente enunciados311 e correspondem aqueles direitos

prestacionais sociais que exigem do Estado Brasileiro uma ação positiva, ou seja, uma

atuação direta por meio do desenvolvimento de políticas públicas que exigem uma

ordem, a planificação que abarque normas constitucionais e normas

infraconstitucionais que, em conformidade com a primeira, instituam normas de

organização, procedimentos e participação para se concretizar: educação, saúde,

alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à

maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

Do artigo 7ª a 11 cuida dos direitos sociais que estão diretamente ligados a

relação de trabalho e emprego, o que vem enaltecer e concretizar um dos fundamentos

da República Federativa do Brasil: os valores social do trabalho. Assim, pelo artigo 7º

consagra por 34 incisos, enumerados de I a XXXIV, quais são os direitos sociais

individuais dos trabalhadores urbanos e rurais e um parágrafo único que assegura aos

empregados domésticos alguns direitos trabalhistas, que já estão pelos incisos anteriores

assegurados aos trabalhadores rurais e urbanos. Tais direitos sociais trabalhistas dizem

respeito aos direitos que advém principalmente da relação de emprego: como fixação e

função do salário mínimo, proteção e segurança do trabalhador empregado em caso de

desemprego, benefícios que devem receber e lhes ser assegurado pelo empregador,

duração da jornada de trabalho e suas nuances além de declarar a igualdade de direitos

entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

No artigo 8º cuida dos incisos I a VIII e por um parágrafo único da livre

associação profissional e liberdade sindical, pelo artigo 9º cuida do direito a greve como

um direito de defesa para que possam defender assim seus interesses por meio de atitude

que não o motim e a rebelião. Pelo artigo 10 assegura a participação dos trabalhadores e

311 Tal artigo da data da promulgação da Constituição para cá já sofreu alterações por emendas constitucionais: A Emenda Constitucional n. 26 de 2000 acrescentou nesse rol genérico e exemplificativo a moradia como um direito social e Emenda Constitucional n. 64 de 2010 acrescentou o direito social à alimentação.

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empregadores junto aos colegiados dos órgãos públicos que tenham por objeto seus

interesses profissionais e previdenciários e pelo artigo 11 determina que para as

empresas que tenham mais de 200 empregados está assegurada a eleição de um

representante com a finalidade exclusiva para promover o entendimento direto com os

empregadores.

Desse modo, podemos compreender que do artigo 6º a 11 estão estipulados

direitos sociais que tanto se coadunam com um ação positiva do Estado como que se

coadunam com uma ação negativa por parte do Estado, tendo em vista que são direitos

sociais estrategicamente positivados de maneira que permitem e regulam o exercício da

liberdade de trabalho; no artigo 7º e 8º cuida-se do direitos sociais relativos ao trabalho

individual e do artigo 9º ao 11º cuidam dos direitos relativos ao trabalhos que são

vivenciados de maneira coletiva.

Logo, pelo Título I e II a Constituição de 1988, podemos concluir inovou

totalmente o respeito político e jurídico que deve ser dado à pessoa humana, pois em

primeiro cuida da pessoa humana e da relação que ela mantém com o Estado e com

terceiros, depois passa então a cuidar da organização dos Poderes Públicos dos limites e

da estrutura desses poderes e dos vários órgãos que aparelham o Estado o que já

denota que o Estado deve estar totalmente voltado à persecução do seu maior objetivo: a

proteção da dignidade da pessoa humana em todas as suas dimensões. Portanto, todas as

instituições democráticas brasileiras devem trabalhar em função da pessoa humana para:

promover, respeitar e proteger os seus direitos humanos fundamentais civis, políticos e

sociais.

Porém, mais uma vez inova a Constituição de 1988, além de trazer um capítulo

próprio conforme delineamos acima, (capitulo II do Título II), trouxe bem distanciado

desse um título especial, o Título VIII sobre a ordem social, cujo objetivo principal é

concretizar o que genericamente planifica no capítulo II do título II e, conforme

assevera Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior um título cuja312:disciplina

312 ARAÚJO, Luiz Alberto David e Serrano Jr., Vidal. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 483

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minuciosa é retrato do grau de desconfiança dos constituintes nas instituições,

mostrando uma minúcia poucas vezes vista em um texto constitucional.”

E tal opção do constituinte originário deu origem a denominada Constituição

Social que os autores supra citados definem como sendo313:

O conjunto de normas constantes da Constituição predisposta à regração da ordem social, entendida de maneira abranger os setores onde o Estado deva intervir por meio de prestações sociais, seja indicando direitos aos indivíduos (seguridade social), seja intervindo na realidade para propiciar um sistema de relações sociais mais equilibrado e justo.

O Título VIII é o anti- penúltimo Título da Constituição Federal, o a seguir trata

apenas das disposições gerais e disposições transitórias, que conforme explicaremos

adiante também sua importância, mas em geral, elas cuidam de regras que fixam como

se deve dar a passagem da antiga ordem constitucional para a nova e atual, o que

importa dizer é que o legislador tanto deu abertura formal ao texto constitucional

preocupando-se com o exercício efetivo dos direitos sociais, como também

coerentemente o encerra.

O Título VIII está dividido em oito capítulos; pelo ordenamento dos capítulos

pode-se concluir que visou o legislador abarcar uma ordem concreta que abraçasse o ser

humano em todas as dimensões de sua dignidade social enquanto sendo cidadão que

vive entre outras outros que, como ele, pratica várias atividades e, por meio delas, fica

envolvido na suas relações sociais. Senão vejamos:

O Capítulo I cuida das disposições gerais que se aplica a todo título da ordem

social, tem um único artigo e consagra de imediato como base da ordem social o

primado do trabalho e, como objetivo dessa ordem, o bem estar- social e a justiça social.

Primado do trabalho, bem – estar social e justiça social são, antes de tudo,

valores supremos, isso significa dizer que toda a ordem social, ou seja, todos os

313 Idem, Ibidem, p.483.

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capítulos dessa ordem estão intrinsecamente ligados um objeto que deve ser realizado

em toda a sua completude, já que a concepção axiológica314 do que seja valor encerra

em si mesmo um conteúdo de prescrição e de mandamentos de dever-ser. Dessa

maneira, tudo o que está definido nos demais capítulos de II a VIII da ordem social,

deve zelar para manter o trabalho como primado, e alcançar bem-estar social e justiça

social. Além do que, uma leitura mais refinada filosoficamente liga toda a ordem social

constitucional às condições humanas de homem faber compreendido aqui como aquele

que constrói e instrumentaliza e ao homem sapiens que pensa e cria e que se insere no

seu meio para progredir.

O Capítulo II cuida do artigo 194 a 204 da seguridade social que podemos

compreender como sendo, conforme o próprio artigo 194, diz um conjunto integrado de

ações que parte da iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, que tem por objetivo

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Sendo certo

trata-se de um conjunto de normas que formam o Sistema Único de Saúde, como um

direito de todos e um dever do Estado, que deve ser garantido mediante política sociais

e econômicas que visam a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso

universal e igualitários às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação,

conforme expressamente dita o artigo 196. E a previdência social, pela inteligência do

artigo 201 objetiva por sua organização, em forma de regime geral que os contribuintes,

filiados a ela obrigatoriamente possam gozar de cobertura no caso de doenças,

invalidez, morte e idade avançada, bem como proteção à maternidade, especialmente da

gestante e proteção ao trabalhador que se encontra em situação de desemprego

involuntário. Além disso, a seguridade deve proporcionar um salário- família e um

auxílio reclusão para os dependentes daqueles segurados que tenham baixa-renda, além

de pensão em caso de morte do segurado para seu cônjuge, companheiro e dependente.

E a Assistência Social, de acordo com o artigo 203, será prestado a quem dela

necessitar, independente da contribuição que tenha feito à seguridade social, e seus

objetivos são: proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e à velhice, o

amparo às crianças e adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de

trabalho daquele que esteja sem trabalho, a habilitação e reabilitação de pessoas

portadoras de deficiência bem como a sua integração à vida comunitária, além de um

314 JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES Danilo. Verbete: valor. op. cit. p. 275

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salário mínimo de beneficio a toda pessoa portadora da deficiência e ao idoso que

comprovem não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por

sua família, conforme dispuser a lei.

Portanto, o fundamento da seguridade social é amparar e proteger os que se

encontram em estado de vulnerabilidade e que, por isso não podem por si só prover sua

própria proteção, seu princípio polarizador é solidariedade e igualdade substancial que

deve perfazer-se pela inclusão social diante de situações que se manifestam como

fraturas e rupturas de vínculos sociais, para tanto a ordem social assegura como direitos

de todos: a saúde, a previdência e a assistência social como um conjunto de ações que

inclui potencialmente a todos, daí a colaboração ser obrigatória para toda a sociedade,

mas se dirigem a ações que efetivamente acolhe somente àqueles que são ou estão

excluídos física, geográfica e materialmente. Por isso, a normas constitucionais da

seguridade social em suas três vertentes abrangem o máximo de situações possíveis que

representam o grau máximo de exclusão social que se personificam pelas situações de

pobreza, desemprego, morte, invalidez, deficiência física e metal, além de reclusão e

dependência.

Apenas com a efetivação de tais comandos normativos referentes a seguridade

social estaremos aptos a combater um processo de exclusão social que já está enraizado

na cultura brasileira, conforme pudemos constar por nossa historicidade. Portanto, trata-

se de normas que visam principalmente combater a desigualdade social, econômica e

política que atingem com mais força os desvalidos que por uma razão ou outra são ou

estão apartados da sociedade e têm sidos vistos historicamente não apenas como

desiguais, mas como um “não semelhante” pelo mercado e meios de consumo de bens e

serviços, como é o caso do pobre, da (o) viúva(o) pobre que dependente do cônjuge, do

deficiente físico, do deficiente mental, do doente, do desempregado, do recluso, da

criança do adolescente carente, do velho, e da mulher pobre gestante adolescente ou

adulta. A seguridade social inserida na ordem social dentro desse contexto

constitucional, que objetiva bem-estar social e justiça social, em última análise uma das

trilhas pelas quais o Estado trabalha, a tolerância social, já que todos com ela deve

colaborar não apenas que se considera que um dia possam vir a ser eles se valer desses

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recursos, mas porque, sendo um Contrato Social, tem por obrigação, também, vincular

sociedade à sociedade.315

O capítulo III, cuida e dispõe sobre a educação, a cultura e o desporto, em três

seções subseqüentes: seção I cuida da educação dos artigos 205 a 214; seção II cuida da

cultura nos artigos 215 e 216; na seção III cuida do desporto pelo artigo 217. O que tem

em comum essas três seções são que elas têm por objeto a proteção da formação do

brasileiro enquanto ser comunitário, trabalhando a personalidade do indivíduo em dois

planos distintos que se complementam pelo individual e pelo social. Pelo artigo 215 o

Estado deve assegurar a todos o exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da

cultura nacional, além do que ele deverá apoiar e incentivar a valorização e a difusão

das manifestações culturais da populações indígenas, afro-brasileiras e de qualquer

outro grupo que participe do processo civilizatórios brasileiro.

Trata-se da primeira Constituição que reconhece as nossas raízes culturais como

uma formação pluralista, incluindo nela como responsáveis por essa formação o negro e

o índio, que como sabemos ainda sofrem processos discriminatórios. Pela proteção que

se dá a cultura através de normas infraconstitucionais que obedecem aos comandos

constitucionais planificados tanto se protege a formação do “espírito humano quanto de

toda a personalidade do homem: gosto, sensibilidade e inteligência”. Por isso, protege-

se o modo de vida brasileiro “representado pelo conjunto de regras de comportamento

pelos quais as instituições adquirem um significado para os agentes sociais e através dos

quais se encarnam em condutas mais ou menos codificadas.”316

Trata-se principalmente da guarda do tesouro coletivo dos saberes que o povo

brasileiro foi acumulando de geração em geração, além de proteção ao duplo sentido

antropológico que a cultura possui317:

a) proteção do conjunto de representações e comportamentos adquiridos pelo homem enquanto ser social que ‘e mostra não somente

315 SAWAIA, Bader. As Artimanhas da exclusão analise psicossocial e ética da desigualdade social. 9ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 18-22. 316 JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. verbete: Cultura. op.cit.; p. 63. 317 Idem, Ibidem, p. 63.

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pelas suas tradições artísticas, científicas, religiosas, filosóficas de uma sociedade, mas também suas técnicas próprias, seus costumes políticos e os mil usos que caracterizam a vida cotidiana’ (Margaret Mead); b) mas, também proteção do processo dinâmico de socialização pelo qual todos esses fatos de cultura se comunicam e se impõe em determinada sociedade.

Pela seção III do capítulo III cuida-se do desporto como parte integrante da

formação da personalidade, como um daquele tipo de direito humano e fundamental

que a todos deve ser assegurado e regulado pelo Estado. Conforme Luiz Alberto David

Araújo e Vidal Serrano Júnior comentam, cuida-se do desporto318: “quer como forma de

lazer, quer como parte da atividade educativa, quer ainda em caráter profissional, foi

incorporado ao nosso sistema jurídico no patamar de norma constitucional.”

E sendo o direito social fundamental à educação, previsto pela seção I do

capítulo da seção III, do Título da ordem social, previsto pela primeira vez

expressamente como um “direito de todos, um dever do Estado e da família em

colaboração com a sociedade.”. É o direito que encerra o ciclo de direitos que protegem

a formação física, espiritual e intelectual do ser humano. E aqui não teceremos muito

mais sobre o assunto, pois sendo a educação e o sistema educativo brasileiro da

Constituição de 1988 o centro de nosso trabalho e pesquisa reservamos a ele um

capítulo à parte.

Pelo Capítulo IV dos artigos 218 e 219, protege a Ordem Social brasileira a

comunicação social, pois de nada adiantaria proteger em tão alto grau o ser humano se

não se protegesse o seu direito a formação de sua opinião, o direito à livre informação,

livre manifestação de pensamento e livre criação.

E os direitos assim enunciados devem sofrer uma interpretação sistemática, com

aqueles elencados no inciso IV, V, IX e XIV do artigo 5º. São direitos de extremada

importância para um Estado Democrático de Direito, e sua razão de ser é porque nos

períodos autoritários a imprensa sofreu todos os tipos de restrições; a imprensa estava

censurada, a falta da divulgação de notícias e da livre manifestação da opinião foi um

instrumento forte utilizado pela repressão para que ela se perpetuasse por tanto tempo.

318 ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES, Vidal Serrano Jr., op. cit. p. 499.

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Assim, ficou também proibida a censura ideológica, política e artística,

entretanto, conforme os atores referenciados acima319:

É evidente que a proibição, imposta pelo Poder Judiciário, com fundamento em outros valores constitucionais, não configura exercício de censura, já que o próprio texto constitucional garantiu o direito, ‘observado o disposto nessa Constituição’.

A finalidade, portanto, era que os programas de rádio e televisão tornam-se um

instrumento a ser utilizado para educação, no entanto, conforme asseveram os autores

supra citados320:

Ocorre que sob o manto de que as atividades são de promoção da cultura nacional ou finalidades educativas ou informativas, as televisões e rádios abusam de suas programações, desviando a sua finalidade e perdendo a noção de que apenas são concessionárias de serviços públicos. A União Federal, como é sabido, não interfere, permitindo verdadeira ruptura com os vetores determinados pelos incisos do art. 221.

No capítulo VI, do Título VIII, protege-se o meio ambiente. Sagra-se por ele um

direito de terceira dimensão, o que põe a Constituição Brasileira entre as mais modernas

Carta Maior do Mundo. Entretanto, não poderia ter feito diferente o legislador

constituinte, pois encontramos-nos em uma era de total degradação do meio ambiente.

A fim de salvaguardar a vida no planeta e própria humanidade urge-se que cesse

imediatamente a destruição do meio ambiente, que o homem se sustente sem degradá-lo

e ainda, se possível, recuperar a máximo possível do que já se perdeu, ou seja, implica

que o ser humano precisa ser educado sob os princípios da sustentabilidade que

podemos conceituar como o princípio pelo qual se busca a satisfação das necessidades

atuais, (matéria-prima, descarte de resíduos, etc.), sem comprometer a satisfação das

necessidades e manter o meio-ambiente onde está inserido, preservando-o para gerações

futuras no longo prazo.

O que vai exigir muito da educação que deve introduzir tal conceito desde a

mais tenra idade, conforme bem asseverado pelo inciso VI do art. 225 que determina a

319 Idem, Ibidem, p. 508. 320 Idem, Ibidem, p. 510.

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educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a

preservação do meio ambiente; além do que, como dissemos no primeiro capítulo, vai

exigir a total compreensão do que proclama e declara os direitos de terceira geração.

Pelo capítulo VII do Título VIII, pelos artigos 226 a 230, cuida de proteger a

família, o adolescente e a criança. A família, diz a Constituição, é a base de toda a

sociedade e goza de proteção especial do Estado.

Contudo, o casamento não é mais, juridicamente, o único meio para que se

constitua uma família, pois se reconhece que os laços de uma União Estável é um meio

jurídico para se formar uma família. Além do que, a formação clássica “pai, mãe e

filhos” não é mais a única entidade familiar protegida; é reconhecida como entidade

familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, isso porque

o divórcio deixou de ser polêmica, passando a ser válido como fato jurídico para

dissolução do casamento.

O conceito jurídico de família não mais se fundamenta em qualquer conceito

religioso ou tradicionais arcaico, dado que atualmente se confere mais importância aos

laços de afeto que unem as pessoas em uma mesma entidade familiar.

A prova disso é que a união homoafetiva foi reconhecida pelo STF como União

Estável pelo Julgamento da Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito

Fundamental – ADPF - n. 132 e pela Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4277, em

5 de maio de 2011, fato que entendemos ter ocorrido com um pouco de atraso, pois a

muito a sociedade civil rompeu com os laços arcaicos de outros séculos. Por

conseguinte, sendo a família a célula mater da sociedade será sempre a primeira a

passar pelas mudanças de costumes. Logo, fonte primária de hábitos e costumes. Sem

dizer que ela configura o primeiro espaço de convivência pluralista pelo qual o ser

humano passa. No convívio familiar somos obrigados a conviver, muitas vezes, com

várias opiniões diferentes e divergentes. Ainda assim, tem-se que conviver, ou seja, na

família começamos o exercício para a vivência real de uma democracia social. Por ela

começamos a compreender a importância da liberdade, da igualdade, e da solidariedade.

Em seu seio recebemos a primeira formação voltada para educação tanto individual com

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em grupo. Dessa maneira, entende-se a importância de o Estado lhe assegurar

objetivamente proteção especial.

Temos que considerar que tanto no âmbito familiar como no da comunidade,

ninguém é mais vulnerável e desprotegido do que um ser humano em formação; por

isso também a necessidade de proteger a criança em todas as suas fases de crescimento,

conforme prescreve o artigo 227, propiciando- lhe em absoluta prioridade: o direito à

vida, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

convivência familiar e comunitária, além, é claro, de colocá-la a salvo de toda a forma

de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Porém, e

infelizmente encontramos por todos os centros urbanos e até rurais de todo Brasil todo

forma de crime contra a criança e o adolescente.

O Brasil atingiu altíssimos índices mundiais de todos os tipos de negligência

para com criança e o adolescente, desde a prostituição infantil até a utilização de

crianças e adolescentes para o tráfico de drogas e de armas. E ainda que o Brasil tenha

saído na frente do mundo, (antes da Convenção Internacional sobre os Direitos da

Criança da ONU de 1989 querer colocar a salvo a dignidade da criança e do

adolescente, o Brasil já o tinha feito pelo enunciado desse artigo 227), é fato que

passados mais de 20 anos desde sua promulgação, a criança e o adolescente brasileiro

ainda se encontram em profundo estado de vulnerabilidade em quase todas as cidades

desse país; basta que paremos o carro em farol de uma grande metrópole brasileira para

comprovar isso ou ainda entrar em uma das favelas existentes.

Vale lembrar que a Igreja, organizações não-governamentais, pastorais, e

entidades filantrópicas nacionais e internacionais têm feito mais pela criança que o

próprio Estado, que desde há muito a negligenciou, sua família e sua educação,

conforme exporemos em índices de pobreza e educação.

Não muito diferente se passa com o idoso, que também recebeu proteção

especial da Constituição de 1988, pelo artigo 230 que determina que a família, a

sociedade e o Estado tem o dever de amparar as pessoas idosas assegurando sua

participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhe o

direito à vida. Porém, segundo estudos e pesquisas apontam que desde 1987 o

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envelhecimento da população brasileira é uma realidade, aliás assim como é nos países

do chamado terceiro mundo conforme revela estudo realizado por Luiz Roberto Ramos,

Renato P. Veras e Alexandre Kalache321:

Os países do chamado Terceiro Mundo vêm apresentando, nas últimas décadas, um progressivo declínio nas suas taxas de mortalidade e, mais recentemente, também nas suas taxas de fecundidade. Esses dois fatores associados promovem a base demográfica para um envelhecimento real dessas populações, à semelhança do processo que continua ocorrendo, ainda que em escala menos acentuada, nos países desenvolvidos. As características principais desse processo de envelhecimento experimentado pelos países do Terceiro Mundo são, de um lado, de o fato do envelhecimento populacional estar se dando sem que tenha havido uma real melhoria das condições de vida de uma grande parcela dessas populações, e de outro lado, a rapidez com que esse envelhecimento está ocorrendo. Na verdade, nos países menos desenvolvidos, o contingente de pessoas prestes a envelhecer, dadas as reduções nas taxas de mortalidade, é proporcionalmente bastante expressivo quando comparado com o contingente disponível no início do século nos países desenvolvidos. Com a baixa real da fecundidade, a tendência é haver transformações drásticas na estrutura etária desses países, em tempo relativamente curto, sem que as conquistas sociais tenham se processado devidamente para a maioria da população. (g.n.)

De modo, é preciso mais investimento e educação para que a população

brasileira comece ao menos a lidar com esse problema de maneira real e efetiva, para

que se consagre em parte o que está disposto no artigo 230, conforme o que

mostraremos no próximo capítulo.

No último capítulo, VIII do Título VIII, o constituinte tratou de proteger o índio,

reconhecendo a eles sua organização social, seus costumes, línguas, crenças e tradições,

e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à

União demarcá-la, proteger e fazer respeitar todos os seus bens e as terras que

tradicionalmente ocupam que são aquelas por eles habitadas em caráter permanente, que

são utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos

recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física

e cultural, segundo seus usos costumes e tradições.

321 RAMOS, Roberto Luiz, VERAS, Renato P., KALACHE, Alexandre. Envelhecimento Populacional:uma realidade brasileira. in Revista de Saúde. V. 21. n. 3. São Paulo, junho de 1987. Disponível na internet: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-89101987000300006&script=sci_arttext Acesso em: abril de 2012

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Nunca um artigo foi tão fora da realidade. Ainda que a curva de densidade

demográfica tenha parado de cair a partir dos anos 1980, a realidade é que o Estado não

consegue dar a devida assistência e fazer respeitar os direitos dos índios cuja população

está distribuída em 322:

[...] 562 terras indígenas, vivem hoje no Brasil cerca de 315.000 índios. São 206 povos (ou etnias), concentrados, em sua maioria - 70% do total -numa parcela da Amazônia Legal que engloba seis Estados: Amazonas, Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso e Pará. Além desses, devemos considerar ainda a existência de 40 povos isolados na Amazônia Ocidental.

A importância de se assegurar aos índios seu território reside no fato de que eles

consideram a terra um bem coletivo que se destina a produzir a satisfação das

necessidades de todos os membros da sociedade. A todos, pela sua tradição e cultura

milenar, são assegurado os recursos do meio ambiente, através da caça, pesca, coleta e

agricultura323: “Nesse sentido, a propriedade privada não cabe na concepção indígena

de terra e território. Embora o produto do trabalho possa ser individual, as obrigações

existentes entre os indivíduos asseguram a todos o usufruto dos recursos.”

Se o homem tido como civilizado agora está tentando manter contato com o

valor sustentabilidade, ao que parece, esse é a pedra angular da tribos indígenas desde

há muito tempo. Por isso, mais uma vez cabe a educação brasileira fazer essa conexão

com uma de suas origens mais profunda, e mais do que preservar a cultura indígena

aprender com elas alguns conceitos que podem mesmo a vir a salvar a humanidade de

uma grande catástrofe.

Fecharemos esse capítulo dissertando sobre a proteção constitucional especial

aos portadores de deficiência que, conforme aponta Luiz Alberto David Araújo e Vidal

Serrano Junior324, representam dez por cento da população brasileira. A falta de medidas

efetivas que os inclua socialmente os mantém presos em seus próprios lares. Porém, sua

322 População Indígena no Brasil. Educação. Museu do Índio. Disponível na internet: http://www.museudoindio.org.br/template_01/default.asp?ID_S=33&ID_M=115 Acesso em: abril de 2012. 323 Idem, Ibidem. 324 ARAÚJO, Luiz Alberto David e NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 502-507

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proteção já pode ser extraída a partir dos princípios fundamentais, do Título I; cidadania

e dignidade da pessoa humana são a base de sua integração social, acoplados a eles deve

se ler que são objetivos da nossa Republica Federativa a erradicação da pobreza, a

construção de uma sociedade livre e justa, bem como promover o bem de todos, sem

preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação. E ainda conforme, já apontamos, o artigo 203, inciso IV, pela

Assistência Social deverá promover a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras

de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária. Por outros vários

artigos, como por exemplo pelo artigo 7º, inciso XXXI, fica proibido qualquer

discriminação no tocante a salários e critérios de admissão do trabalhador portador de

deficiência, inclusive pelo inciso VIII, do artigo 37 tratou-se reservar percentualmente

vagas para cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência, e por

desse, segundo os autores referenciados, o constituinte cuidou de reparar alguns séculos

de política de abandono. Isso significa dizer que ao deficiente deve ser dado acesso a

todos os tipos de meios e instrumentos lhe permita exercer dignidade pessoa e material

no máximo em que isso é possível.

Hoje, podemos contar com uma forte campanha social para inclusão do

deficiente na sociedade, inclusive são eles mesmos os responsáveis diretos pela

conscientização da população e do Estado de que eles têm direitos a ter os mesmo

direitos que as demais pessoas na medida de suas desigualdades; são os grandes

exemplos de grupo em estado de vulnerabilidade que, por participação direta estão

apontando onde mais tem sido ferida sua dignidade de pessoa humana. Muitos centros

urbanos já contam com rampas de acesso, locais próprios, rebaixamento de calçada e

demais meios que possibilitem a tramitação livre, o direito sagrado de ir e vir dos

portadores. Essa campanha de conscientização pelo respeito aos deficientes e às leis que

os protege tem propiciado, em geral, resultados positivos, todavia, ainda há muito a ser

realizado nesse aspecto. Caberá à educação conservar e aumentar o nível de

conscientização das pessoas no que se refere ao respeito e consideração que devemos

manter com os deficientes. Nesse sentido, também já aportamos que o artigo 208, inciso

III, capítulo III, Título VIII cuida especialmente do tipo de educação que deve ser dada

ao deficiente. Contudo, cuidaremos mais profundamente desse em outro capitulo

especialmente voltado para educação.

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Concluímos, portanto, que em matéria de planificação de Direitos Sociais, tratou

o constituinte de ter o cuidado de dar proteção a todos os segmentos sociais, que dizem

respeito ao exercício de direto sociais quer na vivência individual quer na vivência

comunitária, conforme foi declarado no preâmbulo. E ainda que falte muito para que

efetivamente se concretize muitos dos direitos sociais e que eles cheguem a todos fica

evidente que a Constituição Brasileira impele ao Estado que adote um perfil de Estado

Social que obriga a todos os entes e poderes públicos desse país uma vida digna a cada

cidadão que viva aqui ou mesmo que aqui esteja de passagem.

Daí a necessidade de se correlacionar lado a lado os direitos civis e políticos e os

direitos sociais, econômicos e culturais como fundamentais, pois, eles gozam da mesma

fundamentalidade que dá primazia ao ser humano sobre o sistema, além do que são

direitos que, ressalvamos, têm a mesma função: proteger a pessoa humana e evitar seu

sofrimento.

2.7.5 Dimensões (Funções) Subjetiva e Objetiva dos Direitos Sociais e suas

implicações

O plano subjetivo de existência revelado acima, que se baseia no fato de que

todo e qualquer cidadão têm por ter prerrogativas os benefícios da vida em sociedade e,

por isso têm direitos à determinado direitos específicos que lhe devem ser prestado pelo

Estado, nos remete as seguinte questão qual tipo de normas dá ao cidadão o direito a ter

direitos específicos que lhe prestem esse algo material?

A essa questão podemos responder da seguinte forma genérica: ‘serão aqueles

tipos de normas fundamentais que exigem do Estado um ação positiva’, ou seja, é

conforme Ingo Sarlet nos explica, “um tipo de norma que implicam uma postura ativa

do Estado, no sentido que esse se encontra obrigada a colocar à disposição dos

indivíduos prestações de natureza jurídica e material (fática).” 325

Desse modo, estamos falando de direitos sociais à prestação em sentido amplo,

conforme o próprio Ingo Sarlet nos ensina, que são aqueles direitos que a doutrina

325 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. 185

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germânica comumente têm, também, freqüentemente nominado de “direitos de

participação” ou de “direitos à quota-parte”, observando que nem todos eles se

identificam, em toda a sua extensão com direito sociais, mas exigem do Estado uma

posição ativa; eles reconduzem a uma função do Estado de Direito porque abrangem

todos os direitos e não apenas os sociais. Trata-se de um conceito mais amplo do

direito de ação positiva do Estado que vem fazer contraponto a um direito de defesa,

que exige uma ação de abstenção do Estado. Olhar por esse ângulo significa dizer que

um direito à prestação aumenta o âmbito dessa ação positiva, que devem ser

consubstanciadas em normas que determinam uma série de ações coordenadas entre si.

Assim as ações positivas do Estado que podem ser objeto de um direito à

prestação, segundo Robert Alexy326, estende-se da proteção ao cidadão contra outros

cidadãos, pelo estabelecimento de normas penais, até normas que estabelecem

organização e procedimento. Dessa feita, mais do que direitos a prestações fáticas,

quando nos referimos a direitos sociais temos direitos a prestações normativas que

regulam sua organização e seus procedimentos, isso porque os direitos sociais, por

excelência, tem um feixe de posições que dizem respeito em parte às prestações fáticas

e em parte a esse tipo de prestações normativas.

E os motivos de assim os compreende-los, diz o citado autor, são primeiramente

que existem de fato muitos direitos sociais que correspondem ao que ele denomina de

direito fundamental completo, ou seja, ele é formado por um feixe de espécies de

posições bastante distintas; conforme explicamos acima quando trabalhamos o conceito

de direitos sociais, por exemplo, um direito ao trabalho vem consubstanciado em

normas que exigem um abstenção por parte do Estado. Melhor ilustrando, o Estado tem

que se abster face à liberdade de escolha de profissão, contudo, tem que atuar

positivamente para regulamentar quais são as condições adequadas de trabalho. O

segundo motivo em trabalhar com essa idéia de direitos à prestação no sentido amplo é

porque os direitos de ação positiva compartilham de problemas com os quais os de ação

negativa não se deparam, não ao menos com a mesma intensidade, ou seja, nas ações

negativas há limites impostos ao Estado, mas não dizem nada a respeito dos objetivos a

serem alcançados, já os de ação positiva impõe objetivos a serem alcançados.

326 ALEXY, Robert. Teorias dos Direitos Fundamentais.tradução Virgilio Afonso da Silva. 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 442.

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Uma das questões que se suscita nos direitos de ação positiva é em que medidas

a persecução de objetivos estatais pode e deve estar vinculada a direitos constitucionais

subjetivos dos cidadãos. E outra questão levantada por nós, diz respeito a nomeação da

classificação que a doutrina germânica desenvolveu para falar dos direitos sociais à

prestação em sentido estrito como direito à quota parte ou ainda como direito de

participação, que apontaremos, desde já, para nós, como normas que mantêm uma

relação íntima com a aplicação do princípio democrático, no que diz respeito aos

direitos sociais. Robert Alexy foca a problemática dos direitos sociais de participação e

quota-parte no reflexo que esse conceito exerce na problemática da repartição de

competências entre legislador e tribunal constitucional. Contudo, o aspecto da questão

que aqui queremos desenvolver nos remete à Teoria da Bidimensionalidade da Justiça

proposta por Nancy Fraser327, que nos ensina que as teorias das ciências econômicas,

que foram construídas, partindo do liberalismo econômico, produziram verdadeiras

antíteses falsas, já que elas desassociam reconhecimento de pessoas em estado de

vulnerabilidade da redistribuição dos bens que lhes devia competir e que devem às

questões sociais de inclusão se estender. Justamente porque, a idéia de justiça social,

segundo a referida autora, exige que a implementação de políticas públicas sociais

desde sua primeira etapa impele que conjuntamente coexista um trabalho de

redistribuição e um trabalho de reconhecimento, principalmente, no que diz respeito aos

grupos de pessoas mais vulneráveis, pois é necessário que se faça um cruzamento de

indicadores sociais que possam apontar dentro do corpo social aqueles que estão mais

vulneráveis para que a política pública social seja mais eficiente e eficaz. O que impõe

que conjuguemos com essas políticas sociais ao que ela denominou de “norma de

paridade de participação” que vai informar às pessoas destinatárias dos bens e ao poder

público sobre o quantum e até onde deve- se ir a participação do cidadão nas normas

que veiculam tais políticas, pois afinal é ele o titular do direito social. Importando

assim, que se dê à participação do cidadão a necessária atenção para que ele participe

inclusive e até diretamente da formação do conteúdo dessa “norma de paridade de

327 FRASER Nancy. Redistribución, reconocimiento y participación: hacia un concepto integrado de la justicia, in: Unesco, Informe Mundial sobre la Cultura – 2000-2001. Diversidad cultural, conflicto y pluralismo, Madrid: Ediciones Mundi-Prensa/ Ediciones Unesco, 2001. Disponível na Internet: http://132.248.35.1/cultura/informe/informe%20mund2/INDICEinforme2.html Acesso em: setembro de 2010.

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participação”, mesmo porque é preciso considerar que ele é o maior interessado na sua

realização. Daí, porque creditamos que são tais normas de direitos prestacionais

referenciadas pela doutrina alemã como direitos de participação ou de quota-parte.

Ressalvando-se que as prestações positivas em sentido estrito por parte do

Estado estão ligadas à satisfação de outros fenômenos estatais, que são pressupostos

para a efetiva prestação328, "dependem da satisfação de uma série de pressupostos de

índole econômica, política e jurídica". Assim, o maior problema hoje dessa função,

segundo Canotilho, é 329:

Ao saber se as normas consagradoras de direitos fundamentais sociais têm uma dimensão objetiva juridicamente vinculativa dos poderes públicos no sentido de obrigarem estes (independentemente de direitos subjetivos ou pretensões subjetivas dos indivíduos) a políticas sociais activas, conducentes à criação de instituições (ex: hospitais, escolas), serviços (ex: serviço de segurança social) e fornecimento de prestações (ex: rendimento mínimo, subsídio de desemprego, bolsas de estudo, habitações econômicas).

Entretanto, partindo desse ponto em comum que recai sobre a referência estatal

atuante sobre os direitos sociais e não importando qual plano de existência estejamos a

observar, ou seja, quer os vejamos sob a perspectiva normativa reguladora (existência

objetiva), ou quer sob a perspectiva prestacional (existência subjetiva), a verdade é que

ambas as dimensões apontam para uma dimensão antropológica do ser humano que

informa que a sua existência depende cada vez mais do âmbito de proteção daquilo que

está inserido no social, a conseqüência disso é que estamos a cada dia a dar maior

prevalência aos direitos coletivos antes mesmo de que consideremos os individuais.

Nesse sentido Jose Afonso da Silva330:

O Estado tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos, antes que aos indivíduos. E é exatamente nessa adoção de fins sociais prevalecentes à proteção dos fins individuais

328 ALEXY, Robert. Teorias dos Direitos Fundamentais.tradução Virgilio Afonso da Silva. 5ª edição alemã. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 442. 329 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op. cit. p. 408. 330 SILVA, JOSÉ Afonso da Silva. Aplicabilidade da Normas Constitucionais.7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 115.

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que o Estado Democrático de Direito se distingue do Estado Liberal individualista.

Por isso, referenciarmos nesse item o conceito de Direitos Sociais preconizado

por Andreás Krell331:

Os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais. São os Direitos Fundamentais do homem-social dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos antes que aos individuais. O Estado mediante leis parlamentares, atos administrativos e a criação real de instalações de serviços públicos, deve definir, executar e implementar, conforme as circunstâncias, as chamadas “políticas públicas sociais” (de educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultam o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente garantidos.

Assim, frisamos que Canotilho aporta que os direitos sociais, são compreendidos

como autênticos direitos subjetivos, visto que são inerentes ao espaço social do cidadão

e, portanto, independem de justicialidade e são de exequibilidade imediata. O que

significa dizer que nem o Estado nem terceiros podem agredir posições jurídicas

individuais que abarcam o âmbito de proteção destes direitos.332

É nesse sentido que Ana Carolina Lopes Olsen 333 bem lembra que a muito a

doutrina superou a perspectiva privatística e as posições dogmáticas positivistas sobre

direito subjetivo como sendo ele apenas aquele direito público subjetivo que dá ao seu

titular o direito de exigir (condição processual de exigibilidade) uma ação, caso ele não

se concretize no mundo material; não que tenha deixado de valer essa máxima, mas

após o advento do Estado Social a dimensão subjetiva dos direitos sociais não exige

que se crie uma outra lei de aspecto processual e material para que o titular do direito

possa ajuizar sua pretensão em juízo e, então, ficar aguardando uma sentença que possa

lhe dar ganho ou não de causa, pois, nas palavras de referida autora:

331 KRELL, Andreas J. Diretos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre, RS: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.19-20 332 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.op.cit.; p 476. 333 OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitba: Juruá, 2008. p. 95.

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É oportuno ressaltar que a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais deve ser buscada e compreendida na própria Constituição, na sua estrutura que inovou um sistema de relações jurídicas privatísticas e individualistas, e não em conceitos desenvolvidos pelo positivismo jurídico ainda presentes no ordenamento jurídico brasileiro (...) A exigibilidade não é condição de existência do direito ele não existe porque é exigível. Ele existe, razão pela qual deve ser exigível.

Assertiva é a proposição da referida autora de que não devemos perder de vista,

como já colocado acima por nós, que direitos fundamentais constituem um feixe de

posições-fundamentais, estruturalmente distintas, e isso hoje, nos leva a creditar que um

direito de defesa é mais fundamental que um direito à prestação porque a ele foi

reconhecido um status de direito subjetivo, já que pode seu titular exigir prontamente do

Estado que ele se abstenha de interferir na sua esfera de autonomia privada. O que não

corresponde à realidade tanto pelas razões acima referidas como porque 334:

[...] a efetivação da pauta social constitucional somente será viável se os direitos fundamentais forem observados enquanto verdadeiros direito subjetivos, capazes de vincular os poderes públicos à realização das prestações positivas correspondentes ao seu objeto

Logo, a dimensão subjetiva expõe os direitos sociais como direitos a prestações

públicas, portanto, isso implica que eles deverão ser materializados por meio de serviços

públicos e ações do Poder Público. 335

Assim, pelo serviço prestado ou pela ação do Poder Público o indivíduo adquire

uma liberdade para alguma coisa – status de liberdade positiva- e uma vez adquirido tal

status, nasce para o Estado a proibição de omissão em relação a essa prestação. 336

Então, lançar um olhar para os direitos sociais pelo ângulo da dimensão objetiva

significa principalmente buscar qual considerado, institucionalmente, seu significado

334 OLSEN, Ana Carolina Lopes. Direitos Fundamentais sociais: efetividade frente à reserva do possível. Curitba: Juruá, 2008. p. 95. 335 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. p.97 336 DIMOULIS, Dimitri. op.cit p. 19

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para a "vida social como um todo" 337. Portanto, podemos concluir que a dimensão

objetiva procura respeitar toda a luta travada pela humanidade para sublinhá-los como,

também sendo direitos fundamentais sociais, que acoplados aos direitos individuais de

matriz-liberal burguesa, dimensionam objetivamente o âmbito de proteção da dignidade

humana.

Por essa perspectiva da dimensão objetiva se impõe ao Estado Constitucional

Democrático de Direito que ele, por meio de suas atividades legiferantes reguladoras,

reconheça os direitos sociais por meio de estratégias de positivação que os condense

dentro de sua ordem interna para que ele, Estado, enquanto poder legítimo e justo, possa

dentro do império da lei promover, respeitar e implementar direitos sociais. Tal

atividade normativa –reguladora que promove a dimensão objetiva institucional dos

direitos sociais se faz necessário porque, segundo Vidal Serrano Júnior 338:

[...] Os direitos sociais devem ser enfocados a partir da premissa de que as relações sociais, se engendradas naturalmente, sem a intervenção do Estado, acabam por espelhar a correlação de forças no aparelhamento do fenômeno produtivo. Desse modo, as relações jurídicas estabelecidas se ressentem de uma atividade moduladora do Estado, que, verificando a existência de uma desigualdade ingênita em tais relações, deve, sobretudo por meio de lei, definir padrões de comportamento que coíbam o abuso do poder econômico. É o que ocorre nas relações de trabalho e de consumo.

Além disso, é por meio desse conjunto de normas objetivamente instituído que o

Estado poderá levar as pessoas a conjugarem ao que a doutrina portuguesa nominou ser

liberdade igual, que vem a ser uma liberdade que aponta para a igualdade real, que

segundo Canotilho é339: “o que pressupõe a tendencial possibilidade de todos terem

acesso aos bens econômicos, sociais e culturais”

A liberdade igual, portanto, acrescenta o autor: “torna indispensável uma tarefa

de distribuição/redistribuição dos “bens sociais” entre: (1) classes e estratos das

populações; (2) entre nações; (3) entre gerações” . Daí que, por conclusão, as normas 337 SILVA, Virgilio Afonso da Silva. Direitos Fundamentais-, conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 26. 338 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. P. 69 339 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. op.cit. p. 480.

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constitucionais que consagram, como o próprio autor citado preconiza, em uma outra

passagem, direitos econômicos, sociais e culturais acabam por modelar a dimensão

objetiva dos direito sociais de duas formas:

1) Por meio de imposições legiferantes, "apontando para a obrigação de o

legislador actuar positivamente criando as condições materiais e institucionais para o

exercício desses direitos";

2) E pelo "fornecimento de prestações aos cidadãos, desenficadoras da dimensão

subjetiva essencial destes direitos e executoras do cumprimento das imposições

institucionais.”

Ademais, é pelo exercício da dimensão objetiva dos direitos sociais que o

Estado vai conseguir consagrar seu perfil como um Estado Social Democrático e

Integralizador. Pois, quando o Estado os tem na sua ordem interna de maneira objetiva

cria socialmente um cultura de respeito pelos direitos fundamentais sociais, já que,

assim, os direitos individuais e sociais reconhecidos como “instituições sedimentadas no

tecido social e que devem condicionar ações individuais e coletivas.”340

Importante destacar que a dimensão objetiva dos direitos sociais sendo em si

esse “conjunto de normas através dos quais o Estado leva a efeito sua função

modeladora e equilibradora da relações sociais”341 configura, também, limites

imanentes aos princípios da ordem econômica constitucional brasileira vigente.

Assim, esse feixe de normas fundamentais que dizem respeito aos direitos

sociais, que estão instituídos objetivamente em especial pelo artigo 1º. inciso IV, ab

initio, que proclama serem “os valores sociais do trabalho” fundamento da República

Brasileira e os direitos sociais direitos fundamentais que em primeiro se apresentam de

forma geral no artigo 6º e depois são mais do que suficientemente concretizados no

mesmo nível constitucional pelo titulo VIII, devem servir de limites ao exercício das

atividades capitalistas, ainda que elas também tenham embasamento constitucional,

340 NUNES Junior, Vidal Serrano. op.cit. p.13 341 Idem, Ibidem, p. 13

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visto que as funções objetivas dos direitos fundamentais, incluídos os sociais, exercem

sobre o ordenamento jurídico em geral funções de critérios para interpretação

prevalecente e conformação do direito, o que irradia sua eficácia por todo o

ordenamento jurídico, constitucional e infraconstitucional, principalmente visando à

proteção dos mais fracos; e o mais fraco numa economia capitalista é o trabalhador, daí

também creditarmos do porquê ter a Ordem Social por base o primado do trabalho,

artigo 193, ab initio.

Não podemos, todavia, olvidar como bem assevera José Felipe Ledur342, que a

regra constitucional do artigo 60, § 4, inciso IV da Constituição é o que bem revela o

extraordinário significado da dimensão objetiva dos direitos fundamentais sociais em

nossa ordem jurídica- constitucional porque se quer qualquer proposta de deliberação

tendente a aboli-los poderá ser posta na mesa congressual para discussão.

No entanto, essa questão do limite imanente dos direitos fundamentais sociais

que é levantada pela dimensão objetiva dos direitos fundamentais nos remete ainda a

uma outra questão sobre a liberdade igual que, vista sob essa perspectiva, passa a ser a

liberdade de todos, portanto, nos remete a idéia de que a “liberdade não é algo natural,

pré- jurídico ou algo semelhante”, ela adquire um viés institucional, “algo criado e

desenvolvido no âmbito e a partir do direito. Portanto, liberdade é- é só pode ser-

liberdade regulada e delimitada pelo direito.”343 Essa é a teoria institucional de Peter

Härbele dos direitos fundamentais, que nos remete a idéia de que os direitos

fundamentais tem uma função social, conforme aportamos anteriormente, conformadora

inclusive sob a formação da personalidade das pessoas que vai se refletir na

comunidade, de sorte que o sua vivência não traça apenas o perfil do Estado, modela

também o perfil das pessoas, porém desde que elas tomem conhecimento adequado

sobre eles.

2.7.6 Direitos sociais e o standard mínimo social

342 LEDUR, Jose Felipe. op. cit. p. 91 343 SILVA, Virgilio Afonso da Silva

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Depois do exposto sobre direitos fundamentais humanos e sociais, que incluiu a

formação de seu complexo conceito, análise de suas dimensões, funções e objetivos.

ainda levando em consideração atualmente são eles protegidos pelo constitucionalismo

global, será que podemos chegar à conclusão do que seja um mínimo vital material e

imaterial para que uma pessoa humana tenha uma vida digna? Há realmente uma pré-

determinação jurídica daquilo que o Estado deve prestar? Se há, qual o seu limite? Ou, a

cada vez que o Estado alcança um patamar de dignidade material ele está obrigado a

ascender a mais um? E ainda, o Estado poderá retroceder alegando que esse ou aquele

direito social não pode mais ser prestado dado as circunstâncias que rodam a realidade

política e financeira do Estado? Ainda que todas essas possam parecer simples, a bem

da verdade o conceito de mínimo vital vai requer do seu estudioso uma profunda

reflexão para ser ao menos minimamente elaborado, pois ainda que tal conceito esteja,

principalmente, ligado à aquisição de bens materiais para que se possa usufruir de uma

vida digna, o quanto e a qualidade daquilo que se adquiri para esse fim de fato, também

sofreu variação no tempo e no espaço e ainda pode variar muito de uma cultura a outra.

Além disso, trabalhar a questão do mínimo vital têm se revelado uma das

questões mais importantes posta em pauta pelo Estado e requer prontamente soluções, o

que por si só já é mais do que suficiente para seja a sociedade conclamada para um

debate. Isso porque fator importante na consecução de políticas públicas que efetivem

direito sociais é criar ferramentas extra-judiciais de cobrança e fiscalização que

envolvam a concreção dos direitos humanos fundamentais sociais prestacionais:

educação, saúde, moradia, segurança e previdência. A operacionalização e as

ferramentas que podem propiciar esse tipo de fiscalização, por parte do cidadão, devem

ser levantadas por meio de um debate público. Nesse sentido, um debate público

revelaria a maneira como o Estado tem trabalhado ou não as questões da concreção de

políticas públicas sociais, colocando em pauta a análise de qual é a real distância entre

dever ser constitucional e ser constitucional. Dessa forma, podemos inferir que é pelo

efetivo debate sobre o mínimo vital que poderemos, enquanto cidadãos, verificar qual é

a real parcela de responsabilidade constitucional sobre a efetivação dos direitos sociais

que cabíveis aos poderes públicos e as nossas instituições, bem como a parcela que lhe

cabe enquanto cidadão. Esse pensamento é corroborado dado que o Estado

Constitucional de Direito Democrático e Republicano, que é intrinsicamente ligado à

idéia de justiça de cada um, não pode ser desassociado da idéia de justiça social.

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Todavia, no que diz respeito ao coletivo da sociedade, será pelo debate público

daquilo que abrange o conteúdo do mínimo vital que as pessoas poderão expressar, por

meio de sua voz, se a concretização de políticas públicas correspondem e satisfazem sua

idéia de justiça social, ou seja, a sociedade poderá, principalmente, avaliar se a escolha

de suas instituições, que exercem um papel instrumental bastante importante na justiça é

apropriada, tanto do ponto de vista de sua adequação organizacional quanto pela

avaliação real do tipo de vida que as pessoas estão realmente levando, isso porque,

conforme afirma Amartya Sen344: “A justiça está fundamentalmente conectada ao modo

como as pessoas vivem e não meramente à natureza das instituições que a acercam”

Do ponto de vista da dogmática jurídica, um debate a cerca do mínimo vital fará

com que a doutrina e a jurisprudência correlacionem o conteúdo dos valores supremos

constitucionais aos conteúdos que as normas constitucionais sociais encerram; um

exercício de interpretação, que toma como ponto de partida conceituar o que seja um

mínimo vital que permitirá ao intérprete um maior vislumbre, tanto da estrutura das

normas sociais que têm que se concretizar por meio de políticas públicas sociais, como

também vai acabar por abrir caminho para que nos aprofundemos nos conceitos

analíticos e empíricos que foram se desenvolvendo em volta do assunto. Esse tipo de

construção necessariamente tem que analisar casos concretos judiciais e sociais, ainda

porque, conforme assevera Amartya Sen, tal análise nos torna continua e

gradativamente mais aptos a detectar injustiças remediáveis que, em geral, estão, mais

ligadas as transgressões de comportamento dos agentes frente as essas instituições do

que a defeitos institucionais. Ademais, muito das injustiças, acrescentamos pode estar

diretamente correlacionadas com interpretações equivocadas realizadas por aqueles que

devem proteção jurisdicional aos direitos fundamentais. Daí, a imensa importância de se

correlacionar o mínimo vital com a chamada reserva do possível e ainda correlacioná-lo

com o estudo da possibilidade do controle de constitucionalidade no que diz respeito à

matéria financeira e orçamentária, já que essas funcionam como instrumentos que

garantem a realização dos direitos fundamentais.

Afinal, no mundo fenomênico como vimos o acesso aos direitos econômicos,

sociais e culturais está profundamente associado a um conjunto de condições

344 SEN, Amartya. A idéia de justiça. op.cit. p. 12

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econômicas, sociais e culturais que a rigor, não fazem parte do regime jurídico desses

direitos, conforme aportamos.

Importante ressalvar ainda que o deflagração de debates públicos sobre o

standard social mínimo incondicional nos levará à compreensão do quanto já caminhou

a extensão da segurança social que constitui, conforme Marcel Laloire345, outro do mais

importante fenômeno do nosso tempo, já que, segundo ele, é do conhecimento geral o

pensamento de Lord Beveridge346: ‘de que a segurança social deveria ter por objetivo

assegurar o mínimo vital a todos os cidadãos de um país. Um mínimo que lhes garanta

existência face à qualquer tipo de vicissitudes da vida.’

Entretanto, a verificação de tal alcance nem sempre é fácil, pois mesmo após

quase um século do aparecimento das primeiras leis e Constituições e podemos dar de

exemplo a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição de 1919 de Weimar que

consagraram, em especial, aos trabalhadores, um salário mínimo que lhes garanta

alguma segurança social contra riscos profissionais, doenças, invalidez, acidentes ou

desempregos e ainda que tenhamos ao largo de todo o século XX realizados inquéritos

tanto no plano nacional como no internacional que demonstram que a humanidade nesse

setor alcançou um certo progresso social que apontam que algumas civilizações

conseguiram até alcançar um limiar que ultrapassa a miséria - o que, por si, já

demonstra que apenas um esforço geral de solidariedade poderia definitivamente levar a

cabo tal objetivo ambicioso em quase todos os Estados- nações - a verdade é que

mesmo nos países tidos como países desenvolvidos a consecução da segurança social na

realidade encontra-se muito aquém de seu projeto ambicioso de levar a todos um

mínimo vital, pois segundo Marcel Laloire, a solidariedade nacional não é perfeita na

medida em que muitas delas sem qualquer consideração aos fatores discriminatórios

acabaram estabelecendo regimes jurídicos distintos para operários, empregados,

mineiros, marítimos ou trabalhadores independentes, fazendo com que a realidade se

encontre ainda longe de um outro princípio básico da segurança social que impõe que se

há identidade de necessidades deve haver também identidades nas prestações. Porém, e

345 MARCEL, Laloire. O que é o Mínimo Vital? in: Análise Social. Revista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. n. 19 Vol. V, 1967, p. 373-382. Disponível em: http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224251406G7xNH9uk3Yy15TR7.pdf Acesso em: abril de 2012. 346 LORD Beveridige foi um economista britânico que ficou conhecido como “pai da segurança social”

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apesar dessas deficiências, continua Marcel a explicar, que inclusive, se passaram assim

devido às condições difíceis que determinavam a introdução do conceito de segurança

social, na verdade de uma maneira geral, ela, a segurança social, em especial nos países

desenvolvidos vem caminhando para uma proteção generalizada e uniforme, se

comparado com o que já se passou. E isso porque as instituições internacionais como,

por exemplo, a Organização Internacional do Trabalho, a Comissão Econômica

Européia, vem tentando, muito eficazmente, segundo ele, harmonizar as legislações

nacionais a conseguir uma melhoria de condições para todos os povos, qualquer que

seja seu grau de desenvolvimento econômico.347

Entretanto, nos países não desenvolvidos e mesmos naqueles em

desenvolvimento ou ditos emergentes, o quadro não se configura tão otimista. Muitos

fatores sociais, políticos e jurídicos impedem o trabalho dessas instituições

internacionais, e mesmo suas investigações, para que se realize um diagnóstico preciso e

correto, é quase impossível de se realizar. Porém, tais diagnósticos, é preciso

considerar, são de fato muito importantes para que se estabeleça a cada época o que seja

um mínimo vital para cada cidadão ou grupo de pessoas que estejam vivendo dentro de

um determinado espaço territorial. As análises, ainda que dentro de circunstâncias

difíceis, já realizadas demonstram que os Estados devem trabalhar com prioridade em

políticas públicas de inclusão, principalmente daqueles que estão sendo segregados ou

marginalizados pelos vários níveis e espécies de pobreza. Portanto, por parte do Estado

trabalhar um standard mínimo vital vai requer principalmente que seus órgãos, agentes

e instituições tenham em mente e bem claro qual o tipo e o nível de pobreza que estão

objetivando erradicar, por meio de políticas públicas considerando que cada uma delas

deve visar um mínimo a ser atingido. O que vai impor ao Estado o dever de realizar

estudos psicossociais e econômicos por toda a sociedade para poder conceituar quais os

tipos e os níveis de pobreza que assolam o país e desta forma verificar e identificar

quais pessoas e grupos de pessoas estão sendo segregadas, quer seja pelo afastamento

ou pela manutenção de uma distância topológica, e quais estão sendo marginalizadas,

quer seja por uma instituição, quer seja por um grupo social, ou ainda que estejam sendo

marginalizadas ou segregadas, porque a elas foi fechado o acesso a bens ou recursos.348

347 LALOIRE, Marcel. op. cit. 374-375. 348 Idem, Ibidem. 374.

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Tudo isso porque na prática conceituar e identificar um standard mínimo vital se faz

necessário para que se estabeleça algum tipo de igualdade substancial entre as pessoas,

já que todas nascem dignas e devem ser tratadas com igual consideração e respeito.

Desta forma, trabalhar e correlacionar pobreza e standard mínimo vital requer que o

Estado faça um análise profunda da sua sociedade sob vários aspectos: sócio-histórico,

cultural e ambiental, para compreender de que maneira essas “pessoas ou grupos de

pessoas que são objetos de distinção estão se construindo como uma categoria à parte

das demais.”349

Porém, estabelecer o conceito de pobreza e a sua abrangência também não é

tarefa simples, já que esta se dá em várias dimensões e em geral é cumulativa. Fato é

que quando uma pessoa se encontra em estado de pobreza todos seus níveis de

dignidade de pessoa humana estão desprotegidos, e isso a torna extremamente

vulnerável a todo tipo de infortúnios da vida. Mas, a pobreza, condição mínima da qual

devemos partir para trabalhar o conceito do que seja um mínimo vital, não está apenas

correlacionada à falta de recursos materiais, mas também se correlaciona com a

impossibilidade ou distância do acesso a recursos que possam potencializar seu

completo desenvolvimento, como por exemplo, em relação aos recursos culturais ou

educacionais, e mesmo espirituais. Assim, estabelecer um standard mínimo vital

significa antes de tudo prover acesso a recursos materiais que mantenham a vida e a

saúde física de uma pessoa, mas, com certeza, a conceituação e a mensuração, de um

standard mínimo, não pode parar por aí, esse é apenas um ponto de partida.

Por isso Marcel Laloire350 diz que considerar os progressos levados a cabo no

decurso de um século se faz importante e incontestável para que possamos conceituar o

que seja um mínimo vital, até porque ainda é possível vislumbrar, mesmo em países

desenvolvidos, largas zonas de pobreza. Assim, o autor, preliminarmente, partindo da

análise de dados dos Estados Unidos da década de 1960 passou a enfrentar qual é o

conceito de um mínimo vital.

349 JODELET, Denise. Os processos Psicossociais da Exclusão em As Artimanhas da Exclusão Análise pscissocial e ética da desigualdade social - org. por BADER, Sawaia.,p. 54 350 LALOIRE, Marcel. op. cit. p. 377 -378.

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Segundo ele, na década citada, começaram a aparecer importantes obras que

descrevem e analisam a pobreza, em especial nos Estados Unidos e que vão

correlacioná-la com o mínimo vital, destacando-se entre essas obras o relatório

intitulado de “Poverty and affluence” que foi realizado sob a direção de Oscar Ornatti

da Nova Escola de Investigação Social de Nova Iorque e por ele detectou-se três níveis

ou três limiares de pobreza: a) subsistência mínima; b) mínimo adequado; c) conforto

mínimo. Sendo que tais níveis foram determinados em função do que a sociedade

considerou, em diferentes datas daquela época, como sendo necessidades mínimas. E o

que conseguiu demonstrar tal estudou é que pessoas ou famílias podem apresentar uma

única ou várias características de pobreza; entre tais características estava relatado o

fato de não serem, em geral da raça branca, serem originário de uma determinada região

rural, ou ainda constava com tais características de pobreza aqueles que tinham mais de

65 anos, ou ainda quem estava entre as idades de 14 a 24 anos. Dado que, estar nessa

faixa etária lhes impunha um rendimento inferior àqueles que as normas estipulavam

como um mínimo para subsistência adequada. Por esse estudo, também ficou

evidenciado que tais pessoas e famílias sobreviviam em más condições de alojamento,

com carência de instrução e com saúde deficiente, além de estarem desempregadas. De

maneira que, àquela época, nos Estados Unidos, poder-se-ía chegar a um standard

mínimo vital adequado para se viver dignamente desde que houvesse acesso a boas

condições de alojamento, um mínimo básico de instrução e acesso a serviços que

promovessem a saúde dessas pessoas.

E ainda, conforme o autor citado, foi um outro estudo semelhante a esse,

realizado na França entre os anos de 1942 e 1943, pelo centro de Investigação e

Documentação sobre Consumo, tinha por objetivo calcular o custo de uma criança,

contudo, acabou apontando que as famílias que tinham mais de um filho constituíam um

meio desfavorecido do ponto de vista do rendimento familiar, já que cada criança

suplementar (termo do referido estudo) podia acarretar uma diminuição do rendimento

disponível por membro da família em até 33%. Esses dados podem levar a análise de

que 33% das famílias francesas não dispunham de qualquer reserva monetária, e que até

40% dessa famílias não podiam gozar de férias, já que elas tinham uma carência de

recursos suficientes o que colocava fora da análise o lazer quanto ao que poderia vir a

ser um mínimo vital.

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Assim, em face de tais dados, Marcel Laloire começa a apresentar a definição e

a mensuração do que seja o mínimo vital o que o faz, principalmente a partir do estudo

de N.N. Franklin351 publicado na Revue International du Travail, de abril de 1967, que

surgiu de uma deliberação da Conferência do Trabalho, realizada na sessão de 1964,

que tinha por objeto estudar a noção e a medida das necessidades mínimas do homem.

Ele postula que de acordo com N. N. Franklin as necessidade mínimas de um homem

englobam:

a) em primeiro: as necessidades físicas, ou seja, tudo aquilo que lhe é necessário

para manter a vida e lhe conservar a capacidade de trabalho;

b) em segundo: compreende igualmente as necessidades sociais geralmente

associadas aos costumes de uma comunidade. Assim, de acordo com o estudo de N.N.

Franklin, acrescentamos que tais necessidades sociais mínimas surgem ligadas à noção

de dignidade humana352:

[...] a idéia de base, hoje comumente aceite, é a de que nenhuma família deveria ser forçada, por sua condições de penúria, a viver de tal modo que se distinga radicalmente de outras famílias do mesmo grupo social e não possa participar dos usos e costumes estabelecidos na sua própria coletividade.

Destaca ainda Marcel Laloire que N.N. Franklin acaba por expor e comentar em

seu estudo vários outros inquéritos realizados em vários países do mundo que tiveram a

intenção de calcular as necessidades mínimas de um homem. Mas, o autor dá destaque,

em especial, ao da África do Sul que tentou calcular o “limiar da pobreza”, sendo que

para tanto definiu tal como sendo o limiar da pobreza: “uma estimativa do rendimento

necessário a uma família para atingir um mínimo determinado de saúde e de dignidade”,

o que fez com o mínimo vital fosse foi calculado em função do custo de um orçamento

correspondente ao estritamente necessário, a saber:

a) considerando o sexo e a idade de cada membro de uma família ela deveria ter

uma quantidade e uma variedade tal de produtos alimentares que lhes fornecesse o valor 351 N. N. FRANKLIN,. La notion et la mesure du minimum vital. Revue Internationale du Travail Genebra: Abril 1967, p. 301-332. 352 LALOIRE, Marcel. op. cit. p.379.

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em calorias, proteínas, gorduras e vitaminas necessárias que as pudesse manter com

saúde, sendo ainda que tal alimentação deveria seguir os hábitos alimentares da

coletividade;

b) um ser humano tem que dispor do mínimo de vestuário indispensável à

manutenção de sua saúde e ainda compatíveis com a decência;

c) um mínimo de combustível e alimentação para manutenção de sua saúde.

d) um mínimo de artigos de higiene e manutenção para uso pessoal e doméstico;

e) um mínimo para transporte entre domicilio e local de trabalho para aqueles da

família que tivesse trabalho remunerado.

f) o custo com alojamento.

E nesse sentido, afirma Marcel Laloire, o estudo da África do Sul é mais

interessante não pelo que define, contudo e principalmente pelo que omite, pois nada

nele se refere: a educação, a despesas com lazer, medicamentos, compra de artigos para

aprimoramento cultural como compra de jornais ou revistas, ou ainda menciona

qualquer outro tipo de despesa supérflua que poderia demonstrar que a vivência em

sociedade também faz parte do mínimo vital o que o faz concluir que tal estudo não era

compatível com um meio de “vida humano”, pois o mínimo nele disposto, ao menos

teoricamente, consistia em assegurar uma sobrevida com um mínimo de manutenção da

saúde física, o que se aplica, concluímos ao qualquer outro ser vivo.

Por isso relatarmos as conclusões de Franklin sobre seus estudos: 1) apesar de

todas as dificuldades na tentativa de definir um conteúdo concreto do que seja um

mínimo necessário vital, “numerosos países persistem em esforçar-se nesse sentido,

tendo esses esforços na conta de úteis”; 2) após diversas tentativas, os resultados

obtidos demonstram e acusam que medir as necessidades mínimas variam muito de país

a país e dentro de um mesmo país ainda variam de época em época.

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Entretanto, tais diferenças, diz Laloire, são em grande parte explicáveis em

virtude da evolução histórica do que seja a concepção de necessidades mínimas. De

modo, está patente que nos países pobres, a concepção do que seja um mínimo vital

recai quase sempre em apenas suprir as necessidades biológicas ou físicas. Porém, na

medida em vai se elevando o nível de vida, as necessidades sociais vão ganhando

caudatariamente importância, o que inclusive, bem observa o autor referenciado, reflete

na feitura das normas que, por exemplo, incidem sobre a organização do respeito ao

direito do trabalho, e acrescentamos educação. Nos países pobres, diz o autor, fica

evidente que as leis procuram regular as regras que dizem respeito, principalmente, ao

rendimento físico dos trabalhadores, como duração da jornada e idade mínima de

admissão para o trabalho. Já nos países mais avançados, desenvolvidos e em

desenvolvimento as leis trabalhista não se restringem apenas a proteger a dignidade

física de seus trabalhadores, elas visam também proteger sua saúde psíquica e mental.

No entanto, Marcel Laloire também frisa que para conceituar o mínimo vital e

correlacioná-lo com a pobreza é fator importante já que haja, além do já expusemos,

um alcance prático no campo do trabalho, visto que em um grande número de países a

pobreza serve de critério para se fixar o salário mínimo, pois por toda parte vigora o

principio segundo qual todo indivíduo que trabalha a tempo completo deve receber um

salário de base que lhe permita ao menos subsistir. Porém, isso vai, segundo o autor,

levantar três questões: a) o que se deve entender por salário base? b) quantas pessoas

devem poder viver desse salário? c) admitindo que a supressão da pobreza seja um dos

objetivos mais urgentes da política social, em que medidas deve se socorrer ao aumento

dos salários mínimos e em que medida a outros meios?

Nesse sentido, a afirmação de Franklin, e nisso compreendido por Lailore, é

pertinente postular que salários baixos, de fato, podem vir a ser uma das grandes causas

da pobreza e por isso há a necessidade que se fixe salários mínimos.353

Porém, conforme assevera Daniel Sarmento citado por Luciane Moessa, nem

sempre é possível garantir um mínimo vital mesmo que se assegure constitucionalmente

um salário mínimo, a exemplo do que faz o Brasil, pois certamente ainda que ele seja

353 LALOIRE, Marcel. op. cit. p. 383.

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previsto como um direito social, pelo artigo 7º, ele não está garantido no seu núcleo

essencial e: “possivelmente não poderia sê-lo, dados os efeitos perversos que uma

provável espiral geraria na economia corroendo imediatamente seu valor.”354

De maneira, Laloire conclui que é impossível fixar um mínimo vital igualmente

aplicável à todos os países (ainda que eles fixem um salário mínimo que tenha a função

de lhes garantir isso), pois as situações são demasiados diferentes de um país para o

outro, já que os fatores em causa são numerosos: “o clima, as condições, a higiene, o

grau de desenvolvimento econômico, o nível de instrução, os recursos alimentares, as

necessidades físicas e sociais, os fatores religiosos os preconceitos raciais, etc.” Nas

palavras do referenciado autor sobre o mínimo vital : “O que basicamente importa é a

vontade de, em toda parte e por todos os meios possíveis, elevar o nível de vida da

grande massa da população, afim de que ninguém viva aquém do limiar da pobreza.”355

Desta feita, podemos observar que a questão de delimitação do que seja mínimo

existencial tem uma ordem fática econômica. Tal questão tem sido enfrentada pelos

economistas e juristas desde que a humanidade se deparou com a realidade das

atrocidades cometidas na II Guerra Mundial. Paralelamente ao movimento moderno do

constitucionalismo e da internacionalização dos Direitos Humanos o economista

Amartya Sen356, juntamente com outro economista, Mahbud ul Haq, questionaram sobre

os muitos males que assombram o mundo: pobreza, fome coletiva, subnutrição,

destituição e marginalização social como instrumentos de privação de direitos básicos o

que impõe carência de oportunidades, opressão e insegurança econômica, política e

social. Fizeram esse mapeamento enfrentando uma questão básica ao examinarem os

dados de várias nações “o que de mínimo os seres humanos necessitam para serem

felizes?”

354 SOUZA, Luciane Moessa de. Reserva do Possível versus Minimo Existencial: O Controle de Constitucionalidade em Matéria Financeira e Orçamentária como Instrumento de Realização dos Direitos Fundamentais. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/luciane_moessa_de_souza2.pdf Acesso em: abril de 2012. 355 LALOIRE, Marcel. op. cit. p. 383. 356 SEN, Amartya Kumar. “Desenvolvimento como liberdade.” 8ª tiragem. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. apresentação

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Ao fazerem essa análise concluíram que o maior desejo das pessoas é vivenciar e

desenvolver suas liberdades tendo uma vida longa com acesso a educação e ao menos

um mínimo material para usufruir disso. Daí eles terem criado e elaborado o Índice de

Desenvolvimento Humano – IDH - que pode ser utilizado em cada país, para que ao

menos, enquanto índice possa servir de parâmetro para que os governos possam

identificar e potencializar aquilo que seja um mínimo existencial para viver dignamente

dentro de seu território. Sobre o objetivo básico do Desenvolvimento diz,

sinteticamente, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento357:

O objetivo básico do desenvolvimento é ampliar as opções das pessoas. Em geral, as pessoas valorizam coisas que não se mostram, ou pelo menos não imediatamente, nas cifras de receita nem de crescimento. Essas incluem coisas como maior acesso ao conhecimento, melhor nutrição e serviços de saúde, meios de vida mais seguros e segurança contra o crime e a violência física. As pessoas, também, valoram o tempo de espaçamento e as liberdades políticas e culturais e a participação em atividades comunitárias.” Portanto ‘devemos ver o desenvolvimento humano como um processo de ampliar as gamas de opções e liberdades das pessoas’. Os indivíduos têm um bom motivo para valorizar e desejar essas opções. Por isso é um processo que deve permanecer flexível e dinâmico que vai se adaptando às diversas situações que vão se modificando com o passar do tempo assim como fazem as pessoas e as comunidades. O primeiro informe sobre desenvolvimento humano de 1990 menciona que os elementos mais críticos do processo de desenvolvimento humano são viver uma vida longa e saudável, estar educado e ter acesso aos recursos necessários para lograr um nível de vida digna. Devemos recordar que estas três opções básicas não são as únicas fundamentalmente, as opções chaves no enfoque de desenvolvimento humano são ilimitadas e abarcam ter acesso a atenção médica, educação e receitas (salário), uma vez que se promove a participação na vida da comunidade, assim como dignidade e respeito. O enfoque de desenvolvimento humano inclui todos os aspectos das liberdades econômicas, políticas e sociais e culturais, as quais são direitos humanos.

Para nós, brasileiros, conforme dissertamos, são direitos humanos os direitos

fundamentais garantidos constitucionalmente, pelo § 2º art. 5º, logo direitos que

vinculam e obrigam os poderes públicos brasileiros a dar consecução a políticas

públicas e força ativa, inclusive às chamadas normas constitucionais de cunho

programático que veiculam direitos sociais prestacionais, principalmente, e em especial

357 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento: http://www.pnud.org.br/idh/ acesso em: setembro de 2009.

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aquelas cujo objetivo principal é que progressiva e continuamente o Brasil conquiste, ao

menos para milhões de pessoas que estão em estado de profunda miserabilidade um

mínimo vital para uma vida digna. Nesse sentido, o IDH é um índice importante e que

deve ser necessariamente utilizado pelos agentes e órgãos dos poderes públicos, bem

como por todos aqueles da sociedade que trabalham em colaboração com eles, para que,

principalmente, tendo esses dados e indicadores sociais em mãos, possam impedir a

insuficiência das prestações sociais bem, como seu retrocesso daquilo que,

caudatariamente, deva ser garantido a todos como standard mínimo vital. Conclui-se,

portanto, que o IDH trata-se de um instrumento de otimização dos princípios

constitucionais que deve ser usado pela nossa ordem jurídica, econômica e social.

No entanto, infelizmente, apesar de haver um cálculo anual e a publicação de

nosso índices de desenvolvimento humano não contam com muita divulgação e não é

levado tão à sério como deveria; e muitos políticos os usam apenas como instrumento

para fins de eleição. Portanto. ainda que seja um índices de valor relevante não têm

gozado em nosso meio da devida valoração pelos poderes públicos como um verdadeiro

instrumento capaz de otimizar a prestação de direitos sociais prestacionais. Isso porque

muitos governos, e isso inclui o brasileiro, ainda dão demasiada atenção ao PIB –

produto Interno Bruto, o que para o IDH é apenas um dos dados, ou seja, não é único

fato-dado a ser considerado para seu cálculo. A mudança de foco sobre os índices dos

indicadores é importante na medida em que a utilização direta de indicadores que

apontem os níveis de qualidade de vida, do bem estar e das liberdades que as vidas

humanas podem trazer consigo, baliza com maior precisão a efetiva realização dos

programas e metas estabelecidos nas normas programáticas da Constituição, já que o

IDH leva em consideração que as pessoas são as verdadeiras riquezas das nações e que

o melhor parâmetro para medir o progresso é a qualidade de vida delas. Porém, isso não

significa dizer que devemos desprezar os números apresentados pelo PIB que medem as

subidas e descidas dos rendimentos nacionais bem como a riqueza produzida pelo país,

pois é da análise desses dados que podemos vislumbrar como andam as origens todo

nosso sustento e a circulação de nossas riquezas. Nossa crítica se delimita na

consideração isolada do PIB, ou seja, sem associá-lo a outros indicadores sociais e

políticos, que sinalizem o andamento do direito à educação, à saúde e a liberdade das

pessoas. Acabaremos compreendendo que o bem estar humano está apenas ligado à

riqueza material, o que não é verdade por razões óbvias. Logo, não devemos

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superestimar a importância da conquista da estabilidade econômica que vêm pela

análise do PIB, entretanto, tão somente devemos considerá-lo como único indicador

correto para apontar aquilo que seja um mínimo vital. Não dar a devida importância ao

IDH como instrumento útil e como um indicador pode de fato significar que estamos

desprezando as escolhas que surgem quando há rendimentos suficientes para os estudos

e a boa saúde e aquilo que essencialmente pode ser potencializado por cada um daqueles

que vivem em um país que não é governado por uma tirania e que tem na sua base uma

Constituição viva com uma função integrativa como é o caso do Brasil.

Do ponto de vista jurídico dogmático de acordo com o que nos ensina Andreas

Krell358, o conceito de um mínimo existencial é um conceito que em primeiro foi

desenvolvido pela jurisprudência alemã no de 1951, pois, a Constituição de Bonn de

1949 não positivou direitos sociais como havia feito na Constituição de Weimar, mas

apenas por seu artigo 20 instituiu o Estado Social, de maneira que a dogmática alemã

teve que desenvolver determinados conceitos e entre eles se encontra o direito a “um

mínimo de existência”:

A corte constitucional Alemã extraiu o direito a um ‘um mínimo de existência” do principio da dignidade da pessoa humana (artigo, 1, I, Lei Fundamental) e do direito à vida e a integridade física, mediante interpretação sistemática junto ao princípio do Estado Social (artigo 20, I, LF). Assim, a Corte determinou um aumento expressivo do valor de ‘ajuda social’ (Sozialhilfe), valor mínimo que o Estado está obrigado a pagar aos cidadãos carentes. Nessa linha, a sua jurisprudência aceita a existência de um verdadeiro Direito Fundamental a um “mínimo vital.

Do ponto de vista doutrinário, Luiz Edson Fachin afirma que 359: “A existência

humana digna é um imperativo ético que se projeta para o Direito a defesa de um

patrimônio mínimo.”

Essas considerações nos levam a compreender a existência do que Ricardo Lobo

Torres denomina de Direito Existencial, apontando que não é qualquer direito mínimo

358 KRELL, Andreas. op.cit. p. 61 359 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 1

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que se transforma em mínimo existencial. Segundo ele, exige-se que esse direito se

refira principalmente a situações existenciais dignas porque360:

Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais de liberdade. (...) O mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-la na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão.

Portanto, é correto e preciso o pensamento de Vidal Serrano Júnior que, partindo

da idéia de que a teoria dos direitos fundamentais sociais tem colocado no centro das

questões aquilo que convencionamos chamar de mínimo vital, vai alocá-lo,

principalmente, como um dever constitucional que imposto ao Estado, vai obrigá-lo a

levar a todos um “standard social mínimo incondicional.”361 Nesse sentido, a idéia do

referido pensador está associado ao que caudatariamente se deve alcançar para

dignificar a pessoa humana em todas as suas dimensões.

Assim, a dignidade da pessoa humana é base e fundamento da idéia do mínimo

vital como standard mínimo vital incondicional, pois quando se vislumbra o ser

humano como um valor absoluto impõe-se a obrigação ao Estado para que, por meio de

sua governança estatal, seja assegurado a cada um, que em seu território detenha, ao

menos, um mínimo de bens sociais materiais e imateriais. Dado que é tal standard

mínimo vital incondicional que vai assegurar ao indivíduo o êxito de manter-se a salvo

(autopreservação), como também é por causa desse tipo de prestação que se lhe vai

assegurar completa integração à sociedade.

Por isso, assevera o autor referido acima que a Constituição Brasileira de 1988

hospedou claramente essa perspectiva de um standard mínimo incondicional362:

360 TORRES, Ricardo Lobo. O Direito ao Mínimo Existencial. 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p.25-36 361 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 70 362 Idem, Ibidem, p. 71

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Citemos, a título de exemplo, algumas das disposições constitucionais claramente orientadas nessa direção: primeiro, a indicação da cidadania como fundamento do Estado (art.1º, III); segundo, a previsão da erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades sociais como objetivo do Estado (art.3º, III); terceiro, a identificação de que nossa ordem econômica, calcada na propriedade privada e na livre iniciativa, deve ter por objetivo propiciar dignidade a todos, segundo os ditames da justiça social.

Vidal Serrano Júnior aporta, em face desse pensamento, que diante de normas

como essa, ou se nega a juridicidade de dispositivos constitucionais ou “se admite que o

Estado Brasileiro, não importando o momento e qual a orientação do governo, está

orientado à realização do mínimo vital para todos os seus cidadãos.”363

Nesse sentido, fato notório e noticiado, por toda parte é que atualmente o

governo Brasileiro vem combatendo a pobreza e a fome como nunca antes havia sido

feito. Aderiu aos Objetivos do Milênio364 declarados pela Organização das Nações

Unidas, juntamente com outros países, e também, em parte porque está dando atenção

ao Texto Constitucional para cumprir exigências às pressões feitas por organizações

internacionais. Logo, desenvolveu e está dando andamento progressivo às políticas

públicas sociais de combate a pobreza e a miséria, por exemplo: “bolsa-família”, “sem

miséria” e o “fome zero”.

Programas como esses têm até se mostrados eficientes, consubstanciando-se,

portanto, em bons exemplos daquilo que podemos considerar como boas políticas

públicas sociais que, visando cuidar da pobreza por inteiro, efetivam vários direitos

sociais, principalmente porque estão voltados para aqueles que nada possuem e, dessa

forma, acabam por trabalhar diversas frentes da pobreza.

Porém, o desenvolvimento de políticas públicas sociais que efetivamente

concretizem direitos sociais que levem a todos um mínimo vital não pode ficar à mercê

dos programas de cada governo, que como sabemos em uma democracia devem se

363 Idem, Ibidem, p.71 364 São objetivos do Milênio: objetivo 1: Erradicar a exterma pobreza e a fome objetivo 2: universalizar a educação primária; objetivo 3: promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; objetivo 4: reduzir a mortalidade na infâncias; objetivo 5: melhorar a saúde materna; objetivo 6: combater o HIV, a malária e outras doenças; objetivo 7: garantir sustentabilidade ambietal; objetivo 8: estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Disponível na internet: http://agencia.ipea.gov.br/images/stories/PDFs/100408_relatorioodm.pdf. Acesso em janeiro de 2011.

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revezar. O que irá exigir de todos aqueles que estão por um momento no poder o

desenvolvimento de uma consciência de que a Democracia é mais do que um sistema de

governo, ou seja, um direito fundamental e humano que visa proteger a dignidade de

todos e que, desse modo, vai impor que, mesmo em face de suas convicções políticas,

tais programas devem continuar fluindo progressivamente, até porque a continuidade de

sua consecução também acaba por se revelar um mandamento constitucional que deve

ser obedecido. O que a contrário sensu nos conduz a afirmar que aqueles que sucedem

ao governo anterior estão impedidos por mandamento constitucional em retroceder no

que já incorporado ao patrimônio mínimo existencial dessa pessoas que foram

beneficiadas por tal política pública, salvo casos que venham a justificar tal atitude. No

entanto, não significa dizer que estão aqueles que elaboram e executam políticas

publicas sociais impedidos de modificar a forma e os procedimentos de tais programas,

mas sim, que eles estão limitados a respeitar o que efetivamente já foi conquistado, o

que lhes impõe de qualquer forma constância da realização de novas análises sociais

para que elaborem novos orçamentos públicos, levando em consideração, acima de

tudo, as vozes daqueles que dependem da continuidade desses programas.

Também, significa dizer, que os direitos sociais que integram o mínimo vital

como bem assevera Vidal Serrano Junior, não se submetem a eventuais restrições

orçamentárias e, assim, não poderão ser mitigados em face de eventual interesse público

secundário da administração pública. Afirmando-se, por outro lado, que a compreensão

das análises sociais, bem como, os orçamentos públicos devem, segundo Vidal Serrano

Junior citando Areli Sandoval Teran, apontar tanto para o que vem a ser um mínimo

vital e o quanto é esse mínimo vital, e isso para cada direito que perpetrado por cada

política pública. Nas palavras de Areli 365:

Desde los anos ochenta se dessarrolon dos enfoques distintos pero complementários que ayudam a la mejor compreensión de los DES: el enfoque del contenido mínimo central (minimum core contenty) e el enfoque del umbral mínimo (minimum threshold). Ambos enfoques aputam hacia la determinacion del significado y nivel de cada derecho humano consagrado em el PiDESC; el primeiro lo hace desde uma perpectiva teórica, mietra que el segundo parte de uma perspectiva prática e um método cuantitativo.

365 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 72.

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Daí concluir Vidal Serrano Júnior que isso implica dizer que os chamados:

conteúdo mínimo vital e o chamado mínimo vital apontam que cada direito “tem um

núcleo mínimo irremissível, associado à sua própria razão de ser.”

Portanto, no que diz respeito aos direitos sociais que defluem de prestações

essenciais determinadas pela Constituição, e que nos chegam por meio de políticas

públicas sociais que, principalmente, derivam de normas programáticas que determinam

ao Estado um deve de agir “sem, contudo, determinar precisamente como, quando e o

que exatamente deve ser feito”366 devem obedecer ao princípio da proibição do

retrocesso, que segundo Vidal Serrano Júnior, pode vir a ser entendido ainda como uma

“espécie de direito social adquirido, que, deste modo, estaria salvaguardando, tanto a

título individual como coletivo, por eventuais mudanças legislativas ou ainda por

revisões administrativas do Poder Executivo.” Bem como, deve a administração pública

do Estado e os legisladores, acatar o princípio da proibição de insuficiência que

determina um mínimo de proteção suficiente, efetiva e adequada para a concreção de

direitos fundamentais sociais. Isso porque a inconstitucionalidade, conforme ensina

Lênio Streck, pode advir da proteção insuficiente de um direito fundamental social; tal

ato de proteção suficiente decorre diretamente da necessária vinculação que os todos os

atos estatais tem com a materialidade da Constituição, ou seja, a administração pública e

o legislativo estão vinculados devido à dimensão objetiva que possui a Constituição,

bem como à sua função diretiva, tanto para feitura e execução de leis que protegem

direitos fundamentais sociais diretamente por normas programáticas como para

organizar procedimentos que a elas darão concreção para que chegue às pessoas o

mínimo vital. Tal princípio decorre de um dos corolários do princípio da

proporcionalidade que dita a importância do sopesamento entre meios escolhidos e fins

visados pelo poder público, que mitiga o poder de discricionariedade do legislador e do

administrador público, que face à concretização de direitos sociais à prestação tem a

conformação da liberdade de sua função limitada, principalmente, pelo princípio da

dignidade humana que impõe que a todas as pessoas chegue um mínimo vital de bens

materiais e imateriais.367

366 Idem, Ibidem p. 218. 367 STRECK, Lênio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. in Revista da Ajuris, Ano XXXII, nº 97, marco/2005, p.180.

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Entretanto, como bem assevera Vidal Serrano Júnior, os direitos sociais

freqüentemente são questionados face aos seus limites contingentes o que nos leva a

enfrentar a sua eficácia como um problema específico. O que passaremos a fazer

agora.368

2.7.7 A eficácia dos direitos sociais na sua dimensão prestacional restrita como

problema específico 369

Por força do art. 5º § 1, os direitos fundamentais de defesa – direitos de primeira

geração- são considerados diretamente aplicáveis, aptos a desencadear todos seus

efeitos jurídicos. Entretanto, não podemos afirmar o mesmo para os direitos

fundamentais à prestação que exigem por parte do Estado uma prestação não apenas de

natureza normativa, mas principalmente de natureza fática.

Desse modo, Ingo Sarlet 370 enfaticamente questiona: “Em que medida os

direitos a prestações se encontram em condições de, por força do disposto no art.5º § 1º

da CF serem diretamente aplicáveis e gerarem sua plena eficácia jurídica?”

Partindo da premissa da regra geral de que inexiste norma constitucional

destituída de eficácia e aplicabilidade, e como já acrescentamos que a Constituição goza

de primazia sobre todas as demais normas e que sua instituição traça o perfil do Estado,

o referido autor responde que os direitos fundamentais à prestação são direitos

fundamentais. Portanto, nos termos do art.5º § 1º são diretamente aplicáveis, ainda que

sua densidade normativa seja baixa, sempre gerando um mínimo de efeitos jurídicos.

Afirmando ainda, que a eficácia de cada direito fundamental a prestação dependerá da

forma como foi esse direito positivado no texto constitucional e das peculiaridades de

seu objeto.

368 NUNES Junior, Vidal Serrano. op. cit. p. 218. 369 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p. 280. 370 Idem, Ibidem. p. 283

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Assim, o objeto dos direitos fundamentais sociais prestacionais é a prestação

positiva por parte do Estado que objetivam a realização da igualdade material, tanto no

sentido de garantirem a participação do povo na distribuição pública de bens materiais

como na distribuição de bens imateriais até porque ainda e conforme Ingo apud lição de

José E Faria que por nós também é acolhida 371:

Os direitos sociais não configuram um direito de igualdade, baseado em regra de julgamento que implicam um tratamento uniforme: são, isto sim, um direito de preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios.

Portanto, conclui372:

[...] os direitos sociais a prestação, ao contrário dos direitos de defesa, não se dirigem à proteção da liberdade e igualdade abstrata, mas, sim, como assinalamos alhures, encontram-se intimamente vinculados às tarefas de melhorias, distribuição e redistribuição dos recursos existentes, bem como à criação de bens essenciais não disponíveis para todos os que deles necessitem.

Entretanto, três exceções são feitas por parte do Estado para que essas

afirmações jurídicas normativas e prescritivas que o vinculam à obrigação prestacional

não se convertam em realidade. Uma é de ordem jurídica prescritiva, ou seja, seu objeto

se consubstancia em uma prestação, o que impele que a redação e a linguagem do texto

normativo exija um fazer por parte do Estado quer um determinado programa a cumprir

ou uma determinada tarefa que deve ter consecução ao longo do tempo para que

possamos exercitar o direito. Tais normas constitucionais são as normas de cunho

programático, cujas redações impingem uma baixa densidade normativa justamente

porque envolvem um processo de fazer que depende de uma série de fatores tanto de

ordem econômica como de ordem política. Logo, muitos Estados, inclusive o brasileiros

compreendem que tais normas não têm força jurídica necessária para aplicação imediata

e o protegem de maneira insuficiente, dando por desculpas o próprio texto

constitucional o que como vimos não é possível devido a proibição de proteção

insuficiente.

371 Idem, Ibidem p.283. 372 Idem, Ibidem p. 283 .

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A outra exceção que está diretamente ligada a essa baixa densidade normativa,

que não consta expressamente em Nossa Carta, mas encontra-se nos Pactos

Internacionais de Direitos Humanos que ratificamos, é a cláusula de progressividade373.

que afirmar que apesar desses Estados estarem comprometidos a adotarem medidas,

tanto pelo esforço próprio como pela assistência e cooperação internacional,

principalmente nos planos técnicos e econômicos de dar consecução aos direitos

econômicos, sociais e culturais que assegurem pleno desenvolvimento, eles o poderão

fazê-lo de forma progressiva e até o máximo de seus recursos disponíveis.

Entretanto, tal cláusula internacional que prescreve progressividade, entrou na

nossa ordem por conta da dimensão material dada aos direitos fundamentais pelo art. 5º,

§ 2 da Constituição de 1988, que impõe como explicamos uma abertura da ordem

Constitucional à internacionalização dos Direitos Humanos, fazendo com que o Brasil

assumisse expressamente o conteúdo constitucional dos tratados internacionais.

Lembrando sempre, que tais tratados e convenções densificam e aprofundam as normas

e princípios da Constituição de 1988 o que alarga e aprofunda o nosso “bloco da

constitucionalidade”374 que sempre deve ser avocado para aumentar o âmbito de

proteção que deve ser dado à dignidade humana da pessoa e nunca diminuí-lo. Por isso

mesmo, devemos compreender que a cláusula de progressividade não pode ser usada

como limite e defesa pelo Estado para que ele não cumpra sua obrigação de proteger,

implementar e garantir direitos sociais a prestação. Por isso consideramos mais uma vez

ressalvar a importância da interpretação sistêmica sobre todos os pactos e convenções

internacionais que ratificamos, considerando nesse caso o que também está determinado

no Protocolo de San Salvador que, com a intenção de reafirmar o regime de liberdade

pessoal e de justiça social, consagra que, o ideal de liberdade do ser humano somente

pode ser cumprido se ele estiver isento de temor e de miséria, precisando que ao Estado

cabe, principalmente, ver a progressividade como um contínuo que se mantém e se

propaga no tempo e no espaço. Até porque, seria um contra senso se utilizar da cláusula

de progressividade desses direitos como um obstáculo. Portanto, a cláusula de

373 Lembramos que tal cláusula de progressividade consta no artigo 2º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e culturais foi ratificados pelo Brasil em 1992 e na Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, que é o pode ser considerado como o tratado que visa edificar de maneira mais concreta direitos humanos abarcando toda a cultura latino-america e norte americana, (aliás os EUA não ratificou), a cláusula de progressividade consta no art. 26. 374 PIOVESAN, Flávia. “Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional” op.cit. p. 55.

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progressividade deve ser eleita como um mandamento de otimização constitucional que

reforça a força normativa e a supremacia da Constituição para impor aos Estados o

dever de constantemente buscar a melhoria, a concreção de dos direitos sociais

prestacionais, diuturnamente, principalmente, por meio das medidas que implemente e

concretize políticas públicas, nesse sentido. Tanto, para evitar a insuficiência do serviço

prestado como, para impedir o retrocesso daqueles, que já se realizaram.

Afinal, Políticas Públicas são necessárias, como ensina Mancuso e nisso também

citado por Andreas Krell375:

[...] como uma conduta da Administração Pública voltada à consecução de programa ou metas previstos em norma constitucional ou legal, sujeita ao controle jurisdicional no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados.

Já outra defesa utilizada pelo Estado Brasileiro que está diretamente ligada à

cláusula de progressividade, e que diz respeito aos limites circunscritos aos recursos

econômicos do Estado, tem afirmado quem em questões judiciais o Poder Judiciário ao

aplicar a lei a casos concretos não pode determinar quais sejam os direitos sociais que

devem ser prestados, e se a essa ou aquela pessoa, pois estaria ele, principalmente,

desenvolvendo política publica social sem legitimidade para isso, vez que isso não está

dentro de sua competência.

Porém, dado o fato de que os direitos sociais também são direitos públicos

subjetivos o STF tem reiterado sua jurisprudência no sentido de determinar que, sim,

tal direito deve ser prestado. Assim, por exemplo, se um hospital público recusa-se a

internar uma pessoa doente apesar de vagas existentes, ou se nega a fornecer

determinado remédio, porque caro demais, o STF e os Tribunais de Justiça estaduais já

aceitam esse direito subjetivo individual.376 Porém, ainda há muito casos em que não

375 KRELL, Andreas J. op. cit. p. 32 e MANCUSO, Rodolfo de C. A ação civil pública de Controle Judicial das chamadas Políticas Públicas. In Milaré, Edis (coord.) Ação Civil Publica Lei 7.347/85- 15 anos, 2001, p.731. 376 Idem, Ibidem: "O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. (...) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive

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está reconhecido as pessoas o direito de poderem reclamar judicialmente a

implementação de determinadas política pública sociais que visem assegurar seus

direitos socais, ou ainda o direito de peticionar exigindo-se que se acompanhe e fiscalize

a prestação dos serviços públicos que vão lhes garantir a vivência e maximização da

efetividade dos direitos fundamentais sociais prestacionais, conforme foi aportado por

Canotilho, ao expor a problemática da dimensão objetiva dos direitos sociais

prestacionais, ou ainda, conforme, defende Ana Paula Barcellos, que como veremos

defende o controle da feitura do orçamento por meio do controle de constitucionalidade.

Segundo essa autora, pode-se e deve-se controlar os orçamentos públicos para que

verifiquemos se estão sendo elaborados e executados de acordo com a primazia ou

continuidade à serviços ou políticas públicas que efetivem direitos sociais

prestacionais.377

Por isso, o problema vai além de termos legais que instituam esses direitos,

como diz Andrea Krell378:

A grande maioria das normas para os direitos sociais já existe. O problema certamente está na formulação, implementação e manutenção das respectivas políticas públicas e na composição dos gastos nos orçamentos da União, dos Estados e dos municípios.

Convém ressalvar, também, que é por isso que a nossa Constituição tratou de

positivar esses direitos como normas não apenas com dimensão subjetiva, mas também

com uma dimensão programática, ou seja, que exige-se por parte do governo que ele

planeje, sim, estratégias e programas para sua consecução de políticas públicas sociais

inclusive dispensar com total zelo atenção e recursos para tanto.

Pois afinal conforme afirma Andreas Krell379:

àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade." (RE 271.286-AgR,, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 12-9-2000, SegundaTurma, Plenário, DJ de 24-11-2000.) No mesmo sentido: STF 175-AgR, Rel. Min. Presidente Gilmar Mendes, julgamento em 17-3-2010, Plenário, DJE de 30-4-2010. 377 SOUZA, Moessa, op.cit. p. 1. 378 KRELL, Andreas J. op. cit. p.32

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Destarte, o critério legal vai se deslocando do enunciado da norma local para o programa governamental nela estabelecido, tornando-se impositiva para o Poder Público a busca de meios idôneos para implementar efetivamente os objetivos estabelecidos, donde resulta que a ineficiência na consecução desse mister sujeita o Poder Público à sindicabilidade dos seus atos e omissões, e conseqüente responsabilização de seus agentes.

Daí a necessidade de frisarmos que a questão orçamental é de suma importância

para prestação de serviços que veiculam direitos fundamentais sociais prestacionais

como aqueles que dão concreção à educação e à saúde, a tal ponto que o Constituinte

originário abriu exceção à regra da não vinculação dos impostos, deixando

expressamente consignado, que Estados e Municípios devem aplicar, retirando da sua

receita pública, que vem pela arrecadação de impostos, um mínimo para a manutenção e

desenvolvimentos do ensino e da prestação de serviço público de saúde, o que vai

configurar uma norma constitucional de garantia institucional que visa a proteção de

uma instituição que está a serviço de concretizar direito fundamental, art. 212 e art. 198,

§ 2º da Constituição de 1988.

Tais normas de aplicação mínima orçamentária consubstanciam-se em

verdadeiras garantias institucionais380, sua elaboração parte do pressuposto que “existem

direitos que não podem ser preservados fora de sua dimensão comunitária, uma vez que

se projetam e realizam em meio as instituições sociais, cuja existência e proteção deve

ocorrer por meio das assim chamadas garantias institucionais”.381

Por isso, mesmo, o ensino público e serviços de saúde pública possuírem uma

proteção específica de ordem jurídica, que visa retirar do âmbito do legislador um poder

de discricionariedade maior, impedindo que ele legifere criando qualquer tipo de

interferência fática econômica que possa ameaçá-las, prejudicá-las ou impedir seu real

alcance, já que sobre as garantias institucionais se reflete a mesma proteção que recaí

sobre as cláusulas pétreas. Portanto, é mister afirmarmos que as garantias institucionais

379 Idem, Ibidem p. 32. 380 ARAÚJO, Luiz Alberto David, Serrano Nunes Jr., Vidal. op. cit. p.128. 381 Idem, Ibidem, p. 128.

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nessa medida gozam do mesmo regime de proteção fundamental dos direitos, deveres e

garantias constitucionais que visam proteger a dignidade da pessoa humana.

Quando tratamos de direitos sociais prestacionais, sobre eles não impomos

apenas uma eficácia formal ou jurídica, compreendida como a uma norma capaz de

produzir efeitos jurídicos. Mas, impomos382: efetividade, que significa o real e concreto

desempenho da função social do Direito que representa sua real materialização no

mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação entre o dever-ser

normativo e o ser da realidade social.

Desse modo, não podemos, no Brasil aceitarmos passivamente transferências de

teorias jurídicas dos chamados países de primeiro mundo, como é o caso da teoria

jurídica da reserva do possível, que vem sendo usada por União, Estado e Municípios

como defesa judicial para não se concretizar direitos sociais prestacionais. Ainda que,

conforme afirmamos, anteriormente, tenhamos que olhar para a nossa realidade,

também, sob a perspectiva dos olhos da humanidade. Contudo, nos parece que se

quisermos lograr êxito em desenvolvimento econômico e humano, antes de nós

colocarmos sob o escrutínio do olhar constitucional alheio, precisamos dar força ativa a

leitura da nossa própria Constituição Jurídica, que não pode estar dissociada de forma

alguma da nossa Constituição Real. Visto que, segundo nos ensina Konrad Hesse,

interpretar é concretizar, a eficácia social de nossa Constituição está condicionada pelos

fatos concretos da vida do povo brasileiro, isso porque 383: “A interpretação adequada é

aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição

normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação.”

Trata-se, portanto, de se encontrar justo equilíbrio com o que podemos aprender

como direito constitucional comparado e a nossa realidade, já que384: “A dinâmica

existente na interpretação construtiva constitui condição fundamental da força

normativa da Constituição e, por conseguinte, de sua estabilidade.”

382 KRELL, Andreas J. op. cit. p. 29 383 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. op. cit. p. 23. 384 Idem, Ibidem, p. 23.

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2.7.8 O significado da Teoria da “reserva do possível” para o Brasil

Krell e Canotilho veem a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais

dentro de “uma reserva do possível” sinalando para sua dependência de recursos

econômicos. O que significa compreender que a limitação dos recursos públicos passa a

ser considerada verdadeiro limite fático à efetivação dos direitos sociais prestacionais.

Contudo, Krell aporta que385: “Essa teoria, na verdade, representa uma adaptação

de um tópos da jurisprudência constitucional alemã (...) que entende que a construção de

direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à

condição da disponibilidade dos respectivos recursos.”

Na Alemanha, tal teoria se fundamenta principalmente no acórdão proferido pelo

Tribunal Constitucional Alemão que teve que julgar a reclamação de um cidadão

alemão que questionava a restrição quantitativa de acesso ao ensino superior, ou seja,

seu pedido tinha por causa o fato de que não foram criadas vagas em número suficientes

para que todos os alunos que desejassem fazer medicina em uma determinada

universidade pública fossem atendidos.

Desse modo, na Alemanha compreendeu-se que essa decisão sobre a

disponibilidade estaria no campo de discricionariedade das decisões governamentais e

dos parlamentos, através da composição do orçamento público. Portanto, impõe ao

indivíduo que ele não pode exigir bens e serviços acima de um certo limite básico

social. De tal sorte que salienta Ingo Sarlet386: “mesmo dispondo o Estado dos recursos

e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que

não se mantenha dentro do limite do razoável.”

Ou seja, mesmo que o desenvolvimento da personalidade reclame uma “gama

cada vez maior de direitos de participação nos benefícios da vida associada, apontou o

Tribunal Alemão que a realização desses direitos, quando extrapolarem o piso material

385 KRELL, Andreas J. op. cit. p.52 386 SARLET, Ingo Wolfgang. Ob.cit. p. 287.

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necessário para a preservação da dignidade humana, deveriam se submeter, observando

ainda o princípio da proporcionalidade, as reservas orçamentárias do Estado.” 387

Assim, aqui o outro viés do princípio da proporcionalidade que se por um lado

assegura a proibição de insuficiência de proteção, impõe que deve haver um equilíbrio

para escolhas de desenvolvimento de políticas públicas sociais que prestigiem direitos

sociais prestacionais, afinal a segurança social, depende dessa sintonia fina, devendo

alcançar primeiro aqueles que estão mais necessitados e em situação de desamparo, para

que se realize, conforme apontamos conjuntamente reconhecimento e redistribuição de

riquezas na medida justa.

No entanto, no Brasil alguns autores ao interpretarem a teoria da reserva do

possível acabaram por distorcê-la e a levaram para o campo de atuação do Poder

Judiciário, argumentando de maneira categórica que os juízes, que não são legitimados

pelo povo, não podem dispor sobre medidas de políticas sociais que exigem gastos

orçamentários, mesmo que se esteja falando do mínimo vital.

Porém, outros tanto asseguram que a reserva do possível é elemento integrante,

imanente dos direitos fundamentais, ou seja, faz parte de seu núcleo essencial e deve

sim ser objeto de decisão judicial, pois é o Poder Judiciário, guardião dos direitos

fundamentais.

Podemos, então, a partir daqui acatar a lição de Ingo Sarlet para o que seja a

reserva do possível. Diz ele que reserva do possível têm três dimensões a serem

consideradas e analisadas 388:

1) Efetivamente ela fala sobre a disponibilidade fática de recursos para a

efetivação dos direitos fundamentais;

2) Ela alcança a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que

guarda intima conexão com a distribuição de receitas e competências tributárias,

387 SERRANO Nunes Junior. op. cit. p. 175 388 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p. 287.

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orçamentárias, legislativas e administrativas, o que no caso do Brasil tem que levar em

consideração o sistema constitucional federativo.

3) E, ela abarca a problemática da proporcionalidade da prestação no que toca a

sua exigibilidade.

Tudo isso face ao nosso ordenamento constitucional exige um equacionamento

sistemático e adequado para que, principalmente se dê força normativa a Constituição

Brasileira e se dê máxima efetividade aos direitos fundamentais o que implica utilizar a

reserva do possível não como uma barreira intransponível, mas ao contrário, como uma

ferramenta para a garantia da efetividade dos direitos sociais de cunho prestacional,

principalmente na efetivação do mínimo vital.389

Além disso, implicará que a reserva do possível deve ser vista não apenas como

elemento integrante e limite imanente dos direitos fundamentais. Ela constitui uma

espécie de limite fático e jurídico dos direitos fundamentais, mas que poderá apenas

atuar em determinadas circunstâncias, por exemplo, na hipótese de colisão de direitos

fundamentais que deverá inclusive observar os critérios da proporcionalidade e da

garantia de um mínimo existencial a todos os direitos, podendo, segundo Ingo Sarlet

argumentar que a indisponibilidade de recurso têm o intuito de salvaguardar o núcleo

essencial de outro direito fundamental.

O que nos leva ainda a considerar um outro aspecto no que diz respeito à ordem

fática imposta pela reserva do possível, exposta por Ana Carolina Lopes Olsen que

também é citada por Ingo,390 de que a concepção de escassez que está intrinsicamente

ligada à reserva do possível é artificial, já que se trata de um conceito de construção

humana, tendo em vista que é impossível satisfazer em níveis ótimos todas as

necessidades humanas. Portanto, reserva do possível deve ser vista como uma condição

da realidade, e por isso exige-se que haja um mínimo de coerência entre realidade e a

ordenação normativa objeto da regulação jurídica.

389 Idem, Ibidem, 198. 390 Idem Ibidem , p. 288

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Decorre daí a afirmação de Krell de que jamais podemos tomar ao pé da letra a

transferência da teoria jurídica da reserva da possível da Alemanha para o Brasil. Em,

primeiro, como ele argumenta, porque nossas realidades sociais e econômicas são

diversas, já que nossos problemas de exclusão social “apresentam uma intensidade tão

grave que não podem ser comparados à situação social dos países-membros da União

Européia.” 391 Também porque o acórdão alemão citado, como bem enfatiza Vidal

Serrano Junior, é bem claro em delimitar que a reserva do possível só existiria em

relação aos direitos sociais que escapassem ao âmbito de aplicação do mínimo vital. 392

De sorte que, não devemos pensar na reserva do possível como instrumento de

limitação do direito de acesso à assistência a saúde ou à educação básica, pois é, ao

contrário, um instrumento conformador de demandas sociais, justamente porque no

Brasil os agentes e órgão públicos que envolvidos na elaboração do orçamento público,

estão, conforme bem assevera Vidal Serrano Júnior, adstritos às normas constitucionais

que veiculam direitos sociais, isso porque o Constituinte originário lançou mão de

diversas estratégias de positivação de direitos sociais, como por exemplo, positivá-los

como direito subjetivo, e ainda, garanti-los por garantias institucionais.393

E nesse sentido, também o atual posicionamento do STF que acordou na Ação

de Reclamação n. 639. 337 no julgamento realizado em 23 de agosto de 2011 que394:

A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada, pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição – encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. (...) A noção de ‘mínimo existencial’, que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. 1º, III, e art. 3º, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e,

391 KRELL, Andreas J. op. Cit. p. 53. 392 NUNES Juniro, Vidal Serrano. op. cit. p.173-175. 393 Idem, Ibidem. op.cit. p. 179-180. 394 Disponível na internet: http://noticias.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=1922 Acesso em: julho de 2012.

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também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança. Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, de 1948 (Artigo XXV)." (ARE 639.337-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-8-2011, Segunda Turma, DJE de 15-9-2011.). (g.n).

Desta feita, conforme bem assevera Luciane Moessa, sob o prisma dos limites à

intervenção judicial, já estão bem conhecidos os conceitos de reserva do possível fática

que pressupõe a ausência de recursos financeiros, e a reserva do possível jurídica que

tem a ver com a suposta impossibilidade de alteração da legislação orçamentária. 395

Sendo certo, segundo a autora, que a ausência de recursos se afigura ainda como

um dos maiores problemas, já que é alegada indiscriminadamente pelo Poder Público.

Entretanto, quando o Poder Público alega ausência de recursos para a concreção de

direitos fundamentais, o que temos que nos questionar de maneira geral, é: Onde, então,

foram alocados tais recursos? 396

E isso nos leva, então, a ter que trabalhar as questões que envolve a feitura das

legislações orçamentárias. Tais questões devem ser enfrentadas, pois temos como certo

que a concreção dos direitos sociais básicos é pressuposto para o exercício da

Democracia e da Liberdade.

E tanto é assim que conforme falamos a pouco foi necessário que o constituinte

originário lançasse mão de estratégias de positivação que garantissem

institucionalmente educação e saúde por meio de vincular orçamentos diretamente

receitas oriundas de impostos a sua consecução o que evidentemente restringiu e

vinculou a atuação dos poderes públicos para que se obedeça devidamente, tal preceito

orçamentário constitucional. O que significa dizer, então, que sua atuação deve ser

controlada e fiscalizada, inclusive, passando por três tipos de controle: um político que

deve ser exercido pelos demais poderes; um social que deve acontecer por meio da

efetiva participação do cidadão e outro judicial, que deveria acontecer em último caso.

395 SOUZA, Luiciane Moessa. op.cit. p. 3997 396 Idem, Ibidem. 3999

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Que, porém, no Brasil dada a falta de responsabilidade que tem os demais poderes

públicos em concretizar direitos fundamentais sociais, acabou se transformando em

nossa práxis cotidiana.

Entretanto, Ana Paula Barcellos aponta, que o neoconstitucionalismo impõe que

desenvolvamos sob o Texto Constitucional tanto um ponto de vista formal

metodológico como um ponto de vista material -objetivo- para que do ponto de vista

metodológico. capitulemos que 397: a) as normas jurídicas constitucionais são

imperativas; b) que a superioridade das normas constitucionais é a consequência natural

da rigidez constitucional; c) e que os ramos do direito devem ser interpretados e

aplicados em conformidade com as disposições constitucionais. E que para do ponto de

vista material compreendamos que devemos: a) incorporar definitivamente valores e

políticas que dão ênfase a dignidade da pessoa humana; b) e, que como valores e opções

políticas tornaram-se normas jurídicas constitucionais há necessidade da construção de

uma dogmática jurídica que seja capaz de promovê-las eficazmente.

Sustenta ainda, a referida autora, em outro artigo, que é por causa desses

pressupostos do neoconstitucionalismo que as escolhas em matéria de gastos públicos

não constituem um tema integralmente reservado à deliberação política; ao contrário, o

ponto recebe importante incidência de normas jurídicas constitucionais, inclusive ela

salienta que na realidade, “o conjunto de gastos do Estado é exatamente o momento no

qual a realização dos fins constitucionais poderá e deverá ocorrer.”398

Por isso, Luciane Moessa nesse sentido, também cita Ana Paula de Barcellos

que em seminário realizado na Escola Superior do Ministério Público Federal do

Paraná, em 26 e 27 de junho de 2006, intitulado de “Controle Jurídico e Controle

político-social das Políticas Públicas em matérias de Direitos Fundamentais: limites e

possibilidades.”399, defendeu “a possibilidade de interferência do Judiciário na alocação

397 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das Políticas Públicas”. In: SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flávio (orgs.), Direitos Fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 31-60. 398 BARCELLOS, Ana Paula. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. in: Revista Diálogo Jurídico. n. 15. Salvador: jan-mar 2007. p. 11-12. 399 SOUZA, Luciane Moessa de. op.cit. 3999

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de recursos orçamentários, bem como no atingimento das metas definidas pelo próprio

poder público e, ainda, no controle de eficiência mínima (economicidade) de políticas

públicas.”

Colóquio, por qual a jurista citada, ressalvou que os controles judiciais não

devam assumir as deliberações dos órgãos políticos, ao contrário devem fomentar o

controle social fornecendo à população, informações relevantes e necessárias para a

solução do problema.

A referenciada autora, nesse colóquio, ainda afirma que na realidade quando se

trata da omissão na concretização de direitos sociais, o que está em jogo não é uma

colisão entre direitos fundamentais que pode ser resolvido pelas técnicas de ponderação,

princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para que se opte qual valor é mais

relevante no caso concreto, porque segundo ela, a titularidade de patrimônio a ser

restringida com a tributação não é um direito fundamental e o que de fato na prática

acontece é a concorrência de recursos públicos escassos.

De maneira que Ana Paula Barcellos, no seminário referenciado, conclui que o

que se faz necessário, para os juristas e operadores do direito é que eles enfrentem

definitivamente a questão do controle de constitucionalidade da legislação orçamentária

e tributária.

Para o escopo que pretendemos atingir com essa dissertação o posicionamento

de Ana Paula Barcellos não é apenas importante e interessante porque aventa ela a

possibilidade do controle de constitucionalidade das matérias financeiras e

orçamentárias como instrumento da realização dos direitos fundamentais, que

reconhecemos aqui tratar-se de assunto de extremada relevância e que dever ser levado

muito sério por todos, tanto que está a exigir um real aprofundamento na questão.

Entretanto, como não é esse o nosso escopo, devemos especificar sobre o que de fato

nesse seu interessante posicionamento, ele nos é útil. Nesse sentido, a autora enfatizou,

durante sua exposição, a necessidade, de que tanto o controle judicial, bem como o

controle político tem o dever de fomentar o controle social das deliberações

orçamentárias que destinadas à efetivação de direitos sociais.

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Nesse sentido, também, Boaventura de Sousa Santos400 aporta que tal controle

social, por exemplo, pode ser realizado pelo que convencíamos chamar de Orçamento

Participativo. E que no Brasil vem sendo tratado como uma estrutura e um processo de

participação comunitária que se baseia em três grandes princípios e em um conjunto de

instituições que funcionam como mecanismos ou canais de participação popular que se

sustentam no processo de tomada das decisões do governo municipal. São, de acordo

com o autor, tais princípios ipisis literis 401:

1) Todos os cidadãos têm o direito de participar, sendo que as organização comunitárias não detêm, a este respeito, pelo menos formalmente, status ou prerrogativas especiais;

2) a participação é dirigida por uma combinação de regras de democracia direta e democracia representativa, e realiza-se através de instituições de funcionamento regular cujo regimento interno é determinado pelos participantes;

3) os recursos de investimentos são distribuídos de acordo com método objetivo baseado em um combinação de “critérios gerais” – critérios substantivos, estabelecidos pelas instituições participativas com vistas a definir prioridades – e de “critérios técnicos”- critérios de viabilidade técnica ou econômica, definidos pelo Executivo, e normas jurídicas federais, estaduais ou da própria cidade, cuja implementação cabe ao executivo.

Boaventura de Souza Santos para definir, tais princípios, partiu do exemplo da

Administração Pública que aconteceu em Porto Alegre: quando em janeiro de 1989 o

governo que ganhou as eleições assumiu a administração municipal e lá realizou uma

administração que ficou conhecida como “administração popular”. Enfatizando que o

que tal governo pretendia era inovar institucionalmente a sua administração para que se

garantisse a participação popular na preparação e na execução do orçamento municipal.

Portanto, visava, essencialmente, essa administração, segundo o autor citado: melhorar a

distribuição de recursos por meio da participação direta da própria população que

passou a definir as prioridades dos investimentos que se poderia fazer com os recursos

públicos.

400 SANTOS, Boaventura de Sousa. Democratizar a Democracia- os caminhos da democracia participativa. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 455- 466. 401 Idem, Ibidem. p. 467.

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Como podemos ver tal experiência administrativa popular em grande parte

condiz com o que estamos a afirmar por todo nosso texto, que dar atenção às “vozes”

daqueles que são de fato os beneficiários e os titulares dos direitos sociais que

dependem essencialmente do desenvolvimento e da implementação de políticas

públicas, significa realmente que de fato começamos a implementar direitos sociais

básicos por meio da conjugação efetiva daquilo que, também, foi preconizado por

Nancy Fraser: redistribuição, reconhecimento e norma de paridade. Aliás, importante

frisar que isso somente foi possível porque o Brasil iniciava caminhar numa nova

situação democrática que inaugurada pela Constituição de 1988.

Faz sentido, então, que compreendamos que o orçamento participativo tem até

correspondido aos reclamos constitucionais de 1988 que requer a efetivação de uma

Democracia Social que impõe que aprendamos a conviver com novas formas de

participação nas decisões políticas. Porém, ainda existem muitas falhas nesse processo

de “administração popular”, e mesmo que com passar do tempo tenha sido reconhecido

como uma verdadeira prática que permite a transparência da gestão do governo, sobre o

erário, há muitas lacunas a serem corrigidas. Uma dessas falhas consiste no simples fato

de que não ficou claro que o regimento interno de cada instituição que dela está

participando deve ter bem claro que a razão de sua existência e o motivo de sua

participação é propiciar que os recursos e investimentos públicos municipais fossem

dirigidos, principalmente para a concretização de Direitos Fundamentais de acordo com

os princípios, regras, e garantias estipuladas na própria Constituição de 1988.

Outro problema, ainda, e no mesma direção do anterior é que, também, deveria

ter ficado bem definido que os recursos de investimentos que obedecem à combinação

de critérios gerais e técnicos estabelecidos pelas instituições participativas, para

averiguação de sua viabilidade, inclusive averiguação de viabilidade econômica tinham

que ter por seu principal fundamento e limite, os valores, os princípios e as regras que

constitucionalmente foram estipulados para formulação de tais investimentos e

orçamentos públicos. Sem mencionar, que as avaliações dos critérios econômicos abrem

uma enorme possibilidade para que o Poder Executivo suscite, mesmo nessa fase de

avaliação de limites técnicos e econômicos, a reserva do possível administrativamente,

o que torna inócuo a participação da população municipal bem como seu real controle

social.

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Dessa feita, ainda que consideremos que tal projeto de orçamento participativo

acabou por receber um reconhecimento internacional como um meio eficaz de processo

social e político dinâmico que otimiza a democracia social sua sustentabilidade a longo

prazo, depende em muito que se passe a população as informações necessárias de seu

fundamentos, dado que, como bem aventa Boaventura de Souza Santos no início de seu

texto, 402 o Brasil é uma sociedade com uma longa tradição de política autoritária, que

teve na sua base por longos séculos a predominância de modelo oligárquico,

patrimonialista e burocrático, que acabou engendrando uma cultura que marginaliza

política e socialmente classes populares, que sempre acabaram fazendo parte integrante

da sociedade por via do populismo e do clientelismo, o que sempre impôs uma

“artficialidade” ao jogo democrático, e acabou por originar uma imensa discrepância

entre o “país legal” e o “pais real”.

Daí que o orçamento participativo, a exemplo de outras formas de participação

do cidadão na administração pública na forma como vem sendo conduzido em muitos

casos apenas vêm se traduzindo, num desses instrumentos que reforçam a

“artificialidade” do jogo democrático, já que as informações que realmente interessam a

grande massa populacional escapam por entre as regras e “princípios” que estão sendo

estipuladas, nesse caso estudado, pelo Executivo Municipal.

Assim, ainda que muitos sejam chamados a participar, poucos de fato,

compreendem a importância daquilo que reclama sua participação, ou seja, os principais

protagonistas da democracia brasileira raramente compreendem o que está em jogo.

Conforme afirma Nancy Fraser, o objetivo de uma norma de paridade de

participação é de que fato ela garanta a independência da voz de cada participante, pois

trata-se, principalmente, de se proteger a condição objetiva dessa norma de paridade de

participação, que impede e até proíbe que os sistemas sociais institucionalizem:

privação, exploração e por fim com isso acabem consagrando grandes diferenças de

riquezas, rendas, trabalho e tempo de lazer, ou seja, de nada adianta que se avoque a

população apenas para discutir e debater sobre aquela parcela das receitas que já foi

402 Idem, Ibidem, p. 458.

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previamente separada para fazer parte do chamado “ orçamento participativo”. Pois,

como assevera Pedro Luiz Cavalcante403:

[...] orçamento participativo não é um processo de auto-organização desenvolvido pela sociedade de forma independente do Estado. A sociedade civil, por meio de seus cidadãos, participa das discussões e deliberações, no entanto, é o governo que estabelece e cria as regras do jogo. O acesso ao poder é ampliado dentro de um conjunto de normas e procedimentos impostos pelo Estado. Portanto, a participação significa voz no processo decisório e não empoderamento ou autonomia para tomar decisões.

Portanto, o orçamento participativo como forma de participação da sociedade

para que ela exerça um controle social direto sobre matérias financeiras e orçamentárias

para que se fiscalize e indique o conteúdo daquilo que está proposto pela Constituição

como um standard mínimo vital têm sofrido severas criticas, dentre as quais: 1) ela cria

uma nova representação que não necessariamente transfere para a base a capacidade de

decisão final; 2) é de fato o governo que estabelece e cria as regras do jogo; 3) “trata-se

de estratégia de manipulação da população mediante estrutura de regras e

procedimentos fundamentalmente induzida pela máquina administrativa.” 404

De tal sorte que, ainda, que tenhamos com o Texto Constitucional de 1988,

consagrado instituições democráticas prontas e dispostas a defender a efetivação

concreta de uma Democracia Social, é preciso que se leve a população informações e

formação necessárias para que ela finalmente e efetivamente participe do controle social

que deve recair não somente sobre o orçamento público, mas também sobre as próprias

instituições democráticas que o viabilizam.

É preciso que os brasileiros sejam informados e formados adequadamente sobre

tudo aquilo que diz respeito à consubstanciação e consecução de seus direitos, deveres e

garantias fundamentais o que definitivamente pode ser feito pelo devido acesso a uma

educação que também ensina sobre tais questões, conforme ressalvado na Declaração

403 CAVALCANTE, Pedro Luiz. O Orçamento Participativo: estratégia rumo à gestão pública mais legitima e democrática. In Revista de Políticas Públicas de Gestão Governamental. V.6. n.2 Jul/Dez 2007. p.23.Disponível na internet: > http://www.anesp.org.br/userfiles/file/respvblica/respvblica_6_2.pdf < Acesso: em maio de 2010. 404 Idem, Ibidem, p. 22-23.

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Universal dos Direitos Humanos de 1948 que ao ser promulgada considerou que a

educação é o instrumento a ser usado pelo Estado para se repassar de geração a geração

o dialogo sobre direitos humanos fundamentais.

Em outras palavras, há de fato a necessidade do desenvolvimento de um certo

tipo de educação que comece a incutir na população brasileira ao que Noberto Bobbio

chamou de “costume democrático”, pois, segundo ele, as instituições democráticas

“precisam para durar do enraizamento desse tipo de costume no povo.” 405

Conforme bem assevera Lauro Luiz Gomes Ribeiro, apesar da importância da

educação e da estruturação de ensino, nas últimas décadas têm se abandonado a

discussão intelectual o que o transformou, sem qualquer margens à dúvida, os temas que

lhe dizem respeito em um assunto de tecnocratas especializados ou, ainda, sempre

limitados àqueles mais envolvidos diretamente, deixando assim de ser foco dos grandes

temas, “diferentemente da política e da economia que, nesse contexto, passam ocupar

lugar de destaque.”406

Nesse sentido, esse será o tema do próximo capítulo e um dos questionamentos o

qual queremos nos deparar, a partir do exposto, é: Será que o sistema educacional

brasileiro atual e o nosso direito à educação da forma como disposto na Constituição de

1988 está consagrada reclama por uma efetiva e intencional educação política como

standard mínimo vital do direito à educação? Nossas leis infraconstitucionais voltadas à

educação foram elaboradas com esse propósito de garantir uma participação efetiva do

cidadão na Democracia Social? Se, sim, uma educação nesse sentido reclama uma

modalidade de educação, intencional e formal, que agregada à educação informal

intencional, deve ser fundamentada em quais valores? Nesse sentido, não seria, então a

aprendizagem construtiva dos valores consagrados pelo Texto Constitucional, da

Constituição Cidadã e Social?

405 BOBBIO, Noberto. Qual Democracia? Prefácio de Celso Lafer. São Paulo: Loyola, 2010. p. 11. 406 RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. Direito Educacional- Educação Básica e Federalismo. São Paulo: Quartier Latim 2009. p.222.

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Afinal, está correto, Mario Alighiero Manacorda, ao afirmar categoricamente

que 407: “Nenhuma batalha pedagógica pode ser separada da batalha política e social.”?

407 MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação- Da antiguidade aos nossos dias. 13ª ed. São Paulo: Cortez, 2010, p. 11.

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III CAPÍTULO

DA EDUCAÇÃO

3.1 Do conceito de educação e do ensino e suas implicações filosóficas, históricas,

sociais, políticas e jurídicas

A etimologia da palavra educação, objeto do capítulo III, do Título VIII da

Ordem Social constitucional brasileira vigente, e um dos principais objetos de nosso

estudo, também provêm do Latim "educatio" e significa "criação", palavra por sua vez

que pertence à tradição judaico -cristã e significa o ato pelo qual Deus tirou o universo

do nada, logo, e nesse sentido "educatio" refere-se principalmente à formação do

espírito humano.408

Porém, o conceito de educação na sua etimologia sempre foi influenciado pelo

nativismo e pelo empirismo, impondo-lhe, então, outro dois sentidos: o do educare e do

educere. 409

Em primeiro lugar, pelo nativismo que significa o desenvolvimento das

possibilidades interiores do homem. Seu sentido se encontra com o sentido do verbo

latino “educare” e significa que o educador apenas traz para o exterior o que o ser

humano contém em sua essência, o que pode ser exposto por um processo de

desenvolvimento da sua capacidade física, intelectual e moral e isso visa, portanto, a

integração individual e social da pessoa humana por meio de alguém que ajuda esse

processo a ser realizado. Dentro desse contexto, o verbo significa criar, alimentar,

subministrar, ou seja, ganha importância porque significa colocar em práticas todas as

ações necessárias para o desenvolvimento da personalidade de uma pessoa humana.

Nesse sentido, por meio do verbo latino educare , também a educação faz

correlação com a palavra latina ducare que nos ensina Maria Garcia significa conduzir,

levar adiante, orientar.410

408DICIONÁRIO DE FILOSÓFICA PRÁTICA. op.cit. p. 110. 409 MUNIZ, Regina Maria F. O Direito à Educação.Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.7

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Pelo empirismo, a educação ganha outro enfoque, que destaca que o

conhecimento humano é adquirido pela experiência que é percebida pelos sentidos

humanos e seu significado vêm ao encontro do verbo latino "educere" que indica que o

mais importante “é capacidade interior do educando, cujo desenvolvimento só será

decisivo se houver um dinamismo interno" 411

A educação em sua expressão mais simples já se encontrava presente entre a

humanidade desde os tempos mais primitivos, e lá encontramos a característica mais

essencial da educação como processo412: “o ajustamento da criança ao seu ambiente

físico e social por meio da aquisição da experiência de gerações passadas.”

Tratava-se essencialmente de uma educação prática que não goza de nenhum

tipo de organização não passava de um treino para obtenção de alimento, vestimentas e

abrigo, e a criança adquiria seu conhecimento pela imitação. Contudo, ela também

obtinha o conhecimento pela teoria por meio do aprendizado de cerimônias, danças e

práticas de feitiçarias. Seus traços mais fortes eram seu caráter estacionário e imitativo.

Estacionário porque o homem primitivo vivia essencialmente o presente e pouco se

modificava, visto que seu desejo era manter-se a salvo por meio de seu ajustamento ao

seu ambiente. De maneira que um dos princípios estabelecidos pelas ciências sociais é

que: “os povos menos desenvolvidos são mais avessos a modificações.” 413

E como as crianças e os jovens tinham que aprender e passar pelas cerimônias de

iniciação introduz-se na vida em sociedade as “religiões primitivas, as primeiras

filosofias e as ciências rudimentares”. Com o desenvolvimento dessas práticas, cria-se

então a linguagem escrita, e aos poucos foi desenvolvido um conjunto de

conhecimentos especiais que, ainda acessível a poucos, levou a educação a outro

patamar e, dessa forma: “O sacerdócio torna-se uma classe especial de professores para

410 GARCIA, Maria. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política n. 23, abril/junho. São Paulo. 1998. p. 59. 411 MUNIZ, Regina Maria F. op.cit. p. 7-8. 412 MONROE, Paul, op.cit. p. 1. 413 Idem, Ibidem, p. 9

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todos. Logo que se organizam para ensinar os futuros membros de sua própria ordem,

surge a primeira escola.”414

De maneira tal, que a formação de um currículo definido, de um magistério e da

escola a educação entra para o processo civilizatório, principalmente como meio e

instrumento para continuá-lo.

Em um segundo estágio da educação houve um domínio da linguagem. A

criança precisava aprender a dominá-la e passou obrigatoriamente a decorá-las para

poder desenvolver e perpetrar, principalmente um estilo de vida. Inúmeras civilizações

antigas podem ser exemplificadas com essa prática, disso como a chinesa, a hindu e a

judaica. Todas essas sociedades desenvolveram na sua antiguidade métodos de ensino

nesse sentido, principalmente a chinesa, contudo todas elas suprimiram a

individualidade e o resultado geral desse procedimento, foi uma ordem social que

apesar de gozar de uma certa estabilidade, não desenvolveu qualquer capacidade de

progresso.415

O grande mérito dessas civilizações, entre outros, foi o de distinguir nesse

processo, educação de ensino. Educação conforme nos ensina Cássio Cavalcante

Andrade416: “é um processo por meio do qual o ser humano desenvolve suas

capacidades física, mental e espiritual e que pode ser aplicado nos mais diversos

ambientes por diferentes métodos que não necessariamente o ensino.” Logo, segundo o

referenciado autor, “o ensino é apenas um aspecto dessa realidade maior: educação, que

se caracteriza pela transmissão objetiva, dirigida e metodizada, com conteúdos

educativos, e quase sempre, desenvolvidos, pelas escolas.”417

414 Idem, Ibidem, p. 12 415 Idem, Ibidem, p. 13-28. 416 ANDRADE, Cássio Calvacante. Direito Educacional- Interpretação do Direito Constitucional à Educação. Prefácio Maria Garcia. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p 17-18. 417 Idem, Ibidem, p. 17.

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214

Isso porque, a escola não é desde sempre, a responsável sozinha pela educação

no sentido de instrução e formação do ser humano, também acontece na família, nas

igrejas e em diversas instituições.418

A primeira civilização a considerar o indivíduo foi a civilização grega; pelo

desenvolvimento do conceito de personalidade,419 ela, acima de tudo, pregava a

liberdade420: “é a educação digna do homem livre, que o habilita a tirar proveito de sua

liberdade ou dela fazer uso”

Assim, a Grécia Antiga, sendo a primeira a dar oportunidade ao

desenvolvimento individual, conseguiu ser a primeiro a formar o conceito de liberdade

política no e pelo Estado.

Com eles nasceu a educação que prepara para cidadania. Eles observaram que

aquele que desenvolve suas habilidades individuais, as deseja, e quer a colocá-las não

apenas a serviço de si mesmo, mas também em prol da sociedade porque esse é o meio

social e político, no qual desenvolve parte de suas atividades.

Nas cidades gregas de Atenas e Esparta nasce um conceito mais abrangente de

educação que, hoje, é posto por Maria Garcia como421:

[...] um conceito abrangente de um conjunto de processos, pelos quais a pessoa desenvolve capacidades, atitudes e outras formas de comportamento de valor positivo para a sociedade que vive. É um processo continuo de informação e de formação física e psíquica do ser humano para uma existência e coexistência: o individual que, ao mesmo tempo, é social.

418 Idem, Ibidem, p. 17 419 De acordo com o JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. op. cit. p. 215 -216: Personalidade em seu sentido filosófico é o caráter do individuo que se autodetermina ou se afirma como pessoa moral ou jurídica. E em seu sentido genérico personalidade é o conjunto das características próprias e das modalidades de comportamento de um indivíduo tomadas de modo integral. 420 Idem, Ibidem, p. 29 421 GARCIA, Maria. A Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. op.cit. p. 59.

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A civilização grega passou por muitos estágios e até hoje ela influência sistemas

e métodos educacionais pelo mundo inteiro. Além da educação ser voltada à cidadania,

damos destaque à educação da civilização grega pela figura do pedagogo e o método

desenvolvido e pregado por Sócrates: a Maiêutica.

No aconchego dos lares gregos, os responsáveis pela educação eram os

chamados pedagogos, um escravo, cuja função era conduzir a criança à escola422 e, sua

função era considerada vital, para as Polis- Estados. O conhecimento e o estudo de sua

função influenciou a formação na modernidade da Pedagogia que hoje pode ser

definida, de acordo com o dicionário de português como423:

Teoria e ciência da educação e do ensino. Conjunto de doutrinas, princípios e métodos de educação e instrução que tendem a um objetivo prático. O Estudo dos ideais da educação, segundo uma determinada concepção de vida, e dos meios (processos e técnicas) mais eficientes para efetivar esses ideais. Profissão ou prática de ensinar.

Para combater o método dos chamados sofistas que eram, em seu sentido mais

amplo, os professores gregos, que enxergando os defeitos da organização educacional

grega, ofereciam aos seus jovens, em troca de pagamento, ensino que os preparasse

tanto para desenvolver-se pessoalmente, quanto para desenvolver-se social e

politicamente, surge Sócrates, que compreendia que o ensino ministrado tinha que ser

oferecido sem contra prestação ou vantagens de espécie alguma. Para divulgar seu

entendimento ele utilizava-se da Maiêutica cuja palavra vem da palavra grega maieutiké

e significa a arte do parto e, que portanto, pode ser compreendida como a arte ou o

método de ensinar provocando nos indivíduos “o desenvolvimento de seu pensamento

422 A palavra escola provém do grego scholé e significa lazer, “a escola é o momento de lazer de aprender, liberto dos constrangimentos da vida cotidiana” Onde se realizam trabalhos especificamente trabalhos escolares nesse sentido apontam os filósofos franceses que dissertar é um exercício escolar, mas é antes de tudo em seu sentido mais forte expressão do lazer de pensar por si mesmo, independentemente dos preconceitos e das convenções. Uma dissertação, dizem eles, é filosófica é então, uma argumentação onde se levantam perguntas e se avançam nas respostas, examina-se objeções e analisa-se conceitos e a forma original de reflexão é a filosófica e o discurso o meio por qual expressamos pensamentos podemos, então considerar nas palavras deles que: “Sócrates dizia que o pensamento é um diálogo da alma consigo mesma (Platão, Sofista 264 a): refletir, examinar interiormente argumentos, é julgar, é < dizer-se> algo, confrontar argumentos como numa discussão com outrem. O diálogo é assim considerado como a forma didática mais adequada a aprendizagem do esforço, das reflexão crítica. Qual é então a diferença entre diálogo e dissertação?” DICIONÁRIO DE FILOSOFIA PRÁTICA op.cit. p. 103. 423 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. op.cit.p. 1523.

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de modo que estes viessem a superar sua própria ignorância, mas através da descoberta,

por si próprios, como o auxilio do ‘parteiro’ , da verdade que trazem em si”424:

Enquanto método filosófico, praticado por Sócrates, a maiêutica consistes em um procedimento dialético no qual Sócrates, partindo das opiniões que seu interlocutor tem sobre algo, procura fazê-lo cair em contradição ao defender seus pontos de vista, vindo assim reconhecer sua ignorância acerca daquilo que julgava saber. A partir do reconhecimento da ignorância, trata-se então de descobrir, pela razão, a verdade que temos em nós.

Até hoje a pedagogia utiliza-se do modelo pedagógico concebido por Sócrates,

que ficou conhecido como “socrático” “que inspirado pela maiêutica ensina os

indivíduos a conhecerem as coisas por eles mesmos.” 425

Importante contribuição também prestaram os romanos, visto que deram muita

ênfase a educação prática. O lar era o centro da educação dos romanos, que visavam

acima de tudo a formação de um caráter moral; e as escolas tinham uma função

secundária nos seus primórdios, somente ganhando mais relevância quando sua cultura

de fundiu com a cultura grega.

Destaca-se na educação romana que seu ideal era captado pelo

desenvolvimento da sua concepção de direito e deveres: seus direitos como pai sobre os

filhos (pátria potestas), o direito do marido sobre a esposa (manus), o direito do senhor

sobre o escravo (potesta dominica), o direito que um homem livre tinha sobre outro que

a lei lhe dava por contrato ou condenação judiciária (manus capere) e o direito de

propriedade (dominium), impunha-lhes que desde a mais tenra idade sua família lhes

proporcionasse uma educação bem definida, para serem pais e cidadãos virtuosos. 426

No lar romano, grande centro dessa educação, defendia-se a piedade, a

obediência, a bravura e a coragem como virtudes, e todas elas correspondiam ao ideal

de dever para o individuo e para o Estado, que representava seu ideal de justiça. Sendo a

educação romana, sobretudo moral, sua disciplina era severa e seus ideais rigorosos.

424 JAPIASSÚ, Hilton, MARCONDES, Danilo, op. cit. p. 175-176. 425 Idem, Ibidem, 176. 426 MONROE, Paul, op.cit. p.

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Havia pouco contato com o literário e esse contato se resumia a aprender o serviço

religioso e coral religioso. Tal literatura no período republicano, dizia respeito e Lei das

XII Tábuas que foi adotada por eles em 451 a.C. e, por lá, permaneceram por mil anos.

Como a elas correspondiam os fundamentos da sociedade romana o ensino delas dava

também à educação uma prática bem concreta. Havia uma relação entre lei e educação

muita estrita que impelia: 1) na prática aos pais a responsabilidade pela educação; 2)

pela tradição e costume que cada menino aprendesse as leis das XII Tábuas, que

ficavam afixadas no fórum e os aprendizes fossem, assim, se familiarizando com seu

significado. O treino desse ofício, nesse sentido, não era pequeno ou fraco, exigia-se

uma forte disciplina por parte do educando. 427

No período medievo, quem influenciou a educação foi a religião cristã. Houve

um predomínio da educação monástica, que pregava uma severa disciplina com o fim

único de desenvolver a moral das pessoas. No início, aceitavam-se os elementos

literários, mas com o passar do tempo, como precisava reforçar a moral cristã,

gradativamente houve sua exclusão, e ela passou então a ser uma educação miniciosa e

rígida. E nesse período monástico, o único elemento literário era a exigência de que se

fizesse cópias manuscritas e assim ela pode conservar a literatura de crônicas e por

causa disso, promoveu a organização de escolas. Quando veio a Renascença a educação

deu espaço para a lógica e para a filosofia e as questões teleológicas e o mundo do saber

se expandiu sistematicamente. 428

Destacou-se nesse período a expansão das universidades, que já existam na

Grécia antiga. Contudo no período medievo seu conceito de centro de saber se elas

começam a se expandir em estrutura e organização. Dentro delas havia muitos traços

que as distinguiam da vida em sociedade fora de seus muros. Elas possuíam um governo

democrático e gozavam de privilégios especiais legais e pecuniários, seus alunos e

professores estavam isentos da obrigação de prestar serviços oficiais e militares, salvo

casos específicos. Entretanto, o maior privilégio que lhes era concedido é que eles

427 Idem, Ibidem, p. 83-89. 428 Idem, Ibidem, p.

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tinham sua própria jurisdição interna, e como o clero, podiam julgar seus próprios pares

civil ou criminalmente e podiam colar grau, ou seja, ganhavam licença para ensinar. 429

E quando as nações se formaram por delimitação de seus territórios, as

universidades frequentemente representavam a nação face ao papado, e tinham voz de

autoridade política nos governos absolutista da França, da Inglaterra e da Escócia. Paul

Monroe aponta a universidade do período estamental e absolutista como um Estado

dentro do Estado. 430

Ao lado dessas universidades, no entanto, com um valor de cunho mais prático,

enaltecia-se a educação da cavalaria, como uma disciplina prática social, respeitavam,

nesse sentido, o ideal da obediência. E seus ensinamentos geraram muitos efeitos sobre

a sociedade medieval.

Desse modo Paul Monroe apud Cornish431:

A cavalaria ensinou ao mundo o dever do serviço nobre prestado voluntariamente. Exaltou a coragem e a iniciativa na obediência à regra [...] glorificou as virtudes da liberdade, da boa-fé, altruísmo e cortesia [...]. Infelizmente também se devem assinalar os vícios de orgulho, o amor ao derramamento de sangue, o desprezo pelos inferiores.

Logo, podemos concluir que desde a muito a educação pode desenvolver o que

há de bom e o que de há de pior no ser humano e, ainda, pode, ser posta a serviços das

instituições criadas pelo homem para visar os interesses de um ou de um grupo ou o

bem estar de todos.

Com o Iluminismo no século XVIII, os questionamentos filosóficos em torno

dela começam a crescer. Como vimos John Locke a defendia como uma disciplina;

Rousseau como um caminho para a felicidade e um direito de nascimento.

429 Idem, Ibidem, p. 158 - 159. 430 Idem, ibidem p. 141-147. 431 Idem, Ibidem, p. 148.

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Conforme os dicionaristas franceses da década de 90 do século XX aportam: se

aos olhos do mundo a finalidade da educação é o desenvolvimento das capacidades

individuais, bem como o aperfeiçoamento da humanidade a determinação de seus

objetivos e dos seus métodos ela, então, revelou profundas divergências entre os

filósofos. E isso em todos os tempos. 432

De Sócrates à Rousseau, desde Immanuel Kant, século XVII e XVIII, e de

Hanna Arendt a Éric Weil, século XX, que ganharam notoriedade pela sua filosófica

política desenvolvida após II Guerra Mundial, dizem os dicionaristas foram

questionados o conceito, a estrutura, a sistematização, as funções e os objetivos da

educação e todos elas sempre andavam e ainda andam às voltas com as seguintes

questões433:

- Devemos privilegiar o desenvolvimento individual ou a adaptação ao meio

social e às suas mudanças?

- Devemos dar ênfase uma educação que seja baseada em questões práticas

morais, que serve principalmente para formar o espírito humano e disciplinar

seus hábitos para que assim possa o ser humano sair de seu estado natural de

selvageria, como era a questão defendida por Kant?

- Ou ainda devemos defender uma educação, que mesmo que apregoe liberdade,

deve ser conservadora, autoritária e protetora como fez Hanna Arendt em sua

obra A crise da Cultura, ou ao invés permitir uma educação liberal, não diretiva

e liberal?

- Devemos vê-la apenas sobre uma perspectiva individualista, ou devemos levar

em conta sua dimensão política como fez Éric Weil, que compreendeu que a

educação deve conduzir a criança a ser um homem livre e autônomo – como,

também bem defendeu Piaget - o que, somente é concebível em, um quadro de

cidadania. E a esse respeito, enaltecem os dicionaristas e filósofos franceses:

432 DICIONÁRIO DE FILOSÓFICA PRÁTICA, op.cit. p. 110. 433 Idem, Ibidem, p. 110.

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“Nesta medida, a questão da educação sobrepõe-se estreitamente à dos

princípios, ao qual está em jogo e ao futuro das nossas instituições

republicanas.”434

Ou ainda como bem colocou Paul Monroe435:

Como educar o indivíduo de modo a assegurar o desenvolvimento completo da personalidade e ao mesmo tempo conservar a estabilidade da vida institucional, e ainda promover a sua evolução para mais altos estádios. É o velho problema de se assegurar a liberdade individual e a justiça social.

De maneira que, as escolas sob uma perspectiva crítica, conforme dissertam José

Carlos Libâneo, João Ferreira de Oliveira e Mirza Seabra Toschi por ser uma

organização socialmente construída, e na atualidade ser controlada pelo Estado de

Direito436:

[...] são vistas como uma organização política, ideológica e cultural em que indivíduos e grupos de diferentes interesses, preferências, crenças, valores e percepções da realidade mobilizam poderes e elaboram processos de negociação, pactos e enfrentamentos.

Logo, os autores referenciados, aportam que a escola e sua forma atual, ganhou

força com o nascimento da industrialização e com a constituição do Estado Nacional,

isso porque os homens passaram a nutrir com ela uma crença no progresso. E seu

espaço tornou-se, assim, o espaço beneficiário da educação do homem e da ampliação

da cultura.437

Contudo, conforme os autores citados, destaca-se que a escola não monopoliza

esse espaço, há a família e igreja, por exemplo. Espaços esses, que se constituem

também como espaços educacionais, isso porque a educação já existia mesmo antes das

434 Idem, ibidem, p. 111. 435 Monroe, Paul. op. cit. 411 436 LIBÂNEO, José Carlos, OLIVEIRA, José Ferreira de Oliveira, TOSCHI, Mirza Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. 10ª ed. São Paulo: Cortez, 2011, p. 168. 437 Idem, Ibidem, p. 170.

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escolas e afinal: “a vida social implica a vivência pela educação, pelo convívio, pela

interação entre as pessoas, pela socialização das práticas, hábitos e valores que

produzem a vida humana em sociedade.” 438

Desse modo, com a prática social a educação é fenômeno essencialmente

humano. Logo, possui uma historicidade que envolve sujeitos que tornam o ato de

ensinar e aprender conjuntos dentro de um mesmo contexto. Assim, foram se formando

conteúdos, objetivos, métodos, técnicas com aquilo que pretendia transmitir e a

educação escolar transformou-se no espaço onde se, articulam aspectos contraditórios

como439: “opressão e democracia, intolerância a e paciência, autoritarismo e respeito,

conservadorismo e transformação, sem nunca ser, porém, neutra. Se permite a opção,

não admite a neutralidade, pois aquele têm caráter político.”

3.2 Modalidades da Educação

Libâneo diz que a educação em face de sua construção histórica foi assumindo,

ao longo do tempo, diferentes modalidades, a saber 440:

a) prática educativa não intencional- informal: é aquele que se refere às

influências do meio natural e social e interfere nas relações dos homens são elas:

costumes, religiões, leis, fatos físicos como o clima, as idéias presentes e vigentes em

uma sociedade, o tipo de governo e as práticas familiares.

b) prática educativa intencional: subdivide-se em formal e não formal; b.1)

intencional não formal: é aquela prática educacional que acontece com pouca

sistematização ou estruturação e acontece nos meios de comunicação de massa, nos

clubes, museus, cinemas; b.2) intencional formal que se caracteriza por ser institucional,

ter objetivos explícitos, procedimentos didáticos e, pode até, mesmo ter seus resultados

avaliados, é aquela que acontece nas escolas, colégio, universidades, mas, não apenas aí

pode acontecer nos sindicatos, na educação para adultos.

438 Idem, Ibidem, p. 168. 439 Idem, Ibidem, p. 169. 440 Idem, Ibidem, p. 171.

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Nenhuma, segundo o referido autor, dessas modalidades é mais importante que a

outra, porém elas se interpenetram e todas ocorrem na vida do individuo. E, frisa

exatamente pela importância das práticas educativas informais é que há necessidade da

educação intencional, especialmente a formal escolarizada, porque essa visa alcançar

objetivos pré-estabelecidos.

3.3 Da evolução da educação como um direito social no Brasil- das Constituições

de 1934 a 1969. Das Reformas educacionais de Francisco Campo a Educação em

tempos da ditadura da junta militar

Do ponto de vista político e jurídico, os questionamentos sobre educação desde

há muito são aportados e, ainda que houvesse uma lei aqui outra ali que protegesse a

educação, ou mesmo alguns aspectos da educação, como a educação cívica que foi em

1882, devidamente protegida pela Republica Francesa pós- revolucionária, a qual em 28

de março do referido ano, consagrou legalmente um projeto de educação totalmente

voltado para que se ensinasse nas escolas francesas, o amor à República, à França, à

pátria, e ao Estado.441 foi somente a Constituição de Weimar de 1919 que instituiu

intencionalmente a educação como um Direito Social Fundamental, e para garantir isso

a instituiu como um conjunto de normas voltadas para o fim de reconstruir e unificar a

nação, conforme dissemos.

No Brasil, a educação sempre andou em paralelo a política. Contudo, por um

imenso e longo período a história da educação do Brasil privilegiou a educação dos

poucos que detinham o poder político e seus filhos ou protegidos. Seu lento caminhar

esteve totalmente dissociado da compreensão de que a escola é um espaço de formação

que pertence a todos os indivíduos porque, por excelência, é a escola que otimiza a

socialização de todos cidadãos de uma nação, nesse processo inicializados por suas

famílias. Desconsideramos, também, por um longo período que o desenvolvimento da

capacidade vital, que cada um porta, está diretamente relacionado com o grau de

desenvolvimento e progresso que cada Estado pode alcançar por meio da educação. De

441 BECQUET, Valerie. Cidadania e Escola. in Dicionário de Educação. Coord. Agnes Van Zanten. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011, p. 93.

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maneira que privilegiar a educação somente de alguns indivíduos e de alguns poucos

grupos de indivíduos e de acordo com o interesse do Estado e em detrimento de dar

acesso à toda comunidade, em geral, significa em muito retardar o desenvolvimento

sócio- econômico do próprio Estado.

Ainda que, a partir de 1934, o Brasil tenha instituído pela primeira vez uma

Constituição de 1934442 de cunho socializante – inspirando pelo texto da Constituição

de Weimar- e a partir de seu artigo 148 e 149 consagrado uma educação para todos

como um conjunto de normas constitucionais superiores para implementar e possibilitar

um certa organização no sistema educativo brasileiros para que ele atendesse a toda

nação, determinando de que dela participasse União, Estados e Municípios,

principalmente, para que se animasse o desenvolvimento das ciências e da cultura em

geral visando a proteção adequada do interesse histórico, do patrimônio artístico essa

Constituição não tinha força normativa o suficiente para suplantar os fatores reais de

poder dominantes e oligárquicos da época.

De maneira que ainda que houvesse um despertar de consciência da importância

da educação no mundo todo que refletia no Brasil pelo Movimento da Escola Nova no

Brasil que proclamaram o Manifesto Pioneiro da Escola Nova443, que pregava que a

educação era sim o instrumento adequado para que acontecesse uma reconstrução

nacional, de modo que poderíamos levar a cabo um projeto educacional que levaria à

todos escola pública obrigatória e gratuita, a verdade foi que a Constituição de 1934

simplesmente acabou recepcionando as reformas instituídas pelo Ministro Francisco

Campos que, pelos decretos de 1931444 enalteceu o ensino secundário e universitário

442 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de Julho de 1934. Disponível na internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm Acesso em março de 2012. 443 Manifesto Pioneiro da Escola Nova de 1932. Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" Faculdade de Educação - UNICAMP. Revista HISTEDBR On-line. Documento disponível na internet; http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf . Acesso em março de 2012. 444 Em 1931 o então jurista e Ministro da Educação promulgou o total de seis decretos:: a) Decreto n. 19.85º de 11 de abril de 1931 que cria o Conselho Nacional de Educação; b) Decreto n. 19.851 de 11 de abril de 1931 que dispõe sobre os novos rumos da educação secundária e superior; d) Decreto 19.852 de 11 de abril que dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; e) Decreto 19.890 que dispõe sobre a organização do Ensino Secundário; e) Decreto 20.158 de 30 de Julho de 1931 que dispõe organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de contador e dá outras providências; f) Decreto 21. 241, de 14 de abril de 1931 que consolida as disposições sobre a organização do Ensino Secundário.

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marginalizando o ensino primário. De sorte que educação continuo como estava desde o

Brasil- colônia a privilegiar a elite dominante.

Diz Romanelli sobre esse período445:

A evolução do sistema educacional brasileiro vai refletir as tentativas de acomodação e o compromisso entre a ala jovem e a ala velha das classes dominantes. A partir de então, o Manifesto representa o pensamento do primeiro. As constituições e a legislação do ensino representam daí para cá, uma tentativa constante de acomodação dessas duas alas. Mas a prática educacional continuou a representar o predomínio das velhas concepções.

E as lutas ideológicas entre o movimento renovador e os “representantes da

escola tradicional”, como quer Fernando de Azevedo, tiveram consequências práticas na

elaboração dos Textos das Constituições de 1934 e 1937.446

A Constituição Brasileira de 1937447 infelizmente proclamou que havia uma

escola para pobres e outra para os filhos das elites ricas e abastadas pelo artigo 129 e

pelo art.130. Sendo seu Texto enfático no art. 129 sobre a questão do ensino

445 ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. História da Educação no Brasil. 10ª. ed. São Paulo. Ed. Vozes, 1978, p. 151. 446 AZEVEDO, Fernando de. O Estado e a Educação in A Educação e seus Problemas. 3ª ed.. São Paulo: Melhoramentos, 1953, p. 228-303. 447 Interessante aportar sobre a introdução feita à Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada em 10 de novembro de 1937 ao povo brasileiro nos seguintes termos, pois muito demonstra os fatores reais de poderes vigente à época: “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente; ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo; Com o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o País [...]”Constituição de 1937 Disponível na internet http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm. Acesso em: março de 2012.

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profissionalizante e referiu-se a ele “como um ensino destinado às classes menos

favorecidas”, nos seguinte termos448:

Art. 129 - [...] O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais. Art. 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar.. (g.n).

E isso por si só já denunciava a ideologia do Governo, que favorecia com sua

política educacional um sistema de discriminação social. Não foi observado por

Francisco Campos, jurista e autor dessa Constituição que nos foi outorgada por Getulio

Vargas que ao oficializar o ensino profissionalizante nesses termos, como ensino

destinado aos pobres estava o Estado cometendo um ato leviano contra as instituições

democráticas, mas é de se imaginar que isso pouco importava, para quem em apenas

uma noite deu um golpe de estado e implantou uma ditadura e instalou na República

Brasileira o “Estado Novo”

A partir de 1942, o então, Ministro Gustavo Capanema do governo ditatorial de

Getulio Vargas fez algumas inovações, renovou o ensino primário e o médio e

aprimorou o ensino profissional449. E isso impeliu que as camadas populares a

buscassem com mais frequência as escolas primárias e as profissionalizantes. Esse

estrato da sociedade tinha pressa em se formar e procurava as escolas

profissionalizantes como SENAI e SENAC, porque precisavam trabalhar mais cedo que

448 ALMEIDA, Antônio Mendes de. Constituições do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1963. 449 a) Lei Orgânica do Ensino Industrial – Decreto-lei 4.073 de 30 de janeiro de 1942;b) Lei Orgânica que

cria o Serviço Nacional de Aprendizagem – SENAI – Decreto-lei 4.048 de 22 de janeiro de 1942;c) Lei

Orgânica do Ensino Secundário – Decreto-lei de 9 de abril de 1942;d) Lei Orgânica do Ensino Comercial

– Decreto-lei 6.141 de 28 de dezembro de 1943;

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os outros jovens em melhores condições de vida, e portanto, não podiam frequentar as

escolas e o sistema de ensino oficial.450

Como podemos observar, o ensino profissional passa, a partir de então, a ser um

ensino de indiscutível valor histórico, o que revelava a preocupação do governo de

engajar pessoas qualificadas nas indústrias. É o começo de uma educação que sai de um

extremo a outro, sai da desorganização que passou a ser a questão central desde o

período Brasil- Colônia, que por ocasião da expulsão dos jesuítas ficou sem uma

organização nacional por anos. Com Francisco Campos e Capanema saímos da

educação literária (que passa a ficar unicamente reservada à elite), e vamos ao extremo

oposto da burocracia que era totalmente voltada para implementação de uma educação

elementar que visava unicamente desenvolver o parque industrial brasileiro.

O governo brasileiro cria, assim, uma “cultura” para estruturar todo o sistema

educativo de forma bem burocrática e legalista e isso vai se estender por longos anos,

inclusive sob a regência da Constituição Cidadã de 1988.

A educação brasileira, dessa maneira, fica estagnada no velho sistema dual, os

ramos secundários e superiores de ensino continuam a ser frequentados apenas pela

classes médias e altas, e bem observa Romanelli 451:

A manutenção desse dualismo, ao mesmo tempo era fruto de uma contingência, decorrida da necessidade da sociedade controlar a expansão do ensino das elites, limitando o acesso a este às camadas médias e altas criando o derivativo para conter a ascensão das camadas populares, que fatalmente procurariam as escolas do ensino “interno”, se estas fossem acessíveis.

Podemos concluir que o sistema educativo do Período Vargas de modo geral,

iniciou a perpetração de sistema legalista positivista de discriminação social, pois, a

legislação vigente acabou criando condições para que a demanda social da educação se

diversificasse apenas em dois tipos de componentes:

450 ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. op.cit. p. 141 e s. 451 Idem, Ibidem, op.cit. p. 169.

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a) componentes de estratos médios e altos que continuavam a fazer a opção pelas

escolas que “classificassem socialmente”;

b) componentes de estratos populares que passavam a fazer opção pelas escolas

que preparavam mais rapidamente para o trabalho.

De qualquer maneira a Constituição de 1937 manteve para a educação um

capítulo especial, do Artigo 128 a 134. Porém, conforme observa João Cardoso Palma

Filho452:

[...] a obrigação o Estado em matéria de educação fica muito modesta. Assim é que, logo de saída, o Art. 128 afirma ser “dever do Estado contribuir, direta e indiretamente, para o estímulo e desenvolvimento de uma e outras favorecendo ou fundando instituições artísticas, científicas e de ensino” Desaparece a exigência de um plano nacional de educação. A obrigação do poder público é, apenas, para aqueles que demonstrarem insuficiência de recursos para se manter numa escola particular. Nesse sentido, o ensino profissional passa a ser a principal obrigação do Estado em matéria de educação e destina-se ‘às classes menos favorecidas’ (artigo 129).

Consigna-se que entre os anos de 1920 e 1940, até houve um declínio do índice

de analfabetismo, que em outros períodos da história do Brasil havia, inclusive, chegado

a atingir 90% da população, mas mesmo assim era, ainda, muito elevado como reporta

Boris Fausto453:

No setor educativo, entre 1920 e 1940 houve algum declínio do índice de analfabetos. Ele continuou a ser, porém, elevado. Considerando-se a população de 15 anos ou mais, o índice de analfabetos caiu de 69%, 9 em 1920 para 56,2% em 1940. Os números são indicativos de que o esforço pela expansão do sistema escolar produziu resultados a partir de índices muitos baixos de freqüência à escola em 1920. Estima-se que naquela época o índice de escolarização de meninos e meninas entre 5 a 19 anos que freqüentavam a escola primária em média era de 9%. Em 1940, o índice chegou a pouco mais de 21%. No que diz respeito ao ensino superior, houve um incremento de 60% do número total de alunos entre 1929 e 1939, passando de 13 200 para 21 200.

452 PALMA FILHO, João Cardoso. A Educação Brasileira no período de 1930 a 1960- A Era Vargas. Disponível na internet: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/107/3/01d06t05.pdf Acesso em: Janeiro de 2012. 453 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. op.cit., p. 217.

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De tal sorte que todo esse cenário da educação brasileira da década de 1940 foi

um cenário que deixou campo fértil para que se desenvolvesse uma política social

opressora.

E essa foi mais uma fase do sistema educativo brasileiro que ao invés de

emancipar a pessoa humana acaba por oprimi- lá ainda mais, pois seu contato com todos

os aspectos da realidade de sua vida e da sua comunidade passou, então a ficar

fragmentado, já que não foi uma educação que tinha por objetivo principal o ensinar a

fazer para autodesenvolver- se, ao contrário, o que almejava era unicamente enriquecer

a elite.

Em suma, tal educação que tinha por único viés o trabalho, tornava o ser

humano um recipiente de informações úteis com atitudes e pensamentos mecanicistas,

de maneira que o sistema educativo passou a ver o aluno como sendo mais um bem de

capital, ou seja, em primeiro lugar seu potencial humano deve ser útil para o Estado e

para o capital das indústrias. Sua felicidade pessoal ficou contida em segundo plano.

Logo, a educação brasileira desse período, ao menos para grande massa e, ainda assim,

quando era contemplada, cumpria o papel de formar seres humanos não críticos e não

pensantes.

Mas, com o fim da II Guerra Mundial estava presente no espírito das pessoas

uma imensa indignação com a hediondez nazista, fascista e imperialista, de maneira que

havia no espírito humano uma necessidade de se recompor o mundo.

Desta feita, começa a despontar um movimento pelo constitucionalismo global,

e por ele, a necessidade de se fundamentar as atividades da política, do mercado e das

comunidades nos mais altos valores que visam dignificar a pessoa humana.

O Brasil não passou incólume por isso e Getúlio Vargas, em tempo de se

redimir, expediu assim a Lei Constitucional n.9, prevendo eleições diretas para

Presidente da República e Parlamento. Em fevereiro de 1946 instala-se a Assembléia

Nacional Constituinte, e lá estavam representados vários segmentos da sociedade, mas

infelizmente eles tomaram por base para elaborar a Constituição de 1946, as

Constituições de 1891 e a de 1934 e ela acabou sendo promulgada em 18 de setembro

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de 1946. Entretanto, e ainda que sob a denominação de Constituição da República dos

Estados Unidos do Brasil454 e conforme aporta José Afonso da Silva455:

Voltou-se, assim, às fontes formais do passado, que nem sempre estiveram conformes a história real, o que constituiu o maior erro daquela Carta Magna, que nasceu de costas para o futuro, fitando saudosamente os regimes anteriores, que provaram mal. Talvez isso explique o fato de não ter conseguido realizar-se plenamente. Mas, assim mesmo, não deixou de cumprir sua tarefa de redemocratização, propiciando condições para desenvolvimento do país durante os vinte anos em que o regeu.

O direito à educação pelo Art. 166 continua a ser consagrado como direito de

todos, mas, será de responsabilidade do lar e da escola e deveria inspirar-se, segundo o

seu Texto, nos princípios da liberdade e nos ideais da solidariedade humana.

Observamos que ao invés de usarem as palavras família e Estado, como na Constituição

anterior usam as expressões lar e escola que podemos qualificar como expressões de uso

mais popular e de mais afeto ao cidadão comum. Talvez tivesse sido essa uma tentativa

do Constituinte de 1946, de aproximar a comunidade da Educação, já que seu texto

impõe a responsabilidade direta pela educação sobre a família e a comunidade escolar,

que deve ser considerado ainda que pelo Art. 167, que a educação dos diferentes ramos

de ensino devesse ser ministrado pelos Poderes Públicos.

A constituição de 1946 também abriu à iniciativa privada o direito de ministrar,

concorrentemente com o poder público, o ensino, mas desde que ele respeitasse as leis e

seguisse com os seguintes princípios: ensino primário obrigatório e ministrado na língua

portuguesa; se o ensino primário fosse oficial era gratuito, porém gratuidade para o grau

seguinte apenas se o aluno pudesse comprovar a insuficiência de recursos. E o ensino

religioso, também passou a ser facultativo, nas escolas públicas.

Em suma, essa foi a primeira Constituição a atender, em parte, o Manifesto

Pioneiro da Nova Educação, porque ela contemplava a obrigatoriedade do ensino

primário pela Lei Suprema.

454 Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm Acesso em: março de 2012. 455 SILVA, José Afonso da. Cursos de Direito Constitucional Positivo op. cit. 83

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Contudo, o ponto mais forte da educação ainda se concentrava numa educação

voltada principalmente para o trabalho, na verdade uma educação que aprimorasse o

crescimento industrial, pois, ela reforçava a importância do ensino profissionalizante ao

determinar que as indústrias que tivessem mais de cem pessoas estavam obrigadas a

manter para seus operários e filhos o ensino primário gratuito, conforme art. 168, inciso

III.

Entretanto, o povo um pouco menos analfabeto e entusiasmado com o carisma

despótico de Getúlio Vargas o elege novamente nas eleições de 3 de outubro de 1950 e

ele toma posse a 31 de janeiro de 1951. Foi eleito com 48,7% do total de votos porque a

grande massa populacional brasileira à época tinha esperança de que ele cumprisse sua

promessa de campanha, ou seja, de colocar em prática um novo programa

socioeconômico. Mas, esse governo de “situação democrática” apesar de incentivar o

desenvolvimento industrial e tomar providências para o investimento público nos

sistemas de transporte energia, ainda manteve uma linha dura em relação as forças que a

ele se opunham, de maneira que por vários acontecimentos que aqui não convém expor,

ergueu-se contra ele um levante e frustrado e sem apoio da Forças Armadas, Getulio

Vargas suicida-se.456

A partir daí começa uma ciranda de trocas sucessivas de Chefes do Executivo

que se estende até o ano de 1963. Entretanto, no campo educacional, durante o governo

Getulista, foi dado início ao que estava estabelecido pela Constituição para o sistema

educativo, ou seja, era preciso que a União começasse a legislar sobre as Leis de

diretrizes e bases da educação. O então Ministro Clemente Marini constitui uma

comissão de educadores para estudar e propor um projeto que foi presidido pelo Prof.

Lourenço Filho. Por esse projeto visava-se a reforma geral da educação nacional. E em

1948 ele dá entrada na Câmara e apenas em 1961, sete anos após a morte de Getúlio

Vargas, e treze anos depois de sua entrada na Câmara dos Deputados é que ele acabou

resultando na aprovação da Lei n. 4.024 de 1961. Lei de Diretrizes e Base da Educação

que somente foi revogada em 20 de dezembro de 1996 pela Lei n. 9. 394. 457

456 BORIS, FAUSTO. op. cit. p. 224 e s. 457 ROMANELLI, Otaiza, op. cit.

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A lei 4.024/61458 fundamentava-se já nos seus primeiros artigos pelos princípios

da liberdade e nos ideais da solidariedade humana para a compreensão dos direitos e

deveres da pessoa humana, o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do

homem, o fortalecimento da unidade nacional e a solidariedade internacional,

desenvolvimento integral da personalidade humana, o preparo do indivíduo e da

sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos para vencer as

dificuldades do meio, a condenação a qualquer tratamento desigual por motivo de

convicção filosófica, política ou religiosa, bem como qualquer preconceito de classe e

raça. Mas com tal lei, o que mudou na prática? Nada. Sua única vantagem, diz a

doutrina educacional, foi ter prescrito um currículo fixo e rígido para todo o território

nacional, o que trouxe mais organização para o ensino.

O Art. 27 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 61 dava obrigatoriedade

escolar ao ensino, mas, quanto à obrigatoriedade da frequência à escola primária nada

referiu. E a frequência à escola primária é condição mínima e básica para a existência de

qualquer regime democrático. Aliás, a situação beirava o absurdo face à disposição da

obrigatoriedade em se frequentar o ensino primário. O Art. 27 falava da obrigatoriedade

escolar ao ensino primário, mas o Art. 30 por seu parágrafo único praticamente anulava

tal disposição nos seguintes termos:

Parágrafo Único- Constituem casos de isenção, além de outros previstos em lei: a) comprovado o estado de pobreza do pai ou responsável; b) insuficiência de escolas; c) matrículas encerradas; d) doença ou anomalias graves da criança.

Além de tal artigo deixar evidente a situação socioeconômica que imperava no

Brasil, manteve a estrutura tradicional de ensino, e dessa forma, o ensino continua a ser

mantido de acordo com a legislação infraconstitucional anterior.

Para um país, que não tinha recursos para sequer atender sua rede oficial de

ensino, ou seja, que atingisse toda a população que estivesse em idade escolar,

458 Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 4.024 de 20 de Dezembro de 1961. Disponível da internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm Acesso em: março de 2012.

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significava na prática, marginalizar 50% dessa população, e embora a lei 4.024/61

estivesse perfeitamente adequada à ordem constitucional social vigente e à composição

das forças dominantes no poder, ela era um absurdo em termos de justiça social devido

a essa incongruência normativa pelos artigos citados ou também porque não condizia

com a realidade brasileira o velho dilema exposto por Konrad Hesse Constituição Real

versus Constituição Jurídica. Por outro lado, tal lei de diretrizes e bases representou a

oportunidade que o país perdeu para criar um modelo educacional que pudesse tanto se

inserir no sistema geral de produção do país, como de se harmonizar com um certo

progresso social já alcançado. Infelizmente as heranças culturais e as formas de atuação

política foram suficientemente fortes para impedir que se criasse um sistema em que

precisássemos a educação popular voltada para o ensino primário.

No período de 1944 a 1951 enquanto se discutia o projeto de Lei de Diretrizes e

Bases da educação considerando 100% dos alunos que se matriculavam na 1ª série do

primário, apenas 41,9% deles voltavam à escola para realizar a 2ª série. Para realizar a

3ª série, apenas 29% e para concluir a escola elementar, ou seja, frequentar até a 4ª série

primária, apenas 17%. Desses, no mesmo período davam seguimento ao estudo para

ingressar à 5ª série apenas 7,9%, para a 6ª série 5,9%, para a 7ª série seguiam apenas

4,9% e concluía o ensino complementar apenas 4,0% daqueles. Ainda entre 1948 a

1951, os números apontam que esse quadro pouco se alterou dos 100% de alunos

matriculados que iniciavam a 1ª série primária. Apenas 16,1% chegavam até a 4ª série

primária e desses apenas 4,2% terminavam a 8ª série ginasial. E de 1956 a 1963, ou

seja, considerando ao menos um período que inclui três anos de vigência da Lei

4.024/61 (mesmo período em aconteceu uma conturbada transição política) o quadro

pouco se altera: dos 100% matriculados na 1ª série apenas 40% vão para a 2ª série,

30,2% passam para a 3ª série e 20,7% terminam a 4ª série. Este quadro vai permanecer

pouco inalterado até 1971, em tempos de plena de ditadura quando dos 100% dos

alunos, que tinham se matriculado na 1ª série do primário 24% conclui a 4ª série e 10%

concluem a 8ª série. Contudo, isso se deve ao fato de ter sido modificado por lei o

período obrigatório de frequência escolar. O período mínimo de anos obrigatórios de

escolaridade, ou seja, em que deve um aluno permanecer na escola passou de quatro

para oito anos. 459

459 Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e Serviço de Estatística da Educação e Cultura. Tabela extraída de: Anuário estatístico do Brasil 1979: IBGE. V. 40, 1970 acesso pelo portal eletrônico:

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Em 1966, Florestan Fernandes faz uma análise crítica educacional para esta

época460:

Os países subdesenvolvidos são, os que mais dependem da educação como fator social construtivo. Tais países precisam de educação param mobilizar o elemento humano e inseri-lo no sistema de produção nacional, precisam da educação para alargar o horizonte cultural do homem, adaptando-se ao presente a uma complicada trama de aspirações, que dão sentido e continuidade as tendências de desenvolvimento econômico e do progresso social; e precisam para formar novos tipos de personalidade, fomentar novos estilos de vida, e incentivar novas formas de relações sociais, requeridos ou impostos pela gradual expansão da ordem social democrática. Todavia esses países não encontram, na situação sócio-cultural herdada condições que favoreçam quer uma boa compreensão dos fins, quer uma boa escolha dos meios para atingi-los. Mesmo os recursos materiais, humanos e técnicos, mobilizados efetivamente, acabam sendo explorados de maneira eternamente irracional e improdutiva.

Mais uma vez, a manutenção do atraso da escola em relação à ordem econômica

social era uma decorrência da forma de como se organizava o poder, portanto, servia a

educação, aos grupos com ela envolvidos. Cuidou ser em primeiro da implantação de

um sistema educativo que visava apoiar o Estado a alcançar seus objetivos, e se nesse

trajeto, quem sabe, conseguisse o indivíduo por conta própria ingressar no sistema e

assim desenvolver suas potencialidades. Realizar-se como pessoa era puro acaso e

coincidência, pois a força de vontade individual - educere- tinha que atuar sozinha

contra as forças políticas e sociais dominantes, sem a conjugação do educare dever do

Estado.

Assim, inicia-se a fase de governos populista no Brasil, que forma campo fértil

para a instalação de uma ditadura imposta por uma junta militar que vai perdurar por

vinte e um, longos, anos.

O primeiro governo populista foi o do Presidente Juscelino Kubitchek de

Oliveira, conhecido como JK. De acordo com Boris Fausto461, os chamados “anos JK”,

http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/palavra_chave/educacao/palavra_chave_educacao.shtm em 30 de março de 2012. 460 FERNANDES, Florestan- Educação e Sociedade no Brasil, São Paulo: Dominus,1966. p. 351

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em comparação a Getúlio Vargas podem ser considerados de estabilidade política.

Discursavam embalados pelo crescimento econômico e pela construção de Brasília em:

“os cinquenta anos em cinco”. Tal propaganda repercutiu em todas as camadas da

população e desde que se preservasse a ordem interna e se combatesse o comunismo, as

Forças Armadas, em sua maioria, estavam dispostas a garantir o regime democrático.

Contudo, tanto investimento em aparelhar o Estado exigiu que o governo

brasileiro fosse buscar dinheiro com o Fundo Monetário Internacional – FMI- e isso fez

com que os sindicalistas politizados, à sua maneira, criticassem seu modelo de

governança, argumentando-se inclusive que ele estava vendendo o Brasil e a soberania

nacional aos bancos estrangeiros. De modo que, não tendo mais um caráter popular,

perde as eleições para Jânio Quadros, quem, como chefe do Executivo da União, fica

apenas sete meses, pois renuncia a favor de seu vice João Goulart.

Esse presidente era percebido como comunista, e os militares, por causa dessa

imagem, se insurgem fortemente contra a sua posse. A solução foi votar às pressas uma

emenda constitucional parlamentarista, (E. C. n. 4 de 2.9.61), para retirar dele

“ponderáveis poderes”. João Goulart se rebela contra isso e consegue aliar forças para

realizar um plebiscito e o povo vota contra o parlamentarismo de maneira que ele

assume a presidência, conforme aporta José Afonso da Silva sobre tais fatos462:

João Goulart tenta equilibrar-se no poder acariciando a direita, os conservadores e a esquerda. E apesar de tudo, a economia prosperou e a inflação muito mais. Jango, despreparado, instável, inseguro, demagogo, desorienta-se. Perde o estribo o poder. Escora-se no peleguismo, em que fundamentará toda a sua carreira política. Perde-se. Sem prestar atenção aos mais sensatos, que, aliás, despreza, cai no dia 1º de Abril de 1964, com o Movimento Militar instaurado no dia anterior.

O governo de João Goulart foi um governo de massa bem populista que dividiu

a nação. Pois, no campo social falava-se em reforma agrária por meio do instituto da

desapropriação para a utilidade e ou necessidade pública, mediante indenização. Mas,

para tanto, era preciso reformar a Constituição. Porém, essas reformas de base nunca

461 FAUSTO, Boris. op.cit.; p. 233 462 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo op. cit. p. 85.

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foram destinadas a implementar um Estado Social, mas, sim foram uma tentativa de

modernizar o capitalismo para que houvesse redução das desigualdades sociais com a

interferência do Estado em questões pontuais. As classes dominantes do país resistiram

fortemente a essa mudança e a burguesia do país decidiu seguir outro caminho

separando-se do governo. 463

No campo educacional desse período conturbado da política, merece destaque a

pressão para que se estendesse o voto aos analfabetos e o início da pedagogia do

educador Paulo Freire. A prefeitura Municipal de Natal, no Estado do Rio Grande do

Norte, dá início a uma campanha de alfabetização “De pé no Chão também se Aprende

a Ler”. Por ela, Paulo Freire se propôs a alfabetizar, em 40 horas, adultos analfabetos.

A experiência também acaba sendo adotada pela cidade de Angico, no mesmo Estado, e

depois vai até a cidade de Tiriri, no Estado de Pernambuco.464

Paulo Freire com a pedagogia do oprimido, para Romão465: sobretudo legou à

educação uma maneira nova de se raciocinar a realidade. A educação, para Paulo Freire,

nos faz ler a realidade com outros olhos. Daí que sua didática inspirava e direcionava

não apenas dimensionar questões que envolvessem trabalhadores analfabetos, ela

também era uma educação provocadora, pois instigava o ser humano a ser emancipado e

autônomo, enfim livre. Sua didática provocava conscientização e politização, e com tais

níveis de consciência despertado o homem passaria a ter o poder de modificar sua

própria realidade. Sua pedagogia foi tão importante que em 1962, inspirado por seu

método, cria-se o Plano Nacional de Educação e o Programa Nacional de Educação,

porém o Golpe Militar de 1964 muda tudo e essas iniciativas são abortadas “sob o

pretexto de que as propostas de Paulo Freire são ‘comunizantes e subversivas’.”466

463 BORIS, Fausto p. 252. 464 HISTORIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL - Período da Nova República de 1946 a 1963. Disponível na internet http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb09.htm Acesso em: março de 2012. 465 ROMÃO, J. E. Paulo Freire e o pacto populista. 25ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. 466 HISTORIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL - Período da Nova República de 1946 a 1963. Disponível na internet http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb09.htm Acesso em: março de 2012.

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Começa assim a ditadura mais longa e autoritária pela qual o Brasil já passou.

Mas, essa foi uma ditadura que se distanciava daquela imposta em anos anteriores por

Getúlio Vargas, ela não era uma ditadura pessoal de partido único467. O poder foi

dominado por um Comando Militar Revolucionário que começa a realizar prisões

arbitrárias de todos aqueles que se colocam ao lado de Jango ou que têm ideias de

“esquerda”. “O movimento de 31 de Março de 1964 tinha sido lançado, aparentemente,

para livrar o país da corrupção e do comunismo e para restaurar a democracia”468.

Com essa justificativa, é expedido o primeiro ato institucional, A.I. 1, em 9 de

abril de 1964, que a princípio mantém a ordem constitucional, porém, cassa mandatos e

suspende direitos políticos. Na presidência da República, o Marechal Humberto de

Alencar Castello Branco governou por três anos com base nesse ato institucional e

outros atos complementares. A seguir veio o A.I. 2 e o A.I 3 e O A.I. 4 que regulou o

procedimento que o Congresso teve que obedecer para aprovar o projeto de

Constituição apresentado pelo governo militar. E em 24 de janeiro de 1967, outorga-se a

Carta Constitucional de 1967 que era o resumo da Constituição de 1946 com

introduções feitas pelos atos ditatoriais dos atos institucionais. 469

De maneira que, como bem compreende Boris Fausto a ditadura implantada em

31 de março de 1964 pode ser comparada a um condomínio470:

O regime implantado em 1964 não foi uma ditadura pessoal. Poderíamos compará-la a um condomínio em que um dos chefes militares - general de quatro estrelas - era escolhido para governar o país com prazo definido. A sucessão presidencial se realizava de fato no interior da corporação militar, com audiência maior ou menor da tropa conforme o caso e a decisão final do alto comando das Forças Armadas. Na aparência, de acordo com a legislação, era o Congresso que elegia o presidente da República, indicado pela Arena. Mas, o Congresso, descontados os votos da oposição, apenas sacramentava a ordem vinda de cima.

467 FAUSTO, Boris. op.cit.; p. 283 468 Idem, Ibidem, p. 257 469 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 86 470 Idem, Ibidem, p. 283 – 284

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Podemos observar que essa ditadura se distancia da de 1945, pois, os militares

não governaram sozinhos, eram autoritários, mas, não se alinhavam ao fascismo, ainda

que na educação tivessem introduzido reformas que visassem enaltecer o amor à pátria e

o nacionalismo. Não foi um regime que paralisou massas e letrados para apoiá-lo, ao

contrário a oposição continuou a “ser dominante nas universidades” . A diferença reside

no fato de que ainda existia um Congresso, mas ele deixa de ter importância, os

políticos profissionais perdem força para o comando militar em questões que envolvem

decisões afetas à estrutura, organização, principalmente, no que diz respeito à Segurança

Nacional que deve, principalmente, atuar contra setores que reivindicam melhorias

sociais, de maneira que estudantes, operários organizados e camponeses perdem força.

O único segmento que se manteve pouco mais firme são os sindicatos, pois deles não

foi retirado sua base de sustentação econômica, o imposto sindical.471

Os militares adotaram uma ideologia no campo político econômico que manteve

o Estado como uma forte presença. Entretanto, durante anos não atuaram diretamente,

deixaram na mão de civis, “dos poderosos ministros da Fazenda e do Planejamento”.

Nesse sentido, ampliaram o que JK havia feito, e assim estimularam mais ainda os

empréstimos externos e o ingresso de capital estrangeiro, principalmente dos

americanos, processo que por fim atravancou o Brasil, fazendo com que ele tivesse uma

divida externa assustadora. Futuramente, essa prática levou a classe trabalhadora à um

profundo arrocho salarial devido a atos índices de inflação que persistiu durante

décadas.

Do estrangeiro adotaram e utilizaram da absurda e medonha ideia de se

combater “o perigoso” comunismo com torturas, assassinatos e desaparecimentos

forçados, e como veremos aceitaram que os “estrangeiros” ditassem o que se poderia ler

e produzir academicamente.

De maneira que a ditadura militar se opôs à política econômica de Jango que,

inspirado pelo seu “peleguismo”, tentou promover economicamente o desenvolvimento

autônomo a partir da burguesia nacional.472

471 Idem, Ibidem, p.285 472 Idem, Ibidem, p. 285

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Nisso entra em vigor a Constituição de março de 1967,473 assumindo a

presidência o marechal Arthur da Costa e Silva, cuja principal preocupação era a

segurança nacional, daí ele ter simplesmente centralizado todo o poder na União nas

mãos do seu chefe, ele mesmo. Entre outras práticas, reformulou a ordem tributária, a

orçamentária e instituiu normas de fiscalização.

Ainda assim, conforme ressalva José Eduardo Faria, entre o final dos anos 1960

e 1970, o Brasil obteve taxas de crescimento superiores às da maioria dos países

industrializados474:

A indústria de bens de consumo durável eliminou o problema crônico de capacidade ociosa e o setor financeiro consolidou-se como agente financiador do processo de substituição de importações, iniciando-se então uma nova etapa no desenvolvimento industrial.

Mas, no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais da pessoa

humana, durante a vigência da Constituição de 1967, eles foram reduzidos

drasticamente e a autonomia individual passou a ser limitada. O único mérito nessa

limitação diz respeito ao direito de propriedade que foi limitado com a intenção de se

promover a reforma agrária o que de fato nunca aconteceu. A Constituição de 1967,

também, teve o mérito de definir “mais eficazmente os direitos dos trabalhadores”. 475

Contudo, diante das circunstâncias de total privação de direitos políticos tais méritos

estavam em grande parte comprometidos.

No Título que cuidava da educação, o governo militar realizou algumas

modificações que a princípio pareciam estar voltadas ao aprimoramento do ensino,

como, por exemplo: pelo Art. 168, inciso III, que consagrava que o ensino secundário

seria gratuito e inclusive seriam concedidas bolsas de estudos nos casos em que fosse

473 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967 . Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm Acesso em: março de 2012. 474 FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 1ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p.14. 475 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 87

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justificado tal subsídio; e visando maior estabilidade da carreira do magistério público

ficou definido que o ingresso seria por meio de concurso público.

Mas, ainda que tivessem mantido boa parte do ordenamento constitucional

anterior para o direito à educação como um direito de todos, que deveria ser ministrado

no “lar” e “na escola”, para que se fosse assegurada a igualdade de oportunidades, o seu

ensino deveria inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e

da solidariedade. Ora, a verdade é que “uma vírgula para bom entendedor é uma

palavra”, e a expressão unidade nacional em tempos de atos institucionais que cassam

direitos políticos em que vigoram a censura somente pode significar o enaltecimento de

um ensino autoritário ultranacionalista que visava enaltecer e perpetrar no poder os

algozes da democracia.

Nesse sentido Boris Fausto diz que476:

Os estudantes que tinham tido um papel de relevo no período Goulart foram especialmente visados pela repressão. Logo a 1º de abril, a sede da UNE no Rio de Janeiro foi invadida e incendiada. Após sua dissolução, a UNE passou a atuar na clandestinidade. As universidades constituíram outro alvo privilegiado. A Universidade de Brasília, criada com propósitos renovadores e considerada subversiva pelos militares, sofreu invasão um dia após o golpe.

E quando veio o decreto AI 5 de 13 de dezembro de 1968, rompe-se

definitivamente com a ordem constitucional até então vigente477:

O AI-5 foi o instrumento de uma revolução dentro da revolução ou de uma contra-revolução dentro de uma contra-revolução. Ao contrário dos atos anteriores, não tinha prazo de vigência. O Presidente da República voltou a ter poderes para fechar provisoriamente o Congresso, o que a Constituição de 1967 não autorizava. Restabeleciam-se os poderes presidenciais para cassar mandatos e suspender direitos políticos, assim como para admitir ou aposentar servidores públicos. A partir do AI-5, o núcleo militar do poder concentrou-se na chamada comunidade de informações, isto é, naquelas figuras que estavam nos comandos dos órgãos de vigilância e repressão. Abriu-se um novo ciclo de cassação de mandatos, perda de direitos e de expurgos no

476 FAUSTO, Boris. op.cit.; p. 258 477 Idem, Ibidem, p. 265

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funcionalismo, abrangendo, muitos professores universitários. Estabeleceu-se na prática a censura aos meios de comunicação; a tortura passou a fazer parte integrante dos métodos do governo.

Após uma moléstia, o então, Presidente Costa e Silva não poder continuar

governando e pelo A.I 12 foi considerado legalmente impossibilitado e sob essa

condição foi impedido de continuar a presidir a chefia do Poder Executivo. E foi, então,

substituído por uma junta militar, concedendo assim o Poder Executivo, aos Ministros

da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar preparam um novo Texto

Constitucional, que foi publicado em 17.10.69, como EC n. 1 à Constituição de 1967,

para entrar em vigor em 30.10.69.” 478.

No campo educacional o ensino com fundamentos ultranacionalistas o regime

ditatorial deu efetivo exercício a uma “pedagogia bancária” 479 que passou a

contaminar todo o currículo escolar. Podemos considerar que o governo ditatorial até

não tinha conseguido mobilizar massas a seu favor, mas com certeza “doutrinou” o

povo brasileiro para fazê-lo acreditar que o governo finalmente estava fazendo algo

realmente muito bom para o crescimento e desenvolvimento do Estado Brasileiro.

Essa contaminação pedagógica foi disseminada pela introdução no currículo

escolar da disciplina Moral e Cívica, voltada ao ensino primário, no ensino médio pela

disciplina Organização Social e Política e Brasileira e nos graus superiores e de pós-

graduação pela mesma disciplina que então passava a ser nomeada de Estudos dos

Problemas Brasileiros. Todas foram elaboradas pela Comissão Nacional de Moral e

Civismo, criada pelo Decreto-lei n. 869 de 12 de Setembro de 1969, que estava

diretamente subordinada ao Ministro da Educação formada por nove membros

nomeados diretamente pelo Presidente da República, competindo a ela articular-se com

as autoridades civis e militares para que a Educação Moral e Cívica fosse

478 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 87 479 VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho e BRITO, Regina Helena Pires de. Conceitos de Educação em Paulo Freire. 2ª ed. São Paulo: Mack Pesquisa. Rio de Janeiro: Vozes, 2006, p. 83. Verbete Educação Bancária: designação dada por Paulo Freire aquele tipo de educação que tem uma abordagem pedagógica “pela qual o educador é mero agente transmissor de informações. Por essa concepção, o único papel do educador é o de expor/impor conhecimentos, não havendo espaço para discussão ou reflexão, sua missão é meramente informativa.” Na visão ‘bancária’ da educação, o ‘saber’ é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das ideologias da opressão - a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra no outro.”

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implementada. Ainda que tivesse por objetivos “preparar as gerações futuras para o

exercício das atividades cívicas fundadas nos princípios da Democracia, do respeito à

Lei e do espírito do amor à Pátria.” Visando “a preservação do espírito religioso, da

dignidade da pessoa humana, o fortalecimento da unidade nacional e o aprimoramento

do caráter.” 480 Na verdade, a educação escolar estava longe de se integrar à realidade.

Era impossível fazer críticas ou expor qualquer opinião contrária ao governo. Durante

as aulas expositivas de “respeito à Lei e do espírito do amor à Pátria”, enquanto

centenas de alunos secundaristas e universitários sentavam no banco escolar para abrir

seus livros de moral e cívica, de organização social e política brasileira e de estudos dos

problemas brasileiros, outros tantos juntamente com seus professores eram torturados e

assassinados, ou então, desapareciam nos “porões da ditadura.” E sobre esse fato

nefasto da história brasileira e da educação brasileira com certeza não se discutia em

voz alta nas escolas e muito menos era notícia que podia ser veiculada pelos jornais.

Nesses anos ficaram famosas as receitas de culinária, e até hoje se tenta costurar os

remendos do frágil sistema educativo brasileiro que foi destroçado pelo regime militar,

de modo que até hoje é impossível se chegar à verdade dos fatos, mesmo porque o

trabalho nesse sentido pouco mostra progresso. Infelizmente o Supremo Tribunal

Federal, 30 anos depois, no ano de 2011em decisão sobre a Lei de Anistia 6.683/79,

acabou por perdoar os assassinos e torturadores que atuaram contra movimentos de

resistência à ditadura militar. Contudo no inicio do ano de 2012 o Estado Brasileiro

acabou sofrendo sua primeira condenação internacional sobre os acontecimentos cruéis

que aconteceram durante o Golpe de 1964 e pelo Ato Institucional nº 5 de 1968.

Mas, até onde sabemos, o sistema educativo guiado pelo governo ditatorial teve

ao menos um diminuto mérito e manteve alguma campanha em prol de erradicar o

analfabetismo pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL – criado pelo

Decreto-Lei n. 5.379 de 15 de Dezembro de 1967, que inicialmente até se inspirou no

projeto didático de Paulo Freire, porém o então governante do país, que já havia exilado

o pedagogo alterou seu projeto de maneira tal, que permaneceu o aprendizado da leitura,

mas, nela não ficou incluída, de maneira alguma, a consagração da educação como meio

de conscientização da realidade e muito menos algum tipo de educação que levasse à

politização do brasileiro.

480 Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo. op. cit. p. 143. Verbete: Comissão Nacional de Moral e Civismo.

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Dessa feita, o Decreto-Lei 5.379/67 foi reformulado em 1970 pelo, então,

Ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho, que se propunha objetivamente a

realizar um programa intensivo de alfabetização de adolescentes e adultos entre 12 e 35

anos. O programa tinha caráter permanente e só terminaria com a erradicação do

analfabetismo. Ele também tinha por meta oferecer oportunidade para uma

semiqualificação ou aperfeiçoamento do homem que já estivesse alfabetizado para que

ele assim, educado, se tornasse capaz por esforço próprio progredir e nesse processo de

autoajuda também, alavancasse o progresso do Brasil481.

Com tais metas muito bem colocadas, o Decreto-Lei, reformulado, convocava

toda a comunidade brasileira para participar dessa cruzada contra o analfabetismo, tanto

que tinha por base o voluntariado e oferecia treinamento aos alfabetizadores e material

didático (autoinstrutivo) para os grupos que tivessem ao menos 20 alfabetizandos e os

postos de aprendizagem eram cedidos gratuitamente pelas igrejas, clubes e sociedades

recreativa.

O Mobral tinha personalidade jurídica e respondia diretamente ao gabinete do

Ministro da Educação e Cultura. Por política operacional adotou-se a descentralização,

pois considerava “o município e o esforço da comunidade municipal como ponto de

partida e a célula principal do movimento.” Era financiado pelos recursos que

provinham das verbas orçamentárias do Ministério da Educação, de parte da

arrecadação da Loteria Esportiva e dos auxílios que viessem do Decreto-lei 1.124 de 8

de setembro de 1970 que facultou às pessoas jurídicas destinar na Declaração do

Imposto de Renda, no ano base, 1% em favor do MOBRAL, que podia também ser

antecipado em até 2%, mas essas contribuições eram opcionais.482

E apesar do MOBRAL ter mobilizado o Brasil com a campanha que tinha por

slogan: “Você também é responsável”, na verdade ele somente começou a receber

verbas três anos após sua criação em 1967 e durou 15 anos. E é hoje abertamente

481Idem, Ibidem, p. 453 482 Idem, Ibidem, p. 454

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considerado um dos maiores fracassos da educação brasileira de acordo com a

reportagem do Estadão de 8 de setembro de 2010483:

Sérgio foi tirar carteira do INPS. Ele agora está seguro. Tem seu futuro garantido". "O povo vive em ordem. O povo ajuda o país. Todos devem ajudar". Estes são dois exemplos de texto distribuídos pelo Mobral. As palavras de ordem eram otimismo e esperança. Para o governo da época bastaria o cidadão obter o diploma do Mobral e tirar sua carteira do INPS para ter o futuro garantido. Em seu primeiro ano de funcionamento o Movimento Brasileiro de Alfabetização teve sete milhões de alunos matriculados, ou 38% dos analfabetos do País na época. O Mobral durou 15 anos - foi extinto em 25 de novembro de 1985 pelo presidente José Sarney - e se transformou num dos maiores fracassos educacionais da história do Brasil. Diplomou apenas 15 milhões dos 40 milhões de brasileiros que passaram pelas suas salas, diminuindo em apenas 2,7% o índice de analfabetismo no País.

Observamos que em 1970: 96,9% das crianças entre as idades de 7 e 9 anos em

famílias cujo rendimento era inferior a um salário mínimo estavam fora da escola e

77,3% das que estavam entre 10 e 14 anos com o mesmo rendimento familiar também

estavam nessa lamentável situação.484

E ainda que durante a vigência da democrática Constituição de 1946, João

Goulart tivesse aderido às ideias de Paulo Freire essas foram desvirtuadas e acabaram

sendo usadas para canalizar as ideias do capital estrangeiro e a educação surgiu nesse

panorama como um processo para acalmar a crise. A verdade é que as medidas

governamentais trabalharam apenas algumas defasagens de maneira pontual e a

educação não acompanhou o progresso. O que facilitou muito para os militares que

também golpearem a Educação, tanto que entre 1964 e 1970 além das reformas

universitárias, foram realizados 10 acordos nomeados de “acordo MEC- USAID” que

foi criticado pela juventude brasileira e por Moreira Alves, à época, como uma tentativa

de dominação do futuro das gerações brasileiras pela imposição de um sistema de

483 SACONI, Roseli. Mobral Fracasso do Brasil Grande. Disponível na Internet: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,mobral-fracasso-do-brasil-grande,606613,0.htm Acesso em: abril de 2012. Matéria publicada em 8 de setembro de 2010 no Jornal Estado de São Paulo. 484 Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados fornecidos da tabela extraída no anuário estatístico do Brasil de 1979. Rio de Janeiro: IBGE, v.40, 1979.

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ensino baseado nos interesses norte-americanos.485 Tais acordos foram realizados em

segredo de Estado entre representantes do Governo Americano e do Brasil, pouco se

sabia sobre eles e somente após ter sido dado início a um processo de apuração por

crime de responsabilidade é que seus integrantes vieram a público com algumas

informações, mas não todas, é claro, e conforme denunciado pelo então deputado

Moreira Alves no estudo já referenciado:

Os planos feitos pela USAID para o ensino primário, médio e superior não foram publicados. Aqui e ali, no entanto, descobrimos sinais da sua existência. É o caso, por exemplo, das propostas que se renovam de se transformarem as universidades federais existentes em fundações. A transformação das universidades brasileiras em fundações não representa apenas uma tentativa de se restringir ainda mais as já quase nulas possibilidades de acesso dos filhos da pequena classe média e do operariado ao ensino superior, o que lhes proporcionaria ascensão social. Vai muito além. É a colocação de todo o sistema universitário brasileiro na dependência do interesse direto e imediato do poder econômico norte-americano no Brasil.

Uma das cláusulas desse acordo chegou a impor que durante três anos o Brasil

não poderia editar e comercializar nenhum livro didático sem que antes ele passasse

pelos critérios da agência Agency for International development – AIDE – que tinha por

função não a concepção de estabelecer uma estratégia para o desenvolvimento da

educação, mas sim influenciar e facilitar estratégias nos setores em que seus

conhecimentos, experiências e recursos financeiros pudessem representar uma força

construtiva para atingir os objetivos visados.

O MEC – Usaid também visaram as reformas de 1º e 2º graus, mas

principalmente queriam que os estudantes brasileiros obtivessem uma profissão antes

mesmo de chegar ao ensino universitário. Mais uma vez a educação era instrumento

para realizar discriminação social, pois essa profissionalização do nível médio foi vista

como uma exigência dos militares no poder que visam fortalecer o desenvolvimento

capitalista; o seu resultado seria “selecionar” os mais capazes para a universidade, dar

ocupação aos considerados “menos capazes”. Além disso, conteria a demanda da

educação superior em limites mais estreitos, diminuindo os excedentes universitários

485 ALVES, Márcio Moreira. Beabá dos MEC-Usaid. Riode Janeiro: Gernasa, 1968. Disponível na internet: http://www.dhnet.org.br/verdade/resistencia/marcio_alves_beaba_mec_usaid.pdf Acesso em: abril de 2012.

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ganhava a industrialização, pois ainda poderia contar com alguma especialização ao

mesmo tempo em que contava com mão de obra barata.

Foi assim que caminhou a democratização da educação em tempo de ditadura:

para os mais pobres e analfabetos Mobral e semiqualificação; para as crianças, um

ensino precário, visto que em sua maioria eram miseráveis e, dessa forma, não

precisavam chegar a lugar algum, já que alguém tinha que catar o lixo nos aterros

sanitários e trabalhar como escravos para os carvoeiros; para a classe média,

profissionalização mais barata e para os universitários, mordaça e mortalha.

Esses procedimentos facilitavam bastante a vida dos militares detentores para

do poder político porque ao invés de cuidar da educação e do bem estar- comum podiam

cuidar de coisas mais importantes, como por exemplo, esconder seus crimes contra a

humanidade e censurar qualquer palavra, expressão ou vírgula que fosse contrária ao

seu regime revolucionário. O interesse em manter o povo cativo ao analfabetismo e ao

semianalfabetismo vinha ao encontro com as mais profundas inspirações da ditadura,

pois, como sabemos a educação causa um empoderamento a quem o leva à serio. De

maneira que, quem estuda aprende a analisar criticamente a realidade, e esse modo de

pensar implica em questionamentos o que pode suscitar resistência aos regimes

impostos. Nesse sentido, questionamentos e resistência eram condutas rechaçadas pelos

militares que se traduziam em um governo tirano, despótico e corrupto. Contudo, esses

fatos não impediram que a brava gente lutasse pela normalização da democracia no

país. Estudantes, políticos, sindicalistas aos poucos e muito aos poucos um sucedendo

aos outros, durante 21 anos, foram lutando contra a ditadura.

Objeções nesse período significavam, antes de tudo, interrogar acerca das

torturas e desaparecimentos de filhos, filhas mães e pais, esposas, maridos, irmãos e

amigos. Era indagar a ausência de uma Constituição Democrática, mas, também,

significava questionar a econômica política brasileira que passava pelo seu chamado

“milagre”, que era promovido pela propaganda do governo com o seguinte slogan

“Brasil grande potência”. Era possível influenciar muita gente com esse slogan já que

agora mais de 40% dos lares brasileiros possuíam televisão, influência que teve ajuda da

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TV Globo que com o apoio do governo naquela época havia conseguido se expandir

para uma rede nacional, o que facilitou o controle do governo. 486

Para quem quer compreender a concretização de direitos sociais no Brasil por

meio de políticas públicas sociais desenvolvidas no Brasil precisa compreender o que

foi chamado pelos governantes no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 de “o

milagre brasileiro”. Nesse sentido, a problemática que o Brasil enfrenta com relação a

não efetivação dos direitos sociais é em grande parte um legado que nos foi deixado por

esse período.

O “milagre” foi planejado, tendo o Ministro Delfim Neto à sua frente, para que,

em primeiro lugar, o estado brasileiro se beneficiasse do braço direito do

neoliberalismo, a globalização da economia, que pôs no mercado uma ampla

disponibilidade de recursos e incentivou que países em franco desenvolvimento

aproveitassem-se disso para tomarem empréstimos externos. Pedimos empréstimos e,

também, recepcionamos o capital estrangeiro que em 1973 já havia alcançado o nível

anual de US$ 4,3 bilhões, quase o dobro de 1971 e três vezes mais do que o ano de

1970. Nesse período, houve também uma grande expansão do comércio exterior e o

governo tratou de incentivar à exportação de produtos industriais, por meio da cessão de

créditos favoráveis e isenção e ou redução de tributos. Feito isso, se aumentou a

arrecadação de tributo, diminuiu-se o déficit público e a inflação: o milagre está feito! 487

Contudo, “o milagre” teve seus pontos vulneráveis e negativos, sendo o principal

ponto vulnerável dele, relatado por Boris Fausto referenciado acima: a dependência

excessivamente do sistema financeiro e do comércio internacional, o que nos levou a

ficar cada vez mais dependente dos produtos importados, entre eles o petróleo.

No entanto, o grande ponto negativo e não divulgado pelos responsáveis por tal

milagre foi a questão social, que envolveu um impactante arrocho salarial. Nas palavras

do historicista:

486 FAUSTO, Boris. op.cit.; p.268 487 Idem, Ibidem, p. 279

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Os aspectos negativos do “milagre” foram principalmente de natureza social. A política econômica de Delfim Neto privilegiou a acumulação de capitais, através das facilidades apontadas e da criação de um índice prévio de aumento de salários em nível que subestimava a inflação. Do ponto de vista do consumo pessoal, a expansão da indústria, notadamente no caso do automóvel, favoreceu as classes de renda alta e média, mas os salários de baixa qualificação foram comprimidos.

Ou seja, os pobres ficaram cada vez mais pobres, e isso significa dizer que

começa uma elevadíssima concentração de renda na mão dos mais ricos, desse modo,

desigualdade social aumentou. Contudo, ela foi levemente atenuada, pois estava em

andamento uma expansão das oportunidades de emprego, e assim houve um maior

número de pessoas trabalhando. Logo, o arrocho salarial do mais pobre não foi tão

sentido, a não ser pelo paupérrimo.

Outro impacto negativo do milagre que perdura depois dele, agora muito mais

por uma questão de cultura política, é que houve uma desproporção entre o avanço

econômico e o retardamento e até mesmo o abandono dos programas sociais pelo

Estado488:

(...) O Brasil iria notabilizar-se no contexto mundial por uma posição relativamente destacada pelo seu potencial industrial e por indicadores muito baixos de saúde, educação, habitação, que medem a qualidade de vida de um povo. O “capitalismo selvagem” caracterizou aqueles anos e os seguintes, com seus imensos projetos, que não consideravam nem a natureza nem as populações locais. A palavra “ecologia” mal entrara nos dicionários e a poluição industrial e dos automóveis parecia uma benção. No governo Médici, o projeto da rodovia Transamazônica representou um bom exemplo desse espírito. Foi construída para assegurar o controle brasileiro na região – um eterno fantasma na ótica dos militares – e para assentar em agrovilas trabalhadores nordestinos. Após provocar muita destruição e engordar as empreiteiras, a obra resultou em um fracasso.

Assim, a partir de 1974, os ditadores se viram incapacitados de lidar com o

modelo de desenvolvimento que idealizaram para o país que, segundo José Eduardo

Faria489:

488 Idem, Ibidem, p. 279. 489 FARIA, José Eduardo. op.cit.; p. 14

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[...] possuía brechas suficientemente amplas para gerar obstáculos à sua execução. Com o impacto negativo do primeiro choque do petróleo, o regime autoritário se revelou incapaz (a) de promover uma reformulação nos seus gastos, funções e responsabilidades; (b) de administrar o crescente conflito entre os interesses do capital industrial; (c) de redefinir o papel do capital produtivo no esforço de substituição de importações; (d) de avaliar corretamente as conseqüências da mudança de comportamento do capital externo (...) Tendo, nos períodos de rápido crescimento, criado novos órgãos, assumido o papel de empresário e formulado políticas de longo prazo a partir de critérios super-estimados, o regime superpôs agências burocráticas, empresas públicas e gastos não controlados; ao agir desse modo, acabou comprometendo a racionalidade da ação estatal e reduzindo a liberdade de seus governos para rever as prioridades do setor estatal em face das crises energética e financeira.

No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, há uma crise social, política,

econômica em todos os setores. Em 1973, no governo de Médici que havia começado

um processo de abertura política, lento e gradual, ocorre a primeira crise de petróleo

internacional, a qual afeta profundamente o Brasil que importava mais de 80% do total

de seu consumo. Em 1974, toma posse o General Geisel, que tenta por meio de planos

econômicos conter a crise; mas ele tinha que lidar com o arrocho salarial que passou a

ser indexado anualmente o que desagradava profundamente os assalariados, e ainda teve

que lidar com o pagamento das taxas de juros dos empréstimos internacionais. Os

líderes sindicais que protestaram foram severamente reprimidos, mas desses embates

saíram fortalecidos e em 1979 cerca de 3,2 milhões de trabalhadores entraram em greve.

Nessa época, começa a se destacar os sindicalistas do Grande ABC paulista,

reconhecido como polo industrial, pela sua notável organização que por volta de 1978

tinha 43% dos seus metalúrgicos sindicalizados, como sempre os sindicatos

continuaram na sua linha de politização de seus associados. 490

3.4 O processo de abertura política no Brasil, eleições diretas e a necessidade da

construção de um sistema educacional constitucional

Quando, então, toma posse o General João Figueiredo que amplia o processo de

abertura política em meio a uma profunda crise econômica, a inflação havia alcançado

490 FAUSTO, Boris. op.cit.;p. 273-277

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índices anuais de até 110,2%. Lidar com a dívida externa tornou-se um tormento, o

Brasil havia sido considerado insolvente. Para não decretar a moratória, o Brasil aceita o

plano do FMI que previa cortes de gastos e compressão salarial. Esse plano obteve

sucesso parcial, quando no início de 1985 o governo militar deixa o Brasil. 491

Dessa forma, ainda que houvesse opositores, a abertura política acorreu. Muitos

exilados são anistiados e essa foi a brecha que os brasileiros, cansados das

arbitrariedades e de um governo cujo regime burocrático-autoritário estava em colapso,

precisavam para iniciar a campanha por eleições diretas no país, conhecida como

Diretas Já, a qual dominou o espírito do povo brasileiro que, sofrido e sedento estava

ávido pela implementação de uma real República onde realmente a res publica de fato

voltasse para as mãos dos seus verdadeiros donos: o povo brasileiro, que por sua vez,

não mais desejava permanecer sob o poder de algumas mãos que carregavam fuzis.

Dessa modo, o povo, motivado, passa a acreditar na viabilidade de se construir

uma democracia social que fosse capaz de bidimensionalizar a justiça social pela

conjugação conjunta de reconhecimento, redistribuição e participação com fundamentos

na dignidade da pessoa humana para que finalmente fosse possível diminuir a

desigualdade social pela erradicação da pobreza e marginalidade.

Com a Emenda Constitucional n. 26 de 27 de novembro de 1985, que tem de

acordo com José Afonso da Silva492 ato de natureza, apena político, assim como foi com

o ato institucional de 1969 e como foi como artigo 217 da Constituição de 1946,

colocamos um fim ao antigo regime constitucional e estabelecemos outro. Isso porque,

pela Emenda Constitucional n. 26 convocou-se nova Assembléia Nacional Constituinte.

As eleições são acirradas para presidência, havia muita comoção por todo o país

e muita esperança também. Ganha Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, que

havia liderado a campanha pelas Diretas Já. Sobre seus ombros pesava a

responsabilidade de concretizar um país democrático e social por uma Nova

Constituição que seria elaborada por uma Constituinte soberana e livre. Infelizmente,

491 Idem, Ibidem, p. 278 e seguintes. 492 SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 87.

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ele morre antes da sua posse e assume José Sarney, seu vice “que sempre esteve ao lado

das forças autoritárias e retrógadas.”. Mas, ainda assim, deu segmento ao projeto de

Tancredo Neves e nomeou uma comissão de Estudos Constitucionais que elaboram o

anteprojeto da Constituição que tinha apenas a natureza de servir como uma

colaboração à Constituinte.493

Nessa direção e dando segmento ao projeto de democratização do país, José

Sarney envia proposta de emenda ao Congresso convocando a Assembléia Legislativa,

aprovada a EC. N 26 ao qual nos referimos acima. Porém, quando realizou esse ato, ao

invés de convocar uma Assembléia Nova, convocou os deputados da Câmara e os

senadores que haviam acabado de ser eleitos para se reunirem em Assembléia Nacional

Constituinte, de maneira que não houve novas eleições para uma nova Assembléia

Constituinte. O que a rigor fez, foi chamar um Congresso Constituinte, conforme nos

ensina José Afonso da Silva e isso até hoje é criticado por muitos como um ato

antidemocrático que contaminaria a própria Constituição que acabou sendo Promulgada

em 5 de Outubro de 1988. 494

A Constituição de 1988495 é expressa internacionalmente como uma constituição

avançada, ou seja, ele é compatível como o neoconstitucionalismo e com a

internacionalização dos direitos humano. Podemos inferir, através dessa Constituição

que essas opiniões são verdadeiras. Porém, é um texto longo que tem demasiados

detalhes e que segundo, a doutrina constitucionalista pátria, lá não devia estar.

No entanto, é importante ressalvar que havia muitas comissões de estudos sobre

os vários temas que compõem a Constituição. As pessoas que provinham de vários

setores e segmentos da sociedade trabalharam nessa Assembléia Constituinte que

elaborou o Texto Constitucional de 1988. Foi um congresso constituinte, realmente

pluralista, e que consagra uma democracia da maioria. Porém, todas as pessoas que ali

estavam representando os vários segmentos e setores da sociedade brasileira, pela

493 Idem, Ibidem, p.88 -89 494 Idem, Ibidem, p. 87 495 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Documento Disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm Acesso em: agosto de 2012

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primeira vez, tinham em comum o pensamento de que estava mais do que na hora de se

consagrar a vontade geral do povo, que lá estava presente em corpo, mente e espírito,

inspirando todo e qualquer esforço para que no Texto fosse devidamente planificado

delineando os valores supremos e substanciais que deveriam fazer parte de suas vidas,

cotidianamente.

Entretanto, todos lá presentes tinham uma coisa em comum: a desconfiança que

nutriam pelo governo. Era preciso que todas as pautas fossem devidamente explicadas

em detalhes para que não fosse permitido ao legislador ordinário modificá-la ao seu bel

prazer e de acordo com as intenções do Estado. Nesse sentido, há muito se fazia urgente

uma Constituição que consagrasse a primazia ao ser humano.

A Constituição de 1988, sem dúvida, consagra em seu Texto uma Democracia

Social, desde que a o Estado brasileiro, o cidadão, a família e a sociedade como um todo

passem a exigir e a cumprir o que ela determina se efetive. Dessa forma, a devemos nos

comprometer com a Educação como direito de todos, pois na Constituição, em detalhes,

está disposto o standard mínimo vital para que esse tipo de educação se concretize

como o melhor caminho para que realizemos plenamente o nosso mais alto ditame: a

proteção da dignidade da pessoa humana.

Então, considerando tudo o que foi exposto até aqui, passaremos, a analisar a

Educação na Constituição de 1988.

3. 5. A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

De acordo com Lauro Luiz Gomes Ribeiro, a Educação como direito apresenta-

se sob três aspectos distintos496:

1) Normas específicas sobre educação em capitulo próprio, conforme já

expusemos: Título VIII, capitulo III, seção I- art. 205 a 214;

496 RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes. op.cit. p. 215-218.

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2) Em vários dispositivos dispersos pela Constituição que estão fora do Título

VIII da Ordem Social como aqueles que cuidam da distribuição da competência entre os

entes federativos (art. 22, inciso XXIV), ou ainda uma norma que prescreve como já

apontamos a promoção de um certo tipo de tipo de educação especifica como: a

ambiental (art. 225, § 1º, VI); ou outra tipo de norma, que por exemplo protege

especificamente um determinado tipo de aluno, como o artigo 227, § 3º, III que garante

que ele também, sendo trabalhador adolescente, acesso à escola; ou ainda nas

disposições transitórias, art. 60, “caput” que determinou que até o 14º ano da

promulgação da Constituição, os Estados, Distrito Federal e os Municípios em

atendimento ao disposto no caput do artigo 212 da Constituição Federal destinariam tais

recursos especialmente a educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores

da educação; bem como o artigo 30, VI que atribui ao Municípios competência para

manter cooperação técnica e financeira com a União e os Estados, para o

desenvolvimento de educação infantil e ensino fundamental;

3) Disposições que, segundo o autor, apesar de não tratar especificamente de

educação “são sempre e bastante utilizada para o resguardo desse direito” como o

capitulo I do Título II, artigo 5º; isso inclui, conforme já aportamos, inclusive, os

tratados, convenções e pactos internacionais ratificados por nós nesse sentido.

De maneira que vale salientar que a leitura da Constituição, que forma uma

unidade, deve ser feita como um todo, pois ela não é um caos de regras e princípios

soltos aleatoriamente; ela requer nos termos que já exposto, um leitura holística para e

uma compreensão sistêmica.

3.5.1 O Artigo 205 da Constituição de 1988: educação como direitos de todos e a

necessidade de uma educação igual para gerar iguais oportunidades

A Educação, como determina o Texto Constitucional no artigo 205, é “Direitos

de todos [...]”; isso significa dizer que o legislador constituinte originário consagrou o

princípio da universalidade de acesso a todas as pessoas humanas que residirem no país.

Inclusive reafirmamos a visão da Declaração Mundial de Educação Para Todos,

realizada em Jomtien, no ano de 1990 pelo Marco de Ação de Dakar realizado no

Senegal, Dakar em 2000 que apoia a Declaração Universal de Direitos Humanos e a

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Convenção sobre os Direitos da Criança m que consagram que toda criança, jovem e

adulto têm o direito humano de se beneficiar de uma educação que satisfaça suas

necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que

inclua aprender a aprender, a fazer, a conviver e a ser. 497

Todos têm direito ao acesso a uma educação que se destine a captar todos seus

talentos e potencial para que desenvolva na plenitude a personalidade de cada educando,

e quando concretizada possa melhorar suas vidas e transformar a sociedade em um lugar

melhor. Nesse sentido esse acesso também deve alcançar inclusive os filhos de

imigrantes que estejam residindo no país de forma irregular, dado que o Estatuto do

Estrangeiro498 - Lei 6.850 de 19 de agosto de 1980 - no seu art. 2º diz que o imigrante é

um problema de segurança nacional. Logo, crianças e adolescentes estrangeiros ou

filhos de estrangeiros ilegais, que estejam nessa situação por determinação de norma

infraconstitucional são, em geral, impedidas de frequentar escolas isso porque a elas são

estendidos conforme o artigo 26, §2º dessa mesma lei as penalidades que se aplicam aos

seus familiares responsáveis. Assim, crianças e jovens estrangeiros e mesmo seus pais

somente podem estar devidamente matriculados nas escolas brasileiras com suas

situações devidamente regularizadas, até o que causa muitas vezes essa impossibilidade

de seu exercício de direito fundamental à educação é o fato de não trazerem consigo os

documentos necessários para efetuar essa matrícula, ainda que estejam devidamente

regularizados. Logo, tais disposições da lei infraconstitucional, citada são

inconstitucionais porque incompatível com o Texto Constitucional de 1988 que

determina pelo artigo 5º “caput” que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros a inviolabilidade do

direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos seguintes

termos[...]” , expressão que nos remete ao artigo 6º e ao Título VIII, que consagram os

direitos sociais. De imediato podemos concluir que partiu do Poder Constituinte

originário não fazer distinção no diz respeito a estrangeiros ter acesso ou não aos seus

direitos fundamentais. Evidentemente, que essa determinação, inclui o acesso a uma 497 Marco de Ação de Dakar Educação Para Todos: Atingindo nossos Compromissos Coletivos Texto adotado pela Cúpula Mundial de Educação Dakar, Senegal - 26 a 28 de abril de 2000. Disponível na Internet: http://www.oei.es/quipu/marco_dakar_portugues.pdf . Acesso em: setembro de 2010. 498 Estatuto do Estrangeiro. Disponível na Internet: http://www.dpu.gov.br/encontro/encontroredpo/pdf/Lei%206815%20-%2019081980%20-%20Estatuto%20do%20estrangeiro.pdf Acesso em agosto de 2011.

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educação digna. Além disso, o Poder Constituinte Originário quando usou no artigo 5º,

“caput”, a expressão estrangeiro não discriminou sobre se sua permanência deveria ou

não estar devidamente regularizada como condição para usufruição de seus direitos

fundamentais de forma que já tramita no Congresso um projeto de lei -PL. N. 5655/09 -

que499:

[...] estipula não só que todos os filhos de estrangeiros podem se matricular nas escolas brasileiras, mas também prevê a regularização facilitada para imigrantes atraídos para o país com promessas falsas. O governo federal concede periodicamente anistia imigratória com visto de residência permanente. Existem hoje 830 mil imigrantes no país, 50 mil com situação ilegal (dados do governo federal).

A “educação direito de todos” significa dizer que não deve haver discriminação

no processo educacional de acordo com gêneros, origem de nascimento, orientação

sexual, localidade regional, religião, cor, ou, ainda desigualdade sócio econômica,

porque não pode haver uma educação para pobres e outra para ricos, conforme artigo 3,

inciso IV combinado com 206, inciso I da Constituição Federal, que garante como

princípio informador do ensino que deve haver igualdade de condições para o acesso e a

permanência na escola, o que delinearemos mais a frente.

Assim, isso também significa dizer que todos têm direito a uma educação igual,

isso porque o objetivo da educação como direito de todos é garantir que todos partam do

mesmo ponto, todos possam desfrutar da mesma forma de educação para futuramente

terem como competir em pé de igualdade pelas mesmas oportunidades e, desse modo,

colaborarem umas com as outras em prol de edificar uma justiça social por meio de suas

particulares colaborações que serão desenvolvidas pela “educação igual”. Garantir o

acesso a todos, em iguais condições, é dever do Estado, das escolas e da sociedade para

que durante esse processo educacional se respeite os valores culturais, artísticos e

históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes

a liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura, conforme disposição

constitucional material do artigo 58 do Estatuto da Criança e do Adolescente que deve

ser lido em conformidade com os artigos 205 e 206 e seus incisos, mais o “caput” do

artigo 215, todos da Constituição vigente.

499 Noticia da Revista Educação disponível on- line: http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/noticias/artigo233002-1.asp Acesso em agosto de 2012.

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De sorte que a educação como direito de todos inclui proporcionar, inclusive à

crianças e jovens portadores de deficiência ou doença educação especializada se for o

caso, que os habilite a desfrutarem plenamente e o máximo possível de suas liberdades e

do seu direito de acesso a uma educação digna, conforme foi consagrado pelo artigo

208, inciso III da Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente em

seu artigo 1º combinado com os artigos do capítulo IV, e pela Lei de Diretrizes e Bases

da Educação n. 9394 de 1996, que por seus artigos 58 a 60, capítulo V, dá plena

proteção a criança portadora de deficiência para que tenha um educação condigna que o

ajude a enfrentar suas dificuldades físicas ou mentais, natas ou adquiridas de forma que,

pelo acesso igual à educação e educação igual possa desfrutar plenamente de sua

cidadania.

A educação para todos, inclui também os menores infratores, uma vez que eles

precisam encontrar a ressocialização pelo melhor caminho, ou seja, pela educação.

Nossos legisladores previram que aquele que cumpri liberdade assistida deve ser a ele

aplicadas medidas sócio-educativas, e isso significa que o Estado, a escola e a sociedade

devem recebê-los nas escolas para que, desse modo, passam a frequentar a escola

regularmente, e isso sem que se ventile pelos corredores e pátios de recreação quais são

seus atos infracionais, visto que sobre eles devem os responsáveis guardar sigilo para

que a inclusão social se dê maneira completa e pacífica, já que são eles crianças e

jovens que também estão em formação e como os demais e requerem proteção integral.

Evidentemente que isso é um desafio para sociedade como um todo, no entanto cumpre

ao Estado desenvolver políticas públicas educacionais que preparem os profissionais

das escolas, as famílias e a sociedade para que firmem estrutura psicológica para que os

anime a recebê-los, tudo isso conforme consagrado pelos artigos 3º, 205, 206, 226 da

Constituição Federal.

Porém, não apenas os menores infratores tem o direito de frequentar a escola

para se beneficiar de um processo educacional; os adultos que cumprem suas penas

definitivas em regime fechado também. Essa condição tanto é possível que a Lei de

Execução Penal, assegura ao preso o acesso à educação que envolve instrução e

formação profissional conforme disposto no seu artigo 17, o que está em conformidade

com a Constituição de 1988. Esse direito também está integrado conforme com as

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Regras mínimas da ONU para o tratamento de reclusos500 e com as Regras Mínimas

para o Tratamento do Preso no Brasil que pela Resolução n. 14 do Conselho Nacional

de Política Criminal e Penitenciaria de novembro de 1994 501 que determina para

aqueles detentos que não possuem instrução gratuita da educação básica e fundamental,

além da instrução técnico profissional. Todas essas normas também correspondem ao

que determinado pela Declaração de Direitos Humanos, bem como de acordo com os

Princípios para Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a qualquer forma de Detenção ou

Prisão 502, dada pela Resolução n. 43/173 na 76º Sessão da Assembleia Geral da ONU

em 1988, bem como de acordo com os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de

Reclusos, declarados pela ONU que visam a humanização da justiça penal e a proteção

dos direitos da pessoa humana.

No Brasil em acordo com esses princípios constitucionais materiais estão as

regras do art. 17 da Lei de Execução Penal503 que vem complementada pelas

disposições do art. 18 e art. 19. Eles preveem respectivamente que o ensino de primeiro

grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa, e que o

ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento

técnico. O parágrafo único garante a mulher condenada ensino profissional adequado à

sua condição, bem como todas essas atividades educacionais podem ser objeto de

convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam

ensino especializado. Como, também é permitido ao recluso e reclusa, participar de

curso por correspondência, rádio ou televisão, desde que isso não interfira na segurança

do estabelecimento prisional, que deverá dar condições para que neles haja uma

biblioteca para o uso de todas as categorias de reclusos, com livros instrutivos,

recreativos e didáticos todos voltados para que o preso tenha uma formação completa,

500 Normas e Princípios das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal. Disponível na internet: http://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/projects/UN_Standards_and_Norms_CPCJ_-_Portuguese1.pdf. Acesso em: agosto de 2012. 501RESOLUÇÃO Nº 14, DE 11 DE NOVEMBRO DE 1994. Disponível na internet: portal.mj.gov.br/services/.../FileDownload.EZTSvc.asp?.. Acesso em agosto de 2012. 502 Princípios para Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a qualquer forma de Detenção ou Prisão. Disponível na internet: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-na-Administração-da-Justiça.-Proteção-dos-Prisioneiros-e-Detidos.-Proteção-contra-a-Tortura-Maus-tratos-e-Desaparecimento/conjunto-de-principios-para-a-protecao-de-todas-as-pessoas. Acesso em: agosto de 2012. 503 Lei de Execução Penal. Disponível na Internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210compilado.htm Acesso em agosto de 2012.

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se assim o desejar, ou seja, os profissionais da educação que lidam com os reclusos têm

a missão de fazer com que seus educandos se reencontrem com seu educere.

É em obediência ao enunciado normativo, do artigo 205: “Educação direitos de

todos” o Brasil começou a desenvolver as políticas públicas que chamamos “ações

afirmativas” que são ações de políticas públicas educacionais voltadas a corrigir o erro

histórico de discriminação racial, pois desde o Brasil - colônia, os negros e os índios de

nosso país vêm passando por um processo longo e dolorido de exclusão social formando

uma grande massa de incompreendidos, senão vejamos:

No período que antecede a vinda da família real para o Brasil, destaca-se a

presença dos jesuítas que, vindos da Europa em 1549, por aqui permaneceram até o ano

de 1759. Já nos primeiros quinze dias, engajados em pôr em prática um plano de ação

que envolvia evangelização e política, com o apoio da Coroa Portuguesa, da família

patriarcal e da Igreja Católica juntamente com a fundação da cidade de Salvador,

criaram uma escola elementar e por 210 anos eles foram os únicos educadores do Brasil

e monopolizaram a instrução em todos os níveis, tornando-se os únicos mentores

intelectuais e espirituais daquela época.

A primeira escola brasileira, é bem verdade, ficou a mercê da resistência imposta

pelo meio natural e humano que por aqui existia. Porém, sua atuação estava sob extrema

disciplina e atingiu a todas as camadas que eles visavam abarcar da então sociedade

brasileira e, como sua missão envolvia principalmente a evangelização e a política,

usavam para instruir as disciplinas de inspiração européia medieval, portanto,

escolástico-aristotélica, logo se espelhavam nos humanistas e era corrente o uso do

latim e do grego.

O ensino jesuítico tinha como objetivo a formação da elite, portanto, tratava-se

de uma educação que tinha por fundamento a fuga do trabalho manual e o desprezo total

pelos fatos da vida. Não se aprendia com os jesuítas a lidar com problemas cotidianos e

tampouco o ensino de trabalho especializado. No Brasil- colônia, tais trabalhos eram

deixados para os índios e para os negros escravos. Não há uma estimativa precisa da

população indígena do período colonial, mas os cálculos são bem variáveis para o que

hoje representa o Brasil e o Paraguai, especula-se dois milhões para esse território e

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cinco milhões para a região amazônica. Entretanto, sabe-se que os jesuítas fizeram

grandes esforços para evangelizá-los, e essa evangelização não envolvia educação

elementar ou literária, estava apenas comprometida com o ideal de transformá-los em

“bons cristãos”. A chegada do homem europeu representou uma imensa catástrofe que

ia destruindo tudo o que tocava, principalmente, para os índios que tinham uma cultura

de subsistência e, portanto, de contato íntimo com a natureza a fim de não extrair dela o

que excedia. Assim, tanto aqueles que se submeteram como aqueles que não se

deixavam submeter, passaram por uma violência cultural que os levava à morte e

doenças. A única forma encontrada pelos índios para não morrer era se deslocar para

regiões cada vez mais distantes e pobres do território. Já os negros escravos que para cá

foram trazidos como mercadorias e não como pessoas, vieram para trabalhar no cultivo

de grandes propriedades que haviam sido distribuídas pela Coroa Portuguesa durante o

período inicial da colonização e estima-se que entre os anos de 1550 e 1855 entraram

pelos portos brasileiros quatro milhões de escravos. 504

Assim escravos e índios, excetuando o ideal da evangelização, estavam

completamente fora do esquema da educação elitista preconizada pelos jesuítas e assim

de certa maneira, apesar de alguns esforços ainda permanecem. Podemos constatar essa

verdade uma vez que são raros os casos de vermos índios ou negros: médicos,

engenheiros, executivos de médias ou grandes empresas, ou ocupando cargos públicos.

Embora reconheçamos que seja o plano de evangelização dos jesuítas que tenha iniciado

a unidade da cultura brasileira, pois onde houvesse uma igreja era de regra que se

abrisse uma escola o que possibilitou a interpenetração dos vários níveis de culturas,

para que se começasse a forjar pelo meio da mesma fé, mesma língua, mesmos

costumes uma unidade política para uma nova pátria, é preciso considerar que já se

buscava fundamentos para se instituir legalmente um princípio básico de exclusão pelo

fundamento da pureza de sangue. O que veio a tomar forma pela Carta-Lei de 1773,

onde foram considerados impuros: cristãos-novos, negros, (mesmo quando livres),

índios e várias espécies de mestiços. Por esse princípio, eles não poderiam ocupar

cargos, receber títulos de nobreza ou participar de irmandades de prestígio, e ainda que

504 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. op. cit. p. 16-30

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posteriormente a Carta-lei tenha acabado com a distinção entre cristãos-novos e antigos,

o preconceito persistiu, aliás, ainda persiste, pois:505

O critério discriminatório se referia essencialmente a pessoas. Mais profundo do que ele, existia um corte separando pessoas de não-pessoas, ou seja, gente livre dos escravos, considerados juridicamente como coisa. A condição de livre ou de escravo estava muito ligada à etnia e à cor, pois escravos eram negros, em primeiro lugar, índios e mestiços. Toda uma nomenclatura se aplicava aos mestiços, distinguindo-se os mulatos, os mamelucos, curicobas ou caboclos, nascidos da união entre branco e índio, e os cafuzos, resultantes da união entre negro e índio. (...) A escravidão foi uma instituição nacional. Penetrou toda a sociedade, condicionando seu modo de agir e pensar. O desejo de ser dono de escravos, o esforço para obtê-los ia da classe dominante ao modesto artesão das cidades. (...) O preconceito contra o negro ultrapassou o fim da escravidão e chegou modificado aos nossos dias. Até pelo menos a introdução em massa de trabalhadores europeus no centro-sul do Brasil, o trabalho manual foi socialmente desprezado como ‘coisa de negro’.

Daí ser correta, constitucional, justa e humana, ainda que tardia, a decisão do

Supremo Tribunal Federal Brasileiro que considerou constitucional as políticas públicas

educacionais que desenvolvem ações afirmativas pela ADPF 186 Relatada pelo

Ministro Ricardo Lewandowski,no julgamento que aconteceu em Plenário no dia 26 de

abril de 2012 e no mesmo sentido o RE 597.285 também relatado pelo já citado

Ministro que teve seu julgamento em 9 de maio de 2012, também em sessão plenária,

com repercussão geral 506:

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra atos da Universidade de Brasília (UnB), do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE) e do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE), os quais instituíram sistema de reserva de 20% de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes, com base em critério étnico-racial. (...) No mérito, explicitou-se a abrangência da matéria. Nesse sentido, comentou-se, inicialmente, sobre o princípio constitucional da igualdade, examinado em seu duplo aspecto: formal e material. Rememorou-se o art. 5º, caput, da CF, segundo o qual ao Estado não seria dado fazer qualquer distinção entre aqueles que se encontrariam sob seu abrigo. Frisou-se, entretanto, que o legislador constituinte não se restringira apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos diante da lei. Ele teria

505 Idem. Ibidem, p. 31 506 http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1 Acesso em maio de 2012.

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buscado emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros que viveriam no país, consideradas as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos, sociais ou até mesmo acidentais. Além disso, atentaria especialmente para a desequiparação entre os distintos grupos sociais. Asseverou-se que, para efetivar a igualdade material, o Estado poderia lançar mão de políticas de cunho universalista – a abranger número indeterminado de indivíduos – mediante ações de natureza estrutural; ou de ações afirmativas – a atingir grupos sociais determinados – por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares.

Já os índios que gozam também da proteção da Ordem Social Constitucional, e

pelo artigo 232 do Texto Supremo são partes legitimas com a intervenção do Ministério

Público para ingressarem com ações que defendam seus interesses, atualmente, ainda

que tardiamente, obtiveram pelo Supremo apenas assegurar a constitucionalidade de

ações afirmativas que dizem respeito a usufruição de um espaço fundiário que lhes

assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem

preservar sua identidade somática, linguística e cultural, conforme Pet 3.388 Relatada

pelo Ministro Carlos Ayres Britto, julgamento em sessão plenária no dia 19 de Março

de 2009 507:

Os arts. 231 e 232 da CF são de finalidade nitidamente fraternal ou solidária, própria de uma quadra constitucional que se volta para a efetivação de um novo tipo de igualdade: a igualdade civil-moral de minorias, tendo em vista o protovalor da integração comunitária. Era constitucional compensatória de desvantagens historicamente acumuladas, a se viabilizar por mecanismos oficiais de ações afirmativas. No caso, os índios a desfrutar de um espaço fundiário que lhes assegure meios dignos de subsistência econômica para mais eficazmente poderem preservar sua identidade somática, linguística e cultural. Processo de uma aculturação que não se dilui no convívio com os não índios, pois a aculturação de que trata a Constituição não é perda de identidade étnica, mas somatório de mundividências. Uma soma, e não uma subtração. Ganho, e não perda. Relações interétnicas de mútuo proveito, a caracterizar ganhos culturais incessantemente cumulativos. Concretização constitucional do valor da inclusão comunitária pela via da identidade étnica.

Sem dúvida, poderíamos observar um avanço se tivessem sido essas ações

tomadas a mais tempo. Entretanto, a inclusão do índio brasileiro e da mesma maneira,

em todos os lugares, pela educação, e principalmente por ações afirmativas, no mundo

507 http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1 Acesso em: maio de 2012.

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todo parece- nos hoje uma medida de extremada importância. Isso porque, nós os ditos

“homens civilizados”, temos que aprender com eles os princípios da sustentabilidade

para preservar, e quem sabe até, reconstruir em parte o meio ambiente, tão vital para a

humanidade e que a cada dia perde muito mais que um pouco devido, principalmente,

porque há uma escassez de educação nesse sentido. Inclusive por determinação

constitucional do artigo 225, inciso VI. Em outro sentido, também, a educação do índio

não é deve ser voltada a um determinado tipo de inclusão social que o transforme em

um “ser humano civilizado” ao modelo do que somos e ao modelo do que foi exigido

pela Igreja Medieval, isso porque temos que assegurar a força normativa do artigo 231

que consagra o reconhecimento e o respeito, aos índios e à sua organização social,

costumes, línguas, crenças, tradições. Logo, a educação indígena é um direito

assegurado ao todos os povos indígenas brasileiros, e conforme o artigo 210 da

Constituição Federal é dever do Estado fixar conteúdos mínimos para o ensino

fundamental, de maneira a assegurar a educação básica com respeitos aos valores

culturais e artísticos nacionais e regionais, o que ao povo indígena se concretiza por seu

§ 2º nos seguintes termos: "O ensino fundamental regular será ministrado em língua

portuguesa assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização de suas línguas

maternas e processos próprios de aprendizagem.” A Lei de Diretrizes e Bases para

Educação e o Referencial Curricular Nacional, asseguram aos povos indígenas um

educação com base nesses princípios, ambas em cumprimento à determinação

Constitucional asseguram ao educando indígena o direito constitucional a uma educação

bilíngue e intercultural, pelo artigo 79 §2º, inciso I.

Porém, de acordo com a III Assembléia Geral do Conselho dos Professores

Indígenas da Amazônia508, ocorrido em 2003, as escolas indígenas sofrem com os

seguintes problemas: a) Não reconhecimento das escolas indígenas; b) Falta de

infraestrutura adequada; c) Discriminação e preconceito; d) Não implementação da

legislação da Educação Escolar Indígena, em especial a Resolução 03/99; e) Ausência

de representação indígena nos Conselhos de Educação; f)Falta de uma política pública

para atender a necessidade do Ensino Superior voltado aos interesses dos povos

indígenas buscando o compromisso das universidades públicas; g) Falta de atendimento

ao Ensino Fundamental de 5ª a 8ª série; h) Falta de concursos públicos diferenciados

508 III Assembléia do Conselho Indígena Missionário. Disponível em http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=286 Acesso: em agosto de 2012.

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para resolver a situação dos contratos temporários; i) A não existência na maioria das

regiões de instâncias oficiais de participação, formulação de políticas e controle social

da Educação Escolar Indígena com ampla presença indígena; j) Paralisação e falta de

continuidade dos Cursos oficiais de Formação de Professores Indígenas;

Destaca-se que o MEC, em 2005 criou o Prolind- Programa de Apoio à

Formação Superior e Licenciaturas Interculturais Indígenas voltado à formação de

docentes do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

Deixamos por último, propositalmente, a “educação direitos de todos” que

também deve alcançar os idosos. Isso porque, conforme o que já dissertamos sobre o

tema e, no mesmo sentido os levantamentos de dados atuais, apontam que a população

brasileira de idosos, no Brasil, em pouco menos de 20 anos, ultrapassará a população

jovem, especificamente segundos os dados do IBGE, em 2025, portanto em 14 anos, a

população brasileira terá 33 milhões de idosos, e será a sexta maior população de idosos

do mundo. Por esses cálculos podemos imaginar a dimensão do problema. Se não

estamos sequer preparados adequadamente para atender a população infante, como

então o sistema educacional adequadamente deve se preparar para enfrentar esse fato ?

As respostas a essa questão não são simples e requer que aprofundemos

urgentemente nossos estudos. Mas, com segurança, as respostas devem alcançar o

Estado, a família e a sociedade como um todo para que, assim, possamos proporcionar

aos idosos de hoje e o do amanhã um amparo concreto e respostas eficazes que atendam

aos seus problemas. Entretanto, seja qual for o caminho a ser trilhado, além de seguir

todos os passos do Texto Constitucional para a educação, deve-se também disciplinar,

instruir, informar e formar a as pessoas de todas as idades para que esse amparo chegue

suficiente e na exata medida que assegure, desde já, aos idosos, sua completa integração

à comunidade para que eles estejam aptos por si a defender sua dignidade e bem-estar,

na medida em isso for possível a eles realizar. E ainda assim, tanto o Estado e bem

como sua família tem o dever constitucional de lhes amparar adequadamente para

garantir ser bem-estar e a usufruição de uma vida digna, conforme determinação do

artigo 230 da Constituição de 1988. A educação, nesse sentido, não para por aí, ela

requer que se prepare o jovem de hoje, aliás pelos dados apresentados os de ontem, para

que eles aprendam a otimizar esse princípio constitucional, o que pode ser feito pelo

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desenvolvimento de políticas publicas educacionais direcionadas que cuidem

especificamente desse tema, e que seja trabalhado tanto pelas modalidades de ensino

formais, como formais. A educação nesse sentido não deve abranger apenas o repasse

de informações que dizem respeito à programas de amparos que, preferencialmente

deve acontecer nos seus lares dos idosos, ou ainda que seja, a simples informação de

que a eles está garantido, constitucionalmente, transporte coletivo gratuito, conforme

§§ 1º e 2º do citado artigo. Visto que uma educação nessa direção deve ir muito além,

devendo sensibilizar as pessoas, desde a mais tenra idade aos problemas próprios de

saúde próprios do envelhecimento. Conforme o Estatuto do Idoso, Lei 10.741 de 1 de

outubro de 2003509, que comporta materialmente normas constitucionais a educação, a

cultura, o esporte, o lazer, as diversões como espetáculos, e os produtos e serviços

devem respeitar a peculiar condição da idade das pessoas idosas. Pelo artigo 20, do

mesmo Estatuto deve o Poder Público criar oportunidades de acesso ao idoso à

educação nas seguintes condições: adequação de currículos, metodologias e matérias

didáticos aos programas a eles destinados. E, inclusive, o §1º do citado artigo determina

que os cursos especiais para idosos, devem conter técnicas de comunicação, como os de

computação para que haja plena integração deles à vida moderna.

Mas, o mais interessante das normas educacionais constitucionais materiais,

destinadas à proteção dos idosos, dizem respeito ao fato de que Poder Público, no dever

de criar acesso ao idoso para que desfrute do seu direito à educação, no mesmo citado

artigo 20 por seu § 2º, lhes deve chamar para participar das comemorações de caráter

cívico e cultural, para que, principalmente, transmitam seus conhecimentos e vivências

às demais gerações, porque suas experiências são verdadeira fonte de preservação da

memória e a identidade cultural do país.

Ademais, pelo artigo 22, o Estatuto do Idoso em cumprimento constitucional ao

inciso 206, III, que consagra o principio das pluralidades pedagógica como um dos

princípios que deve basilar o ensino brasileiro, impõe que nas grades curriculares de

diversos níveis de ensino formal deverão ser inseridos conteúdos voltados ao processo

do envelhecimento, o ensino sobre respeito e valorização do idoso, isso para que se

elimine os preconceitos, bem como se produza mais conhecimento sobre a matéria.

509 Estatuto do Idoso. Documento disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm acesso em Janeiro de 2012.

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Portanto, uma educação para idosos não deve apenas se dirigir aos idosos, deve

se dirigir a todos, mas não apenas para que aprendamos sobre os problemas próprios do

envelhecimento, mas que com eles, também possamos aprender sobre as coisas que

dizem respeito à integração em sociedade, ou seja, sobre os fatos e atos que nos ensina o

respeito à cidadania. Além, esse complexo de normas educacionais formal e

materialmente constitucionais, nos alerta de que, ainda que saibamos que desde o nosso

nascimento estamos, continuamente, indo em direção à velhice - se tivermos sorte- um

pouco a cada dia, o fato é que estamos constantemente em desenvolvimento mental e

espiritual, partes que também integram a nossa condição de humano e que como tais

devem ser constitucionalmente protegida, até nosso último suspiro, pois a vida é um

eterno aprendizado e é esse aprendizado que nos mantém sempre com jovialidade, ainda

quando idosos somos.

Podemos, assim, concluir esse tópico afirmando que uma “educação direito de

todos”, como vimos deve respeitar as peculiaridades de cada um desses todos, no

entanto a todos eles deve ser ministrada uma “educação igual” na exata medida de suas

desigualdades. Isso tanto porque o está a exigir o artigo 206, III da Constituição Federal,

como também porque o todo da efetivação dos diretos sociais tem por seu princípio

informador o princípio da isonomia, artigo 5º, “caput”, que nos impõe, conforme nos

ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, que devemos levar em consideração que a lei

na realidade apesar do princípio da igualdade interditar, faz tratamentos desuniformes às

pessoas, porque as diferenças entre as pessoas são óbvias e, até “perceptíveis a olhos

vistos” e por isso, ainda que num primeiro momento não possamos levá-las em

consideração como critérios válidos para justificar, tais tratamentos jurídicos díspares.

De modo, que devemos refletir e nos questionarmos tanto no momento da feitura da lei

quanto no da sua aplicação da lei e levantar as seguintes questões, objetivamente: Qual

razão leva ao fator discrímen? Porque tal critério é legitimo ou ilegítimo? - “Quando é

vedado à lei estabelecer discriminações? Ou seja: quais os limites que adversam este

exercício normal, inerente à função legal de discriminar?” 510. Logo, à nossa

compreensão aponta que não há lugar melhor para se aprender a lidar com as diferenças

510 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 9- 17.

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entre as pessoas do que no espaço educacional escolar e familiar, onde visivelmente

convivem todas as diferenças, que está a impor um educação igual a todos, que porém

seja desigual na medida de suas diferenças, precisamente para enaltecê-las, porque são

essas as diferenças que formam a identidade cultural de nosso país. Fica assim,

registrado o que compreendemos, como os valores educacionais e pedagógicos que

devem ser considerado como um standard mínimo vital à ser perseguido para se

efetivar o direito à educação como “direto de todos”.

Além, convém, solidificar nosso pensamento sobre a isonomia. De acordo com o

artigo II da Declaração Universal de Direitos Humanos:

Artigo II 1.“Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição”

2. Não será tão pouco feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob, tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Em face à simplicidade e sabedoria do texto enunciativo, desse artigo, pondera

Fábio Konder Comparato511:

O pecado capital contra a dignidade humana consiste, justamente, em considerar e tratar o outro – um indivíduo, uma classe social, um povo- como ser inferior, sob pretexto da diferença de etnia, gênero, costumes ou fortuna patrimonial. Algumas diferenças humanas, aliás, não são deficiências, mas bem ao contrario fonte de valores positivos e, como tal, devem ser protegidas e estimuladas. Pode-se aprofundar o argumento e sustentar, como fez Hanna Arendt ao refletir sobre a trágica experiência do totalitarismo no século XX, que a privação de todas as qualidades concretas do ser humano, isto é, tudo aquilo que forma sua identidade nacional e cultural, o torna uma frágil e ridícula abstração. A dignidade da pessoa humana não pode ser reduzida à condição de puro conceito.

511 COMPARATO, Fabio Konder. op. cit. p. 241.

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3.5.2 Educação Direito Público Subjetivo: Dever do Estado e o standard mínimo a

ser assegurado pelo Estado Brasileiro

Muito interessante é destacar, que o arcabouço da política educacional brasileira,

conforme aporta Libâneo, José Oliveira e Mirza Seabra, teve por pano de fundo a

reforma educacional brasileira que se iniciou nos anos 1990, durante o Governo de

Fernando Collor de Mello, que ao abrir o mercado brasileiro para a globalização

econômica, acabou por nos subordinar ao capital financeiro internacional e esse

atrelamento ao mercado globalizado refletiu-se em vários segmentos da vida social, mas

em especial na educação. De maneira, que quando Fernando Henrique Cardoso em

1995, tomou posse, inicia-se o processo de concretização da política educacional, porém

essa seguiu a risca “a cartilha de organismos internacionais, como o do Banco Mundial”

e, esses passos se fizeram sentir na LDB que foi alterada para que nela pudessem ser

introduzidos as diretrizes impostas pelos agentes externos.512

Durante esse período muitas ações foram tomadas, e segundo os autores como

não houve aumento dos recursos financeiros para a manutenção e desenvolvimento do

ensino e a União centralizou os recursos em nível federal criando o Fundo de

Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização Magistério -

Fundef- de fato as áreas mais pobres foram atingidas. Contudo possibilitou a perda de

padrão educacional nos centros mais maiores. Com a política pública social “Acorda

Brasil”, o governo Fernando Henrique Cardoso conseguiu elaborar programas

sistêmicos e articular os vários âmbitos, graus e níveis de ensino, porém o que de fato se

provou pelo Sistema de Avaliação Nacional de Ensino Fundamental - Saeb- foi que:

havia falta de vagas para milhares de crianças e a não melhoria das condições salariais

dos professores, levando-nos a desenvolver ao que se chama “síndrome de desistência.”

Em 2002, quando vence as eleições Luiz Inácio Lula da Silva, para corrigir tais

problemas, lançou-se uma proposta educacional chamada “Uma Escola do Tamanho do

Brasil”, que a priori tinha por fundamento tratar a educação como prioridade do

governo, para que de fato um sistema educacional tomasse ações relevantes que

transformasse a realidade econômica e social do povo brasileiro.

512 LIBÂNEO, José Carlos, OLIVEIRA, José Ferreira de Oliveira, TOSCHI, Mirza Seabra. op. cit. p. 163.

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Nesse contexto os governos brasileiros, após promulgação da Constituição de

1988, começam a dar força ativa ao Texto Constitucional com vistas, principalmente a

alcançar uma educação que alcance todos os segmentos e faixas etárias da sociedade

brasileira, que é o motivo pelo qual o Constituinte Originário de 1988 acoplou à

expressão normativa “educação direito de todos” a expressão normativa “dever do

Estado, da família”. Isso significa definir que a educação é um direito público subjetivo,

logo o indivíduo pode agir e exigir sobre ele. Direito Fundamental de aplicabilidade

imediata, de acordo com a maioria da doutrina constitucional, que mesmo em face ao

Plano Nacional de Educação, cuja sua apresentação no portal do MEC , reconhecer

que513:

Com a Constituição Federal de 1988, cinqüenta anos após a primeira tentativa oficial, ressurgiu a idéia de um plano nacional de longo prazo, com força de lei, capaz de conferir estabilidade às iniciativas governamentais na área de educação. O art. 214 contempla esta obrigatoriedade. Por outro lado, a Lei nº 9.394, de 1996, que "estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional", determina nos artigos 9º e 87, respectivamente, que cabe à União, a elaboração do Plano, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e institui a Década da Educação. Estabelece ainda, que a União encaminhe o Plano ao Congresso Nacional, um ano após a publicação da citada lei, com diretrizes e metas para os dez anos posteriores, em sintonia com a Declaração Mundial sobre Educação para Todos.

Vai considerar que a educação é direito social de aplicabilidade progressiva

porque depende em parte dos recursos disponíveis para execução pelo Estado, nos

seguintes termos514:

Considerando que os recursos financeiros são limitados e que a capacidade para responder ao desafio de oferecer uma educação compatível, na extensão e na qualidade, à dos países desenvolvidos precisa ser construída constante e progressivamente, são estabelecidas prioridades.

513 Plano de Desenvolvimento Educacional. Razões e Princípios. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf p. 6. Acesso em Agosto de 2012. 514 Idem, Ibidem, p. 7.

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Entretanto, não podemos olvidar que sendo a educação, um direito público

subjetivo sobre ele tem mais valia a aplicabilidade imediata da proibição de

insuficiência e da vedação do retrocesso do que a aplicação da reserva do possível, nos

termos em que decidiram os poderes públicos interpretar tal teoria jurídica, de origem

alemã, conforme já analisado por nós no capítulo anterior. Ou seja, a cláusula de

progressividade do Plano Nacional de Educação não pode ser aplicado de maneira a

impedir ou mitigar o exercício da liberdade que é proporcionada pelo acesso à

educação. Desse modo, é apenas possível ao Estado Constitucional Brasileiro apenas

desenvolver e executar políticas públicas educacionais, que busquem dar força

normativa ao seu Texto, inclusive, sob pena de que autoridades venham à sofrer as

punições pela Lei de Improbidade Administrativa. Sendo certo que é inválida e

antijurídica, a ação que nega o acesso do educando, quer pela alegação de falta de vagas

ou falta de estrutura para novos receber alunos. Nesse sentido, o STF já decidiu pelo RE

594.018 em Agravo relatado pelo Ministro Eros Grau, em julgamento, na Segunda

Turma, em 23 de Junho de 2009 515: “A educação é um direito fundamental e

indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu

exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição

do Brasil. A omissão da administração importa afronta à Constituição.”

E ainda conforme nos ensina Lauro Luiz Gomes Ribeiro sobre as lições de

Pontes de Miranda que afirma que uma vez que a Educação é direito de todos, “não é

ele uma ato voluntário deixado ao arbítrio do Estado, mas sim um direito público

subjetivo.”516

Da mesma forma, e ainda também como aportado pelo autor referenciado, Celso

Bastos e Ives Gandra Martins em sua obra Comentários à Constituição do Brasil517:

Ao dispor que a Educação é um direito de todos e um dever do Estado, acabou a Constituição por capacitar qualquer pessoa a solicitar a prestação estatal de ensino. A educação se tornou um direito público subjetivo, acionável exigível contra o Estado.

515 http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp#visualizar Acesso em: maio de 2012. 516 RIBEIRO, Lauro Luiz Gomes, op. cit., p. 224. 517 Idem, Ibidem. Nota de roda pé p. 599

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No mesmo sentido, decisão mais recente proferida na Ação de

Inconstitucionalidade n. 658.491 em agravo, relatado pelo Ministro Dias Toffoli,

primeira Turma, em 20 de março de 2012518:

O artigo 205 da Constituição Federal afirma a educação como direito de todos e, em complemento, o artigo 208, inciso I,da Constituição Federal estipula como dever do Estado efetivara educação mediante a garantia de ‘ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade própria’. Dessa forma, é patente que o Poder Público, incluídas todas as unidades federadas, inclusive os municípios, deve garantir a observância irrestrita da Constituição, não podendo se furtar dos deveres constitucionais sob fundamentos supostamente extraídos do próprio texto e da competência constitucional do ente federado. A negativa ou simples inércia estatal no atendimento prioritário do ensino fundamental de modo a descumprir a política pública programática, apenas é plausível se não inviabilizar o efetivo acesso a programa social já existente e positivado pelo Estado. É ainda mais sério o caso dos autos, em que se extinguiu turma de ensino fundamental de jovens e adultos já existente sob a alegação de que apenas 6 (seis) alunos freqüentavam as aulas, tendo o acórdão consignado, ainda, que ‘o ato coator obsta aos beneficiários do mandamus a continuidade e término do ano letivo já que desde agosto de 2005 eles freqüentavam as aulas normalmente’. Assim, cabe ao Poder Judiciário analisar a legalidade do ato administrativo, quando, como no caso dos autos, o ente político descumprir os encargos político-jurídicos que sobre ele incide de maneira a comprometer com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais assegurados pela Constituição Federal. (g.n.)

Entretanto, de nada adiantaria consagrar a Educação como um direito de todos,

dever do Estado e da Família em colaboração com sociedade se não déssemos a ela um

mínimo de estrutura para efetivar sua concretização. Sendo o Brasil uma República

Federativa, a educação também é um problema federativo que requer para sua gestão,

um mínimo de organização e distribuição de competências. Assim União, Estados e

Município devem colaborar entre si para concretizar o standard mínimo do direito

fundamental à educação conforme os ditames da Constituição de 1988, de acordo com o

artigo 211 caput. E em especial, conforme o artigo 30, inciso VI, os municípios devem

com, cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação

infantil e de ensino fundamental.

518http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1966289 acesso em maio de 2012.

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E como os entes federativos gozam de autonomia, e autonomia significa dizer

que a Constituição deu aos entes federativos a faculdade de regular seus próprios

assuntos por meio da promulgação de normas jurídicas e distribuição de competências

logo, pedra angular no sistema federativo519, e que deve ser respeitado, sob pena de ferir

cláusula pétrea que consagra o sistema federativo como disposto no art. 60,§ 4ª, inciso I.

As competências legislativas para elaboração de leis sobre educação devem obedecer as

seguintes regras constitucionais de distribuição de competências para legislar sobre

educação: pelo artigo 22, inciso XXIV deu-se competência privativa à União para

legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional, e nesse sentido a União

promulgou a Lei 9.394 em 20 de Dezembro de 1996, que por sua vez dispôs conforme

vimos a criação do Plano Nacional de Educação, sendo que o último foi sancionado em

pela Lei 10. 172 em 9 de Janeiro de 2001 e sua vigência deveria ser fde dez anos, de

acordo com seu artigo 1º, entretanto, ainda não foi aprovado um novo plano de maneira

que ainda está em vigor, o primeiro. Logo e assim, ao final de 2010 foi enviado ao

Congresso Nacional um Novo Plano Nacional de Educação que tramita como PL nº 8.

035, de 2010 que visa a aprovação do PNE para o decênio 2011-2020. Porém, antes

disso em 24 de abril de 2007, foi lançado durante o segundo mandato do Presidente

Lula o Plano de Desenvolvimento Educacional ou da Educação - PDE- que pelo

Decreto n. 6094 que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso

Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios,

Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante

programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela

melhoria da qualidade da educação básica, entretanto seu artigo 4º ressalva que a

vinculação do Município, Estado ou Distrito Federal ao Compromisso far-se-á por meio

de termo de adesão voluntária, ao que nosso ver fere o artigo 30, inciso VI da

Constituição de 1988, visto que lá, conforme vimos ficou determinado aos Municípios a

manutenção obrigatória de cooperação técnica e financeira para educação básica, ao

menos para dois estágios delas, educação infantil e educação fundamental, não seria

assim então o PDE e suas metas uma cooperação, ao menos, técnica?

519 GARCIA, Maria. I Simpósio Nacional de Direito Educacional- 2003. Educação Superior Competência Legislativa. in Direito Educacional Aspectos Práticos e Jurídicos coord. por PEREIRA, Antônio Jorge Silva, SILVA, Cintya Nunes Vieira da, MACHADO, Décio Lencioni, COVAC, José Roberto, FELCA, Narcelo Adelqui. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 35

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Entretanto, ressalva-se que as metas do Plano de Desenvolvimento da Educação

visam melhorar a qualidade da educação no país, em todas as suas etapas em um prazo

de 15 anos, por meio de ações objetivas, que deveriam ao menos em tese, ser

compatíveis com as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação. Contudo, a

princípio, parece que elas foram estabelecidas para preencher a lacuna da agenda do

governo brasileiro que afirmou no Fórum Mundial de Educação, realizado em Dakar,

entre 26 e 28 de abril de 2000 o compromisso internacional, firmado entre várias

nações: “Educação Para Todos- compromisso de Dakar”, que reafirmava a visão da

Declaração Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990 que apoiada pela

Declaração Universal de Direitos Humanos e pela Convenção sobre os Direitos da

Criança determina que toda criança, jovem ou adulto têm o direito humano de se

beneficiar de uma educação que satisfaça, suas necessidades básicas de aprendizagem,

no melhor e mais pleno sentido do termo, como também acolheu os compromisso pela

educação básica feitas pela Comunidade Internacional ao longo de últimos 90 anos,

especialmente: na Cúpula Mundial para a Infância em 1990, na Conferência do Meio-

Ambiente e Desenvolvimento em 1992 (essa realizado no Brasil), na Conferência

Mundial de 1993, na Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais da Educação:

Acesso e Qualidade, realizada em 1994, Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social

em 1995 e Conferência Mundial da Mulher em 1995, Fórum Consultivo Internacional

para a Educação de Todos em 1996, Conferência Internacional de Educação para

adultos em 1997, Conferência Internacional sobre o Trabalho Infantil realizada em

1997. Isso porque durante a Convenção de Dakar ficou bem claro que apesar de todo o

progresso mundial, no ano de 2000 existiam ainda 113 milhões de crianças, em todo o

mundo sem acesso ao ensino primário, 880 milhões de adultos analfabetos, que a

discriminação de gênero continuava e continua a permear os sistemas educacionais, que

a qualidade da aprendizagem e da aquisição de valores e habilidades não estavam e,

ainda, não estão, satisfazendo as necessidades dos indivíduos e das sociedades,

comprovando que quando se nega a jovens e adultos acesso o desenvolvimento de

habilidades técnicas para que consigam uma ocupação remunerada eles ficam

impedidos de participar plenamente da sociedade, o que demonstra que sem um

progresso acelerado na direção de uma Educação para Todos, metas internacionais e

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nacionais de redução de pobreza não poderão jamais serem alcançadas o que amplia a

desigualdade entre as nações e dentro de cada sociedade.520

Contudo, no Brasil, pelo artigo 24 da Constituição, inciso IX, União, Estado e

Município podem concorrentemente legislar sobre: educação, cultura, desporto e ensino.

E de acordo com seus §1º, § 2º, § 3º e § 4º destaca-se e consagra-se

correspondentemente que: a) no âmbito da legislação concorrente, a competência da

União limitar-se-á a estabelecer normas gerais; b) a competência da União para legislar

sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; c) inexistindo

lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena,

para atender a suas peculiaridades.; d) e a superveniência de lei federal sobre normas

gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

E Lei de Diretrizes e Bases da Educação521, vigente, disciplina a educação

escolar, com normas gerais, como sendo essa modalidade a educação intencional formal

que é capaz de se desenvolver predominantemente por meio do ensino e em instituições

próprias como o lugar adequado para aplicar os princípios e fins da Educação Nacional,

de acordo com o que está disposto na Constituição de 1988. A LDB contém noventa e

dois artigos, que estão divididos entre nove títulos e cuidam de normas gerais que dizem

sobre: a) planificação das funções e objetivos da educação escolar; b) formação e

organização da composição dos níveis escolares; c) organização administrativa e

financeira da vida escolar nacional; d) deveres da educação escolar como um direito de

todos; e) definição de quem pode ser considerados profissionais da educação abarcando

inclusive regras gerais sobre a sua formação.

Importante destacar que a LDB é a lei federal que dispõe especificamente da

formação da composição dos níveis escolares brasileiros dos quais cuida a Constituição

de 1988 modelo de níveis que deve o Estado e os Municípios acompanharem da

seguinte forma e conforme seu art. 21: a) Educação Básica; b) Educação Superior.

520 Parágrafo disposto conforme as expressões usadas pelo Texto Redigido na Conferência Mundial de Dakar 2000. Disponível na internet: http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127509porb.pdf Acesso em: Agosto de 2012. 521 Lei de Diretrizes e Bases da Educação n. 9.394 de 20 de Dezembro de 1996. Documento disponível na internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm Acesso em: agosto de 2012.

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273

A educação básica por sua vez subdivide-se em três outros níveis que, a

princípio deve corresponde à faixa etária de um aluno que acompanha regularmente a

escola, passando de um nível à outro: a.1) educação infantil; a.2) ensino fundamental e

a.3) ensino médio.

Também é a LDB que determina que a cada dez anos será aprovado pelo

Congresso Nacional o Plano Nacional de Educação, conforme artigo 9º, inciso I, do

Título IV que cuida da Organização da Educação Nacional.

Logo, ressalva-se a LDB de 1996 é uma norma infraconstitucional que traça

normas gerais sobre a Educação Escolar Nacional e conforme aprendemos com Geraldo

Ataliba nisso citado por Maria Garcia522, normas gerais são normas para outras normas,

são orientações e diretrizes, que servem de parâmetro para as outras entidades

federativas, que frisa-se são autônomas para legislar. Isso porque de acordo com o

artigo 22, parágrafo único, leis complementares fixarão normas para a cooperação entre

a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do

desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.523. Inclusive sobre as normas

gerais que recai sobre a educação. Frisa-se sendo a LDB norma infraconstitucional, sua

interpretação deve ser conforme a Constituição de 1988, é Ela que gozado de

supremacia traça os parâmetros diretivos mínimos que devem guiar, inclusive a

legislação concorrente estadual e municipal sobre educação, e outros direitos

fundamentais, que por sua vez, gozam de primazia dentro do ordenamento

constitucional.

Entretanto, cabe a ressalva feita pela Professora Maria Garcia, que a Lei 9.394

de 1996, veio após uma multiplicidade de leis e regulamentos e toda a espécie sobre

educação, conforme já analisamos, logo ela, nas palavras de Maria Garcia524: “É uma

pletora de leis, é um cipoal de difícil dominação para qualquer jurista, por mais

preparado que esteja.” 522 GARCIA, Maria. I Simpósio Nacional de Direito Educacional- 2003. Educação Superior Competência Legislativa. in Direito Educacional Aspectos Práticos e Jurídicos coord. op.cit. p. 36 523 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006. 524 GARCIA, Maria. I Simpósio Nacional de Direito Educacional- 2003. Educação Superior Competência Legislativa. in Direito Educacional Aspectos Práticos e Jurídicos coord. op.cit. p. 36.

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274

Já o Plano Nacional de Educação - PNE - têm por objetivo principal focar os

trabalhos dos entes federativos em volta da colaboração do dever que cada ente

federativo tem de manter um com o outro para que se concretize os objetivos e

princípios do sistema educacional constitucional, principalmente para que uma

educação condigna chegue à todos, por meio da determinação de metas, que devem ser

perseguidas como um standard mínimo vital, que visa a estrutura e qualidade de ensino

cada nível escolar, inclusive durante a Conferência Nacional, para discuti-lo com a

participação da sociedade, destacou-se a necessidade de fazer uma lei de

responsabilidade educacional, isso para enfatizar que a educação está acima das

possíveis lutas disputas partidárias.

E de acordo com a apresentação do Plano de Desenvolvimento da Educação525,

de abril de 2007, já que inspirado pelo Compromisso Internacional de Educação para

todos, o que deve perspassar seus programas é aquela concepção de que a educação

deve ser reconhecida como um processo dialético que se estabelece entre individuação

da pessoa e socialização, ou seja, aquela concepção de educação que é capaz de formar

cidadãos que possam assumir posturas críticas e criativas, frente ao mundo. Nesse

contexto a educação formal pública é intencional para distribuir ao Estado sua cota de

responsabilidade nesse esforço social amplo, isso porque o Plano faz questão de alinhar

sua posição com a Constituição Federal enfatizando que a educação acontece na família,

na comunidade e em toda forma de interação na qual os indivíduos tomam parte, e aí

acentua especialmente trabalho, inclusive mais a frente como veremos no corpo do texto

do PDE ficou bem claro que a formação profissional e tecnológica brasileira está

deficitária, ao que podemos concluir que se deve as suas origens, ou seja de como foi

foi ela implantada e desenvolvida em governos passados, principalmente durante e após

a época de Getulio Vargas, tempo em que esse tipo de educação apesar de ser bem

incentivado e fomentado não prosperou em seus propósitos que como vimos, porque

eram apenas voltados à conjugar o interesses de governos totalitários e repressivos o

que impediu que uma educação de qualidade nesse sentido prosperasse. Mesmo porque

é impossível se atingir um nível profissional e tecnológico se as bases dos primeiros

níveis da educação, como a primária, não estão bem definidas e estruturadas, como

vimos que aconteceu por décadas.

525 Plano de Desenvolvimento da Educação. Razões e Princípios disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/index.htm Acesso em janeiro de 2012. p. 6

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275

O PDE, também, deixa absolutamente claro que seu objetivo é harmonizar a

educação com os objetivos fundamentais da República fixados pela Constituição

Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária para garantir o desenvolvimento

nacional por meio de erradicar a pobreza e a marginalização e assim reduzir as

desigualdades sociais e regionais para promover o bem de todos sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outra forma de discriminação. Salientando

que não há como construir uma educação republicana, pautada na construção da

autonomia, pela inclusão e o respeito à diversidade sem que se cumpra os objetivos

dessa. O que pressupõe a construção de um sistema educacional que pressupõe

multiplicidade e não uniformidade o que vai exigir pensar etapas, níveis e modalidades

educacionais não apenas frente e face à cada unidade, mas e a partir do necessário

enlace que a educação deve fazer com a ordenação do território e o desenvolvimento

social e econômico, que segundo deixam bem claro, em sua justificativa, é a única

forma de garantir à todos e a cada um o direito de aprender até onde permitam sua

aptidões e vontades.

Como vemos, e, considerando a extensão do território brasileiro, o atual nível de

desigualdade social, a violência que agora tanto atinge centros urbanos como os rurais,

o problema da miséria extrema que ainda nos ronda, o alto nível de corrupção e a

atuação do crime organizado promovendo um poder paralelo que concorre com o Poder

Público do Estado, inclusive dentro das escolas, nos leva a afirmar que o Plano de

Desenvolvimento da Educação que venho ao encontro dos ditames para educação

preconizados pela Constituição Federal e do Compromisso Internacional, já citado, é

sem duvida bem ambicioso. Porém, conjugados a esses esforços deveria ter sido

aprovado em 2011 como estipulado pela LDB um novo Plano Nacional de Educação, o

que até o presente momento, 1º semestre de 2012, não aconteceu. Entretanto destaca-se

que as 256 metas do primeiro plano, de acordo o projeto de lei, já mencionado, foram

reduzidas para 20. E o que impede sua promulgação é que foi acordado que de 2011 a

2020, uma das metas é de que de 7% ou 10% do PIB deve ser destinado à educação,

debate que ainda está sob fortíssima polêmica no Congresso. Mas, será que somente

isso basta? Não seria necessário trabalhar em conjunto o desenvolvimento coordenado

de ações que combatam eficazmente os problemas enumerados acima, não seria por

tudo exposto, que olhássemos as metas que queremos perseguir para educação sob,

também o índice de desenvolvimento humano? Que usando um novo tipo de cálculo

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apontou, em 2011, que as desigualdades regionais em nosso país se devem

principalmente a desigualdade não apenas relacionadas ao rendimento que pode auferir

cada cidadão brasileiro, mas também, estão diretamente relacionadas com os níveis

desiguais de escolaridade apresentados pelos brasileiros.526

E, ainda tendo em vista, que a frustração parcial do PNE em sua primeira década

deixa visível que a educação brasileira muito além de somente ser fomentada pelos

investimentos materiais que provenham do PIB precisa urgentemente levar em

consideração os índices que provém do estudos que são realizados para valorar o

Desenvolvimento Humano, pois esse associa, conforme apontamos valores humanos e

valores nacionais e exige a participação direta da pessoa humana para que ela enquanto

titular do direito aponte e determine quais dimensões das sua dignidade, não estão sendo

devidamente atendidas. Isso porque o conceito de Desenvolvimento Humano dá voz à

pessoa humana.

Entretanto, o Novo PNE têm ao menos dois méritos: 1) em parte alinha um

programa de Estado com os valores supremos preconizados pela Constituição Federal, o

que se concretizado pode promover sua intrínseca força normativa que para tanto

necessita se exteriorizar por comportamentos estatais que se oriente de acordo com o

que ela determina; 2) traça linhas bem firmes em direção a concreção de políticas

públicas educacionais por meio da cooperação entre os entes federativos para que

trabalhe as modalidades, as etapas e os níveis educacionais.

E são as seguintes as metas proposta pelo novo PNE, ainda em tramitação, e que

deveria se estender, de 2011 a 2020. Ressalva-se, que tais metas são parte integrante do

standard mínimo vital que visa ser lançado para que se efetive um direito à educação

como direito de todos e de cada um, como um esforço conjugado pelos quatro entes

526 Informação levantada pelo grupo Acqua, que está devidamente formalizado desde julho de 2010 junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Nacional de Tecnologia - CNPq- Disponível na internet: http://redeacqua.com.br/2011/11/brasil-ocupa-84%C2%AA-posicao-entre-187-paises-no-idh-2011/ Acesso em agosto de 2012. “O IDH ajustado à desigualdade faz um retrato mais real do desenvolvimento do país , ajustando às realidades de cada um deles. Com isso, o IDH tradicional passa a ser visto como um desenvolvimento potencial. Levando a desigualdade em conta, o Brasil perde, em 2011, 27,7% do seu IDH tradicional. O componente renda (dentre renda, expectativa de vida e educação) é que mais influi nesse percentual.”

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federativos, municípios, Distrito Federal, União e Estados - membros, mais a sociedade

civil organizada, para construção de uma cidadania forte 527:

Meta 1: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5

anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da

população de até 3 anos.

Meta 2: Criar mecanismos para o acompanhamento individual de cada estudante

do ensino fundamental.

Meta 3: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de

15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%,

nesta faixa etária.

Meta 4: Universalizar, para a população de 4 a 17 anos, o atendimento escolar

aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas

habilidades ou superdotação na rede regular de ensino.

Meta 5: Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os 8 anos de idade.

Meta 6: Oferecer educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de

educação básica.

Meta 7: Atingir as médias nacionais para o Ideb, já previstas no Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE)

Meta 8: Elevar a escolaridade média da população de 18 a 24 anos de modo a

alcançar mínimo de 12 anos de estudo para as populações do campo, da região de menor

escolaridade no país e dos 25% mais pobres, bem como igualar a escolaridade média

entre negros e não negros, com vistas à redução da desigualdade educacional.

527 CIEGLINSKI, Amanda in Educação UOL. “confora as metas que compõem o Plano Nacional de Educação 2011-202 disponível na internet: http://educacao.uol.com.br/noticias/2010/12/15/confira-as-20-metas-que-compoem-o-plano-nacional-de-educacao-2011-2020.htm. Acesso em: janeiro de 2011.

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Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para

93,5% até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa

de analfabetismo funcional.

Meta 10: Oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e

adultos na forma integrada à educação profissional nos anos finais do ensino

fundamental e no ensino médio.

Meta 11: Duplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível

médio, assegurando a qualidade da oferta.

Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a

taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta.

Meta 13: Elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da atuação de

mestres e doutores nas instituições de educação superior para 75%, no mínimo, do

corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores.

Meta 14: Elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto

sensu de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores.

Meta 15: Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o

Distrito Federal e os municípios, que todos os professores da educação básica possuam

formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de

conhecimento em que atuam.

Meta 16: Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-

graduação lato e stricto sensu, garantindo à todos eles formação continuada em sua área

de atuação.

Meta 17: Valorizar o magistério público da educação básica a fim de aproximar

o rendimento médio do profissional do magistério com mais de onze anos de

escolaridade do rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade

equivalente.

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Meta 18: Assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira

para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino.

Meta 19: Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos estados, do

Distrito Federal e dos municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola

vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade

escolar.

Meta 20: Ampliar progressivamente o investimento público em educação até

atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Essa era a

redação original, porém em Julho do ano de 2012, após 17 meses de tramitação essa

meta foi modificada pela Comissão Especial que analisou a matéria na Câmara dos

Deputados, e subiu para 10% deveria seguir direto para o Senado, mas noticia-se que a

liderança do Governo quer apresentar um requerimento para que o projeto seja votado

em Plenário, assim por todos os 513 deputados, e a idéia é rebaixar a meta de

investimento, antes que a proposta siga para o Senado.528

É preciso deixar claro que a possibilidade de investimento de 10% do PIB na

educação foi uma das resoluções aprovadas na Conferência Nacional da Educação, que

tinha por objetivo traçar as bases do PNE realizada em 2010, antes de ser redigido o

projeto de lei já referenciado, mas quando o Ministério da Educação enviou ao

Congresso o texto-base do plano, ficou valendo a meta de financiamento incluída pelo

Governo. 529

Contudo, convém destacar, e deixar bem sublinhado conforme a parte final da

Lei 10.072 de 2001 que instituiu o primeiro PNE que ficou bem alertado sobre a

necessidade de que o plano seja acompanhado e fiscalizado, pela sociedade, cabendo ao

Ministério da Educação que ele seja o indutor dessa colaboração entre os entes

federativos, ressalvando-se também a imensa importância de que as entidades civis

528 CIEGLINSK, Amanda. “Manobra Arriscada” in Revista Educação, ano 16 n. 184 - São Paulo: Segmento, 2012, p. 40. 529 Idem, Ibidem, p. 40.

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diretamente responsáveis pelos direitos da criança e do adolescente participem dessa

fiscalização para acompanhar avaliar do PNE, isso porque os objetivos e metas530:

[...] deste plano somente poderão ser alcançados se ele for concebido e acolhido como Plano de Estado, mais do que Plano de Governoe, por isso, assumido como um compromisso da sociedade para consigo mesma. Sua aprovação pelo Congresso Nacional, num contexto de expressiva participação social, o acompanhamento e a avaliação pelas instituições governamentais e da sociedade civil e a conseqüente cobrança das metas nele propostas, são fatores decisivos para que a educação produza a grande mudança, no panorama do desenvolvimento, da inclusão social, da produção científica e tecnológica e da cidadania do povo brasileiro. (g.n).

Logo, as questões aqui serem levantadas, diante do exposto: 1) Não seria a

Conferência Nacional da Educação de 2010 – CONAE um espaço democrático aberto

pelo Poder Público para que todos possam participar do desenvolvimento da Educação

Nacional? Conforme e mesmo está definido no Portal do Ministério da Educação? Não

foi ela organizada para tematizar a educação escolar, da Educação Infantil à Pós

Graduação que realizada, em diferentes territórios e espaços institucionais, nas escolas,

municípios, Distrito Federal, Estados do país dos quais participaram estudantes, pais,

profissionais da Educação, gestores, agentes públicos, enfim, sociedade civil organizada

de modo geral, para terem em suas mãos a oportunidade de conferir os rumos da

educação brasileira? Por um acaso a Portaria Ministerial nº 10/2008 não constituiu

comissão de 35 membros, a quem atribuiu as tarefas de coordenar, promover e

monitorar o desenvolvimento da CONAE em todas as etapas? Por acaso a Comissão

Organizadora Nacional é integrada por representantes das secretarias do Ministério da

Educação, da Câmara e do Senado, do Conselho Nacional de Educação, das entidades

dos dirigentes estaduais, municipais e federais da educação e de todas as entidades que

atuam direta ou indiretamente na área da educação?

Diante dessas questões. Mais uma pode ser formulada, além das pessoas que

estão diretamente envolvidas com tal assunto, não seria preciso que as pessoas que

pertencem a grande massa populacional, fossem, também, instruídas para que se

pudessem atuar sobre tal assunto por meio do controle social?

530 Considerações finais do Plano de Educação de 1999-2010 Disponível na Internet: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm Acesso em Agosto de 2012.

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Contudo, e fora o fato do Projeto de Lei do Novo PNE estar alocado no meio de

disputas partidárias, conta também que seu texto além de vir ao encontro dos objetivos

fundamentais da República Brasileira, reforça e dá força normativa ao que determinado

pelo artigo 208 e seus incisos, de I a VII, que por seu § 1º enfatiza que o acesso ao

ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, pelo § 2º determina que o não-

oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa

responsabilidade da autoridade competente. E pelo § 3º determina que compete ao

Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e

zelar, junto aos pais ou responsáveis, por sua frequência à escola.

Logo para que se efetive a educação, de forma plena, o Estado deve de acordo

com os incisos do art. 208 da Constituição de 1988: a) oferecer e dar pleno acesso: a

educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,

assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na

idade própria531; b) oferecer progressiva universalização do ensino médio gratuito; c)

dar atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino; d) dar atendimento em creche e pré-escola

às crianças de zero a seis anos de idade; f) promover e dar acesso à educação infantil,

em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; g) permitir acesso aos

níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade

de cada um; h) ofertar ensino noturno regular, adequado às condições do educando; i)

dar atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas

suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à

saúde.

Ressalvando se que o Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE- que

aprovado pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e proposto pelo

Ministro da Educação Fernando Haddad em 24 de abril de 2007, visa alcançar todas as

etapas da educação para melhorar sua qualidade e isso em um prazo de 15 anos; veja

esse Plano foi lançado ao menos quatro anos antes do PNE de 2011 e

concomitantemente com o prazo final do primeiro PNE e isso porque era mais do que

visível aos organismos internacioanis que apesar de todos os esforços, que até então

realizados, o que fez foi superinflar o sistema educacional com leis que traçaram metas 531 Essa redação foi dada pela Emenda Constitucional n. 59 de 2009.

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que não foram cumpridas, de maneira que foram elaborados vários projetos que visam

por meio de políticas públicas fazer com que o Estado concretize seu dever

constitucional de dar acesso à educação condigna e como dissemos precisava dar uma

resposta aos organismos internacionais, principalmente ao Banco Mundial que tem

exigido nos países onde atua ativamente que se elabore o planejamento de metas e a

execução dessas tanto para a educação, como para a saúde. Convém, entretanto, frisar,

que tais projetos na área educacional dão prioridade à educação básica, onde em

qualidade continuamos a ser profundamente deficitários de maneira que ainda estão em

andamento uma série de projetos, que inclui várias ações que visam combater

problemas sociais que “inibem o ensino e o aprendizado com qualidade, como Luz para

todos, Saúde nas escolas e Olhar Brasil, entre outros.”532

532 A saber as ações do PDE estão se desenvolvendo pelas seguintes políticas públicas educacionais, mas lembremos, que inconstitucionalmente, a lei que instituiu o PDE abre adesão voluntária aos Municípios: Índice de qualidade: que avaliará as condições em que se encontra o ensino com o objetivo de alcançar nota seis no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). É o plano Compromisso Todos Pela Educação que propõe as diretrizes e estabelece as metas para as escolas das redes municipais e estaduais de ensino;- Provinha Brasil: instrumento de aferição do desempenho escolar dos alunos de seis a oito anos;- Transporte escolar: Caminho da Escola é o novo programa de transporte para alunos da Educação Básica que residem na zona rural;- Gosto de Ler: que implementa Olimpíada Brasileira da Língua Portuguesa que foi realizada em 2008 e pretendeu resgatar o prazer da leitura e da escrita no Ensino Fundamental;- Brasil Alfabetizado: que têm dois focos: a Região Nordeste, que concentra 90% dos municípios com altos índices de analfabetismo; e os jovens de 15 a 29 anos. A alfabetização de jovens e adultos será, prioritariamente, feita por professores das redes públicas, no contra turno de sua atividade;- Luz para todos: programa no qual as escolas terão prioridade;- Piso do magistério: definição do piso salarial nacional de 850 reais para os professores;- Formação: o programa Universidade Aberta do Brasil, por meio de um sistema nacional de ensino superior à distância, visa capacitar professores da Educação Básica pública que ainda não têm graduação, formar novos docentes e propiciar formação continuada;- Educação Superior: duplicar as vagas nas universidades federais, ampliar e abrir cursos noturnos e combater a evasão são algumas das medidas;- Acesso facilitado: o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) aumentará o prazo para o aluno quitar o empréstimo após a conclusão do curso;- Biblioteca na escola: com a criação desse programa, os alunos do Ensino Médio terão acesso a obras literárias no local em que estudam;- Educação profissional os Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFETs) reorganizarão o modelo da educação profissional e atenderão as diferentes modalidades de ensino;- Estágio: alterações nas normas gerais da Lei do Estágio para beneficiar alunos da Educação Superior, do ensino profissionalizante e médio;- Proinfância: construção, melhoria da infra-estrutura física, reestruturação e aquisição de equipamentos nas creches e pré-escolas;- Salas multifuncionais: ampliação de números de salas e equipamentos para a Educação Especial e capacitação de professores para o atendimento educacional especializado;- Pós-doutorado: jovens doutores terão apoio do governo para continuar no Brasil;- Censo pela Internet: com o levantamento do Educacenso, os gestores conhecerão detalhes da Educação do Brasil;- Saúde nas escolas: o Programa Saúde da Família atenderá alunos e professores para prevenir doenças e tratar outros males comuns à população escolar sem sair da escola;- Olhar Brasil: o programa identificará os estudantes com problemas de visão, que receberão óculos gratuitamente;- Mais Educação: alunos passarão mais tempo na escola, terão mais atividades no contra turno e ampliação do espaço educativo;- Educação Especial: monitorar a entrada e a permanência na escola de pessoas com deficiência, em especial, crianças e jovens de zero a dezoito anos atendidas pelo Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC);- Professor-equivalente: a própria universidade poderá promover concurso público para a contratação de professores nas universidades públicas federais;- Guia de tecnologias: as melhores experiências tecnológicas educacionais serão um referencial de qualidade para utilização por escolas e sistemas de ensino;- Coleção educadores a coleção Pensadores, que engloba 60 obras de mestres brasileiros e estrangeiros, será doada para as

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Inclusive a questão do analfabetismo no Brasil foi trabalhada pela reorganização

legal do programa de Estado Brasil Alfabetizado que visa sua extinção pela

universalização da alfabetização de jovens e adultos de quinze anos ou mais. Assim, o

decreto n. 6.093 de 24 de abril institui um plano plurianual de alfabetização cujas

atividades das turmas de Alfabetização são apoiadas pela União e serão,

preferencialmente, realizadas por professores das redes públicas de ensinos dos Estados,

Distrito Federal e Municípios, inclusive o alfabetizador pelo §5º do art. 5º deverá

receber um bolsa para custear suas despesas, porém sua atuação deve acontecer em

caráter voluntario.

Também é interessante notar que aquilo que vemos tanto pelo Plano Nacional de

Educação como pelo Plano de Desenvolvimento da Educação, é que eles a princípio dão

concreção tanto ao caput e os incisos do artigos 211 como ao caput e parágrafos do

artigo 212, ambos da Constituição Federal de 1988 que determina correspondentemente

que a União, os Estados, o Distrito Federal organizarão seus sistemas de ensino em

regime de colaboração isso porque que a União, anualmente, nunca poderá aplicar

menos que dezoito por cento e Estados, Distrito Federal e Municípios nunca menos do

que vinte e cinco por cento da receita resultante de impostos compreendidas e

provenientes de transferência na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Contudo tanto o PNE como o PDE estão sofrendo severas críticas pelos

profissionais da educação como, por exemplo, pelo Professor Doutor em Educação

Dermival Saviani533. Que após ter realizado um minicioso estudo sobre cada uma dessas

ações e metas diz que apesar de ambicioso o PDE, tal qual está sendo apresentado não

traz consigo mecanismos de controles, inclusive pode induzir a manipulação de dados

escolas e bibliotecas públicas da Educação Básica, com o objetivo de incentivar a leitura, a pesquisa e a busca pelo conhecimento;- Dinheiro na escola: todas as escolas de Ensino Fundamental públicas rurais receberão a parcela extra de 50% do Programa Dinheiro Direto na Escola. As escolas urbanas só receberão a verba se cumprirem as metas estabelecidas;- Concurso prevê a realização de concursos públicos para ampliação do quadro de pessoal do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e da expansão da rede profissional;- Acessibilidade: as universidades terão núcleos para ampliação do acesso das pessoas com deficiência a todos os espaços, ambientes, materiais e processos, com o objetivo de efetivar a política de acessibilidade universal;- Cidades-pólo o Brasil terá 150 novas escolas profissionais. A ação faz parte do plano de expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica;- Inclusão digital: todas as escolas públicas terão laboratórios de informática. http://www.educacional.com.br/legislacao/leg_i.asp acesso em: Janeiro de 2011. 533 DERMEVAL, Saviani. PDE. Plano de Desenvolvimento da Educação- Analise Critica da política do MEC também disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v28n100/a2728100.pdf.

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municipais de modo que elas venham a garantir o recebimento de recursos, por meio de

apresentação de estatísticas que mascarem seu efetivo desempenho. Além do que,

segundo ele, as ações previstas no PDE na verdade apenas se relacionam com uma ou

outra meta do PNE, de maneira que ele conclui que o Plano de Desenvolvimento

Educacional foi formulado em paralelo e sem levar em conta o Plano Nacional de

Educação, de maneira que se pode compreender que ele pode até como lei querer

suplantar o PNE, o que não pode acontecer, visto que para isso deveria o PNE ter sido

revogado por uma outra lei, o que até o momento não aconteceu de maneira que é

preciso que as autoridades públicas examinem e fiscalizem, passo a passo, cada um

dessas ações do PDE.

Contudo, o que merece destaque e está alinhado com nossa proposta de

dissertação é observação de que tanto o PNE como o PDE, traçam o standard mínimo

vital incondicional para o exercício de um direito fundamental à educação, logo as

variações socioeconômicas que o país passa não poderiam comprometer a direito a

educação do cidadão, visto que esse é um direito que além de tudo causa o

empoderamento de outros direitos que conjuntamente com ela protege a dignidade

material da pessoa humana. Assim muito além de apenas indicar índices de qualidade

eles, em teses, enfrentam os problemas sócioseconômicos que impedem seja a qualidade

da educação atingida, de maneira que merecem maior atenção da sociedade civil, que

precisava estar a par de como caminham as essas políticas públicas sociais e

orçamentárias que dizem respeito à educação para verificar se estão, essas sendo

devidamente cumpridas e mesmo se a elas está sendo dado continuidade pelos governos

seguintes, pois afinal são ações do Estado e não do Governo, como querem alguns

poucos, conforme vimos, na problemática na qual está envolvida a aprovação do Novo

Plano de Educação. Ainda e até a presente hora o PNE está em tramitação e, já

envelhecendo face aos interesses partidários em disputa.

3.5.3 Fundo Nacional de Desenvolvimento Educacional: Salário Educação e seus

programas e a exigência de um controle social de seus recursos

É preciso também dar destaque aos programas do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação - FNDE- que, aliás foram criados em novembro de 1968

e estão vinculados ao MEC. Sua natureza jurídica é de autarquia e tem por finalidade

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captar recursos financeiros tanto para projetos educacionais como para assistência ao

estudante. Grande parte de seus recursos provêm do Salário-Educação, que foi criado

pela Lei 4.462 de 1964, porém recepcionado pelo artigo 212, § 5º da Constituição

Federal de 1988. É cobrado pelas empresas vinculadas à previdência por uma taxa a

2,5% calculada sobre o total da remuneração paga aos seus empregados durante o mês.

E, é o INSS o órgão competente para fazer a intermediação, cobrando 1% de taxa para

administrar essa arrecadação, e a distribuição é feita pelo FNDE, que deve observar a

arrecadação de cada Estado e Distrito Federal. 534

O Salário Educação pago pelas empresas deve oferecer aos seus empregados e

dependentes, e atendo a isso da seguinte forma: a) escola própria; b) aquisição de vagas

- o valor da vaga é de apenas vinte um reais, valor fixado desde 1995; c) indenização de

dependentes. Contudo, em atenção a isso, a indenização não é mais possível desde

1997, pois a Constituição Federal por meio da Emenda Constitucional n. 14 de 1996

bem pela Lei do FUNDEF de 1997, proibiu-se a inclusão de novos alunos beneficiários

para receber tal indenização, entretanto foi respeitado o direito adquirido daqueles que

já recebiam. De maneira que esses empregados e seus dependentes continuam a receber

essa modalidade do Salário-Educação para pagar a mensalidade das escolas, mas as

empresa podem deduzir esse montante do Imposto de Renda. O Fundo mantém seis

programas, e reflete em muito a visão do governo e parte do standard mínimo a ser

alcançado para melhoria do sistema educacional brasileiro que determinado pela

Constituição de 1988. 535

Pelo Programa Dinheiro Direito na Escola transferem-se recursos diretamente às

escolas de ensino fundamental das redes estaduais, municipais e distritais que tenham

mais de vinte alunos e às escolas especiais mantidas por organizações não

governamentais. Seus objetivos são otimizar a qualidade de ensino no período

fundamental escolar e envolver a comunidade nisso para melhorar a aplicação desses

recursos. Para ser beneficiária desse programa a escola precisa ter uma unidade

executora, do contrário o repasse é feito diretamente às Secretárias Estaduais e

municipais de ensino. Compreende-se por Unidades Executoras: Associação de Pais e

534 LIBÂNEO, José Carlos, OLIVEIRA, José Ferreira de Oliveira, TOSCHI, Mirza Seabra. op. cit. p. 183. 535 Idem, Ibidem, p. 184.

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Mestres, Caixa Escolar, Cooperativa Escolar, Círculo de Pais e Mestres, etc.. No

entanto, o que é importante destacar é que tais recursos que devem ser utilizados para

aquisição de material permanente e de consumo, manutenção e conservação do prédio,

aperfeiçoamento dos profissionais da educação e implementação de projetos

pedagógicos, e reforça-se, tais aquisições, devem ser realizadas com a participação dos

cidadãos da comunidade que fazem parte das Unidades Executoras.

Pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar o Salário Educação deve ser

utilizado para levar às crianças da pré-escola e ensino fundamental alimentação

adequada, pois deve ao menos ser oferecida uma refeição diária nos dias letivos às

crianças que contenham no mínimo valores nutricionais básicos. Porém para estabelecer

um convênio com o FNDE, para receber os benefícios desse programa, os municípios

devem criar o Conselho de Alimentação Escolar, que tem a função de fiscalizar e

controlar esses recursos e suas atividades devem ser desenvolvidas de acordo com os

princípios do reconhecimento da alimentação escolar como direito do educando, dando-

se prioridade ao atendimento da criança e do adolescente; e mais uma vez o que

pretende é estimular a participação da comunidade para orientar suas decisões e

articular suas ações com as políticas sociais vigentes.536

Pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola, pretende-se aumentar o número

de bibliotecas nos municípios, e ainda que tenha alcançado algum êxito com esse

programa constatou-se em levantamento feito pela imprensa brasileira em 2001 apenas

existe uma biblioteca para cada quarenta mil habitantes e que 25% dos municípios

brasileiros não podem contar com nenhuma biblioteca pública. Por esse programa o que

se pretende é difundir obras de literatura e referência como enciclopédias e dicionários,

que ao serem distribuídas às escolas do ensino fundamental incentive e aumente o gosto

pela pesquisa, ao mesmo tempo em que se aprimora a qualidade da formação histórica,

econômica e cultural do povo brasileiro.537

Pelo Programa Nacional Livro Didático procura-se suprir as escolas públicas

com livros didáticos que escolhidos pelos professores, servem para assessorá-los em

536 Idem, Ibidem, p.184-185. 537 Idem, Ibidem, p. 186.

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sala de aula e as tarefas diárias das crianças e dos jovens. Porém, os professores ficam

adstritos nessa escolha, isso porque ela deve ser feita sobre uma guia que traz obras

selecionadas por uma equipe de especialistas do MEC. E isso em parte, a nosso ver,

pode se tornar um problema para educação visto que um dos princípios formadores da

educação é a liberdade do ensino e nisso o que pode acontecer é que essa liberdade pode

ser direcionado de acordo com a mente de uma equipe de pessoas, e salvo melhor juízo

se elas não forem selecionadas sobre um muito critério rigoroso, parte do ensino e

aprendizagem que deve ser plural no país estão em suas mãos. De maneira, que

acreditamos que é fundamental que os profissionais da educação dessa escola que

participam desse programa, bem como a comunidade escolar precisam ser devidamente

informados e orientados, nesse sentido. Justamente, para que a liberdade de ensino não

corra nenhum risco de ser ferida e se possibilite que sobre tais livros se exerça uma

análise crítica criteriosa. E mesmo que já tenha sido estipulado um critério para isso,

visto que tais livros são classificados por categorias e indicados por números de estrelas

da seguinte forma: três estrelas são livros que se destacam por sua distinção, duas

estrelas são apenas recomendados e uma estrela recomendado com ressalvas. Mas, o

muito interessante nesse programa é que ele incentiva a solidariedade entre os alunos,

pois aqueles que são distribuídos da segunda à oitava série devem ser reutilizados nos

anos subsequentes, o que também incentiva a boa guarda do livro e a preservação do

meio ambiente. 538

Pelo Programa Nacional de Saúde é realizado um repasse às escolas das

prefeituras participantes. O programa visa a promoção da saúde nas escolas publicas

municipais que devem sanar problemas de saúde que interferem na aprendizagem. Isso

envolve atividades educativas, preventivas e curativas, e além serve para fornecer

matérias de higiene, primeiros socorros. Entretanto, a aquisição de medicamentos foi

vedada. 539

Pelo Programa Nacional de Transporte Escolar visa-se, principalmente, melhorar

a frequência e permanência escolar dos jovens e das crianças em zona rural. Há repasse

de verbas ao município para aquisição de veículos novos seu limite de cinquenta mil

538 Idem, Ibidem, p. 187. 539 Idem, Ibidem, p.187.

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reais. E ainda assim temos noticias diárias de crianças em áreas rurais que

obrigatoriamente para frequentar a escola andam até mais do que três quilômetros,

chegando na sala de aula cansadas, famintas e sem ânimo para estudar. Outras vezes,

ainda que existam veículos, as condições das estradas é um fator impeditivo fortíssimo.

Esse, sem duvida, é um problema sério que enfrentam os educandos brasileiros de áreas

mais remotas, porque ainda que alimentem sonhos de estudar, quase sempre acaba em

frustração.540

Esse é um dos muitos problemas que precisam ser urgentemente revisto, entre

outros, pelos Tribunais de Conta e pelo Poder Legislativo, pois são eles que participam

do sistema de controle externo dos recursos públicos destinados à edificação do sistema

educacional brasileiro. Como, também bem assevera Libâneo, José Oliveira e Mirza

SEABRA, o próprio Poder Executivo conta com departamentos especializados para

fazer esse controle, porém esses se mostram ineficientes, não conseguem eles evitar

desvios desses recursos, de forma que bem questionam os autores541:

Ora, se esses organismos não são suficientes para evitar os desvios , não seria o momento de a própria sociedade realizar o controle social dos recursos financeiros públicos a ser usados na educação? Aliás, a sociedade é grande interessada na transparência e no uso correto e proveitoso dos fundos públicos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. Se esse poder fiscalizador fosse todo repassado à sociedade, ela teria condições de controlar o uso desses recursos? Saberia fiscalizar?

Aliás, tos autores referenciados, afirmam categoricamente que o crescimento

político de uma sociedade também é medido por sua capacidade de controlar e fiscalizar

o poder público: “o qual, aliás, se torna pela outorga eleitoral que a mesma sociedade

lhe concede por meio de voto.”542

3.54 Educação: Dever da Família em colaboração com a sociedade

540 Idem, Ibidem, p.188. 541 Idem, Ibidem, p. 191. 542 Idem, Ibidem, p. 192.

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E sendo a educação não apenas dever do Estado, mas também dever da família,

que é, como já expusemos, nosso primeiro espaço de convivência plural e como tal,

espaço educacional, merece por nós uma análise mais profunda. Com a família

aprendemos tudo que vamos desenvolver em sociedade, seus ensinamentos nos são

incutidos antes dos ensinamentos ministrados pela Igreja, pelo clube, e pela escola.

Logo, a família é nosso primeiro espaço vital de apoio à nossa integração social.

Com ela aprendemos a nos expressar e a nos comunicar, aprendemos pela linguagem

natural a ser e a fazer. A família nos disciplina, informa, instrui e forma, portanto um

verdadeiro espaço educacional, mas não um espaço formal, porque lá não há um

currículo prévio estabelecido a ser acompanhado que nos leva de um grau a outro. No

entanto, ainda assim, é na família que tomamos consciência de que somos um ser de

relações, conforme nos ensina Paulo Freire, porque nela somos forçados pelas regras

que nos são impostas por seus membros e, desde a mais tenra idade, a assumir um papel

de sujeito em ação, porque com ela aprendemos a pensar e a agir e são essas ações que

nos integra ao nosso contexto sociocultural. Com a vivência e a convivência nesse

nosso primeiro espaço plural, em que as opiniões e os pensamentos, às vezes são muito

conflitantes aprendemos a ser plural nas nossas relações, às vezes, por palavras, às vezes

por exemplos, ou uma somatório dos dois. O fato é que nela há uma vivência em

pluralidade de relações com o mundo e à medida em que vivenciamos esses laços, esses

afetos, como seres humanos começamos a responder aos desafios que a vida nos impõe.

Com a família damos nossos primeiros passos à integralização, e é essa integração que

nos enraíza e nos dá consciência de nossa própria temporalidade, conforme Paulo

Freire. Se não ocorresse essa integração “que é uma característica das relações do

homem e que se aperfeiçoa na medida em que se faz critico” seríamos apenas um ser

acomodado, “e, então, nem a história nem a cultura- seus domínios- teriam sido.” 543

Sem a família, e não importa qual e como se deu formação, pois, conforme,

dissemos a Constituição de 1988, hoje, protege todos os tipos de família, poderíamos

ainda afirmar que seríamos “homens desenraizados”. Conceito oferecido Paulo Freire

que qualifica como aquele homem que está fora do âmbito de decisões, comandado e

543 VASCONCELOS, Maria Lucia Marcondes Carvalho e BRITO, Regina Helena Pires de. Conceitos de Educação em Paulo Freire Conceitos de Educação de Paulo Freire. op.cit. p. 120-121.

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alienado pelos diversos meios de comunicação, pois com a família aprendemos a tecer

nossas primeiras críticas sobre o que ouvimos no rádio, assistimos na televisão,

buscamos na internet e lemos nas revistas ou jornais. Sem a família e seu afeto

seríamos, então, pura e simplesmente “comandados pelos meios mediáticos

desenvolvidos pela publicidade”, “a tal ponto que em nada” confiaríamos ou

acreditaríamos e, por fim, nos identificaríamos apenas “com formas míticas de

explicação do mundo”, ou seja, nosso comportamento seria daquele tipo de homem que

“perdeu dolorosamente seu endereço”, o homem desenraizado.544

Daí a importância do dever que a família assume no processo educacional não-

formal e formal. Dever esse, que foi devidamente protegido desde a Constituição de

1934. Dever constitucional significa dizer que os responsáveis familiares devem zelar

pela guarda, pelo apoio e pela integralização que a criança e o jovem devem ter

enquanto seres em formação que necessitam despertar em si o educere para que possam

se integralizar à sua comunidade, até que, então, desejem ou não formar suas próprias

famílias. Podemos compreendê-lo ainda, no sentido de participar ativamente como meio

próprio dessa integralização, ou seja, seu apoio deve ir além das paredes da sala de

jantar, a família deve ir à escola não apenas para cumprir com o dever de matrícula,

despejando a criança ou jovem na sala de aula, ela deve participar, questionar e

desenvolver críticas sobre a metodologia do ensino, a estrutura da escola, discutir sobre

os melhores meios para valorizar o professor, enfim estar familiarizada com as políticas

públicas educacionais que estão sendo desenvolvidas, pois é a escola, por excelência, a

extensão do lar, onde aprendemos e continuamos os processos educacionais que nos

integralizam de maneira não formal ao meio social, e é somente aí que reside a

diferença entre escola e família o uso de uma metodologia que deve ser devidamente

sistematizada, porém isso não é uma diferença diminuta, a escola é espaço do

importante contínuo da integralização, o espaço perfeito para sociabilidade, onde

desenvolvemos eticidade política e jurídica nas relações humanas e aprendemos, que

apesar das nossas diferenças herdadas, somos, em absolutamente tudo iguais face à

nossa condição humana.

544 Idem, Ibidem. p. 121.

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Quando a família falta com seu dever constitucional de educar deve ser chamada

pelo Estado, primeiramente pelos profissionais da educação para que sejam

questionados, sensibilizados e afetados da importância que têm sua presença nesse

processo de formação, ainda que isso represente um desafio para esses profissionais e

para o Estado, para a família e para o aluno.

Assim, o dever de educação, prestado pelo Estado vai além de dar acesso ao

individuo. Nesse processo ele alcança a sua família, de maneira modo que o Estado tem

a obrigação de zelar por esse diálogo que deve haver entre família e escola. Nesse

processo dialógico entre família e escola, encontramos os primeiros limites à liberdade

que se pode ter em sociedade. Em comunidade, escola e família chegam a desenvolver a

consciência da necessária autoridade que deve recair sobre o conhecimento e o

aprendizado, pois nesse diálogo que deve ser fecundo, ainda que cheguemos à

conclusão que sem liberdade não há aprendizado, também chegamos à igual conclusão

que se o professor não conseguir estabelecer um clima para um aprendizado adequado,

em que ele permite ao aluno fazer o que deseja, “a formação ficará deficiente”. Nesse

ambiente, é á família em conjunto com a escola e o professor que ensinam que liberdade

não se confunde com licensiosidade, e essa tomada de consciência em tempos em que a

violência moral, psicológica e física chegou à escola, é alertar urgentemente que o

Estado Constitucional que tem por obrigação proteger a dignidade humana, seja o

mediador desse diálogo, inclusive desenvolvendo políticas públicas educacionais que

despertem esse tipo de consciência, pois, segundo o que nos conta Paulo Freire sobre

suas experiências educacionais e políticas 545:

Cedo percebi que, no diálogo com os pais, não haveria possibilidade nenhuma de êxito se lhes aparecêssemos como estivéssemos defendendo posições licensiosas. Posições permissivas em que, em nome da liberdade, terminávamos contra ela, pela falta total do papel limitador da autoridade. Nenhuma dessas posições, a autoritária ou a licensiosa, trabalha em favor da democracia. É neste sentido, por isso, que viver bem a tensão entre autoridade e liberdade se torna, em casa como na escola, algo da mais alta importância. A liberdade que assume seus limites necessários é a que luta aguerridamente contra a hipertrofia da autoridade. Quão equivocados estão os pais que tudo permitem aos filhos, muitas coisas, às filhas, ora porque, dizem tiveram infância e adolescência difíceis, ora porque, afirmam, querem filhos e filhas livres.

545 Idem, Ibidem, p. 135-136

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Daí a imensa importância da proteção constitucional que se deve dar à educação

pelo dever do Estado e da Família. O exercício desse dever, por ambos, é o que

viabiliza, a essência da Democracia Social.

Mas, o dever constitucional do Estado e da Família para o acesso e a

viabilização de um direito à educação em uma Democracia Social dever ser em

colaboração com a sociedade, diz a Constituição. Nesse sentido, a doutrina em sua

maioria, compreende que esse artigo se refere ao direito que tem o particular de abrir e

manter escolas, desde que também cumpra para seu projeto educacional as condições

impostas pelo Texto Constitucional. Porém, essa compreensão deve ir além, justamente

porque consagramos em nosso Texto uma Democracia Social que vai ultrapassa o

direito de votar e ser votado. Nesse sentido, toda família e toda escola particular e

pública está inserida em uma comunidade e com ela deve partilhar seus problemas a fim

de se encontrar soluções que otimizem a qualidade do ensino, tanto de seu ponto de

vista estrutural como do seu ponto de vista sistêmico. Desse modo, destaca-se a por

importância dos Conselhos Escolares, devendo fazer parte dele membros da

comunidade que inclusive possam diretamente participar das decisões que dizem

respeito até mesmo às verbas orçamentárias que destinadas à escola, mesmo porque é

dali que partiram os profissionais de todas as áreas e o cidadão atuante.

A idéia da formação de conselhos escolares surgiu juntamente com a proposta

para uma Gestão Democrática da Lei de Diretrizes e Bases da Educação quando essa foi

promulgada em 1996. O conselho tem por objetivos assegurar a participação da

comunidade na gestão dos processos educacionais, inclusive para auxiliar a equipe

gestora em questões administrativas, financeiras e pedagógicas e segundo o Programa

de fortalecimento dos Conselhos Escolares de 2004 sua atuação deve ser consultiva,

deliberativa, normativa, avaliativa, devendo também acompanhar a evolução dos

indicadores educacionais das escolas onde atuam. Sua atuação é relevante na medida em

que vão poder avaliar os índices de repetência e evasão e até questões que vão da

violência escolar a depredações que sofrem seus prédios.546

546GOMIDE, Camilo in: Como Formar um Conselho Escolar Atuante. http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/diretor/como-formar-conselho-escolar-atuante-574335.shtml. Acesso em Agosto de 2010 - Publicado em Nova Escola Gestão Escolar. ed. 08 Junho/Julho 2010, Título original: “Unidos por uma boa causa.”

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Mas, infelizmente, apenas 70,65% das escolas públicas estaduais em 2004

segundos dados do MEC, podiam contar com os Conselhos Escolares, e apenas nos

municípios em que lei municipal específica determina. A verdade é que esse tipo de

informação não chega às comunidades, de maneira que é urgente que esse tipo de

iniciativa seja incentivado nas comunidades. Todas as autoridades públicas, inclusive as

autoridades do Poder Judiciário podem vir a fazer desses Conselhos um espaço

preventivo para se trabalhar questões de segurança e políticas públicas criminais, desde

que seja lembrado que esse não é um espaço para a coação do direito, mas sim um

ambiente propício para que ele se integre a comunidade por meio de um diálogo aberto

e fecundo que debata, por exemplo questões que digam respeito não apenas ao direito à

educação, mas direitos fundamentais constitucionais. Afinal, conforme aporta Meire

Cavalcante: “Estudar em uma escola cuidada e administrada em parceria com os pais e a

comunidade e que tenha como principal objetivo a qualidade do ensino é um dos

melhores exemplos práticos de cidadania que os alunos podem ter.”547

Conforme podemos observar a Constituição privilegiou a educação escolarizada,

até porque a educação informal, não aquela que acontece no âmbito familiar, mas

aquela mesma que promovida por ações públicas que visam este ou aquele assunto,

sobre temas específicos que se precisa ensinar somente se pode dar de maneira

esporádica, e mesmo que muito válida é apenas realizada por "ações voltadas à

determinados fins", por isso quase sempre intangíveis. Daí ser a escola o espaço

concreto e propício para que ocorra a participação ativa do cidadão, não apenas e diante

de questões que norteiam o próprio processo educacional, mas que por ali se enfrente

questões próprias de uma democracia participativa, como, por exemplo, como e porque

devemos dar a devida importância ao regime democrático para quem sabe comecemos a

compreender que o voto do brasileiro muito mais do que um dever constitucional

imposto é um direto fundamental sem o qual a República Federativa do Brasil não se

sustenta.

Logo o direito à educação, também tem uma função objetiva que conforma todo

o sistema jurídico, por isso deve ser assegurado por meio de leis, atos normativos, e

547 CAVALCANTE, Meire in: Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos escolares disponível na internet: http://revistaescola.abril.com.br/gestao-escolar/diretor/programa-nacional-fortalecimento-conselhos-escolares-423379.shtml, Publicado na Revista Nova Escola Ed. 187 em Novembro 2005.

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posturas administrativas, vedada qualquer limitação a seu alcance, entretanto, conforme

determina a Constituição Federal, o processo educacional não se resume a ações

tomadas nesse sentido, há que se compreender que essas ações são realizadas por

pessoas, e que cada um delas tem seu âmbito de liberdade e sua dignidade de pessoa

humana devidamente protegida. De modo, não é possível, que um sistema super

estruturado se ponha acima desse enunciado, pois quando ele faz isso passa a desviar

sua finalidade por um comportamento inconstitucional. E, infelizmente, tal

comportamento já vem acontecendo nos sistemas de ensino público dos Estados

Brasileiros. Podemos dar o exemplo de São Paulo, que é aquele que conhecemos mais

de perto, aqui as normas administrativas dos processos educacionais estão gerando uma

burocratização desnecessária, segundo muitos professores. No âmbito municipal o

regimento escolar está repleto de entraves, “papeladas e mais papeladas”, que tem que

ser preenchidas diariamente que levam muito dos profissionais da educação e

professores a um esgotamento mental e físico profundo. Inclusive, no âmbito estadual

onde eles obedecem a um Plano de Gestão Educacional que determina que seus pedidos

de recursos materiais, por exemplo, devem passar por vários níveis de hierarquia, até

que se obtenha uma resposta vem dificultando em muito que a educação em níveis

ótimos, seja concretizado, o excesso de burocracia, argumentam eles “engessa o

processo educacional, os professores poderiam estar mais tempo em horas atividades,

realmente cuidando do plano de ensino pedagógico.”548 O que, em parte foi

devidamente consagrado pela Lei do Piso, conforme explicaremos.

3.5.5 Os objetivos da educação na Constituição de 1988

Resta ainda, portanto que um direito à educação escolar voltada para todos

cumpra seus objetivos. Objetivos esses que estão delineados na parte in fine do artigo

205 da Constituição Federal, que conste, ainda, também estão delineados pelo art. 53 do

Estatuto da Criança e do Adolescente e nos diversos Pactos de Direitos Humanos

cuidam consagrar um direito à educação, como por exemplo o Protocolo de San

Salvador que foi devidamente ratificado pelo Brasil. Objetivos esses que indicam que

548 Comentário feito a partir de vários apontamentos realizados durante seminários e aulas expositivas promovidas turmas de graduação do Curso de Educação que participaram da Feira de Iniciação da Pontifica Universidade Católica de São Paulo, Campus Monte Alegre, em agosto de 2009.

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processo educacional prima pelos valores humanos: culturais, políticos e profissionais.

A saber:

1) Pleno desenvolvimento da pessoa: Esse objetivo a ser perseguido e

concretizado pelo Estado, pela Família e pela Sociedade Brasileira aponta e consagra

implicitamente que a Educação é um direito humano fundamental de extremada

relevância porque visa em primeiro a pessoa humana, e como consequência disso ao

Estado cabe apenas reconhecê-lo. Por ele, chegamos à conclusão que a pessoa humana

precisa ter seu caráter moldado pela instrução, pela disciplina, pela formação e pelo

afeto para que assim possa desenvolver suas virtudes e interiorizar eticidadade e

sociabilidade; a educação deve levar a pessoa humana por meio do desenvolvimento

cognitivo, emocional e espiritual a se habituar à condutas de uma boa moral porque

compreende que para ser feliz e realizada ela necessita conduzir sua vida com ética. E

ética para Aristóteles em sua obra “Ética a Nicômaco” é buscar a felicidade pautando-

se pelo equilíbrio e pela prudência, é por isso que quem educa tem que transmitir antes

de tudo o ser ético, pois o pleno desenvolvimento humano somente se completa por

meio dela. 549

Nesse sentido, quando se busca na educação o pleno desenvolvimento humano,

ela assume uma função transformadora que permite que a potencialidade do saber

concretiza-se em ato de conhecimento, que naturalmente força a pessoa humana a

buscar tanto a sua felicidade como a dos outros, pois ela sabe que apesar de saber pensar

por si e ser independente e até ser autônoma para tomar suas próprias decisões e fazer

suas escolhas, ela saberá que essas deverão ser tomadas sobre um crivo da

responsabilidade prática para consigo e para o Outro.

Logo, desenvolver a personalidade humana plenamente significa ensinar e

aprender que se é livre, porém livre em coexistência com a família, com a sociedade e

com o Estado ou ainda, sob o olhar da humanidade, no qual estamos todos inseridos.

Significa que devemos aprender pelo desenvolvimento das nossas habilidades

emocionais, motoras e cognitivas que devemos tanto respeito ao Outro quanto a nós

549 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. 3ª ed. Tradução do grego, introdução e notas Mário da Gama Kury. Brasília: Editora UnB, 1985.

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mesmos, já que aprendemos a nos identificar com ele não pelo o que ele possuí ou pelo

status que tem perante a sociedade, mas, porque o Outro como nós, também porta em si

um valor intrínseco que se erradia de dentro para fora, ou seja, aprendemos a nos

identificar pela dignidade humana. De modo que objetivo do pleno desenvolvimento da

pessoa visa desenvolver e potencializar todas as dimensões da dignidade humana dos

educandos, para que ele também possa reconhecê-la no Outro. E ainda conforme aporta

o Relatório Deloirs da Unesco, de 1983, o objetivo do pleno desenvolvimento da pessoa

humana aponta para os quatro pilares do conhecimento: 1)aprender a aprender; 2)

aprender a fazer; 3) aprender a ser; 4) aprender a conviver.550

2) Preparo para o exercício da cidadania551: Cidadania nos ensina Maria Garcia,

citando Hanna Arenth é: "o direito a ter direitos" e complementa: “à todos os direitos

previstos na Constituição”

Isso significa afirmar que a família tem a obrigação moral, mas o Estado o dever

jurídico de oferecer um ensino que, também desenvolva cultura política em seus

cidadãos, ou seja, que prepare, na concepção de Peter Härbele as pessoas para serem,

preliminarmente, pré-interpretes da Constituição mesmo antes de um e outros desejarem

pelos estudos, pelo ensino-aprendizagem e pela pesquisa a serem intérpretes

constitucionais. Mesmo porque, segundo ele afirma os direitos fundamentais quando

consagrados no ordenamento interno de um Estado assumem perante a sociedade uma

função social objetiva, que limita o exercício do direito fundamental de cada um face

em de outrem, conforme vimos em funções dos direitos fundamentais.

Uma educação nesse sentido prepara e habitua à pratica da vivência em uma

República Constitucional e Democrática, conscientiza que parte de sua vontade

550 DELOR, Jacques, In’am Al-Mufti, Isao Amagi, Roberto Carneiro, Fay Chung, Bronislaw Geremek, William Gorham, Aleksandra Kornhauser, Michael Manley, Marisela Padrón Quero, Marie-Angélique Savané, Karan Singh, Rodolfo Stavenhagen, Myong Won Suhr, Zhou Nanzhao. EDUCAÇÃO UM TESOURO A DESCOBRIR Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez, 1998. Brasília: UNESCO, 1998. Disponível na internet: http://ftp.infoeuropa.eurocid.pt/database/000046001-000047000/000046258.pdf Acesso em agosto de 2012. p. 89-99. 551 GARCIA, Maria. I Simpósio Nacional de Direito Educacional- 2003. Educação Superior Competência Legislativa. in Direito Educacional Aspectos Práticos e Jurídicos coord. por PEREIRA, Antônio Jorge Silva, SILVA, Cintya Nunes Vieira da, MACHADO, Décio Lencioni, COVAC, José Roberto, FELCA, Narcelo Adelqui. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 35

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individual no meio social se transforma em vontade geral, em soberania popular, e que

sob essas condições de “povo” o poder lhe pertence; logo é ele, o cidadão, o mandatário

do poder e que quando no exercício do Poder Público saberá que está lindando com a

res publica que à todos pertence e que sua má ou inidônea administração o

responsabiliza.

Mas, isso não se pressupõe, não nasce espontaneamente na mente humana vem

do estudo. De maneira que é preciso educar sobre cidadania, sobre direitos e deveres

fundamentais humanos, dado que se não houver essa educação política, acidadania não

passa de um simples ato de urbanidade, que não cria obrigações, laços e

responsabilidade. A cidadania é um comportamento da pessoa humana que se expressa

pelo cumprimento de obrigações para com o Estado, para com o outro, portanto para

com a Constituição, seu contrato social: onde estão delineados seus direitos

fundamentais humanos que protege a dignidade de pessoa humana.

Cidadania é um saber que desenvolve um ato de virtude na pessoa humana que

vai impor ao Estado uma postura de não interferência face a conquista de suas

liberdades públicas, ao mesmo tempo que impõe a ele uma postura de concretização

perante seus direitos fundamentais sociais.

A Declaração de Direitos Humanos considera de suma importância que as

pessoas sejam educadas pelas ferramentas dispostas no sistema educacional de cada

Estado Nação para que elas desenvolvam respeito pelos direitos nelas declarados, sem,

esse conhecimento, afirmam não há como desenvolver consciência de que os direitos

fundamentais não se concretizam, de maneira que é imperioso que se efetive um saber

sobre eles.

Nesse sentido o Brasil adotou como princípio afirmação pelos direitos humanos

os considerando universais, indivisíveis e interdependentes reconhecendo que sua

efetivação somente pode ser dar por políticas públicas que assim o considerem “para

que haja a perspectiva da construção de uma sociedade baseada na promoção da

igualdade de oportunidades e da equidade, no respeito à diversidade” e assim aconteça a

consolidação de uma cultura democrática e cidadã. Por isso foi promulgado um Plano

Nacional de Educação em Direitos Humanos que estabeleceu concepções, princípios,

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diretrizes e linhas de ações para que nos próximos anos, enquanto política pública

educacional, seja ele capaz de consolidar uma cultura em Direitos Humanos, que deve

ser materializada pelo governo em conjunto com a sociedade, de forma que contribua

para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito. As ações devem atuar e

atingir cinco grandes eixos de atuação: educação básica, educação superior; educação

não formal; educação dos profissionais do sistema de justiça e segurança pública e

educação e mídia.552

Nesse documento educacional de 10 de dezembro de 2006, afirmou-se que o

marco expressivo para que o Estado juntamente com a sociedade se organizasse por

uma política educacional em Direitos Humanos foi a Constituição Federal de 1988

porque naquele momento, formalmente consagrou-se um Estado Democrático de

Direito553. E tanto a Constituição de 1988 por seu artigo 205, caput, como a LDB por

seu artigo 34, afirmam a cidadania como um das finalidades da educação para

estabelecer uma prática educativa “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de

solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu

preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, e acrescenta-

se 554:

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), lançado em 2003, está apoiado em documentos internacionais e nacionais, demarcando a inserção do Estado brasileiro na história da afirmação dos direitos humanos e na Década da Educação em Direitos Humanos, prevista no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH) e seu Plano de Ação. São objetivos balizadores do PMEDH conforme estabelecido no artigo 2°: a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais; b) promover o pleno desenvolvimento da personalidade e dignidade humana; c) fomentar o entendimento, a tolerância, a igualdade de gênero e a amizade entre as nações, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e lingüísticos; d) estimular a participação efetiva das pessoas em uma sociedade livre e democrática governada pelo Estado de Direito; e) construir,promover e manter a paz. (g.n.)

552 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos disponível em http://www.redhbrasil.net/documentos/bilbioteca_on_line/PNEDH_2007.pdf p.9-10. 553 Idem, ibidem, p. 16 554 Idem, ibidem, apresentação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.

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De maneira que a Educação em Direitos Humanos é compreendida no Brasil

como “um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito

de direitos, voltados a articular as seguintes dimensões” 555:

a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a

sua relação com os contextos internacional, nacional e local;

b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos

humanos em todos os espaços da sociedade;

c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente nos níveis cognitivo,

social, ético e político;

d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva,

utilizando linguagens e materiais didáticos orientados à mudança de mentalidades e de

práticas individuais e coletivas que possam gerar ações e instrumentos em favor da

defesa, da promoção e ampliação dos direitos humanos.

Ademais, o Anexo do Plano Nacional de Educação, item II, informa quais são os

documentos no âmbito nacional que devem ser utilizados para balizar essa educação em

direitos (que se perfaz por “ações voltadas à”, ou seja, pela modalidade de ensino

informal intencional), e o primeiro deles a ser apontado entre outros é a Constituição

Federal de 1988, o que faz pleno sentido, já que a nossa Constituição é um sistema

aberto de regras e princípios voltados à proteção da pessoa humana que tem por norma

genética, as convenções, tratados e pactos internacionais.556

Logo, a Educação em Direitos Humanos deve ser ensinada de maneira dispersa e

difusa pela grade curricular brasileira. De modo, que esteja presente em todas as

disciplinas. Logo, não existe uma disciplina própria na educação básica de maneira

metódica e sistemática sobre direitos humanos e ou direitos fundamentais. Portanto não

555 Secretária dos direitos humanos. Disponível em: http://www.direitoshumanos.gov.br/clientes/sedh/sedh/promocaodh/edh. Acesso em agosto de 2012. 556 Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos disponível em http://www.redhbrasil.net/documentos/bilbioteca_on_line/PNEDH_2007.pdf p. 48

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há uma disciplina que ensine a Constituição Brasileira de 1988 de maneira direta e

especifica, onde possamos desde cedo a ser ensinados sobre nossos direitos

fundamentais, e sobre eles, possamos formar por um estudo racional nossas próprias

opiniões, que juntamente com outras formam a opinião pública. Uma educação política

e cidadã, nesse sentido, não está sendo concretizada nem no ensino básico e nem mesmo

no ensino superior para áreas que não envolvam estudos de ciências jurídicas. É fato a

educação política e cívica brasileira quando administrada chega aos educandos

brasileiros por um ensinamento disperso e, principalmente, difundido pelas mídias de

massa, sem um objetivo ou método previamente delimitado.

Mas, o que diz a Constituição Federal, nosso marco de inserção em um Estado

Constitucional Democrático e Cooperativo, que inclusive é voltado ao desenvolvimento

de uma Educação em Direitos Humanos, portanto também em Direitos Fundamentais?

Ela não diz expressamente nos seguintes termos: “Essa Constituição deve ser

ensinada e debatida em sala de aula por um processo dialético de forma a promover um

Estado democrático Brasileiro.” Não, ela não faz isso.

Mas, conforme exposto, a Constituição precisa ser interpretada de acordo com

sua unidade, pois ela, afirmamos não é um caos aleatório de regras e princípios, seus

vários artigos se conectam, de maneira que nem um deles pode ser visto isoladamente,

senão vejamos, dois artigos que na busca desse sentido pode ser lido conjuntamente

para que seja levado a cabo um ensino intencional e formal para concretizar a educação

política como também um standard mínimo vital do direito à educação a ser alcançado:

Artigo 205: A educação, direitos de todos e dever do Estado e da Família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania [...]

Artigo 64 dos Atos das Disposições Transitórias: A imprensa Nacional e demais

gráficas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração

direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público,

promoverão edição popular do texto integral da Constituição, que será posta à

disposição das escolas e dos cartórios, dos sindicatos, dos quartéis, das igrejas e de

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outras instituições representativas da comunidade, gratuitamente, de modo que cada

cidadão brasileiro possa receber do Estado um exemplar da Constituição do Brasil.

Lidos, sistemicamente, dessa forma, a questões a serem respondidas são: Por que

senão para promover e preparar o brasileiro de maneira formal intencional para o

exercício da cidadania, seria determinado que cada cidadão brasileiro deveria ter

consigo um exemplar da Constituição Brasileira? Por que, senão para promover e

incentivar um ensino sobre ao menos seus direitos fundamentais deveria ser a

Constituição de 1988 posta à disposição de cada escola brasileira?

E dentro do contexto histórico que estamos vivenciando de concretização de

Direitos Fundamentais porque não fortalecer a Democracia Social pelo ensino

direcionado, institucionalizado, com objetivos explícitos, método de ensino, e

procedimentos didáticos tendo por fundamento a Constituição de 1988, já que hoje ela é

uma Constituição aberta, que consagra todos os valores supremos que a comunidade

brasileira escolheu para si?

Crianças, adolescentes e jovens necessitam desde a mais tenra idade a trabalhar

com significados, afinal a vida cotidiana com sua linguagem natural é feita deles? Por

que, então não aprender a compreender seu mais alto documento político que lhe

protege contra o eventual abuso do Estado e de terceiros, que também é feita de

linguagem natural?

Como vimos a Constituição em um Estado de Direito Democrático é o

instrumento supremo da liberdade humana. E quando um Estado adota esse perfil, se

deve educar para e pela liberdade.

Isso porque conforme afirma o Relatório Delors de 1983:

[...] a inclusão social dos indivíduos que estão à margem das oportunidades e das escolhas se verifica por meio da conscientização política e cidadã da comunidade, seja em nível local, regional, nacional ou internacional, especificamente com relação à educação, ao acesso à informação e ao direito à cidadania. A conscientização e o reconhecimento dos direitos da pessoa como cidadão devem ser os

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primeiros passos nesse caminho de busca pela liberdade de escolhas e de oportunidades.

É mais que urgente que a Educação Brasileira insira na sua grade curricular uma

disciplina especifica que trabalhe as questões que circulam o preparo para cidadania.

Essa afirmação, conforme demonstramos por uma interpretação sistêmica, histórica e

doutrinária é um reclamo Constitucional, é uma determinação da Democracia. Somente

assim os brasileiros vão se habituar ao regime democrático, porque pela participação

consciente poderão fiscalizar e controlar socialmente, racional e metódicamente, as

decisões do Poder Público.

A todo o instante frisamos a importância da participação do Cidadão brasileiro

nas decisões políticas, e mesmo as políticas e programas educacionais desenvolvidas

nas últimas duas décadas deixam isso bem patente, principalmente naquelas que lhe

consagram direitos fundamentais de maneira integrada. Mas, como, então, participar se

ele não os conhece? Como participar das audiências públicas, dos orçamentos

participativos, dos conselhos escolares, das Unidades de Executoras do corpo escolar?

Como, então, ficar ciente que ele pode um dia vir a ser um “amicus curie” sem que seja

ele manipulado por interesse de terceiros? Como preparar adequadamente um cidadão

brasileiro para que vote e seja votado adequadamente se ele não tem contado direto e

racional com a Constituição Brasileira?

Um ensino escolar intencional e formal nesse sentido colocaria jovens e

crianças, pais e professores, de todas as escolas, em contado direto com os significados

políticos da pluralidade, da democracia, da liberdade, da igualdade, da fraternidade, da

dignidade da pessoa humana, com os princípios que norteiam a administração pública,

os recursos públicos e justiça. Formaríamos, enfim uma sociedade aberta de pré-

interpretes. Uma formação que envolvesse esses preceitos não há duvidas, levaria a

sociedade brasileira ao seu pleno desenvolvimento econômico sustentável e humano.

Até mesmo a preservação do meio ambiente requer uma educação nesse sentido,

conforme já citado artigo 225, VI, da Constituição Federal.

Afirma Dominique Schnapper, em colóquio proferido no Instituto Nacional de

Lisboa em janeiro do ano 2000 que as sociedades humanas, sejam elas quais forem,

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independentemente da denominação que receberem- modernas, pós-modernas,

democráticas não podem esvaziar suas dimensões políticas em favorecimento de

interesses materiais. Esses espaços políticos hão que existir sempre, sob pena de não

haver um espaço legitimo para controlar as paixões-étnicas, ou éticas- religiosas, onde

se debata e arbitre sobre o interesse dos indivíduos e o interesses dos grupos, em suas

palavras557:

Qualquer que seja o nível da sua existência, é necessário que haja um local onde se concretize o espaço da política – espaço de escolhas, de arbitragens, de limites e também da vontade de existir, portanto de se defender. É necessário que haja um nível onde as instituições assegurem o exercício da cidadania. É necessário que haja um lugar onde os indivíduos julguem se os governantes que eles elegeram os representam de maneira conveniente. É necessário que haja instâncias cujas decisões – e os limites que necessariamente as acompanham – sejam consideradas legítimas, e, portanto aceites pelos cidadãos. É necessário que haja um local onde se exprima a vontade de afirmar os valores comuns e a vontade de se defender, se necessário pela força.

Ainda que discordemos em parte com a posição da socialista, pois ela advoga

que a defesa dos direitos pode ser pela força o que até consideramos possível como

ultima racio a ser utilizada pelo ser humano, conforme também a Declaração de

Direitos Humanos e somente contra governos tiranos, o certo é que diante disso nos

resta a seguinte colocação: Qual melhor local para se debater as questões acima

expostas, considerando que todas elas estão ligadas a vivência de direitos humanos

fundamentais? A nós parece que a essa questão podemos responder, pelo que exposto

sobre escola e educação que é a escola básica como o melhor local para se dar início a

esse tipo de trabalho como o cidadão. Isso porque, ali na sala de aula, pode-se até

mesmo começar a trabalhar a solução de conflitos preventivamente o que tornar evitável

muitas batalhas judiciais ou políticas, pois muitas vezes o que falta às pessoas é

conhecer o limite da vivência de suas liberdades em face de outros.

Nesse sentido, o professor e jurista Akaoui, destaca que a tutela dos direitos

metaindividuais, estão a exigir por sua própria natureza, que se busque meios para se

557 SCHNAPPER, Dominique. A Educação Cívica nos Países Democráticos. Intervenção proferida no âmbito do Colóquio “Cidadania, Educação e Defesa 2000”, Instituto da Defesa Nacional, Lisboa, Janeiro de 2000 Disponível na internet: :http://comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/1469/1/NeD093_DominiqueSchnapper.pdf Acesso em agosto de 2012.

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tomar medidas de caráter preventivo, para que principalmente evite-se o dano, ou que

no mínimo se consiga minimizar seus efeitos, isso porque é necessário que se “blinde” o

objeto da tutela coletiva, em sua palavras558:

De fato, ao pensarmos em danos causados ao meio ambiente, a direitos do consumidor, à infância e juventude, e outros direitos difusos e coletivos, facilmente nos lembramos de exemplos em que a ocorrência da conduta socialmente prejudicial não poderá ser reparada pelo causador, restando apenas o pleito indenizatório ou compensatório, o que não se mostra como a solução mais adequada.

Compreende ainda o jurista citado que a tentativa de solução de conflitos em

âmbito extrajudicial é dever de todos e que instigar o litígio é conduta altamente

repreensível. Ao que levantamos a seguinte questão: Não seria assim, o espaço escolar

onde se começa essa ação preventiva, ensinando-se pelo diálogo, o respeito ao

patrimônio comum pelo conhecimento dos limites de seus próprios direitos

fundamentais?

Nesse sentido o Relatório para UNESCO da Comissão Internacional sobre

educação no século XXI aporta que uma preparação para uma participação ativa tornou-

se para educação uma missão de caráter geral e numa concepção minimalista cabe à

escola básica assumir a responsabilidade de ensinar o exercício do papel social que cada

um deve ter em função dos códigos estabelecidos. Nesse ínterim seu objetivo, então,

seria a instrução cívica concebida como “alfabetização política” elementar e afirma

categoricamente: “está instrução não poderá ser apenas, uma simples matéria de ensino

entre outras. Não se trata, com efeito de ensinar preceitos ou códigos rígidos, acabando

por cair na doutrinação.” 559

Contudo, e levando isso em consideração compreendemos que da forma como

vem sendo ministrada, sem conjugação de uma simples matéria, por sua dispersão pode

chegar à banalização dos mais altos valores de uma comunidade. Por que não e então,

uma disciplina que poderia chamar-se, por exemplo, “cidadania” que teria por base o

Texto Constitucional de 1988? Onde poderíamos, por exemplo, pelo ensino dialógico,

558 AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. op.cit. p. 15. 559 DELOR, Jacques, op. cit. 60-62.

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contido em uma única disciplina, que porém, interdependente com as outras,

apreenderíamos, desde a mais tenra idade possível, a lidar com os significados que ela

porta, visto, frisa-se ser está uma Constituição Aberta, portanto vinculada a uma ordem

mundial que protege os direitos fundamentais. Nessa disciplina poderíamos trabalhar,

por exemplo, a “iniciação às questões de direito”, a exemplo do que já vem acontecendo

na Hungria que desenvolveu um programa chamado “Educação para democracia”, pela

qual procuram dar relevo a preponderância que o direito tem em uma democracia, bem

como os princípios fundamentais que regem os procedimentos jurídicos atuam nesse

contexto.

Pois, somente com uma educação, nesses termos, poderíamos levar a cabo

plenamente o terceiro e concomitante objetivo da educação: a qualificação para o

trabalho.

3) Qualificação para o trabalho- Sobre esse objetivo diz Uadi Lammêgo que o

regime democrático requer maior preparo e capacitação profissional e cita, então,

Raymond Poignait que afirma que: “a Constituição estatui o importante programa de

preparar o homem, o cidadão e o prestador de bens e serviços.”560

Qualificar para o trabalho significa, então, preparar o homem para lidar com

produção, circulação e distribuição de riquezas; significa gerar e distribuir receitas que

contribuam com a erradicação da pobreza e da marginalidade e, por consequência,

colaboram para a diminuição das diferenças regionais e a pobreza; qualificar para o

trabalho significa tornar o ser humano útil por meio do ensino, para si e para a

sociedade, é ensinar um ofício, uma arte ou ajudar a ele no desenvolvimento ou no

despertar de um talento ou dom que o torne independente, autônomo e capaz.

3.5.6 Princípios básicos do ensino brasileiro: limites constitucionais

Convém, porém, antes de concluirmos que a Constituição cuida de explicitar

quais são os princípios básicos de ensino, isso porque são eles que concretizam os

objetivos da educação, ou seja, prestam a eles consecução prática. Logo são eles, os

560 BULOS, Uadi Lammêgo. op.cit. p. 1366.

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princípios constitucionais informadores do sistema educacional, com ele devem estar

em acordo qualquer plano para o desenvolvimento educacional brasileiro, são eles à

saber:

I) Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola- José Afonso

da Silva diz que esse é um problema que vai além da problemática da educação formal.

Isso porque o que esse princípio exige é o tratamento isonômico para o acesso e

permanência na escola. E o acesso pode ser ampliado abrindo-se novas vagas à

população que está em idade escolar, o que está aumentando a cada dia. Porém, é

necessário que se ofereça condições sociais às famílias mais carentes para evitar que

seus filhos abandonem a escola para sair à busca de trabalho e suprir as necessidades da

família. Além para que esse principio seja otimizado é preciso zelar, primeiramente,

pela efetiva frequência do aluno, e é poder público, o primeiro responsável para tanto e

se a família brasileira não tiver cumprindo com isso, deve-se buscá-la e chamá-la a sua

responsabilidade, preliminarmente por um processo dialógico, afinal educa-se para

libertar e não para se reprimir, pois de nada adianta promover ações penais se os pais

não são educados, também nesse sentido.561

II) Liberdade de aprender ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o

saber: É uma das formas de comunicação e manifestação do pensamento. José Afonso

da Silva ensina que esse principio visa-se, principalmente proteger o exercício do

magistério e o abarca de duas formas562:

a) dimensão subjetiva: que significa que os sujeitos da relação educacional têm

liberdade de transmitir e ou outro, o aluno, de receber e que ambos têm a liberdade de

buscar o conhecimento por meio de pesquisa.

b) dimensão objetiva: que significa que o professor pode escolher o objeto do

ensino a ser transmitido, mas, que estão eles limitado pelos programas oficiais de ensino

e currículos, no entanto, sobre ele devem exercer uma análise critica. Assim, o professor

pode ministrar seu curso com liberdade de crítica, de conteúdo, de forma e técnica e

561 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.p. 786. 562 Idem, Ibidem, p. 786.

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aplicar o que lhe pareça mais, porém sempre buscando o sentido da liberdade. Por isso,

a necessidade de que os professores do ensino básico, também conheçam a Constituição

de1988, pois ali, encontramos, os parâmetros e limites para o exercício desse princípio.

III) Pluralismo de idéias de concepção pedagógica: Trata-se aqui de um dos

princípios corolário de um de nossos fundamentos republicano e democrático: o

pluralismo político. Isso porque, o Brasil possui um território grande no qual habita uma

imensa população, com vários grupos e etnias. Logo, coexistem diversidades de

opiniões, muitas vezes conflitantes. Por isso mesmo temos que procurar construir um

equilíbrio de idéias, conciliar diferenças, sociabilidade e particularismos. Ao nosso ver

significa que o professor brasileiro pode adotar a linha pedagógica que melhor lhe

prover para trabalhar sua disciplina, destacando a oportunidade de estudá-las, todas,

para melhor desempenhar uma função, mas desde que ele tenha por objetivo

desenvolver plenamente a pessoa. Preparando o educando para o exercício da cidadania

e cumulativamente o qualificando para o trabalho. Nesses, termos compreendemos seja

permitido a liberdade pedagógica, ou seja, qualquer métodos pedagógico deve ter por

fim promover: a liberdade, a igualdade e a solidariedade.

IV) Gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais: isso porque a

gratuidade também é uma condição que possibilita o acesso e a permanência nas

escolas. Essa gratuidade isenta os alunos de qualquer tipo de contribuição, preço ou

tarifa.

V) Valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da

lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e

títulos aos da rede pública: Esse princípio também está disposto na LDB, no Plano de

Desenvolvimento Educacional e no Plano Nacional de Educação. A Lei 11. 738 de 16

de julho de 2008, ou Lei do Piso, regulamenta o piso salarial profissional para os

professores do magistério público da educação básica, o que fez em conformidade ao

art. 60 dos Atos das Disposições Transitórias. De acordo com seu art. 2º o piso salarial

profissional dessa categoria ficou fixado em novecentos e cinquenta reais mensais e em

fevereiro de 2012 foi aumentado para um mil quatrocentos e cinquenta e um reais, por

uma jornada de 40 horas semanais, e isso valendo para os docentes que tenham a

formação em nível médio, na modalidade Normal, conforme o que disposto no

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referenciado art. 62 da LDB. De maneira que, também ficou fixado que esse Piso

Nacional é o valor mais abaixo do qual a União, Estados e Municípios não poderão

fixar os vencimentos das carreiras do magistério público da educação básica, que

exercem suas atividades no âmbito das unidades escolares, em suas diversas etapas e

modalidades. E, por essa lei, fazem parte dessa categoria, os profissionais que exercem

as seguintes atividades: docência, suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou

administração, planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação

educacionais. Também, reza o § 3o que os vencimentos iniciais referentes às demais

jornadas de trabalho serão, no mínimo, proporcionais ao valor mencionado no caput

deste artigo. De maneira que, por exemplo, o piso salarial de um professor da educação

infantil até o quinto ano do ensino fundamental, por exemplo, da cidade mais rica da

América Latina, São Paulo, por uma jornada semanal de vinte e duas horas é de

oitocentos e noventa e oito reais e seis centavos.563 Outra determinação da Lei de Piso é

de que os docentes devam utilizar 33% de sua jornada de trabalho para atividades

extraclasse, que devem ser voltadas para aperfeiçoamento, planejamento e avaliação,

conforme também a LDB. O Objetivo dessa lei era dar plano de carreira aos professores

do ensino básico associado a um salário mais digno. Contudo, os governos de três

Estados Brasileiros, Ceára, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina impetraram Ação

Direta de Inconstitucinalidade, Adin 4.167 contra a Lei do Piso, argumentando: 1) criar

um piso salarial nacional e ter que conjuntamente ceder 33% da jornada de trabalho para

realização de atividades extraclasse, significa na prática um custo elevadíssimo para o

Estado; 2) A União estaria ferindo o princípio do pacto federativo que impede que a ela

interfira no regime de contratação dos servidores das redes estaduais e municipais de

ensino. Entretanto, o STF julgou a ação improcedente em 27 de abril de 2011. Em

primeiro porque o cronograma previsto do art. 3º e 8º da Lei do Piso que previa um

escalonamento para o vencimento do piso de estipulado se exauriu; 2) por ser norma

geral foi considerada constitucional, conforme art. 22, inciso XXIV da Constituição

Federal. Logo, compete a União dispor sobre normas gerais, também que relativas ao

piso do vencimento dos professores da educação básica, principalmente por tratar-se de

fomento ao sistema educacional e valorização do profissional de ensino, conforme o

princípio de ensino que estamos dissertar, artigo 206, inciso V; 3) e ainda porque fixar

um mínimo para qualquer categoria profissional é instrumento de proteção mínima ao

563 Sindicato dos Professores de São Paulo- Sinpro. Disponível na internet: WWW.sinpro.org.br/guia_consultas.aso?mat=7 Acesso em: agosto de 2012.

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trabalhador; 4) Também é constitucional fixar um percentual mínimo de 33% da jornada

de trabalho, para os professores da educação básica para que se aprimorem e planejem a

execução de suas atividades, até porque sem essas ficaria inviável ministrar o ensino

escolar, o que privilegiado pela Constituição Federal.

Acertada foi a decisão do STF, visto que atualmente, raro é encontrar um jovem

que deseja ser professor, principalmente do ensino básico, pois quem deseja e sonha em

ser professor, no Brasil dado as dificuldades que enfrentam, fora e dentro das salas de

aula, sabe o quanto esse ambiente de trabalho pode ser desgastante, tanto do ponto de

vista físico como do psicológico. De forma que esse início de valorização, ainda que

intempestivo, deve ter continuidade partindo, principalmente, do Legislativo, para que

se assegure não proteção insuficiente desse principio, por meio da alegação da reserva

do possível. Contudo, não esquecendo que a escola é um espaço apartidário, logo não é

palanque para disputa de eleições, ou lugar para disputas de vaidades humanas, afinal

esse é o espaço do profissional sem o qual nenhuma nação existiria. E somente nesses

termos constitucionais e éticos conseguiremos combater a “síndrome da desistência”,

que tem dominado o professorado brasileiro.564

VI) Gestão democrática do ensino, na forma da lei: conforme já expusemos,

esse princípio se refere que a cada âmbito de atuação do ente federativo seja permitido

uma gestão democrática dos quais possa participar além dos profissionais da educação,

a família e a comunidade e que nesse processo seja ouvido também, o titular do direito:

o aluno.

VII) Garantia de padrão de qualidade de ensino: Conforme ensina José Afonso

da Silva a qualidade depende de fatores intrínsecos e extrínsecos565:

a) os extrínsecos estão ligados a organização do estabelecimento, que devem

estar aparelhados com o instrumental adequado a cada tipo de habilitação que oferecem,

para todas as etapas de ensino a que se propõe e isso inclui uma boa formação de

564 AMARAL, Aurélio. Conheça os desafios que três redes de ensino enfrentam para ampliar os investimentos e garantir mais salário e tempo para a formação em serviço. In Revista Nova Escola: Gestão Escolar. São Pauolo: Abril, ano IV. p. 22-30. 565 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição op. cit. 789 e 790.

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professores e profissionais envolvidos nesse processo. Por isso os poderes públicos

devem estar em constante e permanente atenção para manter e melhorar as condições

materiais da escola, tais como adotar tecnologias modernas e informatização dos

estabelecimentos e sob esse aspecto também investir na boa formação dos professores, e

de acordo, ainda com o art. 62 da LDB a formação do docente para atuar na educação

básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena em

universidades e institutos superiores de educação, admitida como formação mínima para

o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras série do ensino

fundamental a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

b) os fatores intrínsecos são aqueles que influenciam no desempenho do aluno e

às vezes têm haver com situações extra classe, até porque a qualidade do ensino se

aufere no rendimento escolar e isso não depende apenas da boa qualidade dos

professores, mas também da predisposição do aluno, do educere que pode estar

prejudicada por causa de sua economia familiar, por exemplo , por isso é importante

ressalta José Afonso da Silva oferecer condições adequadas as famílias para que seus

filhos tenham condições de auferir um bom rendimento escolar que depende muitas

vezes de boa alimentação, de material escolar apropriado e de transporte, por isso a

obrigação do Estado em fornecer isso no ensino básico.

E do ponto de vista pedagógico, hoje, a postura que encerra parâmetros para

atingir a excelência na qualidade é a interdisciplinariedade e a multiplicinariedade

porque desenvolver os saberes humanos significa acima de tudo propiciar ao educando

uma visão larga da complexidades destes, sem contudo perdê-los pela excessiva

dilatação, pois566: “não se conhece o todo apenas conhecendo as partes, e as partes se

perdem sem o conhecimento do todo.”

VIII) Piso salarial profissional para os profissionais da educação escolar pública,

nos termos da lei federal: A emenda 53/2006 instituiu o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Magistério

O Fundef. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

566 MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. 2ª. ed. São Paulo: Cortez. Brasília, DF: UNESCO, 2000.

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valorização do Magistério - o chamado “Fundão”, conforme bem assevera Libâneo mas

que muitos autores vem a eles se referenciar como “fundinho” em razão do baixo valor

do custo aluno/ano567 e da não participação da União que como vimos ainda estar para

aprovar que se aplique na educação 10% do PIB nacional, o que a base governista

considera inviável.

Ressalvando-se que o objetivo do Fundef é ampliar os mecanismos de

financiamento do ensino básico, e o art. 60, XII do Ato das disposições constitucionais

transitórias define que 60% de seus recursos sejam destinados ao pagamento dos

profissionais do magistério da educação básica, em efetivo exercício em que atuem,

abrangendo inclusive outras funções de apoio que são desenvolvidas na escola, direção,

supervisão, inspeção, planejamento, conforme o que vimos foi disposto pela Lei 11. 738

de 2008, ou seja, 20 anos depois da promulgação da Constituição de 1988.

E por fim o parágrafo único do artigo 206, determina que a lei disporá sobre as

categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a

fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito a

união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o que também foi estabelecido

pela Lei do Piso conforme vimos.

Entretanto cabe uma ressalva feita por José Afonso da Silva, que alerta que a

expressão categorias de trabalhadores estendeu o âmbito dessa lei não apenas aos

professores do ensino básico público, mas também aos particulares de maneira que ele

envolve todos os trabalhadores da educação básica em nível nacional. E que única

improbidade desse artigo, segundo o referido autor foi estipular que uma lei federal

567 De acordo com a portaria interministerial da Fundef, por exemplo, em São Paulo o custo por aluno na zona urbana em séries iniciais do ensino fundamental é de R$ 3.192, 81 isso em 28 de dezembro de 2012 e o custo do aluno em zona rural da Estado de São Paulo é de 3.671, 73 centavos; no Piauí o custo do aluno por ano é de R$ 2. 092,68 na zona urbana, e na zona rural R$ 2.411, 19 Dados disponíveis na internet: WWW.fnde.gov.br Acesso em: agosto de 2012. E de acordo com DUARTE, Alessandra e BENEVIDES, Carolina em reportagem feita para Jornal on-line Globo Educação publica no dia 20 de novembro de 2011 o país investe 40.000,00 em cada preso em presídio federal e R$ 21.000,00 reais por preso nos presídios estaduais, segundo o estudo da Campanha Nacional pelo Direito à educação. De forma que: “para os pesquisadores tanto de segurança pública quanto de educação, o contraste de investimento explicita dois problemas centrais na condução desses setores no país: o baixo valor investido na educação e a ineficiência do gasto com o sistema prisional” Tais, dados, também comprovam via indireta que um país que deixou de investir durante anos na educação e na valorização dos professores, no presente tem que investir na prevenção do crime e na resocialização dos indivíduos que não puderam participar de um processo educativo condigno.

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estipulará prazos para elaboração e adequação de planos de carreira dos profissionais do

ensino público, afinal essa é matéria de competência que pertence a cada Estado, do

contrário corre-se a pena de ferir a autonomia dos entes federativos da República.568 O

que vimos que em parte, restou inócua, visto que acertamente o STF considerou a Lei

do Piso, norma geral, logo de competência da União.

O certo é que não haverá desenvolvimento humano nem nacional se não ocorrer

a devida valorização material e ética do professor, qualquer que seja, ele, não

importando em que modalidade e nível de ensino ele atue.

Sendo todo o contexto acima exposto aquele que abarca tanto materialmente

como imaterialmente os valores supremos éticos, políticos, jurídicos, culturais e

econômicos como o standard mínimo do direito à educação conforme a Constituição de

1988, podemos passar a conclusão dessa dissertação.

568 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição op. cit. p. 790.

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CONCLUSÃO

A educação é direito fundamental humano individual na medida em que pertence

individualmente a cada um, pois é, por excelência, o único direito que lhe possibilita

adequado desenvolvimento de sua particular personalidade e com ela todas as suas

potencialidades, mas, também e nesse sentido, é direito que nos permite vivenciar

plenamente as nossas liberdades públicas, pois por ele aprendemos a ser livre e a

desenvolver gosto pela liberdade. Logo é direito indisponível e irrenunciável, que impõe

limites ao abuso do poder do Estado e de terceiros, como também é direito fundamental

social não apenas na medida em que o Texto Constitucional o consagra como tal, mas

também porque de fato ele se desenvolve e se aplica no meio social Por isso é que a

educação deve continuamente ser assegurada e protegida, e não devendo sua aplicação

apenas se resumir ao ensino formal escolar, o que impele que sejam realizadas ações

paralelas por parte dos entes públicos que promovam o ensino de tudo o que é capaz de

desenvolver plenamente o ser humano e suas capacidades natas.

Logo o standard mínimo da educação não se resume a apenas permitir o acesso

a bens materiais que são resolvidos por preços, mas também deve dar acesso a valores

humanos, ou seja, àqueles que viabilizam a dignidade da pessoa humana, sua liberdade

e a vivência de sua cidadania.

Nesse sentido Maria Garcia em discurso proferido no II Simpósio de Estudos de

Direito Educacional de 2004 nos fala sobre os ensinamentos de André Gidier, Hanna

Arendt, Theodor Adorno e Sampaio Dória. Para André Gidier diz a jurista: Educação é

Liberdade. Para Hanna Arenth: “Os homens são livres enquanto agem, nem antes, nem

depois, pois ser livre e agir são a mesma coisa”. Porém, conforme diz Theodor Adorno

liberdade não é a liberdade de escolher sempre a mesma coisa, é necessário que haja

alternativas e têm-se alternativas quando desenvolvemos conhecimento. E refletindo

sobre esse conjunto de pensamentos Maria Garcia chega à conclusão que o que

proporciona conhecimento é a Educação, e logo é a Educação que proporciona

liberdade, nas palavras de Maria Garcia569:

569 GARCIA, Maria in Abertura ao II Simpósio de Estudos de Direito Educacional. Direito Educacional Aspectos práticos e jurídicos op, cit. p. 286.

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Essa liberdade de agir, de tomar um caminho, uma decisão. Qual caminho, como me direciono? Liberdade é agir, é escolher. Qual escolha? A resposta do caminho a tomar, da opção a fazer, se encontra no conhecimento. Somente quem conhece os caminhos pode decidir, escolher o que lhe seja mais interessante, mas conveniente, mais proveitoso. Theodor Adorno, que é filosofo da educação, também destaca: que liberdade não é liberdade de escolher sempre as mesmas coisas. É necessário haver alternativas. E quem proporciona o conhecimento? A educação.

Por isso e nesse sentido continua Maria Garcia afirmando ser a educação uma

questão política570:

E duas, são para Sampaio Dória as formas extremas dos regimes políticos: ou o poder é a vontade dos o governantes imposta aos governados ou o poder é a vontade dos governados, delegado aos governantes, para o exercerem em nome deles: ou autocracia ou democracia. Nas autocracias, quanto mais afundar-se o povo na ignorância melhor. Nas democracias, quanto mais educado o povo na escola da liberdade, melhor.

E assim, a constitucionalista citada, concluí seu pensamento com os

ensinamentos de Sampaio Dória. O artigo 1ª da Constituição de 1988 proclamou por

vontade do povo um regime democrático: “o que cumpre em consequência ao país, tudo

a fazer para que o povo se eduque na escola da liberdade, na consciência do seu destino,

na capacidade para o trabalho e finaliza: “A educação é o problema básico da

democracia.”

Ao que acrescentamos ser a Constituição, por toda sua construção linguística e

histórica, o instrumento adequado para lidar com esse problema. Daí precisar que haja

uma educação específica para que se ensine de maneira apropriada seu conteúdo, para

que assim as pessoas com esse conhecimento possam racionalmente tecer criticas sob as

coisas que estão no domínio publico, o que nós torna, sem dúvidas, mais livres.

Com vimos não é nenhum novidade na história da humanidade educar crianças,

jovens e adultos pelo ensinamento da lei. Os Romanos fizeram isso por mil anos e a

manutenção da democracia antiga e direta dos gregos dependia disso.

570 Idem, Ibidem, p. 287.

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E nossa democracia moderna e representativa não está a exigir isso, justamente

por ser representativa? Isso porque votamos em alguém, e esse alguém sobe até o poder

público por nossa vontade, mas qual o limite de vontade que ele deve obedecer? Afinal,

o que eles podem decidir, por nós, não deve estar de acordo com a nossa vontade? E

onde, finalmente está consubstanciada essa vontade? Não é em nosso caso na

Constituição de 1988? E afinal não a escrevemos justamente para assegurar não

somente que os limites fossem respeitados, mas também para assegurar nossa vontade

de detentores do poder à gerações futuras? Como então, não repassar esse conhecimento

à elas pela educação, pelo ensino? Afinal, não são eles os direitos que garantem a nossa

própria vontade geral e que impõe os limites a quem nos representa? Sem seu ensino

como assegurar, a democracia?

Relata Paul Monroe que as idéias educacionais dos grandes líderes políticos, da

Alemanha e da América, desde o século XVIII já abarcavam a concepção política-

econômica, ou social da educação encontrando neles sua mais completa acepção.

Frederico, o Grande da Prússia se apegou a idéia de que a prosperidade e a estabilidade

nacionais dependiam da educação geral do povo. Maria Teresa da Áustria, inclusive em

1763, editou leis nesse sentido. A primeira delas estipulava que era dever da autoridade

“lutar pelo verdadeiro bem-estar do povo”, lançando-se pelas escolas uma boa base para

educação racional”. O mesmo fizeram os franceses republicanos, como explicamos, e

ainda mais especificamente uma educação voltada a cidadania, inclusive com currículo

próprio.571

Nos Estados Unidos, em 1790, conta Paul Monroe que Washington escreveu o

seguinte“ O saber é em todos os países a mais segura base para a felicidade pública. Ele

é essencial num país como o nosso onde as medidas do governo decorrem tão

imediatamente, dum senso da comunidade.” 572

E então, o citado autor, explica573:

571 MONROE, Paul, op.cit. p. 376. 572 Idem, Ibidem, p. 376. 573 Idem, Ibidem, p. 376.

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A educação como disseminação do conhecimento era, pois, a concepção que Washington sustentava. Do ponto de vista sociológico é esta a concepção mais usual da educação. Consequentemente a importância da educação estaria no efeito que a inteligência do povo teria sobre legislação.

Porém, Paul Monroe abrindo texto para falar sobre a educação como preparação

para cidadania, nos dá ainda mais um exemplo de estadista americano que compreendia

a importância da educação para a nação, que foi aquele que a seu tempo mais promoveu

ações nesse sentido, Thomas Jerfferson, que em 1786 em uma carta a Waschington

revelou: “É um axioma, no meu entender, que a nossa liberdade nunca pode estar segura

a não ser nas mãos do próprio povo, e também, do povo com certo grau de instrução.

Está é uma obra para o Estado realizar em plano geral”

Ao que Paul Monroe comenta574:

A educação como salvaguarda da democracia é o principio geral; a responsabilidade fundamental do Estado pela educação do povo é a base do trabalho que veio a ser feita no curso do meio século seguinte.” Depois, ainda, o autor relata as palavras do quarto presidente americano James Madison que insistiu: “Um governo popular, sem instrução popular ou meio para adquiri-las é apenas um prólogo de uma farsa ou de uma tragédia, ou talvez de ambos. O melhor que se pode prestar a um país, depois de dar-lhe liberdade, é difundir progresso intelectual igualmente essencial para a conservação e gozo dessa benção.

Logo, afirma Paul Monroe, que a concepção comum sobre educação para todos

esses grandes estadistas, é de que a educação cuida principalmente ser uma preparação

para a cidadania. Contudo, o professor não descarta que essa é uma concepção moderna

de educação, o que não exclui o que os antigos nos legaram de que também é a

educação o meio próprio para desenvolver habilidades e formar o caráter do indivíduo.

Em suas palavras575:

A idéia acentuada na concepção de cidadania é que o bem estar individual e social, a felicidade e a retidão dependem, mais largamente do que nunca, das relações existentes entre pessoas e classes na vida institucional. De forma que a educação tem uma nova missão, a de dar

574 Idem, Ibidem, p. 377. 575 Idem, Ibidem, p. 377

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informação a respeito das muito complexas relações da sociedade e de dar um novo fim determinado pela ação social. O novo trabalho exige uma reconstrução do trabalho escolar, com maior destaque das matérias historias, econômicas e literárias. O novo objetivo exige uma atenção maior à formação do caráter, aos hábitos sociais e aos motivos patrióticos e altruístico O primeiro dá um novo relevo á parte de instrução na educação, o segundo, ao fim moral. A educação torna-se assim, embora indiretamente, a força modificadora das instituições sociais, realizando um melhor ajustamento dos indivíduos. O progresso é a característica da vida moderna; a habilidade de ajustar-se, rápida e adequadamente às novas condições sociais, é a principal responsabilidade da educação. Isto requer o conhecimento destas condições em mudança, habilidade e boa vontade, para efetuar o ajustamento. Estes e aquelas são usualmente resumidos sob o termo ‘boa cidadania’. (g.n.)

Diz Edgar Morin, que o saber tornou-se cada vez mais exotérico e anônimo. Isso

porque está apenas acessível aos especialistas, quantitativo e formalizado e, em tais

condições, o cidadão perde o direito ao conhecimento; tem o direito, até de adquirir um

saber especializado, mas está despojado, enquanto cidadão, de qualquer ponto de vista

globalizante ou pertinente e esse processo técnico-científico. Aliás, conforme ele

afirma, estamos diante disso cegos. Estamos assim, segundo ele, levando a democracia

a uma grande regressão. É preciso então, aponta o pensador, desenvolver uma

democracia cognitiva. Esse é o desafio cívico da educação de hoje.576 O que em parte o

Brasil cumpriu, quando criou a Lei n. 12.527 de 18 de novembro de 2011577, que regula

o acesso à informações, previsto no art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição de 1988, que

resguarda como direito fundamental a todas as pessoas receber dos órgãos públicos

informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, isso também

porque o artigo 37, § 3º, determina a participação do usuário do serviço público na

administração pública direta e indireta, o que possibilita a transparência dos atos

públicos e a fiscalização do cidadão brasileiro, porém, por hora aqueles que tem mais

acesso a esse direito fundamental são os usuário que podem usar a rede mundial de

computadores, o que como sabemos é um universo ainda, bem restrito no Brasil, isso

porque dos aproximadamente 190 milhões de habitantes, apenas 79, 9 milhões de

pessoas tem acesso à internet, daqueles que estão em idade de usar a internet, ainda que

576 MORIN, Edgar. A cabeça bem- feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. 16 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 19. 577 Lei de Acesso n. 12.527 de 18 de novembro de 2012. Documento disponível na internet http// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011/Lei/L12527.htm Acesso em agosto de 2012.

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o crescimento ao uso da internet seja considerado intenso, a rede mundial de acesso de

computadores não está universalizada no Brasil.578

A educação política, nesse sentido, afigura-se como um dos aspectos do

standard mínimo vital do direito à educação. E esse processo de ensino-aprendizagem

pode e deve ser adquirido pelo estudo da Constituição de 1988. Um ensino nesse

sentido, dados os valores que ela abarca, nem de longe se igualaria ao trauma social que

causou as disciplinas sobre organização e política brasileira em plena ditadura. Se

formos educados em mentiras políticas, por que então não sermos educados sobre as

verdades políticas?

E se a liberdade é conhecimento e não qualquer conhecimento, mas

conhecimento específico que recai e reportam nossos direito fundamentais, por que

então não se educar pelo ensino e pela aprendizagem da cidadania, o que requer o

manuseio, a leitura, a realização de debates, análises criticas e dissertações em todos os

níveis e modalidades no nosso processo educacional sobre a Constituição de 1988? E

por que com ela não aprender a visualizar os limites e a imposição de responsabilidade

que recai sobre o Estado Brasileiro na consecução desses mesmos direitos, e isso dentro

das escolas brasileiras? Afinal, não está lá a garantia do futuro da democracia brasileira

com a qual começamos a nos habituar? Como, então, enraizar e habituar-se a

Democracia, se não somos educados desde a mais tenra idade a lidar com os

significados dos nossos valores supremos? Se assim continuarmos, não estaríamos

pondo a própria dignidade da pessoa humana em solo brasileiro em risco? Não

estaríamos assim desenvolvendo ao contrário do que desejamos um comportamento

inconstitucional e transformando a Constituição de 1988 em um simples pedaço de

papel que pode ser rasgado e queimado?

E será que já não estamos fazendo isso, rasgando a Constituição, quando não

cobramos das autoridades o cumprimento do artigo 64 dos Atos das Disposições

Transitórias, que de transitório nada têm já que o reconhecimento e o conhecimento que

requer a Constituição de 1988 é permanente, visto que é Ela que protege a dignidade da

578 Dados disponíveis no Ibope em: www.cetic.br/usuarios/Ibope/index.htm Acesso em agosto de 2012.

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pessoa humana e a Democracia Social brasileira, que tanto sofremos e lutamos para

conquistar?

E sendo, então, a nossa democracia uma democracia social representativa, não

caberia então, se for o caso, questionar o povo sobre se ele deve ou não ser devidamente

instruído e formado racional e intencionalmente em cidadania e política tendo por base

a Constituição de 1988, seja por meio de uma convocação prévia a um plebiscito, já que

essa se afigura matéria de relevância constitucional para o país? Ou mesmo por

referendo, quem sabe, para ratificar ou rejeitar uma proposta de lei nesse sentido,

conforme então § 3º do art. 18 da Constituição de 1988 que regulamentado pela de

9.709 de 18 de novembro de 1998?

Afinal, será que é impossível ao Poder Público Brasileiro, depois que

sistematizamos constitucionalmente um processo educacional que tem por objetivos o

pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para a cidadania e a qualificação para o

trabalho, desenvolver uma grade curricular que nela também conste o ensino intencional

da própria Constituição que o edificou e não apenas sua mera e simples citação como

um marco histórico que nos lançou à Democracia? Que prejuízos causaria a ele, Poder

Público Brasileiro, o ensino intencional e sistematizado da Constituição de 1988? Que

prejuízo causaria as nossas crianças e jovens um estudo nesse sentido? Ou, será que o

Povo brasileiro está condenado a vivenciar eternamente apenas uma “situação

democrática”, onde mais vale a corrupção, que atua como uma “constituição real”, que

assola a todos os segmentos do país porque sequer dado a Ele aprender sobre os valores

supremos eleitos pela comunidade onde vive e que estão devidamente consagrados em

sua Constituição Jurídica?

Nesse sentido, afirmamos e parafraseamos Kleit e Edgar Morin579: um saber

nesse sentido com certeza não nos tornaria mais felizes nem melhores. Mas, como a

missão desse ensino é transmitir não o mero saber, mas uma cultura constitucional vai

nos permitir ao menos compreender a nossa condição o que já nos ajuda a viver. Sem

mencionar que ao mesmo tempo favorece um modo de pensar aberto e livre, condição

básica de toda e qualquer democracia.

579 Idem, Ibidem, p. 11.

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Ademais, com muito mais perguntas a responder, o que nos instiga ainda mais a

pesquisar e estudar, finalizamos por hora, esse nosso diálogo dissertativo com a

afirmação de Geraldo Ataliba580:

A compreensão de toda e qualquer instituição de direito público, positivamente adotada por um povo, depende da prévia percepção dos princípios fundamentais, postos na sua base por esse mesmo povo, na sua manifestação política plena: a Constituição.

Ou será que precisaremos a cada eleição e a cada decênio, esperar por leis

infraconstitucionais, como era antes da Segunda Guerra Mundial, conforme aportamos

no primeiro capítulo para que por exemplo se valorizem o professor, ou que ainda por

leis ordinárias, mesmo que pelo esforço da iniciativa popular, se insista que um

representante político eleito diretamente nesse país precisa ter a ficha limpa para exercer

esse “cargo de confiança”, como o fez a polêmica Lei da Ficha Limpa? Será que um

processo educacional que levasse a sério a Constituição de 1988 não seria o suficiente?

Será que a situação poderia, por conta disso, piorar?

580 ATALIBA, Geraldo. op. cit. 15.

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