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C L E P U L

em Revista

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Março de 2015

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2 CLEPUL em Revista

CLEPULtem nova direcção

Eleito em 28 de Feve-reiro de 2015, ErnestoRodrigues é acompa-nhado, na Direcção doCLEPUL � Centro deLiteraturas e CulturasLusófonas e Europeiasda Faculdade de Le-tras da Universidadede Lisboa, por JoséEduardo Franco e AnaPaula Tavares (direc-tores-adjuntos), LuísaPaolinelli (secretária),Luís Pinheiro e PaulaCarreira (vogais).Com 111 membros inte-grados, o CLEPUL re-presenta um quarto dosdez centros, e 443 mem-bros, da Faculdade deLetras de Lisboa.Todas as iniciativas dosmembros, doutorandos ecolaboradores do CLE-PUL serão registadasem publicação mensal,online, maciçamente dis-tribuída por milhares dedestinatários. Este éo primeiro número, in-cluindo matéria desdeinícios de Fevereiro.Para memória futura.

���Edição: Ernesto Rodri-gues, Luís Pinheiro.

Francisco, leitor deVieira

No dia 4 de Março, às10 da manhã, recebeuo Papa Francisco de-legação portuguesa quelhe ofertou os 30 vo-lumes da Obra Com-pleta de outro ilustre Je-suíta, o Padre AntónioVieira. Às 18 horas,na igreja de Santo An-tónio dos Portugueses,onde Vieira pregara, obispo Carlos de Azevedoapresentava essa colec-ção de sermões, cartas,profética, vária. Orga-nizei o nono volume dosSermões; e anotei o vo-lume XV, com o especia-lista em parenética JoãoFrancisco Marques, cujamorte turvou iniciativaque congrega 52 investi-gadores nacionais e bra-sileiros, coordenada pordois centros de investi-gação da Faculdade deLetras de Lisboa, em es-pecial, pelo CLEPUL,que dirijo, substituindoJosé E. Franco, alma doprojecto vieirino.Vieira fez-se jesuíta pro-fesso em 1644 ou 1645,após os votos de casti-dade, pobreza e, dentroda obediência, obediên-cia também ao Papa.

Reconduzindo-se à orto-doxia, não era um se-guidista e imitador desuperfícies. Os temas,sob forma de concei-tos predicáveis, raiam,por vezes, a heresia,obrigando-o a declarar:�Até não me ouvirdes,não me condeneis.� �diz no Sermão da Glóriade Maria, Mãe de Deus(1644), em que comparaa glória de Maria coma do Criador, �a quemMaria criou�. Em Ja-neiro de 1646, um lentejesuíta de Santo Antãodenunciou-o à Inquisiçãocomo possuindo dois li-vros de profecias, a parde acusações como a de,na presença de D. JoãoIV, �lho D. Teodósio e �-dalgos, sustentar Vieiracontra o capelão régio�que o Pontí�ce podiaerrar na canonização dossantos, e não era obri-gatório crer o contrá-rio� (J. Lúcio de Aze-vedo, História de Antó-nio Vieira, I, 3.a ed.,1992, p. 137). Umacoisa é dogma, verdadeda Fé; outra é liber-dade de pensamento, ca-paz de tudo argumen-tar ou questionar. Aqui,começa a Universidade.ER

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Vieira Global 3

Papa Francisco recebe Obra Completa do Padre AntónioVieira

�A justiça está primeiro que a devoção�Vieira

�Vieira Global� é comose intitula o gigantescoprojeto de investigaçãoliderado pelo CLEPULpara disponibilizar aogrande público a obratoda e o conhecimentonacional e internacionaldo legado intelectual doPadre António Vieira.O volumoso resultadoda primeira fase desteprojeto em 30 volumes,levada a cabo e con-

cluída em tempo recordepor uma equipa luso--brasileira de especia-listas e investigadores,foi razão para a Rei-toria da Universidadede Lisboa e o Reitorem exercício, AntónioCruz Serra, assim comoo Reitor Honorário, An-tónio Nóvoa, lideraremuma comitiva para ofe-recer esta opera omniaao Papa Francisco em

4 de março, com a rea-lização nesse mesmo diade uma sessão solenede apresentação públicano Instituto Portuguêsde Santo António emRoma.Na verdade, o leitoramante da cultura, dacriação literária, da ciên-cia e da beleza começa adispor, a partir de agora,da obra toda de um dosmaiores e mais pro�cien-

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tes oradores e escritoresda Língua Portuguesade todos os tempos.O pregador, o conse-lheiro régio, o diplomatae o missionário jesuítaPadre António Vieiracontribuiu para aperfei-çoar, de forma signi�ca-tiva, a língua portuguesanos diferentes usos quefez da nossa língua aolongo do século XVIIem que viveu e encheucom os seus altos ideaise ação apaixonada.A preparação cuidadae sistemática da obracompleta do Padre An-tónio Vieira tem sidoreivindicada e tentadadesde há mais de séculoe meio por estudiososimportantes da vida edo pensamento desteorador luso-brasileiro.Na verdade, não se podeavançar com estudosabrangentes sobre acomplexidade de umavida e de uma obra tãovasta como a de Vieirasem primeiro realizar otrabalho preliminar e es-sencial de levantamentoe edição total do legadoescrito que chegou aténós e que se encontradisperso por muitos ar-quivos e bibliotecas por-

tuguesas, brasileiras ede outros países, onde aprodução escrita desteautor encontrou acolhi-mento.Projetos desta dimen-são exigem um �nancia-mento signi�cativo e areunião de equipas deinvestigadores quali�ca-dos em várias áreas ede vários países, assimcomo exigem um enten-dimento de base quantoa metodologias a respei-tar e prazos a cumprir.A dimensão do legadopluriforme dos escritosde Vieira e a sua dis-persão em diferentes ar-quivos e bibliotecas dePortugal e do estran-geiro obrigou a recrutar,de facto, uma grandee quali�cada equipa decarácter interdisciplinarpara realizar o seu le-vantamento sistemáticoe exaustivo em ordemao seu subsequente tra-tamento pré-editorial eeditorial.Em vez de apostarmosnuma pequena equipa,como aconteceu comos projetos anteriores,decidimos reunir umagrande equipa de maisde meia centena de in-vestigadores e especialis-

tas em estudos vieirinose áreas a�ns, fundamen-talmente de universida-des portuguesas e brasi-leiras, que aceitaram odesa�o de trabalhar emconjunto, de forma con-certada, dos dois ladosdo Atlântico para levar abom termo este projeto.Além do concerto devontades e de métodosconseguido em intensi-vas reuniões de trabalho,foi necessário garantirum �nanciamento su�-ciente. Primeiro, conse-guimos pequenos apoiosde algumas instituiçõesbeneméritas, mas queestavam a ser manifes-tamente insu�cientes nafase de arranque do pro-jeto, correndo o riscode fazer perigar o anda-mento da obra.Até que a Santa Casa daMisericórdia de Lisboa,na pessoa do seu Prove-dor, Pedro Santana Lo-pes, decidiu, com umaextraordinária visão esensibilidade, tornar-semecenas principal e daro apoio decisivo e subs-tancial para que esteprojeto fosse bem suce-dido. Assim aconteceu.As pessoas que já es-tavam a trabalhar no

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Vieira Global 5

projeto estiveram à al-tura de corresponderà con�ança depositadaatravés de um �nancia-mento su�ciente paraque o projeto não dei-xasse de se concretizarpor falta de recursos �-nanceiros.Por seu lado, tambémfoi academicamente im-portante o apoio institu-cional da Universidadede Lisboa na pessoado seu Reitor, Antó-nio Sampaio da Nóvoa,e continuado pelo atual,António Cruz Serra, quecolocaram este projetosob a égide de universi-dade onde se integra umdos seus maiores centrosde investigação em hu-manidades, o Centro deLiteraturas e CulturasLusófonas e Europeias.Não menos relevante foia disponibilidade reve-lada pelo Círculo de Lei-tores para apostar numprojeto editorial destagrandeza e complexi-dade em tempo de gravecrise no mundo editorialportuguês, arriscandoeditar 30 volumes de umclássico do século XVIIsem a certeza do bomacolhimento dos leitores,o que veio a veri�car-se.

A presente publicaçãocumpre um ideário deserviço à cultura e à lín-gua do mundo lusófono,mas também atende aodesejo de muitos admi-radores e cultores que,desde o tempo deste au-tor, procuraram dar aoprelo a sua obra. Apublicação dos escritosde Vieira permitirá co-nhecer melhor aspectosda história e do pensa-mento do século XVII,mas também os trân-sitos da vida plurifa-cetada deste membroda Companhia de Jesusna relação com a vida,as grandes questões eo pensamento do seutempo (cf. Pedro Cala-fate, Da origem populardo Poder ao Direito deResistência: Doutrinaspolíticas no século XVIIem Portugal, Lisboa,Esfera do Caos, 2012,p. 208 e ss.). Dele es-creveu, impressionado,Álvaro Dória para a�r-mar que Vieira repre-senta por antonomásia oconturbado e ao mesmotempo fascinante séculoXVII: �Quando pene-tramos no estudo dahistória do século XVIIportuguês, tão contradi-

toriamente consideradopor historiadores e pen-sadores, uma �gura háque avulta imediata-mente aos nossos olhos,majestosa e absorvente:o Pe. António Vieira.Efetivamente ele encheuaquele século; podemosaventar que ele é o seuséculo, e também queeste se encontra inteirono grande Jesuíta.� (A.Álvaro Dória, �AntónioVieira no seu Tempo�,in Revista Ocidente, vol.LXI, 1961, p. 101)

Vieira foi grande, comoeram as representaçõesdos modelos feitas dohomem barroco. Foi ex-cessivo, desmesurado,tanto nas suas ideias eprojetos como nas suascontradições. Mas tam-bém, no juízo de mui-tos, ressalta a percepçãode que o século portu-guês de seiscentos não

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esteve à altura do seugénio incompreendido e,não poucas vezes, perse-guido, ameaçado, presoe condenado.Os textos de Vieira re-velam uma grande atua-lidade, por exemplo, noplano da sua re�exão so-bre a coerência entre Fée Vida, sobre os Direi-tos Humanos, a paz, oecumenismo, a crítica à

corrupção, o diagnósticoque faz aos problemasestruturais perenes dePortugal, as soluçõesque apresenta para tor-nar o nosso país maisempreendedor, assimcomo a sua crítica às ins-tituições de bloqueio donosso progresso, comoo caso da Inquisição,além da análise certeiraque realizou à menta-

lidade atávica portu-guesa, como a inveja,a maledicência sistemá-tica e a falta de incentivopolítico e social aos por-tugueses com talento emérito que muitas ve-zes têm de sair da suapátria para encontrarreconhecimento e es-paço para pôr a renderas suas competências.José Eduardo Franco

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In memoriam 7

João Francisco Marques, o mestre, o amigo e o sábio

João Francisco Marques(1929), falecido em 6 demarço, não foi só umgrande professor e mes-tre, foi um amigo e umcompanheiro. Deixouaquele rasto de luz, deentusiasmo, de sabedo-ria que só os grandesmestres sabem deixar--nos. João FranciscoMarques foi mestre demuitos colegas nossosque dele beberam o sa-ber histórico e o saberda vida vivida como deuma fonte que jorravaabundante.Morreu um grande ho-mem, �cou-nos umgrande exemplo, poisnão há melhores mestrespara a vida que recons-truímos em cada manhã,em cada passo nos ca-minhos cheios de laçosda existência humana,

do que o exemplo dosgrandes homens.Recupero palavras jáescritas noutro lugar eque pensei com a minhacolega e amiga comumAna Cristina da CostaGomes: �João FranciscoMarques foi um nomegrande da historiogra�aportuguesa contemporâ-nea. São incontornáveisos seus estudos aprofun-dados de campos quaseermos em termos de umaabordagem crítica mo-derna como a oratóriasagrada, o papel dosconfessores régios nascortes portuguesas, apregação ideológica ea ação de eclesiásticosno plano político, no-meadamente na defesada causa autonomistae durante o complexoprocesso da Restaura-

ção Portuguesa, alémdas questões àquelasassociadas do sebastia-nismo e da utopia doQuinto Império; semfalar no estudo demo-rado de polémicas váriasda cultura portuguesacomo aquela que no sé-culo XIX de�agrou emtorno da corrente pro-testante.Detentor de um incon-fundível estilo eruditopeculiar, que podería-mos justamente classi-�car de vernáculo su-perior, João FranciscoMarques, com base empesquisas documentaisexaustivas e rigorosas,tem contribuído signi�-cativamente para a reno-vação da historiogra�ado universo religioso emPortugal.Mas um dos aspectos

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8 In memoriam

mais notáveis do seu tra-balho de historiador es-pecializado em históriareligiosa é a superaçãoda história instituciona-lista e confessionalizada,procurando um cami-nho de distanciamento ede modernidade crítica.Faz do fenómeno religio-so não uma realidadeisolada, desenraizada doresto, ou colocada acimade tudo o resto, masconstituída como inter-face privilegiado onde secruzam, para efeitos her-menêuticos, a política,a cultura, a educação, aliteratura, a ideologia.Usando ferramentas deoutras áreas cientí�-cas que não só da his-tória, propõe aborda-gens interdisciplinaresdos temas religiosos,enquadrando-os, paraefeitos de compreensãocabal das inter-relaçõestemáticas, no universomais vasto e uni�canteda cultura.A sua formação colhidaem Portugal e em França(onde foi discípulo de�guras cimeiras da his-toriogra�a francesa con-temporânea como JeanDelumeau), o conheci-mento de outras disci-

plinas e métodos, tem--lhe permitido moder-nizar a produção histó-rica, no que à religiãodiz respeito, restituindo--a à cidadania da cul-tura, donde foi de algummodo marginalizada.�João Francisco Marquesfoi, sem dúvida, na nossacomunidade cientí�caum dos mais sábios eabalizados especialistasvivos no que diz respeitoàs relações entre a IgrejaCatólica e o seu múltiplouniverso institucional eideológico com outroscampos confessionais,institucionais, ideológi-cos, culturais e mentais,cujos estudos são visita-dos por especialistas deoutras áreas disciplina-res.Os seus trabalhos sãouma referência incon-tornável para os inves-tigadores, professores einteressados em geral naárea larga da história re-ligiosa; povoam revistas,colectâneas, obras colec-tivas editadas no nossopaís e no estrangeiro,sendo de destacar a suaimportante participaçãono segundo volume daHistória Religiosa emPortugal, no Dicionário

de História Religiosa dePortugal, ou mais recen-temente na Enciclopédiade Fátima.Recordamos aqui a suaobra magna A pare-nética da RestauraçãoPortuguesa, que con-sagrou João FranciscoMarques como estudiosoda Oratória portuguesa,obra preciosa e obriga-tória para todos os quevisitam o século XVIIportuguês e se interes-sam pela problemáticareligiosa-política e pelasociologia ideológica doconturbado período datransição do domínioespanhol para a inde-pendência portuguesa.Mas a fascinante perso-nalidade de João Fran-cisco Marques � inteli-gente, possuidora deuma afabilidade rara,detentora de um supe-rior sentido de humordivertido, multifacetadana escrita e nos inte-resses culturais �, nãotem marcado o saberhistoriográ�co apenaspela investigação ino-vadora. Deixa tambéma sua marca na culturaportuguesa pelo conví-vio fecundo com grandeshomens da literatura

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In memoriam 9

e do cinema, entre osquais cumpre destacarJosé Régio e Manoeld'Oliveira. Em favordo primeiro, promoveua criação do Centro deEstudos Regianos. Dosegundo tem sido umdos seus mais �éis con-selheiros e amigos, tendoestado como especialistapor detrás de famosaspeças cinematográ�casrealizadas pelo cineasta,e chegado a entrar emalguns dos seus �lmescomo ator. Como atorde grande gabarito, fezde cardeal e entrou num�lme célebre sobre omais notável pregadorportuguês de todos ostempos: António Vieira.Pela via do estudo daparenética, dos confes-sores régios e da Histó-ria Religiosa Moderna,João Francisco Marquestornou-se um especia-lista abalizado do PadreAntónio Vieira. Vieiraocupa nos seus estudosum lugar especial, commuitos artigos publi-

cados, muitas análisesfeitas em estudos temá-ticos do século XVII eda sua recepção, varia-díssimas conferênciasproferidas em tribunasnacionais e internacio-nais, muitas teses e tra-balhos orientados, ondeo incontornável jesuítaemerge quer como �-gura central, quer como�gura que se cruza demuitas maneiras nospalcos sempre comple-xos da história. JoãoFrancisco Marques foi,pois, um dos grandesespecialistas que conhe-ceram, com muito rigorfactual e contextual, ouniverso do Padre Antó-nio Vieira, o seu século ea dimensão da sua obraintegrada nas correntesintelectuais, literárias,políticas e religiosas doseu tempo.�Em jeito de nota e apelo:João Francisco Marquesera um investigador emtoda a altura desta voca-ção. Vocação/pro�ssão/hobby que associava à

de cuidadoso biblió�lo.Deixou uma bibliotecanotável e vários proje-tos em fase avançadade conclusão, com des-taque especial para oDicionário de OratóriaSacra Impressa em Por-tugal (5 volumes). Nin-guém sabia tanto sobreeste assunto como JoãoFrancisco Marques. Amelhor homenagem quese pode fazer a este notá-vel homem de saber, queera uma biblioteca viva,seria criar um espaço pú-blico para disponibilizara todos a sua bibliotecacom o seu nome e reunirrecursos para sustentaruma equipa de investi-gadores que dessem aoprelo o Dicionário deOratória e outros pro-jetos em que estava atrabalhar. Figura tute-lar na edição da ObraCompleta do Padre An-tónio Vieira, coordenouo tomo II, volume XIV:Sermões Fúnebres, 2013.José Eduardo Franco

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10 Lançamentos

Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro

O Grupo 6 do CLEPUL,capitaneado por VaniaChaves, abalançou-se,desde 2006, a compul-sar os 82 volumes doAlmanaque de Lembran-ças Luso-Brasileiro, jámatéria em palestrase colóquios, e de quesaem, agora, os balançosmais alentados. Foi pri-meiro objectivo rastreara produção feminina,cujo catálogo, editadopela BNP, com aquelaassinam Isabel Lousadae Carlos Abreu.Nos três primeiros anos,elas não colaboram; apouco e pouco, entrevê--se, também entre assenhoras, uma distinçãosocial, que faz com que,para surpresa nossa, te-nhamos aí a mãe deJorge de Sena ou fami-liares do bibliotecárioeborense Cunha Rivara.E, se o número de tex-tos, entretanto, cresce,�ca muito aquém dosassinados por homens,sendo que parte dessaprodução é de auto-ras falecidas. Certo éque urge rever um câ-none epocal. Maioria depoemas, menos prosa e

bastantes passatempostipi�cam essa presença.Salvo algum ano excep-cional, as lusitanas estãomais presentes que bra-sileiras e africanas.Conscientes da diversageogra�a que podeacompanhar um nomee da diferente assinaturaque uma entidade podecomportar, de escritoscom várias assinaturas,de iniciais problemáti-cas, da sobreposição donome de solteira e ca-sada, de identi�caçõesincompletas, de nomesgralhados, de pseudóni-mos, são registados 1277nomes. Mesmo acei-tando casos insolúveis� que as apresentado-ras vão exempli�cando,como salvaguarda de cri-térios lógicos �, teremoscerca de 1300 autoras,das quais é fácil extrairpepitas de qualidade,como logo na oitava queabre o catálogo.Assinaladas colabora-ções provenientes de21 estados brasileiros,o grupo 6 veio traba-lhando, paralelamente,com investigadores doRio Grande do Sul, cuja

presença no ALLB deuoutro volume organi-zado por Vania Chaves,saído em Porto Alegre,pela Gradiva Editorial:O Rio Grande do Sulno Almanaque de Lem-branças Luso-Brasileiro.Acompanha CD compoesia e prosa sul-rio-grandenses, aquela �-xada e anotada por Va-nia Chaves e BeatrizWeigert, esta � onde sa-lientamos António Ma-ria do Amaral Ribeiro,minhoto emigrado � porVania Chaves e IsabelLousada. Laborioso tra-balho de recolha e digi-tação é devido a CarlaFrancisco, Laura Areias,Maria José Madruga,Maria José Meira, RosaCristina Gautério, Ga-briela Silva, Maria Ma-nuel Marques, Mires Ba-tista Bender, Natháliade Jesus Macedo, Si-mão Fonseca, VivianeHerchman. Ainda, anossa malograda FilipaBarata.O balanço das duas in-troduções, por MaraFerreira Jardim e VaniaChaves, e dos 18 estudoscríticos está feito pelo

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Lançamentos 11

prefaciador, Aldyr Gar-cia Sclee.No seu segundo texto,Vania Chaves delimitaessa produção do RioGrande do Sul após oalmanaque para 1857;desaparece em 1919 etem só mais uma pre-sença em 1932. Con-voca, já, Anália Vieirado Nascimento, mestrano acróstico � não é aúnica �, sob cuja líricase debruça Ana MariaLisboa de Mello.De família letrada, co-laboradora entre 1871 e1893, esta hugoliana detonalidades �nissecula-res e prática de versoem álbuns, dedicatáriade muitos, pede reuniãoem volume. Do irmãoDamasceno Vieira, comoutra recepção e peso,cura Beatriz Weigert,analisando miudamentealguns poemas, indo atéao caligrama. Estes ir-mãos ressurgem nos tex-tos de Gabriela Silva,Laura Areias, MauroPóvoas � sobre Damas-ceno crítico literário �,bem como em Maria Eu-nice Moreira, que prestaatenção às demais vozesfemininas, para concluirda negligência a que fo-

ram votadas as mulheresna história literária.As intermediações, se-jam imigrantes (por Ar-tur Vaz), seja um cônsul(por Maria da Concei-ção dos Santos Silva),podem levantar questõesinteressantes sobre umapresença nacional, seja,portuguesa. . . É o casodo Anónimo Portuense,dizendo em soneto de1879: �Do pátrio Douroque deixei tão cedo,�.Outros trabalhos versamaspectos salientes naprodução sulina ou bio-grafam personalidades.Estão, além, lembran-ças, cidades, poemas demorte, luto e memória,mitologia greco-romana,registos de cultura po-pular; aqui, Alfredo Fer-reira Rodrigues, Bernar-

do Taveira Júnior, An-dradina de Oliveira,Tomé Mendes e, ai denós, muitos anónimos.Quem diria, há uns anos,que aqueles voluminhosen�leirados no CLEPULiam resultar, para já,nestes alentados volu-mes. . . A devoção dosautores revela qualida-des insuspeitadas emassinaturas que nos obri-gam, assim, a uma lentarevisão do meio séculoromântico até ao pri-meiro terço de Nove-centos. Outros resul-tados vêm a caminho.Inclinemo-nos peranteesta investigação � etanto esforço que reúneas margens do Atlântico.ER

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12 Lançamentos

Passos Perdidos

Quando três persona-gens sobem a escadariada Assembleia da Repú-blica, vencem o detec-tor de metais e caem nosalão-corredor exibindoseis painéis a óleo sobretela de Columbano queretratam 22 heróis pá-trios desde o século XIII,não podemos deixar depensar, também, que osdesignados Passos Per-didos (donde sai título,Âncora Editora, 2014)são uma imagem acusa-dora dos últimos dois sé-culos, em que o desleixodos eleitos está longe derivalizar com �os visio-nários D. Henrique e�lho Afonso�, e comaquele pequeno milhãoque éramos em Quatro-centos, mas deu novosmundos ao mundo. Eiso cerne do problema,qual chaga aberta noPortugal contemporâneo

� eleitos e sistema elei-toral, sobre que tantose fala, sem proveito, eque o voto soberano nãopode caucionar.Duzentos e trinta de-putados, se magní�cos,seriam música de esfe-ras, senão puro maná;mas nem um �lme sobre12 magní�cos faríamos,o que leva a perguntarda desrazão de alimen-tar parasitas além dos180, como prevê a Cons-tituição. Já agora, esta,que começou a ser redi-gida há 40 anos, podeser facilmente depurada.Várias soluções estãoprevistas no diálogo en-tre dois estagiários de 24anos, que representam aposição da juventude fa-ce à partidocracia. Des-de a epígrafe, tirada daArte de Furtar, alerta-separa a amálgama entrePolítica e Razão de Es-tado, ambas reduzidasaos interesses mesqui-nhos de sujeitos privile-giados, e sem elevação,que se eternizam.Conviria, diz a jor-nalista estagiária � nãosomos todos estagiáriosda vida? �, �abrir ospartidos à sociedade, acandidaturas indepen-

dentes, como nas au-tárquicas, antes que asociedade os encerre emsi mesmos.� Não desejoo �m dos partidos; estesé que, sem a qualidadeexigível, não podem sersenhores de um destinocolectivo. Mais: vo-tando em partido, e emcírculo nacional, deve-mos poder votar numcandidato da nossa pre-ferência, e não forçadosa eleger os que são pos-tos à boca do tacho,seja, nos primeiros lu-gares da lista. Entendoque a eleição uninomi-nal só aterroriza inse-guros, autocratas, quenão deveriam merecer acon�ança do eleitorado.Na Lírica de João Mí-nimo, há um poema,datado de Coimbra, De-zembro de 1820 � emvésperas de entrarmosno regime demo-par-lamentar que nos go-verna �, em que AlmeidaGarrett, aludindo aosdeputados, os avisa deque os olhos do mundoe dos portugueses estãosobre eles e que devemtremer do julgamentoque prestaram: �tre-mei; que um Deus ou-viu, que ouviu a patria,

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Lançamentos 13

/ Que os seculos vin-douros vos aguardam;/ E no recto provir, ougloria, ou mancha, /Com sêllo eterno vosespera a fama.� O sé-culo XIX, todavia, vairir-se de eleitos que nãoeram melhores que osde hoje. Lembro umcandidato madeirense à�dobadoura parlamen-tar�, que já projectavalei, cujo artigo primeiropermitia �a todo o bel-leguim eleitural o podermamar na vacca do es-tado, sem pagar direitosde mercê, nem contri-buição alguma�.O deputado dividia-se,então, em janota e pé--de-boi. Aquele, joveme vestindo à parisiense,luneta, �tem ordinaria-mente desde a edadelegal até aos quarentaannos�. Tenho um as-sim, sem luneta, massexy (diz quem nadatem para dizer). Primapor chegar tarde, sentar--se, vaguear pela sala,cumprimentar repetidasvezes, complacente paraas galerias. O janotarepresenta-se �ordina-riamente a si e à suatoilette�. No seu �bor-boletismo�, vai de par-tido em partido: �Os

maldizentes chamam aisso falta de carácter,elasticidade de consciên-cia, frouxidão política,moléstia de S. Bento,etc.�O segundo, respeitável,�verdadeiro pae da pá-tria�, parece mais velhodo que esta, é um pé-de--boi, gebo parlamentar,calva semicircular ouchinó. Move-se entre�dois colarinhos monu-mentaes�, usa �coletede rebuço descommu-nal�, grave, sossegado,roncando, se dorme, e,acordado, prefere �or-dem�, enquanto a jano-tagem grita �apoiado�.�O deputado pé de boirepresenta o seu voto.�Mas essa de �pai depátria� intrigava umtal Silva Costa, quecito da Gazeta Literá-ria (1867): �Dizem queo deputado é um paeda pátria. . . ora tendoa pátria tantos paes,dá uma ideia pouco fa-vorável da virtude desua mãe. Isto é lógico.Que um pae tenha mui-tas �lhas, é natural,comprehende-se: masque uma �lha tenha mui-tos paes. . . não há expli-cação possível. . . sem of-fender a moral.� Quanto

a essa imagem, dou ou-tros exemplos de LatinoCoelho a Ramalho, deEça a Teixeira de Quei-rós � na minha edição deA Queda Dum Anjo, quecomeçou a sair em folhe-tim há 150 anos, e foiprimeira inspiração. . .Se a glosa de Camilo éevidente, será menos oúnico e longo discursode João Félix Filostrato,adaptado de outro, dofuturo chefe progressistaJosé Luciano de Cas-tro, em 1865. Ou seja:as boas intenções desli-zando da tribuna parla-mentar �cam sempre emáguas de bacalhau. E,claro, não podemos con-tinuar nisto. Re�exãosobre a democracia emsemana pascal � seja,entre os próximos dias 1e 9 de Abril �, esta fá-bula política é, todavia,salva, no �nal, por umbem enredado discursoamoroso. O que SãoBento tem de chorrilhoe lábia inútil, tem a sau-dade amorosa de recatoe grata consequência.E, sendo estagiários davida, resta-nos gozara felicidade. . .ErnestoRodrigues

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14 Lançamentos

A Lísbia

Lisboa não é só fado, fu-tebol e turismo. Lis-boa tem e merece tudo.O que seria de Pessoasem Lisboa? O que se-ria de Camões sem Lis-boa? O que seria detanta gente e de mimpróprio sem Lisboa? Ea falta que dela sintoquando estou longe, semessa luz sublime que osol re�ecte no calcáriobranco da calçada por-tuguesa, �ligrana maiordo meu afecto? Lisboa éum catálogo único de ar-quitecturas, de arte, li-teraturas, virtudes e de-feitos, boémias, amorese desamores, revoluçõese pulhices para todosos gostos. E é ver-dade, confesso que no

fundo sou impenitente-mente um �lísbio�.Aprendi com Baptista--Bastos (o �BB�) osentido de ser lísbio(tiremos-lhe as aspas),aliás penso que o termoé dele. Mas isso é coisaque só se aprende vi-vendo, não dá para ma-nuais. Só que o BBveste-lhe a pele natural-mente. Da velha Ajudaaldeã, no belíssimo (paramim imortal) `ão Velhoentre Flores até ao Tejo,à Baixa, à Mouraria ea Alfama, ao saudosoBairro Alto dos jornais,do cheiro a tinta das in-trigas, das conspiratas edos botecos de má fama,Lisboa emerge semprena vastíssima obra doBB, tão intenso e fortena prosa como aquele

punch seco e e�caz dosboxeurs. É arte e feitiodele.O professor Ernesto Ro-drigues publicou agoraLisboa em Baptista-Bas-tos (Ed. Âncora), umestudo competentíssimoe rigoroso. Fui ao lan-çamento, e o velho an-�teatro II da Faculdadede Letras estava repletode juventude. Foi umabela lição de literatura.E gente da �kultura�, daCâmara de Lisboa, dadita �informação cultu-ral�, estava ali alguém?Nada, zero, népia. ALísbia �ca e eles pas-sam. Ao menos queleiam. Elísio Summa-

vielle

[Jornal i, 28 de Fevereirode 2015.]

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Lançamentos 15

O Fio das

Lembranças.

Biogra�a de

Amadeu

Ferreira

Título lançado na Facul-

dade de Direito da Uni-

versidade Nova de Lisboa,

onde Amadeu Ferreira (fa-

lecido em 1 de Março) era

professor convidado, em

sessão presidida por Te-

resa Beleza, damos excer-

tos das apresentações de

Luís Vaz das Neves, presi-

dente do Tribunal da Rela-

ção de Lisboa, e da autora.

Retratista de estados dealma, a Professora Te-resa Martins Marquesapresenta-nos um Ama-deu Ferreira menino,que vai crescendo deconto em conto, peranteos nossos olhos incré-dulos, até se tornar nohomem que sempre es-teve para além do seutempo, um homem deuma simplicidade desar-mante e desarmada, umverdadeiro cavalheiro,porque a nobreza estáno coração.Transgressora do imagi-nário e de quimeras, a

Professora Teresa Mar-tins Marques vicia--nos na leitura compul-siva desta Biogra�a, aomesmo tempo acutilantee sensível, de que bro-tam lágrimas, sanguee gargalhadas, semprerenovada de fantasias eideais, um verdadeirovendaval de emoções.E se, como diz o Povo,�os opostos atraem-se�,não é menos verdadeque os iguais comple-mentam-se e dão con-sistência a algo maior,como aconteceu no pre-sente caso: estamos pe-rante uma autora comuma escrita graciosa eoriginal e um homemcorajoso e de uma rarasensibilidade, capaz deinspirar esta Biogra�a!A par de uma leituraque nos corta a respi-ração, de tão pungentee de tão real � em quese contam histórias deontem e de hoje comonum presságio de ama-nhã �, surgem, alémdas 399 páginas escri-tas de um fôlego apai-xonado e apaixonante,simultaneamente antro-pológico e biográ�coinspirado num Homemnascido a 29 de Julho

de 1950, outras 392 pá-ginas que a ProfessoraTeresa Martins Mar-ques integra na recolhade �outras vozes�, �no-tas e estudos críticos�,�entrevistas�, �biblio-gra�a� e �webgra�a�.

Com a solidez de carác-ter e a modéstia que lhesão peculiares, a Pro-fessora Teresa MartinsMarques não deixou de,expressamente, referirnesta obra o trabalhoque foi também desen-volvido pela família epelos amigos comuns,imprescindível para des-crever a singularidade,o colorido e a riquezade vida de Amadeu Fer-

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16 Lançamentos

reira.Sendo alma gémea deAmadeu Ferreira, e as-sim bem o compreen-dendo, a Professora Te-resa Martins Marquessentiu que tinha de dig-ni�car a sua memóriaescrevendo esta obramemorável � espelho dasua generosidade �, emque o descreveu como�Um homem corajosís-simo�, que segue à riscao provérbio mirandês:`An ruin anho, buonacara'� (pág. 18).A determinação das suasconvicções nunca lhe re-tirou a delicadeza ge-nuína e inesperada comque nos brindava a cadainstante, e que faziaacompanhar de uma gar-galhada franca, que lhevinha do mais profundodo seu ser. Era um ho-mem que falava a rir eque assim nos abraçava,confortava e conquistavapara uma aventura semroteiro prévio, para umdesa�o contínuo.A mãe foi a mulher quemais lhe marcou a vida,aquela que ele aconche-gou no seu peito, ora demenino, ora de homem,o seu astro redentor,a sua brisa, o seu raio

de luz, a sua inspira-ção e o seu primeiro emais puro amor, o seuabrigo das mágoas e asua inspiração. A parde sua mãe, também opai lhe marcará o des-tino como barómetro deVida, sendo que amboslhe servirão de bússolapara delinear o caminhoa caminhar.É assim que vemos Ama-deu Ferreira, aos seteanos de idade, começara falar a língua portu-guesa a par da miran-desa, esta herdada doberço. Aos onze anos, jáno Seminário, despertapara a Poesia que traziaadormecida algures noseu corpo franzino.Nomeado para o Conse-lho Directivo da Comis-são do Mercados de Va-lores Mobiliários, desde15 de Setembro de 2005que Amadeu Ferreiraé ali Vice-Presidentedo Conselho Directivo,cargo que ocupou até aodia 01 de Março de 2015,data em que se inscre-veu de saudade em cadaum de nós. Luís Maria

Vaz das Neves

Sou devedora insolventepara com o cineasta Leo-nel Brito, por ter �l-mado a entrevista de 31horas a Amadeu e seuspais, sem a qual eu nãoteria conseguido escre-ver este livro no espaçode um ano, num ver-dadeiro contra-relógio,temendo não o concluira tempo de Amadeu po-der ouvir a sua históriade vida. A e�cácia dasua acção como escri-tor é bem visível na suavastíssima bibliogra�aactiva, cuja descriçãoocupa 295 páginas no 3o

volume da Bibliogra�ado Distrito de Bragança,publicada por HirondinoFernandes, em 2012.Para além do plano pro-�ssional, essa e�cáciafoi posta ao serviço dacultura e da literaturamirandesas, produzindouma obra própria em to-dos os géneros literáriose entregando-se ainda atarefas hercúleas comoa tradução para miran-dês de Os Lusíadas, daMensagem, da maiorparte dos poetas por-tugueses do século XX,mas também dos lati-nos Horácio, Catulo eVirgílio, bem como d'Os

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Lançamentos 17

Quatro Evangelhos, apartir da Vulgata de SãoJerónimo.Para além da biogra�ado cidadão e do trabalholiterário do escritor, estelivro assume uma ver-tente de sociogra�a: ainfância na Terra de Mi-randa, mostrando a vidaa escorrer di�culdades,esse reino nem sempremaravilhoso, esse Por-tugal profundo dos anos50 e 60, que via a emi-gração como alternativaà miséria; a adolescênciae juventude nos espa-ços opressivos dos se-minários de Vinhais eBragança, como únicasaída para o estudo dos�lhos dos pobres; a ex-pulsão, a escassos seismeses do �nal do cursode Teologia, por adesãoempenhada às doutrinasrenovadoras do concílioVaticano II, em oposiçãoàs da hierarquia con-servadora, enfeudadaao concílio de Trento;mostram-se alguns as-pectos da intervençãono 25 de Abril e no 25de Novembro, nomeada-mente a cena em que serecusa a atirar as grana-das que teriam feito umbanho de sangue na Cal-

çada da Ajuda; seguimosa pobreza franciscana damilitância na extrema--esquerda, a passagempelo Parlamento e a dis-sidência ideológica � noseminário por compro-vado desvio de esquerdae na UDP por alegadodesvio de direita. De-pois o vazio, o recomeçardo zero, deixando inaca-bado, e também prestesa terminá-lo, o cursode Filoso�a, e aos 35anos, metendo ombrosao curso de Direito, quefaria com brilhantismo� foi o melhor aluno �para, em seguida, se tor-nar uma das maioresreferências portuguesasnos estudos dos valoresmobiliários, construindouma carreira fulgurantena CMVM.Henri Bordeux susten-tava que toda a biogra�adigna de ser escrita é ahistória de uma ascen-são. No presente caso,não apenas de Amadeu,mas do povo mirandês,da sua cultura, da sualíngua. É uma ascen-são que vem de muitolonge, dos con�ns daIdade Média, pois erammedievais as condiçõesde vida, em Sendim, alu-

miados à luz da candeia,sem água, sem casa debanho, acotovelando-sesete pessoas em escassos20 metros quadrados.Amadeu assumiu-se paidos irmãos, dando expli-cações de manhã à noite,para lhes pagar os estu-dos, numa abnegação to-tal, numa solidariedadeinaudita, num jovem de22 anos. E o que se dizda família, poderíamosdizê-lo de tantos ami-gos presentes nesta salaa quem ele concedeu odom da atenção, da pa-lavra no momento certo,sendo este o verdadeiroamor ao próximo, de-monstrado por palavrase obras de um agnós-tico, mais religioso doque muitos cristãos queconhecemos.Entre os inúmeros livrosque leu na adolescên-cia, destaco um, que omarcou profundamentepara o bem e para omal. Intitula-se O Jo-vem de Carácter, deTihamér Toth, profes-sor da Universidade deBudapeste. Palavrascomo �carácter�, �von-tade�, �querer�, �ideal�,�trabalho�, �perfeição�,passam a ser essenciais

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18 Lançamentos

e todos os dias as exer-cita, com posturas deautomotivação intelec-tual, mas também demorti�cação. Num pa-pelinho que encontreinum livro de adolescên-cia, lê-se, escrito pelasua mão: �Devo fa-zer todos os dias umacoisa de que não gosto.Tenho de começar pe-las coisas pequenas, asgrandes virão depois.�Uma outra frase que elesublinhou aos 14 anosdiz-nos: �Começa o teutrabalho onde milhõeso abandonaram.� E foiassim que o começoujunto dos jovens pobresque tinham �cado pela4a classe, criando umaescola nocturna gratuitaem Sendim. E foi tam-bém assim que ajudoucolegas prestes a aban-donar o curso na Facul-dade, como lemos nal-guns depoimentos. E foitambém assim que es-creveu para os colegas,a título gratuito, numgesto de grande solida-riedade, as 800 páginasda sebenta de DireitoPenal.Amadeu soube sem-pre recomeçar do zero,

soube sempre seguir emfrente, quando se enga-nou no caminho, comonos mostra a sua par-ticipação e abandonoda UDP. O sofrimentocom a saída do seminá-rio e mais tarde da UDPfoi bem maior do quepoderíamos imaginar.Mesmo as pessoas au-tocon�antes como Ama-deu têm momentos dedepressão, mas saemdeles mais depressa.Quando se viu a bra-ços com o tema de mes-trado Ordem de Bolsa,de que não percebia ri-gorosamente nada, ra-pidamente encontrou onorte, com a sua extra-ordinária capacidade depassar de ignorante aespecialista. E não sepense que esta opçãopelo estudo dos merca-dos estava livre de lheprovocar questionamen-tos de natureza ideoló-gica.Constitui mais umexemplo da sua inter-venção cívica o livrode homenagem que, jámuito doente, Amadeufez, sob forma de entre-vista, ao coronel Teó�loBento, um dos capitães

de Abril, entrevista essa�lmada por Leonel Britoe cuja saída se aguarda,também pela ÂncoraEditora.Na biogra�a que hojeaqui apresentamos, en-tra-se nela por um �Pór-tico�. A palavra gregapara pórtico é �stoa�,que signi�ca lugar poronde se passa. É destapalavra �stoa� que de-riva o termo �estóico�,não por acaso a �loso-�a que Amadeu tentouseguir. Se eu tivessede escolher uma únicapalavra para classi�careste ser humano inteiro,como na ode de RicardoReis, escolheria a pa-lavra sinfonia, tambémem homenagem à suafaceta de professor demúsica. Peço-a empres-tada a Bernardo Soares,no Livro do Desassos-sego, �Minha alma éuma orquestra oculta;não sei que instrumen-tos tangem e rangemcordas e harpas, tímba-les e tambores dentrode mim. Só me conheçocomo sinfonia.� Teresa

Martins Marques

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Lançamentos 19

As Malícias das Mulheres � Discursos sobre Poderes

e Artes das Mulheres na Cultura Portuguesa e

Europeia

O discurso sobre a mu-lher é, como escreve Ma-ria Luisa Doglio, na in-trodução ao texto deFlavio Galeazzo Capra,Della eccellenza e dig-nità delle donne (Roma,Bulzoni Editore, 2001),um mosaico complexoe aventurar-se no seuestudo é seguir um ca-minho longo, tortuosoe plurissecular. Multi-plicado por textos decaráter diverso � literá-rios, religiosos, �losó�-cos, históricos, jurídicos,cientí�cos �, é um lugarde convergência de dife-rentes vozes e perspeti-vas que criam imagens,�guras e orientações dasquais se alimenta o pen-samento ocidental sobrea mulher e que determi-naram o seu estatutono interior da socie-dade. A complexidadedo discurso sobre o femi-nino reside igualmenteno facto de se cruzarcom outros, como o doamor, da beleza, do ca-samento, dos preceitosmorais e cívicos que sãocultivados em géneros

diferentes, da lírica aodrama, e em tradiçõesque se inserem tanto nacultura erudita quantona popular.Na produção de textossobre o género feminino,na cultura europeia,encontra-se de formacontinuada � atraves-sando vários séculos,contextos históricos esociais �, e variada, por-que realizada através dediversos tipos de génerose modos, e a�gurando--se, por isso, relevante,a temática da malícia edos enganos das mulhe-res. Considerada comoinstrumento feminino, amalícia, misto de força einteligência, representanos discursos masculi-nos a forma privilegia-da pela qual a mulherexerce poder sobre oshomens, motivando porparte dos autores umacuidadosa advertênciaem relação aos artifíciospor ela usados, dandoexemplos, recorrendoa autoridades, citandotextos de géneros diver-sos e de diferentes áreas

do saber, construindo,em suma, ao longo dostempos uma verdadeira�inteligência universal�sobre os perigos repre-sentados pelas mulheres.O cultivo da temáticados enganos femininose as respostas que aolongo do tempo os tex-tos das malícias e enga-nos foram provocando,em variados espaços etempos, permitem con-siderar os autos, diálo-gos, tratados, poeme-tos, prosa moralista ehumorista que se ocu-pam dos enganos dasmulheres como um ver-dadeiro conjunto de tra-dições (na aceção deDaniela Marcheschi �Il Sogno della Lettera-tura. Luoghi, Maestri,Tradizioni, Roma, Ga�Editore, 2012 �, segundoa qual, devemos com-preender as tradiçõescomo múltiplas, e nãoentender os fenómenosa partir de uma única,monolítica tradição, fa-zendo dialogar culturase tempos) que ocupa aescrita dos homens, mas

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também das mulheres.O discurso sobre as ma-lícias é compósito, ins-crito em diversas lite-raturas e culturas eu-ropeias, devendo, as-sim, considerar-se nasua apreciação a inter-seção formal das tradi-ções e géneros que, apartir da antiguidadegreco-romana, tem con-tribuído para criar atradição moderna dasmalícias e virtudes femi-ninas. Na persistênciade temáticas e topoi,os textos interligam-se,num jogo contínuo deespelhamentos, citaçõese exemplos, numa ver-dadeira geologia de es-critas, para identi�care dar como provados osdefeitos femininos, frutode visões marcadas pormúltiplos preconceito,morais, sociais, religio-sos.Reconstrói-se, assim,o mosaico de relações,como explica DanielaMarcheschi de formasucinta no prefácio àpresente obra, que unea cultura clássica coma medieval, �o Renasci-mento ou o Século dasLuzes aos `folhetos decordel' do século XIX.

Desta forma, a autoracontribui para trazer àluz e relacionar numtodo orgânico diver-sos itinerários teóricose obras literárias, quenão são só � deve-se rei-terar � tornam textosmenos frequentados fa-miliares, mas tambémdizem muito da culturaeuropeia tout court : dasconquistas de tipo pro-gressista (com Agrippa,que chega a invocaro acesso das mulheresao sacerdócio) aos pre-conceitos aninhados empensamentos que incu-bem na nossa cultura deforma poderosa, comoos de Schopenhauer, Ni-etzsche ou Freud.� (p.12).Do Livro de Enganos,traduzido na corte deAfonso X, o Sábio, pas-sando por Baltazar Dias,pelos vários folhetos,poemetos, até à preo-cupação expressa já noinício do século XX porEmília de Sousa Costa,em Olha a Malícia dasMulheres!, a investiga-ção segue o caminho dostextos que descrevema mulher como men-tirosa, in�el, traidora,gastadora e gulosa e

a acusam de servir omal, em suma, de sera perdição e desgraçados homens. Dá vozigualmente às respostasfemininas, como a dePaula da Graça, que de-fendem as virtudes dasmulheres e acusam oshomens dos enganos queestes imputam às se-nhoras. Respostas que,não raras vezes, rece-bem dos homens novasacusações, numa circu-laridade de argumentose contra-argumentos.

Com uma antologia �-nal de textos e uma bi-bliogra�a de obras euro-peias de enganos e ma-lícias ainda a explorar,o livro oferece um estí-mulo à pesquisa futura,abrindo novas possibili-

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Lançamentos 21

dades de investigação, edeixa ao leitor a tarefade reconstruir a ima-gem feminina, e a mas-culina, à luz dos discursodos enganos e virtudes,dos ataques e contra-ataques, das incompre-ensões e compreensõesexistentes no discursodos/entre os sexos. [Lis-boa, Esfera do Caos,2014.] Luísa Antunes

Paolinelli

Judith Teixeira,

Poesia e Prosa

Eis a obra completa,com textos inéditos, deuma escritora chave domodernismo português.Apesar de FernandoPessoa ter declarado,em carta de 1924, queJudith Teixeira não ti-nha �lugar, abstrata eabsolutamente falando�,o facto é que conservouaté à morte um exem-plar da revista Europapor ela dirigida. Será en-tão correto a�rmar queas mulheres não tiveramqualquer lugar de pro-tagonismo no momentode rutura e transgressãoque foi o modernismo

português? E, se o tive-ram, porque é que foramesquecidas? Chegou aaltura de reler JudithTeixeira sem preconcei-tos. Nascida, tal comoPessoa, em 1888, e con-temporânea de FlorbelaEspanca, outra mulhera quem quiseram aplicaro rótulo de �poetisa�,Judith Teixeira rompeucorajosamente com opadrão do silenciamentodas mulheres no con-texto do Portugal dasannées folles, para setornar um sujeito ativo,que desvendou o corpofeminino sem pejo.Esta nova edição traza lume cerca de vintepoemas desconhecidos euma conferência inédita,além de reunir as cincoobras de poesia e prosaque Judith Teixeira pu-blicou em vida. No seuconjunto, o presente vo-lume permite-nos situardevidamente esta escri-tora no lugar que lhepertence por direito pró-prio, ou seja, em plenavanguarda modernista.

Judith Teixeira (1888--1959) alcançou noto-

riedade em Março de1923 no seguimento dapublicação da sua pri-meira coletânea de poe-sia, Decadência, quandofoi alvo de uma polémicasobre a (i)moralidade daarte, a qual envolveutambém António Bottoe Raul Leal.

Antes disso, Judith jáhavia publicado em vá-rios jornais, sob o pseu-dónimo de Lena de Va-lois, e contribuído paraa Contemporânea, con-ceituada revista moder-nista. Apesar do escân-dalo, publicou mais doislivros de poesia, Cas-telo de Sombras (1923)e Nua. Poemas de Bi-zâncio (1926), e duasnovelas publicadas sob otítulo de Satânia (1927).Caso altamente invulgar

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22 Lançamentos

para uma mulher desseperíodo, Judith foi dire-tora da revista Europaem 1925 e escreveu umapalestra, intitulada Demim. Em que se expli-cam as minhas razõessobre a Vida, sobre aEstética, sobre a Moral(1926), provavelmenteo único manifesto artís-tico modernista de au-toria feminina no iníciodo século XX em Portu-gal. Morreu quase des-conhecida e permaneceuinjustamente expurgadada memória coletiva eda história literária atéhá pouco, seguramentepor causa do subtextolésbico presente em vá-rios dos seus poemas.Fabio Mário da Silva

OUTROS

LANÇAMENTOS

5 de Fevereiro

Café Santa Cruz (Coim-bra) � lançamento dolivro A Força dos Dias.Redescobrir as virtudes,de Henrique Manuel Pe-reira e de Vasco Pintode Magalhães

� livro apresen-tado por José EduardoFranco

4 de Março

Auditório da FundaçãoJosé Saramago � apre-sentação dos livros O úl-timo europeu de MiguelReal, e A espiritualidadeclandestina de José Sa-ramago de Manuel FriasMartins

20 de Março

Café Guarany (Porto) �lançamento do livro SirFernando Pessoa. O re-lógio de bolso que es-conde uma história, deMaria Antónia Jardim

� livro apresentadopor Isabel Ponce de Leão

26 de Março

Aula Magna da Facul-dade de Medicina doPorto � apresentaçãodo livro Nos interstí-cios da Alma & Canções

de Desamor, de Mar-tim Afonso de Redondo,nome literário de JoséEduardo Guimarães

� livro apresentadopor Isabel Ponce de Leãoe Miguel Cadilhe

27 de Março

Auditório 2 da FundaçãoCalouste Gukbenkian �lançamento do livro SirFernando Pessoa. O re-lógio de bolso que es-conde uma história, deMaria Antónia Jardim

� livro apresentadopor Pedro Teixeira daMota

Auditório 2 da FundaçãoCalouste Gukbenkian �lançamento do livro Ju-dite Teixeira, Poesia eProsa, organização e es-tudos introdutórios deCláudia Pazos Alonso eFabio Mario da Silva

� livro apresentadopor Fernando CabralMartins

Centro Nacional de Cul-tura � apresentação dolivro Cultura XXI, coor-denado por Isabel Poncede Leão e Sérgio Lira

� livro apresentadopor Miguel Real

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Luandino 23

De prémios e de livros. O Livro dos Guerrilheiros e

José Luandino Vieira

Conheces o sítio onde brilham as laranjas de ouro?

Fórmula de iniciar a estória usada por nDiki Ndiae repetida por Kapapa

A pretexto de uma en-trevista dada para arádio por um guerri-lheiro, em 1967, e doseu aproveitamento paraum documentário a serelaborado no pós-in-dependência, Luandinorecorre, na sua escritarara e concisa, a umatécnica narrativa queilumina os processos,cria cadeias de signi�ca-ção e estabelece nexosentre as diferentes es-tórias, os enigmas quecada uma contém e osprovérbios que as supor-tam. Como na litera-tura da oralidade, aquirespeitam-se vozes quese adequam a cada contocom as suas repetições,aliterações, polifonias,en�m, jogos de gramá-tica para iniciados e o�-ciantes que esta coisade contar histórias é sópara especialistas.Disse o nosso mais ve-lho, kamba dya Ngola,

Héli Chatelain, que aliteratura oral �constade um rico tesouro deprovérbios ou adágios,de contos ou apólogos,de enigmas aos quais sepodem juntar as tradi-ções históricas, mitológi-cas, ou ditos populares,ora satíricos ora alusi-vos, ora alegóricos ou�gurados, em todos secondensa a experiênciade séculos e ainda hojese re�ecte a vida moral,intelectual e imaginativadoméstica e política dasgerações passadas�1.O nosso mestre Luan-dino encarregou-se dedespertar em todos nósa vontade de conhecer-mos ainda mais aquiloque amamos há muitotempo, nossa mãezinhaAngola, trágica e su-blime, oferecendo corpoa cada história, sacri�-cando �lhos, como nosantigos livros, para sal-var os outros. Leva-nos

com mão segura, comofazem os mestres a bebernesse rio colectivo que éa memória, Mnemosyne,que nos faz ser quem so-mos, falar as antigas e asmodernas falas, olhar opassado para o assumircom todas as belezas eo sofrimento que com-porta.O exercício começa como assumir de uma voz co-lectiva, EU, OS GUER-RILHEIROS, onde seconclamam os vivos eos mortos, conforme no-tícias, mujimbos e mu-candas, para contar ossucessos, se apropriardo sagrado e �xar parao futuro todas as coi-sas nossas e ordenara verdade, aquela quenão existe em balcão decartório notarial, ou de-creto do governo. Esta-belecido este pacto coma história e mobilizado oseu discurso, a verdadedesliza então para as vo-

1 Heli Chatelain, Gramática elementar do Kimbundu língua de Angola, Genebra,Typ. De Charles Scuchardt, 1888-1889, p. XVIII.

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24 Luandino

zes, sobretudo as vozesque se a�nam ao sabordas histórias: �cantareio herói, o que sempreexempli�cou seu povo,vida morte e luta, o doscinco combates� (Virgí-lio e Camões falaram an-tes), assim começa umadas histórias, ou �não foipara isto que fomos nas-cidos: chorar, sozinhos,óbito de nossos mortos�(Héli Chatelain disse �a sabedoria das naçõesavalia-se pela frequên-cia dos seus adágios)2;�Zapata, primeiro nomedele Emiliano. Eraum centauro� (escreveuSteinbeck, �lmou EliaKazan); Era uma vezum homem (cantou Xe-razade, quando embalouo mundo). Destas mui-tas maneiras e línguase propósitos somos pre-parados para assistir aodes�lar dos contos comas suas fórmulas �xasque se podem articular edesarticular para formara cadeia de sentidos queo nosso passado recenteengendrou só para per-ceber um passado maislongínquo e entender fu-turos como quem tece

tapetes para prestar ho-menagens à história, àmemória e à intriga.Aprisionada a geogra-�a (as geogra�as), leitosde rios, montanhas dis-tantes, pode então oautor �passar a limpoas histórias de vida,pode ser em forma deconto, estória, aforismo,entrevista ou guião de�lme. Inventadas ourecuperadas as vozes,através de um grandenúmero de personagensrevelam-nos, como secontassem antiquíssimossegredos, a sua varia-da densidade psicoló-gica, sujeitos �entes--passados� e presentes,testemunhas de todos osacontecimentos, marca-das por uma in�nidadede signos, que servemde suporte à narrativae à leitura. São tipos,atípicos de situações quelhes criaram a máscarade �dramatis personae�,cuja qualidade se au-menta na capacidade derecuperar o valor sim-bólico do processo deconstrução da nação.Assim, Luandino nossurpreende de novo com

estas narrativas que searticulam ao anterior Li-vro dos Rios, enchendode palavras (vozes, con-tos, provérbios, imitaçãodos clássicos) as paisa-gens anteriormente pre-paradas.Pode então escrever-sena areia, passar a limpopara ser apagado, o so-nho tanto tempo guar-dado, porque, a bemdizer, todo o discurso éarte de guardadores desonhos e de rebanhos ecada época atribui à suahistória o sentido quemais lhe apraz e KeneVua, ex-guerrilheiro,tudo ouviu e passou alimpo: �Assim foi quefomos homens. Guerri-lheiros; assim foi que �-cámos ossos dispersos.�Deste e doutros livroslevámos notícia à Póvoade Varzim (Correntesd'Escritas, em 27 de Fe-vereiro) para lembrar olivro como local de me-mória, o livro do prémioque abalou um império� Luuanda �, o primeirolivro das nossas cons-ciências. Ana Paula

Tavares

2 Ibidem.

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Curso Livre 25

A Violência no Romance Português ContemporâneoCoordenação: Maria Isabel Rocheta

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, sala de D. Pedro V

PROGRAMA

Serão estudadas trêsobras, publicadas nosúltimos vinte anos: AÁrvore das Palavras(1997), de Teolinda Ger-são, O Vale da Paixão(1998), de Lídia Jorge,e Jerusalém (2004), deGonçalo M. Tavares, re-presentativas, de diver-sas maneiras, da �gura-ção da violência no ro-mance contemporâneo.A análise de persona-gens, focalização, voz,espaço e tempo, por umlado, e a consideraçãode tópicos como identi-dade e pertença, géneroe parentesco, convenção

e classe social, racismoe aculturação, memóriae trauma, silêncio e tes-temunho, mitogénese emitos fundadores, poroutro, convergirão naleitura das obras.

OBJECTIVOS

Alargar o conhecimentoda obra de distintosescritores portuguesescontemporâneos; parti-lhar a análise e a inter-pretação de três roman-ces de alta qualidade daLiteratura Portuguesa;desenvolver e consolidaruma voz própria, deba-tendo a presença da pro-blemática da violência

nos textos apresentados.

CALENDÁRIO

Teolinda Gersão, A Ár-

vore das Palavras (04e 11 de Março)Maria Isabel Rocheta(CLEPUL)

Lídia Jorge, O Vale

da Paixão (18 e 25 deMarço)Fátima Fernandes daSilva (CEC/UL)

Gonçalo M. Tavares,Jerusalém (08 e 15 deAbril)Maria Isabel Rocheta(CLEPUL)

SEMINÁRIOS

17 de Fevereiro

Sessão LV, Seminários àHora do Almoço: Ju-liana Cristina BonilhaNunes, �Revista Femi-nina (1915-1936): re-�exões sobre tradição emodernidade�

25 de Fevereiro

Sessão LVI, Seminários àHora do Almoço: Cata-rina Pereira, �O turismoe as comunidades religio-sas dehonianas no Nortee Centro de Moçambi-que�

13 e 14 de Março

Faculdade de Letrasde Lisboa � SeminárioAnual de Estudos Ibéri-cos e Europeus dedicadoà temática �Cultura poroposições�. Iniciativa doCLEPUL/Grupo de Es-

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26 Seminários, Conferências

tudos de Protonaciona-lismos na Europa daUniversidade de Alcaláde Henares

16 de Março

Sessão LVII, Seminários

à Hora do Almoço: Ma-nuel Sérgio, �Desporto ea ideia de corpo: parauma nova visão de cor-poreidade e da activi-dade desportiva�

18 de Março

Sessão LVIII, Seminá-rios à Hora do Almoço:Antônio Donizete Pires,�O mito de Orpheu e oor�smo: dos clássicos àsparagens do Brasil�

CONFERÊNCIAS

13 de Fevereiro

Biblioteca Municipal deArraiolos: Joana Balsa dePinho, �Património Cul-tural das Misericórdias�

19 de Fevereiro

Academia das Ciências deLisboa: Fernando Cristó-vão, �Elogio histórico doAcadémico David Mourão--Ferreira�

26 de Fevereiro

Sala Adriano Moreira daSociedade de Geogra�a de

Lisboa: Isabel Lousada,�Entre as primeiras mu-lheres médicas portugue-sas�, iniciativa promovidapela Secção de História daMedicina da SGL

28 de Fevereiro

Casino Estoril � sessãodas Novas Conferências doCasino dedicada à temá-tica �Valores e Pós-Iden-tidades�, com a participa-ção de Carlos Fiolhais eMoisés de Lemos Martins ea coordenação de João Rel-vão Caetano

28 de Março

Biblioteca Prof. DoutorAmadeu Andrés: AugustoMoutinho Borges, �Palá-cios da Rua da Junqueira:História e Património�

28 de Março

Casino Estoril � sessão dasNovas Conferências do Ca-sino dedicada à temática�Educação para a morte�com a participação do Pa-dre António Vaz Pinto e deMiguel Real e a coordena-ção de Isabel Nery

DEBATES E PALESTRAS

19 de Fevereiro

Escola Secundária Leal daCâmara: Rui Miguel daCosta Pinto, �Gago Cou-tinho e o Estado Novo�

20 de Março

Cineteatro de Albergaria� José Eduardo Francoe Fernando Rosas partici-pam no debate �Religião eHistória�

23 de Março

Sala de Actos da Facul-

dade de Letras de Lisboa:Domício Proença Filho so-bre o seu romance Ca-

pitu � Memórias Póstu-

mas (1998)

24 de Março

Auditório Sede da CPLP:Domício Proença Filho,�Presença africana no por-tuguês brasileiro�. Inicia-tiva promovida pela Mis-são do Brasil junto à Co-munidade dos Países de

Língua Portuguesa, Secre-tariado Executivo da Co-munidade dos Países deLíngua Portuguesa e CLE-PUL

18 de Março

Sociedade Musical Odive-lense � Tertúlia �Conver-sas com Princípio e Fim�subordinada ao tema �OMito dos Jesuítas�. Par-ticipação de José EduardoFranco

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Orpheu 27

Eventos 100 Orpheu

No centenário deOrpheu, o CLEPUL �Centro de Literaturase Culturas Lusófonas eEuropeias da Faculdadede Letras da Univer-sidade de Lisboa, emcolaboração com o LE-PEM � Laboratório deEstudos de Poéticas eÉtica na Modernidade,da Universidade de SãoPaulo, propõem umasequência de iniciativaspluridisciplinares porvia das quais será possí-vel fazer-se a justíssimae fundamental home-nagem ao ModernismoPortuguês, no centená-rio de Orpheu, revista egrupo com que se deuinício a um percursoextremamente signi�ca-tivo, um dos mais mar-cantes da cultura por-tuguesa e provavelmenteo que mais congregounum único movimentoas mais diferentes ex-pressões artísticas.Tendo sido inauguradano dia 10 de Março, naBiblioteca da Faculdadede Letras da Universi-dade de Lisboa, a ex-posição Atores, Palcose Contextos de Orpheu

(1915-2015), em cujaestrutura se integra amostra artística da res-ponsabilidade do pintormongol Rouslam Bo-tiev, �cará no corredorde acesso à Bibliotecaaté dia 31 de Março.Constituída por uma se-lecção bibliográ�ca dasrevistas modernistas, deobras fundamentais dosdiversos autores que in-tegraram as páginas deOrpheu ou que estive-ram no seu contexto ena sua sequência imedia-ta e de vários núcleostemáticos que estabele-cem o diálogo entre oModernismo Português,a tradição cultural por-tuguesa, as Vanguardase as vertentes lusófona eibérica, a que se somamos notáveis quadros deRouslam Botiev e umvídeo elaborado a partirde entrevistas, docu-mentários e declama-ções de poesia, a exposi-ção merecerá certamenteuma visita atenta.Na semana de 16 a 20de Março decorreu naFaculdade de Letrasum Curso dedicado adiferentes aspectos do

Modernismo Português,todos os dias entre as18:00 e as 20:00. Fo-ram doze palestras decerca de meia hora,abordando contextos,personalidades, inter-disciplinaridades, aspec-tos menos lembrados oupropondo novos olharessobre o muito que aindahá por descobrir no queao Orpheu diz respeito.As conferências �ca-ram a cargo de IsabelPinto Mateus, FilomenaSerra, Rui Sousa, Stef-fen Dix, Paulo Borges,Nuno Amado, Pedro Se-púlveda, Pablo PérezLópez, Raquel NobreGuerra, So�a A. Car-valho, António CândidoFranco e So�a Santos.No dia 19 de Março, aFundação Eng. Antóniode Almeida associou--se à programação 100Orpheu para um ani-mado dia de conferên-cias e de debates dedi-cados ao ModernismoPortuguês. Marcarampresença, entre outros,especialistas como Ar-naldo Saraiva, FernandoCabral Martins, Dioní-sio Vila Maior ou An-

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28 Orpheu

tónio Apolinário Lou-renço.Entre 25 e 28 de Março,o culminar dos even-tos em torno de Orpheuconduziu-nos à Funda-ção Calouste Gulben-kian e ao Centro Cultu-ral de Belém, locais queforam palco de uma dasmais amplas reuniõesde estudiosos do Moder-nismo Português de quehá memória, assim comode alguns lançamentosde obras recentes vota-das a estes assuntos.Em Maio, também en-tre os dias 25 e 28, serátempo de a USP rece-ber um segundo mo-

mento do Congresso 100Orpheu, propiciando odiálogo luso-brasileiroque esteve de algummodo implicado na gé-nese da revista moder-nista portuguesa.No contexto de todosestes eventos, a �gurade António Ferro mar-cará sempre a pre-sença que lhe é de-vida. Assim, na exposi-ção encontram-se repre-sentadas obras suas, omesmo ocorrendo com asua �gura num dos qua-dros de Rouslam Botiev;no Curso 100 Orpheu, aconferência de Rui Sousaocupou-se dos dois poe-

tas brasileiros de Orpheu(Ronald de Carvalho eEduardo Guimaraens),abordando também An-tónio Ferro, nomeada-mente no que respeitaà sua interacção com osmodernistas brasileirose ao diálogo que man-teve com Ronald até aosanos 30, tal como Fer-nanda de Castro; e noCongresso 100 Orpheualgumas das comunica-ções �zeram referência àvida e obra de AntónioFerro, uma das quais,por exemplo, dedicada àsingular e polémica peçade teatro Mar Alto. RuiSousa

Fundação Eng. António de Almeida

Colóquio: �Orpheu e o Modernismo português�

No centenário da publi-cação da revista Orpheu,a Fundação Eng. Antó-nio de Almeida associa--se à efeméride, aten-dendo ao vínculo quea liga ao universo pes-soano, levando a efeitoum Colóquio integradono Congresso Interna-cional organizado peloCLEPUL e LEPEM.Fernando Pessoa encon-tra-se ligado ao Porto,

pelo menos desde 1912,por via da sua cola-boração na revista AÁguia, órgão da �Renas-cença Portuguesa�, ondecolabora com �A NovaPoesia Portuguesa�, quemuitos consideram a suaestreia literária.Distintas mas comple-mentares são as razõesque justi�cam o Coló-quio e as Exposiçõesinauguradas no dia 19 de

Março de 2015: �Me-mória d'Orpheu� e �AFundação Eng. Antóniode Almeida e o universopessoano�. Uma de-las ilustra, pelo texto epela fotogra�a, o elencode iniciativas promovi-das ou realizadas naFundação Eng. Antóniode Almeida, dedicadas aFernando Pessoa e à suaobra multímoda.

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