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CLIMA E QUALIDADE AMBIENTAL URBANA EM JALES/SP: ANÁLISE EM EPISÓDIO DE PRIMAVERA
Mayara Barbosa Vidal
E-mail: [email protected] Renan Gomes Moretti
E-mail: [email protected] Margarete C. de C. T. Amorim
E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente artigo visa contribuir para a compreensão e análise das características
térmicas no ambiente intraurbano, buscando identificar e espacializar as ilhas de calor,
estabelecendo relações com as variáveis geográficas urbanas e características do centro
da cidade de Jales/SP. Sendo assim, a pesquisa avalia principalmente a influência da
vegetação (arborização) urbana, uso e ocupação do solo, materiais construtivos,
densidade de edificações orientação das vertentes e a qualidade ambiental para a
população residente.
1 – INTRODUÇÃO
Grande parte dos problemas urbanos encontrados hoje na maioria das cidades,
independentemente do porte, reflete as modificações e alterações do ambiente natural,
tornando-o artificializado, resultando em problemas de ordem econômico-social e
principalmente ambiental, causando impactos e afetando a qualidade de vida da
população.
O aumento do número de cidades e a expansão das já existentes ocorreram no
período pós-revolução industrial caracterizando-se, na esfera mundial, na mudança da
população rural para as cidades, tornando a sociedade essencialmente urbana,
artificializando e materializando o meio natural. O mesmo ocorreu no Brasil, com o
rápido processo de urbanização e o êxodo rural, na década de 1950, provocado pelo
surgimento das primeiras indústrias de base no país principalmente na região sudeste.
Mendonça (2009, p.180) descreve que:
O desenvolvimento da industrialização brasileira, a partir da década de 1950 – com grande ênfase no setor automobilístico num primeiro momento, e diversificado num segundo – aliado diretamente ao capital internacional, produziu disparidades gritantes nas condições sociais, econômicas e políticas nas cidades. As relações de produção, voltadas quase que exclusivamente à reprodução econômica, desconsideraram a necessidade do planejamento de caráter social e criaram, por conseguinte, uma “urbanização corporativa”, resultando em ambientes urbanos caóticos tanto no Brasil quanto nos demais países nos quais a produção do espaço seguiu dinâmica parecida.
Assim sendo, o processo de urbanização e as mudanças na paisagem provocam,
além dos impactos socioambientais, alterações na atmosfera urbana, gerando um
aumento significativo da temperatura, dando origem ao clima urbano, sendo suas
causas, à retirada da cobertura vegetal arbórea, aumento da área construída,
pavimentação asfáltica e inércia térmica dos materiais. Este fenômeno está relacionado
diretamente às ações humanas no espaço urbano, interferindo assim no balanço de
energia, no conforto térmico e na umidade do ar, contribuindo para a degradação de
qualidade ambiental.
Uma das mais significativas expressões da alteração climática na cidade diz respeito aos valores de temperatura e concentração de poluentes. Esses fenômenos podem ser usados como indicadores da degradação ambiental que frequentemente ocorre nos espaços urbanos. (LOMBARDO, 1985 p. 23).
. Monteiro (1976), precursor do referencial teórico-metodológico Sistema Clima
Urbano (S.C.U.), afirma que o fenômeno se caracteriza de forma individual e
independente do grau de urbanização e espacialização da cidade, sendo consequência da
intervenção inadequada e alteração da paisagem. Dessa forma, o fenômeno clima
urbano não se caracteriza apenas em grandes cidades ou metrópoles, mas também em
cidades de médio porte e cidades pequenas, porque o balanço de energia (relações de
transferência de calor entre a superfície e atmosfera) é diferente, seja entre o meio
urbano ou rural ou em diferentes superfícies urbanas, produzindo microclimas dentro de
um sistema maior.
Neste sentido, Lombardo (1985) mostra que a cidade propicia a alteração no
balanço de energia, gerando bolsões nas áreas urbanas e destaca também a interferência
do homem na dinâmica dos sistemas ambientais.
Oke (1972) destaca que o fenômeno ilha de calor é resultante das modificações
dos parâmetros da superfície e da atmosfera oriundas da urbanização.
Amorim (2005) aponta que há vários motivos que originam as ilhas de calor e as
principais características são: o armazenamento de calor durante o dia na cidade, devido
às propriedades térmicas e caloríficas dos materiais construtivos assim como sua
devolução para a atmosfera no período noturno; a produção do calor de origem
antrópica; diminuição da evaporação em virtude de maior superfície impermeabilizada
(concreto e asfalto e canalização fechada de rios e córregos) e também a diminuição da
velocidade do vento devido a rugosidade das edificações.
Sendo assim, pretende-se analisar neste trabalho a temperatura na cidade de
Jales/SP, buscando relações entre as ilhas de calor identificadas e os condicionantes
geourbanos e geoecológicos.
2 – O CLIMA URBANO
Há muito tempo o homem vive nas cidades, no entanto, as aglomerações urbanas
se intensificaram com a Revolução Industrial no século XVIII. Desde então, foram
muitas as modificações e transformações no espaço urbano, energizando ainda mais a
formação das sociedades urbanas.
Segundo Sposito (1994, p.6):
A cidade de hoje, é o resultado cumulativo de todas as outras cidades de antes, transformadas, destruídas, reconstruídas, enfim produzidas pelas transformações sociais ocorridas através dos tempos, engendradas pelas relações que promovem essas transformações.
O processo de urbanização acelerado e a falta de planejamento urbano adequado
faz com que a degradação ambiental seja mais acentuada, uma vez que:
As cidades constituem a forma mais radical de transformação da paisagem natural, pois seus impactos não se limitam a mudar a morfologia do terreno no qual se inserem, modificam, também, as condições ambientais e climáticas (LIMA, 2011, p. 1).
Com a expropriação do campo e a implantação das indústrias, o Brasil sofreu um
acelerado processo de urbanização, fazendo com que a população migrasse do campo
para os centros urbanos.
De acordo com Amorim (2000), o processo de urbanização, comum nos países
industrializados, começou a ocorrer de forma significativa no Brasil, durante a década
de 1950. Mas, desde a década de 1940, já se observou um pequeno aumento da
população urbana e a diminuição da rural.
O processo de urbanização nas cidades brasileiras, por muitas vezes não foi
realizado levando-se em consideração as características e contextos geográficos, ou seja,
tanto em sua dimensão ambiental quanto socioespacial. Nesse contexto, a produção de
microclimas e climas urbanos refletem a qualidade ambiental e de vida nas cidades.
A intensificação das edificações, a falta de áreas arborizadas, o acréscimo de
pavimentação, os materiais e os padrões construtivos, e as áreas industriais, podem
contribuir para a alteração no clima das cidades, gerando assim, um espaço
completamente antropizado, no qual a atuação do homem se manifesta direta ou
indiretamente e cujos resultados mais significativos são a degradação ambiental e a
formação de um clima específico dos centros urbanos. Essa alteração e formação
denomina-se clima urbano.
De uma forma mais clara e objetiva, Oke (1978), define o fenômeno Clima
Urbano como resultante de um processo e modificações que a urbanização produziu na
superfície e nas proximidades atmosféricas de um dado local. Ou seja, um espaço
modificado por ações antrópicas é a geração de um clima próprio, atrelado às
características geourbanas e geoambientais no espaço modificado e habitado.
Concordando com Oke (1978), Ayoade (1998, p. 300) afirma que:
O maior impacto do homem sobre o clima acontece nas áreas urbanas. O homem tem exercido um impacto tão grande nessas áreas, que o clima urbano é bastante distinto, por suas características, do clima das áreas rurais circundantes. Nas áreas urbanas, altera-se a composição química da atmosfera. As propriedades térmicas e hidrológicas da superfície terrestre, assim como seus parâmetros aerodinâmicos são modificados pelos processos de urbanização e industrialização.
De modo geral, segundo Mendonça (2000), as atividades socioeconômicas
urbanas, são fatores da formação do clima urbano, assim sendo, a degradação ambiental
e a queda da qualidade de vida nas cidades se agravam à proporção que a urbanização se
intensifica. Monteiro (1976, p.95), em sua tese de livre docência, ao propor a Teoria do
Sistema Clima Urbano, define o clima urbano como "[...] um sistema que abrange o
clima de um dado espaço terrestre e sua urbanização". Para o mesmo, os espaços
urbanos passaram a assumir a responsabilidade do impacto máximo da atuação humana
sobre a organização na superfície terrestre e na deterioração do ambiente.
Portanto, pode-se observar que as cidades apresentam alterações climáticas
devido às alterações antrópicas, pois a intensidade da urbanização, expressa em termos
de espaço físico construído, alterações significativas na composição atmosférica. Deste
modo, eventos extremos de precipitação, formação de ilhas de calor e poluição do ar,
são alguns exemplos que podem ser citados do clima nas cidades.
3 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para analisar o campo termodinâmico na cidade de Jales/SP, assim como
identificar e espacializar as ilhas de calor na malha urbana, algumas etapas foram
planejadas de modo a sistematizar o desenvolvimento do trabalho.
A primeira etapa foi de leitura e revisão bibliográfica sobre o tema clima urbano.
No que concerne a parte prática se deu na coleta dos dados em trabalho de campo
através da metodologia dos transectos móveis, registrando-se os valores de temperaturas
em pontos intraurbanos pré-estabelecidos (medidas itinerantes) e em horário noturno
(21h).
Os transectos realizados para a coleta dos dados de temperatura seguiram dois
eixos, sendo um no sentido nordeste/sudoeste e outro no sentido noroeste/sudeste,
conforme a figura 1.
Figura 1- Jales: Traçado dos transectos móveis.Org.: MORETTI, R. G. 2014. A coleta dos dados foi realizada em episódios de primavera durante cinco dias
(26, 27, 28, 29 e 30 de Novembro de 2013), sem ocorrência de ventos e precipitação,
com o objetivo de registrar as temperaturas nos diferentes pontos da cidade.
Os instrumentos utilizados foram sensores digitais “Termômetro Max. e Min.
Mod.9950.02.1. VCAH NF. 1527” instalados em haste de madeira com cerca de 1,5
metros de altura, presa na lateral de um automóvel, percorrendo os traçados delimitados
com velocidade variando entre 20km/h e 30km/h, com tempo de duração em média de
20 minutos, seguindo metodologia adaptada dos trabalhos de Oke e Maxwell (1975);
Gomez e Garcia (1984); Johnson (1985); Pitton (1997) e Amorim (2005).
Após a coleta dos dados, os mesmos foram tabulados em planilhas eletrônicas no
software Microsoft Excel 2007®1. Posteriormente, foram elaboradas cinco cartas de
isotermas no software Surfer®2. A análise também contou com as imagens de satélite
Goes®3, para auxiliar na identificação dos sistemas atmosféricos nos dias de transectos,
além de cartas sinóticas de pressão baixadas do site do CPTC/INPE.
1 Excel – é marca registrada da Microsoft Corporation
2 Surfer – é marca registrada da Golden Software.
3 Disponível em: <http://satelite.cptec.inpe.br/acervo/goes_anteriores. jsp>
4 – RESULTADOS
A partir dos dados coletados nos transectos móveis foram elaboradas cinco
cartas termais afim de espacializar a temperatura na cidade de Jales/SP.
No dia 26 as temperaturas variaram de 23,5ºC a 28,2ºC, e a diferença entre a
maior e a menor temperatura medida foi de 4,7ºC (Figura 2). Pode-se verificar que a
maior temperatura se concentrou no interior da cidade, ficando mais amena nas
extremidades. O dia caracterizou-se pela estabilidade atmosférica, que por sua vez
propiciou a formação de ilha de calor, uma vez que elas se formam em situações de
calmaria e céu sem nuvens. A ilha de calor neste dia pode ser considerada de forte
magnitude, pois Garcia (1996) classificou a ilha de calor da seguinte forma: fraca
magnitude, quando as diferenças entre os pontos oscilam entre 0°C e 2°C, média
magnitude entre 2°C e 4°C, forte entre 4°C e 6°C e muito forte quando as diferenças
forem superiores a 6°C.
Figura 2 - Jales: Temperatura do ar – 26/11/2013 – 21h
No dia 27 de novembro o céu continuou com poucas nuvens e as temperaturas
permaneceram entre 24ºC e 29,4ºC, com diferença máxima entre os pontos de 5,4ºC,
formando ilha de calor de forte magnitude no centro da cidade, que é densamente
ocupado e com predomínio de atividades comerciais e de serviços (Figura 3).
Figura 3 - Jales: Temperatura do ar – 27/11/2013 – 21h
No dia 28 de novembro, Jales permaneceu sob a atuação de um sistema
atmosférico estável e com poucas nuvens. Neste dia as temperaturas ficaram entre
27,5ºC e 31,9ºC, tendo uma diminuição na diferença térmica em relação ao dia anterior
de 1ºC, atingindo então 4,4ºC, formando ilha de calor de forte magnitude. No entanto
deve-se observar que as temperaturas mínimas subiram, sendo um dos dias mais quentes
na cidade dentro do período estudado (Figura 4).
Figura 4 - Jales: Temperatura do ar – 28/11/2013 – 21h
No dia 29 de novembro o céu estava nublado e havia a aproximação de uma
frente fria. As temperaturas permaneceram entre 28,6ºC a 30,9ºC, tendo assim uma
diminuição na diferença térmica de 2,3ºC, caracterizando uma ilha de calor de média
magnitude, porém tal como no dia anterior ocorreu o aumento das temperaturas
mínimas (Figura 5).
Figura 5 - Jales: Temperatura do ar – 29/11/2013 – 21h
No dia 30 de novembro o céu permaneceu nublado e as temperaturas
permaneceram entre 24ºC e 31,2ºC formando uma ilha de calor de forte magnitude, com
diferença térmica de 7,2ºC (Figura 6).
Figura 6 - Jales: Temperatura do ar – 30/11/2013 – 21h
Na cidade de Jales a temperatura oscilou entre 23,5ºC e 31,9ºC, e em alguns dias
foram observadas diferenças térmicas de até 7ºC, sendo que a maior ocorreu no dia 30
de novembro atingindo 7,2ºC e a diferença mínima observada foi no dia 29 de
novembro com 2,3 ºC, tendo diferença média notada para os dias analisados de
aproximadamente 4,8ºC. Essas diferenças das magnitudes das ilhas de calor foram
decorrentes da atuação dos sistemas atmosféricos que atuaram na região e que, embora
não tenham resultado em precipitação, geraram nuvens e ventos um pouco mais fortes
que diminuíram sua intensidade.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os cinturões verdes, bosques, jardins, praças, conjunto de árvores e toda
vegetação existente nas cidades trazem muitas melhorias para a qualidade ambiental
urbana, uma vez que contribuem e auxiliam no conforto térmico das cidades. Deste
modo, os estudos sobre as áreas verdes no cenário urbano, tornam-se de grande
importância para os órgãos públicos e planejadores do espaço urbano.
Entretanto, naturalmente o ambiente tropical é capaz de gerar desconforto pela
grande quantidade de calor, intensificado pelo crescimento das cidades. Sendo assim, as
modificações feitas no ambiente urbano, às características das construções,
impermeabilização do solo, retirada da cobertura vegetal arbórea, provenientes da ação
antrópica dentre outros fatores, interferem diretamente nos índices de radiação solar
incidente, refletância e de inércia térmica dos materiais, culminando na geração da ilha
de calor.
Pode-se observar que de fato a cidade de Jales/SP sofre com a formação de ilhas
de calor, uma vez que a diminuição ou perda da vegetação urbana, juntamente com a
industrialização e urbanização, acarreta na perda da qualidade da qualidade ambiental e
aumento do desconforto térmico intraurbano.
Neste sentido, torna-se necessário não só a implementação, mas também a
preservação das áreas verdes existentes no ambiente urbano, criando assim condições
para minimizar os impactos causados pelo processo de urbanização. Os espaços livres
de edificações, as praças arborizadas e a presença de cobertura vegetal de grande porte
nas vias de circulação são importantes para amenizar os efeitos das ilhas de calor.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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