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COCAAL 2015 - Metamorfoses Do Povo - Aloysio Raulino e o Nuevo Cine Latinoamericano

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Resumo apresentado ao congresso COCAAL, por Victor Guimarães.

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  • Metamorfoses do povo: Aloysio Raulino e o Nuevo Cine Latinoamericano

    Resumo:

    O trabalho busca investigar similaridades e dissonncias entre as formulaes da ideia de povo em alguns manifestos e filmes integrantes do Nuevo Cine Latinoamericano (NCL) dos anos 1960 e em alguns filmes de Aloysio Raulino. Tomando o povo como um motivo recorrente nos textos e nas obras flmicas, propomos uma aproximao contrastante entre as figuras do povo inventadas por filmes como Lacrimosa (1970) e Porto de Santos (1978) e as formulaes que atravessam as obras vinculadas ao NCL.

    Resumo Expandido:

    Como nos lembra Alain Badiou (2013), a palavra povo nunca foi, em si mesma, um substantivo progressista. Entre o Volk nazista e o All Power to the People dos Black Panthers, h toda uma mirade de variaes histricas, contextuais e valorativas que nos impede de tomar esse vocbulo como pedra de toque de nossa argumentao sem a necessidade de uma reserva primeira. A verdade que povo hoje um termo neutro, como tantos outros vocbulos do lxico poltico (BADIOU, 2013). Mas, ento, por que insistir em uma palavra to antiga e to aberta a mltiplas significaes?

    O reconhecimento de que a palavra povo comporta tantos sentidos contraditrios, altamente dissensuais no (ou no deveria ser) um obstculo ao pensamento, mas justamente um estmulo ao enfrentamento da questo. Como nos diz Jacques Rancire, o desentendimento cerne da poltica no o conflito entre aquele que diz branco e aquele que diz preto, mas o embate entre aquele que diz branco e aquele que diz branco mas no entende a mesma coisa, ou no entende de modo nenhum que o outro diz a mesma coisa com o nome de brancura (RANCIRE, 1996, p. 11). O dissenso latente e sempre renovado a cada vez em relao ao significado do povo justamente a possibilidade de que essa palavra possa abrigar alguma possibilidade poltica.

    Que cinema necessitam os povos subdesenvolvidos da Amrica Latina? Um

  • cinema que os desenvolva, diz peremptoriamente o manifesto Cine y subdesarrollo (1962), de Fernando Birri. E continua: nos interessa fazer um homem novo, uma sociedade nova, uma histria nova, e portanto uma arte nova, um cinema novo. Urgentemente. Se o povo enquanto coletividade ativa no existe na Amrica Latina de ento como constata Deleuze (2005) , o cinema deve participar de sua inveno.

    O cinema deve intervir diretamente no processo de liberao dos povos latino-americanos, eis a premissa de vrios manifestos e filmes do NCL. Nosso primeiro gesto/Nossa primeira palavra/Liberao/(...)/Para no ser colnia s cabe uma opo/Poder para o povo/Inventar/, bradam as cartelas de La Hora de Los Hornos (Fernando Solanas e Octavio Getino, 1968). Mas se o devir do povo foi um motivo central do cinema da regio nos anos 1960 seja nos manifestos, seja na reflexo crtica, seja nos prprios filmes , de l para c esse vocbulo foi gradativamente desaparecendo de nosso repertrio crtico. Nesse sentido, ao retomar um conjunto de obras vinculadas ao NCL alm dos j citados, manifestos como Hacia um tercer cine (Fernando Solanas e Octavio Getino, 1969) e Teora y prctica de un cine junto al pueblo (Jorge Sanjins y Grupo Ukamau, 1978) e filmes como Los Inundados (Fernando Birri, 1962) e Yawar Mallku (Jorge Sanjins, 1969) e compar-los a alguns filmes de Raulino realizados nas duas dcadas seguintes, o texto procura retomar a validade da palavra povo para a discusso esttica e poltica contempornea sobre o cinema na Amrica Latina.

    Essa palavra guarda uma srie de ambiguidades e devires que, no corpo a corpo com esses textos e filmes e com o cinema de Raulino, parecem apontar uma rentabilidade terico-analtica que nenhum outro vocbulo parece comportar. Acreditamos que, ao analisar as nuances das figuras do povo nessas diversas obras, teremos condies de perceber como essa premissa to recorrente variou ao longo do tempo e das obras, e como ela capaz de se metamorfosear nas elaboraes formais de cada filme. O trabalho toma a obra de Raulino como um laboratrio de formas de figurar o povo, contrastando seus procedimentos com outras figuraes para melhor perceber suas singularidades.

    Se a obra de Raulino , por excelncia, dedicada ao encontro singular com os sujeitos filmados, ela tambm arrisca em seu vis alegrico a figurao de uma coletividade por vir, de uma comunidade vital, ainda no realizada, mas exposta e

  • vibrante enquanto potncia. Da afirmao coletivista e categrica do ttulo de Teremos Infncia (que contrasta violentamente com a realidade brutal dos meninos de rua do filme) aspirao latino-americanista de Noites Paraguayas, o que a ininterrupta figurao dos pobres em Raulino parece encarnar no nem a tipificao cristalizadora do modelo sociolgico (BERNARDET, 2003), nem a etnografia Coutinho: a cada vez que um personagem marginal irrompe violentamente em um plano de Raulino, a cada vez que um rosto negro ou indgena nos encara e nos dilacera com seu olhar, o que est em jogo um outro nome do povo.

    Se a mise-en-scne devotada ao encontro irrepetvel e performance singular, a sofisticao da montagem que faz conviver as imagens mais diversas e no cessa de associ-las a canes, citaes literrias, sons extradiegticos expande o sentido e aponta sempre para outras cenas. No h palavra melhor para descrever essa conjugao entre a devoo apaixonada singularidade dos marginalizados e a impronta alegrica que os faz sempre (pelo cinema) serem muito mais do que indivduos.

    Bibliografia:

    AVELLAR, Jos Carlos. A ponte clandestina: Teorias de Cinema na Amrica Latina. So Paulo: Ed. 34/Edusp, 1995. BADIOU, Alain. Vingt-quatre notes sur les usages du mot peuple. In: BADIOU et al., Quest-ce quun peuple?. Paris: La Fabrique, 2013, pp.9-21. Disponvel em: http://ekopolitica.blogspot.com.br/2013/09/quest-ce-quun-peuple.html BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. So Paulo, Cia das Letras: 2003. DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. So Paulo: Brasiliense, 2005. LEN FRIAS, Isaac. El nuevo cine latino-americano de los aos sesenta: entre el mito poltico y la modernidad flmica. Lima: Universidad de Lima, Fondo Editorial, 2014. RANCIRE, Jacques. O desentendimento: poltica e filosofia. So Paulo: Ed.34, 1996.

    Dados do Autor:

    Nome: Victor Ribeiro Guimares Ttulao mxima: Mestre Instituio de Origem: Universidade Federal de Minas Gerais E-mail de contato: [email protected] GT indicado: Cinema e Audiovisual: Polticas e Estticas

    Breve biografia: Doutorando em Comunicao Social pela UFMG. Crtico de cinema na revista Cintica e um dos programadores do Cineclube Comum. Ex-professor do curso de Cinema e Audiovisual do Centro Universitrio UNA, integra as comisses de seleo do forumdoc.bh (desde 2012) e foi um dos coordenadores de programao do 16 Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (2014). Tem ensaios publicados em livros,

  • catlogos de festivais e mostras retrospectivas (Hitchcock, De Palma, Rithy Panh, Jia Zhangke) e contribuiu com revistas como Lumire (Espanha), Desistfilm (Peru), Senses of Cinema (Austrlia) e La Furia Umana (Itlia).