8
ARTIGO ARTICLE 2337 1 Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Rua Tessália Vieira de Camargo 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz. 13083-970 Campinas SP. gastaowagnermpc.com.br Cogestão e neoartesanato: elementos conceituais para repensar o trabalho em saúde combinando responsabilidade e autonomia Democratic management and new craft: concepts to rethink integration between autonomy and responsibility in health work Resumo Este artigo discute tensões entre a racio- nalidade gerencial dominante e o trabalho em saúde. Valendo-se de conceitos da filosofia e de revisão de autores que estudaram o trabalho em saúde, aponta-se que as práticas, clínicas e em saúde pública, são estruturadas conforme o con- ceito de práxis, definido por Aristóteles. Não fun- cionam mecanicamente e dependem de um sujei- to mediador que reflita e tome decisões na maio- ria dos casos, alguém que estabeleça uma media- ção entre o saber estruturado e o contexto singu- lar. Nesse sentido, recomenda-se a adoção de mo- delo de gestão que possibilite e favoreça a combi- nação de autonomia profissional com responsa- bilidade sanitária. Palavras-chave Cogestão, Trabalho em saúde, Filosofia e saúde Abstract This article analyses tensions between the dominant management rationality and health work. By means of philosophical concepts and bibliography revision it was found that clin- ical and public health practices are structured as praxis, a term defined by Aristotle. It does not work automatically, depending on a human be- ing to reflect and decide in most situations, mak- ing mediation between established knowledge and singular context. So, it is recommended the adop- tion of a management model that enables and fa- vors the combination of professional autonomy and sanitary responsibility. Key words Democratic management, Health work, Health and philosophy Gastão Wagner de Sousa Campos 1

Cogestão e neoartesanato

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Cogestão e neoartesanato

AR

TIG

O A

RT

ICL

E

2337

1 Departamento de MedicinaPreventiva e Social,Faculdade de CiênciasMédicas, UniversidadeEstadual de Campinas. RuaTessália Vieira de Camargo126, Cidade UniversitáriaZeferino Vaz. 13083-970Campinas SP.gastaowagnermpc.com.br

Cogestão e neoartesanato: elementos conceituais para repensaro trabalho em saúde combinando responsabilidade e autonomia

Democratic management and new craft: concepts to rethinkintegration between autonomy and responsibility in health work

Resumo Este artigo discute tensões entre a racio-nalidade gerencial dominante e o trabalho emsaúde. Valendo-se de conceitos da filosofia e derevisão de autores que estudaram o trabalho emsaúde, aponta-se que as práticas, clínicas e emsaúde pública, são estruturadas conforme o con-ceito de práxis, definido por Aristóteles. Não fun-cionam mecanicamente e dependem de um sujei-to mediador que reflita e tome decisões na maio-ria dos casos, alguém que estabeleça uma media-ção entre o saber estruturado e o contexto singu-lar. Nesse sentido, recomenda-se a adoção de mo-delo de gestão que possibilite e favoreça a combi-nação de autonomia profissional com responsa-bilidade sanitária.Palavras-chave Cogestão, Trabalho em saúde,Filosofia e saúde

Abstract This article analyses tensions betweenthe dominant management rationality andhealth work. By means of philosophical conceptsand bibliography revision it was found that clin-ical and public health practices are structured aspraxis, a term defined by Aristotle. It does notwork automatically, depending on a human be-ing to reflect and decide in most situations, mak-ing mediation between established knowledge andsingular context. So, it is recommended the adop-tion of a management model that enables and fa-vors the combination of professional autonomyand sanitary responsibility.Key words Democratic management, Healthwork, Health and philosophy

Gastão Wagner de Sousa Campos 1

Raquel
Destacar
Page 2: Cogestão e neoartesanato

2338C

ampo

s GW

S

Racionalidade gerencial hegemônica

Há vários anos, tenho investigado a hipótese deque a maioria dos métodos de gestão, desenvol-vidos no século XX, tinha como estratégia, explí-cita ou implícita, a utopia de controlar absoluta-mente o trabalho humano1. Denominei de “raci-onalidade gerencial hegemônica” as várias teoriasou métodos que buscam regular o trabalho doser humano. Valendo-se de distintos recursos, seesforçam para aproximá-lo do funcionamentode uma máquina. Um mecanismo concebido emuma lógica mecânica ou cibernética, com essa fi-nalidade foram criados tanto métodos de con-trole direto – supervisão –, quanto modos indi-retos de controle, como a avaliação de resultados.

Por que haveria se conformado esta obses-são histórica com a moldagem da força de tra-balho a padrões mecânicos de funcionamento?Por que os modelos de gestão pretendem, demodo sistemático, reduzir a autonomia do serhumano inserido em cadeias produtivas? Por quetal concepção transformou-se no modo hege-mônico para se pensar e operar sistemas de pro-dução de bens e serviços?

Há justificativas políticas, econômicas e ci-entíficas que sustentam essa racionalidade. Con-sidero que haja três elementos fundamentais quea constituem e justificam as pretensões de con-trole sobre o trabalhador. A primeira é a tendên-cia a subordinar o trabalho a modos de funcio-namento padronizados a priori. Tenta-se redu-zir o espaço para reflexão e decisão autônomadurante a execução das tarefas. A realização des-sa estratégia dependeu de uma aproximação en-tre o discurso próprio da gestão com o discursocientífico2. Não foi por acaso que o livro quefunda essa perspectiva controladora denominou-se de Princípios da administração científica, deautoria de Taylor3. Para a ciência de base positi-vista, seria possível, mediante a acumulação deevidências quantificáveis, construir-se padrões enormas que regulassem o trabalho em um de-terminado processo específico. Segundo essaconcepção, somente os especialistas ou os diri-gentes conheceriam “the best way” para cons-truir-se alguma coisa. Entretanto, conformeapontaram vários autores4, essa tendência a es-vaziar a capacidade de imaginação, de criação ede decisão dos trabalhadores durante o traba-lho, funda-se em discursos racionais sobre anatureza do trabalho humano. Apostam em di-minuir ao máximo a imprevisibilidade do tra-balho5. Ricardo Antunes6 menciona a tendênciacontemporânea dos modelos de gestão, apesar

de todo o discurso sobre qualidade total e fun-ção polivalente do operador, de priorizar o tra-balho morto sobre o trabalho vivo em ato, pro-duzindo a “liofilização” do trabalhador e do seutrabalho (ressecamento de sua dimensão huma-na). Esforça-se para condicionar a rede produ-tiva a protocolos, que definiriam as condutas ecomportamentos apropriados; essa é a metabuscada pela racionalidade gerencial contempo-rânea. Postura que indica uma maior confiançano saber previamente acumulado, e com baseem evidências, do que no tirocínio dos trabalha-dores. É evidente que, com base em justificativascientíficas, há todo um esforço histórico parareduzir o sujeito do trabalho a um instrumentofuncional, a procedimentos definidos com ante-cedência. Alguns autores falam em “reificação”do trabalhador7, em mecanismos de controlepara restringir a livre expressão de sua subjetivi-dade, de seus valores e mesmo de sua experiên-cia prévia. A racionalidade gerencial hegemônicapersegue a utopia de reduzir o sujeito do traba-lho a um objeto, a um recurso maleável confor-me o planejamento e programas definidos peladireção ou por “quem entende do assunto”, emgeral especialistas que pensam e planejam afas-tados do espaço onde se realiza o trabalho.

Uma segunda característica da racionalidadegerencial dominante, decorrente da pretensãoanunciada acima, é a de pensar-se como um ins-trumento disciplinar, como um modo de con-trole sobre o trabalho em geral e sobre os traba-lhadores em particular. Para esse discurso, a de-mocracia organizacional seria um contrassenso,um modo para produzir-se o caos, um caminhopara a ineficiência e ineficácia dos processos pro-dutivos. Centralização normativa e descentrali-zação executiva. Ao máximo, convocam-se tra-balhadores para corrigirem erros nas linhas demontagem, sempre em acordo com o programapreestabelecido, sempre para repor o funciona-mento “normal”, sempre para atenderem-se aosprotocolos, metas e diretrizes definidas alhures.Para alcançar-se esse objetivo de controle, a ima-ginação gerencial tem sido pródiga; ora recorre àtruculência, ao poder de excluir os rebeldes, osinaptos; ora, busca socorro na psicologia, sele-ção de trabalhadores com personalidade adequa-da à função, estratégias de sedução, treinamen-tos de novas sensibilidades funcionais ao espíri-to da organização e, ainda, em outra vertente, sevale da noção de “interesse”, prêmios financeirosou de status para os produtivos, etc.8. A demo-cracia não é um elemento valorizado pelas váriasteorias de administração, ainda que se a reco-

Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Page 3: Cogestão e neoartesanato

2339C

iência & Saúde C

oletiva, 15(5):2337-2344, 2010

mende para o mundo situado fora das empresase organizações.

A terceira característica do discurso gerencialdominante é que as escolas ou teorias da admi-nistração tendem a adotar uma visão “essencia-lista” sobre a natureza humana, o ser humanotenderia a comportar-se segundo seu interesseimediato independente do contexto ou de sua his-tória social. As correntes filosóficas que pensam oser de modo mais complexo não lograram influ-enciar o discurso gerencial. Assim, o controle pre-tendido pelas escolas de administração não obje-tiva ampliar a solidariedade ou formar cidadãoscultos e reflexivos. Ao contrário, para a racionali-dade gerencial hegemônica, o ser humano seriaincapaz de funcionar autonomamente sempre queinserido em processos coletivos de trabalho; ouseja, com o fim do artesanato, com a introduçãodo trabalho em série, em linhas de produção, ha-veria se criado a necessidade de um cérebro cole-tivo, uma instância que administrasse a tendênciaà dispersão de pessoas tendentes a decidir segun-do seu interesse individual (homo aeconomicus)ou conforme a tradição9. A racionalidade cons-truída pelo pensamento gerencial apresenta-se,portanto, como um pensamento pragmático eoperacional, uma racionalidade de ferro ordena-da em função de alcançarem-se determinados re-sultados – a qualidade de certos produtos, deter-minada produtividade. Daí, talvez, advenha a per-sistência histórica da denominação de “recursoshumanos”, predominante no discurso gerencial,como uma referência tanto aos trabalhadoresquanto ao seu potencial produtivo. Os seres hu-manos, quando trabalham, deveriam ser mani-pulados como um “recurso”.

Gestão e democracia:uma contradição em termos?

Seria possível escapar-se do dilema entre auto-nomia profissional e o estabelecimento de for-mas rígidas de controle, de padronização ou denormatização dos processos de trabalho? Seriapossível por meio da autogestão das organiza-ções pelos próprios trabalhadores, no limite, sealcançar o bem-estar comum? Estaríamos obri-gados a optar entre uma visão ingênua e român-tica, que imagina trabalhadores e organizaçõescompletamente autônomos, isentos de qualquerforma externa de controle e outra tradicional,ainda que cínica e pragmática, que considera ademocracia institucional incompatível com o tra-balho produtivo?

Karl Marx, na Ideologia alemã10 – um dos ras-cunhos mais citados como bibliografia, aindaquando seu autor o tenha atirado em uma gave-ta, já que não mereceria destino melhor do que a“crítica dos ratos”–, argumentou contra as con-cepções que pensam o ser humano em abstrato,como portador de características gerais indepen-dentes da história e das condições concretas deexistência. Para ele, o ser humano teria potencia-lidades que poderiam ou não se realizar a depen-der da interação entre o próprio sujeito e seu con-texto histórico e social. Segundo essa lógica, pou-co se poderia afirmar sobre os trabalhadores emgeral; em princípio, os trabalhadores não estari-am centralmente preocupados com a sobrevivên-cia, com interesses corporativos, com a qualidadee beleza de suas obras ou com as necessidades dosusuários. Segundo Marx, haveria que se averi-guar, em cada contexto histórico, o modo de fun-cionamento concreto dos sujeitos, e mais, haver-se-ia que os analisar como produtos e produto-res de certa estrutura cultural, econômica e social.A ordem econômica, social e cultural, bem comoa história, os induziria ora ao corporativismo,ora a preocupar-se com a sua obra ou com asociedade, ou com os usuários, etc. Entretanto,no Capital ou mesmo no Manifesto comunista, épossível se ler uma concepção sobre a classe ope-rária bem menos dinâmica do que aquela de seusescritos de juventude. Nessas duas obras, perce-be-se o autor preso a uma determinação estrutu-ral da natureza do ser humano: a classe operária,por sua posição no modo de produção capitalis-ta, tenderia à solidariedade e, ao buscar sua pró-pria libertação, liberaria também à maioria dasociedade. Os trabalhadores não teriam nada aperder a não ser suas cadeias11!

Quando da constituição da Saúde Coletivabrasileira, havia uma predominância do pensa-mento estruturalista ou neoestruturalista entreos intelectuais críticos. Um modo de conceber adinâmica social que chegou a imaginar o desapa-recimento do sujeito e o apagamento do ser hu-mano diante da força do instituído, do estrutu-rado12. Alguns explicavam a liquidação da auto-nomia humana pela força do mercado e da eco-nomia, outros, pela cultura ou pela tradição, vá-rios, pelo poder do saber ou dos paradigmasepistemológicos; alguns atribuíram a instituiçãoda sociedade de controle ao poder do Estado oude uma rede de micropoderes13.

Entretanto, tendo a concordar com a con-cepção expressa na Ideologia alemã; há evidênciasde que os seres humanos são ativos, reflexivos emodificam as condições que os condicionaram,

Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Raquel
Destacar
Page 4: Cogestão e neoartesanato

2340C

ampo

s GW

S

reagem ao domínio do estruturado, produzindoespaços singulares de existência. Trabalho com aconcepção de que o ser humano é potente paracoproduzir situações e contextos, algo próximoao descrito por Marx. Valeria discutirem-se, emoutra oportunidade, os elementos de proximi-dade e os desacordos entre essa compreensão doser humano e, portanto, do ser humano enquan-to trabalhador e o conceito de “ser aí” (daisen) deHeidegger14. As perguntas formuladas a partirda idéia de que nos coproduzimos, entre a inicia-tiva do sujeito e o condicionamento do mundo,são instigantes: como se conformará um médicogeneralista na atenção básica brasileira? O que éo “ser aí” do enfermeiro em um contexto concre-to? O que é pensar sobre uma equipe como pro-duto e produtora de uma história concreta – se-res dependentes e agentes, ao mesmo tempo,moldados pela universidade, origem social, aspi-rações profissionais, modelo de gestão etc., mascapazes de reagir e de alterar alguns destes mol-des estruturais?

Enfim, adotando-se tal concepção dinâmicasobre o modo de ser dos humanos, bem comodo trabalhador em particular, instaura-se umprofundo desconforto, lógico e ético, ante o dis-curso gerencial hegemônico. Que modo de ges-tão seria compatível para ordenar processos emque seres humanos estão envolvidos? Como es-tabelecer algum grau de ordem, de padroniza-ção, de controle, sem massacrar a capacidade dereflexão e os espaços para tomada de decisãodaqueles imersos na tarefa de produzir saúde?Enfim, partindo-se destes pressupostos, caberiao desafio de inventarem-se organizações que le-vem em consideração a relação entre estrutura esujeito. Como fazer isto sem a compreensão dosujeito e de seus atributos, entre eles o trabalho,sem investigar sobre sua conformação histórica,isto é, sobre o modo como foram coproduzidos,sobre a genealogia concreta de sujeitos concre-tos? Como formar médicos, enfermeiros, psicó-logos, no Brasil? Por que uma parte se dirigiupara atenção básica, para o SUS? Seria possívelgerenciar o trabalho em saúde levando em contaa complexidade destas relações?

Estas indagações fazem eco a uma afirmaçãode Michel Foucault, que, ainda no final dos anossetenta, reconhecia não haver sido inventadodurante o século XX, quer no socialismo ou emsistemas públicos, uma “governomentalidade”(um modo de governar seres humanos) distintadaquela tradicional, desenvolvida pelo capitalis-mo ao longo dos séculos XIX e XX15.

Tensão estrutural e políticaentre o trabalho em Saúdee a racionalidade gerencial hegemônica

Parto do pressuposto que o trabalho em saúdetem algumas peculiaridades que ampliam a ten-são entre a racionalidade gerencial hegemônica eo desenvolvimento das potencialidades do serhumano.

Aristóteles distinguia o saber humano em duasmodalidades: o teorético ou contemplativo e osaber prático. O saber prático é aquele conheci-mento produzido a partir da ação ou do agir hu-mano. O saber prático poderia ser classificadoem dois tipos: técnica e práxis. A técnica seria aque-la atividade humana em que o conhecimento pré-vio, estruturado, dispensaria o agente de qual-quer reflexão, deliberação ou escolha em ato, ouseja, durante a execução de certo trabalho16. Ummarceneiro constroi uma mesa definindo o mo-delo da mesa a priori, ele teria que ser valer de“técnicas” conhecidas e aplicá-las tendo em vistao diagnóstico sobre o tipo de madeira, instru-mentos disponíveis e o desenho do objeto previa-mente elaborado. Ao contrário, a práxis seriaaquela atividade humana em que o saber prévio,trabalho morto acumulado (diria Marx) não isen-ta o agente da necessidade de uma reflexão pru-dente (diria Aristóteles) durante a execução daatividade ou do trabalho em questão. Na práxis,o agente da ação, ademais do planejamento pré-vio com base no saber acumulado, deverá consi-derar o contexto singular em que sua ação se rea-liza: outros sujeitos envolvidos, valores, circuns-tâncias históricas, etc. A ética, a política, a justiçaestariam, para Aristóteles, nessa categoria17.

Ora, me parece ser essa exatamente a descri-ção da modalidade de trabalho a ser exercida peloclínico ou pelo sanitarista ao elaborar um proje-to de intervenção para enfrentar uma epidemiaou endemia em um contexto histórico singular.Klíno (clínica), em grego, refere-se à necessidadedo médico inclinar-se sobre o paciente. Nessesentido, tento a interpretar essa denominaçãopara o trabalho médico como um reconhecimentode que o profissional deveria sustentar uma po-sição inclinada (nem vertical ou horizontal) en-tre o saber médico dos compêndios e o sujeitoenfermo, restrito a um leito ou a uma cadeira. Aposição vertical indicaria uma prática técnica,incapaz de reconhecer a singularidade de cadacaso, a variabilidade da ordem genérica (doençaenquanto um ser, uma ontologia) encarnada emum indivíduo. Assumir a posição horizontal, omédico acostado junto ao paciente, por outro

Page 5: Cogestão e neoartesanato

2341C

iência & Saúde C

oletiva, 15(5):2337-2344, 2010

lado, indicaria um abandono do lugar profissio-nal e assunção da função de cuidado familiar,lugar do amigo ou do parente.

Considero, portanto, o trabalho em saúdeuma práxis. Como em toda práxis, é impossíveloperar-se sem algum grau de saber acumulado,sem teoria, método e técnicas previamente expe-rimentados. Entretanto, caberia ao profissional,à equipe responsável por cada caso clínico ousanitário, construir um novo modo de agir combase tanto no saber estruturado, quanto tam-bém no diagnóstico da situação específica e emvalores do sujeito ou da cultura; ou seja, lhe ca-beria adaptar o saber tecnológico ao contextosingular. Os métodos sugeridos para a elabora-ção de projeto terapêutico singular ou de projetode intervenção partem destas considerações18.Óbvio que há procedimentos médicos, parcelasdo trabalho em saúde, que se aproximam do tra-balho técnico. A realização de um determinadoprocedimento cirúrgico, uma vez definido umdiagnóstico e um projeto terapêutico, guardaanalogia com a prática técnica. Entretanto, casoocorra algum imprevisto durante a cirurgia, umaqueda de pressão, a descoberta de uma anoma-lia congênita, a evidência de uma comorbidade,um sangramento, em qualquer destes casos, oprofissional, a equipe, estarão obrigados a refle-tir e a tomar decisões não previstas no padrãotécnico. Estratégias para controlar uma epide-mia de aids, ou de dengue, dependerão do estadoda arte, de conhecimentos estruturados com baseem experiências e evidências anteriormente veri-ficadas; contudo, deverão ser modificadas emacordo à singularidade do território e da popu-lação a ser protegida.

Observe-se que o exercício do trabalho, se-gundo a lógica da práxis, depende de sujeitos tra-balhadores com importante grau de autonomiae de responsabilidade com o outro e com as ins-tituições. Conforme demonstrei, a racionalidadegerencial dominante aposta em outra direção,buscando, em suas várias vertentes, restringir assituações em que o processo de trabalho depen-de de decisão autônoma dos trabalhadores.

Vários autores têm demonstrado a tendên-cia do trabalho em saúde, particularmente dotrabalho médico, constituir-se como tecnologiapura19. De fato, a especialização, a fragmentaçãodo trabalho clínico e o esforço político da racio-nalidade gerencial são forças que dificultam apráxis clínica ou sanitária.

A tese defendida nesse artigo é diferente. Ar-gumento sobre a necessidade de se respeitar essacaracterística estrutural do trabalho em saúde –

a práxis, buscando-se modelos de gestão quecombinem autonomia, necessária para a práxis,com controle sobre o trabalho, considerando-seo saber estruturado, valores políticos e direitosdos usuários. Outros autores reconhecem haverdificuldade em subordinar o trabalho em saúde,particularmente aquele do médico, à lógica dagestão20. Escritores da corrente estruturalista atri-buem essa dificuldade ao fato do profissional desaúde deter, quase em regime de monopólio, ocontrole sobre o saber fazer em saúde. Isto lhesasseguraria autonomia relativa ao executaremações clínicas e, em consequência, dificultaria ocontrole da gestão sobre o trabalho em saúde,particularmente aquele de natureza clínica21. Ain-da que este argumento deva ser levado em conta,seria importante assinalar que há outras áreasdo trabalho profissional em que o saber especi-alizado é quase exotérico e, mesmo assim, houveenquadramento dos processos de trabalho a pro-tocolos e sistemas de monitoramento.

Há uma importante linha de pensadores daSaúde Coletiva que tem se valido da filosofia e daciência social para compreender e a intervir so-bre o trabalho em saúde. Particularmente, há umatradição investigativa sobre o trabalho médico esobre o exercício da clínica. Uma estudiosa pio-neira desse tema foi a professora Maria Cecília F.Donnangelo (1975) que, em seu livro Medicina eSociedade22, apresentou uma série de inferênciassobre modificações na prática desses profissio-nais. Professora Donnangelo procurou averiguarse, com as transformações no modo de produ-ção da atenção a saúde no Brasil, ocorria subor-dinação do trabalho liberal quando de sua inser-ção em empresas (hospitais e clínicas) de capitalprivado ou estatal. Ela identificou que havia mé-dicos liberais clássicos, pequenos produtores au-tônomos, e que emergia, no cenário da época,com grande força, tanto médicos proprietários(empresários), ainda que em pequeno número,quanto uma maioria de assalariados em organi-zações públicas ou privadas. Entretanto, para suasurpresa, ela constatou que mais de dois terçosdos médicos investigados trabalhavam em umaforma estranha a essa classificação clássica. A essaquarta forma de inserção no mercado de traba-lho ela denominou de “autonomia”. Formas derealizar a clínica que [...] poderiam ser considera-das intermediárias ou transacionais entre o libe-ral e o assalariado, na medida que envolvem umcontrole parcial dos meios de trabalho ou da clien-tela [...].

Entretanto, tanto a professora Donnangeloquanto Ricardo Bruno23 consideraram esse esti-

Page 6: Cogestão e neoartesanato

2342C

ampo

s GW

S

lo de prática profissional como “categoria resi-dual”; ou seja, como uma modalidade de traba-lho tendente a desaparecer, quer nas empresasprivadas, quer nos modernos sistemas de saúde.Em minha tese de mestrado, Os médicos e a polí-tica de saúde24, analisei esse fenômeno de outraforma. Considerei que os médicos se valeram daação política, sindical e corporativa para defen-der essa autonomia relativa mesmo em situa-ções em que não eram proprietários dos meiosde trabalho. Ainda mais, constatei que, em mui-tos casos, em quase todo o trabalho hospitalar,por exemplo, os médicos conseguiram imporessa forma de organizar a atenção aos gestores.O conceito e a organização do trabalho segundoa lógica de corpo clínico, em hospitais públicos eprivados, confirmam essa hipótese.

Além da luta política em defesa da autono-mia, considero que haja duas características dotrabalho em saúde que permitiram a conserva-ção de autonomia relativa para médicos e outrosprofissionais de saúde. A primeira é a complexi-dade do processo saúde, doença e intervenção,fato que ganhou divulgação após a crítica aoparadigma biomédico elaborada pela Saúde Co-letiva e promoção à saúde. Em alguma medida,na prática, não somente ao se lidar com casoscrônicos, mas em muitas outras situações, temse tornado difícil não incorporar o usuário comopessoa, ficando-se tão somente com a doençacomo objeto da clínica (dimensão psicossocial).A segunda característica estrutural que propiciacontexto favorável à essa autonomia relativa dasequipes de saúde é a variabilidade do processosaúde e doença, gerando a relação paradoxal en-tre padronização e singularidade dos casos (noespaço e no tempo).

Cogestão e neoartesanato em saúde:a democracia necessária?

Poderemos considerar, portanto, que haja sin-gularidade dos casos no trabalho em saúde, oque exige improvisação e criatividade em ato: clí-nica da fusão de paradigmas e de protocolos. Aprática em saúde assemelha-se, portanto, mes-mo quando realizada em equipe ou em rede, aotrabalho artesanal, um neoartesanato ainda a serdesenvolvido em sua plenitude. O que depende-rá da construção de modelo de gestão do traba-lho segundo lógica não maquínica ou burocráti-ca. Ao contrário, haveria que se superar o mal-estar histórico entre gestão e a clínica, incômodoque se explica pela tradição (neo)taylorista de

controle sobre a clínica e pela insistência em seretirar o poder de decisão do clínico e da equipe edeslocá-lo para o protocolo, ou para algum ges-tor, ou para um regulador situado ao final deum rede informatizada25, conforme sugerido porvárias escolas de gestão, particularmente peladenominada de managed health care26.

A construção de outra racionalidade gerencialem saúde dependerá de uma reconstrução críticaem vários planos, o da política, da sociabilidade,da gestão e mesmo da epistemologia. Dentro dis-to, esse artigo defende a necessidade de tambémgestar-se outro paradigma para a gestão em saú-de. Um paradigma que reconheça e conviva coma autonomia relativa dos trabalhadores, mas quedesenvolva formas de controle sobre o trabalhosegundo a perspectiva dos usuários e tambémtomando em consideração o saber estruturadosobre saúde. Há vários pesquisadores investigan-do e experimentando reformas no processo deprodução de conhecimentos e no trabalho emsaúde. A construção de um novo paradigma emgestão beneficiou-se bastante com o esforço paraarticular saberes sobre a subjetividade com temasligados ao trabalho em saúde27. Vale também res-saltar o esforço para introduzir a razão e o agircomunicativos habermasianos na gestão e no pla-nejamento28 em saúde. A política do Ministérioda Saúde denominada de Humaniza-SUS, em lar-ga medida, busca trazer para o Brasil esse novomodo de pensar a gestão e o trabalho em saúde29.Insere-se dentro desse movimento, voltado paraa construção de uma nova racionalidade gerenci-al, que valorize a autonomia dos trabalhadores eusuários, a discussão sobre clínica ampliada30 esobre a busca da integralidade e de novas formasde cuidado no trabalho em saúde31.

Parece-me que a incorporação destes novosconceitos depende de reformas organizacionais etambém do processo de trabalho voltadas paraampliar a democracia institucional. É nesse sen-tido que venho sugerindo a adoção de sistema decogestão e de apoio institucional; ou seja, refor-mas que concretizem formas de poder compar-tilhado entre gestor e equipe, entre clínico e equi-pe, entre profissionais e usuários. Há alguns con-ceitos e arranjos organizacionais que possibili-tam – não garantem – a cogestão do trabalhoem saúde. Entre eles, vale destacar o esforço parase combinar graus autonomia dos profissionaiscom definição explícita de responsabilidade sani-tária. Segundo essa perspectiva, o planejamento,a avaliação e, mesmo, eventuais contratos demetas dever-se-ão realizar de modo participati-vo e com apoio institucional.

Page 7: Cogestão e neoartesanato

2343C

iência & Saúde C

oletiva, 15(5):2337-2344, 2010

Ao contrário do que recomenda a racionali-dade gerencial dominante, seria conveniente as-segurar à equipe de referência responsável pelocaso a condução do projeto terapêutico, com aindicação de internação, acesso a exames ou aespecialistas; ou seja, o grosso da “regulação”deveria depender da equipe, reservando-se aos“reguladores” papel de ordenação e de coorde-nação. Dentro dessa lógica, a construção de dire-trizes, protocolos e campos de cuidado obedece-riam a estratégicas dialógicas de busca de con-senso e envolvimento das equipes (agir comuni-cativo e cogestão). O novo modelo de gestão su-gere que usuários e clínicos façam parte da ges-tão em todas suas etapas, ainda que com papeldistinto dos administradores. Assegurar tambémao paciente/usuário a condição de sujeitos comautonomia e poderes relativos: cogestão do pro-jeto terapêutico; almejar-se não somente a pro-dução de saúde, mas também considerar a auto-nomia do usuário como critério de qualidade(antídoto contra medicalização, consumismo edependência).

Há alguns elementos operacionais conheci-dos e que possibilitam tanto a cogestão quanto aampliação da clínica e do trabalho em saúde. Parapossibilitar o neoartesanato no trabalho em saú-de, sem desprezar a tradição dos Sistemas Nacio-nais de Saúde, seria importante armarem-semecanismos que assegurem relação usuário eprofissional diacrônica (horizontal no tempo),estimulando a construção de vínculo e corres-ponsabilidade terapêutica32. A tradição concei-tual dos sistemas nacionais de saúde, sintetizadano Relatório Dawson, recomenda que a defini-ção do encargo (responsabilidade) sanitário paracada serviço ou equipe deverá ocorrer com rela-ção a pessoas e território33.

Há ainda algumas estratégias organizacionaisque permitem atenuar os efeitos destrutivos dafragmentação do trabalho em saúde:

. Profissional de referência: coordenador decaso e responsável pelo projeto terapêutico;

. Equipe de referência (espaço interprofissio-nal): célula do modelo de gestão – deslocamentode parte do poder das corporações para equipes;

. Equipe interdisciplinar de apoio matricial:responsável por atenção à saúde a um conjuntode pessoas e território;

. Integração entre equipe de referência e apoiomatricial: organizar trabalho compartilhado me-diante: (1) atendimento conjunto de casos; (2) aten-dimento pelo especialista e contato com equipe quedefine seguimento complementar; (3) troca de co-nhecimentos e de orientações diálogo sobre proje-tos terapêuticos entre apoio e equipe e (4) busca demecanismos para personalizar a relação entre pro-fissionais de referência e contrarreferência, estimu-lando contato direto entre referência e apoio;

. Unidade de produção: departamentos dosserviços de saúde organizados segundo lógicainterdisciplinar e modo de produção da atençãoà saúde (processo de trabalho, objeto e objetivoscomuns); com essa lógica, se busca saltar do de-partamento corporativo ao departamento temá-tico e interdisciplinar;

. Apoio Paidéia como metodologia para a co-gestão da clínica: coconstruir capacidade de aná-lise/compreensão sobre si mesmo (saúde e do-ença) e sobre relações com o mundo da vida.Ampliar capacidade de intervenção sobre si mes-mo e sobre organizações e contexto. Com esseobjetivo, há alguns elementos metodológicos doapoio Paidéia a ser considerados, tais como com-binar ofertas provenientes do saber sanitário comdemanda/interesse e valores do usuário; buscara construção dialógica de um projeto terapêuti-co ou de intervenção; procurar analisar objetosde investimento e necessidades sociais do sujeitoou do coletivo, sentido e significado para o pro-jeto de atenção. O método de apoio constroi-secom centralidade mediante a reflexão sobre aprática: falar sobre dificuldades da prática, emgeral, tende a produzir uma abertura da resis-tência dos sujeitos e a busca de outras discipli-nas, valores e possibilidades subjetivas34.

Page 8: Cogestão e neoartesanato

2344C

ampo

s GW

S

Mendes-Gonçalvez RB. Medicina e História: Raízessociais do trabalho médico [dissertação]. São Paulo(SP): Departamento de Medicina Preventiva, Fa-culdade de Medicina da Universidade de SãoPaulo; 1979.Campos GWS. Os médicos e a política de saúde. SãoPaulo: Hucitec; 1988.Richard SW, Ruef M, Mendel PJ, Caronna C. Insti-tutional change and health organizations: from pro-fessional dominance to managed care. Chicago: TheUniversity of Chicago Press; 2000.Kongstvedt PR. The managed health care handbook.4th ed. New York: Aspen Publishers; 2001.Campos RTO. O encontro do trabalhador-usuáriona atenção á saúde: uma contribuição da narrativapsicanalítica ao tema. Cien Saude Colet 2005;10(3):573-583.Rivera FJU, Artmann E. Planejamento e gestão emsaúde: flexibilidade metodológica e agir comuni-cativo. Cien Saude Colet 1999; 4(2):355-365Brasil. Ministério da Saúde. Cartilha PNH - GestãoParticipativa e Co-gestão. Brasília: Ministério da Saú-de; 2004.Cunha GT. A clínica ampliada na atenção primária.São Paulo: Hucitec; 2005.Ayres JRCM. Cuidado e reconstrução das práticasde saúde. Interface (Botucatu) 2004; 8(14):73-91.Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre neces-sidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unes-co/Ministério da Saúde; 2002.Dawson B. Informe Dawson sobre el futuro de losservicios médicos y afines – 1920. Washington, D.C.:OPS; 1964.Campos GWS, Domitti AC. Apoio matricial e equi-pe de referência: uma metodologia para gestão dotrabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saude Pu-blica 2007; 23(2):399-407.

Artigo apresentado em 29/04/2010Aprovado em 18/05/2010Versão final apresentada em 31/05/2010

Referências

Campos GWS. Um método para análise e co-gestão.São Paulo: Hucitec; 2000.Coriat B. El taller y El cronómetro: ensayo sobre Eltaylorismo, El fordismo e La producción en masa.Mexico: Siglo Veintiuno Editores; 1992.Taylor F. Princípios da administração científica. SãoPaulo: Atlas; 1960.Motta FCP. Teoria geral da administração. São Pau-lo: Livraria Pioneira Editora; 1987.Vieira MMF, Oliveira LMB. Administração contem-porânea: perspectivas estratégicas. São Paulo: Atlas;1999.Antunes R. As formas de padecimento no trabalho.Saúde soc. 2008; 17(4):7-10.Bottomore T. Dicionário do pensamento marxista.Rio de Janeiro: Jorge Zahar; 2001.Lodi LB. História da administração. São Paulo: Pio-neira; 1976.Locke JB. Ensaio sobre o entendimento humano. Lis-boa: Fundação Calouste Gulbenkian; 1999.Marx K, Engels F. A ideologia alemã: crítica da filoso-fia alemã. São Paulo: Martins Fontes; 1974.Marx K. O Capital: crítica da economia política. Vol.1. São Paulo: Abril Cultural; 1985.Carvalho AI. Da Saúde Pública às políticas saudá-veis: saúde e cidadania na pós-modernidade. CienSaude Colet 1966; 1(1):104-121.Dosse F. História do estruturalismo. Vol. 1 e 2. SãoPaulo: Ensaio; 1993.Heidegger M. Introdução à Filosofia. São Paulo:Martins Fontes; 2008.Foucault M. Nascimento da biopolítica. São Paulo:Martins Fontes; 2008.Aristóteles. Ética a Nicômaco. 2ª ed. Bauru: EDI-PRO; 2007.Chaui M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática; 2009.Campos GWS, Guerrero A. Manual de atenção bási-ca: clínica ampliada e compartilhada. São Paulo:Hucitec; 2009.Schraiber LB. O médico e sua interações: a crise dosvínculos de confiança. São Paulo, Hucitec; 2008.Cecilio LCO. A morte de Ivan Ilitch, Leon Tolstoi:elementos para se pensar as múltiplas dimensões docuidado em saúde. Interface (Botucatu) 2009; 13(1):45-55.Motta FP. Teorias da administração: alcances, limitese perspectivas. São Paulo: FGV; 1990.Donnangelo MCF. Medicina e sociedade. São Paulo:Pioneira; 1975.

1.

2.

3.

4.

5.

6.

7.

8.

9.

10.

11.

12.

13.

14.

15.

16.

17.18.

19.

20.

21.

22.

23.

24.

25.

26.

27.

28.

29.

30.

31.

32.

33.

34.