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COLISÃO DE PRINCÍPIOS NO EXERCÍCIO DO PODER DIRETIVO DO
EMPREGADOR
AUTORA: Karina Oliveira Cardoso Ramos, advogada em Belo Horizonte.
1 INTRODUÇÃO
O estado de subordinação é traço característico do contrato individual de trabalho e,
consequentemente, constitui índice de sua qualificação dentre os demais tipos contratuais
advindos da autonomia privada. Corolário da subordinação jurídica é a materialização da
prestação do serviço contratada pelo empregado mediante a observância de instruções
emanadas do empregador que correspondem ao exercício do poder de direção. O poder
de direção é uma espécie de competência outorgada pelo Direito e não uma força que
deixa mandar, simplesmente. Sua natureza jurídica constitui aquela que o define como um
direito potestativo do empregador, porém, não faz da subordinação do empregado a ele
uma situação de sujeição pessoal.
A Constituição da República de 1988 garante a qualquer indivíduo o direito à privacidade,
à intimidade e ao sigilo de correspondência que, embora não se tratem de direitos
absolutos, limitam a sujeição do empregado ao empregador. O tema desta pesquisa
justifica-se uma vez que o exercício do poder diretivo e fiscalizador do empregador não
podem servir, em nenhum momento, para a produção de resultados inconstitucionais,
lesivos dos direitos fundamentais do trabalhador, nem à sanção do exercício legítimo de
tais direitos por parte daquele. Diante de conflitos que envolvam direitos fundamentais, os
princípios da dignidade humana, da proporcionalidade e da razoabilidade servirão como
meio de conciliação, evitando lesões a garantias previstas.
2 PRINCÍPIOS
Os princípios são o alicerce de todo o ordenamento jurídico. Tratam-se, etimologicamente,
de "lei de caráter geral com papel fundamental no desenvolvimento de uma teoria e da
qual outras podem ser derivadas" (HOUAISS, 2001, p. 2.299 apud BRANCO, 2007, p. 32).
Para validar a Teoria dos Direitos Fundamentais do Homem – considerada por Branco
(2007, p. 31) uma das marcas do atual constitucionalismo – e atender interesses
científicos, a clássica definição de princípio como sendo "começo" ou "origem" já não mais
basta para a ciência jurídica.
Mello (1995, p. 537 apud BRANCO, 2007, p.33) consagra:
“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele,
disposição que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de
critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes
componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.
E completa:
“Deveras, princípios gerais do Direito são vetores normativos subjacentes ao sistema
jurídico-positivo, não porém com um dado externo, mas como uma inerência da
construção em que se corporifica o ordenamento. É que os diversos institutos nele
compreendidos – quando menos considerados em sua complexidade íntegra – revelam,
nas respectivas composturas, a absorção dos valores substanciados nos sobreditos
princípios”.
Os princípios jurídicos, por servirem de base ao Direito, "são tidos como preceitos
fundamentais para a prática do Direito e proteção aos direitos", segundo ensinamento de
Silva (2005, p. 1.095).
Conforme as teorias de Dworkin e de Alexy, o sistema é composto por normas jurídicas,
verdadeiro gênero do qual os princípios e as regras são as espécies, ou seja, as normas
expressam o Direito e se exprimem por regras ou princípios, o que vale dizer que os
princípios têm força normativa, considerados "normas elementares" ou "requisitos
primordiais". "Os princípios jurídicos, em qualquer ângulo em que se ponha o jurista ou
operador do direito, caracterizam-se por possuírem um grau máximo de juridicidade, vale
dizer, uma normatividade potencializada e predominante" (LIMA, 2005).
Os princípios estão, geralmente, implícitos no ordenamento, sendo deduzidos de uma
Regra ou de um complexo de regras. Ao passo que as regras disciplinam abstrata e uma
determinada situação; quando esta se concretiza, a norma tem incidência; quando não
ocorre, não tem incidência.
Essa diferença, entre regras e princípios, é elucidada na lição de Guerra Filho (1997 apud
LIMA, 2005):
“As regras possuem a estrutura lógica que tradicionalmente se atribui às normas do
Direito, com a descrição (ou "tipificação") de um fato, ao que se acrescenta a sua
qualificação prescritiva, amparada em uma sanção (ou na ausência dela, no caso da
qualificação como "fato permitido"). Já os princípios fundamentais, igualmente dotados de
validade positiva e de um modo geral estabelecidos na constituição, não se reportam a um
fato específico, que se possa precisar com facilidade a ocorrência, extraindo a
conseqüência prevista normativamente. Eles devem ser entendidos como indicadores de
uma opção pelo favorecimento de determinado valor, a ser levada em conta na apreciação
jurídica de uma infinidade de fatos e situações possíveis, juntamente com outras tantas
opções dessas, outros princípios igualmente adotados, que em determinado caso concreto
podem se conflitar uns com os outros, quando já não são mesmo, in abstracto,
antinômicos entre si”.
Faria, em tese apresentada à Universidade Federal de Minas Gerais, aponta os critérios
que distinguem os princípios das regras, quais sejam, o da generalidade e o da
ponderação, e destaca:
“Os princípios são "mandamentos de otimização", normas que ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades fático-jurídicas existentes no
caso concreto. Sua realização, enquanto diretriz maior de um sistema jurídico será
necessariamente graduada e ponderada. As regras, em contrapartida, por estarem
fundadas no critério de validade, devem ser cumpridas na exata medida de sua previsão, o
que impossibilita o uso de qualquer graduação ou ponderação em seu cotejo”.
(DELGADO, 2006, p. 61 apud FARIA, 2008, p. 81)
Para muitos juristas, violar um princípio é muito mais grave que infringir uma norma
qualquer. Celso Ribeiro Bastos considera ser "extremamente mais grave a lesão a um
princípio do que o ferimento a uma norma isolada" (LIMA, 1999, p. 12). Para Mello (2003,
p. 817):
A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento
obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia
irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, em
ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.
Cremoneze (2005) acrescenta que o "princípio influencia mais do que a regra específica,
não por uma relação de autoridade, mas, pela natureza semântica que lhe é afeta."
2.1 PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Os princípios podem ser classificados, quanto à abrangência, em gerais e especiais. Para
Vilhena (apud FARIA, 2008, p. 86), princípios gerais do direito configuram "as máximas, os
postulados ou os preceitos mais gerais, desprendidos da experiência histórica jurídica ou
concentrados nos sistemas evolutivos do direito natural e que contêm uma formulação
genérica de conduta ético-jurídica."
Branco (2007, p. 32), considerando como a melhor parte da doutrina, volta-se a Reale,
cujo ensinamento acerca dos princípios gerais do direito é o seguinte:
A nosso ver, princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico,
que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, que para a sua
aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobrem, desse modo,
tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática. Alguns
deles se revestem de tamanha importância que o legislador lhes confere força de lei, com
a estrutura de modelos jurídicos, inclusive no plano constitucional, consoante dispõe a
nossa Constituição sobre os princípios da isonomia (igualdade de todos perante a lei), de
irretroatividade da lei para proteção dos direitos adquiridos, etc.
Os princípios gerais do direito, em sua maioria, são incorporados ao sistema legal, ou seja,
foram transformados em normas positivadas pelo próprio Ordenamento Jurídico, sendo
chamados, na área constitucional, de normas principiológicas.
Para Sant‟Ana Pedra "os princípios gerais de direito não são preceitos de ordem ética,
política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito" e destaca que "os
princípios gerais de direito se reduzem à justiça, mas com ela não se identificam" (TORRE
apud PEDRA, 2003).
Barros (2008, p. 175) os considera como normas fundamentais ou generalíssimas do
sistema jurídico e aponta a definição dada por Flórez-Valdéz, citada por Bastos (2008, p.
172):
Os princípios gerais do Direito são "as idéias fundamentais sobre a organização jurídica de
uma comunidade, emanados da consciência social, que cumprem funções
fundamentadoras, interpretativas e supletivas, a respeito de seu total ordenamento
jurídico". Celso Ribeiro Bastos enumera como princípios gerais do Direito os da justiça, da
igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana, os quais são vistos como
valores (justiça, liberdade, bem-estar geral e paz interior), porque atuam como
metanormas.
A autora ressalta que os princípios não configuram um Direito supraconstitucional; eles
entram para preencher a vaguidade das normas.
2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
Os princípios constitucionais convertem-se em direito positivo, com plena eficácia
normativa, constituindo-se na síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica.
Barroso (1996, p. 141 apud BRANCO, 2008, p. 35) apresenta a definição para Princípios
Constitucionais:
Os princípios constitucionais são normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou
qualificações essenciais da ordem jurídica que os institui [...] É importante assinalar, logo
de início, que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular,
podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-
disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às
situações específicas às quais se dirigem. Já as normas-princípios, ou simplesmente
princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada
dentro do sistema.
Para o autor, os "princípios e regras de proteção à pessoa humana e ao trabalho
constituem parte estrutural da Constituição da República brasileira", haja vista, a dignidade
humana e a valorização do trabalho constituírem centro de valor maior do ordenamento
jurídico, presentes no Preâmbulo e artigo 1º da Magna Carta, que estabelece que a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais
do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político; fundamentos estes que se
apresentam, portanto, como princípios constitucionais.
Importante ressaltar que os direitos fundamentais estão inseridos dentro daquilo que o
Constitucionalismo denomina de princípios constitucionais fundamentais, que são os
princípios que guardam os valores fundamentais da Ordem Jurídica.
Os direitos fundamentais são extremamente necessários para promover a finalidade
máxima de toda ordem jurídica, qual seja, garantir as condições básicas que proporcionam
ao cidadão o desenvolvimento integral da personalidade humana. Para Guerrra Filho
(2005, p. 62), possuem como "núcleo essencial intangível" a dignidade da pessoa humana.
(MURARI, 2008, p. 16)
No dizer de Canotilho (1993, p. 541 apud MORAES, 2006, p. 25), os direitos fundamentais
cumprem:
A função de direitos de defesa de cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem,
num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos,
proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2)
implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos
fundamentais (liberdade positiva e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a
evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Entretanto, os direitos fundamentais atribuem deveres, não somente ao Estado, de
implementá-los e desenvolvê-los independentemente de pretensões individuais. Cabem
também aos particulares sua implementação e seu desenvolvimento, não podendo ser
utilizados como um "verdadeiro escudo protetivo" da prática de atividades ilícitas,
tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou
penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro
Estado de Direito. (MORAES, 2006, p. 27)
Ao presente trabalho, interessam a inviolabilidade à intimidade e à vida privada, o direito
ao sigilo de correspondência e de comunicação e o princípio da dignidade humana.
A inviolabilidade à intimidade e à vida privada, prevista no inciso X do artigo 5º da Carta
Magna, forma a proteção constitucional ao espaço íntimo intransponível por intromissões
ilícitas externas (MELLO, 2004 apud MORAES, 2006, p.47).
Ferreira Filho (1988, p. 35 apud Moraes, 2006, p.47) apresenta os conceitos
constitucionais de intimidade e vida privada, que:
Apresentam grande interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor
amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim,
intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações
familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos
humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.
O princípio da inviolabilidade do sigilo das comunicações encontra-se inserido no
Título II, da Constituição da República, intitulado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais".
Reservou-se tal seção do referido diploma legal para a tutela do particular contra a ação
infundada, ou lesiva, do estado e dos demais membros da coletividade.
É certo de que existem certas manifestações individuais que se destinam a permanecer
inacessíveis ao conhecimento alheio, ou acessíveis a um grupo reduzido de pessoas, a
quem o sujeito permita tal comunicação.
Cada pessoa, ao manter suas relações sociais utilizando-se de instrumentos de
comunicação, tem o direito de ter suas conversas ou informações mantidas no mais
absoluto sigilo, sem que as mesas sejam objeto de divulgação a outras pessoas.
(VERÍSSIMO, p. 2)
Referida proteção constitucional se estende, obviamente, às formas modernas de
comunicação, e especialmente as telegráficas e de dados informatizados, frutos do avanço
tecnológico mundial.
Embora seja sabido que nenhum direito fundamental é absoluto, pois tem que conviver
com os demais, o artigo 5º, inciso XII da Constituição da República de 1988, admite
exceções, cujas importâncias não serão abordadas, pois não pertinentes ao trabalho.
O princípio da dignidade humana norteia o ordenamento jurídico brasileiro como um
todo. Derivada do latim dignitas, a palavra dignidade significa virtude, honra e
consideração. Segundo Murari (2008, p.32), a dignidade é "uma qualidade inerente ao ser
humano, irrenunciável e inalienável, preexistente à construção jurídica".
Para Immanuel Kant, a dignidade reside na autonomia e no direito de autodeterminação da
pessoa. Comparato (2003, p. 20 apud MURARI, 2008, p. 33) conclui:
A dignidade, como qualidade inerente ao ser humano, não se vincula apenas no fato de
ser ele um ser considerado e tratado em si mesmo, como um fim em si e nunca como meio
para a consecução de determinado resultado, mas, também pelo fato de que, por sua
vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de
guiar-se pelas leis que ela própria edita.
Silva (1998, p. 91 apud MURARI, 2008, p. 33) afirma que a dignidade não é uma criação
constitucional, pois ela é um dado preexistente a toda experiência especulativa, como a
própria pessoa. Assim, afirma-se que a noção de dignidade, como qualidade inerente ao
ser humano, preexiste ao Direito. Todavia, sua proteção é fruto da criação jurídica.
(MURARI, 2008, p. 34)
Para Perez-Luño (2003, p. 318), a dignidade possui dupla dimensão: positiva e negativa; e
explica:
A dimensão negativa impede que a pessoa seja objeto de ofensas ou humilhações, ao
passo que a dimensão positiva presume o pleno desenvolvimento de cada pessoa, que
supõe, de um lado, o reconhecimento da total autodisponibilidade, sem interferências ou
impedimentos externos; de outro, a autodeterminação que surge da livre projeção histórica
da razão humana.
Importante observar a importância da abrangência da dignidade no presente trabalho, haja
vista que o contrato de trabalho permite às partes pactuar as condições de prestação do
laboro. Fixadas as regras, o empregado passa a se submeter ao poder de direção do
empregador, o que não significa abrir mão de sua dignidade, vez não se submeter a
qualquer condição – especialmente aquelas que agridam a sua dignidade. O contrato de
trabalho parte de um conteúdo mínimo de respeito à dignidade, de ambas as partes, sem o
qual não poderá ser aceito.
3 O CONTRATO DE TRABALHO
O contrato de trabalho é o gênero do qual faz parte o contrato de emprego, que é espécie.
O artigo 442 da CLT conceitua contrato de trabalho como sendo "o acordo tácito ou
expresso, correspondente à relação de emprego". A doutrina critica esse conceito
argumentando que o contrato não corresponde à relação de emprego, mas cria esta
relação jurídica.
Para Garcia (2009, p.143) "o contrato de trabalho pode ser conceituado como o negócio
jurídico em que o empregado, pessoa natural, presta serviços de forma pessoal,
subordinada e não eventual ao empregador, recebendo, como contraprestação, a
remuneração."
Dentro das normas que regem as relações de emprego, segue o artigo 2° na norma
consolidada que define como "empregador a empresa individual ou coletiva que
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviço." O fato da empresa não ser sujeito de direitos - salvo a empresa
pública - gera muitas críticas, pela doutrina, a esse conceito. Porém, "quando o legislador
considera empregador a empresa, não está subjetivando-a, mas esclarecendo que o
empregado, ao contratar os seus serviços, não o faz com a pessoa física do empregador,
por ser efêmera, acidental, mas com o organismo duradouro que é a empresa" (DONATO,
1992 apud BARROS, 2008, p. 366).
Para Barros (2008, p. 366), empregador é a pessoa física, jurídica ou ente que contrata,
assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços do empregado, assumindo os riscos do
empreendimento econômico.
Delgado (2006, p. 389) aduz que "empregador será a pessoa física, jurídica ou ente
despersonificado titular da empresa ou estabelecimento", e defende que "a eleição do
termo empresa, pela CLT, apenas denuncia, mais uma vez, a forte influência
institucionalista e da teoria da relação de trabalho que se fez presente no contexto
histórico de elaboração desse diploma justrabalhista".
São equiparados a empregadores os profissionais liberais (advogado, médico, engenheiro,
etc.), as associações recreativas ou outras instituições sem fim lucrativo, que admitirem
trabalhadores como empregados.
O artigo 3º do diploma consolidado, empregado é toda pessoa física que presta serviço de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Referido artigo, quando lido em conjunto com o caput do artigo 2º, torna-se mais completo,
pois, encontram-se reunidos os cinco elementos "componentes da figura sociojurídica de
empregado", quais sejam, o trabalho por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade,
não-eventualidade e sob subordinação ao tomador – empregador.
Ressalta-se que há um emprego discriminado do termo trabalhador para designar a figura
do empregado. Na verdade, trabalhador é um gênero de que empregado é uma das
espécies. O modo de concretização da obrigação de fazer é o que distingue o empregado
de outros trabalhadores e não o conteúdo da prestação realizada. É dizer que os
elementos "componentes da figura sociojurídica do empregado", com exceção do
pressuposto pessoa física, referem-se ao modus operandi de realização da prestação
laborativa.
Diz Garcia (2009, p. 219) que "na realidade, empregado é todo trabalhador que presta
serviço ao empregador. Nos pólos da relação jurídica de emprego figuram, juntamente, o
empregado e o empregador.
4 O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR
Na relação de emprego "se manifesta uma das dimensões mais importantes do fenômeno
do poder no mundo contemporâneo". O poder empregatício é um dos mais importantes
efeitos próprios ao contrato de trabalho, podendo ser conceituado como "o conjunto de
prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura
do empregador, para exercício no contexto da relação de emprego", e ainda "o conjunto de
prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da
economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços" (DELGADO, 2006,
p. 629).
Sanseverino (1976 apud DELGADO, 2006, p. 631) define o poder diretivo como sendo o
poder atribuído ao empregador ou seus prepostos "de determinar as regras de caráter
predominantemente técnico-organizativas que o trabalhador deve observar no
cumprimento da obrigação".
Depreende-se, portanto, que o poder diretivo, também denominado de poder organizativo
ou poder de comando, é inerente ao contrato de trabalho, não podendo preexistir a este,
pois assim como a subordinação, sua manifestação ocorre durante o pacto laboral, após a
manifestação de vontade das partes.
Desse modo, a concentração do poder de organização na figura do empregador constitui
um controle jurídico sobre o conjunto da estrutura empresarial, advindo, também, do
princípio da assunção dos riscos do empreendimento que sobre ele recai. O empregador
tem direitos não sobre a pessoa do empregado, mas sobre o modo como sua atividade é
exercida.
Na relação de subordinação e poder de direção, existem dois institutos, verdadeiros
direitos fundamentais, que são o jus variandi e o jus resistentiae, que consistem,
respectivamente, no direito que tem o empregador de dirigir as atividades do empregado
subordinado e, no direito do empregado de resistir ao poder diretivo do empregador frente
a condutas ilegais e abusivas, haja vista não haver sujeição pessoal em relação a este.
Segundo ensinamentos de Barros (2008, p. 579), as ordens emitidas por quem não está
legitimado a fazê-lo, as ordens sobre aspectos alheios à relação de emprego e sem
qualquer repercussão sobre ela, ilícitas ou capazes de lesar direitos à integridade física ou
moral do empregado poderão ser desobedecidas.
O poder de direção manifesta-se por três principais formas: o poder de organização, o
poder de controle e o poder disciplinar sobre o empregado.
O poder de organização, como ensina Viana (1996, p.122 apud FARIA, 2008, p.55), é a
capacidade do empresário de determinar a estrutura técnica e econômica da empresa,
bem como a estratégia tendente à realização dos objetivos desta.
Na definição de Delgado (2007, p. 631) o poder de organização seria:
[...] o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à
organização da estrutura espaço empresariais internos, inclusive o processo de trabalho
adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidianas
no que tange à prestação de serviços.
Murari (2008, p.84) ressalta que é do empregador o direito de estabelecer a função a ser
desempenhada pelo empregado, a jornada de trabalho (obedecidas as normas
trabalhistas), a forma como essa prestação será desenvolvida; de definir qual será a
atividade econômica a ser explorada, sob que forma jurídica, com quantos funcionários, e
outras regras inerentes a essa atividade.
O poder de controle, considerado como um poder fiscalizatório, é o conjunto de faculdades
atribuídas ao empregador com o propósito de fiscalizar o trabalho de seus subordinados,
para verificar sua obediência às ordens dadas.
Delgado (2005 apud FARIA, 2008, p.117) ao relatar a decisão de recurso ordinário,
considera que:
O poder empregatício engloba o fiscalizatório (ou poder de controle), entendido este como
o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação
de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno
(controle de portaria, revistas, circuito interno de televisão e controle de horário/freqüência,
dentre outros). Destaca que há limites, todavia, ao poder fiscalizatório empresarial, sendo
inquestionável que a Carta Constitucional de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias que
agridam a liberdade e a dignidade básicas da pessoa natural do trabalhador, que se
chocam, frontalmente, com os princípios constitucionais tendentes a assegurar um Estado
Democrático de Direito (preâmbulo da CF/88) e outras regras impositivas inseridas na
Constituição, tais como a da "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade" (art. 5º, caput), a de que "ninguém será submetido [...] a
tratamento desumano e degradante" (art. 5º, III) e a regra geral que declara "invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5º, X, CF/88).
A manifestação do poder de controle dá-se de diversas formas, como os controles de
horário, relatórios, controle de qualidade, controle de produção, revistas dos empregados,
fiscalização do uso de correio eletrônico pelos empregados, monitoração do ambiente de
trabalho por equipamentos audiovisuais, entre outras.
O poder disciplinar tem sua fonte imediata na celebração do contrato laboral e sua origem
mediata na vontade da lei, localizado explicitamente no artigo 474 da norma consolidada.
A capacidade concedida ao empregador de aplicar sanções ao empregado infrator dos
deveres a que está sujeito por força de lei, de norma coletiva ou do contrato, consiste no
poder disciplinar (BARROS, 2008, p.603).
Maranhão (2005, p. 127 apud MURARI, 2008, p. 90) salienta que as sanções disciplinares
constituem "os meios de que dispõe o empregador para a imediata tutela de seus direitos,
em caso de violação das obrigações assumidas pelo empregado"; e ressalta que a
imposição de sanções é limitada em razão da matéria e em razão do tempo, pressupondo,
sempre, a culpa do empregado e guardando certa proporção entre a falta e a sanção
aplicada.
As possíveis punições no Direito do trabalho, sem a existência de norma fixando a
obrigatoriedade de escala na sua imposição, são a advertência, que se apresenta como a
mais branda; a suspensão disciplinar do empregado, prevista do artigo 474 da
Consolidação das Normas Trabalhistas; e a dispensa por justa causa, considerada a
punição mais grave que se configura pela prática das faltas consideradas graves pela
norma consolidada.
4.1 PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR E SEUS LIMITES CONSTITUCIONAIS
Como visto anteriormente, a relação de trabalho inicia-se pela manifestação de vontade
das partes, pressupondo o poder do empregador sobre o empregado na prestação dos
seus serviços, de onde se extrai "que o empregado abre mão de uma parte de suas
liberdades ao colocar-se a serviço do empregador, subordinando-se a este e por ele sendo
controlado e fiscalizado" (FARIA, 2008, p.105).
Entretanto, é nos direitos fundamentais que se encontram os limites aos direitos de ambos,
principalmente ao poder de direção da parte empregadora. Assim, o poder de direção
atribuído ao empregador depois de firmado o pacto laboral, encontra limites nas garantias
constitucionalmente reconhecidas a todo ser humano, além daquelas especificamente
reconhecidas aos empregados.
A propósito, Simm (apud FARIA, 2008, p.106) assevera:
Quando a atuação patronal extrapola os limites do razoável, do aceitável, do necessário ao
desenvolvimento das atividades empresariais, entram em ação os direitos fundamentais do
trabalhador como limitação ao poder empresarial e como forma de limitar a perda das
liberdades do empregado, devendo-se buscar a conciliação dos interesses em conflito.
Sarmento (2006, p. 233 apud MURARI, 2008, p. 101) sustenta que a Lei Maior possui as
principais diretrizes e valores para a conformação da vida social no país.
4.1.1 O poder de direção e a colisão de princípios
Antigamente, quando do surgimento do poder de direção do empregador, em que não
havia a intervenção estatal, a relação jurídica trabalhista "era traumática, porquanto os
trabalhadores ficavam submetidos à sua própria sorte e à vontade do empresário, que ao
administrar a empresa, pouco se importava com os direitos fundamentais dos
trabalhadores." (BELSITO, 2006, p. 22 apud RIBEIRO, 2008, p. 92)
Durante o curso da relação empregatícia, ocorre uma implícita autorização voluntária pelo
empregado que gera algumas restrições a seus direitos fundamentais. Essa "pseudo
limitação", como assevera Ribeiro (2008, p. 95) - mesmo não sendo os direitos
fundamentais absolutos -, resulta insubsistente para o ordenamento jurídico, posto que "a
liberdade empresarial por conta da organização produtiva, não deve sobrepor a todo custo
o exercício de um direito fundamental por parte dos trabalhadores." (ROMÁN DE LA
TORRE, 1992, p. 323 apud RIBEIRO, 2008, p. 95)
Inegável, pois, a existência de colisão de princípios no exercício do poder diretivo do
empregador. A problemática da colisão entre o exercício dos direitos fundamentais do
trabalhado e o exercício do poder de direção do empregador, segundo Ribeiro (2008, p.
91), não é tratada em nenhuma legislação, nacional ou estrangeira, restando sempre a
última palavra aos Tribunais Superiores ou Constitucionais de cada país para os casos
concretos que desembocam no Judiciário.
Diferentemente das regras, que não podem existir juntas quando estão contraditórias, dois
princípios contraditórios podem coexistir, sem se invalidarem.
Branco (2007, P. 84) apresenta como uma das soluções teóricas que pode ser aplicada
diante de um caso de colisão de princípios, a sistematização construída por Dworkin -
crítico do juspositivismo, para o qual o texto de lei é fonte preemente do Direito -, cujo
compromisso era o de não afastar o direito da realidade experienciada pela sociedade
civil. O jusfilósofo norte-americano propugna que a normatividade seja pautada nos
princípios, o que leva a inferir uma compreensão de que os princípios jurídicos alcançam
natureza de normas [...], providos nos sistemas jurídicos do mais alto peso, por
constituírem a norma de eficácia suprema.
Partindo da premissa de que, ao se relacionarem, os princípios podem se tornar
incompatíveis entre si, Alexy (2001.p. 77 apud Köhn, 2006), inspirado em Dworkin, ensina
que, enquanto o conflito de regras só admite a declaração de invalidez de uma das regras
ou a inclusão de uma cláusula de exceção que elimina o conflito, a colisão de princípios
não traz consigo uma invalidação de um dos dois princípios nem a inclusão de uma
cláusula de exceção. Este conflito se resolve pela ponderação dos princípios no caso
concreto. Ou seja, no caso concreto será ponderado a qual princípio deve ser atribuído
maior peso, ou seja, na análise da precedência, as conseqüências fáticas e jurídicas que a
aplicação de cada princípio acarretará no caso em exame, devem ser verificadas. Para
tanto, Alexy (2001, p. 92 apud BRANCO, 2007, p.90) apresenta como ferramenta analítica
o Critério da Proporcionalidade que se compõe de três fases distintas:
1) adequação: ao analisar as possibilidades fáticas que envolvem dada colisão, não deve
haver desvio da real finalidade de cada um dos princípios em exame.
2) necessidade: em seguida, propõe que se indague se o meio escolhido era o único
possível e existente para que fosse solucionado o problema, bem como se o meio
empregado foi mais benéfico e menos restritivo ao indivíduo;
3) proporcionalidade: por fim, em permanecendo a colisão, ela há de ser resolvida através
de duas "leis de ponderação", sendo que:
3.1) a 1ª lei de ponderação é atinente à relação "custo-benefício" entre a escolha por um
princípio em detrimento do outro e as conseqüências jurídicas que tal resolução irá
acarretar, diagnosticando-se qual é a mais razoavelmente importante para o caso
concreto.
3.2) a 2ª lei de ponderação é baseada na análise da dimensão de intervenção num Direito
Fundamental que, quanto maior for, maior também deverão ser os fundamentos que
justificam a adoção de dada medida para a resolução da Colisão.
Salienta o jurista, acerca da predominância de hierarquia entre qualquer um dos princípios
constitucionais, que não há nenhuma precedência entre eles, o que vale dizer que nem
mesmo o princípio constitucional fundamental da dignidade da pessoa humana não teria,
em hipótese alguma, precedência absoluta sobre qualquer outro princípio e que, mesmo
sendo "reconhecida a função normativa própria dos princípios e a possibilidade de
prevalência destes sobre as regras legais, esta possibilidade é relativa, sob pena de criar-
se total insegurança na ordem jurídica e meio social regulado." (FARIA, 2008, p. 107)
Barros (2008, p. 176) sugere que, para se estabelecer a conciliação entre princípios,
necessária é a invocação do princípio da proporcionalidade deduzido do artigo 5º, § 2º da
Carta Magna.
Referido princípio também é apontado por Delgado (2004, p. 55) dentre outros
instrumentos utilizados para a ponderação dos valores em conflito:
Na zona de tensão entre princípios e prerrogativas aparentemente conflitantes, as
diretrizes jurídicas cardeais da proporcionalidade, da razoabilidade, do não-abuso do
direito, todas, em conjunto, devem iluminar o intérprete conclusivo do Direito no tocante ao
correto enquadramento jurídico da situação enfrentada. É que não há princípio, nem direito
absoluto na ordem jurídica; embora possa haver até mesmo uma certa prevalência e
gradação entre eles, isto não significa que, regra geral, não devam todos ser exercidos na
justa proporção. Em conseqüência, não podem ser tidos como absolutos nem o princípio
protetor da privacidade e intimidade do empregado, nem as prerrogativas empresariais de
direção, fiscalização e punição.
O princípio da proporcionalidade originou-se e se desenvolveu a partir da evolução dos
direitos e garantias individuais da pessoa humana, verificada a partir do surgimento do
Estado de Direito na Europa. Aziz (2001, p. 65 apud PESSOA, 2004) afirma que a doutrina
e a jurisprudência do Tribunal Constitucional no pós-2ª Guerra Mundial foram responsáveis
pelo reconhecimento de referido princípio como princípio constitucional, "constituindo
marco de referência decisão proferida em 1971 sobre armazenagem de petróleo, em que o
Tribunal Constitucional Alemão conceituou nos seguintes termos o princípio":
O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o
objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o
resultado desejado; é necessário, quando o legislador não poderia ter escolhido um outro
meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o
direito fundamental.
No Brasil, a supremacia da Constituição Federal constitui o ponto de partida para a
compreensão do princípio da proporcionalidade, mesmo não havendo uma referência
explícita no texto da nova Carta, afirmativa esta corroborada pelos ensinamentos de
Cunha (2000, p. 51 apud PESSOA, 2004):
O conteúdo jurídico-material do princípio da proporcionalidade decorre inelutavelmente do
reconhecimento da supremacia hierárquico-normativa da Constituição. A
proporcionalidade, como princípio jurídico implícito do Estado de Direito, é uma garantia
fundamental para a concretização ótima dos valores consagrados na Constituição. A
proporcionalidade é princípio que concretiza o postulado segundo o qual o Direito não se
esgota na lei (ato estatal que deve representar a síntese da vontade geral).
Barros (2008, p. 178) ressalta que o princípio da proporcionalidade "[...] tem sua base na
justiça, e visa à conciliação de bens jurídicos protegidos pela Constituição [...]". Por estar
ligado à proteção dos direitos das pessoas é plenamente aplicável no âmbito da empresa,
onde
[...] atua como garantia do limite aos direitos fundamentais e como „medidor‟ do exercício
desses direitos. [...] atua como critério limitativo dos poderes diretivo e disciplinar do
empregador e também como um meio de correção aplicável a todas as hipóteses de
desequilíbrio contratual, visando à garantia dos bens jurídicos e valores que se encontram
na empresa.
A autora ainda destaca que o princípio em comento, não obstante as vantagens
propiciadas por sua aplicação, tem sido objeto de críticas. Citando Cappelletti (1993, p.
73), a autora afirma que, "ao se atribuir o controle sobre a razoabilidade de uma lei ao Juiz,
essa atividade poderia igualar a função jurisdicional à função legislativa."
Faria, citando Meireles (2004, p. 62), ressalta o uso da técnica da ponderação frente às
situações em que os princípios constitucionais entram em choque, como o direito de
propriedade do empregador versus direito à intimidade do empregado, e completa:
O aplicador do direito, adotando o critério da proporcionalidade, deve buscar um ponto de
equilíbrio, tendo como norte o princípio da dignidade humana. Neste sentido, destaca o
entendimento de Daniel Sarmento de que [...] a ponderação de interesses deve conduzir a
resultados que promovam os valores humanísticos superiores, subjacentes à ordem
constitucional, os quais são sintetizados no princípio da dignidade da pessoa humana [...].
Ensina Correia (2007, p. 115) que é de suma importância a aplicação do postulado da
razoabilidade e o da proporcionalidade no campo dos Direitos Sociais, no qual se insere o
Direito do Trabalho. Para o autor, a razoabilidade é "[...] a consubstanciação de uma
fórmula de lógica formal, assim reduzida: diante de diversos meios, utiliza-se aquele que
possa melhor atingir a finalidade da norma, com menor desgaste a outros meios possíveis
de serem utilizados" e destaca que a razoabilidade, ao lado dos princípios constitucionais,
deve pautar a interpretação evolutiva do operador do direito, no sentido de permitir a "[...]
reinvenção do direito para os fatos cotidianos [...]", ou seja, a adequação do direito aos
movimentos da sociedade. (FARIA, 2008, p. 109)
O ponto de equilíbrio para a aplicação dos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, segundo Murari (2008, p. 101), é o princípio da dignidade humana,
devendo atuar como verdadeiro instrumento a balizar a aplicação daqueles. Para o autor
O princípio da dignidade da pessoa humana é o feixe iluminador dos direitos
fundamentais, configurando verdadeiro alicerce destes. [...] se o princípio da dignidade
possui eficácia jurídico-constitucional, então todas as pessoas, os órgãos privados e
públicos estão subordinados aos seus ditames, impondo-se um dever de respeito e
proteção, que se exprime tanto na obrigação de abstinência por parte do Estado, de
ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade pessoal, quanto no
dever de protegê-la contra agressões alheias, tanto do Poder Público, como de
particulares.
O trecho destacado a seguir, de autoria de Correia (2007, p. 123), confirma que a
dignidade humana tem status de valor fundamental na ordem jurídica brasileira,
funcionando mesmo como a razão do Direito, visto que a solução somente será
considerada razoável se elaborada sob a perspectiva dessa proposição fundamental.
(FARIA, 2008, p. 110).
Em conflito de princípios, a dignidade/liberdade material/igualdade material será o
elemento balizador da razoabilidade – já que o direito busca a igualdade/liberdade, que,
em última instância, se confundem com a própria idéia de dignidade da pessoa humana
[...]. Para compreender e criar um conceito de dignidade da pessoa humana é
indispensável que esta esteja livre para ser igual. É necessário, diz o professor Dalmo de
Abreu Dallari, citando Pico Della Mirândola, que o homem seja "faber sui" – construtor de
si mesmo. Para que o homem possa inventar a si mesmo, é necessário que tenha
liberdade para fazê-lo em plenas condições de igualdade com os demais. Logo, qualquer
conflito de princípios, para que se inclua em uma solução razoável, deve ser analisado a
partir destas premissas. Os princípios conflitam entre si, mas nunca com a dignidade da
pessoa humana diretamente – já que esta baliza a solução razoável.
Portanto, verifica-se que na aplicação dos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade a fim de dirimir os conflitos entre princípios existentes na relação de
emprego, o objetivo máxime é a preservação da dignidade humana.
4.1.2 Situações que ocorrem no âmbito da relação de emprego
Para melhor elucidar o tema proposto, necessária a análise de algumas situações que
ocorrem no âmbito da relação de emprego, no que concerne ao exercício do poder diretivo
do empregador.
4.1.2.1 A revista como função de controle
Hodiernamente, discute-se a legalidade ou não das revistas como função de controle, vez
que cabe ao aplicador do direito interpretar os princípios constitucionais, sua amplitude,
seus limites e sua adequação ao caso concreto.
A partir de meados da década de 1990, foram editadas no Brasil leis municipais proibindo
a revista íntima. Assim é a Lei n. 7.451, publicada pela Câmara Municipal de Belo
Horizonte, em 27 de fevereiro de 1998 que dispõe em seu artigo 1º que "ficam os
estabelecimentos comerciais, industriais e de prestações de serviços, com sede ou filiais
no Município, proibidos da prática de revista íntima nos empregados". Atualmente, em
âmbito nacional, aplica-se a previsão do artigo 373-A, da CLT, que permite implicitamente
a revista, uma vez que veda apenas a íntima. (FARIA, 2008, p. 113)
A utilização das revistas como método de fiscalização do empregador é permitida quando
prevista em regimento interno da empresa, porém, deverão existir circunstâncias concretas
que as justifiquem. Destaca-se que quando houver outros meios na empresa para
fiscalização de empregados juntamente com o procedimento de revistas, haverá abuso do
poder diretivo:
EMENTA: DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. CONSTRANGIMENTO CONFIGURADO. As
revistas íntimas procedidas no local de trabalho acarretavam constrangimento e não
observavam os limites da razoabilidade, como se infere da prova dos autos. A existência
de câmeras de TV, monitorando o local de trabalho, torna claro o abuso do poder
diretivo do empregador no procedimento adotado, submetendo os empregados à situação
vexatória em desrespeito à sua dignidade. (TRT, 2ª Região, 7ª Turma, RO-00451-2008-
001-03-00-2, Rel. Luiz Ronan Neves Koury, MG, 06/02/2009).(grifos feitos)
A revista se estende também aos pertences dos empregados, como bolsas, carteiras,
veículo, papéis, fichários, armários, escrivaninhas e outros. A 8ª Turma do Tribunal
Regional da 3ª Região julgou, recentemente, em sede de recurso, a possibilidade de
revistas em pertences dos empregados:
EMENTA: DANO MORAL – REVISTA DE BOLSAS. A revista aos pertences dos
empregados, de per si, não é o bastante para caracterizar violação à intimidade e à
honra, principalmente quando se exerce a mercancia de bens suscetíveis de ocultação e
subtração à revelia do empregador. Na realidade, trata-se de faculdade deste o controle e
a fiscalização, inseridas em seu poder diretivo, não configurando prática excessiva a
revista de bolsas, sem qualquer contato físico ou exposição obreira a situações
constrangedoras, sendo passível de ser suportada pelo senso comum. (TRT, 3ª
Região, 8ªTurma, RO-00646-2008-025-03-00-2, Rel. Cleube de Freitas Pereira, MG,
09/03/2009).
No entendimento de Barros (1997, p. 78 apud FARIA, 2008, p. 114), a revista em objetos
do empregado somente poderá ocorrer:
[...] em circunstâncias excepcionais [...], sendo recomendável que [...] se verifiquem,
geralmente, na saída do trabalho, através de critério objetivo, não seletivo (sorteio,
numeração, etc.), mediante certas garantias, como a presença de um representante dos
empregados, ou, na ausência deste, de um colega de trabalho para impedir abusos.
Referindo-se à revista que pressupõe inspeção direta sobre o corpo do empregado, assim
reconhece a autora (2008, p. 585):
Considera-se atentatória à intimidade a inspeção que exige que o indivíduo se desnude
completamente, ainda que perante pessoas do mesmo sexo, e se submeta a exame
minucioso, detalhado, prolongado ou em presença de outros. A revista nessas condições
encontra limite no respeito à dignidade da pessoa humana [...] Concluímos, portanto, pela
impossibilidade de revista que implique sejam os empregados desnudados,
independentemente de ser respeitosa a vistoria.
A conduta do empregador que impõe revista íntima fora dos limites da legalidade, assim
considerada por exigir que o empregado tire suas vestes para provar que não está
furtando, certamente excede o poder diretivo que lhe é peculiar, de modo a afrontar os
limites da dignidade do homem e caracterizar procedimento vexatório e humilhante que
impõe a correspondente indenização por danos morais.
Simm (2005 apud FARIA, 2008, p. 113) se manifesta a respeito da realização de revistas
íntimas realizadas pelo empregador ou seus prepostos nos empregados ou em volumes
que a eles pertençam, considerando que mesmo se inexistisse norma legal específica para
a hipótese, as regras e os princípios constitucionais bastam para o resguardo dos direitos
do trabalhador.
4.1.2.2 Vigilância mediante utilização de equipamentos audiovisuais
A utilização de equipamentos audiovisuais é fruto do avanço tecnológico, constituindo-se
em uma ferramenta que auxilia os empresários no exercício do poder diretivo, monitorando
o comportamento e desempenho do empregado durante a execução dos serviços. É o
mesmo que dizer que o monitoramento através desses equipamentos no ambiente de
trabalho visa à otimização do processo produtivo e ao controle comportamental dos
empregados, servindo também de instrumento probatório na avaliação de sua conduta.
Antes mesmo das técnicas audiovisuais, o tacógrafo era instalado no motor dos veículos
como meio de controle em relação ao transporte, com o intuito de registrar velocidade,
tempo de gasto, paradas realizadas pelo motorista durante o percurso nas viagens de ida
e retorno, dentre outras coisas.
Foucault (1998, p. 148, apud RIBEIRO, 2008, p.62) considera que os dispositivos
audiovisuais são intensificadores para qualquer aparelho de poder: assegura sua
economia (em material, pessoal e tempo); assegura sua eficácia por seu caráter
preventivo, funcionamento contínuo e mecanismos automáticos, sendo uma maneira de
criar relações de poder numa função e uma função para as relações de poder.
A legislação brasileira não proíbe o uso de aparelhos audiovisuais para monitorar o
ambiente de trabalho. No entanto, os trabalhadores ou seus representantes legais devem
ser comunicados previamente.
O Código Penal, por meio da Lei 10.803 de 11 de dezembro de 2003, inseriu em seu artigo
149 o § 1º, que regulamenta os crimes contra a liberdade individual:
Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos
forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho,
quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto: [...] II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou
se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho. (grifos feitos)
Simm (2005 apud FARIA, 2008, p.115), quanto à vigilância no ambiente de trabalho
mediante utilização desses recursos, considera:
Novos sistemas de vigilância e controle estão sendo introduzidos nas
empresas, como câmeras fotográficas e de vídeo, gravadores e aparelhos
de escuta, por meio dos quais o empregador passa a ter um controle total
sobre os atos, gestos e palavras dos trabalhadores. Ocorre aí, então, um
conflito entre o poder de organização e controle do empregador e a
privacidade e intimidade do empregado. Mas, se é certo, de um lado, que
a lei não proíbe a colocação de câmeras ou outros dispositivos de
vigilância no local de trabalho, é certo, também, que esse controle está
sujeito a determinados limites, ditados especialmente pelo respeito à
dignidade da pessoa do trabalhador e à sua intimidade, que são direitos
fundamentais inarredáveis.
Como qualquer outro meio considerado atentatório à intimidade da pessoa do empregado,
o monitoramento através da instalação de câmeras no ambiente de trabalho não pode ser
aplicado indistintamente. Um aspecto a ser considerado refere-se ao local onde serão
instaladas as câmeras, pois, mesmo no estabelecimento empresarial, é possível identificar
locais em que deve prevalecer o direito à privacidade dos empregados. Não poderá haver
monitoração em refeitórios, cantinas, salas de café, banheiros, ambientes de repouso e
aos destinados aos serviços médicos ou de medicina do trabalho. A jurisprudência é clara
ao traçar limites, que são impostos pelo respeito à dignidade da pessoa do trabalhador e à
sua intimidade:
EMENTA: PODER DE DIREÇÃO. USO DE APARELHOS AUDIOVISUAIS EM
SANITÁRIOS. INVASÃO DA INTIMIDADE DO EMPREGADO. A instalação de câmera de
vídeo ou de filmagem constitui uma medida ajustada ao princípio da proporcionalidade
(GOÑI SEIN, José Luis. La videovigilancia empresarial y la protección de datos
personales. Thompson/Civitas, 2007, p. 30, 31, 37, 50 e 54) considerando que a instalação
em local onde o empregado executa suas atividades é medida justificada, equilibrada e
imprescindível. Esse princípio não é o único limite que existe nas instalações de câmeras
de vídeo. O poder de fiscalização do empregador é limitado ao uso dos banheiros
como proteção à intimidade do empregado. Entretanto, poderá ser admissível,
excepcionalmente, quando o empregado viola suas obrigações, passando no banheiro
um tempo claramente desnecessário para fumar, ler ou realizar outras atividades. Alguns
autores sustentam que o âmbito de espaços reservados ao uso privativo dos empregados
(serviços higiênicos, vestuários e zonas de descanso) é preservado, permitindo-se a
colocação de câmara de vídeo, excepcionalmente, até a porta dos lavabos, mas
localizados em lugares públicos insuscetíveis de visualização dos setores privados
reservados aos empregados. O empregador que deixa de observar tais critérios e instala
câmera de vídeo em vestiário utilizado pelos empregados provoca dano moral
resultante da afronta à intimidade desses trabalhadores, direito assegurado por
preceito constitucional (art. 5º, X) e conceituado como a faculdade concedida às pessoas
de se verem protegidas "contra o sentido dos outros, principalmente dos olhos e dos
ouvidos". A vigilância eletrônica poderá ter um futuro promissor, desde que usada de forma
humana, combatendo-se os abusos na sua utilização. Instalação de aparelho audiovisual
no banheiro caracteriza o que a OIT denomina "química da intrusão", comportamento
repudiado pelo ordenamento jurídico nacional e internacional. (TRT, 3ª Região, 7ª Turma,
RO-01024-2008-024-03-00-5, Rel. Alice Monteiro de Barros, MG, 23/06/2009).(grifos
feitos)
Em entendimento do Superior Tribunal do Trabalho, os interesses do empregador, seu
patrimônio, também devem ser preservados. Evidente aqui, a necessidade da aplicação do
princípio da razoabilidade no exercício do poder diretivo:
Constata-se que as câmeras de vídeo que instalou em suas dependências (fotografias de
fls. 65/70) não estão posicionadas em locais efetivamente reservados à intimidade dos
empregados como banheiros, cantinas, refeitórios ou salas de café, nos quais, aí sim,
seria inadmissível a prática de fiscalização eletrônica por parte do empregador, sob pena
de violação aos referidos direitos fundamentais de seus empregados. Pelo contrário, foram
postas em locais onde notoriamente é mais provável a ação de criminosos, como a
portaria, a tesouraria ou o estacionamento da instituição de ensino. Além do mais, os
documentos de fls. 60/64 comprovam que os obreiros têm ciência da instalação do
equipamento audiovisual, de modo que as filmagens não são feitas de modo sorrateiro,
evitando, assim, que haja gravação de eventual situação inocente, porém constrangedora
aos empregados. (fls. 119) (TST, AIRR nº 1830/2003-011-05-40. Rel: Min. Maria Cristina
Irigoyen Peduzzi).
A 4ª Turma de referido Tribunal repudia o uso das chamadas "câmeras psicológicas", que
são aquelas "desligadas ou falsas, utilizadas apenas para provocar os efeitos que uma
normal (ligada) causaria nos empregados [...]. Constituem, na verdade, um artifício
ardiloso e covarde que deve agravar o quantum indenizatório" (JÚNIOR SILVA, p.4):
Se eventualmente eram „falsas‟ tais câmeras (o que não foi provado), o caso se agravaria,
a meu ver, porque constituiria um procedimento ardiloso e covarde [...] „as câmeras nos
banheiros não eram acionadas, sendo apenas câmeras „psicológicas‟; que câmeras
psicológicas representam apenas o efeito de que as pessoas estariam sendo observadas‟
fl. 334). [...] (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR nº 78/2004-103-03-40.1. 4ª T.
Relator: Juiz convocado Luiz Antonio Lazarim. 11 nov. 2005).
Possível, portanto, o monitoramento de empregados através do uso de câmeras, desde
que observados os locais reservados a sua intimidade e que seja feita prévia comunicação
do meio empregado ao trabalhador.
4.1.2.3 Monitoramento do correio eletrônico do empregado pelo empregador em
ambiente de trabalho
Com o desenvolvimento da informática advindo das mudanças tecnológicas atuais, os
meios de comunicação tiveram grandes evoluções e a legislação vem acompanhando
estas mudanças por meio dos entendimentos dos tribunais, ou seja, as jurisprudências.
Inquestionáveis os benefícios gerados por essa tecnologia que, além de permitir maior
agilidade, redução de custos, maior capacidade de armazenamento, maior penetração em
mercados consumidores e outros, gerou uma explosão de informações que reforçam o
controle do empregador sobre o empregado.
O inciso XII do artigo 5º da Constituição da República prevê ser "inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual". Trata-se de
garantia constitucional a fim de proteger a esfera íntima do indivíduo, mais
especificamente a liberdade de comunicação e sua reserva.
Celso Ribeiro Bastos (1989, p. 71 apud Simões, 2002) firma seu entendimento acerca do
inciso constitucional:
Dizer que a correspondência assim como as comunicações telegráficas, de dados e
telefônicas são invioláveis significa que a ninguém é lícito romper o seu sigilo, isto é;
penetrar-lhe o conteúdo. Significa ainda mais: implica, por parte daqueles que em função
do seu trabalho tenham de travar contato com o conteúdo da mensagem, um dever de
sigilo profissional. Tudo se passa, portanto, como se a matéria transmitida devesse ficar
absolutamente reservada àquele que a emite ou àquele que a recebe.
É possível alegar que o e-mail é abrangido pela inviolabilidade de comunicação prevista no
referido artigo. Entretanto, esse não é o entendimento de Murari (2008, p. 121) que
preconiza que "as correspondências eletrônicas utilizadas pelos empregados durante o
trabalho não se assemelham às correspondências tradicionais, essas sim, protegidas pelo
artigo 5º, XII, da CR/88", e ressalta:
Ao defendermos a diferença entre o correio eletrônico e a correspondência tradicional nas
relações de trabalho, entendemos que a proteção constitucional a ser observada não é a
mesma, pois naquele somente deve ser deferida a proteção da privacidade e intimidade
(art. 5º, X, da CF/88) e nesta, além da proteção da privacidade e intimidade, também se
aplica a proteção da inviolabilidade do sigilo da correspondência (art. 5º, XII, da CF/88).
(2008, p. 123)
Uma distinção faz-se necessária para a aplicação do texto constitucional, qual seja, se o
correio eletrônico utilizado pelo empregado consiste em um e-mail corporativo ou um e-
mail pessoal.
O e-mail pessoal é aquele utilizado pela pessoa fora da condição de empregado, de livre e
espontânea vontade. O usuário possui a liberdade de contratar o serviço - oneroso ou
gratuito – fornecendo dados pessoais e criando seu nome de usuário da forma que lhe
aprouver. Seu uso é livre, servindo para manter contato com quem desejar. O e-mail
pessoal está abrangido pela proteção da privacidade e da intimidade, em todos os
aspectos, inclusive nas hipóteses em que é acessado pelo empregado, para enviar ou
receber mensagens, através de equipamento e provedor do empregador. Entretanto, este
pode restringir ou proibir o acesso de e-mail pessoal dentro da empresa, por meio de
regulamento ou via contratação dessa condição com o próprio empregado. A faculdade de
restringir o acesso em comento durante a realização do trabalho corresponde ao exercício
do poder de organização emanado do poder diretivo do empregador, não havendo
qualquer violação à liberdade do empregado, pois, neste caso, prevalece a autonomia do
empregador na defesa de sua propriedade.
Já o e-mail corporativo é aquele cedido aos funcionários pelo empregador, juntamente
com equipamentos de informática, em virtude das necessidades da atividade laborativa e
da confiança depositada no empregado. É criado pelas empresas em seus servidores,
sendo possível determinar o "nome de usuário" que será utilizado pelo empregado.
Geralmente, o nome da empresa ou o nome do departamento ou setor ao qual serve o
empregado é parte da correspondência eletrônica –
nomedofuncioná[email protected] ou, v.g., financeiro@domínio da empresa.
Com isso, toda a estrutura do e-mail corporativo pertence ao empregador, que a
disponibiliza ao empregado como ferramenta para a prestação do trabalho. Ocorrendo o
fim da relação de trabalho a empresa apagará o e-mail de seu servidor e
consequentemente o mesmo deixará de existir - isso evidencia que sua utilização se
destina exclusivamente ao labor.
Alguns doutrinadores defendem que o fato do empregador fornecer uma senha de acesso
ao e-mail corporativo, serve como garantia da inviolabilidade do correio eletrônico.
Entretanto, corrente majoritária preconiza que a senha é simples acessório ao sistema
principal, necessário para a utilização desta ferramenta, representando, até mesmo, uma
proteção ao empregador contra acessos que lhe causem prejuízos.
A alegação de que o monitoramento do e-mail utilizado para o trabalho representa
ingerência na intimidade ou na vida privada do empregado não pode prosperar. Desse
modo, compreende Araújo (2002, p. 117 apud MURARI, 2008, p. 124) que expõe que o e-
mail profissional fornecido ao empregado "não é correspondência, no sentido
constitucional previsto no art. 5º, XII, da CF/88 e, portanto, escapa desta proteção
constitucional", não havendo "dúvida de que o e-mail do empregado, utilizado em
computador da empresa, com domínio da empresa pode ser controlado pelo empregador".
Como bem assinala o douto Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, João Oreste
Dalazen: "o e-mail corporativo é como se fosse uma correspondência em papel timbrado
da empresa."
Murari (2008, p. 125) cita em sua obra outro argumento cabível para sustentar a
possibilidade de controle do "e-mail corporativo":
O fato de o empregador ser responsável pelos atos dos seus empregados que causem
prejuízos a terceiros. Como é o empregador quem assume os riscos da atividade
econômica (art. 2º, caput da CLT), sendo o detentor do poder de direção, responde nas
hipóteses de culpa in vigilando e in eligendo, pelos atos dos seus empregados.
A responsabilidade objetiva do empregador é suscitada pela Súmula n. 314 do STF que
assim dispõe: "é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do
empregado ou preposto."
O controle sobre o e-mail corporativo pelo empregador deve seguir critérios que procuram
equilibrar seu poder de controle com os direitos fundamentais do empregado, de modo a
assegurar os ditames da dignidade da pessoa humana. O empregado deve ter
conhecimento prévio de que o e-mail será monitorado e que o uso da Internet será restrito
a fins profissionais.
5 CONCLUSÃO
A Carta Magna prevê, de maneira não taxativa, em seu artigo 5º, a cadeia principiológica
que conforma os direitos e garantias fundamentais. Erigidos à cláusula pétrea, segundo o
artigo 60, § 4º, inciso IV, estes princípios dão sustentação ao ordenamento jurídico em
nosso Estado Democrático de Direito.
O poder de direção do empregador, originado do contrato de trabalho, advindo da
autonomia privada, não pode ser exercido sem limites frente aos direitos fundamentais do
empregado.
Hodiernamente, utilizam-se mecanismos de monitoramento do trabalhador no âmbito
trabalhista que configuram, à primeira vista, afronta aos direitos à intimidade, à privacidade
e ao princípio da dignidade humana. Entretanto, os tribunais já se manifestam a favor da
utilização desses meios de monitoramento e controle, desde que observados os limites
impostos pelos direitos fundamentais.
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a fim de se preservar a dignidade
humana, têm sido os balizadores na colisão de princípios oriunda das relações
trabalhistas. Com a aplicação de referidos princípios aos casos concretos, torna-se
possível estabelecer a prevalência de determinados interesses e traçar, através disso,
parâmetros para o exercício do poder de fiscalização do empregador, a fim de que não
haja cerceamento à liberdade e à dignidade do trabalhador.