189
Comentários À Legislação Aplicável Às Pessoas Portadoras de Deficiência SUMÁ!" !#a$el Maria Madeira de Lo%reiro Maior& 'Prefácio' ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( )!! Maria Pa%la *eperino& 'Apresentação' ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (!+ egina ,%aresma& 'Comentários - Legislação Constit%cional Aplicável -s Pessoas Portadoras de Deficiência' ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (.  /agi$ Slai$i 0il1o&  '" Direito Civil e as Pessoas Portadoras de Deficiência' ( ( ( 23( Diogo de 0ig%eiredo Moreira /eto& 'Aspectos Admi nistrativos da Proteção e !ntegração das Pessoas Portadoras de Deficiência' ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (4. 5orge 0ran6lin A lves 0elipe& 'Direito Previdenciário' ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( .78 ArionSa9ãoomita& 'Di rei to do *ra$al1o e a Pesso a Por tad ora de Deficiência' ( ( .38 Sac1a Calmon& 'Comentários - Legislação *ri$%tária Aplic ável -s Pessoas Porta do ras de Deficiên ci a' ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( .:. 5oão Mestieri& 'Aspecto Penal da Lei n; 8(<=3><4'( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (274 P?0ÁC!" Ao introd%#ir o livro Comentários - Legislação 0ederal Aplicável -s Pessoas Portadoras de Deficiência@ deseo ressaltar a importBncia desta o$ra %e faltava na literat%ra especiali#ada $rasileira@ visto %e a análise escrita e o comentário apropriado@ feito por %em entende mais@ serão sempre os instr%mentos imp%lsionadores das m%danças socioc%lt%rais( A%eles %e participam do movimento social das pessoas portadoras de deficiência con1ecem as con%istas coletivas do gr%po@ o$tidas atravs de várias dcadas@ de idas e vindas e de momentos de aceleração& nos anos E7 e =7@ %ando profissionais e pais emp%n1aram $andeiras para gerar iniciativas na saFde@ rea$ilitação@ ed%cação especial@ tra$al1o protegido e as $ases de açGes assistenciaisH nos anos 87@ %ando as pessoas portadoras de deficiências despontaram como atores sociais emergentes e iniciaram %ma nova onda progressista de con%istas de direitos@ e%iparação de oport%nidades e a%tonomia( Assim@ o A no !nternacional das Pessoas com Deficiência@ comemorado em .4<. foi o res%ltado das l%tas anteriores e servi% de apoio para novas a%isiçGes( " processo 1istIrico tem avançado no sentido da $%sca de ig%aldade e de eJidade nas polKticas pF$licas gerais e especKficas para o segmento de  pessoas portadoras de deficiênci a( Com a Constit%ição da epF$lica de .4<< 1o%ve a consagração dos direitos

Comentário à Legislação Federal Aplicada Às Pessoas Portador

Embed Size (px)

Citation preview

Comentrios Legislao Aplicvel s Pessoas Portadoras de Deficincia

SUMRIOIzabel Maria Madeira de Loureiro Maior: "Prefcio" . . . . . . . . . . . VIIMaria Paula Teperino: "Apresentao" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .IXRegina Quaresma: "Comentrios Legislao Constitucional Aplicvel s Pessoas Portadoras de Deficincia" . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1Nagib Slaibi Filho: "O Direito Civil e as Pessoas Portadoras de Deficincia" . . . 23.Diogo de Figueiredo Moreira Neto: "Aspectos Administrativos da Proteo eIntegrao das Pessoas Portadoras de Deficincia" . . . . . . . . . . . . . .91Jorge Franklin Alves Felipe: "Direito Previdencirio" . . . . . . . . . . . . . . 107ArionSayoRomita: "Direito do Trabalho e a Pessoa Portadora de Deficincia" . .137Sacha Calmon: "Comentrios Legislao Tributria Aplicvel s PessoasPortadoras de Deficincia" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .161Joo Mestieri: "Aspecto Penal da Lei n 7.853/89". . . . . . . . . . . . . . . . . .209

PREFCIOAo introduzir o livro Comentrios Legislao Federal Aplicvel s Pessoas Portadoras de Deficincia, desejo ressaltar a importncia desta obra que faltava na literatura especializada brasileira, visto que a anlise escrita e o comentrio apropriado, feito por quem entende mais, sero sempre os instrumentos impulsionadores das mudanas socioculturais.Aqueles que participam do movimento social das pessoas portadoras de deficincia conhecem as conquistas coletivas do grupo, obtidas atravs de vrias dcadas, de idas e vindas e de momentos de acelerao: nos anos 40 e 50, quando profissionais e pais empunharam bandeiras para gerar iniciativas na sade, reabilitao, educao especial, trabalho protegido e as bases de aes assistenciais; nos anos 70, quando as pessoas portadoras de deficincias despontaram como atores sociais emergentes e iniciaram uma nova onda progressista de conquistas de direitos, equiparao de oportunidades e autonomia. Assim, o Ano Internacional das Pessoas com Deficincia, comemorado em 1981 foi o resultado das lutas anteriores e serviu de apoio para novas aquisies.O processo histrico tem avanado no sentido da busca de igualdade e de eqidade nas polticas pblicas gerais e especficas para o segmento de pessoas portadoras de deficincia.Com a Constituio da Repblica de 1988 houve a consagrao dos direitos de cidadania. Todavia, apesar dos avanos introduzidos na Carta Magna, continuamos perplexos com a sua pouca efetividade, visto que inmeros dispositivos ainda aguardam regulamentao, implantao e implementao.Esta obra, coordenada pela Doutora Maria Paula Teperino, representante das lideranas do movimento das pessoas portadoras de deficincia e membro da carreira jurdica, revela-se de grande valor e imensa responsabilidade. Os diversos captulos, criteriosamente escolhidos, trazem a reflexo e os comentrios de famosos autores e trabalhadores do direito no Brasil. Acredito que este livro disseminar a informao e tornar-se- literatura de referncia para os alunos das cincias jurdicas e para aqueles que esto frente de causas envolvendo os direitos das pessoas portadoras de deficincia.Se um tema permanece restrito aos interessados no h evoluo e aprimoramento; cria-se um ciclo vicioso de descumprimento e descrdito para a prpria ordem jurdica. Por outro lado, ao surgir uma obra capaz de suscitar o debate e ampliarem qualidade e quantidade os envolvidos com a mesma causa, passamos a dispor de respostas certas para os direitos das pessoas portadoras de deficincia em nosso pas.Para mim, uma grande honra prefaciar trabalho to denso, oriundo da dedicao e do compromisso j assumido de juristas de renome. Como os demais leitores desta obra, pretendo retirar da leitura atenta o melhor proveito para planejar polticas pblicas, gerenciar projetos, fomentar aes envolvendo a rea governamental e a sociedade, sabendo utilizar

APRESENTAOO conceito de deficincia se confunde com a histria do prprio homem. No da forma como passamos a enxergar os diversos tipos de deficincias, a partir da segunda metade do sculo XX, onde a tutela estatal sobre o tema comeou a existir, mas com a conotao de menos valia, j descrita na Bblia, onde termos como aleijado, surdo, cego, leproso aparecem de forma a denominar pessoas que necessitavam da piedade de outrem ou que precisavam "ser curados".Por anos a fio esse foi o conceito de deficincia, algo a ser eliminado, a ser combatido, a ser excludo.O progresso da cincia impediu que doenas e acidentes acabassem por tornar-se fatais, mas no conseguiu eliminar todas as seqelas resultantes, fazendo, assim, com que pessoas que outrora morreriam, sobrevivam, portando alguma deficincia.Com a 2" Grande Guerra, pela primeira vez, os pases, principalmente os da Europa e os EUA, passaram a ter que responder de forma eficaz as demandas de um grande nmero de cidados com diferentes tipos de deficincias.Acrescente-se, ainda, o fato de, em sua maioria, serem heris de guerra, pessoas que perderam sua sade e forma fisica defendendo a ptria. Alm de todas as necessidades, inerentes s deficincias, tais como reabilitao, aposentadorias, tratamentos especializados, soma-se ainda a necessidade de continuar participando ativamente da sociedade. Sobreviver sempre muito pouco, o homem necessita interagir, participar, dar sentido prpria vida, e dessa forma associar-se, criar ncleos etc.Assim, os pases considerados desenvolvidos, desde a segunda metade do sculo passado, passaram a investir de forma efetiva na qualidade de vida das pessoas portadoras de deficincia. Programas governamentais foram implementados, prdios de uso pblico adaptados, empresas apostaram na mo-de-obra dos portadores de deficincia, enfim, perceberam que, embora com suas especificidades, possvel garantir a esse segmento o direito de uma vida plena e feliz.O Brasil, como pas em desenvolvimento, entrou (ou est entrando) tarde nessa corrida por tornar mais digna a vida de seus portadores de deficincia, que, segundo estatsticas da OMS, so em torno de 10% de sua populao, ou seja, cerca de 1? milhes de habitantes.Com a promulgao da Carta Constitucional de 1988, muito se avanou no que tange legislao aplicvel aos portadores de deficincia, porm, o desrespeito a essas leis, por vezes, chega a ser vergonhoso.Basta andar pelas principais capitais deste pais, para se ver que tudo ainda est por fazer, a comear por garantir que esses cidados possam sair s ruas. No h nibus adaptado, rampas nos principais prdios de uso pblico, sinalizao em braile, enfim, cada portador de deficincia que sai s ruas, que trabalha, estuda, trava diariamente uma batalha solitria, contando apenas com sua fora de vontade e com a ajuda de algumas pessoas bem intencionadas.Temos conscincia que uma nao no se constri da noite para o dia, e que a questo dos portadores de deficincia est longe de ser prioritria em um pas com tantas dificuldades e desigualdades sociais como o Brasil.Porm, em algum momento tem que se comear. Sinceramente, achamos que j comeou, pois a partir do momento que, com todas essas dificuldades, temos um nmero considervel de portadores de deficincia produzindo, estudando, participando socialmente, constatamos que o caminho no outro seno o de continuar lutando por respeito, cidadania e principalmente dignidade.Com esse intuito, resolvemos, sem nenhuma pretenso, mas com a certeza do ineditismo, levar os operadores do direito a se debruarem sobre a matria, juntando em uma nica obra comentrios sobre as principais leis federais aplicveis ao tema, reunidas pelas diversas reas do direito.Podemos afirmar que, a partir dos anos 80, o Legislativo contribuiu de forma decisiva para a integrao dos portadores de deficincia. Temos leis avanadas e modernas, que j esto acabando por virar letra morta, tal tem sido negligenciada sua aplicao, deixando se perder um trabalho de anos a fio das entidades de luta, representativas desse segmento.Entendemos que chegada a hora de o Judicirio, uma vez provocado, garantir o cumprimento dessa legislao.O intuito da presente obra no outro, seno o de, por um lado, fomentar nos portadores de deficincia e/ou em seus familiares, elementos para buscarem no Poder Judicirio, uma forma de garantia desses direitos e, por outro, levar aos operadores do direito no s o manancial legislativo sobre a matria, assim como mostrar de forma mais clara as reais necessidades do grupo, na garantia de seus direitos.Aproveitamos, ainda, para agradecer a todos os ilustres autores, que to gentilmente aceitaram o desafio e, como se ver a seguir, debruaram-se com afinco nesse tema to antigo, mas ao mesmo tempo to atual.Incluir os excludos deve ser nosso lema para este milnio que se inicia, pois, afinal, somos diferentes, para podermos nos completar.

COMENTRIOS LEGISLAOCONSTITUCIONAL APLICVEL S PESSOASPORTADORAS DE DEFICINCIARegina QuaresmaMestre em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional. Professora da Universidade Cndido Mendes e da PUC-RJ.

Sumrio: 1. Introduo. 2. A Igualdade como Princpio Fundamental. 3. A Igualdade na Constituio de 1988. 4. Aspectos Constitucionais Especficos. 4.1. Competncia. 4.2. Educao. 4.3. Acesso. 4.4. Assistncia Social. 4.5. Trabalho e Integrao. 5. Consideraes sobre o Decreto n 3.298, de 20 de dezembro de 1999. 6. Concluso. 7. Anexo.1. INTRODUO"Um mapa do mundo que no inclua a Utopia, disse Oscar Wilde, no digno de receber uma olhada, porque omite justamente o pas em que a humanidade est sempre desembarcando. E quando a humanidade nele desembarca, v mais longe um pas melhor, para o qual se dirige. O progresso a realizao das Utopias."Will DurantAo iniciarmos estes breves comentrios sobre a legislao constitucional aplicvel s pessoas portadoras de deficincia, devemos destacar a relevncia de temas extrados da Constituio, uma vez que estamos interpretando o texto que fundamenta a vida jurdica, em razo da supremacia hierrquica das normas ali estabelecidas.A Constituio est no vrtice do sistema jurdico do Pas, sendo a Lei Suprema do Estado, pois nela que se encontram insculpidas sua estrutura e organizao; nela que encontramos as normas e princpios fundamentais do Estado.Tomando como base a superioridade do elenco normativo constitucional estabelecido em 1988, optamos por desenvolver o trabalho desbastando os aspectos constitucionais especficos atinentes ao tema in examine. Para tanto, o estudo, mesmo que superficial, do princpio da igualdade foi necessrio, na medida em que o tema tratado se baseia fundamentalmente na noo de igualdade e de dignidade da pessoa.Sero analisadas normas constitucionais federais e estaduais a respeito do tema que tratam da matria objeto de nossa temtica, com a finalidade de buscar entender melhor quais os mecanismos jurdicos existentes para a efetivao da integrao das pessoas portadoras de deficincia na sociedade brasileira.

2. A IGUALDADE COMO PRINCPIO FUNDAMENTAL

A idia de igualdade se vincula intimamente com a de democracia. No possvel falar de democracia sem que se aborde a complexa questo da igualdade. Trata-se de princpio que norteia a discusso de como se compreender o Estado Democrtico de Direito.Antes de adentrar com maior profundidade na temtica, necessrio frisar a importncia de se debater e de se defender a igualdade atualmente. A doutrina neoliberal conquistou sua hegemonia ao longo das dcadas de oitenta e noventa. Apesar de no ser mais enxergada como a nica soluo, continua obtendo conquistas notveis nas reas econmica e poltica. Tal doutrina prega abertamente a desigualdade como um valor em si mesmo; algo que era impensvel no incio do sculo, hoje dito por Nozic, Hayek e Fukuyama com a maior tranqilidade. Por esta razo devemos ressaltar qualquer iniciativa de defesa da igualdade como princpio indispensvel para a estruturao da democracia.O debate acerca da igualdade no novidade; h alguns sculos j faz parte da agenda poltica. A ttulo de exemplo, foi inspirado neste intrigante tema que Rousseau redigiu seu "Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens", publicado pela primeira vez em 1755. um assunto que tambm inquietava a filosofia grega, alm de estar presente nos fundamentos do cristianismo. Assim, percebe-se o quo relevante e complexa a questo da igualdade.Circunscrevendo-se esta noo no pensamento jurdico-poltico da modernidade europia, nota-se que foi a Revoluo Francesa o grande fato poltico que primeiramente se orientou segundo o postulado da igualdade entre os homens. A liberdade, a igualdade e a fraternidade compunham o trip sob o qual se fundou a ao revolucionria. Naquele momento, a inteno principal era a derrubada do Antigo Regime (Feudalismo) e de sua forma de enxergar o mundo. Os privilgios que a nobreza e o clero detinham eram o principal alvo daqueles que compunham o chamado Terceiro Estado. A igualdade perante a lei era de fundamental importncia para a burguesia emergente, que visava a trazer para suas mos o poder poltico, gerando o Novo Regime (Capitalismo).O princpio da igualdade era visto sob uma perspectiva meramente formal poca da Revoluo Francesa. Apenas se intentava alcanar igualdade perante a lei, isto , que o ordenamento jurdico tratasse todos os cidados isonomicamente, sem quaisquer distines, eliminando-se os privilgios da nobreza e do clero. Formalmente, portanto, a ordem jurdica terminou por reconhecer a igualdade de todos os cidados.Esta concepo de igualdade no tardou para apresentar suas fissuras. O simples reconhecimento legal de que todos eram iguais no foi suficiente para eliminar as desigualdades fticas. A concretude dos fatos expunha a iluso da formalidade do direito. De que adiantava serem todos iguais perante a lei se, na realidade, esta igualdade inexistia? O surgimento de uma classe operria e o conseqente inchao dos grandes centros urbanos durante o sculo XIX exps uma contradio social violentssima: a riqueza convivendo lado a lado com a pobreza; os operrios livres e iguais juridicamente tendo de se submeter aos mandos e desmandos dos industriais; qualquer condio de trabalho por estes imposta era aceita de pronto pelos operrios que "viviam da mo boca."'Os movimentos operrios vo se estruturando, o pensamento comunista ganhando notoriedade, o que leva a burguesia ater de ceder s reivindicaes do operariado, sob pena de ver ruir aquilo que havia construido. As conquistas do operariado visavam estruturao de um Estado mais sensvel s causas sociais, desigualdade econmica. Era necessria uma nova concepo de igualdade.Surge para o mundo do Direito o que se conhece por isonomia material. No mais suficiente considerar todos iguais perante a lei; agora preciso tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na exata medida de sua desigualdade. Alm disto, exige-se que o Estado institua polticas pblicas orientadas reduo da desigualdade econmica. Surgem os direitos sociais, que passam a impor ao Estado uma diferente forma de agir. No mais se admite a simples passividade do Estado frente s questes sociais. A educao, a sade, o trabalho digno so assuntos da maior relevncia, pelos quais deve o Estado zelar, permitindo o acesso por parte de todos a estes bens. O Estado no mais gestor de interesses; um dos atores na promoo do bem comum, na constituio de uma sociedade igualitria.Em que se constitui a igualdade, portanto? De onde provm esta noo? Se considerarmos que as sociedades do ocidente desenvolveram ao longo de sua histria uma concepo de justia, podemos notar que esta contm dentro de si a idia de igualdade, de que os homens so iguais uns perante os outros. O sentimento de igualdade est alm da concepo hobbesiana de igualdade, segundo a qual os homens so iguais porque podem matar uns aos outros (isto , at o mais fraco dos homens pode aniquilar com a vida do mais forte), que se baseia na observao pura e simples.A igualdade no pode ser reduzida a um fato fsico, por assim dizer, como o fez Hobbes. Trata-se de uma compreenso cultural do ocidente que se baseia na intuio de que todos os seres humanos tm uma condio em comum: todos so humanos, detm certas potencialidades e devem ser tratados com dignidade e de maneira a estimular a expresso destas potencialidades.A igualdade est fundada no altrusmo, e no no egosmo. Neste sentido, a intuio de Rousseau bem mais palatvel. O autor, ao identificar o sentimento da piedade no interior de cada ser humano, verifica haver uma caracterstica altrusta em cada um; mesmo percebendo que o egosmo termina por dominar este trao de altrusmo na maioria dos casos, h altrusmo. Isto , existe solidariedade, os seres humanos so capazes de enxergar o outro, a diferena.O reconhecimento da necessidade da igualdade, portanto, passa pela solidariedade, pelo altrusmo. A igualdade, diferentemente da liberdade, conceito eminentemente relativo. Uma pessoa s igual (ou desigual) se houver outra a ser comparada com ela. Ningum absolutamente igual ou desigual, apenas relativamente. A igualdade pressupe a existncia do outro, o seu reconhecimento enquanto pessoa, enquanto ser humano. Podemos afirmar, portanto, que o princpio da igualdade est intimamente vinculado idia de solidariedade; exatamente neste sentido disps a Constituio Federal de 1988. Ao dizer, em seu art. 3, I, que objetivo fundamental da Repblica Federativa do Brasil a construo de uma sociedade livre, justa e solidria, entende-se que na justia e solidariedade se encontram os pressupostos para se efetivar a igualdade, que ser mencionada no caput do art. 5. Sem compreenso de justia que carregue em si a necessidade da igualdade e sem solidariedade, no se estrutura uma sociedade igualitria.A igualdade, na medida em que se funda na solidariedade, pressupe a adoo de polticas inclusivas. Sem incluso impossvel haver igualdade. Uma sociedade igualitria aquela onde os seres humanos tm amplas possibilidades de desenvolver as suas potencialidades; no apenas todos os seres humanos individualmente, mas tambm os segmentos tnicos, sociais, culturais e de gnero que so excludos de certos mbitos de uma determinada sociedade (minorias) devem ser reconhecidos, includos, de modo a se preservarem estes grupos e sua originalidade, preservar a diversidade e as potencialidades de cada um destes segmentos, permitindo sua expresso.Talvez por envolver tantas questes de dificil soluo (excluso social e econmica, discriminao etc.) seja de enorme complexidade e de dificil efetivao o princpio da igualdade. Uma sociedade igualitria aquela onde no h qualquer tipo de dominao, sendo, por isto, seus cidados livres. Aqui est a questo fundamental: a igualdade real, concreta, pressuposto para que exista liberdade. No h como se considerar o pleno exerccio das liberdades por todos os seres humanos se todos no se encontram includos socialmente, culturalmente, economicamente e politicamente.O princpio da igualdade se choca frontalmente com a concepo de mundo individualista. De acordo com esta, os seres humanos agem e devem agir de acordo com seu interesse, pura e simplesmente. No h espao para o reconhecimento do outro. A perspectiva da condio humana extremamente egosta; no existe qualquer possibilidade de dilogo, na medida em que aquele que de fato dialoga parte do pressuposto do reconhecimento do interlocutor enquanto pessoa, enquanto ser humano, sendo necessrio o respeito sua dignidade para se estabelecer um vnculo comunicativo qualquer.Sob esta tica, portanto, extremamente importante o estudo das situaes de desigualdade existentes na sociedade brasileira atualmente e tambm dos mecanismos jurdicos a serem utilizados para se alcanar uma concreta e efetiva incluso de todos. Neste sentido se orienta o presente trabalho, visando a verificar quais as posies tomadas pelo constituinte de 1988 na busca de possibilitar o mximo desenvolvimento das potencialidades das pessoas portadoras de deficincia, concretizando-se o princpio da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade e da justia social. 3. A IGUALDADE NA CONSTITUIO DE 1988A Constituio Federal de 1988, fiel sua misso de reencontro com as guas da democracia e pagando alto preo pelo longo atraso imposto sociedade brasileira pelos interminveis anos de chumbo, to caros sociedade, abarcou em seu texto importantes avanos no caminho pela concretizao do postulado da igualdade, to reclamado pelas democracias de massa contemporneas, neste sculo findante.Superando a declarao do princpio da igualdade meramente formal, conquista patrocinada pelo liberalismo clssico, que prega o tratamento igualitrio a todos perante a lei, como j demonstrado no item anterior, o legislador constituinte brasileiro de 1987-88 foi mais adiante e consagrou no Texto Maior tambm a igualdade material.Esta clusula supralegal, robustecida pela fuso dos seus aspectos formal e material, no apenas impede que seja conferido tratamento desigual aos iguais ou queles que se encontram em uma mesma circunstncia ftica, como tambm impe sejam tomadas medidas reparadoras, a partir de um horizonte de isonomia real ou material, visando reduo das desigualdades de fato, atravs do tratamento diferenciado queles que se encontram em circunstncias de desigualdade, tal como ordena a mais basilar das idias de justia.Foi neste contexto que o legislador constituinte, impregnado pelo esprito de inegvel inspirao isonmica e impulsionado pelos movimentos sociais, naquele momento razoavelmente bem articulados, reservou a devida ateno questo relacionada aos direitos pertinentes s pessoas portadoras de deficincia, s quais dispensou um tratamento visivelmente protetivo ao estabelecer normas que no apenas previnem eventuais discriminaes, como tambm determinam prestaes de carter positivo a serem realizadas pelo Poder Pblico, sempre visando integrao deste contingente de seres humanos vida social. Por esta razo, houve por bem o legislador constituinte se desviar da declarao meramente formal do princpio da igualdade jurdica - com efeito, de pouca valia resoluo do problema em comento - e, atingindo o mago da questo, determinar a obrigao do Poder Pblico em conferir tratamento diferenciado s pessoas portadoras de deficincia, a partir de aes, direitos e deveres, bem como princpios e diretrizes, positivados em diversos dispositivos constitucionais.As Constituies, ao longo do sculo XX abrigaram em seus textos novos direitos, de inspirao socialista, tais como o direito ao trabalho, sade e educao. Entretanto, a mera declarao, ou at mesmo a efetivao destes direitos, ignorava os interesses das pessoas portadoras de deficincia. Embora assegurasse o direito educao, dando maior nfase ao aspecto da gratuidade do ensino, esqueceu-se, ao no abordar de forma especfica, como seria efetivado este direito s pessoas portadoras de deficincia.Desse modo, uma parcela da populao praticamente no acompanhou a transio do Estado liberal ao Estado social, permanecendo excluda do gozo dos predicados da cidadania, eis que a extenso do direito educao e ao trabalho para as pessoas portadoras de qualquer tipo de deficincia exige do Poder Pblico uma prestao mais especfica, escapando sua mera declarao de indiscutvel carter genrico.Por estas razes, de grande importncia no s a dilatao que a Constituio Federal de 1988 conferiu ao princpio da isonomia, como tambm a proteo, de clareza solar, que conferiu s pessoas portadoras de deficincia.

4. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS ESPECFICOS

Neste item iremos efetuar uma abordagem, ainda que tnue, da legislao constitucional aplicvel s pessoas portadoras de deficincia. Sero transcritas e brevemente comentadas as normas da Constituio da Repblica Federativa do Brasil e da Constituio do Estado do Rio de Janeiro que asseguram educao, acesso, assistncia social, trabalho e integrao s pessoas portadoras de deficincia.'4.1. CompetnciaPara o bom desenvolvimento deste trabalho, necessrio alertar diviso de competncias que o Estado Federal Brasileiro adota.O pacto federativo brasileiro estabelece que as receitas arrecadadas pela Unio Federal sero devidamente distribudas conforme as despesas necessrias nas demais entidades federadas. Isto aduz ao que denominamos diviso de competncias - este o sistema que divide entre os estados e municpios a renda que a Unio arrecada.No que se refere ao tema aqui abordado, cabe asseverar que a Constituio Federal de 1988, ao determinar a competncia comum entre a Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios, conferiu merecido destaque matria referente sade e assistncia pblica, bem como proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia, conforme dispe seu artigo 23, inciso II, in verbis:

"Art 23. competncia comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios:II- cuidar da sade e assistncia pblica, da proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia; (..)"

Nesse mesmo sentido, estabeleceu a competncia legislativa concorrente entre a Unio, Estados e Distrito Federal para proteo e integrao social das pessoas portadoras de deficincia, como resta claro na leitura do artigo 24, inciso XIV:

"Art. 24. Compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:XIV -proteo e integrao social das pessoas portadoras de deficincia; (...) "

Este dispositivo pe termo a qualquer dvida quanto ao carter integralizador das medidas adotadas pelo Poder Pblico em favor das pessoas portadoras de deficincia, afastando a equvoca interpretao de que o Estado, ao adotar prestaes integradoras, estaria paternalizando ou privilegiando o cidado portador de deficincia em detrimento dos demais, eis que esta interpretao enxerga o cidado portador de deficincia tal como um objeto e no como um sujeito de direitos.4.2. EducaoO carter integralizador a que nos referimos carecedor de um tempero fundamental em qualquer democracia. A cincia da cidadania uma viso esclarecida da vida de direitos e deveres e depende, precipuamente, de educao. Este o pressuposto bsico para qualquer mudana.O Texto Constitucional de 1988, sintonizado com esta necessidade, estabelece em seu artigo 208, inciso 111, como uma garantia efetivao do dever do Estado de prestar educao:

"Art. 208. O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a garantia de:III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficincia, preferencialmente na rede regular de ensino;Esclarece, ainda que:

"Art. 227. (..)

1. O Estado promover programas de assistncia integral sade da criana e do adolescente, admitida a participao de entidades no governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:

II-criao deprogramas de preveno e atendimento especializado para os portadores de deficincia fsica, sensorial ou mental, bem como de integrao social do adolescente portador de deficincia, mediante o treinamento para o trabalho e a convivncia e a facilitao do acesso aos bens e servios coletivos, com a eliminao de preconceitos e obstculos arquitetnicos.

2. A lei dispor sobre normas de construo dos logradouros e dos edifcios de uso pblico e de fabricao de veculos de transporte coletivo, afim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia. "Atento a este dispositivo e, portanto, em consonncia com a vocao que o constituinte imprimiu em 1988, o Ministrio da Educao, houve por bem determinar, pela Portaria n 1.679, de 2 de dezembro de 1999, que sejam includos nos instrumentos destinados a avaliar as condies de oferta de cursos superiores, para fins de sua autorizao e reconhecimento e para fins de credenciamento de instituies de ensino superior, bem como para sua renovao, requisitos que garantam s pessoas portadoras de deficincia o essencial acesso educao.Diante da importncia desta deciso ministerial, transcrevemos alguns de seus trechos:'

"Dirio Oficial da Unio, 03 de dezembro de 1999:Dispe sobre requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficincias, para instruir os processos de autorizao e de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituies.

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAO, no uso de suas atribuies, considerando o disposto na Lei n 9.131, de 24 de novembro de 1995, na Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e no Decreto n 2.306, de 19 de agosto de 1997, e considerando ainda a necessidade de assegurar aos portadores de deficincia fsica e sensorial condies bsicas de acesso ao ensino superior, de mobilidade e de utilizao de equipamentos e instalaes das instituies de ensino, resolve:

Art. 1 Determinar que sejam includos nos instrumentos destinados a avaliar as condies de oferta de cursos superiores, para fins de sua autorizao e reconhecimento e para fins de credenciamento de instituies de ensino superior, bem como para sua renovao, conforme as normas em vigor, requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de necessidades especiais.Art. 2 A Secretaria de Educao Superior deste Ministrio, com o apoio tcnico da Secretaria de Educao Especial, estabelecer os requisitos, tendo como referncia a Norma Brasil 9050, da Associao Brasileira de Normas Tcnicas, que trata da Acessibilidade de Pessoas Portadoras de Deficincias e Edificaes, Espao, Mobilirio e Equipamentos Urbanos.

Art. 3 A observncia dos requisitos estabelecidos na forma desta Portaria ser verificada, a partir de 90 (noventa) dias de sua publicao, pelas comisses de especialistas de ensino, responsveis pela avaliao a que se refere o art. 1, quando da verificao das instalaes fsicas, equipamentos, laboratrios e bibliotecas dos cursos e instituies avaliados.

Art. 4 Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicao, revogadas as disposies em contrrio."

Consoante dico constitucional federal, o constituinte fluminense de 1989 declinou todo um captulo da Constituio do Estado do Rio de Janeiro pessoa portadora de deficincia.Nesse sentido, ordena a CERJ/89 sobre a educao:

"Art. 338- dever do Estado assegurar s pessoas portadoras de qualquer deficincia a plena insero na vida econmica e social e o total desenvolvimento de suas potenciafdades, obedecendo os seguintes princpios:I - assegurar s pessoas portadoras de deficincia o direito assistncia desde o nascimento, incluindo a estimulao precoce, a educao de primeiro e segundo graus e profissionalizante, obrigatrias e gratuitas, sem limite de idade;II-assegurar a formao de recursos humanos, em todos os nveis, especializados no tratamento, na assistncia e na educao dos portadores de deficincia;

Art. 340 - O Estado implantar sistemas de aprendizagem e comunicao para o deficiente visual e auditivo, de forma a atender s suas necessidades educacionais e sociais."4.3. AcessoO acesso adequado, leia-se adaptado, s pessoas portadoras de deficincia bsico. Cioso disso, o constituinte de 1988 determinou:

"Art. 244. A lei dispor sobre a adaptao dos logradouros, dos edifcios de uso pblico e dos veculos de transporte coletivo atualmente existentes afim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia, conforme disposto no art. 227, 2.."

Assegurar a eliminao de obstculos arquitetnicos e a obrigao da regulamentao acerca da construo dos logradouros e dos edifcios de uso pblico, bem como da fabricao de veculos de transporte coletivo, matria de fundamental importncia para as pessoas portadoras de deficincia, eis que o acesso adequado , aps a preliminar conscientizao, literalmente, o prximo passo para alcanar os demais direitos.Como nos esclarece CRETELA JR.:

"Como toda pessoa, o portador de deficincia (a) transita por logradouros, ruas, jardins, parques e praas, (b) penetra em edifcios, bens pblicos de uso especial, como escolas e hospitais pblicos e, por fim, (c) utiliza veculos de transporte coletivo como nibus e metr. A fim de facilitar o acesso aos mencionados logradouros, edifcios e meios de transportes, sero editadas normas a respeito, sobre construo dos dois primeiros - logradouros e edificios - e de fabricao dos segundos -veculos de transporte, ou ento, determinaro as normas editadas sobre a adaptao do que j existe para o acesso dos deficientes (art. 244).A jurisprudncia tem se manifestado de forma progressista com relao ao tema, entendendo, em muitos casos, que se deve prover acesso no apenas a logradouros pblicos, mas tambm a condomnios privados, fundamentando-se na base principiolgica da Constituio Federal de 1988: igualdade, livre locomoo, funo social da propriedade, razoabilidade etc. Como exemplo, citamos o lcido voto do Juiz Renato Lima Charnaux Sert, relator do recurso de apelao n. 993518-4 da l.a Turma Recursal Cvel do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, de onde se exara a seguinte ementa:

"VOTO DO RELATOR: CONDOMNIO - DIREITO DE IR E VIR - OBRAS PARA PROVER O ACESSO PESSOA COM DIFICULDADE DE LOCOMOO - OBRIGATORIEDADE -INTELIGNCIA DOS ARTIGOS 3. E 10, INCISO IVDA LEI 4.591/64-INTERPRETAO CONSENTNEA COM O ESPRITO DA CONSTITUIO FEDERAL, EM SEUS ARTIGOS 5. , INCISOS 1, XV E XXIII, 227, PARGRAFO 2. , E 244, "CAPUT" CRITRIO DA RAZOABILIDADE - RESGATE DA CIDADANIA SENTENA QUE SE REFORMA - HONORRIOS DE 10% SOBRE O VALOR DA CAUSA, PELO RECORRENTE. VENCIDO. "

A Constituio Estadual do Rio de Janeiro estabelece com clareza solar as normas regionais pertinentes acessibilidade. Neste sentido, podemos constatar:

"Art. 338 -

III -garantir s pessoas portadoras de deficincias o direito habilitao e reabilitao com todos os equipamentos necessrios;(...V- elaborar lei que disponha sobre normas de construo dos logradouros e dos edifcios de uso pblico e de fabricao de veculos de transporte coletivo, afim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia;VI- garantir s pessoas portadoras de deficincia fsica, pela forma que a lei estabelecer, a adoo de mecanismos capazes de assegurar o livre acesso aos veculos de transporte coletivo, bem assim, aos cinemas, teatros e demais casas de espetculos pblicos;IX-garantir o direito informao e comunicao, considerando-se as adaptaes necessrias s pessoas portadoras de deficincia;X -conceder gratuidade nos transportes coletivos de empresas pblicas estaduais para as pessoas portadoras de deficincia, com reconhecida dificuldade de locomoo, e seu acompanhante;G)

Art. 342 - Cabe ao Poder Pblico celebrar os convnios necessrios a garantir aos deficientes fisicos as condies ideais para o convvio social, o estudo, o trabalho e a locomoo, inclusive mediante reserva de vagas nos estacionamentos pblicos.

Pargrafo nico. A gratuidade nos gastos inerentes dar-se- vista de passes especiais expedidos por autoridade competente. "

4.4. Assistncia Social

O artigo 203 da Constituio Federal de 1988 trata da assistncia social - direito do cidado e dever do Estado - assegurando que ela ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuio seguridade social, e assinala como seus objetivos, dentre outros, a habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de deficincia e a promoo de sua integrao vida comunitria, bem como a garantia de um salrio mnimo de beneficio mensal pessoa portadora de deficincia que comprove no possuir meios de prover prpria manuteno ou de t-la provida por sua famlia, como se comprova, in verbis:

"Art. 203. A assistncia social ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuio seguridade social, e tem por objetivos:

IV- a habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de deficincia e a promoo de sua integrao vida comunitria;V - a garantia de um salrio mnimo de beneficio mensal pessoa portadora de deficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios de prover prpria manuteno ou de t-la provida por sua famlia, conforme dispuser a lei. "

Nesse sentido e no intuito de melhor atingir os objetivos supramencionados, a Lei n 8.742/93 (Lei Orgnica da Assistncia Social) previu a adoo de aes descentralizadas, contando, destarte com a participao dos Estados, Distrito Federal e Municpios, devendo cada ente federativo instituir os respectivos conselhos de Assistncia Social, com composio paritria entre governo e sociedade civil, cujo funcionamento imprescindvel para o repasse dos recursos previstos.

4.5. Trabalho e Integrao

Este inventrio de dispositivos constitucionais, bem demonstra a preocupao do legislador constituinte com este nmero significante de brasileiros desprovidos dos predicados da cidadania. Todavia, cabe ainda destacar os avanos consagrados pelo Texto Constitucional no que tange ao acesso das pessoas portadoras de deficincia ao mercado de trabalho, tormentosa questo, sobretudo em tempos em que o desemprego ocupa a ordem do dia nos Estados tomados pela onda do neoliberalismo.Com efeito, a Constituio Federal dispensou proteo especial ao acesso das pessoas portadoras de deficincia ao mercado de trabalho, tanto em mbito pblico como em nvel de iniciativa privada. Conforme reza o artigo 7., XXXI, in verbis:

"Art. 7. So direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, alm de outros que visem melhoria de sua condio social:XXXI-proibio de qualquer discriminao no tocante a salrio e critrios de admisso do trabalhador portador de deficincia; (..)"

Importante salientar que a pessoa portadora de defcincia deve estar plenamente habilitada para o emprego ou funo que pretenda exercer, pois, de outro modo, estar abandonando a esfera de proteo conferida pela norma constitucional. Nesse sentido, uma pessoa portadora de deficincia visual no pode se candidatar a um cargo de motorista, onde a habilidade visual fundamental.O dispositivo supramencionado, ao proibir expressamente a discriminao no tocante a critrios de admisso do trabalhador portador de deficincia, impede que seja dado tratamento diferenciado em funo de deficincia, quando esta no impedir o pleno exerccio da funo. Por exemplo, uma pessoa portadora de paraplegia no pode ser impedida de concorrer a um cargo de digitador, para o qual esteja habilitada.

Ainda na seara do acesso ao mercado de trabalho, a Constituio Federal de 1988 abarcou em seu texto a chamada "reserva de mercado de trabalho" s pessoas portadoras de defcincia no mbito da administrao pblica, ao elencar no art. 37, que trata dos princpios regentes da administrao pblica, o inciso VIII, que assim dispe:

"Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte:G)VIII- a lei reservar percentual dos cargos e empregos pblicos para as pessoas portadoras de deficincia e definir os critrios de sua admisso; (..)"

Seguindo esta orientao, o Estatuto dos Servidores Pblicos Civis da Unio passou a prever percentual de vagas reservadas para pessoas portadoras de deficincia, quando da realizao de concurso pblico. Da mesma forma, legislaes estaduais e municipais tm tratado da matria em seu mbito de atribuio legislativa. A Lei Estadual n. 7.875 fixou o percentual de 5% (cinco por cento) do quadro da administrao pblica no Estado do Paran, para pessoas portadoras de deficincia. Tambm a Lei Municipal n. 7.600/91 reservou 5% (cinco por cento) dos cargos da administrao municipal de Curitiba, s pessoas portadoras de deficincia.Ainda, a Lei que trata dos Planos de Beneficios da Previdncia Social, Lei n. 8.213/91, obriga a empresa com at 200 empregados a empregar 2% (dois por cento) de pessoas portadoras de deficincia ou beneficirios da previdncia reabilitados; as empresas com mais de 200 at 500 empregados, 3% (trs por cento); mais de 500 at 1.000, 4% (quatro por cento); acima de 1.000, 5% (cinco por cento).Vale destacar que a previso normativa da chamada reserva de mercado de trabalho apenas h de causar espcie aos espritos que se encontram desconectados dos movimentos em favor das minorias que tm tomado o mundo h algumas dcadas, rompendo preconceitos e obrigando os Estados mais avanados a reverem seus ordenamentos jurdicos, dando, inclusive, o caminho a ser seguido na construo e solidificao institucional dos Blocos Econmicos Regionais.Ressalte-se que esta idia de reserva de mercado de trabalho encontra-se em consonncia com uma nova concepo de igualdade, como bem asseveramos no incio destas breves consideraes. Esta nova vertente igualitria ganha impulso na jurisprudncia da Suprema Corte norte-americana, que ofereceu, pela via pretoriana, um novo paradigma de Estado, ao atribuir nova interpretao ao princpio da igualdade, conferindo nfase idia das aes afirmativas e acelerando o processo de transio da igualdade formal igualdade material, a partir de uma atuao positiva do Poder Pblico.Este perodo, marcado pela superao da simples proibio de discriminao s minorias, a partir de uma viso mais dinmica acerca do princpio da igualdade, impondo ao Estado exigncias de aes positivas, tanto pelos particulares, quanto pelo prprio Poder Pblico, em favor destas mesmas minorias discriminadas, retrata o momento de transio do Estado Liberal para o Estado Social.Por oportuno, devemos salientar que o impacto desta nova corrente igualitria possui carter indubitavelmente integrador, conferindo, no plano pragmtico, a uma massa carente de meios dignos de vida, a possibilidade de exercer a cidadania plena, da qual j titular no plano normativo.Assim, podemos concluir este item do trabalho observando que a legislao pertinente s pessoas portadoras de deficincia, editada a partir da promulgao da Constituio de 1988, tem sido enftica a respeito do seu objetivo de integrao social, no restando margem a interpretaes que atribuam s medidas adotadas a partir de suas determinaes qualquer carter de cunho paternalista.Em relao a normas referentes a trabalho e integrao, cabe mencionar que a Constituio do Estado do Rio de Janeiro estabelece:

"Art. 338 - (..)

I -proibir a adoo de critrios diferentes para a admisso, a promoo, a remunerao e a dispensa no servio pblico estadual garantindo-se a adaptao de provas, na forma de lei; G)IV -com a participao estimulada de entidades no-governamentais, prover a criao de programas de preveno de doenas ou condies que levem deficincia, e atendimento especializado para os portadores de deficincia fsica, sensorial ou mental; e de integrao social do adolescente portador de deficincia, mediante treinamento para o trabalho e a convivncia; XI-regulamentar e organizar o trabalho das oficinas abrigadas para pessoas portadoras de deficincia, enquanto estas no possam integrar-se no mercado de trabalho competitivo;

5. CONSIDERAOES SOBRE O DECRETO N 3.298, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999

Merece destaque a festejada edio do decreto presidencial n. 3.298, de 20.12.1999, que em boa hora adentrou no ordenamento jurdico ptrio, no apenas regulamentando a Lei n. 7.853, de 24.10.1989, como tambm instituindo a Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia e, sobretudo, consolidando as normas para sua proteo. Com efeito, este Decreto compreende um verdadeiro compndio sistematizado da legislao at ento em vigor sobre o tema no se restringindo, todavia, simples repetio dos diplomas legais vigentes, mas, antes, aperfeioando e adequando-os realidade atual, abrigando, ainda, em seu texto, dispositivos oriundos de projetos de lei.' Entretanto, ainda devemos perguntar: ser isso suficiente para garantir efetividade aos direitos legalmente reconhecidos?O Decreto n. 3.298 consagrou como princpios da Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia, in verbis:

"Art. S. A Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia, em consonncia com o Programa Nacional de Direitos Humanos, obedecer aos seguintes princpios:

1- desenvolvimento de ao conjunta do Estado e da sociedade civil, de modo a assegurar a plena integrao da pessoa portadora de deficincia no contexto scio-econmico e cultural;

11- estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e operacionais que assegurem s pessoas portadoras de deficincia o pleno exerccio de seus direitos bsicos que, decorrentes da Constituio e das leis, propiciam o seu bem-estar pessoal, social e econmico;

111- respeito s pessoas portadoras de deficincia, que devem receber igualdade de oportunidades na sociedade por reconhecimento dos direitos que lhes so assegurados, sem privilgios ou paternalismos. " (grifo nosso!)

Assegurou, ainda, como suas diretrizes:

"Art. 6. So diretrizes da Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia:

I- estabelecer mecanismos que acelerem e favoream a incluso social da pessoa portadora de deficincia;II - adotar estratgias de articulao com rgos e entidades pblicos eprivados, bem assim com organismos internacionais e estrangeiros para a implantao desta Poltica;

Ill -incluir a pessoa portadora de deficincia, respeitadas as suas peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas educao, sade, ao trabalho, edificao pblica, previdncia social, assistncia social, ao transporte, habitao, cultura, ao esporte e ao lazer;

IV- viabilizar a participao da pessoa portadora de deficincia em todas as fases de implementao dessa Poltica, por intermdio de suas entidades representativas;V - ampliar as alternativas de insero econmica da pessoa portadora de deficincia, proporcionando a ela qualificao profissional e incorporao no mercado de trabalho; e

VI-garantir o efetivo atendimento das necessidades da pessoa portadora de deficincia, sem o cunho assistencialista."

Impende assinalar que o inciso 1 do artigo acima transcrito alterou de forma sutil o que dispunha o Decreto n. 914, de 6.09.1993, at ento em vigor, que assim previa em seu art. 5., I, in verbis:

"Art. 5

I - Estabelecer mecanismos que acelerem e favoream o desenvolvimento das pessoas portadoras de deficincia;" (grifo nosso!)

Esta alterao, embora tnue, representa bem a orientao adotada pelo Decreto n. 3.298, que externou de forma expressa seu manifesto obj etivo de integrao social das pessoas portadoras de deficincia.6. CONCLUSOAo concluirmos estes breves comentrios sobre a legislao constitucional aplicvel s pessoas portadoras de deficincia, devemos sintetizar o que aqui desbastamos. Na inteno fundamental de oferecer aos operadores do direito material para transmudar vigncia em efetividade, traamos a linha diferencial de temas relacionados Constituio e sua supremacia diante dos demais. Em seguida demos nfase ao princpio basilar que norteia o tema - a Igualdade - verificando em que medida tal princpio se relaciona com a questo da integrao social das pessoas portadoras de deficincia.Com base na superioridade das normas constitucionais, optamos por sistematizar o trabalho enumerando e comentando, quando necessrio, os aspectos constitucionais especficos, estampados na Constituio Federal de 1988 e na Constituio Estadual do Rio de Janeiro de 1989, observando quais os avanos obtidos pelos respectivos documentos. Foi tambm objeto de anlise o decreto presidencial n. 3298 que visou a especificar como se realizar a integrao das pessoas portadoras de deficincia sociedade brasileira.O festejado decreto presidencial objetiva sistematizar as normas atinentes s pessoas portadoras de deficincia, para inclusive facilitar a operacionalidade e a efetivao de seus dispositivos. instrumento importante aos operadores do direito. inequvoco seu sentido de efetividade, mas tambm transparente a existncia, nos nveis da federao e em suas funes de estado (legislar, executar e julgar) a abundncia de leis do Estado, legalizando o direito conquistado pelas pessoas portadoras de deficincia; entretanto, so leis que no se incorporaram vida do Estado, em outras palavras no "colaram". Tm vigncia, mas longo o caminho sua efetividade. Dizer o direito, para acalentar movimentos sociais de parcelas hipossuficientes e inconformadas com o status quo e fazer leis retricas para acalmar e at desarticular os detentores do direito prtica corriqueira na histria legislada do homem.Feitas as consideraes que acima ficam, nos permitimos afirmar que no cansaremos de repetir, e neste trabalho, de maneira enftica e pertinente, que no bastam leis espetaculares, decretos esmiuantes e encantadores, se forem apenas retricas fabuladoras. Normas meramente formais e no materiais, como uma espcie de conquista "cala a boca", uma lei que amordace e desestimule a organizao para a concretizao dos direitos. necessrio dar um passo adiante.Toda pessoa necessita de espao, estmulo, sade, trabalho, lazer. Ser cidado poder escolher a escola, o hospital, o mdico, o espao pblico ou privado que se deseja e prescisa ocupar. poder ir, vir e permanecer, com integrao, sem protecionismo, mas com Respeito e Dignidade.

CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

1. Artigo 7, XXXI - Igualdade de direitos no trabalho;2. Artigo 23, II - Competncia comum da Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios no que concerne aos cuidados com a pessoa portadora de deficincia;3. Artigo 24, XIV - Proteo e integrao social: competncia concorrente para legislar da Unio, Estados e Distrito Federal;4. Artigo 37, VII - Admisso em cargo/emprego pblico;5. Artigo 203, IV - Assistncia Social: habilitao e reabilitao;6. Artigo 203,V-BeneEcio mensal: garantia de um salrio mnimo;7. Artigo 208 - Ensino especializado;8. Artigo 227, Inciso II - Criao de programa especializado e eliminao de preconceitos e obstculos arquitetnicos;9. Artigo 227, pargrafo 2 - Locomoo e acesso;10. Artigo 244 - Adaptao de logradouro, edifcios e veculos para transporte coletivo.CONSTITUIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DE 1989

1. Artigo 338, caput - Estabelece princpios para insero na vida econmica e social;2. Artigo 338, I - Isonomia para admisso no trabalho;3. Artigo 338, II - Ampla educao;4. Artigo 338, III - Habilitao e reabilitao, com equipamentos necessrios;5. Artigo 338, IV - Integrao pelo treinamento para o trabalho e a convivncia;6. Artigo 338, V - Elaborar lei sobre acessibilidade coletiva;7. Artigo 338, VI-Livre acesso ao transporte coletivo e locais de lazer;8. Artigo 338, VIII-Formao de recursos humanos para tratamento, assistncia e educao;9. Artigo 338, IX - Direito informao e comunicao adaptadas;10. Artigo 338, X - Acesso gratuito a transportes coletivos;11. Artigo 338, XI - Regulamenta e organiza o trabalho nas oficinas abrigadas;12. Artigo 340 - Implementao de sistemas de aprendizagem e comunicao para o deficiente visual e auditivo;13. Artigo 342, caput - Obriga o Poder Pblico a celebrar convnios para garantir a isonomia aos deficientes fsicos;14. Artigo 342, pargrafo nico - Gratuidade de passes especiais.

1. CONTEDO DO DIREITO CIVILO Direito Civil o Direito da Cidadania. na cives (latim: a cidade, a comuna, a comunidade onde vivem os cidados) que a pessoa vive, realiza os seus sonhos, satisfaz as suas peculiares necessidades, projeta o seu esprito na realizao do seu trabalho, busca os bens essenciais sua existncia e ao seu desenvolvimento atravs do relacionamento com os demais seres viventes.O Direito Civil o ramo jurdico que regula os direitos e deveres concernentes a todas as pessoas, pretendendo impor-lhes as condutas atravs das quais elas atuam buscando os bens da vida que interessam a todos os membros da comunidade.Da a importncia do Direito Civil quando se fala a respeito dos direitos do deficiente, pois este ramo do Direito, conforme o sistema jurdico que herdamos da Europa Continental, aquele que descreve a trajetria do indivduo durante a sua peregrinao neste mundo.O Direito Civil regula a vida do indivduo, expressa a sua cidadania.No aspecto de tentar regular toda a vida da pessoa, veja-se como o nosso velho Cdigo Civil de 1916, inspirado no modelo francs de 1804, est organizado em suas diversas partes.A Parte Geral, que incide genericamente, assim est dividida:- o Livro 1 trata das pessoas, naturais e jurdicas, do sujeito do direito, daquele que tem poder de atuar no mundo jurdico, do domiclio (clomus, a casa, o lugar onde vive);- o Livro II refere-se aos bens (ou tudo o que possa satisfazer uma necessidade), isto , os objetos do direito, sobre o qual incide o poder do indivduo, bens patrimoniais e bens extrapatrimoniais;-o Livro 111 est dedicado aos fatos jurdicos, os eventos que interessam ao Direito, produzem efeitos jurdicos e, entre eles, os atos jurdicos, a constituir os meios de comunicao entre os sujeitos de direitos, os atos ilcitos2 e, finalmente, sobre a prescrio (a includa a decadncia) ou a devastadora influncia do tempo sobre os homens e os seus direitos.

A Parte Especial tambm est dividida em diversos Livros:

- o Livro I trata do Direito de Famlia (do latim famulus, que signifca o servo, o servidor), o ncleo bsico ou o grupo social que se constitui em torno do indivduo e que lhe fornece o atendimento s necessidades mais essenciais, desde a sua infncia, formao e desenvolvimento, at a ancianidade;o Livro II est dedicado ao Direito das Coisas (os bens tangveis e mensurveis) onde se destaca a situao ftica da posse e os efeitos jurdicos do ttulo de propriedade, instrumento jurdico a servio do poder econmico do seu titular de excluir os restantes membros da comunidade do uso e gozo da coisa;-o Livro III refere-se ao Direito das Obrigaes, o vnculo jurdico a relacionar aquele que tem o poder (o credor) de exigir de outrem (o devedor) uma prestao de dar coisa, fazer ou no fazer. Nesta parte est tambm o Direito dos Contratos, a se referir constituio das obrigaes que vinculam as partes atravs da manifestao de vontade; e, finalmente,- o Livro IV diz respeito ao Direito das Sucesses, ou o complexo de relaes jurdicas que devem ser reguladas em face do fato inexorvel da morte do titular dos direitos.2. O DIREITO CIVIL TRANSBORDA DOS LIMITES DO CDIGO CIVILNapoleo Bonaparte, Imperador dos franceses, pretendeu substituir por um nico diploma legal, o Cdigo Civil, todas as antigas normas das diversas regies que regulavam a vida do cidado francs.Da veio o Cdigo Civil de 1804, ambicioso de nele se esgotar a previso das condutas de todos os franceses, posto sobre o princpio filosfico individualista, politicamente liberal e economicamente do livre mercado, assim atendendo ao belo projeto de vida expresso no dstico "Libert, Egalit e Fraternit" que motivou a Revoluo Francesa de 1789.Produto da lei, fundado na vontade da maioria parlamentar, o Cdigo Civil tinha a grandiosa pretenso de tentar resumir na letra da lei toda a histria do indivduo; da por que Portalis, clebre jurista francs do sculo XIX podia trombetear que no ensinava Direito Civil, mas o Cdigo Civil ....O nosso Cdigo Civil tomou como paradigma o Cdigo Civil francs de 1804, correspondendo aos princpio individualista (e, conseqentemente, do iderio racional- iluminista) ento em voga no final do sculo XIX e no princpio do sculo XX.Tambm buscou nos postulados individualistas a afirmao da igualdade formal, regulando em suas normas o que at hoje os juristas mais conservadores gostam de designar como o padro de conduta do homem mdio, e considerando todos aqueles que no se encontrassem em tal padro como desvios da normalidade, a merecer, de um lado, a proteo do Direito e, de outro, a perda da capacidade de atuar dentro do prprio Direito. assim que se considerava, por exemplo, a mulher casada, considerada relativamente incapaz, tal como os ndios, e que dependia da autorizao marital para realizar os seus atos da vida civil. Alis, em nosso pas, somente em 1932 as mulheres ganharam em nvel nacional o direito de voto e somente em 1961 que veio a lume o Estatuto da Mulher Casada, que, alterando o Cdigo Civil, lhes tirou a pecha infamante da incapacidade jurdica.At hoje, o nosso Cdigo Civil no registra a palavra "deficiente", e somente uma vez a palavra "doena", embora conte quarenta vezes a palavra "incapaz" e sete vezes a palavra "louco".Ao surgir em 1916, o Cdigo Civil aspirava a existncia de um mundo em que imperava a igualdade formal, elemento necessrio para a competio, mas que somente ensejava o sucesso a quem fosse o mais capaz, superior em armas de riqueza, inteligncia e fulgor fisico...Somente em 1923 que veio a Lei Eloy Chaves, sob o paradigma britnico, com o embrio de seguridade social para os empregados das vias frreas; quanto aos outros assalariados, estavam condenados a se finar quando doentes ou velhos, pois o contrato de trabalho era aquele previsto no Cdigo Civil em que imperava a autonomia da vontade e vicejava o patro econmica e socialmente mais forte que o operrio que a ele se curvava genuflexo.Em 1934, mais um notvel avano agora em favor daqueles que o Decreto n 24.559, de 3 de julho daquele ano, denominou de "psicopatas" e que compreendia os deficientes mentais e os toxicmanos. Este foi um momento em que se viu a impossibilidade do Cdigo Civil de regular exaustivamente as situaes que no fossem as consideradas tpicas das pessoas "normais".A Histria demonstrou a impossibilidade de regulao, atravs de leis -ainda que sistematizadas como so os Cdigos-de todas as situaes que podem ocorrer nos casos concretos: a vida muito mais rica que nossas vs previses. A lei produz comandos que somente atentam para as situaes genricas e hipotticas, o administrador e o juiz esto sob os influxos das situaes individuais e concretas que, no raras vezes, se mostram imprevisveis para o legislador.Assim, cada vez mais as leis se tornam declaraes de princpios, com a afirmao dos valores que devem predominar nas solues dos casos concretos.Exemplo de tal postura o que est no art. 1 da Lei n 7.853, de 24 de outubro de 1989, cujo 1 proclama os valores predominantes e cujo 2 afirma os objetivos ou tarefas.Cada vez mais o Cdigo Civil se mostra insuficiente como repositrio das leis que asseguram os direitos e deveres civis, bastando que tal se demonstre com o nmero crescente da chamada "legislao extravagante".3. DIFICULDADE DE DEFINIO DO CONTEDO DO DIREITO CIVILH quinze sculos, desde a poca do Imperador Justiniano, que se comeou a distinguir no Direito, ontologicamente uno como Cincia, Arte e Tcnica, dois grandes ramos: o Direito Pblico, em que predomina o interesse da coletividade, e assim indisponvel a cada um de seus integrantes, e o Direito Privado, em que predomina o interesse do indivduo, que pode abdicar dos direitos ditos sua disposio ou disponveis.No Direito Privado estaria o Direito Civil e o Direito Comercial, ficando para o Direito Pblico, como o Direito Administrativo e o Direito Tributrio, o que interessa ao Estado.Mas nem sempre as normas do Cdigo Civil so meramente de direito privado e disponveis para o interessado. Por exemplo, as regras sobre famlia e sucesso so claramente indisponveis, simplesmente deixando aos interessados pequeno campo de atuao da vontade, como, e. g., a escolha do regime de bens do casamento, se este est disponvel pela lei para o nubente...De qualquer forma, parece cruel para os romnticos verificar que o casamento, como celebrao solene descrita no Cdigo Civil, est previsto em normas que, embora postas no Cdigo Civil, tm contedo administrativo, e que a celebrao do casamento ato jurdico que no se restringe aos nubentes, mas exige necessariamente para a sua existncia e validade a atuao do poder do Estado que se encarna na pessoa do ofciante.Em conseqncia, mais uma dificuldade se apresenta ao estudioso do tema: estabelecer os limites do Direito Civil para verem que o mesmo dia. respeito ao portador de deficincia.Aqui se optou por seguir, tanto quanto possvel, os caminhos indicados pela Constituio e pelas leis, pois se percebe que descabido limitar o que se mostra desde logo incomensurvel na sua extenso: os direitos da pessoa no podem ser restringidos sob o fundamento de necessidades didticas pois o universo individual abrangente e ontologicamente ilimitado.4. TENDNCIA ATUAL DO DIREITO DA CIDADANIAAssim se constata a tendncia atual do Direito Ptrio em tema da proteo dos direitos de cidadania do portador de deficincia:- a insuficincia do Cdigo Civil, como sistema de normas sistematizadas, para regular todas as situaes individuais e concretas que meream proteo legislativa;- a ampliao e o aprofundamento da denominada "legislao extravagante", isto , as leis que regulam os direitos de cidadania do deficiente e que, embora aparentemente de contedo civil, no raras vezes transbordam para outros ramos do Direito; - a salutar convivncia de normas dos mais variados ramos do Direito - havendo tal diviso em ramos como meramente didtica- em que os valores postos como essenciais so garantidos por normas no s civis, mas tambm processuais e administrativas e, at mesmo, penais.5. A LEGISLAO DO PORTADOR DE DEFICINCIA5.1. A Proteo Constitucional ao Portador de DeficinciaA Constituio democrtica confere especial ateno aos portadores de deficincia.Implementando os princpios fundamentais ou estruturantes da nossa organizao social, e, entre eles principalmente o valor da dignidade humana, como declarado no art. 1, III, e a tarefa de extino das discriminaes, como se v no art. 3, IV, dispe a Constituio de 1988, em seu art. 23, ao tratar das competncias comuns aos entes federativos (Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios), que a estes compete, desde logo, no inciso I, zelar pela guarda da Constituio, das leis e do patrimnio pblico; e, no inciso seguinte, o II, que devem cuidar da sade e assistncia pblica, da proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia.Nesta escala de prioridades, se v que a Constituio erigiu a proteo e garantia das pessoas portadoras de deficincia como um dos primeiros encargos da sociedade e do Estado.Na verdade, ao conferir superioridade jurdica a quem se est em inferioridade social, a Constituio intenta simplesmente preservar o valor da dignidade humana. o valor da dignidade humana o fundamento da proteo jurdica ao portador de deficincia.Tal valor est sob a garantia da sociedade e do Estado, que a organizao de poder atravs do qual atua o grupo social.Da por que a Constituio erigiu em objetivo fundamental da sociedade brasileira (no s do Estado!) ou como tarefa social o que est no art. 3, IV: "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao".Como tarefa social que se colocou em patamar constitucional (e assim imune s alteraes legislativas procedidas por eventuais maiorias parlamentares) as disposies constitucionais do art. 7, XXXI (na relao empregatcia, a proibio de qualquer discriminao no tocante a salrio e critrios de admisso do trabalhador portador de deficincia), do art. 24, XIV (poder legiferante concorrente dos entes federativos quanto proteo e integrao social das pessoas portadoras de deficincia), do art. 37, VIII (dever da Administrao Pblica de qualquer dos Poderes das entidades federativas de reservar percentual dos cargos e empregos pblicos para as pessoas portadoras de deficincia e definio dos critrios de sua admisso), do art. 244, a repetir o que est na disposio permanente do art. 227, 2, quanto adaptao dos logradouros, dos edificios de uso pblico e dos veculos de transporte pblico a fim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia.Mas a Constituio no pode conter todos os comandos necessrios sociedade e ao Estado para que se concretize a proteo dos valores que erigiu como essenciais vida da sociedade organizada.O contedo da Constituio e dos demais textos genricos e abstratos est expresso em normas ou regras de conduta que se traduzem em comandos ou ordens em que o verbo o ncleo, pois este a expresso que indica a conduta.Lei das Leis, ou norma geradora de todas as outras, a Constituio necessita de ser explicitada nos valores que protege, nas condutas que deseja imprimir sociedade, nas tarefas que impe para que se atenda aos seus fins legitimadores do uso da fora do Poder. No se diga que a norma constitucional s ter eficcia se e quando houver lei ou ato de vontade parlamentar que regulamente o que a Constituio declara.O 1 do art. 5 enuncia que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata" e o 2 que "os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte".Os direitos constitucionais, que decorrem da supremacia da Constituio, tm aplicabilidade imediata, ainda que no existam leis explicitadoras. certo que elas podem cont-los, mas no podem escamote-los, nem inibir a sua fora.Mas a dispensabilidade das leis para a aplicabilidade dos direitos constitucionais exige que a atuao conjunta do Poder Pblico (atravs das entidades federativas ou esferas governamentais) e da sociedade se faa de forma consciente e integrada, em ateno a uma poltica que seja abrangente o suficiente para permitir que atenda diversidade sociolgica e grandeza territorial do pas e que seja concentrada o suficiente para no ensejar a disperso dos esforos que integram a atividade de tantos agentes sociais.Eis a importncia da Lei federal n 7.853, de 24 de outubro de 1989, ora regulamentada pelo Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, pois estabelece a poltica que a sociedade e as diversas esferas governamentais devem cumprir em tema de tanta relevncia.Compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a proteo e integrao social das pessoas portadoras de deficincia (CF, art. 24, XIV), limitando-se a competncia da Unio a estabelecer normas gerais (art. 24, 1), o que no exclui a competncia legislativa supletiva dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, 2), respeitando estes, evidentemente, a orientao dada pelas normas gerais ditadas pela Unio. No mesmo diapaso, os Municpios, no mbito da regulao dos interesses locais, tm o poder de suplementar a legislao federal e a estadual no que couber (CF, art. 30, II), assim vinculados orientao ditada pelas leis federais e estaduais.Compete, ento, lei federal estabelecer as normas gerais sobre a proteo e a integrao social das pessoas portadoras de deficincia, jungindo aos seus comandos no s os rgos federais, como os dos Estados, do Distrito Federal e dos 5.507 municpios, nos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, e, acima do prprio Poder Pblico, todos os agentes sociais. 5.2. mbito de Incidncia da Lei n 7.853Note-se que embora posicionada como lei ordinria, a Lei n. 7.853/89 tem contedo complementar s normas constitucionais. Tal contedo complementar tambm impregna as normas constantes do Decreto n. 3298, de 20 de dezembro de 1999, que o regulamenta, pois compete ao Chefe do Poder Executivo baixar decreto regulamentando as leis (Constituio, art. 84, IV).Em face do contedo complementar Constituio, a Lei n. 7.853 e o Decreto n. 3.298 constituem diplomas normativos que harmonicamente se integram ao sistema constitucional, sem que se possa vislumbrar a existncia de separadores ou limites compartimentais entre as normas constitucionais, legais e regulamentares, pois a fonte normativa da proteo e da integrao social do deficiente - como tantas vezes j referido - a Constituio.No se pense desta integrao normativa entre a Constituio, a Lei n 7.853 e o Decreto n. 3.298 que da decorra o status de supremacia constitucional para os comandos legais e regulamentares. O que se deve pensar que a lei e o decreto explicitam os comandos constitucionais, deles extraindo no s as opes que a Constituio permite s leis como a poltica de tratamento que se deve dar ao tema de deficientes no momento atual.A Constituio tem sentido de perenidade, e por isso os seus comandos so genricos o suficiente para permitir ao legislador as opes necessrias no sentido de se adaptar s mudanas sociais para, em cada momento histrico, dispor os comandos ao Estado e sociedade no sentido de atender aos parmetros constitucionais.Mas tambm as leis, votadas pelo Poder Legislativo, necessitam de certa generalidade para que possam ser obedecidas pelos destinatrios da norma, problema que em nosso pas merece grande ateno em face da diversidade cultural e das mltiplas necessidades de nossa sociedade que se pretende abrangente dos interesses de milhes de brasileiros.Da se v que o intrprete da Constituio, da lei e do decreto no pode limitar a sua viso do campo de conhecimento que est a investigar, pois deve levar em considerao a integrao normativa entre a Constituio, as leis federais, os decretos governamentais que as regulamentam e, at mesmo, eventuais atos administrativos que intentam atingir os objetivos visados pelas normas de maior densidade. 6. COMENTRIOS LEI N 7.853/896.1. A Ementa da Lei n 7.853A ementa a parte do diploma legal que enuncia, logo antes dos comandos expressos nos dispositivos, os temas que so tratados no ato legislativo.A ementa no integra os dispositivos das leis (os artigos e pargrafos) e visa, to-somente, enunciar os temas para fins de classificao do ato e para permitir a quem consulte o texto legal um sumrio de suas disposies.Assim, a ementa no tem fora normativa prpria, mas normatividade decorrente das respectivas disposies e do sentido que delas se pode extrair:"Dispe sobre o apoio s pessoas portadoras de deficincia, sua integrao social, sobre a Coordenadoria Nacional para integrao da pessoa portadora de deficincia - CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuao do Ministrio Pblico, define crimes, e d outras providncias.Como adiante se ver, a longa ementa da Lei n. 7.853/89 se mostra compatvel com as suas disposies pois no enunciado se encontram os temas tratados nos dispositivos.A seguir da ementa, vm as expresses que tradicionalmente abrem os atos normativos brasileiros, dizendo qual a Autoridade que introduz a norma no mundo jurdico (no caso, o Presidente da Repblica), e a declarao dos respectivos motivos, isto, do fato de que a norma decorreu da vontade do Congresso Nacional. 6.2. O Objetivo da Lei n 7.853/89: Estabelecer Normas GeraisO art. 1 compe-se do caput e de dois pargrafos.O caput enuncia a finalidade ou objetivo da Lei n. 7.853/89 que o de estabelecer normas gerais que assegurem o pleno exerccio dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficincias, e sua efetiva integrao social.Pelo caput, desde logo se v que o objetivo' do diploma legislativo o de cumprir o dever que a Constituio impe Unio, no seu art. 24, XIV, de estabelecer as normas gerais para o cumprimento da tarefa imposta no inciso 11, ltima parte, do art. 23, a todas as entidades federativas e a todos os Poderes da Repblica.Como antes referido, tais normas gerais so de observncia obrigatria dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, bem como, o que bvio, dos respectivos Poderes que os integram.6.3. O Contedo da Lei n 7.853: Assegurar o pleno Exerccio dos Direitos Individuais e Sociais dos Portadores de DeficinciaEst no art. 1 da lei ora em comento que so estabelecidas normas gerais que asseguram "...o pleno exerccio dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficincia...".Eis o objeto ou contedo da Lei n. 7.853: assegurar o pleno exerccio dos direitos individuais e sociais dos portadores de deficincia.Desde logo, necessrio afirmar, como j antes referido, que a fonte dos direitos dos portadores de deficincia a Constituio da Repblica, no as leis; estas, simplesmente, explicitam tais direitos e o modo de seu exerccio.Nem se pretenda extrair da expresso "nos termos desta Lei " tambm encontrada no art. 1, que os direitos dos portadores de deficincia necessitem da explicitao legal para a sua aplicabilidade e efetividade. Como j mencionado, os direitos constitucionais ou fundamentais declarados na Constituio somente podem ser restritos nos termos constantes da prpria Constituio. Assim, a expresso "nos termos desta Lei" merece a denominada interpretao conforme a Constituio - isto , uma interpretao que d compatibilidade da lei com a Constituio e no no intento de colocar a lei em confronto com a Lei Maior - no sentido de que os meios previstos nos demais artigos da Lei n. 7.853/89 no excluem outros que visem assegurar o exerccio dos referidos direitos.6.4. Os Direitos Individuais e Sociais dos Portadores de DeficinciaQuais so os direitos dos portadores de deficincia?O art. 1 enuncia que so os direitos individuais e sociais, cujo contedo seja a efetiva integrao social da pessoa portadora de deficincia.Necessrio explicitar tais termos.Os direitos podem ser vistos pelo prisma subjetivo, isto , da pessoa que os titularizam: direito subjetivo o poder atribudo vontade para satisfao de interesse juridicamente protegido (Andreas von Thur); o interesse juridicamente protegido, na expresso de von Ihering).Tambm podem os direitos serem percebidos pelo prisma objetivo, ou de contedo: direito objetivo a proteo que a ordem jurdica concede a determinado interesse.O interesse a relao entre o indivduo e o bem que vai satisfazer a sua necessidade.Os interesses dos portadores de deficincia esto protegidos de forma genrica em nvel constitucional e legal; a tal proteo que se denomina de direitos objetivos; com referncia aos portadores de deficincia, e desde que se encontrem na situao prevista na ordem jurdica, se diz que so titulares de direitos subjetivos.Direito subjetivo , assim, a situao concreta e individual de determinada pessoa ou determinado grupo no sentido de alcanar um bem de vida que lhe seja necessrio e que seja previsto pela Constituio e pelas leis.Por exemplo, Jos, paraplgico, tem o direito de acesso aos ediflcios, aos logradouros e aos meios de transporte existentes em sua comuna.Direito objetivo, em tal hiptese, o direito declarado no art- 2, pargrafo nico, V, "a".Como titular de direito subjetivo, na hiptese, Jos tem o direito potestativo ( a espcie de direito em que o titular tem o poder de influir na situao jurdica de outrem, sem que este possa ou deva fazer algo, seno se sujeitar) de exigir da empresa de transportes coletivos ou do rgo estatalde transportes pblicos os meios para o exerccio de seu direito. Diz-se em estado de sujeio aquele que se encontra na posio de devedor do direito potestativo. O direito subjetivo ou objetivo compreende diversas faculdades ou poderes, como, por exemplo, no art. 2, pargrafo nico, inciso 1, os diversos aspectos que compreendem o direito educao do portador de deficincia.O caput do art. 1 da Lei n 7.853/89 refere-se aos direitos individuais e sociais.Tal classificao de direitos a mesma que est na Constituio, como se v no art. 6, a se referir aos direitos sociais, em antinomia aos direitos individuais.Tal classificao se remete aos fins do Estado e ideologia poltica que expressa na Constituio e, por derivao desta, nas leis.Neste sentido, os direitos individuais ou direitos liberais so aqueles cujo contedo o de preservar a atuao da pessoa na busca dos bens necessrios sua existncia e desenvolvimento, interditando ao Estado, e em menor grau tambm a sociedade, atuaes que possam inibir o livre desenvolvimento individual.Os direitos liberais tambm so denominados de direitos da 1' gerao, na classificao que Karal Vlasak anunciou em conferncia que pronunciou em 1979 e que levou em conta o trinmio "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" que foi divulgado pela Revoluo Francesa.'Os direitos liberais ou direitos da la gerao visam garantir ao indivduo a liberdade de atuao e por isso tambm so chamados de liberdades pblicas, como, por exemplo, o direito de ir e vir, de no Ter a correspondncia censurada e outros. Todos eles tm contedo negativo, de no ingerncia na liberdade individual.J os direitos sociais, ou direitos da 2' gerao, ou "novos direitos" (na classificao de Pontes de Miranda), visam assegurar o atendimento s necessidades dirias e permanentes do indivduo e correspondem a um programa para implementar e conservar a igualdade material entre os membros da sociedade poltica. Tm contedo positivo - direito educao, sade, justia, lazer, trabalho etc., obrigando no s o Estado como a sociedade.Os direitos da 3a gerao tm por contedo a solidariedade ou fraternidade que deve unir todos os membros da comunidade, em defesa de valores que preponderam sobre os indivduos e os grupos sociais determinados, como o direito ao desenvolvimento, paz, ao meio ambiente e cultura.6.5. Critrios de Interpretao JurdicaDispe o 1 do art. 1 da Lei n. 7.853/89:"Na aplicao e interpretao desta Lei, sero considerados os valores bsicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justia social, do respeito dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros indicados na Constituio ou justificados pelos princpios gerais do Direito ".Aplicar a lei fazer incidir os efeitos da norma a determinado caso concreto.Interpretar apreender o significado da norma.A Hermenutica a cincia da interpretao.Do 1 extrai-se norma de conduta que impele o intrprete a no se restringir aos modos comuns de interpretao (literal ou gramatical, sistemtica, histrica e finalista) e a levar em conta os valores protegidos pelas normas constitucionais e pela prpria lei. Introduz, assim, a interpretao axiolgica ou dos valores.A interpretao literal ou gramatical ou filolgica a que leva em considerao os smbolos grficos contidos na norma, como, por exemplo, a regra bblica "no matars".Tal modalidade de interpretao insuficiente pois, como se v no exemplo acima, do significado lingstico no se pode extrair a permisso da morte em legtima defesa.A interpretao sistemtica leva em considerao no s o significado lingstico do dispositivo, mas tambm outros dispositivos que possam, de alguma forma, indicar o significado da norma que se pretende compreender. Tal forma de interpretao parte do pressuposto de que as disposies legais esto inseridas em um sistema (a ordenao das partes no todo) que, no caso, seria o sistema nacional de proteo e de integrao da pessoa portadora de deficincia.Tal idia, alis, no escapou ao legislador da Lei n 7.853, em cujo art. 1' 1, parte final, no deixou de se socorrer do apelo aos "princpios gerais do Direito" sem que, no entanto, assim como o legislador do Cdigo de Processo Civil, no art. 126, ousasse enunciar quais seriam tais princpios de tanta densidade .A interpretao histrica a que considera a necessidade de atualizar os comandos expressos nos dispositivos levando-se em conta as alteraes sociais, como, por exemplo, o Cdigo Civil, no art. 1081, ao dizer que se considera presente quem contrata por telefone, de onde se extrai o entendimento de que tal tambm se aplica aos meios mais modernos, como, por exemplo, a comunicao atravs do correio eletrnico, o que seria impensvel para o venerando Clvis Bevilacqua.A interpretao finalista, tambm chamada teleolgica, a que leva em conta os fins visados pela norma. Alis, o 2 da lei ora em comento expresso de tal modo de interpretao, ao explicitar os fins visados pela Lei:"As normas desta lei visam garantir s pessoas portadoras de deficincia as aes governamentais necessrias ao seu cumprimento e das demais disposies constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminaes e os preconceitos de qualquer espcie, e entendida a matria como obrigao nacional a cargo do Poder Pblico e da sociedade."6.6. Supremacia da Interpretao Axiolgica: o Valor que Predomina na Questo da Pessoa Portadora de DeficinciaMas a interpretao axiolgica vai muito mais longe que a interpretao teleolgica, atuando em uma dimenso que transcende os limites dos meios de interpretao literal, sistemtico e histrico.H de se distinguir entre dispositivo, norma e valor.O dispositivo o conjunto grfico ou texto da lei, como, por exemplo, no art. 121 do Cdigo Penal, a expresso: "Matar algum - pena de seis a vinte anos de recluso", ou o smbolo grfico com um cigarro, atravessado por uma faixa diagonal, dentro de um crculo. A norma o comando que se extrai do dispositivo: do art. 121 do Cdigo Penal se extrai o comando "no matar" e do antes mencionado smbolo grfico o comando de "no fumar".Ao proibir matar, o Cdigo Penal protege o valor da vida humana; ao proibir fumar em determinado ambiente, pretende-se garantir o valor da sade.O valor protegido pela norma o objeto da interpretao axiolgica.Os valores bsicos que a Lei n. 7.853/89 destaca so:- a igualdade de tratamento e oportunidade;- a justia social,- o respeito dignidade da pessoa humana;- o bem-estar e- outros indicados pela Constituio ou justificados pelos princpios gerais do Direito.Os valores descritos no diploma legal em comento mostram-se compatveis com as normas constitucionais e devem merecer a antes mencionada "interpretao conforme a Constituio", de forma a garantir a supremacia da Lei das Leis.Evidentemente, em determinado caso concreto (e nunca hipoteticamente, pois somente na verificao do fato concreto que se pode selecionar o valor que vai predominar!), havendo conflito entre os valores antes mencionados, de forma tal que ao intrprete parea que um valor exclua a precedncia do outro, deve o mesmo se socorrer do critrio de interpretao axiolgica denominado de "teoria da proporcionalidade" ou "teoria da adequao dos meios".Tal critrio tem por contedo sopesar os valores em conflito em cada caso e fazer valer aquele que, motivadamente, deve predominar no caso em julgamento.Entre tantos valores (os enunciados pela Lei n. 7.853/89, no art. 1, 1, inclusive os indicados na Constituio e os justificados pelos princpios gerais do Direito) natural que incorra o intrprete no risco de se perder entre tantos comandos legislativos e, ainda que busque amparo no critrio hermenutico da proporcionalidade, certamente ir sempre investigar qual o valor que predomina entre tantos outros.O que predomina, em todos estes casos, o critrio do respeito dignidade da pessoa humana, no por que est declarado no art. 1, 1, da Lei ora em comento, mas em face de sua sede e origem no art. 1, 111, da Constituio de 1988, de contedo individualista, a fazer valer os direitos individuais em prol da realizao de cada pessoa. O credo liberal que posicionou a dignidade da pessoa humana como o valor que deve prevalecer sobre todos os demais.6.7. O Ncleo dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficincia: oDireito Integrao SocialQual o ncleo dos direitos da pessoa portadora de deficincia, aquele que conduziu a Lei n. 7.853/89, no seu art. 2, a longamente expor as diversas medidas que entendeu necessrias para o atendimento ao dever constitucional de proteo?Ao dispor no art. 24, XIV, que compete Unio, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre a proteo e integrao social das pessoas portadoras de deficincia, a Constituio percebeu o portador de deficincia como aquele que tem dificuldade de se relacionar, de se inserir no contexto social e econmico, de realizar os seus direitos de cidadania:"O que define a pessoa portadora de deficincia no a falta de um membro nem a viso ou audio reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficincia a dificuldade de se relacionar, de se integrar na sociedade. O grau de dificuldade para a integrao social que definir quem ou no portador de deficincia. "Alis, tal o conceito e o valor posto como maior pela Lei n. 7.853/89, ao se referir no art. 1, caput, "integrao social", no 1 "igualdade de tratamento e oportunidade," da justia social,` do respeito dignidade da pessoa humana, do bem-estar;" no 2 "afastadas as discriminaes e os preconceitos de qualquer espcie".O Decreto n. 3.298/99, em seu art. 3, inciso I, considerou a deficincia como "... toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou funo psicolgica, fisiolgica ou anatmica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padro considerado normal para o ser humano " e a incapacidade como "... uma reduo efetiva e acentuada da capacidade de integrao social, com necessidade de equipamentos, adaptaes, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficincia possa receber ou transmitir informaes necessrias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de funo ou atividade a ser exercida ".Da se v que o direito gerador do feixe dos direitos do portador de deficincia o direito de se integrar sociedade, vencendo os obstculos e os entraves que inibem o seu poder, inerente a todo ser humano, de garantir a sua existncia e de realizar o seu desenvolvimento pessoal e alcanar a felicidade.Mas a extenso do direito de integrao somente pode ser percebida no caso concreto, de acordo com as necessidades de cada um grupo de deficincias, ou mesmo levando em conta a situao individual da pessoa.Assim, h uma contradio imanente ao tema da proteo e de integrao social da pessoa portadora de deficincia.Da Constituio e das leis podemos extrair normas que intentam tal desiderato, mas somente no caso concreto, pesquisando as condies sociais, econmicas, culturais - e tudo o que for relevante.`Somente na percepo dos fatos, da prpria Histria, no caso concreto, que se pode afirmar se incidem os efeitos constitucionais e legais de proteo e de integrao social ao portador de deficincia. 6.8. Tarefa do Estado e da Sociedade: a Integrao Social da Pessoa Portadora de DeficinciaO 2 do art. 1 da Lei n 7.853/89 expressa os objetivos das normas baixadas pelo mesmo diploma legal:` As normas desta Lei visam garantir s pessoas portadoras de deficincia as aes governamentais necessrias ao seu cumprimento e das demais disposies constitucionais e legais que lhes concernem, afastadas as discriminaes e preconceitos de qualquer espcie, e entendida a matria como obrigao nacional a cargo do Poder Pblico e da sociedade".Ao dizer que as normas visam garantir ao portador de deficincia as aes governamentais, a disposio no pode ser interpretada no sentido de somente instituir dever aos rgos governamentais, assim excluindo os demais agentes sociais. certo que somente a lei poderia se dirigir aos rgos governamentais pois o Governo" que impe as condutas sociedade, pois impor condutas o ato prprio do poder.Contudo, logo a seguir, o mesmo dispositivo enuncia: " ... entendida a matria como obrigao nacional a cargo do Poder Pblico e da sociedade", assim instituindo dever jurdico de todos os agentes sociais e no somente ao Poder Pblico, em norma perfeitamente adequada s tarefas da sociedade ou os objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil enunciados no art. 3, mormente o inciso IV, da Constituio de 1988.7. COMENTRIOS AO ART. 2 DA LEI N 7.853/897.1. Medidas de Implementao dos Direitos da Pessoa Portadora de DeficinciaDo direito integrao social decorre o direito especfico ao portador de deficincia de obter os meios necessrios para vencer os entraves decorrentes da prpria deficincia. o que est expresso no art. 2 da Lei n 7.853/89, ao dispor sobre o que denomina "medidas", atividades ou condutas a cargo do Poder Pblico e da sociedade com o desiderato de alterar as condies vigentes em determinado momento histrico.7.2. As Medidas Previstas no Art. 2 da Lei n 7.853/89 Tm Carter Exemplificativo e no Excluem outras ProvidnciasNo pargrafo nico do art. 2 so estabelecidas diversas providncias que no esgotam as medidas de proteo e integrao do portador de deficincia menos por que est expresso no dispositivo a expresso "sem prejuzo de outras" como pela relevante circunstncia de que tais medidas como antes reiteradamente mencionado - no tm fonte na lei mas na prpria Constituio e, assim, imune s limitaes legais.7.3. As Medidas do Art. 2 So Tendentes a Viabilizar o Exerccio dos Direitos do Portador de Deficincia nos seus Diversos Papis SociaisEnquanto no sculo XIX, com a predominncia do ideal liberal clssico, poder-se-ia imaginar que o indivduo exercitasse plenamente, em p de igualdade absoluta com os demais integrantes da comunidade, os direitos econmicos e sociais, e assim prevalecendo o princpio da igualdade formal de todos perante a ordem jurdica, no sculo XX - e certamente muito mais neste sculo XXI que agora se inicia - a pessoa humana poder ser percebida na imensido de seu universo pessoal, que a faz absolutamente distinta dos outros seres humanos.O universo que existe em cada um de ns absolutamente individual, e todos ns temos o inalienvel direito de resguardar a nossa personalidade, lutarmos pelos nossos sonhos, alcanar os bens da vida postos disposio de toda a comunidade, exercitarmos, com plenitude, a nossa cidadania.E assim importa o indivduo no pela hipcrita igualdade formal, mas pelos papis que exerce nos diversos grupos sociais em que est inserido, da advindo as conseqncias jurdicas do respectivo estatuto.O Cdigo Civil intentou regular a vida do indivduo desde o nascimento at a morte; a legislao do sculo XXI cada vez mais atentar para as caractersticas da pessoa, para o seu status pessoal, considerando o seu especfico papel de consumidor/fornecedor de servios, de estudante/ professor, pai/filho, marido/mulher, companheiro/companheira etc.E a legislao de proteo e de integrao do portador de deficincia , justamente, o exemplo de tal situao, pois regula o status daquele que, em face de determinada condio pessoal, ganha superioridade jurdica para compensar, to-somente no que for necessrio, a sua inferioridade social.O disposto no art. 2 expresso ao apontar os diversos papis sociais da pessoa a ser favorecida para a sua plena insero na sociedade:"Ao Poder Pblico e seus rgos cabe assegurar s pessoas portadoras de deficincia o pleno exerccio de seus direitos bsicos, inclusive dos direitos educao, sade, ao trabalho, ao lazer, previdncia social, ao amparo infncia e maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituio e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econmico." Assim, o fato da deficincia pode conduzir proteo jurdica especfica em determinado papel social do indivduo - como por exemplo, na educao - mas sem acarretar as mesmas conseqncias em face de outro papel social que pelas caractersticas dispense tal proteo - como, por exemplo, no trabalho.O que a lei fala em "direitos bsicos, inclusive dos direitos ...", a indicar que, se o rol no exaustivo, as medidas ali referidas tambm no dispensam outras, posto que a incidncia da proteo somente pode ser apurada no caso concreto.A incidncia da proteo no caso concreto, ou aplicao tpica` dos direitos ora em comento, tambm no dispensa, antes exige, que no se perca de vista o carter multidisciplinar da proteo prometida pela ordem jurdica, pela bvia impossibilidade de s