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COMMUNICARE COMMUNICARE CIP - Centro Interdisciplinar de Pesquisa Co unicare Revista de Pesquisa Co unicare mm mm Faculdade Cásper Líbero 6 Vol. 6 - nº 2 - 2º semestre 2006 - ISSN 1676-3475 2 6 Revista de Pesquisa Nesta edição: • Comunicação: Tecnologia e Política • Comunicação: Meios e Mensagens • Comunicação e Mercado • Resenhas

COMMUNICARE - casperlibero.edu.br · Reinaldo Miranda de Sá Teles “Turismo no Parque Nacional de Iguaçu: estratégias de comunicação” Roselita Lopes de Almeida Freitas “A

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COMMUNICARECIP - Centro Interdisciplinar de Pesquisa

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Faculdade Cásper LíberoAv. Paulista 900 - 6º andar - São Paulo - SP (Brasil) CEP: 01310-940Telefax: (11) 3170-5878 www.facasper.com.br/cip - [email protected]

Revista de Pesquisa

Co unicaremmmmFaculdade Cásper Líbero

6Vol. 6 - nº 2 - 2º semestre 2006 - ISSN 1676-3475

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Revista de Pesquisa

Nesta edição:• Comunicação:

Tecnologia e Política• Comunicação: Meios e

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Mercado• Resenhas

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Revista Communicare

Vol. 6 – nº 2 – 2º semestre 2006 – ISSN 1676-3475

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Revista de PesquisaRevista de Pesquisa

CIP - Centro Interdisciplinar de Pesquisa

Vol. 6 - nº 2 - 2º semestre 2006 - ISSN 1676-3475

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Faculdade Cásper Líbero

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Communicare: revista de pesquisa / Centro Interdisciplinar dePesquisa, Faculdade Cásper Líbero. – v. 6, nº 2 (2006). – São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2006.

SemestralISSN 1676-3475

1. Comunicação social periódicos I. Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero

CDD 302.2

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Faculdade Cásper Líbero

Faculdade Cásper Líbero

Fundação Cásper Líbero

Presidente da Fundação Cásper Líbero: Paulo CamardaSuperintendente Geral: Sérgio Felipe dos SantosDiretor da Faculdade: Tereza Cristina Vitali

Centro Interdisciplinar de Pesquisa

Coordenador Geral do CIP: José Eugenio de Oliveira MenezesMonitoria do CIP: Arthur Fujii, Camila Ferreira Mendonça, Camila Ploennes e Leika Ejiri

Revista Communicare

Faculdade Cásper Líbero

Editores: José Eugenio de Oliveira Menezes e Luís Mauro Sá Martino

Conselho Consultivo:Adriano Duarte Rodrigues (Universidade Nova de Lisboa) / Alberto Efendy Maldonado (Unisinos) / Cláudio Novaes Pinto Coelho (FCL) / Dimas Antonio Künsch (FCL) / Erasmo de Freitas Nuzzi (FCL) / Guilhermo Orozco Gómez (Universidad de Guadalajara) / Heloíza Gomes de Matos (FCL) / Irineu Guerrini Jr. (FCL) / Ivone Lourdes de Oliveira (PUC-MG) / Joana Puntel (Sepac) / Juremir Machado da Silva (PUC-RS) / Laan Mendes de Barros (FCL) / Liana Gottlieb (FCL) / Luiz Carlos Assis Iasbeck (UPIS-DF e UCB-DF) / Luiz Henrique de Toledo (UFSCar)/ Magda Rodrigues da Cunha (PUC-RS) / Malena Segura Contrera (UNIP) / Margarida Maria Krohling Kunsch (USP) / Maria Aparecida Baccega (USP e ESPM) / Maria Tereza Quiroz Velasco (Universidad de Lima) / Nilda Jacks (UFRGS) / Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pirez (PUC-MG) / Wilson da Costa Bueno (UMESP).

Comissão Editorial desta edição:

Versão para o inglês: Anna Carolina Negrini Fagundes.

Versão para o espanhol: Antón Castro Míguez.

Ilustrações: Arthur Fuji, Hamilton Dertonio, Ricardo Seyssel, Ricardo Senise.

Revisão: Antón Castro Míguez, Débora Marie Tamayose, Else Lemos, Sonia Breitenwieser Alves dos Santos Castino e Thais Montenegro Chinellato.

Projeto gráfico e arte: TERRA Comunicação Editorial.

Diagramação: Douglas Thiago Pereira.

Tiragem: 1.000 exemplares.

RedaçãoFaculdade Cásper LíberoAv. Paulista, 900 - 6º andar - São Paulo - SP - CEP: 01310-940Telefax: (11) 3170-5878E-mail: [email protected]

Deseja-se permuta / Exchange is desiredExemplares avulsos: www.facasper.com.br/cip

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Pesquisadores docentes no 2º semestre de 2006 e pesquisas em desenvolvimento

Adalton Franciozo Diniz“O Jornal A Província de São Paulo e a idéia de uma ‘pátria paulis-tana’ nos anos finais do Império”

Andréa Florentino“A sedução do olhar: o design gráfico como estratégia de comu-nicação da marca”

Antón Castro Míguez“A Columna - o início da imprensa judaica no Brasil. Imigração e organização comunitária dos judeus sefaradim no Brasil através da análise do jornal A Columna”

Antonio Roberto Chiachiri Filho“Ícones do sabor. A comunicação por meio de imagens gastronômica”

Bruno Hingst“As novas tecnologias integradas no processo de comunicação or-ganizacional nas grandes empresas”

Débora Marie Tamayose“O implícito nos discursos sobre responsabilidade social das or-ganizações”

Dimas Antonio Künsch“Jornalismo e pensamento complexo”

Edson Flosi“Por trás da notícia: o processo de criação das grandes reportagens”

Ethel Shiraishi Pereira“Mercantilização da cultura: espaços públicos e a presença das empresas no universo dos eventos”

Hamilton Dertonio“A personificação do super-herói como estratégia do consumo infantil”

Igor Fuser“O jornal O Estado de S. Paulo e a política externa brasileira durante o regime militar (1964-1985)”

Irineu Guerrini Jr.“Rádios educativas: o ideal e o real”

Liráucio Girardi Júnior“A produção social de sentido nos estudos de recepção: a questão da ‘eficácia simbólica’”

Luiz Adriano Daminello“Folclore e modernização: um estudo a partir das pesquisas de Mário de Andrade”

Magaly Prado“Rádio na Web como uma alternativa eficiente de comunicação”

Maurício Luis Marra“Panoramas e cenários da comunicação hospitalar paulistana”

Maria Juvêncio Sobrinho“A politização do discurso sobre globalização e abertura da eco-nomia brasileira na imprensa paulista - O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo”

Mônica Brincalepe Campo“Olhar eletrônico e televisão Gazeta: a produção independente e sua parceria com a televisão aberta dos anos 80”

Reinaldo Miranda de Sá Teles“Turismo no Parque Nacional de Iguaçu: estratégias de comunicação”

Roselita Lopes de Almeida Freitas“A construção biográfica numa perspectiva jornalística. Um ensaio sobre o Sr. João Jorge Saad e o futuro da Comunicação em Massa no Brasil na era da globalização”

Thais Montenegro Chinellato“Gêneros textuais: análise de modelos representativos”

Walter Freoa“A recepção da mensagem publicitária on-line entre os jovens brasileiros”

Pesquisadores discentes no 2º semestre de 2006 e pesquisas em desenvolvimento

Alessandra de Assis Perrechil“O espaço da violência no filme Pulp Fiction, de Quentin Tarantino”

Cinthia dos Santos Montagner“A poesia como estratégia argumentativa em anúncios publicitários”

Daniele Lopes Cardoso“A internet como meio de comunicação nas Relações Públicas”

Denis Paulo“A vida da morte em Dragon Ball”

Francisco Egydio de Carvalho“O instrumento musical erudito: protagonista de um discurso não utilitário”

Guilherme Augusto Pichonelli“Da teoria crítica à nova crítica alemã: os conceitos de imagem e corpo em Dietmar Kamper”

Izabelle Cristine Carbonar do Prado“O discurso feminino na Revolução Farroupilha: o processo de adaptação de uma obra literária para a televisão”

João Guilherme Bertholini Massaro“O incentivo, a crítica e a incorporação da cultura yuppie no ci-nema americano”

Lucilene Melhado Isler“Marketing promocional e cultura brasileira: Copa do Mundo de 2006”

Marcela Rosa Mastrocola“Aventuras na História: intermediários culturais, mercado editorial e cultura de consumo”

Sônia Michelle Campestrini de Almeida“A pesquisa acadêmica nos cursos de turismo das Instituições de Ensino Superior da cidade de São Paulo” William Youshio Lima Koike“A presença da publicidade e da propaganda nos programas infantis”

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SumárioAPRESENTAÇÃO

Construindo uma política de pesquisa Constructing a research politicsJosé Eugenio de Oliveira Menezes e Luís Mauro Sá Martino................................................9

ARTIGOS

COMUNICAÇÃO: TECNOLOGIA e POLÍTICA

Medios de comunicación y poder: la coincidencia de los martes 11 de septiembre. Apuntes a propósito de la muerte de Pinochet. Communication media and power: the coincidence of Tuesdays, 11th September. Notes about Pinochet’s deathRodrigo Browne Sartori e Víctor Silva Echeto.....................................................................15

Os media e a ideologização da mercadoriaThe media and the ideologization of merchandise Rui

Ser é ser percebido. Sobre um pensador da comunicação que jamais foi, apesar de sempre ter sido: Günther AndersTo be is to be perceived. About a Communication thinker that never was, although he had always been: Günther AndersC

Com que mãos eu vou? As mãos na comunicação e na culturaWhich hand shall I use? The hands in communication and culture Elisabeth Leone Gandini Romero...........................................................................................39

Visibilidade e tautologia Visibility and tautology Paulo Roberto Masella Lopes ................................................................................................49

COMUNICAÇÃO: MEIOS E MENSAGENS

Ficção Seriada: o prazer de re-conhecer e pré-verSerialized fiction: the pleasure of re-match and pre-viewMaria Lourdes Motter e Maria Cristina Palma Mungioli......................................................59

Blogs jornalísticos e credibilidade: cinco casos brasileirosJournalistc blogs and trust: five Brazilian casesRogério Christofoletti e Ana Paula França Laux....................................................................71

Interatividade na televisão: a globalização pelos gênerosInteractivity on television: the globalization by the genresAna Carolina Pessoa Rocha Temer e Márcia Perencin Tondato .........................................83

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Mitologias no imaginário da publicidadeMythologies in the imaginary of the advertisingThais Montenegro Chinellato.............................................................................................97

COMUNICAÇÃO E MERCADO

O cenário de mudanças globais na publicidade e o conceito de cadeia produtiva aplicado ao mercado mineiroThe global changing scenery in Advertising and the concept of supply chain applied to the market of Minas Gerais Janaina Maquiaveli Cardoso, Letícia Lins, Luciana de Oliveira, Vanice Guedes e Wald

Os jovens na Web: as mudanças e o perfil do jovem contemporâneo diante da publicidade na internetYouth at the Web: the changes and the profile of the contemporay youth in front of Internet AdvertisingWalter

RESENHAS

A comunicação e a televisão: uma análise crítica LIMA, Venício Artur de; CAPPARELLI, Sérgio. Comunicação e televisão: desafios da pós-globalização.Débora Marie Tamayose......................................................................................................143

A poética da realidade da mídiaLUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação.Luís Mauro Sá Martino.......................................................................................................147

Historiografia e construção do conhecimento históricoARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método.Guilherme Grandi.................................................................................................................151

Os mitos da imprensa liberal: denúncia e alternativaMcCHESNEY, Robert W. The problem of the media: U.S. communication politics in the 21st century. New York: Monthly Review Press, 2006.Igor Fuser.

Normas para o envio de originais 159

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Apresentação

José Eugenio de Oliveira Menezes

Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USPDocente e Coordenador Geral de Pesquisa

da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Luís Mauro Sá MartinoDoutor em Ciências Sociais pela PUC-SP

Docente da Faculdade Cá[email protected]

Construindo uma política de pesquisa

Constructing a research politics

A edição 6.2 da Communicare, referente ao segundo semestre de 2006, publicada em maio de

2007, marca o aprimoramento da polí-tica de pesquisa da Faculdade Cásper Líbero no momento em que a instituição comemora 60 anos (1947-2007) e traba-lha com perspectivas e projetos para os próximos anos. Neste contexto, o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI – 2006/2010), ao enfatizar a importância da criação e produção do conhecimen-to e do saber por meio de atividades de ensino e pesquisa nos cursos de graduação e na pós-graduação stricto e lato sensu, pontua a importância das atividades de iniciação científica e de pesquisa docente.

A política de pesquisa manifesta-se no contexto de construção do campo

das Ciências da Comunicação, tecida dia após dia através do trabalho de docentes e discentes de todo o Brasil e expressa-se especialmente em fóruns, congressos e publicações como a Communicare. Insere-se também, especialmente no caso da Cásper Líbero, no diálogo dos pesquisadores que investigam a partir das peculiaridades dos cinco cursos de graduação (Jornalismo, Publicidade, Turismo, Relações Públicas e Rádio e Televisão) com os docentes e pesqui-sadores do mestrado em Comunicação, com área de concentração em Comuni-cação na Contemporaneidade.

Ao apresentarmos os textos deste número começamos lembrando que anos atrás, em uma palestra na PUC-SP, o pensador português Boaventura Sousa Santos definiu o que entendia

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Construindo uma política de pesquisa

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por “teoria crítica”: “É uma teoria que não se conforma com a realidade”. A simplicidade aparente da definição esconde as implicações decorrentes: não se trata de uma postura teórica, mas prática: pensar criticamente é ver o cotidiano com olhos atentos, sob a in-vestigação rigorosa do pensamento, sem deixar de levar em conta que o habitat do homem é criado por ele mesmo – ao menos até agora.

A força do pensamento crítico é de-monstrada a cada dia pela vitalidade de suas aplicações. Neste número de Com-municare há uma unidade subjacente à diversidade dos artigos. Trata-se das

possibilidades de conhe-cimento da realidade nas diversas mídias.

O número abre com um artigo do professor Ciro Marcondes Filho, da USP, no qual são dis-cutidas as idéias do pen-sador alemão Günther Anders, visionário que nos anos 50 já previa a progressiva substituição do homem pela máquina e mostrava o quanto a realidade poderia ser

ilusória quando trabalhada até o extre-mo pela técnica. O mundo deixava de ser real para se tornar hiper-real, pelo menos trinta anos antes de Baudrillard publicar “Simulacros e Simulações”.

A realidade transformada em ima-gem, a imagem transformada em merca-doria do hiper-real é também a temática de Rui Pedro Fonseca em “Os Media e a Ideologização da Mercadoria” e de Paulo Roberto Lopes, em “Visibilidade e Tautologia”. Uma aposta semelhante na técnica como maneira de aproximar o público e o produtor está na proliferação dos blogs com conteúdo jornalístico, modificando – ou mesmo apagando – as fronteiras entre a criação e a veiculação

da notícia, em uma nova forma de rela-cionamento com a realidade. Rogério Christofoletti e Ana Paula França Laux discutem a questão em Blogs jornalís-ticos e credibilidade: cinco casos bra-sileiros, com ênfase na perspectiva da interatividade. O outro lado, a produção do sentido pelo público consumidor da mídia virtual é estudada por Walter Freoa em Os jovens na Web – as mudan-ças e o perfil do jovem contemporâneo diante da publicidade na internet, onde aspectos da cultura de rede e seus pro-tagonistas são enfatizados. O resultado é uma amostra das características desse público anônimo, mas nem por isso me-nos ativo, que está do outro lado da tela e do teclado do computador.

No entanto, se a divisão entre reali-dade e versão é colocado em xeque na produção de reportagens, no entreteni-mento essa divisão também está enfren-tando uma série de desafios a superar. A diluição dos limites entre o real, o virtual e o imaginário é ainda mais forte na mídia ficcional, onde o compromisso com o público não é informar, mas en-treter. Ana Carolina Pessoa Rocha Temer e Márcia Perencin Tondato destacam as-pectos da questão em Interatividade na televisão: a globalização pelos gêneros. Em Ficção Seriada: o prazer de re-co-nhecer e pré-ver, as professoras Maria Lourdes Motter e Maria Cristina Palma Mungioli enfatizam as relações entre diferença e repetição na construção de uma realidade já esperada e desejada pelos expectadores.

A repetição, bem como a utilização ritual dos gêneros, não poderia deixar de evocar o poder de evocação das narrativas míticas. Não é por acaso que uma discussão sobre a construção do real pela mídia se volte, necessariamen-te, para as questões referentes a uma mitologia cotidiana – tema explorado já por Roland Barthes e Edgar Morin, em momentos e chaves de análise

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José Eugenio de Oliveira M. e Luís Mauro Sá Matrtino

diferentes – para a compreensão do im-pacto contemporâneo da mídia. É esse o caminho do artigo Central do Brasil, de Walter Salles: um trajeto mítico em busca da palavra plena, de Vanessa Brasil Campos Rodríguez. Na mesma linha, Thais Chinellato discute o ritual e o mito em Mitologias no imaginário da publicidade.

O símbolo e a representação, ex-plica Susane K. Langer1 são duas das principais características que separam o homem dos outros animais. Trata-se de entender como as novas mídias desafiam essa produção simbólica a sobreviver diante da técnica – o que separa o homem das máquinas.

Nesta edição, como observamos na breve apresentação de cada texto, está presente a nova configuração das Linhas de Pesquisa do CIP – Centro In-terdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero. As ementas das Linhas de Pesquisa do CIP podem nortear os pesquisadores que tenham interesse em publicar nas próximas edições.

A Linha de Pesquisa 1 – Comuni-cação: Tecnologia e Política estuda os processos de comunicação no contexto das modificações tecnológicas e culturais proporcionadas pelas redes da socieda-de contemporânea, os novos formatos de rádio e televisão, a participação dos meios de comunicação na constituição do espaço público e as políticas institucionais e/ou públicas de comunicação. Seus eixos temáticos são: políticas de comunicação; tecnologia e cultura de rede; rádio e tele-visão no universo das redes; comunidades virtuais e processos colaborativos.

A Linha de Pesquisa 2 – Comunica-ção: Meios e Mensagens estuda os con-teúdos e/ou produtos veiculados pelos meios de comunicação, a comunicação nos meios tradicionais e nas novas

mídias, as relações entre informação e entretenimento/espetáculo, o imaginá-rio e a cultura da imagem, bem como as formas de interação dos receptores/usu-ários com os meios e suas mensagens. Seus eixos temáticos são: comunicação e cultura visual; jornalismo e espetácu-lo; narrativas da contemporaneidade; comunicação e recepção.

A Linha de Pesquisa 3 – Comuni-cação e Mercado estuda e/ou propõe respostas às demandas institucionais e mercadológicas contemporâneas nos campos de atuação da Publicidade, da Propaganda e Marketing, das Relações Públicas e do Turismo; investiga o processo de inserção dos profissionais formados pela Cásper Líbero nos mais diversos setores da sociedade. Seus eixos temáticos são: cultura e mercado publicitário; ética e comunicação orga-nizacional; pesquisa aplicada em Turis-mo e a inserção social dos profissionais formados pela Cásper Líbero.

A apresentação do presente número, assinada por dois professores da insti-tuição, indica que José Eugenio de O. Menezes conclui dois anos de trabalho à frente da publicação e que as próximas edições estarão sob a orientação do Prof. Luís Mauro Sá Martino.

O editor que deixa a publicação e o novo editor agradecem a competente atuação dos pareceristas relacionados no Conselho Consultivo e a solidária participação dos colaboradores, pro-fessores e alunos da Cásper Líbero e de outras instituições, relacionados na Comissão Editorial, que participam do fascinante processo de publicação das contribuições daqueles que tecem os fios das Ciências da Comunicação.

1 Susanne K. Langer, Philosophy in a New Key. Nova York: Mentor Books, 1964. p. 34.

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Construindo uma política de pesquisa

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Artigos

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Comunicação: Tecnologia e Política

Rodrigo Browne SartoriUniversidad Austral de Chile - Valdivia

[email protected]

Víctor Silva EchetoUniversidad de Playa Ancha - Chile

[email protected]

Resumo

O presente artigo propõe um paralelo entre os afetos e os efeitos que se produzem a partir dos 11 de setembro de 1973 e 2001, no Chile e nos EUA, respectivamente, e como este último país não só foi vítima do 11/09/2001, como também participou ativa e clandestinamente no conflito político do primeiro destes (11/09/1973). Intervenção que mudou a história do referido país latino-americano. As reflexões aqui expostas caminham juntas às posturas teórico-práticas de Edward Said, Ariel Dorfman e Armando Uribe, entre outros reconhecidos intelectuais.

Palavras-chave: 11 de setembro, orientalismo, comunicação, poder.

Abstract

This article proposes a parallel between the affects and effects incurred from the events of September 11th, 1973 and 2001 in Chile and the United States, respectively; and how the later not only was the victim of 11-09-2001 but participated actively -though clandestinely- in the former event (11-09-1973), an intervention which changed the history of that Latin American country. The reflections exposed in this article go hand in hand with the theoretic-practical stances of Edward Said, Ariel Dorfman and Armando Uribe among other renowned intellectuals.

Key words: September 11th; Orientalism; communication; power.

Resumen

El presente artículo propone un paralelo entre los afectos y los efectos que se producen a partir de los 11 de septiembre de 1973 y 2001 en Chile y EE.UU., respectivamente y cómo este último país no sólo fue víctima del 11-S-2001, sino que participó activa y clandestinamente en el conflicto político del primero de éstos (11-S-1973). Intervención que cambió la historia de dicho país latinoamericano. Las reflexiones aquí expuestas van de la mano con posturas teórico-prácticas de Edward Said, Ariel Dorfman y Armando Uribe, entre otros reconocidos intelectuales.

Palabras clave: 11 de septiembre, orientalismo, comunicación, poder.

Medios de comunicación y poder: la coincidencia de los martes 11 de septiembre y

apuntes a propósito de la muerte de Pinochet

Communication media and power: the coincidence of Tuesdays, 11th September.

Notes about Pinochet’s death.

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Medios de comunicación y poder: la coincidencia...

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como con los países en vías de desarrollo: China, Indochina, Oriente Próximo, África y Latinoamérica. Bajo dicha lógica, el político prosigue dividiendo al planeta en dos gran-des bandos: los “países desarrollados” y los países del “Tercer Mundo”. Para Kissinger: “(…) nosotros (Estados Unidos) tuvimos nuestra revolución newtoniana, ellos, no; como pensadores, nosotros somos mejores que ellos”1.

Como consecuencia de lo expuesto anteriormente, Said rescata del año 1907 las siguientes palabras de un representante británico en Egipto, quien era considerado como el dueño de esta colonia. Se trata de Eveling Baring, más conocido como lord Cromer: “La falta de exactitud, que fácilmente degenera en falsedad, es en realidad la principal característica de la mente oriental (...) El europeo hace razo-namientos concienzudos (...) y su diestra inteligencia funciona como el engranaje de una máquina”2. En síntesis, las aproxi-maciones que se pretenden acercar a la verdad sobre el Otro lo catalogaban como una persona desordenada “– (...) igual que sus pintorescas calles...”3 – que no es capaz de hilar ideas en forma estructurada, carentes de la lucidez del occidental y, además, unos mentirosos empedernidos. Al respecto comenta Said: “Bien, las líneas de demarcación son trazadas en su mayor parte del mismo modo en que Balfour y Cromer lo hicieron”; no obstante entre Kissinger y los imperialistas británicos hay por lo menos sesenta años de diferencia.

Numerosas guerras y revoluciones han demostrado de manera concluyente que el estilo profético prenewtoniano que Kissinger asocia con los países ‘inexactos’ y en vías de desarrollo y con la Europa anterior al Congreso de Viena no ha dejado de tener sus éxitos”4.

1 Edward Said. Orientalismo, p. 71.2 Edward Said. Op. cit., p. 61.

3 Edward Said. Op. cit., p. 61.4 Edward Said. Op. cit., p. 71.

Introducción a los 11 de septiembre

a muerte de Pinochet no pasó desapercibida en ningún lugar del planeta. Los funerales y el

fanatismo de un sector de los chilenos que, por una parte, celebraban el hecho y, por otra, lloraban su fallecimiento, invita a recordar ciertas decisiones que, en su momento, marcaron el futuro de una sociedad que vive con las huellas del terrorífico genocidio.

En un contexto socio-político diferente y bajo nuevos enemigos a quien confrontar, los atentados a las Torres Gemelas marcaron el futuro de un país que se consideraba

intocable y que coinciden-temente – hace veintiocho años- había apoyado, desde el anonimato, el golpe de Estado en Chile que catapul-taba, por casi dos décadas y como único líder, a Augusto Pinochet Ugarte. Las inter-venciones – bombardeo a La Moneda y ataque al World Trade Center – tienen un claro y preciso denomina-dor común: ambas acciones acontecieron días martes 11 de septiembre.

Para referirse a los fortuitos martes 11 de septiembre, consideramos oportuno comen-zar con un breve ejemplo que es recogido por Edward Said de los acontecimientos político – económicos de los años setenta. Década en la cual fue publicada una de sus obras más reconocidas, Orientalismo (1978). En el trabajo, este autor se refiere al denominado método Kissinger, aludiendo a Henry Kissinger – Premio Nobel de la Paz en 1973 (curiosamente el mismo año del golpe de Estado en Chile). En palabras de Said, Kissinger en uno de sus discursos marca una polaridad entre EE.UU. y el resto del mun-do y aclama que esta diferencia no es tan pronunciada con el Occidente industrial,

L

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Rodrigo Browne Sartori e Víctor Silva Echeto

5 Michael Hardt y Antonio Negri. Imperio.6 Christopher Hitchens. Las pruebas contra Kissinger. In: El País, p. 3.7 Antonio Méndez Rubio. Encrucijadas. Elementos de crítica de la cultura.8 Antonio Méndez Rubio. Op. cit., p.103.

9 Armando Uribe. Carta abierta a Agustín Edwards, p. 5.

trata o fuerza un asesinato, “(...) podemos decir, sin temor a equivocarnos, que hay razones para suponer que es culpable de complicidad directa en el asesinato de un funcionario democrático y pacífico”6.

Así también lo confirma Antonio Mén-dez Rubio7, al indicar que el apoyo de los medios de comunicación chilenos, agru-pados en torno a la empresa El Mercurio, y el acentuado bombardeo de informaciones por parte de la CIA fueron vitales para el derrocamiento de la Unidad Popular. La mano estadounidense en todos estos conflictos se remonta desde finales de la década de los ’30 hasta crear en 1942 y, como parte de la Segunda Guerra Mundial, una institución bicéfala compuesta por un organismo especialmente dedicado a la propaganda internacional explícita (Offi-ce of War Information - OWI) y por otra organización, denominada al principio Office of Strategic Service (OSS), destinada a la propaganda encubierta, oculta. “Si de aquél procede la influyente USIA, de éste derivó en 1947 la no menos decisiva constitución de la Central Intelligence Agency (CIA)”8.

En la misma línea de denuncias que formula Méndez Rubio, el poeta e inte-lectual chileno Armando Uribe – en un libro inicialmente rechazado para su pu-blicación por “una editora multinacional en Chile” que “no se atrevió a publicarlo, pese a manifestar el editor su interés”9 – acusa a Agustín Edwards Eastman, due-ño y director de El Mercurio, de participar en la planificación del golpe de Estado. El libro denominado Carta abierta a Agustín Edwards (2002), fue rechazado por “¡El miedo a Agustín Edwards y su Mercurio!

11 de septiembre de 1973

Sesenta años de diferencia que agu-dizan el tránsito del – considerando lo estipulado por Michael Hardt y Antonio Negri5 – imperialismo al imperio y que se caracterizan por sus propios y celebrados éxitos, ya que los beneficios de cada una de las determinaciones son para y por el sistema que Kissinger delineó. Personaje de la política internacional que, bajo la tutela del régimen de turno, trabajó a las órdenes de los mandatarios de EE.UU. (Secretario de Estado con los presidentes Richard M. Nixon y Gerald Ford y co-laborador de George W. Bush). Un caso específico sobre este particular que, por supuesto, no queremos dejar de mencio-nar, es la influencia de la administración Nixon, por medio de Kissinger y su línea editorial, en el golpe de Estado del 11 de septiembre de 1973.

Una investigación publicada bajo el tí-tulo de The trial of Henry Kissinger (2001), de Christopher Hitchens, denuncia, avala-da por documentación secreta de la Central Intelligence Agency (CIA), la implicación de este alemán, nacionalizado estadouni-dense, en la conspiración que comenzó en octubre de 1970 con el asesinato del jefe del Estado Mayor chileno René Sch-neider y culminó con el golpe de Estado de 1973 y con la muerte del presidente Salvador Allende Gossens. “Es evidente que Henry Kissinger deseaba dos cosas al mismo tiempo”. Una de ellas era eliminar al general Schneider, por cualquier me-dio y empleando cualquier instrumento. “(Nunca se dieron instrucciones desde Washington de que Schneider debía salir indemne; se empleó la valija diplomática para enviar unas armas mortales y se selec-cionó minuciosamente a los hombres que debían recibirlas)”. Y quería, además, estar al margen en el caso de que el atentado fracasara o saliera a la luz. Son los motivos normales de cualquier persona que con-

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Medios de comunicación y poder: la coincidencia...

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Lo expresaron tal cual. Un editor inde-pendiente chileno interesado por el libro literariamente y por su tema, se recató después: ‘No hay que meterse entre las patas de los caballos’”10. Como señala el poeta Uribe:

Ambos han publicado libros míos. Prefie-ren los de ‘poesía’; uno publicará de ésos próximamente. Los versos son intrascen-dentes, irrisorios, insignificantes...Yo no les tengo temor a las yeguas.Lo anterior es prueba confirmatoria de lo que se afirma en las páginas siguientes sobre El Mercurio. Se trata de vetos y censura a todo lo que toca – aunque sea con un ‘pétalo de rosa’ – al hombre más influyente de Chile, como su padre y su abuelo Agustín Edwards, en el siglo an-terior y en lo que va del actual. Mienten,

vetan, engañan y censuran. Y así influyen. ¡Qué país!11.

En ese libro, Uribe in-vestiga minuciosamente las relaciones entre El Mercurio, la familia Edwards y el golpe de Estado de la Junta Militar, encabezada por Pinochet. Para este escritor, El Mercu-rio ha sido por más de cien años el estado mayor de los altos estratos sociales o de la “raza” privilegiada que ha enfilado y se ha apoderado,

durante mucho tiempo, de Chile. “Se ha hecho pasar por doctrinario liberal, en cir-cunstancias que sólo ha sido liberal (...) en lo económico y financiero, y conservador en prácticamente todo lo demás”12. Uribe se atreve a plantear que, desde 1968, se comenzó a estructurar, con El Mercurio y otras publicaciones, el grupo que propicia-ría el golpe militar y, como consecuencia de esto, se transformaría, evidentemente, en un importante baluarte y en un bas-tión político-civil para la difusión de las determinaciones de la junta de gobierno que terminó con la democracia.

Debido a las influencias y al poderío de Edwards, Uribe se pregunta si, desde

EE.UU., a modo de retribución, compensa ante cualquier crisis de su gobierno empresarial o de su país

10 Armando Uribe. Carta abierta a Agustín Edwards.11 Armando Uribe. Op. cit.12 Armando Uribe. Op. cit., p. 23.

13 Armando Uribe. Op. cit.14 Armando Uribe. Op. cit., p. 31 .

esa época, el servicio de inteligencia es-tadounidense consideró al dueño de El Mercurio como un brazo derecho – asset es el término en inglés que utiliza el autor de este libro/carta – para la CIA: “‘Asset’ es recurso que sirve para transmitir según su leal entender – leal hacia USA – in-formaciones reservadas, oportunamente, dado que goza de acceso privilegiado a ellas...”13. Como consecuencia de esto, EE.UU., a modo de retribución, compen-sa ante cualquier crisis de su gobierno empresarial o de su país... Por ejemplo, compartiendo sus datos con el asset, fi-nanciando sus empresas: es así como El Mercurio publica artículos que son entre-gados por la CIA “En nota a pie de página de un documento oficial de EE.UU. hace 30 años, se dice – el documento publicado: ‘Mr. Augustin Edwards is the principal CIA asset in Chile’”14.

Hay conclusiones de Uribe que se aproximan aún más a estas comproba-ciones. Su posición en El Mercurio, sus inversiones inmobiliarias en el país y en el extranjero, sus cargos en instituciones internacionales, su aprecio a EE.UU. y lo anglosajón, su relación con la Pepsi Cola, tal como Nixon lo había sido antes de llegar a la Presidencia de este país, a principios de 1970. Así lo observa Hitchens:

Pero el nombre de Allende era anatema para la extrema derecha chilena, varias empresas poderosas (especialmente ITT, Pepsi Cola y el Chase Manhattan Bank) que actuaban en Chile y Estados Unidos, y la CIA.Este odio se transmitió rápidamente al presidente Nixon, quien tenía una deuda personal con Donald Kendall, el presiden-te de Pepsi Cola, que había sido su primer gran cliente cuando entró como joven abogado en el bufete neoyorquino de John

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Rodrigo Browne Sartori e Víctor Silva Echeto

15 Christopher Hitchens. Op. cit., p. 2.16 Armando Uribe. Carta abierta a Agustín Edwards, p. 50.17 Armando Uribe. Op. cit., p. 51.

18 Ariel Dorfman. Los otros 11 de septiembre. In: El País, p.30.

19 Ariel Dorfman. Op. cit., p.30.20 Ariel Dorfman. Los otros 11 de septiembre. In: El País.

tes y, además, un 11 de septiembre pero con veintiocho años de diferencia: “Lo que reconozco en forma más profunda es un sufrimiento paralelo, un dolor parecido, una desorientación semejante que se hace eco con lo que nosotros vivimos a partir de ese 11 de septiembre de 1973”19.

Más allá de las azarosas circunstan-cias, Dorfman indica que una manera de superar la inseguridad que, de buenas a primeras, se le vino encima al pueblo estadounidense – “Ninguna de las grandes batallas del siglo XX se había llevado a cabo en el suelo continental norteame-ricano” – es asumir que su desconsuelo no es único, ni exclusivo. En efecto, sería necesario que se vieran reflejados en el gran espejo de la humanidad, ya que otros lugares del planeta han sufrido situaciones similares de violencia y destrucción. Por lo mismo, vale preguntarse: ¿será ésa la razón recóndita e inverosímil de que el destino haya decidido que el primer ataque a EE.UU. se materializará en la precisa fecha que se recuerda un golpe militar que el Gobierno norteamericano alimentó y sustentó? ¿Cuál es el desafío que espera a los ciudadanos de este país, ahora que saben lo que significa convertirse en vícti-mas, ahora que pueden por fin acercarse y comprender las múltiples variantes del 11 de septiembre sembradas por el globo, los sufrimientos similares que tantos pueblos y países pueden exhibir?20

Como consecuencia del anterior ejem-plo, se puede señalar que lo orientalista o, más bien, los enfrentamientos binarios de Mismos contra Otros superan las lecturas Oriente-Occidente para -inspirados en

Mitchell. En los 11 días siguientes a la vic-toria electoral de Allende hubo una serie de reuniones en Washington que sellaron en lo esencial la suerte de la democracia chilena (...) Las notas de la reunión toma-das por Helms muestran que Nixon no se anduvo con rodeos y dejó claro cuáles eran sus deseos. Allende no debía tomar posesión. No le preocupan los riesgos. Sin participación de la Embajada. Diez millo-nes de dólares a nuestra disposición, más si es necesario. Plena dedicación, con los mejores hombres que tenemos... Hay que hacer chirriar la economía, 48 horas para un plan de acción15.

El 15 de septiembre de 1970, se reúnen en la Casa Blanca Henry Kissinger, el di-rector de la CIA Richard Helms, Agustín Edwards y John Mitchell, secretario de justicia de Nixon. En el momento, indica Uribe16, Edwards pidió la intervención directa en Chile. “No cabe tampoco duda de que esa potencia estaba preparada para ello. Pero Edwards le puso el fulminante a la pólvora seca”. Al culminar la solicitud del brazo derecho de EE.UU. en Chile, Kissinger, Helms y Mitchell se trasladaron al salón oval y le presentan el proyecto a Nixon. El primer acto que se cometió, a partir de estas determinaciones, fue el asesinato de Schneider (semanas después de la reunión en la Casa Blanca) y la aprobación definitiva del presidente de los EE.UU: “Así y ahí se inició el Track II, de acciones clandestinas y violentas, que no cesaría sino con el golpe de estado tres años después”17.

11 de septiembre de 2001

Por otra parte y en relación al aten-tado de las Twin Towers en Manhattan y al golpe militar realizado en Chile, Ariel Dorfman reflexiona indicando que estas dolorosas experiencias tienen “(...) algo horriblemente familiar, hasta reconoci-ble...”18. Las coincidencias no son pocas, las dos acciones se ejecutaron en día mar-

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21 Sami Naïr. Del referente de origen a las nuevas identidades, Inmigrantes: El desplazamiento del mundo, p. 127.

22 Eduardo Subirats. El mundo tras el 11-S: una regre-sión histórica, El Mundo.23 Eduardo Subirats. Op. cit., p. 12.

La utilización de las armas conlleva e impone un particular orden que se evidencia en tres dimensiones tecnoló-gicas y civilizadoras que circulan como consecuencia de esta guerra global. En primer lugar, estimula un preciso y exacto aparato de humillación mediática, mani-pulando y moldeando las conciencias. En segundo lugar, enfatiza la destrucción de culturas y memorias históricas a escala planetaria. Y, en tercer lugar, activa una participación permanente de la violencia física y simbólica ensalzada por las tec-noculturas y representadas por conflictos locales armados y controlados que nos recuerdan, a su vez, la temida amenaza del holocausto nuclear.

Tras el atentado al World Trade Center nadie – ni las administraciones financieras mundiales que han aceptado hipócrita-mente que, después de todo, la violencia terrorista es una respuesta desesperada a las políticas económicas y militares del exterminio – puede ignorar que existe un conflicto entre el tercer mundo y el primero. Y que, como secuela de estas de-terminaciones, millones de humanos que están fuera del sistema de las economías mundializadas no van a dejar de generar choques armados de carácter local con gravísimas consecuencias globales.

Estos son los afectos y los efectos (como secuelas, por ejemplo) de un sistema imperial que utilizó a los 11 de septiembre – entre otras fechas – para catapultar su política de control y televi-gilancia global.

Kissinger y su especial interpretación de la forma en que se distribuye el planeta- dividirse entre “países desarrollados”, “primermundistas” y “países subdesarro-llados”, “tercermundistas” o -si el sistema imperante los considera avanzados- “paí-ses en vías de desarrollo”.

Sami Naïr sobre el “Tercer Mundo” ex-plica que se le adjudicó un color, un alma, una identidad identificable y reconocible. Posee una distinción geográfica, por lo general, es del Sur, tiene una definición étnica: color de piel, de cobrizo a negro, in-cluyendo amarillo, “(...) con excepción de los japoneses que, como es sabido, dejaron de ser amarillos en cuanto consiguieron hacerse ricos. Porque la cultura-mundo

es blanca, como Dios por lo demás”21.

A partir del 11 de sep-tiembre nace un nuevo mile-nio, nuevo siglo que anuncia la guerra global indefinida y, por ende, una regresión a es-cala planetaria22. Retroceso adelantado por las crisis de Irak, Colombia y los Balca-nes, por el aniquilamiento ecológico patrocinado por las contundentes corpo-raciones multinacionales, por el alto número de ge-

nocidios incólumemente consumados por gobiernos y ejércitos despiadados.

“Una regresión que se manifiesta en primer lugar en las masas de cientos de millones de humanos a las que progresi-vamente se les priva en el Tercer Mundo de sus hábitats naturales de sus medios de supervivencia...”23, resultado de una violencia diseminada por la tecnociencia militar postindustrial y respaldada por las tecnoculturas de las redes mediáticas de comunicación.

Tras el atentado al World Trade Center existe un conflicto entre el tercer mundo y el primero

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Rodrigo Browne Sartori e Víctor Silva Echeto

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Comunicação: Tecnologia e Política

Rui Pedro FonsecaFacultad de Bellas Artes - Universidad del País Vasco

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Resumo

Para sustentabilizar os dinamismos da demanda nos mercados de consumo e assegurar a rentabilidade da produção de mer-cadoria, os media tornaram-se na principal fonte de informação/formação social. Determinante para a vida global, o consumo de mercadorias tem tido como efeito fundamental a acentuação dos valores e das virtudes em conformidade com as próprias: a constante representação dos modelos referenciais e das suas acções conjugadas com a mercadoria surgem como uma força poderosa de dominação do próprio sistema capitalista.

Palavras-chave: media e representações, mercadoria, ideologias.

Abstract

To sustain the dynamisms inherent to the demands in the consuming markets and to assure the profitability of merchandise production, the media has become the main information / social formation source. Being determinant to the global life, the consumption of merchandise has fundamentally emphasised the values and virtues according to that merchandise: the constant representation of referential models and of their actions together with the merchandise emerge as a powerful dominating force of the capitalist system itself.

Key words: media and representations, goods and ideologies.

Resumen

Para sustentabilizar los dinámismos de demanda en los mercados de consumo y asegurar la rentabilidad de producción de mercancía, los medios se tornaron en la principal fuente de información/formación social. Determinante para la vida global, el consumo de mercancías vien tiendo como efecto fundamental la acentuación de los valores y virtudes en conformidad con las própias: la constante representación de los modelos referenciales y de sus acciónes conjugadas con la mercancía surgen como una fuerza poderosa de dominación del própio sistema capitalista.

Palabras clave: medios y representaciones, mercancía y ideologias.

Os Media e a Ideologização da Mercadoria

The media and the ideologization of goods

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Os media e a ideologização da mercadoria

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1 David Harvey. Condição Pós-Moderna, p. 252.2 Jean Baudrillard. A Sociedade de Consumo, p. 75.3 Jean Baudrillard. Op. cit., p. 854 Durante o processo do pós-guerra, a juventude obreira da Grã-Bretanha contava com dinheiro suficiente para participar na cultura capitalista consumista; utilizando-se dessa forma a moda como mote de construção de uma identidade pública, face à influência dos media. Cf. David Harvey. Op. cit., p. 78,79.

5 Jean Baudrillard. A Sociedade de Consumo, p. 64.

monopólio de linguagens que, pela sua aura sedutora levam o sujeito a estabe-lecer a sua combinação pessoal dessas linguagens. Os significantes eletrônicos do cinema, da televisão, do vídeo, dos estúdios de gravação, dos executantes, da moda e dos estilos da juventude, todos os sons, imagens e histórias diferentes que se misturam, se reciclam e fundem-se diariamente no ecrã gigante que é a cidade contemporânea. Estes discursos culturais que se têm vindo a universalizar surgem como uma “força libertadora” que media-tiza a cultura cotidiana e a integração de todos nesta.

Os media surgem como a principal fonte de formação social, determinantes para a vida global, servem de instrumento de promoção da cultura consumista (pro-dutos e serviços): “crescimento económico é proporcionado através da introdução de novos produtos e necessáriamente de novas necessidades. Não existem limites para as ’necessidades’ do homem enquanto ser social”5. Esta afirmação de Baudrillard leva-nos a considerar a produção de ânsias e de necessidades como fórmulas da políti-ca de entretenimento que proporcionam os impulsos destinados a suster os dinamis-mos da demanda nos mercados de consu-mo, de modo a assegurar a rentabilidade da produção capitalista. Efetivamente, como afirma Harvey:

os sistemas de comunicação e de informa-ção dos media deram fundamentalmente lugar a uma aceleração na circulação de mercadorias através do sistema de mercado. Das muitas inovações no âmbito de consumo, duas têm especial

O sistema industrial, depois de socializar as massas como força de trabalho, chegou mais longe quando as realizou e as socia-lizou, ou seja as controla como forças de consumo. As necessidades e satisfações dos consumidores são forças produtivas, actualmente forçadas e racionalizadas como as outras forças de trabalho.

Jean Baudrillard. A sociedade de consumo.

hegemonia ideológica e a política, em qualquer sociedade, dependem da capacidade de controlar o con-

texto material da experiência pessoal e social. Nesse sentido, as materializações e significados que se conferem ao dinheiro, ao tempo e ao espaço têm algo mais do que

escassa importância para a conservação do poder político1. A produção da força de trabalho assala-riado é tão essencial como um sistema de necessi-dades complementar aos próprios processos de pro-dução2. O consumo consti-tui-se como um poderoso elemento de dominação social em que, tal como Baudrillard refere, “não há saida” pelo fato de es-tarmos votados aos seus

próprios processos3. Para tal efeito, a força técnica e estética que formatam o próprio sistema de significação tornaram-se nas ferramentas fundamentais de persuasão ao consumo. As consequências têm-se vindo a fazer sentir desde a década de 1960, perí-odo em que a perda de autoridade da alta cultura deu lugar à cultura pop que de um modo massivo se tornou como um sintoma hedonista do consumismo capitalista4.

Um dos sintomas da condição pós-moderna é a variedade de linguagens que levam o consumidor ao extremo da dispersão, pelo fato de o fazer viver na intersecção de muitos jogos de lingua-gem. São os media os difusores do grande

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6 David Harvey. Condição Pós-Moderna, p. 316.7 David Harvey. Op. cit., p. 320.8 Jean Baudrillard. A Sociedade de Consumo, p. 12.9 David Harvey. Condição Pós-Moderna, p. 334. O “sistema de acumulação” implica um “esquema de reprodução que seja coerente”, consiste em introduzir todo um conjunto de comportamentos aos indivíduos com uma determinada configuração, de forma a que se mantenha em funcionamento o regime de acumulação que tome a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulação etc., que assegurem a unidade do processo, ou seja, a conveniente consistência dos comportamentos individuais a respeito do esquema de reprodução. Cf. p. 143.

10 Holgonsi Soares. “Economia Pós-Moderna”. In: Jornal A Razão, nov. 1997.

consciente entrou no jogo do simulacro, perdendo o seu respectivo principio de realidade para se tornar num simulacro operacional”8. Produziu-se um efeito sociológico na ação cotidiana derivado do cultivo de uma série de simulacros como forma de fuga, fantasia e distracção. Desde este ponto vista, salientamos o argumento de McHale, segundo o qual a representação da ficção (pós-moderna) é mimética, enfatiza o efémero, a collage, a fragmentação e a dispersão do pensamento filosófico e social, assegurando, por outro lado, as condições da “acumulação flexí-vel”9. É a collage de imagens/simulacros que implodem sobre nós que converte a nossa identidade num lugar simbólico cujo processo de individualização se torna comum a um largo grupo. As representa-ções tecnológicas de um dado modelo de grupo só poderão ter lugar no processo da “acumulação flexível”, ou seja: 1. pela glo-balização: produção, troca e circulação de mercadorias; 2. a efemeridade: o turn-over da produção e do consumo; a aceleração do tempo de giro na produção10.

Toda a indústria de produção de ima-gens logrou que elas se tenham tornado um tema fulcral de interação social - im-perativas para a construção da identidade individual dentro da massa cultural. É a partir deste conceito de “massa cultural” (Bell) que toda esta indústria se especializa

importância: a mobilização da moda nos mercados massivos construiu um meio de acelerar o ritmo do consumo não só no vestido, no ornamento e na decora-ção, mas como também em todo o vasto espectro de estilos de vida e actividades de recriação (ócio, hábitos desportivos, musica pop, vídeo, jogos para crianças, etc.). Uma segunda tendência foi a des-locação do consumo de mercadorias para o consumo de serviços – não só pessoais, empresariais, educativos, e de saúde, mas como também relacionados com o entretenimento, com os espectáculos, os hapennings e as distracções6.

Os media fomentam um discurso alu-sivo à produção, por meio da saturação do mercado com imagens/novos sistemas de signos, cuja carga ideológica permite à mercadoria a sua rentabilização econômi-ca. A construção de um sistema de imagens e de signos tornou-se um aspecto não só importante para instaurar uma identidade ao mercado, mas também para instaurar “identidade individual” e a auto-afirmação a um sujeito de determinado grupo. Os símbolos de riqueza, de status, prestígio, poder e classe têm sido importantes na sociedade burguesa, mas é possível que nunca o tenham sido tanto como agora. A “fabricação” de identidades por parte dos empresários e corporações depende cada vez mais das imagens, cuja produção como simulacros é relativamente fácil graças às técnicas modernas, nomeadamente das ré-plicas serializadas . Quanto mais a imagem se torna réplica do real, mais pode crescer o mercado massivo, devido ao princípio de que a reprodução da imagem se dá no próprio seio social. Este constitui um tema importante que nos leva a salientar o papel dos “simulacros” na era dos meios de co-municação de massas. O “simulacro”, no contexto da representação, caracteriza-se pelo seu grau de imitação tão perfeito que se torna quase impossível de detectar a diferença entre o original e a cópia, entre o real e o irreal. Baudrillard vai ainda mais longe ao afirmar que “o próprio in-

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na constante produção e comercialização de imagens. A sua incessante circulação funciona como um conjunto de condicio-nalismos culturais que une os produtores a formar um tipo de identidade como um lugar comum ao consumidor. As novas formas culturais fundadas na moda, na publicidade e no cinema surgem como peças fundamentais para a culturização das massas, já que a sua tarefa define, por meio da produção e profusão de imagens, a ordem simbólica social. O poder das suas atividades reside em toda a sua es-tética fascinante e simbólica instituida e organizada pelo próprio sistema produtivo que visa fundamentalmente ao crescimen-to económico pela introdução de novos

produtos e necessariamente de novas necessidades. É dentro deste esquema que os discursos e representações dos media são fundamentais para o processo de acultura-ção dos grupos sociais.

No ensaio “A metrópole da vida mental” (1911), Georg Simmel analisa como poderemos responder e in-teriorizar, nos planos psico-lógico e intelectual, toda a diversidade de experiências e estímulos que nos expõe

a vida cultural moderna. A relação de um indivíduo com os outros pressupõe o cul-tivo de um individualismo (imposto), que fundamentalmente “recorre aos signos do status, à moda ou às marcas de excentri-cidade individual”11.

Já a teoria marxista havia descortina-do a relação existente entre os variados interesses econômicos – a infraestrutura material-económica - e as ideologias da superestrutura ideológica12 que, por sua vez, têm um papel determinante na arquitetação do sistema de ideias e atitudes do sujeito. Esta super-estrutura ideológica elevada pela classe dominante serve, de acordo com Marx, para justificar

o processo de dominação coletiva com valores homogeneos que formam uma “falsa consciência” às classes e aos gru-pos subordinados. Deste ponto de vista, a individualização de um sujeito resulta, portanto, a partir de um processo em que a sua estrutura psíquica é moldável pela realidade em que está imerso e a sua consciência articula-se com valores económico-sociais que lhe são alheios13. Este processo de apreensão de códigos das diversas representações culturais são asse-gurados ao sujeito desde a seu nascimento: a sua linguagem, os conhecimentos gerais que formam o seu discurso, constituem-se como fragmentos que não escapam ao elo do consumo. Neste sentido, o consumo consiste num fator fundamental para a homogeneização cultural, em termos práti-cos, uma espécie de dominação social das sociedades contemporâneas que utilizam o espectáculo de imagens sensacionalistas, o entretenimento, como uma matéria que forja a consciência.

“Na realidade, não são as necessidades o fruto da produção, mas o sistema das necessidades que constituem o produto do sistema de produção, o que é inteira-mente diferente”14. A adaptação do com-portamento do sujeito e das suas atitudes sociais face às necessidades do produtor e do mercado constitui-se como caracte-rística natural do sistema de produção. A criação de necessidades, compostas por bens ou serviços, tem como fundamento restringir o modo de viver do sujeito a essas mesmas necessidades. Este “sistema

Toda a indústria de produção de imagens lo-grou que elas se tenham tornado um tema fulcral de interação social

11 David Harvey. Condição Pós-Moderna, p. 42.12 Marx definiu como superestruturas o conjunto de ideias, crenças, certezas e processos em que a consciên-cia articula na sua interpretação da realidade. Por este principio marxista, todas as eventuais transformações ideológicas são reguladas pelas leis do capital e do mercado. Cf. Blanca Muñoz. Sociologia de la Cultura de Masas.

13 Cf. Blanca Muñoz. Op. cit.14 Jean Baudrillard. A Sociedade de Consumo, p. 74.

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15 Jean Baudrillard. Op. cit., p. 205.16 Marx denominou fetichismo da mercadoria o modo como o mercado levou as pessoas a acreditarem que as suas relações sociais são, de algum modo místico, gover-nadas pela mercadoria. Cf. Alex Callinicos. Introdução ao Capital de Karl Marx. 17 David Harvey. Condição Pós-Moderna, p. 122.

em grande medida à circulação, à compra e venda de objectos que surgem como signos e mensagens, valores e finalidades. As mercadorias revestem-se de símbolos e simultaneamente estratificam os grupos sociais: para tal efeito, torna-se determi-nante o processo de simulacro implícito nas representações das produções mercan-tis, já que são inseparáveis do imaginário e baseadas a partir das características “do real”. Por meio deste processo, os media fazem assim triunfar o fetichismo16 e as funções-signos nos rituais de comunica-ção que se dão no palco da cidade. Deste modo, os conteúdos ideológicos que o mercado utiliza para seduzir o consumidor “mascaram” as relações sociais e exigem dinheiro em troca deste serviço sedutor. As condições e processos de trabalho e de vida dos produtores e trabalhadores, o seu sentido de alegria, de ira, de ânimo ou a frustração, as motivações que estão por detrás da produção de mercadorias permanecem ocultos já que não os pode-remos ver quando trocamos o dinheiro pela mercadoria. Este conceito fetichista explica de que modo, sob as condições da modernização capitalista, poderemos depender objectivamente de “outros” cuja vida e cujas aspirações permanecem totalmente opacas para nós.

Os produtores têm o interesse permanente em cultivar o “excesso” nos outros, em alimentar “apetites imaginários” até ao ponto que as ideias do que constitui uma necessidade social são substituídas pela “fantasia, pelo capricho. Cada vez mais o produtor capitalista excita no individuo “apetites mórbidos; vigia cada uma das suas fraquezas: tudo para exigir dinheiro em troca deste serviço amoroso17.

de necessidades” referido por Baudrillard é inserido pelo mercado como condição de se aproveitar da tendência hedonista de uma sociedade que procura satisfazer-se por meio de um constante princípio de prazer das emoções, dos sentimentos e da imaginação. Na era do consumo, os produtos materiais, toda a cultura da sexualidade, as relações humanas, foram “reassumidas a uma lógica em que todas as necessidades se encontram objectivadas e manipuladas em termos de lucro, mas no sentido mais profundo de que tudo é espectacularizado, quer dizer, evocado, provocado, orquestrado em imagens, em signos, em modelos consumíveis”15.

Por intermédio do seu sistema simbóli-co, as ideologias agregadas às mercadorias cumprem um papel fundamental para a estruturação “comum” da identidade do sujeito. Potenciam a sua integração social pela inserção de uma consciência colectiva inerente às próprias mercadorias: os auto-móveis, as jóias, os adornos, os objectos em geral não são só potenciais estímulos de felicidade - tornaram-se nas necessidades mais básicas equivalentes às despesas de “prestígio”. O consumo do objeto mer-cantil assegura a ordenação dos signos e a integração dos sujeitos nos respectivos grupos. Nos seus sistemas de valores representados não existem desigualdades sociais nem históricas, não existe dor, não se apresenta um mundo com vicissitudes ou defeitos. Daí reside o poder das funções ideológicas da mercadoria, já que procla-mam o seu consumo como a única forma de bem estar colectivo, o único meio de crescimento e prosperação individual.

Vendem-se as mercadorias como um conjunto de operações linguísticas desti-nadas a garantir aos indivíduos e aos gru-pos determinado tipo de comunicação. Só por seu consumo é que os sujeitos poderão assegurar os vários tipos de linguagem das representações. Por isso, os sistemas de comunicação apropriados como lingua-gem por parte dos grupos sociais devem-se

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Os media e a ideologização da mercadoria

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que potencialmente geram novos sistemas de comunicação, as representações dos media têm vindo a alcançar uma impor-tância cada vez maior na dinâmica de crescimento do capitalismo já que não se constroem somente em torno da ideia de informar ou promover. As representações dos media são em conjunto uma engrena-gem que manipula os desejos e gostos por meio da conjugação de imagens e palavras que, em conjunto, constituem um discurso arbritário de signos capaz de determinar as ordens de valores sociais. Logo, a adesão às mercadorias/ideologias que saturam o mercado com imagens e discursos tem fins particulares e surge, fundamentalmente, como medida de subjugação das classes económicas dominantes que ambicionam estabelecer a sua própria identidade aos outros por intermédio das modas que eles mesmo constroem, convertendo, em simultâneo, essas inovações em vantagens comerciais.

18 Guy Debord. The Society of the Spectacle, p. 41.19 Na sua obra L’ Amerique (1986) Baudrillard sugere que a realidade norte-americana atual está construída como um ecrâ gigante: “o cinema está em qualquer parte, sobretudo na cidade, um filme e um guião incessante e maravilhoso”. David Harvey. Condição Pós-Moderna, p. 332.

A conduta do capitalista consiste fun-damentalmente em conservar a constante rentabilidade, o que o leva a uma acelerada exploração na busca de novos mercados: abrindo novos espaços, novas fontes de matérias primas, de trabalho, lugares novos e mais rentáveis para as operações produti-vas. A abertura de novas linhas de produtos traduz-se assim na criação de novos desejos e necessidades, pela aparência de prazer, com a evocação do ócio, da sedução e do erotismo. A teoria de Marx permitiu-nos desmascarar o fetichismo das forças de produção e apreender as relações sociais que se ocultam atrás da mercadoria. Neste sentido, “o consumidor real toma-se num consumidor de ilusões. A mercadoria é esta ilusão efectivamente real, e o espectáculo a sua manifestação geral”18.

A natureza simulacional destas ideolo-gias agregadas à mercadoria, por meio dos recursos tecnológicos dos media, tem vindo a saturar as relações sociais com signos cul-turais levando a que Baudrillard evocasse o triunfo da cultura da representação. Mas Baudrillard vai ainda mais longe ao afirmar que os simulacros, oriundos das representa-ções dos media, não só se converteram na realidade, mas como também a realidade se converteu num conjunto de simulacros19. Na construção de novos sistemas de signos

Referências bibliográficas

BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: Edições 70, s/d.BAUDRILLARD, Jean. A Troca Simbólica e a Morte I. Lisboa: Edições 70, 1976.CALLINICOS, Alex. “Introdução ao Capital de Karl Marx”. Revista Espaço Académico, n. 38, jul.

2004.DEBORD, Guy. The Society of the Spectacle. New York: Zone Books, 2002.HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2000.MUÑOZ, Blanca. Sociologia de la Cultura de Masas. Madrid: Universidad Carlos III, s/d.SOARES, Holgonsi. “Economia Pós-Moderna” In Jornal A Razão, nov. 1997.

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Comunicação: Tecnologia e Política

Ciro Marcondes FilhoDocente titular da ECA - USP

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Resumo

Nos anos 50, Günther Anders, o pensador maldito e incapaz das concessões que fizeram outros alemães no exílio america-no, já falava que a humanidade caminhava para uma “máquina final” (o computador) e que o homem se tornaria demodé, aspirando ser máquina e pondo em prática sua “cegueira apocalíptica”. A “filosofia eventual” da comunicação de Anders propunha, nessa época, teses que mais tarde iriam ser repetidas por Sartre, McLuhan, Baudrillard, Sontag e Eco. Para ele, o único, aquilo que só acontece uma vez, não existe, só o serial existe. Por isso o homem fotografa: para duplicar o mundo, para tirar de si o peso da angústia da morte.

Palavras-chave: tecnologias, anti-humanismo, atrofiamento das emoções, fotografia, televisão, imagens.

Abstract

In the 1950s, Günther Anders, the cursed thinker who was unable to yield to the intellectual concessions of other Germans in exile, already said that humanity would arrive at the “final machine” (the computer) and that men and women would fall out of fashion and just would want to be machines and practice the apocalyptical blindness. His “eventual communication philosophy” did suggest at that time some thesis that would be later repeated by Sartre, McLuhan, Baudrillard, Sontag and Eco. For him, the unique, that thing that only once happens, does not exist - just the serial. Therefore human beings take pictures to duplicate the world, to extract from oneself the weight of death’s anguish.

Key words: technologies, antihumanism, atrophied emotions, potograph, television, images.

Resumen

En los años 50, Günther Anders, el pensador maldito e incapaz de las concesiones que hicieron otros alemanes en el exilio ame-ricano, ya decía que la humanidad caminaba hacia una “máquina final” (la computadora) y que el hombre se volvería demodé, aspirando ser máquina y poniendo en práctica su “ceguera apocalíptica”. La “filosofía eventual” de la comunicación de Anders proponía, en esa época, tesis que más tarde las repetirían Sartre, McLuhan, Baudrillard, Sontag y Eco. Para él, lo único, lo que sólo ocurre una vez, no existe, sólo lo serial existe. Por ello, el hombre fotografía: para duplicar el mundo, para sacarse de encima el peso de la angustia de la muerte.

Palabras clave: tecnologías, antihumanismo, atrofia de las emociones, fotografía, televisión, imágenes.

Ser é ser percebido Sobre um pensador da comunicação que

jamais foi, apesar de sempre ter sido: Günther Anders

To be is to be perceived. About a Communication thinker that

never was, although he had always been: Günther Anders

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Ser é ser percebido. Sobre um pensador...

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1 A cegueira diante de um palhaço berrador, como Hi-tler. Cf. Günther Anders, “Se eu estiver desesperado, o que tenho a ver com isso?” In: Günther Anders, et al. Die Antiquiertheit des Menschen II, p. 19-57. Marcuse não queria “terminar como o Anders”. Ver Rolf Wiggershaus. Die Frankfurter Schule, p. 296.2 Adorno foi contrário ao trabalho de Günther Anders sobre música no concurso de professor agregado em Frankfurt, em 1929, porque este ignorou sua recém publicada sociolo-gia da música; seu trabalho, para Adorno, não era “suficien-temente marxista” Cf. Elisabeth Young-Bruehl. Por amor ao mundo: a vida e obra de Hannah Arendt, p. 87.

car livremente aquilo que ele chamou de filosofia eventual.

Esse distanciamento dos pensadores de Frankfurt e de suas teorizações em torno da indústria cultural fez com que Anders, preocupado com as mesmas questões, ela-borasse outra teoria da indústria cultural, sem esse nome naturalmente, trabalhando intensamente com o tema das técnicas (as máquinas, os objetos, a produção em série), as imagens e o desaparecimento do único (da mesma forma como faziam as discussões de Benjamin em torno da aura), a televisão e a nova forma de se fazer política e história, marcadas por um certo hibridismo entre ativismo e passividade, que ele denominava medialidade.

O fato de ter se distanciado do círculo de Horkheimer e Adorno, inicialmente motivado por uma atitude arbitrária de Adorno (ver referências do item 1), signi-ficou o ostracismo intelectual de Anders e tal fato é em grande parte responsável pelo desconhecimento de sua obra em todo o pós-guerra. Não obstante, Anders foi muito mais original, tanto do ponto de vista da teorização sobre a indústria cultural quan-to da autonomia filosófica (ele nunca foi hegeliano, menos ainda teológico), e da sintonia de seu pensamento com o tempo presente. Além do mais, no pós-guerra, enquanto Adorno assumia continuamente a postura dúbia de agredir e ao mesmo tem-po preservar o sistema, Anders manteve, na prática, durante toda sua vida, a postura de não transigir, de lutar incansavelmente contra o arbítrio e a violência.

A outra indústria cultural

ünther Anders pertenceu ao grupo de intelectuais dos anos 20 que freqüentava o círculo

heideggeriano. A “demoníaca spell” de Heidegger obnubilava os jovens da época não somente porque o filósofo rompia com a metafísica – como já o havia feito antes dele Nietzsche – mas também com a ontologia. Anders, Herbert Marcuse – que se tornariam depois algo como heideggerianos de esquerda – Hans Jonas mas também Hannah Arendt, todos eles jovens voltados à redescoberta da filosofia e do pensamento diante da nova realidade que se descortinava com o advento dos

meios de comunicação e da nova cultura ancorada nas imagens, no som, nas promessas de inovação cultural vindas do mundo técnico, só tinham olhos para essa nova filosofia e preferiram ignorar aque-la figura antes ridícula do cenário político (um “palhaço berrador”), que era Hitler; uma cegueira, da qual Anders, poste-riormente, haveria de se envergonhar1.

Max Horkheimer e Theodor Adorno preferiram não acolher Marcuse ou Anders em seu grupo, em parte devido a algo que eles caracterizariam como ranço heideg-geriano, especialmente de Marcuse. Este, não obstante, aspirou continuamente o reconhecimento de Horkheimer e temia “terminar como o Anders”, a saber, ex-cluído do círculo intelectual elitizado de Adorno2. Anders, ao contrário, fez questão de distanciar-se do clã e ridicularizava os alemães que moravam confortavelmente na Califórnia e se reuniam para filosofar, enquanto Hitler mandava milhões para os fornos crematórios. Preferiu trabalhar por 14 anos numa fábrica americana e prati-

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Ciro Marcondes Filho

pelos entes, empreendido por este filósofo, e desenvolver aquilo que Heidegger não pôde ou não quis fazer: a fenomenologia do mundo e da razão maquínica5.

Lendo Anders chega-se à constatação de que as máquinas e os aparelhos re-velaram a miséria humana em sua mais dura transparência, mostraram seu nada existencial, sua absoluta inconsistência. Nas máquinas espelha-se o niilismo do homem contemporâneo que nada mais busca na vida a não ser se ver como máquina. Mais ainda: comparando-se às máquinas, o homem vê confirmada ainda mais a tragédia de sua existência: “Não se fabricam homens-estepe, como se fabricam

A injustiça intelectual cometida contra Anders impediu que ele fosse colocado no posto de um dos maiores pensadores da comunicação e da técnica do século 20, posição a que ele, de fato, faz jus. Jean-Paul Sartre não nega que tivesse se inspirado em sua “Patologia da Liberdade”, pronun-ciada em 1929, e publicada na Recherches Philosophiques, para propor o surgimento do existencialismo. Mas outros não foram tão conscienciosos no que se refere à fonte de suas próprias idéias. Na segunda metade do século 20, autores como Susan Sontag, Jean Baudrillard, Vilém Flusser, Umberto Eco e Lucien Sfez reproduziram em parte ou integralmente suas idéias sem o citarem3. Isso tudo sem mencionar que a famosa frase típica de Marshall McLuhan “o meio é a mensagem”, proferida em 1968, que já tinha sido mencionada, em outras palavras, por Anders em 19564.

A obra intelectual de Günther Anders opera um existencialismo às avessas. Ele exerce a mais radical repulsa a qualquer aspiração humanista infiltrada nas filoso-fias contemporâneas (influenciadas pelo idealismo), vendo seus traços mesmo em Heidegger, e se propõe a dissertar sobre a exclusão do homem, como algo “fora de moda”, elemento antigo demais para a era das máquinas. Não há um lamento nem uma nostalgia de formas culturais ou estéticas do passado, como em parte em Adorno, mas um tratado sobre o que ele chama de metamorfose da alma na segunda e terceira revolução industrial. Nesse aspecto, Anders está mais próximo das especulações de um Dietmar Kamper e seu grupo, do que dos frankfurtianos. Ele não precisou passar pelo lamento hegelia-no, nem por suas promessas teológicas de redenção; com isso, excluiu igualmente a tradição kantiana da emancipação, que até hoje impregna negativamente o dis-curso e a teoria de Habermas. Partindo da crítica fenomenológico-existencial de um Heidegger pôde ultrapassar o retorno romântico a um ser “não contaminado”

3 Diz Hartmann: “Susan Sontag não deixou claro em seu ensaio Sobre a fotografia (Frankfurt, Fischer, 1978) se suas reflexões impressionantemente semelhantes devem ser atribuídas a Günther Anders. Em Vilém Flusser, esta concepção aparece novamente e da mesma forma sem relação com Anders”. Frank Hartmann. Medienphilo-sophie, p. 220.4 Umberto Eco fala [em Eco, 1984] que a TV não é a reprodução da realidade, mas a própria realidade, no ensaio: “TV a transparência perdida”, de 1983, quando Anders já havia falado o mesmo [em Anders, 1956, p. 168]. A frase que remete ao “o meio é a mensagem”, está em Anders, G., idem, p. 100 e diz: “O que nos marca e desmarca, o que nos forma e deforma, não são apenas os objetos transmitidos pelos ‘meios’ mas os próprios meios, os próprios aparelhos: que não são apenas objetos de possíveis usos mas já determinam, através de sua estrutura e de sua função firmemente determi-nadas, seu uso e com isso o estilo de nossa ocupação e nossas vidas, em resumo, a nós”. Lucien Sfez fala da tautologia na comunicação e do modelo “bola de bilhar” em comunicação, na sua Critique de la communication [Sfez, 1994], quando Anders havia dito (em Anders, 1979), que “nós empreendemos completamente um negócio de troca tautológica...[que em nossas conversas diárias]...as palavras que trocamos com nossos parceiros, equipa-ram-se às bolas que voam entre dois jogadores de tênis de um lado para outro, quer dizer, que as ‘bolas’ que nós, falando, ‘damos’ são idênticas àquelas que nós, ouvindo, recebemos”, p. 153.

5 O fato de o simulacro ocupar o lugar e ser sempre mais importante que o original já estava em Anders antes de ser explorada por Jean Baudrillard. Ver também, de Hartmann, a citação: “Com essa teoria [O mundo com fantasma e matrizes, CMF], teria sido esclarecida a lógica da simulação, sendo que este conceito adapta-se certamente à semi-realidade específica da manipulação de dados num suporte computadorizado, conforme (usa) Jean Baudrillard, (em) A troca simbólica e a morte”, Hartmann, idem, p. 222.

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6 “Antes os homens queriam ser Deus, hoje querem ser máquinas”. Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen I, p. 328. Sobre os homens-estepes, idem, p. 53. Sobre o fato de o homem querer mesmo era ser uma roda, Cf., p. 89. A técnica como nosso destino, Cf. idem, p. 7. As pessoas se acham esclarecidas, mas não percebem que não vêem. Cf. Günther Anders. Nous, fils d’Eichmann, p. 51-52. Somos analfabetos para emoções, Cf. idem, p. 54.7 “Os aparelhos sempre nos marcam, a técnica jamais é neutra”. Cf. Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen II, p. 217. Sobre o “aparelho universal”, idem, p. 111, 117-121.

estepes de pneus e de lâmpadas: não é uma vergonha?”, dizia o amigo de Anders, doente em fase terminal, que o filósofo fora visitar no hospital.

O lamento deste homem é o de não podermos simplesmente trocar peças, de não termos a imortalidade da qual os objetos foram privilegiados por meio da produção em série. Em comparação com as máquinas, o ser humano é algo obsoleto, deslocado do seu tempo, como uma série de outras coisas na atual sociedade. Cha-plin estava errado, diz Anders, por sugerir que o modern man estaria incomodado em ser tratado como máquina, pois, em verdade, “ele queria mesmo era ser uma roda”. E essa vontade de igualarmo-nos

às máquinas nos torna ainda mais infelizes, pois constata-mos que está além de nossas possibilidades. Esta seria a nova forma da angústia, já não mais religiosa como a de Kierkegaard, já não mais de estarmos atirados no mundo, como a de Heidegger, agora a de sentirmos nossa miséria diante das máquinas, nossa falta de sincronização com os aparelhos. Assim, ao mal-estar da cultura, de que fala Freud, junta-se, agora,

o mal-estar da técnica, e desse caminho não há fuga possível. Com Napoleão, a política era nosso destino, com Marx era a economia; para Günther Anders, hoje é a técnica que é o nosso destino6.

O fato de moldarmos nossas ações de acordo com a lógica abstrata dos equipamentos técnicos – as máquinas são sistemas indiferentes, não possuem alma, não transmitem expressões, são extra-sensoriais – nos faz, além do mais, objetos de uma cegueira apocalíptica, em que nossas ações deixam de coincidir com nossas concepções morais, fazendo com que construamos mais do que po-demos imaginar ou nos responsabilizar,

façamos mais do que de fato podemos sentir. Neste desespero de imitação, incorporamos, de alguma forma, a irres-ponsabilidade das máquinas, sua ausên-cia de pressupostos éticos, seu existir puro e simples sem nada questionar. As máquinas não têm medo, não são autôno-mas e também assim os homens querem viver: sem compromissos éticos, sem res-ponsabilidade com o outro, sem medo. Elas nos tornam incapazes para o medo, e, portanto, muito mais perigosos.

Equiparando-nos a aparelhos que nada sentem, desesperados em ser cada vez mais maquínicos, abrindo mão de nossa capacidade de sentir, incapazes para o medo, vamos nos tornando analfabetos para emoções, diz Anders. Somente a an-gústia nos sobra como “emoção final”, essa sensação de insignificância com “nossa própria máquina”, quer dizer, com esse nosso corpo e suas capacidades limitadas, com sua vergonhosa perecibilidade.

Os aparelhos nos marcam, diz Anders, não há como escapar. Nenhuma tecnologia é neutra, todas as máquinas provocam, de uma forma ou de outra, mudanças em nós, independentemente de seu uso. E também nos obscurecem, apesar de parecerem nos iluminar: através delas as pessoas se acham esclarecidas mas não percebem que nada vêem, diz ele. Novamente a cegueira, portanto. Além do mais, o desenvolvi-mento das máquinas tende a um aparelho universal que integraria todas as funções7. Nesta antevisão dos sistemas informáticos,

A obra intelectual de Günther Anders opera um existencialismo às avessas

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8 Iconomania em Anders. Ver, para isso, especialmente Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen I, p. 59. Sobre a unicidade: uma vez é nenhuma vez, Cf. idem, p. 180. Sobre o “memento mori”, idem, p. 55-56. Real como cópia de suas imagens. O exemplo do turista, Cf. idem, p.180.

inclusive da internet, Anders, falando do “sonho das máquinas”, sugere que todos os aparelhos convergem a uma “situação ideal” em que só vá existir um único e contínuo aparelho, a saber, “o” aparelho. É que as máquinas se expandem de uma forma insaciável, cada uma sendo uma “vontade de poder”, querendo sempre tornar-se maior que si mesma. Não obs-tante, a tendência não é a de existirem cada vez menos máquinas, de haver uma “maquinofagia” mas a de só sobreviver o que for maquínico. Neste sentido, há uma convergência para o pensamento de Heidegger, de a técnica constituir uma imagem de mundo, definir como as coisas devem aparecer: a onipresença da técnica inviabilizando qualquer outra forma de pensar. A diferença que estabelece Anders é que para ele, é a torrente de imagens que promove a perda do mundo, fato este ignorado por Heidegger.

A fotografia e a televisão

As imagens da sociedade contemporâ-nea não são neutras. Na opinião de Gün-ther Anders, eles promovem no homem “a perda do mundo”. Constituem, enquanto iconomania, aparelhos de estupidificação que realizam nossa conexão com o mundo serial dos aparelhos. Por meio das imagens e de sua produção em massa, o homem corrige a insuportável unicidade de sua vergonha prometeica (isto é, a vergonha de ser homem, o opróbrio de ser mortal, de não ser clonável), por meio do processo de reproduzir imagens de si mesmo8.

Vejamos a coisa mais de perto: a lógica que preside estes tempos atuais maquínicos é a de que o único não existe, que a presença solitária, individual, não repetida, não multiplicada pertence ao antiqüismo, não é mais up to date; que na era iconomaníaca, não há mais espaço para aquilo que não é feito em série (Andy Warhol, jamais citado por Anders, é, por excelência, a expressão estética destes

novos tempos). Tal fato cria um novo conceito de realidade: só é real aquilo que for obtido através da reprodução, que for plural, enquanto que pessoas e coisas que só ocorreram, que só existiram, que estão no mundo apenas uma vez, essas não exis-tem, são “nenhuma vez”. Tal fato introduz uma nova variante na famosa Querela dos Universais, travada por volta do ano 1000, em que os escolásticos se debatiam pelo nominalismo ou pelo realismo, a saber, pelo singular ou pelo geral. Nos novos tempos, não se trata nem de um nem de outro, mas da série, que é transversal a essa dupla alternativa, diz Anders. A ne-cessidade obsessiva de pertencer à série, de refutar a unicidade, contudo, não passa de mais uma variante do medo da morte. Não ser uma mercadoria em série, diz ele, atua assim como um memento mori, como um anúncio de que logo morreremos. Uma prática que resolve as duas questões (anular a unicidade e integrar-se no mundo da iconomania) e, por isso, tranqüiliza as pessoas é a fotografia; através dela, o real torna-se cópia de suas imagens. E o que significa isso? Anders explica esse fato através do exemplo do turista que visita uma cidade nova mas não o faz para vê-la, mas simplesmente para fotografá-la. Ao turista incomoda a unicidade dos monumentos históricos (o único, vimos acima, lhe traz a vergonha prometeica, o memento mori), logo, é preciso dar um fim a essa unicidade através de um antídoto, a fotografia, que multiplica, cria cópias, clones, repetições, transforma qualquer coisa determinada em indeterminada, “corrige a natureza do mundo”, busca “eliminar seu defeito” e absorver as coi-sas únicas no universo das séries da qual

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9 Sobre a televisão: não é cópia, mas é a própria realidade. Cf. Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen I, p. 168. Sobre os fantasmas: idem, p. 153. Sobre o distante e o próximo, Cf. idem, p. 105. Sobre o monólogo coletivo, a tautologia e a bola de tênis, Cf. Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen II, p. 153.

estavam excluídas. Fotografar um objeto é também possuí-lo, as pessoas passam a ter os objetos como efígie. Saímos da velha sugestão de Berkeley, esse = percipi (ser é ser percebido) e entramos numa nova relação: esse = haberi (ser é possuir). Em suma, os turistas não fotografam o que vêem mas aquilo que eles vêem, só vêem para fotografar e só fotografam para ter. Da mesma forma, não vêem o que fotografam, pois o que fotografam não é real.

A fotografia contribui para a serializa-ção das imagens, para liquidar o caráter único das coisas, para pôr todas as cenas em linhas de montagem mas, indubitavel-mente, é a televisão o grande veículo da iconomania, é ela que promove maciça-

mente o analfabetismo pós-literário, de que fala Anders. Na televisão promove-se incessantemente o fluxo de imagens, onde se vê tudo e não se entende nada, onde os olhos são entupidos com sinais, movimentos, vibra-ções, apelos, excitações. Mal sabia Anders que a televisão era apenas o começo e hoje é apenas uma parte menor de um mundo em que as imagens digitalizadas estão nas ruas, nos prédios, nos

grandes shows musicais, nos estádios, nas telas de computadores, nos telefones celulares, em suma, invadindo cada vez mais e sempre de forma mais agressiva todos os espaços disponíveis. Anders só viu a ponta do iceberg.

A televisão não é cópia da realidade, ela é a própria realidade, disse Anders antes que Umberto Eco fizesse disso uma frase célebre. Seu modo de funcionamento reúne dois elementos: os fantasmas e as matrizes. Fantasmas são os fatos transmi-tidos que são, ao mesmo tempo, presentes e ausentes, reais e aparentes, estão lá e não estão lá; são “formas vazias” que aparecem em lugar de imagens e objetos. Em outro

nível de abstração, pode-se dizer que na televisão o que se passa é real, porque es-tamos vendo e sentindo, mas é, ao mesmo tempo, irreal, porque é uma construção técnica. Assumimos o encenado como sendo o real9. Tal qual no caso da fotografia - a cópia (saber, a própria fotografia) torna-se o real e o real transforma-se na cópia da reprodução, ou, como dito acima, o real torna-se cópia de suas imagens - também a televisão realiza um processo semelhante embaralhando real com simulação, tornan-do-os indistintos.

Mas ela vai mais longe. Diz Anders, que quando o distante chega muito perto, o próximo distancia-se ou apaga-se; que quando o fantasma torna-se real, o real vira fantasmagórico. Ocorre, portanto, uma inversão quando assimilamos o mundo distante dentro de nossas casas, tomando-o por próximo e íntimo, fato que ao mesmo tempo atrofia aquilo que era originalmente íntimo e que tínhamos sem a TV. Nossa intimidade anterior fica, assim, fantasmática. Tal caso ocorre, por exem-plo, na mutilação da fantasia por meio da invasão dos meios de comunicação. Diz Anders que os aparelhos roubam nossa capacidade de expressão, nossa potencia-lidade lingüística, nossa vontade de falar, que diante deles emudecemos. Quando Anders fala que a música de gramofone e do rádio nos roubam a música doméstica, tendemos a relacionar essa lógica com a do cinema (nas salas de espetáculos ou na TV) que, ao construir uma imagem sobre a fantasia que possuíamos de um livro lido, por exemplo, mutila essa mesma fantasia original, tornando-a irreconhecível. A imagem que o cinema nos dá sobrepõe-se à nossa e a aniquila.

A lógica que preside estes tempos atuais maquínicos é a de que o único não existe

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10 As notícias podem ser verdadeiras, mas o todo é falso. “Mesmo que se emitisse, de uma forma fidedigna, tudo o que é individual, o todo se transforma - a começar pelo fato de não se mostrar muito do verdadeiro – num mundo preparado e os consumidores do todo [se transformam] em seres humanos preparados. Este todo é, assim, menos verdadeiro que a soma de suas partes”. Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen I, p. 164. Sobre os acontecimentos que só existem para ser notícia, Cf. idem, p. 190. Sobre o horror vacui, Cf. idem, p. 137, assim como Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen II, p. 346. Sobre o novo alinhamento, Cf. idem, p. 196.

Além disso, a serialidade e a repeti-ção infinita do mesmo (as matrizes) não fazem mais do que fazer as pessoas – os telespectadores – girar continuamente em torno dos mesmos objetos, das mesmas opiniões, das mesmas visões de mundo. Trata-se do monólogo coletivo, em que as pessoas estariam abertas a todos (e a tudo) mas, ao mesmo tempo, emudecidas, pois não teriam mais o que trocar. Elas perdem a capacidade de comunicação não porque haja um abismo muito grande entre elas (fato também possível), mas, ao contrário, porque o “abismo” tornou-se muito estreito, de tal forma que mediação lingüística fica impossível. Não havendo distância mínima, não havendo diferença entre os interlocutores, todos se tornando congruistas, qualquer troca é tautológica, são como bolas de tênis que enviamos ao parceiro e, assim como mandamos, a recebemos de volta.

Assim, num noticiário de televisão, por exemplo, as notícias podem ser ver-dadeiras mas o todo é falso10, diz ele. Os realizadores do noticiário, assim, juntam muitas verdades numa grande mentira. Daí a dificuldade de se questionar esse mundo, pois, no detalhe ele é correto, ficando toda a manipulação, assim, sem ser reconhecida.

No primeiro volume do Antiqüismo do homem, de 1956, Günther Anders havia dito algo como o meio é a mensa-gem (p.100), frase que doze anos depois McLuhan iria cunhar como sua. Segundo essa tese, não importa a mensagem, pois é a própria televisão, como meio, que impressiona as pessoas. Após a ocorrência das campanhas televisivas contra a Guerra do Vietnã (final dos anos 60) e da exibição do filme Holocausto (meados da década de 70), contudo, Anders procurou refazer sua posição, reconsiderando que, de fato, informações podem ser transmitidas, que o todo não destrói necessariamente as partes. Mas talvez esses acontecimentos sejam mais eventos dissonantes, ocorrên-

cias improváveis, acidentes de produção do que efetivamente fatos participantes da lógica do noticiário. Pois, de fato, a teoria – também de Anders – de que nu-merosos acontecimentos só existem para ser notícia parece continuar a ser a regra do sistema.

O fluxo de imagens isoladas, dizia ele em 1960, deve evitar que se chegue a uma imagem de mundo e que se sinta de alguma forma as falhas da imagem de mundo. Como se vê, na teoria d´O todo é falso, está subentendida a noção de velocidade, a saber, que o processo de mistificação televisivo não ocorre pelo caminho dos conteúdos (das notícias isola-damente, que podem ser – e normalmente o são – corretas), mas pelo caminho da edição, que mistura, dispersa, descarrega o poder de mobilização da notícia por meio de formas técnicas de neutralização inapreensíveis pela captação isoladas das notícias. Sabemos que por meio num filme como Holocausto, não se manipula através dos conteúdos mas da edição de cenas: a violência fascista destrutiva é apresentada de forma descarregada de sua força de en-volvimento e de sua violência emocional por efeito de uma forma de edição, que torna qualquer violência brutal em uma inocente distração televisiva.

As imagens nunca param, a seqüência de cenas é interminável, o homem precisa ser abastecido sem tréguas. Esta é a lógica do tempo atual. Consumo ininterrupto, movimento incessante: se parar, morre, como sugeria Fausto, de Goethe. Diz

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Anders, que quando não estamos con-sumindo, parece que nos falta algo, que o órgão livre, sem nada dentro, o sente como “fome”. A mesma imagem ele usa para descrever os fenômenos de horror vacui: manter sempre todos seus órgãos (visão, audição, tato) ocupados, todo seu corpo em movimento, sempre em ativida-de, sempre em agitação, sempre fazendo algo, não importa o quê. Os homens são impacientes para chegar a algum lugar, os caminhos demoram, mas quando o atingem não suportam encontrar a metas: o desfrute lhes é insuportável. Por isso, o que eles fazem é o menos importante, o que menos nessa máquina incessante.

Em termos de comunicação, trata-se do nomadismo sedentário, que exige que estejamos em toda parte e, ao mesmo tem-po, sempre em casa. Anders comentava tal fato usando o exemplo do rádio e do carro; o rádio, hoje, perdeu a importância, mas o fenô-meno se intensificou com os equipamentos eletrônicos, telefones celulares, etc. As-sistir às imagens que nunca param, à velocidade de troca de assuntos no telejornal, à miscelância informativa

são decisões que nós não tomamos, elas já nos vêm dadas. Não se exige mais nenhum alinhamento, ele já faz parte do sistema. Como Heidegger, Anders diz que nos tiram a liberdade inclusive de imaginar outros mundos possíveis.

Tudo isso cria uma insólita situação no homem contemporâneo, que é a do total paradoxo: ser e não ser, tomar o real por irreal e o irreal por real, ver o único somen-te da perspectiva da série, estar sempre oscilando entre atividade e passividade, sem ser nenhum dos dois. Medialidade, é como Anders explica esse novo estado em que se fica permanentemente “no meio”, na indeterminação, no vácuo11.

Trata-se de uma metamorfose da alma humana que tem conseqüências desas-trosas. Ela levou o homem a produzir a bomba atômica, indiferentemente, sem capacidade de avaliar o poder devastador que ela trazia em si; sem conceber que ela iria se tornar uma ameaça à própria sobre-vivência da humanidade. A bomba, para ele, é a testemunha da cegueira humana diante das técnicas; a partir dela, diz An-ders, toda a humanidade é assassinável. Junto com os foguetes espaciais, elas são como que um “culto fálico coletivo”12. Não obstante, momento também de auto-reflexão deste planeta, pois as imagens trazidas à Terra pelos foguetes espaciais colocaram o planeta pela primeira vez diante de seu próprio espelho, diz Anders, despertaram sua autoconsciência. Se La-can via na fase do espelho o momento em que o homem assumia a consciência de seu corpo fragmentado, acredita Anders que os

11 Sobre a medialidade. “De fato, esta situação já foi introduzida, pois ela colocou no lugar do ‘fazedor’ [Tuenden] (ou mesmo do ‘agente’), o ‘acompanhan-te’ [Mittuenden], ela apagou a linha divisória entre atividade e passividade e fez dominar, em lugar de suas províncias diferentes, uma província neutra da ‘medialidade’. Mesmo o discurso da ‘liberdade’, o indivíduo só o acompanha. Se ele enaltece sua individualidade, ele apenas repete aquilo que ele ouviu a respeito no rádio”. Günther Anders. Anti-quiertheit des Menschen II, p. 202. Um totalitarismo discreto: não podemos nem imaginar outros mundos. Cf. idem, p. 265.12 Sobre o culto fálico coletivo, Cf. Günther Anders, p. 104. Em relação à “fase do espelho da Terra”, idem, p. 90. 13 Sobre a imagem da História, Cf. Günther Anders. Die Antiquiertheit des Menschen II, p. 297. Sobre o não-típico em Anders. “Quem tenta romper – e estas tentativas, por sorte, jamais acabam – o numerus clausus destes temas e destas formas de apresentação, tem que estar por isso preparado não apenas contra a resistência amarga dos fabricantes de esquemas, contra cujas regras ele avança, mas também a dos próprios consumidores, cujo horizonte de perspectivas está igual-mente entorpecido, e que tudo o que cai fora do quadro, tido como estranhezas tipicamente alojadas, sentem como impertinência ou como não verdadeiro ou mesmo sequer o recebem, pois, na maioria das vezes, o não-típico torna-se totalmente ‘não dado’”. Günther Anders. Die Antiquier-theit des Menschen I, p. 168.

Trata-se de uma meta-morfose da alma humana que tem conseqüências desastrosas

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Ciro Marcondes Filho

fragmentos da cultura ocidental podem ser juntados numa consistência aparente com a imagem da Terra.

O quadro que pinta Anders é dramá-tico sem ser nostálgico, da mesma forma como o fazia Heráclito. Diferente da interpretação que deu Benjamin ao Anjo da História, segundo a qual o progresso é nefasto mas pode-se recuperar o passado, Anders diz que a humanidade move-se apenas para frente, com os olhos fecha-dos “durante seu tempestuoso vôo”, ou, na melhor das hipóteses, fixados no momento atual. Para ele, a História

transformou-se numa interminável história do esquecimento do respectivo agora, uma história não consciente de si, apenas uma sucessão de coisas que passam inobservadas (unbeobachtetes Nacheinander). Mesmo assim, são pos-síveis rupturas. Estas vão se deparar com adversários tanto da parte dos fabrican-tes de esquemas quanto dos próprios consumidores, de horizonte entorpecido, que sequer conseguem registrar qualquer acontecimento não-típico13. Entretanto, como também pretendeu Adorno, é neles que sobrevive a esperança.

Referências bibliográficas

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Comunicação: Tecnologia e Política

Elisabeth Leone Gandini RomeroMestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP

Docente da Universidade [email protected]

Resumo

As mãos constituem um texto semiótico complexo, pois nelas encontram-se entretecidos os códigos genéticos e os sócio-culturais. Todos estes elementos são levados em consideração, pois as mãos incorporam tudo que elas alcançam e tudo que as alcança também. Desde que as mãos tornaram-se livres, houve uma verdadeira revolução no corpo do ser humano. Liberada a musculatura do aparelho fonador abre-se o caminho para a linguagem verbal que junto às mãos livres foram o ponto de partida tanto para a técnica, o concretizar, quanto para as idéias, o abstrair. Se na biologia representamos uma unidade, em nossa comunicação e cultura somos diferentes graças àquela dialética mão-cérebro.

Palavras-chave: mãos, comunicação tátil, Semiótica da Cultura.

Abstract

Hands are a complex semiotic text because the genetic and cultural codes are weaved in them. Hands incorporate all which they can reach and all which can reach them as well, and since they became free, the human body went through a real revo-lution. When the human beings dominated speech, the ways the verbal language had together with the hands determined the starting point for mental concretization and abstraction. If Biology sees us as a unit, when we communicate and live in the culture we are different thanks to hands-brain dialectics.

Key words: hands, tactile communication, Semiotics of the Culture.

Resumen

Las manos constituyen un texto semiótico complejo, pues en ellas se encuentran entretejidos los códigos genéticos y los socioculturales. Todos estos elementos se tienen en cuenta, pues las manos incorporan todo que ellas abarcan y todo que las abarca también. Desde que las manos se quedaron libres, hubo una verdadera revolución en el cuerpo del ser humano. Liberada la musculatura del aparato fonador, se abre el camino para el lenguaje verbal, que, junto a las manos libres, fueron el punto de partida tanto para la técnica, el concretizar, como para las ideas, el abstraer. Si en la biología representamos una unidad, en nuestra comunicación y cultura somos diferentes gracias a aquella dialéctica mano-cerebro.

Palabras clave: manos, comunicación táctil, Semiótica de la Cultura.

Com que mãos eu vou? As mãos na comunicação

e na culturaWhich hand shall I use? The hands

in communication and culture

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As mãos livres

té um certo momento há uma unidade biológica entre os prima-tas1, pois todos caminham com o

auxílio dos membros anteriores, utilizan-do-os para a locomoção, para subirem nas árvores, para pularem de galho em galho e outras funções. Porém, surge entre os primatas no sul da África, em meados da era terciária, por volta de 30 milhões de anos, uma divisão em dois grandes troncos: um veio originar o grupo dos ma-cacos antropóides (o gibão, o orangotango, o chimpanzé e o gorila); o outro veio a originar a série dos hominídeos. Da es-trutura dos ossos do quadril e das pernas,

comprovou-se que os aus-tralopitecos2 começaram a caminhar em posição qua-se ereta e a postura bípede foi o cessar paulatino de uma vida arborícola. Com isso, houve uma enorme transformação, pois do ambiente da floresta para a savana, a vegetação não bastava ao sustento da vida. Escreve o antropólo-go Ashley Montagu que os precursores imediatos do homem teriam sido força-

dos a completar sua dieta arrebanhando, no início, animais pequenos, ainda novos e vagarosos. De simples comedores de plantas, viram-se obrigados a adotar um regime onívoro3.

O ficar ereto libera a mão que por sua vez desenvolve o cérebro, tudo ocorren-do simultaneamente, em uma perfeita interação e não em uma hierarquia, como até pouco tempo acreditava-se. Para o professor Jacques Ruffié, é por esta interação (homem ereto – mão li-vre – desenvolvimento do cérebro) que surge a consciência reflexiva e “graças a seu sistema nervoso central apto a memorizar e a conceber de forma espe-

Acífica (...) graças a suas mãos liberadas capazes de executar os programas, os mais delicados, o homem pode acumular suas experiências e, então, aperfeiçoar progressivamente sua atividade”4.

As mãos livres comportam uma verda-deira revolução no corpo do ser humano e dentre as transformações há a liberação de toda a musculatura do aparelho fonador: os ossos maxilares não servem mais para apreensão, mas para mastigar; os dentes caninos não se retraem devido à atividade agressiva ter sido transferida para as mãos, mas teriam diminuído para permitir um movimento mais flexível do maxilar5.

Quanto à comunicação sonora pela es-pécie humana, com a transformação acima ocorrida, passa-se dos grunhidos, que se faziam ouvir à distância, para o desenvol-vimento da palavra, da fala, da linguagem verbal. Graças à dialética cérebro-palavra, os grunhidos fizeram-se voz humana, que, por sua vez, revestiu-se de outra função, “ligou-se aos valores psicofisiológicos, míticos e sociais”6.

1 Primata significa primeiro em posição ou ordem. Lêmures, tarseiros, macacos, macacos antropóides e homens parecem formar um grupo comum, devido a semelhanças físicas entre eles. Ashley Montagu. Tocar: o significado humano da pele, p. 51.2 Os restos fósseis dos australopitecos, encontrados na África, datam de mais de 2 milhões de anos. Possuíam um cérebro com tamanho médio inferior a 600cc, sendo que o do homem atual é de 1350cc. O homem assumiu uma postura ereta antes que seu cérebro aumentasse de tamanho e já utilizava os ossos dos membros dos antílopes como instrumentos. Ashley Montagu. Op. cit., p. 52-3.3 Ashley Montagu. Op. cit., 65.4 “Grâce à son système nerveux central apte à mémori-zer et à concevoir de manière particulière (…), grâce à ses mains liberées capables d’éxécuter les programmes les plus délicats, l’homme peut accumuler ses expérien-ces et, donc, perfectionner progressivement son activité”. Trad. da autora. Jacques Ruffié. Le mutant humain in L’unité de l’homme, 128.

5 Michael Chance. Societés hédoniques et societés agonis-tiques chez les primates in L’unité de l’homme, p. 173.

6 Paul Zumthor. A letra e a voz: a “literatura” medieval. Trad. Amálio Pinheiro (Parte I) e Jerusa Pires Ferreira (Parte II). p. 66-7.

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Elisabeth Leone Gandini Romero

7 Henri Focillon. A vida das formas: seguido de elogio da mão, p. 110. Trad. Ruy Oliveira.8 “La dé-spécialization de la main, devenue un véritable Maître Jacques (Howels), a été le point de départ d’une prodigieuse dialetique main-cerveau et cerveau-parole, mère de toutes les techniques et de toutes les idées”. Edgar Morin. O método 4, p. 101. Trad. da autora.9 Ivan Bystrina é o criador de um sistema da Semiótica da Cultura, em meados dos anos 70, na Universidade Livre de Berlim, onde é Professor Emérito.10 Ivan Bystrina. Tópicos da semiótica da cultura. Trad. Norval Baitello Junior e Sonia Castino. São Paulo, p. 4.11 Henri Focillon. A vida das formas: seguido de elogio da mão, p. 112. Trad. Ruy Oliveira.

12 O leitor pode encontrar nesta obra um capítulo inteiro dedicado ao corpo e este texto apóia-se no item onde ele escreve sobre a boca, o cérebro e a palavra. Há 400 mil anos, a laringe transformou-se, o aparelho fonador ficou abobadado, o osso hióide inseriu-se mais abaixo, sobre a coluna cervical, criando assim uma caixa sonora onde a língua podia movimentar-se melhor. Boris Cyrulnik. L’ensorcellement du monde, p. 74. Trad. da autora.

Boca-mão: a ferramenta corporal mais profunda-mente humana

O etólogo e psiquiatra Boris Cyrul-nik escreve que Monsieur Neander-thal12 podia grunhir e exprimir suas emoções com uma dúzia de grunhidos significativos, mas não podia cantar. Já Monsieur Cro-Magnon aperfeiçoou a linguagem humana, mas não sabia que seu cérebro esquerdo comandava sua boca tanto quanto sua mão e relata que esta dupla, que até agora só tinha sido utilizada para a alimentação, colocou-se a serviço da palavra.

As profundas modificações corporais pelas quais o homem passou foram por ele compensadas com outras articulações e com uma hipergestualidade do rosto, da boca e das mãos e esclarece ainda B. Cyrulnik que a linguagem dos gestos do corpo melhor que dos gestos da boca “lhe permitiam exprimir emoções, in-dicar intenções e ensinar as técnicas de fabricação das ferramentas. Ele podia então inventar o artifício do gesto, da so-

As mãos livres agem, apropriam-se da matéria, apreendem, agarram e aca-riciam. Mas o que vai fazer com que o ser humano se diferencie de seus primos mais próximos não é o fato de ter dado liberdade às mãos, libertando-as de uma escravidão “antiga e natural, mas a mão fez o homem7.

A mão inteligente se faz inventiva, junta-se à palavra e então é o início do grande processo antropológico de trocas entre o homem e o outro, entre o homem e o mundo, comunicação e cultura. Nas palavras de Edgar Morin, a “a des-especialização da mão, tornada um verdadeiro Maître Jacques (Howels) foi o ponto de partida de uma prodi-giosa dialética mão-cérebro e cérebro palavra, mãe de todas as técnicas e de todas as idéias”8.

O homem foi então capaz de criar com suas mãos e gestos, sons e pala-vras, um mundo simbólico, abstrato, imaginário, o universo cultural. Para o semioticista Iuri Lotman, o universo simbólico é o espaço da semiosfera; para Edgar Morin, é o mundo da segunda existência; para Ivan Bystrina9, é o da segunda realidade.

Para o semioticista I. Bystrina, de acordo com a função predominante no texto, pode-se dividi-lo em três catego-rias: os textos instrumentais (presentes no mundo animal); os racionais (a técnica) e os textos criativos e imagina-tivos. Os dois primeiros servem para a sobrevivência física e constituem uma primeira realidade, sendo que os textos imaginativos como os mitos, os rituais etc. são para a sobrevivência psíquica do homem e constituem então uma se-gunda realidade10.

As mãos agem nas três categorias e sendo mudas entrelaçam-se com a boca para surgirem ação e verbo, “mãos e voz estão unidos nos mesmos inícios”11.

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noridade e do objeto que já lhe permitia habitar um mundo cultural”13.

O primeiro meio de comunicação do homem é o seu corpo que percebe o mundo e comunica-se por meio dos sen-tidos e na dança das ordens sensoriais, os sentidos de proximidade são o tato, o olfato e o paladar; os de distância são a audição e a visão. Há ainda o sentido da propriocepção, o sentido do próprio corpo. A afirmação que o conjunto boca-mão constitui o utensílio corporal o mais profundamente humano é do autor acima que a justifica esclarecendo que todas as transformações mecânicas do toque, da palavra e da carícia convergem em dire-ção ao lugar que, sobre o córtex humano,

recolhe as percepções e as ordens motoras consagra-das à boca e à mão14.

Pensar “a mão-mídia” é imediatamente associá-la ao sentido do tato, primei-ramente. O tato é o sentido vital de nosso corpo, todo recoberto de pele, “roupa-gem contínua e flexível”, o tato é a origem de nossos olhos, ouvidos, nariz e garganta15.

No caso do homem, lemos que a repartição do

tato é idêntica à dos outros vertebrados: cada décimo de milímetro de superfície dos lábios é sensível de 5 a 6 miligramas, enquanto que o valor correspondente à ponta dos dedos é de 30 a 40; o resto do corpo dispõe de uma sensibilidade variável, mas consideravelmente mais reduzida16.

O tato labial relaciona-se mais com o comportamento nutritivo ou afetivo do que com os comportamentos que conduzem à estética figurativa. A vi-são e a audição, comprometidas com a linguagem à semelhança da mão, são os únicos elementos do sistema de emissão e de recepção que tornam

possíveis a troca de símbolos figurati-vos. O olfato e o paladar, estéticas sem linguagens, estão à margem das belas artes, mas presentes na cultura, em seu nível mais profundo. , Llogo, “oO gos-to, o cheiro, a consistência, constituem teoricamente a base real desta estética sem linguagem”17.

Todos os bebês do mundo possuem o mesmo repertório de gostos e mímicas, até mesmo antes de nascer. Ainda no útero, a palavra da mãe chega como uma carícia e o som de sua voz faz com que o bebê ponha suas mãos na boca, como se a degustasse quando a escuta18.

Ambos, pequeno animal ou filhote de homem, chegam ao mundo com suas promessas genéticas e as realizarão, pior ou melhor, conforme a estrutura do mundo onde desembarcam.

Essa estrutura é ecológica e social, mas sobretudo semântica: as palavras consti-tuem as estrelas, as frases desenham as constelações e as idéias conformam os sentimentos e as ações. Para o homenzi-nho, tentar a aventura da fala, é antes de mais nada, uma maneira de encontrar, uma maneira de fazer gestos, mímicas e vocalizações que lhe permitam amar, trocar afeto e agir sobre a pessoa amada. Adquirir uma língua implica aprender um código, mas sobretudo, é ocupar um lugar afetivo em uma cultura já estruturada por esta língua19.

O primeiro meio de comunicação do homem é o seu corpo

13 “Cette forme de langage, symbolisée par les gestes du corps, mieux que par les gestes de la bouche, lui permettait déjà d’exprimer des émotions, d’indiquer des intentions et d’enseigner les techniques de fabri-cation das outils. Il pouvait donc inventer l’artifice du geste, de la sonorité et de l’objet qui lui permettait déjà d’habiter un monde culturel”. Idem.

14 Boris Cyrulnik. L’ensorcellement du monde, p. 154.15 Ashley Montagu. Tocar: o significado humano da pele, p. 21.16 André Leroi-Gourham. O gesto e a palavra, p. 102.

17 André Leroi-Gourham. Op. cit., p. 98-9.18 Boris Cyrulnik. L’ensorcellement du monde, p. 17. Trad. da autora.19 Boris Cyrulnik. Os alimentos do afeto, p. 69.

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Elisabeth Leone Gandini Romero

20 “Observer les invariants que peuvent présenter ces deux groupes d’animaux conduira donc vraisem-blablement à suggérer des tendances héréditaires susceptibles de se retrouver chez l’homme”. Michael Chance. Societés hédoniques et societés agonistiques chez les primates in L’unité de l’homme, p. 85. Trad. da autora.21 “Agonismo” é o termo utilizado para descrever a tensão que surge entre a fuga e a espera, ou entre a fuga e a agressão, em uma sociedade onde todos os membros devem permanecer juntos a fim de se beneficiarem da proteção do macho dominante, até porque é ele mesmo a fonte da ameaça. Michael Chance. Op. cit., p. 88.22 “Certes, embrasser, toucher, toucher la main, serrer la main, éteindre, et ainsi de suite, vont souvent de pair avec tous les types d’intéraction sociale”. Michael Chance. Op. cit., p. 89.

23 “(...) that kissing as a form of peacemaking is a characte-ristic that we share with the chimpanzee”. Trad. da autora. Frans de Waal. Peacemaking among primates, p. 43.

Mãos herdeiras

Vimos que o homem pertence à ordem dos primatas e ao estudar a comunicação humana afirmam alguns pesquisadores que encontram alguns fatores invariáveis no grupo dos assim chamados “macacos grandes”, o chimpanzé e o gorila; no dos menores, o babuíno e o rhesus; e no homem, no que diz respeito ao compor-tamento gestual. Afirma Michael Chance, professor de Etologia, que “observar os invariáveis que podem apresentar estes dois grupos de animais conduzirá por semelhança a sugerir as tendências hereditárias suscetíveis de encontrarem-se no homem”20. Os macacos fabricam instrumentos técnicos que os ajudam na sobrevivência física e não importa a que grupo pertençam. Por exemplo, para atingirem os cupins no cupinzeiro, eles pegam um galho de bambu, tiram as folhas e com a vareta lisa enfiam-na no buraco do cupinzeiro, para trazerem até suas bocas uma maior quantidade de alimento e se protegerem dos ataques.

Quanto às interações da comunica-ção social, principalmente na ordem hierárquica entre os macacos machos, M. Chance salienta uma diferença fundamental: entre os babuínos,: obser-va-se um comportamento agonístico21, agressivo; entre os “macacos grandes”, os chimpanzés, observa-se um compor-tamento de modo hedônico (hedonismo como busca de prazer) a saber, procuram o contato. “Com certeza, abraçar, tocar, tocar a mão, apertar a mão, estender e assim por diante, vai com freqüência junto com todos os tipos de interação social”22.

Parece que nós nos parecemos muito mais com os chimpanzés do que gostarí-amos. O diálogo amplia-se e outros etó-logos, em relevantes pesquisas também com os macacos, como Frans de Waal e Eibl-Eibesfeldt, aportam suas contribui-ções para as Ciências da Comunicação.

Frans de Waal, em seu livro Pea-cemaking among Primates, dedica um capítulo aos chimpanzés e suas formas de comunicação gestuais, em que as mãos (no caso os membros anteriores) têm o papel principal. Os chimpanzés se abraçam mutuamente e se beijam, como a nossa espécie para estabele-cerem relações de amizade e ternura, posto que “beijar como uma maneira de reconciliação é uma característica que compartilhamos com os chimpanzés”23. Em uma seqüência tirada de seu livro, vemos as imagens de chimpanzés que, para aplacar a ira do agressor, oferecem a mão aberta para um hand kiss.

O pesquisador Eibl-Eibesfeldt, no pró-logo de seu livro El hombre preprograma-do, esclarece que há três possibilidades a serem adotadas no que diz respeito à aquisição de aprendizado. A primeira reza que o homem chega ao mundo como uma página em branco, e somente por meio de um processo de aprendizagem, em seu meio ambiente, adquire seus modos de comportamento.

A segunda é fundamentada por al-guns investigadores do comportamen-to humano, também orientados para

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a teoria do meio ambiente, mas que apregoam a necessidade de conformar o homem para sua sobrevivência. Esta teoria oferece a técnica do condiciona-mento, por meio do estímulo do castigo e da recompensa, normas deduzidas de maneira funcional.

As duas acima negam qualquer auto-nomia ao homem, pois ele é controlado, seja por seu meio ambiente, seja por seus semelhantes. A terceira afirma que existem pré-programações nas esferas perfeitamente determináveis do compor-tamento, adaptações que se desenvolve-ram na história da espécie24.

Os animais chegam ao mundo dota-dos de um repertório de movimentos,

reagem ante determinados estímulos-chave, pois es-tão dotados de máquinas fisiológicas que, como im-pulsos, põem em movimen-to o animal. Eles trazem consigo capacidades inatas de aprendizagem, que as-seguram que ele aprenda o oportuno no momen-to oportuno; em resumo, que modifique seu com-portamento de maneira adaptativamente.

Estes conhecimentos têm uma significação especial para os estudos do homem, pois aí formula-se a pergunta: o comportamento humano não se encontra também pré-programado, em determinadas esferas, mediante adapta-ções filogenéticas?

O autor defende a idéia que foi o meio ambiente que conformou, em última instância, o homem, mas ao longo de um processo de adaptação filogenética no desenvolvimento da espécie, não ao longo do crescimento individual. Isso significaria que não pode ser conforma-do com igual facilidade em todas as dire-ções pelas influências do meio ambiente, senão por sua própria construção, opõe à

mutabilidade certas resistências.Disto resulta que os programas edu-

cativos que se orientam, exclusivamente, por ideologias que ignoram a natureza humana, podem ser completamente inu-manos, porque exigem constantemente demasiado dele25.

Para comprovar sua hipótese, Eibes-feldt faz experiências com macacos, com surdos-cegos e com diferentes culturas. Entre chimpanzés, há o gesto conhecido de dar a mão, muito utilizado para con-vidar ao contato. Os de situação inferior pedem contato, apresentando aos de situação superior a mão estendida com a palma da mão dirigida para cima. O do-minador coloca sua mão em cima, sinal que tranqüiliza o companheiro. Autores inclinam-se em ver neste comportamento as raízes do ato de dar as mãos26.

Estender as mãos para dar alimentos é criar laços. Observa-se que o dar ou repartir alimentos também é estabele-cer vínculos e favorece a aproximação com estranhos. Consumir alimentos em comum também fortalece as ligações, como o banquete, as ceias etc. Criam-se vínculos mediante a comida em comum e o mesmo ocorre em povos primitivos. “O que está claro é que as crianças desde cedo, sem ter a orientação específica para isto, tratam espontaneamente de criar vínculos com os estranhos mediante ofertas de alimentos, onde se pode ver a ação de uma disposição inata”27.

Eibesfeldt utiliza uma filmadora para registrar a mímica silenciosa do corpo. O estudo junto aos surdos-cegos de nascimento, serve para comprovar que há comporta-mentos universais. Por exemplo, Sabine, de

Estender as mãos para dar alimentos é criar laços

24 Eibl Eibesfeldt. El hombre preprogramado: lo here-ditário como fator determinante en el comportamiento humano, p. 14.

25 Eibl Eibesfeldt. Op. cit., p. 15.26 Eibl Eibesfeldt. Op. cit , p. 206.

27 Eibl Eibesfeldt. Op. cit., p. 246.

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Elisabeth Leone Gandini Romero

Há surpreendentes coincidências34 que se observam nos mais diversos níveis entre os textos. Por exemplo, o gesto de abrir a mão ao chegar e abrir a mão ao se despedir, padrão de comportamento que se observa tanto junto a nativos quanto a europeus. Em seu livro o etólogo relata que entre os kukukuku (papuas) lhe chamou atenção um cumprimento com caracterís-ticas iguais na Itália, pois as mulheres que se encontravam trabalhando no campo os cumprimentaram ao passar, lhes estenden-do a mão e fazendo repetidos sinais para uma aproximação, com a palma da mão para cima. Uma delas fez sinal também com a palma da mão voltada para baixo, como se quisesse arrastá-los para ela. “Es-tender a mão com a palma aberta e para cima, como papuas, parece gesto de pedir algo, como esmola, mas era um convite para apertar a mão”35.

Eibesfeldt lança uma primeira luz sobre o problema da vinculação regulada por gestos de solicitação e pacificação, gestos inatos, e Edgar Morin ao citá-lo em um de seus livros36, não só compartilha com seu pensamento, como o confirma: “(...) podemos

28 Eibl Eibesfeldt. El hombre preprogramado: lo hereditário como fator determinante en el compor-tamiento humano, p. 24.29 Eibl Eibesfeldt. Op. cit., p. 30.30 Eibl Eibesfeldt. Op. cit., p. 51.31 Eibl Eibesfeldt. El hombre preprogramado: lo hereditário como fator determinante en el compor-tamiento humano, p. 54.32 Edgar Morin. O método 4, p. 25. Trad. da autora.33 Iuri Lotman. La semiosfera I, p. 89-90.34 Iuri Lotman, em seu livro La Semiosfera, escreve sobre a construção de uma teoria da interação das culturas, o aspecto semiótico, e dedica-se a estudar as coincidências que ocorrem com os mais diversos textos culturais.35 Eibl Eibesfeldt. Op. cit., p. 206.

36 “Ora, à exceção do sorriso, do riso e das lágrimas, bem como o gesto da mão estendida, e eyebrow flash e o ritual de flerte entre adolescentes, (Eibesfeldt) esse embasamento “instintual” é progressivamente tragado com o desenvol-vimento e o acionamento das competências estratégicas/heurísticas e da semiótica cultural, as quais se amaciam ao mesmo tempo do que a primeira culturização e, depois, se afirmam de modo decisivo”. Edgar Morin e Massimo Piattelli-Palmarini. L’únité de l’homme, p. 124-5.

nove anos, surda-cega de nascimento, “sorri quando encontra sua boneca, faz caretas na hora que está aborrecida, franze os lábios, sacode a cabeça e mostra os dentes apertados na hora da raiva e quando chateada chora e larga a boneca”28.

Em 1972, o autor filmou um menino chinês, de dez anos, no Instituto para Ce-gos de Tapei, surdo-cego de nascimento, e constatou que suas mímicas são iguais às de um menino europeu29. Ora, pensa-va-se que os surdos-cegos de nascença orientavam-se com a ajuda do tato sobre a mímica de seus semelhantes e aprendiam seus gestos. No entanto, mediante as obser-vações realizadas, pode-se constatar como refutada esta hipótese.

Esconder o rosto com as mãos é mímica de todos os primatas. Já é ritualizada e é perfeitamente imaginável que a rituali-zação tenha sido aprendida no decorrer do desenvolvimento juvenil. As crianças, quando tímidas, envergonhadas, colocam as mãos no rosto, como quem não quer ver nada, nem ser visto “um não vê nada e se encontra de um certo modo oculto”30.

Também os cegos de nascimento ocultam o rosto frente a situações espe-cíficas, mas os movimentos são iguais aos dos videntes e se repetem nas diferentes culturas. Isso fortalece a hipótese de que há um conhecimento que independe de aprendizado, está na filogênese31.

Por outro lado, há um imprinting cul-tural, como normas, prescrições, tabus, interdições, gestos, etc. tudo que o ser no ser humano incorpora, “a cultura age e retroage sobre o espírito/cérebro para nele modelar as estruturas cognitivas, sendo portanto, sempre ativa como co-produtora de conhecimento”32.

A performance gestual, as mãos, a mímica do rosto, a vocalidade, etc. não estão isolados e para realizarem uma ati-vidade geradora de sentido, devem estar submergidos na semiosfera, ser um texto em um contexto em interação com outros e com o meio semiótico33.

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pensar que, no homo sapiens, há toda uma parte “instintual’” que é, sem cessar, “desfeita em migalhas”.

Logo, há diversos caminhos que as mãos podem percorrer. Há culturas que mantiveram as mãos sossegadas, apoia-ram-se mais na voz; há outras que gesti-cularam muito; outras somaram os dois meios; outras passaram a considerar falta de educação deixar que as mãos se expres-sem e as silenciaram; outras ainda deixam as mãos livres, como os índios.

De qualquer forma, mãos polivalen-tes são da ação e como toda comunica-ção começa no corpo e para ele retorna, relembrando a classificação de Harry Pross37, elas estão presentes nas mídias

primária, secundária e ter-ciária. Para a semioticista Ana Claudia de Oliveira, o homo sapiens, ao ter as mãos libertas da locomo-ção, assumiu outras tarefas e sua sensibilidade tátil foi enriquecendo-se com o desenvolvimento do cére-bro e, “em uma escalada, a força motriz da mão foi sendo transferida para os instrumentos, como nas sociedades eletro-eletrô-nicas”38 até assistirmos “à

mão passar a desencadear um processo programado em máquinas automáticas, que não só exteriorizam o utensílio, o gesto e a motricidade, como invadem o domínio da memória e do comporta-mento maquinal”39.

Entre a mão polivalente e a visão onipresente

No processo não linear da civiliza-ção, os instintos humanos foram sendo domesticados, as emoções civilizadas e as mãos controladas. As pessoas procu-raram “suprimir em si mesmas todas as características que julgam “animais”. De

igual maneira suprimem estas caracterís-ticas em seus alimentos”40. Suprimem igualmente a nudez e substituem pela vergonha do corpo, pelo pecado, pelo não tocar, não pegar com as mãos e como sublinha ainda o mesmo autor:

O sentido do olfato, a tendência de cheirar o alimento ou outras coisas, veio a ser restringido como algo animal. Aqui temos uma das interconexões através da qual um diferente órgão dos sentidos, o olho, assu-me importância muito específica na socie-dade civilizada. De maneira semelhante à da orelha, e talvez ainda mais, o olho se torna um mediador do prazer precisamen-te porque a satisfação direta do desejo pelo prazer foi circunscrita por grande número de barreiras e proibições41.

Ao longo de séculos, tentou-se apa-gar os vestígios animais de nossas mãos, controlá-las, domesticá-las, culpá-las etc. em um processo de des-corporiza-ção das práticas de interação, isto é, da ação comunicativa de nossas mãos. O comunicólogo Norval Baitello Junior sinaliza que com o desenvolvimento da fala a sincronização se altera, pois os ritmos são diferentes: “Enquanto as mãos tinham (e têm) como principal componente de sua linguagem o espaço no qual se movem, a fala, produzida por movimentos minimalistas dos órgãos

Os telespectadores viram no remake uma oportunidade de interferirem no final

37 Harry Pross, em um clássico de 1971, Medienfors-chung, propõe uma classificação dos sistemas de me-diação e os classifica em mídia primária, secundária e terciária. A primeira é a comunicação de um corpo para outro corpo com suas linguagens, o tempo é o do presente, o aqui e o agora; na secundária, o emissor necessita de um aparato e o receptor apenas seu corpo, como exemplo temos a escrita, as pinturas nas paredes, jornais e revistas, etc. A mídia terciária é a da eletrici-dade, emissor e receptor necessitam de aparatos como o celular, a TV ou o computador, mas a mídia primária é sempre o início e o fim de todo processo de comunicação. Norval Baitello Jr. A era da iconofagia, p. 31-34.

38 Ana Cláudia Oliveira. Fala gestual, p. 15-16.39 André Leroi-Gourham apud Ana Cláudia Oliveira. O gesto e a palavra, p. 16.40 Norbert Elias. O processo civilizador, 124.

41 Norbert Elias. Op. cit., 124.

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fonadores, tem como matéria-prima os ritmos, ou seja, o tempo”42.

O processo de desmaterialização e des-corporização comunicativa remonta pelo menos ao aparecimento da escrita e chega à tecnologia digital. A cultura do don’t touch domina a vida ocidental, evita-se o contato físico desnecessário, desconhece-se ou procura-se não se dar a devida atenção à importância do tocar e ser tocado, aca-riciado, assim como é proibido, em nome da assepsia, pegar com as mãos alguns alimentos, cheirar e apalpar uma fruta em um supermercado.

Nossa cultura ocidental vem dando ên-fase exagerada à visão, sentido masculino e bidimensional, em detrimento do sentido do tato, feminino e tridimensional. No prefácio da a obra Nada Brahma (O mundo é som), do musicólogo alemão Joachim-Ernst Berendt, especificamente em seu livro Nada Brahma (O mundo é som), Fritjof Capra escreve no prefácio queque nossa atual mudança de paradigma é “dos olhos” para os “ouvidos” que coincide com a mudança dos valores masculinos para os femininos, do conheci-mento racional para a sabedoria intuitiva, do domínio e da agressividade para a paz43.

Mãos são instrumentos da comunica-ção e da cultura, que por sua vez são faces da mesma moeda. Comunicação é via de mão dupla, emissão e recepção fluem em uma troca de vínculos, muitas mãos em muitas direções, diferentemente do que se entende por informação, que é via de mão única e aponta para um só sentido, fornece uma só forma44.

Com o desenvolvimento da sociedade de consumo, com a cultura de massa, com a ciência e a tecnologia, as mãos passaram a ser instruídas apenas para funcionarem o mínimo necessário, em uma economia gestual que se satisfaz com as pontas dos dedos e busca miniaturizar cada vez mais o que deve tocar.

Entretanto, vimos que as mãos livres são também herdeiras, tato e contato estruturam nosso mundo; e dissemos que elas são cultu-

rais à medida que têm história e memória e “as memórias de uma raça humana que não olvidou o privilégio de manusear”45.

As estratégias adotadas pela cultura e pela comunicação contemporâneas apontam o enorme distanciamento da comunicação tátil, da mídia primária, dos sentidos de proximidade. Privilegia-se o par visão/audição, sentidos da distância. Quanto mais o homem se distancia da comunicação tátil, de seu corpo, mais distante está de si mesmo, do outro e de sua cultura. Nossa afetividade é governada por nossa sensorialidade e como ocorre com nossos irmãos inferiores, “o chim-panzé leva para a esfera das amizades adolescentes as manifestações de ternura: abraços, protobeijos. A sua mão, tal como no homem (o que se esquece muitas vezes), é um instrumento de comunicação afetiva: carícias, aperto de mãos (...)”46.

Na qualidade de instrumento do tato, a mão é “o mais informativo de todos os nossos órgãos, com a possível exceção apenas, e oca-sionalmente do cérebro”47. Apesar disso, pou-cos estudiosos se debruçam no tema da mídia primária, o corpo e suas linguagens. De fato, é impossível catalogá-la, pois é orquestração mutante, de superposição de gestos, de odo-res, de sabores, de visões e, primordialmente de tatilidades. Tocar é, acima de tudo, um ato de comunicação e seria bom lembrarmos que “quando você tocar alguém não toque nunca um corpo. Não se esqueça de que você toca uma alma com toda sua história”48.

42 Norval Baitello Jr. A era da iconofagia, p. 104.43 Joachim-Ernst Berendt. Nada Brahma: a música e o universo da consciência, 13.44 “Informar é dar forma”. Jesus Martín-Barbero. Ofício de cartógrafo: travesías latinoamericanas de la comu-nicación en la cultura, p. 79.45 Henri Focillon. A vida das formas: seguido de elogio da mão, p. 117.

46 Edgar Morin. O enigma do homem, p. 49.47 Ashley Montagu. Tocar: o significado humano da pele, p. 131.48 Jean Yves Leloup. Além da luz e da sombra- Sobre o viver, o morrer e o ser, p. 79.

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Comunicação: Tecnologia e Política

Paulo Roberto Masella LopesMestre em Ciências da Computação pela ECA-USP

[email protected]

Resumo

Este ensaio propõe que a visibilidade tenha se tornado o sintoma da contemporaneidade principalmente a partir da reprodutibili-dade da imagem técnica que, invadindo todos os espaços midiáticos, transformou-se em nosso ambiente cognitivo. A ubiqüidade da imagem técnica, eliminando qualquer necessidade de referência à suposta objetividade do mundo real, encontra no discurso tautológico sua legitimidade já que prescinde de qualquer referente para ganhar significação. Como resultado, mergulhamos em um niilismo de graves conseqüências epistemológicas e políticas.

Palavras-chave: imagem, técnica, ubiqüidade.

Abstract

This essay states that visibility has become a contemporary symptom since images technical reproduction, by taking up all interfaces on media, transformed into our cognition environment. Ubiquity of technical image, removing the necessity of referring reality to itself, results into a tautological speech, since it sets aside the referent in order to get signification. As result, we dive into an extreme epistemological and political nihilism.

Key words: image, technique, ubiquity.

Resumen

Este ensayo asevera que la visibilidad se ha convertido en el síntoma de la contemporaneidad desde la reproducción de la imagen técnica que, se invadiendo por todos los medios, ha se transformado in nuestro ambiente cognitivo. La ubicuidad de la imagen técnica, quitando cualquier necesidad de referirse a la supuesta objetividad de la realidad, encuentra en el discurso tautológico su legitimidad puesto que en ella hay significado pero no referente. Así, nosotros logramos un nihilismo de consecuencias epistemológicas y políticas muy extremadas.

Palabras clave: manos, comunicación táctil, Semiótica de la Cultura.

Visibilidade e tautologiaVisibility and tautology

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Visibilidade e tautologia

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1 Walter Benjamin. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, p.165-196.

visibilidade tornou-se o sintoma da contemporaneidade. Idéias, corpos, mensagens, discursos, so-

nhos, riqueza, miséria, mercadorias. Tudo existe, tudo vem a ser, na exata medida da possibilidade de sua exposição. Não importam mais os referentes, esse fundo vazio de realidade, senão os signos que não só preenchem como constituem esse novo mundo. Como diria Jean Baudrillard: tudo circula, tudo se torna comunicação; essa é a nossa hiper-realidade. Há muito abandonamos o ideal de competência, a análise dos conteúdos, os regimes de autenticidade, para navegar nos espaços lisos das redes e mergulhar no funciona-

lismo dos processos sis-têmicos ou no consenso dos circuitos circulares da informação.

Tal constatação torna-se mais evidente, quando compreendida a partir dos meios técnicos de comuni-cação, que, ao eliminarem as distâncias entre sujeitos e objetos, promoveram uma ruptura epistemo-lógica que justamente se fundava nesta separação do mundo. Tornar visível

é hoje o imperativo categórico de todos os suportes de comunicação, inclusive daque-les que, antes, se contentavam em propagar apenas a voz. Presentemente, assistimos à confluência de diversas mídias em um úni-co suporte, conduzindo a imagem técnica à condição da ubiqüidade, condição que, de todo modo, há muito já lhe pertencia e que, agora, apenas é reforçada.

Após o cinema e a televisão, a Inter-net propiciou a conjugação de diversos meios de comunicação que não só inte-gram o áudio-visual com o texto, em um único suporte, como possibilitou maior interatividade entre os seus usuários, desconstruindo a antiga dicotomia emis-sor-receptor. No momento, os PDAs, assim

A como os Smart Phones, oferecem ainda uma maior mobilidade aos seus usuários, possibilitando-lhes compartilhar de uma visibilidade que ultrapassa as fronteiras dos espaços materiais. Por toda parte, a imagem técnica habita, de tal forma, o mundo que não se pode mais concebê-lo senão como o nosso ambiente cognitivo, como uma “segunda natureza”.

Walter Benjamin1 já alertara sobre esse fato, quando se referia à possibili-dade de reprodutibilidade da fotografia, deslocando a mudança de paradigma de uma sociedade marcada pela escrita para outra que vai sendo progressiva-mente dominada pela imagem, pois a reprodução técnica da escrita já estaria contida na imprensa. E quando afirma que “o processo de reprodução das ima-gens experimentou tal aceleração que começou a situar-se no mesmo nível que a palavra oral”, o que está em jogo é jus-tamente um deslocamento dos elementos representativos da escrita para a imagem, o que indica também uma mudança na prioridade que o olho – que apreende mais depressa do que a mão desenha – passa a ter sobre a mão. Essa mudança não só de velocidade de produção, mas também de apreensão e percepção, tem importantes implicações cognitivas.

Dentre todos os sentidos, a visão sempre gozou de uma enorme primazia na cultura ocidental. Lembremo-nos de que, em grego, o próprio termo idéia provém do verbo ver. Todavia, foi Pla-tão – por meio de sua Teoria das Idéias – quem definitivamente elevou a visão à condição de inteligibilidade do mundo, ao aproximar o conceito de idéia ao de realidade objetiva, ou a própria abstra-ção dos conceitos à verdade das coisas, fundando a ciência (episteme). Assim, mais que uma metáfora, a visão torna-se,

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Paulo Roberto Masella Lopes

a credibilidade do fato jornalístico é sistematicamente colocada em dúvida pelos interesses corporativos dessa ou daquela mídia, no entanto, o que aqui se discute é se efetivamente – ou seja, em termos epistêmicos – a representação de qualquer fenômeno ou fato é possível de forma isenta – como nos habituamos a dizer. De forma isenta, significaria dizer: neutra ou objetiva.

Aqui incide um “detalhe” precioso para analisarmos a questão da objetividade nos discursos midiáticos: a credibilidade de que goza a imagem técnica na repre-sentação do mundo. Afinal, se o texto, escrito ou falado, parece sempre sujeito a interpretações, a imagem técnica sugere um grau de objetividade tal, que tende a suprimir quaisquer dissonâncias que se possam inferir ao objeto representado. Ainda que concordemos que tanto uma imagem quanto um texto prescindam de um código comum dado pela linguagem para ser lido, e que, portanto, tenhamos de admitir uma miríade de leituras dis-tintas provenientes não só dos diversos repertórios dos agentes que a interpretam como daqueles que, historicamente, já a referenciaram e a significaram, a questão aqui parece ser outra.

Não se trata de discutir quais são as significações de um texto ou de uma ima-gem, segundo determinados ambientes histórico-culturais, como se quiséssemos perguntar: o que significa esse texto, essa imagem? Mas de inverter a ordem de tais pressupostos, indagando-se: quais são os elementos históricos e culturais que asseguram à imagem técnica um grau de credibilidade e objetividade maior do que o texto? Trata-se, portanto, de discutir em que medida uma imagem técnica pode

com a então filosofia racional emergen-te, o sentido privilegiado pelo qual se pode alcançar a verdade e a realidade do mundo. Com a modernidade, essa epis-temologia faz da natureza seu “objeto do conhecimento”, cuja verdade só pode ser apreensível através de um método, base-ado na ordem e na medida, e possibilite, pelo discernimento da “identidade” e da “diferença” entre as coisas, que as idéias representadas correspondam verdadeira-mente às coisas representadas.

Assim, o conhecimento passa a ser possível por meio da noção de represen-tação, já que a natureza, as coisas, não pode(m) ser inteligível(is) senão pelas idéias ou representações que dela(s) fa-zemos. No entanto, longe de solucionar a questão do conhecimento, a noção de representação apenas traz novos proble-mas, quais sejam: onde situar a verdade no processo cognitivo, no sujeito ou no objeto? Nossa apreensão correta do mundo nos é dada subjetiva ou objetivamente? Por nossa razão ou nossos sentidos? O que parece certo é que as representações aprofundaram o abismo cognitivo entre os homens e o mundo, ao separar o visível do inteligível2. A questão, portanto, é saber se podemos inferir qualquer grau de certeza àquilo que observamos na natureza, já que não sabemos o quanto de veracidade há em nossa relação cognitiva com o mundo. Ou, dito sob uma ótica kantiana, não conhece-mos o limite que separa nossas estruturas cognitivas das propriedades do próprio objeto conhecido, o que significa que jamais conhecemos as coisas como elas realmente são, mas apenas como elas se apresentam, enquanto fenômenos, diante de nossas capacidades de apreensão.

Aplicada ao campo jornalístico, ainda que sob o risco de uma enorme simpli-ficação, tais questões epistemológicas traduzem-se pela permanente dúvida em saber até que ponto há objetividade em seus discursos. Evidente que, exceto a ingenuidade de poucos ou muitos,

2 Questão que Platão já havia colocado em sua Teoria das Idéias, ao considerar que o mundo visível é composto de imagens que não nos oferece a essência das coisas, enquanto o mundo inteligível se encontra unicamente nos idéias, ou conceitos, das coisas, imperceptível aos nossos sentidos.

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3 Ideal posto em dúvida pelas descobertas da física quântica, e criticado por autores como Kuhn e Bachelard e construtivistas como: Norbert Wiener, Heinz Von Foerster e Humberto Maturana.

4 Marshall McLuhan. Os meios de comunicação como extensões do homem, p.180.

5 Pierre Lévy. As tecnologias da inteligência, p.7-11.

representar uma realidade para além das diversas significações que possa adquirir dentro de um quadro semântico específico, aproximando-se do ideal científico de neu-tralidade e objetividade3. Nesse sentido, a questão é perceber em que medida a técnica garante à reprodutibilidade da imagem uma credibilidade como aquela que a perspec-tiva assegurou à visão como forma privile-giada de representação do mundo.

Afinal, como McLuhan coloca: “o reló-gio e o alfabeto, fracionando o universo em segmentos visuais, deram fim à música da inter-relação. O visual dessacraliza o uni-verso e produz o ‘homem não religioso das sociedades modernas’”4. De maneira seme-lhante, quando Pierre Levy diz que “emer-

ge, neste final do XX, um conhecimento por simula-ção que os epistemologistas ainda não inventariaram”5, fica evidente que o espaço virtual, simulado pelas tec-nologias da comunicação, não pode ser apenas tomado como “objeto técnico”, mas como uma “tecnologia do conhecimento”. Tecnologia que afeta relações não só so-ciais, mas também relações com o pensamento cujas “fronteiras entre sujeito-ob-

jeto do conhecimento” não podem ser mais demarcadas nitidamente. Seguindo seu raciocínio, nossa representação do mundo não pode ser considerada apenas como idéia ou discurso, mas como decorrência de agenciamentos técnicos que compreen-dem relógios, transportes, cartografia, etc., de modo que, hoje, já se possa conceber “o social, os seres vivos ou os processos cognitivos através de uma matriz de leitura informática” e que a experiência possa ser estruturada pelo computador.

O que ambos admitem é que nossa representação do mundo é diretamente conseqüência da técnica. E, a nosso ver, trata-se de um processo de objetificação

do mundo em que a técnica passa a ocupar um lugar não mais de meio ou modo de transformação do mundo ou da natureza, mas torna-se ela mesma o próprio mundo, o próprio ambiente, uma “segunda nature-za”. A técnica deixa então de ser um modo de representação do mundo ou mesmo objeto de um discurso sobre o mundo, para se tornar um discurso legitimador do mundo ou o próprio mundo.

Não são poucos os autores que viram na técnica um fator de corrosão social. Embrionária em Marx, na medida em que estava ainda associada aos modos de produção do trabalho, a questão da técnica adquire contornos ontológicos em Heidegger até atingir à crítica da comunicação nos teóricos de Frankfurt. No entanto, é Benjamin, em sua ambi-güidade, quem nos fornece importantes subsídios epistemológicos para a compre-ensão da técnica. Primeiramente, trata-se de deslocar a questão técnica da escrita para a imagem. Uma mudança não só histórica como também epistemológica, já que a partir da possibilidade da re-produtibilidade técnica, os objetos não seriam mais resultados de um processo de representação, mas adquiririam uma autonomia com relação a um fundo na-tural e autêntico, criando a condição de uma autenticidade própria. É como se Benjamin considerasse a mediação do aparelho técnico como um fator inibi-dor da capacidade de captura do objeto natural, este sim autêntico e capaz de engendrar acontecimentos significativos, capaz de expressar o aqui e agora.

Ora, não é senão essa a condição da imagem como objeto técnico: algo que não expressa necessariamente aquilo que ela

Tornar visível é hoje o imperativo categórico de todos os suportes de comunicação

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6 Paul Virilio. A arte do motor, p.17.7 Günther Anders apud Ciro Marcondes Filho. O esca-vador de silêncios: formas de construir e desconstruir sentidos na comunicação, p. 169.

8 Walter Benjamin. Magia e técnica, arte e política: en-saios sobre literatura e história da cultura, p. 104, 173. Grifo nosso.9 Walter Benjamin. Op. cit., p. 94-95.

10 Walter Benjamin. Op. cit., p. 94.

representa, mas apresenta-se como a pró-pria realidade. Semelhante é a concepção de Paul Virilio que, partindo da reflexão de Marcel Pagnol acerca das relações óp-ticas do espectador na sala do teatro e do cinema, expressa o seguinte:

O aparelho de projeção que pretende substituir “opticamente” o alter ego (o outro eu) dando a ver como presente ao espectador preso em sua cadeira o que se acha naturalmente ausente e fora do círculo restrito de seu alcance visual eli-mina, de fato, a dupla estereoscópica que até então compunha e dava vida ao relevo social do real6.

Meios como a fotografia, o telefone, o cinema, a televisão e, ainda que com res-salvas, a própria Internet não representam mais a voz ou a imagem, mas tornam-nas presentes. Como lembra Marcondes Filho (2002, p.174), Günther Anders já colocava que “o único não existe; qualquer coisa só existe se for continuadamente reproduzi-da, duplicada, seja pela comunicação, seja pela gravação, seja pela fotografia. Esta úl-tima efetivamente dispara contra o único. Ela mata-o para ‘corrigir sua natureza’”.

Em 1956, o filósofo Günther Anders já falava, sobre a televisão, que “o que nos marca e desmarca, o que nos forma e deforma não são apenas os objetos trans-mitidos pelos ‘meios’, mas os próprios meios, os próprios aparelhos: que não são apenas objetos de possíveis usos, mas eles já fixam, por sua estrutura e função firmemente determinadas, seu uso e com isso o estilo de nossa ocupação e nossas vidas, em resumo, de nós”7.

Ora, tais assertivas levam-nos à con-clusão de que a mediação do aparelho técnico não nos dá o objeto, mas o seu duplo ou simulacro, ou ainda, como preferimos utilizar aqui, uma segunda natureza. Sobre este aspecto, Benjamin afirma que, se as obras de arte inspiram um “valor de culto”, os objetos técnicos promovem um “valor de exposição”. Sobre este, diz: “cada um de nós pode observar que uma imagem, uma escultura

e principalmente um edifício são mais facilmente visíveis na fotografia do que na realidade”8, associando o “valor de culto” à autenticidade da obra única (seja uma representação artística ou a própria natureza) e o “valor de exposição” à reprodutibilidade da imagem técnica. Po-rém, ao discorrer sobre os efeitos mágicos que a fotografia pode revelar para além da suposta objetividade das lentes de uma câmara, Benjamin diz que “só a fotogra-fia revela esse inconsciente ótico, como só a psicanálise revela o inconsciente pulsional”9, de modo que não se possa afirmar que a câmera, como aparelho técnico, se reduza à reprodução fiel dos objetos retratados. Para além da suposta e exaustiva objetividade que a lente capta dos objetos, a fotografia nos revela um mundo de imagens invisíveis, um mundo inconsciente que o olhar do observador atento transfigura em acontecimento.

A técnica mais exata pode dar às suas criações um valor mágico que um quadro nunca mais terá para nós. Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade irresistí-vel de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos, há muito extintos, e com tanta eloqüência que podemos descobri-lo, olhando para trás10.

Ora, dessa passagem poderíamos entender que o olhar humano promove um resgate da subjetividade perdida na suposta objetividade do aparelho foto-

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11 Walter Benjamin Magia e técnica, arte e política: en-saios sobre literatura e história da cultura, p. 94.

gráfico; no entanto, logo em seguida, Benjamin afirma que: “a natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente”11. É, portanto curioso, senão mesmo paradoxal, pensarmos que a técnica mergulha o homem em um plano de inconsciência quando justamente Ben-jamin parece também insinuar que o apa-relho técnico busca uma objetividade que desfaz todo e qualquer valor de culto que só é reposto por meio do olhar pessoal.

Afinal, a imagem técnica elimina a capacidade do observador de atribuir au-tenticidade ao objeto que ele contempla?

Ou ainda, os meios de co-municação, por sua própria estrutura técnica, impedem os receptores de assimilar os conteúdos de forma crítica, fazendo-os vítimas de uma dominação social?

Sem dúvida, a crítica de Horkheimer e Adorno (1985) aos processos de dominação e alienação da indústria cultural é não só pertinente como ainda atual, todavia tal análise, para muitos, não se sustenta senão ao custo

de submeter a forma ao conteúdo. Neste caso, o argumento que “a racionalidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação”, sendo “o caráter repressivo da sociedade que se auto-aliena”, ao encarnar “o próprio poder dos econo-micamente mais fortes sobre a mesma sociedade”, é contestado pela proposição de que a recepção aos conteúdos por parte da audiência não ocorre da forma mecâ-nica a qual se pressupunha. Com efeito, mesmo que a comunicação seja reduzida ao esquema emissor-receptor, é duvidoso supor que os receptores sejam capazes de entendê-la ou percebê-la conforme pressupõe o emissor. Em última instância,

não temos como auferir o impacto e os resultados que a indústria cultural causa sobre a audiência, unicamente através dos seus conteúdos, porque desconhe-cemos os mecanismos inconscientes da audiência envolvidos em sua recepção. Conseqüentemente, temos de questionar a ênfase nos conteúdos que tanto Adorno como Horkheimer teriam, supostamente, dedicado aos meios como elemento pri-mordial no processo comunicacional.

Vemo-nos, evidentemente, tanto diante das imbricações entre a técnica e a política na cultura de massas, como também entre a epistemologia e a comunicação. A comu-nicação, absorvida pelos meios técnicos, transforma-se em instrumento racional de dominação. ao nivelar a profundidade do real à superfície das interfaces desses meios. Conseqüentemente, não só os meios devoram a mensagem como devoram o real. E a informação, ao invés de emancipar as massas, finda por atomizá-la, implodindo o social das massas, o político. Nesse sentido, a ambivalência de Benjamin diante do mesmo fenômeno comunicacional, ao conjeturar sobre as possíveis linhas de fuga que se es-truturam a partir da leitura de um produto cultural, como o cinema, parece-nos mais adequada para a compreensão da comple-xidade da comunicação na era tecnológica, porque problematiza o potencial da imagem técnica como elemento epistemológico. Sua preocupação com a técnica, como elemento epistemológico capaz de transfigurar a relação tradicional de captura dos objetos, traz-nos à discussão uma hermenêutica da imagem técnica que exige novos instru-mentos de análise para sua compreensão. Instrumentos que a racionalidade do dis-curso estritamente científico não alcança, sem considerável perda dos aspectos in-conscientes relevantes para a construção e a desconstrução do objeto técnico.

A fotografia nos revela um mundo de imagens invisíveis

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Paulo Roberto Masella Lopes

Ocorre que essa imagem técnica não se descola de um discurso teórico no qual a comunicação se insere e que, por sua vez, permite construir um paradigma, a partir do qual todas as relações sociais são atualmente medidas e analisadas. Como lembra Lucien Sfez12,

O termo “tecnologia” [...] é a prova de que a técnica exerce a função de agregador para uma sociedade estilhaçada. Esse mesmo termo designa o discurso (logos) técnico, área autônoma de reflexão, que, longe de contribuir para uma filosofia do sujeito, confina-se no estudo dos objetos cuja legitimidade confirma.

Essa supremacia de um discurso técnico, acoplado ao midiático, pode ser observado pelo contágio metafórico com que a comunicação tem penetrado não só nas ciências humanas, como também nas demais áreas do conhecimento. Contágio que se espalha pela neurociência, pela biologia genética, sem falar evidentemen-te nas teorias políticas, econômicas e de marketing. Diante desta preeminência do discurso técnico e midiático, não é de se estranhar que a imagem técnica venha a ocupar todos os espaços de visibilidade em nossas relações sociais e, que, portan-to, leve a repensar os “antigos” modelos mecanicistas de emissor-receptor, seja para consagrar um ou outro pólo do processo cognitivo.

Significa dizer que não importa mais saber se o receptor é passivo ou ativo diante do aparelho técnico, mas saber se é possível traçar qualquer linha de fuga diante de um ambiente em que nosso imaginário é progressivamente domina-do pelo meio técnico. Nesse sentido, a teoria crítica tem sido, por vezes, subes-timada ou mal-compreendida, na medida em que um dos motivos que suscitaram tal teoria tenha sido justamente o espanto diante do poder de catarse que as emis-sões de rádio controladas pelo partido nazista tenha causado sobre a população alemã mesmo – e principalmente – dian-

te de sua esclarecida classe trabalhadora. Conseqüentemente, podemos conjeturar que os processos de análise utilizados por Adorno e Horkheimer, fundamen-tados no fracasso do uso da razão instrumental, talvez não tivessem sido os mais adequados ou suficientes para compreender o fenômeno midiático que então surgia, todavia, seus pressupostos parecem ainda ser bastante contemporâ-neos no que diz respeito às suas implica-ções políticas. É provável que o modelo epistemológico, baseado ainda em uma clara distinção entre sujeito-objeto, ou emissor-receptor, possa estar obsoleto diante da complexidade de outras teorias e realidades que se apresentam, no en-tanto, não nos parece que haja qualquer consenso sobre os processos cognitivos que expliquem a ubiqüidade da imagem técnica em nossa sociedade. Conseqüen-temente, uma crítica epistemológica não pode ser dissociada de uma crítica social, sem o risco de incidirmos em uma estratégia da indiferença que faz com que os processos comunicacionais se tornem meramente tautológicos.

Podemos, sem dúvida, desconstruir o modelo epistemológico que posiciona a imagem técnica como realidade objetiva que é apenas representada pelo receptor, mais ou menos passivo, e, considerar, como uma certa fenomenologia o faz, que sujeitos e objetos compartilham de um mesmo ambiente cognitivo. Todavia, ao eliminarmos qualquer vestígio do sujeito, como ocorre nas teorias sistê-micas, e confundirmos completamente emissor e receptor, corremos o risco de perder definitivamente nossos referen-ciais, e o sentido da comunicação. Como afirma Sfez:

Num universo em que tudo se comunica, sem que se saiba a origem da emissão, sem que se possa determinar quem

12 Lucien Sfez. Crítica da comunicação, p.22.

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de, de modo que possamos afirmar que sua cognição dependa, em larga medida, de um repertório, de um lastro cultural que é estruturado a partir de conceitos. Sem conceitos, não há cognição possí-vel. Sem a âncora segura dos conceitos, mergulhamos em um quadro perceptivo caótico e circular em que coisas, não se constituindo propriamente em objetos, mas em um universo imagético disforme, não só perdem seus significados como a capacidade de engendrar novos sentidos resultando em mera fruição. Nesse caso, todo e qualquer procedimento epistemo-lógico torna-se vão.

Por outro lado, temos, a partir de Benjamin, que a fotografia nos dá mais visibilidade do que a própria realidade, constituindo-se em um valor de expo-sição, a partir de sua reprodutibilidade técnica. Tal argumento, transportado para a contemporaneidade, em que as imagens técnicas se multiplicam através de diver-sos suportes, preenchendo todo nosso espaço cognitivo, leva-nos a interrogar se não estaríamos, conforme observa Virilio (1993), diante de uma “atopia”.

A partir de agora assistimos (ao vivo ou não) a uma co-produção da realidade sensível na qual as percepções diretas e mediatizadas se confundem para cons-truir uma representação instantânea do espaço, do meio ambiente. Termina a separação entre a realidade das distâncias (de tempo, de espaço) e a distanciação das diversas representações (videográficas, iconográficas). A observação direta dos fenômenos visíveis é substituída por uma teleobservação na qual o observador não tem mais contato imediato com a realidade observada15.

Desprovidos de um lugar privilegiado de observação em que as distâncias foram abolidas, mergulhamos em um ambiente

13 Lucien Sfez. Crítica da comunicação, p.33.14 Walter Benjamin Magia e técnica, arte e política: en-saios sobre literatura e história da cultura, p. 107.

15 Paul Virilio. A arte do motor, p.22-23.

fala, o mundo técnico ou nós mesmos, nesse universo sem hierarquias, salvo emaranhadas, em que a base é o cume, a comunicação morre por excesso de co-municação e se acaba numa interminável agonia de espirais. É a isso que dou o nome de “tautismo”, neologismo que une autismo e tautologia, embora evocando a totalidade, o totalitarismo13.

Ora, diante das atuais circunstâncias de ubiqüidade da imagem, parece que o discurso tautológico é o mais apropriado a traduzir o sintoma da contemporaneidade. Em um universo em que a imagem técnica ocupa todos os espaços cognitivos, cessa a busca pelo sentido da própria cognição. Senão, vejamos:

A câmera se torna cada vez menor, cada vez mais apta a fixar imagens efêmeras e secretas, cujo efeito de choque paralisa o mecanis-mo associativo do espectador. Aqui deve intervir a legenda, introduzida pela fotografia para favorecer a literalização de todas as relações da vida e sem a qual qualquer construção fotográfica corre o risco de per-manecer vaga e aproximativa. Não é por acaso que as fotos de Atget foram comparadas ao local de um crime. Mas existe, em nossas cidades, um só recanto que não seja o local de um crime? Não é cada

passante um criminoso?14.

A partir do que foi citado, podemos supor que, sem as devidas legendas, a imagem técnica fica aquém de sua suposta objetividade. A foto de um beco qualquer pode sugerir o local de um crime, mas, efetivamente, só será o local de um crime se servir de índice de autenticidade para corroborar tal evidência. Sua objetividade decorre, portanto, do papel de prova que exerce para legitimar tal ato. É assim que, procede, por exemplo, o fotojornalismo. Quanto mais a imagem técnica se afasta de sua legenda, de um quadro de referências culturais, mais ela perde em objetivida-

Sem conceitos, não há cognição possível

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de ubiqüidade da imagem técnica em que os antigos modelos epistemológicos não podem mais ser replicados para a compreensão do que seja efetivamente a realidade que nos cerca. Sem o de-vido distanciamento que sempre fora necessário para se interpretar qualquer fenômeno, passamos à inusitada condição de protagonistas e espectadores de uma mesma realidade virtual (hiper-realida-de), desprovida do relevo necessário para estabelecer e reconhecer as diferenças entre as coisas. Diante desta situação, de desconhecidas proporções políticas, não caberia mais perguntar se o discurso midiático manipula nosso imaginário, já que estamos todos submetidos ao mesmo domínio técnico em que todas as imagens – desprovidas de hierarquia, fora de um regime de autenticidade – se equivalem em valor. Disso resulta, em parte, a equiparação entre as imagens de ficção e noticiário, amor e violência, sagrado e profano, público e privado. O que importa nessas imagens não é mais seu conteúdo, seu significado, mas a se-

gurança, o conforto que elas nos trazem com sua presença.

A tautologia expressa esse sintoma da contemporaneidade em que todos os enunciados parecem verdadeiros já que, como nos axiomas, seus predicados nada acrescentam ao sujeito. Perda de qualquer referencial não só ontológico como também epistemológico, já que estamos estritamente no campo de uma lógica que, confundindo-se com a pró-pria realidade, não permite espaço para proposições ou contradições. Se tudo é visível, se tudo se reduz a um mundo imagético – inclusive nós mesmos, desprendidos de qualquer identidade –, então não há qualquer chance de refúgio na interioridade de qualquer sujeito cognitivo. Se tudo circula ace-leradamente, não há qualquer chance de situarmo-nos em um ponto fixo para observar – com a distância crítica ne-cessária – o que venha a ser real. Dentro dessas condições, simplesmente tudo se torna visível, tudo se torna comunica-ção, tudo se torna tautologia.

Referências bibliográficas

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HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. de Guido Antonio de Almeida: Jorge Zahar, 1985.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Trad. de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: 34, 1993.

MARCONDES FILHO, Ciro. O escavador de silêncios: formas de construir e desconstruir sentidos na comunicação. São Paulo: Paulus, 2004.

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Editora 34, 1993.

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Comunicação: Meios e Mensagens

Maria Lourdes Motter2

Livre-Docente da ECA-USP

Maria Cristina Palma Mungioli Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP

[email protected]

Resumo

A análise dos gêneros ficcionais seriados e da sua aceitação pelo público deve ser feita com base em referenciais que levem em conta a linguagem e a estética das produções culturais que se desenvolveram na Modernidade. Considerando seu papel na tessitura do interdiscurso do telespectador, o gênero seriado não pode ser reduzido ao estatuto de meras repetições, mas deve ser considerado dentro de um quadro complexo de interpretação do texto televisual. Nessa perspectiva, a recuperação do já escrito e do já dito se insere na dimensão de uma nova obra que leva em consideração novos contextos sócio-culturais e de produção.

Palavras-chave: Ficção seriada, linguagem televisual, serialidade, gêneros seriados, remakes.

Abstract

The analysis of the TV series genres and its public acceptance should be done through references that consider the language and the aesthetic of the cultural productions that were developed in the modern age. Considering its role in the construction of the interspeech of the viewer, the series genre can’t be diminished to the state of simple repetitions, it must be analysed in a whole complex interpretation of the television text. In this perspective, bringing back what was written and was said, it inserts itself in the dimension of a new work that acknowledges new social-cultural contexts and production scenarios.

Key words: series fiction; TV language, TV series; series genres; remakes.

Resumen

El análisis de los gêneros seriados y de su aceptación por el público debe empezar de los referenciales que tomam en consideración el lenguaje y la estética de las producciones que se desarrollan en la modernidad. Cuando se evidencia la función de esos referenciales en el tejido del interdiscurso del telespectador, el género seriado supera el estatuto de la simple repetición y insertase en un cuadro complejo de interpretación del texto televisivo. En esa perspectiva, la recuperación de lo ya escrito y do ya dicho introduce la dimensión de una nueva obra que respeta nuevos contextos socioculturales y de producción.

Palabras clave: ficción seriada, lenguaje televisiva, seriados, géneros seriados, remakes.

Ficção Seriada: o prazer de re-conhecer e pré-ver1

Serialized fiction: the pleasure of re-match and pre-view

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Ficção Seriada: o prazer de re-conhecer e pré-ver

60C o m m u n i c a r e

1 Uma versão deste texto foi apresentada ao NP Fic-ção Seriada do VI Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom sob o título de “Serialide: o prazer de re-conhecer e pré-ver” durante o XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação realizado em setembro de 2006, na UnB, em Brasília.2 Maria Lourdes Motter atuou como livre-docente da ECA-USP, coordenadora do Núcleo de Ficção Seriada da Intercom, no período de 2001 a 2006, e do NPTN (Núcleo de Pesquisa de Telenovela) da ECA-USP. Escreveu os livros Ficção e História: imprensa e construção da realidade (2001) e Ficção e Realida-de: a construção do cotidiano na telenovela (2003). Escreveu capítulos em diversos livros, o último deles, “Organizações não governamentais: espaço de cons-trução e prática da cidadania”, consta do livro Gestão da Comunicação: terceiro setor, organizações não governamentais, responsabilidade social e novas formas de cidadania, organizado por Maria Cristina Castilho Costa e lançado pela editora Atlas (São Pau-lo). Ministrou cursos de Graduação e Pós-graduação (stricto sensu e lato sensu) na ECA-USP. Faleceu em 10 de maio de 2007 na cidade de São Paulo.3 Lembramos aqui o grande sucesso de seriados norte-americanos como Friends ou E.R. que permaneceram no ar por mais de 10 anos e que os canais de televisão exibiam além do seriado da “temporada” outras tempo-radas anteriores. Alia-se ainda o fato de esses seriados originarem, entre outros produtos licenciados pelos estúdios produtores, DVDs comprados pelos fãs que se tornam assim colecionadores e adeptos de um “modo de ver o mundo”. 4 Cristina Padiglione. “Bate outra vez”. In: O Estado de S. Paulo, caderno TV& Lazer, p. 11, 14 mai. 2006.

lgumas vezes, remakes de te-lenovelas e produções seriadas são apontados como uma forma

das emissoras de televisão fazerem frente a uma espécie de falta de criatividade ou a uma suposta morte do gênero. Outras vezes, a depreciação pelo uso desse gêne-ro refere-se não apenas ao produto em si, mas à audiência, que, por gostar de ver “coisa repetida” e não ter bom gosto, aceita qualquer coisa. Ou seja, de uma forma ou de outra, a relação de desprestígio entre produto e público se entrelaçam e, em nossa opinião, podem denotar uma visão mecanicista e reduzida do que seja um remake ou um seriado.

Além das questões estéticas e de recepção referentes à repetição de tramas, é preciso lembrar que o procedimento de repetição é extremamen-te interessante para as emissoras de televisão (para os estúdios cinema-tográficos nem tanto), pois elas conseguem produzir, em larga escala e com um investimento financeiro que decresce à medida que a ficção seriada se

torna sucesso, programas de televisão com uma trama ficcional incipiente que pode ser repetida à exaustão3. Porém, esse fator, por si só, não é suficiente para explicar o sucesso das produções seriadas.

A análise dos remakes e da sua aceita-ção pelo público deve ser feita a partir de referenciais que levem em consideração alguns conceitos referentes à linguagem e à estética das produções culturais que se desenvolveram no período denominado Modernidade. Em levantamento parcial publicado recentemente, Mauro Alencar4 relacionou 41 telenovelas brasileiras que receberam uma segunda versão na TV. O número significativo desse tipo de produ-ção serve para ilustrar que elas agradam ao

A público, mas, em geral, para tanto, é neces-sário que haja modificações em relação à versão anterior (ou, conforme o caso, às ver-sões anteriores), não se trata de apresentar o mesmo do mesmo. Trata-se de produzir transformações, inovações em relação à produção anterior. Para discutir algumas transformações ocorridas com remakes de telenovelas, utilizamos o referencial teórico fornecido por Umberto Eco e Morin.

Serialidade e Interdis-curso

Arlindo Machado define serialidade como a

“(...) apresentação descontínua e frag-mentada do sintagma televisual. No caso específico das formas narrativas, o enredo

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Maria Lourdes Motter e Maria Cristina Palma Mungioli

5 Arlindo Machado. Televisão levada a sério, p. 83.6 Em entrevista de 20 nov. 2005, publicada no site Terra. Disponível em <http://exclusivo.terra.com.br/interna/0,,OI762710-EI1487,00.html>. Acesso em 7 mar. 2006. Silvio de Abreu afirmava que Jamanta não se lembraria de sua “vida anterior”.

algumas personagens emigram de uma produção seriada para outra. O primeiro exemplo de personagens de telenovela que migraram de uma telenovela para um seriado semanal ocorreu com Shazan e Xe-rife, que saíram da telenovela O Primeiro Amor, de Walter Negrão, e ganharam um seriado próprio que estreou em 1972. Em 1998, as personagens voltaram a uma outra novela do mesmo autor (Era uma vez) para uma participação especial. Era o retorno da dupla de personagens às suas origens: o folhetim diário. Outros exemplos de migração ocorreram em produções da Rede Globo de Televisão. Essas migrações variam muito em relação ao número de personagens que migram ou a uma mu-dança no enredo. Por exemplo, a série O bem amado (1980) apresentava um grande número de personagens e núcleos que apareceram na novela homômina (Zeca Diabo, Irmãs Cajazeiras, políticos corrup-tos, prefeitura) levada ao ar em 1973.

Já o primeiro caso de migração de personagens de uma telenovela para outra ocorreu com Da. Armênia e seus filhos (ori-ginalmente da novela A rainha da sucata, de 1990) que participaram de outra novela de Silvio de Abreu, Deus nos acuda (1992). É do mesmo autor um recente caso de mi-gração de personagem de telenovela para telenovela: em Belíssima, Jamanta retorna à telinha após alguns anos da veiculação de Torre de Babel (1998, de Sílvio de Abreu e Alcides Nogueira), novela em que a perso-nagem surgiu. Em Belíssima, Jamanta não se lembrava de nada da vida do Jamanta de Torre de Babel6 o que torna essa migra-ção um pouco diferente em relação às an-teriores, pois naquelas as personagens se referiam a acontecimentos de suas “vidas

é geralmente estruturado sob a forma de capítulos ou episódios, cada um deles apresentado em dia ou horário diferente e subdividido, por sua vez, em blocos meno-res, separados dos outros por breaks para a entrada de comerciais ou de chamadas para outros programas5.”

A freqüência das narrativas seriadas pode ser diária, semanal, mensal e sua duração pode se estender por semanas, meses, anos e até mesmo décadas. A variedade de produtos apresentados sob o rótulo de narrativa seriada pode ser bastante grande e apresentar caracterís-ticas diversas. A televisão brasileira, em especial a Rede Globo de Televisão, pro-duz programas de narrativa seriada cuja freqüência é diária (telenovelas, minissé-ries), séries semanais (A diarista, A grande Família), mensais e até mesmo produções anuais (Hoje é dia de Maria, Cidade dos Homens). Há uma variedade de formatos que servem como estrutura para a narrativa seriada de gênero ficcional.

Muitas vezes, pode-se encontrar um tipo de serialidade que não é tributária do enredo como um todo, mas nasce a partir de um de seus aspectos. Por exemplo, uma série que trata dos problemas da mulher na atualidade pode gerar uma outra que trate especificamente da violência contra a mulher. Outra possibilidade de criação de um certo tipo de serialidade ocorre quando uma série de sucesso projeta um ator ou um grupo de atores e isso faz com que outras histórias sejam criadas com enredo semelhante. Como exemplo, lembramos a associação que fazemos entre as personagens vividas por Selton Mello, Marco Nanini e Virgínia Caven-dish na minissérie e no filme O auto da compadecida, do diretor Guel Arraes, e as personagens interpretadas por esses atores no filme Lisbela e o prisioneiro, do mesmo diretor, inspirado num conto de Osman Lins.

Há ainda uma outra possibilidade de seriação que ocorre quando uma ou

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Ficção Seriada: o prazer de re-conhecer e pré-ver

62C o m m u n i c a r e

7 Cf. Zean Bravo. “Carmem Verônica reviverá vedete em Paraíso Tropical”. In: O Dia online. Disponível em <http://ex clusivo.terra.com.br/interna/0,,OI1453640-EI7811,00.html>. Acesso em 14 mar. 2007.

8 Cf. Dicionário da Globo, v.1: programas de dramaturgia & entretenimento, p. 376.

pregressas”. Entretanto, as características principais do primeiro Jamanta continu-aram inalteradas: a forma de falar, uma certa lentidão em tomar decisões, seu jeito simplório de se vestir e de se comportar. Ou seja, o “novo” Jamanta podia não se “lembrar” de sua vida pregressa, mas, com certeza, os telespectadores se lembravam e até podiam fazer comparações.

Talvez com a intenção de jogar um pouco com a lembrança recente do te-lespectador que o mais novo caso de migração entre telenovelas tenha lugar na trama de Paraíso Tropical. Dessa vez, a personagem Mary Montilla, interpreta-da por Carmem Verônica, em Belíssima, chega à telenovela Paraíso Tropical pelas

mãos de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. Trata-se, portanto, de uma migração entre telenovelas diferentes e arquitetada por autores diferentes daquele que criou a personagem originalmente. Embora tenha sido noticia-do que se tratou apenas de uma rápida aparição7 de Mary Montilla em Paraíso Tropical, é importante des-tacar que, por mais breve que seja sua participação, a personagem de Belíssima

transfere parte de seu prestígio e glamour a ex-garota propaganda e jurada Virgínia Batista (personagem interpretada por Yoná Magalhães). Até mesmo o motivo de sua aparição passa a ter um caráter simbólico: emprestar um vestido à amiga que se sente desvalorizada e deprimida por ser obrigada a usar um vestido fora de moda em um evento social importante. Pode-se analisar essa aparição como uma estratégia narra-tiva empregada pelos autores de Paraíso Tropical, estratégia que se mostra eficiente, pois, aos olhos do público, Virgínia não é apenas uma apresentadora esquecida, é também uma artista que compartilhou dos grandes momentos de um passado glorioso

em que Mary Montilla (e Guida Guevara) brilhava(m).

Uma produção seriada também pode surgir a partir de um filme de cinema cuja aceitação pelo público tenha sido grande. Essa migração pode ocorrer inclusive do cinema para a televisão ou no sentido contrário, da televisão para o cinema. Dois exemplos recentes de migração da televi-são para o cinema e do cinema para a tele-visão são os seriados Cidade dos Homens e Carandiru: outras histórias. Cidade dos homens foi co-produzido pela produtora O2 (de Fernando Meirelles) e Rede Globo de Televisão exibido em outubro de 2002, por ocasião da Semana da Criança. As per-sonagens principais desse seriado (de cuja equipe de criação fazem parte Fernando Meirelles e Kátia Lund) são dois garotos, Acerola e Laranjinha, que fazem parte da trama do filme Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, baseado no romance homônimo de Paulo Lins. Porém, o filme e as personagens tem sua origem no curta-metragem Palace II (2001), uma produção da O2 Filmes, dirigida por Fernando Mei-relles. Esse curta-metragem é considerado uma espécie de laboratório para o longa8. Palace II foi exibido, em 2000, pela Rede Globo de Televisão como um episódio da microssérie Brava Gente, coordenada por Guel Arraes. Como exemplos dessa migração também podem ser encontrados nos filmes Os normais (2003) e A grande família (2006).

O filme Carandiru (2003, baseado no livro Estação Carandiru, de Dráuzio Va-rella), de Hector Babenco, também gerou uma produção seriada: Carandiru: outras histórias que foi ao ar a partir de maio de 2005. Nessa série são desenvolvidas his-

Programas e filmes se articulam a partir do eixo da serialidade e constro-em um inter-discurso

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Maria Lourdes Motter e Maria Cristina Palma Mungioli

tórias com personagens do filme, usando praticamente o mesmo cenário e a mesma narrativa presentes no longa-metragem, uma vez que alguns roteiristas e diretores participaram do filme.

Com base nos exemplos mencionados, nota-se que a televisão e o cinema brasileiro têm produzido nos últimos tempos progra-mas e filmes que se articulam a partir do eixo da serialidade e constroem um inter-discurso que envolve o telespectador numa trama bem maior que aquela que ele vê diante de seus olhos. O interdiscurso9, em cuja estrutura se opera a elaboração da se-rialidade, constrói-se não apenas em termos de disposição dos episódios na grade de programação, ou de “aproveitamento” de personagens “de sucesso”, mas surge, prin-cipalmente, pela articulação de elementos narrativos e discursivos internos e externos que constituem o próprio produto10.

Os exemplos citados remetem ao conceito de palimpsesto desenvolvido por alguns estudiosos da televisão para se referirem ao fato de que “a televisão não apaga nunca o texto primitivo e as novas produções não conseguem ocultar as mar-cas do texto subjacente que pervive além das mudanças políticas e sociais”11.

Esse conceito, segundo Balogh, “(...) parece importante como um marco de uma nova visão da TV como uma vasta intertex-tualidade dentro da qual há um conjunto de serialidades em processo constante de remissão umas às outras”12. Nesse sentido, o conceito de serialidade deve ser compre-endido de uma maneira bastante ampla e não deve se limitar a uma pretensa seqüên-cia organizada em capítulos ou episódios. A serialidade implica todo um conjunto de referências diretas e indiretas motivadas pela polissemia e plasticidade semiótica do texto audiovisual.

Entretanto, a característica seriada da produção televisiva tem sido apontada como a “estética da repetição”, da falta de imaginação e, sobretudo, da busca inces-sante do lucro por parte das empresas de

comunicação, uma vez que os programas seriados têm menor custo de produção e ocupam longos períodos de tempo na grade de programação. Isso faz com que “a produção em série – característica da TV – a torna incomodamente mais próxima da produção em série da indústria do que obras artísticas em geral”13.

Serialidade e Moderni-dade

Buscando abrir perspectivas mais amplas de compreensão para a questão da repetição presente nos meios de co-municação de massa, Eco, em artigo que trata da estética da recepção moderna e pós-moderna, discute a questão da criati-vidade e da inovação nas artes como algo relativamente recente que ganhou corpo a partir da Modernidade14. Nesse momento, “o critério moderno para julgar o valor artístico era a novidade, um grau de infor-mação elevada. A repetição agradável de um motivo já conhecido era considerada

9 Adotamos aqui a definição de interdiscurso apre-sentada por Eni P. Orlandi, in Análise de discurso: princípios e procedimentos, p. 31, segundo a qual o interdiscurso se estabelece a partir das relações entre memória e discurso. O interdiscurso é “(...) definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, indepen-dentemente. Ou seja: é o que chamamos de memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que retorna sob forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada de palavra”. 10 As relações entre gênero e serialidade são discuti-das com maior profundidade em MUNGIOLI, Maria Cristina Palma. Minissérie Grande sertão: veredas: gêneros e temas construindo um sentido identitário de nação. Tese de doutorado. Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2006.11 Lorenzo Vilches apud Anna Maria Balogh. Conjun-ções, disjunções, transmutações: da literatura ao cinema e à TV, p. 143.12 Anna Maria Balogh. Op. cit., p. 143.13 Anna Maria Balogh. Conjunções, disjunções, transmu-tações: da literatura ao cinema e à TV, p. 144.14 Umberto Eco dá continuidade a seus estudos sobre cultu-ra de massa já presentes em Apocalípticos e Integrados em que o autor discute, entre outras coisas, a valoração dada pelas elites aos produtos de cultura de massa.

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Ficção Seriada: o prazer de re-conhecer e pré-ver

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15 Umberto Eco. Innovation et répétition: entre esthé-tique moderne e post-moderne. Trad. das autoras.16 Umberto Eco. Op. cit.17 Umberto Eco. Op. cit. “O mesmo termo (teknê, ars) servia tanto para designar os trabalhos de um cabele-reiro, ou de um construtor de barcos e o trabalho de um pintor ou de um poeta”.18 Idem.19 Em telenovelas brasileiras o recurso da “repetição” esperada como recurso para criar empatia (ou mesmo antipatia) entre personagem e público tem sido muito usada. Em Roque Santeiro, novela de Aguinaldo Silva e Dias Gomes, apresentada em 1985, todo o público espe-rava o sacudir da pulseira do relógio de Sinhozinho Malta sempre que ele era contrariado.

pelas teorias modernas da arte como típico do artesanato – não da arte – e da indús-tria”15. Os tipos (ou modelos) produzidos pelos artesãos possuem um valor, mas não um valor artístico e é por essa razão que a estética romântica:

(...) operou uma distinção tão cuidadosa entre artes “maiores” e “menores”. Para fazer um paralelo com as ciências, o arte-sanato e a indústria consistiam em aplicar corretamente uma lei já conhecida a um novo caso. A arte, ao contrário, (...) cor-responderia a uma “revolução científica”, cada obra de arte moderna estabelece uma nova lei, um novo paradigma, um novo modo ver o mundo16.

Porém, a estética moderna, segundo Eco, esquece que, para a teoria clássica,

que vigorou da Grécia antiga à Idade Média, não havia di-ferença entre arte e artesana-to17. “A estética clássica não estava tão preocupada com a inovação a qualquer preço, ao contrário, ela considerava ‘belas’ as boas ocorrências de um modelo eterno”18.

Assim, é somente a partir dos românticos e, portanto, da Modernidade, que o cará-ter inovador da obra passa a ter um valor estético em si;

começa-se então definir como arte “menor” ou mesmo não-arte as produções provenien-tes do artesanato ou da indústria. Seguindo essa lei estética, os produtos dos meios de comunicação de massa foram colocados à margem da esfera artística e ganharam seu status como produto industrializado, portanto, pertencente a um gênero menor e produto de uma atividade menos nobre do engenho humano.

Serialidade: o prazer de re-conhecer e pré-ver

Entretanto, a grande audiência devota-da aos programas seriados na televisão e

mesmo a alguns filmes de cinema (que são apresentados em episódios ou que permi-tem uma continuidade devido ao sucesso de público e de crítica) vem demonstrar que o público recebe bem a repetição e, às vezes, até espera por ela. Seguidamen-te, vê-se isso nas séries de televisão, nas telenovelas - ou mesmo em quadros hu-morísticos de programas semanais em que há um bordão empregado por uma perso-nagem – quando o público fica atento para ouvir determinada expressão verbal ou ver determinada reação da personagem19. Essas repetições funcionam como índices de reconhecimento e dão ao telespectador o status de um connaisseur, alguém que prevê as atitudes da personagem diante de certas situações. Em certa medida, é possível dizer que o telespectador se sente como um co-autor. Ora, esse sentimento de fruição frente à repetição, segundo Eco, não é característica apenas da televisão, mas também da literatura:

O atrativo do livro, o sentimento de apazi-guamento, de amplidão psicológica que ele é capaz de conferir, provém do fato que os leitores, instalados em uma boa poltrona ou em uma cabine de trem, reencontram continuamente, ponto por ponto, aquilo que eles já conhecem e querem saber mais, é por isso que eles compraram o livro. Eles tiram prazer da ausência de história, (...) a distração consiste na refutação da existên-cia de uma sucessão de acontecimentos, na retirada da tensão do passado-presente-

Em certa medida, é possível dizer que o telespectador se sente como um co-autor

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20 Umberto Eco. Innovation et répétition: entre esthé-tique moderne e post-moderne. Trad. das autoras.21 Sobre a formação da identidade sob a influência dos seriados, é interessante ver o artigo de François Jost: El culto de la televisión como vector de identidad. Disponível em <www.periodismo.uchile/cursos/psi>22 Arlindo Machado. Televisão levada a sério, p 27.23 Arnold Hauser. Historia social da literatura e da arte, p. 692-693. “No meado do século [XVIII], o número de leitores aumenta de uma forma pronunciada ; há cada vez maior número de livros que, a avaliar pela prosperidade do comércio livreiro, tiveram quem os comprasse; no final do século, ler é já uma das necessidades da vida das classes superiores (...)”.

futuro em proveito da concentração sobre um instante, que amam precisamente porque é recorrente20.

É possível depreender então que o prazer sentido pelo leitor/telespectador se orienta na direção da fruição do presente, do agora. Essa premência do presente, do agora, é uma das características do homem moderno (ou mesmo do pós-moderno para alguns), porém é preciso não nos esque-cermos de que esse presente se articula com o passado de maneira inexorável, na medida em que o prazer do presente se funda sobre prazer conhecido no passado (do já-visto, do já-sentido), modificado por alguns recursos provenientes do discurso narrativo e – no caso dos audiovisuais –, dos dispositivos e das astúcias enun-ciativas do meio televisual. Entram em jogo nesse momento, a memória coletiva e a memória individual que se articulam num eixo composto também pela memória audiovisual, num processo dialético em que constroem a identidade21 individual e a identidade coletiva.

Serialidade e “bom gosto”

A serialidade tem sido associada geral-mente à falta de bom gosto, à falta de crité-rio estético e, sobretudo, com o popular em seu sentido pejorativo. Alia-se a essa idéia o entendimento romântico de que a obra de arte de qualidade é produto da inspiração individual do artista e, portanto, não está sujeita à mecanização ou à repetição. Essa visão tem provocado um verdadeiro divór-cio entre criatividade individual (expressa numa obra artística única e irreproduzível) e os produtos oriundos de tecnologias que permitem a reprodução. Sobre esse divórcio, Machado afirma:

O divórcio – se é que se trata de divórcio – nasce com o romantismo e seus concei-tos apaixonados sobre a genialidade indi-vidual e sobre o papel do imaginário na arte. Um pensador como Lewis Munford

(1952) resume bem, embora tardiamente, essa concepção romântica segundo a qual a arte diz respeito à vida interior, à sub-jetividade do homem, enquanto a técnica é mecânica e objetiva, estando em geral a serviço do poder; e porque a maquina desumaniza o homem, a arte se opõe a ela, proclamando a autonomia do espírito22.

Dentro dessa lógica, a repetição presente na serialidade não pode de maneira alguma ser relacionada à arte, mas sim a processos mecânicos que visam à manutenção do mes-mo modelo. E, de uma maneira mais ampla, é resultado do modo de produção capitalista que visa ao lucro, não à arte (uma vez que essa é única e não reproduzível). Além disso, deve-se levar em conta que a obra de arte, como algo único e irreproduzível, dá a seu proprietário prestígio e reconhecimento so-cial, denotando o que Bourdieu define como capital simbólico.

Para que compreendamos melhor como se instala esse processo depreciativo em relação à obra seriada, é interessante que façamos um pequeno desvio e vejamos como a literatura se popularizou a partir do Romantismo. O Romantismo é o primeiro movimento literário e artístico nascido sob a égide da imprensa escrita e o primeiro em que os artistas precisam levar em consideração o público a que se destinam suas obras23. O antagonismo entre a arte destinada à aristocracia e consumida por ela e a arte dirigida à burguesia desaparece e marca o nascimento da:

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24 Arnold Hauser. Historia social da literatura e da arte, p. 693.25 Cf. Arnold Hauser. História social da literatura e da arte, p. 892-896.26 Pierre Bourdieu. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário, p. 135.27 O que necessariamente não corresponde à realidade, pois, muitas vezes, a literatura “popular” é consumida pe-las “elites”, que, publicamente, desvalorizam-nas. Arnold Hauser. História social da literatura e da arte, p. 895. “O folhetim dirige-se a um público (...) multiforme (...)”.

(...) completa emancipação do espírito da classe média em literatura. Até que o antagonismo entre as duas diretrizes dei-xa de existir, a literatura da classe média não tem a opor-se-lhe nada que se possa chamar cortesão. Isto, porém, não quer dizer que todas as diferenças se anulem e que a literatura seja dominada por um gosto ‘’único e indiviso. Pelo contrário, desenvolve-se um novo antagonismo, declara-se uma oposição entre a literatu-ra da elite culta e a do público ledor em geral (...)24.

Assim, uma hierarquia estabelece-se entre as obras literárias: as obras “cul-tas” ou de qualidade possuem público reduzido enquanto as obras de “gosto duvidoso” são publicadas nos periódicos e consumidas por uma quantidade enor-

me de leitores de todas as classes sociais25. Bourdieu afirma que:

(...) é a qualidade social do público (medida principal-mente por seu volume) e o lucro simbólico que ela assegura que terminam a hierarquia específica que se estabelece entre as obras e os autores no interior de cada gênero, correspondendo as categorias hierarquizadas que aí se distinguem muito estreitamente à hierarquia

social dos públicos (...)26.

Assim, aquilo que define a qualidade de uma obra literária e de seus autores não está ligado a sua aceitação pelo público, uma vez que o critério quali-tativo está mais ligado à “qualidade” ou prestígio do seu público27 que a uma qualidade intrínseca da obra. Dessa for-ma, desloca-se a incidência do critério de qualidade sobre a obra artística e passa-se a valorizá-la de acordo com o público (reduzido) que lhe dá suporte. Segundo essa perspectiva, tudo que é popular é ruim e, em conseqüência, pretender agradar ao público também é produzir algo de pouco valor estético.

Gêneros seriados e Cognição

Eco estuda a repetição e a serialidade referentes a coisas “(...) que à primeira vis-ta não parecem idênticas (iguais) a outras” e busca defini-las em gêneros como retake, remake, série, e saga (quadro 1).

Eco afirma que outra forma de seriali-dade encontra-se presente no diálogo inter-textual, segundo ele, entendido como “(...) fenômeno pelo qual um texto faz eco a textos anteriores”. É o caso de citações estilísticas, ou mesmo de traços de estilo (por exemplo: uma forma de representar propositalmente semelhante à de outro ator, seja em paródia ou por motivo de homenagem).

Eco interessa-se principalmente pelas “citações explícitas identificáveis como encontramos na arte pós-moderna ou na literatura, que atuam (jogam) de maneira flagrante e irônica com a intertextualida-de, utilizando-a como um lugar comum (topos)”. Assim, o que está em jogo é uma enciclopédia intertextual, uma vez que o autor/roteirista não está jogando com o sentido primeiro da cena, mas sim com um espectador que não é ingênuo e que vai perceber que o que se espera dele é a compreensão baseada num nível secundário (de um espectador crítico que aprecia o truque icônico da citação e frui a incongruência deliberada da cena que vê). Nesse momento, a serialidade assume por um lado, seu aspecto de repetição, do já-visto e, por outro, a sua face “inesperada” (de inovação) que chama a atenção para a

Assim, o que está em jogo é uma enciclopédia intertextual

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“artísticas” que os produtos audiovisuais. Porém, Eco adverte que:

Essas imperceptíveis aspas são, mais que um procedimento estético, um artifício social, elas selecionam “alguns felizes”, os felizes eleitos (e os meios de comunicação de massa esperam produzir milhões de alguns felizes). Ao espectador inocente de primeiro grau, o filme já praticamente concedeu bas-tante, o prazer secreto está reservado para o espectador crítico do segundo grau33.

A transformação que se opera no leitor/telespectador, quando este passa a ser um leitor/telespectador de segundo nível, só se torna possível porque, cada vez mais, boa parcela da audiência não se contenta apenas com a repetição e “exige” inovação, visto que como já se disse muitas vezes, à ficção televi-sual (e até a alguns gêneros cinematográficos) cabe contar de maneira diferente sempre a mesma história. Além disso, o próprio siste-ma da cultura industrial funciona por meio de uma “lógica” aparentemente paradoxal, como afirmou Morin34, uma vez que os meios de comunicação de massa, regidos pelos princípios industriais da produtividade,

28 Umberto Eco. Innovation et répétition: entre esthétique moderne e post-moderne.29 Umberto Eco desenvolve, em Apocalípticos e inte-grados, no capítulo intitulado “A estrutura do mau gosto”, uma discussão bastante profunda a respeito do que é arte na contemporaneidade em que o autor relata os motivos pelo quais, segundo ele, os meios de comunicação de massa estão associados à estética do mau gosto e as relações dessa associação com o público a quem se dirigem os mesmos. 30 Umberto Eco. Innovation et répétition: entre esthé-tique moderne e post-moderne, p. 76.31 Cf. Umberto Eco. Seis passeios pelos bosques da ficção, principalmente capítulos 1 e 2.32 Umberto Eco. Innovation et répétition: entre esthé-tique moderne e post-moderne.33 Umberto Eco. Op. cit.

34 Edgard Morin. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo, p. 29. Discute a relação repetição e inovação presente na indústria cultural e afirma que “A indústria cultural deve, pois, superar constantemente uma contradição fundamental entre suas estruturas burocrati-zadas-padronizadas e a originalidade (individualidade e novidade) do produto que ela deve fornecer. Seu próprio funcionamento se operará a partir desses dois pares antité-ticos: burocracia-invenção, padrão-individualidade”.

própria estruturação do texto audiovisual. O espectador é convidado a prestar mais atenção às estruturas e aos significados das cenas, pois a qualquer momento uma leitu-ra de segundo nível poderá ser necessária. A intertextualidade se alarga, “(...) toda diferença entre o conhecimento do mundo (ingenuamente compreendido como um conhecimento extraído de uma experiên-cia extra-textual) e o conhecimento inter-textual praticamente desaparece”28.

Dessa forma, do ponto de vista da recep-ção, mesmo as produções seriadas apresen-tam um desafio cognitivo que demanda do telespectador diversos níveis de compreen-são que vão além do simples entendimento (ou decodificação) de uma mensagem. Eco afirma que de um ponto de vista moderno do valor estético no qual toda obra “bem feita” é dotada de duas características:

a. ela deve chegar a uma dialética entre ordem (ordre) e novidade – dito de outra forma, entre procedimento e inovação.

b. essa dialética deve ser percebida pelo consumidor, que não deve compreender somente o conteúdo da mensagem, mas também a maneira com a qual a mensagem transmite esse conteúdo29.

Essas duas características básicas fariam com que o telespectador da produção seriada se sentisse satisfeito com esse tipo de progra-ma que apresenta, em doses “adequadas”, o já-visto e o novo e que para interpretá-lo “completamente” é preciso se ater a estrutu-ras e a intertextos possíveis somente àqueles minimamente “iniciados” nas artes da produ-ção seriada. No nosso entender, desloca-se, então, a estética da venda “dos efeitos já con-feccionados”30 para uma leitura de segundo nível31 que demanda do telespectador a constante “checagem” dos conhecimentos adquiridos (por meio de uma “prática” de ver televisão) e presentes nos diversos níveis da grande enciclopédia que compõem tal telespectador. Assim, “(...) a compreensão do procedimento é uma condição de sua apreciação estética”32. Como ocorre em outras áreas cujas produções são consideradas mais

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Ficção Seriada: o prazer de re-conhecer e pré-ver

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35 Maria Lourdes Motter. “Telenovela e campanha política: Porto dos Milagres”. In: Clóvis de Barros Filho (org.). Comunicação na polis: ensaios sobre mídia e política, p. 171.36 Lembramos que determinadas obras literárias, na época de seu lançamento, foram consideradas de “baixa qualidade” e posteriormente foram redimidas; inversa-mente, também pode ocorrer de uma obra ligada a um gê-nero “mais elevado” ser execrada posteriormente. Como exemplo do primeiro caso, citamos o caso do romance Madame. Bovary que foi acolhido com certo descaso pela crítica parisiense que não considerava esse gênero como digno das manifestações artísticas de qualidade. Pierre Bourdieu. As regras da arte, p. 115. afirma que Flaubert consegue “(...) impor nas formas mais baixas e triviais de um gênero literário considerado como inferior (...) as mais altas exigências que jamais haviam sido afirmadas no gênero nobre por excelência, como a distância descritiva e o culto da forma que Théophile Gautier, e depois dele os par-nasianos, impuseram em poesia contra a efusão sentimental e as facilidades estilísticas do romantismo.” 37 Dominique Maingueneau. Análise de textos de comu-nicação, p. 83-84.

38 Fatores esses analisados em profundidade em Jesus Martin-Barbero. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia.

da repetição e da burocratização, possuem constitutiva e intrinsecamente a relação entre inovação e repetição.

Conclusão

Considerando seu papel na tessitura do intertexto do telespectador, o gênero seriado ou o remake não podem ser reduzidos ao estatuto de meras repetições, mas devem ser considerados dentro de um quadro comple-xo de interpretação do texto televisual. Nes-sa perspectiva, a recuperação do já escrito e do já dito não assume a característica da re-petição e da mera reprodução, mas se insere na dimensão de uma nova obra que leva em consideração novos contextos sócio-cultu-

rais e de produção. Assim, a serialidade, em suas diversas formas de apresentação, per-mite ao leitor a construção de intertextos que alimentam a memória discursiva ao rela-cionar elementos narrativos e discursivos que levam à intersecção ou à fusão de mundos ficcionais possíveis e verossímeis. Nesse sentido, consideramos importantes as afirmações de Motter a res-peito da nova obra ficcional que se cria quando o roteiris-

ta se “inspira” em outra obra:

(...) recuperar o já dito não simplesmente para uma mesma leitura, mas para uma releitura produtiva, porque recriada na ar-ticulação com outros elementos, em outro tempo e espaço, sob uma nova forma, para um outro público, é um modo de redizê-lo, atualizando seu sentido35.

Por outro lado, devemos ainda chamar a atenção para o fato de que o valor estético ou o valor simbólico que adquire uma determi-nada obra ou gênero depende de um grande número de variáveis que nem sempre estão diretamente ligadas à obra em si, mas de-pende de relações que se estabelecem entre escritores, gêneros, sociedade – tanto no que

se refere à comunidade de leitores quanto no que refere a aspectos econômicos. Essas relações obedecem a uma dinâmica própria e são, até certo ponto, imprevisíveis36. Em al-gumas situações, o prestígio ou desprestígio advém do gênero e muitas vezes do veículo em que a obra é apresentada. Dessa forma, é preciso levar em consideração que:

(...) se quisermos tornar a emergência de uma obra pensável, sua relação com o mundo no qual ela surge, não é possível separá-la de seus modos de transmissão e de suas redes de comunicação (...) A transmissão do texto não vem após sua produção, a maneira como ele se institui materialmente é parte integrante de seu sentido37.

Por isso, pode-se creditar boa parte do desprestígio da serialidade ou, como alguns preferem dizer, da parasserialidade, enfim, da repetição em televisão, deve-se a fatores que advêm da própria constituição e abrangência dos meios de comunicação de massa em nossa sociedade38. Além disso, talvez também falte a algumas dessas críticas uma abordagem mais profunda do processo de comunicação.

O sistema da cultura industrial funciona em uma “lógica” aparente-mente paradoxal

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Maria Lourdes Motter e Maria Cristina Palma Mungioli

Quadro 1: Observações de Umberto Eco

Gênero Características Exemplos

Retake

É um primeiro tipo de repetição. Reciclam-se persona-gens de uma história de sucesso inserindo-as em outra narrativa. É tributário de uma decisão comercial. Não é rigorosamente condenado à repetição (exemplo: as narrativas do Ciclo Arturiano).

Filmes Guerra nas Estre-las e Superman.

Remake Conta novamente uma história de sucesso. As diversas versões de Dr. Jekyll.

Série

Possui uma situação fixa e um número restrito de personagens centrais imutáveis, em torno dos quais gravitam personagens secundários que variam. Esses personagens secundários devem dar a impressão de que a nova história difere das precedentes, quando, na verdade, a trama narrativa não muda39. Dentro da serialidade, também se encontram filmes em que atores representam sempre o mesmo personagem não importando se o filme é diferente (como o caso de John Wayne).

Starsky & Hutch, Columbo.

Saga

Difere da série, pois traça a evolução de uma família e se interessa a um intervalo de tempo “histórico”. Pode se ocupar de uma só linhagem, ou pode tomar a forma de uma árvore (um patriarca e diferentes galhos referindo não apenas a uma linhagem mas também a linhagens colaterais e suas famílias. Em sua estru-tura, é uma série disfarçada, pois seus personagens envelhecem, mudam, mas na realidade sua história se repete: luta pela riqueza e pelo poder, sucesso, decepção, ciúme.)

Dallas.

39 Eco, em Innovation et répétition, afirma que nesse caso, “(...) a série responde a uma necessidade infantil de escutar ainda uma vez e sempre a mesma história, de ser consolado pelo “retorno do idêntico”, sob “disfarces superficiais”.

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Ficção Seriada: o prazer de re-conhecer e pré-ver

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Comunicação: Meios e Mensagens

Rogério ChristofolettiDoutor em Ciências da Comunicação pela USP

Docente da Universidade do Vale do Itajaí - [email protected]

Ana Paula França LauxGraduanda em Jornalismo pela UNIVALI

Bolsista nesta pesquisa [email protected]

Resumo

Uma preocupação constante dos meios de comunicação é a credibilidade diante de seus públicos. Sem essa confiança, os veículos não sobrevivem. Com a expansão do jornalismo online e a disseminação dos blogs como ferramentas de informação e opinião, essa preocupação torna-se mais emergencial. Como confiar num meio tão pessoal, dinâmico e sem os respaldos dos veículos tradicionais? Blogs podem ser meios de informação para o público comum? Podem ser fontes de informação para jornalistas? Este artigo apresenta resultados do monitoramento de cinco blogs brasileiros no período de um mês, com vistas a verificar aspectos que possam indicar critérios de reputação para esses novos meios.

Palavras-chave: jornalismo online, blogs, credibilidade, confiabilidade, jornalismo brasileiro.

Abstract

A constant concern of the media is the credibility. This trust is essential to the mass media. With the expansion of the online journalism and the dissemination of blogs, this concern becomes imperative. How to trust a so personal, dynamic and innovated vehicle? Can a blog be source of information for the opinion public? Can blogs be sources of information for journalists? This work presents the results of the monitoring of five Brazilian blogs, to verify aspects that can indicate criteria of reputation for these new ways.

Key words: online journalism, blogs, trust, credibility, Brazilian journalism.

Resumen

Una preocupación constante de los medios de comunicación es la credibilidad delante de sus públicos. Sin esa confianza, los medios no sobreviven. Con la expansión del periodismo online y la diseminación de los blogs como herramientas de información y opinión, esa preocupación se hace más emergencial. ¿Cómo confiar en un medio tan personal, dinámico y sin los respaldos de los medios tradicionales? ¿Blogs pueden ser medios de información para el público común? ¿Pueden ser fuentes de información para periodistas? Este artículo presenta los resultados del monitoreo de cinco blogs brasileños en el período de un mes, con vistas a verificar aspectos que puedan señalar criterios de reputación para esos nuevos medios.

Palabras clave: periodismo online, blogs, credibilidad, confiabilidad, periodismo brasileño.

Blogs jornalísticos e credibilidade: cinco casos brasileiros1

Journalistc blogs and trust: five Brazilian cases

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evantamentos recentes têm mos-trado ao menos três tendências de tensão entre meios impressos e

online: o número e a presença de blogs na internet crescem em escala exponencial; as versões eletrônicas dos tradicionais jornais têm, cada vez mais, lançado mão de ferramentas da Web 2.0; as tiragens e os ne-gócios no jornalismo impresso evidenciam cansaço, sinalizando migração de parte do público para os meios online.

Pesquisa do Bivings Group (2006) analisou os websites dos cem jornais de maior tiragem dos Estados Unidos no que tange o uso de novas tecnologias, princi-palmente as decorrentes da chamada Web

2.0, aquela que prioriza personalização da in-formação, prestação de serviços, interatividade e compartilhamento de dados. Entre os resulta-dos, pôde se perceber que 80 dos sites pesquisados oferecem ao menos um e freqüentemente muitos blogs de repórteres. Em 67 desses casos, os lei-tores podem deixar seus comentários. Para o estu-do, essa oferta de blogs

sinaliza um “caminho fácil para os jornais expandirem suas seções de opinião”, já que são gratuitos e possibilitam que os repórteres discutam uma grande quanti-dade de temas, o que seria impossível na limitação de espaço das versões impressas. Mais: os blogs amainam a formalidade dos editoriais e demais artigos opinativos, aumentam a interatividade com o público e a possibilidade de deixar comentários motiva os leitores a visitar o site do jor-nal com mais freqüência, atitude mais do que desejável no meio. Entre os jornais pesquisados, estão USA Today, The Wall Street Journal e The New York Times. A pesquisa do Bivings Group conclui que, entre os 100 jornais de maior tiragem, a

L resposta à queda das tiragens e audiências tem sido o uso mais agressivo e extensivo de estratégias web. “Vimos que cada vez mais os jornais têm envolvido uma varie-dade de ferramentas da Web 2.0, incluin-do RSS, vídeos online, podcasts, blogs e outros num esforço para manter as atuais audiências, bem como encontrar novos públicos na internet”.

No Brasil, estudos do tipo são raros e parciais. A Pesquisa Sobre Uso das Tecno-logias de Informação e Comunicação, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (2005) se detém em aspectos ainda estruturais como nomes de domínio, apropriação de TICs, ampliação do acesso e preocupações com a segurança na navegabilidade. Assu-midamente limitado no caráter científico, outro estudo se aproxima mais do universo dos blogs no país. A Pesquisa Blogosfera Brasil é a primeira do gênero por aqui e foi desenvolvida pelo site Verbeat (2006). Trata-se de uma survey, respondida por 697 pessoas entre 12 e 71 anos, mas como não se tem o total da população usuária, o índice amostral é de pouca precisão, o que fragiliza metodologicamente o levan-tamento. Afora isso, alguns resultados esboçam a blogosfera nacional: apenas 2,2% dos respondentes consideram blo-gs uma moda passageira; 83,4% deles “blogam” desde 2002; 70,2% acham que blog é diversão/entretenimento; 61,4% que é imprensa alternativa e 57,1% con-sideram blogs um suporte de informação. Em comparação às mídias tradicionais, os consultados classificaram blogs como “mídia alternativa, como fanzines e jornais de bairro” (42,5%), como “mídia onde se pode encontrar aquelas informações que não circulam na grande mídia” (36,4%), como algo que “não interfere/interage com as mídias de massa” (12,3%) e como

1 O presente trabalho foi realizado com o apoio do UOL <www.uol.com.br>, por meio do Programa UOL Bolsa Pesquisa, Processo Número 20060519121605a.

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formato, mas também sobre formas de cons-truir e manter condições que lhe assegurem credibilidade. Bucci afirma categoricamente que a credibilidade é o maior patrimônio do jornalista, elemento que o legitima na ação e que sustenta seu fazer profissional4. “A confiabilidade e a credibilidade advêm da atitude, em relação aos fatos e ao público, daqueles encarregados de relatar os fatos a esse mesmo público”5.

Embora haja um crescimento da reflexão sobre o jornalismo online, são ainda incipientes os debates acerca das condições para a credibilidade nesse ambiente e, mais especificamente, entre os blogs6. Mattoso menciona essa pre-ocupação com a confiabilidade do blog jornalístico. Se por um lado, “a ala mais conservadora defende que as pequenas páginas não respeitam a veracidade da notícia, colocando-as no ar sem ao menos procurar checar e apurar os fatos”, por outro, a transparência e a possibilidade dos comentários dos leitores são motivos do sucesso dos blogs jornalísticos7.

O surgimento da internet na vida social trouxe profundas modificações técnicas ao jornalismo (na rotina produtiva, na amplia-

“jornal online e pode vir a substitui-lo um dia” (8,8%).

Conforme os usuários que respon-deram à survey, na sua relação com o jornalismo, os blogs “podem ser jornalis-mo, dependendo do conteúdo” (59,8%); “podem ser jornalismo, independente do conteúdo ou da formação profissional do autor” (17,4%); ou “são coisas muito diferentes” do jornalismo (9,8%).

Confiabilidade dos meios

Independente da confirmação ou não de seu parentesco com os meios jornalísticos, os blogs se alastram pela internet. Podem trazer detalhes picantes da vida íntima de um anônimo, a opinião sobre quase tudo de um grupo de amigos ou ainda informação privilegiada, fidedigna e exclusiva. Blogs podem escoar boatos, banalidades, histórias de interesse restrito ou mesmo dados úteis à coletividade. O veio jornalístico oxigena o gênero blog, mas a exemplo dos meios tradi-cionais, os blogs informativos necessitam de um componente imprescindível para a sua sobrevivência enquanto tal: credibilidade.

Pesquisa realizada em dez países sobre a confiança na mídia mostrou que, entre os meios de comunicação, os blogs ainda são as fontes de informação menos confiáveis: apenas um em cada quatro ouvidos afirmou acreditar neles. O estudo da Globescan, BBC, Reuters e Media Center2 apontou ainda que, em contraste, as fontes noticiosas da internet parecem ganhar audiência em conseqüência da perda de confiança nas fontes tradicio-nais. Na metade dos países pesquisados, os entrevistados sentiram-se incapazes de dizer se confiavam ou não nos blogs. O Brasil – um dos pesquisados - foi o que apresentou me-nor confiabilidade nos blogs (20%) e maior desconfiança (45%).

Neste contexto, se uma parcela dos blo-gueiros reivindica um lugar para si no jorna-lismo3, suas preocupações devem recair não somente sobre aspectos de linguagem ou de

2 A pesquisa completa está disponível em <http://www.globescan.com/news_archives/bbcreut.html>3 Segundo James Baetke, de 10 a 15 milhões de blo-gueiros batalham para se afirmar como verdadeiros jornalistas. Disponível em < http://www.spj.org/wps-tory.asp?s=30 >. Acessado em 14 dez. 2007.4 Eugenio Bucci. Sobre ética e imprensa, p. 66.5 Eugenio Bucci. Op. cit., p. 52.6 Schitine (2004) aprofunda-se nas discussões e tensões entre público e privado que a escrita dos blogs vai atu-alizar. Mas seu foco é bastante amplo e a autora apenas resvala no jornalismo no final de sua pesquisa. Recuero (2003), por sua vez, se ocupa de uma tipologia para os blogs (diários eletrônicos, publicações eletrônicas e publicações mistas), enquanto que Quadros, Rosa e Vieira (2005) destacam as transformações mais evidentes no jornalismo, causadas pela emergência dos blogs. Em nenhum dos casos, a preocupação com a credibilidade ganha maiores contornos.7 Guilherme de Queirós Mattoso. Internet, jornalismo e weblogs: uma nova alternativa de informação, p. 35. Disponível em <http://www.bocc.ubi.pt/pag/mattoso-gui-lherme-webjornalismo.pdf>. Acesso em 29 fev. 2006.

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ção do acesso, na convergência midiática, na participação do público e na própria dimensão do tempo). Transformações de igual envergadura também emergem na esfera da ética (em discussões sobre a privacidade, o anonimato e o direito autoral, por exemplo) e nos cuidados com a credibilidade. Assim, é possível que te-nhamos regras distintas entre os sistemas de reputação dos meios tradicionais e os que cercam novas experiências jornalísti-cas, como os blogs informativos.

Rangel lembra que, no processo de autonomização do campo jornalístico em relação ao literário, foi necessário criar uma deontologia própria ao jornalismo, terreno sobre o qual foi construída uma

imagem de autoridade8. Constituir-se enquanto lugar autorizado de narração do presente foi vital para o sur-gimento do jornalismo como o conhecemos. O jornalista estaria sempre onde a notícia acontece, parecendo oni-presente. O jornalista teria conhecimento da verdade dos fatos, aparentando ser onisciente. Como se fosse um deus, a legitimidade e a autoridade do jornalismo – seu poder simbólico – foram

forjadas à base de idéias de onipresença e onisciência.

Soster situa no século XVII com maior contundência os esforços do meio jorna-lístico em estabelecer uma credibilidade para si. Esse projeto estaria ancorado no fato de que a periodicidade passa a fazer parte da rotina do jornalismo, o que teria deflagrado o processo de formação de sua credibilidade9. Viriam a se juntar outros dois componentes à periodicidade: a presença de profissionais na apuração das informações e veiculação das notícias, e a idéia de territorialidade. Mas não só. O próprio Soster, em outro momento, enfatiza a necessidade da correção e da

precisão no jornalismo para manter sua confiabilidade. Para ele, a credibilidade jornalística é posta em xeque quando a velocidade funciona em prejuízo do rigor da informação, ocasionando erros, a sen-sação de imprecisão e o conseqüente des-crédito. “O problema da imprecisão está diretamente relacionado com o aumento da velocidade de produção: quanto mais velocidade, mais imprecisas são as infor-mações”10. A observação do autor alude a sites e portais jornalísticos na internet, ambiente em que a extrema velocidade é um item de base.

Joana Ziller lembra que a velocidade não é um valor negativo, e, no jornalismo, ela é fator fundamental. O problema esta-ria em conjugá-la com apuração correta, ética e busca pela objetividade11. Em sua pesquisa, a autora mostra que, para os webjornalistas, erros de redação e apura-ção não são tão sérios na internet quanto os cometidos nos demais meios. Isso porque poderiam ser mais facilmente corrigidos. “Produzir notícias tendo a velocidade de publicação como parâmetro central colabora para tornar a Internet um meio em que a credibilidade não é, para o usu-ário, o valor por excelência”12. A solução para o futuro do jornalismo parece estar no passado e no presente, arrisca Ziller. Deve-se priorizar valores jornalísticos mais tradicionais, aqueles mais próximos do público, como a produção de informa-

Os blogs informativos necessitam de um com-ponente imprescindível para a sua sobrevivên-cia: credibilidade

8 Monique Benati Rangel. “A Construção da Autorida-de Jornalística: onisciência e onipresença. Fundamen-tando o Poder Simbólico do Jornalista”. In: Intercom.9 Demétrio de Azevedo Soster. “Credibilidade, auto-referência e as novas configurações territoriais jorna-lísticas”. In: III Encontro Nacional dos Pesquisadores em Jornalismo, Florianópolis.

10 Idem.11 Joana Ziller. “Velocidade e credibilidade: algumas conseqüências da atual estruturação do webjornalismo brasileiro”, p. 6. In: III Congresso Online: Observatório para a Cibersociedade, 2006. Disponível em <http://www.cibersociedad.net/congres2006/gts/comunicacio.php?id=491&llengua=po>. Acesso em 27 nov. 2006.12 Joana Ziller. Op. cit., p. 7.

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13 Joana Ziller. “Velocidade e credibilidade: algumas conseqüências da atual estruturação do webjornalismo brasileiro”, p. 8. In: III Congresso Online: Observatório para a Cibersociedade, 2006. Disponível em <http://www.cibersociedad.net/congres2006/gts/comunicacio.php?id=491&llengua=po>. Acesso em 27 nov. 2006.14 Ana Maria Brambilla. “Jornalismo open source em busca de credibilidade: como funciona o projeto coreano OhmyNews International”, p. 5. In: Intercom.

15 É o caso do site sul-coreano OhMyNews, lembra Bram-billa. Disponível em <http://www.ohmynews.com> .

16 Ana Maria Brambilla. Op.cit., p. 12.

ções com fontes confiáveis, por exemplo. “Sem a busca constante por tais valores, qualquer conteúdo jornalístico começa perdendo em possibilidade de contextu-alização, aprofundamento e semelhança com o real”, conclui13.

Novos sistemas de reputação

A expansão dos negócios da inter-net e a própria evolução do jornalismo nesse ambiente trouxeram à cena novos desafios para o processo de informação. A interatividade aproximou o público dos produtores, mas hoje se fala inclusi-ve de jornalismo “open source”, isto é, uma modalidade que possibilita maior liberdade de interferência do público sobre os bens de informação. O leitor não apenas comenta a notícia no site, mas sugere pautas, indica fontes, aponta erros e exige retificações. Ana Maria Brambilla avalia que à medida que cresce a interferência do público nas atividades jornalísticas, instaura-se a necessidade de revisar valores “sobre os contratos de fruição das notícias e sobre os parâmetros que determinam a credibilidade de uma informação”14. Desta forma, o jornalismo “open source” permite maiores questio-namentos sobre a legitimidade dos agen-tes de fala e sobre a própria credibilidade dos conteúdos veiculados.

A revisão de valores, anunciada aci-ma, também redesenha as bases para a credibilidade jornalística online. Surgem condições para a fixação de um novo sis-tema de reputação. O sistema atual – onde jornalistas e meios são canais autorizados e confiáveis para reportar o mundo – con-tinua vigente, mas passa a dividir espaço com novas formas. Em uma delas, leva-se em consideração os links nas páginas – que funcionam como votos, menções ou indicações de referência. Em outras situações, a veracidade das informações veiculadas nos sites é controlada com

equipes editoriais de verificação e cadas-tros de seus autores para responsabiliza-ção por eventuais erros ou imprecisões15. “A reputação, como dispositivo de e aos moldes da credibilidade, é grandeza que se afirma diariamente. A tarefa de se mostrar confiável é construída por meio de interações cotidianas e não consiste num valor inerente a uma pessoa ou uma marca”16. O conceito leva às últimas conseqüências o entendimento de que o jornalismo (como outras atividades) é um diálogo e não tem fluxo unidirecional. Sua credibilidade seria também resultado de uma relação de dupla via; o sistema de reputação é descentralizado.

No cotidiano dos blogs, expor a infor-mação às mais diferentes opiniões levaria os blogueiros a se preocupar mais com sua veracidade, evitando réplicas ou contradi-ções. O chamado “efeito multidão” – a vi-sitação de um grande número de pessoas a uma página, o que atrai a atenção de outros públicos, num fluxo crescente – também pode auxiliar na reputação de alguns sites, na medida em que permite a identificação de incorreções ou abordagens com pouco equilíbrio. Entretanto, a mera abertura do modus operandi dos jornalistas ao público não elimina a possibilidade dos erros, reconhece Brambilla. Apesar de oferecer novos componentes ao jornalismo online, e por extensão aos blogs informativos.

Masum e Zhang, em seu Manifesto para a Sociedade da Reputação, defen-dem que as ferramentas da informática

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e da internet permitem a emergência de contextos que facilitariam não apenas o desenvolvimento humano e social, mas também possibilitariam a definição de bases para sistemas que aferissem e dife-renciassem conteúdos na rede. Com isso, a cada vez que usássemos tais critérios, não trabalharíamos mais com dados crus, e partiríamos para informações já consoli-dadas e com credibilidade, economizando esforços e tempo17.

Segundo os autores, o desafio inicial é compreender, e depois projetar e cons-truir sistemas de reputação, beneficiando-se das experiências anteriores. “A good reputation system will take account of real-world limitations – scarce ratings,

differing tastes, people ga-ming the system – and still manage to create reputation signals that are close enou-gh to reality to be useful”18. A filtragem de milhões de opiniões criou índices de reputação de páginas na web e tornou o Google, por exemplo, num ícone glo-bal, afetando a distribuição de popularidade nas pági-nas. Rankings de usuários também funcionam nesse sentido. A Amazon Books

(http://www.amazon.com), por exemplo, solicita aos seus compradores que avaliem os produtos adquiridos, permitindo que outros clientes tenham acesso a essas opi-niões e possam orientar seus julgamentos de consumo19. É um sistema de reputação bastante útil e simples.

No caso dos blogs, as bases para um sistema de reputação intensificam algumas preocupações. A audiência dessas páginas eletrônicas assemelha-se a uma comunida-de bem definida na internet, formada com base nas preferências de consumo de in-formação, em interesses compartilhados, em gostos comuns. “Online communities are good places to see how the definition of

an individual’s reputation influences the character of the community as a whole, which in turn feeds back and affects what individuals perceive as being a ‘good re-putation’ in that context”20. Uma função cada vez mais importante dos sistemas de reputação é a de auxiliar no controle do que interessa e de quem pode interessar, como um gatekeeping. Neste sentido, ao sugerir outros blogs em suas páginas, os blogueiros expandem a visibilidade e o raio de ação dos links. Mais: conferem a eles crédito, confiabilidade. Esta forma co-operativa ajuda a sinalizar à comunidade blogueira o que há de novo, o eu há de importante na blogosfera. Funciona como uma eleição informal, já que linkar é ofere-cer, sugerir, assinalar positivamente.

Os autores reconhecem que há riscos no fato de permitir que julgamentos pessoais de sujeitos comuns alimentem a reputação, mas enfatizam que a eficácia desses sistemas reside também na sua transparência21. A reputação torna-se uma construção coletiva, e mais vale que pessoas comuns – mas muitas delas – opinem, critiquem, sugiram, rebatam um dado ou um blog do que a reputação atribuída por um único canal, apenas um julgamento, como um cânone. Neste sentido, os novos sistemas de reputação se distanciam dos já existentes, onde a auto-ridade emerge de uma representatividade,

Novos sistemas, cada pessoa se torna um elo que contribui e acrescen-ta para a indicação global de uma credibliidade

17 Hassan Masum e Yi-Cheng Zhang. Manifesto for reputation society, p. 8. Disponível em <http://www.firstmonday.org/issues/issue9_7/masum>. Acesso em 10 set. 2005.18 Hassan Masum e Yi-Cheng Zhang. Op. cit., p. 10.19 Hassan Masum e Yi-Cheng Zhang. Op. cit., p. 15. No Brasil, o site Mercado Livre <http://www.mercadolivre.com.br> faz o mesmo, mas o cliente avalia o desempenho do vendedor cadastrado e que foi o responsável pela intermediação na transação de compra. Após fechar o negócio, o cliente dá notas ao vendedor e ajuda a qualificá-lo para outros negócios. Outros clientes, antes de fechar suas compras, terão acesso às credenciais do vendedor, e isso os ajudará em suas escolhas. 20 Hassan Masum e Yi-Cheng Zhang. Op. cit., p. 22.

21 Hassan Masum e Yi-Cheng Zhang. Op. cit., p. 43.

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22 Edelman & Intelliseek. Trust media: how real people are finally being heard. Relatório de Pesquisa. Dispo-nível em <http://www.nielsenbuzzmetrics.com/whtpa-per_dwnld.asp?paper=13>. Acesso em 16 jul. 2007.23 Idem.24 Ibidem.

25 Os blogs estão disponíveis, respectivamente, em: <http://queridoleitor.zip.net>, <http://pedrodoria.nominimo.com.br>, <http://veja.abril.com.br/blogs/reinaldo>, <http://jo-siasdesouza.folha.blog.uol.com.br> e <http://www.noblat.com.br>.

por exemplo. Nos sistemas já existentes, o intelectual, o especialista, o adminis-trador, a organização dita os critérios de reputabilidade. Nos novos sistemas, cada pessoa se torna um elo que contribui e acrescenta para a indicação global de uma reputabilidade, de uma credibilidade. Grosso modo, pode-se fazer um paralelo entre democracia representativa e demo-cracia participativa, direta.

O relatório de pesquisa das empresas Edelman e Intelliseek mostra que na blo-gosfera, a credibilidade leva em considera-ção o que os blogueiros acham, pois esses estão mais dispostos a expressar suas opi-niões e julgamentos enquanto repórteres tradicionais ainda estão abraçados à sua objetividade22. A autoridade do blogueiro é definida por comportamentos-chave: a regularidade de postagem de novos conte-údos, a influência ou respeito que detém e quantos outros blogs lhe dão links diretos. Para manter sua reputação, o blogueiro precisa ficar atento, pois sua comunidade leitora é implacável com erros ou deslizes. “If you fudge or lie on a blog, you are biting the karmic weenie. The negative reaction will be so great that, whatever your inten-tion was, it will be overwhelmed and you will be crushed like a bug”23.

Os conselhos não param por aí. O relatório indica que os blogueiros devem freqüentar outros blogs; precisam confiar nesses meios e fornecer informação ao sis-tema; devem evitar spams, ser honestos e transparentes; precisam conhecer e respei-tar as regras dos blogs que freqüentam e, claro, escolher os blogs que julga melhores para se linkar a eles24.

Em 2002, o Stanford Persuasive Tech-nology Lab listou suas guidelines para cre-dibilidade na internet. Entre elas, estão: a. facilite para que as informações de seu site sejam confirmadas; b. mostre que existe uma organização/empresa real por trás de seu site; c. mostre que pessoas honestas e confiáveis estão por trás do site; d. facilite o contato dos leitores; e. profissionalize o

visual do seu site; f. preocupe-se com a usabilidade; g. atualize freqüentemente o seu site; h. evite erros de todo tipo, mesmo os menos graves.

Blogs brasileiros

Para verificar em que bases vêm se assentando a credibilidade dos blogs jornalísticos no Brasil, foram observados cinco exemplos: Querido Leitor, de Rosana Hermann, No Mínimo Weblog, de Pedro Doria, Blog do Reinaldo Azevedo, Blog do Josias de Souza e Blog do Noblat25. Todos eles são blogs pessoais de jorna-listas conhecidos nacionalmente e foram escolhidos aleatoriamente. Foi definida uma amostra de cinco blogs para que se pudesse dar conta de um monitoramento de 30 dias desses sites. Este acompanha-mento foi executado durante todo o mês de novembro de 2006.

Assim, o monitoramento consistiu da visita diária a todos os blogs, anotando-se os posts novos dos autores e o número de comentários para cada novo texto. Adotou-se o seguinte critério de anotação: a visita diária aos blogs era seguida do registro dos dados relativos ao dia anterior para que se pudesse ao menos consolidar 24 horas de tempo de comentários por parte dos leito-res nos blogs. Evidentemente, este período não impede que haja postagem de novos comentários, mas delimita um tempo de resposta/reação do público ao meio. Nos blogs elencados, foram analisados ainda fatores como a presença de anunciantes,

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os acessos registrados (quando visível) e a freqüência de novos conteúdos.

Querido Leitor é a evolução do blog Farofa, criado em 2000. A autora tem larga experiência em jornalismo, tendo passado emissoras de TV e rádio (TV Cultura, Rede Record, Rede TV!, Rede Globo, SBT, Rede Bandeirantes, Rede Mulher, CNT-Gazeta, TV Manchete e AllTV, Rádio Jovem Pan, Antena 1 e Radio News). Na internet, já atuou como colunista de sites como Comunique-se, Blonicas, AOL Brasil e Americanas.com, entre outros. Em 2006, foi eleita pelo Portal Imprensa como “melhor blogueira” e teve seu Querido Leitor apontado como “blog jornalístico do ano”.

Seu blog se auto-inti-tula como “especialista em generalidades”. A página não tem contador de visitas visível, mas permite comen-tários de leitores. Não tem anúncios, mas possui link para o Google Anúncios. O blog não está diretamente ligado a uma empresa de comunicação, e funciona como um diário virtual do cotidiano da jornalista, en-focando tecnologia, cultura de massa, amenidades no

mundo da TV, estética e beleza, entre outros assuntos.

O No Mínimo Weblog foi criado por Pedro Doria, mas reúne também textos de pelo menos 23 outros colunistas. O blog foi derivado do site No Mínimo, e carrega muitas de suas características anteriores – como a diversidade de assuntos tratados e colunistas conhecidos do grande públi-co. Dispõe de conteúdo armazenado desde março de 2006, e de recurso de pesquisa dentro do próprio blog, através de uma caixa de busca. Tem recursos RSS, feed de notícias e MP3 podcast. O blog permite deixar comentários e não é preciso se ca-dastrar para fazê-lo. Existe ainda a opção

de receber os conteúdos por e-mail, através de cadastro. O No Mínimo está hospedado no portal IBest, não tem contador de visi-tas visível e conta com anunciantes: Gol, revistas Abril, BrasilTelecom.

O Blog do Reinaldo Azevedo é o mais recente entre os pesquisados: surgiu em junho de 2006. O autor é jornalista de meios impressos, marcadamente revistas nas áreas da Política e Economia (Primeira Leitura, República) e Cultura (Bravo!). O blog está hospedado no site da revista Veja, e neste ambiente, Reinaldo Azevedo aparece como colunista, expediente que o liga diretamente ao veículo, embora o blog conserve o estilo pessoal do seu autor (crítico, anti-governista, irônico e mordaz). O blog não tem contador de vi-sitas visível, dispõe de arquivo com todo o conteúdo desde a sua criação e permite comentários dos leitores. O visual do blog não difere da versão online de Veja, e os recursos de navegação são limitados aos da revista. O blog não dispõe informações sobre o autor.

O Blog do Josias se assemelha ao de Reinaldo Azevedo em muitos aspectos: é nitidamente ligado a um grande veículo de comunicação – no caso a Folha de S.Paulo, nomina seu autor como colunis-ta do jornal, não tem contador de visitas visível e permite deixar comentários, sem cadastro prévio. Tem arquivo, links para sites relacionados, para outros blogs da Folha de S.Paulo, além das matérias que aparecem na seção Última Hora do UOL. O blog tem recurso de busca, opção para lê-lo em telefone celular e no formato RSS. Não dispõe de arquivos em áudio, vídeo ou PDF. A exemplo dos demais blogs do UOL, não possui anunciantes, constando apenas banner do próprio portal. O Blog do Josias é pessoal, sem participação de colaboradores externos.

O quinto caso analisado parece ser o mais consolidado blog jornalístico no país, o de Ricardo Noblat, que já passou pela redação dos mais importantes veículos

Num caso ou noutro, o público reagiu como nos meios tradicionais, interessando-se pela discussão polarizada

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impressos brasileiros. A história deste blog segue algumas das trilhas de blogueiros norte-americanos, evidenciando empre-endedorismo, riscos e experimentação num terreno midiático ainda imprevisível e inexplorado. Noblat criou seu blog após deixar a imprensa tradicional e por dois anos, amargou prejuízos financeiros e a descrença por parte do mercado de que pudesse se viabilizar como meio e como alternativa de informação. Sua insistência não só consolidou seu blog entre formado-res de opinião, como atraiu a atenção de grandes portais: passou pelo UOL, pelo do Grupo Estado e atualmente, está hospeda-do no Globo.com. A análise feita aqui se deu quando o Blog do Noblat ainda estava no portal do Grupo Estado.

Tendo isso em vista, esta versão do Blog do Noblat não tem contador de visitas visível, mas dispõe de links para seções diversas. Tem enquête e uma rádio online. É possível deixar comentários, desde que os autores façam um breve cadastro. O blog permite a opção de receber flashes diários. O site possui uma caixa de busca na página inicial, que viabiliza a pesquisa de conteúdo na web e dentro do próprio blog. É preciso cadastrar-se também. O anunciante no topo da página leva a links dos veículos do Grupo Estado.

Resultados

No monitoramento de 30 dias dos blogs – feito em novembro de 2006, foram observados dados da seguintes variáveis: a. posts dos blogueiros no período; b. média diária de postagem; c. comentários de leitores no período; d. média diária de comentários deixados; e. relação comen-tários/posts; posts mais comentados por blog. Essas variáveis permitem identificar a freqüência de alimentação das páginas, a resposta/reação dos leitores, a comparação entre os blogs e a sinalização de elementos que podem ser inferidos como promotores de reputação nesses casos (tabela 1).

Os registros permitem afirmar que os autores oscilam bastante quanto à freqü-ência de alimentação de seus blogs, indo da postagem média de um texto por dia à expressiva marca de 27,23 no mesmo período. Os dados possibilitam ainda di-vidir os blogs em cinco níveis, conforme o volume de suas produções: um estrato de base, onde a postagem parece seguir os ritmos de uma coluna diária, com apenas um post por dia (No Mínimo Weblog); um segundo com um ritmo mais acelerado de postagens, sinalizando uma aceleração na velocidade da produção nos blogs (Blog do Josias e Querido Leitor); e um terceiro estrato, onde a postagem é maciça e volu-me de conteúdos é bem grande (Blog do Reinaldo Azevedo e Blog do Noblat).

A observação dos comentários dei-xados no período e a sua relação com os volumes de alimentação dos blogs permite perceber, por exemplo, se os blogueiros que mais postam, têm mais respostas de seu público (tabela 2).

Os dados mostram que há diferenças expressivas entre os blogs no que tange a resposta do público aos posts. Num perío-do de trinta dias, o número de comentários deixados ficou entre 2910 e 42431. A mé-dia diária também tem uma margem larga que vai de 97 a 1414,36 comentários. Pode-se generalizar que os públicos de Noblat, Reinaldo Azevedo, Josias de Souza e Pedro Doria não são muito distintos, já que seus blogs tratam dos mesmos assuntos, com ênfase em Política e Economia. Rosana Hermann destoa, pois é mais eclética e seu leitor médio poderia pertencer a outros grupos sociais. Esta distinção, no entanto, não explica uma maior ou menor resposta dos leitores. O blog com menor número de comentários foi o No Mínimo (2910), justamente o que menos postou textos no período (30). Entretanto, ele teve uma relação comentários/post de 97, seis vezes mais que Querido Leitor.

Neste sentido, não se pode afirmar que haja uma relação direta entre volume de

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postagem por parte do blogueiro e resposta de seu público. O desempenho de outro blog ajuda a desmitificar essa relação. O Blog do Josias foi o quarto em volume de posts no período analisado (214), e o terceiro na relação entre posts e comen-tários (48,8), à frente do Blog do Reinaldo Azevedo, que postou mais que o dobro de Josias (510 contra 214).

Portanto, não há uma relação imediata entre postagem e resposta do público. O volume de comentários num blog – uma medida concreta de sua credibi-lidade, conforme os novos sistemas de reputação – atende a outros fatores. O caso do Blog do Noblat traz novos dados para esta reflexão. Ele foi, disparado, o

blogueiro que mais postou no período e o que mais recebeu comentários (817 e 42431, respectivamente). Chegou a receber mais de 1400 comentários por dia, em média, em novembro de 2006, uma resposta di-reta e rápida invejável para qualquer meio e qualquer jornalista. Mas além do fato de alimentar seu blog com muita freqüência (mais de 27 vezes por dia), Noblat aglutina outros fatores que

podem contribuir para elevar a sua repu-tação/credibilidade na blogosfera.

Seu blog possui uma série de recur-sos que podem atrair leitores: sistema de busca, uma rádio online, arquivos com reportagens, entrevistas, materiais especiais. Mas deve-se acrescentar ain-da uma condição que pode catalisar a aderência de público: tanto no caso de Noblat quanto nos de Reinaldo Azevedo e Josias de Souza, os autores dos blogs têm seus nomes ligados a veículos tra-dicionais: O Estado de S.Paulo, Veja e Folha de S.Paulo, respectivamente. Os três também são jornalistas reconhecidos em suas lidas diárias, detendo seus graus

de credibilidade junto à opinião pública. Desta forma, a proximidade ou vincu-lação a um meio tradicional (jornal ou revista) pode se somar às credibilidades pessoais dos profissionais, gerando graus evidentes de reputação na blogosfera26. Essa tendência parece ser uma mescla entre os novos sistemas de reputação e os já existentes, o que nos permite afirmar que blogueiros e leitores de blogs ainda oscilam entre novos e velhos critérios de credibilidade para definir seus canais de informação na blogosfera. O leitor comum procura e responde ao estímulo dos meios que oferecem mais conteúdo – os blogueiros que mais postam. Mas os mesmos leitores não abrem mão dos pro-fissionais que já conhecem e dos veículos que já consomem.

A variável que aponta os assuntos mais comentados nos cinco blogs no período re-força a idéia de que o público ainda segue alguns padrões presentes nos meios tra-dicionais. Em Querido Leitor, o post mais comentado foi “Diogo e Mino” (27/11 às 9h53: 85 comentários), sobre uma ruidosa disputa judicial que envolve o colunista Diogo Mainardi e o jornalista Mino Carta. O mesmo assunto foi o mais debatido no Blog do Reinaldo Azevedo, no post “Veja 3 – Diogo Mainardi: ‘Mino Carta, o Grande’” (18/11, às 4h25: 248 comentários).

Em No Mínimo Weblog, o post mais co-mentado foi “O fraco do Papa” (de 22/11, e 267 comentários) criticando posturas do papa Bento XVI. No Blog do Josias e no Blog do Noblat, os posts mais comentados trataram de crise energética no governo Lula. No primeiro, o post foi “Governo Lula acaba de ganhar seu ‘selo apagão’” (02/11, às 16h09: 227 comentários). No de Noblat, foi “O apagão de Lula” (02/11, às 15h03: 626 comentários).

26 Comportamento semelhante pode-se observar entre os colunistas/blogueiros William Waack, Zeca Camargo do portal G1, que atraem bastante atenção em seus espaços. Mais detalhes em http://www.g1.com.br

Blogueiros e leitores de blogs ainda oscilam entre novos e velhos critérios de credibilidade

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Rogério Christofoletti e Ana Paula França Laux

Em todos os casos, os posts mais co-mentados tratavam de assuntos polêmicos, fosse uma briga na mídia, fosse a atitude do chefe do Vaticano ou mesmo o prenún-cio de uma crise no governo federal. Num caso ou noutro, o público reagiu como nos meios tradicionais, interessando-se pela

discussão polarizada, pelo debate acirrado e com alguma violência, pelo tom trágico e apocalíptico de algumas previsões. O jornalismo pode não ser mais o mesmo com os blogs, mas os leitores ainda se satisfazem e se mobilizam muito com elementos do jornalismo tradicional.

Tabela 1: Postagem de textos pelos blogueiros

Blog Posts no mês Média diária de posts

Querido Leitor 325 10,83

No Mínimo Weblog 30 1,00

Blog do Reinaldo Azevedo 510 17

Blog do Josias 214 7,13

Blog do Noblat 817 27,23Fonte: Os próprios blogs no período de 1º a 30 de novembro de 2006.

Tabela 2: Relação entre número de comentários e respostas

Blog Comentários/mês Comentários/dia Comentários/post

Querido Leitor 5148 171,6 15,84

No Mínimo Weblog 2910 97,00 97,00

Blog do Reinaldo Azevedo 18653 621,76 36,57

Blog do Josias 10444 348,13 48,80

Blog do Noblat 42431 1414,36 51,93Fonte: Os próprios blogs no período de 1º a 30 de novembro de 2006.

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Blogs jornalísticos e credibilidade: cinco casos brasileiros

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Comunicação: Meios e Mensagens

Ana Carolina Pessoa Rocha TemerDoutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo

Docente da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás - Facomb.

[email protected]

Márcia Perencin TondatoDoutora em Comunicação pela ECA-USP

Coordenadora dos núcleos de pesquisa em Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Metodista de São Paulo.

[email protected]

Resumo

Este artigo trata da transformação da televisão aberta que evita tornar-se uma opção antiga (e passiva) no conjunto das inovações midiáticas, em que se multiplicam as atrações interativas e o acesso rápido para um consumidor que se torna cada vez mais exigente no consumo do lazer e da informação. As emissoras de televisão investem em “programas testes”, com possibilidades de interatividade, dando espaço para o surgimento de gêneros complexos que permitem uma participação mais explícita do telespectador na programação, retomando estratégias já utilizadas pelo rádio, promovendo um misto de circo, gincana, programas de auditório, apostando na curiosidade do ser humano pelo inusitado, pelo inesperado.

Palavras-chave: interatividade, televisão, gêneros, reality.

Abstract

This article talks about the transformation television lives in order not to become old fashioned, labeled as passive and obsolete among media innovations, in which we find multiplied interactivity attractions, accessed faster each day by a more an more demanding consumer of leisure and information. Television networks invest in new formats, aiming the interactivity, giving space for new and complex genres, which allow a more open participation of viewers, by means of strategies already used in the radio, promoting a mixture of circus, competition, live programs, betting on human being curiosity for the unexpected.

Key words: interactivity, television, genres, reality shows.

Resumen

Este artículo se ocupa de la transformación de la televisión como reacción a las innovaciones de los medios, donde si mul-tiplican las atracciones interactivas y el acceso rápido para un consumidor que es a cada hora más exigente en desfrute del ocio y de la información. Los remitentes de la televisión invierten en “programas experimentales”, con las posibilidades del interactividad, dando espacio para el brote de géneros complejos, pero que permiten una participación más explícita del espectador en la programación, volviendo a tomar las estrategias usadas ya por la radio, promoviendo un compuesto del circo, gincanas, programas de audiencias, apostando en la curiosidad del humano para el inusual, para el inesperado.

Palabras clave: interatividad, televisión, género, reality.

Interatividade na televisão: a globalização pelos gêneros

Interactivity on television: the globalization by the genres

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Interatividade na televisão: a globalização pelos gêneros

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Cultura e culturas: o global e o local

princípio da colonização pode ser entendido como a necessi-dade de transformar as popula-

ções coloniais, adequando-as ao sistema capitalista, não apenas como ocupantes indesejáveis de território a ser predado, ou como fonte de mão-de-obra escrava, mas como participantes de um grande mercado internacional, no qual também serão consumidores, e tendo que, bem ou mal, adotar valores de uma cultura carac-terizada pelo capitalismo.

Cultura pode ser concebida como um sistema de símbolos, or-ganizados em diversos subsistemas, apontando para a natureza social do comportamento, onde esses símbolos são decodifica-dos a partir de um código comum a um grupo. Desta forma, um dos métodos de identificação das fronteiras de uma cultura particular é o exame da capacidade ou não de um dado símbolo ser decodificado identica-mente por dois grupos1.

Entendendo-se a cultura como um có-digo, como um sistema de comunicação, é possível perceber seu caráter dinâmico ao produzir interpretações, significados e símbo-los diante de uma realidade em permanente mudança. Característica onipresente da vida social: produção e a troca de formas simbó-licas – expressões lingüísticas, gestos, ações, obras de arte etc.2. Nos últimos dois séculos, o aspecto novo da natureza e a abrangência da circulação de formas simbólicas foi o desenvolvimento de meios técnicos que, em conjunto com instituições orientadas para a acumulação capitalista, possibilitaram a pro-dução, reprodução e circulação das formas simbólicas numa escala global.

Segundo Mattelart3, o global torna-se

Oum modo de gestão, definindo um cená-rio em que o espaço da organização da produção e comercialização estendeu-se ao espaço do mercado-mundo. Global e globalização, as duas noções tradução literal dos termos ingleses, levaram van-tagem sobre os vocábulos ‘internacional’ e ‘internacionalização’.

Neste contexto, as palavras de ordem são: 1. economia de escala – como produ-zir mais barato; 2. poder de escala – como administrar melhor graças à acumulação das redes, sistemas de informação e talen-tos; 3. economias de envergadura – redu-ção de custos ao produzir vários produtos diferentes seguindo o mesmo ramo ou a diversificação da padronização4.

Diante desta abordagem global, veri-ficamos que, ainda segundo Mattelart5: 1. o mundo se torna uma “aldeia global”; 2. a dimensão do mercado já não é nacional, mas mundial; 3. predomina o modo ur-bano de vida; 4. se observam tendências marcantes (desenvolvimento do indivi-dualismo, americanização da juventude, emancipação da terceira idade, etc).

Dessas observações, surgem três hipóte-ses: 1. homogeneização das necessidades sob a pressão das novas tecnologias; 2. concor-rência pelo preço; 3. economia de escala.

A orientação para a sobrevivência neste mundo é criar um produto único para todo o mercado mundial, ou seja, comercializar os produtos a um preço único, o mais baixo possível, fazer a promoção da mesma forma em cada país; e utilizar, em todos os lugares, os mesmo circuitos de distribuição6. No

1 John B Thompson. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 2 Idem.3 Armand Mattelart. Comunicação-mundo: história das idéias e das estratégias, p. 248.4 Armand Mattelart. Comunicação-mundo: história das idéias e das estratégias, p. 249.5 Armand Mattelart. Op. cit, p. 251.

6 Armand Mattelart. Op. cit, p. 251.

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Ana Carolina P. R. Temer e Márcia Perencin Tondato

finalizada nos reality shows.Ianni utiliza a imagem do caleidoscópio

para falar da globalização, dizendo que

o mundo se pluraliza, multiplicando as suas diversidades, revelando-se um caleidoscópio desconhecido, surpreen-dente. (...) Por sobre a coleção de calei-doscópios locais, nacionais, regionais ou continentais, justapostos e estranhos, semelhantes e opostos, estende-se um vasto caleidoscópio universal, alterando e apagando, bem como revelando e acen-tuando cores e tonalidades, formas e sons, espaços e tempos desconhecidos em todo o mundo. Entrecruzam-se, fundem-se e antagonizam-se perspectivas, culturas, civilizações, modos de ser, agir, pensar, sentir e imaginar10.

Também o cotidiano pode ser visto como um caleidoscópio. Composto de diversos elementos que se combinam, adquirindo sentido através do movimento, das refle-xões e refrações nas suas paredes internas, espelhadas. Como no cotidiano, a cada movimento, para cada pessoa, as partes constituintes dos conteúdos organizam-se de forma diferente, adquirindo um novo sentido. Nos espelhos internos, os elementos se refletem e se refratam, modificando as formas, mostrando-se de modo diferente a cada um. Assim como os sentidos constru-ídos no cotidiano, também as imagens no caleidoscópio não podem ser congeladas. Se tirarmos uma foto já não é caleidoscópio, é uma foto da imagem formada. O mesmo acontece em relação ao cotidiano. Tedesco diz que “o local e o global se inscrevem no primeiro plano das preocupações intelec-tuais, mas poucas pessoas se apercebem que é o cotidiano que fornece uma via para abordar a globalidade”11.

Os Meios de Comunicação de Massa

7 Armand Mattelart. Op. cit, p. 253.8 Armand Mattelart. Op. cit, p. 256.

9 Everardo Rocha. A sociedade do sonho – comunicação, cultura e consumo, p. 105-106.

10 Octavio Ianni. A era do globalismo, p. 38.11 João Carlos Tedesco. Paradigmas do cotidiano: introdu-ção à constituição de um campo de análise social, p. 196.

mercado-mundo, toda estratégia deve ser, simultaneamente, local e global. O primeiro elemento é a criação de uma cultura adequa-da de empresa, cultura essa que deixou de ser situável em um território, passando a ser uma mentalidade7.

É nesse pano de fundo que se inscrevem as diversas tentativas de desenhar o perfil do ou dos consumidor(es) transfronteiras. A caça aos universais culturais está aberta. Apóia-se nos investimentos já realizados pela cultura de massa no imaginário das pessoas que fazem parte de culturas bas-tante diferentes. A criação de um mercado único de imagens é uma das implicações da reorganização da indústria audiovisual8.

Rocha defende que a sociedade pós-Revolução Industrial experimenta um processo de planetarização de sua cultura, vocacionada para a prática de uma exclu-são sistemática da diferença, devendo ser tratada como uma sociedade etnocidária. E mais, que “esta sociedade, viabilizada pela Revolução Industrial, projetou uma espécie de integração simbólica compul-sória das diferenças culturais”9.

Na Indústria de Conteúdos, os progra-mas são estruturados e produzidos a partir de uma concepção idealizada de telespec-tador. Dentro de uma lógica comercial, este telespectador é um potencial consumidor de bens, materiais ou simbólicos, inserido em um contexto hegemônico, que tem nos meios de comunicação de massa um forte elemento propagador de ideologias para sua manutenção.

Para isso é necessário promover uma integração compulsória, que tem como base o enfraquecimento daquelas frontei-ras entre culturas diversas, na medida em que as produções simbólicas devem ser decodificadas de modo, senão igual, mas semelhante, pelas diversas audiências. Na busca pelos “universais culturais”, o uso de estereótipos já não basta, pois agora os produtos devem atender às expectativas diversas de horizontes. Faz-se uso então do cotidiano, no formato interatividade,

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Interatividade na televisão: a globalização pelos gêneros

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(MCM) mostram uma sociedade relacio-nal. Enquanto vivemos o individualismo, sendo os relacionamentos baseados e guiados pela (des)confiança e necessida-des de cada um, o quadro mostrado nos MCM trata do humano-genérico, em que o estereótipo é o modelo. Na vida real, o particular-individual faz do preconceito seu apoio. Através do simbolismo, aquilo que é comum, é rotina, é transformado adquirindo sentidos universais, ainda que essa aquisição passe pela construção de estereótipos e reforço de preconceitos.

1. O novo receptor

Esta assimilação hegemônica a que chegamos, entretanto, não reflete os pressupostos de uma abordagem “apocalíp-tica”, que vê os receptores como um grupo à mercê de um sistema simbólico dominante, alimentando a passividade e o conservado-rismo. Pelo contrário, cada um “se vê na televisão” a partir de um ponto de vista – vítima ou algoz, reflexo ou fonte. A televisão funciona como uma oportunidade de sentir-se parte do contexto

maior, concorrendo para a identificação popular na cultura hegemônica, permiti-da pelas indústrias de conteúdo, idéia já defendida por Martín-Barbero.

O emissor tem uma concepção de um receptor-consumidor curioso e individu-alista. Para o emissor, a complexidade da cidade favorece a exploração da curio-sidade natural das pessoas, por meio de oportunidades diversas de mostrar um am-biente violento no qual o receptor precisa de proteção, obtida com as informações sobre os “últimos acontecimentos, ao vivo e com exclusividade”. A emissão é feita por meio de um discurso superficial, repe-titivo, fragmentado, visando refletir ação e

dinamismo, com emoção, aproximando-se do épico, da epopéia e do drama. O uso enfatizado da tecnologia – equipes móveis, replays – são indicadores de modernidade, exclusividade, prestação de serviço.

No entanto, a maneira como o indiví-duo ou grupos sociais se apossa e utiliza as mídias não pode ser vista como algo automático ou sempre igual. Comunicar é um processo social, e, portanto, um elemento que influencia ou mesmo altera as relações sociais. Dessa forma, é impor-tante entender que a compreensão real da comunicação de massa no mundo atual exige um constante acompanhamento das tecnologias, bem como um profundo conhecimento da História, da Política e da Economia. Tudo fazendo parte de um sistema de comunicação, por vezes anacrônico, que teve seu ponto de partida no mundo moderno no que Arthur Clarke denominou de “vozes do céu” – ou da tecnologia de satélite.

O mundo dos anos sessenta ainda esta-va fascinado pelo alcance da comunicação eletrônica quando “imagens vindas do céu” invadiram os aparelhos de televisão. Naquele momento, a Guerra Fria tinha alimentado a chamada corrida espacial, e os norte-americanos – que haviam partido atrasados nessa corrida – precisavam mos-trar ao mundo como estavam recuperando terreno. A filmagem do lançamento dos foguetes que venciam a atmosfera não causava o impacto necessário. Assim, foi incentivado o desenvolvimento de um sistema de transmissão de imagens que mostrasse as atividades dos “astronautas” no céu.

Uma vez desenvolvido, esse sistema mostrou imagens surpreendentemente claras, de excelente qualidade – respeitan-do os limites da época. Os especialistas em comunicação logo perceberam o potencial comercial dessa tecnologia, e trataram de desenvolver esforços para a ampliação do seu uso. Os anos setenta foram marcados pelo lançamento de inúmeros satélites

A televisão funciona como uma oportunidade de sentir-se parte do contexto...

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Ana Carolina P. R. Temer e Márcia Perencin Tondato

transmissores de imagens, sons, e todos os tipos de dados. No entanto, o mundo azul retratado nessas imagens nem sempre estava preparado para recebê-las.

O governo militar brasileiro, só para citar um exemplo que pode ser compara-do ao resto do mundo, quando se dispôs a usar a televisão como instrumento de unificação do país, teve que investir prin-cipalmente em infra-estrutura, espalhando hidroelétricas e levando energia elétrica às cidades de médio e pequeno porte.

O rápido crescimento das mídias nas décadas seguintes entusiasmou os pro-fissionais da área, que se acostumaram com a audiência cativa de 90% dos lares americanos por mais de 40 anos. No Brasil, os índices eram igualmente espantosos, com a vantagem serem praticamente mo-nopolizados por um único grupo, a Rede Globo de Televisão, que chegou a atingir noventa e dois pontos de audiência na década de setenta.

Essa grande concentração de audi-ência assustou até mesmo os governos militares, um dos grandes responsáveis por esse crescimento ao fornecerem as bases infra-estruturais, um apoio político discreto e muitas vezes o apoio econômico velado. Assim, quando a falência da rede de televisão mais antiga do país, a Rede Tupi, abriu espaço para novas concessões, a disputa foi grande. Todos queriam uma “fatia do bolo”.

A década de oitenta ainda viu o domí-nio da televisão como a “grande” mídia, o melhor em tecnologia para o entrete-nimento doméstico. A ameaça do vídeo-cassete doméstico era pequena, e os novos canais aumentavam as oportunidades de escolha do receptor, dando mais prestígio ao veículo.

Foi quase um choque quando, nos anos noventa, os números dessa audiência desabaram. Executivos das grandes redes ficaram perplexos ao verificar os dados e perguntavam-se continuamente “para onde tinha ido a audiência”. Poucos esta-

vam atentos aos novos comportamentos do consumidor, que passou a dividir o seu tempo livre entre várias opções de lazer, que incluía games interativos, Internet e até mesmo opções mais tradicionais, como teatros e shows, cujos preços se tornaram mais acessíveis.

De fato, a questão da pulverização da audiência não era um fenômeno somente no Brasil. Também na Europa, a desre-gulamentação dos meios audiovisuais e o aparecimento de um maior número de canais privados abriram espaço para uma verdadeira guerra pela audiência. É nesse espaço conturbado que a febre pelos rea-lity shows se expande.

Ao mesmo tempo em que novas compa-nhias conquistaram o mercado investindo em tecnologias de ponta, movimentos recentes nas bolsas de valores internacio-nais, assim como a concordata de grandes empresas de comunicação mostram que as primeiras previsões sobre o uso em massa das novas tecnologias foram excessiva-mente otimistas.

É necessário especular também se o acesso a Internet e a outros processos co-municativos extremamente ágeis – entre os quais não se deve esquecer o telefone celular, com seus inúmeros equipamentos acoplados que conquistam mais espaço junto ao público jovem – gerou um novo modelo de receptor, mais inquieto e mais desejoso de interatividade.

Ainda que não seja possível afirmar as razões, é certo que as emissoras de te-levisão perceberam a inquietação do seu público, e investiram em “programas tes-tes”, com novas possibilidades de intera-tividade, dando espaço para o surgimento de novos e complexos gêneros.

2. Os novos gêneros interativos

Como na literatura, em que os gêneros refletem um momento da sociedade, tam-bém na televisão, sofrem modificações.

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Interatividade na televisão: a globalização pelos gêneros

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12 John Fiske. Television culture, p. 111.13 Ana Maria Balogh. O discurso ficcional na TV: sedu-ção e sonho em doses homeopáticas, p. 94.14 Mauro Wolf. Generi e mass media. In: Guido Barlo-zetti. Il palinpsesto.15 Denis McQuail. McQuail’s mass communication theory, p. 118.16 Denis McQuail. McQuail’s mass communication theory, p. 118.17 TV interativa. Disponível em <http://www.facom.ufba.br/projetos/digital/interativa.html> Acesso em 6 fev. 2005.

Fiske nos diz que “os gêneros são popu-lares quando suas convenções têm uma relação próxima da ideologia dominante do momento”12. Os gêneros dos programas se definem em um conjunto de características consideradas mais importantes e, assisti-mos hoje, ou digamos nos últimos quinze anos, a programas constituídos por textos caracterizados “por uma bricolagem de gê-neros e subgêneros, de materiais de arquivo e outros especialmente filmados para o pro-grama, de imagens estáticas reaproveitadas e imagens em movimento, etc”13.

Esta dinâmica dos gêneros no meio televisivo, entretanto, não deve ser inter-pretada como na cultura culta, ou seja, a partir da ruptura e transgressão. Muito pelo

contrário, deve ser vista como inerente ao próprio sistema produtivo, que se transforma internamente e externamente, atendendo à questões ideo-lógicas. Wolf explicita esta questão quando discute o surgimento de novos progra-mas na TV italiana, mistos de entretenimento e informação: “a dinâmica dos gêneros te-levisivos não é influenciada apenas pelas transformações internas ao próprio meio televisivo, mas também pelo

mecanismo geral de intertextualidade que atravessa todo o sistema dos mass media no seu conjunto, a perda da especificidade medialógica (o rádio se parece com a TV e o jornal com a revista), o que faz com que cada meio de comunicação possa experimentar, receber e manifestar formas expressivas, há um tempo típicas de outros meios”14.

Essas questões apenas reforçam a centralidade do gênero nos produtos te-levisivos, pois é a partir de um conjunto de formatos e regras que ocorre toda a construção, recepção e mudança.

O desenvolvimento das teorias relaciona-das aos meios de comunicação de massa, não raro, tem como princípio explicativo as novas

tecnologias e suas aplicação. Entretanto, con-forme nos lembra McQuail15, um meio não é apenas uma tecnologia aplicada que permite a transmissão de um conteúdo simbólico ou uma troca entre seus participantes. Ele implica em um conjunto de relações sociais que interagem com as características da nova tecnologia. Nestes termos, o real avanço tecnológico mais recente é a digitalização que, a partir da redução de todos os textos a um código binário permite que todas as formas existentes dos meios compartilhem os mesmos procedimentos de produção, distribuição e armazenagem, possibilitando a convergência dos mesmos16.

Esse avanço tem na Internet o espaço privilegiado para seu desenvolvimento e aplicação, com reflexos nos demais meios, a televisão em especial, que sente mudanças no comportamento do telespectador desde a popularização do controle remoto, que provoca o efeito zapping, e mais tarde o aparecimento do aparelho de vídeo cassete. Para alguns autores, estes dois acessórios, por assim dizer, dão aos telespectadores uma oportunidade de menos passividade diante do aparelho de televisão. O público agora não precisa levantar da poltrona para mudar de canal ou ainda pode ter sua pró-pria programação através do empréstimo de fitas ou da gravação de programas, com a possibilidade de assistir no horário que quiser o programa gravado, acelerando, retardando , interrompendo ou vendo de-terminado trecho em câmera lenta17.

Próximo passo, a reação das emissoras

Um meio não é apenas uma tecnologia aplicada que permite a transmissão de um conteúdo...

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18 Steven Johnson. A cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar, p. 34.19 Steven Johnson. A cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar, p. 35.20 Sandra Reimão (coord.). Em instantes: notas sobre a programação na tv brasileira (1965-1995), p. 83.21 Sandra Reimão (coord.). Op. cit., p. 83.22 Cosete Castro. “Big Brother e o uso de novas tecno-logias na conquista das audiências”. In: ECO-PÓS. Revista da Pós-graduação em Comunicação e Cul-tura da UFRJ. v. 7, n. 1. jan-jun 2004, p. 61.23 O mais importante experimento nesse sentido foi o programa An American Family, que mostrava 300 horas de filmagem do dia a dia da família Loud, edita-dos a partir de sete meses de filmagem ininterrupta. O programa foi considerado um grande êxito e acompa-nhado por 20 milhões, mas terminou com a separação da família. Cosete Castro. Op. cit., p. 51.24 Não discutimos aqui a polêmica sobre o episódio Casa dos Artistas, versão produzida pelo SBT.

25 O programa também é conhecido como Il Gran Fratelo (Itália), Gran Hermano (Espanha), Loft Story (França). O modelo atingiu audiências de 80% em países como Espa-nha e Portugal. Cosete Castro. Op. cit., p. 59.

26 Cosete Castro. Op. cit.

que começam a considerar uma partici-pação mais explícita do telespectador na programação, retomando, a princípio, estratégias já utilizadas nos tempos áureos do rádio, o uso do telefone (Intercine e Você Decide) e mais tarde um misto de circo, gincana, programas de auditório, apostando na curiosidade do ser humano pelo inusitado, pelo inesperado. Não se tratava ainda de um novo gênero, até por que “nenhuma forma de cultural brota plenamente realizada. Há sempre um período de gestação em que as divisões entre gêneros, convenções e tipos de meios são menos definidos”18. Ao mesmo tempo, no entanto, “na esfera cultural os híbridos são mais fortes, mais inovadores e mais robustos que os ‘puro sangue’”19.

Dessa forma, Você Decide (1992) pode ser entendido como a primeira exploração da TV Globo de um misto de desejo e ne-cessidade de intervenção. No programa são apresentadas histórias com dramas morais, cuja decisão é deixada nas mãos do teles-pectador que faz sua opção por telefone, ‘vencendo’ a escolha com maior números de telefonemas, uma fórmula que fez su-cesso, atingindo uma média de 35 pontos no Ibope, e exportada para 40 países20. Uma reação do telespectador ao remake de Irmãos Coragem (adaptação de Marcílio Moraes e Ferreira Gullar) na década de 90, cuja primeira versão, de Janete Clair, foi ao ar em 1970, confirma as expectativas por uma maior participação na programação. Após um período de baixo índice de au-diência, a produção do programa recebe um grande número de cartas pedindo a mudança do final, ou seja, pedindo que o autor não matasse Jerônimo como na pri-meira versão. Os telespectadores viram no remake uma oportunidade de interferirem no final, dando ao personagem um destino mais ‘justo’21.

Um novo gênero ganha força, o reality show. Segundo Castro22 o gênero começou a aparecer nas televisões públicas européias nas décadas de 1960 e 1970, mas é um mo-

delo que começou nos EUA na década de 1940, embora também naquele país só tenha se desenvolvido a partir dos anos 196023.

No entanto, o gênero apenas ganha repercussão internacional com o programa Big Brother criado pela Endemol – grupo de telecomunicações holandês, que tem a interatividade como o centro de suas produções, abarcando todos os meios, de todas as formas. No meio televisivo, tornou-se uma das líderes de mercado ao proporcionar experiências únicas usando o poder da televisão, Internet e telefone celular, tanto para informação, como para entretenimento, segundo informe publi-citário da empresa Endemol. Big Brother, cujos direitos foram adquiridos no Brasil pela Rede Globo24, é apenas um dos dez produtos principais da empresa, na explo-ração do inusitado, diverso, utilizando a interatividade como mote25.

Big Brother mistura programa de concurso, programa de auditório, con-fessionário, telenovelas, jornalismo e documentários26 , e nisso reside a grande

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27 Cosete Castro. “Big Brother e o uso de novas tecnologias na conquista das audiências”. In: ECO-PÓS. Revista da Pós-graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ. v. 7, n. 1. jan-jun 2004, p.60.

novidade, que também possibilita a parti-cipação das audiências através de cartas, e-mails, telefone (fixo e celular) e também Internet. O programa mostra a vida ao vivo de um grupo de jovens encerrados em uma casa sem direito a receber informações ou estabelecer contatos com o exterior. Assim como nas telenovelas e nas séries, este programa híbrido é eficaz porque re-presenta situações humanas elementares como o amor, a raiva, o ódio, o ciúmes, a paixão, só para citar o campo amoroso. O programa permitiu que as audiências se comparassem com gente de carne e osso, que ainda que representando papéis e personagens, representam e lembram a família imaginária ou os amigos que todos

temos.Nos EUA, a CBS cria Sur-

vivor, que trabalha o apelo realista lidando não com atores ou manchetes da vida real, mas com a competição pela sobrevivência. No pro-grama, “duas equipes, sob situações predeterminadas, competem entre si num jogo cujos desafios implicam diretamente sobre as condi-ções de sua existência, tais como alimentação e abrigo”. O programa é rapidamente

adaptado pela Rede Globo em No Limite (2000).

O programa No Limite estréia na Rede Globo em 2000. Porém, somente no ano seguinte a emissora resolve investir no tema, enfatizando as chamadas nos outros programas e incluindo informações no site oficial da Rede. A versão brasileira de Survivor quebra os limites entre en-tretenimento e jornalismo. Na busca por um produto sensacional, na acepção mais comercial do termo, a Rede Globo opta por uma fórmula sem sangue, mas ainda assim cruel, para atrair uma audiência interessada em ver cenas reais.

Ainda que a pressão da audiência

aponte que o crescimento do espaço destinado aos programas interativos é inevitável, esses programas são, em muitos aspectos, um desafio para os produtores de televisão.

De fato, programas como o Big Bro-ther e No Limite só são possíveis graças à miniaturização das câmaras e outros equipamentos e, sobretudo, da conver-gência de outros meios – novamente com destaque para Internet e para o telefone celular – que oferecem ao receptor uma série de serviços agregados, desde con-versas com os participantes eliminados (chats) até acesso à câmaras e microfones “exclusivos”; e à empresa produtora uma fonte de renda complementar essencial para tornar lucrativa essa produção de altos custos.

Ainda assim,

pode-se dizer também que BB é um clássico, um programa paradigmático dos primeiros anos do século XXI que estabelece um antes e um depois na te-levisão mundial. Isso ocorre não apenas pela mistura de formatos, mas por ser um programa que reúne diferentes tecnolo-gias de comunicação. Ele foi apresentado pela primeira vez simultaneamente na televisão aberta e a cabo e na Internet, possibilitando a participação das audiên-cias através das nominações por telefone fixo e celular, através do envio de e-mails, através do acompanhamento e da criação de páginas webs não oficiais sobre o programa e também pela participação ao vivo, quando as audiências aguardam a expulsão dos concursantes27.

Mesmo com todas essas possibilidades, a interatividade é restrita. As participa-ções pelo e-mail se limitam às votações semanais, uma ação que também pode ser feita via telefone. Além disso, o aparelho telefônico serve também para esporádicas

Mesmo com todas essas possibilidades, a interação é restrita

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28 Silvana Gontijo. O livro de ouro da comunicação, p. 428.

“espiadas”, que igualmente podem ser feitas por canais a cabo exclusivos ou, em momentos específicos, pela página oficial do programa. As demais páginas da web, sejam aquelas criadas por fans, por críticos ou mesmo por grupos e empresas que se dedicam a análises dos meios de comuni-cação, são opinativas, e não interativas.

Também existe uma constante referên-cia ao Big Brother em outros programas do mesmo canal. Nesse caso também não há interatividade, mas simplesmente um reforço a uma informação já veiculada em outros horários. Quanto à participação ao vivo no momento da “expulsão” de um concorrente, ela se restringe a convidados, parentes e amigos dos concorrentes, que apenas podem “torcer” pela sua perma-nência. Enfim, o telespectador comum pouco pode fazer (embora seja necessário destacar que existem aspectos proposital-mente construídos pelos emissores que levam o espectador a ter a ilusão de que ele controla as decisões).

3. TV Interativa ou interatividade na TV

Nas empresas de comunicação, novas tecnologias surgem a cada momento, mas nem todas são um sucesso na conquista do receptor. Em 2001, nos EUA, a TV Interativa parecia ser a grande mudança tecnológica do século, apresentando uma proposta que articulava interatividade e acesso a uma infinidade de arquivos de TV. O receptor teria acesso a uma programação diversificada e a possibilidade de gravar até 70 horas dessa programação para ver no horário que mais lhe conviesse, com a vantagem de poder eliminar os comerciais e repetir cenas em câmara lenta.

No Brasil, a TV Interativa começou a ser testada em Sorocaba no final dos anos noventa28. Nos primeiros meses, tudo indicava que a sua aceitação seria seme-lhante à da TV aberta e posteriormente à TV a cabo/segmentada, penetrando pelo

setor mais elitizado da população, para em seguida avançar para um público mais numeroso. Mas isso não aconteceu. Logo ficou claro que a convergência das mídias seria comandada pelo computa-dor. De fato, a Internet parece oferecer ao receptor possibilidades de participa-ção/interatividade que estão além das expectativas da televisão. Hoje, todas as empresas de comunicação que almejam manter e fazer crescer o seu espaço no mercado têm um site na Internet. No caso das Organizações Globo, os assinantes do portal globo.com podem ver um capítulo inteiro de uma novela, e praticamente todo o seu conteúdo produzido com direitos de exibição assegurados.

No entanto, mesmo para aqueles que dispõem de acesso à Internet, a qualidade das imagens oferecidas ainda é inferior à da televisão, pior ainda se considerarmos a qualidade da TV Digital.

Investir nos programas interativos é um processo de treinamento para aquilo que, em 1970, o alemão Hans M. En-zensberger descreveu no texto visionário Baukasten zu einer Theorie der Medien como uma espécie de caixa de ferramen-tas que permitiria o uso democrático da comunicação, em uma descrição bastante próxima do que hoje chamamos de tele-computador. Com esse equipamento, a mídia democratizada passaria a ser uma ‘técnica de socialização de novos con-teúdos ideológicos’ e essa técnica seria revolucionária em si mesma sugerindo uma auto-organização e uma abordagem da comunicação em que cada um fosse, ao mesmo tempo, emissor e receptor.

Atualmente há um consenso de que, graças às possibilidades tecnológicas vis-lumbradas para os próximos anos, estamos cada vez mais próximos da visão proposta por Enzensberger. As redes de computa-

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dores ligados via Internet correspondem a todas as características humanas que as redes de TV negaram: permitem a intera-tividade de pessoa para pessoa, em lugar de transmissões centralizadas e controla-das por poucos. Dessa forma, a eminente união da televisão com o computador, que alguns teóricos mais integrados já estão chamando de “a nova revolução da informática”, vai efetivamente possibilitar a interatividade e abrir novas portas para os reality shows.

Os poucos canais oferecidos pelos sistemas de televisão tradicional tendem a serem substituídos nas redes de com-putadores por centenas e até milhares de conexões potenciais. Teoricamente, essa

fórmula permitiria que o sistema em que algumas poucas emissoras despe-jam imagens em milhões de terminais passivos seja substituído por um novo modelo, em que o conjunto computador/Internet coloca o receptor no comando, possibilitando que ele “pro-cure” o que lhe interessa e até mesmo que modifique parcialmente o conteúdo do material escolhido.

Para a efetiva implanta-ção desta nova tecnologia, alguns aspectos práticos29 ainda estão em discussão, mas pesquisadores como George Gilder (Ana-tel) acreditam que a radiodifusão analógica está tecnicamente morta, e lembram que televisão como conhecemos hoje é um entretenimento passivo.

Essa nova possibilidade de comunicação tem preocupado os empresários. De fato, após a febre da globalização, os detentores dos oligopólios da comunicação estão in-vestindo de forma estratégica na direção de uma inter-relação com diversos veículos de comunicação, pois “na corrida competitiva para explorar novas técnicas, haverá empre-sas perdedoras e empresas vencedoras”30.

As emissoras devem se preparar para esta nova tecnologia, já batizada de full service. A estratégia exige a instalação de um computador de capacidade de arma-zenamento de imagens e sons, que depois de digitalizadas poderão ser retransmiti-das via satélite ou fibra ótica, a partir da solicitação de cada cliente. É uma nova televisão que irá dar aos clientes o que eles querem, na hora que eles quiserem. Essa nova TV, já chamada de TV biblio-teca, lança a idéia de uma televisão sem programação e mesmo sem canal.

Soma-se a tudo isso o fato de que o novo sistema pode agregar a essa pro-gramação serviços de Internet, música, transmissão de fotos e de dados, enfim, uma ampla gama de possibilidades.

A somatória dessas variáveis, junta-mente com uma grande dose de impre-visibilidade, forma a grande equação que irá definir o modelo da programação (ou da anti-programação) do futuro.

Conclusão

A televisão de sinal aberto passa por um momento delicado. Embora ainda seja o entretenimento massivo de maior prestí-gio e audiência no Brasil, vem enfrentando um lento mais constante movimento de queda na audiência.

Cercada pela Internet e ameaçada pela televisão segmentada – que vem sistemati-camente roubando seus principais anun-ciantes – a televisão quer evitar o risco de se tornar uma opção antiga (e passiva) no conjunto de inovações ligadas à mídia, no qual se multiplicam as atrações interati-

29 Cosette Castro e André Barbosa Filho. “O caso bra-sileiro de TV Digital e a proposta de nova plataforma de comunicação para os países emergentes”. Trabalho apresentado no II Colóquio Brasil-Estados Unidos de Ciências da Comunicação, durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Rio de Janeiro (RJ), set. 2005.30 Wilson Dizard. A Nova Mídia: a comunicação de massa na era da informação, p. 55.

A televisão quer evitar o risco de se tornar uma opção antiga (e passiva) no conjunto de inovações

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vas, opções de acesso rápido e respostas imediatas para um consumidor que se torna cada vez mais exigente no consumo do lazer e da informação.

Não se trata de um desafio novo. A televisão se transformou em um fenôme-no de público graças a sua capacidade de permanente adaptação, testando e descar-tando fórmulas, mantendo aquelas que são sucesso e transformando-as e adaptando-as de acordo com as suas necessidades. O princípio “Chacrinha”, “nada se cria, tudo se copia”, poderia ser dito de outra forma: “na TV, nada se cria, tudo se re-cria”.

A partir dessa visão, os empresários brasileiros têm ficado atentos às novas fórmulas e tendências, e acompanhado as mudanças com atenção. Como em todo o mundo, eles investem com cautela em novas propostas e novas tecnologias, es-perando e acompanhando as respostas do telespectador. Nesse sentido a introdução de programas como Big Brother, um híbri-do de gincana e reality show interativo, foi de muitas formas um teste, no qual o telespectador possui uma participação maior do que ‘a decisão do final’, sendo ele o definidor dos números da equação “sucesso x fracasso”.

Apesar do sucesso da fórmula, no entanto, muitas questões sobre as possibi-lidades da interatividade ainda continuam em aberto. Até porque as condições técni-cas e tecnológicas que a televisão dispõe no momento para produzir esse tipo de material ainda estão longe do ideal. Isso acontece porque em alguns pontos de transição “algumas mensagens podem evoluir mais rápido que o seu meio. E, ao fazê-lo, antecipam um outro meio, ainda em embrião”31. Assim, embora possamos questionar se a TV atual, ao trabalhar com programa como Big Brother e No limite, está investindo em um modelo para o qual não está tecnologicamente madura, também é igualmente importante ver esse tipo de material como uma possibilidade do que a televisão do futuro irá oferecer.

Como tudo que diz respeito à “aposta no futuro”, ou em tentativas de abrir a força uma pequena fresta para ver o que virá, somente o futuro poderá dizer se essa é realmente uma tendência ou apenas uma fase passageira. Até porque, “A rua descobre seus próprios usos para as coisas – usos que os fabricantes nunca imagina-ram”32, e tudo que podemos prever para o uso interativo da televisão no futuro é que será surpreendente.

No entanto, assim como os historia-dores investiram na década de oitenta em uma nova historiografia que buscasse ouvir os grupos silenciados33, é importante pensar se também a comunicação – e em particular os estudiosos da televisão – não deve dar mais atenção aos produtos que foram relegados ao segundo plano, tirados de circulação ou da programação ao serem vencidos por rivais melhor promovidos e com maior resposta junto ao público. Da mesma forma é necessário pensar as técnicas ou tecnologias nas quais esses programas se apoiavam.

O uso e o investimento correto em tecnologia tem sido a chave para a so-brevivência ou a falência das empresas. E essa é uma questão crucial na área de comunicação, até porque a maioria das empresas vem desembolsando uma gran-de quantidade de dinheiro nessa área há muito tempo e nem sempre tem tido o retorno adequado.

O grande desafio hoje de quem trabalha com comunicação é lidar com um novo

31 Steven Johnson. A cultura da interface: como o computador transforma nossa maneira de criar e comunicar, p. 31.32 William Gibson apud. Steven Johnson. A cultura da interface: como o computador transforma nossa ma-neira de criar e comunicar, p. 108. Essa frase pertence ao livro Neuroromance (1984), que é considerado um marco na ficção punk.

33 Operários de fábricas, índios, mulheres, doentes men-tais e vários outros grupos “oprimidos” ou silenciados, passaram a ser objeto de estudo de uma nova corrente de pesquisa, que busca compreender a história a partir de novos ângulos.

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34 Everardo Rocha. A sociedade do sonho: comunica-ção, cultura e consumo, p. 165.35 Everardo Rocha. Op. cit., p. 176.36 Everardo Rocha. Op. cit., p. 179.37 Ondina Fachel Leal apud Thomas Tufte. “Questões a serem estudadas em estudos etnográficos de mídia: mediação e hibridização cultural na vida cotidiana”. In: Maria Immacolata Vassalo de Lopes (Org.) Temas contem-porâneos em Comunicação, p. 294.

38 Idem.

público, ao mesmo tempo mais exigente e menos concentrado, pulverizado em inú-meras opções de lazer e pouco fiel a essas opções (enfim, aquele sujeito que fica “za-ppeando” pelos canais de televisão). Mas também é saber lidar com situações sociais diferentes, em uma comunidade cada vez mais globalizada, mas também com pro-blemas cada vez mais específicos.

Em um mundo no qual boa parte das pessoas não tem acesso à luz elétrica e ao saneamento básico, governos ou empresas têm que escolher se optam pela tecnologia da fibra ótica ou do satélite.

Não se trata, é claro, de uma equação fácil. Rocha34 lembra que “a comunicação de massa, sob determinado ângulo, se posi-

ciona na contramão da cultu-ra que a inventa. O ponto de partida é tratar as mensagens veiculadas pela mídia como produtoras de representações sobre uma efetiva maneira de viver em sociedade”.

Na cultura ali projetada pela mídia, o indivíduo e a individualidade não parecem ser valores centrais. Isto in-dica outra profunda inversão de sentido, contrariando a ênfase dominante na nossa sociedade. Assim, além da

inversão da temporalidade seqüencial e histórica, também temos a inversão do valor da individualidade. O indivíduo – figura ide-ológica crucial na cultura moderna – é um ser de segunda classe, abandonado mesmo, no mundo dentro da comunicação de massa. O mundo relacional encontra nos programas veiculados pela televisão, em especial na telenovela, o seu principal modelo35.

“A representação a que assistimos den-tro da tela da Comunicação de Massa é a de uma sociedade relacional”36 e, embora os reality shows tratem com pessoas/per-sonagens comuns, seu desenvolvimento continua tendo como base as relações, ainda que recém estabelecidas.

No consumo do conteúdo dos meios de comunicação de massa, o contraste individu-al / coletivo promove o fascínio, tendo o lar como palco da vida cotidiana37. Fuenzalida38 argumenta que a televisão pode criar um compromisso emocional substancial entre os telespectadores quando conta estórias da vida cotidiana. Podemos supor que esses vínculos são ainda mais fortes quando a televisão se propõe a “mostrar” o dia a dia de um grupo de pessoas comuns confinadas em situação incomum. Dentro desses limites, os meios de comunicação entram no tempo cíclico da vida cotidiana como os mediadores, com suas estórias em fluxo contínuo criando um hábito repetitivo, de relaxamento e de inspiração.

Perceber essa vida cotidiana na mídia, acompanhá-la e torcer, no entanto, é bem diferente de interagir diretamente com esse grupo. Convém perguntar também se o recep-tor está tecnologicamente e emocionalmente preparado para participar de um processo mais interativo do que aquele que lhe é ofe-recido hoje. A simples aquisição de um apa-relho com possibilidades interativas – como a TV Interativa ou o computador – pode não representar uma grande mudança.

Mudanças de comportamento são proces-sos lentos, principalmente se considerarmos que a evasão e o lazer não participativo ofe-recido pela televisão é, em muitos aspectos, conveniente para o receptor. Dessa forma, a introdução de uma nova possibilidade de re-cepção pode necessitar de “testes” realizados por meio de opções parcialmente interativas. De fato, a possibilidade da aceitação ou não dessas novas propostas de interatividade na televisão pode até mesmo depender da efici-

Mudanças de compor-tamento são processos lentos

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ência pela qual estes testes forem realizados. Por assim dizer, ainda que a televisão hoje não esteja totalmente adequada às possibili-dades de interatividade, a introdução mais

lenta de programas interativos – ou uma ruptura mais branda com formas anterio-res de televisão – pode ser o caminho para a sobrevivência da própria televisão.

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Comunicação: Meios e Mensagens

Thais Montenegro ChinellatoDoutora em Semiótica e Lingüística Geral pela FFLCH-USP

Docente e Pesquisadora da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Resumo

A cultura grega, da qual a sociedade ocidental é herdeira, revitaliza-se no imaginário midiático. A publicidade de grifes, no início do século XXI, oferece exemplos do universo simbólico da mitologia clássica no contexto da mitologia semiológica do consumo.

Palavras-chave: publicidade, mitologia, consumo.

Abstract

Greek, inherited by western civilization, is revitalized in the mediatic imagination. Trademark publicity at the beginning of the XXI century offers examples of the symbolic universe of classical mythology within the context of the consumer’s semiologic mythology.

Key words: publicity, mythology, consumer.

Resumen

La cultura griega, de la cual la sociedad occidental es heredera, se revitaliza en el imaginario mediático. La publicidad de grifes, al inicio del siglo XXI, ofrece ejemplos del universo simbólico de la mitología clásica en el contexto de la mitología semiológica del consumo.

Palabras clave: publicidad, mitología, consumo.

Mitologias no imaginário da publicidade

Mythologies in the advertising imaginary

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Mitologias no imaginário da publicidade

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“A humanidade que um dia com Homero foi objeto de contemplação para os deuses olímpicos hoje o é para si mesma. Sua alie-nação de si própria atinge um grau que a faz viver sua própria destruição como uma sensação estética de primeira ordem”.

Walter Benjamin

a mídia, provedora de um ima-ginário de representações só-cio-simbólicas, os universos de

discurso da moda e das estratégias publici-tárias articulam valores míticos que envol-vem o psiquismo, a sexualidade, o status. É um privilegiado sistema mercadológico de signos ao qual nos rendemos, iguala-dos nas escolhas e nas frustrações. Nesse

contexto, manipulam-se significados e forjam-se desejos especialmente voltados para o mercado jovem, no qual a roupa é insígnia de grupo.

Ocupando _ da capa do caderno cultural Ilustrada (da Folha de S. Paulo, jornal de maior circulação no país), marcas elitizadas surpreendem pelo estra-nhamento no espaço que lhes é dado ser um refe-rencial estético hiper-rea-

lizado para nossas aspirações: desde 2001, uma reserva de apelos eróticos permite múltiplas interpretações, franqueando-se a uma simbologia herdada da cultura grega. Se nas criações plásticas renascentistas a temática pagã encontrou sua expressão entre alegorias, no novo milênio o discurso de grifes deve sua estética à expansão do erotismo – arquétipos de mitos clássicos confinam com a significação dos mitos semiológicos do consumo.

No panteão helênico, em especial das deidades subolímpicas, descobrimos conteúdos simbólicos revitalizados no universo mitológico da modernidade, cujo processo de significar encontra definição

N

em Roland Barthes: a publicidade e os ritos comunicativos pedem a construção de uma ciência semiológica, observa ele, assinalando que a mitologia “faz parte simultaneamente da semiologia, como ciência formal, e da ideologia, como ci-ência histórica”1.

Idéias complexas reduzem-se a ima-gens para serem assimiladas como prática natural, em analogias do sentido e da forma. O mito, explica o semiólogo, jus-tifica-se porque há uma sociedade que o consome e em torno do qual se organiza. Como sistema de comunicação, transmite mensagens, produz sentidos, mas a origem de seus significados desaparece, de modo inconsciente. Assim, construído e neutra-lizado, sob um circuito semiológico que lhe é anterior, obrigamo-nos a reconhecer o jogo de intenções que o motivou.

De logos a pathos

A modernidade ocidental e “as mais elevadas formas de produção artística referem-se conscientemente ao mundo clássico como seu ponto de origem e sua fonte de autoridade”, explica Simon Goldhill: “Ser tão bela quanto Vênus, en-cantar como uma ninfa, desfilar como um Adônis, ser tão forte como Hércules – essas imagens fundamentam nossa imaginação e nossa linguagem”2. Do poeta da geração tardo-romântica alemã, Gustav Schwab, ao mitólogo Joseph Campbell, historiadores, sociólogos, etnólogos e literatos reconhe-cem o caráter modelar e simbólico dos mitos. Schwab via as narrativas míticas como interpretações de características humanas imutáveis. Campbell lembra que uma nova mitologia está implícita entre nós numa renovada simbolização metafórica: artistas partilham da vocação

1 Roland Barthes. Mitologias, p. 134.2 Simon Goldhill. Amor, sexo & tragédia: como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje, p.7.

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3 Joseph Campbell. Isto és tu, p.34.4 Victor Jabouille. Do mythos ao mito: uma introdução à problemática da mitologia, p.112.5 Mircea Eliade. Mito e realidade, p. 14.

6 Arthur Távola. Comunicação é mito, p. 76.7 Arthur Távola. Op. cit., p. 90.

8 Arthur Távola. Op. cit., p. 102.

“inevitável tensão enfermiça do ser humano sempre incompleto, doente ou reduzido no todo ou em parte, herança de taras e loucuras (no mito cristão, o pecado original, e no grego , os males da caixa de Pandora)” – o pathos7.

Necessários, ainda que contraditórios, esses constitutivos da mitologia integram as antinomias e embates humanos em sua complexidade e sua angústia existencial. Sem equilibrar esses seis elementos, “a vida será sempre corte, excisão, mutilação, ao lado de esperança e ânsia de prazer”. São universais as emoções básicas, os con-flitos primários, os instintos fundamentais, assevera o autor: “Para expressão dessa conflituosa teia de impulsos nada mais adequado e próprio do que a simbologia da mitologia. Nela estão as latências, pungên-cias, emblemas, signos, marcas, escudos, espelhos, senhas, alegorias, sinais, estere-ótipos e representações, logo símbolos da humana condição”8.

Para Levi-Strauss, a natureza do mito implica uma diversidade de códigos e em cujo contexto cultural os símbolos tomam sua significação. Ele atribui ao primitivo a estruturação do pensamento, nossa formação primordial. Na sua concepção, em qualquer lugar do mundo os mitos são reproduzidos com os mesmos caracteres, numa lógica de oposição bem X mal, que enreda o “cosmos” (o caráter sagrado do ri-tualizado) e o “real” (o social construído).

Representações heróicas constituem, ao longo da história, a recriação de mitos nos quais reconhecemos pulsões plenas de significação simbólica, esperados compor-tamentos entre os sexos e conflitos da alma. Sigmund Freud aproximou a psicanálise

“de fundir as novas imagens da mitologia, ou seja, eles produzem as metáforas con-temporâneas (...)”3.

A epopéia, a tragédia e até o gênero lírico contavam a lenda de deuses e heróis da Antigüidade clássica. Por seu caráter polissêmico, a literatura, as artes e as várias formas de expressão do nosso imaginário continuarão a atualizar “ve-lhos” mitos e a servirem-se deles, observa Victor Jabouille sobre uma ciência que se revela numa dicotomia primária: “mythos, imaginação, invenção, poesia/logos, razão, raciocínio, lógica”4.

Já Mircea Eliade, além da sacralida-de nas revelações fundantes, buscou o triunfo de logos sobre o mythos. Fazendo referência aos cultos proféticos e milena-ristas, às tradições orais e literárias, ele sustenta que “o mito se torna o modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas”5, daí suas ilações: reencon-tramos figuras divinas e gestos próprios às estruturas do sagrado nos níveis pro-fundos da psique, no inconsciente, nos planos do onírico e do imaginário. Reina o deus da sedução, Eros – o desejo, a força sem limites, a atração entre os opostos. Retomando o pensamento de Eliade, Arthur da Távola divisa a mitologia na representação simbólica de núcleos do psiquismo e dos valores humanos (alego-rias, histórias, lendas, cosmogonia, teogo-nia, divindades). O mito nos sabe: “tudo, enfim, oriundo da vastidão do território mitológico, palpita até hoje nos modernos meios de comunicação. Ainda é a forma pela qual as pessoas fazem representar sentimentos, fantasias, antecipações, previsões, premonições, conceitos, com-portamentos etc”6.

Ao analisar fenômenos de comuni-cação, Távola recupera da mitologia grega os incursos essenciais, ou seja, o princípio da necessidade de conheci-mento (logos); do suplício ético (ethos); do amor (Eros); da alma, do psiquismo (psyche); da divindade (theós) – e da

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drogas afinava-se com os versos sombrios de Paraísos Artificiais, de Baudelaire, no final do século XIX). As campanhas daquela década tinham invariantes per-turbadoras, encenando estados de apatia, lividez e depressão, somadas ao biótipo de modelos que pareciam egressas do sinistro vestíbulo das regiões abissais do Averno, onde reinam, na concepção dos mitólogos, o soturno, o mórbido, seres espectrais e deuses malefícios.

As propagandas finisseculares, com-partilhando traços com deuses sub-olímpicos, fizeram emergir o erótico e o grotesco, sob a aura patética que os mitólogos distinguem nos seres infernais de inclinações malsãs: o negror do Luto, a palidez das Moléstias, a magreza da Fome, o Abatimento sem causa, as Alegrias culpa-das, as imotivadas Depressões (e por que não os presumíveis Vícios?). O charme da transgressão, segundo Paul Veyne, vai da curiosidade à atração pelo fruto proibido, percurso em que a lei do coração e dos corpos zomba das leis cívicas. Os maus exemplos sociais inspiravam as produções elegíacas; a humanidade, por sua natureza falível, destinava-se a produzir inspiração: “Era essencial que a elegia tivesse por palco a ‘má’ sociedade”, glorificada pelo que tinha de irregular10.

A falência moral surge do relacio-namento entre potestades e mortais, os quais geram semideuses providos de poder (mas não de imortalidade): dos titãs às divindades do Olimpo, os defeitos morais são marcadamente humanos, já que o co-ração corresponde à causa e ao cerne dos movimentos afetivos, repousando numa ‘biologia das paixões’”, explicam Giulia Sissa e Marcel Detienne11.

Depois da militância rebelde da contra-

9 Simon Goldhill. Amor, sexo & tragédia, p.264.10 Paul Veyne. A elegia erótica romana, p.137.

11 Marcel Detienne e Giulia Sissa. Os deuses gregos: a vida cotidiana, p. 56.

da Antigüidade que o cativou: “Leituras de textos gregos, a coleção de estátuas, a no-meação do complexo de Édipo, tudo indica o profundo e permanente envolvimento de Freud com o passado clássico”9.

Jung, por sua vez, considera o com-portamento humano determinado pelos arquétipos cuja multiplicidade implica características primordiais herdadas da cultura. Eternos símbolos míticos, que emergem do psiquismo, os arquétipos participam da dinâmica do inconsciente e sua produção de imagens individual e culturalmente elaboradas. A psicologia analítica vê as fabulações míticas como forças benignas ou hostis, revelando-nos a exemplaridade de sua codificação nos

ritos e nas circunstâncias humanas significativas (a vida social, sexual, o saber, as artes etc.).

Os mitos, ao imporem seus moldes, oferecendo princípios de ordem moral e ética, são partes do in-consciente coletivo – patri-mônio imagético universal, repertório de experiências básicas que se repetem em gerações. A distinção entre mythos e logos remonta aos pré-socráticos: a ances-

tralidade lhes dá permanência em nosso imaginário, numa simbologia matriz de nossas representações fundamentais con-temporâneas, que à mídia cabe configurar ideologicamente para nosso consumo de ícones e tramas de inspiração mítica.

Em nome dos deuses

Publicidade é a atraente musa por cujos artifícios retóricos deixamo-nos fascinar. Nos anos 90, surgiu o estilo “drogado-chique” (conseqüência da “onda baixo-astral”) o qual, tendo a cor preta por coadjuvante, chegou ao Brasil depois de se tornar polêmico nos EUA (sua apologia às

Publicidade é a atraente musa por cujos artifícios retóricos deixamo-nos fascinar

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12 Marcel Detienne e Giulia Sissa. Os deuses gregos: a vida cotidiana, p. 210.

13 “Para vender carros vale festa, leilão de crédito, jantar” In: O Estado de São Paulo, 11 set. 2003.

14 Maria Rita Khel. Sobre Ética e Psicanálise, p.102.

cultura, nos anos 60, o discurso da moda celebrou a geração boa-forma, na década de 80, enquanto o baixo-astral dos anos 90 marcou a onda choque, cujos arranjos bi-zarros e fisionomias disfóricas presumiam a égide de Caos, filha da Noite, cúmplice da Fome e da Pobreza. Fome é “uma mu-lher macilenta, pálida, abatida, de magreza extrema, com as frontes reentrantes, a pele da testa estirada, os olhos apagados, me-tidos para dentro, plúmbeas as maçãs do rosto, os lábios lívidos, os braços e as mãos descarnados (...)”. Pobreza é hipérbole da decadência física: “divindade alegórica, é filha do Luxo e da Ociosidade. Também se diz que é filha do Deboche (...). Repre-sentam-na pálida, inquieta, mal vestida, respingando em um campo já ceifado”, observam Sissa e Detienne12.

A busca por identidade passa pelas figu-rações da moda, cujos produtores têm prefe-rência pelo não-convencional, desautoma-tizando o olhar. Pendores voyeurísticos do consumidor são estimulados pelo grotesco – recurso determinante na linguagem visual dos anos 90, que Roberta C. Iahn estudou com propriedade (vide bibliografia).

No século 21, a publicidade de grifes parece lembrar que, entre outros análogos mitológicos, Voluptas (o prazer), nasci-da da união de Eros e Psique, inspirou uma estética que a mídia denominou “nova onda choque”. As campanhas de lançamento de verão 2000/ 2001 e 2004 da Forum tornaram-se alvo de protesto por sua ousada conotação sexual (figura 1). O embate enquadrou a primeira em três artigos do estatuto do Conselho de Auto-regulamentação Publicitária (Conar), dentre os quais o de número 22, com relação à decência. Uma das imagens mais criticadas, que já havia aparecido em jornais e capas de revistas, teve sua veiculação suspensa.

Em 2002, uma campanha do estilista Tom Ford, “ocupou páginas das principais publicações especializadas do planeta com mais um anúncio polêmico da Forum. Nele,

a modelo brasileira Caroline Ribeiro apare-cia de joelhos diante da ereção de um rapaz, realçada por uma calça justíssima”13. A ma-téria reproduz, entre depoimentos de publi-citários e fotógrafos, algumas propagandas que cruzaram a fronteira do erotismo, tendo por princípio que uma economia morna leva grifes a fazerem catálogos com tempero por-nográfico. Marcas internacionais como Guc-ci, Versace, Calvin Klein e Sisley ousaram no pornô chique com cenas que sugerem rela-ção sexual em muitas variações: sexo anal, sadomasoquismo e zoofilia, além de piadas visuais (modelos com bananas saindo da cueca). A veiculação da campanha de 2004 foi alvo de críticas no jornal O Estado de São Paulo: três peças polêmicas tematizavam o romance de Jorge Amado, Dona Flor e seus Dois Maridos: a mais audaciosa mostrava um jovem posicionado atrás de uma modelo, cujo semblante e flexão corporal ensejavam o desfrute do parceiro.

Gozos que contrariam os comporta-mentos normativos são explicados pela liberalização dos costumes, ocorrida na segunda metade do século XX, segundo Maria Rita Khel. Para a psicanalista, tudo o que se vende tem apelo sexual: “a imagem publicitária evoca o gozo que se consuma na própria imagem, ao mesmo tempo em que promete fazer do consumidor um ser pleno e realizado”14. Numa dialética da imitação, consumimos o freudiano “retorno do mesmo” (afinal, os casacões surrados dos góticos e as capas dos inquisidores têm a cor negra por sinistra opção; os paraísos artificiais do estro de Baudelaire e as drogas sintéticas consumidas ao som de rock car-regam a mesma tentativa de evasão).

Na via do risco está o desafio do in-terdito. A proibição indica um valor de gozo: para Freud, onde há proibição, há

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o desejo. Daí o prazer dos vícios. O inte-resse das massas consumidoras por sexo, observa Khel, tornou-se um ingrediente eficiente da publicidade, resultado da aliança entre a expansão do capital e a liberação sexual.

Estranhos no Paraíso

“E quando descobrem que são diferentes, homem e mulher cobrem suas vergonhas (...) Então surge a idéia de bem e mal no mundo. Assim, Adão e Eva se expulsam a si mesmos do Jardim da Unidade Temporal”.

Joseph Campbell

A campanha da Dolce&Gabbana é im-

pactante na imagem hiper-dimensionada e provocante no erotismo hiper-realizado (figura 2). Corpos jovens com o passo em curso, surpreen-dem na seminudez feminina e no falso andrajo masculi-no, com o apelo voyerista de quem flagra o que o belo pode ter de inusitado no entrecho mais pulsante de uma aventura.

A modelo mimetiza um nu pictórico de extração renascentista, em sua uni-

forme textura de nácar. O gesto de tímida proteção dos seios tem sua contrapartida nos lábios que se oferecem entreabertos. Com o livor do medo, semblante transi-do, ela se deixa conduzir como estranha boneca de louça, figura espectral, fan-tasmagórica, que encontra ressonância no estado de alma da filha mais nova de Níobe (a quem a escultora Camille Clau-del homenageou com uma escultura em bronze,“Níobe Ferida”): “(...) foi-lhe dado o nome de Clóris, que quer dizer pálida, porque não tendo nunca voltado a si do terror que lhe causara a morte dos irmãos e das irmãs, conservou toda a vida uma palidez extrema”15.

No século 19, ser pálida era um atri-buto das jovens românticas; o ar doentio e até as veias aparentes faziam-nas belas. Tinham por costume usar tinta para dese-nhar olheiras azuladas, destacando o olhar necessariamente vago (distinguiam-se pela expressão “sangue azul”, que nada devia à realeza). A construção dessa aparência, para Naomi Wolf, encontra resposta no sé-culo XX: “Em tempos passados, a angústia e a enfermidade já representavam a ‘bele-za’. No século XIX, a mulher turbeculosa, de olhos rutilantes, pele nacarada e lábios febris, era a ideal”16.

No país em que a sensualidade tem sua equivalência na exposição ao sol, a modelo de pele branca, na praia, causa es-pécie. Na década de 20, a cútis clara fazia o diferencial entre as mulheres da socie-dade (porque restritas à vida doméstica e social); a pele crestada correspondia à lida na roça. Antes de ser uma opção saudável (com o ideário estético de madame Cha-nel), o bronzeado trazia o estigma do eito, a vergonha do trabalho braçal.

A pele morena do rapaz torna mais alvi-nitente o descoramento da jovem herdeira das ninfas e da estatuária grega, cuja beleza nívea, anticonvencional, soma leveza à per-feição das formas. Baudelaire vê no artifício da maquiagem, que resulta em brancura de pó de arroz, uma tentativa de divinização do humano: “fazer desaparecer da tez as manchas que a natureza afrontosamente aí semeou e criar uma unidade abstrata na textura e na cor da pele, a qual, como a produzida pela malha, imediatamente aproxima o ser humano da estátua, ou seja, de um ser divino e superior”17.

Luther Link, estudioso de tradições iconográficas do demônio, faz referência à “beleza branca dos anjos” para então

A modelo mimetiza um nu pictórico de extração renascentista, em sua uniforme textura de nácar

15 Marcel Detienne e Giulia Sissa. Os deuses gregos: a vida cotidiana, p. 85.

16 Naomi Wolf. O mito da beleza: como as imagens das mulheres são usadas contra as mulheres, p.298.

17 Jean Baudrillard. Da sedução, p.96.

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18 Link Luther. O Diabo: a máscara sem rosto, p.63.19 Jean Baudrillard. Op.cit., p. 107.

20 Link Luther. O Diabo: a máscara sem rosto, p.156.

explicar a nudez na pintura, lembrando que, por quatrocentos anos, “as únicas pessoas mostradas nuas são Adão e Eva, quando puros e inocentes”18. Para Jean Baudrillard, a sedução na era das massas “tem a brancura espectral das estrelas, assim chamadas com tanto acerto. Um após outro as massas foram ‘seduzidas’, na era moderna apenas por dois grandes acontecimentos: a luz branca das stars e a luz negra do terrorismo”19. Dolce&Gabbana promove o vestuário masculino com a cumplicidade do nu feminino, a propósito do Dia dos Namorados, evocando um dos mais representativos ícones do Antigo Testamento, o painel de Michelangelo na Capela Sistina – Adão e Eva expulsos do paraíso: mito dos corpos à mercê do peca-do, punidos com a morte, submetidos ao trabalho e envergonhados em sua nudez.

Sobre a demonização do corpo despi-do, alegoria cristã do banimento da cultura pagã, e a visão degradante que lhe atribuiu a tradição pictórica e escultural clássicas, Luther Link afirma: “Como os escolásticos cristãos acreditavam que os deuses pagãos eram ‘diabos’ e esses deuses com freqüên-cia andavam nus, os diabos andavam nus ou, mais precisamente, desnudos. Nudez tornou-se desnudamento e desnudamento tornou-se degradação e humilhação, um si-nal de ser enxotado como um louco ou um animal (...). Os criminosos eram emour-rados sem roupa pelas ruas da Europa medieval e renascentista. O desnudamento tornou-se um símbolo de profanação, em um expediente para arrancar os deuses pagãos da consciência cristã. No esforço de demolir o paganismo, expulsar o diabo desnudo significa varrer os conhecimentos e a ciência clássica (...)”20.

A tensão e o temor do corpo vulnerável indiciam o desejo alheio à espreita; a per-feição e o viço juvenis presumem olhares aos quais o da jovem procura fugir – apelo voyerístico que abre ao leitor o fascínio de uma fantasia erótica na primeira página do caderno de cultura. A nudez feminina tem

caráter sexista, pois erotiza frontalmente o jeans masculino. O nu frontal na im-prensa era vetado pela ditadura militar no Brasil; somente perfis e nádegas podiam ousar na publicidade e capas de revista, legitimando uma alternativa contra o proibitivo. Nos anos 70, a publicidade da Levi’s soube fazê-lo com o nu dorsal feminino, destacando metonimicamente o desenho de um bolso pespontado nos glúteos voluptuosos da modelo, aos quais a imaginação mais digressiva pode justa-por os da Vênus Calipígia, esculpida no mármore. Já a marca US-Top fez de um jingle um hino libertário: Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada.

No século 21, vemos a “calça velha” parecer sobra de guerra e tornar-se tão mais cara quanto mais estropiada pela customização (de “custom made”); em escala industrial, técnicas de descostura e desgaste produzem envelhecimento artifi-cial nos jeans. Um sofisticado processo de destruição encarde as peças num banho de enzimas; vincadas e rotas sob altas tempe-raturas, elas são também puídas na barra; bolsos e joelhos são esgarçados por brocas. Personalizados, os jeans submetem-se a uma sucessão de tingimentos e lavagens. É a estética do conforto displicente, do visual de guerrilheiro do apocalipse, do quanto-mais-esfrangalhado-melhor. O novo imita o usado.

A calça rasgada é simbólica falácia de comportamento: vende-se como protago-nista de aventuras e experiências intensas até parecer refugo de brechó. Entretanto, o glamour de seu despojamento é artificial, destinado ao consumo de alto preço no varejo de elite. O psicanalista Contardo Calligaris explica que o luxuoso não está mais a serviço da divisão social, mas serve às aparências e fomenta uma indústria de

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21 Contardo Calligaris. “Luxo e Avareza”. Caderno Ilustra-da, Folha de S. Paulo, 22 set. 2005, p. E-12.22 Daniel Buarque. “O Avesso do Avesso”. Caderno Mais, Folha de S. Paulo, 14 ago. 2005, p. 4.

paramentos, como as roupas assinadas: “é possível comprar uma calça velha muito mais cara do que seu equivalente novo de fábrica, e a prática de aventuras extremas talvez propague uma mensagem parecida com a dos jeans rasgados: “Veja como vivo intensamente”. O caráter marginal e extra-ordinário do pretenso ideal de luxo das experiências equivale a uma “defesa contra o desgaste de nossas energias”, “momentos de evasão”, define o psicanalista21.

Ted Polhemus, estudioso da moda, observa que as marcas roubam suas idéias da história, de outras culturas e dos estilos de rua (“street wear”), como conseqüência das profundas transformações sociocul-turais da segunda metade do século 20,

provando que a cultura não vem somente da classe mais alta, mas de qualquer parte do sistema social. Gil-les Lipovetsky, analisando valores do refinamento, ob-serva o aspecto democrático daquilo que consideramos luxuoso; o despojamento, como fator determinante da elegância, supera a escolha de peças e adereços de grife para ostentação. Lipovetsky põe à frente da moda uma oportunidade de vivências

caracterizadas pelo estilo de vida de quem prefere certos deleites: o turismo, a boa mesa e os cuidados com a saúde. É a vivência como artigo de luxo.

A camiseta do rapaz, mais que auratizar a veleidade de super-herói, é característica do estilo emo (emotional hardcore), cujos adeptos usam estampas de personagem de HQ (no caso, um Superman retrô). O tênis é novo, mas as tiras de velcro soltas simulam um descuido produzido, evocan-do a condição de aventura. Interessado na vanguarda da produção simbólica, em que figuram o “hippie chique” e o “punk de butique”, o professor de filosofia da Uni-versidade de Toronto, Joseph Heath, lan-

çou o livro “The Rebel Sell” (“A Rebeldia Fajuta”, parceria com Andrew Polter). Na sua opinião, “os símbolos da rebeldia não são apenas cooptados pelo ‘sistema’, mas é a própria contracultura que impulsiona o capitalismo gerando as novidades para a competição entre os consumidores. O ‘hippie chique’, o ‘punk de butique’ não são exceções, mas regra. As mais diversas modas são alimentadas pelas criações da contracultura, que nada mais é que uma eterna competição pela diferenciação, retroalimentada pela apropriação de suas imagens no mundo ‘mainstream’”22.

O casal parece retirar-se numa dispo-sição imprecisa entre o passeio e a fuga. O cenário constitui-se de elementos que se articulam estranhamente, como as cercas informes e o menino indiferente ao entorno, quebrando com sua torsão a verticalidade dos corpos e do tronco de árvore (alteando-se no plano posterior). Um estilo nascendo da insurgência contra o decoro: é a fantasia pontua-da pelo real e a confirmação de que a publicidade manipula códigos visuais, promovendo o monopólio da aparência. O corpo se exibe, o jeans se esgarça, a grifes nos distingue.

A Primeira Mulher de Adão: demo ou emo?

“O belo é sempre esquisito.”

Baudelaire

Sensualidade infantilizada ou adoles-cência erotizada? A moda é jovem: Zion Girl; os adereços, infantis; a personificação do mal, uma fantasia (figura 3). É o feti-che do consumo dotado de sensualidade, assim como partes do corpo ou peças de

O ‘hippie chique’, o ‘punk de butique’ não são exceções, mas regra

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23 Jean Baudrillard. Da Sedução, p.150.24 Solange Silva. “Vestuário: Comunicação e Cultura”. In: Revista Líbero, v. 4, n.7-8, 2001, p. 84-85.

25 Massimo Izzi. Diccionario Ilustrado de los Monstruos.

roupa (íntimas ou não) são sexualizadas, segundo Freud, mesmo distanciadas de finalidades sexuais.

Os chifres pontiagudos implantados nos cabelos lisos e negros dão à modelo o provocante paradoxo do atrevimento ingênuo; a maquiagem e o olhar são uma alegoria fashion do anjo transgressor Lilith (versão apocalítica e feminina do Mal) que o imaginário medieval popularizou sob os códigos perniciosos propagados pelo cristianismo. Os acessórios são mimos púberes, mas a pose que os deixa penden-tes tem o fascínio da mulher fatal. O ton-sur-ton da roupa traz a ambigüidade que sobrepõe os matizes da inocência pueril à incipiência do erotismo.

A estigmatizada malignidade atribuída secularmente às mulheres (bruxas, criaturas vampirescas) implica estereótipos: unhas vermelhas de fêmea fogosa, conquistadora, prostituta. Os olhos sobressaem com cajal, no limite entre a teatralidade e a fantasia erótica da possessão, do domínio sobre o outro, da sedução por inclinação ao mal. Baudrillard lembra que, em Eloge du Ma-quillage, Baudelaire intriga-se com esse artifício feminino: o “negro artificial que circunda o olho (...) representa uma vida, uma vida sobrenatural e excessiva; essa moldura negra torna o olhar mais profundo e singular, confere ao olho uma aparência mais decidida de janela para o infinito”23.

Símbolos que emergem do psiquismo, transcendendo a concepção que lhes deu Jung, configuram-se ideologicamente na mídia. Discorrendo sobre o aspecto mítico relacionado ao tempo cíclico sócio-cultu-ral, Solange Silva explica que “o vestuário incorpora elementos pertencentes à esfera do mito e do ritual. Nesse âmbito, a ves-timenta pode demonstrar, entre outros, o entrelaçamento de dois pólos fundantes da cultura humana: as dimensões do sagrado e do profano”24.

O Diabo compreende um complexo de características que a religião e a cultura multiplicaram: suas referências remon-

tam à Mesopotâmia, geraram constructus medievais, alimentaram o imaginário da Renascença e chegaram à literatura num longo percurso iconográfico e literário. Suas representações na ancestralidade popular acumulam uma milenar tradição religiosa e estética (afinal, a religião sata-nizou o sexo, observou Nietzche).

Lilith reina sobre uma legião particular-mente perigosa para as crianças. Consoante uma tradição rabínica, ela foi a primeira mulher de Adão: “O nome deriva certa-mente do babilônio Lilitu, que por sua vez deriva de lutu ou lulti, lascívia. (...) Outras etimologias propostas são de lalou, sensu-alidade, ou lalu, abundar. De acordo com a mesma fonte, do período medieval até o século XVII encontramos a crença segundo a qual o diabo “podia transformar-se em uma formosa donzela (súcubo)”25.

A modelo, braço displicentemente apoiado na janela, dirige-se de soslaio ao leitor, com o apelo sensual do corpo lân-guido e da pele que se oferece na distância entre as peças de roupa. Compondo a ex-centricidade, adereços de diversos feitios e tamanhos pendem sobre os seios pronun-ciados: a corrente que evidencia a cintura traz os mesmos excessos dos pingentes de cristal colorido. Os tons de rosa encerram um dos códigos cromáticos da identidade emo; o que parece uma opção jovem, uma oferenda satânica, uma tentação precoce é o cultivo de um estilo de vestir e uma pre-ferência musical. Trata-se do movimento emocore (popularizado no internet como emo), de “emotional hardcore”.

Migrando das ruas para a publicida-de, as características de grupo entraram também na pauta jornalística: “os emos se multiplicam e, no último ano, viraram uma febre entre os adolescentes”. (...) Mas o emo é muito mais do que franjas com-

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26 “Salve a Mocidade” In: Revista da Folha, 21 mai. 2006, p.13.

27 Link Luther. O Diabo: a máscara sem rosto, p. 122.

pridas, roupas coloridas e extravagantes e melancolia”. Os emocore curtem a melo-dia acrescentada às guitarras distorcidas e, em lugar das canções de protesto do hardcore, preferem temas que falam de paixão. Um visual “muito próprio” iden-tifica as adeptas: “as meninas usam laço, bichinhos pendurados na mochila, chavei-ro de dado e munhequeira quadriculada ou de estrelinha”. Também aludindo a essa tendência jovem, a Revista da Folha assinala: “No estilo, misturam o preto, o coturno e os olhos pintados do punk (...) e toques cor-de-rosa”26.

O logotipo estampado no vidro, no qual a modelo se sustém, condensa o efeito pa-radoxal da composição; lembra o grafismo

tosco de uma singular picha-ção, em preto, tendo na letra “o” um efeito parodístico do sinistro ícone da caveira com os úmeros cruzados, mas encimada por um delicado laço sobre o crânio, ao gosto da estética emo. Abaixo, com o mesmo padrão de escrita, a palavra “girl”.

Link recorre a George Bataille como referência à sensualidade demonizada e suas raízes no espírito de luxúria medieval: “A

Idade Média especificou um lugar para o erotismo na pintura: relegou-o ao Inferno! Os pintores da época trabalhavam para a Igreja. E para a Igreja, erotismo era pecado. A única maneira possível de mostrá-lo na pintura era como algo condenado. Ape-nas as representações do Inferno – só as imagens repulsivas do pecado - poderiam fornecer ao erotismo um lugar”27.

O cenário é aparentemente um moder-no vagão de trem com a janelas panorâmi-cas oferecendo à vista o espaço urbano em que se perfilam grandes edifícios. Lângui-da, a modelo senta-se no chão, afrontando ademanes de compustura, numa atitude de desdém, enfado, melancolia e percepção

entediante do mundo. É a roupa jovem promovendo-se na glória régia da primeira página de um caderno cultural, fazendo a sedução precoce reinar sob a letra Zion.

Meu filho, não mostra isso, que feio!

“O indivíduo, para obter reconhecimento imaginário da moda-espetáculo, é, então, levado a negociar o inegociável: a vida ou o gozo; a identidade narcísica ou a home-ostase física ; o outro ou si mesmo”.

Jurandyr Freire Costa

Freud atribui à primeira infância a cau-sa para o fenômeno (forma inadaptada de interação) que Michel Foucault enquadra na psiquiatrização dos prazeres pervertidos; Baudrillard justifica-o na imagem da merca-doria erotizada e Mário de Andrade lembra o menino a quem aprazia levantar a própria camisolinha. O exibicionismo chega à pu-blicidade dos jeans Diesel (figura 4).

O anedotário da mídia, sobretudo cartuns e histórias em quadrinhos, já exploraram o exibicionismo na sua forma mais caricatural: um homem nada pudico que inesperadamete abre sua capa diante de mulheres desprevenidas. A conotação é fescenina, mas prevalece o humor in-conseqüente acima da perversão quando o leitor descobre que a intimidade insi-nuada põe em cena o deboche libidinoso ao invés do espetáculo impertinente da ereção explícita.

Além da publicação no jornal, a cam-panha foi reproduzida numa empena cega (gigantesco painel na lateral de um edifício) ao lado do luxuoso Shopping Iguatemi, em São Paulo. Transferindo para o jeans a sugestão sexual do exibicionis-mo, a espirituosidade oculta a perversão:

Os tons de rosa encerram um dos códigos cromáticos da identidade emo

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na calça que se descobre sob a capa en-contramos a personificação da mercadoria erotizada (com a aura da “exibição artísti-ca” de que fala Freud). O conhecedor do mercado das grifes ultrapassa a cenografia, reconhecendo o nome Diesel consolidado numa etiqueta cujo preço é cerca de vinte vezes mais que a dos congêneres de igual prestígio nos cabides chiques do varejo.

O paradoxo impõe-se entre o glamour da marca e o aspecto rude do modelo: sua aparência é de prontuário de suspeitos: cabelos desalinhados, barba por fazer, olhar enviezado e rictus de dissimulação no sorriso. A protuberância do nariz, entre o septo e a ponta, é um análogo fálico a en-dossar no jeans a malícia do semblante.

Surge o mito de Priapo, entidade que deu o nome ao priapismo, estranho morbus da ereção sem controle: Priapo, na mito-logia greco-romana, era o nume itifálico, guardião dos jardins, pelo poder fecun-dante e apotropaico de seu falo. Quanto a seu aspecto, João Ângelo de Oliva Neto assinala que o “Priapo fálico na figuração é, assim, objetivamente feio para os antigos porque é desproporcional ou, nos termos do Cânon, dissimétrico”28. Segundo o pesquisador da priapéia greco-latina, seu processo de deificação consta de relatos da Antigüidade, os quais registram a acolhida entre os deuses com a função de garantir a fecundidade dos jardins e o fato de ser eminente entre as mulheres29.

A imagética de Priapo afina-se com a cena: “a força seminal transbordante no deus, e toda a sorte de frutos nas dobras de seu manto indica a abundância dos frutos que brotam e se elevam do âmago da terra e se mostram na estação propícia (...); mas sobretudo os jardins exibem a variedade e encanto que tornam fácil a procriação, como de hábito, mesmo quando ele possui vestimentas”30.

Adjacente ao modelo, multiplica-se vertiginosamente a estampa da longa capa, reproduzindo a camuflagem dos uniformes do exército. Num contexto de

embates bélicos mobilizando o noticiário, identificamos certa referência às emble-máticas imagens de tropas em ação – a propaganda foi publicada em 16/3/2006, quando a mídia lembrava os três anos de ocupação do Iraque pelos Estados Unidos. Roberta Iahn afirma que “na publicidade não existe o acaso”31.

O gesto expansivo tem sua contigüidade na representação fálica da palmeira frondosa num jardim público. A camiseta deixa en-trever o peito másculo; o recorte triangular na parte posterior da capa forma um vértice, endossando a isotopia de apelo sexual, no posicionamento das pernas e na insinuação do quadril. Ostensivo ou caracterizando de-sejos sadios, o exibicionismo pode também ser sublimado ou criativo. Brett Kahr, em seu estudo conceitual sobre o tema, explica que “não é preciso baixar o zíper da calça para ser considerado exibicionista” e, na se-qüência de seus argumentos, acrescenta: “o exibicionismo pode existir mesmo quando se está vestido por inteiro”32.

Kahr estabelece distinções essenciais: “exibicionismo clínico (a exibição pública voluntária de partes do corpo)”, “exibi-cionismo psicológico - ou psíquico - (a revelação de aspectos da mente e do espí-rito da pessoa de um modo exagerado)”33; ele cita ainda o psiquiatra vienense Heinz Kohut, “que chamou à atenção o perigo de não se respeitarem as tendências criativas exibicionistas”34. Os teóricos inquietam-se com o exibicionismo inter-pessoal e sua modalidade clínica próxima da perversão. A fantasia é uma variante do problema.

Claire Pajazckowska explica que o

28 Oliva Neto e João Ângelo. Falo no Jardim: priapéia grega, priapéia latina, p.28.29 Oliva Neto e João Ângelo. Op. cit., p.23.30 Oliva Neto e João Ângelo. Op. cit., p.71.31 Roberta Cesarino Iahn. O Grotesco na Publicidade. Mestrado em Comunicação e Mercado. Faculdade Cásper Líbero, p. 152, nov. 2001.

32 Brett Kahr. Exibicionismo.33 Brett Kahr. Op.cit.

34 Brett Kahr. Op.cit.

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verbo perverter refere-se à alteração do “curso normal das coisas”; o adjetivo (pervertido) “não contém tanto a reprova-ção moralista do substantivo, porque não carrega o peso da nomeação do atributo do outro, não separa o sujeito do objeto, mas qualifica o objeto e pode qualificar uma forma de pensamento, uma crença, uma resposta emocional à vida (...)”35. Designa, pois, “vários prazeres e sensações sexuais que a maioria das pessoas sente quando excitada”. Entre as causas da perversão, Sigmund Freud relaciona o impulso “para a exibição artística e teatral”, explica a autora. Desde os trabalhos pioneiros do psicanalista austríaco, “sabemos que nos humanos a fantasia faz parte da etiologia

das perversões – sobretudo de toda excitação sexual – tanto quanto os fatores fisiológicos e ambientais que os estudiosos do sexo nos ajudam a entender”36.

Vulgarmente são cha-mados de “tarados”; juri-dicamente, são “autores de atentados ao pudor”, enquanto a psicanálise re-fere-se a eles como exibicio-nistas (exhibire = mostrar) – o acidental e o proposital (cujas intenções são ofender

e escandalizar). Freud, em 1900, afirmava que qualquer ser humano apresenta im-pulsos exibicionistas: “embora a maioria nunca exiba as partes íntimas em público, achamos mesmo assim um modo de nos exibir e ser reconhecidos”37. Kahr reitera o registro de Freud, que vê nos sonhos dessa natureza “uma parte importante do desen-volvimento infantil comum”: “As crianças manifestam freqüentemente o desejo de se exibir. É difícil passarmos por um vilarejo do interior, no nosso lado do mundo, sem encontrarmos uma criança de dois ou três anos levantando a camisinha à nossa fren-te - em nossa homenagem, talvez”.

Cabe lembrar, a propósito, o antológico

exemplo de Mário de Andrade no conto Tempo da Camisolinha – o menino desafia a mãe em seu exibicionismo, ilustrando cabalmente a assertiva freudiana: “quan-do me via erguendo a camisola no gesto indiscreto, me ameaçava com a minha encantadora madrinha: – ‘Meu filho, não mostra isso, que feio! repare: sua madrinha está te olhando na parede!’ Eu espiava pra minha madrinha do Carmo na parede, e descia a camisolinha, mal convencido, com raiva da santa linda (...)”38.

As contribuições psicanalísticas para o estudo do comportamento exibicionista, como modalidade de perversão sexual, podem ser resumidas conforme as obser-vações de Kahr: o exibicionismo atua como uma defesa contra a angústia da castração e como reforço da potência masculina; sua intenção é narcísea; ajuda a reclamar a auto-estima abalada, permitindo ainda transformar sentimentos agressivos em sentimentos sexuais.

O exibicionismo tem seu contraponto no voyerismo. No discurso publicitário, os mais ousados códigos da sexualidade figurativizam-se sob recursos metafóri-cos. Uma montagem da grife Diesel, na contracapa da revista especial de moda da Folha de São Paulo (figura 5), traz um laivo surrealista, cobrando ao leitor o necessário repertório cultural para reconhecer, numa sobreposição de imagens, parte do monte Rushmore despontando num contexto tropical. Um rapaz direciona e espalha profusamente o bronzeador nas costas de uma jovem, que abraça e envolve com as pernas um coqueiro potencialmente fálico em sua forma e textura.

O manuseio do frasco e a projeção de seu conteúdo são evocativos de uma leitura de valor sexual, entre superfícies e gestos – a suavidade do mar tem sua antítese

35 Claire Pajackowska. Perversão.36 Claire Pajackowska. Op. cit., p. 23.37 Brett Kahr. Exibicionismo, p.51

38 Brett Kahr, Op.cit., p.60

É a roupa jovem promovendo-se na glória régia da primeira página de um caderno cultural

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na areia (sugestivamente revolvida) e na intervenção artística que faz sobressair o gigantesco entalhe dos rochedos do Parque Nacional Rushmore (Dakota do Sul, EUA): a espreitar o idílio, o postiço e quase semo-vente olhar de Abraham Lincoln (apartado da monumentalidade de seus pares – Je-fferson, Washington e Roosevelt) produz inesperados efeitos: o deslocamento de um venerando ícone do patriotismo america-no, num cenário investido de conotação erótica, arrematado por uma irreverente sintonia de engajamento ambiental, no que se refere à elevação do nível dos oceanos (na ótica terminal – o canto inferior direito da página): “pronto para o aquecimento glo-bal”. Grafada em inglês, a frase distingue o status internacional da marca. A calça jeans justíssima e a experiência íntima de enlaçar aquele tronco, no limite do avanço da maré, sugerem que vestir Diesel é um prazer em estado de natureza.

Uma variante ainda mais polêmica da pulsão exibicionista está numa propaganda da Dolce&Gabbana (figura 6), na qual a mor-dacidade da imprensa evidenciou o homosse-xualismo: “a onda gay chegou com força total às campanhas de moda também. O que dizer desta, criada para a Dolce & Gabbana? Tudo bem que o mercado consumidor formado por homossexuais masculino é a menina-dos-olhos de muitos publicitários. Mas os estilistas Domenico Dolce e Stefano Gabbana poderiam ter sido mais...sutis, não?”39.

A campanha mostra um modelo nu, deitado, com as mãos deslizando sobre o próprio peito, o dorso fletido lascivamente para trás, os olhos cerrados, expressão de êxtase, num exibicionismo aparentemente eletivo, no que parecer ser um escritório – o fetiche do lugar proibitivo intensifican-do o prazer voyerístico compartilhado: são dois observadores perplexos, um dos quais tem as pernas desmesuradamente abertas, enquanto o outro, com o dedo ereto (ex-pressivo símbolo fálico) aponta o baixo ventre, objeto da dúplice atenção; para o leitor, escancaram-se pela imaginação as

partes veladas daquele nu coleante. E m c a d a e x e m p l o , D i e s e l e

Dolce&Gabbana, têm-se distinções do exi-bicionismo público e privado, cada qual com seu apelo fetichista, multiplicando fantasias – o voyerismo narcisista, pondo o desejo num efeito de magna contemplação de si mesmo no outro. Priapo sofria uma ereção permanente à espera de um gozo que jamais se cumpria, alegoria do consumidor cujas frustrações nunca chegam a termo: sempre instado a consumir, mas eternamen-te insatisfeito, como impõe a sociedade de consumo, com a cumplicidade dos imaginá-rios que a propaganda manipula. Buscamos o desejo; a frustração nos persegue.

Conclusão

As campanhas de grifes, no início do sé-culo 21, marcam-se pela provocativa estética do estranhamento, impondo-se sob o espírito capitalista da moda. Tributários da mitologia grega, reconhecemos na renovação contínua do consumo a experiência supliciante do desejo frustrado em tensões perpétuas de Tântalo, das Danaides, de Sísifo: tecer uma corda que se desfaz, estender as mãos para frutas em contínuo distanciamento, encher um tonel sem fundo, empurrar morro acima uma pedra destinada a rolar.

Para o poeta Stéphane Mallarmé, a moda é a deusa das aparências; para o filó-sofo da modernidade, Jean Baudrillard, po-demos vê-la, no império das imagens, como um deus que assimilava a forma humana, exteriorizando a presença divina. Da mes-ma forma, a propaganda simula os perfis de uma sociedade, devolvendo a emergência do gozo à cultura que o produziu. Para Maria Rita Khel, valores da publicidade dispõem-se para um jovem, sujeito de suas escolhas, mesmo sob o apelo das drogas; somos hedonistas da pós-modernidade, um

39 “Fogos de Artifício” In: Revista Época, p. 64. 30 jan. 2006.

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corpo que nos representa num mercado de trocas imaginárias.

Acreditamos que humanidade tem sua gênese na tragédia por deferência aos deuses e já ouvimos que esta se re-pete como farsa. Nêmesis, a deusa grega da vingança, parece patrocinar os im-

perativos do consumo, as estetizações do universo de discurso publicitário e as estratégias corporativas das marcas que nos sentenciam a decalcar seus mitos. Temos por referência Apolo e Afrodite, mas somos a imagem desfeita de Narciso.

Figura 1 Figura 2 Figura 3

Figura 4 Figura 5 Figura 6

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Comunicação e Mercado

Janaina Maquiaveli CardosoMestre em Sociologia pela UFMG

Docente da [email protected]

Letícia LinsMestre em Comunicação Social pela UFMG

Coordenadora e docente do curso de Publicidade e Propaganda da [email protected]

Luciana de OliveiraDoutoranda em Sociologia pela UFMG

Docente da [email protected]

Vanice Guedes Especialista em Comunicação Empresarial pela PUC-MG

Docente da [email protected]

Waldiane Fialho Mestre em Artes Visuais pela UFMG

Docente da FESBH e do Centro Universitário de Belo Horizonte - [email protected]

O cenário de mudanças globais na publicidade e o conceito de cadeia produtiva

aplicado ao mercado mineiro1

The global changing scenery in advertising and the concept of supply chain

applied to the market of Minas Gerais

Resumo

Com os processos de globalização intensificados desde o início dos anos 90, a Publicidade tem passado por transformações pro-fundas, geradas a partir das mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais ocorridas na contemporaneidade, descortinando, atualmente, um cenário com articulações de negócios muito particulares. Nesse panorama, o conceito de cadeia produtiva apre-senta-se pertinente para estabelecer as inter-relações entre os diversos agentes envolvidos na produção publicitária. Os objetivos desse artigo são contextualizar as transformações ocorridas, recentemente, na Publicidade nacional, apresentar a utilização do conceito de cadeia produtiva e suas contribuições para o fazer publicitário, além de mostrar as ações institucionais e de mercado que Minas Gerais vem realizando com o intuito de se adequar aos novos tempos da Publicidade no Brasil e no mundo.

Palavras-chave: publicidade, propaganda, mercado publicitário, cadeia produtiva, publicidade mineira.

Abstract

With the intensified processes of globalization since the beginning of the 90’s, Advertising has undergone profound transfor-mation, generated by social, political, economic and cultural changes in the country, revealing at present a scenario with very particular business-oriented strategies. In this overview, the concept of “supply chain” is presented in order to establish the inter-relationship between a myriad of factors involved in executive advertising production. The goals of this article are to contextualize these recent transformations in national advertising, to present the use of the concept of “supply chain” and its contributions to executive advertising, in addition to showing the institutional actions and markets that Minas Gerais can carry forward while adjusting to the new era of advertising in Brazil and the world.

Key words: publicity, Advertising, executive market advertising, productive chain, Minas Gerais advertising.

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O cenário de mudanças globais na publicidade...

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1. O cenário contempo-râneo da Publicidade e suas transformações

s profundas mudanças e trans-formações ocorridas nos cená-rios sociais, políticos, econômi-

cos e culturais mundiais vêm impulsionando im-portantes alterações na paisagem da publicidade nacional e internacional, exigindo do fazer publici-tário novas e permanentes reconfigurações. Com os processos de globalização acirrados desde os anos 90, empresas e produtos de diferentes nacionalida-des passaram a concorrer entre si na preferência dos consumidores. Os produ-

tos tornaram-se cada vez mais similares em termos de preço e qualidade. Blocos econômicos internacionais se formaram. Para sobreviver nesse mundo globalizado, parcerias, aquisições, fusões ou formas alternativas de obtenção de know-how se estruturaram, ampliando o espaço para protecionismos e cartéis. Com esse panora-ma, a desregulamentação passou a operar e a lei de regência das negociações veio a ser a lei do mercado.

Logo, competir com empresas de todo o mundo começou a exigir aperfei-çoamento constante e a necessidade de acesso a novas tecnologias diferenciadas e de vanguarda. Paralelamente a isso, assistiu-se em nível nacional à estabili-

A

zação da economia, operando com taxas inflacionárias de no máximo três a cinco por cento ao ano.

Neste cenário cada vez mais compe-titivo e com margens de lucro cada vez menores, foi necessário que as empresas passassem a rever suas estruturas, pla-nejando ações, tais como: o aumento da rentabilidade e da produtividade, o refor-ço estratégico e a melhoria de índices de balanço e de crescimento. Das agências de publicidade, em especial, também passaram a ser exigidas revisões em suas estruturas de funcionamento, no sentido de melhorar o atendimento e as ações de comunicação, otimizar os resultados e reduzir os custos. Os anunciantes passa-ram a cobrar delas a mesma capacidade de adaptação às mudanças, não aceitando mais uma agência preocupada apenas com a propaganda isoladamente. Passaram a necessitar de um parceiro capaz de propor soluções de comunicação e co-responsável pelos resultados obtidos.

Hoje, as empresas demandam de suas agências acompanhamento desde a con-cepção do produto até sua divulgação, por meio de ações planejadas a médio e longo prazo, estudos e resoluções dos problemas de mercado, proposição de estratégias de comunicação e marketing e administração do processo de construção de marcas, que

Resumen

Con los procesos de globalización intensificados desde el inicio de los años 90, la publicidad viene pasando por trans-formaciones profundas, generadas a partir de los cambios sociales, políticos, económicos y culturales ocurridos en la contemporaneidad, descortinando, actualmente, un escenario con articulaciones de negocios muy particulares. En ese panorama, el concepto de cadena productiva se presenta pertinente para establecer las interrelaciones entre los diversos agentes involucrados en la producción publicitaria. Los objetivos de este artículo son contextualizar las transformaciones ocurridas, recientemente, en la publicidad nacional, presentar la utilización del concepto de cadena productiva y sus contribuciones para el quehacer publicitario, además de mostrar las acciones institucionales y de mercado que Minas Gerais viene realizando con el intuito de adecuarse a los nuevos tiempos de la publicidad en Brasil y en el mundo.

Palabras clave: publicidad, propaganda, mercado publicitario, cadena productiva, publicidad mineira.

1 Este artigo apresenta alguns achados iniciais do projeto de pesquisa “O Mercado de Trabalho em Publicidade e Propaganda em Belo Horizonte: dimensões, mudanças e tendências” (em andamento), financiado pela Faculdade Estácio de Sá de BH - FESBH.

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Janaina M., Letícia L., Luciana O., Vanice G. e Waldiane F.

com o crescimento da concorrência, decor-rente do aumento do número de produtos similares em oferta, tornou-se o principal ativo dos clientes.

Dessa forma, todas as ações de comuni-cação devem fazer parte de um plano com vistas a agregar valor à imagem de marca. Nenhuma ação pode ser pensada isolada-mente. Isso tudo porque a exigência agora é por um plano de ações que seja, sim, criativo, mas sobretudo eficiente. “Hoje, as empresas querem da agência trabalhos cada vez mais criativos, mas fazem ques-tão que as campanhas custem o mínimo possível em mídia, ao mesmo tempo que aumentem ao máximo suas vendas.”2.

Daí a importância das agências de co-municação planejarem para seus clientes posicionamentos de mercado de maneira cada vez mais integrada, o que vai além da simples publicidade tradicional3. “Das em-balagens às notas fiscais, das novas cores da fábrica e dos caminhões aos uniformes dos funcionários, tudo passa pelo crivo de Nizan [Guanaes]”4. Essa nova realidade significa um aumento significativo das fun-ções e responsabilidades de uma agência para com seu anunciante, pois não basta mais só se preocupar com a publicidade, e sim com as diferentes formas de comuni-cação das empresas, numa sinergia entre as várias disciplinas da comunicação e de outras áreas de negócios.

Além do mais, assiste-se a uma revo-lução das tecnologias de comunicação e informação que trazem à tona um número cada vez maior de possibilidades de acesso aos consumidores. Isso num momento em que a segmentação do público torna-se cada vez maior, sendo necessários dife-rentes canais para se falar com os diversos nichos de mercado.

Segundo Kotler (1998), o mercado de massa foi segmentado, sendo necessárias ações de marketing específicas para cada público definido. O avanço da tecnologia trouxe inovações nas áreas de computação e informação que permitem um amplo

conhecimento das demandas e desejos do consumidor, cada vez mais segmentado e individualizado.

Na esteira destas transformações o que se observa é que a propaganda tradicional está dando lugar a outros elementos do mix de promoção denominados no media ou no advertising5. Como exemplo podemos citar as diferentes formas de eventos, promoção, marketing direto, novas mídias, etc, que concorrem cada vez mais com as mídias tradicionais na distribuição da verba dos anunciantes. Tarsitano e Navacinsk (2005) mostram que, embora a propaganda ainda lidere os investimentos das empresas de co-municação, já se percebe um deslocamento importante para as demais ferramentas de marketing. Em 2005, por exemplo, a so-matória dos investimentos em promoção, merchandising, eventos, marketing direto e Internet totalizou 40% de todo o investi-mento publicitário no Brasil.

Portanto, cabe ressaltar o importante papel desempenhado pelas novas mídias no conjunto de ações de comunicação integradas disponíveis no mercado atual-mente. Em um momento em que os anun-ciantes têm como uma de suas prioridades a otimização de seus investimentos em comunicação, a opção por novas formas de mídias segmentadas torna-se bastante oportuna, uma vez que atendem melhor a estratégias direcionadas por um preço infinitamente menor do que o das mídias convencionais. Pode-se citar como exem-plos de novas mídias: propaganda de cinema; jornais de bairro; mídias externas

2 Valente apud Andréa Ciaffone. “Na mente dos con-sumidores”. In: Revista Forbes, p. 22.3 Entende-se por comunicação integrada o conjunto de ações que incluem estratégias de no media, novas mídias, propaganda tradicional e todo o leque de pos-sibilidades que visam agregar imagem institucional para as empresas por meio de ações de divulgação.

4 Nelson Blecher. “Bem-vindo à propaganda de resulta-dos”. In: Revista Exame, p. 46.

5 Tudo aquilo que não é propaganda tradicional, mas que vende um produto, incluindo ações como promoções, patrocínio, marketing direto, novas mídias etc.

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6 Jornal Propaganda e Marketing, 23 jan. 2006.7 Jornal Propaganda e Marketing, 16 jan. 2006.

mento do consumidor para a proposição de conceitos de criação de campanhas altamente integrados às ações de mídia, como vem sendo feito para a marca Dove, com o mote “Beleza real”.

O interessante é que esses modelos parecem instaurar uma mudança não só nos processos de criação e planejamento, mas na própria estrutura organizacional das agências. Pensar a comunicação de for-ma integrada também exige configurações adequadas dos fluxos de trabalho, tanto quanto da organização espacial. Prova disso é que a própria departamentalização das agências teve que ser revista nesse processo. Espaços físicos antes milime-tricamente divididos vêm dando lugar, já há algum tempo, a áreas integradas de trabalho: grandes vãos sem paredes inter-nas, por onde circulam profissionais das mais diferentes e múltiplas funções. Uma mudança que se pode observar não só nas principais agências brasileiras, como também nas internacionais.

E não é só nas configurações espaciais e de fluxos de trabalho que essas mudanças se apresentam, mas nos novos formatos de gestão de processos também. Inspirada na agência inglesa Mother, na holandesa Kessels Kramer e na americana Anomaly, a Fisher América7, por exemplo, transferiu a função de atendimento para as áreas de planejamento e criação. Hoje, o que se va-loriza é o trabalho integrado em que aten-dimento, planejamento, criação, mídia, produção gráfica e RTVC têm um papel estratégico fundamental, conforme vem sendo adotado pelas principais agências de publicidade em todo o mundo.

De fato, as tendências de alinhamen-to dos fluxos de trabalho em relação a modelos internacionalizados de gestão é um dos grandes desafios e também im-posições de um modo de produção cada

(busdoor, backbus, front-lights, empenas, painéis de metrô, painéis eletrônicos, pro-tetores de árvore, publicidade em banca de jornais, bike-doors, publicidade em táxi, etc.); TV a cabo; Internet; celular; etc.

Isso não significa que as mídias tradi-cionais tenham deixado de ter um papel fundamental na divulgação de marcas de alcance (inter)nacional ou mesmo no lançamento de novos produtos. Apenas não se pode desconsiderar que, com a convergência digital, a tendência é que se reconfigurem de um modo bastante distinto do convencional, marcado pelo aumento significativo na qualidade das transmissões, pela multiplicação de canais e, sobretudo, pela ampliação dos tipos e

números de serviços e conteú-dos produzidos, como áudio, texto e imagens acessíveis por uma infinidade de meios digi-talmente convergentes. Ou seja, com a convergência digital, cada mídia deixará de ocupar uma definição, lugar ou função estáticos ou pré-estabelecidos, em favor de novas e múltiplas possibilidades de como e o que transmitir, em termos de transmissão, e do quê, como e quando acessar, em termos de recepção.

Naturalmente, todo esse conjunto de transformações passa a exigir dos publi-citários um perfil muito mais plural e generalista de atuação. Um profissional que saiba interpretar as mudanças nos ce-nários sociais e o modo como elas afetam a percepção de realidade dos consumidores, para só então traduzi-las em conceitos e posicionamentos de comunicação.

É o que vêm fazendo, por exemplo, os profissionais de planejamento da agência de publicidade Ogilvy, no que denomina-ram de era Butterfly6. Baseado na integra-ção entre os diversos setores da agência, o modelo pretende partir da observação da realidade e das mudanças de comporta-

A opção por novas formas de mídias segmentadas torna-se bastante oportuna

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vez mais globalizado. Uma vez que as grandes agências vêm instaurando sedes próprias ou parcerias e fusões em todos os grandes centros do globo, a tendência é que os processos atravessem fronteiras e tornem o mundo da publicidade muito mais conectado.

Isso afeta diretamente as expecta-tivas de desempenho empresarial das agências, que passam a competir com os demais escritórios internacionais, bem como a própria definição dos cri-térios de remuneração na publicidade. Se hoje é uma tendência das grandes empresas multinacionais serem atendi-das por holdings ou conglomerados de comunicação, o caminho natural é que elas busquem uma maior padronização operacional no que diz respeito aos investimentos em publicidade, seja nos valores pagos às agências, seja no rela-cionamento com os fornecedores.

Para Comin (2005), isso aparece em dois aspectos fundamentais. Primeira-mente, que as práticas administrativas adotadas pelas grandes empresas, na medida em que divulgadas pela mídia e balanços sociais, tendem a influenciar ou contaminar as empresas menores, provo-cando uma reação em cadeia no mercado. Em segundo lugar, na medida em que cresce o controle legal e mesmo social sobre os balanços de empresas públicas ou privadas além, é claro, das exigências cada vez maiores por desempenho e rentabilidade, tende a crescer também a necessidade de uma maior transparência no modo como são aplicados os recursos em comunicação ou quaisquer outras áreas. A conseqüência disso estaria no aumento de processos de licitação e de concorrência para contratação de forne-cedores ou mesmo no cadastramento cada vez mais detalhado dos mesmos, gerando a necessidade de normatizações e crité-rios sempre mais adequados às últimas exigências do mercado.

Dessa forma, isso faz com que seja

necessária uma revisão do modo de se pensar e fazer publicidade, acarretando mudanças e adequações permanentes nas engrenagens e estruturas de sua cadeia produtiva.

2. O conceito de ca-deia produtiva aplica-do ao novo cenário da Publicidade

Cadeia produtiva é o conjunto de to-dos os integrantes do processo produtivo em um determinado segmento ou setor da economia. As inter-relações entre os diversos agentes formadores da cadeia são chamadas de elos da cadeia. A noção de cadeia produtiva, portanto, compreende os agentes envolvidos na produção de um bem ou serviço.

De acordo com Proshnik e Vaz,

Uma cadeia produtiva é uma seqüência de setores econômicos, unidos entre si por relações significativas de compra e venda, na qual os produtos são crescentemente elaborados. As cadeias produtivas resultam da crescente divisão do trabalho e da maior interdependência entre os agentes econô-micos. Por um lado, as cadeias são criadas pelo processo de desintegração vertical e especialização técnica e social. Por outro lado, as pressões competitivas por maior integração e coordenação entre as ativi-dades, ao longo das cadeias, ampliam as articulações entre os agentes (...)8.

O uso do conceito de cadeia produ-tiva permite: 1. visualizar a cadeia de modo integral; 2. identificar debilidades e potencialidades nos elos; 3. motivar ar-ticulação solidária dos elos; 4. identificar gargalos, elos faltantes e estrangulamentos; 5. identificar os elos dinâmicos, em adição à compreensão dos mercados, que trazem

8 Victor Prochnik e Bruno Ottoni Vaz. Cadeias Produtivas do Estado de Minas Gerais, p. 10. Disponível em <http://www.ie.ufrj.br/cadeiasprodutivas/index.html>. Acesso em 05 mar. 2006.

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o modelo de cluster, na concepção de Michael Porter, de enfoque marcadamente empresarial e microeconômico, [é] caracteri-zado pela presença de grandes indústrias, de dimensão nacional e com elevada amplitude espacial e alto nível de agregação12.

Quanto às atividades de serviços, o con-ceito de cadeia produtiva, em seu sentido estrito, não as abrange porque as atividades de serviço consomem relativamente poucos produtos industriais. Assim, não se carac-terizam, propriamente, cadeias de transfor-mação. Mas, por outro lado, a análise de cadeias produtivas considera fortemente o papel das instituições. Esse aspecto é visível quando se tem em conta a diferença entre o conceito de cadeia e o alcance dos estudos sobre cadeias produtivas.

Enquanto o conceito de cadeia produ-tiva é bastante restrito, incluindo apenas a seqüência de atividades de transforma-ção, os estudos sobre cadeias produtivas abordam todo o entorno delas, incluindo serviços especializados, organizações e programas governamentais, consumo, trabalho e instituições. Em particular, reconhece-se tanto a relevância das organi-zações locais e das regras formais, quanto a das regras informais.

Assim, em muitos casos, observa-se a criação de instituições bilaterais ou coletivas que potencializam os efeitos para frente ou para trás. As parcerias entre empresas e a organização de supply

9 Adaptado de <http://www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/sdp/forCompetitividade/doBasmetodologia.doc.>. Acesso em 05 mar. 2006.10 Uma referência importante para tratar destes con-ceitos são os trabalhos de Michael Porter. Competição: estratégias competitivas essenciais e A vantagem competitiva das nações. É possível que nossos leitores encontrem afinidades entre idéias aqui expostas e aque-las elaboradas por este autor, entretanto, não podemos fazer uma aplicação direta de seu modelo de análise pelos motivos expostos acima.

11 Jorge Antonio Santos Silva. Turismo, crescimento e desenvolvimento: uma análise urbanoregional baseada em cluster, p. 170. Disponível em <http://www.eumed.net/tesis/jass/>. Acesso em 05 mar. 2006. 12 Jorge Antonio Santos Silva. Op. cit., p. 8.

movimento às transações na cadeia produ-tiva; 6. identificar fatores e condicionantes da competitividade em cada segmento; e 7. poder perguntar a cada elo: está satisfeito com o elo para o qual vende? Está satisfeito com o elo do qual compra?9.

No âmbito da ciência econômica, o conceito de cadeia produtiva envolve uma discussão bastante abrangente em termos de conceitos e aplicações, embora restrita ao setor industrial. Nesse sentido, as ca-deias de uma economia regional podem ser agregadas em conjuntos ou blocos, de forma que o valor médio das compras e vendas entre os setores constituintes de um bloco seja maior do que o valor médio das compras e vendas desses mesmos

setores com os setores de ou-tros blocos. Esses blocos são chamados de macro cadeias ou complexos industriais. Para os fins deste estudo, será utilizado simplesmente o termo cadeia produtiva para designar tanto as macro estruturas, quanto a cadeia mais localizada da Publi-cidade, foco dessa análise.

Os termos complexo indus-trial e cluster10, muitas vezes usados como sinônimos de ca-deia produtiva, parecem não se aplicar aos objetivos propostos

por este estudo, uma vez que se referem ao contexto de competitividade nacional e internacional e têm sua aplicação voltada para o setor produtivo, especialmente o de grande porte. De acordo com Haguenauer e Prochnik citados por Silva “um comple-xo industrial, por sua vez, é um conjunto de cadeias. Assim, as cadeias produtivas são partes dos complexos industriais [agrupamentos ou clusters]”11. Além dis-so, os complexos industriais apresentam como características: presença de uma indústria-chave; regime não concorren-cial entre as várias indústrias existentes; e aglomeração territorial. Por outro lado, de acordo com Silva,

A tendência é que os processos atravessem fronteiras e tornem o mundo da publicidade muito mais conectado

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chain management13 são formas de buscar ampliar os resultados da operação con-junta de empresas postadas ao longo das cadeias. Centros de pesquisa regionais, organizações de feiras de vendas de pro-dutos e/ou de aquisição de insumos espe-cializados e máquinas têm o mesmo efeito, aumentando a eficiência dos processos ou as vendas dos produtos finais. Enfim, há uma ampla variedade de iniciativas con-juntas que busca explorar as vantagens do esforço coletivo.

O conceito de cadeia produtiva apli-cado ao campo da prestação de serviços em Publicidade e Propaganda tem fun-cionalidade técnica e eficácia heurística por buscar uma representação do processo produtivo como um todo integrado e dinâ-mico de partes que atuam sinergicamente, desde o fornecedor de matérias-primas, transporte, vendas, planejamento de estratégias, planejamento da produção, planejamento de mídia, criação e execução do produto final.

Nos ambientes em que essas estratégias são mais bem-sucedidas, o crescimento da produção é maior e as oportunidades de investimento mais numerosas. A idéia não é só profissionalizar, mas também buscar parcerias com as esferas públicas e priva-das, especialmente as entidades ligadas à publicidade, com intuito primeiro de fidelizar os atuais clientes e, depois, de atrair outros novos.

No caso da publicidade, os primeiros elos são as agências, os fornecedores de produtos e serviços e os veículos de comu-nicação. Nas pontas da cadeia situam-se, por um lado, os anunciantes/clientes e, por outro, os consumidores.

A integração dos envolvidos busca a garantia da qualidade do produto final em termos dos requisitos do cliente – es-pecificidades do seu segmento e objetivos estratégicos e sociais do seu negócio – excelência técnica, conformidade com os códigos de ética vigentes no setor e consonância com o contexto do consumi-

dor alvo. A ausência de integração reduz a qualidade, encarece o preço dos produtos e dificulta, do ponto de vista logístico, o cumprimento de prazos e procedimentos acordados, diminuindo a competitividade e a inovação – fatores essenciais ao campo desse tipo de serviço.

É importante ressaltar que os elos da cadeia produtiva da publicidade são constituídos, obviamente, por empresas que desenvolvem atividades comerciais afins à publicidade. Entretanto, a posição ocupada por tais empresas, nos elos da cadeia produtiva, não é estática. É possível que num determinado projeto, uma mesma empresa ocupe a posição de veículo e, em outro, a posição de anunciante. Para exemplificar: dentro da cadeia produtiva, uma emissora de TV pode desenvolver sua função primordial de veicular, por meio de som e imagem, o conteúdo de um determinado anunciante e, nesse caso, ocupa a posição de veículo de comunica-ção. Porém, quando essa mesma emissora de TV tem uma demanda de comunicação e pretende fazer um trabalho de divulga-

13 O termo suppply chain management em tradução livre pode ser lido como gestão da cadeia de suprimentos. Mas seu significado no campo da ciência da administração é bem mais amplo. Apresentada atualmente como funda-mental para a vantagem competitiva das empresas, sugere que novas formas de relacionamento entre empresas e fornecedores sejam adotadas e passem a ser estruturadas por meio de vínculos de cooperação em contraposição à estruturação vertical por meio de vínculos de cooperação hegemônica. De acordo com estudo realizado por Abra-mczuck sobre o tema, “a expressão ‘cadeia de suprimento’ é uma metáfora usada para descrever as empresas que estão envolvidas no fornecimento de um produto ou serviço”. Para fins deste estudo, importa reter da idéia de gestão da cadeia de suprimento que as relações de fornecimento implicadas na geração dos serviços publicitários podem dar mostras

do grau de profissionalização e confiança que balizam estas mesmas relações, tornando possível observar se o mercado de trabalho em publicidade de Minas, objeto empírico de pesquisa, está mais ou menos afinado com as transformações e

impactos econômicos e sociais da atualidade. André Ambrosio Abramczuk. Os Relacionamentos na Cadeia de Suprimento

sob o Paradigma da Desintegração Vertical de Processos: Um Estudo de Caso, p. 12-13. Disponível em <http://www.teses.usp.

br> Acesso em 05 mar. 2006.

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14 Marcélia Lupetti. Administração em Publicidade: a verdadeira alma do negócio, p. 115.15 Admir Roberto Borges. O executivo de contas publi-citárias, p. 211.16 Marcélia Lupetti. Administração em Publicidade: a verdadeira alma do negócio, p. 135.

ção institucional ela pode contratar uma agência e, dessa vez, ocupa a posição de anunciante/cliente. E, quando a peça criada pela agência e produzida por um fornecedor for veiculada, a emissora de TV volta a ocupar seu lugar de veículo dentro da cadeia. Tornando, dessa forma, dinâmico o ciclo da cadeia produtiva da publicidade. Com o objetivo de apontar os agentes envolvidos e sua atuação no processo de produção da Publicidade é preciso descrevê-los:

Anunciantes/clientes: são definidos como toda organização que apresenta a necessidade de comunicar alguma coisa para um determinado público. Geral-mente, é de onde vem a demanda ou é

apresentado o problema de comunicação. Segundo Lupetti (2003), existem os seguintes ti-pos de anunciantes: de bens de consumo, de serviços, de bens industriais, intermediários, de entretenimento, associações e governo. E completa:

Há no mercado empresas anuncian-tes dos mais diversos tipos, tama-nhos e estruturas, desde pequenas empresas, grandes conglomerados internacionais, até empresas sem fins lucrativos e órgãos gover-

namentais como empresas públicas ou mistas. Entre elas encontram-se empresas com estruturas organizacionais diferentes, por vezes simples, por vezes complexas e sofisticadas14.

Agências: são empresas prestadoras de serviços cuja finalidade é planejar estrategi-camente a imagem de marca do anunciante, a partir da análise de mercados e suas oportunidades e da elaboração de projetos e planejamentos de comunicação que vão ao encontro de seus objetivos mercadológicos. Depois de definir o tipo de trabalho a ser desenvolvido, é responsabilidade da agência indicar os fornecedores mais compatíveis em termos de qualidade, prazo e preço, além de acompanhar todo o processo produtivo até o final com vistas a garantir o melhor

resultado para todos os envolvidos. Para Borges (2002):

Agência de propaganda. Pessoa jurídica independente, especializada na arte e técnicas publicitárias, que estuda, planeja, concebe e executa publicidade e material promocional; avalia, seleciona e programa os veículos de divulgação, por ordem e conta de clientes-anunciantes (...)15.

Fornecedores: são as empresas e profissionais que executam os produtos de comunicação propostos pela agên-cia para um determinado cliente. Para Lupetti (2003), os fornecedores de uma agência são: gráficas, birôs, fotógrafos, empresas de bancos de imagens digitais, produtoras de áudio, de vídeo, agências de modelo, institutos de pesquisa (de mercado, de comunicação e de mídia), além de muitas outras empresas que prestam serviços ou vendem seus produ-tos para que as agências possam desen-volver seus trabalhos de forma eficiente e eficaz com o retorno positivo para seus clientes. E conclui:

(...) é o caso das empresas que oferecem serviços de montagem de estandes, con-fecção de brindes e tantos outros cujo en-volvimento da agência não é tão complexo, implicando levantamento de orçamento, aprovação, amostras, acompanhamento, entrega, recebimento e distribuição16.

Veículos: São as empresas responsáveis por transmitir a mensagem, ou seja, as peças publicitárias produzidas pelas agên-cias e devidamente aprovadas pelo cliente nos meios de comunicação tradicionais e contemporâneos para o consumidor final. Segundo Sant’anna (1996) tais meios são definidos como mídia impressa e mídia eletrônica e podem ser classificados em a.

A ausência de integra-ção reduz a qualidade, encarece o preço dos produtos e dificulta o cumprimento de prazos e procedimentos acordados

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meios visuais (para serem lidos ou vistos); b. meios auditivos (para serem ouvidos); c. meios audiovisuais (para serem lidos, ou-vidos e vistos); d. meios funcionais (para desempenhar uma determinada função).

Consumidores do produto e da publici-dade: eles fazem parte da cadeia produtiva e estão na ponta do processo de distribuição de um determinado produto ou de uma prestação de serviço. Na cadeia produtiva, são decisivos no processo de compra e é para eles que estão dirigidas as mensagens sob a forma de produtos, serviços e a pró-pria publicidade. Segundo o Dicionário da Comunicação (2002), é possível classificar os consumidores em três categorias, levando em conta a freqüência de compra: a. heavy users ou compradores freqüentes e fiéis de um produto ou serviço; b. médium users ou consumidores médios e c. light users ou consumidores eventuais e esporádicos.

Vale dizer que tanto no ambiente ins-titucional (cultura, educação, tradição, legislação etc), quanto no ambiente organi-zacional (associações, sindicatos, políticas e incentivos que influenciam as atividades do setor etc), a governança e o capital so-cial são fundamentais para ampliação da interdependência entre os elos, bem como, para aumento da confiança interna.

Governança é, acima de tudo, uma práti-ca gerencial, administrativa, que compreen-de, numa estrutura orgânica de participação, os diversos interesses e enfoques, vindos dos acionistas, dos assalariados, dos clientes, dos fornecedores e da comunidade, que pode ser afetada por questões de segurança, de emprego e de meio ambiente.

No âmbito de um setor econômico, como é o caso da Publicidade, percebe-se que a adoção de princípios de governan-ça – tanto em nível corporativo, ou seja, pensando-se a lógica interna das empre-sas que o compõem, quanto em nível da cadeia produtiva, ou seja, pensando-se a integração externa destas empresas numa dinâmica de relacionamentos – torna-se capital para o seu desenvolvimento.

Se o conceito de governança é im-portante para o entendimento, ou no mínimo, a reflexão sobre o ambiente or-ganizacional no qual se desenha a cadeia produtiva, o conceito de capital social, por outro lado, é de suma importância para compreender as inter-relações internas a ela em termos de ambiente institucional. Este determinará vocações e predisposições e compreendê-lo, esti-mulá-lo é também uma forma de pensar estratégias de desenvolvimento.

Para Kliksberg (1999), os especialistas e as agências multilaterais reconhecem, de forma geral, três formas de capital, ou seja, três formas de ativos que produzem riqueza e desenvolvimento: a. o capital físico natural, constituído pelos recursos naturais de um país; b. o capital construído pelo homem, que inclui a infra-estrutura, o capital financeiro, comercial etc.; c. o capi-tal humano, incluído nos anos 1970-1980, referindo-se às habilidades, conhecimentos e criatividade com que os indivíduos con-tribuem para a vida econômica.

Mais recentemente, voltou-se o foco para o potencial de produção de riqueza e desenvolvimento, que flui das várias formas de associação coletiva: o capital social. Esse capital refere-se aos laços de confiança, de compromisso, de vínculos de reciprocidade, cooperação e solida-riedade, capazes de estimular normas, contatos sociais e iniciativas de pesso-as para aumentar o desenvolvimento humano e econômico.

Trabalhar com o conceito de capital social é desafiador, pois engloba outros, tais como, “confiança”, “solidariedade” e “redes”. O desafio aumenta quando a questão de medir não está apenas na quantidade, mas também na qualidade de capital social em variadas escalas.

A proposta é verificar, a seguir, ainda que parcialmente o grau de amadurecimento do capital social e da governança na cadeia pro-dutiva da publicidade mineira, mapeando as ações das entidades representativas do

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tem-se um mercado dominado pelas micro e pequenas empresas, 69,4% e 21,2%, res-pectivamente. Do total, apenas 4,7% são consideradas médias e 2,8% grandes.

Quanto à produção, percebe-se que as empresas mineiras se esforçam para oferecer o maior número de serviços possível. Mais de 80% oferecem a cria-ção de campanhas publicitárias, pla-nejamento de marketing e propaganda, desenvolvimento de logomarca, criação de anúncios para revistas, placas de ou-tdoor, seleção e contratação de veículos de mídia bem como produtos de design. Ao serem questionadas sobre o principal produto, 36,6% definem a produção de campanha, 9,8% elegem o desenvolvi-mento de planejamento de marketing e propaganda, 7,2% falam de produtos de design. As demais opções são diluídas em pequenos percentuais.

Em relação ao número de clientes, 29,2% diz possuir uma carteira com volu-me entre 6 e 10. Em torno de 26% disseram ter entre 11 e 20 clientes registrados. Já 28,1% afirmaram ter uma carteira com mais de 20 clientes. Das pequenas empresas, 36,3% trabalham com mais de 20 clientes. O mesmo acontece com as grandes, já num percentual bem maior, 66,6% do total.

Quanto à representatividade financeira do principal cliente, é possível perceber uma relação de dependência significativa, 55,6% das grandes empresas afirmaram que o principal cliente representa em

17 Conselho Executivo das Normas-Padrão. Institu-ído em 1998, é uma entidade criada pelo mercado publicitário para fazer cumprir as Normas Padrão de Atividade Publicitária, documento básico que define as condutas e regras das práticas éticas e comercias entre os principais agentes da publicidade brasileira. Disponível em <http://www.cenp.com.br>.18 Disponível em <http://www.sindapro-mg.com.br/brie-fing/2006-02-24.htm.>

19 Diagnóstico do Mercado Mineiro de Propaganda. Pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro entre os meses de novembro de 2004 e fevereiro de 2005 e editada em maio de 2005. Iniciativa do SEBRAE-MG em parceria com nove entidades de classe de Minas Gerais.

setor, no sentido de promovê-los em seu ambiente organizacional e institucional.

3. O mercado publicitá-rio mineiro e suas contri-buições: esforços insti-tucionais e de mercado

Ainda são tímidas, se comparadas com as ações do eixo São Paulo e Rio de Janeiro, as propostas do mercado mineiro no que diz respeito a novas posturas e ações efeti-vas que provoquem e estimulem reflexões sobre o fazer publicitário com o objetivo de profissionalizar e alavancar o setor.

Os dados do CENP17 apontam que 60% das empresas certificadas pela instituição

encontram-se na região sudeste, sabidamente o principal pólo industrial e financeiro do Brasil e que, conseqüentemente, abriga o maior número de veículos e fornecedores de comunicação. Mesmo estando nessa região privilegiada, em 2005, os investi-mentos de publicidade em Minas representaram apenas 4% dos R$ 34.469.048,0018 investidos no País. Desse total, 37% foram capitalizados pela cidade de São Paulo, 14% pela cidade do Rio de Janeiro, 8% pelo interior de

SP e o restante diluído por 8 regiões. Em uma outra sondagem feita pelo

SEBRAE19 tem-se um retrato do mercado mineiro de novembro de 2004 a fevereiro de 2005. Em um universo de 377 agências entrevistadas, pelo menos 41% não são certificadas pelo CENP. Esse dado torna-se mais expressivo quando percebe-se que 29,6% desse universo possui mais de 10 funcionários, 5,9% tem de 21 a 50 funcionários e apenas 2% possui mais de 50 funcionários. Portanto, as caracterís-ticas do universo mineiro apontam para uma realidade em que 60% das empresas de médio e grande porte possuem até 9 funcionários. Na caracterização de porte,

É responsabilidade da agência indicar os fornecedores mais com-patíveis em termos de qualidade, prazo e preço

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média de 21 a 50% do faturamento, um percentual bastante expressivo para uma empresa de grande porte. Dentre as pe-quenas, 5% afirmaram que essa relação é da ordem de mais de 80%, o que significa dizer que a ausência ou estagnação desse cliente pode implicar no fechamento da empresa. Esses clientes vêm dos setores de serviço e comércio, enquanto a indústria, representa apenas 16,4% desse universo.

Chama a atenção, no caso das grandes empresas, a divisão quase que proporcional entre os segmentos de serviços e governo, 44,4% e 55,6%, respectivamente. Em rela-ção à área de atuação, 41% das entrevistadas têm atuação em Minas e em outros estados. Desse universo, 100% no caso das grandes empresas e 72,2% no caso das médias.

O processo de informação ainda pade-ce de verbas, a pesquisa mostra que apenas 44,4% das grandes agências contratam os serviços do IBOPE (mídia). Esse percentual cai para 38,9% no caso das empresas de médio porte. Apesar de terem a Internet como fonte de informação, 38,9% das agências de médio porte ainda não possui um site ativo, o mesmo acontece com 11% das grandes empresas entrevistadas.

A comissão de veiculação continua sendo a principal forma de remuneração para as grandes empresas, nenhuma delas trabalha por resultado, o maior percentual dessa mo-dalidade de remuneração, 16,7%, aparece no grupo das empresas de médio porte.

O tempo de atuação da maioria das agências é, em média, de 10 anos para 55% das empresas entrevistadas e de cerca de 30 anos para pouco mais de 10% delas. A pesquisa mostra também que o mercado de Minas ainda não conseguiu equacionar a tríade qualida-de/preço/prazo. Permanece a cobrança por uma melhor relação custo/benefício sem, no entanto, considerar investimen-tos. Os principais desafios relatados pelos entrevistados basicamente se divi-dem entre questões de ordem financeira e cultura local. Da mesma forma, a con-

corrência desleal, a falta de fidelidade dos fornecedores e a dificuldade de se estabelecer padrões de preço demons-tram um distanciamento da classe. Os entrevistados revelam ainda a neces-sidade de maior fiscalização do setor, mais transparência e ética nas relações estabelecidas e maior investimento em linhas de crédito.

Poucos esforços são percebidos no sentido de intensificar o corporativismo na área. As duas principais entidades do setor em Minas, a AMP20 e o SINAPRO21, articulam ações e parcerias com diferentes setores da economia, como o documento Acorda Minas e o Projeto de Revitali-zação da Indústria da Comunicação. No primeiro, a ABAP se uniu a outras 17 entidades do setor no Estado, entre elas AMP e SINAPRO, e encaminhou uma carta-documento ao Governo de Minas. O documento registra números e fatos significativos sobre as particularidades do mercado mineiro com vistas a sensibi-lizar o poder público e convidá-lo a fazer um pacto para juntos promoverem uma política de comunicação estratégica para a construção da “marca Minas”. O Projeto de Revitalização da Indústria da Comuni-cação é encampado pelo SEBRAE-MG com outros 10 parceiros, entre eles a ABAP e o SINAPRO. O projeto descreve objetivos e estratégias para a profissionalização do setor e propõe um diagnóstico setorial através de pesquisa a ser realizada junto ao mercado mineiro (que até a presente data ainda não foi disponibilizada).

Fundada em 1957, a Associação Mi-neira de Propaganda – AMP – tem como

20 Associação Mineira de Propaganda. Criada em 8 de outubro de 1957 por um grupo de publicitários mineiros cujo objetivo é representar os profissionais da classe publicitária na defesa de seus interesses. Disponível em <http://www.amp-propagandamineira.com.br>.21 Sindicato das Agências de Propaganda no Estado de Minas Gerais. Entidade filiada à FENAPRO – Federação Nacional das Agências de Propaganda. Disponível em http://www.sindapro-mg.com.br

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124C o m m u n i c a r e

principais ações o prêmio Profissionais do Ano, já na sua 25ª edição, responsável por premiar os melhores trabalhos da pu-blicidade mineira e o CRIAFEST, Festival de Criação Universitária, em parceria com o Clube de Criação de Minas – CCPM –, em sua 3a edição, que premia os melhores trabalhos desenvolvidos por universitá-rios. Também o Prêmio do CCPM, em sua 8ª edição, é um outro esforço de expressão cujo objetivo é a produção do Anuário de Criação Publicitária de Minas Gerais. A premiação é reconhecida pela comuni-dade mineira e envolve profissionais de outros estados.

O capítulo mineiro da Associação Brasileira da Indústria Gráfica – ABI-

GRAF MG – e o Sindicato das Indústrias Gráficas de MG, através de parceria, lançaram, em 2005, o Prêmio Mineiro de Excelência Gráfica Cícero. Em sua segunda edição, o prêmio é uma tentativa de valorização da produção gráfica mineira e de interlocução entre agências e outros integrantes do processo de produção gráfica. O mercado conta com outras entidades que, apesar de realizarem trabalhos de governança corporativa, têm uma atuação restrita.

4. Considerações finais

Os dados sobre a publicidade mineira apontam especialmente para o modo como as agências vêm atuando e estruturando seus modelos de negócio. Tais dados indi-cam, sobretudo, que os investimentos em publicidade no Estado, o grau de profissio-nalização e as articulações institucionais são ainda incipientes, muito longe do que vem sendo praticado, em termos de movimentação de recursos, know-how e corporativismo em mercados como São Paulo e Rio de Janeiro.

Nesses mercados, observa-se que o

alto volume de recursos investidos pelos anunciantes, a exigência por qualidade dos serviços e, conseqüentemente, por profissionalismo, são simultâneos. Ou seja, um modelo peculiar de fluxo e cone-xão entre os diversos agentes envolvidos no processo da comunicação é estabeleci-do: anunciantes exigem maior qualidade e alcance dos serviços publicitários e me-lhor performance dos profissionais, que por sua vez cobram o mesmo desempenho dos outros agentes do processo, como fornecedores e veículos de comunicação. Trata-se de um fluxo em cadeia, aqui to-mado pelo modelo de estudo das cadeias produtivas, conceito norteador do objeto de reflexão da presente pesquisa.

Tomar como referencial o conceito de cadeia produtiva nos possibilita a propo-sição de um outro desenho de fluxo para o mercado mineiro: num sentido inverso, pensar que quanto maior a profissionaliza-ção, maiores os índices de qualidade dos serviços oferecidos e, conseqüentemente, as possibilidades de disputar recursos, aumentando a movimentação financeira em publicidade no Estado. Em outras palavras, adotar o modelo de cadeia produtiva como referencial de profissionalização e gestão do negócio da publicidade em Minas Gerais, por meio de fomentos institucionais, pode fazer com que o mercado torne-se, paula-tinamente, mais apto a competir em nível nacional e internacional.

Por ora, os dados mostram que o mercado de publicidade mineiro é ainda muito endógeno, pois seus agentes pensam e operam nele a partir de preocupações e demandas muito isoladas e pontuais. Essa visão mostra uma percepção da pu-blicidade muito pouco conectada às con-figurações globais dos cenários político, econômico e social da contemporaneidade que, conforme apresentado anteriormente, têm instaurado modelos de negócio cada vez mais globais.

Se por um lado os dados sobre o mer-cado publicitário mineiro parecem um

Chama a atenção, no caso das grandes empre-sas, a divisão quase pro-porcional entre segmentos de serviços e governo

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Janaina M., Letícia L., Luciana O., Vanice G. e Waldiane F.

pouco alarmantes, por outro já se pode observar pequenos esforços indicativos de uma nova preocupação: articular os diversos agentes da cadeia produtiva da publicidade, em Minas Gerais, por meio de iniciativas de governança. Ações cujo

objetivo é reunir os diversos interesses e enfoques do segmento tanto em nível corporativo, quanto em nível da cadeia produtiva, afim de, pela integração interna e externa dos agentes envolvidos, promo-ver o desenvolvimento do setor.

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Comunicação e Mercado

Walter FreoaMestre em Comunicação na Contemporaneidade

Docente e Pesquisador da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Resumo

Nesse artigo estudamos a freqüência de acesso dos jovens à internet e a influência da publicidade on-line na decisão de compra e o impacto nos diversos usos da internet. Apresentamos pesquisas realizadas que comprovam a importância da Internet no dia-a-dia dos jovens e demonstram as mudanças significativas no comportamento e no perfil dos jovens contemporâneos. Finalmente, verificamos que os jovens seguem três passos na decisão de compra e o nível de influência que cada um desses passos tem.

Palavras-chave: jovem, internet, publicidade, site, comportamento.

Abstract

In this article it is studies the access frequency of the young adults to the Internet and the influence of Advertising in the con-suming decision and the impact on the many uses of Internet. We present researches which show the importance of Internet in the daily life of the youth and demonstrate the significative changes in the behaviour and profile of the contemporary youth. Finally, we verified that the young people follow three steps in the buying decision and the level of influence that each of these steps have.

Key words: young, internet, advertising, site, behavior.

Resumen

En este artículo, estudiamos la frecuencia de acceso de los jóvenes a la internet y la influencia de la publicidad on-line en la decisión de compra y el impacto en los diversos usos de la internet. Presentamos investigaciones realizadas que comprueban la importancia de la Internet en el cotidiano de los jóvenes y demuestran los cambios significativos en el comportamiento y en el perfil de los jóvenes contemporáneos. Finalmente, verificamos que los jóvenes siguen tres pasos en la decisión de compra y el nivel de influencia que cada uno de esos pasos tiene.

Palabras clave: joven, internet, publicidad, sitio, comportamiento.

Os jovens na Web: as mudanças e o perfil do jovem contemporâneo

diante da publicidade na internet

Youth at the Web: the changes and the profile of the contemporay youth in front of Internet Advertising.

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Os jovens na Web: as mudanças e o perfil...

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publicidade na Internet está se tornando progressivamente uma área importante da publicidade

tradicional sob o ponto de vista de planeja-mento publicitário e nas campanhas de co-municação. Alguns conceitos, princípios das mídias off-line utilizados até agora não se aplicam à Internet. Princípios ligados à imagem e estratégia de marca também se aplicam à mídia tradicional, mas a criação do anúncio na Internet exige outro foco ou entendimento da mecânica da Web.

O website da empresa é uma publi-cidade na Internet. É o local para que os interessados obtenham informações sobre a empresa, os produtos e os serviços.

Atualmente, um catálogo eletrônico virtual com o maior volume possível de informações é ferra-menta obrigatória para que o cliente saiba qual decisão tomar. Os websi-tes são úteis também no posicionamento da marca e devem ser preparados especificamente para a linguagem de Internet e construídos com o ob-jetivo de agregar valor à imagem de marca da

empresa. O visual deve ser atraente para a maioria do público, incorporando uma filosofia de projeto inteiramente diferente da publicidade utilizada na propaganda tradicional. Outra preocupação deve ser com a velocidade em que a página é carregada e a velocidade de operação. A maior atenção do interessado nos sites é determinada pelo tempo de espera para se abrir uma página; em geral, o internauta desiste das páginas que se abrem lenta-mente. O site deve, portanto, ser de fácil navegação e operação.

Outro fator importante no uso de sites para a publicidade da empresa está rela-cionado ao conteúdo, ao fluxo no interior dele e à localização de cada informação.

A Normalmente, as informações mais con-sultadas ficam à frente na página princi-pal do site. O cliente e o usuário podem conversar em tempo real com a empresa e obter a resposta quase que imediatamente, remetendo-nos à interatividade.

Selecionamos apenas alguns números do Comitê Gestor da Internet no Brasil para exemplificar o crescimento e o perfil do internauta no país (figura 1).

Apesar de o crescimento da Internet ser rápido, na realidade o grande proble-ma está no acesso aos serviços de infor-mação e comunicação proporcionados pelas redes cibernéticas. Para poder se conectar à Internet é preciso dispor de uma infra-estrutura básica: linha telefôni-ca e computador, mais uma placa de rede e ainda pagamento pelos serviços de um provedor de Internet, além dos custos da linha telefônica. Não basta dispor dessas condições, é preciso dominar – no míni-mo – o manuseio do computador e dos recursos da Internet. A tendência mundial é a criação de pontos de acesso público à Internet e a realização de cursos e ofi-cinas de capacitação técnica. Podem ser viabilizadas em escolas da rede pública de ensino, bibliotecas, postos de saúde e museus, sob responsabilidade gover-namental, em parceria com empresas de telefonia e informática.

Quanto à compra verificamos que dos compradores on-line, 70% registram dados pessoais para receber e-mails sobre novos produtos ou ofertas especiais, e 68% regis-tram-se antes mesmo de realizar qualquer compra. O internauta brasileiro apresenta intensidade e variedade de uso da Internet como consulta ou compras. Na maior parte dos casos, o Brasil está entre os principais países se compararmos por categorias. A qualidade dos serviços é destaque em vários segmentos (Ex.: governo, finanças, etc.). Os varejistas brasileiros são extrema-mente criativos e agressivos no uso da In-ternet. Outros destaques na navegação do internauta brasileiro está na consulta aos

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1 Manuel Castells. A sociedade em rede: a era da infor-mação. Economia, sociedade e cultura, p.46.

comunidades e dos e-mails no percentual de tempo de uso nas audiências da Inter-net (31,80%), no caso das comunidades o tempo gasto chega a média de mais de três horas por semana. O crescimento da Inter-net como mídia é, portanto, expressivo.

As fontes culturais da Internet não podem ser reduzidas, porém, aos valores dos inovadores tecnológicos. Os primeiros usuários de redes de computadores cria-ram comunidades virtuais (...) e essas comunidades foram fontes de valores que moldaram comportamento e organização social (...), desenvolveram e difundiram formas e usos na rede: envio de men-sagens, lista de correspondência, salas de Chat, jogos para múltiplos usuários, conferências e sistema de conferência (...) essas comunidades trabalham com base em duas características fundamentais. A primeira é de valor da comunicação livre, horizontal (...), o segundo valor comparti-lhado que surge das comunidades virtuais é o que eu chamaria formação autônoma de redes1.

No caso dos jovens, o crescimento da Internet é mais evidente. Uma visão geral da análise desses números é a ne-cessidade de popularização e facilidade de acesso das pessoas de diversos níveis sociais, etários e culturais, pois não se trata apenas de fornecer infra-estrutura de acesso, mas instrumentalizar, educar, ensinar, habituar a população a se bene-ficiar com as informações que encontra na Internet. Quanto ao crescimento do mercado consumidor e do publicitário, especialmente, os profissionais estão se ajustando à maneira de planejar, comprar e vender mídia. A televisão ainda detém a principal parcela de investimento e alcan-ce de audiência em números absolutos, uma vez que ainda decorrerá tempo até que a Internet tenha o mesmo alcance e audiência da televisão. Lembramos que essa é uma questão relevante se as em-

sites do Governo, de Finanças, Notícias, e-Commerce, Computadores/Eletrônicos, Educação e Automotivos. Mas não evolu-íram nos sites de Saúde, Beleza, Turismo. Ou seja, tudo o que demanda renda ex-cedente ainda carece de investimento ou criação de hábitos de consumo.

No Brasil, não só a intensidade do uso (consideramos as horas navegadas) é elevada, mas também a variedade de visitas nas diversas espécies de sites e as atividades on-line. O internauta navega em vários sites diariamente e não se restringe a apenas um tipo específico, demonstrando curiosidade e vontade de conhecer outros assuntos. Para profissionais qualificados, a Internet é um elemento importante em seu consumo de mídia. Os profissionais liberais e executivos brasileiros navegam mais tempo que os europeus e em alguns períodos superaram os americanos, nave-gando mais de 14h/mês. Podemos notar na figura as principais atividades desenvolvi-das na Internet (figura 2).

Analisando os números apresentados, vimos que a busca de informações, através de portais de busca (Google, UOLBusca, etc.), reforça a idéia de serviço virtual, o que representa mais de 20% dos acessos à Internet. Notamos também que o perfil mais abrangente dos acessos está entre os jovens de classe AB acima de 16 anos. A Internet não apresenta somente conteúdo, mas – pela diversidade de informações – também é um canal de relacionamento entre pessoas, é um instrumento na cons-trução de identidade e visão mais global. As comunidades e os blogs são categorias que respondem por uma parcela crescente do uso da rede, principalmente entre os jovens, como vimos nos dados das pesqui-sas apresentadas. Vejamos outros números relacionados às categorias da Internet no Brasil (figura 3).

Os portais de interesse geral e os sites de busca são os principais meios utili-zados pelos internautas como audiência única de navegação. Notamos a força das

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presas pretendem usar a Internet para se comunicar de maneira unidirecional com seus clientes ou apenas usar sua Home page como catálogo eletrônico sem obje-tividade ou atualização. Precisamos, en-tretanto, ponderar que os consumidores atuais estão esperando da Internet e das empresas anunciantes algo bem diferente, querem surpresas, satisfação.

O consumidor na Internet ainda é um assunto a ser explorado e analisado, temos a princípio informações sobre o perfil do internauta, mas muitas questões deverão ser respondidas no decorrer do tempo. Como o e-commerce está apenas começando em comparação ao comércio off-line tradicional, falta, por isso, legisla-

ção adequada, profissionais específicos para comercia-lizar na Internet e agora vemos o estabelecimento de empresas mais fincadas e focadas no uso adequado desse meio.

A Internet é meio de co-municação, de interação, de informação, de negócio, de educação. Poderíamos falar muito mais sobre o comércio eletrônico, o e-mail Marke-ting, o Marketing Direto, o correio eletrônico, as lojas

virtuais. Todos são instrumentos necessá-rios para o desenvolvimento da Internet e da criação de um novo tipo de consumidor. Todavia, não é este o objetivo deste traba-lho e, portanto, restringiremo-nos a uma análise menos profunda da questão.

Caminhamos rapidamente para uma realidade cultural-tecnológica-global; respeitando a cultura local, promovendo a integração da cadeia de valores; aumen-tando produtividade, diminuindo trocas constantes de colaboradores nas empresas e criando o comprometimento voltado para resultados; tudo isso através de um entendimento amplo das bases filosóficas que compõem mudanças culturais e do

impacto que a tecnologia tem na empresa e em cada negócio em si.

O comportamento dos jovens na decisão de compra

Para os psicólogos, o adolescente está em dois mundos ao mesmo tempo, o da criança, descompromissado e pueril, e do adulto com suas pressões típicas. Portanto, falar do comportamento dos jovens não é tarefa fácil. As modificações hormo-nais aumentam os ímpetos sexuais, e o adolescente sente-se em um mundo a ser descoberto. Seu mundo social amplia-se devido a sua mobilidade juvenil, sua im-petuosidade e o convívio com colegas de classe na escola ou que venham de outras partes da comunidade2.

Um fator importante nesse estágio de amadurecimento é a turma do jovem, os colegas com quem ele se identifica, assemelhando-se em personalidade e interesses. A turma tem função crítica no apoio enquanto o jovem procura estabe-lecer seu lugar na sociedade e busca ser aceito e popular.

O grupo de companheiros, de fato, serve como um mestre para o adolescente, aju-dando-o a aprender dotes e atitudes sociais e amparando-o na adoção de padrões adultos, é capaz de adotar as modas, va-lores, crenças e manias do grupo de com-panheiros sem prévio exame, visto que, hesitante sobre o modo como alcançará uma posição adulta, o adolescente sente-se reconfortado se se comportar como os outros. De fato, preocupa-se se achar que é diferente dos demais3.

O tema central para os adolescentes pré-universitários é o sexo oposto, que domina praticamente 50% das conversas com os amigos. A maturidade sexual

Os profissionais estão se ajustando à maneira de planejar, comprar e vender mídia

2 Paul Mussen. O desenvolvimento psicológico da crian-ça, p.139.

3 Paul Mussen. Op. cit., p.141.

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Walter Freoa

4 The Changing Purchases Process (A mudança no processo de compra) –, publicada pela The DoubleClick Touchpoints Study em março de 2004. Donna Hoffman é professora de marketing na Owen School of Business at Vanderbilt University e uma das maiores especialistas do país em comércio eletrônico e marketing na Internet. Ela é co-fundadora de um instituto de pesquisa no comércio eletrônico patrocinado por empresas em Vanderbilt em 1994 e desenvolveu o primeiro curso nos EUA de MBA em comércio eletrônico em 1995.

chega mais rápido porque os jovens co-meçam seu interesse pelo sexo no início da adolescência, sendo as mulheres mais precoces que os homens. A busca da in-dependência da família é outro fator de importância que gera conflitos entre pais e filhos em questões de caráter específico. Restrições e solicitações são vistas como negativas, no entanto o jovem gosta dessa preocupação e orientação paternas, afir-mando sua importância para a família.

O ensino superior tende a ser um divisor de águas para o jovem, que sai de um mundo mais descompromissado para outro de responsabilidades e metas dife-rentes. Geralmente, o jovem perde a turma de colegas, entra em um espaço novo onde deve fazer novas amizades e encontrar um novo papel social; ele mostra à família sua intenção de independência e, em geral, recebe o apoio paterno pela carreira que escolheu. Muitas vezes, o jovem trabalha para custear o curso e por isso revê suas responsabilidades. Suas metas tendem a ser de maior prazo e de mais conseqüência para sua vida futura. Enfrentar esse divisor cria no jovem confusão e desorientação, empurrando-o para palestras de orienta-ções profissionais, conversas com amigos e professores e visitas às instituições de ensino. Toda essa análise a respeito do comportamento do jovem ajuda-nos a compreender o porquê do crescimento das comunidades virtuais, como já estudamos anteriormente. Analisemos algumas pes-quisas para esclarecer esses aspectos.

Pesquisa 1: A mudança no processo de compra

Para estudar a idéia do comportamento dos jovens na decisão e sua percepção diante da publicidade na Internet, vamos apresentar a pesquisa realizada por Donna Hoffmann4. O objetivo da pesquisa é de-monstrar quais fatores de marketing têm maior influência na decisão do consumi-dor de comprar um produto, revelando

uma compra contínua baseada na adoção de mídia interativa. Enquanto a mídia off-line cria consciência do produto, o marketing on-line tem impacto no apren-dizado e na decisão dentro do processo de compra.

O estudo procura entender como o pro-cesso de compra mudou nos últimos dois anos (2002 e 2003). A primeira pesquisa foi realizada em 2002, perguntando quais foram as compras de bens de consumo nos últimos seis meses (remédios, cosméticos, seguros, etc.). O estudo dividiu o processo de compra em três fases: aprendizado (consciência), aprendizado adicional (pes-quisa e reunião de informações) e decisão de compra. Enquanto a TV domina cinco das dez categorias como mídia mais im-pactante na etapa de consciência, algumas categorias são influenciadas, nessa fase, por outros meios: turismo por sites de tu-rismo, bancos por mala-direta, utensílios para o lar por impressos e folhetos. A TV decai ao longo dos anos em categorias como filmes, eletrônicos e carros.

O estudo foi realizado pela segunda vez em dezembro de 2003, com 2.000 questio-nários com o mínimo de 200 pessoas por categoria de produtos. Acrescentaram-se as categorias de cuidados com a casa, e casa e lar. Analisou-se o novo papel do “vendedor” e do boca-a-boca. A mídia-chave que influencia o processo de com-pra varia a cada categoria, com TV, mídia impressa, marketing on-line (publicidade on-line, buscadores e e-mail marketing) desempenhando papel diferente no pro-cesso de compra. O papel dos websites e

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marketing on-line é significante nas fases de conhecimento adicional e na decisão de compra com exceção de bens mais co-muns, como utensílios domésticos, para o qual a influência da TV e de impressos é expressiva. O boca-a-boca vem da família e dos amigos, exceto para filmes (que têm maior impacto dos amigos) e investimen-tos (em que o maior impacto vem dos colegas de trabalho).

O marketing nas ferramentas de busca (Google, Yahoo) aumenta o impacto e varia muito por categoria. É um fator importante nas categorias de compra mais complexas ou para introduzir novos produtos, como eletrodomésticos. O e-mail marketing atingiu grande penetração em viagens,

bancos e investimentos, e mostrou ter grande potencial para automóveis, utensílios para o lar e eletrônicos. Quanto mais cresce o uso da Internet, menor é o impacto do vendedor. Dos entrevista-dos, 40% disseram que sua confiança em qualquer tipo de intermediário diminuiu. Não há nada que cause mais impacto que o boca-a-boca ou ver o produto na vitrina de uma loja. Na fase de co-nhecimento, o boca-a-boca

é o principal impacto nos produtos para o lar, carros, telecomunicações, bancos e investimentos. Olhar a vitrina tem impacto especial para eletrônicos, produtos para o lar e telecomunicações.

Na 1ª fase, a mídia (o conhecimento inicial) é importante, e as fontes variam a cada categoria. Na fase 2 (conhecimen-to adicional), os websites de produtos, marcas ou empresas dominam seis das dez categorias. A 3ª (decisão de compra) é dominada pelos websites. Impressos são ideais para produtos de cuidados pessoais ou do lar, e a TV, na questão de filmes e telecomunicações. Já que os websites são tão importantes nas 2ª e 3ª fases do pro-

cesso de compra, o problema reside em como levar os consumidores até os sites. O uso de buscadores aumenta ao longo dos anos (38%). O segundo método é “chutar o endereço”, mas seu uso diminui a cada ano. Segundo a pesquisa, a publicidade na Internet tem mais impacto que impressos ou anúncios na TV.

Em categorias nas quais as marcas são pouco conhecidas, os buscadores são utilizados por 53% das pessoas (exem-plo: remédios). Já em relação às marcas conhecidas, há empate entre o uso de buscadores e “chutar o endereço”. E-mails marketing são mais utilizados por aqueles que visitam sites das empresas e procuram mais informações, 54% dos que visitaram o site da empresa pediram mais informa-ções (32% por e-mail e 6% por carta), os demais por telefone. Se analisarmos o grau de influência da mídia na decisão de compra, notaremos que os websites tiveram a maior influência, logo após o boca-a-boca e olhar a vitrine. Assim, fica claro que a Internet tem maior impacto que qualquer outra mídia na decisão do processo de compra.

As compras on-line aumentaram de 68% para 86%. A revolução de informa-ções da Internet necessita agora de uma mudança de abordagem. O meio on-line deu poder aos consumidores, além de constante informação que abastece a decisão de compra. A antiga cadeia pela qual todos os consumidores podiam ser profundamente influenciados por meio da transmissão em massa e da mídia im-pressa está abalada com os dados dessa pesquisa, segundo Hoffmann. O consumi-dor é o mesmo, embora use a Internet ou outra mídia. Ela recomenda: desenvolva estratégias que utilizem as capacidades de cada meio. Os profissionais de marke-ting precisam entender o ciclo de vida do consumidor e usar o meio mais apropriado para inserir o consumidor no “funil de compra”. Transformar as informações dos consumidores em conhecimento é

O ensino superior tende a ser um divisor de águas para o jovem

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5 “The Internet’s Role in the Modern Purchase Process” (O papel da Internet no moderno processo de compra) foi publicada pela The DoubleClick Touchpoints Study em julho de 2005.

importante para conseguir positivamente o incremento das vendas e manter longa relação de fidelidade do cliente.

Pesquisa 2: O papel da internet no moderno processo de compra

Donna Hoffmann5, no terceiro ano de pesquisa, continua o escopo de mostrar a influência da mídia on-line em cada etapa do processo de compra. O objetivo da série de estudos DoubleClick Touch-points é atingir maior compreensão de como os consumidores decidem comprar produtos e serviços e como a Internet tem modificado tal processo decisório. A metodologia utilizada é a mesma desde o primeiro estudo, realizado em 2002. A partir de uma pesquisa na web, pergunta-se a 2.110 pessoas americanas com mais de 18 anos sobre suas compras nos seis meses anteriores.

A pesquisa foca-se nas três fases do processo de compra: conhecimento ini-cial, informações adicionais e decisão de compra. Para cada uma dessas fases, os consumidores indicaram quais fatores, dentre os 14 arrolados, mais influenciaram o conhecimento inicial, as considerações e a decisão de compra. Por último, os consumidores ponderaram os fatores (touchpoints) relativos a cada categoria para um impacto global na decisão final de compra. A Internet desempenha papel vital no processo de decisão de compra para praticamente todas as categorias. Websites oficiais das empresas estão entre os quatro fatores mais influentes em oito de dez produtos e serviços na fase das informações adicionais, que foi melhor do que qualquer outro fator nessa etapa.

Mesmo com relação à TV e aos anún-cios impressos, a Internet demonstra grande força para influenciar o processo de compra. Os entrevistados citaram os sites como aspecto mais importante do que a TV na decisão de compra em sete das

dez categorias. Web marketing (publici-dade on-line e e-mail marketing) também influenciou mais que a TV em três cate-gorias (viagens, bancos e investimentos). Embora não sejam citados entre as fontes do conhecimento inicial, os sites das em-presas são primordiais quando se trata dos consumidores querendo saber mais dos produtos de que ouviram falar.

Em oito de dez categorias, os entrevis-tados citaram os sites oficiais das empresas entre os quatro mais utilizados na fase de informações adicionais, ficando à frente do vendedor ou de ferramentas de busca (Google, Yahoo, etc.) na busca por infor-mações confiáveis. Para encontrar os sites oficiais o internauta normalmente apela para ferramentas de busca ou “chuta” o endereço, numa proporção de 2:1 res-pectivamente. Comparado com a TV e os anúncios impressos, os sites e o marketing on-line são fortes influenciadores de com-pra. Principalmente em categorias como viagens (46%), carros (27%), telefonia (22%), bancos e investimentos (21%). O web marketing (anúncios on-line e e-mail marketing) excedeu a TV em três categorias (viagem, banco e investimentos). No caso de telefonia, web marketing e TV empata-ram como fatores que mais influenciam a compra com percentual de 3%.

A TV, por outro lado, mostrou seu maior impacto nos filmes (26%). Os com-pradores de produtos de cuidado pessoal e com o lar também citaram os anúncios de TV como mais influenciadores (10%). Anúncios impressos tiveram maior impac-to nos compradores de produtos de cuida-dos pessoais/lar; 20% citaram esse tipo de mídia como principal. Os compradores de eletrônicos foram os segundos mais influenciados por anúncios impressos (8%). Entretanto, 15% dos consumidores

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de eletrônicos citaram websites como as-pecto importante na decisão de compra. Portanto, como canal de mídia cumulati-vo, o impacto da Internet na decisão de compra fica óbvio.

Individualmente, os canais de marke-ting on-line, como web anúncios, buscado-res e até sites, excedem a importância do vendedor, do boca-a-boca, das promoções na loja e da TV em algumas categorias. Mas quando todos os canais on-line são combinados, a composição de mídia da Internet supera a importância dos demais veículos de marketing em quase todas as categorias. Em nenhum lugar isso é mais evidente do que nas viagens. Daqueles que viajaram nos últimos seis meses, 67% cita-

ram algum canal da Internet como a forma com que fica-ram sabendo (conhecimento inicial) de alguma promoção ou do preço da passagem. Em outras categorias, algum veículo (site ou canal) da Internet foi o fator que mais influenciou: investimentos (34%), carros (31%), bancos (29%) e telefonia (27%).

O boca-a-boca é o fator singular de maior influência, sendo fator crítico que vem à mente dos consumidores

o que seus amigos falam sobre o produto. Relaciona-se com a experiência de ser “dono-da-coisa”. Se um amigo possuir a coisa por meses e a endossar, dificilmente outra mídia terá mais credibilidade que suas impressões do produto. Nenhum outro fator apareceu nas listas dos quatro mais (nove de dez) do que o boca-a-boca para o conhecimento inicial ou a influên-cia acima de todas as demais. O ver-para-crer, após o boca-a-boca, foi o mais citado, ou seja, ver o item na loja (ou equivalente). Em oito de dez categorias, os entrevistados responderam ver o produto na loja; assim, para o conhecimento inicial, esse é o fator mais impactante. Ele foi o mais destacado

no consumo de eletrônicos, melhorias para o lar e produtos para cuidado pessoal/lar, nos quais “vê-lo numa loja” foi o topo da lista para o conhecimento inicial e funda-mental influência na compra.

A conclusão da pesquisa demonstra que os consumidores levam os sites ofi-ciais das empresas bem a sério no seu desejo de aprender mais sobre os produtos que pensam em comprar. As empresas de-vem, portanto, investir em tornar os sites tão ricos (esteticamente, de informações e de fácil navegabilidade) quanto possível para antecipar todos os tipos de questões. Contudo, eles não devem ser ilhas, pois os consumidores precisam de um leque de veículos para descobrir os sites oficiais em primeiro lugar. Os consumidores reconhe-cem o poder da publicidade na Internet. Os setores nos quais a Internet têm maior influência são os que mais gastam com a publicidade na rede. Portanto, nos setores em que o impacto da Internet é menor, não significa que a Internet não funcione, mas indica que eles não anunciam o suficien-te para que os consumidores possam ser influenciados.

Verificou-se também que todos os rumores envolvendo o boca-a-boca são justificados, uma vez que os consumidores dependem dele como fundamental fator na decisão de compra. Concluiu-se que uma pequena parcela da população acaba por influenciar os demais. O marketing deve influenciar os “hiper-influenciadores”, que utilizam todo o tipo de mídia, incluin-do websites, e-mails e web blogs.

Pesquisa 3: Dossiê Universo Jovem

As duas pesquisas anteriores demons-traram um perfil de consumidor influen-ciável pela Internet e pela publicidade on-line, agora vamos conhecer melhor o comportamento do jovem brasileiro, tomando como base uma pesquisa reali-zada, planejada e desenvolvida pela MTV

Para encontrar os sites oficiais o internauta normalmente apela para ferramentas de busca ou “chuta” o endereço

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6 Blog: começou no Brasil por volta do início do ano 2000. A palavra é uma contração entre web (página na Internet) e log (diário de bordo). Por isso, o uso da expressão “diário íntimo na Internet” para substituir o termo blog.

comentados, como câmera digital (53% na classe A), videogame é considerado lazer em casa (52%), chegando a 64% na faixa dos 15 aos 17 anos.

Na pesquisa, os jovens opinaram a respeito de política, da economia, da vida, da família, de drogas, de religião, de cultura, da mídia e da Internet com seus blogs, fotologs, Orkut, etc. A pesquisa destacou um ponto preocupante: o espaço que as drogas ganharam no universo dos jovens. Eles participam e se divertem em festas regadas a bebidas, medicamentos e drogas, com diferentes tribos da moda. A comunicação entre os jovens definitiva-mente ganhou novas linguagens, canais alternativos específicos, e hoje é possível selecionar e usar o canal perfeito de acordo com o que se quer dizer, como se quer di-zer, para quem se quer dizer e em que tem-po se quer dizer: a comunicação na era da tecnologia. A tecnologia da comunicação trouxe a eficiência com a diversidade de meios e a possibilidade de maior adequa-ção ao espírito, à intenção do emissor, ao conteúdo, ao tom da mensagem e ao grau de envolvimento com o receptor.

A tecnologia abriu espaços, e comu-nicar-se ficou mais fácil, mais seguro, mais rápido. Com isso, a comunicação ganhou flexibilidade e freqüência. Além dos celulares, a Internet foi o forte fator de mudança no cenário da comunicação entre os jovens. A Internet mudou para melhor a forma de se relacionar com os amigos (51%), e o jovem fica mais à vontade para dizer determinadas coisas pela Internet (51%), muitas vezes ele se relaciona com pessoas apenas pela Inter-net (50%), com ela, os jovens passaram a falar mais com os amigos (39%). Os blogs6 e fotologs foram muito citados, devido à associação ao diário na Internet, que

Brasil. O estudo é um projeto conhecido como Dossiê Universo Jovem, realizado em três etapas, a primeira em 1999, a segunda em 2000 e essa – que utilizare-mos – em 2004. O objetivo específico da pesquisa da MTV é detectar tendências, entender comportamentos, apreender no-vos significados e traduzir em posturas as atitudes do jovem brasileiro, revisitando seu universo. A intenção era captar o tem-po, entender como e em que direção está caminhando a diversidade e os fatos do contexto que impulsionam as mudanças entre os jovens.

A metodologia utilizada foi a aplicação de um questionário de autopreenchimento, seguida da aplicação de questionário tra-dicional. Em seguida, na fase qualitativa, os jovens foram divididos em 19 grupos, sendo realizadas 50 entrevistas em pro-fundidade com homens e mulheres, de 15 a 30 anos, das classes A, B e C. Na fase quantitativa foram entrevistados 2.359 jo-vens do mesmo perfil. O perfil da amostra apresentou um universo, em média, de 23 anos, 6% da classe A, 36% pertencentes à classe B e 58% à classe C. O perfil repre-senta 51 milhões de pessoas, sendo 23% casados ou amasiados. A maioria acredita em Deus (63%), 50% estuda e 57% traba-lha, 83% se considera feliz.

Na classe A, 94% tem computador em casa, a classe C teve aumento de 7% em 1999 para 24% em 2004. A posse do computador (46%), do discman (35%), da câmera digital (24%), do MP3 (12%) e da webcam (7%) aumenta inversamente à idade: quanto menor a idade, maior os índices de posse. Os jovens entre 15 e 17 anos são os consumidores mais poderosos: respectivamente, 52%, 41%, 29%, 16% e 11%. O acesso regular à Internet foi de 15% a 66%. O acesso à Internet é ainda maior na faixa de 15 a 17 anos (76%), entre os homens (70%), na classe A (96%) e grau superior (94%). Importante destacar que a maioria da classe já mantém acesso regular à Internet: 53%. Outros itens foram muito

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assume o pecado da vaidade no escrito ín-timo. A noção do íntimo aparece porque muitos blogueiros vão tratar nesse espaço de questões pessoais, que pertencem ao campo da intimidade.

Orkut é o clube fechado mais aberto do mundo. Trata-se de um site que disponibi-liza espaço para a criação de comunidades virtuais sobre qualquer assunto. O usuário – que só pode se cadastrar ao ser convida-do por alguém já cadastrado – pode criar quantas comunidades desejar e usar o espaço para reencontrar amigos antigos, fazer novos contatos, trocar idéias, usá-lo como um mural onde é possível deixar recados com direito a emoticons (ícones animados) e declarações. A velocidade

com que o Orkut aconteceu entre os jovens surpreendeu a eles mesmos. Definido como espaço para reencon-trar e conhecer pessoas, dis-cutir assuntos de interesse comum, no final prevalece o consenso entre os usuá-rios mais habituais de que se trata essencialmente de exposição da vida pessoal e, portanto, uma chance de espiar e acompanhar os passos da vida alheia, expor a própria e checar sua popu-

laridade. Entre os jovens, 48% conhecem o Orkut, 72% na classe A.

Instant Messenger é um programa que permite a conversa on-line, em tempo real, simultaneamente com diversas pessoas. É mais rápido do que o e-mail, mais discreto do que uma chamada telefônica. A maioria das conversas acontece através de textos, nos quais a escrita ganhou novos formatos: abreviações; sumiço dos acentos (o H en-trou no lugar); CH foi trocado por X; Ç por SS, visando a eliminação ao máximo de letras. Isso tudo para agilizar a conversa. O Instant Messenger permite opções além do texto ou combinadas com ele: voz, vídeos, troca de arquivos, diferentes fundos de

tela, fotos, etc. É conhecido por 71% da amostra, em que predominam os jovens de 15 a 17 anos (77% deles conhecem e 54 % já possuem).

E-mail é o correio eletrônico de acesso seguro e fácil, por meio do qual a comu-nicação se estabelece numa linguagem mais formal que a dos demais recursos disponíveis atualmente. Possibilita um contato menos invasivo, a comunicação se dá possibilitando mais tempo para o emissor pensar e elaborar com cuidado a mensagem, e o destinatário fica à vontade para responder e ponderar em seu tempo livre. Ganha relevância para marcar en-contros, agendar reuniões de trabalho ou de faculdade, envio de arquivos e fotos. Dos entrevistados, 84% enviam e recebem e-mails habitualmente.

A pesquisa apresentou uma análise multivariada das atitudes, dos valores e do comportamento dos jovens, propondo a existência de diferentes perfis: 1. pes-soas antenadas com o tempo (modernos, liberais e liberados a novas experiências); 2. novas posturas (politicamente correto, comportamento pouco arrojado e com mais conteúdo); 3. sonhador e lutando contra a base (sentindo-se mais ou menos feliz, considera a tecnologia como um ini-migo); 4. vivendo intensamente (vaidoso, ambicioso intensificando a busca pela di-versão); 5. arranhados pela vida (descobre que nem todos os planos dão certo, a falta de condições financeiras é preponderante nesse perfil); 6. solidário (consciente, con-servador e mais moralista).

A conclusão da pesquisa demonstrou que a identidade do mundo adulto está mudando, está perdendo contornos diante dos olhos de jovens que vêem pais e mães estressados pelo trabalho serem felizes quando se comportam como jovens. O ambiente doméstico aumenta a consoli-dação do espaço privado dentro de casa, passando a haver desencontro de horários e interesses entre os familiares. A tecno-logia é também grande contribuinte para

A tecnologia abriu espaços, e comunicar-se ficou mais fácil, mais seguro, mais rápido

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7 (MTV, 2004, p.57-9)

a existência de mundos cada vez mais particulares. A Internet de alta velocidade aumentou a oferta de serviços de entrete-nimento voltados para o indivíduo. O in-dividualismo manifestou-se também nos relacionamentos afetivos. A comunicação intensificou-se, ganhou nova roupagem. A Internet superou os questionamentos sobre ser responsável pelo isolamento dos jovens, passando a ser um de seus meios de comunicação preferidos, inten-sificando também essa comunicação. A Internet conectou diferenças, possibilitou aproximações improváveis, criou alter-nativas de comunicação mais seguras e mais rápidas, além de ter abrigado novos códigos de linguagem.

O jovem no processo de compra

Este artigo apresentou uma análise de números e pesquisas que nos ajudam a en-tender o comportamento do consumidor, especialmente o jovem diante da Internet como meio decisor de compra. O jovem para tomar decisões necessita do aval de seus colegas ou de informações suficien-tes, as quais são encontradas de várias maneiras, sendo as principais destacadas a influência de amigos, o boca-a-boca e a Internet, seja utilizando sites de busca ou das empresas.

Analisamos três pesquisas (The Chan-ging Purchases Process, The Internet’s Role in the Modern Purchase Process, Dossiê Jovem MTV) que nos permitiram traçar perfis de comportamento diante da tecnologia da comunicação, servindo de base em nossa pesquisa. Nos últimos anos, aumentaram as opções de mídia e comunicação à disposição das crianças e dos jovens. Comparativamente às al-ternativas de mídia disponíveis para os jovens das classes A e B especialmente nesse início do século XXI, a Internet é

determinante para o comportamento mais independente e questionador. As novas tecnologias foram adotadas rapidamente pelos mais jovens, e conseqüentemente a Internet é o meio mais adequado ao perfil desse público.

A Internet mudou muita coisa na comunicação e no comportamento do jovem, tornou-se ferramenta do cotidiano. Antes questionada quanto ao isolamento dos jovens, a Internet se transformou no meio preferido para intensificar a comu-nicação entre eles. A Internet conectou diferenças, aproximou pessoas imprová-veis, criou alternativas de comunicação e novos códigos de linguagem7. A geração nascida nos anos 70 cresceu predomi-nantemente nos centros urbanos sem a presença da mãe, inserida no mercado de trabalho, e educada pela TV, numa atitude passiva e contemplativa.

Os jovens de hoje também passam boa parte do tempo isolados, nos seus quartos. Com a Internet, o centro do mundo dessa geração e o hábito do entretenimento ele-trônico passaram a ser interativos e nada solitários. O jovem pode participar de um jogo virtual com um amigo conectado do outro lado do mundo ou se comunicar com a namorada por e-mail. Esse volume de informação tornou o jovem mais ante-nado com o mundo e exigente quanto às decisões de sua vida, incluindo educação e compras de produtos. O jovem está atento a tudo que se passa a seu redor, apesar de distante do mundo político e social. O jovem universitário brasileiro se informa, pesquisa e compra pela Internet. Ele inicialmente percebe a mensagem publicitária on-line e depois interage, in-formando-se e buscando mais dados; e no papel de decisão, essa interação faz parte no moderno processo de compra.

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Os jovens na Web: as mudanças e o perfil...

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Figura 1: Perfil do internauta e atividades realizadas

Pessoas com 16 anos ou mais, com acesso de qualquer local* Fonte: GNETT - IBOPE//NetRatings

Usuários 2º Tri. 2005 3º Tri. 2005

SexoMasculino 58% 57%

Feminino 46% 46%

Faixa etária

De 16 a 24 anos 74% 75%

De 25 a 34 anos 56% 57%

De 35 a 39 anos 51% 52%

De 50 a 64 anos 33% 31%

Acima de 65 anos 14% 14%

Escolaridade

Até 2º grau completo 27% 29%

Superior incompleto 62% 62%

Superior completo 91% 90%

Atividades**

E-mail 73% 73%

Chat 32% 32%

Mensagem instantânea 42% 43%

Conteúdo audiovisual 30% 30%

Ouviu rádio via Web 33% 33%

Total 32 Milhões 32,1 MilhõesPercentuais sobre o total da população com 16 anos ou mais que mora em domicílios com linhas telefônicas fixas.** Percentuais sobre o total da população com 16 anos ou mais que mora em domicílios com linhas telefônicas fixas, e que utilizaram a rede nos últimos 6 meses. Fonte: http://www.nic.br/indicadores/usuarios/rel-int-01.htm.

Figura 2: Atividades desenvolvidas na internet*

Percentual sobre o total da população. Fonte: IPSOS

* Base: 8.540 domicílios entrevistados

Banking compra de bens e serviços

Interação com autorida-des Públicas

Treinamento e Educação

Comunicação

Busca de Informações e Serviços Online

4,32%

6,89%

13,78%

19,94%

20,31%

0 5% 10% 15% 20% 25% 30%

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139Volume 6 - Nº 2 - 2º sem. 2006

Walter Freoa

Figura 3: Principais categorias e subcategorias da internet domiciliar no Brasil – 1º trimestre 2005

Categoria/Subcategoria Audiência Única (000)Tempo por Pessoa

(hh:mm:ss)% do tempo total

de uso da Web

Comunidades 9.379 03:32:41 20,50%

E-mail 9.815 01:51:50 11,30%

Portais de Interesse Geral 11.575 01:28:42 10,50%

Bancos/Inst. de Crédito 5.631 01:46:46 6,20%

Ferramentas de Busca 10.002 00:45:52 4,70%

Jogos Online 4.267 01:31:04 4,00%

Entretenimento Multi-categoria

7.194 00:49:59 3,70%

Governo 6.567 00:43:51 3,00%

Fotografia 4.615 00:55:26 2,60%

Eventos Correntes e Notícias Globais

6.513 00:32:37 2,20%

Fonte: Broadband Report – IBOPE/NetRatings – Audiência Domiciliar Semanal

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Resenhas

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Resenhas

Débora Marie TamayoseMestre em Educação pela UMESP

Docente da Faculdade Cásper Lí[email protected]

A comunicação e a televisão: uma análise crítica

LIMA, Venício Artur de; CAPPARELLI, Sérgio. Comunicação e televisão: desafios da pós-globalização.

São Paulo: Hacker, 2004.

m Comunicação e televisão: desafios da pós-globalização, os autores – Sérgio Capparelli

e Venício A. de Lima – discutem as influ-ências da globalização no processo de co-municação e analisam, mais detidamente, a televisão no Brasil com base na economia política crítica.

A corrida tecnológica, mais acentuada a partir das décadas de 80 e 90, deu origem à revolução digital, o que possibilitou que várias formas de transmitir informações convergissem para uma única tecnologia: a digital, favorecendo a formação de redes digitais integradas de usos múltiplos e satélites.

Os autores prognosticam que “essa convergência tecnológica, se e quando ple-namente realizada, dissolverá as fronteiras entre as tecnologias das telecomunicações,

E da comunicação de massa e da informática, ou entre o telefone, a televisão e o compu-tador” (p. 17).

Uma das principais características do início da globalização foi o surgimento de mega-empresas internacionais, que se transformam em global players e influen-ciam e interferem na formulação de polí-ticas públicas de comunicações, nacional ou internacionalmente. Essas organizações – por meio de aquisições, fusões ou joint ventures – passaram a formar grandes grupos atuantes em praticamente todas as áreas que envolvem a comunicação, concentrando as indústrias cinematográ-fica, fonográfica, radiofônica e televisiva, a internet, a telefonia e a imprensa.

No Brasil, a situação não poderia ser diferente, já que se trata de uma tendên-

cia mundial. No entanto, aqui há outras

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A comunicação e a televisão: uma análise crítica

peculiaridades, como a propriedade dos canais de TV e rádio. Os proprietários podem ser classificados em três grandes grupos: empresas familiares, elite política e grupos religiosos.

Devido ao fato de durante mais de 50 anos as Constituições brasileiras res-tringirem a pessoas jurídicas, sociedades anônimas e estrangeiros a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão, houve o controle histórico do setor por pessoas físicas, ou seja, por empresas fa-miliares. Tal situação só muda a partir de 2002, com a permissão de participação de pessoas jurídicas no capital social das em-presas em até 30%, através da lei 10.610, de 20 de dezembro.

Assim, ainda hoje, uns poucos grupos familiares controlam a radiodifusão e a televisão: família Marinho (Globo); família Saad (Bandeirantes); família Abravanel (SBT), apenas em nível nacional. Além delas, há também aquelas famílias que controlam as TVs e rádios regionais, como família Sirotsky (RBS); família Daou (TV Amazonas); família Jereissati (TV Verdes Mares); família Zahran (MT e MS) e família Câmara (TV Anhaguera), sendo todas estas afiliadas das Organizações Globo. Vale citar ainda grandes grupos que atuam em mídia impressa: Civita (Abril); Mesquista (Grupo OESP); Frias (Grupo Folha) e Levy (Gazeta Mercantil).

Outras concessões foram feitas a po-líticos. Dessa forma, uma em cada quatro concessões comerciais de emissoras de televisão no Brasil pertence a políticos. Ou seja, de 250 concessões de TVs comerciais no Brasil, 60 estão nas mãos de políticos, desconsiderando para tal estimativa as retransmissoras e as TVs educativas. Estes dados indicam a força da comunicação, promovendo a disseminação do discurso e do posicionamento político de interesse.

Há ainda os grupos religiosos, como a Igreja Universal do Reino de Deus (Record) e a Igreja Católica (Rede Vida). Neste caso, é importante observar que este segmento

também está intrinsecamente ligado a interesses políticos, visto que se trata de uma das bancadas que mais crescem no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas dos Estados e Câmaras de Vereadores dos municípios.

Apesar da influência da globaliza-ção, não houve mudanças significativas de fato, mas apenas a continuidade da-quilo que já se vinha observando com o histórico monopólio das comunicações, que deixa de atender às aspirações da sociedade sem voz nos meios.

Desde o início, a Rede Globo serviu aos interesses políticos da situação – pas-sando pela ditadura militar até chegar à sociedade democrática –, sendo vitrine para novos governantes, o que a tornou sempre intocada em seus privilégios. Tal fato leva a concluir que, antes de posicionamento em benefício de seus consumidores, ela atendeu a seus pró-prios interesses de manutenção do poder advindo de seu alcance.

Cabe ainda ressaltar que, como líder absoluta de audiência na TV aberta, a Rede Globo detém a maior fatia do investimento publicitário no Brasil, além de exportar seus produtos voltados ao entretenimento, como minissérie, novelas, etc., para diver-sos países do planeta, o que a transformou em padrão de qualidade, sendo hoje a grande influenciadora do segmento.

Atualmente, a Rede Record mostra sinais claros dessa influência, pois, após alto investimento e mudanças na grade de programação, apresenta produções com qualidade semelhante à da concorrente, tendo inclusive contratado ex-funcioná-rios da Globo, tanto da equipe técnica quanto artistas. Isso sinaliza uma tendên-cia à homogeneização na programação também da TV aberta, ditada, sobretudo, pela Rede Globo.

Ora, sendo a televisão pertencente a determinados segmentos da sociedade – algumas famílias, a elite política e grupos religiosos – e sendo ela um dos

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Débora Marie Tamayose

maiores disseminadores de informações e ideologias dos veículos de massa, cabe perguntar qual é o papel dos excluídos de participação nela. Assim, o restante da sociedade continua apenas espectadora diante daquilo que são os interesses dos detentores do poder.

Com a discussão atual dos impactos que serão causados com a TV digital,

toda a sociedade está às voltas com o que pode vir em decorrência do mode-lo adotado. No entanto, questões mais urgentes ainda estão sem respostas, como o monopólio dos meios e, mais do que isso, das informações. Portanto, é necessária, antes, a participação efe-tiva da sociedade na decisão do que é melhor para si.

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A comunicação e a televisão: uma análise crítica

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Volume 6 - Nº 2 - 2º sem. 2006

Resenhas

Luís Mauro Sá MartinoDoutor em Ciências Sociais pela PUC-SP

Docente da Faculdade Cásper Lí[email protected]

A poética da realidade da mídia LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de

comunicação. São Paulo: Paulus, 2005.

quilo que sabemos sobre nossa realidade, ou sobre o mundo no qual vivemos, o sabemos pelos

meios de comunicação”. A partir dessa afirmação, feita na página 15 de A realidade dos meios de comunicação, o pesquisador alemão Niklas Luhmann desenvolve uma elaborada trama de teorias, conceitos e exemplos concretos. O título é, em si, po-lissêmico. A “realidade” em questão não é apenas a dos meios de comunicação, mas também a realidade social criada por eles. Essa ambivalência é utilizada pelo autor para desenvolver um amplo estudo da produção e da distribuição das mensagens comunicativas na sociedade. Luhmann tra-balha a partir de uma perspectiva sistêmica – já elaborada em uma de suas obras prin-cipais, Social Systems, de 1984 – na qual a comunicação ocupa o lugar primordial.

“A Trata-se mais de uma obrigação lógica do que uma perspectiva teórica. Em um sistema, a relação entre seus componen-tes é um elemento dos mais importantes na medida em que define como será essa interação. Quando se pensa que toda relação é, fundamentalmente, um tipo definido de comunicação, pode-se ter uma idéia da sua importância na teoria social de Luhmann. Em A realidade dos meios de comunicação Luhmann explora as diversas formas e possibili-dades dessa relação entre os elementos do sistema social – sem perder de vista, é claro, que a própria mídia é também um sistema. O sentido de “meios” em Luhmann é amplo, incluindo da mídia eletrônica à interação humana. No entanto, no livro, o foco principal é dedicado aos meios de massa.

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A poética da realidade da mídia

A realidade social é construída na comunicação. Essa relação é uma imensa produção e troca de mensagens. Assim, para Luhmann, o cotidiano é uma enorme trama de sentidos e significações cons-tantemente em circulação, produzidos e trocados a partir de cada indivíduo. Essas mensagens são uma produção dos meios, mas ao mesmo tempo o envolvem. Os meios de comunicação, nas três modali-dades apontadas pelo autor – Jornalismo, Publicidade, Entretenimento – trabalha os signos recebidos e os devolve à trama social, sendo ao mesmo tempo sujeito e ob-jeto do processo de criação da realidade.

Tendo na linguagem sua matéria-pri-ma, os meios de comunicação de massa são instâncias mediadoras por excelência da realidade social, em uma redefinição contínua da constelação de conhecimentos potenciais e sua atualização. A notícia é o re-trato do senso comum, das práticas e idéias presentes no circuito social, a forma de conhecimento mais próxima do cotidiano, estabelecendo uma relação de causalidade dialética entre o público e o publicado. Como exemplo, Luhmann usa o caso do ministro Rubens Ricupero. Em 1994, uma entrevista do ministro, na qual admitia selecionar as informações para a mídia, foi captada por algumas antenas parabólicas de televisão. O “Caso da Parabólica”, como ficou conhecido, é utilizado por Luhmann para exemplificar o procedimento.

Para o profissional de comunicação, narrar significa relatar um fato, desenvol-ver uma narrativa minimamente coerente que contemple um começo, um desenvol-vimento de acordo com regras estilísticas – a chamada “pirâmide invertida” – e um fim, envolvido em uma série de fatos anteriores. Toda história tem um começo, um meio e um fim. E, sobretudo, tem um sentido, uma moral. Dessa forma, o uso dos meios de comunicação para a veicula-ção de discursos específicos representa a combinação de instâncias de socialização e de construção de universos simbólicos

que pautariam a ótica que terá o leitor-re-ceptor da realidade, conforme mostra na elaboração de critérios para seleção de notícias, nas páginas 59 à 63.

Luhmann não perde de vista que os produtos de comunicação são criados em organizações complexas, originárias de contextos sociais diversos e produzidos coletivamente por profissionais treina-dos para trabalhar com informação. O profissional de comunicação, como outro qualquer, transforma sua matéria-prima – a informação em estado bruto – em um pro-duto adequado a um determinado público. Esse produto final pode ser uma notícia, um filme, uma telenovela, um comercial de televisão. A objetividade aparente da informação é, por si só, um instrumento de legitimação de todo o processo de co-dificação. Ao ler o jornal, o público pode imaginar-se face a um retrato da realidade, sem distorções ou manipulações.

Nesse particular, Niklas Luhmann estabelece que os meios de comunicação, como instituições sociais, de certa maneira condiciona a obrigatoriedade de acatar as escolhas alheias como critério de ação social. Assim, para que o indivíduo possa compreender o que o circunda, é preciso que se opere uma seleção e organização dos símbolos do mundo real e uma re-dução da complexidade social. Há três operadores do campo da comunicação nessa trama: o jornalismo, a publicidade e o entretenimento.

O campo do jornalismo estabeleceu a notícia como um tipo ideal, capaz de refletir uma realidade exterior aos seres humanos, livre de toda e qualquer in-terpretação subjetiva. Isso gera um novo campo limitado de significação não mais em sua seqüência intencional subjetiva, mas retrabalhada como um simples acontecimento tecido em uma colcha de retalhos cotidiana. As práticas cotidianas, objeto principal da notícia, são carregadas de significados unicamente objetivados quando de sua representação. A ação

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Luís Mauro Sá Martino

objetivada em uma notícia permite uma melhor contextualização e compreensão de suas intenções e motivações.

A publicidade, por seu turno, não se baseia apenas na sua utilidade primeira de divulgar produto. “O sucesso da publici-dade não está somente no econômico, no sucesso de vendas. O sistema dos meios de comunicação tem, também aqui, uma função própria e esta deve-se localizar na estabilização da relação entre redundância e variedade na cultura cotidiana” (p.91).

O terceiro elemento do tripé, o entrete-nimento, ganha de Luhmann uma análise baseada em pressupostos da idéia de jogo e dos elementos lúdicos do ser humano. Essa perspectiva é um contraponto a alguns estudos sobre entretenimento, de caráter eminentemente crítico. Para o autor alemão, o entrenimento não está vincula-

do a um valor axiológico simplesmente pela sua existência, mas por conta de sua relação com o cotidiano. “Certamente o entretenimento é também um componente da moderna cultura do lazer, para quem é familiar a noção de liquidar com o tempo supérfluo”, ressalta na página 93.

A aparência de objetividade informa-tiva, a indiscutibilidade do real esconde a seleção temática, léxica e estilística inerente a qualquer processo de comuni-cação e legitima pelo óbvio. Além disso, existe uma dificuldade adicional para a transmissão dos acontecimentos, estando patente que o jornal não é a realidade, o fato que ocorreu, mas uma representação ficcional. O que “é” não é o que “vemos”, e o que “vemos” não é o que falamos, até porque códigos diferentes são passíveis de interpretações referenciais diferentes.

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A poética da realidade da mídia

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Volume 5 - Nº 2 - 2º sem. 2005

Resenhas

Guilherme GrandiMestre em Economia - Unesp

Docente e pesquisador da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Historiografia e construção do conhecimento histórico

ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru-SP: Edusc, 2006.

onsiderando-se o campo da Co-municação como uma ciência social aplicada, o livro A pes-

quisa histórica: teoria e método, de Julio Aróstegui, seguramente se consiste num valioso material de consulta para os que pretendem discutir, em suas investigações, a singularidade dos atuais processos de interação social.

A atitude militante desse intelectual – professor do Departamento de História Contemporânea da Universidade Complu-tense de Madrid –, no que diz respeito à teorização e ao rigor metodológico, reflete sua erudição como pesquisador e seu compromisso com a cientificidade do estudo dos fenômenos históricos. O livro, de quase seiscentas páginas, contém nove capítulos distribuídos em três partes. A primeira delas esta dedicada à conceitu-

C ação dos termos História e historiografia, ao sentido do papel do historiador como cientista social diferenciado e à trajetória do desenvolvimento da historiografia como “ciência da história” – desde seu surgimento, passando pelos principais paradigmas, até sua situação mais recen-te, exposta de maneira panorâmica com base numa constelação de perspectivas, apontada pelo autor, para a disciplina no limiar do século XXI. A segunda parte pode ser considerada o cerne do livro, pois realça o ponto nodal das preocupações de Aróstegui em relação à historiografia, quer dizer, expõe sua proposta de constituir um arcabouço teórico disciplinar que balize a construção do conhecimento da História. Por fim, a terceira parte aborda as questões de método, dos instrumentos da análise histórica, e se constitui numa

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Historiografia e construção do conhecimento histórico

seção menos densa e propositiva do que as anteriores.

Aróstegui parte da distinção entre o que é a entidade História e o que define a disciplina do seu conhecimento. A esse respeito, ele se mostra categórico ao de-signá-la como historiografia, que, como toda disciplina, necessita explicar seus objetos da maneira mais segura e consis-tente possível, como forma de alcançar o nível da teoria.

O fato é que o problema da cientifici-dade da historiografia exige, antes de tudo, a definição e a aplicação de um método reconhecidamente científico que seja com-patível com as peculiaridades do objeto, o qual, neste caso, como já foi dito, deno-mina-se História. Contudo, não há como escapar de uma definição terminológica de História, ou melhor, da compreensão da natureza do histórico.

Entende-se que a História é a realidade na qual o homem está inserido e, portanto, tem como característica imanente o aspec-to temporal, que singulariza as múltiplas produções resultantes de práticas e ações dos homens das diferentes épocas. Em síntese – e de acordo com Jean Walch –, para Aróstegui, a História seria a entida-de ontológica do histórico ou, em outras palavras, é a realidade histórica. A histo-riografia, por sua vez, designaria somente o ato de se escrever a História.

A imersão no terreno do que é histó-rico, do objeto da historiografia, revela, muitas vezes, matizes aparentemente inso-lúveis para os epistemólogos das ciências sociais. Aróstegui destaca que o método historiográfico padece de deficiências como a escassez de regras metodológicas, de instrumentos técnicos adequados e de um arcabouço teórico específico, que congregados pudessem ser capazes de permitir a necessária articulação entre a análise das estruturas e dos acontecimen-tos, juntamente com aqueles fenômenos sistemáticos e seqüenciais. Por isso, se-gundo o autor, faz-se necessário elevar a

historiografia ao status de ciência social: com métodos próprios, arcabouço teórico, objetos e objetivos delimitados, etc. Assim, a pesquisa histórica se reconstruiria a par-tir de novas fontes, de novas intermedia-ções, comparações ou mesmo insatisfações que, no limite, poderiam derivar do surgi-mento de novos pontos de vista, de novas “teorias” ou de novas curiosidades sociais sobre os acontecimentos em curso.

Todas estas asserções devem ser dis-cutidas à luz do papel do historiador no sentido proposto pelo próprio Aróstegui: como cientista dos processos temporais das sociedades. Sendo assim, resplandece, mais uma vez, o principal problema de uma ciência da História, a saber, o pro-blema de se alcançar um conhecimento científico a respeito da temporalidade do social. Esta problemática assume um formato tridimensional que sinaliza para os seguintes elementos: o da singularidade dos atos humanos, o da globalidade do meio em que é possível compreender tais atos e o da temporalidade que constitui sua sucessão. Além disso, observa-se a importância da difícil tarefa de explicar a mudança, ou melhor, o significado do tempo histórico que, segundo o autor, representaria a iniciativa elementar para a constituição de uma verdadeira teoria do histórico.

É especialmente profícua a forma como Aróstegui examina a problemática do co-nhecimento histórico. Como resultado da interlocução com cientistas sociais das mais variadas áreas, ele chega a conclusões perti-nentes, como por exemplo, a de que a Histó-ria é em si uma realidade da qual não pode haver senão um conhecimento sui generis que é incomparável a qualquer outro, pois pertence a uma categoria própria, a do “co-nhecimento histórico”. Por mais específico e imaterial que seja o objeto historiográfico, seu conhecimento é invariavelmente objeto da ciência social, posto que o histórico é uma qualidade do social.

Em todo caso, a questão do conhe-

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Guilherme Grandi

cimento científico implica sempre num proceder sistemático sujeito à compro-vação do que se pretende afirmar ou negar. Ao historiador cabe a construção de um discurso assertivo acerca de uma narrativa que acomode uma seqüência de argumentos capazes de encadearem a relação temporal dos acontecimentos, mas que sejam sempre dilucidados a partir de uma estrutura explicativa explícita.

É certo que quando se pensa na na-tureza do histórico e nas formas de sua apreensão, faz-se fundamental a asso-ciação entre a teoria do conhecimento historiográfico e a clara definição de um método, de um percurso, de um “caminho” a ser perseguido. Já na segunda metade do século XIX, uma série de historiadores discutiam a existência de um método próprio da pesquisa histórica, ao mesmo tempo em que se constata que há perspec-tivas históricas em toda pesquisa social, como também perspectivas econômicas, antropológicas ou politológicas na própria historiografia.

Isso significa que o método historiográ-fico, como o de qualquer outra disciplina, se define segundo a inelutável tarefa do pesquisador de tentar alcançar um co-nhecimento senão inquestionável, pelo menos o mais próximo possível daquilo que convencionamos chamar de conheci-mento teórico.

De todo modo, a investigação do cará-ter histórico das sociedades demanda um questionamento sobre as concepções de mudança, tempo e história. Ressalta-se que a história reside na sociedade como uma qualidade do social, um “atributo” que se encontra entranhado na sociedade e, por isso, não pode ser compreendida fora dela. Aróstegui afirma que a socie-dade experimenta o processo histórico, a “transformação social”, isto é, a mudança, devido ao seu caráter unívoco de sujeito real da história (p. 259).

Entretanto, são as conseqüências da mudança que constituem a história, e

não a própria mudança. Na realidade, o que faz da mudança social um fator de mudança histórica é, sem dúvida, sua acepção na relação com o tempo. A história se manifesta por meio da mudan-ça, mas sua compreensão vincula-se ao ritmo das alternâncias ou permanências, quer dizer, ao aspecto temporal. Assim, parece evidente que a argumentação de Aróstegui conduz ao entrelaçamento das noções de mudança, tempo e história, enquanto cristalização de toda atividade criativa do homem.

Muitas dessas teorizações se com-pletam através da consideração de que a história – por ser um elemento da cultura passível de conhecimento – tam-bém pode ser concebida enquanto um discurso. Isto significa que o histórico é uma realidade objetiva, mas, além disso, se caracteriza por uma “construção”, “sensação” ou “vivência”.

Argumenta-se que esses três planos estão invariavelmente associados de ma-neira que a “história objetiva” – conhecida como a realidade social numa determinada temporalidade – não deve ser confundida com o discurso histórico, seja ele produto de uma memória coletiva ou individual, nem tampouco com a consciência que os indivíduos têm de suas atuações no tempo na categoria de sujeitos históricos.

A principal dificuldade na compreen-são desses referidos planos reside na cons-tatação de que a historiografia, disciplina responsável por historicizar o social, não se propõe a investigar realidades materia-lizáveis. Sabe-se que os fatos, os eventos, já ocorreram e, nesse sentido, só serão inteligíveis segundo uma reconstituição mais ou menos próxima da conceituação que, por sua vez, visa atribuir significado a esses acontecimentos. Disto decorre a necessidade, segundo Aróstegui, da defi-nição de um método peculiar de análise do caráter histórico das instâncias sociais.

A esse respeito, segundo o autor, o método historiográfico é uma fração do

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Historiografia e construção do conhecimento histórico

método científico-social, e, no seu en-tender, configura-se numa das práticas metodológicas disponíveis ao conjunto das ciências sociais. E aqui está a questão medular para Aróstegui: o que distingue o método historiográfico dos outros métodos científicos não são suas características per se, mas a conduta científica do pesquisa-dor, ou seja, a prática metodológica do historiador que muitas vezes se encontra entranhada de maneira distorcida nos procedimentos de pesquisas de outros cientistas sociais.

A origem de uma investigação se baseia no estabelecimento de uma problemática que fundamenta um conjunto de hipóteses prévias, que são tentativas de explicação de certos fenômenos (ou anomalias) esco-lhidos de modo subjetivo pelo pesquisa-dor. Em seguida, temos a observação ou a descrição sistemática, que são estágios caracterizados pela análise, classificação, definição, etc. das realidades circunscri-tas num determinado campo de estudo. Logo depois, encontra-se a validação ou a comprovação das hipóteses prévias, que no entender de Karl Popper se define como um processo de falseamento. Por fim, a última fase da atividade de inves-

tigação científica refere-se à explicação, ou, citando as palavras de Aróstegui: “a operação de formular definitivamente se expressa na forma de uma proposição ou conjunto delas que pretende estabelecer uma teoria, da qual podem ser extraídas predições. Entende-se que uma explicação foi submetida a prova e a superou. Mas na ciência nunca há uma confrontação definitiva” (p. 437).

Parece, assim, bastante claro que o campo da história permanecerá aberto e que a proposta epistemológica de Arós-tegui só virá a tomar vulto mediante uma mudança de postura do historiador diante não apenas de suas pesquisas acadêmicas, mas principalmente, de sua função social, já há algum tempo alvitrada por Walter Benjamin. Certa-mente é preciso que o historiador faça um esforço de rememoração dos fatos, dos eventos, não apenas daqueles casos bem sucedidos, daquelas histórias “que deram certo”, mas, sobretudo, das lutas perdidas, dos episódios fracassados, para que seja possível trazê-los como exemplos, como ensinamentos aos in-divíduos que enfrentam os dilemas e as lutas do presente.

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Volume 6 - Nº 2 - 2º sem. 2006

Resenhas

Igor FuserDoutorando em Ciência Política pela USP

Docente e Pesquisador da Faculdade Cásper Lí[email protected]

Os mitos da imprensa liberal: denúncia e alternativa

McCHESNEY, Robert W. The problem of the media: U.S. communication politics in the 21st century. New

York: Monthly Review Press, 2006.

o mundo inteiro, as empresas jornalísticas justificam sua existência a partir da idéia de

que, sem elas, não existe democracia. Por esse raciocínio, a imprensa é necessária para cumprir três tarefas: 1. fiscalizar os governantes e os que aspiram a essa posi-ção; 2. separar as verdades das mentiras; 3. proporcionar aos cidadãos o acesso às opiniões relevantes sobre os temas de interesse público.

Na avaliação de Robert McChesney, um dos mais importantes analistas de mí-dia dos Estados Unidos, essas intenções nunca estiveram tão distantes da realida-de quanto no momento atual. Esse autor demonstra como a formação de grandes conglomerados no setor de comunica-ções, as políticas de gestão voltadas para a redução dos custos e a “hipercomercia-

N lização” do mercado editorial se somaram para fazer da mídia contemporânea uma instituição que contradiz, ponto por ponto, os pressupostos democráticos que legitimam sua existência.

McChesney busca na história dos EUA argumentos sólidos para desmontar os mitos que alicerçam o discurso liberal sobre a mídia. Seu livro assinala a pre-sença, em toda a trajetória do país desde a independência, de “uma tensão crucial entre o papel dos órgãos de imprensa como empreendimentos comerciais e sua necessidade para a formação de cidadãos bem informados”. A idéia, tão cara aos liberais de hoje, de que Estado e imprensa livre não se misturam é apenas um mito. Na fase inicial da democracia norte-ame-ricana, a pluralidade de pontos de vista só foi possível graças a um vasto sistema de

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Os mitos da imprensa liberal: denúncia e alternativa

incentivos estatais – desde os subsídios ao papel e à importação de impressoras até a franquia do envio postal. Até hoje, as empresas de comunicação continuam a se beneficiar de políticas governamentais que favorecem os seus interesses.

A imprensa norte-americana dos pri-meiros tempos era assumidamente parti-dária. Isso não constituía um problema na medida em que, numa mesma comunidade, podiam circular até 15 jornais diferentes. “Se alguém estivesse insatisfeito com a linha editorial de todos esses 15, não preci-saria ser um milionário para criar um 16º”, comenta McChesney. A grande mudança ocorreu no final do século XIX, quando a imprensa caiu sob o domínio de grandes empresas e a venda de publicidade passou a exercer um peso econômico cada vez maior. A pressão dos anunciantes forçou uma situação em que, na maioria das cidades, apenas um ou dois jornais sobreviveram. Com exceção de grandes metrópoles, como Nova York, e de áreas suburbanas antes ine-xistentes, nenhum novo jornal foi lançado nos EUA desde 1910.

As empresas de comunicação encon-traram no tipo-ideal do jornalismo “in-dependente” e “objetivo” um meio eficaz de adaptação à nova realidade. Não há inconveniente em existirem poucos jornais, dizia-se, desde que eles ofereçam informa-ções isentas, ganhando assim a confiança de um universo heterogêneo de leitores. Para garantir a independência das publicações, surgiu a norma da “separação entre Igreja e Estado” – o princípio sagrado de que o conteúdo editorial deve permanecer imu-ne aos interesses comerciais da empresa. Disseminou-se entre os jornalistas uma mentalidade de “profissionalismo” que dá suporte a essa concepção. Na prática, como muitíssimos estudos já demonstraram, a propalada autonomia editorial sempre esbarrou em limites concretos. A submis-são da imprensa aos interesses das elites políticas e econômicas foi garantida por mecanismos como a seleção dos assuntos

(ênfase nas pautas geradas pelos poderosos) e das fontes (exclusão das vozes críticas ao establishment).

Na atual era de neoliberalismo, mesmo essa imprensa falsamente objetiva está des-moronando diante da ganância incontro-lável e da extrema competição. Nos EUA, a derrubada das leis anti-monopolistas (a “desregulamentação”) abriu caminho para um processo frenético de fusões e incorporações nos meios de comunicação, hoje concentrados nas mãos de gigantescos conglomerados. Para permanecer nesse jogo bilionário, os capitalistas precisam recuperar rapidamente seus investimentos e, para isso, tratam de modificar as regras e os acordos informais que vigoraram por mais de um século.

Aí reside, segundo o autor, a explicação para o rebaixamento brutal dos padrões de qualidade amplamente apontado pelos analistas de mídia. Em nome do enxuga-mento das despesas, um mesmo repórter agora produz matérias para jornais, revis-tas, TV aberta e a cabo, website, telefonia celular e o que mais venha a ser inventado. “A reportagem investigativa entrou para a lista das espécies ameaçadas”, escreve McChesney. “Ficou mais barato contratar jornalistas inexperientes para preencher o espaço com as declarações dos poderosos. Os repórteres investigativos se tornaram suspeitos, pois as empresas de mídia têm pouco incentivo para produzir reportagens que possam irritar seus anunciantes, acio-nistas e parceiros de negócios”.

A antiga “muralha da China” desabou com a invasão das redações pelos interesses comerciais. A penetração se dá por diversas portas de entrada, segundo McChesney. Uma delas é a influência crescente das assessorias de imprensa. Com as redações desfalcadas e povoadas por profissionais sem preparo, os releases são publicados como se fossem informações isentas. Outro meio de captura das redações pelo inte-resse financeiro são as “fontes de receita não-tradicionais”, os “publieditoriais”,

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Igor Fuser

matérias-pagas produzidas pelos mesmos órgãos de imprensa que, segundo o figurino liberal, deveriam fiscalizar as companhias. Para não desagradar os anunciantes, os ve-ículos de comunicação evitam os assuntos polêmicos e se voltam, cada vez mais, para futilidades, para a vida mundana dos ricos e famosos. O “hiper-comercialismo” também empurra a mídia a dar destaque aos temas e aos interesses do público endinheirado, de classe “alta” e “média-alta”, mais atraente para os anunciantes. Desaparece, assim, a noção do jornalismo como um serviço público.

Nesse cenário, o “mundo corporativo” é quem ocupa o centro. As oscilações ro-tineiras da Bolsa de Valores são tratadas com tema de vital importância, apesar da total indiferença da maioria da população por esse assunto. Os temas trabalhistas sumiram do noticiário. Lamentavelmente, observa McChesney, o boom do jornalismo de negócios não provocou um aumento da vigilância sobre os empresários. Ao contrário, a acumulação de riqueza é cul-tuada como um valor em si mesmo. Em qualquer assunto, as fontes empresariais têm prioridade.Os magnatas e os altos exe-cutivos são tratados com deferência servil, ao mesmo tempo em que se descartam os portadores de opiniões críticas. Os efeitos nefastos desse processo de deterioração se desnudaram no megaescândalo que envolveu, em 2002, algumas das maiores corporações empresariais dos EUA, entre as quais a Enron e a WorldCom. A im-prensa fracassou vergonhosamente em seu

papel de vigilância. “Apesar dos enormes recursos destinados ao jornalismo de ne-gócios na década de 90, a imprensa deixou passar em branco todas as evidências das falcatruas que eram praticadas nos altos escalões da Enron”, escreve McChesney. Ele lembra que a prestigiada revista For-tune premiou a Enron como “a empresa mais inovadora dos EUA” em todos os anos entre 1995 e 2000.

Diante desse panorama sombrio, o que fazer? McChesney tem o grande mérito de propor soluções viáveis – ou, ao menos, dignas de discussão. Segundo ele, “não po-demos ficar prisioneiros da idéia de que não há alternativa com exceção do Gulag”. Ou a tirania stalinista ou a opção igualmente an-tidemocrática de um “pensamento único” sob o controle dos Berlusconis, Murdochs e Marinhos. Sua proposta de democratização prevê duas vias convergentes. De um lado, investimento maciço do Estado em apoio a meios de comunicação não-comerciais – empreendimentos sem fins lucrativos, geridos por cooperativas de jornalistas, entidades comunitárias, municipalidades, grupos religiosos etc. Ao mesmo tempo, as autoridades devem instalar um amplo sistema público de mídia, com tecnologia moderna e recursos que o tornem capaz de competir com as redes comerciais.

Tanto os problemas analisados por McChesney quanto as soluções por ele pro-postas vão muito além, como se percebe, do âmbito dos EUA. Pela sua relevância e atualidade, seu livro merece uma tradução brasileira, urgente.

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Os mitos da imprensa liberal: denúncia e alternativa

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Normas

Volume 6 - Nº 2 - 2º sem. 2006

Normas para o envio de originais

A Revista COMMUNICARE, do Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero, tem por objetivos promover a reflexão acadêmica, difundir a pesquisa e ampliar o intercâmbio científico com vistas, prioritariamente, aos temas relacionados às seguintes linhas de pesquisa desenvolvidas no Centro: Comunicação: tecnologia e po-lítica; Comunicação: meios e mensagens e Comunicação e mercado.

A publicação destina-se à divulgação de trabalhos inéditos de pesquisadores e docentes da Faculdade Cásper Líbero e de outras instituições, na qualidade de autores e co-autores. As colaborações poderão ser apresentadas em forma de artigos, resenhas, relatos de pesquisa em andamento, levantamentos bibliográficos ou informações gerais, e estarão condi-cionadas à aprovação prévia da Comissão Editorial e do Conselho Consultivo.

Os trabalhos publicados serão consi-derados colaborações não remuneradas, uma vez que a Revista tem caráter de divulgação científica e não comercial. Tanto o conteúdo quanto o compromis-so com o ineditismo dos textos são de total responsabilidade de seus autores, que deverão anexar autorização para publicá-los, manifestando concordância com as normas aqui estabelecidas. Os di-reitos autorais de desenhos, ilustrações, fotografias, tabelas e gráficos que acom-panhem os textos serão de exclusiva responsabilidade do colaborador.

Artigos

1. Os artigos devem ser encaminha-dos em disquete de 3,5”, devidamente etiquetado com a identificação do autor, acompanhado de uma cópia impressa;

2. Recomenda-se que os textos tenham entre 15 e 22 laudas em fonte Times New Ro-man, corpo 12, espaço 1,5 cm. Cada lauda de-verá constar de 20 linhas e 70 toques (20.000 a 30.800 caracteres, incluindo espaços);

3. A estrutura do texto deve obedecer à seguinte ordem: Título, Resumo (em 600 ca-racteres no máximo), Palavras-Chave; Corpo do Texto e Referências Bibliográficas, sendo que o Título e o Resumo (Abstract) deverão, sempre que possível, ser acompanhados de versões para o Inglês e Espanhol;

4. O título do trabalho e o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es) deverão ser apresentados em uma página de rosto com um resumo, de até 600 caracteres, do tema tratado, além de 3 a 5 palavras-chave;

5. Ilustrações e/ou fotografias serão utilizadas dentro das possibilidades de edi-toração. Caso sejam encaminhadas em dis-quete, recomenda-se a gravação no formato tif ou eps, com, no mínimo, 300 dpi;

6. Tabelas e gráficos devem ser nume-rados e encabeçados pelo seu título;

7. Desenhos, ilustrações e fotografias devem ser identificados por suas res-pectivas legendas e pelo nome de seus respectivos autores;

8. Citações e comentários no corpo do texto deverão ser remetidos ao rodapé,

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Normas para o envio de originais

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seguidos de números sobrescritos. As citações devem seguir o padrão: Autor (nome e sobrenome), Título da obra em Bold Itálico e número da página;

9. As referências bibliográficas (biblio-grafia) deverão estar dispostas no final do artigo. As obras utilizadas no trabalho, em ordem alfabética, devem obedecer à seguin-te seqüência: Autor (Sobrenome em caixa alta, Nome). Título em Bold Itálico. Edição. Cidade: Editora, Data da publicação;

10. Cada artigo deverá trazer a iden-tificação de seu(s) autor(es) na seguinte ordem: Nome, Maior Titulação, Entidade a que está vinculado e Endereço do Correio Eletrônico;

11. Caberá a cada autor 5 exemplares da edição.

Resenhas

1. Os textos devem ser encaminha-dos em disquete de 3,5”, devidamente

etiquetado com a identificação do autor,

acompanhado de uma cópia impressa; 2. Cada resenha deverá ter de 2 a 4

laudas, em fonte Times New Roman, corpo 12, espaço de 1,5 cm. Cada lauda deverá constar de 20 linhas e 70 toques (2.800 a 5.600 caracteres);

3. A resenha deve vir acompanhada das referências bibliográficas completas da obra em pauta (Autor, Obra, Cidade, Editora, Data, ISBN, número de pági-nas);

4. Solicita-se que a resenha seja acom-panhada de um exemplar da obra ou de imagem digitalizada da capa em formato tif, para publicação, de acordo com as possibilidades de editoração;

5. Cada resenha deverá trazer a iden-tificação de seu(s) autor(es) na seguinte ordem: Nome, Maior Titulação, Entidade a que está vinculado e Endereço do Correio Eletrônico;

6. Caberá a cada autor 5 exemplares da edição.