12
Como a população indígena está se apropriando do espaço urbano em Manaus? 1 Anna Karoline Rocha da Cruz 2 Resumo Até pouco tempo atrás não existia dados globais que mensurasse o volume populacional de autodeclarados indígenas segundo povo/etnia no Brasil. O Censo de 2010 foi o primeiro a suprimir essa lacuna, graças a junção da autodeclaração a outros critérios de identificação dos povos indígenas como, por exemplo, o pertencimento étnico e a língua falada no domicílio. Estes novos quesitos censitários permitiram também realizar um estudo mais detalhado e com um nível maior de desagregação, já que são dados coletados no questionário do universo da pesquisa. Assim, este trabalho buscará compreender como a população autodeclarada indígena se apropria do espaço urbano no município de Manaus, Amazonas, em 2010. Para tanto, buscar- se-á, inicialmente, analisar o volume total de pessoas autodeclaradas indígenas por sexo e idade e a composição domiciliar dos mesmos. Posteriormente, produzir um mapa com a espacialização desses indígenas por bairros, com o intuito de observar a dispersão ou a coesão desses grupos na cidade. E por fim, analisar os povos/etnias segundo as línguas faladas por bairros, para que se possa pensar a apropriação desses povos na cidade de Manaus e suas consequências. Palavras-chaves: população indígena na cidade; Manaus; pertencimento étnico. 1 Trabalho apresentado XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais organizado pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), nos dias 22 a 28 de setembro de 2018, em Poços de Caldas, Minas Gerais. 2 Doutoranda em Demografia pelo departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Como a população indígena está se apropriando do espaço ... · populacional de autodeclarados indígenas segundo povo/etnia no Brasil. ... o objetivo principal desse ... um aumento

  • Upload
    buidieu

  • View
    219

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Como a população indígena está se apropriando do espaço urbano em

Manaus?1

Anna Karoline Rocha da Cruz2

Resumo

Até pouco tempo atrás não existia dados globais que mensurasse o volume

populacional de autodeclarados indígenas segundo povo/etnia no Brasil. O Censo de

2010 foi o primeiro a suprimir essa lacuna, graças a junção da autodeclaração a outros

critérios de identificação dos povos indígenas como, por exemplo, o pertencimento

étnico e a língua falada no domicílio. Estes novos quesitos censitários permitiram

também realizar um estudo mais detalhado e com um nível maior de desagregação,

já que são dados coletados no questionário do universo da pesquisa. Assim, este

trabalho buscará compreender como a população autodeclarada indígena se apropria

do espaço urbano no município de Manaus, Amazonas, em 2010. Para tanto, buscar-

se-á, inicialmente, analisar o volume total de pessoas autodeclaradas indígenas por

sexo e idade e a composição domiciliar dos mesmos. Posteriormente, produzir um

mapa com a espacialização desses indígenas por bairros, com o intuito de observar a

dispersão ou a coesão desses grupos na cidade. E por fim, analisar os povos/etnias

segundo as línguas faladas por bairros, para que se possa pensar a apropriação

desses povos na cidade de Manaus e suas consequências.

Palavras-chaves: população indígena na cidade; Manaus; pertencimento étnico.

1 Trabalho apresentado XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais organizado pela Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), nos dias 22 a 28 de setembro de 2018, em Poços de Caldas, Minas Gerais. 2 Doutoranda em Demografia pelo departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM).

Introdução

Até pouco tempo atrás não existia dados globais que mensurasse o volume

populacional de autodeclarados indígenas segundo seu povo no Brasil. Com o Censo

de 2010, foi possível suprimir essa e outras lacunas deixadas pelos censos anteriores.

Com ele, juntou-se a autodeclaração a outros critérios para identificação dos povos

indígenas como, por exemplo, o pertencimento étnico e a língua falada no domicílio,

todos quesitos inseridos no questionário básico da pesquisa. A partir disso, abre-se

um leque de oportunidade de análise sobre os povos indígenas com níveis de

desagregação que os censos anteriores não permitiam.

Sendo assim, o objetivo principal desse trabalho é compreender como a

população autodeclarada indígena se apropria do espaço no município de Manaus,

Amazonas, em 2010.

Breve histórico sobre a cidade de Manaus

Manaus, antes de se torna uma grande metrópole, era o lar de muitos povos

indígenas. A cidade nasceu de antigas aldeias das missões e de fortalezas do período

colonial (FREIRE, 2003). Sua ocupação pelos portugueses ocorreu na metade do

século XVII, mais especificamente, em 1669, com a construção da fortaleza de São

José do Rio Negro e posteriormente com o povoado de nome Lugar da Barra (MELO;

MOURA, 1990). Pouco tempo depois, o lugar que ainda tinha características de uma

aldeia rural, alcançou uma população de aproximadamente 3.000 habitantes

(FREIRE, 2003). Boa parte dessa população era composta por índios3, alguns

remanescentes dos Tarumã, Baré, Baniwa e Passé, que foram aldeados ao redor da

Fortaleza da Barra do Rio Negro, enquanto outros eram Paiana, Warekena e Manaú,

todos transferidos de Barcelos (FREIRE, 2003).

Com a exploração e o crescimento da produção borracha, que teve duração

aproximada entre 1870 a 1920, a cidade começa a se expandir, atingindo um volume

3 Aqui Freire (2003) juntou duas categorias censitárias os “índios” – que são os destribalizados, e excluindo os aldeados e os considerados hostis – e os “mamelucos” – que são os filhos de índios com brancos.b

populacional de 75.000 habitantes (MELO; MOURA, 1990). Nesse período, os índios

que residiam lá já não falavam mais a Língua Geral, e sim, o português (FREIRE,

2003). Além disso, a população manauara começava a ser composta de migrantes

estrangeiros (ingleses, portugueses, franceses, italianos, turcos, judeus libaneses e

sírios) e nordestinos atraídos pelos lucros da extração da borracha (PINHEIRO, 2014),

deixando então a população indígena de ser maioria entre eles.

Foi nesse período também que Manaus ganhou estrutura de uma grande

cidade, pelo menos para época, com a criação de um sistema de abastecimento

d’água domiciliar, serviços de esgoto, iluminação elétrica, universidade, um porto

fluvial, sem deixar de incluir o luxuoso Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça, a

Biblioteca Pública, a Alfândega e a Penitenciária do Estado. Todos esses

empreendimentos lhe renderam o título de “Paris dos trópicos”, aterrando e

escondendo, por consequência, as heranças dos povos indígenas que existiam na

cidade, que assim como os nordestinos, não viveram as glórias desse “paraíso”

(ANDES, 2015; MELO; MOURA, 1990).

Dos 75.000 habitantes em 1920, Manaus passa a acolher 283.685, em 1970,

um aumento expressivo que representava não só um crescimento vegetativo da sua

população como também um aumento no volume de migrantes que se dirigiam para

a capital (MELO; MOURA, 1990: 37). As migrações nesse período ocorriam das

cidades ou vilarejos que perderam sua importância com o fim do extrativismo da

borracha. Muitos migrantes se concentraram em áreas menos valorizadas da cidade

como, por exemplo, às margens dos igarapés (MELO; MOURA, 1990), que ficaram

densamente povoados durante um longo período de tempo na cidade (NOGUEIRA;

SANSON; PESSOA, 2007) e constituíram a chamada “Cidade Flutuante”.

Essa cidade foi a primeira grande favela de Manaus, e como próprio nome

sugere, nasceu sobre as águas ao longo da orla-sul do Rio Negro, Centro, “frente da

cidade” e nos igarapés que adentram a cidade (SOUZA, 2016). Nela, tinham-se

aproximadamente 1.950 casas flutuantes com uma população estimada de 12.000

pessoas, em 1966 (SOUZA, 2016 apud Lenz et al., 1966, p.7), A destruição dessa

cidade foi o marco final de preparação para receber o modelo desenvolvimentista da

Zona Franca e Distrito Industrial de Manaus. A remoção desses habitantes ocorreu de

forma violenta, onde parte dos moradores foram realocados no bairro da Raiz e outra

nos bairros da Vila da Prata e dos Jardins dos Barés (ANDES, 2015).

Fato interessante é que até início da década de 1940, a malha urbana de

Manaus não passava do Centro, bairro de origem da cidade, os bairros do Educandos

e Cachoeirinha (na Zona Leste), Mocó/ Vila Municipal (Zona Norte) e São Raimundo

(Zona Oeste) (SOUZA, 2016). O modelo de desenvolvimento (Zona Franca de

Manaus) e expansão empregada em Manaus produziu regiões marcadas pela

presença das chamadas “invasões”.

Com a criação da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA),

em 1967, a cidade ganha mais um expressivo fluxo de migrantes interiorano e de

outros estados da Federação, vindos especialmente das regiões Norte e Nordeste.

Esse novo fluxo migratório gerou uma população de 611.763 habitantes em Manaus,

em 1980, em que 33,7% desses eram de não naturais (MELO; MOURA, 1990). Essa

migração também ocorre com a população indígena, mas com certas especificidades.

Isto porque as motivações que levam os indígenas migrarem podem ser distintas

daquelas citadas pelos não-indígenas como, por exemplo, por serem expulsos de

suas terras ou pela falta de oportunidade de educação e atendimento adequado de

saúde nas aldeias (TEIXEIRA; MAINBOURG; BRASIL, 2009). Esse retrato sobre a

história de construção de Manaus, ainda que apresentado de forma breve, reflete na

atual situação da cidade.

Método

A área de estudo será a zona urbana da cidade de Manaus, dividida em 63

bairros. Atualmente, a cidade é delimitada ao norte com o município de Presidente

Figueiredo, ao sul com os municípios de Iranduba, Careiro e Careiro da várzea, a leste

com os municípios de Rio Preto da Eva e Itacoatiara e a oeste com o município de

Novo Airão. Segundo o IBGE, Manaus não possui nenhuma Terra Indígena,

diferentemente dos municípios próximos que estão situadas as seguintes terras:

Waimiri-atroari, Rio Jumas, Lago do Marinheiro, Boa Vista, Gavião, Apipica, Tabocal,

Paraná do Arauato e Rio Urubu.

Como já foi citado, os dados utilizados nesse trabalho são oriundos do Censo

Demográfico de 2010. As análises se darão, inicialmente, no volume total de pessoas

autodeclaradas indígenas por sexo e idade e a composição domiciliar dos mesmos.

Posteriormente, produzir-se-á um mapa com a espacialização desses indígenas por

bairros, com o intuito de observar a dispersão ou a coesão desses grupos em

Mananus. E por fim, analisar-se-á os povos/etnias segundo as línguas indígenas

faladas por bairros, para que se possa pensar a apropriação desses povos na cidade

de Manaus e suas consequências.

Resultados e Discussões

Segundo o IBGE, residiam em Manaus, em 2010, 4.040 pessoas

autodeclaradas indígenas, montante bem diferente daquele contabilizado nos Censos

de 1991, com 952 indígenas, e de 2000, 7.787. Essas variações também ocorreram

em outras cidades brasileiras, como apontam Teixeira e Mainbourg (2016), que

acreditam que a explicação para isso esteja na inclusão dos quesitos sobre etnia e

língua no Censo de 2010 que poderiam inibir os entrevistados com pouca convicção

de sua própria identidade indígena. Ainda que a par dessas considerações, não se

pode desconsiderar os avanços que esses quesitos trouxeram para entender, por

exemplo, quem e quantos são os povos indígenas residentes nas cidades. É a partir

desses quesitos que algumas análises presentes neste trabalho se darão.

Sexo, idade e composição domiciliar dos povos indígenas em Manaus

O percentual de mulheres indígenas na capital amazonense em quase todos

grupos etários, especialmente para as idades economicamente ativas (Tabela 1), é

um pouco maior do que a masculina, algo já demonstrado em outra pesquisa

(MAINBOURG ET AL., 2009). Uma explicação para essa diferença seria pelo

deslocamento das mulheres para capital em busca de escola e trabalho (TEIXEIRA;

MAINBOURG; BRASIL, 2009).

Tabela 1. Distribuição dos autodeclarados indígenas na cidade de Manaus por sexo e grandes grupos etários, 2010.

Fonte: Censo demográfico de 2010, IBGE.

Quanto a estrutura etária, observa-se uma população composto por pessoas

mais jovens e uma pequena parcela de pessoas idosas. Boa parte desses indígenas

(42%) são descendentes dos que migraram há mais tempo para a cidade, tratando-

Idade

n % n % n %

0 - 14 484 12 445 11 929 23

15- 64 1.380 34 1.472 36 2.852 71

65 e mais 109 3 150 4 259 6

Total 1.973 49 2.067 51 4.040 100

Homens Mulheres Total

se de uma segunda geração de indígenas4. Enquanto, os indígenas migrantes (ou

seja, aqueles que não são naturais de Manaus) totalizam em 2010, 2.536 pessoas,

montante bem diferente daquele registrado em 2000 (3.437) (TEIXEIRA, 2008), que

poderia dar indícios de uma redução no número de migrantes indígenas na cidade.

No entanto, outros fatores podem estar influenciando esses valores como por

exemplo, a mudança na declaração de raça ou cor, em que o indivíduo que se

declarava indígena no censo de 2000 não o faz em 2010.

Uma linha de investigação que busca compreender essas mudanças nos dados

censitários para os povos indígenas realiza uma análise a partir da composição

domiciliar dos mesmos. Essa investigação, em especial aos indígenas residentes das

áreas urbanas, pode ser relevante para entender as complexas mudanças observadas

entre 2000 e 2010 como também entre categorias de cor ou raça. Assim, segue abaixo

uma pequena reflexão sobre a composição domiciliar dos indígenas residentes na

cidade de Manaus.

Conforme apresenta a Tabela 2, dos 4.040 autodeclarados indígenas em

Manaus, 3.149 residem em domicílios cujo responsável é indígena, que pode indicar

um processo de manutenção da identidade étnica e de reprodução sociocultural

desses povos. Algo presente também para o conjunto do país (urbano e rural

combinados) em que o percentual de pessoas residindo em domicílios em que todos

são indígenas é muito elevado (73%) (MARINHO, 2015).

Tabela 2. Número de pessoas residentes em domicílios com chefia indígena segundo

raça ou cor em Manaus, 2010.

Fonte: Censo demográfico de 2010, IBGE.

4 Soma-se essa geração a partir dos indígenas que declararam terem nascido e sempre morado em Manaus (1.767) e aqueles que nasceram em Manaus, mas já moraram em outro município ou país (102).

Condição no domicílio chefiado por indígenas n % n % n % n % n %

Pessoa responsável pelo domicílio 1343 42,6

Cônjuge ou companheiro(a) 190 25,2 49 32,2 16 31,4 273 17,1 274 8,7

Filho(a) do responsável e do cônjuge 178 23,6 48 31,6 12 23,5 510 32,0 582 18,5

Filho(a) somente do responsável 115 15,2 12 7,9 7 13,7 315 19,8 355 11,3

outros parentes 255 33,8 41 27,0 15 29,4 466 29,3 560 17,8

Agregado(a) 4 0,5 1 0,7 8 0,5 9 0,3

Convivente/ Pensionista 13 1,7 1 0,7 1 2,0 18 1,1 24 0,8

Parente do(a) empregado(a) doméstico(a) 2 0,1 2 0,1

Total 755 100 152 100 51 100 1592 100 3149 100

Branca Preta Amarela Pardas Indígenas

Raça ou cor

Além desse caso, há também pessoas que se declararam com raça ou cor

diferente da indígena que residiram em domicílios chefiados por indígenas, que

totalizam um montante de 2.550 pessoas. Boa parte dessas pessoas se declararam

pardas (1.592) e fazem parte do núcleo familiar do responsável do domicílio (1.098).

Esse elevado número pode carregar uma certa “herança” de décadas passadas, em

que os indígenas estavam sujeitos a ser discriminados como inferior ou culturalmente

inferior e classificados como “caboclo” (LUCIANO, 2006), que pode levar moradores

indígenas a não se identificarem como tal. Este é caso também de cidade de

Tabatinga (AM) que mesmo contando com uma Terra Indígena próxima apresentou

um contingente populacional no Censo de 2010 que não correspondem com a

realidade. O censo de 2010 contabilizou 810 autodeclarados indígenas enquanto uma

pesquisa participativa, realizada em 2014, enumerou 5.073 pessoas pertencentes do

povo Kokama e Ticuna (TEIXEIRA; MAINBOURG, 2016).

Um outro movimento é olhar os indígenas que residem em domicílios cujos

responsáveis não são indígenas, análise presente na Tabela 3. Nesta, somente uma

pequena parcela dos autodeclarados indígenas (876) residem em domicílios cujos

responsáveis não são indígenas. Observou-se também um pequeno percentual de

indígenas que eram empregados domésticos e residiam em domicílios cujos

responsáveis eram brancos, amarelos ou pardos. Possivelmente, trata-se de

mulheres indígenas vindas de outros municípios do Amazonas em busca de melhores

condições de vida (TEIXEIRA; MAINBOURG; BRASIL, 2009).

Tabela 3. Número de autodeclarados indígenas residentes em domicílios com chefias

não indígenas em Manaus, 2010.

Fonte: Censo demográfico de 2010, IBGE.

Condição dos indígenas no domicílio n % n % n % n %

Cônjuge ou companheiro(a) de sexo diferente 126 49,6 37 45,7 17 40,5 197 39,5

Filho(a) do responsável e do cônjuge 20 7,9 20 24,7 8 19,0 81 16,2

Filho(a) somente do responsável 17 6,7 4 4,9 3 7,1 50 10,0

outros parentes 62 24,4 19 23,5 9 21,4 129 25,9

Agregado(a) 8 3,1 1 1,2 13 2,6

Convivente 10 3,9 2 4,8 15 3,0

Empregado(a) doméstico(a) 11 4,3 3 7,1 12 2,4

Pensionista 1 0,2

Parente do(a) empregado(a) doméstico(a) 1 0,2

Total 254 100 81 100 42 100 499 100

Branca Preta Amarela Parda

Cor ou raça do responsável pelo domicílio

Povo/etnia em Manaus

Em Manaus, foram contabilizados 99 povos/etnias diferentes em 2010. Destes,

os povos com o maior número de declarados foram: Baré, Sateré-Mawé, Tukano,

Múra, Tikúna, Kokama e Mundurukú. Por tanto, assim como apresentado em uma

pesquisa amostral na cidade, em 2007 (TEIXEIRA, MAINBOURG e BRASIL, 2009),

observa-se que boa parte dos indígenas residentes em Manaus são provenientes das

terras indígenas do estado do Amazonas. Dos povos que não estão situados no

Amazonas, encontrou-se os: Guarani, Guarani Kaiowá, Guarani Mbya, Pataxó,

Potiguara, Zoró. Estes apresentavam somente 1 ou 2 pessoas declaradas, e estavam

dispersos na cidade. Além desses, encontrou-se também 15 pessoas pertencentes

de povos e etnias de outros países, montante provavelmente que mudará no próximo

censo devido ao grande fluxo de migrantes indígenas vindos da Venezuela.

Ao analisar a distribuição dos autodeclarados indígenas na cidade de Manaus

(Figura 1), observou-se que a maior concentração, em termos absolutos, de

autodeclarados indígenas ocorreram nos bairros do Jorge Teixeira (57), Cidade Nova

(50) e Redenção (18), com 333, 323 e 204 pessoas, respectivamente. A maior parte

dos autodeclarados indígenas do bairro do Jorge Teixeira e Cidade Nova não

souberam dizer o povo/etnia a que pertenciam. Já no bairro da Redenção, boa parte

- mais especificamente, 1105 pessoas - se declararam pertencentes do povo Sateré-

Mawé.

5 Juntando os 104 declarados no Bairro da Redenção mais 6 pessoas declaradas no Bairro da Paz.

Figura 1. Número de pessoas autodeclaradas indígenas por bairros da cidade de Manaus, 2010.

Fonte: Censo demográfico de 2010, IBGE.

Com relação a língua indígena falada, observou-se um pequeno número de

falantes da cidade. Do total de indígenas em Manaus, 516 falam uma língua indígena

dentro do domicílio, que resultam em 43 línguas indígenas faladas na cidade (Tabela

4). Dentre aquelas com o maior número de falantes estão: Tukáno, Mawé, Tikúna,

Kokama e Língua Geral Amazônia.

Tabela 4. Número de pessoas segundo a língua indígena falada dentro do

domicílio por povo/etnia em Manaus, 2010.

Fonte: Censo demográfico de 2010, IBGE.

Segundo Mainbourg, Araújo e Cruz (2012) a capacidade de falar fluentemente

uma língua indígena é mais alta entre os mais velhos do que os mais jovens em

Manaus. E muito provavelmente isso se intensifica quando estes jovens nascem na

cidade.

língua indígena falada ou usada Povo/ Etnia Freqüência

Apurinã Apurinã 9

Aruak não especificado Apurinã 1

Banawá Baniwa / Kubeo 9

Dení Dení 2

Desána Desána 6

Guarani Kaiowá Sateré-Mawé 1

Guarani Mbya Guarani Mbya 1

Kulina Madijá Kulina Madijá 1

Lingua de Sinais Ka'apor Baniwa 1

Lingua Geral Amazônica

Kokama / Baniwa / Baré/ Tariana/ Múra/ Arapáso/ Desána /

Tukano / mal definada/ não sabem/ não determinada 80

Línguas indígenas de outros países Outras etnias indígenas de outros países 3

Mal definida Mal definidas 1

Miránha Miránha 8

Mundurukú Mundurukú 3

Nahukwá Maragua 1

Não determinada Não determinadas 1

Não Sabe Mundurukú/ Baniwa/ Baré 4

Não Sabe Não Sabem 6

Tariána Tariana 1

Tikúna

Arara do Aripuanã / Tariana/ Tikuna/ Arapáso Desána/

Piratapuya/ Siriano/ Tukano 103

Tukáno

Sateré-Mawé / Apurinã/ Baré/ Tariana/ Tikuna/ Arapáso/

Bará/ Desána/ Kubeo/ Piratapuya/ Tukano/ Tuyyuca/ nçao

sabem 217

Tupi-Guarani não especificado

Sateré-Mawé/ Kokama/ Guarani/ Baré/ Múra/ Tukano/ Não

determinadas/ Não sabem 38

Tupinambá Baré/ Tupinambá/ Tupinambaraná 6

Wanana Wanana 8

Wapixána Wapixana/ Múra 2

Yanomámi Yanomámi 3

516Total

Considerações finais

O Censo de 2010 permitiu uma investigação mais detalhada de quem seriam

esses povos, a partir da inserção de quesitos como pertencimento étnico e línguas

indígenas. Com esses ganhos é possível gerar análises que levem em consideração

as especificidades de cada povo, permitindo, assim, saber as relações específicas de

cada um com a cidade. Esse foi só um pequeno exercício sobre as potencialidades

que o Censo pode nos oferecer para conhecer os diversos e dispersos povos

indígenas residentes na cidade de Manaus.

Referências bibliográficas

ANDES, Pedro Marcos Mansour. Entre à Paris dos Tópicos a à Miami brasileira: as imagens da cidade de Manaus durante a estagnação econômica. Escritas, vol. 7, n.2,pg. 230- 252, 2015. FREIRE, José Ribamar Bessa. Da língua geral ao Português: para uma história dos usos sociais das línguas na Amazônia. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras da UERJ, 2003. LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. MAINBOURG, Evelyne Marie Therese. ARAÚJO, Maria Ivanilde. CRUZ, Gleici Jane Sena. Educação escolar, ocupação e renda entre indígenas de Manaus. Trabalho apresentado no XVIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Águas de Lindóia/SP – Brasil, de 20 a 24 de novembro de 2012.

________________. TEIXEIRA, Pery. SOARES, Esron. ARAÚJO, Maria Ivanilde. SILVA, Érico Jander de. População indígenas da cidade de Manaus: demografia e SUS. IN: ALMEIDA, Alfredo Pereira LIMA. SANTOS, Glademir Sales dos. Estigmatização e território: mapeamento situacional dos indígenas em Manaus.Editora da Universidade Federal do amaozonas, 2009. MARINHO, Gelson. Domicílios indígenas nos Censo Demográficos: classificação, composição e interfaces com a saúde. Tese apresentada no programa de Ciências na área de Epidemiologia em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Segio Arouca, Rio de Janeiro, 2015. MELO, Mário Lacerda de; MOURA, Hélio A. de (coordenadores). Migrações para Manaus.Recife: FUNDAJ, Editora Massangana, 1990. NOGUEIRA, Ana Claúdia Fernandes; SANSON, Fábio; PESSOA, Karen. A expansão urbana e demográfica da cidade de Manaus e seus impactos ambientais. Trabalho apresentando no XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Florianópolis, 2007.

PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Migração, trabalho e etnicidade: portugueses e ingleses no porto de Manaus, 1880-1920. Varia Historia,Vol. 30, n 54, p.807-826, Belo Horizonte, 2014. SOUZA, Leno Barata. Cidade flutuante: uma Manaus sobre as águas. Urbana: Revista eletrônica cent. Interdisiciplinar Estudos Cidades, v.8, n.2, p.115-146, 2016. TEIXEIRA, Pery; MAINBOURG, Evelyne Marie Therese. O que os dados dos censos demográficos do Brasil mostram sobre crescimento da população indígena nas cidades. Trabalho apresentando no XX Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Foz do Iguaçu, 2016. ___________; MAINBOURG, Evelyne Marie Therese; BRASIL, Marília. Migração do povo indígena Sateré-Mawé em dois contextos urbanos distintos na Amazônia. Caderno CRH, v.22, n.57, p;531-546, Salvador, 2009. ___________; Migração, urbanização e características da população indígena do Brasil através da análise dos dados censitários de 1991 e 2000. Trabajo presentado en el III Congreso de la Asociación Latinoamericana de Población, ALAP, realizado em Córdoba –Argentina, del 24 al 26 de Septiembre de 2008.