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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO LOUISE SCHNEIDER LERSCH A LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS: ANÁLISE SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL MÍNIMO Florianópolis - SC 2016

COMPLEXO DE ENSINO SUPERIOR DE SANTA CATARINA - … · A Lei das Contravenções Penais foi criada pelo decreto lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, assinado por Getúlio Vargas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

LOUISE SCHNEIDER LERSCH

A LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS: ANÁLISE SOB A ÓTICA

DO DIREITO PENAL MÍNIMO

Florianópolis - SC

2016

LOUISE SCHNEIDER LERSCH

A LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS: ANÁLISE SOB A ÓTICA

DO DIREITO PENAL MÍNIMO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro de

Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa

Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Morais da Rosa

Florianópolis - SC

2016

RESUMO

LERSCH, Louise Schneider. A Lei das Contravenções Penais: análise sob a ótica do Direito

Penal mínimo. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito – Área:

Direito Penal) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências Jurídicas,

Florianópolis.

O presente trabalho tem por objetivo estudar o confronto da Lei das Contravenções Penais

com os princípios constitucionais e penais. Para tanto, será utilizada uma abordagem a partir

da corrente do direito penal mínimo, visto o seu enfoque no garantismo jurídico e na

Constituição. Primeiramente, será analisado o contexto histórico da época em que a Lei das

Contravenções Penais foi elaborada, mediante o estudo do período político chamado “Era

Vargas” e do projeto que ensejou a referida lei. Ademais, será examinada a ideologia da

defesa social, porquanto foi o principal paradigma que inspirou a elaboração da Lei das

Contravenções Penais, e sua crítica, explorando a desconstrução dessa teoria, a fim de

provocar uma reflexão sobre suas premissas. Depois será apresentada a corrente do direito

penal mínimo e os seus princípios mais relevantes que confrontam com a Lei das

Contravenções Penais. Por último, será feito um estudo sobre a recepção das contravenções

penais no atual contexto do ordenamento jurídico brasileiro, salientando-se alguns problemas

práticos e incoerências, por meio da análise doutrinária e jurisprudencial das contravenções

penais previstas nos artigos 21, 42, 50, 58, 59, 62 e 65 da Lei das Contravenções Penais.

Palavras-chave: Contravenções Penais. Direito Penal Mínimo. Garantismo Jurídico.

Inflacionamento Penal.

ABSTRACT

This work aims to study the contrast between the contravention law and the principals of the

constitution and the criminal law. To achieve this, it will be made an approach starting with

the theory of the minimal criminal law, considering its focus on the “legal garantism” and in

the constitution. First, the historical context of the contravention law’s elaboration will be

analyzed, by means of the study on the political period called “Era Vargas” and the project

that gave rise to the aforesaid law. Also, will be examined the criticism of the criminological

ideology that predominated back then, the social defense ideology, to demonstrate the thought

that inspired the construction of the criminal typification, as well as to explore the

deconstruction of that ideology and provoke a reflection about its assumptions. Afterwards the

principals of the minimal criminal law which conflict with the contravention law will be

presented. Finally, a study about the reception of the contravention law will be made by the

current context of the Brazilian legal order, highlighting some practical problems and

incoherencies with the analyses of the doctrines and the contravention’s jurisprudence

foreseen in the articles 21, 42, 50, 58, 59, 62 and 65.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

1 A Criação das Contravenções Penais 10

1.1 Contexto Histórico-Político 10

1.2 Do Projeto de Alcântara Machado ao Código Penal de 1940 15

1.3 Ideologia da Defesa Social 18

1.3.1 Princípio da Legitimidade 19

1.3.2 Princípio do Bem e o mal 21

1.3.3 Princípio da Culpabilidade 23

1.3.4 Princípio da finalidade ou da prevenção 25

1.3.5 Princípio da Igualdade 26

1.3.6 Princípio do interesse social e do delito natural 27

2 Direito penal mínimo 29

2.1 Introdução à teoria do Direito Penal Mínimo 29

2.2 Princípios 34

2.2.1 Princípio da Legalidade 34

2.2.2 Princípio da Intervenção Mínima 36

2.2.3 Princípio da Lesividade (ou ofensividade) 39

2.2.4 Princípio da Proporcionalidade 40

2.2.5 Princípio da Adequação Social 41

2.2.6 Princípio da Insignificância 42

3 (NÃO) RECEPÇÃO DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS PELO ORDENAMENTO

JURÍDICO 45

3.1 Direito Penal e Constituição 45

3.2 As Contravenções Penais e o atual ordenamento jurídico 49

3.2.1 A natureza da ação das Contravenções Penais e a Lei 9.099/95 51

3.3 Análise de artigos selecionados da Lei das Contravenções Penais 52

3.3.1 Art. 21 da LCP (Vias de Fato) 52

3.3.2 Artigos 42 e 65 da LCP (Perturbação do sossego e Perturbação da Tranquilidade) 54

3.3.3 Art. 50 e 58 da LCP 63

3.3.4 Artigos 59 e 62 da LCP (vadiagem e embriaguez) 64

CONCLUSÃO 66

REFERÊNCIAS 69

8

INTRODUÇÃO

A Lei das Contravenções Penais foi criada pelo decreto lei nº 3.688, de 3 de

outubro de 1941, assinado por Getúlio Vargas O projeto que deu origem à Lei das

Contravenções foi elaborado durante o regime político chamado de “Estado Novo”,

caracterizado por grande instabilidade política. Concomitantemente, no cenário internacional,

ocorria a segunda guerra mundial, caracterizada pelos movimentos nacionalistas-fascistas, dos

quais Getúlio Vargas possuía grande simpatia.

O Estado Novo instituiu-se com a outorga da Constituição de 1937, que tinha

característica fascista, intervencionista e centralizadora. Com ela também foi implementada a

censura à imprensa e a cassação aos comunistas, mediante uma propaganda política

fortemente nacionalista.

A criação da Lei das Contravenções Penais sofreu influências das escolas

classicistas e positivistas, como também da criminologia da defesa social. Essa doutrina

acredita que o Estado está legitimado para punir condutas que violem determinados bens

resultantes de condutas desviantes. Ademais, considera que o delito é uma conduta interior

reprovável e um elemento negativo à sociedade, logo a pena deve ter um efeito desestimulante

que previna a prática desses comportamentos.

No presente trabalho, então, foi feita uma desconstrução desse pensamento,

mediante a crítica de Alessandro Baratta, a fim de provocar uma reflexão sobre os princípios

informadores da doutrina supramencionada.

Confrontou-se, ainda, a Lei das Contravenções Penais com o modelo minimalista

de atuação estatal na esfera penal, pois a intervenção punitiva é a técnica jurídica mais lesiva à

liberdade e à dignidade humana, então deve ser utilizada como um remédio extremo. Além

disso, a Lei das Contravenções Penais precisa se adequar as múltiplas mudanças que

ocorreram (políticas, jurídicas e sociais) desde a época em que foi criada. É fundamental

refletir sobre a recepção dessa lei pelo atual Estado Democrático de Direito.

Portanto, ressalta-se que a presente monografia busca trazer esse debate sobre a

adequação das contravenções penais ao novo regime constitucional, afinal, seu status de

“crime anão” não retira sua importância dentro do ordenamento e, muito menos, impede que

seja causa de violações graves de princípios e garantias constitucionais.

9

O método de abordagem utilizado no trabalho foi o indutivo e o procedimento

aplicado foi o monográfico. A técnica de pesquisa adotada foi de documentação indireta,

envolvendo a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental.

Assim, no primeiro capítulo foi analisado o contexto histórico da época em que a

Lei das Contravenções Penais foi elaborada, período entre 1930 – 1954, com foco na chamada

“Era Vargas” e no desenvolvimento do anteprojeto de Alcântara Machado até o projeto que

deu origem ao Código Penal e à Lei das Contravenções Penais. Ademais, foi apresentada a

crítica à ideologia defesa social que foi a principal base teórica desse projeto.

No segundo capítulo, foi feito um estudo sobre o Direito Penal Mínimo,

introduzindo-o com foco no garantismo jurídico de Ferrajoli, Para tanto, também foram

analisados princípios que entram em confronto com a inflação de leis penais e o excesso de

intervencionismo nessa área.

No terceiro capítulo, contextualizou-se o Estado Democrático de Direito, a fim de

se realizar uma reflexão sobre a recepção ou não das contravenções penais pela nova ordem

constitucional, levando em considerações princípios do direito penal mínimo descritos no

segundo capítulo, que nada mais são que diretrizes do atual ordenamento constitucional

brasileiro. Por fim, foram analisadas algumas contravenções penais, para suscitar a discussão

prática de seus problemas, por meio do estudo doutrinário e jurisprudencial.

10

1 A CRIAÇÃO DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS

1.1 Contexto Histórico-Político

Os anos antecedentes ao Estado Novo, período em que o Código Penal de 1940 e

a Lei das Contravenções Penais foram elaborados, foram de grande turbulência política.

Durante a Primeira República imperava a política conhecida como “café-com-leite”, pois se

revezavam na presidência os mineiros e os paulistas. Entre 1926 e 1930, governou como

presidente da República o político paulista Washington Luís e, como nessa época não havia

partidos políticos nacionais, o presidente era responsável pela nomeação e negociação de seu

sucessor. 1

Antônio Carlos Ribeiro considerava-se o sucessor de Washington Luis, porém o

então presidente estava inclinado a nomear outro político paulista, Júlio Prestes de

Albuquerque. Com isso, Ribeiro formou uma aliança partidária com o Rio Grande do Sul,

chamada “Aliança Liberal”, que lançou como candidato à presidência Getúlio Vargas.2 O

partido propunha reformas no sistema político, buscando a justiça social e a liberdade política,

como ampliação dos direitos trabalhistas e a adoção do voto secreto.3

Nas eleições de 1930 a Aliança liberal foi derrotada e Júlio Prestes foi eleito

presidente. Alguns membros do partido não se conformaram e decidiram preparar uma

insurreição para chegar ao poder. Em 24 de outubro de 1930 o presidente Washington Luís foi

deposto4 e em 3 de novembro e Getúlio Vargas assumiu a Chefia do Governo Provisório da

nação, governando através de decretos-lei. Os tenentes e aliados civis da revolução de 1930

não queriam permitir novas eleições, pois elas seriam contaminadas pelo jogo político da

oligarquia presente ao longo da República Velha. Ademais, os tenentes também queriam um

modelo de Estado centralizador e nacionalista com um regime forte e apartidário.5

1 ANDRADE, Carlos Lindomar. Evolução Política do Estado Brasileiro 1822-1967. Florianópolis: Insular, 2012. 216 p.

2 Ibidem

3 FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil Republicano: O tempo do nacional-estatismo: do início da

década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 376 p 4 ANDRADE, op. cit.

5 FERREIRA; DELGADO, op. cit.

11

Durante os primeiros anos de poder, o governo de Vargas aprovou diversos

direitos do trabalhador e também editou o Código Eleitoral, garantindo o sufrágio universal e

concedendo cidadania política para as mulheres.6

Com o fortalecimento da oposição ao governo, a constitucionalização do país

tornou-se inevitável. Em 1932, desencadeou em São Paulo a Revolução Constitucionalista

que, com base no Código Eleitoral, logrou formar a Constituinte Brasileira mediante eleição

de representantes estaduais.7 Em 1934, a Constituição foi promulgada e Getúlio Vargas foi

eleito indiretamente presidente da República, mesmo que os militares tenham conspirado em

derrubá-lo.8

A Constituição de 1934 tinha caráter nitidamente liberal e foi formulada visando à

reafirmação de princípios fundamentais de segurança individual e coletiva, como a

irretroatividade da lei mais grave e vedação de penas de banimento, morte ou de caráter

perpétuo.9 Preconizava, além do mais, um Estado mais liberal e menos centralizador do que

desejava Vargas, pois, embora nos assuntos econômicos e sociais tenha instutído o

intervencionismo do Estado, estabeleceu o regime de governo federalista,.10

Através da nova Constituição representantes liberais conseguiram assegurar o

predomínio do Legislativo e utilizaram-no para inibir o avanço do Executivo. Vargas se

pronunciou na Assembleia Constituinte, demonstrando seu descontentamento com a nova

Constituição, afinal, ela também previa que o mandato de Vargas deveria ser de quatro anos e

ele não poderia se reeleger. Em seu discurso disse:

A Constituição de 34, ao revés da que se promulgou em 1891, enfraquece os

eles da federação: anula, em grande parte, a ação do presidente da República,

cerceando-lhe os meios imprescindíveis à manutenção da ordem, ao

desenvolvimento normal da administração: acoroçoa as forças armadas à

prática do facciosismo partidário, subordina a coletividade, as massas

proletárias e desprotegidas ao bel-prazes das empresas poderosas; coloca o

indivíduo acima da comunhão.11

O reestabelecimento de uma ordem legal contribuiu para o movimento social e

surgiram, assim, duas organizações políticas: a Ação Integralista Brasileira (AIB) e a Aliança

6 Ibidem

7 ANDRADE, op. cit.

8 FERREIRA; DELGADO, op. cit.

9 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. Colaboração de: Alexandre

Knopfholz e Gustavo Britta Scandelari 10

Ferreira, op. cit. 11

Ibid., p. 29

12

Nacional Libertadora (ANL). A AIB, criada em 1932 por Plínio Salgado, inspirou-se no

fascismo italiano, por conseguinte, pautou-se em extremo nacionalismo e moralismo,

possuindo muitos adeptos militares e católicos. O partido, de inicio, apoiou o político ao

Governo Vargas, sobretudo na luta contra o comunismo.12

A ANL, por outro lado, foi criada em 1935 e era inspirada em modelos europeus

de frentes populares que surgiram para combater o nazi-fascismo. Fazia oposição cerrada ao

regime, defendendo propostas anti-imperialistas. O partido agregava comunistas, socialistas e

liberais desiludidos, tendo como líder Luís Carlos Prestes.13

Em 1935, o partido liderado por Prestes realizou movimentos armados com o

objetivo de derrubar Vargas. Após a rebelião, comunistas e opositores ao governo foram

severamente reprimidos e o Executivo começou a aumentar seu poder fechando o regime.

Estabeleceram-se medidas como censura dos meios de comunicação e declaração de “estado

de guerra” no caso de rebeliões.14

Vargas tentou buscar apoio do Congresso para estender seu mandato, porém seu

pedido foi rejeitado.15 No 1º de outubro de 1937 após forjar a existência de um ‘Plano Cohen’,

alegando ser um esquema que planejava assassinar centenas de políticos brasileiros e

implantar o comunismo no Brasil, conseguiu o apoio do Congresso para decretar o Estado de

Guerra.16

Na manhã de 10 de novembro de 1937, Vargas finalmente deu o golpe de

Estado. Soldados ocuparam os edifícios da Câmara dos Deputados e do

Senado Federal, impedindo acesso dos parlamentares. Às 10 horas daquela

mesma manhã, Vargas reuniu seus ministros para apresentar-lhes a nova

Constituição, a qual deveria subscrever. Odilon Braga, ministro da

Agricultura, negou-se a assinar e pediu demissão. O general Eurico Gaspar

Dutra, ministro de Guerra, divulgou proclamação ao Exército apoiando o

golpe de Estado.17

A Carta outorgada de 1937 tinha o seguinte preâmbulo:

Atendendo às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz politica e social,

profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes

da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória

propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da

12 Ibidem

13 Ibidem

14 Ibidem

15 Ibidem

16 ANDRADE, op. cit.

17 Ibid., p. 72

13

extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento

natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a

funesta iminência da guerra civil;

Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista,

que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de

caráter radical e permanente;

Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado de

meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem

estar do povo;

Com o apoio das forças armadas e cedendo ás inspirações da opinião

nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que

ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a

decomposição das nossas instituições civis e politicas;

Resolve assegurar á Nação a sua unidade, o respeito á sua honra e á sua

independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz politica social, as

condições necessárias á sua segurança, ao seu bem estar e á sua

prosperidade;

Decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o

país.18

Francisco Campos, redator da referida Constituição, justificou a manutenção de

Vargas no poder, dispensando o sufrágio universal, nos seguintes termos:

A maior parte dos eleitores não se preocupa com a coisa pública. A sua vida

privada já lhes dá bastante motivos de preocupação. Passam a maior parte do

tempo alheios às questões de política, de administração e de governo [...] As

questões econômicas e financeiras, as de organização da economia nacional,

as do comércio interno e externo, questões sobretudo técnicas, e, por sua

natureza, incapazes de despertar emoção, passaram ao primeiro plano. Daí o

desinteresse que se observa em quase todo o mundo pelas campanhas

eleitorais. Nelas o povo não encontra os grandes motivos ou grandes temas

humanos, acessíveis ao interesse geral, que, no século passado, davam à vida

política, nas suas fases agudas, a aparência movimentada e dramática. À

medida que os problemas em debate se tornam complexos e, pelo seu caráter

técnico, impróprios a provocar nas massas emoção, a opinião pública passa a

desinteressar-se do processo político propriamente dito, só exigindo dos

governos resultados que se traduzem efetivamente em melhoria do bem-estar

do povo [...] A Constituição de 10 de novembro não faz mais, restringindo o

uso do sufrágio universal, do que aceitar uma situação de fato, hoje geral no

mundo.19

A carta outorgada de 1937 apresentava nítida influência da Constituição da

Polônia, sendo por este motivo conhecida popularmente como ‘a polaca’. Instituía um

governo do tipo fascista, com uma grande concentração do poder nas mãos do chefe do

Executivo20.

Seu art. 73 bem demonstra o poder do Executivo estabelecido:

18 ANDRADE, loc. cit.

19 CAMPOS, Francisco. Senado Federal. O Estado Nacional: sua estrutura, seu conteúdo ideológico. Brasília: Senado Federal, Conselho

Editorial, 2001. 226 p. (Biblioteca Básica Brasileira). 20

ANDRADE, op. cit.

14

Art. 73 O Presidente da Republica, autoridade suprema do Estado, coordena

a atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a politica

interna e externa, e promove ou orienta a politica legislativa de interesse

nacional, e superintende a administração do País.21

Francisco Campos ao falar do Poder Legislativo alega que

Não só em outros países a legislação direta pelo Parlamento se mostrou

impraticável. Entre nós, os seus defeitos estão parentes a todas as vistas. O

processo de crivas de emendas, muitas vezes de caráter pessoal, um projeto

de lei, é um processo corrente na forma parlamentar de legislação [...] A

constituição de 10 de novembro, reconhecendo esse mal, deu-lhe um

remédio. A iniciativa da legislação cabe, em princípio, ao governo.22

Um dos mais importantes órgãos de sustentação do Estado Novo foi o DIP

(Departamento de Imprensa e Propaganda), que “difundia a propaganda oficial do governo e

controlava, através de rígida censura, toda a imprensa e os meios de comunicação em geral”.23

Francisco Campos justificou que o controle da imprensa é necessário, pois ela tem um papel

fundamental na opinião pública, todavia ela é controlada por interesses econômicos privados.

Por conseguinte, a intervenção estatal seria necessária, pois a imprensa possui poderes de

Governo (já que controla a opinião pública) e esse poder só pode ser exercido em

consideração exclusiva ao bem público.24

Em relação à política internacional, embora Vargas buscasse a neutralidade em

relação a 2ª Guerra Mundial, tinha grande afinidade com os regimes fascistas da Alemanha e

da Itália. Ocorre que, quando os Estados Unidos entraram na guerra, houve uma grande

pressão para os países latino-americanos se oporem a esses regimes. Em 1942, romperam no

Brasil manifestações contra o nazismo, após a Alemanha ser considerada culpada pelo

bombardeio de navios brasileiros e, em agosto do mesmo ano, o Brasil posicionou-se a favor

dos Aliados.25

Com a vitória dos Aliados, as ditaduras foram expostas, favorecendo opositores

de Vargas, pois se criou uma consciência de valorização da democracia e da liberdade26.

Outrossim, foram expostas as contradições de um regime internamente autoritário que se dizia

externamente favorável à democracia27.

21 Ibid. p. 73

22 CAMPOS, op. cit. p. 55

23 COSTA, Luís César Amad; MELLO, Leonel Itaussu Almeida. História do Brasil. 11. ed. São Paulo: Scipione, 2007. 431 p., p. 319

24 CAMPOS, op. cit. p. 96

25 FERREIRA, op. cit.

26 ANDRADE, op. cit.

27 FERREIRA, op. cit.

15

“O ditador Getúlio Vargas viu-se obrigado a anunciar as eleições, decretando

a 28 de fevereiro de 1945 a Lei Constitucional nº 9 [...] que fixava o prazo de

90 dias para marcar as datas das eleições para os poderes Executivo e

Legislativo federais e estaduais”.28

Após marcar as eleições, surgiu a “Campanha da Constituinte com Getúlio”,

representada agora principalmente por petebistas e comunistas. Esse movimento foi nomeado

de “queremistas”29 e decorreu devido à aproximação de Vargas com a classe trabalhadora.30

Enquanto isso, Vargas buscava uma maneira de continuar no poder. Em 29 de

outubro de 1945, nomeou Benjamin Vargas, seu irmão, para chefiar a Polícia do Distrito

Federal. Contudo, essa nomeação só agravou ainda mais a sua situação política e os militares

obrigaram-no a renunciar.31

O ditador não desejava aceitar o ultimato para sua renúncia. Durante várias

horas, em sucessivos encontros, tentou uma fórmula que o mantivesse no

poder. [...] Os militares não aceitaram qualquer proposta de Vargas, exigindo

uma renúncia incondicional. Vargas teve então de renunciar.32

Dr. José Linhares, que exercia o cargo do Supremo Tribunal Federal, assumiu a

chefia do executivo brasileiro após a renúncia de Vargas. Porém, em sua posse, os

dispositivos varguistas não foram revogados e os direitos políticos de Vargas não foram

cassados. Nas eleições de 1945, Vargas foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul e São Paulo

e deputado em vários estados. Para presidência da república, o marechal Eurico Gaspar Dutra,

candidato do PSD, foi eleito Presidente da República.33

Nas próximas eleições, de 1951, Getúlio foi eleito para presidência. Em seu novo

mandato, tentou uma política nacionalista e intervencionista, preocupando-se em indústrias de

base. A oposição acusava Vargas de estar preparando um golpe sindicalista e, em 1954, o

exército exigia a sua renúncia. No dia 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas suicidou-se com

um tiro no peito.34

1.2 Do Projeto de Alcântara Machado ao Código Penal de 1940

28 ANDRADE, op. cit., p. 82

29 Ibidem.

30 FERREIRA, op. cit.

31 ANDRADE, op. cit.

32 Ibid., p. 82

33 Ibidem

34 COSTA; MELLO, op. cit.

16

Com a instauração do regime chamado de Estado Novo, o Ministro da Justiça

Francisco Campos, por volta de um mês após a outorga da Constituição de 1937, incumbiu ao

Professor paulista Alcântara Machado a elaboração do anteprojeto do Código Penal.35 O

professor paulista optou por não trabalhar em cima do projeto que havia sido apresentado à

Câmara dos Deputados em 1935, pois considerava que estava inadequado para o momento

político.36

Alcântara Machado acreditava que existe uma relação lógica entre o conteúdo de

regulação penal e as circunstâncias políticas e sociais do momento:

Reforçar a defesa coletiva contra a criminalidade comum e resguardar as

instituições contra a criminalidade política são imperativos a que não pode

fugir o legislador em países organizados de maneira por que atualmente se

encontra o nosso [...] há uma relação lógica e necessária entre seu conteúdo e

as circunstâncias políticas e sociais do lugar e do momento.37

Conforme já exposto no capítulo anterior, a forma de governo em 1937 era

centralizadora e marcada pela forte intervenção do Executivo no legislativo. Alcântara

Machado se inspirou principalmente no código italiano de 1930 e seu projeto é considerado

híbrido, pois:

procurou manter alguns limites de defesa individual típicos do classicismo,

mas aplicáveis de forma restrita; de outro, aplicou o instrumental positivista

de defesa social [...] essa ‘confusão teórica’ se impunha, pois não seria

politicamente conveniente romper bruscamente com os padrões de justiça

penal com os quais se acostumara a população e, ao mesmo tempo, não se

podia abrir mão das técnicas positivistas de proteção social. José Goynea,

professor uruguaio a quem Alcântara Machado encomendara parecer sobre

seu projeto, identificou e aplaudiu a estratégia penal do professor paulista

[...] por uma aumento da repressividade, em benefício da defesa coletiva:

“adaptar a defesa coletiva aos sentimentos dos indivíduos que não concebem

o castigo sem a liberdade [...] atingir plenamente o seu objetivo sem por de

lado o sentimento repressivo tal como o concebe, o assimila e o justifica a

coletividade. O Código Penal não pode ser uma obra acadêmica: lei do povo

e para o povo deve sem prejuízo aproximar-se da verdade científica.38

O redator do anteprojeto reafirmava os direitos individuais em face da pena, mas

previu as medidas de segurança com grande abrangência, pois além de atingir os

inimputáveis, ele queria que essa punição fosse utilizada contra aqueles considerados

socialmente perigosos. Ademais, estava prevista a pena de morte, fechando-se, assim, um

35 PIERANGELLI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil: evolução história. Bauru: Jalovi, 1980.

36 NETTO, Alamiro Velludo Salvador (Coord.). Comentários À Lei das Contravenções Penais. São Paulo: Quartier Latin, 2006. 320 p.

37 Machado, Alcântara. (1938 apud NETTO, op. cit. p. 22).

38 NETTO, op. cit.

17

sistema de defesa social fundado em respostas penais eliminatórias, com mais eficiência

repressiva.39 Conforme declarou Alcântara Machado:

Apesar do descrédito lançado sobre a Escola Positiva pelos exageros de

alguns de seus adeptos, a orientação que ela imprimiu à luta contra a

delinquência é tão racional e tão conforme às necessidades e ao espírito do

nosso tempo, que, pouco a pouco, as novas ideias se são infiltrando na

consciência jurídica de todos os povos, e triunfam na legislação de todo o

mundo ocidental [...] É que não dura muito o poder das trevas. É que a

claridade fere aos olhos, antes de abri-los à visão da realidade.40

Embora o anteprojeto tenha sido bem recebido pela crítica no exterior, foi

substancialmente modificado. Francisco Campos decidiu constituir uma comissão revisora,

nomeando para compô-la Nelson Hungria, Roberto Lyra, Vieira Braga e Narcélio Queiroz,

que se inspirou nos códigos penais suíço, dinamarquês e polonês para reformar o

anteprojeto.41

A política criminal intervencionista ganhou força com o apoio de Nelson Hungria

e Roberto Lyra. Hungria afirmou que o Código Penal resulta da cultura brasileira, pois se

refletem nele as mudanças econômicas e culturais do período.42 Portanto, considerando o

contexto da época, o populismo afeta reflexamente a criminalização e o sistema penal,

enquanto o totalitarismo afeta diretamente a interpretação desses campos, conforme pontua

Zaffaroni.43

É atribuída à matriz intelectual do Código Penal o tecnicismo jurídico, devido à

mistura de classicismo com positivismo. Conforme leciona Dotti:

A influência exercida pela Escola Positiva ficou bem delineada através da

orientação adotada em importantes setores como a classificação dos

delinquentes, a periculosidade criminal e social, a individualização e a

indeterminação da pena, o emprego das medidas de segurança, etc [...] o

projeto examina a ofensa causada à sociedade não somente em função da

gravidade do crime, mas também pela temibilidade do agente segundo suas

condições físico-psíquicas [...] Durante todo o tempo de fastígio das ideias

fundantes do diploma brasileiro de 1940, a criminologia “caiu em desgraça”

na órbita jurídica [...] Até o final dos anos 70, as ciências auxiliares do

Direito Penal sofreram a marginalização total que as afastou dos currículos

dos cursos jurídicos [...] não tiveram ingresso nas especulações abstratas de

um método asfixiado pelo dogmatismo dos conceitos puros e pela alienação

39 NETTO, op. cit.

40 MACHADO, Alcântara, 1929. In: SOUZA, Moacyr Benedicto de. A influência da Escola Positiva no Direito Penal Brasileiro. São

Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1982. p. 65. 41

ZAFFARONI, et al. Manual de Direito Penal Brasileiro. 7ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. 42

Ibidem 43

ZAFFARONI, et al, op. cit.

18

da realidade humana e social que é, ao mesmo tempo, a vida e a arte das

ciências penais.44

Roberto Lyra afirma que embora tenham trabalhado sob clima autoritário, a obra

da comissão “correspondeu às exigências do liberalismo superveniente, sempre que este

respeitou os limites do interesse social, soma e base de conveniências individuais”.45 Todavia,

analisando a Lei das Contravenções Penais, é possível extrair artigos com características

altamente totalitárias:

Também a Lei de Contravenções estabeleceu circunstâncias em que a

periculosidade dava-se por presumida, independentemente de submissão do

agente a qualquer forma de perícia. Nesse sentido, o art. 14 da Lei mandava

que fossem presumidos perigosos os condenados por vadiagem ou

mendicância, além dos reincidentes nas contravenções de jogo de azar e jogo

do bicho” [...] Ao que parece, o propósito destes artigos foi fortalecer a

repressão às contravenções diretamente opostas às linhas mestras do Estado

varguista, que primava não só pela grande valorização do trabalho como

instrumento de inclusão social e emancipação política, mas também o

combate às perniciosas práticas especulativas características do “arrivismo”

e da “cupidez material” – expressões de Sevcenko – típicos da Primeira

República”.46

Portanto, encontram-se nessa lei traços antiliberais, comuns à escola positivista.

Outro exemplo encontra-se no seu art. 3º que dispensa, via de regra, a demonstração de dolo

ou culpa nas contravenções, com a intenção de afastar qualquer juízo de responsabilidade

subjetiva pelo ato, bastando ação ou omissão voluntária.47

1.3 Ideologia da Defesa Social

Francisco Campos, ao comentar sobre o Código Penal de 1940, disse que: “o

princípio cardeal que inspira a lei projetada, e que é, aliás, o princípio fundamental do

moderno direito penal, é o da defesa social. É necessário defender a comunhão social contra

todos aqueles se mostram perigosos à sua segurança”.48

Conforme ensina Baratta, a ideologia da defesa social:

44 DOTTI, op. cit.

45 LYRA, Roberto. Direito Penal Normativo. Rio de Janeiro: José Konfino, 1975.

46 NETTO, op. cit.

47 Ibidem.

48 CAMPOS, op.cit.

19

surgiu contemporaneamente à revolução burguesa, e, enquanto a ciência e a

codificação penal se impunham como elemento essencial do sistema jurídico

burguês, aquela assumia o predomínio ideológico dentro do específico setor

penal. As escolas positivistas herdaram-na da Escola Clássica,

transformando-a em algumas de suas premissas, em conformidade às

exigências políticas que assinalam, no interior da evolução da sociedade

burguesa, a passagem do estado liberal clássico ao estado social. O conteúdo

dessa ideologia, assim como passou a fazer parte – embora filtrado através

do debate entre as duas escolas - da filosofia dominante na ciência jurídica e

das opiniões comuns, não só dos representantes do aparato penal

penitenciário, mas também do homem de rua (ou seja, das every day

theories).49

Assim, ainda que as escolas abordem o direito penal de diferentes maneiras, visto

que na ideologia positivista há mais enfoque no comportamento do criminoso, enquanto na

escola clássica o objeto em destaque é o próprio crime, ambas sustentam a ideologia de um

sistema penal baseado na defesa social.50 Segundo aponta a Professora Bartira Macedo de

Miranda Santos “o conteúdo dessa ideologia passou a fazer parte da filosofia dominante na

ciência jurídica e das opiniões tanto dos representantes do aparato penal como do homem de

rua”.51

Portanto, considerando que a elaboração do código guiou-se por essa corrente

criminológica, passa-se agora para a análise crítica dessa teoria, a partir da citação de seus

princípios seguidas pela reflexão crítica, formulada principalmente por Alessandro Baratta52.

1.3.1 Princípio da Legitimidade

O Estado, como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a

criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio

de instâncias oficiais de controle social (legislação, polícia, magistratura,

instituições penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da sociedade,

ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condenação do

comportamento desviante individual e à reafirmação dos valores e das

normas sociais53

49 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. ed. Rio de

Janeiro: Revan, 2002. 256 p. Tradução de: Juarez Cirino dos Santos. 50

Ibidem. 51

SANTOS, Bartira Macedo de Miranda. Crítica à ideologia da defesa social. 2015. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/>.

Acesso em: 05 maio 2016. 52

BARATTA, op. cit. 53

Ibid., p. 42

20

Para negar o princípio da legitimidade, Baratta faz uma análise de teorias

psicanalíticas da criminalidade e da sociedade punitiva. A explicação do comportamento

criminoso tem origem na doutrina freudiana, para ele, a repressão dos instintos delituosos não

é suficiente para destruí-los, pois eles permanecem no inconsciente, acompanhados de um

sentimento de culpa, e com o comportamento delituoso o indivíduo supera o sentimento de

culpa e realiza a tendência a confessar.54 Ou seja, o sentimento de culpa aparece antes da

prática da ação, e não depois.

A função psicossocial que atribuem à reação punitiva permite interpretar

como mistificação racionalizante as pretensas funções preventivas,

defensivas e éticas sobre as quais se baseia a ideologia da defesa social

(princípio de legitimidade) e em geral toda ideologia penal. Segundo as

teorias psicanalíticas da sociedade punitiva, a reação penal ao

comportamento delituoso não tem a função de eliminar ou circunscrever a

criminalidade, mas corresponde a mecanismos psicológicos em face dos

quais o desvio criminalizado aparece como necessário e ineliminável da

sociedade.55

Portanto, a intervenção punitiva do grupo social ocorreria por questões

psicológicas relacionadas ao desvio criminológico. O grupo se sente ameaçado quando há a

violação de um tabu, porquanto há uma liberação de um instinto reprimido e, com isso,

emerge a tentação de imitar aquele que o violou. Assim, a reação punitiva ocorreria, pois há

nos grupos impulsos idênticos aos proibidos.56

A partir dessa concepção, Theodor Reik desenvolveu uma teoria psicanalítica do

direito penal baseada na dupla função exercida pela pena (retribuição e prevenção): “a) a pena

serve a satisfação da necessidade inconsciente de punição que impele a uma ação proibida; b)

a pena satisfaz também a necessidade de punição da sociedade, através de sua inconsciente

identificação como delinquente”.57

Assim, os efeitos da retribuição e prevenção da pena são transferidos para o

futuro, pois buscam influenciar a coletividade ou o autor do delito. A partir do ponto de

investigação psicológica de Freud, como já mencionado anteriormente, o sentimento de culpa

é anterior ao delito, pois não aparece como consequência da própria ação delituosa, mas da

sua motivação.58

54 Ibidem

55 Ibid,. p. 50

56 Ibidem.

57 Ibid., p. 51

58 Ibidem.

21

Complementando essa teoria, Staub e Alexander realizaram a análise da pena do

ponto de vista da identificação de um indivíduo com a sociedade punitiva e os órgãos

legitimados para exprimir uma reação penal ao desvio. Para eles, “a pena infligida a quem

delinque vem contrabalancear a pressão dos impulsos reprimidos, que o exemplo de sua

liberação no delinquente torna mais fortes. A punição representa, de tal modo, uma defesa e

um reforço do superego”.59

O modelo de explicação psicanalítica da reação punitiva, ainda que

mediatizada por formas frequentemente mais populares que cientificas,

parece hoje, novamente como na época em que Reik e Alexander e Staub

escreviam suas obras decisivas, ter entrado como um aguilhão crítico na

consciência dos juristas e operadores sociais. Em tal modelo certamente

estão contidos alguns dos elementos teóricos mais geradores de inquietação

na consciência, geralmente muito tranquila, dos juristas, pois que, como se

viu, atacam a ideologia da defesa social precisamente no seu fundamental

momento de legitimação da pena. E não raro, em relação a ideias e

elementos críticos extraídos do repertório da literatura psicanalítica, vemos

manifestar-se, assim, encontros científicos ou nas páginas das revistas

jurídicas mais difundidas, aquela "má-consciência" sem a qual, escrevia

Radbruch, não se pode mais ser um bom jurista.60

Os membros da sociedade projetam suas próprias tendências antissociais em

figuras de delinquentes (sujeitos desviantes). Cria-se, assim, a figura de um bode-expiatório

sobre o qual são projetadas as tendências criminosas dos indivíduos da sociedade, pois o

homem procura descarregar o sentimento de culpa inconsciente em uma terceira pessoa, ou

seja, transportá-lo para o exterior para concebê-lo como algo externo.61

1.3.2 Princípio do Bem e o mal

“O delito é um dano para a sociedade. O delinquente é um elemento negativo e

disfuncional do sistema social. O desvio criminal é, pois, o mal; a sociedade constituída, o

bem”.62

Baratta questiona esse princípio através da teoria estruturalmente funcionalista da

anomia e da criminalidade, introduzida por Durkheim. Essa teoria afirma que:

59 Ibid., p. 52

60 Ibid., p. 56

61 Ibidem.

62 Ibid., p. 42

22

1) As causas do desvio não devem ser pesquisadas nem em fatores

bioantropológicos e naturais (clima, raça), nem em uma situação patológica

da estrutura social. 2) O desvio é um fenômeno normal de toda estrutura

social. 3) Somente quando são ultrapassados determinados limites o

fenômeno do desvio é negativo para a existência e o desenvolvimento da

estrutura social, seguindo-se um estado de desorganização, no qual todo o

sistema de regras de conduta perde valor, enquanto um novo sistema ainda

não se afirmou (esta é a situação de "anomia"). Ao contrário, dentro de seus

limites funcionais, o comportamento desviante é um fator necessário e útil

para o equilíbrio e o desenvolvimento sociocultural.63

O delito não é uma patologia da sociedade, mas sim, uma característica

fisiológica, pois é parte integrante dela. Afirmar o contrário seria atribuir um caráter negativo

a um fenômeno inevitável e, em muitos casos, derivado da constituição fundamental do ser

humano.64

A reação social à prática do delito é um elemento que sustenta a conformidade

social às normas e a reprodução do sistema normativo vigente. A transformação e a renovação

social ocorrem a partir da possibilidade da autoridade pública descarregar a própria ação

reguladora, sustentada pelo sentimento coletivo, sobre os desvios que atingem a intensidade

do crime. Assim, Durkheim não via o delinquente como um ser antissocial, mas como um

agente regulador da vida social, pois o desvio, além de recriar consenso sobre os valores

decorrentes desta consciência coletiva, também contribui no desenvolvimento moral da

sociedade.65

Qualquer inovação social que se fizer em prol do desenvolvimento humano

deverá enfrentar o sistema penal; todo conhecimento e todo pensamento

abriu caminho confrontando-se com o poder punitivo. A história ensina que

os avanços da dignidade humana sempre ocorreram em luta contra o poder

punitivo.66

Baratta explica o modelo funcionalista proposto por Merton, que consistente em

“reportar o desvio a uma possível contradição entre estrutura social e cultura”:

A desproporção que pode existir entre os fins culturalmente reconhecidos

como válidos e os meios legítimos, à disposição do individuo para alcançá-

los, está na origem dos comportamentos desviantes. Esta desproporção,

contudo, não é um fenômeno anormal ou patológico, mas, dentro de certos

limites quantitativos em que não atinge o nível crítico da anomia, um

elemento funcional ineliminável da estrutura social. A cultura, ou "estrutura

cultural" é para Merton, "o conjunto de representações axiológicas comuns:

que regulam o comportamento dos membros de uma sociedade ou de um

63 Ibid., p. 59

64 Ibidem.

65 Ibidem.

66 ZAFFARONI, et al, op. cit. p. 99

23

grupo". A estrutura social é, ao contrário, "o conjunto das relações sociais,

nas quais os membros de uma sociedade ou de um grupo estão

diferentemente inseridos". Anomia é, enfim, "aquela crise da estrutura

cultural, que se verifica especialmente quando ocorre uma forte discrepância

entre normas e fins culturais, por um lado e as possibilidades socialmente

estruturadas de agir em conformidade com aquelas, por outro lado”.67

Assim, Merton diz que a estrutura social não permite um comportamento de todos

os membros da sociedade na mesma medida, essa possibilidade varia de acordo com a posição

dos indivíduos na sociedade. Estratos sociais inferiores são submetidos a maiores pressões e

tem maiores impulsos ao comportamento desviante, devido a sua limitada possibilidade de

atingir o fim cultural através de meios institucionais legítimos. Baratta critica essa posição,

pois diz que ela não explica os crimes de colarinho branco, que são praticados por camadas

privilegiadas, porém são mais ocultos, uma vez que não são amplamente punidos. 68

1.3.3 Princípio da Culpabilidade

“O delito é expressão de uma atitude interior reprovável, porque contrária aos

valores e às normas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo

legislador”.69

Baratta refuta esse princípio através da teoria funcionalista e das subculturas

criminais:

De fato, as duas teorias se desenvolvem, em parte, sobre dois planos

diferentes: a primeira, pretende estudar o vínculo funcional do

comportamento desviante com a estrutura social; a segunda, assim como se

apresenta em suas primeiras formulações na obra de Clifford R. Schaw e de

Frederic M. Trascher até Sutherland, se preocupa principalmente em estudar

como a subcultura delinquencial se comunica aos jovens delinquentes e,

portanto, deixa em aberto o problema estrutural da origem dos modelos

subculturais de comportamento que são comunicados. A compatibilidade das

duas teorias resulta, pois, da própria diversidade de nível de discurso e dos

conjuntos de fenômenos de que se ocupam, respectivamente.70

A origem das subculturas criminais na sociedade está na distribuição desigual de

chances que dispõem o indivíduo para o acesso aos meios legítimos para alcançar os fins

culturais, portanto, as subculturas criminais são uma reação dessas minorias desfavorecidas

67 BARATTA, op. cit., p.63

68 Ibidem.

69 Ibid., p. 42

70 Ibid., p. 69

24

que tentam se orientar dentro da sociedade com as reduzidas possibilidades legítimas de

agir.71

Edwin H. Sutherland contribuiu para complementar essa teoria, criticando

radicalmente teorias genéricas sobre o comportamento do criminoso, baseadas meramente em

questões econômicas, psicológicas e sociológicas. Primeiramente, porque se baseiam em uma

criminalidade que não abrange o todo, excluindo crimes como, por exemplo, os denominados

de colarinho branco, além de não consideram que os autores desses crimes participam de

camadas superiores da sociedade. Além disso, acabam por nem mesmo explicar a

criminalidade dos estratos inferiores, pois os fatores psicológicos e sociológicos só se

enquadrariam na análise desse estrato e falhariam com o todo da criminalidade.72

Para Sutherland, existe um processo chamado de associação diferencial, pois a

pessoa torna-se ou não criminosa dependendo do contato frequente que ela tem com

comportamentos que se enquadram na lei:73

A hipótese aqui sugerida em substituição das teorias convencionais, é que a

delinquência de colarinho branco, propriamente como qualquer outra forma

de delinquência sistemática, é aprendida; é aprendida em associação em

direta ou indireta com os que já praticaram um comportamento criminoso, e

aqueles que aprendem este comportamento criminoso não têm contatos

frequentes e estreitos com o comportamento conforme a lei. O fato de que

uma pessoa torne-se ou não um criminoso é determinado, larga medida, pelo

grau relativo de frequência e de intensidade de suas relações com os dois

tipos de comportamento. Isto pode ser chamado de processo de associação

diferencial.74

Segundo Baratta, essa teoria se opõe ao princípio da culpabilidade, pois: “nega

que o delito possa ser considerado como expressão de uma atitude contrária aos valores e às

normas sociais gerais, e afirma que existem valores e normas específicos dos diversos grupos

sociais (subcultura)”.75 No interior de uma sociedade existem variados conjuntos de valores e

regras sociais e muitas vezes o direito penal conhece valorações que não são unânimes na

sociedade, assim, frequentemente são acolhidos valores de certos grupos e negados por

outros, bem como valores defasados e superados.76

71 Ibidem.

72 Ibidem.

73 Ibidem

74 SUTHERLAND (1940 apud BARATTA, op. cit., p. 72).

75 BARATTA, op. cit. p. 53

76 Ibidem.

25

1.3.4 Princípio da finalidade ou da prevenção

A pena não tem, ou não tem somente, a função de retribuir, mas a de

prevenir o crime. Como sanção abstratamente prevista pela lei, tem a função

de criar uma justa e adequada contra motivação ao comportamento

criminoso. Como sanção concreta, exerce a função de ressocializar o

delinquente.77

Baratta diz que para compreender a criminalidade é preciso estudar a ação do

direito penal, das normas abstratas até as instâncias oficiais. Portanto, hoje no centro de

discussão no âmbito da sociologia criminal, está a teoria da reação social, ou lebeling

aprproach. 78

Na supracitada teoria, as perguntas principais são: “‘quem é definido como

desviante?’, ‘em que condições este indivíduo se torna objeto de definição?’ e ‘quem define

quem?’”.79 Realizam-se pesquisar com o objetivo de questionar as funções da prevenção e

reeducação da pena, visto que a sanção altera a identidade social do indivíduo. A partir desse

momento, ele passa a ter um status de desviante e, na maioria dos casos, após essa

estigmatização sofrida, o condenado ingressa em uma carreira criminosa.80

“O sistema seleciona aqueles que, tendo caído em uma primeira condenação,

surgem como bons candidatos a uma segunda criminalização, levando-os ao

ingresso no rol dos desviados, como resultado do conhecido fenômeno

psicológico do ‘bode expiatório’”.81

Assim, as instâncias políticas que realizam o etiquetamento, isto é, o processo de

criminalização primário de condutas por intermédio do legislador e das agências oficiais de

controle social, e, com isso rotulam indivíduo como criminoso, são responsáveis por essa

estigmatização. Assim, o discurso de que o Direito Penal aplica sanções com intuito de

retribuição e prevenção, torna-se obsoleto, pois a própria sanção contribui para uma segunda

criminalização.82

77 Ibid., p. 42

78 Ibidem.

79 Ibid., p. 88

80 Ibidem.

81 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral. 9. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011.p. 75 82

Ibidem.

26

1.3.5 Princípio da Igualdade

“A criminalidade é violação da lei penal e, como tal, é o comportamento de uma

minoria desviante. A lei penal é igual para todos. A reação penal se aplica de modo igual aos

autores de delitos”.83

Como já mencionado, uma grande questão enfrentada pela criminologia são os

crimes de colarinho branco. Além de não serem igualmente perseguidos, são ainda menos

punidos em comparação a muitas outras matérias reguladas pelo direito penal. Segundo

Baratta:

Trata-se, como se sabe, de fatores que são ou de natureza social (o prestígio

dos autores das infrações, o escasso efeito estigmatizante das sanções

aplicadas, a ausência de um estereótipo que oriente as agências oficiais na

perseguição das infrações, como existe, ao contrário, para as infrações

típicas dos estratos mais desfavorecidos), ou de natureza jurídico-formal (a

competência de comissões especiais, ao lado da competência de órgãos

ordinários, para certas formas de infrações, em certas sociedades), ou, ainda,

de natureza econômica (a possibilidade de recorrer a advogados de

renomado prestígio, ou de exercer pressões sobre os denunciantes etc.).84

Sobre o tema, também discorre Zaffaroni85:

A inevitável seletividade operacional da criminalização secundária e sua

preferente orientação burocrática (sobre pessoas sem poder e por fatos

grosseiros e até insignificantes) provocam uma distribuição seletiva em

forma de epidemia, que atinge apenas aqueles que tem baixas defesas

perante o poder punitivo, aqueles que se tornam mais vulneráveis à

criminalização secundária porque: a) suas características pessoas se

enquadram nos estereótipos criminais; b)sua educação só lhes permite

realizar ações ilícitas toscas e, por conseguinte, de fácil detecção e c) porque

a etiquetagem suscita a assunção do papel correspondente ao estereótipo

com o qual seu comportamento acaba correspondendo ao mesmo ( a profecia

que se auto-realiza ).

As estatísticas criminais são, geralmente, baseadas na criminalidade identificada e

perseguida, portanto distorcem e apresentam um quadro falso sobre a distribuição de

criminalidade nos grupos sociais, devido à seletividade da punição penal, pois a criminalidade

não é um comportamento de uma seleta minoria, mas da maioria dos membros da sociedade.

83 Ibid., p. 42

84 Ibid., p. 102

85 ZAFFARONI; et al, op. cit.

27

Chama-se esse fenômeno de “cifra negra”, que são os dados criminológicos não

contabilizados na estatística penal.86

Segundo Baratta, é preciso levar em consideração que a pertença a um estrato

social inferior não produz no indivíduo uma maior motivação a um comportamento desviante,

mas que esse comportamento terá mais chances de ser definido como desviante,

principalmente por parte dos detentores do controle social institucional, quando praticado por

esse individuo do que quando praticado por outro de estrato social superior.87

1.3.6 Princípio do interesse social e do delito natural

O núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais das nações

civilizadas representa ofensa de interesses fundamentais, de condições

essenciais à existência de toda sociedade. Os interesses protegidos pelo

direito penal são interesses comuns a todos os cidadãos. Apenas uma

pequena parte dos delitos representa violação de determinados arranjos

políticos e econômicos, e é punida em função da consolidação destes (delitos

artificiais).”88

Segundo a criminologia tradicional, o desvio é uma qualidade objetiva de

comportamentos e de indivíduos que violam interesses e necessidades próprios de toda a

comunidade. Porém, sobre o tema discorre Baratta:

a) os interesses que estão na base da formação e da aplicação do direito

penal são os interesses daqueles grupos que tem o poder de influir sobre os

processos de criminalização – os interesses protegidos através do direito

penal não são, pois, interesses comuns a todos os cidadãos; b) a

criminalidade, no seu conjunto, é uma realidade social criada através do

processo de criminalização. Portanto, a criminalidade e todo o direito penal

tem, sempre, natureza política. A referência à proteção de determinados

arranjos políticos e econômicos, ao conflito entre grupos sociais, não é

exclusiva de um pequeno número de delitos “artificiais”.89

Logo, conforme a doutrina da reação social, a criminalidade é atribuída através de

processos de definição e mecanismo de reação, com natureza política. Muitas vezes, os

interesses que baseiam essa atribuição tem origem em valores de grupos minoritários com

86 BARATTA, op. cit.

87 Ibidem.

88 Ibid., p. 42

89 Ibid., p.119

28

poderes de influência e não, como o previsto por essa ideologia, exclusivamente em valores

gerais, comuns a todos os cidadãos.

29

2 DIREITO PENAL MÍNIMO

2.1 Introdução à teoria do Direito Penal Mínimo

Segundo Fejarroli, os sistemas de direito e de responsabilidade penal oscilam

entre dois extremos opostos: o estado de direito e o estado totalitário. O modelo garantista,

que caracteriza o estado de direito, não admite qualquer imposição de pena sem que:

[...] se produzam a comissão de um delito, sua previsão legal como delito; a

necessidade de sua proibição e punição, seus efeitos lesivos para terceiros, o

caráter externo ou material da ação criminosa, a imputabilidade e a

culpabilidade do seu autor e, além disso, sua prova empírica produzida por

uma acusação perante um juiz imparcial, em um processo público e

contraditório em face da defesa e mediante procedimentos legalmente

preestabelecidos.90

Em contrapartida, os moldes autoritários se caracterizam pela debilidade ou

ausência de alguns destes limites frente à intervenção punitiva estatal. Por isso o primeiro

modelo pode ser identificado como Estado de Direito, em que o Poder Público está

rigidamente limitado e vinculado à lei no plano substancial e submetido a um plano

processual. O segundo modelo, por outro lado, configura o Estado absoluto ou totalitário, em

que o poder público é total, carecendo de limites e condições.

Ferrajoli denomina estes extremos de “direito penal mínimo” (estado de direito) e

“direito penal máximo” (estado totalitário): “referindo-me com isso tanto a maiores ou

menores vínculos garantistas estruturalmente internos ao sistema quanto à quantidade e

qualidade das proibições e das penas nele estabelecidas”.91 Entre esses dois extremos existem

diversos sistemas intermediários, assim haverá uma tendência ao sistema de direito penal

máximo ou uma tendência ao sistema de direito penal mínimo.92

O direito penal mínimo é condicionado e limitado ao máximo, correspondendo

“não apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio punitivo,

mas também a um ideal de racionalidade e de certeza”93 e a certeza perseguida pelo direito

90 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 101

91 Ibid., loc. cit.

92 Ibidem

93 Ibid., p. 102

30

está em que “nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado

possa ficar impune”94.

O direito penal máximo, ao contrário, é incondicionado e ilimitado,

caracterizando-se pela incerteza e imprevisibilidade, além de excessiva severidade. “A certeza

perseguida pelo direito penal máximo está em que nenhum culpado fique impune, à custa da

incerteza de que também algum inocente possa ser punido”95.

A corrente do direito penal máximo conhecida como Law and Order surgiu na

década de 70 devido ao aumento da criminalidade. Conforme Alberto de Silva Franco96, essa

corrente ganhou força em razão da ocorrência de fatores como: o aumento da criminalidade

contra seguimentos sociais mais privilegiados; o terrorismo político; o tráfico de drogas; o

sentimento de insegurança; e medo da violência.

Essa doutrina defendia a ideia de que “o combate à grande criminalidade deveria

iniciar-se através da austera repressão e perseguição dos pequenos delitos”.97 Para esse

movimento, segundo Franco98, o crime é um fator patológico do convívio social, a

criminalidade é uma doença infecciosa e o criminoso é um ser daninho. Assim, propagou-se a

ideia de que deveria ser reestabelecida a “lei e a ordem”, pois dessa maneira se faria justiça

aos “homens de bem”. Sua finalidade, na verdade, não era ser eficaz na tutela de bens

jurídicos, mas sim provocar uma aparente sensação de segurança ao cidadão e apaziguar a

opinião pública.

Na década de 90, a política do law and order foi intensificada com a criação do

programa “tolerância zero”. A sociedade, sentindo-se refém das ações criminosas, julgou que

os órgãos institucionalizados não eram mais capazes de reagir.99 Os cidadãos, então,

concederam ao Estado a legitimidade para aumentar sua força no controle do direito penal,

que enrijeceu as penas e aumentou a tipificação de crimes.100

[...] em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade,

isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é

94 Ibid., loc. cit.

95 Ibid., p. 103

96 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 518 p.

97 ROSA, Alexandre Morais da; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um processo penal democrático: crítica à metástase do

sistema de controle social. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. 113 p. 98

FRANCO, op. cit. 99

Ibidem. 100 SILVA, Louise Trigo da. Algumas reflexões sobre o direito penal máximo. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.8, n.1, 1º quadrimestre de 2013. Disponível em:

www.univali.br/direitoepolitica

31

prospectiva (ponto de referencia: o fato futuro), no lugar de – como é o

habitual – retrospectiva (ponto de referência: o fato cometido). Em segundo

lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas: especialmente, a

antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir,

correspondentemente, a pena cominada. Em terceiro lugar, determinadas

garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas.101

As políticas de aumento da repressão penal e de fortalecimento da prevenção

especial negativa, geradas com crescimento desse movimento, trouxe como resultado a

inflação das leis penais que, com seu alto grau de repressão, violam várias garantias

constitucionais, penais e processuais penais. 102

Verifica-se, portanto, que o direito penal máximo, por ser ilimitado, severo e

imprevisível, como já mencionado, configura-se como um sistema incontrolável

racionalmente em face da ausência de parâmetros certos e racionais de convalidação e

anulação, uma vez que ele não obedece nem mesmo às garantias e aos direitos fundamentais

inerentes ao homem e previstos na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como

nos Tratados de Direitos Internacionais.103

Em contraste, o direito penal mínimo é um método necessário para se efetuar

transformações no sistema penal e é um instrumento para o combate da própria violência que

esse sistema gera. Sistemas penais periféricos, como o brasileiro, por exemplo, são

caracterizados pela constante violação dos direitos humanos, principalmente devido à

violência operacional do exercício de poder punitivo.104

A ideia da mínima intervenção penal busca a aplicação do direito penal conforme

a Constituição e os Direitos Humanos, limitando-se “a disciplinar situações de absoluta

necessidade para a segurança dos cidadãos”.105 O controle social penal deve ser cercado de

garantias para que a liberdade do cidadão não seja violada e, para tanto, é necessário que seja

racional, previsível, transparente.106 Conforme Ferrajoli: “resulta excluída de fato a

101 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. 2ed. Porto Alegre: Revista do Advogado,

2007. p. 67. 102

NASPOLINI, Samyra Haydêe. O Minimalismo Penal como Política Criminal de Contenção da Violência Punitiva. 1995. 123 f.

Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina,

Florianópolis, 1995. 103

SILVA, L. T., op. cit. 104

ZAFFARONI; PIERANGELI, op. cit. 105

QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito Penal: parte geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 369. 106

FRANCO, Alberto Silva. Prefácio. In: ZAFFARONI; PIERANGELI, op. cit.

32

responsabilidade penal todas as vezes em que sejam incertos ou indeterminados seus

pressupostos. Sob este aspecto existe um nexo profundo entre garantismo e racionalismo”.107

Desta forma, o direito penal mínimo e o garantismo jurídico visam assegurar uma

defesa do fraco contra o forte, pois o ofendido é ameaçado com o delito e o réu é ameaçado

pela vingança. Utilizando o monopólio da força, deve o direito penal impedir o exercício

arbitrário de sujeitos não autorizados e deve estabelecer garantias para proteção dos direitos

fundamentais dos envolvidos. Destarte, possui como objetivo garantir a observância da tutela

de valores e direitos fundamentais, protegendo os cidadãos contra as arbitrariedades das

proibições e das punições. 108

A teoria do direito penal mínimo representa uma proposta de política

criminal alternativa na perspectiva da criminologia critica. Trata-se,

sobretudo, de um programa de contenção da violência punitiva através do

direito baseado na mais rigorosa afirmação das garantias jurídicas próprias

do Estado de Direito e dos direitos humanos de todos os cidadãos, em

particular das vítimas, processados e condenados pelo sistema de justiça

penal. Seu programa consiste numa ampla e rigorosa política de

descriminalização e, numa perspectiva final, na superação do atual sistema

de justiça penal e sua substituição por formas mais adequadas, diferenciadas

e justas de defesa dos direito humanos frente à violência.109

O garantismo jurídico proposto por Ferrajoli possui dez axiomas fundamentais:

A1 Nulla poena sine crimine/ A2 Nullum crimen sine lege/ A3 Nulla lex

(poenalis) sine necessitate/ A4 Nulla necessitas sine injuria/ A5 Nulla

injuria sine actione/ A6 Nulla actio sine culpa/ A7 Nulla culpa sine

judicio/ A8 Nullum judicium sine accusatione/ A9 Nulla accusatio sine

probatione/ A10 Nulla probatio sine defensione.110

A teoria geral do garantismo jurídico “está baseada no respeito à dignidade da

pessoa humana e seus Direitos Fundamentais, com sujeição formal e material das práticas

jurídicas aos conteúdos constitucionais”.111 Para a legitimação do Estado Democrático de

Direito, não basta a democracia formal, deve-se alcançar também a democracia material, pois

direitos fundamentais devem ser respeitados, efetivados e garantidos.

O garantismo jurídico baseia-se, desta feita, nos direitos individuais –

vinculados à tradição iluminista – com escopo de articular mecanismos

capazes de limitar o poder do Estado soberano, sofrendo, como curial, as

influências dos acontecimentos históricos, especificamente a transformação

107 FERRAJOLI, op. cit. p. 102

108 FERRAJOLI, op. cit.

109 BARATTA (1993 apud NASPOLINI, op. cit.)

110 FERRAJOLI, op. cit. p. 91

111 Alexandre Morais da. O que é o Garantismo Jurídico?: teoria geral do direito. Florianópolis: Habitus, 2003. 112 p. (Para entender o

direito).

33

da sociedade relativamente à tutela dos direitos sociais e negativos de

liberdade, bem assim do levante neoliberal.112

Essa limitação não se restringe ao poder executivo, mas também vincula o poder

legislativo, pois não poderão ser elaboradas leis de maneira discriminatória nem em desacordo

com a Constituição. Inclusive, o judiciário deve garantir os direitos fundamentais, “mediante

controle de constitucionalidade material das normas, sujeitando os indivíduos, no Estado

Democrático de Direito, somente às leis válidas, impedindo que eventuais maiorias violem

direitos indissociáveis e construídos histórica e argumentativamente”.113

Os direitos fundamentais devem indicar tanto as obrigações positivas do Estado

no âmbito social, para que sejam aplicados, quanto as obrigações negativas, para limitar a

atuação estatal.

“Esse resgate Constitucional decorre justamente da necessidade da

existência de um núcleo jurídico irredutível/fundamental capaz de estruturar

a sociedade, fixando a forma e a unidade política das tarefas estatais, os

procedimentos para a resolução de conflitos emergentes, elencando os

limites materiais do Estado, as garantias e direitos fundamentais e, ainda,

disciplinando o processo de formação político/jurídico do Estado”.114

Conforme leciona Queiroz115:

Bem mais razoável é, portanto, propugnar por um direito penal conforme a

Constituição, é dizer, um direito penal mínimo, que se limite a disciplinar

situações de absoluta necessidade para a segurança dos cidadãos.

Naturalmente, o direito penal mínimo não é em si uma solução, mas parte da

solução, pois o decisivo, para o controle racional da criminalidade, além de

eficientização do controle social não penal (particularmente a efientização do

controle administrativo), é privilegiar intervenções estruturais (etiológicas), e

não apenas individualizadas e localizadas (sintomatológicas), em especial

com vista a criar as condições que evitem o processo de marginalização

social do homem, por meio de políticas sociais de integração social deste.

Um direito penal assim residual não é só, portanto, o programa de direito

penal mais justo e mais eficaz; é também parte de um grande programa de

justiça social e de pacificação dos conflitos. Assim, postas as coisas, terá o

direito penal um papel bastante modesto e subsidiário de uma política social

de largo alcance, mas nem por isso menos importante. Uma boa política

social ainda é, enfim, a melhor política criminal.

Assim, o que se propõem é que o direito penal se adeque a Constituição,

respeitando seus limites principiológicos. O presente trabalho não busca afirmar que o direito

112 Ibid., p. 21

113 Ibid., p. 29

114 Ibid., p. 34

115 QUEIROZ, op. cit., p. 395

34

penal mínimo é a solução para o direito penal, porém ele é um meio de se buscar ao máximo o

respeito ao Estado Democrático de Direito.

2.2 Princípios

2.2.1 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade prevê que somente poderão ser aplicadas as sanções

cominadas em lei estrita, isto é, elaboradas pelo Legislativo, vedando-se o uso de analogia e

costumes para aplicá-las. Também, é imprescindível que as leis sejam certas e prévias.116 “Só

por lei, em sentido estrito, emanada do Poder Legislativo, o Estado poderá legislar sobre

matéria penal, definindo as infrações penais e cominando as respectivas sanções”.117 Segundo

Bissoli118:

O princípio da legalidade penal impõem que a sanção penal seja cominada

em lei estrita (elaborada pela casa legislativa competente, cujos

representantes devem ser eleitos pelo voto popular, e com observância do

respectivo processo legislativo), escrita (vedando-se a instituição de sanções

penais por meio do costume ou da analogia), certa (que estabeleça

claramente a consequência penal, tanto em espécie quanto em quantidade) e

prévia (que esteja estabelecida antes da ocorrência da conduta em face da

qual a sanção penal será aplicada).

O princípio da legalidade atende a uma necessidade de segurança jurídica e de

controle do exercício do poder punitivo. Consiste, assim, em uma garantia do cidadão sobre

os outros poderes do Estado.119 Esse princípio possui diversos desdobramentos. Já no art. 1º

do Código Penal encontra-se o princípio da reserva legal: “Não há crime sem lei anterior que

o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.120 O legislador fixa linhas fundamentais

e somente por meio de lei poderá ser disciplinada a matéria penal.121 Esse princípio garante a

116 BISSOLI FILHO, Francisco. A Sanção Penal e suas Espécies. Curitiba: Juruá, 2010.

117 QUEIROZ, op. cit., p.45

118 BISSOLI, op. cit. p.64

119 QUEIROZ, op. cit.

120 BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 21 maio 2016. 121

LUISI, Luiz. Os Princípios Constitucionais Penais. 2. ed. Porto Alegre: Santo Antonio Fabris Editor, 2003.

35

previsibilidade da intervenção estatal, assegurando a segurança jurídica, pois não deverá

submeter alguém à coerção penal distinta da prevista em lei122.

Assim, somente após a vigência da lei, ela poderá ser aplicada, não podendo

alcançar fatos anteriores, caso contrário, incidiria em condutas que até então não constituíam

ilícito penal ou que eram punidas menos gravemente. Todavia, excepcionalmente, a norma

poderá retroagir se a lei mais recente for benéfica para o réu, seja por ser mais branda (lex

mitior) ou por a conduta estar descriminalizada (abolitio criminis).123

Outro desdobramento que decorre desse princípio é a necessidade de clareza e

precisão das normas (a chamada taxatividade da norma penal), pois as figuras delitivas devem

ser objetivamente descritas, evitandando-se a redação cláusulas gerais.124 Conforme leciona

Nilo Batista: “Formular tipos penais ‘genéricos ou vazios’, valendo-se de ‘cláusulas gerais’ ou

‘conceitos indeterminados’ ou ‘ambíguos’, equivale teoricamente a nada formular, mas é

prática e politicamente muito mais nefasto e perigoso”.125

Para anterioridade de lei impedir arbitrariedades em sua aplicação, as normas

devem ser claras e objetivas. “Trata-se de um postulado dirigido ao legislador vetando ao

mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de expressões ambíguas, equívocas e

vagas de modo a ensejar diferentes e mesmo contrastantes entendimentos”.126 Nesse sentido,

leciona Queiroz127:

Não basta que a lei defina o crime e comine a respectiva pena, porque o

Estado sempre poderá iludir semelhante garantia de legalidade de seus atos

por meios de edição de leis penais de conteúdo excessivamente impreciso ou

vago [...] por isso o princípio implica a máxima determinação e taxatividade

dos tipos penais [...] motivo pelo qual se trata de um princípio de legitimação

democrática.

Por fim, ressalta-se que só a lei escrita, promulgada de acordo com as previsões

constitucionais, pode criar crimes e penas. Consoante Ferrajoli128:

O juiz não pode qualificar como delitos todos (ou somente) os fenômenos

que considere imorais, ou, em todo caso, merecedores de sanção, mas apenas

122 BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2007

123 QUEIROZ, op. cit.

124 BARATTA, Alessandro. Principios del derecho penal mínimo: para uma teoría de los derechos humanos como objeto y limite de la ley

penal. Doutrina Penal, Buenos Aires, Argentina, n. 10-40, p.623-650, 1987. Tradução de: Francisco Bissoli Filho. Disponível em: <http://danielafeli.dominiotemporario.com/doc/ALESSANDRO BARATTA Principios de direito penal minimo.pdf>. Acesso em: 21 maio

2016. 125

BATISTA, op. cit, p. 78. 126

LUISI, op. cit. p. 24 127

QUEIROZ, op. cit. p. 46 128

FERRAJOLI, op. cit. p. 38

36

(e todos) os que, independentemente de sua valoração, venham formalmente

designados pela lei como pressupostos de uma pena.

Os costumes agem em matérias como, por exemplo, a adequação social, não

sendo fonte legítima para a criminalização de condutas.129 O legislador não pode tipificar

condutas pelo simples fato de serem imorais, pois se a ação não atinge bem jurídico alheio, a

sua punição deixa de ter um fim de proteção.130

2.2.2 Princípio da Intervenção Mínima

O princípio da intervenção mínima não está expresso explicitamente na

constituição e no código penal, porém ele integra a política criminal, “por sua compatibilidade

e conexões lógicas com outros princípios jurídico-penais, dotados de positividade, e com

pressupostos políticos do estado de direito democrático”.131 A intervenção penal, afinal, não

deve ter uma dimensão expansionista, mas sim mínima, “expressando a ideia de proteção de

bens jurídicos vitais para a livre e plena realização da personalidade de cada ser humano e

para a organização, conservação e desenvolvimento da comunidade social em que ele está

inserido”132. Conforme elucida Ferrajoli133, o fenômeno do inflacionamento penal:

[...] é um reflexo da crescente extensão da intervenção normativa do Estado

na vida civil, e das consequentes passagens para o interesse público de

setores sempre mais amplos numerosos de atividades e de interesses

econômicos e sociais. Seu aspecto patológico, por outro lado, não está

seguramente no crescimento das dimensões da intervenção pública, mas,

precisamente, na forma penal assumida pelo seu sistema sancionador por

causa da já revelada ineficiência das técnicas de controle político e

administrativo.

O código de 1940 e a Lei das Contravenções Penais foram acrescidos por

inúmeros tipos penais desnecessários. A Itália começou um esforço de despenalização do seu

código rocco (utilizado como inspiração para a elaboração das supramencionadas leis), em

1967, revogando uma série de delitos, praticamente todos que previam aplicação de pena

pecuniária, e transformando pequenos delitos em infrações administrativas. Primeiramente,

estabeleceram que para uma conduta se tornar ilícito penal, deverá atingir valores

fundamentais, valores básicos do convívio social e deve apresentar efetiva e real gravidade.

129 BATISTA, op. cit.

130 ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. 2. ed. Lisboa: Vega Universidade, 1993.

131 BATISTA, op. cit, p. 85

132 FRANCO, Alberto Silva. Prefácio. In: ZAFFARONI; PIERANGELI, op. cit.

133 FERRAJOLI, op. cit. p. 658

37

Também, estabeleceram que é indispensável que não haja outro meio no ordenamento jurídico

que seja “capaz de previnir e reprimir tais fatos com a mesma eficácia da sanção penal”.134

O excesso de penas que comportam características de sanções administrativas tem

um efeito devastador, principalmente considerando que o efeito estigmatizante do sistema

penal. A utilização exacerbada de leis penais provoca precisamente as situações que pretende

combater, pois “nada favorece tanto a criminalidade quanto a penalização de qualquer

bagatela”.135 O inflacionamento de leis penais cria também uma irracionalidade no conjunto

do ordenamento, pois dificulta a leitura das normas e consequentemente concedem aos juízes

maior poder de disposição.136

As incertezas e confusões das leis geradas pelo inflacionamento penal confere

uma ilusória presunção de conhecimento, pois é difícil extrair o tipo penal em todos os seus

inúmeros fatores. Ademais, o excesso penal atrofia os critérios e justificações das proibições

penais, tornando as leis penais cada vez menos ancoradas na tutela dos bens e dos direitos

fundamentais ou constitucionalmente relevantes. Esse atrofiamento, ao longo do tempo, gera

uma perda de credibilidade e de eficácia do sistema inteiro, sobrecarregando a máquina

judiciária com delitos pequenos e múltiplos, impedindo a celeridade processual e desviando o

foco de casos mais importantes.137

Uma rigorosa economia do controle social corresponde à ideia de uma

sociedade igualitária e livre, e pode constituir um momento importante no

processo de emancipação dos indivíduos e dos grupos, que tenda a deter ou a

diminuir a “colonização” de seu “mundo de vida” por parte do sistema.138

O princípio da intervenção mínima relaciona-se com duas características do

direito penal: a fragmentariedade e a subsidiariedade.

O direito penal é fragmentário porque “não se protegem todos os bens jurídicos,

mas só os mais importantes, nem sequer os protege em face de qualquer classe de atentados,

mas tão só em face dos ataques mais intoleráveis”.139 Também, é subsidiário, pois “não se

justifica o emprego de um instrumento especialmente lesivo à liberdade se se dispõe de meios

134 LUISI, op. cit. p. 45

135 ROXIN, op. cit. p. 29

136 FERRAJOLI, op. cit.

137 Ibidem.

138 BARATTA (1987), op. cit.

139 QUEIROZ, op. cit. p.37

38

menos gravosos e mais adequados de intervenção, sob pena de violação do princípio da

proporcionalidade”. 140

O direito penal tem a característica de ser um remédio extremo, ou ultima ratio,

pois ele deve ser ministrado somente quando os outros ramos jurídicos sejam insuficientes.

Por exemplo, no código penal existe um dispositivo que vai de encontro com esse princípio: o

crime de desobediência (art. 330 CP). A lei não faz a ressalva, mas é entendimento de alguns

doutrinadores e dos tribunais que se concorrer uma sensação administrativa ou civil para a

desobediência, não cabe aplicar a sanção penal.141 Nesse sentido, explana Luizi142:

Tem se entendido, ainda, que o direito penal deve ser a ratio extrema, um

remédio último, cuja presença só se legitima quando os demais ramos do

direito se revelam incapazes de dar a devida tutela a bens de relevância para

a própria existência do homem e da sociedade.

Para uma pena ser cominada, deve-se provar que não existem modos não penais

de intervenção aptos para responder às situações em que os direitos humanos encontram-se

ameaçados. “Não basta, portanto, haver provado a idoneidade da resposta penal; requer-se,

também, demonstrar que essa não é substituível por outros modos de intervenção de menor

custo social”.143

O direito penal é de natureza subsidiária. Ou seja: somente se podem punir

as lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins de assistência

social, se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada. Onde

bastem os meios de direito civil e de direito público o direito penal deve

retirar-se [...] Se for utilizada quando bastem outros procedimentos mais

suaves para preservar ou reinstaurar a ordem jurídica, carece da legitimidade

que lhe advém da necessidade social, e a paz jurídica vê-se perturbada pela

presença de um exército de pessoas com antecedentes penais numa medida

superior à que pode ser fundamentada pela cominação legal.144

Isso não significa que o direito penal não protegerá bens jurídicos já cobertos por

outras áreas do ordenamento jurídico, mas que, quando o fizer, será de forma particular e

autônoma, com distinta valoração.145 O direito penal não é um sistema de ilicitudes que se

encontra fora ou além da ordem jurídica vigente, porém é excepcional. Conforme Queiroz:

140 QUEIROZ, op. cit. p. 35.

141 BATISTA, op. cit.

142 LUISI, op. cit. p. 40

143 BARATTA (1987), op. cit.

144 ROXIN, op. cit. p. 28.

145 FRAGOSO (apud BATISTA, op. cit. p. 87).

39

“todos os preceitos primários penais pressupõem outro preceito não penal, do qual são o

complemento e reforço”.146

2.2.3 Princípio da Lesividade (ou ofensividade)

As condutas criminalizadas devem ofender seriamente bem jurídico alheio, não

bastando que sejam condutas meramente imorais.147 “O direito penal só pode assegurar a

ordem pacífica externa da sociedade, e além desse limite nem está legitimado nem é adequado

para a educação moral dos cidadãos”.148

Por isso, Beccaria remetendo a Montesquieu ‘todo ato de autoridade de um

homem em relação a outro que não derive de absoluta necessidade é

tirânico’ [...] se o direito penal responde somente ao objetivo de tutelar os

cidadãos e minimizar a violência, as únicas proibições penais justificadas por

sua absoluta necessidade são, por sua vez, as proibições mínimas

necessárias, isto é, as estabelecidas para impedir condutas lesivas que,

acrescentadas à reação informal que comportam, suporiam uma maior

violência e mais grave lesão de direitos do que as geradas institucionalmente

pelo direito penal.149

O princípio da lesividade tem o valor de critério polivalente de minimização das

proibições penais, idôneo para reduzir a intervenção penal ao mínimo necessário e, com isso

reforçar a sua legitimidade e credibilidade.150 Segundo Nilo Batista151, esse princípio possui

quatro funções principais:

1. Proibir a incriminação de uma atitude interna: os sentimentos dos homens, ou

seja, seus desejos e aspirações, suas ideias e convicções, não podem constituir

fundamento para um tipo penal, nem mesmo a cogitação para a prática de um

crime é punível.

146 QUEIROZ, op. cit. p. 37

147 QUEIROZ, op. cit.

148 ROXIN (apud BATISTA, op. cit. p. 91).

149 FARRAJOLI, op. cit. p. 427

150 Ibidem.

151 BATISTA, op. cit.

40

2. Proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio

autor: não se pode punir alguém por atingir seu próprio bem jurídico quando a

lesão não passar do próprio autor, como a autolesão, por exemplo, não há

razão para ser punida.

3. Proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais: o direito

penal recai sobre a ação, não podendo ser um direito penal do autor.

4. Proibir a incriminação e condutas desviadas que não afetem qualquer bem

jurídico: a conduta não pode ser punida pelo simples fato de ser imoral. “Só

pode ser castigado aquele comportamento que lesione direitos de outras

pessoas e que não é simplesmente um comportamento pecaminoso ou

imoral”.152

2.2.4 Princípio da Proporcionalidade

Esse princípio busca regular que a gravidade da sensação penal esteja de acordo

com a gravidade do fato regulado.153 “Somente graves violações aos direitos humanos podem

ser objeto de sanções penais. As penas devem ser proporcionais ao dano causado pela

violação”.154

Deve haver efetiva necessidade para a segurança pública para justificar a

intervenção penal, conforme já visto, devido à subsidiariedade e a fragmentariedade. A

incidência de matéria penal só deve ser utilizada quando fracassarem outras instâncias menos

onerosas e mais eficazes. Além disso, a intervenção penal precisa ter logica entre meio e fim,

ou seja, precisa ser necessária para afastar lesões ao bem jurídico que se quer proteger.

Queiroz155 aponta que “não parece fazer sentido algum reprimir os assim chamados crimes

sem vítima, como é o caso da contravenção penal do jogo do bicho”.

A pena produz elevados custos sociais e às vezes até mesmo o surgimento de

problemas mais graves do que aquele que o direito penal pretende resolver. Ademais, a

criminalização de uma conduta pode gerar outra esfera de criminalidade ainda mais grave,

152 ROXIN (apud BATISTA, op. cit. p. 91).

153 QUEIROZ, op. cit.

154 BARATTA (1987), op. cit.

155 QUEIROZ, op. cit. 53

41

como no caso do crime organizado gerado pelo tráfico de drogas, que é muito mais

problemático e grave do que o simples uso de drogas.156

Segundo Queiroz157 o princípio da proporcionalidade em sentido estrito tem uma

tríplice dimensão: a) proporcionalidade abstrata, que ocorre quando se tem que eleger as

sanções mais apropriadas, estabelecendo a graduação dos castigos; b) proporcionalidade

concreta ou judicial, que deve orientar o juiz quando do julgamento da ação penal,

promovendo a individualização da pena conforme a culpabilidade do réu e considerando as

circunstâncias jurídico-penalmente relevantes; c) proporcionalidade executória, que

corresponde à individualização da pena durante a execução penal conforme o mérito do

condenado. Assim, o princípio possui um tríplice destinatário: o legislador, o juiz e os órgãos

da execução penal.

2.2.5 Princípio da Adequação Social

Conforme já visto, o direito penal tipifica condutas que tenham certa relevância

social. O princípio da adequação social acrescenta que se as condutas forem socialmente

adequadas, não podem constituir delitos158. Conforme ensina Welzel159: “socialmente

adequadas são todas as atividades que se movem dentro do marco de ordens ético-sociais da

vida social, estabelecidas por intermédio da história”.

A função metódica da adequação social consiste em recortar das palavras

formais dos tipos, aqueles acontecimentos da vida que materialmente a eles

não pertencem, e em que, com isso, se consegue que o tipo seja realmente

uma tipificação do injusto penal.160

Alguns comportamentos típicos, segundo Bitencourt161, “carecem de relevância

por serem correntes no meio social, pois muitas vazes há um descompasso entre as normas

penais incriminadoras e o socialmente permitido ou tolerado”. Walzel cita o exemplo de

lesões corporais decorrentes durante a prática de esportes, essas eventuais lesões que possam

ocorrer são inconvenientes da sua prática regular.162

156 BARATTA (1987), op. cit.

157 Ibidem.

158 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

159 WELZEL, Hans. Direito Penal. Campinas: Romana, 2003. Tradução de: Afonso Celso Rezende. p. 106.

160 Ibid., p. 109.

161 BITENCOURT, op. cit p. 19.

162 WELZEL, op. cit.

42

2.2.6 Princípio da Insignificância

O princípio da insignificância foi sistematizado pela doutrina e pela

jurisprudência, “a fim de que o direito penal incida apenas sobre ações e omissões

concretamente graves”.163 Assim, é utilizado como recurso de reconhecimento do caráter não

criminoso de um ato que, embora seja formalmente típico, apresenta manifesta desproporção

entre crime e castigo.164

Conforme o voto no Ministro Luís Roberto Barroso (HC nº 123.108 MG), foi

assentado pelo STF algumas premissas importantes:

(i) a insignificância baseia-se nos postulados da fragmentariedade e da

intervenção mínima do direito penal; (ii) a insignificância exclui a tipicidade

material; e (iii) para o reconhecimento da insignificância devem ser

observados certos vetores, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta

do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo

grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão

jurídica provocada.

O Ministro ainda aduz que “a insignificância somente retira a tipicidade penal do

fato, que, todavia, permanece ilícito para o direito como um todo e pode ser sancionado em

outras esferas (cível, administrativa, etc.)”.165

A violência que o código penal busca proteger não é uma agressão mínima, deve

ter certa intensidade, assim como as ameaças devem ser significativas166. Segundo leciona

Roxin167:

[...] maus-tratos são uma lesão grave ao bem estar corporal, e não qualquer

lesão; da mesma forma, é libidinosa no sentido do código penal só uma ação

sexual de alguma relevância; e só uma violenta lesão à pretensão de respeito

social será criminalmente injuriosa.

Não basta a subsunção do fato à norma penal incriminadora, deve haver

ofensividade relevante ao bem jurídico protegido para ser materialmente típica, sob pena,

ainda, de a punição ser mais grave que a lesão provocada pela própria conduta que a originou.

163 QUEIROZ, op. cit. p. 56.

164 Ibidem.

165 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 123.108. Relator: Ministro Roberto Barroso.. Brasília, Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 21 maio de 2016. 166

ROXIN, Claus. Política Criminal e Sistema Jurídico Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. 99 p. Tradução de: Luis Greco. 167

Ibid., p. 47

43

Uma conduta que se adeque formalmente a uma descrição da lei pode, conforme a ocasião,

não ser antinormativa.168

O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra as condutas

proibidas pela norma, de modo que o juiz jamais pode considerar incluídas

no tipo aquelas condutas que, embora formalmente se adequem à descrição

típica, realmente não podem ser consideradas contrárias à norma e nem

lesivas do bem jurídico tutelado. (…) A tipicidade penal requer que a

conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, viole a norma e afete o bem

jurídico.169

Ainda, como o princípio da insignificância constitui uma excludente de tipicidade,

pois, embora formalmente típica, a lesão não traduz, em concreto, uma lesão digna de

proteção penal, parte da doutrina defende também que seu reconhecimento deve se dar

independentemente da existência de maus antecedentes ou reincidência. Por exemplo, subtrair

R$ 1,00 (um real) não se torna significante porque o autor não é primário ou responde ação

penal pelo mesmo crime170. Nesse sentido, aduz Barroso que um direito penal que pune

personalidades ou modos de vida em vez de crimes, não se configura mais como direito penal

do fato, mas sim do autor. 171

168 ZAFFARONI, et. al., op. cit.

169 Ibid., p. 398

170 QUEIROZ, op. cit.

171 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 123.108. Relator: Ministro Roberto Barroso.. Brasília, Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp>. Acesso em: 21 maio de 2016.

44

45

3 (NÃO) RECEPÇÃO DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS PELO ORDENAMENTO

JURÍDICO

Nesse capítulo foi analisada a relação entre direito penal e constituição e também

a lei 9.099/95 que estabelece o procedimento em que as contravenções penais estão inseridas.

Por fim, foi feita uma análise de contravenções penais específicas, com o objetivo

de fazer algumas ponderações mais práticas sobre as contravenções penais e sua (in)

compatibilidade com o sistema penal e o ordenamento jurídico vigente.

3.1 Direito Penal e Constituição

A Constituição é a fonte de legitimidade estatal que materializa em seu conteúdo

os Direitos Fundamentais e, com isso, é também a primeira manifestação legal da política

penal. Considerando o princípio da supremacia constitucional, a legislação penal deve

enquadrar-se aos preceitos previstos na Constituição.172

O Poder Legislativo deve encontra-se com a barreira dos Direitos Fundamentais

em duplo sentido: a regulação das condutas deve se ater aos princípios constitucionais para

que eles sejam aplicados e também para que não sejam violados.173 Além disso, o Judiciário

deve através do controle de constitucionalidade “servir como resistências às investidas dos

Poderes Executivos e Legislativo, que representam retrocesso social ou ineficácia dos direitos

individuais ou sociais”.174

“as constituições, portanto, não apenas são o repositório principal dos bens

passíveis de criminalização, mas também contêm princípios relevantíssimos

que modelam a vida da comunidade e que, para usar a linguagem dos

constitucionalistas, constituem cláusulas pétreas, embasadoras do sistema

constitucional, insuscetíveis de serem revistas. E a presença destas cláusulas

e dos direitos que ela consagram e delas derivam marcam limites que o

legislador ordinário, principalmente em matéria penal, não pode transpor. A

criminalização há de fazer-se tendo por fonte principal os bens

constitucionais, ou seja, aqueles que, passados pela filtragem valorativa do

legislador constitucional, são postos como base e estrutura jurídica da

comunidade. E, embora o legislador criminal possa tutelar com suas sanções

172 ZAFFARONI; PIERANGELI, op. cit.

173 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo – Introdução: Por uma leitura garantista do Sistema de Controle Social.. Disponível em:

<https://guiacompactodoprocessopenal.wordpress.com/textos-conjur-e/garantismo-introducao/#sdfootnote2anc>. Acesso em: 03 maio

2016. 174

COPETTI, André. Direito Penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 58.

46

bens não previstos constitucionalmente, só o pode fazer desde que não

violente os princípios básicos da constituição.175

A Carta Magna de 1988 possui princípios constitucionais penais explícitos como

legalidade, pessoalidade, individualização da pena, humanidade e culpabilidade e também

implícitos, como intervenção mínima e os fins da pena. Os bens que cabe o direito penal

proteger devem ser encontrados na Constituição, assim, deve a criação de tipos penais estar

vinculada aos direitos fundamentais. Mesmo que emerjam da realidade social novos bens

jurídicos, que não eram valorados anteriormente e exijam proteção penal, deve-se regulá-los

em conformidade com os princípios constitucionais. A constituição, portanto, é base e limite

para a criminalização.176

Como já visto no 1º Capítulo, o Código Penal de 1940 se inspirou no chamado

código Rocco (italiano), instaurando-se uma ampla inflação penal. Segundo Luizi177, os

primeiros 120 artigos do Código Penal honram o legislador, porém o resto é:

[...] uma tipologia penal gigantesca, uma verdadeira barafunda. Temos leis

penais de todos os tipos e para todos os gostos. Continuamos a editar a todo

momento leis penais e o resultado disso, é um sistema penal falido. No

Estado líder da Federação, existem duzentos mil mandados na rua. O que é

isso? É a falência do sistema penal. Eu atribuo essa falência do sistema

penal, como primeira causa, exatamente essa balbúrdia legislativa. Entendo

eu é necessário conter o desvario criminalizador. É necessário conter o

legislador, pôr-lhe freios.

Copeti178 também observa que “mesmo ultrapassando a ditadura militar e

reestabelecido o Estado de Direito, ainda observamos a manutenção de todo um aparato

repressivo, nos mesmos moldes de um regime autoritário”. Com a promulgação da

Constituição de 1988, formou-se uma proposta de outro modelo de sociedade, fundada no

paradigma do Estado Democrático de Direito, e os moldes da legislação devem ser

readaptados.

Luizi propõem que o princípio da intervenção mínima, que já está previsto no art.

8º da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e o do Cidadão, seja posto de forma clara

no texto constitucional. Para ele, deve haver uma nova forma do princípio da legalidade,

175 LUISI, L. Bens Constitucionais e Criminalização. In Revista do Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justiça Federal. Brasília, n.

4, 1988, p. 105. 176

Id., 2003., op. cit. 177

Ibid., p. 115. 178

COPETI, op. cit. p. 62.

47

ampliando seu conceito para: “não há crime, não há pena, sem lei prévia, determinada, atual e

necessária”.179

Essa maximização operacional do sistema penal se revela, num primeiro

momento, no aumento da edição de normas penais, fato que tem algumas

consequências imediatas. A grande quantidade de leis penais não tem

passado por um filtro constitucional, havendo, a partir disto, uma violação

dos conteúdos principiológicos existentes em nossa Constituição,

afrontando-se, com isso, os direitos fundamentais de primeira geração, seja

por seus conteúdos processuais inquisitivos, seja por criminalizar uma série

infindável de condutas gerando uma situação de incerteza para os cidadãos e

invertendo a função originariamente cunhada para os tipos penais, que ao

invés de servirem como garantia aos membros da sociedade civil contra a

atuação arbitrária do Estado, possibilitam, contrariamente, uma atuação

estatal penal desmesurada e não raras vezes ilegal.180

Incumbe ao legislador a seleção dos bens que devem ser protegidos pela sanção

penal. Para isso, deve ser feita a valoração da relevância do bem, levando em consideração

sua significação e importância, selecionando os mais graves que não poderão ser regulados

mais apropriadamente por outras esferas. Os ilícitos penais não abrangem todas as áreas da

ilicitude, mas somente um fragmento delas.181

Algumas parcelas do ordenamento devem contribuir mais do que outras, e

neste aspecto entendemos que o direito penal, pela gravidade das sanções

que impõem, deva ser parte do ordenamento jurídico menos utilizada para tal

fim, pois uma exacerbação do ordenamento e da atuação estatal penal para a

realização do Estado Social implicaria necessariamente uma violenta

redução das liberdades individuais que são, sem dúvida alguma, um dos

pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito.182

As normas são vigentes quando respeitam o processo legislativo, mas para serem

válidas, devem ter pertinência subjetiva material com as normas situadas no nível superior. É

preciso analisar o critério de validade no contexto de um ordenamento jurídico em constante

mutação, diante das necessidades de uma sociedade complexa, necessitando de

compatibilidade material com a constituição para haver validade das normas.183 No modelo

constitucional-garantista, a validade não está ligada a mera existência formal da lei, mas

também a compatibilidade com as normas constitucionais substanciais e com os direitos

fundamentais estabelecidos.184

179 LUISI, 2003, op. cit., p. 116

180 COPETTI, op. cit., p. 78

181 LUISI, op, cit.

182 COPETTI, op. cit. p. 81.

183 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídico e Controle de Constitucionalidade Material. Florianópolis: Habitus, 2002. 165 p.

184 QUEIROZ, op. cit.

48

O Estado Democrático de Direito é algo dinâmico, não estático, assim, com a

instituição da Constituição de 1988, “tornou-se imperativa a revisão pelo Estado de todo o seu

aparato coercitivo, para, num processo constante de abertura, reduzir a coerção penal ao

mínimo indispensável”.185 O jurista deve realizar uma revisão crítica do direito penal,

“mediante a reconstrução de conceitos de bem jurídico penal e do próprio delito de acordo

com os princípios estruturais do Estado Democrático de Direito”.186 Conforme Franco187:

No Estado de Direito, Juiz Penal não é policial de trânsito, não é vigia de

esquina, não é zelador do patrimônio alheio, não é guarda do sossego de

cada um. Não é sentinela do Estado. Ele não tem o encargo de bloquear a

maré montante da violência ou de refrear a criminalidade, a criminalidade

agressiva e ousada. O Estado verdadeiramente democrático reservou para

tais fins outros órgãos da sua estrutura organizacional. A missão do juiz

criminal é exercer função criativa nas balizas da norma incriminadora. É

infundir em relação a determinadas normas punitivas o sopro social. É zelar

para que a lei ordinária nunca elimine o núcleo essencial dos direitos do

cidadão. É garantir a ampla e efetiva defesa, do contraditório, e a isonomia

de oportunidades favorecendo o concreto exercício da função da defesa. É

invalidar as provas obtidas com a violação da autonomia ética da pessoa. É

livrar-se do círculo fechado do dogmatismo conceitual, abrindo seu contato

para as ciências humanas e sociais.

O juiz criminal não possui a função de regular os relacionamentos privados dos

indivíduos, mas sim garantir a aplicação e observância dos direitos fundamentais.

Destarte, considerando essa nova conjuntura garantista da Constituição de 1988,

os critérios utilizados para a seleção dos bens mais relevantes a serem protegidos penalmente

devem ser revistos. Se o legislador se afastar dos limites impostos pela Constituição, a norma

legislada deverá ser considerada inconstitucional por violar princípios fundamentais

constantes no contrato social constitucionalizado. Nesse sentido, defende Baratta188:

A lei penal é um ato solene de resposta aos problemas sociais fundamentais

que se apresentam como gerais e duradouros em uma sociedade. O

procedimento que conduz a essa resposta deve compreender um exaustivo

debate parlamentar e deve estar acompanhado de uma profunda análise no

âmbito dos partidos políticos e de uma ampla discussão pública. [...] Os

problemas que se devem enfrentar têm que estar suficientemente decantados

antes de se pôr em prática uma resposta penal.

O Estado Democrático de Direito exige uma legitimação muito além da

legalidade, mas conforme a ideia de justiça material.189 Para isso, é necessário haver constante

185 COPETI, op. cit., p. 99

186 Ibid., p. 100

187 FRANCO (apud LUISI, op. cit. p. 117).

188 BARATTA (1987), op. cit..

189 COPETI, op. cit.

49

debate sobre os problemas enfrentados na aplicação da legislação penal e sobre a sua

conformidade com as garantias constitucionais.

3.2 As Contravenções Penais e o atual ordenamento jurídico

Conforme o exposto no 1º Capítulo, as Contravenções Penais foram elaboradas

durante um período político totalitarista e com fortes influências das escolas clássicas e

positivistas, baseando-se na ideologia da defesa social. Ocorre que, desde então, houve grande

mudança no pensamento criminológico e no ordenamento jurídico brasileiro.

Constitui-se, assim, as contravenções como um direito penal especial,

historicamente ligado ao interesse governamental de fortalecer o Poder

Executivo [...] que se procurou afastar das garantias constitucionais e hoje

também internacionais que objetivam conter ou reduzir o poder punitivo.

Principalmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, muitos

princípios e garantias estabelecidas confrontam com a Lei das Contravenções Penais e essa

legislação não pode ficar em dissonância com a atual estrutura constitucional-garantista

estabelecida.

Nela, encontram-se tanto traços políticos particulares de seu período

histórico, quanto contradições e movimentos próprios da mistura que havia

no direito penal de então, que conjugava pressupostos clássicos com medidas

próprias das novas correntes penais cientificistas. Por essa razão, deve ficar

desde já a ressalva de que parte substantiva de seus dispositivos encontram-

se até hoje fora do contexto, devendo ter sua aplicabilidade repensada em

face da Constituição em vigor, bem como da Parte Geral de 1984, que, ao

abraçar amplamente o princípio da culpabilidade, desencontra-se

significativamente da Lei das Contravenções, calcada sobretudo no princípio

da defesa social.190

As contravenções devem estar de acordo com a Constituição e os direitos

humanos, como também com os princípios limitadores do código penal. Está previsto na

exposição de motivos da parte especial do código penal:

Não é que exista diversidade ontológica entre crime e contravenção; embora

sendo apenas de grau ou quantidade a diferença entre as duas espécies de

ilícito penal, pareceu-nos de toda conveniência excluir do Código Penal a

matéria tão miúda, tão varia e tão versátil das contravenções, dificilmente

subordinável a um espírito de sistema e adstrita a critérios oportunísticos ou

meramente convencionais e, assim, permitir que o Código Penal se furtasse,

190 NETTO, op. cit., p. 40.

50

na medida do possível, pelo menos aquelas contingências do tempo a que

não devem estar sujeitas as obras destinadas a maior duração.191

Assim, Francisco Campos, ao justificar os motivos da separação das

contravenções penais do código penal, afirmou, conforme o exposto acima, que a matéria é

muito “miúda” para ser regulada pelo código penal. Assim, já na exposição dos motivos, é

possível extrair uma grave violação dos princípios penais apresentados no capítulo segundo

desta monografia, principalmente do princípio da intervenção mínima. Conforme expõem

Ferrajoli192:

[...] haveria possibilidade de descriminalizar, em nome da máxima economia

das proibições penais, toda a categoria das contravenções, e, junto com ela, a

dos delitos puníveis exclusivamente com pena pecuniária, ou,

alternativamente, com outra privativa de liberdade. [...] se o legislador

configura um delito como contravencional e/ou prevê para ele uma sanção

desse tipo, coloca de manifesto que não considera que a conduta ilícita seja

lesiva de bens fundamentais e que o direito penal é um instrumento

desproporcionado para preveni-lo. Pode-se dizer, em outras palavras, que

nenhum bem considerado fundamental a ponto de se justificar a tutela penal

pode ser monetarizado, de forma que a mesma previsão de delitos

sancionados com penas pecuniárias evidencia ou um defeito de punição (se o

bem protegido é considerado fundamental) ou, mais frequentemente, um

excesso de proibição (se tal bem não é fundamental).

Consoante o explanado, o direito penal deve-se preocupar com matérias de grande

relevância, pois é a ultima ratio, ou seja, somente será utilizado quando não haja outro

segmento do direito capaz de proteger o bem jurídico de forma mais eficaz. O

inflacionamento penal causado por regulação indiscriminada de condutas tem efeitos

colaterais como a insegurança jurídica, o aumento de criminalidade e o afastamento da lei

penal da tutela de direitos e garantias fundamentais. De acordo com Queiroz193:

Definir determinadas infrações como crime ou contravenção é uma questão

de mera conveniência política. Aliás, não é incomum que contravenções

sejam transformadas em crime, como ocorreu, por exemplo, com o porte

ilegal de arma e com algumas contravenções contra o meio ambiente,

convertidos que foram em crime. Mas o inverso, crimes tomarem-se

contravenções, é de difícil ocorrência, já que, como regra, opera-se a

descriminalização pura e simples da conduta, passando a ser um indiferente

penal. Pensamos inclusive que as contravenções deveriam ser prontamente

abolidas por serem desnecessárias e incompatíveis com um modelo de

direito penal mínimo.

191 BRASIL. Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal in SARAIVA (Ed.). Vade Mecum Saraiva: OAB e Concursos. 8.

ed. São Paulo: Saraiva, 2016. 192

FERRAJOLI, op. cit. 193

QUEIROZ, op. cit. p. 143.

51

Portanto, é possível notar que quando há contravenções penais de maior

relevância, são transformadas em crimes, visto que necessitam de uma regulação mais

específica. Todavia, quando não são graves, a tendência é serem descriminalizadas por sua

falta de relevância e seu caráter preponderantemente político da época em que foi criada.

Assim, verifica-se a sua desnecessidade, afinal, não há uma matéria que seja melhor regulada

pelas Lei das Contravenções Penais

3.2.1 A natureza da ação das Contravenções Penais e a Lei 9.099/95

O juizado especial criminal foi estabelecido no art. 98, I, da Constituição Federal

para o julgamento de infrações penais de menor potencial ofensivo. Conforme o disposto no

art. 61 da Lei 9.00/05: “Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os

efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não

superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”.194

Assim, nota-se que as contravenções penais seguem o rito sumaríssimo da lei

9.099/95. A base de orientação desse procedimento está previsto no art. 2º da lei: “O processo

orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e

celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.

Conforme os artigos 74 e 75 da referida lei, busca-se a composição dos danos

civis no juizado especial criminal, em que o acordo gera um título executivo judicial. Com

esse acordo, ocorrerá a extinção de punibilidade pela renúncia do direito de queixa ou de

representação, portanto, se ação for privada ou pública condicionada à representação.195

Percebe-se, portanto, que a Lei 9.099/95 busca, sempre que possível a conciliação.

Ocorre que a natureza da ação das contravenções penais é pública incondicionada, ou seja,

mesmo que as partes cheguem ao consenso, o processo deve prosseguir de acordo com a lei,

sendo de iniciativa do Ministério Público a elaboração de denúncia para a promoção da ação

penal, conforme o art. 129, I, da Constituição Federal e art. 100 §1º do Código Penal.

194 BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-

lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 26 maio 2016. 195

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014.

52

3.3 Análise de artigos selecionados da Lei das Contravenções Penais

3.3.1 Art. 21 da LCP (Vias de Fato)

Praticar vias de fato contra alguém significa:

[...]o exercício de violência ou força física de uma pessoa contra outra, sem o

intuito de causar lesões corporais, as quais não são produzidas. É o ato de

violento contra a pessoa com a intenção de causar mal físico, mas sem a

cogitação ou produção de lesões corporais.196

Como já mencionado, a Lei das Contravenções Penais prevê que as ações penais

são de natureza pública incondicionada. Ocorre que, com o advento da lei 9.099/05, os crimes

de lesão corporal leve e culposa tornaram-se de ação pública condicionada à representação do

ofendido, conforme previsto no art. 88 da lei 9.099/05197

, ou seja, “passou-se a exigir, como

condição para o exercício da ação penal pelo Ministério Público, a prévia representação do

ofendido ou de seu representante legal ou mesmo de seus sucessores”.198

A infração penal divide-se conforme sua gravidade, em crimes e

contravenções. Visto que as lesões corporais consistem em crime- fato mais

grave, portanto – e, não obstante, condicionada à representação do ofendido,

a jurisprudência vem entendendo não haver motivos para que não seja

aplicado o mesmo, por analogia in bonam partem, ao artigo 21 da Lei de

Contravenções Penais, que trata das vias de fato, agressão de menor

gravidade. 199

Porém há divergência doutrinária e jurisprudencial sobre esse entendimento.

Conforme o entendimento de Grinover et al200: “aqui não prevalece a regra, intocável do ponto

de vista lógico, de que, se a lei exige representação para o mais (lesão corporal), também se

faz necessária para o menos (vias de fato)”. Assim, segundo os autores, como não há previsão

legal expressa que a referida contravenção penal seja condicionada à representação e, além

disso, o art. 17 da LCP não foi derrogado, não é possível exigir a representação como

condição de procedibilidade e o entendimento diverso demandaria um processo analógico de

consequências imprevisíveis.

196 NETTO, op. cit., p. 114

197 BRASIL. Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 26

maio 2016. 198

PINTO, Ronaldo Batista. Representação do ofendido deverá ser exigida em vias de fato. 2006. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2006-jul-23/representacao_ofendido_exigida_vias_fato>. Acesso em: 25 maio 2016. 199

NETTO, op. cit. p. 120 200

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados Especiais Criminais: Comentários à lei 9.099 de 26.09.1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005. p. 228

53

O entendimento do STJ segue nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL

EM HABEAS CORPUS. VIAS DE FATO. CONTRAVENÇÃO PENAL.

AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. PLENO VIGOR DA

LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS. ILEGALIDADE NÃO

EVIDENCIADA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O

artigo 88 da Lei n.º 9.099/95, que tornou condicionada à representação a

ação penal por lesões corporais leves e lesões culposas, não se estende à

persecução das contravenções penais. A contravenção penal de vias de

fato, insculpida no artigo 21 da Lei de Contravenções Penais (Decreto Lei n.º

3.688/41), ainda que de menor potencial ofensivo em relação ao

crime de lesão corporal, não foi incluída nas hipóteses do artigo 88 da Lei n.º

9.099-95. 2. A Lei de Contravenções Penais (Decreto Lei n.º 3.688/41)

continua em pleno vigor e nela há expressa previsão legal de que a ação

penal é pública incondicionada, conforme disciplina o seu artigo 17. 3.

Recurso ordinário desprovido.201

Também, é o entendimento do STF:

Ação penal pública incondicionada: contravenção de vias de fato (LCP, art.

17). A regra do art. 17 LCP - segundo a qual a persecução das contravenções

penais se faz mediante ação pública incondicionada - não foi alterada, sequer

com relação à de vias de fato, pelo art. 88 L. 9.099/95, que condicionou à

representação a ação penal por lesões corporais leves.202

A partir dessa análise, já se percebe que há na contravenção uma incoerência com

a evolução do ordenamento jurídico, pois se uma pessoa lesionar a outra, as partes podem se

conciliar, porém, de uma pessoa agride a outra sem buscar e atingir o resultado lesão física, ou

seja, comete uma ação menos grave, as partes não tem o direito de conciliação e cabe ao

Ministério Público iniciar a ação penal, independentemente da vontade do ofendido.

A representação é um instituto que busca estabelecer um equilíbrio entre o

interesse do indivíduo e do Estado, se não há interesse nem do ofendido, em casos com um

dano pouco expressivo, também não haverá interesse da própria coletividade. Além do mais,

por uma questão lógica, entender que a contravenção de vias de fato é de ação pública

incondicionada, significa dizer que o agente estará sujeito a um processo punitivo mais severo

quando não lesionar do que quando lesionar outro indivíduo. 203

201 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RHC nº 47253. Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Brasília, 17 dez. 2014.

Disponível em: <http://www.stj.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016. 202

BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 80617. Relator: Ministra Sepúlveda Pertence. Brasília, 04 maio 2001. Disponível

em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016. 203

MAZZILLI, Hugo Nigro. Algumas questões relacionadas com a representação do ofendido na Lei dos Juizados Especiais

Criminais. Justitia, São Paulo, v. 173, n. 58, p.18-21, jan./mar. 1996.

54

A incoerência com o sistema prejudica a segurança jurídica. Essa incoerência é

característica resultante do inflacionamento penal, que gera “uma crescente falta de certeza,

obscuridade e dificuldade de conhecimento do direito”.204

Por fim, ressalta-se que a referida contravenção fere os princípios da intervenção

mínima e da lesividade, pois como já exposto, o direito penal deve se preocupar com a

proteção dos bens jurídicos mais importantes quando outros ramos do direito não forem

capazes de resolver com mais eficácia, não cabe ao direito penal tutelar qualquer briga e

desentendimento entre particulares. O bem protegido por essa contravenção é a

“incolumidade física e pessoal” 205. Ocorre que para essa contravenção se configurar, não pode

haver a intenção de lesionar a integridade física do outro indivíduo, ou seja, há, na verdade,

uma intenção de preventiva na tipificação dessa conduta. Segundo o raciocínio de Nelson

Hungria, essa contravenção foi criada, pois “por meio de uma infração de pequeno potencial

ofensivo, origina-se uma infração penal mais grave” 206, claramente demonstrando a influência

da ideologia da defesa social, porém, como já foi dito anteriormente, “nada favorece tanto a

criminalidade quanto a penalização de qualquer bagatela”. 207

3.3.2 Artigos 42 e 65 da LCP (Perturbação do sossego e Perturbação da Tranquilidade)

Prevê o artigo 42 da Lei das Contravenções Penais:

Art. 42. Perturbar alguem o trabalho ou o sossego alheios:

I – com gritaria ou algazarra;

II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as

prescrições legais;

III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal

de que tem a guarda:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil

réis a dois contos de réis.208

O bem jurídico que essa contravenção busca proteger é a paz pública e, para sua

configuração, deve-se atingir a coletividade.209

204 DOTTI p. 65

205 NETTO, op. cit. p. 117

206 HUNGRIA apud NETTO, op. cit. p. 117

207 ROXIN, op. cit. p. 29

208 BRASIL. Decreto-lei nº 3688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 26 de maio 2016. 209

NETTO, op. cit.

55

Por sua vez, está previsto no art. 65 da Lei das Contravenções Penais: “molestar

alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável”210. A

perturbação da tranquilidade atinge pessoa determinada, portanto, a paz de espírito individual

e, para ser típico, deve o agente agir com intenção ou por motivo reprovável.211

Conforme já exposto no item anterior, as contravenções penais são de ação

pública incondicionada, portanto, nesses casos, mesmo que for feito um acordo buscando a

paz social e a boa convivência de todos, a ação não poderá será extinta por acordo e falta de

interesse das partes no prosseguimento do feito, conforme a precisão legal. Ainda assim, sem

fundamentar as bases legais e teóricas que ensejaram entendimento diverso, é possível colher

jurisprudência que extingue a punibilidade por desinteresse da vítima na contravenção penal

de perturbação da tranquilidade. Analisando decisões da Turma Recursal do Rio Grande do

Sul, é possível notar diversos entendimentos contraditórios:

APELAÇÃO CRIME. DELITO DE AMEAÇA E CONTRAVENÇÃO

DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. EXTINÇÃO DA

PUNIBILIDADE POR AUSÊNCIA DEREPRESENTAÇÃO. A

contravenção tipificada no artigo 65, da Lei das Contravenções Penais,

independe de representação da vítima. APELAÇÃO

PARCIALMENTE PROVIDA.212

APELAÇÃO DO MINISTÉRIO

PÚBLICO. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. ART. 65 DO DL

3.688/41. RETRATAÇÃO DAS VÍTIMAS EM JUÍZO. POSSIBILIDADE.

AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. PRECEDENTES

DESTA TURMA RECURSAL. É cabível a retratação da representação até a

prolação da sentença, especialmente perante o juízo, em audiência, o que

resulta na extinção da punibilidade da ré por ausência de condição de

procedibilidade. A renúncia expressa das vítimas, antes da sentença, no

âmbito dos Juizados Especiais, acarreta a extinção da punibilidade do delito

nos moldes do art. 107, V, do CP. DECLARADA EXTINTA A

PUNIBILIDADE DO DELITO E PREJUDICADO O EXAME DO

MÉRITO RECURSAL.213

APELAÇÃO CRIME. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. ART. 65

DA LCP. DENÚNCIA REJEITADA POR FALTA DE JUSTA CAUSA.

RENÚNCIA DAREPRESENTAÇÃO. Não há justa causa para a ação penal,

quando os meios extrapenais podem ser utilizados para obter a tranqüilidade

pessoal. Não comparecimento da vítima em audiência preliminar implica

210 BRASIL. Decreto-lei nº 3688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 26 de maio 2016. 211

NETTO, op. cit. 212

BRASIL. Turma Recursal Criminal. Apelação Criminal nº 71001446566. Relator: Juiza Angela Maria Silveira. Porto Alegre, 29 nov.

2007. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016. 213

BRASIL. Turma Recursal Criminal. Apelação Criminal nº 71005313408. Relator: Juiz Luciano Andre Losekann. Porto Alegre, 14 set.

2015. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016.

56

renúncia da representação. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO.

UNÂNIME.214

Observando-se as decisões acima mencionadas, é possível notar grandes

inconsistências entre elas. Na primeira decisão, a contravenção penal foi considerada de ação

pública incondicionada, porém na segunda e na terceira foram consideradas condicionadas à

representação, visto que na segunda foi arquivado os autos por extinção da punibilidade com

base na renúncia expressa de representação e na terceira foi considerado que a ausência da

vítima na audiência preliminar implica renúncia da representação, além que de “não há justa

causa para a ação penal, quando os meios extrapenais podem ser utilizados para obter a

tranqüilidade pessoal”.

Outra questão importante é sobre o dolo de perturbar. No art. 65 da LCP resta

claro que deve haver a intenção, porém o art. 42 da LCP, como não faz menção ao tema, fica

sujeito ao art. 3º da LCP que prevê: “para a existência da contravenção, basta a ação ou

omissão voluntária. Deve-se, todavia, ter em conta o dolo ou a culpa, se a lei faz depender, de

um ou de outra, qualquer efeito jurídico”.215 Assim, segundo o referido artigo, o que importa é

vontade de praticar o fato, independentemente do resultado, não havendo necessidade de

distinguir, portanto, dolo e culpa.

O termo leva à aplicação de culpa presumida, portanto caberá ao autor provar sua

inocência.216 A partir disso, estará caracterizada a responsabilidade penal objetiva, afrontando

o princípio constitucional da responsabilidade pessoal e o princípio da culpabilidade do

direito penal (nullum crimem sine culpa).217 No HC nº 88875, o STF decidiu:

[...] Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de

práticas configuradoras de macrodelinqüência ou caracterizadoras de

delinqüência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da

responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como

princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade

com culpa (“nullum crimen sine culpa”), absolutamente incompatível com a

velha concepção medieval do “versari in re illicita”, banida do domínio do

direito penal da culpa. Precedentes. AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE

PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE,

EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação penal se

presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe,

ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para

214 BRASIL. Turma Recursal Criminal. Apelação Criminal nº 71000971564. Relator: Juiza Nara Leonor Castro Garcia. Porto Alegre, 09

nov. 2006. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016. 215

BRASIL. Decreto-lei nº 3688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 26 de maio 2016. 216

SZNICK, Valdir. Elemento Subjetivo nas Contravenções Penais. Justitia, São Paulo, v. 144, n. 50, p.96-106, out. 1988. 217

FRANCO, Alberto Silva. Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

57

além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais

prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado

momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para

o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a

obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de

20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes. - Para o acusado exercer, em plenitude,

a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação

descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (“essentialia delicti”)

que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu,

o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente. - Em matéria de

responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro,

qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com

fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios

democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato

estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção

nem responsabilidade criminal por mera suspeita.218

Nesse contexto, a Turma 2ª Turma de Recursos dos Juizados Civeis e Criminais

do Distrito Federal decidiu no sentido de que para a contravenção penal de perturbação do

sossego se configurar, é necessário haver dolo:

PENAL. CONTRAVENÇÃO PENAL. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO.

PRÁTICA DE ATOS TENDENTES A ELIMINAR O BARULHO

PROVOCADO. INEXISTÊNCA DE DOLO ESPECÍFICO. CONDUTA

ATÍPICA. - A prática de atos tendentes a eliminar o barulho, ensejador da

perturbação aos vizinhos demonstra que o agente não agiu com o dolo

exigido para configuração da infração penal descrita no artigo 42, inciso III,

do Decreto Lei 3688/41, o que torna a conduta atípica. - Sentença que julgou

improcedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, em face da

atipicidade da conduta, mantida em todos os seus termos. 219

Todavia, a Turma Recursal do Rio Grande do Sul possui entendimento distinto,

aplicando o art. 3º da LCP:

PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO ALHEIO. Comprovadas a existência e

autoria da infração, restou configurado o delito de perturbação do

sossego alheio. O elemento subjetivo do dolo é relativizado na contravenção

penal, conforme previsto no artigo 3º do Decreto-lei 3688/41.

NEGARAM PROVIMENTO.220

PERTURBAÇÃO DE SOSSEGO ALHEIO. ARTIGO 42, INC. IV, DO DL.

3.688/41. EXISTÊNCIA E AUTORIA DEMONSTRADAS. PRELIMINAR

DE NULIDADE REJEITADA. TESE DA ATIPICIDADE DA CONDUTA

AFASTADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. Acusado que não toma

providências para evitar que seus cães latissem constantemente, perturbando

o sossego dos moradores de edifício vizinho, pratica a contravenção em

comento, que não exige dolo específico, bastando a omissão voluntária hábil

218 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 88875. Relator: Ministro Celso de Mello. Brasília, 09 março 2012. Disponível

em: <http://www.stf.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016. 219

BRASIL. 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal. Apelação Criminal nº 2005.01.1.063990-3.

Relator: Juiz César Laboissiere Loyola. Brasília, 11 jul. 2006. Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2006. 220

BRASIL. Turma Recursal Criminal. Apelação Criminal nº 71001174887. Relator: Juiz Alberto Delgado Neto. Porto Alegre, 19 abr.

2007. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016.

58

a perturbar o sossego alheios, independentemente do ânimo que moveu o

agente. Relevância jurídica da conduta, que perturbou, de modo

significativo, a coletividade dos moradores do prédio, que chegaram a firmar

abaixo assinado visando providências da autoridade policial. Rejeitada a

preliminar de nulidade da sentença, que condenou o réu pelo delito previsto

no inciso III, em detrimento do inciso IV, do artigo 42 da LCP, visto que o

erro material não trouxe prejuízo à defesa do réu, que se defendeu do fato

descrito na denúncia. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. 221

APELAÇÃO CRIME. PERTURBAÇÃO DE SOSSEGO ALHEIO.

ARTIGO 42, INCISO IV, DO DL. 3.688/41. EXISTÊNCIA E AUTORIA

DO DELITO DEMONSTRADAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA.

RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

REFORMADA. Acusada que não tomou providências para evitar que

seus cães latissem constantemente, perturbando o sossegodos vizinhos,

pratica a contravenção em comento, que não exige dolo específico, bastando

a omissão voluntária hábil a perturbar o sossego alheios, independentemente

do ânimo que moveu o agente. Relevância jurídica da conduta, que

perturbou, de modo significativo, a coletividade dos moradores do

condomínio, não se restringindo ao condômino que registrou a ocorrência

policial. 222

É possível deslumbrar a partir dessa análise a insegurança jurídica que gera leis

defasadas. Embora o STF já tenha se pronunciado sobre o tema, dizendo que não é possível

afastar o princípio da culpabilidade na esfera penal, sob pena de indevidamente se aplicar um

direito penal de responsabilidade objetiva, o art. 3º da LCP ainda é aplicado.

Também, nas Turmas Recursais de Santa Catarina, há grandes contradições:

APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL DE

PERTURBAÇÃO DE SOSSEGO. APARELHO DE SOM EM

AUTOMÓVEL. DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA FIRME E

CONSISTENTE EM AFIRMAR QUE NO MOMENTO DA

ABORDAGEM HAVIA VOLUME EXCESSIVO. PROVA HÍGIDA.

SENTENÇA MANTIDA. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO.

Mesmo que no local dos fatos houvessem vários veículos, e que os relatos de

perturbação tivessem se iniciado ainda do dia anterior se, no momento da

abordagem se constatou sonorização excessiva pelo acusado, o delito se

consumou.223

APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL. PERTURBAÇÃO

DO SOSSEGO ALHEIO. ART. 42, III, DO DECRETO-LEI N. 3.688/41.

RECURSO DOS RÉUS BUSCANDO A ABSOLVIÇÃO.

IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE

SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS. CONTRAVENÇÃO

221 BRASIL. Turma Recursal Criminal. Apelação Criminal nº 71002118081. Relator: Juíza Cristina Pereira Gonzales. Porto Alegre, 25 jun.

2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016. 222

BRASIL. Turma Recursal Criminal. Apelação Criminal nº 71003770377. Relator: Juíza Cristina Pereira Gonzales. Porto Alegre, 09 jul.

2012. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/>. Acesso em: 26 maio 2016. 223

BRASIL. Terceira Turma de Recursos - Chapecó. Apelação Criminal nº 2014.301055-7. Relator: Juiz Marcos Bigolin. Chapecó, 03 out.

2014. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/>. Acesso em: 31 maio 2016.

59

CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO

MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

“Pratica a conduta descrita no art. 42, III, da LCP o agente que tem o hábito

de ligar aparelho de som em alto volume, incomodando vizinhos” (Tribunal

de Alçada Criminal de São Paulo, Apelação Criminal nº 1325653/1, Décima

Quinta Câmara, rel. Juiz Fernando Matallo).

“Não se exige, para a configuração da contravenção penal do art. 42, III,

embora recomendável, que sejam perfeitamente identificadas e nominadas,

tampouco inquiridas, as vítimas da perturbação do sossego. Suficiente é a

prova de que o som excessivo tenha provocado perturbação ao sossego dos

vizinhos, que acionaram os policiais militares” (TJSC, Apelação Criminal n.

2014.601233-4, de Trombudo Central, rel. Juiz Leandro Passig Mandes).

"Se o conjunto probatório aponta com segurança a materialidade e a autoria

da contravenção penal narrada na denúncia, inviabiliza-se a absolvição”

(TJSC, Apelação criminal. n. 2008.027307-8, de Joaçaba, Juiz prolator

Ademir Wolff).224

CONTRAVENÇÃO PENAL – PERTURBAÇÃO DE SOSSEGO – SOM

MECÂNICO PROVENIENTE DE VEÍCULO – DEPOIMENTOS DE

POLICIAIS MILITARES SEM FORÇA PROBATÓRIA SUFICIENTE

PARA A CONDENAÇÃO – DECLARAÇÕES DE VIZINHOS QUE NÃO

SE SENTIRAM PREJUDICADOS COM O SOM – DÚVIDA –

SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA – RECURSO NÃO PROVIDO.

“Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu,

demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público,

comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a

culpabilidade do acusado. [...] Em matéria de responsabilidade penal, não se

registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o

Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas,

reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o

sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o

dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade

criminal por mera suspeita” (STF, HC nº 88.875, do Amazonas, rel. Min.

Celso de Mello).

“A condenação criminal exige certeza absoluta, embasada em dados

concretamente objetivos e indiscutíveis que evidenciem o delito e sua

autoria, não bastando, para tanto, a alta probabilidade daquele ou desta. A

certeza não pode ser subjetiva, formada pela consciência do julgador, de

modo que, em remanescendo dúvidas entre o jus puniendi e o jus libertatis,

deve-se inclinar sempre em favor deste último, uma vez que dessa forma se

estará aplicando um dos princípios corolários do Processo Penal de forma

justa” (Apelação Criminal n. 2011.026249-1, de Lages, relª. Desª. Salete

Silva Sommariva).

É de ser mantida a absolvição do acusado da prática de perturbação do

sossego alheio se os depoimentos de policiais militares, colhidos em juízo,

não corroboram, com a mesma segurança, as declarações que prestaram na

fase policial [art. 155 do CPP], sobretudo quando os depoimentos de

vizinhos não fornecem subsídios para a caracterização do delito, pois não

acionaram os policiais militares e não se sentiram perturbados com o barulho

224 BRASIL. Sexta Turma de Recursos - Lages. Apelação Criminal nº 2015.600105-9. Relator: Juiz Francisco Carlos Mambrini. Lages, 16

abr. 2015. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/>. Acesso em: 31 maio 2016.

60

produzido pelo veículo.225

CONTRAVENÇÃO PENAL. PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO – ART. 42,

DO DECRETO-LEI 3.688/41. SOM EM VOLUME EXCESSIVO.

AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE A PERTURBAÇÃO

ATINGIU UMA COLETIVIDADE DE PESSOAS - FATO ATÍPICO.

Para tipificar a contravenção do art. 42 da Lei das Contravenções Penais,

deve a perturbação do sossego atingir uma multiplicidade de indivíduos. Na

espécie, a prova não aponta que o réu tenha perturbado o sossego da

coletividade. O incômodo proposital a uma pessoa determinada pode

configurar a contravenção prevista no artigo 65 da LCP, imputação que não

se encontrada descrita na inicial. (TJRS, Rec. Crim. n. 71003738473, rel.

Fabio Vieira Heerdt) [...]226

Percebe-se que há decisões tanto no sentido de que não é necessário a oitiva das

vítimas para ficar caracterizada a perturbação do sossego, bastando o depoimento dos

policiais militares afirmando que havia som alto ou de uma testemunha declarando que havia

esse excesso sonoro, como também no sentido de que deve estar provada cabalmente que

houve a perturbação da coletividade e deve haver depoimentos que demonstrem a ocorrência

de perturbação, não sendo cabível presunções.

As contravenções do art. 42 e 65 da LCP, além do mais, ferem gravemente o

princípio da intervenção mínima, visto que os problemas de perturbação, principalmente por

questões sonoras, podem ser facilmente resolvidos em outras esferas do direito, por exemplo:

Verificado o barulho excessivo produzido pelo ofensor, a parte lesada pode

ajuizar ação cível para cessar o ruído (cessado o barulho, a ação é

meramente indenizatória). Cito dois exemplos de ações individuais,

cumuladas ou não com indenização por danos morais e/ou materiais, que

podem ser ajuizadas na esfera cível: a tutela inibitória (nos termos do artigo

461 e parágrafos do Código de Processo Civil) e a ação de dano infecto

(baseada no artigo 1.277 do Código Civil). Há outras ações, como a ação

coletiva (ação civil pública – artigo 1º, inciso I, da Lei 7.347/1985, vide, por

exemplo, Ap. Cív. 626.953-8, TJPR, Rel. Rosene Arão de Cristo Pereira,

julg 02.03.2010 e Ap. Cív. 724.917-6. TJPR, Rel. Leonel Cunha, julg.

15.02.2011, interpostos pelo Ministério Público) ou a ex delicto, mas nos

restringiremos às duas hipóteses anteriormente citadas.227

225 BRASIL. Sexta Turma de Recursos - Lages. Apelação Criminal nº 0002302-05.2014.8.24.0022. Relator: Juiz Leandro Passig Mendes.

Lages, 24 set. 2015. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/>. Acesso em: 31 maio 2016. 226

BRASIL. Quinta Turma de Recursos - Joinville. Apelação Criminal nº 2013.501541-5. Relator: Juiz Fernando de Castro Faria. Joinville,

09 set. 2013. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/>. Acesso em: 31 maio 2016. 227

NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Quanto vale o sossego? Minha paz não tem preço. Disponível em:

<http://www.conjur.com.br/2013-fev-22/irving-nagima-direito-sossego-consequencias-eferas-civel-criminal>. Acesso em: 27 maio 2016

61

Ainda, como afirma Queiroz228: “Faltam-lhes, com efeito, em face da mínima

significação social dos fatos erigidos à categoria de contravencionais, dignidade penal, uma

vez que não atentam contra (ou põe seriamente em perigo) bens jurídicos fundamentais”.

Porém, o TJ-DF ao abordar o tema, afirmou que os princípios da “adequação

social, da subsidiariedade, da insignificância, da fragmentariedade, da inexistência de

lesividade social e da intervenção mínima” não são aplicáveis, sob pena de se caracterizar a

abolitio criminis:

JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. CONTRAVENÇÃO PENAL.

ABUSO DE INSTRUMENTO SONORO. PERTURBAÇÃO DO

SOSSEGO ALHEIOS (ART 42, I, II, E III, DO DECRETO LEI 3.688/44

C/C O CAPUT DO ART. 71 DO CP). RECEPÇÃO DA NORMA PELA

NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. LEGÍTIMA A INTERVENÇÃO

PENAL PARA ASSEGURAR A PAZ SOCIAL PUNINDO O

PERTURBADOR DA TRANQUILIDADE COLETIVA.

INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO SOCIAL,

DA SUBSIDIARIEDADE, DA INSIGNIFICÂNCIA, DA

FRAGMENTARIEDADE, DA INEXISTÊNCIA DE LESIVIDADE

SOCIAL E DA INTERVENÇÃO MÍNIMA DO ESTADO NA ÁREA

PENAL, SOB PENA DE CARACTERIZAR INDEVIDAMENTE A

ABOLITIO CRIMINIS. RESSALTE-SE QUE, NO PRESENTE CASO, O

BEM TUTELADO É A PAZ SOCIAL E A SAÚDE PÚBLICA, POIS O

ABUSO SONORO, ALÉM DE PERTURBAR A COLETIVIDADE,

COLOCA EM RISCO A SAÚDE FÍSICA E MENTAL DOS OUVINTES,

REALÇANDO A IMPORTÂNCIA DA INTERVENÇÃO PENAL DIANTE

DA NOCIVIDADE AO MEIO SOCIAL. INEXISTÊNCIA DE

DESCRIMINILIZAÇÃO, DIANTE DA ABSOLUTA

RECEPCIONALIDADE CONSTITUCIONAL DA LEI DAS

CONTRAVENCOES PENAIS E DO RECONHECIMENTO DE QUE TAL

NORMA, ABSTRATAMENTE CONSIDERADA, MANTÉM

IMACULADA A RELEVÂNCIA SÓCIO-JURÍDICO-PENAL DAS

CONDUTAS ALI PREVISTAS. TIPICIDADE MATERIAL

VERIFICADA. AUTORIA E MATERIALIDADE FORMAL

VERIFICADAS. A IDENTIFICAÇÃO NA DENÚNCIA DE NOVE

MORADORES (VIZINHOS), VÍTIMAS DO BARULHO CAUSADO

PELO RÉU, É PLENAMENTE SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A

OFENSA À COLETIVIDADE. TAL CONVICÇÃO É REFORÇADA

PELA EXISTÊNCIA DE DUAS AUTUAÇÕES LAVRADAS PELA

SEMARH E IBRAM, QUE RESULTARAM NA APLICAÇÃO DE

MULTAS AO ESTABELECIMENTO COMERCIAL DO RÉU E

INTERDIÇÃO DAS EMISSÕES SONORAS, ALÉM DE UM ABAIXO-

ASSINADO DOS MORADORES DENUNCIANDO A PERTURBAÇÃO

AO SOSSEGO DA COLETIVIDADE (FLS. 292). PROVA ROBUSTA.

INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. CORRETA

A FIXAÇÃO DA PENA BASE EM UM MÊS DE PRISÃO SIMPLES,

LEVANDO EM CONTA A EXISTÊNCIA DE UMA INCIDÊNCIA

PENAL EM DESFAVOR DO RÉU (FL. 45), E QUE, DEVIDO À

228 QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo, 2.ed. Belo Horizonte:

Del Rey, 2002, p.116

62

EXISTÊNCIA DE CRIME CONTINUADO, FOI AUMENTADA EM 2/3,

DIANTE DAS INÚMERAS OCORRÊNCIAS DO ATO ILÍCITO, SENDO

FIXADA, EM DEFINITIVO, NO PATAMAR DE TRÊS MESES E DEZ

DIAS. A APLICAÇÃO DE PENA DE MULTA ISOLADA NÃO É

RECOMENDADA, POIS SE APRESENTA INEFICAZ PARA O

DESESTÍMULO AO CRIME, PRINCIPALMENTE, AO SE

CONSIDERAR A PRÉ-EXISTÊNCIA DE MULTAS

ADMINISTRATIVAS E O PROSSEGUIMENTO DO RÉU NA VIA

DELITUOSA. ILEGALIDADE NA CONVERSÃO DA PRISÃO SIMPLES

EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE (ART. 46 CP).

READEQUAÇÃO NA IMPOSIÇÃO DA PENA. AFASTAMENTO DA

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE PARA IMPOR A PENA

DE LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA. RECURSO CONHECIDO E

PARCIALMENTE PROVIDO, TÃO-SOMENTE PARA SUBSTITUIR

(ART. 44, § 2º, DO CP) A PENA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À

COMUNIDADE PARA LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA (ART. 48

CP), CONSISTENTE NA OBRIGAÇÃO DE O RÉU PERMANECER,

AOS SÁBADOS E DOMINGOS, POR 5 HORAS DIÁRIAS, PELO

PERÍODO DA CONDENAÇÃO (TRÊS MESES E DEZ DIAS), EM CASA

DE ALBERGADO OU OUTRO ESTABELECIMENTO ADEQUADO,

PODENDO, DURANTE A SUA PERMANÊNCIA, LHE SEREM

MINISTRADOS CURSOS E PALESTRAS OU ATRIBUÍDAS

ATIVIDADES ALTERNATIVAS, NA FORMA INDICADA PELO

MAGISTRADO DA EXECUÇÃO PENAL. SENTENÇA MANTIDA NOS

SEUS DEMAIS TERMOS.229

Atualmente, o processo supracitado está no STF aguardando julgamento do

Recurso Extraordinário interposto pela parte autora, por meio da defensoria pública.230

Por fim, destaca-se voto vencido do Juiz Alexandre Morais da Rosa na Quinta

Turma de Recursos de Santa Catarina (Joinville):

Fiquei vencido por entender, no caso, que a questão é eminentemente civil.

O vizinho, insatisfeito com o uso da propriedade por parte do proprietário

próximo, deve nos termos do art. 1.227 do Código Civil, promover a ação

respectiva para restringir os abusos do vizinho, naquilo que Atienza e

Manero denominam como ilícitos atípicos (ATIENZA, Manoel; MANERO,

Juan Ruiz. Ilícitos atípicos, Madrid: Trotta, 200, págs 32-66). Isto porque, o

Direito Penal, em uma sociedade democrática, deve ser exceção, de caráter

fragmentário (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Trad. Ana Paulo Zomer,

et, ali. São Paulo: RT, 2000). O que de fato acontece, na espécie, é que se

busca resolver penalmente questões que são da esfera civil. Decerto por

ausência de acesso à Justiça (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Rumo à praia

dos juizados especiais criminais: sem garantias, nem pudor. In:

WUNDERLICH, Alexandre; CARVALHO, Salo de. Novos Diálogos sobre

os Juizados Especiais Criminais. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2005, págs.

57-73). Todavia, o direito penal não pode ser usado com tal finalidade.

Partindo-se do Direito Penal como ultima ratio (princípio da lesividade,

229 BRASIL. 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal. Apelação nº 2011.01106848-34. Relator: Juiz Fernando

Almeida da Fonseca. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 16 out. 2014. Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/>. Acesso em: 26

maio 2016 230

Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br >. Acesso em: 31 de maio de 2016.

63

necessidade e materialidade), a regulamentação de condutas deve se ater à

realização dos Princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito,

construindo-se, dessa forma, um modelo minimalista de atuação estatal que

promova, de um lado, a realização desses Princípios e, de outra, impeça suas

violações, como de fato ocorre com a explosão legislativa penal

contempôranea (Chourk), quer pelas motivações de manutenção do status

quo, como pela ‘Esquerda Punitiva’ (KARAM, Maria Lúcia. A esquerda

punitiva. In: Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 1, págs 79-92, 1996).

Por isto votei no sentido de absolver o acusado, declarando a inexistência da

contravenção em face da Constituição da República.231

3.3.3 Art. 50 e 58 da LCP

Segundo o art. 50 da LCP, configura a contravenção de jogo de azar: “estabelecer

ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de

entrada ou sem ele”.232 E o art. 58 da LCP refere-se a prática de jogo do bicho “explorar ou

realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização

ou exploração”233.

Primeiramente, ressalta-se que essas contravenções encontram-se no Capítulo VII

da Lei das Contravenções Penais, que trata das contravenções relativas à polícia de costumes.

O legislador busca, por meio de punição penal, reprimir atos violadores da moral e dos bons

costumes. Nesses referidos artigos, aborda-se condutas relativas à jogos, no intuito de

“valorizar o comportamento útil dos indivíduos e de preservar o patrimônio da família, uma

vez que os males causados pelo vício da jogantina são capazes de arruinar toda a estrutura de

uma família, bem como de levar o indivíduo a prática de crimes para manter seu vício”.234

Trata-se de uma grande hipocrisia haver jogos promovidos pelo Estado

(loterias estaduais e federais), e criminalizar-se os jogos de azar. O Estado

quer ter o monopólio dos jogos de azar? Se o próprio Estado realiza jogos de

azar, por que não legalizá-los definitivamente? Neste caso, a preocupação

com o jogador compulsivo não pode ser utilizada como escusa, já que o

próprio Estado realiza jogos de azar. [...] Existem os alcoólatras e o consumo

da bebida alcoólica não é proibida. Existem os que bebem, comem, se

drogam, fazem sexo compulsivamente, então o Estado deveria também

231 BRASIL. Quinta Turma de Recursos - Joinville. Apelação Criminal nº 228. Relator: Juiz Alexandre Morais da Rosa. D. Joinville, 29 jun.

2005. Disponível em: <http://www.tjsc.jus.br/>. Acesso em: 31 maio 2016. 232

BRASIL. Decreto-lei nº 3688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 26 de maio 2016. 233

BRASIL. Decreto-lei nº 3688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 26 de maio 2016. 234

NETTO, op. cit. p. 235

64

controlar os menus dos restaurantes e tudo o mais que diga respeito à

privacidade, à esfera íntima do indivíduo?235

O jogo do bicho já existe desde o século XIX, incorporando-se na cultura até

mesmo pelo Estado que promove as loterias. Além do mais, a prática de jogos de azar é

socialmente aceita na sociedade 236 e, como já visto no capítulo 2, o legislador não pode

tipificar condutas pelo simples fato de serem imorais, se ação não atinge bem jurídico alheio,

a sua punição deixa de ter um fim de proteção, afinal, não cabe ao Estado ditar as regras de

comportamento morais de seus cidadãos.

3.3.4 Artigos 59 e 62 da LCP (vadiagem e embriaguez)

Está previsto nos artigos 59 e 62 da LCP:

Art. 59. Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o

trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou

prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:

Art. 62. Apresentar-se publicamente em estado de embriaguez, de modo que

cause escândalo ou ponha em perigo a segurança própria ou alheia:

Ambas as contravenções encontram-se no mesmo capítulo (polícia de costumes)

mencionado no tópico anterior. Acreditava-se que essas condutas perturbariam a estabilidade

das relações comunitárias. Em relação à contravenção de vadiagem:

Inicialmente é de se constatar a impropriedade do que se têm por objeto

jurídico tutelado. Fala-se, genericamente, dos costumes, ou dos bons

costumes. Previsão também presente no Código Penal, é ela, atualmente,

muito criticada. A consideração subjetiva que a permeia não perfaz um ideal

conceito de bem jurídico, necessitando, pois, de maior concretude. Sua

intenção primeva deve, portanto, mais ainda do que outras tantas figuras

contravencionais, sofrer releitura necessária, sob pena de inaceitável quebra

do prisma penal.

Analisando esse tipo, não é possível extrair nenhum evento potencialmente lesivo,

recrimina-se somente uma conduta concebida como antissocial. “Incabível, em um Estado

Democrático de Direito, a concepção de um controle policial de pessoas que não se encontrem

em trabalho, por mera questão preventiva”.237

235 ARGUELLO, Katie. Criminalização dos Jogos de Azar: a contradição entre lei e realidade social. Disponível em:

<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista60/revista60_239.pdf>. Acesso em: 27 maio 2016. 236

ARGUELLO, Katie. Criminalização dos Jogos de Azar: a contradição entre lei e realidade social. Disponível em:

<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista60/revista60_239.pdf>. Acesso em: 27 maio 2016. 237

Ibid., p. 278

65

Quanto ao crime de embriaguez, o artigo refere-se não só à ingestão de álcool,

mas também de outras substâncias que “alterem a personalidade”.238 Também, não basta a

mera embriaguez, é necessário que haja “escândalo” ou “ponha em perigo a segurança própria

ou alheia”, conforme previsto no referido artigo.

Além do já exposto, percebe-se como ambas as contravenções ferem o princípio

da legalidade, pois são amplas e genéricas, afinal, “escândalo”, por exemplo, é algo

abrangente e pode ser entendido de diversas formas. Além do mais, ferem o princípio da

intervenção mínima e principalmente da lesividade, pois não há grave lesão a bens jurídicos

que justifiquem a necessidade de intervenção penal e, ainda, no caso da contravenção de

embriaguez, quando prevê “ponha em perigo segurança própria”, está incriminando uma

conduta cuja lesão não passa do próprio autor (autolesão).

238 Ibid., p. 289

66

CONCLUSÃO

Compreendeu-se que na década de 40 o Brasil passava por um período de

instabilidade política e, internacionalmente, ganhavam forças movimentos fascistas. Na época

da redação do código penal e da Lei das Contravenções Penais, vigorava a Constituição de

1937, outorgada por Getúlio Vargas. Assim, o projeto, além de ser elaborado durante um

regime totalitarista, foi inspirado por códigos europeus que estavam sendo governados por

regimes fascistas, com destaque ao código italiano (rocco), e sob forte influência das escolas

positivas e classicistas que defendiam a ideologia da defesa social.

A aludida ideologia baseava-se na concepção de que as sanções penais deveriam

ter como finalidade à prevenção de delitos, e, a partir disso, justificava também que através da

punição de um crime mais leve se previne a prática de um crime mais grave. Porém, como foi

visto com a desconstrução dessa teoria, a partir da criminologia crítica, o inflacionamento

penal, além de violar diversas garantias individuais e resultar em insegurança jurídica, não

traz paz social e aumenta a criminalidade. Ademais, como se constatou com esse estudo, a

prática de condutas consideradas criminosas não é isolada, ocorre que o direito penal é

seletivo e não pune todos que as praticam, além de, em várias ocasiões, não corresponder a

bens jurídicos valorados pela sociedade em geral, mas por parte minoritária dela.

A visão minimalista do direito penal vem, então, reforçar a necessidade de se

respeitar a Constituição da República e as garantias jurídicas. Consoante examinado, o direito

penal mínimo é um instrumento que busca combater a própria violência que o sistema penal

gera. Na época que a doutrina do law and order ganhou força, aumentando a esfera de

regulação do direito penal e intensificando as punições, constatou-se que a violência e a

criminalidade não diminuíram, pelo contrário, aumentaram e, ainda, o cidadão ficou sujeito às

arbitrariedades do Estado, sem respeito aos seus direitos individuais e garantias

constitucionais.

Assim, o direito penal mínimo busca que o monopólio da força do Estado proteja

o cidadão contra as lesões graves a seus bens jurídicos e também proteja os direitos

fundamentais de todos aqueles submetidos à repressão penal. Para a legitimação do Estado de

direito, não basta a democracia formal, mas também deve-se alcançar a democracia material.

Conforme examinado sobre os princípios do direito penal mínimo, que buscam a

proteção de direitos fundamentais e o respeito a diretrizes constitucionais, não basta que a lei

67

penal seja estrita e certa, pois, além de respeitar todos os rigores formais necessários, ela deve

também ser atual e necessária. O fato de uma lei ter sido promulgada de acordo com a

formalidade mínima exigida, não significa que não deva ser reexaminada de acordo com todo

o conjunto material disposto na Constituição.

Destaca-se também, os princípios da intervenção mínima e da lesividade, segundo

os quais o direito penal deve proteger os bens mais importantes, criminalizando condutas que

os ofendem seriamente e deve ser a ultima ratio, logo, utilizado somente quando os outros

ramos do direito não forem capazes de resolver as lesões aos bens jurídicos de forma mais

eficaz. Isto posto, salienta-se que o direito penal não está legitimado para servir de educação

moral, portanto não pode se punir a conduta pelo seu valor, mas sim por afetar bem jurídico

alheio, restando também afastada a autolesão. Vale lembrar também que as condutas que são

socialmente adequadas não justificam a intervenção penal, de acordo com o princípio da

adequação social.

Somando-se a isso, deve haver proporcionalidade entre os elementos crime e

pena, mantendo uma racionalidade do conjunto, tanto na hora de legislar sobre o crime,

quanto na hora de aplicar a pena. Ademais, consoante o apresentado, a doutrina e a

jurisprudência estruturaram o princípio da insignificância, que deve ser aplicado quando

houver desproporção entre os elementos acima mencionados. Assim, o fato formalmente

típico, pode não ser antinormativo, pois não ofende gravemente o bem jurídico protegido e a

punição provocaria um efeito desproporcionalmente mais grave que a própria conduta que

está sendo punida.

A Constituição de 1988, que recepcionou esses princípios, trouxe ao ordenamento

jurídico brasileiro cláusulas pétreas que devem filtrar os bens regulados pela legislação penal.

Com a instituição do Estado Democrático de Direito, tornou-se imperativo uma revisão e

reconstrução dos conceitos de bem jurídico penal, visto que não correspondem mais a todos

aqueles concebidos em 1940.

A partir da análise jurisprudencial e doutrinária das contravenções penais, é

possível notar diversas contradições. Primeiramente, a Lei das Contravenções Penais segue o

rito sumaríssimo, que prima pela conciliação e composição dos danos civis, mas a totalidade

das contravenções, conforme dispõem a lei, são de ação pública incondicionada. Ocorre que,

além da possibilidade de vários dispositivos previstos nessa lei serem solucionados

adequadamente por meio de conciliação, os conflitos poderiam ser resolvidas com mais

68

eficácia em outras esferas do direito, principalmente as questões referentes à perturbação do

sossego. Fere-se, assim, o princípio da intervenção mínima.

Ademais, pune-se condutas que são socialmente aceitas e não atingem bens

jurídicos alheios, como, por exemplo, as contravenções penais de jogo do bicho e jogos de

azar. Ainda, desacata-se, que o próprio estado regule os jogos de azar, como as loterias. Fere-

se, dessa maneira, princípios como da adequação social e lesividade ao proibir essa atividade.

Por fim, destaca-se que são punidas condutas relacionadas com “costumes” e

“moralidade”, pois se acreditava quando as contravenções foram formuladas que certas

atitudes “perturbariam a estabilidade social” e procurava-se isolar aqueles que praticavam

essas condutas consideras “antissociais”, como, por exemplo, as contravenções de embriaguez

e de vadiagem. Ofende seriamente os direitos fundamentais a regulação desses

comportamentos, pois o Estado não pode obrigar os seus cidadãos a trabalharem e a terem o

estilo de vida que ele considera moral e adequado.

Dessa análise, percebe-se a insegurança jurídica que causa a inconsistência e

incoerência da Lei das Contravenções Penais com o restante do ordenamento, visto que, em

consequência disso, as decisões judiciais também se tornam discrepantes. Não é positivo nem

constitucional regular matérias consideradas “miúdas” por meio da esfera criminal e, pela

escassez de jurisprudência nas cortes superiores, nota-se que o assunto não está chamando a

devida atenção. Nas instâncias de segundo grau, é possível contemplar que a discussão sobre

a constitucionalidade dessa lei e sua conformidade com os princípios do nosso ordenamento é

muitas vezes esquivada sob o argumento de que considera-las inconstitucionais caracterizaria

indevidamente a “abolitio criminis”.

O presente trabalho não busca discorrer sobre qual a melhor solução para os

problemas do direito penal, mas a Lei das Contravenções Penais, justamente por ter esse

caráter “miúdo” não está recebendo a devida reflexão e o debate que merece. Afinal, seu

caráter de menor potencial ofensivo não impede que possua inúmeras contradições com o

sistema constitucional vigente e, com isso, infrinja o Estado Democrático de Direito.

69

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