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00 julho de 2010 00 julho de 2010 COMPORTAMENTO Paixão sobre trilhos Texto PAULA MEDEIROS Fotos ZÉ GABRIEL mãe de Alberto H. Del Bianco diz que ao nascer o filho não chorou, apitou. Aos oito anos, ele ficava no portão 7 da Estação da Luz, na rua José Paulino, em São Paulo, observando o vai e vem dos trens da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, que levava e trazia gente da capital para o interior e de lá pra cá. Muitas vezes, nas manhãs de sábado, o pai levava toda a família para passear de trem e tomar café da manhã no vagão-restaurante da companhia que se tornou famosa pela alta qualidade do serviço prestado ao público. “Era uma delícia!”, recorda o ex-menino, que hoje tem 55 anos e saudade do tempo em que o trem era um importante meio de transporte no país. Mas passear nos fins de semana ou viajar de férias não era suficiente para alimentar essa paixão. O que o menino queria, de verdade, era ser dono de um trem. Como era impossível, Alberto descobriu as miniatu- ras. “Minha primeira composição foi um elétrico, da Atma, presente do meu pai”, lembra Del Bianco. A Os adeptos do ferromodelismo colocam para rodar trens que contam histórias Acima, pista de trens na sede da Sociedade Brasileira de Ferromodelismo, em São Paulo. À esquerda, réplica de trem da Fepasa

Comportamento

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Page 1: Comportamento

00julho de 201000 julho de 2010

COMPORTAMENTO

Paixão sobre trilhos

Texto PAULA MEDEIROS Fotos ZÉ GABRIEL

mãe de Alberto H. Del Bianco diz que ao nascer o

filho não chorou, apitou. Aos oito anos, ele ficava no portão 7 da Estação da Luz, na rua José Paulino, em São

Paulo, observando o vai e vem dos trens da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, que levava e trazia gente da

capital para o interior e de lá pra cá. Muitas vezes, nas manhãs de sábado, o pai levava toda a família para

passear de trem e tomar café da manhã no vagão-restaurante da companhia que se tornou famosa pela alta

qualidade do serviço prestado ao público. “Era uma delícia!”, recorda o ex-menino, que hoje tem 55 anos e

saudade do tempo em que o trem era um importante meio de transporte no país.

Mas passear nos fins de semana ou viajar de férias não era suficiente para alimentar essa paixão. O que

o menino queria, de verdade, era ser dono de um trem. Como era impossível, Alberto descobriu as miniatu-

ras. “Minha primeira composição foi um elétrico, da Atma, presente do meu pai”, lembra Del Bianco.

A

Os adeptos do ferromodelismo colocam para rodar

trens que contam histórias

Acima, pista de trens na

sede da Sociedade Brasileira

de Ferromodelismo, em

São Paulo. À esquerda,

réplica de trem da Fepasa

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Aos 15 anos ele já era sócio da Sociedade Brasileira de Ferromodelismo

(SBF) e desde então seu hobby é estudar, pesquisar, descobrir e colocar para

rodar locomotivas e vagões que são réplicas dos trens da Cia. Estrada de

Ferro do Dourado, ou Douradense, uma ferrovia que transportava café e

passageiros em máquinas movidas a vapor. A linha passava por Ribeirão

Bonito, Boa Es pe ran ça do Sul, Nova Europa, Tabatinga, Ibitinga, Borborema,

Novo Horizonte, Bo cai na, Bariri e Jaú. “Percorri muito esse trajeto, pois

tínhamos parentes em Jaú e ía mos de trem visitá-los”, conta.

Alberto explica que colocar um trenzinho nos trilhos e observar sua

traje tó ria na maquete é o fim do processo. Para ele, a graça do hobby está

justamente na pesquisa, em descobrir como eram pintados os vagões, o

que transportavam, o trajeto da ferrovia, seu período de ouro, fotos e todo

tipo de informação que se possa levantar sobre a estrada de ferro escolhi-

da. “Pesquisar é como re vi ver a história da companhia.” Foi assim que ele

descobriu que o bisavô tinha sido funcionário na Douradense.

Entre miniaturas

Segundo os adeptos, os fãs do ferromodelismo podem ser encaixados

em três categorias: aqueles que compram as máquinas prontas e as colo-

cam pra rodar, os que gostam de montar cada peça da composição, e há

ainda os que criam do nada. “Esses últimos são os verdadeiros ferromode-

listas. Nós somos apenas colecionadores”, afirma Del Bianco, que explica

que essas categorias ainda se dividem entre os que amam os trens euro-

peus e aqueles que prefirem os americanos.

Quando se começa nesse hobby, normalmente, não há foco.  É com o

tem po que a pessoa vai aperfeiçoando seu gosto. A paixão de Artur Zampol,

por exemplo, é a Sorocabana (ferrovia no estado de São Paulo). “Nasci na

beira des sa estrada de ferro. Como não tinha acesso aos grandes, investi

nas miniaturas”, diz. Mario Domingues, natural de Rio Claro, no interior de

São Paulo, viajou muito de trem na década de 1970, quando tinha entre 8 e

14 anos. “A estação da minha cidade era linda. Hoje, está completamente

destruída”, diz o apaixonado por trens da Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.).

Não se sabe precisar onde o ferromodelismo nasceu. Segundo infor-

ma o site da Sociedade Brasileira de Ferromodelismo (SBF), imagina-se que

desde que surgiram as primeiras ferrovias na Europa “as pessoas pensaram

em ter miniaturas daqueles estranhos engenhos”.

Nesta página, sócios do clube (da esquerda para a direita):

Antonio Carlos Yonezawa Ramos, Arthur Zampol, Alberto

Del Bianco, João Roberto Ferrara e Peter Smith; e modelos em

funcionamento na pista do local. Na página ao lado, Alberto

Del Bianco e réplicas de máquinas da Fepasa e da Skandia

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COMPORTAMENTO

Em sua carreira no futebol, Pelé participou de 1.367 jogos e marcou 1.283 gols

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COMPORTAMENTO

As primeiras réplicas de que se tem notícia foram construídas por relo-

joeiros alemães, com mecanismos de corda, entre 1850 e 1856. Hoje, as melho-

res máquinas são fabricadas pelos chineses. Já a história da SBF é bem conhe-

cida por seus sócios. A ideia do fundador era criar um espaço onde outros apai-

xonados por trens pudessem se encontrar, trocar informações e colocar suas

preciosidades para rodar em uma maquete. Em 2010, a iniciativa de Sergio

Celario completa 50 anos de atividade e tem 150 associados, com idades entre

12 e 80 anos, que pagam uma mensalidade de R$ 50,00. “Mas, atuantes, de ver-

dade, são apenas 30 ou 40”, revela Del Bianco.

No fim dos anos 1960, o clube (como a SBF é chamada pelos sócios) se

mudou para o modelódromo do Ibirapuera, em São Paulo, um espaço cedido

pela prefeitura, onde funciona até hoje, aos sábados, domingos e feriados, das

9h às 18h. Entre a estrutura da pista nova, com 200 metros quadrados (que

deve ficar pronta no próximo ano), e a maquete velha, que já tem mais de 45

anos, os sócios se divertem com suas locomotivas que soltam fumaça e com

vagões com passageiros e cargas.

Investimento e dedicação

Uma máquina dessas pode custar uma fortuna. O ferromodelista

Alberto calcula que, em média, gaste cerca de R$ 200 por mês com o hobby.

Seus “investimentos” mais recentes foram uma réplica de uma máquina da

Cia. Douradense, que custou cerca de 200 dólares, e uma locomotiva que fala

e solta fumaça, que custou R$ 1.400.

Francisco Rago reconhece sua loucura por locomotivas e vagões. “A do ro

trens, desde criança. Meu pai trabalhou em ferrovia e eu só sosseguei quan do

consegui ser maquinista”, conta o, atualmente, motorista. Seu objeto de pes-

quisa é a Southern Pacific. “Tenho umas 50 locomotivas e cerca de 200 va gões”,

contabiliza, enquanto manobra uma de suas composições importadas.

Para quem quer começar no ferromodelismo, os iniciados indicam o

único fabricante nacional, a Frateschi Trens Elétricos, que, além de produzir

peças, organiza encontros e concursos para amadores. Eles calculam que com

R$ 300 é possível comprar uma composição e trilhos e começar a se apaixonar.

Nenhum deles conseguiu sensibilizar os filhos para acompanhá-los no

hobby. “Se hoje em dia não existem mais trens, como as crianças podem se

interessar por eles?”, pergunta Del Biano. Já na opinião de João Roberto, ferro-

modelismo é hobby de gente mais madura. “Além de caro, é preciso um boca-

do de conhecimento para ‘brincar’ com essas máquinas”, conclui.

Acima, Peter Smith e

João Roberto Ferrara,

dois dos 150 associados

do clube de ferromodelismo,

e trens construídos pelos

adeptos do hobby

O modelódromo do Ibirapuera foi criado em 1968

pe lo bri gadeiro Faria Lima, então prefeito de São

Pau lo. A área, com 36 mil metros quadrados, foi

cons truída ao lado do Par que do Ibirapuera e abriga

duas pistas ovais para aeromo de lis mo VCC (vôo

con trolado por cabos), um tanque para a prá ti ca de

nautimodelismo e uma arquibancada. Em bai xo de -

la funcionam a lanchonete e as áreas para fer ro -

modelismo e au to modelismo. O Decreto es ta dual

nº 31.343, de 20 de Mar ço de 1992, permitiu que a Fe -

deração Paulista de Ae ro mo de lis mo ad mi nis tras se

a área. No fim de 2001, foi cria do o Clu be Desportivo

Municipal Mo de ló dromo do Ibi ra puera, que é for -

ma do pela So cie da de Brasileira de Ferro mo de lis mo

e pe las seguintes en tidades:

APN - Associação Paulista de Nautimodelismo,

que reúne os praticantes do nautimodelismo a ve -

la e rá dio controlado. O tanque do modelódromo é

o maior des se tipo em São Paulo.

FPA - Federação Paulista de Aeromodelismo, que é

dedicada ao voo controlado por cabos (VCC), tem

duas pistas.

GPPSD - Grupo de Plastimodelismo e Pesquisa

Santos Du mont, organização com mais de 30 anos

que divulga o hobby e ensina técnicas para proje-

tar e construir réplicas reduzidas de aviões, barcos

e automóveis, entre outros, com material plás tico.

INDY 500 - Oferece aos sócios e ao público em

geral a oportunidade de se divertir e competir na

maior pista de autorama da cidade.

No céu, na água e na terra