Upload
others
View
1
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
TOMÁS JOSÉ JANE
Comunicação para o desenvolvimento: o papel das rádios comunitárias na educação para o desenvolvimento local em Moçambique
Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo, 2006.
id46286562 pdfMachine by Broadgun Software - a great PDF writer! - a great PDF creator! - http://www.pdfmachine.com http://www.broadgun.com
2
TOMÁS JOSÉ JANE
Comunicação para o desenvolvimento: o papel das rádios comunitárias na educação para o desenvolvimento local em Moçambique
Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para
obtenção do grau de Doutor em Comunicação Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cicília Maria Krohling Peruzzo.
Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social
São Bernardo do Campo, 2006.
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
A tese sob o título �Comunicação para o desenvolvimento: o papel das rádios e televisões
comunitárias na educação para o desenvolvimento local de comunidades locais de
Moçambique�, elaborada por Tomás Jane, foi defendida no dia 05 de Abril de 2006, tendo
sido:
( ) Reprovada
( X ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações
sugeridas pela banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da
defesa .
( ) Aprovada
( ) Aprovada com louvor
Banca Examinadora:
Prof.ª Dr.ª Cicília Maria Krohling Peruzzo (Presidente)
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de pesquisa: Comunicação Massiva
Projeto temático: Mídia local e comunitária
4
Aos meus pais, Josefa Jane Nyatshave e Rocina Thonela
Manyavele (in memorian); à minha esposa, Irací Pires da Silva
Jane; aos meus filhos, Noyan Nyatshave Pires da Silva Jane e
Luana Nyatshave Pires Jane; a todos aqueles que dia e noite
trabalham na promoção do desenvolvimento comunitário, dedico
esta obra.
5
�A missão da rádio define o seu propósito. Identifica as
necessidades e interesses e é um �espelho� para a estrutura da
rádio; é um mapa que orienta na obtenção dos seus objectivos; é
o instrumento pelo qual medimos o sucesso; é a base sobre qual
todas as coisas são construídas; é a estrela que nos guia e nos
orienta. [...] Toda a programação deve estar baseada nos
princípios estabelecidos pela missão. E para que a programação
tenha raiz na comunidade as sementes devem germinar dentro
dela.�
(BONIN; OPOKU-MENSAH. 1998, p. 33)
6
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas a quem gostaria de endereçar os meus agradecimentos pelo apoio que
tanto me deram para o desenvolvimento deste trabalho. Se eu colocasse todos os seus nomes
em uma lista, muitas páginas se esgotariam. Mas existem aquelas pessoas a quem, de uma
maneira especial, me sinto no dever de expressar e deixar aqui registrado o meu maior
agradecimento:
Aos meus queridos pais (in memorian), Josefa Jane e Rocina Thonela, que me ensinaram a
viver confiando em Deus e nas pessoas que me querem bem.
À Irací Pires da Silva Jane, minha esposa e companheira amada, pelo carinho e encorajamento
ao longo da realização deste trabalho.
Aos meus filhos, Noyan Nyatshave Pires da Silva Jane e Luana Nyatshave Pires Jane que, em
certos momentos, tive de deixar sozinhos em busca do material para a elaboração deste
trabalho.
Ao grande irmão e amigo, Rev. Jamisse Uilson Taimo, pelo encorajamento que sempre me
prestou.
À Prof.ª Dr.ª Maria Cicília Krohling, que tanto admiro por seu profissionalismo, sua
dedicação, seu encorajamento, sua paciência e sua vontade de transmitir os conhecimentos e
as experiências acumuladas ao longo da vida intelectual.
Á CAPES/PEC-PG, pelo apoio financeiro para a realização dos meus estudos e preparação
deste trabalho;
A Deus, pela saúde, paz e vontade de lutar até intelectualmente alcançar este objetivo.
Aos líderes do movimento das rádios comunitárias e todos os que direta ou indiretamente
deram o seu apoio para que este meu sonho se tornasse realidade.
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS
Mapa 01 � Localização geográfica de Moçambique............................................................ 19
Mapa 02 - Mapa de cobertura nacional da TVM................................................................ 39
Tabela 01 - Mapa de registro das rádios comunitárias
(Maputo, de 2001 a 2005) ..................................................................................................... 124
Mapa 03 � Mapa de localização geográfica das rádios comunitárias em Moçambique 127
Mapa 04 � Mapa de localização geográfica das rádios e televisões comunitárias ......... 126
Tuteladas pelo I.C.S
i
1
Sumário
FOLHA DE APROVAÇÃO ...................................................................................................... iii AGRADECIMENTOS................................................................................................................vi LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS............................................................................... vii Sumário .........................................................................................................................................i
Resumo ...................................................................................................................................... 2
Abstract ..................................................................................................................................... 3
Resumen .................................................................................................................................... 4
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 5 Metodologia .................................................................................................................................7 Estrutura do trabalho..................................................................................................................11
Capítulo I
DADOS BÁSICOS SOBRE COMUNICAÇÃO SOCIAL EM MOÇAMBIQUE ............ 14 1. Aspectos históricos..................................................................................................... 14 2. Os meios de comunicação social em Moçambique pós-independente....................... 19
2.1. A democratização dos meios de comunicação social e o surgimento de novas
mídias .............................................................................................................................. 29 3. Surgimento e evolução dos serviços de radiodifusão moçambicanos........................ 33
3.1 Rádio Moçambique - Empresa Pública (RM-EP) ................................................ 35 4. Televisão de Moçambique: da iniciativa à implantação dos serviços de teledifusão. 36
4.1 TVM: do sonho à realidade .................................................................................. 37 4.2 A transformação da TVE em TVM ...................................................................... 39 4.3 O surgimento das novas emissoras de televisão ................................................... 40
Capítulo II COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO........................................................ 42
1 Conceituação e contextualização teóricas .................................................................. 42 1.1 A problemática do desenvolvimento .................................................................... 48 1.2 Desenvolvimento versus desigualdade social....................................................... 50
2. A comunicação e o desenvolvimento local ................................................................ 52 3. A comunicação para o desenvolvimento no contexto moçambicano......................... 65 4. Comunidade e desenvolvimento local........................................................................ 68
4.1 O local como espaço de participação comunitária ............................................... 73 4.2 Comunicação e participação comunitária nos programas de desenvolvimento ... 76 4.3 A agricultura familiar contribuindo para o desenvolvimento local ...................... 80
5. Conceito e elementos do desenvolvimento local sustentável..................................... 88 5.1 O desenvolvimento local sustentável num país subdesenvolvido ........................ 92 5.2 Associativismo e cooperativismo como fatores do desenvolvimento local sustentável ..................................................................................................................... 100
2
2
Capítulo III RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA COMO FATOR COMPLEMENTAR DO
DESENVOLVIMENTO LOCAL ....................................................................................... 108 1. Os serviços de radiodifusão e teledifusão comunitárias........................................... 108 2. Aspectos históricos da radiodifusão comunitária em Moçambique ......................... 113 3. O conceito moçambicano de rádio comunitária ....................................................... 116 4. Forcom: por uma gestão coletiva das rádios comunitárias de Moçambique............ 125 5. Rede Rural de Rádio e Televisão Comunitária ........................................................ 129
5.1 Rádio e Televisão Comunitária Likungu............................................................ 131 5.2 Rádio Dondo....................................................................................................... 133 5.3 Rádio Pax............................................................................................................ 135 5.4 Rádio e Televisão Comunitária de Vilankulu .................................................... 136 5.5 Rádio Arco-Homoine ......................................................................................... 137 5.6 Rádio Nkomati.................................................................................................... 139 5.7 Rádio Moamba ................................................................................................... 141 5.8 Rádio Voz Coop ................................................................................................ 142
7. Relação rádios comunitárias e privadas ................................................................... 147 9. O uso das línguas moçambicanas nos meios de comunicação de massa comunitários
.................................................................................................................................. 153 10.1 Telecentro: um novo espaço comunitário ................................................................ 160 10.2 A contribuição dos telecentros para o desenvolvimento local ................................. 163
Capítulo IV
A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA COMO FORMATO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........................................................................ 167 1. A comunicação comunitária na formação do cidadão.............................................. 168
1.1 A relevância da participação comunitária .......................................................... 169 2. A programação da rádio comunitária ....................................................................... 172 3. Comunicação comunitária: alavanca do desenvolvimento local, regional e nacional.
.................................................................................................................................. 174
CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES ............................................................................ 177
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 184
ANEXOS ............................................................................................................................... 190
PERFIL DAS RÁDIOS........................................................................................................ 190
2 1
Resumo
Trata-se de um estudo sobre as rádios e televisões comunitárias em Moçambique. São
investigadas as ações implementadas tanto pelo governo como pela sociedade civil,
bem como o significado que essas emissoras têm para as populações locais. O objetivo
é analisar a importância e a contribuição das rádios e televisões comunitárias para a
conscientização das populações moçambicanas e para a realização com vistas ao
desenvolvimento local. A metodologia privilegiou a pesquisa bibliográfica e
documental, além de entrevistas semi-estruturadas junto a coordenadores das
emissoras, entre outros. Foram estudadas 8 emissoras sediadas nas províncias de
Zambézia, Sofala, Inhambane, Maputo e Maputo Cidade, de 2004 a 2005, além de ter
sido feito um breve resgate do percurso histórico da comunicação em Moçambique
nos últimos 15 anos, desde a promulgação da primeira Lei de Imprensa aprovada pela
Assembléia da República. Conclui-se que as rádios e a televisões comunitárias são
instrumentos de educação e conscientização das pessoas das comunidades
investigadas. Elas desempenham um papel importante na vida dos cidadãos,
mobilizando-os a se envolverem nas ações de combate à pobreza absoluta que se vive
no seu país. São bens comunitários contribuindo para o desenvolvimento sustentável
das próprias comunidades.
Palavras-chave: Comunicação para o desenvolvimento, comunicação comunitária,
rádio, televisão, comunidade, participação, desenvolvimento local.
3 1
Abstract
The work �Communication for development: the roll of the community radios and
televisions in the education for development of the communities of Mozambique� is meant to
observe, analyze and describe the importance and the contribution of community radios and
televisions in the consciencialization of the Mozambican populations for the accomplishment
of actions towards local development. The studied period comprehend the last 15 years (1991
- 2005) of existence of the first media law, approved by the parliament. The research was
centered in the actions taken both by the government and by civil society in general, and the
meaning that the community radios and televisions have for the local population, based on
theoretical and practical knowledge acquired during the present study.
Community radio and television are education instruments and understanding of the
community's people. They have an important part in the citizens' life, mobilizing them to
involve on taken actions in the combat process of the absolute poverty that the population
lives in their community. They are community goods contributing to the sustainable
development of the own communities.
Key words: Communication for development, community communication,
community radio and television, community participation, local development.
4 1
Resumen
El trabajo �la Comunicación para el desarrollo: el rollo de radios de la comunidad y
televisiones en la educación para el desarrollo en comunidades de Mozambique� observa,
analice y describe la importancia y la contribución de radios y televisiones comunitarias en el
consciencialization de las poblaciones Mozambicanas para el logro de acciones hacia el
desarrollo local. El período estudiado comprende los últimos 15 (1991 a 2005) años de
existencia de la primera ley de los medios de comunicación, aprobado por el parlamento. La
investigación se centró en las acciones tomadas por el gobierno y por la sociedad civil en
general, y el significado que las radios y televisión comunitarias tienen para la población
local, basado en conocimiento teórico y práctico adquirido durante a realización del presente
estudio. Las radios y televisiones comunitarias son instrumentos de la educación y
conscientización de las personas de la comunidad. Ellos tienen una parte importante en la vida
de los ciudadanos, mientras movilizándolos involucrar en las acciones tomadas en el proceso
del combate de la pobreza absoluta que la población vive en su comunidad. Ellos son género
de la comunidad que contribuye al desarrollo sustentable de las propias comunidades.
Palabras claves: La comunicación para el desarrollo, comunicación de la comunidad,
radio y televisión de la comunidad, participación de la comunidad, el desarrollo local.
5 1
INTRODUÇÃO
No contexto em que se desenvolveu este trabalho, fomos percebendo cada vez mais
que os meios de comunicação sempre tiveram, ao longo dos tempos da existência humana,
uma importância capital para o inter-relacionamento das pessoas, a vida em comunidade e a
troca de idéias, bem como a construção de espaço de participação de indivíduos na realização
de ações visando o desenvolvimento comum.
A comunicação tem sido e é elemento chave para o sucesso de qualquer projeto de
desenvolvimento, em particular na luta contra a pobreza absoluta a que qualquer povo se
encontra mergulhada. Para se concretizar algum plano ou projeto, ou ações programadas tanto
por organismos governamentais como por instituições públicas ou privadas, a comunicação
formal só pode atingir resultados positivos quando é feita através de reuniões e encontros com
as populações. No entanto, para se atingir um nível superior de intervenção, torna-se
necessária uma comunicação mais eficaz e mais abrangente junto do público alvo.
O surgimento da rádio com a descoberta das ondas hertzianas que transmitem
mensagens pelo ar, aparece como um espaço para a comunicação na qual o homem, com a
adaptação da fala, vai mudando o seu comportamento graças às informações, conhecimentos e
experiências que adquire ao longo da sua vida. Ao alcançar os ouvintes, a rádio cria uma
imagem a partir do quadro de referências que cada um tem, criando neles uma credibilidade
em relação à informação que lhes oferece.
Apesar de a televisão ter surgido como um poderoso veículo de comunicação, provado
e aprovado ao longo do tempo, ainda não conseguiu superar o rádio, isto devido ao custo que
se lhe oferece, pois ainda não tem sido fácil alcançar populações de lugares recônditos. Daí
que até o presente momento a televisão só cobre espaços onde a energia já é uma realidade.
6 1
A necessidade de comunicação mais abrangente e eficaz tem sido uma exigência na
vida do homem e é mais notável e indispensável nesta Era das Tecnologias de Informação,
sobretudo quando se trata de implementação de projetos que introduzem inovações e
mudanças de hábitos, ou exigem o envolvimento da população nos Meios de Comunicação
Social que funcionem como alternativas de apoio aos grupos associativos, organizações
sociais ou comunitárias, etc.
Por se acreditar que a comunicação e a informação são fundamentais na vida de
qualquer sociedade que se afirma como participativa, no caso Moçambique, os dois termos
fazem parte de princípios consagrados na Constituição da República, no seu artigo 48,
complementada pela Lei de Imprensa 18/91, de 10 de Agosto de 1991. Em resposta às
transformações sócio-econômicas e políticas que vêm acontecendo no país desde a aprovação,
pela Assembléia da República, em 1990, da Constituição da República e da Lei 18/91, estas
vieram permitir o surgimento de novas iniciativas de imprensa escrita e radiofônica de caráter
privado que até então constituía monopólio do Estado. Com essas aberturas consideradas
democráticas, teve início um movimento das rádios comunitárias de orientação estatal, de
associações cívicas, de instituições religiosas, congregando mais de meia centena e nas quais
estão envolvidos membros das comunidades onde se encontram instaladas, exercendo várias
funções e tarefas de gestão e de programação.
Nosso maior interesse pelo estudo da comunicação para o desenvolvimento local,
especialmente o rural, surge no período de 1992 a 1994 quando, trabalhando no Unicef -
Fundo das Nações Unidas para a Infância, fazia a monitoria de alguns programas e projetos de
apoio e promoção ao desenvolvimento rural. Isto criou em nós um desejo enorme de
desenvolver um estudo voltado para o desenvolvimento das comunidades rurais. Desde aquela
época, uma boa parte das nossas atividades de pesquisa vem tendo seu maior enfoque no
estudo sobre o que seria a comunicação comunitária e a sua contribuição para o
desenvolvimento das comunidades locais, aquelas que podem criar uma capacidade de
sustentabilidade e enfrentar os desafios provocados pela guerra e calamidades naturais,
grandes motivadores da pobreza absoluta em que o país se encontra mergulhada.
7 1
Metodologia
Nosso trabalho aborda qualitativamente os meios eletrônicos de orientação
comunitária em sua relação com a educação para o desenvolvimento das comunidades locais,
em particular as rurais. Esta pesquisa, sobre o papel das rádios e televisões comunitárias na
educação para o desenvolvimento local de comunidades de Moçambique, foi desenvolvida
com base nos conhecimentos acumulados sobre a temática da comunicação comunitária e
contou com a utilização de uma metodologia composta de técnicas e instrumentos
cientificamente adequados, escolhidos de forma cuidadosa para permitir que os resultados
alcançados sejam úteis para o progresso do conhecimento científico das futuras gerações de
pesquisadores em comunicação comunitária.
O objetivo principal da presente pesquisa foi analisar o papel das rádios e televisões
comunitárias no processo de desenvolvimento local sustentável, bem como sua contribuição
na educação da população moçambicana para fazer frente à pobreza absoluta que afeta o país
e, mais especificamente, as zonas rurais.
Constituíram objetivos específicos da nossa pesquisa:
a) Traçar um panorama geral e histórico da comunicação social em Moçambique a
começar de 1975, ano da Independência Nacional;
b) Identificar e analisar as linhas gerais da política de comunicação moçambicana e a
exeqüibilidade da Lei de Imprensa no período em estudo;
c) Identificar e analisar as principais mudanças ocorridas nos meios de comunicação
de massa, sobretudo nos de caráter estatal que detêm o monopólio da comunicação
social no país;
8 1
d) Identificar e analisar os instrumentos que regulam os meios de comunicação
comunitários, particularmente os das áreas de rádio e de teledifusão;
e) Analisar e mapear os �novos� meios eletrônicos de comunicação de orientação
comunitária, seus regimes de propriedade, política editorial, dependência e
independência, base social, área de cobertura, sustentabilidade e contribuição para o
desenvolvimento local.
Trata-se de uma pesquisa empírica que, em certa medida, se inspira nas experiências
acumuladas ao longo de nossa vida profissional e tem seu epicentro fundamentado no
embasamento teórico adquirido na vida acadêmica.
O estudo faz um histórico da fase que compreende os 15 anos da existência da Lei de
Imprensa (Lei 18/91, de 10 de agosto de 1991), a primeira do gênero aprovada pela
Assembléia da República desde a Independência Nacional, proclamada em 25 de junho de
1975. Neste trabalho concentramos nossa atenção às ações levadas a cabo tanto pelo Governo
como pela sociedade civil em relação a radio e à teledifusão comunitárias, ao significado que
estas têm para os atores sociais e à sua função, dando enfoque aos conceitos teórico-empíricos
adquiridos ao longo de nossa vida e estudo.
Com base na definição de António Carlos Gil (1991, p. 19), a pesquisa é um
procedimento racional que visa dar resposta a questões que são propostas. Para ele, �a
pesquisa é requerida quando não se dispõe de informação suficiente para responder ao
problema, ou então quando a informação disponível se encontra em total estado de desordem
que não possa ser adequadamente relacionada ao problema�.
Para realizarmos nossa pesquisa, buscamos verificar a amplitude social das rádios e
televisões comunitárias e compreender as particularidades da relação existente entre o
contexto sociopolítico que determina as estratégias de informação e comunicação e as ações
de desenvolvimento que ocorrem em Moçambique, com base em uma abordagem histórica
descritiva que deu consistência e embasamento teórico ao trabalho.
9 1
Para delimitar a abrangência da pesquisa, realizamos um estudo sobre a origem do
movimento da comunicação comunitária no país, tomando como objeto preliminar as duas
grandes experiências moçambicanas de comunicação comunitária:
O prenúncio da comunicação comunitária com a instalação de alto-falantes nos
bairros e aldeias comunais, pelo Instituto de Comunicação Social (ICS) com o apoio
do Unicef;
O movimento das rádios comunitárias, também liderado pelo ICS e com o apoio
do Unicef.
Ao considerarmos a inter-relação entre os dois momentos históricos do país,
demos muita importância à participação das comunidades locais no processo da instalação
das rádios e televisões comunitárias, à formação de gestores e operadores dos meios, às
relações entre parceiros e às transformações ocorridas no ambiente comunitário local. Foi
com base nesses aspectos que orientamos nossa pesquisa segundo as seguintes hipóteses:
A comunicação comunitária desempenha um papel preponderante para o
envolvimento da população em programas de desenvolvimento local, por meio da
educação e da mobilização;
As populações assumem as rádios e televisões comunitárias como bens comuns e,
portanto, participam de atividades de programação e gestão desses meios;
Ao se engajarem em programas de combate à pobreza absoluta que se vive no país, as
rádios e televisões comunitárias contribuem para o desenvolvimento das comunidades
em que se inserem.
Na formulação das hipóteses, procuramos reunir vários pontos de apoio ao
desenvolvimento da nossa pesquisa e que estejam em consonância com o dia-a-dia das
comunidades locais com os seus diversificados membros, seu sistema político e sua situação
financeira.
No desenrolar da nossa pesquisa, foram levantados os dados históricos e
conhecimentos teóricos acumulados sobre rádio e teledifusão comunitárias, assunto
profundamente estudado por vários autores e pesquisadores, e disso extraímos aspectos
10 1
fundamentais para uma abordagem do problema. Este estudo conseguiu abranger considerável
área geográfica e conta com grande quantidade de depoimentos.
Esta pesquisa configura-se como um estudo descritivo-analítico pelo qual
descrevemos com exatidão �os fatos e fenômenos de determinada realidade [tendo como foco
central] o desejo de conhecer a comunidade, seus traços característicos, suas gentes, seus
problemas, etc.� (TRIVIÑOS, 1990, p. 110-1).
Com base na sustentação desse autor, procurarmos concentrar nossa pesquisa na
utilização de ferramentas disponíveis que nos auxiliassem a revelar as particularidades do
movimento das rádios e televisões comunitárias em Moçambique, analisando os dados
obtidos de acordo com determinados procedimentos metodológicos.
No processo da coleta de dados realizamos entrevistas semi-estruturadas, definidas por
Lakatos e Marconi (1999, p. 96) como aquelas em que �o entrevistador tem liberdade para
desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada [podendo] explorar
mais amplamente a questão�. Para isso, foram preparados três roteiros de entrevista que,
como explicam os autores acima, não obedece a uma estrutura formal, variando de acordo
com as informações específicas que buscávamos junto aos entrevistados.
Foram realizadas 32 entrevistas nos distritos de Mokuba (província da Zambézia),
Vilankulu e Homoine (província de Inhambane), Manhiça e Moamba (província de Maputo),
cidades da Beira e Dondo (província de Sofala) e Zona Verde (cidade de Maputo). Essas
entrevistas foram feitas com membros das comunidades, líderes comunitários e representantes
de entidades governamentais ligadas aos processos de registros dos órgãos de comunicação
social. Nas entrevistas feitas em cada um dos distritos e cidades referidas, selecionamos
aleatoriamente três membros da comunidade e um membro da estrutura de gestão da rádio
comunitária, para permitir um panorama geral do impacto da emissora na região. Foram
entrevistados também pesquisadores da área de desenvolvimento comunitário/rural e os
seguintes representantes do poder público: o diretor do Gabinete de Informação, entidade
responsável pelo registro dos órgãos de informação no país; o presidente do Conselho de
Administração da Rádio Moçambique; o presidente do Conselho de Administração da
Televisão de Moçambique; a diretora-geral do Instituto de Comunicação Social; o
11 1
coordenador do Projeto de Desenvolvimento da Mídia; o presidente do Fórum das Rádios
Comunitárias de Moçambique; e o então ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural.
Os relatos obtidos nessas entrevistas contribuíram para atender os objetivos que
pretendíamos alcançar, por fornecerem elementos enriquecedores para o estudo realizado.
Dessa forma, buscou-se descrever a importância e o objetivo de cada rádio comunitária no
movimento; compreender a concepção que os atores comunitários tiveram ou ainda têm da
rádio ou da televisão comunitária; estabelecer a relação objetivo-subjetiva entre as rádios e
televisões visitadas e suas comunidades; situar as mudanças decorrentes do contato das
comunidades com seus meios de comunicação; compreender o papel dessas rádios ou
televisões no desenvolvimento local, bem como a relação destas com seus parceiros.
A relação mantida com os entrevistados e as informações e impressões colhidas
constituem material importante para a reflexão sobre o papel da comunicação comunitária em
Moçambique e sua contribuição para o desenvolvimento das comunidades locais.
No que se refere à pesquisa bibliográfica, seguimos a recomendação de Gil (1999, p.
65), que diz que a pesquisa deve ser �desenvolvida a partir de material já elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos�. Foi com base nessa premissa que
concentrar à pertinência teórica de diversos autores, com especial atenção aos que estudam
com profundidade a área de comunicação comunitária, tentando trazer subsídios a uma
reflexão exaustiva sobre comunicação para o desenvolvimento, principalmente agora com a
ação das rádios e televisões comunitárias. No nosso entender, esses meios alteraram a relação
entre o ouvinte e a Rádio Moçambique e entre o telespectador e a Televisão de Moçambique,
as quais são os principais órgãos de comunicação eletrônica sob tutela do Estado e
monopolizam, respectivamente, a rádio e a teledifusão no país.
Estrutura do trabalho
Este trabalho encontra-se estruturado em 4 capítulos. No primeiro capítulo fazemos à
abordagem a cerca de dados básicos sobre a comunicação social em Moçambique, onde
apresentamos geograficamente o país e seus aspectos históricos, isto referente aos 25 anos
após a Independência Nacional. Resumidamente destacamos a historicidade dos meios de
12 1
comunicação, bem como problemas enfrentados por estes durante o período da guerra civil
que durou 17 anos. Ainda neste capítulo, abordamos o processo da democratização dos meios
de comunicação iniciado logo após a aprovação da Constituição de 1990 e da Lei de Imprensa
18/91, ambas garantindo a liberdade de expressão e da imprensa; o surgimento de novos
órgãos de comunicação social de orientação privada e o início do movimento das rádios e
televisões comunitárias país. A historicidade dos meios de comunicação social moçambicanos
também é analisada neste capítulo com destaque ao surgimento e evolução dos serviços de
radio e de televisão no país. No mesmo capítulo, abordamos a evolução dos serviços de
radiodifusão e os de televisão moçambicanos, para depois falarmos do surgimento das novas
emissoras tanto da rádio como da televisão no país.
No segundo capítulo iniciamos com abordagem teórica da comunicação para o
desenvolvimento, assunto �guarda-chuva� do nosso trabalho, onde discutimos diversos
conceitos de vários estudiosos da matéria. Nossa abordagem sobre este assunto se cinge na
problemática do desenvolvimento e na desigualdade social que se vive não só em
Moçambique, como na maioria dos países do Terceiro Mundo. Neste capítulo analisamos,
também, os conceitos da comunicação para o desenvolvimento no contexto moçambicano; o
conceito da comunidade e do desenvolvimento local, com os sub-pontos que enfocam o local
como espaço de participação comunitária e esta nos programas de desenvolvimento local
baseado nas práticas da agricultura familiar. No ponto de número 5 iniciamos a abordagem
dos conceitos e elementos do desenvolvimento local sustentável, analisando
comparativamente o que isso seria num país subdesenvolvido como Moçambique. A
discussão sobre o desenvolvimento local sustentável nos leva a fazermos uma análise sobre o
associativismo e o cooperativismo como alguns dos fatores do desenvolvimento sustentável
local.
A radiodifusão comunitária aparece como fator complementar do desenvolvimento
local. A discussão sobre este assunto é feita no terceiro capítulo deste trabalho, onde,
inicialmente, fazemos a abordagem da radiodifusão e da teledifusão comunitárias em
Moçambique, para depois falarmos dos seus aspectos históricos, bem como da evolução do
movimento das rádios comunitárias que veio a constituir-se em um �Fórum Moçambicano das
Rádios Comunitárias de Moçambique�. No mesmo capítulo debruçamo-nos sobre o projeto
�Rede Rural de Rádio e Televisão Comunitária� criado em 1995 pelo então Instituto Nacional
13 1
de Desenvolvimento Rural e que, em 2000, passou para a administração do Instituto de
Comunicação social, a qual já possui não menos de 7 TVs comunitárias, todas financiadas
pelo Estado. No entanto, fazemos um relato resumido do que constatamos nas 8 rádios
comunitárias por nós visitadas. Não podíamos terminar este capitulo sem que analisássemos
um pouco o problema da ausência do quadro legal das rádios e televisões comunitárias, o que
cria embaraços no seio dos operadores da área. O uso das línguas moçambicanas também não
podia ser deixado de lado. Afinal, a comunicação comunitária é feita nas línguas que o povo
bem entende. O movimento das rádios comunitárias ganhou espaço na sociedade
moçambicana, pois nos telecentros instalados pelo Centro de Informática da Universidade
Eduardo Mondlane, a componente rádio comunitária faz parte, havendo nesse sentido sido
instaladas emissoras em três telecentros existentes na Província de Maputo, nomeadamente
nos distritos de Namaacha, Manhiça e Xinavane/Magude.
O quarto capítulo � o último - analisa a comunicação comunitária como formato do
desenvolvimento sustável. Este capítulo subdivide-se em três sub-temas, nomeadamente a que
aborda a comunicação comunitária como elemento da formação e transformação do cidadão,
bem como a participação deste nas ações de desenvolvimento da sua comunidade. Também
analisamos a questão da programação das rádios comunitárias, para no fim falarmos da
comunicação comunitária como alavanca do desenvolvimento local, regional e nacional.
Acreditamos sim, a partir da visão da nossa pesquisa empírica, que a comunicação
comunitária como um todo e, em particular, as rádios e televisões comunitárias, exercem um
papel significativo na educação e capacitação das pessoas para enfrentarem os desafios que
lhes são impostas pela pobreza absoluta em que se encontram mergulhadas. Acreditamos
ainda que as rádios e televisões comunitárias tenham dado uma maior contribuição para o
desenvolvimento das comunidades locais e rurais, o que reflete, em grande medida, no
processo de desenvolvimento que o país pretende alcançar.
14 1
Capítulo I
DADOS BÁSICOS SOBRE COMUNICAÇÃO SOCIAL EM
MOÇAMBIQUE
1. Aspectos históricos
Moçambique situa-se na costa oriental da África, faz fronteira com a Tanzânia (ao
norte), Zâmbia e Zimbábue (a oeste), África do Sul e Suazilândia (ao sul), e é banhado pelo
oceano Índico (a leste). Sua superfície equivale a 801.590 km2, dos quais, 13.000 km2
correspondem a águas interiores. Sua população é estimada em cerca de 19.420.036 de
habitantes, dos quais 87% residem nas zonas rurais e os restantes, 13%, nas zonas urbanas1.
O português é a língua oficial, adotada logo após a proclamação da Independência
Nacional, mas poucos o podem falar e/ou escrever; a maioria da população fala as mais de 16
línguas locais diferentes ou uma das suas variantes. Em 1975, mais de 92% da população era
analfabeta. Atualmente, o analfabetismo baixou para 56,7%, índice que seria mais reduzido se
não tivesse havido guerra civil por 17 anos, a qual destruiu grande parte da infra-estrutura
econômica e educacional do país. O índice de analfabetismo tem a sua maior incidência na
área rural, onde chega a atingir 68%, e entre as mulheres, afetando aproximadamente 71,2%
delas .2
Moçambique é um país com população jovem, pois 45% é constituída por crianças
com idades compreendidas entre 0 e 14 anos. Herdando profundas marcas de analfabetismo e
dependência econômica na época da independência, Moçambique foi, durante 17 anos,
1 Dados do Instituto Nacional de Estatísticas, 2005. 2 Os dados referem-se exatamente às pessoas que não sabem ler e nem escrever, tanto em língua
portuguesa como em línguas locais.
15 1
governado por um sistema de partido único de filosofia socialista3, liderado, nos primeiros 11
anos, pelo primeiro Presidente da República, Samora Moisés Machel, o qual defendia:
A consolidação da edificação da nação;
A reconstrução e o desenvolvimento da economia nacional;
A eliminação da discriminação racial, regional e tribal;
A criação de redes nacionais de ensino, saúde e justiça.
Mesmo com a derrota do colonialismo português e a ascensão à independência
nacional, o país não conheceu a paz. Como acima referimos, desde cedo, por ter optado por
um sistema de governo socialista e se juntado à comunidade internacional na oposição ao
regime ilegal de Ian Smith, Moçambique sofreu ataques militares da Rodésia, contra alvos
econômicos e sociais e contra os campos de refugiados zimbabueanos. Alcançada a
Independência do Zimbábue, em 1980, continuou a ser palco de guerra, pois o grupo armado
criado pelos serviços secretos rodesianos, denominado de Movimento Nacional de Resistência
(MNR), mais tarde Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) passou a ser financiado
pelo regime segregacionista da África do Sul, que garantiu seu treinamento e apoio logístico,
numa tentativa de manter sua dominação política e econômica na região e evitar o
desenvolvimento interno do movimento anti-apartheid. Assim, a guerra se desenvolveu ao
longo da década de 1980, numa estratégia de destruição generalizada cujas ações incidiram
principalmente sobre infra-estruturas socioeconômicas e contra os civis, particularmente os
das áreas rurais. No mesmo período o país enfrentou, também, sucessivos momentos de secas
e cheias em diferentes regiões, perdendo inúmeras infra-estruturas econômicas e sociais.
A fome e a pobreza generalizadas também fizeram parte do processo da
desestabilização do país, chegando a ponto de, em 1987, o governo declarar situação de
emergência e pedir assistência à comunidade internacional e, no mesmo ano ser lançado o
Programa de Reabilitação Econômica, com apoio do Banco Mundial e do FMI, com a
finalidade de promover:
3 Constituição da República Popular de Moçambique. Maputo: Governo de Moçambique, 1975.
16 1
A introdução de mais dinamismo na gestão econômica e a promoção do
empresariado nacional;
O restabelecimento do equilíbrio financeiro e a criação de alicerces para o
crescimento da economia nacional;
A inversão do declínio da produção para assegurar os níveis mínimos de
rendimento e consumo;
O fortalecimento da balança de pagamentos e a garantia da estabilidade econômica.
Em resposta às medidas acima, o documento �Perfil de Moçambique� (2001, p. 2)
refere que o PIB cresceu cerca de 5% de 1987 a 1989. No entanto, o país não conseguiu
manter este ritmo, tendo sido registrado, em 1992, último ano da guerra civil, um resultado
negativo de -3,3%. A situação voltou a mudar nos anos seguintes ao Acordo Geral de Paz
assinado em Roma em 4 de outubro de 1992.
Na arena política, as mudanças começaram a acontecer anos depois da morte do
presidente Samora Moisés Machel (19 de outubro de 1986), vítima de acidente de aviação.
Joaquim Alberto Chissano, até então ministro dos Negócios Estrangeiros, que foi nomeado
presidente, iniciou imediatamente um processo de reformas políticas que culminaram com a
aprovação, pela Assembléia da República (Parlamento), da nova Constituição da República,
dando-se, assim, os primeiros passos do processo de transformações políticas e sociais no
país.
Com a adoção da nova �constituição multipartidária�, em 1990, o processo de
transformação e renovação da sociedade moçambicana levado a cabo pelo governo, conheceu
aceleração e aprofundamento com vista a alcançar um novo rumo para a pacificação e para o
conseqüente desenvolvimento nacional. Trata-se de um processo que ocorreu � e ocorre �
num esforço de concretizar o princípio de �mudança política, social, econômica e cultural�
por meio das comunidades locais, evitando, na medida do possível, rupturas que possam
desgovernar a sociedade e o Estado. Assim, foram aprovadas novas leis e reformadas as
instituições públicas. A Constituição da República (1990) introduziu alterações importantes
em vários aspectos de interesse da sociedade moçambicana, das quais podemos destacar uma
maior atenção dedicada:
17 1
Aos direitos individuais e aos coletivos; À transição do sistema monopartidário ao
multipartidário;
À passagem da economia centralmente planificada à economia de mercado;À
criação de diversas legislações, como a Lei dos Partidos;À Lei de Imprensa;À Lei
do Direito à Criação de Associações;À Lei do Direito à Greve e leis que adaptam as
estruturas e as instituições de justiça, da polícia e dos serviços de segurança do
Estado.
Em simultâneo com as reformas, ocorriam em Roma, a partir de 1990, as conversações
diretas entre o governo e a Renamo, que levaram à assinatura do Acordo Geral de Paz, em
1992. Esse acordo estabeleceu, entre muitos aspectos, a realização das Primeiras Eleições
Gerais e Multipartidárias por sufrágio universal direto, secreto e pessoal, em outubro de 1994,
para, em maio de 1998, realizarem-se as Primeiras Eleições Municipais, em 33 municípios. O
processo da descentralização administrativa do país está sendo feito, de forma gradual, para
outras cidades e vilas não abrangidas nas eleições de 1998, e disso resultou a realização, em 9
de outubro de 2003, das Segundas Eleições Municipais por sufrágio universal, quando mais
cidades e vilas passaram a gozar do estatuto de município. Deve-se salientar que a democracia
multipartidária criou raízes em Moçambique, pois após a realização das primeiras eleições
gerais e multipartidárias para a escolha do Presidente da República e dos Deputados da
Assembléia da República, as segundas aconteceram em 1999, e as terceiras eleições gerais,
em 2004. Neste momento, Moçambique conta com mais de 20 partidos políticos, sendo a
Frelimo e a Renamo os com maior numero de filiados.
Na área social, a Constituição da República de Moçambique, no seu artigo 74, garante
a todos os cidadãos o direito à informação, à liberdade de imprensa e à liberdade de
expressão. Na base dos direitos e liberdades consagrados na Constituição, a Assembléia da
República aprovou, em 1991, a Lei de Imprensa (Lei nº. 18/91 de 10 de agosto), dando
abertura para que, em 1997, o governo adotasse uma �Política e Estratégias da Informação�
com os seguintes objetivos:
a) O aperfeiçoamento da comunicação entre o governo e os cidadãos, por meio dos
órgãos de informação;
b) A cobertura efetiva do território nacional pelos órgãos de informação do setor público;
18 1
c) A melhoria do acesso dos cidadãos aos meios de comunicação social, particularmente
nas zonas rurais;
d) O aumento do fluxo de informações sobre o país em nível interno e internacional.
Em relação às reformas constitucionais e comunicacionais, Tinga afirma que a
concretização, tanto do artigo 74 da Constituição da República como da Lei nº. 18/91, só será
possível quando todos os membros da sociedade moçambicana exercerem livremente o seu
direito de expressão de forma inalienável, isto é:
Quando todos gerarmos e intercambiarmos os nossos próprios temas e
mensagens, solidarizarmo-nos na criação do conhecimento, soubermos compartilhar sentimentos, organizarmo-nos e adquirirmos o poder coletivo, resolveremos os problemas comuns e contribuiremos para a transformação de modo que a sociedade moçambicana se torne livre, justa e participativa
(TINGA, 1996, p. 5).
A opinião de Tinga é sustentada por Bordenave quando refere que:
O aproveitamento ótimo do poder da comunicação para a expressão, o relacionamento e a participação, dentro de um projeto geral de
transformação social, implica a tomada de uma série de medidas pela sociedade, começando pela procura de novas formas de apropriação e
administração dos meios, até melhores formas de capacitação das pessoas no uso da comunicação (BORDENAVE, 1982, p. 94).
Isso porque a comunicação de massa é o pré-requisito elementar para a vida humana e
a ordem social; ela é a precondição indispensável para a existência de todo e qualquer sistema
social e permeia todos os aspectos da vida em sociedade. Com isto, pretendemos afirmar que
a comunicação representa, por assim dizer, a própria base do processo social, porque sem
comunicação não há ação organizada.
Tanto a formação quanto a manutenção de sistemas sociais só podem ser possíveis se
as pessoas envolvidas no processo estiverem interligadas por meio da comunicação. Assim,
comunicação não significa apenas a transmissão de informações, mas também participação
organizada da população-alvo.
19 1
É nesse contexto que nos propomos a estudar, no âmbito da comunicação para o
desenvolvimento, a comunicação de massa comunitária, isto é, o papel das rádios e televisões
comunitárias no processo de desenvolvimento que deve começar na comunidade e com a
participação desta, com vista à redução da pobreza absoluta no país.
Mapa 01 � Localização geográfica de Moçambique
2. Os meios de comunicação social em Moçambique pós-independente
No governo de transição saído do Acordo de Lusaka, assinado em 7 de setembro de
1974 por Samora Moisés Machel, presidente da Frelimo, e António de Espínola, presidente de
Portugal, o Ministério da Informação, dirigido por Jorge Rebelo, tinha como funções
principais:
Coordenar o trabalho dos órgãos de informação falada e escrita;
Lançar palavras de ordem para esses mesmos órgãos, para a formação de uma nova
mentalidade moçambicana, tão intoxicada pela deturpação e distorção que
caracterizou a ação dita informativa do anterior regime português e cujos efeitos não
tinham sido sanados desde o dia 25 de abril;
Promover a criação de jornais regionais;
20 1
Divulgar a realidade de um Moçambique liderado pela Frelimo e incrementar o
conhecimento do país nos planos interno e externo;
Orientar para que toda a informação falada, escrita e visual tenha um cunho
formativo e educativo.
Esse ministério organizou o 1º seminário realizado após a instalação do governo de
transição, de 16 a 18 de novembro de 1974, intitulado �Informação e Mudança Política� que,
segundo Jane (1990, p. 161), teve as seguintes conclusões principais:
Fomentar e apoiar a rápida realização de um curso de jornalismo;
Realizar seminários entre profissionais da informação em atividade, como forma de
reciclagem e de desintoxicação mental;
Promover seminários com membros do Partido que, ao longo da luta por libertação,
desempenharam tarefas relacionadas com a informação;
Obtenção, estudo e divulgação de documentos de outros países sobre informação e
estudo da possibilidade de estagiar em outros países e de convidar profissionais da
informação estrangeira, designadamente dos países africanos, para fazer estágio em
Moçambique;
Direta orientação política da Rádio Clube de Moçambique por comissário(s)
político(s), por se julgar ser a melhor indicação dada a sua grande experiência de se
comunicar com as massas;
Criação de grupos de trabalho para melhor conhecimento da linguagem (dos dialetos
e da língua portuguesa) e até das diversas matérias tratadas;
Criar grupos de apoio (voluntários) à rádio moçambicana, dadas às dificuldades
atuais de produção.
Com a proclamação da Independência Nacional, Moçambique passou a necessitar de
uma política de educação e mobilização populacional, para as atividades de produção, defesa
e construção de um estado socialista, que fosse implantada nos bairros e aldeias comunais que
haviam sido criados em todo o território nacional. Ao assumir o poder total, a Frelimo passou
a se definir como a �única força dirigente� da sociedade moçambicana, legitimando assim o
seu poder decisivo sobre todas as estruturas do Estado, e justificando-o pela necessidade de
21 1
garantir que tais estruturas �servissem os interesses da classe operária camponesa�
(MACHIANA, 2002, p.71). Para Machiana, esse princípio se estendeu �aos órgãos de
informação, estabelecendo-se que sob a direção da Frelimo se alterava o conteúdo da rádio e
da imprensa escrita, destituíam-se todos os vestígios da Informação colonial fascista e
burguesa, e constituía-se uma �informação de classe� profundamente ligada às massas
trabalhadoras, exprimindo o interesse da aliança operária camponesa�.
Apesar de o artigo 27 da Constituição da República Popular de Moçambique garantir,
a todos os cidadãos, o gozo de �liberdade de opinião, de reunião e de associação�, o referido
artigo nuca teve regulamentação, por não haver, no seio da Frelimo, experiência suficiente
que permitisse legislar atividades de comunicação social. A Constituição aprovada na véspera
da Independência Nacional pelo Comitê Central da Frelimo era de modelo socialista. Não
fazia nenhuma menção quanto à liberdade de expressão ou de imprensa. Somado isso à força
do artigo 79, que revogava toda a lei anterior contrária � o que significava a não aplicação da
legislação colonial existentes à época �, os órgãos de comunicação social operavam sem
nenhum instrumento legal para a sua atividade. Sem nenhuma legislação que pudesse orientar
o funcionamento dos meios de comunicação social, o governo não teve alternativa e trabalhou
na base de decretos-lei.
O decreto nº. 1/75 de 27 de julho, no seu artigo 16, atribui ao Ministério da
Informação a competência da �difusão da linha política da Frelimo e da ação do governo em
nível das camadas populares, a fim de que todo o povo conheça, compreenda e assuma o
processo revolucionário�. Mais adiante, o mesmo decreto acrescenta que o Ministério da
Informação, por meio da ampla circulação da informação, �fomenta a contínua troca de
experiências entre a massa popular, em contato constante com a direção, reforçando a
participação do povo no exercício da verdadeira democracia e consolidando a unidade
nacional�. Refere ainda o mesmo decreto que esse ministério tinha a competência de
organizar, controlar e orientar a difusão de notícias e de controlar e orientar a atividade
editorial e as atividades de propaganda política no país.
Como se pode perceber, a função controladora do Ministério da Informação estava
patente em todos os órgãos de comunicação social. O governo tinha poder de intervir sempre
que achasse que este ou aquele órgão de informação agia de forma contrária aos ideais da sua
22 1
política. Segundo Magaia (1994, p. 42), �Nenhuma informação ia ao ar ou era publicada em
jornais e revistas sem que tivesse passado pelo DTIP - Departamento do Trabalho Ideológico
do Partido, isto porque todos os meios de comunicação eram controlados pelo partido no
poder. Os jornalistas eram tidos como legítimos intérpretes do sentimento popular junto do
poder e deste junto da população�.
A Rádio Clube de Moçambique, que vinha operando em quase todo o território
nacional durante o período colonial, foi extinta e criou-se a Rádio Moçambique, com a tarefa
de informar, educar, mobilizar e organizar a população moçambicana para as tarefas de
construção de uma nova nação.
Para isso, foi chamada a adotar para os seus programas não só a língua portuguesa,
proclamada pelo Partido Frelimo e pelo governo como língua oficial do país, como também as
línguas moçambicanas mais faladas. Afinal, a Rádio Moçambique detinha � e detém até o
presente momento � o monopólio da radiodifusão em todo o território nacional.
Os jornais Notícias, e Diário de Moçambique bem como a revista Tempo, principais
publicações que circulavam até 1975, também foram enquadrados na nova política de
�informar, educar, mobilizar e organizar a população para as tarefas de construção de uma
nova sociedade moçambicana�.
Depois da independência de Moçambique, em 1975, o Ministério da Informação teve
como uma das suas principais tarefas traçar uma nova política de comunicação social com a
finalidade de levar a informação às comunidades essencialmente rurais, em benefício de uma
melhor produção agrícola, saúde, educação, bem como melhorar o nível de vida da
população. Para permitir que esses princípios fossem executados foi necessário criar, em
1977, o Gabinete de Comunicação Social, que dez anos depois foi transformado em Instituto
de Comunicação Social (ICS). A criação do referido gabinete foi possível pelo financiamento
do Unicef conseguido por meio de um acordo de cooperação técnico-financeira assinado entre
esta agência e o Ministério da Informação.
Como projeto do Ministério da Informação, o Gabinete de Comunicação tinha como
uma das suas principais funções procurar formas e meios que possibilitassem o
23 1
estabelecimento de um sistema de comunicação de caráter comunitário nos bairros e aldeias
comunais. Dessa forma, o Gabinete de Comunicação Social desempenhou o seu papel de
conceptor, produtor e difusor de informações em benefício do desenvolvimento das
comunidades rurais com base em suas reais necessidades e preocupações. Assim, constituíam
perspectivas do projeto de comunicação social nas zonas rurais:
1. Preencher o espaço que não era ocupado pelos meios de comunicação convencionais
por razões de ordem técnica, social e econômica;
2. Incentivar uma educação permanente que possibilitasse, de maneira direta, o
desenvolvimento de uma programação educativa que pudesse influenciar as velhas
mentalidades da população (JANE, 1997, p. 8).
O processo de educação permanente então projetado pelo Ministério da Informação,
por intermédio do seu Gabinete de Comunicação Social, tinha como princípio o apoio direto
aos agentes da saúde, professores, alfabetizadores, técnicos agrários e líderes das
comunidades e aldeias comunais, e funcionava, também, como veículo dinamizador da
libertação e emancipação da mulher.
No processo de implementação dessa experiência foi necessário, em primeiro lugar,
realizar em três províncias do país (Cabo Delgado, Nampula e Gaza) um trabalho de pesquisa
que possibilitasse conhecer as realidades locais e comparar a evolução, o grau de participação
das populações dos bairros e aldeias comunais onde o projeto seria desenvolvido e, também, a
integração do mesmo dentro do quadro institucional e das estruturas de níveis local, distrital,
provincial e nacional. Na fase experimental do projeto, �só se utilizava como meio de
comunicação os centros de comunicação social, centros de escuta coletiva e unidades móveis,
equipado cada um com alto-falantes, gerador elétrico (onde não havia energia), toca-discos,
toca-fitas, receptor radiofônico, amplificador do sinal, videocassete, televisor e microfone�
(Comunicando nº. 00/97).
Tanto os centros de comunicação como os de escuta coletiva haviam sido criados nos
bairros e nas aldeias organizados pelo governo logo após a Independência Nacional, para
aglutinar a população rural e dotá-la de serviços sociais adequados. Nos centros de
comunicação social passavam-se documentários em videocassetes (VT), programas
24 1
educativos em cassetes de áudio, filmes; assistia-se a peças de teatro e espetáculos de música;
adquiriam-se jornais e revistas, principalmente o jornal O Campo, de propriedade do Gabinete
de Comunicação Social; o �jornal de parede� era feito por uma equipe de redatores locais.
Nos centros de escuta coletiva os membros da comunidade ouviam os programas e noticiários
da Rádio Moçambique, que eram recebidos e retransmitidos pelos alto-falantes instalados nos
respectivos centros.
As unidades móveis levavam todos os materiais impressos e rádio e videodifundidos
veiculados nos centros, para distribuição e retransmissão nas comunidades rurais onde ainda
não havia sido instalado nenhum centro de comunicação ou de escuta coletiva.
Depois do período experimental, que durou quase cinco anos, foi necessário
reformular o plano de utilização dos meios de comunicação e adequá-los à nova realidade,
bem como adequar os programas e materiais educativos que eram produzidos pelo Gabinete
de Comunicação Social à realidade das comunidades. Assim, optou-se pela utilização
combinada dos meios eletrônicos de longo alcance (a rádio e a televisão), como complemento
dos outros meios até então utilizados e transformou-se o então Gabinete em Instituto de
Comunicação Social (ICS), por meio do decreto nº. 01/89, de 27 de março de 1989.
A nova instituição também foi vinculada ao Ministério da Informação, com os
seguintes objetivos principais:
�Concepção, produção, difusão e avaliação dos materiais informativos e
educativos em apoio aos projetos e programas de desenvolvimento, em particular
das comunidades rurais;
�Participação na execução de programas e projetos de desenvolvimento setorial e
integrado orientados para a melhoria das condições de vida da população em geral e
das comunidades rurais em especial, com prioridade para as áreas da saúde,
educação, agricultura, água, construção, tecnologias básicas e outras atividades que
visam à elevação do nível cultural e social do povo;
�Promoção do fluxo de informação entre as diversas comunidades camponesas e
a nível nacional;
�Implementação e consolidação da rede de correspondentes populares do país;
25 1
�Participação na concepção e recolha de opiniões no sentido do melhoramento
progressivo dos conteúdos informativos dos órgãos de informação nacionais�
(Estatuto Orgânico do Instituto de Comunicação Social, março de 1989, p. 5).
Para a concretização desses objetivos, foi necessário incorporar ao estatuto as
atribuições das quais são destacadas as seguintes:
�Utilização combinada dos meios modernos e tradicionais de comunicação, de forma
a suscitar melhorias nos métodos de organização e de trabalho das comunidades
rurais;
�Realização de atividades de experimentação no domínio da comunicação social
sobre linguagem, recepção, compreensão e retenção das mensagens;
�Organização de palestras, debates e seminários em volta do uso dos meios de
comunicação no processo de educação permanente das comunidades, especialmente
as rurais;
�Produção e edição de documentários em áudio e videocassete, sobre programas das
atribuições e objetivos do ICS, com o intuito de promover o desenvolvimento
cultural, social e econômico das comunidades rurais� (Estatuto Orgânico do
Instituto de Comunicação Social, 1989, p. 5, grifo meu).
Com a eclosão da guerra civil que fustigou o país por quase 17 anos e destruiu boa
parte das suas infra-estruturas, o ICS perdeu grande parcela do seu equipamento, ficando em
funcionamento, até 1996, apenas:
Quatro centros (uma em cada uma das províncias de Tete, Nampula, Inhambane e
Maputo);
Cinco unidades móveis distribuídas em cada uma das seguintes províncias: Tete,
Cabo Delgado, Zambézia, Manica e Maputo (JANE,1997, p. 17).
Dos órgãos que cobriam o país (incluindo as áreas rurais), apenas a Rádio
Moçambique ficou em funcionamento mesmo no período da guerra. As ações de caça aos
jornalistas, pela Renamo, eram intensas, pois estes eram vistos como �difamadores� do
26 1
movimento e aliados do governo e da Frelimo. Mesmo enfrentando o fogo cruzado da guerra,
os jornalistas da Rádio Moçambique, estacionados em várias regiões do país, faziam de tudo
para alimentar os emissores provinciais e a emissão nacional, e contavam também com o
apoio dos correspondentes populares do Instituto de Comunicação Social. Foi nesse período
que o Instituto de Comunicação social se destacou muito com o seu programa Campo e
Desenvolvimento, dedicado à população camponesa.
Depois da Independência Nacional, todos os meios de comunicação social passaram
para o controle direto do governo e do Partido Frelimo. Essa medida visava a controlar e
orientar os meios de comunicação social, no sentido de implementarem as tarefas concebidas
pelo Partido, de forma a tornarem-se instrumento eficiente de difusão da sua ideologia e
desempenhar um papel essencial no processo de educação e mobilização da população para as
ações de desenvolvimento nacional. Neste âmbito, a Rádio Clube de Moçambique e a Voz de
Moçambique, bem como outros tantos órgãos de informação que até aquele momento
operavam no território moçambicano, foram recriados e passaram a obedecer a novos critérios
de transmissão de informação ao povo que, na sua maioria, é constituído de camponeses que
só se comunicam por suas línguas locais. Portanto, um decreto presidencial de 21 de setembro
de 1975 cria a Rádio Moçambique e os postos regionais passaram a se chamar �emissores
provinciais�.
A Rádio Moçambique �teria como tarefa principal a produção e a emissão de
programas radiofônicos para todo o território nacional e em cadeia com os emissores
provinciais� (JANE, 1990, p. 121). A partir daquela data, a Rádio Moçambique passou a ter
novas características, dando um pouco de autonomia aos emissores provinciais no sentido de
ocuparem mais tempo com a veiculação de informações em línguas moçambicanas,
reservando-se a língua portuguesa � língua oficial � para informações geradas diretamente da
emissora nacional da Rádio Moçambique, ou mesmo dos emissores provinciais, desde que se
tratasse de assuntos de interesse nacional.
O Governo Revolucionário constituído pela Frelimo logo após a proclamação da
Independência Nacional criou o Ministério da Informação com a missão principal de:
Coordenar, sob orientação do Partido, as atividades de comunicação social;
27 1
Garantir a difusão da linha política do partido e as ações do governo junto às massas
populares;
Promover ações de formação de jornalistas moçambicanos de forma a tornarem os
meios de comunicação social instrumentos que se identificam com os interesses das
massas populares, mediante o uso de linguagem mais compreensível e adequada aos
anseios do povo moçambicano.
Para isso, foi necessário que o governo nacionalizasse todos os principais órgãos de
comunicação social, dos quais alguns foram reformulados e outros, definitivamente
encerrados. A Rádio Pax de Dondo, de propriedade da Igreja Católica e a Rádio Aeroclube,
de propriedade do Aeroclube da Beira, passaram a integrar a Rádio Moçambique.
Em 17 de novembro de 1975, o Conselho de Ministro criou a Agência de Informação
de Moçambique (AIM), que passa a ser tutelada pelo Ministério da Informação por meio da
Direção Nacional de Informação, sendo uma das suas funções a produção e distribuição de
informações resultantes da ação direta da Frelimo e do governo moçambicano. Essa agência
só iniciou a sua atividade no 2º trimestre de 1976, quando recebeu o apoio de jornalistas da
ADN da República Democrática Alemã e dos antigos profissionais dos ex-jornais Tribuna e O
Brado Africano. Muitos outros novos órgãos foram criados, alguns em lugar dos que já
haviam sido extintos. Criou-se: o Gabinete de Comunicação Social (atual Instituto de
Comunicação social), que nasceu com a função de produzir material audiovisual informativo
e de veiculá-lo nas zonas rurais do país, assunto a que nos referiremos mais adiante; o
Instituto Nacional de Cinema (INC), com funções de produção, edição, distribuição e exibição
de material cinematográfico; e o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INLD), também
subordinado ao Ministério da Informação e ao Departamento Ideológico do Partido (DTI),
com a função de controlar a importação de livros e de discos para o país.
Sendo um estado laico e com orientação política marxista-leninista, Moçambique
passou a proibir a importação de livros de caráter religioso, pois a religião era considerada �o
ópio do povo�. Os livros para o ensino geral tinham que vir dos países socialistas (JANE,
1990, p. 169).
28 1
Para assegurar a prática do jornalismo capaz de incutir nas massas populares o sentido
ideológico da revolução moçambicana e de consolidação das conquistas alcançadas ao longo
da guerra de libertação nacional, pessoas de confiança política da Frelimo foram chamadas
para dirigir os principais órgãos de comunicação social.
Na sessão do Conselho de Ministro realizada de 9 a 25 de julho de 1975, este órgão
executivo do Estado destacou como prioritário o desenvolvimento das zonas rurais em todos
os setores de atividades. Assim, determinou que se mobilizassem todos os meios de ação para
o sucesso das Aldeias Comunais, bem como orientar a economia nacional para o
desenvolvimento da Nação e dos interesses intrínsecos do povo moçambicano. Para tanto, boa
parte dos recursos financeiros foi direcionada aos setores de ensino, saúde, agricultura e
defesa nacional, diretamente envolvidos na reconstrução e no desenvolvimento nacional.
De acordo com Machiana, a direção da Frelimo não tinha em mente uma simples
�instrumentalização� da informação, mas entendia este setor como parte de um sistema
centralizado, desempenhando tarefas que deveriam se integrar a uma estratégia global. Em
face disso, era
na noção do desenvolvimento e dos meios necessários para alcançar este
desenvolvimento que a FRELIMO encontrava um dos argumentos mais significativos para a relação entre a luta de classes, papel centralizador do
estado e a conseqüente subordinação da Informação à estratégia de ação definida pelo Partido (MACHIANA, 2002, p. 82).
As orientações para o funcionamento dos órgãos de comunicação social surgem das
conclusões do 1º Seminário Nacional de Informação, realizado de 12 a 15 de setembro de
1977, isto é, já no Moçambique independente. O evento foi considerado o mais importante
depois da Independência Nacional, não só �pela profundidade e implicações das orientações
estabelecidas, mas também pelo grau de entusiasmo e envolvimento dos jornalistas, por um
lado, e pela participação popular no debate do conteúdo e forma da Informação que se
pretendia para Moçambique, por outro� (MACHIANA, 2002, p. 183). Nesse seminário,
Machel salientou, em seu discurso, que a informação deveria desenvolver um papel
fundamental na criação do �homem novo�, o que implicaria o engajamento dos trabalhadores
da comunicação social na sua própria transformação, �assumindo, ao nível das aldeias, do
trabalho, da vida e do comportamento, os valores do homem socialista�. Machel definiu como
29 1
tarefas essenciais dos meios de comunicação social informar, educar, mobilizar e organizar o
povo, pois, segundo ele, �nosso povo, o Partido e o Estado� outorgavam aos profissionais de
comunicação e informação a responsabilidade de
ser combatentes em uma das frentes fundamentais da revolução, a frente ideológica, na trincheira da informação e propaganda. Trata-se de uma responsabilidade pesada, que, para poder ser digno dela, exige-se trabalho, estudo, sacrifício, dedicação à causa das classes trabalhadoras e um elevado espírito de disciplina revolucionária. [...] a dimensão da responsabilidade que o nosso povo confia [...] é de fazer da informação um destacamento
avançado da luta de classes e da revolução. (MATTELART, 1981, p. 145, grifo nosso)
O seminário recomendou que, para que a informação se tornasse realmente
instrumento a serviço do povo, os jornalistas deveriam ser mais atuantes, no sentido de
estabelecerem uma ligação estreita com a população. Isso permitiria que os profissionais da
comunicação social cobrissem os reais acontecimentos no seio da população e que, por outro
lado, veiculassem, pelos órgãos de comunicação social, os feitos do governo e as linhas
mestras da revolução moçambicana. É certo que, nessa época, a informação que se praticava
era a da reprodução do discurso político dos dirigentes da Frelimo, principalmente os do
presidente Samora Machel.
2.1. A democratização dos meios de comunicação social e o surgimento de novas
mídias
No início da década de 1990, já sopravam os ventos da mudança na política
moçambicana devido às pressões da sociedade sobre o governo, no sentido de encontrar
mecanismos para pôr fim à guerra de desestabilização movida pela Renamo havia quase 14
anos. Tanto o governo como a Frelimo, se mostravam agastados pelas atrocidades da guerra,
principalmente pelo sofrimento do povo e pela destruição de infra-estruturas, e isso os levou à
elaboração da nova Constituição da República. Aprovada pela então Assembléia da Popular,
em 2 de novembro de 1990, a nova constituição iniciava outra era na vida do país; iniciava
um processo de transformação da República Popular de Moçambique em República de
Moçambique e de democratização pluralista da nação moçambicana.
30 1
No seu artigo 74, a Constituição da República (1990) garante a todos os cidadãos as
liberdades de expressão, de imprensa e de informação. No número 3 do mesmo artigo, refere-
se que �a liberdade de imprensa compreende, nomeadamente, a liberdade de expressão e de
criação dos jornalistas, o acesso às fontes de informação, a proteção da independência e do
sigilo profissional e o direito de criar jornais e outras publicações�. Essas liberdades
encontram sua regulamentação na Lei de Imprensa em vigor (lei nº. 18/91), aprovada pela
Assembléia da República em 10 de agosto de 1991. Com essa lei, Moçambique já se abria
para uma política de democratização e pluralização dos meios de comunicação social,
seguindo-se, portanto, processos de criação de novos meios impressos e eletrônicos.
Na área de impressos, temos a destacar o primeiro órgão independente criado logo
depois da aprovação da Lei de Imprensa, em 1992: o Mediacoop4 inicia a publicação do
Media Fax, jornal de tamanho A4 distribuído via fax. Daí em diante, assiste-se ao nascimento
de diversos jornais e revistas tanto privados como públicos, a maioria de periodicidade
semanal, por esta exigir menos mão-de-obra que os diários.
Na área de meios eletrônicos (radiodifusão e televisão), o Estado iniciou, em 1996, o
processo de disponibilização dos fundos para, por meio do Instituto de Comunicação Social
(ICS), instalar no país as rádios e televisões comunitárias rurais. O primeiro projeto das rádios
comunitárias estabelece a instalação de 21 estações de rádios locais em vários pontos do país.
Atualmente, o projeto já instalou e colocou em funcionamento cerca de 20 rádios
comunitárias, todas sob tutela do ICS. Ainda sob responsabilidade desse órgão, o governo
aprovou, em 1998, outro projeto de instalação de 20 estações comunitárias de rádio e
televisão, no âmbito do projeto Rede Rural de Rádio-Televisão (RRRTV), desenhado pelo
extinto Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural (INDER, 1998, p. 1). Desse projeto
encontram-se já instaladas e em funcionamento cerca de sete estações de rádio e televisão
rural.
O ICS, instituição pública responsável pela implementação das políticas de
comunicação comunitária, instala, em 1996, a primeira rádio comunitária, na cidade de Xai-
4 Cooperativa constituída por profissionais de comunicação social que se desvincularam dos órgãos
estatais logo depois da entrada em vigor da Lei 18/91.
31 1
Xai, e inicia ampliação da sua rede de rádios e televisões comunitárias para oferecer às
populações rurais a oportunidade de informar e de serem informadas dos acontecimentos
locais, distritais, provinciais, nacionais e internacionais. Hoje, o ICS possui aproximadamente
27 rádios e 7 televisões comunitárias instaladas e em funcionamento. Essas rádios e televisões
comunitárias são, na sua maioria, sustentadas pelo Orçamento Geral do Estado.
Além das rádios e televisões comunitárias instaladas pelo Instituto de Comunicação
Social, a Unesco Media Project � Projeto de Desenvolvimento da Mídia em Moçambique �,
órgão criado pela Unesco e pelo governo moçambicano, promove ações de instalação de
rádios comunitárias surgidas de iniciativas das comunidades, grupos associativos e
organizações não-governamentais (ONGs) locais. De acordo com Tomás Vieira Mário
(2003)5, �neste momento, o Projeto de Desenvolvimento da Mídia já apoiou oito associações
comunitárias para a instalação de suas rádios locais. Por outro lado, instituições religiosas
desenvolvem atividades de implantação de emissoras de emissoras FM locais em diversos
pontos do país, das quais sete são da Igreja Católica, três da Igreja Universal do Reino de
Deus, uma da Rádio Trans-Mundial, duas da Igreja Assembléia de Deus, uma da Igreja Maná
e uma da Comunidade Islâmica�. Sofia Ibraimo (2004), diretora do ICS, sustenta que �as
outras 30 rádios e 16 televisões comunitárias também autorizadas no país são de tutela do
Instituto de Comunicação Social, instituição vocacionada para a implementação das políticas
de comunicação comunitárias em Moçambique. A prática da radiodifusão e teledifusão
comunitárias no país tem aumentado a capacidade de disseminar informações, principalmente
das e para as populações das comunidades rurais que sempre se viram privadas de se
beneficiarem do direito à informação que lhes é garantida pela Constituição da República�.
A Universidade Eduardo Mondlane (UEM), outra instituição envolvida na
popularização das novas tecnologias de informação, desenvolve projetos de instalação de
telecentros em várias regiões do país. Esses telecentros são constituídos de um centro de
informática e um emissor de rádio comunitária. Esta ação da UEM potencia as comunidades
em meios modernos de comunicação e informação para a melhor capacitação técnico-
científica dos cidadãos, para que estes tenham condições suficientes de participar de
programas de combate à pobreza absoluta. Estão em funcionamento cerca de oito telecentros,
5 Em entrevista concedida ao autor no dia 20 de janeiro de 2003, em Maputo
32 1
instalados nos seguintes distritos: Manhiça, Matola e Namaacha, na província de Maputo;
cidade de Chokwè, província de Gaza; cidade de Inhambane, na província de Inhambane;
cidade de Manica e Vilas de Gôndola e Sussundenga, na província de Manica.
Com isto tudo, vale dizer que tanto o artigo 74 da Constituição da República de 1990
como a Lei nº. 18/91 contribuíram para o início do fim dos monopólios da grande mídia
impressa comandada pelo jornal Notícias, o de maior circulação do país, bem como da grande
mídia eletrônica, na qual destacamos a Rádio Moçambique (RM), que cobre mais de 75% do
território moçambicano e a Televisão de Moçambique (TVM), que opera essencialmente nas
capitais provinciais. Por outro lado, e a partir da criação dos instrumentos legais acima
citados, inicia-se uma mudança gradual principalmente na gestão desses grandes meios; no
grande órgão de radiodifusão do país, a Rádio Moçambique, implementa-se um processo de
transição que visa a torná-lo um verdadeiro serviço público, com a gestão descentralizada até
em nível provincial, o mesmo acontecendo na Televisão de Moçambique. Como diz Jallov,,
�Embora a Constituição � e a Lei de Imprensa nela baseada � providenciem um ambiente
legal aberto e democrático, há ainda muito por fazer em termos de fortalecimento das
capacidades humana, técnica e de gestão organizativa, antes de transformar em realidade
diária, para a vasta maioria dos moçambicanos vivendo fora dos centros urbanos, estas
aspirações� (Prefácio - BONIN, 1999).
No âmbito da iniciativa privada, temos a destacar o surgimento das rádios e televisões
em FM, algumas das quais apoiadas por organizações internacionais. Aqui se salienta o
nascimento da Rádio e Televisão Klint (RTK), em 1992, de propriedade do empresário e
engenheiro eletrônico Carlos Alberto Klint, emissoras que cobrem apenas a cidade de
Maputo. Daí em diante, assiste-se no país ao surgimento de outras várias iniciativas de caráter
privado, nas principais cidades do território nacional, reforçando, assim, o campo da
comunicação social que, antes da aprovação da Lei 18/91, era de domínio das empresas do
Estado � a Rádio Moçambique e a Televisão de Moçambique.
33 1
3. Surgimento e evolução dos serviços de radiodifusão moçambicanos
O serviço de radiodifusão surge em Moçambique na década de 1930, por iniciativa de
quatro jovens portugueses que viviam na então Lourenço Marque chamado Aniano Mendes
Serra, Augusto das Neves Gonçalves, Alberto José de Morais e Firmino Lopes. De acordo
com JANE (1990, p. 102), esses jovens, que consideravam a população moçambicana mão-
de-obra barata para a colônia, viram na rádio um meio:
1) de aglutinação espiritual, em que a voz e a música portuguesa desempenhariam, de
maneira específica, uma função de conforto para aqueles que se encontravam longe
da capital do império colonial;
2) que serviria de �vacina� para acalmar as revoltas que os moçambicanos
constantemente desencadeavam contra a dominação estrangeira e a usurpação dos
seus pertences;
3) que se tornaria mais um instrumento de dominação e de aculturação das populações
moçambicanas.
Para que a iniciativa tivesse sucesso, os quatro jovens criaram, com outros tantos
colonos portugueses, o Grêmio dos Radiófilos de Moçambique. O primeiro emissor do
Grêmio foi instalado numa garagem que funcionava como oficina e laboratório. Durante os
primeiros dois anos (1932 e 1933), apesar de o raio de cobertura ser limitado devido ao tipo
de equipamento de que dispunha, um pequeno centro emissor prestou excelentes serviços ao
público da então capital da colônia portuguesa.
O crescimento gradativo da estação emissora chegou a ponto de, em 29 de julho de
1937, obedecendo a uma regulamentação do governo colonial que apenas permitia a
denominação de �grêmio� para grupos cooperativos do Estado, em assembléia geral dos
gremistas foi decidida a mudança do nome para Rádio Clube de Moçambique (JANE, 1990,
p. 108). Foi nessa altura que a emissora passou a beneficiar-se de um emissor de 10 kW que
lhe permitiu o alargamento do campo de ação, desdobrando sua programação e emitindo
também em línguas inglesa e afrikander � esta, a segunda língua oficial da África do Sul.
34 1
Em 1948, a Rádio Clube de Moçambique ganhou um novo espaço que funcionaria
como sede, o Palácio da Rádio, situado na Rua da Rádio Moçambique. Além desse espaço,
contava com o centro emissor da Matola. Até o final de 1955, �a Rádio Clube de
Moçambique contava com 14 estações emissoras que diariamente entravam em operação,
sendo que suas emissões ocupavam um total 27 horas e 30 minutos por dia, e 32 horas aos
domingos, transmitindo simultaneamente em português, inglês, africânder, xironga e
xichangane� (JANE, 1990, p. 109), estas duas, línguas mais faladas nas províncias de Maputo
e Gaza. Possuía também um serviço próprio de noticiários com terminais privativos que
recebiam notícias da América e da Europa, com quem na época a Rádio Clube de
Moçambique mantinha acordos de cooperação.
Para atender ao processo de dominação colonial no território moçambicano, a direção
da Rádio Clube de Moçambique decidiu criar postos emissores regionais, a partir de 1953. O
primeiro posto (de 10 kW) para a região norte de Moçambique (províncias de Cabo Delgado,
Nampula e Niassa) foi instalado na cidade de Nampula e inaugurado em 19 de novembro de
1953. Até a proclamação da Independência Nacional, em 25 de junho de 1975, a Rádio Clube
de Moçambique havia instalado dez postos emissores regionais, incluindo a emissora Voz de
Moçambique, que funcionava na estação central, e emitido em xironga e em xichangana.
Estes postos emissores, além de transmitirem seus programas em português, os transmitiam
em línguas locais, como forma de fazer chegar até as populações rurais a ideologia da
dominação colonial-fascista.
O Governo Revolucionário constituído pela Frelimo logo após a proclamação da
Independência Nacional criou o Ministério da Informação com a missão principal de
coordenar as atividades de comunicação social de forma a garantirem a difusão da linha
política do partido e as ações do governo junto às �massas populares�; visava também à
formação de jornalistas moçambicanos, de forma a tornarem os meios de comunicação social
instrumentos identificados com os interesses das �massas populares� mediante o uso de
linguagem mais compreensível e adequada aos anseios do povo moçambicano (JANE, 1990,
p. 109). Para isso, foi necessário que o governo nacionalizasse todos os órgãos de
comunicação social, dos quais alguns foram reformulados e outros, definitivamente
encerrados. A Rádio Clube de Moçambique foi transformada na Rádio Moçambique/
35 1
Empresa Estatal (RM/EE) e passaram a integrá-la as então extintas Rádio Pax de Dondo, de
propriedade da Igreja Católica e a Rádio Aeroclube, de propriedade do Aeroclube da Beira.
A Constituição da República de 1990, no seu artigo 74, alterou todo o quadro
normativo que antes existia sobre a radiodifusão e televisão moçambicanas e abriu espaço
para o exercício do direito à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. A Lei de
Imprensa (Lei n°. 18/91) e o decreto n°. 9/93 estabeleceram as condições de participação dos
atores cooperativos, mistos ou privados na radiodifusão e na televisão. Assim, a RM-EE
passou a ser a Rádio Moçambique/ Empresa Pública (RM/EP). Novas rádios de orientação
privada ou comunitária tomaram conta do espaço de freqüências moduladas (FM) em vários
lugares do país, na tentativa de oferecer informações de interesse do cidadão moçambicano.
3.1 Rádio Moçambique - Empresa Pública (RM-EP)
Como dito anteriormente, depois da Independência Nacional, todos os meios de
comunicação social passaram para o controle direto do governo e da Frelimo. A Rádio Clube
de Moçambique e a Voz de Moçambique, bem como outros tantos órgãos de comunicação
social que até aquele momento operavam no território moçambicano, foram transformados e
passaram a obedecer a novos critérios de transmissão da informação ao povo, que, na sua
maioria, só se comunica por meio de suas línguas locais. Nesse sentido, um decreto-lei de 21
de setembro de 1975, aprovado pelo Conselho de Ministros, criou a Rádio Moçambique e os
postos regionais passam a serem chamados �emissores provinciais�.
A Rádio Moçambique �teria como tarefa principal a produção e emissão de programas
radiofônicos para todo o território nacional e em cadeia com os emissores provinciais�
(JANE, 1990, p. 121). Conforme mostramos anteriormente, a Rádio Moçambique passou a ter
novas características, dando alguma autonomia aos emissores provinciais para veicularem por
mais tempo informações em línguas moçambicanas, reservando a língua portuguesa, oficial,
para informações geradas diretamente da Emissora Nacional da Rádio Moçambique, ou
mesmo dos emissores provinciais, desde que se tratasse de assuntos de interesse nacional.
36 1
4. Televisão de Moçambique: da iniciativa à implantação dos serviços de teledifusão.
A televisão é um dos meios de comunicação social que até à Independência Nacional
não estavam implantados em Moçambique. Apesar disso, consta que desde 1970 havia
estudos favoráveis à introdução desse sistema no território nacional, uma vez que, naquele
momento, estava aberto, na empresa Correios, Telefones e Telégrafos (CTT), um concurso
público para a instalação de emissores de televisão na então Lourenço Marque, hoje Maputo.
Meses depois da abertura das propostas do concurso, face a um processo de
descolonização levado a cabo pelo governo de Portugal e por movimentos de libertação das
colônias portuguesas de então (que levou Moçambique à Independência Nacional), a questão
da implantação do sistema de televisão em Moçambique parecia estar ainda colocada. Isso
provocou uma controvérsia no seio de vários setores que perceberam que o sistema televisivo
serviria ao antigo regime no processo de �intoxicação� da população, com propaganda
fascista e neocolonialista, a fim de aliená-la das circunstâncias e ambiente ligados à guerra
contra a independência total e completa de Moçambique. Outros setores progressistas
insinuavam que a televisão seria um excelente instrumento de educação de massas, de auxílio
às campanhas de alfabetização e de educação permanente da sociedade moçambicana.
Para levar adiante a idéia de instalar o sistema televisivo em Moçambique, foi
constituída uma comissão composta por acionistas fundadores, entre os quais o governo da
Colônia de Moçambique e a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), juntos somando 51% do
total das ações. A comissão tinha como tarefa estudar os mecanismos de criação da empresa,
que se constituiria sob o nome de Televisão Portuguesa de Moçambique, usaria como sigla as
iniciais TVM e tinha um capital social de 100 milhões de escudos.
Concluído o estudo, a comissão apresentou o relatório preliminar que deu origem ao
texto do decreto que regularia o serviço da televisão no Ultramar (decreto-lei n°. 319/73, de
27 de junho de 1973). A 27 de julho do mesmo ano fez-se publicar outro decreto-lei (n°.
381/73), que definia as normas técnicas às quais as instalações do serviço público de televisão
em preto e branco, nas províncias ultramarinas portuguesas, deviam obedecer. Isso fez com
que, em 9 de outubro daquele ano, fosse aberto um concurso para o fornecimento de
37 1
equipamento e a instalação dos primeiros onze centros emissores que constituiriam a primeira
fase da introdução do serviço público de televisão em Moçambique.
Tal sonho não chegou a ser concretizado, dado que, em 25 de abril de 1974 acontecia
o golpe de Estado em Portugal, para seguidamente iniciar-se o processo de descolonização
dos territórios africanos ocupados pelo Império Português por quase cinco séculos.
4.1 TVM: do sonho à realidade
Logo após a Independência de Moçambique, o governo decidiu por bem assumir a
iniciativa de recuperar o sonho da criação de um serviço televisivo, dessa vez de caráter
nacional. Apoiado pela Itália e pelos países do leste europeu, Moçambique realizou as
primeiras experiências televisivas em agosto de 1979, em um pequeno estúdio improvisado,
durante a Feira Comercial e Industrial de Maputo (Facim). Testado o equipamento ali exposto
por uma empresa italiana, o qual viria a ficar em Maputo, foram, na ocasião da feira, exibidas
algumas emissões experimentais do serviço televisivo.
Dois anos depois, isto é, em 3 de fevereiro de 1981, foram emitidas imagens
televisivas, cobrindo mais de 23 bairros da Grande Maputo, onde estavam instalados, em fase
experimental, receptores comunitários de televisão. Iniciava naquela data a primeira fase da
instalação da Televisão Experimental (TVE). Sua programação se resumia a apresentar temas
como: educação sanitária, agricultura, educação política; programas alternativos constituídos
por desenhos animados importados de vários países; manifestações culturais alusivas às
comemorações do dia 3 de fevereiro (Dia dos Heróis Moçambicanos); e filmes sobre o
processo da luta de libertação nacional (JANE, 1990, p. 137). Essa primeira fase durou dois
anos e objetivava a criação de condições para que fossem conhecidos os benefícios do serviço
televisivo pela sociedade moçambicana.
A TVE nasceu com um conceito de televisão-escola que teria como função principal a
formação de profissionais e técnicos da pretendida televisão nacional. Pois o aparecimento
das primeiras emissões criou grande expectativa no público e em particular nos dirigentes, o
que culminou na necessidade de criar uma televisão profissionalizante. Entretanto, razões de
38 1
ordem administrativa fizeram com que a TVE se desviasse do seu propósito inicial, caindo no
erro de logo cedo se transformar numa televisão nacional, antes mesmo de ter uma
sustentação técnica mínima. Além disso, carecia de uma estrutura técnica que permitisse, de
fato, proporcionar o lançamento das suas emissões para todo o território nacional.
Após 10 anos, seus objetivos iniciais foram retomados, mas sem abandonar o projeto
de implantação de uma televisão de alcance nacional. Para isso, colocou entre suas principais
preocupações a formação do pessoal técnico que poderia responder aos desafios de uma
televisão nacional e, também, preparar um plano diretor que servisse como sustentáculo para
esse empreendimento.
Naquela época, cerca de 90% dos meios materiais só podiam ser adquiridos em moeda
estrangeira (dólar americano ou rand sul-africano). No entanto, parecia prematuro pensar
numa televisão nacional, uma vez que, além dos problemas técnicos e administrativos já
referidos, não havia televisores a venda no mercado nacional. Por outro lado, a televisão não
constituía um bem prioritário à população moçambicana, principalmente à do meio rural, pois
era � e continua sendo � um meio de comunicação que beneficia somente uma pequena da
burguesia concentrada nos grandes centros urbanos e vilas.
A partir de 1986, a TVE passou a transmitir seus programas apenas quatro vezes por
semana: às quartas, quintas e sábado, das 18h às 22h, e aos domingos, das 14h às 22h. Além
dos telejornais, levava ao ar outros programas, como �Canal Zero�, produzido pelo Instituto
de Comunicação Social (ICS), �Canal do Repórter�, �Volta Moçambique�, �Programa
Infantil�, filmes e algumas telenovelas brasileiras que têm conquistado maior aceitação do
público moçambicano, em especial nas grandes cidades.
Por se tratar de um meio de comunicação baseado numa técnica extremamente
avançada, os operadores da TVE precisavam dominá-la para se comunicar com o povo,
levando em conta que este não estava habituado a se comunicar via imagens e som
eletrônicos. Assim, jornalistas moçambicanos foram convidados a contribuir com sua longa
experiência jornalística para que a TVE se transformasse num real instrumento de
comunicação no país.
39 1
4.2 A transformação da TVE em TVM
No início da década de 1990, a Televisão Experimental (TVE) encontrava-se
tecnicamente preparada para gerar mudanças internas, em resposta às exigências do público
moçambicano. O número de dias de emissão dos programas foi aumentando progressivamente
até que esta passou a ser diária; o número de horas de emissão diária também foi aumentado.
Em 1991, a TVE passa a designar-se Televisão de Moçambique, uma empresa de
propriedade Estatal (TVM/EE), para, em 1994, passar a empresa pública, com a sigla TVM-
EP, criada pelo decreto n°. 19/94, de 16 de junho de 1994.
Mapa 02 - Mapa de cobertura nacional da TVM
A Televisão de Moçambique transmite também via satélite. O sinal
da TVM pode ser captado não só em Moçambique como em quase
toda a África e numa parte da Europa, com uma antena parabólica
com o mínimo de 3.75 metros e um receptor digital MPEG-2.
40 1
A Televisão de Moçambique/ Empresa Pública (TVM/EP) é dotada de personalidade
jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial, tendo como principal objetivo a
prestação de serviço público de difusão televisiva para todo o território nacional. Por meio de
Contrato-Programa, a TVM-EP recebe do Orçamento Geral do Estado verbas para o seu
funcionamento e investimento. Na execução do seu plano de expansão, a TVM privilegia
abertura de centros provinciais de produção e emissão, em resposta a um desígnio nacional de
�levar a televisão ao país e o país à televisão�. Daí que, em abril de 1992, abre seu primeiro
centro provincial na cidade da Beira (Capital da província de Sofala, região central do país),
para, em setembro de 1994, abrir o segundo, na cidade de Nampula (Capital da província de
Nampula, região do norte), ambos ao abrigo de um protocolo de cooperação assinado em
setembro de 1989 entre os governos de Moçambique e Portugal. Desde 1998, a TVM-EP
transmite sua programação via satélite (Intelsat 804, que fica a 64.0°). Hoje a TVM-EP cobre
30 cidades e vilas, onde possui emissores, excetuando a cidade de Tete e a vila de Songo
(província de Tete) que usa emissores privados6.
4.3 O surgimento das novas emissoras de televisão
Conforme referimos anteriormente, a Lei de Imprensa (Lei n°. 18/91) e o decreto n°.
9/93 estabelecem as condições de participação dos atores cooperativos, mistos ou privados na
radiodifusão e na televisão. Em 2005, além da TVM-EP, operavam em Moçambique: a Rádio
e Televisão Portuguesa Internacional (RTPI) e a Rádio e Televisão Portuguesa para África
(RTP-Africa); a Televisão Miramar, da Igreja Universal do Reino de Deus; Soico Televisão
(STV), de propriedade da Sociedade Independente de Comunicação Limitada (Soico Ltda.).
As duas últimas, apesar de possuírem licenças para a instalação de centros emissores
regionais do país, só cobrem as cidades de Maputo e Matola e algumas vilas da Província de
Maputo.
Desde 1998, está em curso a instalação de uma Rede Rural de Rádio e Televisão
(RRRTV), assunto que discutiremos mais adiante, por iniciativa do ex-Instituto Nacional de
Desenvolvimento Rural (Inder). Desde 2000, o projeto de instalação de RRRTV passou a ser
6 Entrevista concedida por Arlindo Lopes ao autor no dia 12 de fevereiro de 2003, em Maputo.
41 1
implementado pelo ICS. O projeto previa a instalação de 20 centros emissores �
retransmissores � de rádio e televisão, e até meados de 2005 15 deles já haviam sido
instalados e postos em operação.
É importante salientar que no presente momento Moçambique conta com aproximadamente
62 centros emissores de televisão licenciados, dos quais 43 estão no ar e 21 não, por motivos
técnicos. Do total dos emissores licenciados, 26 pertencem à Televisão de Moçambique/
Empresa Publica (TVM/EP), 20 ao ICS, 9 à Igreja Universal do Reino de Deus (TV
Miramar), 6 à Sociedade de Informação e Comunicação Limitada (Soico/STV) e 1 à
Sociedade do Sistema de Rádio e Televisão (SIRT)7.
7 Dados fornecidos pelo Gabinete de Informação, junto ao Primeiro-Ministro do Governo de
Moçambique
42 1
Capítulo II
COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
1 Conceituação e contextualização teóricas
Para entendermos o conceito da comunicação para o desenvolvimento, urge que
analisemos, em primeiro lugar, o paradigma do desenvolvimento que sempre enfrenta
entraves quando se propõe a comunicação como um dos instrumentos impulsionadores do
progresso de países pobres.
Desde a segunda metade do século XX , a sociedade vive a idade da informação, num
mundo em vias da globalização que tanto se prega em vários pontos do nosso planeta. Na
verdade, Marshall McLuhan introduziu esse termo �vias de globalização� na década de 1960,
por acreditar que a tecnologia da comunicação criaria uma �aldeia global� através de meios
informativos eletrônicos que envolveriam toda a humanidade.
O conceito da �aldeia global� tem algumas características que será interessante
recordarmos. A primeira delas está relacionada com o tempo e o espaço, que seriam
eliminados por causa das realizações tecnológicas; por exemplo, o satélite direto da
transmissão (DBS) cobre os acontecimentos e os transmite diariamente para o globo, pela
estrada de informação. A segunda também está baseada no conceito de McLuhan descrito
acima, no qual este refere que a comunicação humana caracterizaria a �aldeia global�, por
causa do efeito dos meios eletrônicos sobre os povos; a televisão, por exemplo, como um
meio eletrônico, permitiria que os povos soubessem tudo sobre outros e reportaria diversos
aspectos da vida que refletiriam na maneira como os povos conduzem e resolvem os seus
problemas. A terceira característica aborda a questão de que na �aldeia global� não há limites
nem barreiras. McLuhan (STILLE [s/d], p. 2) acreditava que o ambiente eletrônico da
informação codificada, não apenas de apelo visual, resultaria na introdução de novas
43 1
percepções das mensagens. Para ele, tudo aconteceria quando a televisão e outros meios
visuais reduzissem o tempo e a distância instantaneamente, fazendo do mundo uma �aldeia
global� em que cidadãos do globo compartilhariam da mesma cultura. Nessa vila global,
deixar-se-ia de lado a cultura individualista e os meios de comunicação de massa criariam um
mundo da consciência imediata a que as categorias de espaço e tempo seqüencial seriam
irrelevantes.
McLuhan predisse o surgimento da �aldeia global" insistindo que a tecnologia
eletrônica descentralizaria o poder e a informação, permitindo que os povos vivessem em
conjuntos menores mesmo fisicamente distantes um do outro ou longe dos centros urbanos
principais, ao ter o mesmo acesso a informação e comunicação. Isso nos leva a perceber a
importância da visão �macluhaniana� de convivência em um mundo de comunicação global
imaginado e que se torna cada vez mais real. Neste capítulo apresentaremos diversas
definições do conceito de comunicação para o desenvolvimento � o �guarda chuva� do nosso
trabalho � para melhor compreendê-lo.
A comunicação pode ser definida como um processo pelo qual idéias, informações,
conhecimentos e experiências são transmitidos de pessoa para pessoa, criando um ambiente
de interação humana. É com base nessa definição que Teixeira (1983, p. 24) cita o documento
de Puebla, que defende a comunicação como ato social vital inerente ao homem e
potencializada na época moderna mediante o uso de poderosos recursos tecnológicos. Dessa
forma, de acordo com Beltrão (1986, p. 138), �a imprensa, que atendia às porções
alfabetizadas e intelectualizadas da sociedade, foi complementada pelo disco, pela rádio e
pelo cinema, que estenderam a sua influência e disseminaram sua mensagem até aqueles
receptores que não dominavam os códigos lingüísticos gráficos�. A esses meios
complementares da comunicação citados pelo Beltrão, hoje se acrescentam outros, modernos
e poderosos, que são a televisão, o vídeo, a internet, etc.
A comunicação para o desenvolvimento ocorre, principalmente, nos países em
desenvolvimento, não de forma isolada, mas sim, num conjunto de valores e pressupostos do
paradigma de desenvolvimento.
44 1
Na década de 1980, muitos países de terceiro mundo já questionavam o modelo
tradicional do desenvolvimento e da comunicação para o desenvolvimento, apontando para
modelos pessoais mais centrados, mais participativos e localmente mais apropriados. As
filosofias pós-modernistas, os movimentos ecologistas, feministas, sociológicos e
antropológicos, em particular, confluíram num questionamento ao modelo ocidental e
ocidentalizador de desenvolvimento predominante. Muitas frentes foram feitas em ataque às
premissas do sistema de desenvolvimento ocidental que pretendiam se transformar em metas
inquestionáveis às quais toda a humanidade deveria se orientar.
Lentamente, uma aproximação a essa nova filosofia foi emergindo e ganhando
aceitação na sociedade ocidental. O paradigma do desenvolvimento começou a reconhecer
uma multiplicidade autodefinida dos trajetos e a apropriar contextualmente as soluções
baseadas na participação de organizações locais da comunidade na definição e na execução
desse tipo de programas; conseqüentemente, a comunicação para o desenvolvimento tem
ocupado um espaço de grande relevo na consolidação geral das organizações populares e não-
governamentais locais, bem como na colocação de meios de trabalho equipar nos setores
importantes da sociedade civil transformando-os em principais atores das políticas de
desenvolvimento local, regional e nacional e de intervenções nos processos da
democratização.
Bordenave (1982, p. 94) nos coloca a seguinte questão: �Se a comunicação pode
definir-se como �a interação social através de mensagem�, por que não aprender a formular e
trocar mensagens que elevam a qualidade da interação social?�. Muitos teóricos defendem
ser a comunicação uma �interação social�, �como uma representação de uma relação entre si e
um outro�, porque nada pode ser comunicado e nem partilhado sem que ocorra um processo
interacional. Para Bordenave (1998, p. 18), a comunicação é muito mais do que os meios de
comunicação social; estes são tão poderosos e importantes nas nossas vidas que, às vezes, nos
esquecemos que representam apenas uma mínima parte de nossa comunicação, chegando esta
a se confundir com a própria vida. Na verdade, o ser humano tem tanta consciência do que
comunica como do que respira ou anda, e só percebe a essencial importância da comunicação
quando, por um acidente ou uma doença, perde a capacidade de se comunicar com os seus
semelhantes e se sente completamente isolado do resto da comunidade.
45 1
A comunicação interpessoal, característica da sociedade tradicional particularmente
africana, tem desempenhado um papel bastante significativo no dia-a-dia das pessoas, como
forma de suprir as lacunas de massificação e �comercialismo� da grande mídia. Como pré-
requisito elementar para a vida humana, a comunicação se torna indispensável para a
existência de todo e qualquer sistema social e constitui processo social fundamental que
permeia todos os aspectos da vida humana. Ela representa, por assim dizer, a própria base do
processo social, porque sem comunicação a vida se torna difícil; a manutenção de sistemas
sociais só pode ocorrer quando as pessoas envolvidas no processo estiverem interligadas pela
comunicação.
Se a mudança de atitudes e de comportamentos constitui o principal objetivo do
comunicador, então a comunicação interpessoal, em geral, se revela mais eficaz do que a
comunicação de massa. No caso de comunicação interpessoal, o comunicador pode reagir de
forma mais flexível, isto é, há possibilidade de observar e controlar o efeito potencial da
mensagem através da reação do receptor (feedback). Também é possível aproveitar melhor o
potencial da comunicação verbal empregando mais canais comunicativos.
Considerando que a comunicação é um processo onipresente, torna-se possível
conceber o homem como �ator principal da comunicação�, dado que tudo o que ele é e/ou
possa vir a ser, aconteceu, acontece e/ou acontecerá em situações que envolvem a
comunicação. Portanto, os meios de comunicação de massa, como instituições que criam
realidade indireta, tornam-se cada vez mais importantes para o desempenho de um papel
decisivo na vida diária das sociedades modernas.
Nesse sentido, a comunicação interpessoal caracteriza-se pela participação ativa do
receptor, a qual no processo de comunicação de massa é reduzida � o que, porém, sempre
depende do conteúdo e da personalidade do receptor �, dado que o receptor não precisa
expressar de imediato a sua opinião quanto aos temas abordados pelo comunicador. A
comunicação de massa tem, no entanto, a sua grande vantagem baseada no seu efeito
multiplicador no momento da disseminação de informação.
Esse efeito multiplicador pode ser limitado pelo fato de o comunicador se dirigir a um
conjunto inumerável de pessoas que podem, em determinados momentos, não entender o
46 1
conteúdo da mensagem e, com isso, podem não atender às diferentes situações individuais ao
longo do processo de comunicação. Daí que a comunicação interpessoal dá a possibilidade de
exercer uma pressão social de outra qualidade, não possibilitada pela comunicação de massa.
Portanto, será mais fácil para o receptor interromper o contato com o comunicador na
comunicação de massa do que na comunicação interpessoal. A melhor combinação possível
entre a comunicação de massa e a comunicação interpessoal é alcançada quando a primeira
consegue chegar aos líderes de opinião das respectivas comunidades e motivá-los a passar as
mensagens adiante usando canais interpessoais.
De acordo com Dines, no prefácio do livro �Comunicação de massa e
desenvolvimento�, de Schramm,
A comunicação é o arcabouço da sociedade coletiva. Equivale ao zunzum da colméia, pois, se as abelhas fossem proibidas de se comunicarem ou inaptas para isso, o equilíbrio e a harmonia do sistema jamais seriam alcançados. Pois, na verdade, o homem sobrevive dentro do grupo na medida em que mais ele se comunica ou recebe comunicação. A escalada social de um indivíduo dentro do grupo é uma decorrência direta do seu grau de
informação. E este grau de informação é fruto de seu entrosamento com o sistema do qual faz parte.�(SCHRAMM, 1976, p.17)
Com isto queremos afirmar que a comunicação, dentro de uma sociedade, é um
instrumento de interação entre os membros da coletividade, em que cada um deve procurar
agir em harmonia com os outros, respeitando e cumprindo as orientações traçadas pela
coletividade, pelo grupo ou pela comunidade. Para fundamentar sua definição da
comunicação de massa, Dines (SCHRAMM, 1976, prefácio, p. 18) destaca dois grandes
teóricos da comunicação: Marchal McLuhan e Wilbur Schramm. Para ele, Marchal McLuhan
�formulou pela primeira vez os postulados da identificação entre o veículo e a mensagem,
aproximando de vez a clássica dicotomia da forma e do conteúdo�. Por causa das suas idéias
sobre o �niilismo tecnológico�, as quais constituem epígrafes de muitas reportagens,
McLuhan é mundialmente conhecido pelo público intelectual da área da comunicação e está
mais presente nas atividades dos grandes pesquisadores de comunicação de massa. Wilbur
Schramm, outro estudioso da comunicação de massa, por sua vez, é apresentado como o
�menos preocupado com os aspectos externos e formais do problema, desvinculado da atitude
moderna de seu companheiro McLuhan� (SCHRAMM, 1976, p. 18).
47 1
Sem o típico negativismo e ceticismo de McLuhan, Schramm parece otimista e
acredita na comunicação, percebe sua força construtiva e sugere formas de usá-la em prol do
bem-estar coletivo. Schramm preocupa-se com a TV educativa, com jornais comunitários e
tudo relacionado com a promoção do progresso, mas não faz nenhuma profecia que deixa
indícios da sua preocupação com relação à criação de veículos cada vez mais perfeitos
tecnicamente, que simplificassem a mensagem até minimizá-la.
Nas palavras de Dines (SCHRAMM, 1976, p. 19), Schramm se dedica exclusivamente
a �explorar o manancial inesgotável que a comunicação oferece para o desenvolvimento de
um país, a partir do momento em que ela for posta a serviço da motivação de uma
comunidade para o progresso [...]. Em nenhum momento ele sugere que os governos
interessados em promover o progresso através da comunicação se dediquem à propaganda�, e
insiste em dizer que �tais governos devam preocupar-se apenas em criar condições para o
livre trânsito de informação, alcançando todo o país� e assim permitir que todas as
informações cheguem ao público-alvo, despertando neste a vontade de progredir e de partilhar
a vida. Essa vontade de progredir surge quando, numa comunidade, as pessoas se solidarizam
e interagem em seu ambiente local buscando formas de solucionar os problemas de interesse
comum e gozar eficazmente a sua cidadania. Essa questão que comunga as idéias de Shramm
será revista mais adiante.
A evolução dos meios de comunicação de massa em Moçambique ocorre de forma
gradual e paralela ao próprio desenvolvimento sócio-político e cultural do povo, o que
confirma a idéia de Noya Pinto (1986 p. 05) de que �a comunicação não é fenômeno isolado
nem contemporâneo como atividade humana�, ela é parte integrante dos �processos culturais�
da população. Sendo assim, o ser humano precisa reocupar seu espaço na atual sociedade,
reconquistar a sua condição de ouvir e ser ouvido, para que se estabeleçam sistemas de
comunicação dentro da sua realidade; precisa conhecer características intrínsecas do seu país,
para que tais sistemas se tornem mais eficazes às pretensões de se promover o
desenvolvimento técnico, científico e cultural. Nesse contexto, e de acordo com Bordenave
(1985, p. 84), �a comunicação torna-se uma forte aliada na promoção da organização � das
camadas sociais � e, uma vez atingida, facilita a coesão da classe e a expressão de suas
aspirações, opiniões e demandas�.
48 1
1.1 A problemática do desenvolvimento
O termo �desenvolvimento� constitui hoje um dos grandes núcleos de debate em todo
o mundo. O debate sobre esse tema ocorre em consonância com a abordagem teórica e
explicativa em torno desse paradigma, mas de forma contraditória quanto a questões de
interesse das sociedades menos favorecidas. Muito mais na teoria do que na prática, os velhos
conceitos de desenvolvimento estão sendo superados, o que torna importante, na sociedade,
discutir-se o real significado desse paradigma em termos da reconstrução das práticas, de
acordo com os novos conceitos.
A problemática do desenvolvimento suscita, portanto, um debate que tem se tornado
profundamente mais crítico em termos de novos conhecimentos e novas práticas. Apesar de
tantos problemas e desafios enfrentados na atual sociedade, a dinâmica social do
desenvolvimento constitui uma das áreas sociais que mais geram aprendizagem, e homens e
mulheres adquirem conhecimentos por meio de suas reais dificuldades e das contradições do
processo desenvolvimento social. Como afirma Frantz (2003, p. 8) �não se trata de um campo
de concordâncias teóricas ou práticas, pois, no espaço da problemática social do
desenvolvimento, as discordâncias e as contradições são, ainda, profundas. No entanto, os
desafios que nascem da problemática do desenvolvimento, estão postos às diferentes ciências,
à política, à economia, à cultura, à educação. A aprendizagem acontece como um produto das
divergências sociais (...)�, pelas quais as pessoas aprendem a conviver comunitariamente e a
lutar pelo seu bem-estar social.
Para Frantz (2003, p. 9), �esse cenário de divergências tem também as mais diferentes
raízes históricas, seja a partir dos conhecimentos ou das ideologias, dos interesses privados,
de indivíduos ou grupos, ou dos interesses públicos, dos cidadãos ou instituições�. Nas
palavras desse autor, no espaço social da dinâmica do desenvolvimento, os homens se
encontram com suas necessidades, seus desejos, interesses e conhecimentos, suas razões e
emoções, suas limitações e contradições, e deles fazem a base para as políticas e as práticas de
desenvolvimento. Isso acontece devido à �própria crise da modernidade, isto é, com a crise
das certezas, das verdades, das ciências, dos modelos, dos grandes sistemas políticos e
econômicos�.
49 1
A falta de certeza sobre a validade das práticas de desenvolvimento abrem caminhos
para que se estabeleça um debate construtivo sobre os desafios que o mundo nos apresenta.
As práticas do desenvolvimento deveriam ter como fundamento a comunicação, a liberdade
de expressão, da crítica, da participação, do compromisso com a esperança de quem sonha
com uma vida melhor.
No contexto do processo de desenvolvimento que aqui discutimos, há que
percebermos as diferenças que existem entre crescimento e desenvolvimento propriamente
ditos. Como refere Kunczik (1992, p. 38), enquanto o crescimento não refere
automaticamente à igualdade de vida, mas sim, ao acúmulo de riquezas concentradas apenas a
alguns indivíduos da população; o desenvolvimento preocupa-se com a geração de riqueza,
com o objetivo de distribuí-las, de melhorar a qualidade de vida de toda a população, levando
em consideração, portanto, a qualidade do meio ambiente local e do planeta como um todo.
O progresso de qualquer nação se caracteriza pelo desenvolvimento de melhores
condições de vida, que se produzem com a liberdade da crítica, do debate e da comunicação.
Esse progresso só pode ser buscado nas experiências de vida de cada cidadão e nas
experiências dinâmicas de cada sociedade. Essas experiências são acumuladas ao longo dos
anos e são construídas pelo diálogo, pelo debate, pela argumentação com o que vem de fora,
bem como pela ação comunitária e cooperativa. Isso abre espaço para um debate entre os
cidadãos que têm como preocupação a resolução dos problemas de interesse comum, o qual
desenvolve identidades, valores e comportamentos.
Uma sociedade que vive preocupada com seu progresso procura sempre buscar
experiências produtivas de outras sociedades e as incorpora no seu sistema de produção.
Claro que, como diz Arruda (1996, p. 23), tais experiências devem ser compatíveis
com as realidades geopolítica, econômica, cultural e, acima de tudo, ambiental do local, de
forma a se obter um desenvolvimento local integrado e sustentável. Para esse autor, �trata-se,
como no caso de cada pessoa, de desenvolver a comunidade no sentido de tornar-se sujeito
consciente e ativo do seu próprio desenvolvimento�.
50 1
1.2 Desenvolvimento versus desigualdade social
No panorama do crescimento econômico de uma nação, Bedergal (2002, p. 17)
sustenta que �o crescimento econômico não implica por si só o desenvolvimento, entendido
como a melhoria substancial da qualidade de vida da população�. Para o autor, a evidência
mostra que, apesar de muitos países experimentarem intenso crescimento de suas economias,
não conseguem fazer o mesmo com as condições de vida da maioria, que enfrenta, nas áreas
urbanas, uma crescente deterioração da qualidade ambiental e, nas áreas rurais, escassez e
deterioração dos recursos naturais. Portanto, há que concluir que o modelo macroeconômico
dos países industrializados que está sendo adotado pelos países em desenvolvimento, em lugar
de ajudar a superar os problemas da pobreza e reduzir as desigualdades entre homens e
mulheres, promovem as diferenças sociais e as injustiças e desfavorece os setores mais
vulneráveis da sociedade. Na verdade, a discriminação que se tem verificado no trabalho pesa
mais à mulher, pois essa discriminação tem sido incrementada com as políticas que persistem
cada vez mais em criar dificuldades de acesso aos recursos econômicos ou naturais de que ela
precisa para se manter viva e se sentir útil na sociedade. Em conseqüência, a mulher tem sido
a maior vítima de todo o tipo das injustiças sociais decorrentes, da pobreza.
Na dinâmica das necessidades, dos interesses e dos objetivos de seus atores, o
desenvolvimento é um produto das relações sociais do campo da cultura, da política, da
economia, da educação, da saúde, etc. Como diz Frantz (2003, p. 10), �desenvolver-se não
significa seguir um rumo previamente inscrito na vida social, mas exige a construção das
próprias condições dessa vida social pela ação dos homens. No processo do desenvolvimento
local é imprescindível o reconhecimento da multiplicidade e diversidade das potencialidades
humanas�.
Não se pode falar de desenvolvimento fora da ação humana e do seu núcleo histórico.
Os homens são os atores do desenvolvimento, isto é, homens e mulheres que interagem entre
si e desenvolvem uma vontade coletiva através de ações comunicativas dinâmicas e
permanentes; homens e mulheres que possam �entender os fatos econômicos, julgá-los e
adaptá-los à sua vontade, de modo que essa vontade se torne a força propulsora da economia,
aquilo que molda a realidade objetiva� (ZTOMPKA, 1998, p. 300). Nas sociedades
contemporâneas, pelo processo da democratização, essa ação humana passa a ser, cada vez
51 1
mais, ampla, descentralizada e participativa. Através da democracia amplia-se a compreensão
do conceito e da prática do desenvolvimento, superando-se, portanto, noções tradicionais de
desenvolvimento, em favor da criatividade e da capacidade inovadora de cada comunidade.
Vale dizer que os homens e as mulheres fazem a história. Eles são os atores do
desenvolvimento, isto é, desenvolvem uma ação ativa e permanente nesse processo.
Kliksbeg (2001, p. 106-7) afirma existir �um novo debate em ativa ebulição no campo
do desenvolvimento�. Para ele, �há uma revalorização no novo debate de aspectos não
incluídos no pensamento econômico convencional�, o que significa fazer �um reexame das
relações entre cultura e desenvolvimento�. Essa visão implica o reconhecimento da
supremacia da política sobre a economia, levando à superação do conceito de crescimento
econômico como expressão do desenvolvimento. De acordo com Kliksbeg (2001 p.107),
�políticas baseadas em planos que marginalizam aspectos como os mencionados demonstram
limitações profundas�.
Com isso pretendemos dizer que desenvolvimento não significa apenas resultado de
caminhos técnicos, mas de processos políticos. Daí a necessidade de se rediscutir a visão
convencional do desenvolvimento e integrar novas dimensões como as possibilidades de o
capital social e a cultura contribuírem para o desenvolvimento econômico e social dos países
subdesenvolvidos.
Reconhecer a ação humana como propulsora do desenvolvimento abre espaço à
educação, à cultura, aos valores sociais. Em decorrência disso, recoloca-se o problema do
desenvolvimento nos espaços locais, nas proximidades humanas, nas relações entre as
pessoas, nos espaços do associativismo e das práticas cooperativas. Nesse contexto, o
desenvolvimento local pode ser entendido como uma reação aos grandes processos,
predominantemente fundados no incentivo ao crescimento econômico, sem levar em
consideração as peculiaridades e as necessidades da realidade local. Um dos exemplos disso
podem ser as concessões de terra a estrangeiros e moçambicanos no território nacional, muitas
feitas de forma �irregular�, para criar sistemas de produção agrícola e pesqueira, sem respeito
às bases de muitos valores locais. Este tipo de atitudes se deve à falta de políticas públicas
claras de desenvolvimento local.
52 1
2. A comunicação e o desenvolvimento local
O desenvolvimento local, para além de seu sentido estratégico, traduz um esforço por
reconstruir laços sociais e identidades, rompidos ou diluídos, em processos de abrangência
muito ampla e de interesses distantes.
Segundo BOISIER (2000, p. 165), o desenvolvimento local se caracteriza pelo seu
impulso endógeno que �dentro da globalização é uma resultante direta da capacidade de os
atores e de as sociedades locais se estruturarem e se mobilizarem, com base nas suas
potencialidades e na sua matriz cultural�.
Lévy (1997, p. 42) sustenta que a evolução da técnica, o progresso da ciência, as
turbulências geopolíticas e os elementos aleatórios dos mercados dissolvem os ofícios,
pulverizam as comunidades, obrigam as regiões a se transformar, as pessoas a se deslocar,
mudar de lugar, de país, de costumes e de língua. No nosso entender, isso ocorre devido à
dessocialização8 das comunidades locais, que muitas vezes gera exclusão ou rompe os laços
sociais. Quase sempre, a dessocialização confunde as identidades, aquelas fundadas sobre
pertenças ou �raízes� culturais, como é o caso dos países historicamente invadidos e
dominados pelas forças imperialistas ocidentais, desde o século XVI e que, mesmo ora
geopoliticamente independentes, continuam economicamente dependentes e com índices de
pobreza aguda. Daí a necessidade de se fazer políticas públicas condizentes com as
necessidades locais, que permitam redução de terríveis desajustes sociais, e de unirem-se em
torno de necessidades coletivas, para as comunidades estabelecerem laços que as levem a
lutar por reconhecimento e identidade própria. Nesse contexto surge a necessidade de
promover o desenvolvimento local, como mecanismo de reintegração social local, regional e
nacional.
Decerto que a palavra �desenvolvimento� tem sido utilizada com múltiplos
significados, pelo fato de o desenvolvimento não ser uma coisa concreta, com existência
objetiva como uma pedra ou uma pessoa. Dessa forma, não é um processo autônomo em si
próprio, mas resultado de uma combinação de fatores e fenômenos de naturezas diversas.
8 Exclusão social que ocorre por causa da má distribuição da renda.
53 1
Tehranian (2002, p. 49) afirma que o �desenvolvimento tem sido freqüentemente
identificado com o crescimento econômico no qual, com o andar do tempo, sua medida
aumenta em material, enquanto que a comunicação muitas vezes tem sido identificada
sinonimamente com a comunicação de massa e seus aparatos ideológicos de persuasão e
manipulação�. Isso nos leva a entender que alguma tarefa de reconstrução teórica tem de
começar, portanto, com o reexame de conteúdos normativos e conceitos históricos de
Tehranian sobre a comunicação. Jacobson (2002, p. 67), por sua vez, sustenta que as
pesquisas em comunicação para o desenvolvimento não são apenas confrontadas com idéias
sobre as quais se caracterizam os diferentes países periféricos, ou sobre expectativas pouco de
crescimento, mas também com diferentes idéias sobre como estudar a comunicação
internacional e por que fazer esse estudo.
De acordo com Servaes (2002, p. 84), a discussão sobre comunicação para o
desenvolvimento se fundamenta em três paradigmas: a �modernização�, a �independência� e
a �multiplicidade�. Essas discussões sobre teorias de desenvolvimento influem na adoção das
políticas (social, econômica, cultural, etc.) que muitas vezes interferem no próprio processo
de desenvolvimento. Para Servaes (2002, p. 85), a nova abordagem de desenvolvimento
emerge de críticas aos paradigmas da modernização e da independência, os quais têm pontos
comuns no exame das mudanças de perspectivas, tanto as impostas como as surgidas do
próprio desenvolvimento da comunidade local. Segundo Servaes (2002, p. 97), o método de
conscientização de Paulo Freire está orientado para auxiliar o indivíduo a refletir criticamente
sobre as condições de vida às quais está submetido, por participar do processo histórico da sua
comunidade.
Para Kunczik (1992, p. 9), o desenvolvimento rumo a uma sociedade moderna
caracterizada por democracia, justiça social e econômica, consolidação da unidade nacional,
disciplina social e crescimento econômico é praticamente impossível sem a utilização dos
meios de comunicação de massa, dado que são estes que conseguem levar a mensagem até a
população da área rural mais distante da cidade. Somente um sistema de comunicação que
oferece à população do campo a possibilidade de se informar continuamente e, em especial,
expressar suas próprias opiniões, é que torna possível a formação de identidades nacionais e é
54 1
capaz de evitar ou eliminar uma bipolarização cultural da sociedade constituída de
comunidades rurais e urbanas.
Na opinião de Franco (2002, p. 48), o desenvolvimento é um movimento sinérgico,
captável por alterações de algumas variáveis de estado pelas quais consegue estabelecer
estabilidade dinâmica num sistema complexo, isto é, numa coletividade humana. Para ele,
�crescimento é movimento�. Mas esse �movimento não pode ser reduzido a crescimento�.
Portanto, movimento sinérgico não é desenvolvimento, pois �se um país faz crescer o PIB,
mas não consegue atingir valores compatíveis de capital humano e do capital social, então
está havendo apenas um crescimento sem desenvolvimento� e nem pode haver mudança
social desejada. Nas palavras de Franco (2002, p. 42),
se os índices do desenvolvimento social - medido por indicadores de capital humano e de capital social - forem baixos, também será baixa a capacidade
das populações de apropriarem e multiplicarem a renda - ou seja, usar renda ferida compulsoriamente, por meio de aumento de salário mínimo e da
elevação de outros pisos salariais ou, de modo mais direto, por meio de programas compensatórios estatais de oferta de serviços e de doação, pura e
simples, de dinheiro, isso supondo que existam superávits nas contas estatais que possibilitem tal operação, o que não se verifica em virtude do mesmo
motivo pelo qual consegue crescer a altas taxas duradouramente.
Franco (2002, p. 50) esclarece sua afirmação dizendo que as �mudanças na sociedade
humana são mudanças sociais. Portanto, o desenvolvimento é mudança social, mudança que
ocorre nas relações entre os componentes do conjunto que constitui uma sociedade. Se não
houver mudança dos componentes e das relações entre os componentes desse conjunto, não
pode haver desenvolvimento�. Tais componentes são os seres humanos e essas relações são,
em última instância, as que se estabelecem entre os seres humanos. Sendo assim, �para
promover o desenvolvimento social é necessário distribuir a renda. Mas para distribuir a renda
num patamar que se supõe seja suficiente para promover o desenvolvimento social necessário
para sustentar o crescimento, é preciso que haja um crescimento a altas taxas e mantê-lo
durante certo tempo�.
De acordo com Franco (2002, p. 44), países como Estados Unidos da América, Japão e
Alemanha, que economicamente cresceram e mantiveram seu crescimento a altas taxas
durante períodos relativamente longos, tiveram certo patamar de capital humano e de capital
55 1
social antes de atingir ou conseguir manter esse padrão. Isso significa que tais índices de
desenvolvimento não foram obtidos somente em decorrência do seu extraordinário
crescimento econômico, mas também pelo incremento do capital humano e do capital social,
bem como do dinamismo econômico, possibilitando o crescimento da renda, a qual, por sua
vez, realimentou o circuito. Portanto, o fortalecimento do capital humano e do capital social é
um ingrediente sem o qual as políticas e as ofertas de serviços governamentais não poderão
ser eficientes nem suficientes; isso significa que as políticas públicas de indução ao
desenvolvimento (humano e social) devem constituir a principal referência na categoria
social.
O documento do governo de Moçambique (DNDR, 2000, p. 2) refere que:
O desenvolvimento é um processo cultural integrado, carregado de valores, englobando o ambiente natural, as relações sociais, a educação, a produção,
o consumo, o bem-estar. É fundamentalmente um processo endógeno que surge a partir de foro interior da sociedade, definindo de forma soberana a sua visão ou o seu projeto, contando inicialmente com as próprias forças e só depois com as forças dos que querem apoiar porque partilham dos seus
problemas. É, em essência, uma questão de mentalidade e atitude, aliada à oportunidade
O documento estimula a sociedade moçambicana a trabalhar arduamente, sem olhar
para apoios externos, de forma a reconstruir e a desenvolver o país devastado pela guerra
civil. Assim, diz ainda o documento ser o desenvolvimento �um processo que se interioriza
antes de exteriorizar, porque exige uma autoconfiança crescente tanto no plano individual
como coletivo. A base do desenvolvimento de uma sociedade tem de ser os seus próprios
recursos naturais e humanos�.
O documento (DNDR, 2000, p. 3) sustenta, portanto, que �o desenvolvimento visa ao
indivíduo e à comunidade onde ele está inserido�. Sendo assim, entende-se que o
desenvolvimento seja um processo que circula os esforços nas esferas do crescimento
econômico, igualdade social, uso racional de recursos naturais e boa administração pública,
com o objetivo de melhorar as condições de vida da população por meio de uma
transformação produtiva. Portanto, para se tornar sustentável, o desenvolvimento deve
incorporar a dimensão humana combinando o crescimento econômico a ações que visam a
promover a igualdade social. Daí que o governo de Moçambique, ao aprovar o documento
56 1
acima referido, adota a questão do desenvolvimento econômico rural como a principal
filosofia do Estado.
No âmbito da comunicação para o desenvolvimento, adotado pelo Estado
moçambicano como uma das suas filosofias básicas de combate à pobreza absoluta, o governo
transformou, pelo decreto n°. 1/89 de 27 de março de 1989, o Gabinete de Comunicação
Social em Instituto de Comunicação Social, o qual se tornou �a única instituição do gênero no
continente africano e, de forma particular, na Região da África Austral, que desenvolve
actividades baseadas na filosofia Comunicação para o Desenvolvimento [�] e está equipada
de meios tecnológicos e com uma grande facilidade de penetração no território nacional�9.
Para isso, ao ICS coube como principal missão a promoção da �melhoria da qualidade de vida
das comunidades rurais, através de programas de Informação, Educação e Comunicação -
IEC�, oferecendo a essas comunidades ferramentas que lhes permitissem caminhar rumo ao
seu desenvolvimento sustentável.
Como diz Franco (2002, p. 47),
um país pode ser mais desenvolvido do que outro de igual população,
mesmo que o seu PIB seja menor. O capital humano de determinada localidade pode ser menor do que o de outra localidade e, no entanto, pode a primeira conseguir estabelecer uma sinergia entre os vários fatores do desenvolvimento muito melhor do que a segunda e, assim, tornar mais dinâmicas suas potencialidades e aproveitar melhor as oportunidades do que esta última
Mas o importante de tudo isso é que todo o capital humano, de qualquer comunidade
local, tem como preocupação primeira o alcance do bem-estar social, econômico e cultural de
toda a sua comunidade.
Isso significa que, do ponto de vista do desenvolvimento, o potencial elemento do
chamado capital humano não é, como se poderia pensar, o nível de escolaridade ou a
expectativa de vida da população; o que caracteriza e distingue o homem como ente
construtor de futuro, gerador de inovação, é �a capacidade das pessoas de fazer coisas novas,
9 ICS � Instituto de Comunicação Social. 25 anos de experiência ao serviço da comunicação para o
desenvolvimento. Maputo, 2003.
57 1
exercitando a sua imaginação criadora e se mobilizar para desenvolver as atitudes e adquirir
os conhecimentos necessários capazes de permitir a materialização do desejo, a realização do
sonho e a viabilização da visão� (FRANCO, 2002, p. 62). Para esse autor, se não se libertar a
capacidade das pessoas de sonhar e de perseguir os próprios sonhos, se não se criar ambientes
favoráveis à inovação, então não há como induzir o desenvolvimento desejado.
Do ponto de vista do desenvolvimento social e humano sustentável, criar um ambiente
favorável ao desenvolvimento é começar a investir no capital social e no capital humano, ou
seja: a sociedade tem que �ter a capacidade de cooperar, de criar um ambiente de inter-
relacionamento entre os seus membros, resolver seus problemas democraticamente�
(FRANCO, 2002, p. 62) e de criar comunidades de interesse comum. Sem uma base de
confiança fornecida pela cooperação ampliada, acumulada e reproduzida socialmente,
dificilmente poderá ser promovido o desenvolvimento desejado.
Na opinião de Franco (2002, p. 62), o modelo tradicional do desenvolvimento, produto
da guerra fria de meados do século XX, baseava-se na economia dos Estados Unidos da
América, dirigida pelo ímpeto do pós-segunda guerra mundial e cuja política externa era
orientada de modo a evitar a expansão do poderio soviético no mundo. Durante esse tempo,
esforços sistemáticos ocorreram como forma de apoiar o desenvolvimento das nações
subdesenvolvidas - por um lado, como uma maneira de exercer domínio sobre os seus
modelos políticos e econômicos por meio do modelo ocidental da modernização e, por outro,
como forma de travar o avanço do modelo comunista promovido pela então União Soviética.
Para isso, duas categorias principais de conceitos foram usadas para determinar o
desenvolvimento moderno: atitudes modernas e economias modernas.
A modernização econômica moçambicana foi definida pela presença de tecnologia
avançada, da prosperidade material e da estabilidade política do país, baseada no uso de
critérios quantificáveis: o produto nacional bruto, a renda per capita, o uso de tecnologias
capital-intensivo e o planejamento centralizado para a industrialização e a urbanização
tornaram-se indicadores comuns de avaliação do progresso e da modernização ou do
desenvolvimento nacional. As práticas de comunicação que acompanharam os esforços do
desenvolvimento refletem essa orientação geral. Os meios de comunicação social têm sido
58 1
usados na tentativa de estimular o povo ao uso das novas tecnologias que lhe são entregues,
como solução para os seus problemas econômicos.
Como sustenta Inayatullah (LERNER, 1973, p. 117), �o desenvolvimento é atividade
voluntária por parte de uma sociedade onde nenhum grupo exclusivo impõe seu próprio
conjunto de valores. O processo de desenvolvimento é moldado pela existência na sociedade
de diversos valores que colidem, conflitam e evoluem para algo novo, mas não suprime outros
sistemas de valor�. Inayatullah considera que, como segundo ingrediente, o desenvolvimento
não é imitação, mas sim inovação sobre a qual a �sociedade em desenvolvimento aprende das
experiências de outras, importa o que considera útil através de um processo de seleção
consciente� do que pode contribuir decisivamente para a mudança de atitudes em prol do
trabalho que dignifique o homem e a mulher como cidadãos participantes desse processo.
Mattelart (1999, p. 37) afirma que o desenvolvimento é aquele que ocorre junto com a
modernização. Para ele, o desenvolvimento-modernização é concebido como um �tipo de
mudança social no qual novas idéias são introduzidas em um sistema social tendo em vista
produzir um aumento da renda per capita e dos níveis de vida mediante métodos de produção
mais modernos e de uma organização social aperfeiçoada�. Mas De Melo (1998, p. 243),
citando Felstehausen, sustenta que
O papel da Comunicação no desenvolvimento só pode ser definido pela
estrutura da sociedade e não à parte dela. Nesse sentido (...), os estudos realizados nos países subdesenvolvidos limitam-se a variáveis lingüísticas e
psicológicas, deixando de lado as variáveis sociais e institucionais que fazem parte do contexto da comunicação humana e ao mesmo tempo definem
caminhos em direção ao desenvolvimento
Continuando Melo (1998, p. 247) a sua análise sobre o papel da comunicação, em
especial a de massa, afirma que
do ponto de vista histórico, tem-se observado que os �mass media� constituem uma decorrência do processo de desenvolvimento. Eles passam a existir, em qualquer país, no momento em que certos fatores estruturais
(desenvolvimento do comércio interno, industrialização, urbanização, escolarização etc.) lhes atribuem funções na vida do sistema social. Do
contrário, eles não terão condições de sobrevivência, já que o organismo social não lhes proporcionará bases vitais de sustentação.
59 1
No contexto moçambicano, as mensagens divulgadas pelos canais tradicionais de
comunicação de massa, nomeadamente rádio, televisão e jornais públicos e privados, quase
não têm tido nenhum impacto direto sobre o desenvolvimento e a modernização das
comunidades locais, porque a divulgação ou veiculação dessas mensagens é feita em língua
portuguesa, que não é de total domínio local.
Sendo o desenvolvimento um fenômeno ligado diretamente à produção e ao �bem-
estar social da população�, os canais de comunicação de massa deviam veicular, também,
suas mensagens em línguas de domínio local para permitir que todas as pessoas entendessem
e exercessem seu papel de cidadãos participantes no processo de desenvolvimento. Ao
transmitirem mensagens apenas em língua portuguesa e cujos conteúdos pouco têm a ver com
as aspirações do povo, os canais tradicionais de comunicação estimulam apenas as fantasias, e
não realizações concretas locais.
De acordo com Melo (1998, p. 295), o desenvolvimento é, inevitavelmente, um
processo de participação. As pessoas somente podem fazer as coisas novas que o
planejamento do desenvolvimento recomenda que sejam feitas. Quando a atenção das pessoas
é mobilizada e o interesse delas atraído, então a participação criativa está operando e o avanço
do desenvolvimento tem probabilidade de se acelerar. Portanto, os meios de comunicação de
massa criam um ambiente fértil à participação e cumprem sua função principal no processo de
desenvolvimento.
Como afirmam White e Moreira (2001, p. 127), alguns dos novos paradigmas mais
fecundos a respeito do desenvolvimento nacional surgiram na América Latina, especialmente
no trabalho teórico de Martin-Barbero e Garcia-Canclini. �Esses teóricos destacaram a
importância da integração e de diálogo culturais em termos regionais da América Latina�. Há
uma mudança de explicações referentes à transformação econômica ou o desenvolvimento
político do Estado, ou mesmo transformações estruturais de base popular.
Para Melo (1998, p. 296), Schramm (1964) teve a tarefa de planificar a ofensiva da
Unesco para implantar um programa de desenvolvimento das comunicações destinado a criar
o clima de desenvolvimento global das sociedades dispostas a ingressar na era da
modernização. Baseando-se nas teses expostas por Lerner (1964), que estudara a marcha
60 1
transnacional das nações do Oriente Médio, Wilbur Schramm construiu um arcabouço teórico
capaz de convencer os estadistas dos países subdesenvolvidos a apostarem na implantação
e/ou expansão dos sistemas nacionais de comunicação como impulsionadores do
desenvolvimento. De acordo com Schramm (1964, p. 46), a essência do desenvolvimento
econômico é o aumento rápido da produtividade econômica da sociedade. Logo, a primeira
questão a ser enfrentada é: como poupar recursos para investir em produtividade? Isso
envolve concretamente a modernização da agricultura e, a liberalização de parte da força de
trabalho para atuar na indústria, bem como a criação de espaços urbanos ativos e inovadores
onde possam frutificar concepções e atitudes produtivas.
É aí que reside a contribuição fundamental dos sistemas de comunicação, veiculando
informações e difundindo modos de agir, pensar e sentir que predisponham os cidadãos a
adotar comportamentos sintonizados com as estratégias do desenvolvimento. Em outras
palavras, forjando indivíduos capazes de valorizar o trabalho produtivo e de poupar recursos
para a consecução de resultados a médio e a longo prazo.
O próprio Schramm (1964, p. 21), estudioso da comunicação para o desenvolvimento
em países subdesenvolvidos, na introdução do seu livro fala do significado humano do
subdesenvolvimento, narrando duas situações de vida das famílias Ifes (da África Ocidental) e
Bvanis (do sul da Ásia), para mostrar que, apesar das diferenças culturais existentes entre as
duas famílias e o número de agregado familiar que cada uma tem, as necessidades em termos
habitacionais, nutricionais, educacionais, etc. são idênticas. Tanto a família Ife (de 5 pessoas)
como a Bvani (14 pessoas), em termos nutricionais, não atingem o mínimo de 2.500 calorias
necessárias para manter o ser humano minimamente nutrido. Com a diferença de que no
povoado de Ife nem chegam a 1.700 calorias por dia, enquanto nos Bvanis, não são muitos os
dias que observam as 2.000 calorias por dia, situação que mostra uma melhoria nutricional
dos Bvanis em relação aos Ifes. Em ambos os povoados, a resistência à mudança é bastante
marcante. Os governos têm feito de tudo para introduzir novos modelos e hábitos modernos
de vida, mas isso não tem surtido efeito devido às limitações em seu sistema social fechado,
às normas tradicionais de cada povoado e às limitações na educação e na transformação
social. Aqui se destaca a importância de realizar, no seio de uma das comunidades, mudanças
sociais que implicam a realização de um conjunto de transformações sociais baseadas na
educação e na comunicação participativa das pessoas, bem como mudança de valores, de
61 1
atitudes e de relações humanas com vista ao aumento de produtividade em prol do
desenvolvimento de cada local.
As duas famílias, mesmo vivendo em regiões e continentes diferentes, têm limitações,
também, em sua capacidade de realização devido à sociedade que os cerca, a sua pobreza e ao
analfabetismo que os afeta. Esse tipo de situação pode ser encontrado em Moçambique que,
apesar de ser um país reconhecido externamente por uma cultura nacional, contém diferenças
culturais regionais e locais; um povoado de uma região do centro ou do norte do país tem
hábitos diferentes dos de um povoado do sul, e um povoado de uma região, seja do norte, seja
do sul, também pode ter hábitos diferentes de outros da mesma região.
No que diz respeito à pobreza, a maioria do povo moçambicano não consegue
consumir 60% do índice calórico desejável.10 Essa mesma maioria vive em casas construídas
com material precário. Nos distritos de Vilankulu e Mambone, por exemplo, as mulheres e
crianças percorrem a pé uma distância de não menos de 10 km em busca de 5 ou 10 litros de
água para o consumo familiar. Em média, cada agregado familiar é composto por 10 pessoas,
e há casos em que, dependendo da família alargada11, o número de pessoas num agregado
familiar pode ser maior que 20. Escolas e postos de saúde localizam-se a não menos de 10
km. A produção agrícola familiar é baixa, pois a lavoura é feita tradicionalmente. Vivem com
a esperança de que um dia a chuva vai chegar para molhar a terra e salvar as sementeiras. O
índice de analfabetismo é bastante alto.
Em face disso, e em forma de opinião, nos associamos às palavras de Schramm (1964,
p. 32), quando diz que �Se quisermos promover o desenvolvimento econômico, deverá haver
10 Segundo avaliação nacional feita pelo Ministério do Plano e Finanças (MPF, 1998), as condições
mínimas de alimentação foram construídas com base na soma de uma linha de pobreza alimentar estabelecida
pelos padrões nutricionais de aproximadamente 2.150 quilocalorias diárias por pessoa, acrescida de uma porção
modesta de despesa não alimentar, determinada na base de consumo não alimentar dos agregados que sofrem de
insegurança alimentar. Em termos monetários, a linha de pobreza nacional foi fixada em 5.433,00 MT
(24.000,00MT/1USD) por pessoa/dia (PARPA, 2000, p.12). 11 por �família alargada� refiro-me ao tipo de família tipicamente moçambicana que, além de
constituída por marido, mulher e filhos, alarga-se para familiares de primeiro, segundo, terceiro e até quarto grau
ou incluem pessoas que sejam da mesma linhagem familiar.
62 1
uma transformação social, e, para que isto ocorra, devemos mobilizar os recursos humanos, e
os problemas difíceis de ordem humana deverão ser resolvidos�.
No nosso entender, resolver os graves problemas que enfermam a população
moçambicana, principalmente a pobreza, é lutar contra o subdesenvolvimento, termo que não
é termo pejorativo; significa simplesmente que o crescimento econômico, a educação, o nível
social e o nível de vida ainda não ultrapassaram a linha de pobreza absoluta. De acordo com
Schramm (1964, p. 33), ser chamado de país �em desenvolvimento� é uma honra, pois isso
quer dizer que o país decidiu sair do estágio de subdesenvolvimento por seu próprio esforço e
realizar, em algumas décadas, o que antigamente levava séculos para ser feito.
Bedergal (2002, p. 31) sustenta que os trabalhos de Daniel Lerner (1958) e Wilbur
Schramm (1964) contribuíram amplamente para o repertório da comunicação para o
desenvolvimento hoje em voga. Baseados em Lerner e Schramm, outros pesquisadores
surgiram, entre os quais alguns dos mais recentes notáveis da área, Luís Ramiro Beltran e
Juan Díaz Bordenave que, por uma perspectiva própria, colocaram em questão os
pressupostos clássicos da comunicação para o desenvolvimento.
A comunicação para o desenvolvimento, com a sua longa tradição teórica, é
complementada e enriquecida pela educação e comunicação ambiental que, desde os anos
1980, vem contribuindo com novos enfoques teórico-metodológicos e experiências para
difundir a compreensão tanto da importância do meio ambiente, como da necessidade de
mudança de atitudes, práticas e hábitos de consumo lesivo ao organismo humano. Vale
salientar que a comunicação e a educação ambiental são áreas que sempre incorporaram uma
forma de comunicação educativa que não apenas transmite informações e mensagens, mas
influencia mudança de atitudes, valores, práticas e comportamentos, e visa, assim, a promover
o desenvolvimento sustentável.
Desde os tempos mais antigos há povos mais ricos do que outros; a educação e a saúde
sempre andaram melhor em alguns lugares do que em outros. Os ricos foram sempre
privilegiados e sempre subjugaram os povos mais pobres.
63 1
Com o fim do colonialismo, nas últimas décadas do século passado, foi possível que
novos países menos privilegiados tivessem a oportunidade de fazer algo acerca de sua própria
situação econômica. Estes países têm procurado acelerar o processo de desenvolvimento
buscando apoios dos países avançados economicamente para que façam investimentos ou
simplesmente doem recursos financeiros. Tais auxílios aos países subdesenvolvidos têm
suscitado grandes competições entre os países economicamente desenvolvidos, mas, por outro
lado, sugerem o renascimento de uma consciência mundial, estimulada, em parte, pelas lutas
contra o colonialismo e o imperialismo econômico no mundo.
Nas palavras de White e Moreira (2001, p. 126), as nações não podem produzir sua
independência política se não tiverem independência econômica e esta não será possível se
não houver independência cultural. Desde a época de Adam Smith, os teóricos de
desenvolvimento compreenderam que as culturas nacionais estabelecem os objetivos
econômicos; entretanto, a independência cultural não será possível se não houver a
independência da comunicação. Todas as nações da era moderna deram prioridade ao
desenvolvimento de um sistema de comunicação interna como o princípio fundamental do
desenvolvimento nacional.
Em Moçambique, o desenvolvimento nacional passa necessariamente pela ação
educativa dos meios de comunicação social, principalmente em relação à divulgação de
informações que educam o produtor rural a assimilar as novas técnicas de produção. O
desenvolvimento nacional passa, também, pela criação de um espírito empreendedor tanto de
âmbito individual como coletivo, para que todo cidadão moçambicano entenda que sua
participação ativa nas ações de desenvolvimento socioeconômico é deveras importante. E
porque o Estado moçambicano �toma a agricultura como base do desenvolvimento nacional�,
e porque �garante e promove o desenvolvimento rural para satisfação crescente e multiforme
das necessidades do povo e o progresso econômico e social do país�12, é direito de qualquer
cidadão possuir terra13, espaço e recursos para atividades que contribuam para o
12 Artigo 39 da Constituição da República de Moçambique, Maputo, 1990. 13 Em Moçambique a terra é pertença do Estado, e todo o cidadão tem direito ao uso e aproveitamento
da terra.
64 1
desenvolvimento nacional, como a prática da agricultura que representa cerca de 40% da
economia moçambicana.
Referindo-se ao uso e aproveitamento da terra e às ações levadas a cabo pelo
Programa de Desenvolvimento Agrícola (Proagri), Hélder Mutéia14 disse que �o Proagri é o
nosso Parpa15 agrário (ao nível do Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural), que
constitui estratégia de transformar as unidades produtivas familiares de subsistência em
unidades produtivas mais integradas ao mercado, que unem mais a prática tradicional às
novas tecnologias de produção agrárias, aquelas que permitem que as comunidades locais
produzam mais e vendam mais os seus produtos�. Para isso, Mutéia destaca quatro pilares
principais:
Que as pessoas tenham acesso à terra arável;
Que tenham acesso à tecnologia por intermédio do Instituto de Investigação
Agronômica e dos Serviços de Extensão Rural. Isto é, produzir a tecnologia e levá-la
ao serviço dos produtores rurais;
Acesso ao mercado. As pessoas devem ter a capacidade de produzir e vender os seus
produtos, para que tenham dinheiro de comprar insumos agrícolas para as outras
safras; que tenham acesso ao crédito, para que possam investir para melhor produzir.
Sem crédito, não podem ter dinheiro para investir no desenvolvimento das suas
atividades produtivas.
Um dos principais objetivos do Parpa é melhorar as condições de vida da população
moçambicana, principalmente a das áreas rurais. Mas, apesar de a produção comercializada
ter aumentado substancialmente nos últimos anos, a situação da maior parte da população
rural não melhorou como se esperava. Essa situação se deve ao problema das calamidades
naturais, nomeadamente as enchentes do ano 2000 que assolaram a zona sul do país e as de
2001 que atingiram drasticamente a zona centro, que, somadas ao problema de minas
14 Ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural (Mader), em entrevista concedida ao autor no dia
19 de janeiro de 2003, em Maputo. 15 Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (Parpa), parte importante do Programa
Qüinqüenal do governo da Frelimo no período de 2000 a 2004.
65 1
terrestres, vêm contribuindo para o agravamento da crise econômica vigente que, em grande
parte, dificulta o desenvolvimento rural e especialmente a produção agrícola. Isso nos remete
ao raciocínio de que o objetivo de melhorar as condições de vida da maioria da população, em
matéria da organização da sua vida pessoal e suas relações familiares e de trabalho, só pode
ganhar maior amplitude num contexto em que se adote uma cultura de solidariedade baseada
na estratégia de combate da pobreza absoluta já refletida no Parpa.
Em um país como Moçambique, onde as práticas cotidianas da comunidade rural estão
comprometidas pela carência de base econômica, é preciso que se construa uma nova
subjetividade que, segundo Genro (1997, p. 5), �se torne hegemônica na sociedade capaz de
imprimir reformas econômicas radicais e uma concepção de cotidiano permeada pela política,
no seu sentido mais nobre�, tendo como base a exigência de um Estado subordinado à
sociedade civil que cada vez mais deve assumir o papel de dinamizador do processo. Para o
autor, é preciso promover amplos movimentos que rompam com a fragmentação interna da
sociedade informal, gerindo a participação direta dos cidadãos.
3. A comunicação para o desenvolvimento no contexto moçambicano
Foi durante a luta armada, nas zonas libertadas, que as primeiras tentativas de
desenvolvimento auto-suficiente, de orientação socialista, foram feitas. Sobre esse assunto,
Machiana (2002, p. 82) sustenta que a estratégia adotada nas zonas libertadas baseou-se
fundamentalmente na alteração das relações de produção, tendo o processo de produção
passado a organizar-se em moldes coletivistas. �Nisto se baseia o significado ideológico da
experiência das zonas libertadas, como indicadora da atitude da Frente de Libertação de
Moçambique � FRELIMO � em relação ao desenvolvimento econômico de Moçambique.�
Após a independência, o estabelecimento de relações de produção socialista foi um
dos objetivos mais enfatizados nos planos de desenvolvimento, o que implicava que a
extensão das experiências de produção desenvolvidas nas antigas zonas libertadas tivesse que
passar por uma ampla campanha de mobilização nacional de todas as forças produtivas. E era
precisamente sobre a mobilização das forças produtivas nacionais que devia incidir a ação da
comunicação social no processo de desenvolvimento da sociedade moçambicana.
66 1
De acordo com Machiana (2002, p. 85), ainda que a noção do desenvolvimento a ser
promovido pelo Estado implicasse uma modernização por meio de rápida industrialização e
mecanização da agricultura, o �Homem� acabou se constituindo como o elemento principal
do processo, �reassumindo o seu papel central na ideologia de modernização da FRELIMO,
cujo projeto político passava pela transformação do indivíduo� (grifo nosso).
No nosso entender, o anúncio feito pelo então Presidente da República, Samora
Machel, no dia 24 de julho de 1975, dia das nacionalizações, num grandioso comício popular
realizado no Estádio da Machava, regulava a abolição dos serviços de saúde, educação, justiça
e serviços fúnebres de caráter privado, os quais deviam passar a constituir prerrogativa
exclusiva do Estado moçambicano. Samora Machel firmava como dever do Estado garantir a
extensão desses serviços a todo o povo moçambicano, principalmente às populações das áreas
rurais que tinham sido mais desprivilegiadas pelo sistema colonial. No mesmo comício,
Samora anunciou a posse da terra pelo Estado e, meses depois, o exercício privado do
arrendamento, tornando esta acessível ao povo.
As nacionalizações feitas pelo governo moçambicano se enquadravam no plano de
desenvolvimento socioeconômico, político e cultural da nação. Constituía isso uma filosofia
do Estado de buscar soluções para a melhor prestação de serviços essenciais das áreas da
saúde, educação, justiça e serviços fúnebres, bem como de oferecer condições de moradia às
populações urbanas e garantir o uso e aproveitamento da terra às populações rurais.
Segundo determinação da 1ª sessão do Conselho de Ministro, realizada de 9 a 25 de
julho de 1975, o desenvolvimento das zonas rurais constituía uma das grandes prioridades e,
portanto, deviam-se mobilizar todos os meios de ação que permitissem o seu alcance para o
sucesso das Aldeias Comunais. Isso significava que toda a economia nacional deveria ser
orientada para o desenvolvimento da nação de acordo com os interesses do povo
moçambicano, o que implicaria a aplicação da política de austeridade e de diminuição dos
gastos públicos e de divisas, redefinição da política fiscal e fixação de impostos segundo
critérios de justiça social.
67 1
A agricultura seria promovida por meio das �machambas�16 coletivas ou cooperativas
de produção agrícola, com base na criação das Aldeias Comunais. O desenvolvimento da
produção industrial passaria a ser promovido de forma planificada, devendo o Estado orientar
o comércio externo e interno, de maneira a combater todas as formas especulativas e de
sabotagem econômica no país. Nessa batalha, os meios de comunicação social
desempenhavam um papel preponderante, principalmente pela veiculação das informações
recentes sobre os acontecimentos, as diretrizes e as orientações do partido e do governo, bem
como a mobilização e a organização das populações para ações produtivas em todos os níveis.
Nesse ponto reside a contribuição fundamental dos sistemas de comunicação, em particular os
de âmbito comunitário: veicular informações e difundir modos de agir, pensar e sentir que
predisponham os cidadãos a adotarem comportamentos sintonizados com as estratégias do
desenvolvimento. Em outras palavras, esses sistemas forjam indivíduos capazes de valorizar o
trabalho produtivo e de poupar recursos para a realização de resultados em médio e longo
prazo.
Ao discutir a comunicação comunitária com base na experiência brasileira vivida no
período de transição política dos anos de 1980, Cicília M. Krohling Peruzzo (2003, p. 247)
sustenta que a comunicação comunitária �surge e se desenvolve articulada aos movimentos
sociais como canal de expressão e meio de mobilização e conscientização das populações
residentes em bairros periféricos e submetidas a carência de toda espécie; de escolas, postos
de saúde, moradia digna, transporte, alimentação e outros bens de uso coletivo e pessoal, em
razão dos baixos salários ou do desemprego�.
A nosso ver, a experiência de comunicação comunitária vivida pelo povo brasileiro,
como Peruzzo refere acima, não foge muito ao que se viveu em Moçambique no mesmo
período, só que neste, numa perspectiva política diferente. Em Moçambique, precisamente
nos finais da década de 1970 e em toda a de 1980, a comunicação comunitária era liderada
por movimentos comunitários conhecidos como �movimentos democráticos de massa�
(MACHEL, 1975, p. 1). De 1975 a 1992, fazia-se no país um tipo de comunicação
comunitária com uma boa dose de politização na linha da Frelimo, um partido revolucionário,
e isso acontecia também no seio da comunicação social em geral. O momento político-social
16 Machamba refere-se à roça ou fazenda agrícola.
68 1
exigia que a comunicação popular ou de massa fosse assumida pela população moçambicana
como uma das melhores formas de desenvolver a jovem nação.
No decorrer do nosso trabalho de pesquisa pudemos perceber que hoje, em
Moçambique, a maioria dos meios de comunicação social, em particular os de âmbito
comunitário, tem sua filosofia baseada na produção e veiculação de conteúdos informativos,
educativos, culturais e de prestação de serviços à comunidade onde estão inseridos. As rádios
comunitárias, por exemplo, primam pela educação e formação do cidadão com vista à
preservação da paz e ao combate à pobreza absoluta vivida no país. Com mensagens
educativas e de conscientização popular, as rádios comunitárias procuram prestar sua
contribuição para combater a violência e o tráfico das drogas; mobilizar as populações locais
a se engajarem em atividades produtivas com vista a combater a miséria. Como diz Peruzzo
(2003, p. 249), �[...] a comunicação comunitária é aquela que faz sentido dentro de realidades
específicas e porque é produto de cada uma dessas realidades�. Daí que, segundo essa autora,
�a comunicação comunitária surge das necessidades locais e serve aos interesses da
comunidade�.
4. Comunidade e desenvolvimento local
O conceito de comunidade não é muito claro, e é em certa medida, mal entendido. Não
está a ser considerado com a riqueza que a sua carga histórica que transporta. Ele deriva da
palavra �community� usada pela administração colonial inglesa que pretendia separar o
�moderno� do �tradicional�.
O Dicionário de Sociologia (GLOBO, 1981, p. 75), define comunidade como �um
grupo local, de tamanho variável, integrado por pessoas que ocupam um território
geograficamente definido [...] e unidas por interesses comuns e participam das condições
gerais da vida [...] Nas sociedades modernas, as comunidades variam profundamente quanto
ao tamanho e à organização, compreendendo tipos tão diferentes quanto a aldeia e a grande
cidade�. O termo �comunidade ainda é usado, às vezes, para denominar uma forma de
associação muito íntima, um grupo altamente integrado cujos membros se encontram ligados
uns aos outros por laços de simpatia�.
69 1
Segundo Peruzzo (2001, p. 2), o termo �comunidade� começa a ser utilizado nos
últimos anos em várias perspectivas e sem rigor conceitual. O termo �tem servido para
referenciar qualquer tipo de agregação social� e, às vezes, é �empregado como sinônimo de
sociedade, organização social, grupos sociais ou sistema social. É também utilizado para
designar segmentos sociais como, por exemplo, comunidade universitária, comunidade negra,
comunidade religiosa, comunidade de informação, comunidade científica, comunidades dos
artistas etc.�. No entanto, para a autora, comunidade pressupõe uma intensa interação entre os
seus membros, afinidade de interesses e ações conjugadas visando objetivos comuns.
Mas comunidade pode ser definida como um coletivo ou grupo de pessoas que
partilham caráter e interesses comuns, isto é, um agregado de pessoas funcionalmente
relacionadas que vive numa determinada localização geográfica, em determinada época,
partilhando uma cultura comum, e que estejam inseridas numa estrutura social e revelem
consciência de sua singularidade e identidade distinta como grupo (PERUZZO, 2001 p. 3).
Tais interesses, numa comunidade específica, podem ser de caráter social, econômico,
político, cultural, religioso, etc. É na comunidade que os indivíduos prosperam coletivamente
e o potencial de cada um é intensificado por pertencer a ela, porque uma comunidade forte é
essencial para o progresso do potencial individual. Isso implica que cada membro da
comunidade reconhecer que depende do outro e que portanto, deve agir no sentido da
solidariedade e cooperação mútua, em prol do bem-estar comum.
Boudin (2001, p. 26) critica os estudos sobre comunidade que a definem em contornos
tidos como idealistas, pois postula a existência de uma realidade local, muito mais no que se
refere aos aspectos da vida da sociedade na qual �a comunidade é local e ao mesmo tempo
religiosa�. Enquanto que Cicília M. K. Peruzzo (2001, p. 3), citando Maciver e Page (1973),
por sua vez, mostra que originalmente a comunidade era reconhecida como existente
onde quer que os membros de qualquer grupo, pequeno ou grande, vivam juntos de tal modo que partilham, não deste ou daquele interesse, mas das condições básicas de uma vida comum [...]. O que caracteriza a comunidade
é que a vida de alguém pode ser totalmente vivida dentro dela [...], onde
todas as relações sociais de alguém podem ser encontradas dentro dela. Uma comunidade pode ser a que ocupa uma área territorial, onde os sentimentos
70 1
das pessoas demonstram a �existência de uma coesão social que dá um
caráter de comunidade.
Entretanto, Peruzzo (2001, p. 2) esclarece que tais contornos não são condição para a
existência de comunidade no mundo atual; em decorrência das transformações nas
sociedades, introduziram-se modificações no conceito de comunidade, termo que tem sido
usado para caracterizar �agrupamentos sociais situados em espaços geográficos de proporções
limitadas (bairro, vila, lugarejo) e [até] para designar grupos de interesse afins,
interconectadas na rede mundial de computadores, chamados de �comunidades virtuais�, entre
outros�.
Para Mbikushita-Lewanika (HESSELBEI, [s/d], p. 293), comunidade é �uma
sociedade ou grupo de pessoas com direitos, posições, trabalho e interesses comuns�. Para ela,
o estabelecimento de um acordo entre pessoas, juntamente com um sentido de inclusão e de
prazer, constitui importante base para sustentar a definição acima, o que inclui afinidade,
acordo, associação, irmandade, camaradagem e identidade pessoal.
A comunicação social defronta-se, hoje, com os desafios impostos pelo aparato
tecnológico à disposição no mercado. Se por um lado alcançamos um estágio de total
condição de comunicação � o que Mario Kaplún (1999, p. 71) chama de �hipercomunicação�
�, por outro, corremos o risco de perder a capacidade de comunicação pela valorização da
informação individualizada. Ou seja, o acesso a toda tecnologia informacional não significa
para o indivíduo ou para os grupos um estágio mais além � nem qualitativa nem
quantitativamente � na realização da comunicação comunitária: �Tecnologicamente, terão
mais possibilidades de interconectar-se; mas, esgotado o interesse pelos outros, extinta a
prática da participação social e cidadã, lhes restará para comunicar algo além do intercâmbio
de pseudo-experiências virtuais?� (KAPLÚN, 1999, p. 72).
Isso significa que o uso das tecnologias sempre mais sofisticadas de informação fazem
com que os indivíduos vivam isolados, incomunicáveis e desprendidos de qualquer clausura
territorial/espacial. Além de se fechar, preenchido de informações, mas vazio de diálogo, o
indivíduo da era tecnológica se desvincula culturalmente de seu grupo, sem vincular-se a
nenhum outro, uma vez que não produz nem interpreta o mundo por meio de uma lógica
compartilhada como ocorre nas relações interpessoais.
71 1
Nesse contexto, a comunicação comunitária entendida como �um instrumento
prioritariamente viabilizador de um �fórum� local com capacidade de definir e gerar
localmente políticas de desenvolvimento� (SANTOS; CALLOU, 1995, p. 46), exerce um
papel preponderante no fornecimento de informações que põe o indivíduo minimamente
informado para que não viva fora dos acontecimentos da sua comunidade. Para isso, é
fundamental que o espaço comunitário seja reconhecido como ponto de encontro e de
aglutinação de membros da comunidade, onde estes possam resolver seus problemas e
desenvolver ações comunicativas no âmbito das manifestações sociais (espontâneas ou não)
que darão as condições políticas a cada grupo (micro) de se colocar na sociedade (macro), e
que sustenta o jogo de consenso e legitimação entre as classes subalternas e as hegemônicas.
Reconhecendo-se como um espaço local-rural no qual se desenvolvem programas de
produção de bens materiais e alimentícios para o sustento da sociedade, a comunicação
comunitária deve habilitar-se a dar conta de um novo cenário mundial, global e informático,
que se revela em diferentes instâncias do cotidiano como o trabalho, o consumo, o lazer.
Podem ser criados, assim, novos hábitos, novas condições de existência, novas possibilidades
de inserção social e também novos contingentes de excluídos. Desse modo, propiciaria outras
formas de compreensão e atuação na realidade. Por exemplo, o desenvolvimento local pode
ser trabalhado como �um esforço de mobilização de pequenos grupos na comunidade, no
bairro, na rua, bem como no distrito, no município, na província�, a fim de resolver problemas
imediatos ligados às questões de sobrevivência econômica, de democratização de decisões, de
promoção de justiça social� (SANTOS; CALLOU, 1995, p. 45).
Isto aponta para uma inserção direta na vida da sociedade moçambicana, o que dá à
comunicação comunitária a tarefa de agir criticamente (no sentido de transformar) sobre as
questões do local numa visão micro, buscando reverter a exclusão social macro (tecnológico e
global). Assim, comunicação comunitária pode, inclusive, atuar como um instrumento
permanente da interpessoalidade e de educação e sensibilização das pessoas no sentido de
engajá-las nas atividades referentes ao desenvolvimento local, municipal, provincial e
nacional. Pode a comunicação comunitária oferecer informações que auxiliam o
desenvolvimento auto-sustentável em prol da comunidade.
72 1
O desenvolvimento de novas tecnologias de informação e os meios técnicos de
comunicação de massa têm contribuído, de forma acelerada, para o processo de mudanças na
sociedade atual. As tecnologias de comunicação e de informação induzem as pessoas a uma
nova noção de tempo e espaço, fazendo com que os distanciamentos espacial e temporal não
sejam mais um problema para o relacionamento interpessoal. Hoje é possível que as pessoas
participem de determinados eventos sem que seja necessário marcar fisicamente a presença no
local. Trata-se de novas formas de constituir comunidades e desenvolver comunitariamente
ações que visam à troca de informações, conhecimentos, experiências, etc.
Como afirma Peruzzo (2001, p. 6), �a configuração de comunidade não precisa
restringir-se a demarcações territoriais geográficas�. As pessoas podem cultivar
relacionamentos e compartilhar �interesses, identidades etc. também através de ondas
eletromagnéticas, do ciberespaço ou rede de computadores�. O indivíduo, segundo Mafesoli (
PERUZZO, 2001, p. 7), �não é mais uma entidade estável provida de identidade intangível e
capaz de fazer sua própria história, antes de se associar com outros indivíduos, autônomos,
para fazer a História do mundo [...]�, mas sim, ele é, �também, o protagonista de uma
ambiência afetual que o faz aderir, participar magicamente desses pequenos conjuntos
escorregadios�, ao que se chama de tribos. Isto resulta, portanto, no surgimento e
desenvolvimento das comunidades virtuais.
Mas Peruzzo (2001, p.7) nos chama atenção quando diz não ser �conceitualmente
correto chamar de comunidade virtual toda e qualquer forma de agregação eletrônica. Muitas
delas se constituem apenas como redes de contatos ou grupos de interesse sem chegar a
constituírem-se em comunidades�. Algumas delas, especificamente as de interesse social ou
acadêmico (PERUZZO, 2001, p. 12), representam apenas
um modo de existência, um modo de relação, aquele desterritorializado geograficamente, mas não uma forma única e independente de existência, pois é unida em torno de especificidades concretas e com vínculos que
extrapolam o espaço virtual. As relações, no caso das redes de interesses sociais, perpassam o simbólico e se conectam à vida cotidiana. Essa conexão
se dá conforme os propósitos que dão feição à comunidade virtual, seja de investigação científica, de uma escola de samba, um movimento político, um
movimento ecológico e assim por diante
73 1
Nessas comunidades se desenvolvem ações de cunho comunitário dentro da sua
própria realidade, na qual se forma a partilha, a troca de conhecimentos e a confluência de
experiências e interesses comuns.
A promoção da comunicação comunitária, em algumas regiões do território
moçambicano, parece dar conta do contexto em que as pessoas vivem em localidades rurais e
mesmo semiurbanas, pois procura reverter a situação de exclusão mobilizando os jovens a
aderirem à prática de atividades geradoras de renda e à participação na produção social da
comunicação, evitando que se sintam destituídos do direito de participar da tomada de
decisões e de exercer a cidadania. Há, todavia, uma necessidade de capacitar profissionais
moradores da comunidade de modo a desenvolverem atividades tais como o jornalismo
comunitário, programas radiofônicos para emissoras locais, programas para transmissão em
carros de som e de vídeo, jornais de parede, fotojornalismo, documentários em vídeo,
programas televisivos, informática e internet � no caso dos operadores de organizações
comunitárias.
A capacitação para o uso de recursos comunicacionais aparece como alternativa para
atuar sobre problemas identificados localmente, levando a comunidade a assumir sua
realidade e sua capacidade de auxiliar a sustentabilidade de seu meio. É ainda uma forma de
criar na comunidade o hábito de comunicar-se de fato, em seu sentido mais amplo: trocar
experiências e crescer com elas. Esses são, a nosso ver, alguns desafios para a comunicação
comunitária na era tecnológica � há ainda questões referentes à participação política e à
articulação (acordo) entre os diferentes atores sociais envolvidos nas práticas
comunicacionais.
4.1 O local como espaço de participação comunitária
Pretendemos discutir o termo �local� no contexto da expressão da localidade, a mais
usada em Moçambique desde a Independência Nacional, em 1975. Na visão moçambicana, a
localidade é definida como um espaço territorial delimitado e coberto de um conjunto de
relações baseadas em laços sociais, culturais e até familiares de uma comunidade, onde o
comunitarismo e desenvolve sob orientação de um representante do Estado em nível local, ou
74 1
por um chefe tradicional reconhecido pelo Estado e que esteja a serviço dessa comunidade
local.
Pela localidade, o indivíduo constrói seu modo de vida, ou seja, organiza sua vida
pessoal e social, suas relações familiares, de trabalho e até políticas. Também é onde ocorre o
processo de desenvolvimento comunitário, pois é palco dos empreendimentos individuais,
familiares e/ou coletivos, rurais agrícolas e não-agrícolas.
A descaracterização do espaço local ou da localidade ocorre desde sua reestruturação
político-administrativa, implantada logo após a Independência nacional, quando foram
incorporados novos componentes políticos, econômicos, culturais e sociais como forma de
�escangalhar�17 o sistema político colonial português que acabara de ser derrotado pelo
movimento de libertação nacional. Ao acontecer isso, o conhecimento das especificidades
locais passou a possibilitar o surgimento de soluções mais eficientes e eficazes para as
demandas sociais, dando mais espaço para a participação cidadã nas ações de
desenvolvimento que advêm da localidade.
No atual contexto de globalização18, é importante observar que devido ao caráter
intenso de aceleração e interconexão das mudanças na sociedade humana, o local, espaço
territorialmente limitado, sofre os reflexos de qualquer atividade global. Esse fenômeno tem
movimentado identidades locais que não são mais fechadas em si mesmas, pois elas se
transformam com base nas tensões geradas pela relação entre o global e o local.
Na situação global contemporânea, o ambiente local movimenta-se sob uma gama de
materiais simbólicos em que várias identidades podem ser formadas e reformadas em
situações diferentes. As memórias coletivas são preservadas, pois refletem contextos sociais e
grupais do passado que, periodicamente, são reforçados pelo contato com outros que
17 �Escangalhar� � expressão mais usada após a Independência Nacional, que significava destruir
completamente o aparelho de Estado colonial para se implantar o novo sistema político revolucionário e
moçambicano. 18 De acordo com Giddens (Kassotche � 1999, p. 22), �Globalização pode, assim, ser definida como a
intensificação das relações sociais à escala mundial, que ligam localidades disiantes de tal maneira que os
acontecimentos locais são informados por acontecimentos que se dão a muitas milhas de distância e vice-versa�.
75 1
partilham dessas experiências. Essas práticas simbólicas do passado misturam-se com as da
sociedade atual.
No contexto moçambicano, é na localidade que as pessoas exercem mais pressão,
numa ação direta para verem resolvidos seus problemas e supridas suas necessidade. Na
perspectiva de superar essas pressões, os chefes das localidades, os governos municipais e a
sociedade civil tornam-se potenciais agentes de justiça social. De acordo com Dowbor (1994,
p. 35), �é no nível local que se podem realmente identificar com clareza as principais ações
redistributivas�. No mesmo espírito, Marsiglia (1995, p. 4) defende ser necessário fortalecer e
modernizar as estruturas organizativas locais, o que implica dotá-las de ferramentas
específicas, de mais recursos financeiros e de maior profissionalização de sua gestão. Implica
também dotá-las de ferramentas que capacitem a sociedade civil para uma cultura de
participação coletiva nas ações de desenvolvimento, de modo a alcançar uma vida condigna e
sustentável.
Por, no nosso entender, ser a localidade o espaço onde os membros da comunidade
exercem sua participação para solucionar seus múltiplos problemas, faz-se necessário que o
Estado, por ser seu dever, envide esforços para responder às necessidades da sociedade local.
Feito isto, os membros da comunidade local se sentirão mais livres para prestar sua
contribuição para o seu próprio desenvolvimento, exercendo e praticando uma cidadania
participativa na sua própria comunidade. Afinal, como refere Peruzzo (1998, p. 278), citando
Demo, refere que �[...] a participação tem como objetivos: a autopromoção, a realização da
cidadania, a definição das regras do jogo, o controle do poder, a moderação da burocracia, a
prática da negociação e a construção de uma cultura democrática. Nós acrescentamos a
abertura e manutenção de canais e a socialização da informação e do conhecimento�.
É verdade que muitos fatores influenciam na organização local, mas o que mais se
destaca é o campo da comunicação social. Os meios de comunicação social atuam e
promovem a coesão social, e exercem permanente influência na sociedade para que esta
encontre mecanismos de superar dificuldades locais. Daí que as rádios e televisões
comunitárias que se multiplicam rapidamente por várias localidades e distritos do país, apesar
de ainda não contarem com uma regulamentação específica para o setor, constituem uma
resposta significativa das comunidades locais organizadas na luta pela liberdade de expressão
e pelo direito à voz. Essas rádios e televisões comunitárias desempenham o papel fundamental
76 1
de informar, formar, educar e mobilizar as populações locais para ações de desenvolvimento e
combate à pobreza.
4.2 Comunicação e participação comunitária nos programas de desenvolvimento
A comunicação participativa não constitui nenhuma novidade nos nossos dias. Ela
vem sendo praticada e promovida há bastante tempo em vários campos � recebendo
considerável atenção nos países industrializados �, principalmente nos da educação de
adultos, do desenvolvimento comunitário e da comunicação para o desenvolvimento.
Algumas organizações internacionais têm se beneficiado da comunicação participativa e da
pesquisa como principais componentes de trabalho de projetos de desenvolvimento.
Tufte, citando o modelo de comunicação participativa desenvolvido por Jean Servaes,
foca quatro princípios importantes:
�O mundo participativo encara pessoas comuns como agentes-chave de mudança ou
participantes para o desenvolvimento e, por essa razão, focaliza nelas suas
aspirações e resistências�. O desenvolvimento é destinado a libertar e emancipar
pessoas e, ao fazer isso, as capacita a reconhecerem suas necessidades básicas.
Culturas locais são respeitadas.
�O modelo participativo enxerga pessoas como o núcleo de desenvolvimento�.
Desenvolvimento significa levantar os ânimos de uma comunidade local para que
sinta orgulho de sua própria cultura, intelecto e ambiente. Desenvolvimento objetiva
educar e estimular pessoas para serem ativas nos progressos pessoais e coletivos,
enquanto mantêm uma ecologia equilibrada. Participação autêntica, embora
amplamente abrigada na literatura, não faz parte do interesse de todos. Devido a
suas concentrações locais, os programas participativos não são facilmente
implementados, nem são altamente previsíveis ou prontamente controlados.
�O modelo participativo enfatiza a comunidade local mais do que o Estado-Nação, o
universalismo monístico mais do que o nacionalismo, mais a espiritualidade do que
77 1
o humanismo secular, mais o diálogo do que o monólogo, e mais a emancipação do
que a alienação.
�Em essência, desenvolvimento participativo envolve o fortalecimento de
instituições e processos democráticos no nível comunitário e a redistribuição do
poder� (TUFTE, 2001, p. 16).
Os quatro princípios estabelecidos por Servaes sobre o estudo de Soul City sintetizam
explicitamente o objetivo da comunicação participativa � o de liberar e emancipar pessoas
para que estejam capacitadas a satisfazer suas necessidades básicas e encontrar a democracia
fortalecida. Trata-se de um objetivo com o qual muita gente pode concordar embora os
métodos e as estratégias guardem diferenças entre si.
Ainda citando Servaes (2001, p. 18), Tufte apresenta sete princípios para �outro
desenvolvimento� que deve ocorrer com base nas necessidades básicas, endogeneidade,
autoconfiança, ecologia, sustentabilidade, democracia participativa e mudanças estruturais
sustentáveis. Ele esclarece que a experiência de Soul City19 ocorre em sintonia com os sete
princípios apresentados e está ligada ao paradigma de comunicação comportamental
vinculado à mudança social que �deve ser realizada conjuntamente com a mudança do
comportamento individual de cada membro da comunidade�.
A natureza interativa de uma comunicação participativa é reconhecida hoje cada vez
mais. A comunicação participativa é vista como meio interativo fundamental que deve ser
feita de forma a envolver os membros da comunidade na solução de seus problemas coletiva e
construtivamente, compartilhando os meios de utilidade comum.
É importante referir que �participação comunitária� tem significados diferentes para
diferentes pessoas. Não existe uma fórmula pronta, modelo pré-estabelecido e acabado para se
alcançar a participação comunitária. Há, sim, processos, mecanismos e tempos diferentes que
19 Soul City (Cidade da Alma) � Instituto de Comunicação para Saúde e o Desenvolvimento (IHDC) é o
nome da organização não-governamental (ONG) de mídia e saúde por trás da ampla iniciativa multimídia de
informação dirigida e de treinamento ainda em curso e orientada para esse fim, que trabalha a favor da mudança
social na sociedade sul-africana.
78 1
é preciso ter em consideração. Cada comunidade é um caso singular e desenvolve seu próprio
processo para ser o sujeito ativo do desenvolvimento.
Um processo de comunicação, acoplado à propagação dramática da democracia,
trabalha em favor da tomada de decisão mais participativa em nível local e da comunicação
como parte do processo do seu desenvolvimento. Simultaneamente, alguns especialistas da
comunicação para o desenvolvimento promovem o conceito de participação comunitária
como um processo educacional em que as comunidades, com o auxílio dos realizadores de
desenhos animados e dos facilitadores de seminários sobre desenvolvimento local, mobilizam
as pessoas a identificarem os problemas que dificultam o desenvolvimento da sua própria
comunidade.
O desenvolvimento participativo e o processo de motivação da comunidade têm dado
grande impulso à evolução da participação dos cidadãos na comunicação para o
desenvolvimento. Isso contribui para o reconhecimento, por parte de especialistas e
planejadores dos processos de desenvolvimento nos países do Terceiro Mundo, de que a
transformação de uma sociedade liberal representada numa sociedade participativa passa
forçosamente pela participação pessoal, e esta passa forçosamente pela comunicação.
Portanto, de acordo com Peruzzo (1998), em consonância com Demo (1988), a participação é
conquistada e não doada. Dessa forma, não pode �haver participação dada, doada,
preexistente. [Ela] somente existe na medida em que a conquistamos, num contexto de
esforço conscientizado das tendências históricas contrárias� (PERUZZO, 1998, p. 77).
A conquista do direito de participar coletivamente da tomada de decisões envolve
todos os cidadãos, isto é, homens e mulheres, em prol do desenvolvimento da sua
comunidade, da sua região e do seu país. Em Moçambique, por exemplo, as mulheres
constituem mais de metade da população. Elas participam do processo de desenvolvimento
numa miríade de formas, mas sua contribuição para as mudanças socioeconômicas e políticas
continua a ser inadequadamente reconhecida e, em grande parte, sub-avaliada pela sociedade.
Fatores culturais, sociais e econômicos têm motivado debates públicos por meio da rádio e da
televisão, conferindo, assim, à comunidade a possibilidade de fazer uma auto-avaliação mais
completa, mais realística e, principalmente, proporcionar dados ao governo acerca da vida na
comunidade.
79 1
Como diz Franco (2002, p. 55), �quando as pessoas de uma localidade são
transformadas em beneficiárias passivas e permanentes de programas estatais assistenciais
que chegam até elas verticalmente, por meio de uma relação patrono-cliente [em que o
patrono é o deputado fulano, amigo do governador beltrano, amigo ou familiar do ministro
cicrano], reduzem-se as chances de aquela comunidade local se desenvolver�. Isso porque,
segundo Franco (2002, p. 55), �o clientelismo, além de não favorecer o desenvolvimento do
capital humano, é um dos modos mais eficazes de destruição do capital social. Ao verticalizar
as relações e desestimular as conexões horizontais, ao desmobilizar a criatividade e a
inovação (capital humano) para enfrentar coletivamente os problemas, ao substituir a
colaboração pela competição por recursos exógenos e ao impedir que essa colaboração se
amplie e se reproduza socialmente (capital social)�, o sistema político extermina os fatores
necessários para que aquela comunidade possa se desenvolver.
Trata-se, portanto, de uma questão política, pois esta, muitas vezes impede as pessoas
de participarem de assuntos que lhes dizem respeito. De acordo com Franco (2002, p. 56), as
pessoas precisam viver num ambiente que lhes oferece melhores condições, individuais ou
coletivas, de cooperação e de construção de um ambiente social são e democrático; precisam
que lhes seja facultada a capacidade de sonhar, de perseguir os próprios sonhos e fortalecer
sua capacidade de viver em comunidade, isto é, de compartilhar os seus sonhos e de cooperar
na busca de objetivos comuns, usando seus próprios recursos para a solução de problemas
locais, intercomunicando-se horizontalmente, democratizando decisões e procedimentos e
inaugurando novos processos participativos de caráter público.
Conforme referimos em outros momentos, a participação comunitária é coerente com
o desenvolvimento autocentrado de maneira descentralizada e �de baixo para cima�, e permite
que os beneficiários, que são os melhores conhecedores das suas necessidades,
potencialidades e circunstâncias de vida, se envolvam diretamente em todas as ações que
visem ao seu desenvolvimento. Em alguns casos, é aconselhável que os membros da
comunidade sejam tratados de maneira igual e coletiva, e não individualmente. Nesse caso, o
individualismo desaparece e prevalece o coletivismo, isto é, o �nós� e não o �eu�; é a
consolidação da participação comunitária como um processo, uma interação contínua, um
diálogo sem tempo limite entre os membros da comunidade, uma partilha do que é de
80 1
interesse comum. Citando Demo, Peruzzo (1998, p. 75) sustenta que �a participação não é
dada, é criada. Não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência. A
participação precisa ser construída, forçada refeita e recriada�.
Existem vários exemplos de participação comunitária em atividades de
desenvolvimento realizadas em Moçambique, dos quais podemos destacar a experiência da
comunidade da Zona Verde da cidade de Maputo, que deu certo. Essa comunidade �
constituída de famílias que majoritariamente vivem da produção de verduras e legumes e da
criação de frangos e suínos �, decidiu, no início da década de 1980, sob liderança do padre
Prosperino, da Igreja Católica, organizar-se em uma �Cooperativa de Produção das Zonas
Verdes� para, com os produtos desta, abastecer as cidades de Maputo e Matola. Porque a
cooperativa mostrava-se auto-sustentável, outras cooperativas das cidades de Maputo e
Matola resolveram se juntar e colher experiências no ramo de cooperativismo, o que resultou
na criação da União Geral das Cooperativas. Hoje, trabalhando como uma rede nacional de
cooperativas, a União Geral das Cooperativas congrega mais de 100 agremiações do gênero e
possui, dede o início da década de 1990, uma fábrica de abate de frangos instalada na cidade
de Maputo. Para melhor transmitir conhecimentos e experiências sobre novas tecnologias de
produção, a união envolveu parte de seus membros em atividades de formação em várias
áreas afins, inclusive na de comunicação social. Como resultado dessa formação, solicitou e
lhe foi atribuída a exploração da freqüência FM 99.7 kHz para rádio comunitária que cobre
um raio de aproximadamente 45 km.
4.3 A agricultura familiar contribuindo para o desenvolvimento local
Neste sub-item pretendemos contextualizar brevemente a agricultura moçambicana e as
possibilidades de um novo desenvolvimento rural que o país concorre, dando enfoque maior
ao desenvolvimento local sustentável. Isso porque as rádios comunitárias aqui analisadas
encontram-se, na sua maioria, situadas nas áreas rurais, onde, como referimos no capítulo I,
há maior concentração populacional.
Acredita-se, como premissa, que para enfrentar os desafios do desenvolvimento local
sustentável, deve-se centrar esforços na participação dos produtores e na descentralização
81 1
sistemática dos aparelhos decisórios. Mas seria necessário reformular políticas públicas de
acordo com as peculiaridades locais regionais, bem como priorizar a promoção de atividades
geradoras de emprego que assimilassem e incorporassem tecnologias e conhecimentos que
maximizassem o aproveitamento de todos os recursos � de energéticos a naturais e humanos �
, e introduzir novos produtos para os mercados interno e externo. Assim, a participação e a
descentralização sistemática dos aparelhos decisórios do setor que superintende a agricultura
contribuiriam bastante para a criação de incentivos agrícolas adequados às reais necessidades
locais.
A valorização da cultura local, bem como de soluções imediatas e mais condizentes
com a visão de mundo dos produtores familiares, poderia defender o saber dos atores locais
do desenvolvimento; aumentaria sua eficácia, exigindo a presença e a formação continuada de
extensionistas rurais, os quais exercem um papel autocrático da intermediação entre atores de
saberes diferenciados. Como afirma Oakley (1992, p. 9), a extensão �é, essencialmente, o
meio através do qual novos conhecimentos e idéias são introduzidos nas áreas rurais, de modo
a gerar mudanças e melhorar as vidas dos produtores agrários e suas famílias�. Para Oakley
(1992, p. 11), �extensão� é um termo aberto a uma grande variedade de interpretações, é um
conceito dinâmico no sentido de que a sua interpretação está em constante mudança; não é,
por isso, um termo que pode ser definido com precisão, mas que descreve um processo
contínuo e combinável que visa ao desenvolvimento das comunidades rurais.
Dessa forma, uma proposta de desenvolvimento local envolve o agricultor familiar e
contempla o diálogo, de modo que o local não se torne um ponto isolado e os produtos não
sejam mercadorias definidas pela circulação em redes exteriores e desconhecidas dos
produtores. O conhecimento limitado de quem se encontra numa das pontas do processo força
a um descompasso entre quem produz e quem compra ou intermedeia o produto. A
fragmentação do processo tende a isolar o agricultor e torná-lo um mero receptor de novos
conhecimentos. Essa visão crítica da proposição do desenvolvimento local sustentável mostra
que os limites da sustentabilidade do agricultor ainda não estão eliminados, devido às
condições políticas, econômicas e culturais nacionais, que dificultam esse processo.
Dados do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural indicam que a
agricultura moçambicana é responsável por cerca de 50% da produção de alimentos do país,
82 1
além de corresponder a aproximadamente 35% da economia nacional e por 20% do PIB
(MADER, 2003). Aqui há que ser destacada a agricultura familiar, que assume um papel
preponderante na economia do país, apesar de enfrentar dificuldades decorrentes de
necessidades locais em matéria de insumos e tecnologias de produção e dos riscos de morte
que os produtores rurais correm, principalmente nas áreas mais afetadas pelas minas terrestres
deixadas pela guerra civil.
Pode-se dizer que a agricultura familiar depara-se com realidades nem sempre
promissoras, como: a interpretação de que a agricultura familiar é declinante economicamente
e, portanto, pouco importante para políticas públicas de desenvolvimento; a queda real dos
preços dos produtos primários, que não estimula a busca por soluções estruturais para o setor;
dispersão e heterogeneidade das populações rurais, limitando ou dificultando a
implementação de melhorias de infra-estrutura e serviços e a maior articulação dos interesses
dos produtores rurais; o forte viés urbano, que acaba desvalorizando o meio rural, e a grande
redução da renda agrícola; a insuficiente articulação institucional em benefício dessa
agricultura e a falta de racionalização das diversas fontes e recursos, que poderiam ser
direcionados dentro do setor; a insuficiência de meios de transporte para o escoamento dos
produtos agrícolas para os centros comerciais da região e do país; a inexistência de ações de
apoio à geração de renda agrícola no meio rural; o baixo acesso dos produtores familiares à
educação formal e informal, o qual dificulta a assimilação das tecnologias modernas de
produção; o despreparo dos produtores rurais e familiares para se inserirem em um novo
contexto de alta competitividade e de busca de produtos de qualidade para a comercialização
nacional e internacional.
Na prática, esses desafios se manifestam nas necessidades e nas soluções
contraditórias, difíceis de serem respondidas apenas pelas normas da agricultura globalizada e
por políticas públicas compensatórias para o setor. Do ponto de vista das soluções internas, os
desafios são de aumentar a produção de alimentos e ao mesmo tempo gerar novas
oportunidades de trabalho e renda para os produtores rurais; promover a reconversão do
êxodo rural e dos agricultores em processo de exclusão do meio produtivo; defender os
interesses nacionais e dos agricultores diante dos mercados regionais e nacionais. Os
agricultores familiares, principalmente os excluídos do mercado agrário, defrontam-se com
83 1
dificuldades agravadas pela carência de oportunidades de trabalho nas cidades e no meio
rural.
De acordo com Bordenave (1988, p. 32), o modelo de difusão do moderno sistema de
agricultura, coloca �forte ênfase na comunicação, tanto das informações necessárias para
avaliar e aplicar inovações, quanto das mensagens motivadoras e persuasivas que promovem
uma atitude favorável a considerar mudanças no sistema de produção. A noção de que o
modelo de Comunicação Rural centrado na difusão de tecnologia e concebido em gabinetes
de organizações governamentais ou centros de pesquisa não foi capaz de contribuir para a
superação da pobreza na maioria da população campesina levou este modelo a sofrer muitas
críticas...�. Na opinião de Callou e Santos (1995, p. 43/47), o modelo de comunicação rural
construído com base na perspectiva do desenvolvimento local �sai do patamar genérico das
interações entre organizações governamentais e não-governamentais, para legitimação de
políticas agrícolas ou transformações estruturais, torna-se um instrumento prioritariamente
viabilizador de um �fórum� local com capacidade de definir e gerar localmente políticas de
desenvolvimento�. Assim, a Comunicação Rural contempla aspectos fundamentais das
populações rurais no que diz respeito às formas de organização da produção local, bem como
ao uso e aproveitamento dos meios de comunicação existentes na comunidade pelas
populações locais na divulgação dos seus feitos cotidianos, tanto produtivos como culturais.
Frente à concorrência de países vizinhos de Moçambique e do mercado internacional,
os agricultores têm dificuldades de buscar soluções dentro de um esquema mecânico ou
simplificado de análise comumente utilizado pelos formuladores de políticas públicas. As
dificuldades de acesso às áreas aráveis levam o produtor rural a abandonar o campo à procura
de emprego na cidade ou vila, onde, por ter pouca ou nenhuma escolaridade e pela falta de
conhecimentos tecnológicos, acaba ocupando um lugar marginal e passa a mendigar o pão de
cada dia para a sua sobrevivência. Em face dessa situação, a formulação de políticas públicas
e a discussão sobre sustentabilidade social e econômica da agricultura familiar moçambicana
e suas perspectivas a médio prazo, dentro ou fora das propostas de políticas de
desenvolvimento rural constantes no Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta
(Parpa), tornam-se uma necessidade básica.
84 1
De acordo como o Parpa (2000, p. 18), as zonas rurais e as atividades agro-silvo-
pecuárias, por concentrarem a larga maioria da população � de produtores e de pobres �,
seriam prioridade inquestionável ao longo da governação de 2000 a 2004. As iniciativas e
ações dessas populações e desses produtores deveriam ser viabilizadas, inovadas e sujeitas às
mudanças estruturais requeridas no longo prazo, como condição para a redução substancial da
pobreza absoluta e da vulnerabilidade conseqüente dessas populações. A ação nessa área não
se circunscreveria a ela própria, pois é profundamente interligada ao desenvolvimento
humano, de infra-estruturas, de mercados e até de serviços financeiros.
As políticas de desenvolvimento rural deveriam apresentar amplo enfoque no
incentivo agrícola com vista a introduzir maior variedade de produtos no mercado. Deveria,
ainda, incentivar a criação de projetos de irrigação, agropecuária e agroindústria, isto é, de
políticas agrícolas com base em produtos para o abastecimento dos mercados local, regional e
nacional, aliviando, com isso, a preocupação do governo em conseguir alimentos para a
população, seja via importação, seja via apelos por apoio internacional. Assim, o Estado
moçambicano envidaria esforços para resolver especificamente situações que demandassem
necessariamente recursos importados.
No período colonial, o desenvolvimento rural era medido pelo nível crescente da
produtividade agrícola, pelo aumento do mercado exportador e pela balança comercial. O
modelo produtivista impunha uma fórmula e, para atender a ela, apelava-se à ciência, à
tecnologia e ao capital. Os resultados econômicos e políticos prevaleciam em relação aos
sociais e o balanço histórico revela os limites desse enfoque.
Um dos limites do modelo produtivista foi não atentar para os problemas ambientais
decorrentes da ação humana. Antes, o problema ambiental na agricultura não era muito
conhecido pela sociedade e encontrava-se circunscrito a um ambiente seleto composto por
uma fração minoritária de técnicos agrônomos e de profissionais ligados a entidades
ambientalistas. Depois da Independência Nacional, as preocupações com as questões
ambientais gradativamente foram sendo introduzidas na sociedade, especialmente pela mídia
e pelas organizações não-governamentais de defesa do meio ambiente, até que o governo
moçambicano criou um ministério para coordenar essa área.
85 1
As conseqüências danosas do modelo produtivista, baseado na agricultura tradicional,
acabavam reduzindo os ganhos resultantes da produção rural. A importância dada à busca por
sistemas de produção adequados à agricultura familiar era reduzida, o que não permitiu a
capitalização do produtor rural pela produção primária nem a minimização de possíveis
impactos negativos no meio ambiente. As alternativas para as questões sociais no campo, que
deveriam ser identificadas a partir do próprio meio rural, foram permanentemente
desconsideradas.
A partir de meados da década de 1980, tem se revelado um novo espaço rural � o
semi-rural � com novas características, e, com isso, já não é tão fácil determinar a fronteira
entre a atividade rural e a urbana. Devido à escassez de alimentos e ao custo de vida elevado
nas cidades e vilas, boa parte da população urbana e semi-urbana acorre às áreas rurais
circunvizinhas à procura de espaços para a prática da agricultura familiar. Grande parte dessa
camada da população é constituída de trabalhadores simples, funcionários públicos e privados
e grandes executivos que, durante a semana permanecem nos seus locais de trabalho e nos
finais de semana e feriados pegam em enxadas para cuidar de suas pequenas ou médias
machambas nas áreas rurais. Assim, muitos acabam se sentindo forçados a ter duas
residências: uma na cidade ou vila e outra no campo onde se localiza sua machamba. Outros
recorrem à contratação de pessoas que precisam trabalhar e ganhar algum salário para garantir
o pão à suas famílias.
Pode-se dizer que, por força de circunstâncias que o país atravessa desde o final da
década de 1970, as quais impediram o crescimento econômico tanto familiar quanto local,
regional e/ou nacional, há hoje o que podemos chamar de �casamento� entre os espaços rural
e urbano. O cidadão que ontem desprezava o trabalho do produtor rural é o mesmo que hoje
trabalha na cidade e no campo, como forma de levar para a panela da família mais arroz, mais
amendoim, mais mandioca, mais milho, mais feijão, etc., e deixar uma parte do salário mensal
que ganha na empresa para as despesas com a saúde da família, a escola dos filhos, os gêneros
de primeira necessidade que não são produzidos no campo, etc. Por outro lado, pode-se
concluir que o �executivo-agricultor� (aquele que durante a semana trabalha na cidade e no
fim de semana e feriados, no campo) e o produtor agrícola propriamente dito (aquele cuja
renda depende exclusivamente da produção agrícola, isto é, o camponês) comungam em
novas formas da atividade agrícola como uma alternativa ao êxodo rural, ao desemprego
86 1
urbano e ao padrão de desenvolvimento rural como forma de superar as necessidades
alimentares básicas da família.
A experiência moçambicana acima referida revela o contrário do que Grazino da Silva
e Del Grossi (1997, p. 8) expressam sobre as características estruturais do agricultor de tempo
integral e do agricultor do tempo parcial. Para eles, a característica fundamental do agricultor
de tempo parcial
[...] é que ele não é mais somente um agricultor ou um pecuarista: ele
combina atividades agropecuárias com outras atividades não-agrícolas, dentro ou fora de seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbano-industriais, como nas novas atividades que vem se desenvolvendo no meio rural, como lazer, turismo, conservação da natureza, moradia
De acordo com esses autores, o fato de as pessoas viverem na área rural não
necessariamente significa que elas exercem suas atividades naquele ambiente. Nos dias de
hoje, a tendência é urbanizar a área rural, onde gradativamente são introduzidos valores
urbanos em benefício do homem rural. Feito isto, o agricultor de tempo parcial com
conhecimentos tecnológicos acaba prestando outros serviços técnicos à população,
gratuitamente ou em troca de algum rendimento.
Os espaços começam a ser vistos como um mundo rural diferente e novo e como lugar
de produção e consumo da sociedade urbano-industrial, e o campo pode tornar-se referência
de um �bom lugar de vida�. Novas possibilidades de exploração do meio rural têm surgido no
campo, como a oferta de novas formas de lazer às populações citadinas associadas ao contato
com a natureza � atividades pesqueiras, pousadas, áreas verdes para caminhadas, atividades
econômicas ligadas ao turismo ecológico ou rural, etc.
Constata-se, portanto, um novo processo de sustentação do desenvolvimento, em que o
rural e o urbano passam a ser vistos como uma unidade em um espaço social a ser viabilizado.
Elementos da cultura local traduzem-se em novos valores, hábitos e técnicas, criando um
movimento de dupla direção entre esses pólos, e a localidade torna-se a referência espacial
para um universo de relações sociais específicas.
87 1
Nos últimos anos, verifica-se, de maneira geral, um redimensionamento da estrutura
social de muitas localidades que passaram a ter estatuto de município e, conseqüentemente,
sensível declínio da hegemonia da agricultura no meio rural. O lugar e o papel das unidades
de produção familiar deixam de ser pensados apenas sob o ângulo das relações de produção
agrícola e, a nosso ver, reforça-se a necessidade de rediscutir a importância e o futuro da
agricultura familiar.
Os economistas têm destacado a importância de escalas de produção adequadas à
economicidade dos empreendimentos agrícolas para que sejam competitivos nos mercados
globalizados. Mas também se sabe que, no Moçambique dos anos 1980 e 1990,
empreendimentos agrícolas de grandes dimensões, com créditos oficiais subsidiados pelo
então Banco Popular de Desenvolvimento fracassaram devido a dificuldades dos agricultores
beneficiados de aplicar os recursos resultantes dos financiamentos adquiridos dos créditos,
bem como de gerir seus empreendimentos.
Em razão de um conjunto de problemas e soluções que transcendem as políticas
agrícolas tradicionais, emerge a necessidade de reconceitualização do meio rural. Tanto para o
governo como para a sociedade, o desafio passa a ser a busca de soluções para a melhoria das
condições da agricultura, envolvendo garantia de emprego e renda para os trabalhadores
urbanos e rurais (GRAZIANO DA SILVA; DEL GROSSI, 1997, p. 5.).
O desenvolvimento local só pode ocorrer quando os produtores rurais, coletivamente,
entenderem a importância da criação de associações ou cooperativas agrícolas, ação que deve
resultar de movimentos espontâneos das diferentes comunidades. Essas associações ou
cooperativas devem ser criadas como entidades civis sem finalidade de lucro, fundamentando-
se na colaboração recíproca a que se obrigam seus associados, e os primeiros investimentos na
área econômica precisam centralizar suas atenções nos associados que exploram os serviços
coletivos agrícolas.
Pela associação, os produtores podem adquirir individualmente equipamentos, animais
e insumos, o que, somado à utilização das máquinas coletivas, permite a exploração intensiva
das terras. A maior parte dos recursos obtidos pelos financiamentos coletivos deve ser
88 1
destinada à aquisição de equipamentos para a preparação do solo e veículos para o transporte
dos produtos.
Além de dedicarem-se às atividades de produção coletiva, os agricultores teriam
tempo suficiente para lavrar suas machambas familiares, produzindo o necessário para o
consumo caseiro e deixando o resultado da produção coletiva para o pagamento da dívida
assumida pela associação ou cooperativa. Pode-se, então, dizer que o movimento associativo
dos pequenos produtores pode vir a desencadear o surgimento de pequenas empresas coletivas
com capacidade de produzir bens e serviços dentro de uma lógica de modernização e
acumulação coletiva de produtos.
Constitui ousadia nossa dizer que o associativismo agrário nos moldes acima referidos
pode ser uma boa alternativa para a superação da pobreza absoluta em Moçambique. Para
tanto, faz-se necessário que o Estado, em colaboração com as ONGs envolvidas nas
atividades de promoção do desenvolvimento local/rural, incentive a criação de associações
nacionais que assegurem o desenvolvimento duradouro de cada comunidade, por meio da
produção de conhecimentos técnicos e tecnológicos e da definição de estratégias e propostas
metodológicas de apoio que contribuam para o intercâmbio de idéias e para o fortalecimento
da agricultura familiar.
5. Conceito e elementos do desenvolvimento local sustentável
O desenvolvimento local constitui, no nosso entender, uma das bases fundamentais do
desenvolvimento nacional, e este não teria uma verdadeira política sem incorporar essa
questão, uma vez que é no nível local que se estabelecem relações com a base social e
organizativa da comunidade; essa perspectiva tem como princípio um novo conceito de
representatividade política e tem, no líder comunitário, no agricultor familiar e no produtor
rural, sujeitos históricos do cenário do desenvolvimento sustentável local. Para redimensionar
as discussões das questões locais, devem ser alterados tanto os colegiados de representação
como as estratégias das instituições de assessoria e assistência técnica aos produtores locais.
Na perspectiva do desenvolvimento sustentável local, estes devem se colocar como
89 1
mediadores e estimuladores das necessidades e demandas dos agricultores familiares, bem
como de todos os membros da comunidade, valorizando o conhecimento local.
Assim, cabe ao setor da agricultura e desenvolvimento rural realizar uma reforma das
instituições que superintendem a área de extensão e assistência técnica aos produtores, para
que possam desempenhar eficazmente o seu papel de formar e gerir os serviços de extensão
rural como um sistema participativo e inovador de transmissão de técnicas agrárias
adequadas. Isso implica uma mudança de perfil do extensionista, tornando-o elemento
formador das comunidades em matéria de assimilação e implementação das políticas de
desenvolvimento econômico e social rural. Implica, também, participação direta da população
rural em ações específicas que lhes garantam autonomia local na tomada de decisões sobre os
seus próprios problemas, com base em suas tradições e cultura.
No contexto moçambicano, a inclusão de sistemas integrados de produção para as
unidades familiares procura substituir os modelos de transferência de tecnologia para
desenvolvimento de produtos, até então encaminhados pela extensão rural tradicional, em
apoio às médias e grandes propriedades. A padronização da produção agrícola e pecuária,
pelos grupos de produtores familiares organizados em associações ou cooperativas, passa a
exigir posturas de acompanhamento permanente, além de novas linhas de ação e de novos
modelos de gestão dos negócios familiares.
Mendes (2003, p. 2) diz que a humanidade de hoje tem a habilidade de desenvolver-se
de forma sustentável, entretanto é preciso garantir as necessidades do presente sem
comprometer as habilidades das futuras gerações de encontrar suas próprias necessidades.
Para esse autor, a comunicação comunitária deve ser implementada e reforçada como um dos
principais impulsionadores do desenvolvimento sustentável local, em que os membros da
comunidade participam dos processos de decisão, implementação, controle e avaliação das
atividades. Isso passa pela necessidade de que os meios de comunicação comunitária se
assumam como instrumentos cuja finalidade é transmitir idéias, informações, conhecimentos
e experiências sobre produção, educação, saúde e segurança das pessoas envolvidas no
processo produtivo, a fim de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da comunidade
local e das circunvizinhas.
90 1
Para se atender a essas exigências, promover a capacitação da população rural torna-se
um grande imperativo. No entanto, a educação e a conscientização, compreendendo
atividades que permeiam todos os processos que envolvem a vida da comunidade, do
agricultor comunitário20 e da sua família, constituem bases para a construção da consciência
coletiva e para o estabelecimento de objetivos comuns na localidade. Isso passa pela
necessidade de identificar as necessidades de treinamento e capacitação que promovam a
revisão do papel das instituições locais, o exercício concreto de parcerias e a apropriação dos
resultados das atividades de acumulação de conhecimentos realizadas pela própria
comunidade.
No nosso entender, a capacitação e a educação são parte do desenvolvimento local
sustentável devido ao seu caráter formativo de troca e de produção de conhecimentos, voltado
para a prática social cidadã. Esse processo deve ser oferecido à comunidade permanentemente
e suas metodologias, adequadas às necessidades locais. Assim, devem estar voltadas para o
desenvolvimento de múltiplas atividades, dentro e fora do programa de produção
agropecuária. Paralelamente, deve ser incentivada a participação da população local nas
tomadas de decisões e na gestão das políticas de desenvolvimento rural e agrário.
Os processos educativos de formação e capacitação poderiam contar com instrutores e
animadores culturais que atuassem no nível local, onde extensionistas e agentes de
desenvolvimento teriam a missão de formar os multiplicadores dos núcleos de capacitação
local, oferecendo ensinamentos teóricos e práticos relacionados aos projetos de
desenvolvimento sustentável. A metodologia seria de treinamentos de curta duração e de
caráter intensivo, tendo como público-alvo produtores, membros das famílias e lideranças
formais � tais como membros dos conselhos e das assembléias municipais, líderes
comunitários e sindicais, líderes de associações, de cooperativas, de ONGs e das organizações
democráticas de massas existentes no local.
Por outro lado, ações de implementação de programas e de gestão sociais, promovidas
por políticas públicas e instituições financeiras, deveriam estabelecer recomendações para
maximizar os benefícios e minimizar os impactos negativos de gestões paralelas de políticas,
20 Agricultor que desenvolve localmente sua atividade de produção agrícola.
91 1
principalmente as de produção agropecuárias. A articulação dessas políticas passa por isolar a
perspectiva departamental e disciplinar para concentrar-se na comunidade local como espaço
social produtivo e com potencialidade auto-sustentável.
Para tanto, a ciência, a tecnologia, os recursos financeiros e humanos devem estar
colocados à disposição das comunidades rurais e locais por meio de um processo de
planejamento participativo, esclarecido e dinâmico, em que a comunidade estabeleça suas
metas e defina as etapas do envolvimento dos diversos setores produtivos e da população
local. O ponto central deveria ser o desenvolvimento de capitais humanos e sociais
disponíveis, vistos não como beneficiários de políticas sociais compensatórias, mas como
atores sociais, cidadãos participantes do processo de renovação e construção de uma nova
sociedade.
Hélder Mutéia21 sustenta que �o estímulo ao processo de recuperação das cooperativas
e micro-empresas ou outras unidades de produção agrícola e agroindústria, deveria ser
introduzido como preceito da sustentabilidade local, regional e nacional�. Para Mutéia, isso
implicaria, também, �desenvolver inovações dentro de um processo simples que exigiria às
instituições públicas e privadas assumirem um papel ativo no contato com as comunidades
locais�. Por outro lado, significaria introduzir-se uma geração de conhecimentos úteis que
estejam em condições de oferecer alternativas técnicas para maiores rendimentos físicos e de
qualidade do produto dessa comunidade. Por exemplo, �o controle biológico de pragas e de
doenças na comunidade, com ênfase na linha da biotecnologia, tornaria os indivíduos menos
dependentes de insumos químicos e mais resistentes às doenças epidemiológicas�. Podem ser
privilegiadas combinações de manejo com padrões de uso da terra que evitam o esgotamento
e que levam à melhoria da fertilidade.
Dessa maneira, as estratégias para o estímulo à produção e ao mercado
compreenderiam a comunidade como um local que busca, ela mesma, sua auto-sustentação
com base em seus próprios processos produtivos. A compra e venda dos produtos locais pelas
próprias comunidades e/ou instituições constituíam um dos critérios de valorização desses
21 Ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural, em entrevista concedida ao autor no dia 19 de
janeiro de 2003, em Maputo.
92 1
produtos. Ao mesmo tempo, as instituições públicas deveriam assumir o papel de regulador de
uma economia desigual, incentivando a aquisição de produtos e buscando novos mercados no
país e no mundo.
A promoção de uma dinâmica econômica interligada de base local, no nosso entender,
deveria estimular a diversidade e a complementaridade de empreendimentos, de forma a gerar
uma cadeia sustentável de iniciativas. A presença de agentes de desenvolvimento
governamentais, empresariais e da sociedade civil constituiria fator indispensável para a
promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável. Para isso, os instrumentos de
planejamento das ações locais devem considerar as diferentes políticas que se entrecruzam,
promovendo o adensamento de políticas públicas locais e regionais e fazendo com que os
programas sejam complementares e atuem com a maior organicidade possível.
No cinturão do grande Maputo, junto ao rio Infulene, a comunidade local desenvolve
ações integradas de produção como forma de aproveitar os recursos materiais e humanos,
concentrando-os num mesmo espaço, de modo a oferecer oportunidades não apenas
quantitativas, mas também qualitativas para todos os membros da comunidade. Para isso,
através da União Nacional das Cooperativas (UNAC), procura-se disponibilizar uma base de informações espacialmente desagregada, para permitir uma análise apurada da economia e da realidade social em nível
local. Da mesma forma, procura-se desenvolver e aplicar estratégias de comunicação social que possam mobilizar comunidades, despertando-as para as suas possibilidades e para as vantagens de um processo mais solidário de desenvolvimento comunitário sustentável.
22
5.1 O desenvolvimento local sustentável num país subdesenvolvido
Moçambique é tido como um dos países mais pobres do mundo e, até o início da
década de 1990, não tinha muita clareza sobre o que e como fazer para reduzir a pobreza. A
sociedade moçambicana via-se diante da ampliação dos problemas sociais no campo e com
poucas perspectivas de identificar políticas nacionais eficazes, além de sua economia ter
22 José Boquiço Júnior, oficial de projetos da União Nacional das Cooperativas, em entrevista concedida
ao autor, em 24 de novembro de 2005, em Maputo.
93 1
ficado paralisada durante quase duas décadas por causa da guerra de desestabilização
nacional. Após o Acordo Geral de Paz (1992) e a conseqüente realização das Primeiras
Eleições Gerais e Multipartidárias, em 1994, o governo e a sociedade civil começaram a
direcionar as atenções para a redução da pobreza absoluta. Precisava-se, portanto, formular
políticas de combate ao fenômeno, daí a aprovação, pelo governo, do Plano de Ação para a
Redução da Pobreza Absoluta (Parpa), em 2000, que vem se mostrando instrumento eficaz de
educação e mobilização da população para os programas de desenvolvimento.
A simples retomada do crescimento econômico não bastou para solucionar os graves
problemas sociais. Os critérios de eficiência econômica, orientados apenas pela força do
mercado, não conduziram à redução das desigualdades sociais e regionais e ao uso racional
dos recursos naturais.
Contudo, sabe-se que o desenvolvimento social não se confunde com a política social,
a qual deveria propor mais do que a simples redução da pobreza. Uma política de
desenvolvimento social deve buscar não só superar os piores indicadores de qualidade de
vida, canalizando os recursos para os setores mais pobres, como também promover o
gerenciamento adequado dos recursos públicos entre as diversas entidades responsáveis pelos
programas sociais. Portanto, um dos grandes desafios permanece no âmbito político-
institucional, na construção de novas alianças entre todos os grupos sociais e na promoção da
reforma das instituições públicas, para obter a base de sustentação e consenso para as
mudanças necessárias.
Por necessidades locais e por influência de organismos internacionais humanitários �
como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Programa Mundial
de Alimentação (PMA), o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) e
organizações não�governamentais �, passaram a ser difundidas experiências que se
concentravam na busca de soluções que partissem da comunidade, o que significaria,
inclusive, menor custo social e maior envolvimento dos produtores. Isso pressupõe que o
paradigma da participação e da parceria foi incorporado nas políticas relativas ao
desenvolvimento local como alternativa de solução para os problemas sociais. Nesse contexto,
torna-se necessário o processo de avaliação e transformação das políticas públicas
94 1
relacionadas com o meio rural, buscando principalmente recuperar seus principais
instrumentos de desenvolvimento.
A busca da verticalização da produção, o respeito pelo consumidor e pelo meio
ambiente e o acesso à informação, à utilização de tecnologias apropriadas e ao controle de
custos, se tornariam bases de uma nova revolução nos processos produtivos, gerenciais e
comerciais. A estratégia governamental passaria a incluir formas de controle social e de
participação dos atores sociais no processo de definição das atividades produtivas, tanto no
meio urbano como no rural. Muitas iniciativas voltadas para o pequeno e médio
empreendedor local são propostas23 com base em metodologias participativas de gestão social
que têm como enfoque principal o próprio lugar do produtor-empreendedor. Isso implica
redimensionar as ações produtivas a serem apoiadas pelo sistema financeiro do país e oferecer
garantias claras de reembolso dos recursos investidos no financiamento dessas atividades de
desenvolvimento.
Como referimos anteriormente, a comunidade local torna-se o lugar onde ocorre o
processo de desenvolvimento, pois é onde estão os empreendimentos familiares rurais
agrícolas e não-agrícolas. A transformação desse espaço tem início com sua reestruturação, ao
incorporar novos componentes econômicos, culturais e sociais; com isso, o conhecimento das
especificidades locais permite o surgimento de soluções mais eficientes e eficazes para as
demandas sociais. Assim, na comunidade incorporam-se valores e comportamentos dos
participantes, suscitando práticas imaginativas, atitudes inovadoras e espírito empreendedor.
Nesse contexto, passa-se a considerar, em plenitude, a diversidade típica da agricultura
familiar, principalmente os contrastes regionais e suas diferenciações econômicas, sociais e
organizativas, respeitando assim suas especificidades socioculturais e produtivas. As vocações
locais devem ser despertadas, para se desenvolver suas potencialidades específicas e
promover o intercâmbio com outras comunidades aos níveis distrital, provincial e nacional.
23 A União Geral das Cooperativas, uma organização que apoia os pequenos produtores agro-
pecuáriaos nas zonas urbanas e rurais do país, tem incentivado o cultivo de verduras e legumes, bem como a
criação de animais de pequena espécie como frangos, patos, perus, cabritos, etc. para abastecer, pela
comercialização dos produtos, o mercado local e até o regional.
95 1
Cremos nós que assim Moçambique caminhará para o desenvolvimento sustentável que tanto
se pretende alcançar. Mas, como refere Mutéia (2003)24,
O desenvolvimento econômico não permite que a população tenha acesso a oportunidades de rendimentos substanciais que possam satisfazer as necessidades para uma vida condigna. Esse desenvolvimento está seriamente afetado por outros vários fatores. Um deles é o da guerra que afetou o país, e
que provocou a destruição de uma grande parte de infra-estruturas, caracterizou o tecido econômico e social e provocou ruptura dos sistemas de
comunicação e de transporte. Como conseqüência disso, os custos de produção no meio rural são altíssimos, fazendo com que a economia tenha os seus retardadores. O segundo fator da pobreza é o analfabetismo. Este faz com que o ritmo de
crescimento e desenvolvimento da sociedade moçambicana seja muito lento, condicionando assim o desenvolvimento sócio-econômico do país. Se o país
tivesse o índice de analfabetismo baixo e com recursos humanos tecnicamente qualificados, mesmo com a guerra e com outros problemas causados por calamidades naturais que o país enfrentou, a capacidade de
recuperação teria sido outra. Todos os países que enfrentaram guerras eou calamidades naturais como Moçambique enfrentou, porque têm um índice de analfabetismo inferior e com um quadro técnico qualificado e necessário,
tiveram ou têm uma situação diferente da nossa. A resposta a todos os problemas de guerra e de calamidades que contribuíram para o maior índice
de analfabetismo depende essencialmente dessa capacidade humana.
De acordo com Roberto Vieira (2003, p. 19), citando o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD),
a sustentabilidade passa pela qualificação da cidadania. Ou seja, não apenas os agentes econômicos são responsáveis pelo desenvolvimento sustentável,
mas a qualificação do cidadão, sua formação, sua educação é fator preponderante na garantia do desenvolvimento sustentável. E agora, a preocupação se estende além da preservação e conservação dos recursos naturais para as futuras gerações. Ela alcança o desenvolvimento sustentável
do próprio cidadão
Mas Paquete de Oliveira, citando Fabíola de Oliveira (2003, p. 89), defende que
O exercício da cidadania, prática vital dentro de uma sociedade democrática,
não pode prescindir do acesso à informação. Para assumirmos uma identidade pública, que reside no cerne do conceito de cidadania, torna-se necessário desenvolver a capacidade de argumentar, debater, e, em última
instância, de elaborar julgamentos válidos. Para os jornalistas e
24 Hélder Mutéia, Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural (2000 � 2004), em entrevista
concedida ao autor, em Maputo, em 19 de janeiro de 2003.
96 1
comunicadores, tanto nos meios de comunicação de massa quanto nos meios
alternativos � que podem proliferar dentro de uma sociedade democrática, propiciando a diversidade de pensamento e opiniões � torna-se imperativo fugir da superficialidade e buscar a especialização. Não a especialização tecnicismo, comportamentada, mas aquela que busca o domínio de um
determinado contexto compreendendo-o de maneira global, em todos os seus aspectos sociais, econômicos e políticos.
Podemos sustentar com base nesse pensamento que, para a concretização do
desenvolvimento sustentável e o combate à pobreza e exclusão social na sociedade
moçambicana, o cidadão deve se sentir dono do processo, participando de todas as decisões
relacionadas com a vida da sua comunidade, o que mostra a necessidade de alterações do
capital humano e do capital social. Com isso queremos concordar com Augusto de Franco
quando diz que �combater a pobreza e a exclusão social não é transformar pessoas e
comunidades em beneficiários passivos e permanentes de programas assistenciais, mas
significa, isto sim, fortalecer as capacidades de pessoas e comunidades de satisfazer
necessidades, resolver problemas e melhorar sua qualidade devida� (FRANCO, 2002, p. 51).
O desenvolvimento local sustentável pressupõe, no nosso entender, a participação
ativa dos cidadãos no processo da divisão eqüitativa dos benefícios resultantes da produção
local e da exploração dos recursos naturais nacionais. De acordo com Bedergal (2002, p. 35),
para haver uma distribuição eqüitativa dos benefícios do desenvolvimento, é imprescindível
que se adote, em primeiro lugar, um modelo de crescimento com eqüidade que possa �reduzir
as desigualdades sociais e melhorar as condições dos mais pobres entre os pobres�. Para que
isso aconteça, deve ser estimulada �a participação ativa das pessoas de base, apoio a
autodeterminação e o fortalecimento das comunidades locais para liberá-las da dependência
externa e o uso de baixa tecnologia que lhe sejam condizentes�. Para Bedergal, �as pessoas
devem ser artífices de seu desenvolvimento e do eco-desenvolvimento, que trata de incorporar
a variável ambiental no processo de crescimento econômico�.
De acordo com Veiga (2002, p. 01)25, o termo
25 José Eli da Veiga é professor titular da FEA-USP e secretário do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS). Disponível em <http//:w>.
97 1
desenvolvimento sustentável não é um conceito. Tanto quanto �justiça
social� também não é um conceito, e sim uma forte expressão utópica que veio para ficar. Ambas talvez só se tornem obsoletas se um dia o planeta
puder se transformar numa espécie de Jardim do Éden. Enquanto não for possível que isso aconteça, a humanidade certamente continuará a querer
liberdade, igualdade, fraternidade e, antes de tudo, sua própria sobrevivência. Não há risco, portanto, de que essa expressão, tão
penosamente construída durante a segunda metade do século passado, venha a ser considerada descartável ou fora de moda. E para entender a sua real
importância é preciso dar um mergulho, mesmo que rápido, na história das idéias econômicas e sociais.
O documento da Agenda 21 define o desenvolvimento sustentável como �equilíbrio
entre a tecnologia e ambiente, relevando-se os diversos grupos sociais de uma nação e
também dos diferentes países na busca da equidade e justiça social� (SATO; SANTOS, 1996-
p. 41). Podemos considerar que a humanidade hoje tem exibido habilidades de se desenvolver
de uma forma sustentável, garantindo necessidades do presente sem comprometer as das
futuras gerações, as quais buscarão, elas mesmas, as suas próprias necessidades, no momento
certo.
José Eli da Veiga (2002, p. 2) sustenta que a equivalência entre desenvolvimento e
crescimento econômico só poderia sair de cena quando surgisse um indicador alternativo ao
PIB per capita. Para ele, �foi por isso que o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) organizou um imenso esforço intelectual coletivo para a criação do
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que combina a renda per capita com os melhores
indicadores de saúde e de educação�. Daí que o lançamento do IDH, em 1990, �coincidiu com
a legitimação da idéia de que o desenvolvimento de hoje não deve impedir que as gerações
futuras também possam alcançá-lo. Ou seja, de que é absolutamente necessário que ele seja
durável� (VEIGA, 2002, p. 3). Segundo esse autor, a expressão �desenvolvimento
sustentável� acabou por ser definitivamente consagrada na reunião Rio-92, complicando ainda
mais um debate que para muitos deveria ter terminado com o surgimento do IDH. Foi com
base nas discussões levadas a cabo na reunião Rio-92 que muitos intelectuais começaram a
envolver-se na busca do conceito real do desenvolvimento sustentável, chegando, alguns, a
introduzir uma nova terminologia chamada �sustentabilidade progressiva e ampliada�, na
tentativa de encontrar a melhor forma de �superar a atual falta de conhecimento objetivo
sobre os ecossistemas que, ao final das contas, é o que impede o surgimento de um índice de
98 1
desenvolvimento que também inclua a dimensão ambiental, e não apenas as dimensões
econômicas e sociais, como é o caso do IDH� (VEIGA, 2002, p. 2).
Mas há que se perceber que o desenvolvimento nacional moçambicano só se tornará
sustentável se melhorarem significativamente as condições de educação, de saúde e de
produção rural. Por outro lado, sem ação eficaz dos meios de comunicação social e
comunitária, no sentido de produzir e transmitir informações educativas de qualidade
necessária com vista a mudanças de atitudes da população moçambicana em relação à
preservação do meio ambiente, ao HIV/Aids, à produção rural coletiva e familiar, dificilmente
se alcançará o desenvolvimento desejado.
Nélia Taimo (2004, p. 7) apresenta-nos o que consideramos uma das melhores
definições do desenvolvimento sustentável, quando diz que
Sustentabilidade é a capacidade de uma organização assegurar e gerir recursos suficientes para permitir-lhe cumprir efectivamente e consistentemente a sua missão sem uma excessiva dependência de uma fonte singular de financiamento. Os órgãos sustentáveis têm no mínimo uma
missão clara e direcção estratégica, as capacidades de atrair recursos de várias fontes locais, nacionais e internacionais, e o conhecimento de geri-los eficientemente.
Esse conceito nos leva a perceber o quanto é importante a preparação do capital
humano para que este seja capaz de gerir de forma transparente e melhor os recursos locais,
distritais, provinciais e nacionais, de maneira que se alcance o almejado desenvolvimento
nacional sustentável.
Outro fator importante que poderá contribuir para se alcançar o desenvolvimento
sustentável no país é a observação das recomendações da Agenda 21. O atual modelo de
crescimento econômico tem gerado enormes desequilíbrios: se, por um lado, nunca houve
tanta riqueza e fartura no mundo, por outro, a miséria, a degradação ambiental e a poluição
aumentam dia a dia. Diante dessa constatação, surge a idéia do desenvolvimento sustentável
como tentativa de conciliar o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental e, ainda,
combater a pobreza absoluta.
99 1
Para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente tem
que ser entendida como parte do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada
isoladamente. É necessário também esclarecer que não podemos considerar que crescimento é
o mesmo que desenvolvimento. De acordo com José Eli da Veiga (2002, p. 4) existe diferença
entre esses dois termos. Para ele,
o crescimento não conduz automaticamente à igualdade nem à justiça sociais, pois não leva em consideração nenhum outro aspecto da qualidade
de vida a não ser o acúmulo de riquezas, que se faz nas mãos apenas de alguns indivíduos da população; e o desenvolvimento, por sua vez,
preocupa-se com a geração de riquezas sim, mas tem o objetivo de distribuí-las, de melhorar a qualidade de vida de toda a população, levando em consideração, portanto, a qualidade ambiental do planeta
A isso podemos chamar de desenvolvimento sustentável.
100 1
5.2 Associativismo e cooperativismo como fatores do desenvolvimento local
sustentável
O mundo está passando por grandes e profundas transformações, as quais penetram
em nossas vidas. Nem sempre percebemos isso claramente, por isso nos tornamos facilmente
vítimas desse processo global de transformação. Compreender esse processo histórico e agir
sobre ele são algumas das tarefas mais urgentes que nos são postas individualmente.
No nosso entender, o processo da globalização que se vive hoje baseia-se na
competitividade imposta pelas forças economicamente estabelecidas, �de cima para baixo�, e
é modelado pelos interesses corporativos das grandes empresas multinacionais e pelos
interesses geopolíticos dos países ricos e influentes. Mas também podemos perceber que o
cooperativismo global nasce das afinidades geográficas do planeta, das dificuldades de
inserção econômica que decorrem da competição, do desenvolvimento dos conhecimentos e
de sua aplicação às condições de vida. Portanto, trata-se de uma globalização que deve ser
construída por indivíduos e sociedades que se tornem sujeitos ativos e conscientes, de forma
pessoal e coletiva, na luta pelo seu próprio desenvolvimento.
Roberts Chambers (1995, p. 1556) define o desenvolvimento rural-local como �uma
estratégia destinada a capacitar um grupo específico de pessoas (homens e mulheres) das
zonas rurais pobres para ganharem para si e seus filhos mais do que desejam e necessitam�.
Essa definição procura transferir o poder e o controle do processo de desenvolvimento ao
grupo-alvo, aos beneficiários, apesar de as iniciativas sempre partirem de indivíduos externos
às comunidades locais. Desse modo, o importante é que uma comunidade tem que participar
ativamente das iniciativas locais, tendo em consideração a sustentabilidade para o presente e
para o futuro de si mesma. Concordamos com a sustentação de Ammann (1997, p. 84-85)
quando diz que �o desenvolvimento local significa a integração de programas, o
fortalecimento da consciência comunitária, a criação de mecanismos de participação e a
mudança de mentalidade com incentivos e receptividade�.
Giddens (1991, p. 14) acredita estarmos vivendo �uma era de mudanças sociais
impressionantes, marcadas por transformações radicalmente diferentes daquelas dos períodos
anteriores�. Para esse autor, �o colapso do socialismo de tipo soviético, o declínio da
101 1
distribuição bipolar do poder mundial, a formação dos sistemas globais de informação, o
aparente triunfo do capitalismo em um tempo em que as divisões globais se aguçam e os
problemas ecológicos assumem proporções muito mais amplas�, são desafios que o povo
moçambicano tem que enfrentar. Giddens nos mostra que esses desafios não podem ser
enfrentados apenas pelos intelectuais, estudiosos da problemática social que se ocupam da
educação e da formação de um �homem novo�. É um contexto que desafia cada um na sua
vida social e em que nascem enormes desafios às pessoas, às organizações, ao Estado. Para
Giddens (1991, p. 15), o que está em jogo não são apenas transformações institucionais na
esfera sócio-econômica, mas, também, de maneira mais profunda, uma transformação cultural
que envolve mudanças na visão de mundo e paradigmas, valores, atitudes, comportamentos,
modos de relação, aspirações, paixões e desejos. Dessas constatações podem nascer novas
perspectivas e novos lugares sociais podem ser construídos no campo da política e da
economia, criando novas relações sociais baseadas no associativismo e no cooperativismo.
De acordo com Assmann (1997, p. 28), as experiências capitalistas e socialistas não
souberam levar em conta as necessidades elementares e a liberdade dos desejos, o respeito aos
interesses e o impulso às iniciativas do ser humano. Assmann (1997, p. 28) afirma que
os seres vivos entrelaçam necessidades e desejos [...] . O socialismo real não
soube levar isso em conta, trabalhando unilateralmente com a priorização das necessidades elementares. Por outro lado, o capitalismo sempre foi mestre em manipular desejos e postergar a satisfação das necessidades elementares.
É no espaço entre a lógica capitalista e o fracasso das experiências socialistas que, a
nosso ver, se recoloca a questão do cooperativismo como uma prática social de dimensão
econômica, política e cultural, tendo como protagonista principal o ser humano. Não é nossa
intenção discutir o cooperativismo como o principal modelo de desenvolvimento, mas
queremos reconhecer que ele é um dos instrumentos práticos que podem devolver aos
indivíduos o espaço da participação, da decisão solidária e responsável no encaminhamento
da produção e distribuição das riquezas existentes no nosso país. Nesse sentido, cada cidadão
tem o dever de buscar alternativas que traçam o seu caminho, tendo como objetivo apenas o
estabelecimento de acordos e contratos que valorizam as suas ações de produção e da busca
de oportunidades que o levem ao desenvolvimento sustentável.
102 1
Apesar do sucesso da economia de mercado capitalista, em termos sociais os seus
resultados são cada vez mais frustrantes no mundo e particularmente em Moçambique. Do
mesmo modo, as experiências centralmente planejadas da economia socialista implementadas
no país resultaram numa decepção devido à fragilidade do sistema perante boicotes do mundo
capitalista. Em conseqüência, ao olhar para o futuro, a sociedade moçambicana é confrontada
com imensos desafios que não permitem refletir sobre as reais necessidades locais e
nacionais.
Entre esses desafios pode-se incluir o reexame do princípio cooperativo que o então
Governo Popular e a Frelimo tentaram implantar logo após Independência Nacional, com
vista ao estabelecimento de relações econômicas nas aldeias comunais. Esse reexame pode
nos levar a perceber que �as organizações cooperativas são fenômenos que nascem da
articulação e da associação de indivíduos que se identificam por interesses ou necessidades,
buscando o seu fortalecimento pela instrumentalização, com vistas a alcançar objetivos e
resultados de ordem econômica� (PARPA, 2000, 15). Ao pensarmos assim, perceberemos
ainda que a experiência socialista vivida em Moçambique e em outros países que
experimentaram o socialismo teria resultado num grande avanço em direção à superação de
inúmeros problemas inerentes ao desenvolvimento social, se tivesse sido bem planejada e
aplicada de acordo com a realidade sócio-econômica e cultural local. O cooperativismo teria
sido, a nosso ver, um acordo racional de sujeitos sobre algo; o acordo da cooperação teria sido
estabelecido para responder aos interesses e necessidades frente à produção e à distribuição de
bens e riquezas, contendo elementos sociais, culturais e políticos incorporados ao seu sentido
econômico. Desses elementos decorrem características que permitem reconhecer uma relação
entre a organização e o funcionamento de uma cooperativa e o processo de desenvolvimento
local.
Assim, o cooperativismo poderia permitir o renascimento de uma relação frente à
produção local como base do processo de desenvolvimento. Nesse contexto, o
desenvolvimento local e a natureza da organização cooperativa são expressões dos interesses
e necessidades de seus membros por serem modos de extensão de suas economias, e são, por
outro lado, caracterizados pela associação e pela instrumentação empresarial. Daí que as
associações cooperativas podem ser reconhecidas como expressão das ações locais de
desenvolvimento; porém, mais do que o local, as cooperativas carregam dentro de si a força
103 1
política que permite recolocar o homem, e não o capital, no centro da dinâmica da economia.
Não se desconhece a função do capital na associação cooperativa e nem no processo de
desenvolvimento, mas se reconhece a necessidade da primazia da centralidade humana.
Entretanto, essas são potencialidades que dependem muito da vontade política dos sujeitos
envolvidos no processo da cooperativização (grifo nosso) da economia local.
Ao consideramos o processo da cooperativização da economia local como um dos
principais instrumentos de desenvolvimento, partimos do pressuposto de que o
cooperativismo pode representar um dos mais promissores caminhos a serem seguidos por
comunidades rurais em direção ao �futuro melhor� e estável, se tiver como agenda a criação
de organizações econômicas cooperativas, em que todos os membros de uma comunidade se
encontram evolvidas em defesa dos interesses comuns.
De acordo com Arruda (1996, p. 5), �se espalha pelo mundo o sentimento sempre mais
enraizado de que o setor privado hegemônico não consegue gerar um mundo de bem-estar e
felicidade para todos e cada um dos cidadãos, povos e nações�. Para ele, na maioria das
nações subdesenvolvidas torna-se cada vez mais difícil inserir-se na economia capitalista,
dado que esta está cada vez mais fundada nas tecnologias de ponta e não no trabalho humano.
Desse modo, a sobrevivência das pequenas economias depende, cada vez mais, de novas
formas de organização, novas tecnologias de produção, novos mecanismos de
comercialização e novos mercados � menos dominados, porém, pela lógica dos interesses do
capital. Nota-se a necessidade de reformular políticas públicas que possam incentivar a
construção do poder de ação e do poder de controle de certos fatores de decisão por meio de
redes cooperativas comunitárias acessíveis a todos os escalões da sociedade moçambicana;
deve-se construir as relações econômicas de um mercado cooperativo e recuperar a base
associativa da organização econômica com base nas experiências do período pós-
independência nacional.
Para Arruda (1996, p. 24), é preciso
repensar, portanto, o mercado como uma relação social que se desenvolve, entre os seres humanos, apenas mediada por dinheiro e produtos; repensar a empresa e as instituições como comunidades humanas; deslocar o eixo da existência humana do ter para o ser; identificar e cultivar a capacidade de
104 1
cada pessoa e comunidade de ser sujeito consciente e ativo do seu próprio
desenvolvimento, estes são alguns dos grandes desafios ligados ao renascimento da humanidade no milênio que se avizinha.
Na verdade, os desafios referidos por Arruda mostram a necessidade de repensar o tipo
de relação social que as pessoas precisam construir como sujeitos ativos e conscientes do
desenvolvimento sustentável local. O processo desse desenvolvimento permite levantar a
hipótese de ampliação da dimensão humana da economia, decorrente da maior identidade dos
seus agentes, e buscar mecanismos que possibilitem o nascimento de um novo
cooperativismo, fortalecido pela avaliação crítica de suas práticas.
Um dos elementos de validade social do cooperativismo que pode garantir estabilidade
organizacional e institucional está alicerçado na reflexão, na análise crítica, na avaliação do
sentido e da importância de seu acontecimento. Falhando a reflexão, a crítica e a avaliação,
podem ficar comprometidos a estabilidade e a validade das instituições, especialmente no
caso de cooperativas, e o projeto cooperativo, como um espaço de organização democrática,
de participação comunitária e de qualificação política e técnica de seus membros.
O sucesso do cooperativismo está na democracia, na compreensão, na crítica e
autocrítica, no comunitarismo local (grifo nosso). É com base nisso que o cooperativismo
pode ser visto como um lugar social e econômico no qual o indivíduo se torna sujeito do seu
próprio destino, construindo o �futuro melhor�. Isso constitui um dos grandes desafios da
sociedade moçambicana, principalmente na grande campanha pela redução da pobreza
absoluta. É a pessoa que deve ser colocada em primeiro plano nesse combate; é o ser humano
que deve ser colocado no centro das atenções de todo o processo de desenvolvimento de que o
país precisa. Como afirma Lévy (1998, p. 47),
nada é mais precioso que o humano. Ele é a fonte das outras riquezas,
critério e portador vivo de todo o valor. [...] é preciso ser economista do humano, [...]. É necessário igualmente forjar instrumentos � conceitos, métodos, técnicas � que tornem sensível, mensurável, organizável, em suma, praticável o progresso em direção a uma economia do humano.
Os instrumentos de construção da economia do humano precisam ser forjados pela via
do associativismo, pela organização cooperativa, mais que pela competição. O
105 1
desenvolvimento humano deve ser entendido como uma das realizações mais próximas do
desenvolvimento local.
A nosso ver, o cooperativismo é uma atividade da maior importância como
possibilidade de reação e organização da sociedade civil diante dos desafios que a evolução
social e as políticas sociais e econômicas lhe impõem. Nos anos que se seguiram à
Independência Nacional, o comunitarismo (as aldeias e bairros comunais) constituiu-se em
um instrumento de políticas de governo e de interesses da sociedade pela construção do
socialismo, e se afirmava como um espaço de organização e de atuação de diferentes grupos
sociais, com sentido e objetivos econômicos específicos, sem, no entanto, desconhecer sua
inserção e responsabilidade social maior. Era reconhecido como um espaço de afirmação de
identidade própria, desvinculando-se de usos e compromissos alheios à causa da vida
comunitária. Hoje, o comunitarismo, visto não nos moldes anteriores, pode se constituir em
lugar de reflexão, de crítica, de discussão e resolução de problemas locais; pode se constituir
no reflexo da compreensão do novo papel que a sociedade civil deve exercer no contexto das
instituições e organizações, especialmente diante da sociedade política e dos interesses e
compromissos que possam levar as pessoas da comunidade a se engajar nas ações de auto-
desenvolvimento.
Arruda (1996, p. 7) defende ainda que
é neste processo que ganha enorme importância a práxis de um cooperativismo autônomo, auto-gestão e solidário, que inova no espaço da
empresa-comunidade humana e também na relação de troca entre os diversos agentes; nosso argumento é que a sociedade precisa superar a relativa inércia
a que se submeteu, superando a cultura da reivindicação e da delegação, como suas alienadoras práticas paternalistas e assistencialistas, por uma
cultura do auto-desenvolvimento, da auto-ajuda e da complementaridade solidária; o associativismo e o cooperativismo de auto-gestão, transformados
em projeto estratégico, podem ser os meios mais adequados para a reestruturação da sócio-economia na nova era que se anuncia.
A nosso ver, a associação cooperativa comunitária pode tirar o indivíduo de seu
mundo particular, relacionando-o com os outros pelos laços sociais da cooperação,
construindo espaços coletivos e despertando a solidariedade e a responsabilidade social,
elementos fundamentais ao desenvolvimento do ser humano e do espaço onde vive. Portanto,
106 1
a associação cooperativa comunitária contém o sentido da construção do coletivo que lhe
advém da natureza associativa.
De acordo com Nilsa Maria G. Canterle (2003, p. 4), �fica, pois, claro que o fomento
do associativismo constitui a pedra angular do desenvolvimento e cuja problemática está em
captar as contradições e organizar as pessoas, uni-las e engajá-las harmoniosamente em torno
de interesses comuns, dando atendimento às suas necessidades coletivas e até individuais�.
Para ela,
o associativismo cinge necessidades, interesses e vontades, é o lugar dos
debates, das iniciativas, dos acordos [...] e a organização associativa instrumentaliza os mecanismos que dão concretude às demandas sociais e
que fazem dos homens, com tempo e vagar, sujeitos de seu próprio destino, tornando-os mais próximos da busca de autonomia na promoção do
desenvolvimento local.
A associação cooperativa que nasce dos interesses da comunidade local representa um
importante espaço social onde seus membros se comunicam, se influenciam e desenvolvem
sentimentos, idéias, valores, comportamentos, conhecimentos, aprendizagens. Sua estrutura
de poder reforça a capacidade de gestão do bem comunitário, abrigando um complexo sistema
de relações sociais que se estruturam pelas necessidades, pelas intenções e pelos interesses
das pessoas que fazem parte da cooperativa.
Além do seu sentido econômico, a associação cooperativa constitui-se em uma escola,
na qual se adquire conhecimento e aprende-se a produzir melhor e a engajar-se no processo de
educação e da formação do ser humano produtivo. Por outro lado, a associação cooperativa é
um lugar de negócios no qual se pratica a comunicação e a negociação, bem como o
armazenamento e a comercialização dos produtos.
Na prática do cooperativismo podem se desenvolver sentidos não apenas
instrumentais, mas que tenham significados para a vida das comunidades. Na construção do
trabalho cooperativo está a possibilidade de uma inteligência coletiva e criativa com reflexos,
certamente, no processo de desenvolvimento local; daí a importância do cooperativismo nesse
processo, em termos práticos, a qual pode ser reconhecida em aspectos de sua organização e
107 1
funcionamento pela estruturação e pela viabilização de espaços econômicos para seus
membros.
O reconhecimento dos principais aspectos econômicos comunitários pode ser feito
pelas práticas de orientação da produção, pela assistência técnica permanente, pela agregação
de valores por meio de processos de transformação da produção, pela relação com os
mercados existentes na comunidade, na região e no país ou pela abertura de novos mercados.
Outros aspectos da importância econômica cooperativista para o processo de desenvolvimento
local estão relacionados à estabilidade do capital investido, pois a possibilidade de
movimentação do capital cooperativo é quase nula e o grau de alienação é menor, desde que
os cooperativistas estejam dispostos a continuar investindo em programas de desenvolvimento
local.
A relação de causa e efeito entre associativismo, cooperativismo, e desenvolvimento
local não acontece de modo tão mecânico, determinado apenas por suas atividades. Apesar de
o bom funcionamento de uma cooperativa gerar efeitos positivos e influenciar o
desenvolvimento local, é necessário . Entretanto, essa relação de causa e efeito deve também
que haja uma decisão política a favor do desenvolvimento da comunidade de local. O
reconhecimento da responsabilidade social do cooperativismo no processo de
desenvolvimento local está expresso em seus princípios gerais, adotados por muitos países, e
refere-se à inserção e à participação da comunidade em programas desse tipo.
108 1
Capítulo III
RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA COMO FATOR COMPLEMENTAR
DO DESENVOLVIMENTO LOCAL
1. Os serviços de radiodifusão e teledifusão comunitárias
Neste início do século XXI, os povos do mundo enfrentam novos desafios em busca
de melhor qualidade de vida a seus cidadãos. O que serão as nações dentro dos próximos 50
anos depende do que faremos hoje. Moçambique entra em seu primeiro século pós-colonial
mergulhado nesse grande marasmo de luta contra a miséria enraizada no analfabetismo, com
famílias dizimadas por enfermidades, com uma democracia menos ativa, com instituições
civis menos fortes, com um rendimento per capita dos mais baixos do mundo e com uma
dependência econômica extrema.
Nos primeiros quatro anos do presente século, o país começa a marcar os primeiros
passos rumo ao desenvolvimento. Uma preocupação enorme de investir nas áreas da educação
e da saúde começa a ser notável, pois novas escolas foram construídas e as que haviam sido
destruídas durante a guerra dos 17 anos26 estão sendo recuperadas. Mais hospitais e centros de
saúde foram construídos, e os que haviam sido destruídos durante a guerra foram recuperados
e encontram-se em pleno atendimento ao público. As minas terrestres foram retiradas de
grande parte das áreas rurais e destruídas, e a produção agrária volta a tomar forma. É a
esperança pelo futuro melhor que começa a refletir na vida da população moçambicana; é a
certeza de que, com a paz, o desenvolvimento pode acontecer. As famílias fortes, que podem
satisfazer suas necessidades de alimentação, educação, saúde, entretenimento, constroem
junto o sistema local de comunicação denominado rádios comunitárias, que dá ao povo a voz
e o poder para se educar, para se organizar, para se ilustrar e assim conhecer os segredos da
26 Tipo de instumento explosivos utilizados tanto pelos gerrilheiros da Renamo como pelo exército do
governo moçambicano, como forma de impedir a transitabilidade das forças inimigas aos territórios ocupados
por uma das partes.
109 1
ciência, da agricultura e do comércio; em outras palavras, um sistema de comunicação
radiofônico local que põe em marcha um povo altivo e confiante em suas possibilidades.
Mas para que essas rádios comunitárias possam influir na configuração das próximas
décadas, necessitamos de instituições visionárias que as ajudem com seus recursos
econômicos. Necessitamos de instituições que treinem pessoal local para uma boa
administração, pessoas que saibam produzir bons programas participativos. Necessitamos de
bons equipamentos e bons técnicos para que a voz da rádio chegue aos confins do país.
Necessitamos, enfim, de um marco legal que lhes permita operar sem entraves e lhes garanta a
sua sustentabilidade.
Como instrumento fundamental de promoção de desenvolvimento, as emissoras
comunitárias moçambicanas procuram particularmente se ocupar dos problemas mais sérios e
profundos da sociedade, como a garantia da estabilidade, a promoção da democracia, do
Estado de direito e da cultura de paz e a melhoria das condições de vida das populações, em
toda a sua plenitude.
Em Moçambique, a maior parte da população pobre vive nas áreas rurais. Nessas
áreas, a pobreza está associada ao desenvolvimento da agricultura. Tem sido verificada a
correlação positiva entre o nível de desenvolvimento e a densidade populacional: locais com
maior densidade de infra-estruturas e serviços potencialmente atraem mais população; regiões
densamente povoadas eventualmente são as que rapidamente se desenvolvem. O acesso à
informação e comunicação entre grupos de interesse, de caráter econômico, social, cultural ou
religioso, é um dos elementos relacionados com a auto-organização das comunidades
(INDER, 1998, p. 1).
Os dispositivos de comunicação �formais� em prol do desenvolvimento rural em
Moçambique são insuficientes e ineficientes. As intervenções mais relevantes quanto às
extensão da comunicação para as zonas rurais têm sido realizadas por instituições do Estado
e/ou públicas, com destaque para a Rádio Moçambique (RM/EP) e o Instituto de
Comunicação Social (ICS). Com o advento do novo sistema econômico e político, assentado
na economia de mercado, no multipartidarismo e no sistema democrático, aprovou-se a Lei de
110 1
Imprensa27, que ofereceu mais espaço para a intervenção do setor privado em atividades de
comunicação28. Todavia, constata-se que os novos órgãos de comunicação cobrem
principalmente uma audiência urbana, com pouca ou nenhuma implantação nas áreas rurais,
onde vive a grande maioria da população moçambicana. Nesses locais, que têm uma vigência
histórica e uma dinâmica próprias, a informação circula, majoritariamente, por meio dos
�mecanismos tradicionais� (PAOLCR, 1998, p. 1), isto é, o da comunicação interpessoal ou
via Rádio Moçambique, para os lugares onde o sinal é captável.
Tendo em conta que é nas áreas rurais que vive a maior parte da população, o governo
encara a comunicação em prol do desenvolvimento rural como um instrumento fundamental
para a promoção dos três principais objetivos do seu programa qüinqüenal, a saber: 1)
garantia da paz, estabilidade e unidade nacional; 2) redução dos níveis de pobreza absoluta, e;
3) desenvolvimento socioeconômico. A comunicação social desempenha um papel ativo na
consolidação da unidade nacional, na promoção dos valores culturais e do desenvolvimento
socioeconômico do país, no aprofundamento e defesa da democracia, contribuindo para um
maior diálogo e confiança entre os cidadãos e na participação dos moçambicanos no processo
de desenvolvimento socioeconômico, político e cultural e no fortalecimento das instituições
democráticas29.
O documento sobre Política e Estratégias de Informação, aprovado pelo Conselho de
Ministro em 1997, tem como objetivo �a melhoria do acesso dos cidadãos aos meios de
comunicação social, particularmente nas zonas rurais�. Algumas das prioridades definidas
pelo referido documento são �a promoção da comunicação para o desenvolvimento�, o apoio
�às iniciativas visando à criação e desenvolvimento de jornais e rádios comunitários e o
27 Lei nº18/91, de 10 de agosto. 28 É importante referir que, entre 1975 e 1990, o Estado tinha, praticamente, o monopólio do controle
dos meios de comunicação, e a política editorial era determinada pelo partido único, por meio do departamento
de trabalho ideológico. 29 Programa do Governo, maio de 1995, p. 1 e 57. Vide também Resolução Nº3/98, do Conselho de
Ministros, de 24 de fevereiro de 1998, que aprova as linhas gerais para o desenvolvimento rural e os mecanismos
de coordenação intersetorial.
111 1
desenvolvimento de línguas moçambicanas� e �a capacitação técnico-profissional dos quadros
da comunicação social dos sectores públicos e comunitários�30.
As rádios comunitárias encontram proteção legal no documento sobre Política e
Estratégias de Informação acima referido e funcionam como outras emissoras de rádio, tendo,
entretanto, dois componentes que as diferenciam: programação e gestão com a participação da
comunidade, sem fins lucrativos � devendo, contudo, assegurar sua sustentabilidade.
A quantidade de rádios comunitárias instaladas em Moçambique, bem como sua
eficácia para o desenvolvimento, gera a necessidade de políticas que sirvam como �linhas
mestras� a todas as instituições interessadas nesse desenvolvimento, tais como os organismos
governamentais, as agências de desenvolvimento internacional, ONGs e a sociedade civil. Daí
que Tomás Vieira Mário, coordenador do Projeto de Desenvolvimento da Mídia em
Moçambique, afirma ser fundamental uma nova Lei de Imprensa, que possa regular também a
radiodifusão comunitária31. Para ele, �essa Lei de Imprensa deve ser a que contemple uma
separação entre a radiodifusão e a imprensa escrita, como acontece em muitos países do
mundo onde se tem a chamada �Print Media Law� e a �Broadcast Law��, isto é, Lei de
Imprensa Escrita e Lei de Radiodifusão. Portanto,
já se faz necessário no nosso país que haja uma separação entre a imprensa
escrita e a imprensa eletrônica (comunicação de massa). Daí que seria possível distinguir-se claramente a legislação da radiodifusão comunitária da
radiodifusão pública e da radiodifusão privada, num pacote de leis específicas por um lado e, por outro, um pacote sobre a imprensa escrita.
Essa tem sido, na verdade, a tendência dos debates.
A finalidade principal de uma rádio comunitária é contribuir para o desenvolvimento
socioeconômico e cultural da comunidade, promovendo a cultura de paz, a democracia, os
direitos humanos, a eqüidade e o exercício do poder local. Mário sustenta que �uma rádio
efetivamente comunitária deve estar na comunidade, servir à comunidade e ser da
comunidade� 32 e diz, ainda, que
30 Resolução nº3/97, de 25 de fevereiro. In: Boletim da República, I Série, n. 7, que aprova a Política e
Estratégias da Informação. 31 Em entrevista concedida ao autor no dia 20 de janeiro de 2003, em Maputo. 32 Em entrevista concedida ao autor no dia 20 de janeiro de 2003, em Maputo.
112 1
a rádio comunitária deve ser aquela que obedece a princípios de eqüidade,
pluralismo, democracia, independência, imparcialidade, gestão coletiva, sem fins lucrativos. Deve também ser instrumento de promoção da cultura de paz
e dos direitos humanos; trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável da comunidade local; disseminar valores socioculturais, econômicos, religiosos
e políticos dentro de um mesmo território. Ela há de ser a que promove a construção horizontal e inclusiva, envolvendo a comunidade como um todo e
as diferentes sensibilidades existentes na comunidade e na região onde se encontra inserida.
Peruzzo (2003, p. 59) destaca a mídia comunitária como �aquela gerada no contexto
de um processo de mobilização e organização social dos seguimentos excluídos da
população� que tem como finalidade �a conscientização e organização de seguimentos
subalternos da população� tendo como o objetivo principal a superação �das desigualdades e
instaurar mais a justiça social�. Aqui a autora nos mostra claramente as características de
uma mídia comunitária (com particular atenção à rádio comunitária) cuja finalidade é
conscientizar os membros da comunidade a se envolverem em atividades que beneficiem a
eles mesmos.
Em Moçambique, de um modo geral, as rádios comunitárias por nós estudadas em
Moçambique possuem, na sua maioria, uma organização estrutural e de gestão constituída por
uma assembléia geral, que funciona como órgão deliberativo, a comissão � ou conselho de
gestão �, que é o órgão executivo, e o conselho fiscal � ou comissão de controle �, que
fiscaliza as atividades da associação mantenedora da rádio.
As comunidades que detêm rádios comunitárias participam da gestão e programação
destas por intermédio de seus representantes na assembléia, no comitê executivo e no
conselho fiscal. Por outro lado, os operadores são indicados pela própria comunidade reunida
em assembléia geral, em resposta a sua manifestação de interesse em colaborar nas atividades
da sua rádio como voluntários. Apenas as equipes executivas � constituídas, em média, de um
gerente da estação, um responsável de administração e finanças, um(a) secretário(a)
recepcionista � são remuneradas, pois são compostas de pessoas que se dedicam
exclusivamente aos serviços da rádio, enquanto os voluntários se beneficiam apenas da
formação, do auxílio para o transporte e de alguns estímulos materiais não especificados. Os
voluntários também participam de seminários e outras atividades de aprendizagem e
113 1
aperfeiçoamento na sua área de interesse, organizados pelas associações mantenedoras ou
pelo Fórum das Rádios Comunitárias (Forcom), o qual apresentaremos mais adiante. Isso não
significa, no entanto, que os voluntários não possam ser chamados a desempenhar funções
executivas da rádio comunitária, pois existem rádios que, como forma de conter despesas,
acabam recrutando voluntários para atividades administrativas. A maioria dos voluntários que
trabalha nas rádios comunitárias é composta por professores e profissionais da saúde da rede
pública.
2. Aspectos históricos da radiodifusão comunitária em Moçambique
O serviço de radiodifusão comunitária em Moçambique tem início no ano de 1977, por meio
de um acordo estabelecido entre o Ministério da Informação e o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef). Nesse ano, o Ministério da Informação criou um Projeto de
Comunicação Social para aldeias e bairro comunais, que teria, entre outras funções (JANE,
1990, p. 170):
Levar a informação para as aldeias comunais;
Testar os instrumentos de comunicação modernos para selecionar os que melhor se
adaptam às tradições culturais das populações e transmitir com maior sucesso as
mensagens visadas;
Estudar a linguagem a ser usada na comunicação com as populações rurais;
Avaliar a penetração, retenção e retransmissão das mensagens;
Avaliar as mudanças sociais, econômicas e culturais com a introdução de novas
mensagens e novos equipamentos.
No aproveitamento das tecnologias modernas de comunicação de massa, o Ministério da
Informação precisou colocar em teste o sistema de alto-falantes, que tinham grande aceitação
popular na época e eram adaptados à realidade das aldeias e dos bairros comunais. Além
disso, a comunicação por alto-falantes foi vista como �um sistema de comunicação social
mais imediato, mais barato e mais fácil de manejar, dando acesso direto às populações para
fazer os seus programas� (JANE, 1990, p. 171).
114 1
Sob o comando de Juarez da Maia, brasileiro, especialista em comunicação rural, foi
criado, em 1978, o Gabinete de Comunicação Social (hoje Instituto de Comunicação Social),
subordinado ao Ministério da Informação. Durante os primeiros anos do projeto experimental,
fez-se o levantamento de dados sobre a situação política, econômica, social e cultural das
aldeias e dos bairros comunais, a fim não só de conhecer os níveis de desenvolvimento global
e de cada setor de atividade, mas também de contribuir para a formação de quadros que
desenvolveriam o projeto. Uma das pesquisas mais importantes realizadas na época, com a
colaboração dos professores Eugenivisk Rezewuski e Mateus Katupa, da Universidade
Eduardo Mondlane (UEM), tratava da utilização das línguas moçambicanas, tendo em vista a
escolha pela população, do repertório lexical dessas línguas ao se referir às transformações
sócio-políticas da sociedade, como instituições técnicas, meios de produção e terminologias
respeitantes à vida pública do país. Além disso, outras pesquisas realizadas na época tinham
em vista o estudo desse fenômeno e das tendências e possibilidades de modernização lexical
das línguas moçambicanas. Isso constituía um passo para testar a compreensão dos termos
utilizados pela Rádio Moçambique e mobilizar as comunidades lingüísticas para o processo
de modernização lexical; era, também, uma forma de permitir a tradução de alguns conceitos
utilizados em língua portuguesa pela Frelimo e pelo Estado para línguas moçambicanas �
trabalho que resultou na elaboração de um vocabulário em línguas makonde, makhuwa,
chuwabo, chona e changana.
O sistema de comunicação por alto-falantes das rádios comunitárias foi utilizado pela
primeira vez durante a Primeira Conferência Nacional das Aldeias Comunais, realizada na
Aldeia Três de Fevereiro, no distrito de Xai-Xai, na província de Gaza, apoiando as atividades
da Conferência por meio da ampliação sonora para plenários, comícios e transmissão de
mensagens para os delegados vindos de várias regiões do país. Uma experiência que atraiu
muito a atenção dos participantes foi a escuta coletiva do noticiário em emissão nacional da
Rádio Moçambique, captada em ondas curtas.
A partir dos resultados obtidos na Aldeia Comunal Três de Fevereiro, o projeto
expandiu-se para outras aldeias e bairros suburbanos. Criaram-se os centros de comunicação
social nos bairros de Hulene e Polana Caniço, nos arredores da cidade de Maputo, e em
aldeias comunais de Unango (Niassa), M�tamba (Cabo Delgado), 25 de Setembro (Nampula),
115 1
Três de Fevereiro (Gaza), e Primeiro de Maio (Manica). Com a instalação dos centros de
comunicação social e das rádios comunitárias de sistema de alto-falantes, passaram a ser
transmitidos a informação propriamente dita, a mobilização, a educação e o divertimento para
todas as camadas populares da nova sociedade moçambicana. No aspecto educativo, segundo
Jane (1990, p. 172), incluíam-se temas específicos como alfabetização, técnicas modernas de
produção agrícola e saúde pública, cada programa com 15 ou 30 minutos de transmissão. No
âmbito cultural e recreativo, divulgavam-se a música de artistas da região, com destaque,
contos tradicionais e poesias gravadas na própria aldeia.
Outra atividade de destaque realizada na área de radiodifusão comunitária pelo Gabinete
de Comunicação Social, desde a sua fundação, em 1978, até meados de 1997, com o apoio
técnico da Rádio Moçambique, foi a produção e emissão do programa �Aldeia Comunal�,
transmitido todos os dias úteis das 5h15 às 6h, em língua portuguesa e em línguas
moçambicanas. Nesse programa, que surge em 1982 com o propósito de romper as barreiras
entre o camponês e o operário por meio da veiculação das suas atividades produtivas diárias,
eram fornecidas informações relacionadas à educação popular, saúde pública, cultura e
problemas sociais, bem como noticiários sobre assuntos locais.
O processo de educação permanente projetado pelo governo naquele momento, por
meio do Instituto de Comunicação Social, tinha em sua essência o apoio direto a agentes da
saúde, professores, alfabetizadores, técnicos agrários, líderes das comunidades e de aldeias
comunais, e funcionava, também, como veículo dinamizador da libertação e emancipação da
mulher. No processo de implementação dessa experiência foi necessário, em primeiro lugar,
realizar em três províncias do país (Cabo Delgado, Nampula e Gaza) um trabalho de pesquisa
que possibilitasse conhecer as realidades locais e comparar a evolução, o grau de participação
das populações dos bairros e aldeias comunais onde o projeto seria desenvolvido e, também, a
integração deste ao quadro institucional e às estruturas de níveis local, distrital, provincial e
nacional. Como referimos no capítulo, o projeto, na sua fase experimental, os centros de
comunicação social funcionavam como centros de escuta coletiva e as unidades móveis, a fim
de levar a mensagem até comunidades mais recônditas do país.
Tanto os centros de comunicação como os de escuta coletiva haviam sido criados nos
bairros e nas aldeias organizados pelo governo logo após a Independência Nacional para
116 1
aglutinar a população rural e dotá-la de serviços sociais adequados. Nos centros de
comunicação social passavam-se documentários em videocassetes (VT), programas
educativos em K7 de áudio, filmes; assistia-se a peças de teatro e espetáculos de música;
adquiriam-se jornais e revistas principalmente o jornal �O CAMPO� de propriedade do então
Gabinete de Comunicação Social; fazia-se o jornal de parede por uma equipe de redatoras
locais. Nos centros de escuta coletiva os membros da comunidade ouviam os programas e
noticiários da Rádio Moçambique, que eram recebidos e retransmitidos através dos alto-
falantes instalados nos respectivos centros.
Hoje, o país vive num ambiente da comunicação moderna, no qual a evolução
tecnológica da comunicação social ganha maior velocidade. O tipo de comunicação
comunitária que hoje se desenvolve já não é igual ao que se desenvolvia nas décadas de 1970
e 1980, e isso soma-se aos benefícios da Lei de Imprensa em vigor e do processo da
democratização e desenvolvimento da comunicação social no país. Surge, então, um novo tipo
de rádio, que utiliza equipamentos de alta tecnologia e não mais alto-falantes.
3. O conceito moçambicano de rádio comunitária
O conceito de comunidade é confuso e mal entendido e, principalmente, não é
considerado no contexto histórico que transporta. Ele deriva de community, conceito da
administração colonial inglesa que pretendia separar o �moderno� do �tradicional�. Em
Moçambique, em alguns casos, os membros da comunidade foram tratados como iguais,
desaparecendo o indivíduo e ficando o coletivo. Atualmente reconhece-se que o conceito de
participação comunitária é um dos mais controversos no âmbito das problemáticas de
desenvolvimento, e que tem sido utilizado com significados diversos, por vezes mesmo
contraditórios (VALÁ. 1998, p. 8).
Segundo o workshop �Cultivando as rádios comunitárias em Moçambique�
(MARRENGULE, 1998, p7), realizado na província de Tete sob patrocínio da Cooperação
Austríaca, recomendou que as rádios comunitárias devem ser as que promovem o
desenvolvimento e a eqüidade entre as pessoas, priorizando as camadas vulneráveis, tais
como mulheres, idosos e deficientes o workshop reafirmou em como as rádios comunitárias:
117 1
Não têm fins lucrativos;
São do ambiente participativo;
São livres de qualquer tipo de interferência;
Possuem um sistema de gestão coletiva;
Com personalidade jurídica;
Suas programações são democráticas e pluralistas;
Respeitam a constituição e a Lei de Imprensa.
O documento desse workshop (MARRENGULE, 1998, p, 8) afirma que �uma rádio é
comunitária se a comunidade joga um papel importante nela, isto é, a rádio é gerida e
programada pela comunidade, ou, ainda se a comunidade participa de alguma outra forma
nele ou a rádio tem algum impacto na vida das comunidades. É óbvio que a experiência de
Moçambique e de outros quadrantes do mundo ensinam que é mais fácil dizer ou escrever do
que implementar na prática�.
No nosso entender, a participação comunitária é um processo, uma interação contínua,
um diálogo sem tempo limite entre a comunidade e a rádio. Daí que a rádio comunitária deve
ser a voz da comunidade, um espaço de participação comunitária, �um processo de
desenvolvimento autocentrado, descentralizado e, de baixo para cima, permitindo que os
beneficiários, que são os melhores conhecedores das suas necessidades, potencialidades e
circunstâncias de vida, possam envolver-se diretamente e desde o início, e, em todas as
acções, visando o seu desenvolvimento� (VALÁ. 1999, p. 4). Portanto, é na rádio comunitária
que as pessoas encontram espaço para expressar claramente necessidades, problemas,
aspirações, vontades, idéias, sentimentos, críticas e assuntos prioritários da comunidade.
Quando a rádio comunitária deixa de ser sensível às necessidades da comunidade em que está
inserida e à qual serve deixa de ter razão de existir, porque perdeu a sua identidade.
Tomás Vieira Mário33 refere que uma rádio comunitária deve ser assim denominada, e
conseqüentemente funcionar sem ter que pagar imposto e algumas taxas, se a comunidade
33 Em entrevista concedida ao autor, em Maputo, aos 20 de Janeiro de 2003
118 1
participa dela, de alguma forma. É fundamental que sejam definidos os mecanismos
apropriados para que a comunidade participe efetivamente da rádio, nas comissões existentes,
na programação, no conselho fiscal, na gestão, etc.
No continente africano as rádios comunitárias comessaram a ser implantadas desde
1985, com a instalação da primeira estação no continente, no Quênia. três anos depois, mais
dez estações comunitárias já se encontravam instaladas em alguns países africanos, mais de
10 rádios comunitárias e que, na seqüência de rápidas e profundas mudanças sócio-políticas
operadas no continente, em 1998 já contavam-se mais de uma centena de estações
comunitárias no ar.
Como dissemos em alguns momentos do nosso trabalho, Moçambique conheceu o
movimento das rádios comunitárias que iniciou com a instalação das rádios alto-falantes pelo
Instituto de Comunicação Social, no final da década de 1970, culminando com a instalação da
primeira rádio comunitária, em Xai-Xai, no ano de 1995.
Bonin e Opoku-Mensah(1999, p. 2/3), no guia prático �O que é a rádio comunitária?�
da Amarc-África e Panos-Africa Austral, referem que ser a rádio comunitária representa a
democratização das comunicações, especialmente em África, pois através dela se cria uma
base de participação popular no próprio processo de democratização do contente. Nesse guia,
são apresentadas algumas vantagens da introdução das rádios comunitárias no continente
africano, tais como:
�O aspecto da língua que será abordado com a introdução de estações comunitárias,
dado o grande número de diferentes línguas locais em países africanos. Em África isto
não é simplesmente uma questão de se as pessoas podem ouvir as radiodifusões, mas
pelo contrário, se elas podem ou não compreender as radiodifusões;
Aborda aspectos dos direitos humanos através do direito à informação e à
comunicação;
119 1
A maioria do povo em África encontra-se faminta no que se refere à informação. Nos
dias que vão correndo na sociedade de informação, a rádio comunitária pode oferecer
alguma forma de educação sobre os media, criando uma cultura de informação;
Enfatiza a emancipação e auto-estima;
A rádio comunitária pode servir de uma espécie de plataforma de debate, intercâmbio
de idéias e reacções aos vários planos e projectos. Isto pode acomodar as idéias do
povo e satisfazer o seu bem-estar espiritual e psicológico muito melhor do que
qualquer outra forma de radiodifusão;
Preserva a identidade cultural: com a globalização da informação e o advento de
comunicações através de satélite, a rádio comunitária pode oferecer às comunidades
uma via econômica e fundamental para a proteção da sua língua e da sua herança
cultural. A rádio pode também servir como meio de oferecer um padrão à língua�
Analisando os conceitos acima, podemos perceber a tamanha importância que as
rádios comunitárias têm na sociedade no continente africano e, particularmente, na
moçambicana. Através da rádio comunitária, a sociedade moçambicana passa a ter voz.
Em relação à programação das rádios comunitárias por nós estudadas, é importante
referir que, ainda de acordo com Mário, �não existe uma programação acabada, um modelo
pronto, para as emissoras comunitárias�. Existem, sim, alguns princípios a serem seguidos.
Pode-se dizer que, respeitando os princípios da pluralidade e da priorização de temas locais,
uma programação pode ser construída sobre alguns pilares, como gostos musicais, tipo de
informação, tipo de serviço, tipo de programa, etc., facilmente levantados por pesquisas (de
audiência) �previamente realizadas antes da definição de que programas, em que horário serão
levados ao ar. As pesquisas fornecem uma dose de gostos e preferências da comunidade�34. O
entrevistado defende, ainda, ser importante uma elevada dose de criatividade e ousadia na
produção dos programas de uma rádio comunitária, �ousar na concepção, na linguagem, no
conteúdo, na forma e, sobretudo, ousar na formulação, na criação duma programação atrativa
34 Tomás Vieira Mário, em entrevista concedida ao autor no dia 20 de janeiro de 2003, em Maputo.
120 1
da emissora�. Por outro lado, deve-se coletivizar e democratizar o sucesso de uma
programação sem perder a identidade, a �cara� da rádio comunitária.
Ao falar sobre o formato dos programas das emissoras comunitárias, Sofia Ibraimo35
afirma que
o ideal é que vá para além dos formatos tradicionais, isto é, insistir nos programas humorísticos, alegres e descontraídos; promover programas de debates nos quais se discutam temas de interesse da comunidade; insistir em programas que chamem a atenção do ouvinte e que, ao mesmo tempo, o
eduquem, o conscientizem; promover programas lúdicos, com prêmios, gincanas, participação da juventude; promover programas sensuais, envolventes e que mexam com todos os sentidos das pessoas; promover programas de utilidade pública, que prestem serviços e informações
relevantes para a vida das pessoas; promover programas sentimentais apaixonantes e apaixonados; programas ágeis, que não cansem o ouvinte,
mensagens rápidas como vinhetas, spots, registros, flashes, microprogramas, etc; programas fantásticos, que mexam com a fantasia do ouvinte, que o faça
viajar, que o faça viver a fantasia proposta pelo tema. São muitas as idéias,
as possibilidades faltam. Cabe a cada comunidade aprofundar os formatos e buscar na sua própria realidade uma forma de potenciá-los, sobretudo priorizando sempre a participação dos ouvintes.
As emissoras comunitárias, muitas vezes por sua própria condição técnica, não estão
nas mesmas condições que as grandes emissoras, daí a necessidade de �casar� os formatos
com os conteúdos. �Bons formatos e bons conteúdos deverão se completar para que se possa
levar ao ar bons programas�, dizia Sofia.
De acordo com Birgitte Jallov36, ex-coordenadora internacional do Projeto de
Desenvolvimento da Media em Moçambique, os cuidados com os conteúdos são
imprescindíveis nos programas das emissoras comunitárias. Ela acrescenta que
a valorização das coisas que acontecem na comunidade, a divulgação dos
serviços mais fundamentais para a comunidade, a informação integrada, a valorização dos parâmetros da ética social, a valorização dos costumes, da
cultura, a divulgação da notícia sem manipulações, a diversidade de opiniões, a preocupação em ouvir várias opiniões em assuntos polêmicos, a
denúncia profética, a crítica construtiva e, principalmente os fatos positivos,
35 Sofia Ibraimo, diretora-geral do Instituto de Comunicação Social (ICS), em entrevista concedida ao
autor, em 11 de fevereiro de 2003, em Maputo. 36 Em entrevista concedida ao autor no dia 20 de Janeiro de 2003, em Maputo.
121 1
as coisas bem sucedidas da comunidade, etc., são os elementos que devem
estar presentes nos programas das rádios comunitárias.
Tomando por base a afirmação acima, fica evidente que a rádio comunitária é um
espaço privilegiado para a socialização de opiniões e conhecimentos, e, assim, torna-se palco
e instrumento de luta da comunidade com vista à satisfação dos seus interesses. Por essa
razão, nas rádios comunitárias por nós estudadas constatamos que política editorial e
princípios éticos e morais estão sempre presentes na luta contra a manipulação das
informações e o monopólio dos grandes órgãos � como a Rádio Moçambique �, buscando,
com a sociedade civil, o acesso à informação.
Nas rádios comunitárias de Likungu (na província da Zambézia), Vilankulu e
Homoine (na província de Inhambane) e Moamba (na província de Maputo), notamos que o
ouvinte é, também, o produtor das mensagens, mesmo que seja de forma indireta; ele procura
sempre garantir que a programação seja equilibrada, pois fiscaliza todas as atividades dos
produtores/locutores e sugere a introdução de assuntos que contribuam para a mudança de
atitudes da sua comunidade.
Assim como nas emissoras supracitadas, em outras, como as de Cascata, Mokuba e
Inkomate, as quais tivemos a oportunidade de visitar, os programas educativos, informativos,
culturais e de recreação também ocupam um espaço significativo. Formatos participativos são
adotados (rádio drama, debates, concursos, etc.) para chamar o ouvinte à rádio. O local e o
global interagem, mas o local é priorizado (a notícia local, a música, a culinária, a cultura, a
história, as boas práticas, a educação para a saúde, as experiências econômicas bem-
sucedidas, as técnicas de produção agrária, as técnicas de combate às pragas, o combate ao
consumo das drogas, o combate à criminalidade, o combate à violência doméstica, etc.),
criando redes de correspondentes37 entre emissoras comunitárias e ligações com as emissoras,
de natureza regional e nacional.
37 Pessoas encarregadas de coletar voluntariamente informações na sua comunidade e de canalizá-las
para o tratamento e a emissão pelas equipes de redação das rádios comunitárias.
122 1
As línguas nacionais e, mais particularmente, as locais, são utilizadas
sistematicamente porque são mais compreendidas pelos ouvintes. Como diz Imane Aly38,
presidente do Fórum das Rádios Comunitárias de Moçambique, �na programação deve estar
sempre presente a perspectiva de gênero e o papel da mulher, do jovem e da criança em
desenvolvimento. Isso só é fácil falar com segurança em língua local, pois temos a certeza de
que as nossas mensagens estão sendo percebidas e vão surtir efeito no seio da comunidade�.
Assim, conteúdos educativos sobre assuntos relevantes (saúde, educação, meio ambiente,
agricultura, preços dos produtos e oportunidades de mercados) se alternam com a música, a
recreação, o esporte, a cultura geral, informações diversas (anúncios, avisos, etc.).
Na opinião da Sofia Ibraimo39, a programação deve ter uma elevada dose de humor, de
otimismo e de sentido de auto-estima. Para ela, �a rádio comunitária procura ir ao encontro da
comunidade em busca da notícia, pois é muito importante trazer as notícias internacionais,
nacionais, regionais e tratá-las dentro duma perspectiva local�.
Como referimos atrás, o voluntariado deveria ser uma prática em todas as rádios
comunitárias moçambicana, isto é, em todas as atividades informativas, formativas,
recreativas e sobretudo nas áreas artística, sociais, culturais, etc. Mesmo assim, é preciso que
se tenha uma equipe central estável, permanente e remunerada, que possa receber e tratar
informações recolhidas pelos voluntários. Na verdade, a realidade tem nos ensinado que o
voluntário, se não estiver suficientemente motivado, aparece na emissora quando quer,
quando pode, pois, em geral, ele está em compasso de espera, aguardando uma oportunidade
de trabalho remunerado.
De acordo com Taimo (2004, p. 9)40, em Moçambique cada rádio comunitária possui,
em média, 40 voluntários. Existem rádios com cerca de 20 voluntários e, as de maior porte,
chegam a ter 70. Há uma série de razões que, segundo Taimo (2004, p. 9), incentivam as
pessoas a aceitar o voluntariado nas rádios comunitárias, entre as quais podemos destacar:
38 Em entrevista concedida ao autor, em 31 de maio de 2004, em Maputo. 39 Sofia Ibraimo, diretora-geral do Instituto de Comunicação Social (ICS), em entrevista concedida ao
autor, em 11 de fevereiro de 2003, em Maputo. 40 Nélia Fordiani Taimo, pesquisadora social em Moçambique.
123 1
O desejo de aprender jornalismo;
O desejo de aprender novas coisas;
O desejo de fazer rádio;
A vontade de ganhar experiência e fazer novos amigos;
A esperança de conseguir um emprego na rádio ou em alguma coisa relacionada a
esta;
A vontade de ajudar a comunidade a desenvolver-se.
Essas e outras razões mostram-nos que a rádio comunitária abre espaço para jovens
nos distritos onde há falta de lazer e oportunidades de estudo. A grande maioria de voluntários
que hoje faz programas, opera equipamentos e anima uma emissão não sabia nada disso antes
de aderirem ao voluntariado nessas rádios.
Não obstante serem instituições de propriedade associativa e pública, sem fins
lucrativos, as rádios comunitárias trabalham para captar receitas para sua sobrevivência, o que
é feito por meio de prestação de serviços, como emissão de programas de instituições
religiosas, de ONGs, de organismos governamentais, do setor comercial e de outros
interessados. Isso é feito em forma de patrocínios, que podem contribuir com a produção e
emissão dos programas com dinheiro, equipamento informático ou audiovisual e/ou material
de escritório.
Uma forma eficiente e eficaz de garantir a sustentabilidade da emissora é ter pessoal
formado e capacitado para desempenhar com brio e profissionalismo suas atividades. Mas
como a formação acadêmica em comunicação social é bastante nova no país, não é fácil para
muitas rádios comunitárias encontrar pessoas que possam responder a toda a demanda.
No nosso entender, o sucesso das iniciativas em comunicação comunitária deriva da
forte ligação entre essas rádios e televisões e as comunidades a que servem. Esses meios
pertencem e são dirigidos por pessoas da comunidade, escolhidas em reunião da assembléia
comunitária para constituírem um conselho de direção, cujo mandato varia de associação para
124 1
associação segundo suas necessidades. Os membros da maioria dos conselhos de direção
desenvolvem suas atividades voluntariamente.
Como diz Tomás Vieira Mário (2003)41,
O trabalho que está sendo feito neste momento é o de mobilizar as comunidades a entenderem que as rádios lá instaladas lhes pertencem. As
comunidades devem entender que elas são donas das rádios e que devem geri-las com muita eficiência, garantindo recursos financeiros para o custeio
das despesas da sua estação emissora. Mas não tem faltado pessoas da comunidade que não vivem a idéia de se ter um meio de comunicação
comunitário. Daí que acabam desvirtuando o conceito próprio do que se pretende que seja uma rádio comunitária e começam a usá-la como um bem privado, um bem próprio e não comunitário. Trata-se de um perigo que paira e pairará sempre no seio das comunidades. [...] O processo da criação das associações visa essencialmente a estancar esse tipo de atitudes de certas pessoas quererem se apoderar das rádios
comunitárias como sua propriedade. [...] Para a gestão das rádios comunitárias, as comunidades elegem, de entre os seus membros, um comitê de gestão para prestar serviços voluntariamente. O corpo técnico (os operadores da rádio) também é
constituído por pessoas selecionadas na comunidade e que conhecem profundamente a realidade local.
As rádios comunitárias constituem ferramentas importantes para o desenvolvimento
local, e por isso podemos encontrar rádios de grupos de igrejas e de grupos organizados de
escolas, que também têm o desenvolvimento local como pano de fundo. A maioria das rádios
comunitárias funciona, de fato, com operadores e jornalistas comunitários voluntários, pois as
comunidades não têm condições financeiras que permitam o pagamento dos salários dos
funcionários. Assim, mantidas por pessoas que não recebem retorno monetário por seu
trabalho, muitas rádios estão no ar e a todo o momento. É a comunidade trabalhando para si
mesmo.
Tabela 01 - Mapa de registro das rádios comunitárias42
(Maputo, de 2001 a 2005)
ANO
LICENÇAS
AUTORIZADAS
LICENÇAS
CANCELADAS
RÁDIOS
COMUN. NO AR 2001 09 01 08
41 Entrevista concedida ao autor em 20 de janeiro de 2003, em Maputo. 42 Dados do Gabinete de Informação do Governo de Moçambique. Maputo, 2005.
125 1
2002 16 04 12 2003 09 03 06 2004 13 02 11 2005 06 - 06
TOTAL 53 10* 43
* A tabela acima mostra-nos que, de 2001 a 2005, das 53 licenças
registradas, foram canceladas 10. De acordo com os dados obrtidos do
Gabinete da Informação junto à Primeira-Ministra, 43 emissoras de
radio estão no ar.
4. Forcom: por uma gestão coletiva das rádios comunitárias de Moçambique
O Fórum da Rádios Comunitárias de Moçambique (Forcom)43 foi criado pela
Conferência Nacional Constitutiva e Festival das Rádios Comunitárias, que decorreu na
cidade de Chimoio, na província de Manica, de 20 a 30 de abril de 2004. Nessa conferência,
estavam reunidos cerca de 220 participantes, que representavam 45 rádios comunitárias.
Também participaram do evento convidados de Angola, África do Sul e Europa. Na mesma
conferência, diz Imane Aly44, �foram aprovados os estatutos do Forcom e eleitos os membros
do Conselho Nacional, que, na sua primeira sessão, elegeu-me como presidente�.
Imane Aly, presidente do Forcom, revelou-nos que a tarefa principal do Fórum é trazer
à superfície todos os problemas das rádios comunitárias e apoiá-las na procura de soluções,
principalmente nos âmbitos de desenvolvimento institucional e desenvolvimento estrutural, e
garantir a sustentabilidade por meio de parcerias com instituições internacionais que apóiam o
setor da comunicação comunitária. Segundo Aly, as próprias comunidades detentoras das
rádios serão incentivadas a criar projetos de produção que garantirão a sobrevivência destas
no período pós-apoios de parceiros externos.
43 Associação das rádios comunitárias de Moçambique, congrega mais de 50 rádios. 44 Imane Aly, presidente da Forcom, em entrevista ao autor em 31 de maio de 2004, em Maputo.
126 1
De acordo com Aly45, a criação do Forcom surge do interesse dos próprios operadores
e dos detentores das rádios comunitárias no país em verem imprimida uma nova dinâmica de
coordenação de suas atividades.
O movimento das rádios comunitárias de Moçambique é, em termos de seus
associados, bastante diversificado. No seu formato organizacional encontram-se:
a) 25 rádios comunitárias que funcionam sob a alçada do Estado por meio da estrutura
administrativa do Instituto de Comunicação Social (ICS). Além dos Conselhos de
Direção, constituídos por membros das associações comunitárias, essas rádios
possuem equipes de gestão administrativa e técnica composta por funcionários do
ICS afeitos à proposta.
b) 4 rádios comunitárias geridas pelos membros da comunidade e apoiadas pela
Universidade Eduardo Mondlane. Possuem equipes técnicas e administrativas que
garantem voluntariamente seu funcionamento, os quais recebem subsídios pelo
trabalho realizado.
c) 12 rádios comunitárias geridas por conselhos de direção compostos por membros das
associações das comunidades locais e apoiadas pelo Projeto de Desenvolvimento da
Mídia e pela Cooperação Austríaca. Equipes técnicas e administrativas garantem
voluntariamente o funcionamento dessas rádios, os quais recebem subsídios pelo
trabalho realizado.
d) 11 rádios de orientação comunitária geridas por instituições religiosas � suas
proprietárias � como Igreja Católica, Igreja Universal, Igreja Evangélica,
Assembléia de Deus, Igreja Evangélica Maná e Comunidade Islâmica de
Moçambique.
45 Imane Aly é também presidente da Associação da Rádio Comunitária (Arco), de Homoine,
Inhambane.
127 1
e) 1 rádio comunitária de pertença do município de Nacala, província de Nampula: sua
gestão é de inteira responsabilidade do Conselho Municipal.
Estas rádios aparecem retratadas no Diretório das Rádios Comunitárias de
Moçambique (2005). O diretório em referência apresenta-se como instrumento de
coordenação e orientação para a melhor definição de formas de colaboração entre as rádios
comunitárias, e demonstra aos parceiros a diversidade e o pluralismo que são vividos nesse
movimento.
Mapa 03 � Mapa de localização geográfica das rádios comunitárias em Moçambique
128 1
O movimento das rádios comunitárias é relativamente novo em Moçambique. No ano
de 1994 entrava no ar a primeira rádio comunitária; em 1998, oito rádios apareciam descritas
como comunitárias. Em 2001, trinta comunidades juntavam-se para participar do workshop
sobre coordenação e sustentabilidade das rádios comunitárias em Moçambique. Em 2004,
Moçambique tinha registrado 44 detentores de licenças de radiodifusão comunitária e, em
2005, passou a contar com um total de 53 emissoras de rádio e 16 de televisão. Dos 69
pedidos aprovados pelo Conselho de Ministros do Governo de Moçambique, 53 são de
emissoras de rádios comunitárias. Neste número exclui-se a Rádio Moçambique, a única
Empresa Pública de radiodifusão, que conta com centros emissores instalados nas 10 capitais
provinciais do país. Outras de um número de aproximadamente e 12 emissor são de
propriedade privada (incluindo as da Igreja Universal do Reino de Deus).
O movimento das rádios comunitárias no país é inovador, do ponto de vista político,
pela afirmação e comprovação dos efeitos de uma maior democratização dos meios de
comunicação, pelos efeitos sensíveis da sua variedade dos modos de organização e objetivos,
que a diferenciam da comunicação comercial e concentrada. Um dos aspectos mais
importantes do movimento das rádios comunitárias em Moçambique é a formação de um
novo tipo de comunicador social, de origem não-acadêmica, com preparo, objetivos e funções
bem diversas das do comunicador profissional. Sua entrada nessa prática de comunicação
ocorre pelo interesse na atuação política e social na comunidade, o que diverge tanto dos
regimes econômicos de produção empresa, fábrica, escritório), quanto dos regimes políticos
de associação, já instituídos. Nasce, portanto, um novo gestor de bens comunitários.
A participação na criação, produção e gestão coletiva de uma rádio comunitária exige
dos comunicadores uma compreensão dos aspectos funcionais, práticos e ideativos do novo
tipo de gestão de bens comuns. Sua função na rádio é mais ampla que a de um simples
comunicador: ele é um educador que utiliza a rádio como recurso auxiliar a educação escolar
ou profissional. Sua prática na produção radiofônica leva-o à experiência de atuação na
complexa função de educador no regime de produção e emissão de mensagens, bem como à
compreensão do lugar fluido e contínuo em que se manifestam e deverão, cada vez mais, se
manifestar, as tarefas comunicativas.
129 1
5. Rede Rural de Rádio e Televisão Comunitária
Na área da televisão comunitária, o ICS tem desempenhado um papel central. Essa
instituição herdou do extinto Inder um projeto iniciado em 1998 para a instalação de 10
estações-emissoras de rádio e televisão rurais, conhecido como Rede Rural de Rádio e
Televisão Comunitária (RRRTV). O projeto foi reformulado e o número de estações-
emissoras aumentou para 20, tendo esse projeto instalado e posto no ar, um total de 7 estações
emissoras e rurais, em várias regiões do país. Conforme quadro apresentado acima, das 16
licenças de rádio-televisões aprovadas entre os anos de 2000 e 2005, 7 são de orientação
comunitária, 8 privadas e 1 pública, esta com centros emissores em todas as províncias do
país.
As emissões televisivas são feitas na freqüência de menos potência, isto é, em VHF de
não mais de 100 W e cobrem em média um raio de 25 km. Tal como para as rádios
comunitárias, ainda não existe uma lei que regulamente televisões comunitárias em
Moçambique. Como afirma Peruzzo (2000, p. 4), as transmissões televisivas �são
experimentos que objetivam exercitar a liberdade de expressão� com mensagens dirigidas às
comunidades locais onde ocorrem. As televisões comunitárias têm se tornado o instrumento
educativo e de entretenimento preferido dos membros das comunidades locais, por causa dos
noticiários, dos pequenos documentários e das novelas que transmitem.
Nota-se que, em todas as rádios comunitárias com as quais pudemos trabalhar, a
sessão de cartas se configura como um exemplo interessante, se a considerarmos como o
feedback do programa. É o espaço que o programa tem para verificar, testar, controlar e
ajustar a sua informação, aderindo-se dessa forma a uma visão positivista do processo de
comunicação baseado no modelo difusionista-modernizador, também adotada pela
ExtentçãoRural, para transmitir conhecimentos técnicos modernizantes, a fim de imprimir
mudança de comportamento dos produtores rurais para aumentar e melhorar qualitativamente
a sua produção.
Nesse processo, todas as decisões se centralizam no apresentador de programas, pois
cabe a este selecionar os conteúdos, ou seja, quais as cartas que serão respondidas pela equipe
da rádio, e se por meio de alguma reportagem, dos apresentadores ou das instituições de
130 1
prestação de serviços às comunidades, nos respectivos espaços de programação. Nesse
sentido, a sessão de cartas é tida pela produção do programa como um espaço de participação
dos produtores rurais, isto é, de membros da comunidade. Nessa sessão a audiência é
passivamente limitada, mas possibilita o feedback da mensagem e realimenta a proposta do
programa. No entanto, acreditamos que a sessão de cartas pode ser considerada como uma
prestação de serviço aos ouvintes do programa � isto é, aos produtores rurais �, pois, apesar
de privilegiar o emissor, ela não descarta por inteiro as demandas de sua audiência, uma vez
que é necessário atender a algumas delas para ser legitimada pela audiência.
A experiência adquirida pelo ICS ao longo de mais de 25 anos fez com que fosse
considerado uma instituição de vanguarda na implementação dos projetos de rádio e televisão
comunitárias em Moçambique. Assim, era necessário fortalecer-se técnica e financeiramente
para melhor assumir o papel de articulador das ações de rádio e teledifusão comunitária entre
outras instituições de comunicação ou de promotor de desenvolvimento local. As autoridades
e comunidades locais tinham que ser envolvidas no processo como parceiras de primeira
linha, e não apenas como beneficiárias colaterais. Essa acumulação de experiências na criação
e implementação de projetos de comunicação comunitária está presente na sociedade
moçambicana desde o tempo das aldeias comunais46, entre 1975 e 1987. A seguir,
apresentamos alguns dados históricos de cada uma das dez rádios e televisões comunitárias
moçambicanas.
46 Vilarejos criados pela Frelimo, retirando dos seus locais de origem todas as populações dispesrsas
para convivência comum na qual teriam toda a assistência necessária para a criação de cooperativas agrícolas,
ccoperativas de consumo, centros de saúde, escolas, troca de experiências culturais e esportivas, entre outras.
131 1
Mapa 04 � Mapa de localização geográfica das rádios e Televisões comunitárias
tuleladas pelo Estado47
5.1 Rádio e Televisão Comunitária Likungu
A Rádio Comunitária Likungu (RCL) foi fundada em setembro de 1997 pelo ICS.
Instalada em Mokuba, província da Zambézia, só em 2002, com a instalação da antena
Televisão de Moçambique, começou a produzir e emitir programas de rádio e televisão,
passando a ser conhecida como Rádio e Televisão Comunitária Likungu (RTVCL). Com a
rádio no ar, a comunidade começou a divulgar suas mensagens e a ouvir programas
educativos, recreativos e informativos, o que aconteceu também com a televisão, cujos
47 Mapa fornecido pelo Departamento das Rádios e Televisões Comunitárias do ICS, em Junho de
2005.
132 1
espectadores vibram com os programas transmitidos pelos emissores central e provincial da
Televisão de Moçambique (TVM) e/ou produzidos localmente.
As transmissões radiofônicas (em freqüência modulada 98.1) e as televisivas (em
sistema UHF) são feitas em três línguas � português, lomwe e chuwabo - e incluem as áreas
de saúde reprodutiva, produção agropecuária, HIV/AIDS , cultura, educação ambiental,
programa infantil, educação para jovens e gênero, entre outras.
Sob tutela do ICS, a RTVCL possui uma equipe de 8 trabalhadores efetivos que têm
salários garantidos pelo Orçamento do Estado e cerca de 20 voluntários, dos quais 6 são do
sexo feminino (vide anexo 1), que prestam serviços sem nenhum subsídio, mas por amor a sua
comunidade.
Celestino Castigo Conforme48, coordenador da RTVCL, revelou-nos que as
dificuldades enfrentadas pela emissora criam constrangimentos, resultando até em baixa
qualidade da informação produzida e veiculada. Tais dificuldades incluem desde o aspecto
financeiro, para as despesas de funcionamento da própria emissora, até o pagamento de
subsídios aos voluntários que prestam serviços. Para Conforme, �uma rádio não deve
funcionar apenas com a boa vontade dos seus colaboradores, mas, também, com incentivos
que os auxiliem na realização das suas atividades de produção e na emissão de programas�.
Nota-se que a Rádio e Televisão Comunitária Likungu funciona com uma equipe de
colaboradores na sua maioria jovens, entusiastas e de baixa escolaridade, os quais trabalham
apenas por prazer e vontade de aprender. De acordo com Conforme, �os nossos colaboradores
não auferem nenhum salário, pois trabalham a título de voluntariado, sem contar com o fato
de que nem a rádio nem muito menos a televisão possui orçamento para o efeito. Sua linha de
produção e apresentação se baseia em programas educativos, sociais, culturais, econômicos e
desportivos�. Aqui podemos destacar os programas de âmbito social que versam
essencialmente sobre o HIV/Aids e a saúde reprodutiva.
48 Em entrevista concedida ao autor em 21 de março de 2005.
133 1
A transmissão desses programas é feita em português e em línguas locais, tais como
manyawa, lomwe e chuwabo, para uma audiência residente nos distritos de Mokuba, Lugela,
Namarroi e Ile.
Conforme nos fala ainda que
os nossos jornalistas muitas vezes não conseguem se deslocar para distâncias longas para realizar o trabalho, por falta de meios de transporte. Se tivéssemos bicicletas, por exemplo, eles poderiam ir mais longe em busca de informações mais atualizadas. Mesmo assim, pensamos cumprir com o papel
pelo qual a Rádio e Televisão Comunitária Likungo foi criada. Sentimos que, ao logo da nossa existência como rádio, temos tido um grande e bom relacionamento como nosso público e envidamos todos os esforços para estarmos presentes em toda a província da Zambézia, para satisfazer as
necessidades de informação que o público tanto deseja ter.
Em suma, a Rádio Comunitária Likungo tem programas sobre �saúde reprodutiva, mulher e
desenvolvimento, vida saudável, cultura, espaço ambiental, infantil educação da rapariga e dos
jovens, gênero, desporto, cara a cara, magazine da mulher, entre outros� (vide anexo).
De acordo com o estudo realizado pela UNESCO, o impacto desta emissora é visto da
seguinte maneira:
Desde a abertura da rádio em Mocuba, a comunidade passou a ter mais acesso à informação e programação. Foi introduzido o método de escuta
coletiva através do uso de rádios à manivela49 distribuídos por grupos de
amigos da rádio. A comunidade passou a servir-se da rádio para expor as
suas preocupações e tentar encontrar as respectivas soluções.
5.2 Rádio Dondo
Numa visita que fizemos à Rádio Dondo nos foi facultada a consulta dos documentos
da Associação dos Serviços Comunitários (Asserco), pelos quais descobrimos que a iniciativa
de criar uma rádio comunitária na vila de Dondo, província de Sofala, surgiu após a
49 Rádio à manivela é um aparelho receptor de radiodifusão e usado em zonas rurais onde a população ainda não
tem acesso à energia eléctrica e muito menos dinheiro para a compra de pilhas. O referido recptor não usa pilhas
nem corrente elétrica, apenas a força humana, manivelando à estilo do antigo gramafone. Duas empresas fabricantes desse tipo de receptor são a empresa sulafricana Freeplay Engineering e a inglesa Freeplay Market
Development Limitedque, que podem ser consultadas através do seu Web Site http://www.freeplay.net.
134 1
submissão de uma candidatura pela Asserco, na seqüência de um concurso público lançado
pelo Projeto de Desenvolvimento da Mídia, da Unesco/PNUD.
Em maio de 2000, a Unesco anunciou oficialmente a aprovação da candidatura da
Asserco e iniciou um processo de criação das condições organizacionais para a instalação de
estruturas comunitárias locais que viessem a se tornar proprietárias da então futura estação
(WALKER, 2004, p.76). Walker assinala que �o Projeto Media viria, mais tarde, a assinar um
contrato com a ASSERCO, de modo a que esta organização apoiasse a criação de uma
associação local, para se tornar proprietária da estação. A associação viria a ser estabelecida;
foram eleitos os corpos sociais e os respectivos estatutos reconhecidos pelo Governador
Provincial�. A Rádio Dondo está no ar desde finais de 2002, em caráter experimental, e foi
oficialmente inaugurada em 27 de fevereiro de 2004.
A programação dessa rádio engloba agricultura, educação, saúde, democracia e
direitos humanos, mulher e sociedade, criança, cultura e recreação, juventude, esporte,
economia e negócios, HIV/Aids entre outros assuntos. As emissões são feitas em português,
ndau e sena, línguas mais correntes na região.
De acordo com Fernando Matangalizwe50, residente das redondezas da vila de Dondo,
a Rádio Dondo tem tido um grande impacto no nosso município e no distrito de Dondo. Graças a essa rádio foi instalado na vila um Gabinete de Apoio e Tratamento de Vírus do HIV (GATV), foi melhorada a prestação de serviços
de fornecimento de energia elétrica na vila e no distrito, melhorou-se o policiamento comunitário e abriram-se valas de drenagem em alguns bairros da vila. A nossa rádio funciona diariamente das 6h às 20h05, o que é muito
bom para os residentes da vila (WALKER, 2004, p.76).
A Rádio Dondo funciona com um total de 61 colaboradores, dos quais 54 são
voluntários e, dentre estes, apenas 12 (22.2%), são do sexo feminino (vide anexo 2).
50 Em entrevista concedida ao autor em 17 de maio de 2005.
135 1
5.3 Rádio Pax
A Rádio Pax foi fundada em 1954 pelo primeiro Bispo da Beira, D. Sebastião Soares
Resende. Propriedade da arquidiocese da Beira, capital da província de Sofala, teve um
importante papel na luta pela independência nacional e pela dignificação da maioria africana,
servindo como agente de mudança social, sempre a serviço dos pobres e oprimidos pelo então
regime político colonial e oferecendo espaço aos que não tinham acesso aos grandes meios de
comunicação.
O �Directório das Rádios Comunitárias de Moçambique�, compilado por Bronwyn
Walker (2004, p. 82), refere que por motivos político-religiosos a Rádio Pax foi encerrada em
1975 e só veio a ser reaberta 20 anos depois, em 1995 e, dessa vez, com orientação
comunitária e sem fins lucrativos. A rádio trabalha com emissões diárias e sua programação,
que começa as 9h e termina às 20h, tem em sua grade assuntos como saúde, agricultura,
educação para o combate ao HIV/Aids, educação religiosa, direitos humanos, mulher, esporte,
cultura e música, além de programação infantil, emitidos em português, ndau e sena, estas
duas as mais correntes na região.
Mário Manjalaze51, residente na cidade da Beira e um dos ouvintes da Rádio Pax,
revelou-nos que esta tem sido �muito importante na vida da cidade da Beira e seus arredores.
Com os programas da Rádio Pax, a população da Beira está mais informada, mais bem
formada e orientada a uma mudança na sua vida social. Desta vez a Rádio Pax voltou para
ficar e servir aos cidadãos da cidade da Beira�.
A rádio é dirigida por um diretor que responde diretamente ao Arcebispo da Beira e
tem, entre o pessoal jornalístico, técnico e operacional, um total de 27 trabalhadores (vide
anexo 3). Também conta com 13 voluntários, na sua maioria jovens da Igreja Católica. Seu
sustento provém de fundos doados pela Igreja e das receitas que resultam de publicidade,
anúncios, venda de cupons para dedicatórias, entre outras.
51 Em entrevista concedida ao autor em 18 de maio de 2005.
136 1
Sua programação se funde na �saúde, agricultura, desporto, mulher, educação,
religião, HIV/AIDS, jovens e crianças�. Segundo o estudo da UNESCO (WALKER, 2004, p.
82), o impacto da emissora na comunidade é positivo, visto que �a população está mais
informada e com sinal de uma mudança na convivência social�.
5.4 Rádio e Televisão Comunitária de Vilankulu
A Rádio e Televisão Comunitária de Vilankulu (RTCV) foi instalada pelo ICS, seu
órgão de tutela, em 2000. Um ano depois iniciou as suas emissões diárias, nas freqüências de
FM 105.6 em rádio e, em televisão, em UHF.
Com um pouco mais de 20 colaboradores distribuídos em diversas atividades, 7 são do
sexo feminino e 13 do sexo masculino. Do total de colaboradores encontramos também 8
voluntários (vide anexo 4). Como sua missão e objetivos, a estação elegeu a comunicação
para o desenvolvimento, a fim de veicular informações que visam a educar e a
instrumentalizar as comunidades de Vilankulu para o combate à pobreza absoluta.
Num trabalho de pesquisa de campo realizado na vila de Vilankulu, província de
Inhambane, pudemos verificar de perto o quanto a rádio e televisão local encontra inserção na
vida da comunidade. Respondendo à nossa entrevista, Manuel Tsenane52, membro dessa
comunidade, disse estar contente por ter na sua vila uma rádio e uma televisão, meios
importantes para a sensibilização e informação da população local sobre questões que lhes
dizem respeito. �Na Rádio e Televisão de Vilankulu, nós podemos ouvir e ver pessoas da
nossa comunidade falando de nós para nós mesmos. Assim, muita gente recebe a mensagem
ainda fresca e fácil de ser entendida, porque os locutores e apresentadores dos programas são
pessoas que conhecemos, são filho e membros da nossa comunidade. Isso é muito bom para
nós�.
52 Manuel Tsenane, em entrevista concedida ao autor em 1º de maio de 2004, em Vilankulo, Inhambane.
137 1
Desde a sua fundação, em 2000, a RTCV produz e emite programas em português e
xitshwa � esta, a língua mais falada em todo o distrito de Vilankulu e também em quase toda a
província de Inhambane.
Apesar de ser uma instituição comunitária tutelada pelo Estado, a Rádio e Televisão de
Vilankulu é gerida por um comitê composto de 9 membros. O presidente do município de
Vilankulu faz parte do comitê, extra-oficialmente.
Jacinta Naca, membro do comitê de gestão da RTCV disse estar �muito satisfeita em
ver o sonho da comunidade de Vilankulu se realizar. Há muito tempo sonhávamos em ter na
vila algum meio de comunicação que cobrisse o nosso distrito e, graças a Deus, hoje temos
dois meios de comunicação: a rádio e a televisão, ambas pertencentes à nossa comunidade�53.
Os programas da Rádio Comunitária de Vilankulu incluiem agricultura, informação,
desporto, notícias, espaço do munícipe, direito e democracia, educação, criança, desporto,
HIV/AIDS e cultura local. Quanto ao seu impacto, estudo da UNESCO refere que
�Com a instalação da Rádio Comunitária de Vilankulu, a comunidade do Município está a registrar mudanças em termos de comportamento em relação à educação da rapariga, educação sexual de jovens, melhoria na
produção agrícola, envolvimento da comunidade na luta contra doenças como malária, as diarréias, a cólera e o HIV/AIDS (WALKER, 2004, p. 89)�.
5.5 Rádio Arco-Homoine
A história da Associação da Rádio Comunitária de Homoine (Arco�Homoine),
província de Inhambane, está ligada àquilo que constitui a história das rádios comunitárias
financiadas pelo Projeto de Desenvolvimento da Mídia, da Unesco, em Moçambique. Houve
mobilização das comunidades locais em torno do projeto, que levaria à constituição da Arco-
Homoine e, no ano seguinte, um grupo de voluntários começou a ser formado para
trabalharem como produtores comunitários de programas radiofônicos. Em 2001 iniciaram-se
53 Entrevista concedida ao autor em 1º de Maio de 2004.
138 1
as emissões experimentais e a inauguração oficial da estação foi realizada em 25 de junho de
2002 (WOLKER, 2004, p. 78).
Emitindo sua programação em 18 horas diárias, em FM de 103.0 MHz, e cobrindo um
raio de 75 km, a Arco-Homoine tem como objetivo principal educar e promover o
desenvolvimento das comunidades locais do distrito de Homoine e usa como línguas de
trabalho a xitshwa, a xicopi e a portuguesa, sendo as duas primeiras as mais faladas na região.
Possui mais de 40 voluntários permanentes que na sua maioria são jovens estudantes e
professores das escolas existentes no distrito.
Compõem a estrutura administrativa a assembléia geral, constituída por todos os
membros da Arco, o comitê de gestão, constituído por membros da associação eleitos pelo
órgão máximo da associação e o comitê executivo, eleito pelo mesmo órgão para administrar
os destinos da emissora.
O comitê executivo compõe-se de coordenador da estação, gerente de administração e
finanças e alguns voluntários, num total de 51 pessoas, das quais 12 são do sexo feminino e
39 do sexo masculino, distribuídos em áreas de trabalho tais como gestão, administração,
técnica, jornalística e outras.
Sua sobrevivência se baseia em receitas provenientes de venda de cupons para
dedicatórias, pagamento de programas pré-produzidos por encomenda, pagamento de
atividades de cobertura a eventos especiais como casamentos e batizados, publicidade local,
patrocínios de empresas locais, apoios de ONGs que operam na região e outras contribuições
voluntárias. A Arco conta também com o apoio, em 15 milhões de meticais mensais, do
Projeto de Desenvolvimento da Mídia � Unesco.
Para sabermos o quanto a Rádio Arco de Homoine tem sido importante para a
comunidade daquela região, entrevistamos o Sr. Manuel Xitimela, trabalhador do posto de
gasolina na vila de Homoine, que nos revelou o seguinte:
Gosto muito da programação da Rádio Arco. Seus programas são melhores que os da Rádio Moçambique em Inhambane, pois a Arco das coisas que nós
vivemos no nosso dia-a-dia. É a rádio da comunidade de Homoine. Ela tem
139 1
sido muito útil, principalmente na prestação de informações gerais sobre a
vida do distrito, da província, do país e até do estrangeiro. Nos informa também quando há na comunidade algum falecimento, perda de animais,
bem como nos ensina sobre as técnicas agropecuárias. Um outro dado importante é que a Arco tem feito um grande trabalho de educação das
populações sobre a prevenção e combate ao HIV/Sida [HIV/Aids]. Graças à nossa rádio, muitas pessoas já sabem quais os perigos da prática de relações
sexuais ocasionais sem o uso da camisinha.
Xitimela disse ainda que �os praticantes da medicina tradicional também têm usado a
rádio para transmitir informações sobre a sua atividade. Todas as emissões são feitas não só
em português, mas também em xitshwa e xicopi, línguas mais faladas no distrito. As pessoas
gostam de acompanhar os programas nas suas próprias línguas.�
Com essa entrevista notamos o quanto a Rádio Arco tem sido importante para as
comunidades do distrito de Homoine. Percebemos, também, que o impacto tem sido maior,
pois como o Sr. Xitimela disse, as pessoas gostam de ouvir os programas da rádio quando são
transmitidos nas suas próprias línguas e, daí, assimilam as informações e mudam o seu
comportamento, em particular em relação à prevenção contra o vírus do HIV/Aids, doença
que desgraça muitas famílias em quase todo o território moçambicano.
A Rádio Arco-Homoine mantém sua programação sobre agricultura, jornal noticioso,
espaço de música, desporto, comunidade em foco, crianças, cultura, jovem, RM Jornal, discos
pedidos, entre outros. De acordo com Wlaker (2004, p. 89), o impacto da Rádio Arco-
Homoine se resume no �conhecimento da importância da rádio e do associativismo, facilidade
de comunicação entre familiares (anúncios), melhoramento no saneamento de meio�.
5.6 Rádio Nkomati
Com o objetivo de informar, educar e divertir a população do distrito da Manhiça e
arredores, a Rádio Nkomati surge no contexto da expansão das rádios comunitárias pelo
território moçambicano por meio de pedido feito pela comunidade da Manhiça quando da
instalação do telecentro na sede do distrito pelo Centro de Informática da Universidade
Eduardo Mondlane (Ciuem). Operando na freqüência modulada de 106.7 MHz, a Rádio
140 1
Nkomati iniciou suas emissões diárias em 2003, tendo como línguas de trabalho a changana e
a portuguesa. Sua cobertura abrange um raio de 50 km.
De um total de 89 colaboradores, 17 são do sexo feminino e 72 do sexo masculino
(vide anexo 6). Desse total, 62 são voluntários, majoritariamente jovens estudantes e
professores.
Carlitos Zefanias54, gestor técnico do telecentro da Manhiça, revelou-nos que a Rádio
Nkomati é propriedade dessa comunidade e é gerida por um comitê de 11 membros que
cumulativamente gere o telecentro. Segundo Carlitos, o telecentro foi instalado em 1999 e
desde a sua instalação, o telecentro veio sendo gerido por um membro da
comunidade, sob supervisão do Ciuem. Em março de 2004, o telecentro passou a ser gerido por uma associação local, a Associação do Telecentro da
Manhiça. É esta associação que hoje tem o telecentro que engloba a Rádio Nkomati como sua propriedade, em representação dos interesses das
comunidades do distrito da Manhiça. De um total de 62 voluntários que colaboram na Rádio Nkomati, apenas 16
são remunerados. Os restantes 46 apenas se beneficiam da formação em
informática e jornalismo e de fotocópias gratuitas quando precisarem.
Respondendo à nossa indagação a respeito das estratégias da Rádio Nkomati para
cobrir suas despesas com salários e funcionamento da estação, Carlitos Zefanias respondeu
que esta é mantida pelo telecentro.
Este [telecentro] tem suas receitas provenientes da venda de cupons para dedicatórias, publicidade local, cursos de informática, venda de serviços de
internet, digitação e impressão de documentos das entidades locais, fotocópias, encadernação. Com esses serviços, o telecentro arrecada, em
média, 25 milhões de meticais por mês (mil dólares americanos). Esse valor é apenas para as despesas da rádio. Além das receitas locais, o telecentro
recebe do Ciuem um apoio de 70 milhões por mês para custear suas despesas com salários, compra de material e manutenção de equipamento.
Outro entrevistado, Armando Manhiça, residente da vila da Manhiça, disse-nos que �a
Rádio Nkomati é um bem comunitário e é gerida pela comunidade. Ela difunde os
acontecimentos locais, educa a comunidade e a induz a mudança de comportamento em
matéria da saúde, particularmente sobre o HIV/Aids�. 54 Em entrevista concedida ao autor em 15 de outubro de 2004.
141 1
Em suma, a Rádio Nkomati tem sua programação baseada na agricultura, desporto,
programa de criança, dedicatórias mulher e lar, educação para o combate ao HIV/AIDS e um
programa chamado �doropa�, que discute assuntos da cidade. �Doropa� (em língua
Changana) significa �cidade�. Com a instalação da Rádio Nkomati na Vila da Manhiça, a
comunidade passou a a ter mais informação local, nacional e internacional; mais cuidados
com as doenças mais freqüentes do país como malária, tuberculose e HIV/AIDS; bem como
informação do trabalho e do Governo distrital (WLKWER, 2004, p. 96).
5.7 Rádio Moamba
Esta é uma das rádios tuteladas pelo Instituto de Comunicação Social (ICS). Instalada
em 1998, no mesmo ano iniciou suas transmissões diárias nas línguas changana e portuguesa,
em freqüência modulada de 102.7 MHz, cobrindo um raio de 60 km.
Sustentada pelo Orçamento Geral do Estado, com aproximadamente 35 milhões de
meticais por mês, a Rádio Comunitária da Moamba tem 5 funcionários remunerados pelo
Estado e cerca de 10 voluntários que recebem subsídios resultantes da venda de cupons para
dedicatórias e de publicidade local � receita que chega a 20% do valor recebido do Orçamento
do Estado.
Gerida por um coordenador local indicado pela comunidade e confirmado pelo
administrador do distrito, a rádio conta com a supervisão de um comitê de programação
composto por líderes comunitários, secretários dos bairros (pessoa que responde por assuntos
administrativos do bairro residencial).
Em entrevista concedida ao autor, Cláudio N�wamba, morador da vila de Moamba,
revelou-nos que a população do distrito considera a rádio comunitária seu próprio bem.
Em momentos de boa colheita nas machambas, nós contribuímos com
produtos ou dinheiro para apoiar as atividades da nossa rádio comunitária. Eu, pessoalmente, acompanho toda a programação da Rádio Moamba. Gosto
de estar informado do que acontece no meu distrito e no meu país. Por isso,
escuto muito os noticiários que passam de hora em hora, desde que abre, as
142 1
4h45, até as 21h5. Gosto também de escutar o RM Jornal, noticiário da
Rádio Moçambique que entra em cadeia todos os dias das 19h30 às 20h.
Conforme constatamos no terreno, a programação da Rádio Moamba tem as seguintes
rubricas importantes:
Educação �aspectos sociais, de cidadania, econômicos e culturais;
Saúde pública �combate a HIV/Aids, malária e doenças diarréicas;
Produção � técnicas de criação de animais e aves, agricultura familiar e preservação de
sementes;
Cultura � local, regional e nacional, com suas diversificações;
Meio ambiente � preservação da natureza;
Vida familiar � educação para a vida familiar;
Contos tradicionais
Música regional, nacional, africana e internacional;
RM-Jornal � jornal da Rádio Moçambique em cadeia com as rádios comunitárias;
Espaços informativos � informações sobre acontecimentos no Distrito de Moamba e
da Província de Maputo.
O estudo da UNESCO (WALKER, 2004, p. 101) refere que �desde a instalação da
rádio em Moamba, a sul da Província de Maputo, o distrito registou mudanças positivas em
termos de melhoria de técnicas agrícolas e pecuárias e outros aspectos sócio-económicos�.
5.8 Rádio Voz Coop
A Rádio Voz Coop situa-se no bairro de Bagamoio, no distrito urbano nº. 5, na cidade
de Maputo. De propriedade da União Geral das Cooperativas Agropecuárias (UGC) das
cidades de Maputo e Matola, a qual congrega neste momento cerca de 6.000 membros em 186
cooperativas, a Voz Coop surgiu em 1999, quando o Projeto de Desenvolvimento da Mídia
avaliou candidaturas de associações cívicas nacionais com interesse em instalar e gerir rádios
comunitárias (WALKER. 2004, p. 105). Iniciou-se, então, a concretização de um sonho já há
143 1
muito acalentado pelos associados da UGC: ter uma rádio da comunidade de produtores
agropecuários que pudesse garantir voz e espaço para a luta pelos seus direitos.
Operando em FM de 91.4 MHz, a Voz Coop iniciou suas emissões em 11 de julho de
2002, cobrindo um raio de 100 km e transmitindo os seus programas nas línguas ronga e
portuguesa. Sua programação baseia-se em informação, educação, cultura, esporte e
entretenimento. Possui 83 colaboradores, entre eles técnicos de gestão, administrativos e de
radiodifusão, jornalistas e voluntários. Do total de colaboradores, 32 são mulheres.
No seu estatuto (UGC, 2001, p. 1), a UGC define como objetivos gerais da Voz Coop:
Contribuir para o desenvolvimento do movimento cooperativo agropecuário no
cinturão das cidades de Maputo e Matola, por meio da difusão de programas técnico-
informativos, educativos, culturais e recreativos com a participação direta e ativa das
comunidades geográfica e cooperativa;
Manter, no bairro de Bagamoyo, um serviço comunitário de radiodifusão por meio de
um emissor com funcionamento sob designação da Voz Coop.
Ainda o mesmo documento define a Voz Coop como:
Independente � postura editorial independente dos poderes político-governamentais,
de partidos políticos, de organizações ou interesses econômicos, religiosos, sindicais
e outros;
Cívica � pretende elevar o nível de consciência e solidariedade sociais, educar os
cidadãos em geral e os cooperativistas em particular sobre os seus direitos e deveres,
promover democracia, cidadania, justiça social, diálogo e participação;
Comunitária � pretende dar especial atenção às atividades, e às dificuldades da
comunidade, dos movimentos cooperativos agropecuários agregados à UGC, de
144 1
associações afins e de outras camadas sócio-econômicas e culturais das zonas peri-
urbanas de Maputo e Matola e de seus distritos vizinhos.
A Voz Coop tem uma estrutura administrativa um pouco diferente da das outras
rádios comunitárias visitadas. Esta tem a assembléia geral da UGC como órgão máximo
deliberativo. Para lidar especificamente com os assuntos da rádio, criou-se um comitê de
gestão e programação para o qual é eleito um coordenador, que trabalha com 69
colaboradores, distribuídos em diversas tarefas, como ilustra o anexo 9 do nosso trabalho.
A programação da Rádio Voz Coop se constitui de agricultura, SIDA, educação, programa
da mulher, educação para saúde,desporto, educação para o turismo, educação para
trânsito, entre outros; com grande impacto no meio de jovens aprendendo como valorizar
a sua própria cultura; elevação do nível de auto-estima na comunidade; aumento da
segurança e liberdade na circulação de pessoas em locais anteriormente críticos; uso
freqüente da Rádio pela comunidade para efeitos de anúncios; electrificação pela
outuridades competentes, de uma rua outrora freqüentada por malfeitores; obras de
melhoramento de alguns campos de futebol nos bairros, etc (WALKER, 2004, p. 105).
6. Autonomia e sustentabilidade das rádios e televisões comunitárias
Para que as rádios comunitárias tenham uma política editorial independente e
obtenham maior autonomia de decisão, é necessário contarem com fundos suficientes,
provenientes de fontes diversificadas. Além da sua geração de receitas e da contribuição dos
membros da comunidade, deveriam se beneficiar do Orçamento Geral de Estado, e de
contribuições de ONGs, pessoas físicas, empresários locais, administrações autárquicas e
outros. Poderia, até, criar uma espécie de figura do �amigo da rádio�, que mensalmente ou
anualmente contribuiria para o sustento da rádio que tivesse adotado como sua amiga. O
estabelecimento de parcerias pode ser uma forma de tornar viável a emissora, mas é preciso
garantir que a abertura aos apoios financeiros e materiais não descaracterize, de forma
alguma, a política editorial definida com o envolvimento da comunidade. As rádios
comunitárias situadas em lugares onde o comércio é forte, como é o caso das cidades de
Maputo, Beira, Chimoio e Nampula, conseguem angariar receitas localmente fazendo
anúncios em troca de dinheiro ou material. O mesmo não acontece com as rádios sediadas em
145 1
lugares como: Lago, no distrito de Metangula, província de Niassa; Mueda, na província de
Cabo Delgado, Ribáuè, na província de Nampula; Milange, na província da Zambézia;
Sussundenga, na província de Manica; Búzi, na província de Sofala; Báwa, na província de
Tete; Vilankulu e Homoine, na província de Inhambane; e Moamba e Namaacha, na província
de Maputo55.
Em Homoine, por exemplo, onde o comércio é fraco, a Rádio Arco-Homoine56
sobrevive à base de venda de cupons para dedicatórias e doações mobilizadas pelo clube de
�amigos da rádio�e sua receita não atinge 6 milhões de meticais por mês, quantia equivalente
a 250 dólares americanos (1 dólar = 24.000,00 meticais). Enquanto as receitas locais não são
suficientes para cobrir as despesas mensais da rádio comunitária57, equivalentes a cerca de
820 dólares americanos por mês, e a rádio não estrutura sua coordenação e mobilização de
fundos, o Projeto de Desenvolvimento da Mídia em Moçambique oferece a ela apoio
financeiro.
As rádios e televisões comunitárias que são da alçada do Instituto de Comunicação
Social, organismo público voltado para a aplicação das políticas de radiodifusão comunitária
no país, se beneficiam do Orçamento Geral do Estado. Além disso, algumas estão em
condições de produzir receitas localmente com a prestação de serviços diversos aos membros
da comunidade, como coberturas de evento58s festivos e anúncios das igrejas, cobrando taxas
que variam de 10.000,00 a 50.000,00 meticais. Essas taxas variam de região para região e são
determinadas pelo comitê de gestão da rádio, com a condição de não implicarem intromissão
dos contribuintes no conteúdo da programação, a fim de evitar o desvirtuamento desta.
Uma atividade interessante presente em quase todas as rádios comunitárias é a
produção e venda de cupons para dedicatórias, que consistem na compra, pelos ouvintes, de
cupons em que endereçam suas mensagens para pessoas de suas relações, sejam elas amigas,
55 Ver localização geográfica das rádios e televisões comunitárias � Tabela 01 e Mapa 03, neste
trabalho. 56 Ver item 3.7.5 do capítulo III 57 Que incluem pagamento de luz, telefone, água, salários, transporte, manutenção de equipamento,
material diverso, etc. 58 25.000 MT/ 1USD, câmbio médio praticado no mercado paralelo em 2005
146 1
colegas, familiares, etc., Isso, de fato, todas conseguem fazer, e com isso cobrem boa parte de
despesas com o material.
Nélia Taimo (2004, p. 4)59 afirma que os impressos de dedicatória são vendidos em
todas as rádios, com uma média de dez por dia. No verso do cupom existe um espaço onde é
solicitado ao ouvinte escrever sua opinião sobre a programação da rádio e colocar suas
sugestões e reclamações. Como refere Taimo, as opiniões dos ouvintes constantes nos versos
dos cupons permitiram analisar o relacionamento da comunidade com a rádio por meio da
identificação do perfil consumidor das dedicatórias. �A análise deste perfil ajudou a rádio
comunitária do Dondo60, por exemplo, a convidar os ouvintes que mais enviaram dedicatórias
a formar um �Clube de Amigos da Rádio�, com o objetivo de ajudar a mobilizar voluntários
na comunidade e a recolher de forma permanente a opinião dos ouvintes.�
Em relação à questão da sustentabilidade, pode-se perguntar: que futuro as rádios e
televisões comunitárias esperam? A missão principal do Fórum Nacional de Rádios
Comunitárias (Forcom), criado em abril de 2004, é encontrar formas de responder a essa
inquietação � que é também de todos os operadores dessas rádios e televisões �, pois seu
objetivo é fortalecer os meios de comunicação comunitários defendendo os interesses
comuns, �tendo como meta final a sustentabilidade das rádios a longo prazo nos domínios
gerais de (a) desenvolvimento institucional, (b) desenvolvimento de recursos humanos, (c)
sustentabilidade editorial e financeira e (d) sustentabilidade técnica� (TAIMO, 2004, p. 9).
Outra tarefa importante do Forcom é organizar as rádios comunitárias para estabelecer
redes de correspondentes locais e postos administrativos de cada cidade, distrito ou província
em que se localizem. Feito isto, estarão criadas as condições para o estabelecimento de uma
rede nacional das rádios comunitárias que lhes será muito útil para a troca de informações,
material e experiências de trabalho no ramo.
O movimento das rádios comunitárias em voga no país tem apoio de lideranças
religiosas e comunitárias e as instaladas em municípios são apoiadas pelos presidentes dos
59 Pesquisadora social em Moçambique. 60 Ver item 3.7.3 do capítulo III.
147 1
conselhos municipais, pois estes acreditam que a rádio constitui um instrumento de diálogo
entre o poder local e a comunidade. Desse modo, em lugares onde a Rádio Moçambique não é
captada, os líderes locais tomaram para si a tarefa de mobilizar a comunidade a contribuir
financeiramente com a instalação da rádio comunitária que hoje recebe e retransmite o RM-
Jornal, principal noticiário da Rádio Moçambique.
Alfredo Finiasse Vilankulu,61 ouvinte e telespectador da Rádio e Televisão
Comunitária de Vilankulu, afirma que �a rádio veio para facilitar a comunicação na vila�,
pois, para ele, a Rádio Comunitária de Vilankulu �tem sido muito útil na transmissão de
avisos para a comunidade e na convocação de reuniões de grande urgência, que antes eram
feitas boca-a-boca e de casa em casa e demoravam a chegar.
Hoje, a educação, a informação, a formação e a cultura também navegam pelas ondas
das emissoras de rádio comunitárias, que levam entretenimento e serviços de utilidade pública
às comunidades locais onde estão inseridas.
As rádios comunitárias cobrem um raio de aproximadamente 60 km e ajudam a
promover a auto-estima, a dignidade e a integração dos seus ouvintes. A Unesco, por
intermédio do Projeto de Desenvolvimento da Mídia já financiou a instalação de mais de oito
rádios comunitárias e tem o apoio do governo moçambicano nessas iniciativas. O Instituto de
Comunicação Social, beneficiando-se das verbas do Orçamento Geral de Estado, desenvolve
desde a sua fundação em 1977, suas atividades no âmbito da comunicação comunitária em
todas as onze províncias moçambicanas, incluindo a cidade de Maputo.
7. Relação rádios comunitárias e privadas
No contacto feito junto às rádios comunitárias que representam o universo do nosso
estudo, constatamos não existir nenhuma relação entre as rádios comunitárias e as privadas,
isto por causa dos regimes de propriedade e de sustentabilidade que orientam cada grupo de
rádios. Conforme referimos anteriormente, as rádios comunitárias são as que não visam lucro,
61 Em entrevista concedida ao autor no dia 1º de maio de 2004, em Vulankulo, Inhambane.
148 1
são pertenças das comunidades onde se encontram inseridas, geridas pelas comunidades e
servem os interesses destas. Sua filosofia básica difundir os feitos e as experiências das
comunidades e trazendo as de outras em forma de troca de serviços.
O único relacionamento algumas rádios comunitárias têm estabelecido é com a Rádio
Moçambique, em forma de troca de serviços. Neste âmbito, a Rádio Moçambique garante às
rádios comunitárias a assistência técnica aos equipamentos bem como oferecer capacitação
técnica aos operadores das rádios comunitárias. Em troca, as rádios comunitárias, por estarem
inseridas na comunidade locais, colhem, em primeira mão, informações dos acontecimentos e
repassam-nos à rádio Moçambique. Por outro lado, as rádios comunitárias oferecem o espaço
do horário nobre para a retransmissão do RM-Jornal que vai ao ar todos os dias das 12:30 as
13:00 e da 19:30 as 20:00.
Manuel Veterano62, Presidente do Conselho de Administração da Rádio Moçambique,
sustenta que a cooperação entre a sua instituição e as rádios comunitárias só traz benefícios
para ambas as partes. Segundo Veterano, �a Rádio Moçambique tem experiência técnica e
pode, sem ônus, dar assistências às rádios comunitárias e, em troca, estas partilharem conosco
informações que colhem no campo porque elas têm acesso direto às comunidades, facilidade
que a Rádio Moçambique não tem apesar de estar cobrindo 80% do território nacional�. A
mesma opinião é partilhada pela Sofia Ibrahim63, Diretora Geral do Instituto de Comunicação
Social, quando diz que
�o ICS, apesar de tem o seu pessoal técnico que assiste as suas rádios
comunitárias, não tem tido capacidade de fazê-lo suficientemente
devido à insuficiência financeira para fazer cobrir as despesas de
deslocação dos técnicos para os locais onde estão instaladas as rádios
comunitárias. Para o efeito, recorrem à Rádio Moçambique que, em
forma de troca de serviços, os técnicos baseados nos seus emissores
provinciais, deslocam-se às rádios comunitárias na Província e nos
resolvem os problemas técnicos, bem como treinar os nossos
62 Em entrevista concedida ao autor em 16 de Fevereiro de 2003, em Maputo. 63 Em entrevista concedida ao autor em 11 de Fevereiro de 2003. em Maputo
149 1
operadores técnicos. Isso tem trazido uma mais valia para o Instituto de
Comunicação Social�.
8. O enquadramento legal das rádios e televisões comunitárias
A Constituição da República de 1990 é o mais importante marco legal do país e
reconhece o direito de todos os cidadãos à liberdade de expressão e de imprensa; a magna
carta abriu espaço para que fosse aprovada pela Assembléia da República a primeira Lei de
Imprensa do país (Lei 18/91), a qual define os princípios que regem a atividade da imprensa e
estabelece os direitos e deveres dos profissionais de comunicação social.
Por sua natureza, a Lei de Imprensa é bastante abrangente e fornece o quadro jurídico
e de regulamentação para as atividades de radiodifusão comunitária. No entanto, o decreto nº.
9/03, de 22 de junho de 1993, que estabelece as condições de participação dos setores
cooperativo, misto ou privado na radiodifusão e na televisão, não oferece provimento legal à
participação de operadores não-profissionais. Esse aspecto constitui objeto de regulamentação
específica, conforme refere o artigo 29 do mesmo decreto.
A República de Moçambique, embora disponha de uma legislação aberta e
democrática em relação aos meios de comunicação social, não possui, no entanto, qualquer
legislação específica que regule a comunicação social de caráter comunitário, em particular as
rádios e televisões comunitárias.
Tendo em vista esse panorama, qual é, afinal, o enquadramento legal desse setor de
comunicação social?
As rádios comunitárias de orientação estatal têm um mandato concedido pelo
Primeiro-Ministro, por intermédio do Gabinete de Informação, e são tuteladas pelo Instituto
de Comunicação Social (ICS). As estações de orientação religiosa trabalham num espaço
excepcional dentro da legislação para mídia privada e as estações sob gestão das comunidades
locais, o caso específico das por nós visitadas, trabalham ao abrigo da legislação para as
150 1
associações, as quais podem possuir e operar os seus meios de comunicação social nos termos
do decreto 9/93.
Nesse contexto, cada rádio, TV ou associação comunitária cria uma estrutura com
corpo deliberativo, executivo e fiscalizador reconhecidos legalmente pelos governos distrital e
provincial e pelo registro notarial local. Os caminhos para a atribuição da referida autorização
são bastante sinuosos, porque o processo envolve diversos atores: a obtenção de licença e
freqüência é feita junto ao Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), o
qual analisa os aspectos técnicos da rádio e atribui a correspondente freqüência; a emissão do
alvará é feita pelo Gabinete de Informação; a autorização para o funcionamento é da
competência do Conselho de Ministros.
Os três primeiros procedimentos demoram de um a dois meses e o último, o da
formalização e confirmação ao mais alto nível governamental, pode durar de seis a doze
meses.
Vale ressaltar que o ICS foi a primeira instituição do país a criar rádios comunitárias, o
que o torna referência no assunto, e que há muitas iniciativas, de instituições religiosas,
associações, organizações não-governamentais e mesmo de cooperação internacional, como o
Projeto de Desenvolvimento da Mídia em Moçambique (Unesco Media Project)64. Em relação
à implantação dessas rádios, algumas instituições acreditam que o ICS tem múltiplas
vantagens na obtenção de freqüências e na isenção de taxas e impostos, por seu caráter estatal.
A existência de regulamentação específica evitaria ambigüidades e mal�entendidos,
beneficiando a todos.
Como forma de implementar o estabelecido no artigo 74 da Constituição da
República, o governo tem atendido a inúmeros pedidos de licenciamento de operadores locais
e comunitários no setor de difusão para rádio e televisão, procurando garantir a comunicação
64 Criado pela Unesco e pelo governo moçambicano com a missão de promover a democratização dos
meios de comunicação social e apoiar a criação e o desenvolvimento da mídia independente e a concepção e
implementação dos projetos de instalação das rádios comunitárias em Moçambique.
151 1
em prol do desenvolvimento orientado para as comunidades e ou populações locais, sobretudo
as das áreas rurais.
As primeiras rádios comunitárias (ou RCs), a Xai-Xai e a Moamba, foram criadas pelo
ICS e seguidas pelas financiadas e instaladas pelo Projeto de Desenvolvimento da Mídia de
Moçambique. Outras rádios tidas como comunitárias são, por exemplo, a Encontro e a Maria,
da Igreja Católica, e a Miramar, da Igreja Universal do Reino de Deus.
Desde o início, as rádios comunitárias funcionam sem proteção legal; ainda, conforme
já dissemos, não existe nenhuma legislação ou regulamentação específica para essas rádios
comunitárias, o que evidentemente cria uma série de problemas para os operadores.
A inexistência de uma lei específica para a radiodifusão comunitária é notada em uma
diversidade de aspectos que não se enquadram no que estabelece o artigo 29 do decreto nº.
9/93, de que incluem a propriedade e a natureza das estações, os processos constitutivos e de
gestão, os conteúdos programáticos e o público-alvo. Além disso, não se sabe qual é o
enquadramento legal e institucional das rádios comunitárias em Moçambique, se podem ou
não pagar os impostos, se estão sujeitas ao direito público ou privado. Sua proteção legal
existente é a Lei de Imprensa e a Lei das associações.
Essa situação tem preocupado os operadores, o que fez com que representantes de
diversas instituições relevantes, apoiados pelo Projeto de Desenvolvimento da Mídia em
Moçambique, promovessem, em 2002, uma série de debates com vista à elaboração de uma
proposta de regulamentação da existência e do funcionamento das rádios comunitárias no
país.
Como refere Peruzzo (2003, p. 245),
A comunicação comunitária acaba por se revelar um fenômeno complexo,
pois não tem visibilidade amplificada como é a da grande mídia, além de poder ser compreendida de diferentes maneiras. Em suma, diferentes manifestações de comunicação que ocorrem em nível local são colocadas indiscriminadamente sob o rótulo de comunitárias, o que acaba por gerar
distorções na compreensão do fenômeno. Alguns princípios são fundamentais para a consecução de uma comunicação comunitária. Para ser
considerada como tal, não basta que seja de baixo alcance e que se destine a
152 1
pequenas localidades. É necessário que suas ações sejam sustentadas e
orientadas para fins comunitários.
Tomás Vieira Mário65, sustentando a necessidade de um instrumento legal para o setor
da comunicação comunitária, refere que �o que ocorre agora é que as rádios comunitárias que
estão debaixo do Estado através do Instituto de Comunicação Social (ICS) são cobertas pelo
quadro legal desta instituição. As outras rádios encontram a cobertura para existirem como
comunitárias, não como comerciais, mas como pertencentes das associações cívicas, por estas
possuírem uma base legal para a sua existência�. Assim, as rádios existem como patrimônio
dessas associações e não por possuírem um reconhecimento legal.
Na verdade, não existe nenhuma legislação sobre as rádios comunitárias em
Moçambique e essa necessidade já é percebida, de modo que o Gabinete de Informação,
órgão que tutela o setor de comunicação social, preparou uma proposta de regulamento sobre
radiodifusão local, a qual mereceu a aprovação pelo Conselho de Ministros, em 2004. Esse
documento, na sua primeira página, apresenta a radiodifusão local como �a difusão
radiofónica e televisiva em frequência modulada, operada em baixa potência aparente e
cobertura restrita, com sede na localidade ou área de prestação de serviço�. Explica que se
trata de �baixa potência aparente limitada quando a rádio opera a um máximo de 500 watts e
altura do sistema irradiante não superior a 30 metros� e de �cobertura restrita aquela destinada
ao atendimento de determinada comunidade ou população de uma localidade, vila ou bairro�.
No nosso entender, essa conceituação resume exatamente aquilo que constitui a essência da
radiodifusão comunitária e significa um passo largo para a criação de um instrumento
específico, em termos de legislação, para esse setor.
No que diz respeito ao uso de espaço da rádio comunitária, não é para qualquer um.
Apenas os operadores das rádios comunitárias é tem acesso e, quando muito, as autoridades
locais e chefes tradicionais, em coordenação com o Comitê de Programa de cada rádio
(dependendo da estrutura de cada rádio), para anunciarem alguns acontecimentos públicos
que envolvem todos os membros da comunidade e para o bem desta. Para se evitar atropelos
aos usos e costumes locais, os membros da equipe edidtorial ou de programação são
chamados a uma linguagem praticada na comunidade e por esta respeitada, principalmente
65 Em entrevista concedida ao autor em 20 de janeiro de 2003, em Maputo.
153 1
quando se trata de discursos vinculados aos programas de educação para o combate ao
AIV/AIDS.
9. O uso das línguas moçambicanas nos meios de comunicação de massa
comunitários
Falada ou escrita, a língua é um meio de comunicação privilegiada que, pelo seu
domínio, abre à humanidade um caminho versátil e de possibilidades praticamente
inesgotáveis de expressão. É pela língua que o ser humano veicula a cultura e projeta no
mundo o que ele realmente é.
Na maioria dos países africanos, devido a seus antecedentes históricos, as línguas
oficiais são originárias das ex-potências colonizadoras, todas elas européias, mas seu uso
ocorre paralelamente ao de uma infinidade de línguas nacionais, as quais são freqüentemente
o único sustentáculo lingüístico para a maioria da população.
Moçambique não é exceção a essa regra. Com mais de 20 línguas faladas no país, a
oficial é o português, que, apesar disso, é acessível a uma minoria concentrada nos centros
urbanos e suas periferias, que corresponde a 43,3% da população moçambicana. Tal minoria é
subdividida em dois grupos, dos quais se estima que um seja constituído por falantes
exclusivos da língua portuguesa (2,36%) e outro (97,64%), por pessoas que falam
simultaneamente o português e uma ou duas das línguas moçambicanas mais utilizadas, como
makuwa, lomwe, chuwabo, shimakonde, nyanja, nyungwe, xitewe, sena, ndau, xitshwa, xicopi,
changana e ronga. A grande maioria da população (56,7%) desconhece totalmente o
português e comunica-se apenas em suas línguas de origem, as quais não sabem ler nem
escrever. A insuficiência do instrumento de intervenção e de comunicação dos não-
alfabetizados ou desconhecedores da língua oficial faz com que estes se sintam privados de
participar do processo de desenvolvimento nacional em curso, devido à insuficiência de seu
instrumento de intervenção e de comunicação. Cabe salientar que, dessa maioria, cerca de
70% encontra-se concentrada nas áreas rurais.66
66 Dados do Instituto Nacional de Estatístas (INE), Maputo, 2003.
154 1
As campanhas de alfabetização e educação de adultos realizadas no país desde 1975
sempre foram feitas apenas em língua portuguesa. Tais campanhas não têm alcançado bons
resultados, pois, para os alfabetizandos adultos, a promoção da alfabetização em língua
portuguesa revela uma dupla violência: ao mesmo tempo em que se exige dele o domínio dos
rudimentos da escrita desse idioma, é preciso que ele assimile as informações de acordo com
sua lógica interna de raciocínio. Isso nos leva a concluir que a melhor forma de resolver o
problema de analfabetismo no país, como primeiro passo para o desenvolvimento sustentável,
é promover a alfabetização pelas línguas de uso corrente dos alfabetizandos, aproveitando as
experiências levadas a cabo por algumas igrejas até antes da Independência Nacional, as quais
promoviam a alfabetização em línguas moçambicanas aos que a elas se convertiam, como
forma de prepará-los para a evangelização dos não-convertidos.
O uso das línguas moçambicanas nos meios de comunicação social começou no
período colonial, essencialmente para promover uma maior penetração da propaganda
colonial-fascista e incentivar o divisionismo, o tribalismo e o regionalismo no seio da
população moçambicana. Com o início da luta armada de libertação nacional, em 1964, o
colonialismo português passou a usar essas línguas com o objetivo de desvirtuar os princípios
da luta pela autodeterminação e independência do povo. Nesse momento foi criada, na então
Rádio Clube de Moçambique, a emissora Voz de Moçambique, a qual transmitia seus
programas pelos emissores de Lourenço Marque (hoje Maputo), Quelimane, Nampula e Porto
Amélia (hoje Pemba), sob responsabilidade dos Serviços de Ação Psicossocial � Divisão de
Ação Educativa e Social, do governo colonial. A produção do programa competia, portanto,
àquele órgão, em línguas xichangana e xironga; em Quelimane e Nampula, em makuwa; e,
em Pemba, em shimakonde.
Conforme já referimos em outro trabalho (JANE, 1990, p. 175), a Frelimo, na sua
Conferência de Informação e Propaganda, realizada em novembro de 1975, recomendou à
Rádio Moçambique o uso das línguas moçambicanas em suas transmissões e, não sendo
verificado, voltou a constar na agenda do 1º Seminário Nacional da Informação, realizado de
12 a 15 de novembro de 1977, na cidade de Maputo. Nos documentos desse seminário,
segundo Jane (1990, p. 175), os participantes recomendaram que:
155 1
a) A Rádio Moçambique continuasse a ser o principal veículo das línguas
moçambicanas no conjunto dos órgãos de informação;
b) A propaganda da Rádio Moçambique em línguas nacionais fosse reestruturada em
prol de uma definição correta de prioridades, considerando as limitações técnicas,
materiais e humanas que se verificavam nessas emissões;
c) A Rádio Moçambique promovesse o ensino da língua portuguesa pelo sistema
alfabetização à distância e divulgasse técnicas e conhecimentos básicos de higiene,
saúde, alimentação, agricultura, construção, fabricação de instrumentos simples,
cuidado com as crianças e sua educação na família, etc.
d) As emissões em línguas nacionais fossem uniformizadas, diminuindo o desequilíbrio
existente entre a emissão em ronga e nas demais línguas;
e) Particular importância fosse dada à elevação do nível técnico-profissional dos
tradutores de línguas moçambicanas;
f) Com o apoio das estruturas do Estado, designadamente do Ministério da Educação e
Cultura, fosse feito um estudo da linguagem utilizada nas emissões de rádio em
línguas moçambicanas, com particular atenção para a coleta e análise das
transformações e inovações que se operam na linguagem popular � cuja introdução
nos programas permitiria superar a estrutura semântica de conotação tradicional-
feudal e religiosa da linguagem utilizada na rádio;
g) A aprendizagem científica das línguas moçambicanas pelos jornalistas fosse
organizada e estimulada;
h) Na impossibilidade de, em curto prazo, utilizar as principais línguas moçambicanas
na imprensa e no cinema, fosse iniciado um estudo profundo e objetivo das
possibilidades mais eficazes de fazer, em especial pela imprensa.
156 1
As recomendações acima descritas enfrentaram dificuldades de implementação por
falta de condições técnicas nos meios de comunicação social, principalmente na rádio e no
cinema, até que foram feitos estudos de aplicação das propostas pelo Núcleo dos Estudos das
Línguas Moçambicanas (Nelimo), criado especificamente para o efeito pela Faculdade de
Letras da Universidade Eduardo Mondlane, em 1978. A partir dessa data vários estudos e
seminários vêm sendo realizados pela Nelimo e pela Rádio Moçambique, com vista à
padronização da ortografia das mais de 20 línguas moçambicanas, divididas em oito.
O português adotado como idioma oficial constitui uma segunda língua, uma vez que a
grande maioria da população moçambicana possui língua materna. O moçambicano só tem
contato com o português quando vai para a escola, fora desta se comunica em sua língua
materna ou na que predomina na região de origem, com a qual aprende a ser gente, aprende a
se descobrir e a conviver com seu semelhante.
No 1º Seminário sobre a Padronização da Ortografia das Línguas Moçambicanas,
organizado pela Nelimo e realizado no segundo semestre de 1988, Graça Machel, então
Ministra de Educação, no seu discurso de abertura destaca o enquadramento �pluri-étnico e
multi-linguístico� moçambicano como �a razão dialética da história que criou imperativos da
construção de uma Nação em que a língua de unidade nacional não é a língua materna da
maioria dos Moçambicanos� (JANE, 1990, p. 178). Nesse contexto, a �decisão política,
ocorrida no curso da própria luta armada de libertação nacional, de tomar a língua portuguesa
como língua oficial não traduz qualquer complexo perante o antigo colonizador ou o
reconhecimento da superioridade de sua cultura�. Isso se deveu à própria história da
colonização portuguesa em Moçambique, que se tornou parte da cultura moçambicana,
originalmente caracterizada por línguas locais, ao longo de quase cinco séculos de dominação
e exploração.
Enquanto o colonialismo negava o ensino aos moçambicanos, as missões religiosas
foram criando raízes no território nacional, a partir das três últimas décadas do século XIX,
promovendo a alfabetização dos moçambicanos em línguas locais com o objetivo de formar
quadros evangelizadores e garantir que a maioria de seus fiéis pudesse ler a Bíblia. Entretanto,
o colonialismo português advogava abertamente o racismo, afirmando que o ensino para
negros deveria ser limitado à formação de trabalhadores manuais, de forma a apoiar o
157 1
desenvolvimento capitalista da colônia. Nesse sentido, a educação era já equiparada ao
aportuguesamento dos negros, tal como Gomes (1899, p. 101) escreve, citando Mouzinho de
Albuquerque: �O que melhor temos a fazer para educar e civilizar o indígena é desenvolver
praticamente as suas aptidões de trabalho manual e aproveitá-lo para exploração da
Província�. Essas palavras deixam claro que não constituía preocupação do império colonial
português escolarizar o povo moçambicano: seu interesse principal era tornar os
moçambicanos instrumentos de produção e exploração de recursos locais para o
enriquecimento da capital do império.
Com essa política de ensino aplicada pelo colonialismo português, o moçambicano
negro era completamente afastado do ensino da língua portuguesa e científico em geral. Em
razão disso, até hoje a língua portuguesa não é falada nem conhecida pela maioria da
população, e, apesar de oficial, é, na melhor das hipóteses, a segunda língua de alguns.
Arlindo Lopes67, presidente do conselho de administração da Televisão de
Moçambique (TVM), afirmou que a introdução das línguas locais na programação desta,
principalmente para a transmissão de telejornais e outras informações de interesse nacional, já
foi analisada e que há planos nesse sentido, mas que, �[...] devido à diversidade de línguas
nacionais, o ideal seria a existência de mais um canal televisivo dentro da TVM para permitir
maior espaço e enquadramento dessas línguas nas emissões diárias�.
Como diz Namburete 2003, p. 39), referindo-se aos meios de comunicação social
como veículos de transformação da sociedade, �torna-se necessário que as comunidades
tenham acesso a esses meios para, através deles, operarem as mudanças necessárias�, mas isso
implicaria que as comunidades tivessem o mínimo de conhecimento da língua portuguesa,
preferencialmente utilizada pelos meios de comunicação social. Concordando com
Namburete, diríamos que a preferência dos grandes meios de comunicação social pelo uso da
língua portuguesa resulta principalmente de seu caráter oficial, capaz de superar divergências
que poderiam derivar da adoção de uma das línguas moçambicanas como língua nacional. Tal
preferência pelo uso do português, segundo Namburete (2003, p. 39), �cria grandes
constrangimentos, principalmente quando é sabido que a maioria da população não fala nem
67 Em entrevista concedida ao autor no dia 12 de fevereiro de 2003, em Maputo.
158 1
entende português, mesmo assim, é por meio dela que os grandes problemas do país são
debatidos e aprovados na casa do povo�, sem que este entenda o que é discutido e decidido
em seu nome.
Isso nos leva a concluir que, para que a informação chegue plenamente a todo o povo
moçambicano, torna-se necessário que, enquanto o português não for de domínio da maioria,
seja incentivado o uso das línguas moçambicanas nos grandes meios eletrônicos de
comunicação social, isto é, na rádio e na televisão, principalmente os do setor público (Rádio
Moçambique e Televisão de Moçambique). É preciso que se introduza nestes um sistema de
educação popular ou de ensino a distância da língua portuguesa, que se espera venha a ser de
fato uma língua de unidade nacional.
As rádios e televisões comunitárias, por estarem intimamente ligados à realidade das
comunidades locais, assumiram desde a experiência pioneira da Rádio Moçambique e do
Instituto de Comunicação Social, o uso das línguas moçambicanas de domínio local na sua
programação. O tempo de emissão é partilhado entre estas e a língua portuguesa, e os
programas transmitidos em português costumam ser também emitidos em línguas locais, o
que abre espaço para a compreensão e a conseqüente participação dos ouvintes em tudo o que
lhes é transmitido.
10. Rádios comunitárias e Telecentros
Os telecentros foram adotados amplamente nos Estados Unidos, no Canadá e na
Austrália, mas nesses países o enfoque é em serviços mais avançados, como acesso à internet
e a videoconferências, em vez de telefonia básica. Acredita-se que, ao oferecer serviços de
informação e comunicação, os telecentros adquirem grande utilidade para o desenvolvimento
das comunidades locais.
159 1
A definição de telecentro que parece consensual foi apresentada pela brasileira Rede
Telecentros, do Rio Grande do Sul (p.1)68: �É um espaço de universalização do acesso aos
recursos tecnológicos e de capacitação de pessoas para o uso de computadores e da Internet,
além de se contribuir num ambiente de comunicação e informação para uso das
comunidades�. Assim, o telecentro nasce com a finalidade de promover o bem-estar social e
de constituir-se num local de livre acesso à população, com equipamentos conectados à
internet, inúmeros serviços e programação permanente de atividades que atraiam o interesse
das pessoas pelo mundo virtual e as incentivem à transformação da realidade.
Nos países em desenvolvimento, em particular os do continente africano, os
telecentros são instalados em locais públicos que permitam o acesso dos cidadãos a meios e
serviços agregados que contribuam para o bem-estar social e econômico das comunidades
locais. Em alguns países como Gana, Quênia e Senegal, há abertura para o estabelecimento de
telecentros privados, mas grande parte dos telecentros estabelecidos na África recebeu
considerável apoio da Unesco, da União Internacional das Telecomunicações (ITU) e do
Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional (IDRC), entre várias outras
agências internacionais.
Existem na África mais de 30 projetos-piloto de Telecentros Comunitários
Multifuncionais (TCMs), que estão sendo executados para testar modelos, mecanismos de
implantação e estratégias que possibilitem sustentabilidade. Os mais conhecidos são os de
Benin, Moçambique, Mali, Tanzânia e Uganda, e o programa sul-africano apoiado pela
Agência Universal de Serviços (Universal Service Agency � USA)69.
O conceito de telecentro é recente e, por isso, principalmente no continente africano,
não há muito conhecimento produzido a respeito das formas de implementá-los e de garantir
sua sustentabilidade econômica, a qual pode demorar para ser alcançada e é, provavelmente, o
maior desafio dos TCMs africanos.
68 Programa de inclusão digital, da Secretaria da Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, acessado
em 06 de julho de 2005 - <http://www.sct.rs.gov.br>. 69 Alguns telecentros na África. www. http://www.telecentros.org.mz/pub.htm
160 1
Embora seja tecnicamente possível inaugurar telecentros pequenos na maioria das
aldeias rurais, economicamente pode ser inviável aumentar a oferta de serviços, pois é
importante que o telecentro seja adaptado às necessidades de serviços da comunidade local.
Um telecentro pode fornecer uma variedade de serviços para diferentes grupos de
usuários dentro de uma comunidade, em relação a temas como educação e treinamento,
informação, saúde, cultura, economia, bem-estar, questões sociais e segurança, entre outros.
O tipo mais simples de telecentro pode se resumir a um telefone celular alugado pelo
dono a pessoas de comunidades pequenas, onde há poucos ou até mesmo nenhum telefone;
telecentros ao ar livre que oferecem telefone e acesso à internet se tornam cada vez mais
comuns; alguns telefones, como o iPhone, na África do Sul, têm agora modem, tela de toque,
teclado e suporte para impressão. Telecentros como esses podem ser instalados em lojas de
artigos variados.
Outra possibilidade é um telecentro inicialmente oferecer um único aparelho de
telefone público e então, de acordo com a demanda, se expandir e obter aparelho de fax,
fotocopiadora e computador, passando a oferecer acesso à internet e a outros serviços.
De acordo com Jensen e Esterhuysen (2003, p.13.), o tamanho e o alcance de qualquer
telecentro dependem dos equipamentos que este possui; geralmente, há quatro tamanhos:
micro, mini, básico e multifuncional, e podem ser instalados em cooperativas, bibliotecas,
centros comunitários, igrejas e até mesmo em estações de rádio comunitária.
10.1 Telecentro: um novo espaço comunitário
O telecentro constitui um ambiente voltado para a oferta de cursos e treinamentos
presenciais e a distância, o qual oferece informações, serviços e até oportunidades de
negócios, tendo em vista o fortalecimento das condições de competitividade da microempresa
e da empresa de pequeno porte e o estímulo à criação de novos empreendimentos. Serve como
um instrumento para aproximar os cidadãos, as empresas e instituições públicas e privadas, as
161 1
organizações não-governamentais e a sociedade em geral do mundo das novas tecnologias de
informação e comunicação (NTIC).
A dificuldade de acesso a recursos digitais em Moçambique é grande e, como forma
de minimizá-la, a Universidade Eduardo Mondlane, em cumprimento do seu plano diretor e
em consonância com o plano qüinqüenal do governo, criou o Projeto dos Telecentros70, o qual
auxilia a instalação de telecentros multifuncionais em algumas comunidades rurais do país. O
objetivo imediato dos telecentros é permitir o acesso da comunidade à rede mundial de
computadores e aos serviços e informações oferecidos pelas autoridades governamentais às
comunidades onde esse espaço já existe. Esses telecentros são instalados em áreas de
desenvolvimento considerado baixo, para que as comunidades sejam beneficiadas pelos meios
disponibilizados para o seu desenvolvimento71.
Atualmente, Moçambique possui nove telecentros instalados e em pleno
funcionamento, localizados em Namaacha, Matola e Manhiça, na província de Maputo; Zona
Verde, na cidade de Maputo; cidade de Chókwè, na província de Gaza; Inhambane, na
província do mesmo nome; e Chimoio, Gôndola e Sussundenga, na província de Manica.
Cada telecentro é equipado com no mínimo dez computadores com conexão à internet de alta
velocidade, linha telefônica, impressora, máquina fotocopiadora, pequena biblioteca, emissora
de rádio comunitária de freqüência modulada (FM) que cobre um raio de aproximadamente
10 km e um telefone público72. Todos eles prestam serviços às suas comunidades,
contribuindo para o desenvolvimento local, e apesar de haver diferenças entre si devido a
especificidades locais, cada telecentro procura auto-sustentabilidade econômica e financeira
vendendo serviços à comunidade por preços acessíveis.
Os telecentros de Moçambique nasceram de um projeto-piloto fruto de uma iniciativa
do Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane (Ciuem), instituição de
70 Projeto de instalação dos telecentros na vila da Manhiça e na vila de Namaacha. Centro de
Informática da Universidade Eduardo Mondlane: http://www.telecentros.org.mz, acessado em 8 de julho de 2005 71 Telecentros de Moçambique. Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane: Disponível
em: <http://www.telecentros.org.mz>. Acessado em 8 de julho de 2005 72 Telecentros em Moçambique. Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane � CIUEM,
2003, p.1. Disponível em: <http://www.telecentros.org.mz> Acessado em 8 de julho de 2005.
162 1
propriedade pública que se responsabiliza pela coordenação das atividades de apoio a todos os
telecentros do país. O Ciuem trabalha com equipes multidisciplinares constituídas por
acadêmicos, engenheiros e técnicos da Universidade Eduardo Mondlane e das
Telecomunicações de Moçambique, que garantem a realização de estudos de viabilidade e a
avaliação periódica dos telecentros.
Os primeiros três telecentros instalados em Moçambique, em 1999, nas vilas de
Namaacha e Manhiça, foram financiados pelo Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento
Internacional (IDRC) do Canadá, primeiro parceiro do Ciuem. Essa iniciativa surgiu no
âmbito das estratégias do Programa Acácia73, com o objetivo de incentivar o desenvolvimento
das zonas rurais pela facilitação do acesso das comunidades locais às novas tecnologias de
informação e comunicação. A W.K.Kellogg Foundation tornou-se o segundo parceiro do
Ciuem, financiando o estabelecimento de três telecentros de Manica e um de Gaza, todos
inaugurados em 200274, e atuando no âmbito da estratégia de desenvolvimento rural integrado
em distritos previamente selecionados daquelas províncias.
O telecentro aparece hoje como um espaço de comunicação e informação para as
comunidades, de universalização do acesso aos recursos tecnológicos e de capacitação de
pessoas para o uso dos computadores e da internet. Configura-se como um estabelecimento de
cunho social, por proporcionar livre acesso da população aos serviços oferecidos. O telecentro
disponibiliza, com a internet, uma série de serviços e programação permanente de atividades
que atraiam o interesse das pessoas pelas possibilidades do mundo virtual, permitindo, dessa
forma, mudanças nos hábitos da comunidade as quais se revertam em qualidade de vida.
Uma das características principais do telecentro é a participação da comunidade: antes
de inaugurar um telecentro, é importante consultar a comunidade local e observar se há
adesão ao projeto, pois esta precisa acreditar na importância dos benefícios a serem oferecidos
e se envolver na gestão e em todas as instâncias decisórias. Para a comunidade, o telecentro
73 Programa criado pela Associação Acácia, em 2004, cuja atividade principal é promover o replantio
de acácias na vila de Namaacha. 74 Telecentros de Moçambique. Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane - CIUEM
Disponível em: <http://www.telecentros.org.mz.> Acessado em 8 de julho de 2005
163 1
deve dinamizar e incentivar a geração de renda e o combate à exclusão, isto é, deve ser um
instrumento de inclusão dos membros da comunidade em defesa dos interesses comuns.
Tal como acontece com as rádios e televisões comunitárias vistas em capítulo anterior,
a participação das comunidades nos projetos de estabelecimento de telecentros não é
novidade; desde o estabelecimento dos dois primeiros telecentros (Namaacha e Manhiça), as
comunidades locais foram chamadas a participar de forma efetiva e atuante na implementação
desses órgãos. Esse conceito foi ampliado para outras regiões do país e hoje cada telecentro
mantém um conselho de gestão constituído por pessoas da comunidade eleitas em assembléia.
10.2 A contribuição dos telecentros para o desenvolvimento local
O estabelecimento de telecentros na África constitui um grande desafio para todos os
países do continente, em particular Moçambique, afinal, trata-se de usar as novas tecnologias
de informação e comunicação (NTIC) como ferramentas para o combate à pobreza absoluta,
batalha travada desde o fim da guerra dos 17 anos, em 1992. No nosso entender, para ganhar
essa batalha é necessário, entre outras coisas, que a população moçambicana tenha acesso aos
serviços de comunicação e informação oferecidos pelos telecentros que estão sendo
estabelecidos no país.
Apesar de cada telecentro possuir características locais próprias, muitos de seus
objetivos são comuns, entre eles, estimular e responder à demanda por serviços de informação
e comunicação, de forma a atender às necessidades da comunidade. De certo modo, todos os
telecentros desempenham um papel relevante nas comunidades às quais servem; um indicador
importante do sucesso de qualquer telecentro é a profundidade da integração com a
comunidade onde estão inseridos.
Ao serem beneficiadas pelo telecentro com serviços que os fortaleçam pessoal e
profissionalmente e que também auxiliem o desenvolvimento da comunidade, as pessoas têm
uma sensação de pertença para como telecentro. Se a população � ou seus representantes �
está envolvida na implantação de um telecentro próspero, sua autoconfiança é motivada e
164 1
diminui o pessimismo em relação às mudanças; além desses, muitos outros benefícios
surgirão, permitindo assim que o poder esteja nas mãos das comunidades a que servem.
Os telecentros podem ser usados para promover acesso ao ensino a distância,
oportunidades de emprego, treinamento e formação técnico-profissional e novos negócios.
Podem, ainda, permitir que empresários planejem suas atividades de produção e se
comuniquem com parceiros e clientes em potencial a distância. Pela internet, os telecentros
oferecem aos estudantes e educadores a possibilidade de se associar a qualquer instituição
educacional no mundo, acessar materiais de arquivo ou receber, on-line, etc.; podem, também,
oferecer serviços especializados aos trabalhadores da saúde, tais como programas de
telediagnóstico, encomenda de materiais, divulgação de informações de saúde pública e
obtenção de conselhos de especialistas para problemas de saúde mais complexos.
Além de fornecer acesso aos serviços das NTIC, o telecentro pode ser também um
lugar onde as pessoas se encontrem e troquem idéias e experiências sobre vários assuntos da
vida e sobre as novas tecnologias úteis para o seu dia-a-dia.
Como já referimos anteriormente, os telecentros surgem com a finalidade de promover
a inclusão de todos os cidadãos nos programas de desenvolvimento, oferecendo à eles a
oportunidades de aprendizagem e assimilação de conhecimentos sobre o funcionamento
destes � e o livre acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs), tais como a
internet e o correio eletrônico, entre outros recursos. Oferecem aos usuários uma variedade de
TICs que facilitam e estimulam a comunicação e a troca de informação em todas as regiões do
mundo, mesmo as mais isoladas, utilizando para tal uma abordagem interativa e participativa.
Portanto, os telecentros auxiliam o desenvolvimento econômico, cultural, social e político da
comunidade local e oferece a esta uma gama de ferramentas para seu auto-desenvolvimento.
De acordo com Assumpção (2003, p.6), o telecentro comunitário pode contribuir para
o desenvolvimento humano integral quando seus principais objetivos são:
�Ampliar a participação ativa dos cidadãos na gestão pública e no controle do
governo, ampliando a esfera pública e melhorando a sua acessibilidade;
165 1
�Constituir um patamar de cooperação que englobe comunidade, empresas e
instituições, baseado no interesse da maioria e na busca do crescimento da
competitividade global;
�Promover a alfabetização tecnológica das camadas mais pobres da população,
abrindo novas oportunidades de acesso à educação e à cultura, de trabalho e de
geração de renda;
�Promover o conhecimento de expectativas, necessidades e problemas da população às
empresas e instituições, enquanto agentes econômicos e políticos comprometidos com
a comunidade;
�Promover o acúmulo de experiências e dados que subsidiem a formulação de
políticas públicas consistentes.�
Com base nesses objetivos, no Brasil, por exemplo, no contexto do programa federal
Fome Zero, o plano de maior escala previa a instalação de cerca de 1.200 telecentros
comunitários em localidades de maior incidência de pobreza, os quais se tornariam centros de
acesso coletivo à internet, geridos pela comunidade local e funcionando como locais de
implementação das tecnologias de informação e comunicação75. Entre os anos 2000 e 2004,
projeto parecia corresponder a uma experiência significativa de parceria entre o poder público
e a comunidade. Em são Paulo, a prefeitura municipal custeou a instalação e manutenção de
75 Telecentros. Disponível em: <http://www.amora.rits.org.br/cemina/html/subcpII8.html> Acessado
em 8 de Julho de 2005
166 1
infra-estruturas onde estão instalados os telecentros e cobriu os custos com o pessoal76,
e para garantir o seu pleno e efetivo funcionamento, cada telecentro, que opera com vinte
estações e um servidor, é gerido localmente por entidades da própria comunidade, que buscam
priorizar as necessidades expressas desta.
76 Novo site dos telecentros, uma comemoração ao meio milhão de usuários. Disponível em:
<http://www.telecentros.sp.gov.br/institucional/imprensa/reliase/index.php?p=2487> Acessado em 8 de Julho de
2005.
167 1
Capítulo IV
A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA COMO FORMATO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Desde os tempos em que o homem ainda vivia nas cavernas, a comunicação assume
para a civilização um papel cada vez mais importante na construção do desenvolvimento
social, pois permite o intercâmbio de idéias e o registro de fatos e dados que permitem que
contemos nossa trajetória e nos construamos como sujeitos. No entanto, os instrumentos e as
técnicas de comunicação vêm sendo reservados a minorias poderosas e hegemônicas nas
diversas formações sociais ao longo da história.
A conquista do direito de conhecer e utilizar a arte da comunicação tem sido resultado
das lutas da sociedade civil organizada, em sua busca por igualdade, democracia, liberdade e
desenvolvimento socioeconômico; é o esforço para sair da condição de mero receptor de
informações e participar das negociações sociais como sujeito do processo.
Esse esforço, porém é quase sempre marcado pelo amadorismo e pelo voluntariado, os
quais, se por um lado apresentam compromisso e envolvimento para com a causa a que se
dispõem, por outro podem impossibilitar a concretização de um trabalho consistente de
comunicação para o desenvolvimento local, pela falta de técnicas adequadas de ação.
Para que as comunidades possam reaver o lugar de receptores que lhes foi conferido e
chegar, não apenas a uma democracia em que há várias opções de caminho, mas a uma
condição de real democracia na qual o cidadão se torne elemento necessário para a produção
de conhecimentos (e não só consumi-la). É preciso empenho dos comunicadores em levar até
as camadas populares o arsenal de recursos tecnológicos ora existentes a serviço da
comunicação. Mais para isso, é preciso trabalhar em prol de desenvolvimento comunitário
valendo-se dos recursos comunicacionais locais � que, ao contrário do que se imagina, são
168 1
variados e ricos em qualidade. Mais ainda, é preciso que se desenvolva uma ação formativa
do cidadão no sentido de torná-lo ator principal da transformação da sociedade que integra.
1. A comunicação comunitária na formação do cidadão
Ser cidadão significa ter direitos e deveres que a Lei Magna consagra, mas vale citar
Peruzzo (1998, p. 287) quando diz que �ser cidadão é ter o direito de ver-se protegido
legalmente, de locomover-se, de interferir na dinâmica política, de votar e ser votado, de
expressar-se. É também o direito de morar numa casa digna, de comer bem, de poder estudar
e trabalhar. É, por fim, ter o direito de participar com igualdade, na produção, na gestão e na
fruição dos bens econômicos e culturais�, na luta em busca de um bem comum.
Isso nos leva a concordar também com o que Maria da Gloria Gohn (2003, p. 174)
afirma ser a cidadania: �uma virtude a ser conquistada no exercício de práticas identitárias, é
uma prática em busca do bem comum�.
De acordo com Roberto Vieira (2003, p. 19), citando o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento - PNUD,
a sustentabilidade passa pela qualificação da cidadania. Ou seja, não apenas
os agentes econômicos são responsáveis pelo desenvolvimento sustentável, mas a qualificação do cidadão, sua formação, sua educação é fator
preponderante na garantia do desenvolvimento sustentável. E agora, a preocupação se estende além da preservação e conservação dos recursos
naturais para as futuras gerações. Ela alcança o desenvolvimento sustentável
do próprio cidadão.
Para Luiz Roberto Alves, citando Paulo Freire (2003, p., 203),
O futuro não está à nossa espera; ele se constrói a partir do que dizemos no presente.
O educador progressista deve lutar pela Escola Pública, brigar para ocupar
democraticamente esse espaço, pois não há contradição entre democracia e
socialismo. Ocupar a Escola Pública por inteiro para chegar ao Estado socialista não
é um a - priori determinado para o ano 2002, quarta-feira às 10 horas. O processo
revolucionário é um processo mesmo.
169 1
A partir das opiniões dos dois autores acima, importa-nos, portanto, refletirmos sobre
o papel da comunicação comunitária na formação do cidadão para que possa, de forma
consciente, ser participante ativo nas ações conducentes ao desenvolvimento da sua
comunidade. Essa reflexão tem como ponto de partida analisar a relevância da participação
comunitária.
1.1 A relevância da participação comunitária
A participação comunitária é um processo em que os membros da comunidade estão
presentes de forma ativa e organizada na tomada de ações, na solução dos seus problemas, na
mobilização dos recursos necessários, na execução e na avaliação das ações de um
determinado programa que visa ao seu próprio desenvolvimento.
Pelo que verificamos, tanto as rádios tuteladas pelo Estado como as ligadas a
associações ou instituições religiosas, são pertenças das próprias comunidades geográfica ou
coletivamente definidas. Tais comunidades participam da programação, discutem os
problemas enfrentados, participam da tomada de decisões e ajudam a angariar fundos para
suas rádios.
No decorrer dos trabalhos realizados no campo e de acordo com a estrutura orgânica
de cada rádio visitada, constatamos que a participação da comunidade na gestão é
caracterizada, apenas, pelo envolvimento de colaboradores advindos das comunidades que,
voluntariamente, trabalham na e para a estação. Em muitos casos, tais colaboradores são
indicados em assembléia para representarem sua comunidade na gestão das rádios
comunitárias, e esse tipo de participação é chamado de participação direta. Na participação
indireta, a comunidade utiliza a rádio para veicular mensagens por meio de dedicatórias e
anúncios diversos, os quais permitem a entrada de receitas para o funcionamento da rádio.
Contudo, a participação não se limita a isso: a nosso ver, a participação da comunidade
deve integrar as estruturas internas da rádio, atuando nos comitês de gestão e de programação
eleitos por todos.
170 1
A participação dos membros da comunidade nos negócios da rádio comunitária
começa na Assembléia Geral onde todos fazem parte. De acordo com os estatutos orgânicos
das rádios comunitárias que tivemos acesso, é na Assembléia Geral onde se toma decisões
sobre os a vida da rádio, elegendo pessoas para constituírem o comitê de gestão, conselho
fiscal e comitê de programação; delibera sobre vários aspectos de funcionamento da rádio
comunitária.
Os comitês de gestão e de programação são constituídos por representantes das
comunidades tais como líderes comunitários, representantes das associações locais, figuras
influentes na região, etc. Em nenhuma das rádios com que tivemos contato sentimos esse
envolvimento da comunidade nas estruturas internas das rádios. Imane Aly, presidente do
Fórum das Rádios Comunitárias de Moçambique (Forcom)77, reconhece que �em algumas
rádios, apesar de seus estatutos orgânicos contemplarem a constituição de comitês de gestão e
de programação por elementos representantes de diversos intervenientes da comunidades, na
prática, não se encontram envolvidos em nenhum elemento em representação de qualquer
organização local�.
Nas rádios Voz Coop, Dondo, Nkomati e Homoine constatamos o envolvimento direto
das comunidades e a participação de um número considerável de voluntários, e procuramos
compreender suas motivações. Para tanto, recorremos à teoria de Bordenave (1994, p. 16) que
nos diz que �se procurarmos a motivação dos participantes de uma atividade comunitária
qualquer, notaremos neles uma satisfação pessoal e íntima que com freqüência vai muito além
dos resultados úteis dessa participação. Daí que ocorre que a participação não é somente um
instrumento para a solução dos problemas, mas, sobretudo, uma necessidade fundamental do
ser humano, como o são a comida, o sono, a saúde, etc.�.
Essa teoria de Bordenave (1994, p. 16) nos faz pensar que se procurarmos nos
participantes nas atividades de uma rádio comunitária sua verdadeira motivação, notaremos
nestes dois aspectos complementares: o afetivo, de acordo com o qual os indivíduos
participam porque sentem prazer em desenvolver alguma atividade coletiva, e o instrumental,
77 Em entrevista ao autor em 31 de maio de 2004, em Maputo.
171 1
base da participação popular nas sociedades modernas de consumo, de acordo com o qual os
indivíduos vêem mais eficiência e eficácia no trabalho coletivo do que no individual.
A participação cidadã é um direito humano, um dever político e um instrumento
essencial de construção nacional (PERUZZO, 1998, p. 275), e está consagrada na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de1948. Segundo Peruzzo (1998, p. 275), essa declaração
�estabelece, em seus artigos 27 e 29, que todos os homens têm o direito de participar
livremente da vida da comunidade, na qual é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua
personalidade�. A autora pretende, portanto, deixar claro o quanto os países respeitaram ao
longo da história, os princípios fundamentais que caracterizam a vida humana, o que depende
�da cultura de cada povo, das oportunidades, da conjugação de forças e dos interesses
dominantes�.
Destacando o papel participativo do cidadão, Teixeira (2001, p. 30), sustenta que
a participação cidadã utiliza-se não apenas de mecanismos institucionais já disponíveis ou a serem criados, mas articula-os a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social. Não nega o sistema de representação, mas busca aperfeiçoá-lo, exigindo a responsabilização
política e jurídica dos mandatários, o controle social e a transparência das decisões (prestação de contas, recall), tornando mais freqüentes e eficazes
certos instrumentos de participação semidireta ...
De acordo com este autor, porque a participação cidadã �é o processo social em
construção hoje, com demandas específicas de grupos sociais...�, é necessário que se
requalifique a �participação popular nos termos de uma participação cidadã que interfere,
interage e influencia na construção de um senso de ordem pública regida pelos critérios da
equidade e justiça�. (TEIXEIRA. 2001, p. 32). Assim, podemos concordar com a com a
Peruzzo (2003. p. 248) quando afirma que a participação é uma das dimensões essenciais da
comunicação comunitária e ela pode ocorrer em níveis mais elevados nos quais a pessoa atua
�como sujeito ativo, como protagonista da elaboração de mensagens, na produção de
programas para o rádio e televisão, na confecção de boletins informativos e no planejamento e
na gestão do canal de comunicação�. Segundo a autora, no nível mais elevado de participação,
além de contribuir formulando conteúdos, o participante �tem poder de atuar no processo de
decisões relativas aos conteúdos dos meios e à sua gestão� (PERUZZO. 2003 p. 248).
172 1
Nesse espírito, a Constituição da República de Moçambique, de 1990, abre espaço
para a participação cidadã. No seu artigo 74 garante ao cidadão gozar de liberdade de
expressão; de igualdade perante a lei no que concerne ao domínio sobre o seu corpo e sua
vida; do direito à educação, à saúde, à habitação e ao lazer, isto é, a uma vida condigna; de
liberdade religiosa, partidária e política; e do direito de lutar por seus valores e de participar
do desenvolvimento da sua comunidade, da sua região e do seu país.
2. A programação da rádio comunitária
Como pudemos referir em páginas anteriores, a maioria das rádios comunitárias com
as quais trabalhamos possuem comitês de programação que desempenham papel importante
no desenvolvimento das atividades das emissoras, os quais são constituídos por representantes
das comunidades indicados por estas. Não existe, todavia, uma programação nem um modelo
pronto para essas emissoras.
Na programação há cuidados a serem observados no que diz respeito ao conteúdo, à
valorização dos costumes e cultura locais e à divulgação das notícias locais, provinciais,
nacionais e internacionais, sem manipulação. O emissor deve ter a capacidade de ouvir as
diversas opiniões sobre assuntos polêmicos e a crítica construtiva dos membros das
comunidades. Esses elementos devem servir de base aos programas das rádios comunitárias, e
nesse ponto reside a importância do comitê de programação.
A programação reflete a política editorial da estação, e em quase todas as rádios
visitadas existem grupos editoriais de agricultura, assuntos da criança, cultura e recreação,
esporte, educação e assuntos sociais, educação cívica e cidadania, assuntos da mulher e da
saúde pública; em cada um desses grupos costuma tem havido pessoas que representam as
comunidades locais e que tenham uma formação elementar que lhes permita colaborar na
discussão dos assuntos e na a definição dos conteúdos a serem entregues aos apresentadores
dos programas. A maioria das rádios visitadas inicia suas emissões às 5h e as encerra às 21h.
173 1
Para tratar de alguns temas de caráter técnico contatam-se especialistas da área que
possam fornecer as informações necessárias. Julião Nawacha78, residente da Zona Verde da
cidade de Maputo, referindo-se à necessidade de melhorar a qualidade da programação da
Rádio Voz Coop, afirma ser Moçambique
um país com muitas iniciativas populares que permitem que as pessoas tenham a capacidade de lutar pelo desenvolvimento de sua própria
comunidade e, de maneira especial, pela auto-sustentação das suas rádios. Para que essas iniciativas tenham sucesso, é necessário que a rádio se faça
presente nas pessoas e que estas se sintam convidadas a dar a sua participação ativa na programação e na mobilização e gestão de recursos
destinados ao seu desenvolvimento.
Para Valá (1999, p. 12), �os comitês de programação das rádios comunitárias devem
ser compostos por indivíduos oriundos de distintos segmentos da sociedade, como grupos
profissionais, pessoas de diferentes faixas etárias e de gênero, distanciando-se de problemas
rácicos, étnicos, políticos e religiosos�. Para ele, um funcionamento adequado das comissões
existentes gera reflexos positivos no funcionamento global da rádio.
No nosso entender, a programação e produção da rádio comunitária exigem um bom
enquadramento da comunidade nas estruturas organizativas internas e uma gestão sustentável
dos recursos disponíveis. Nesse sentido, concordamos com o documento da Voz Coop quando
diz que o processo de implementação da rádio contribui �para o desenvolvimento cooperativo
agropecuário nas cinturas de Maputo e Matola, através de difusão de programas técnico-
informativos, educativos, culturais e recreativos, com a participação direta e ativa das
cooperativas e dos membros� (Voz Coop [s.d], p.3).
De acordo com Bordenave (1994, p. 44), um dos aspectos mais importantes da
participação numa rádio comunitária é a distribuição de funções entre os órgãos internos que a
organizam. Além do comitê de programação, uma rádio comunitária costuma ter os seguintes
órgãos:
Assembléia Geral � órgão deliberativo composto por representantes das comunidades
e a direção da rádio; 78 Em entrevista concedida ao autor em 17 de novembro de 2004, em Maputo.
174 1
Conselho ou comitê de gestão � órgão executivo da rádio cuja composição inclui
pessoas da comunidade;
Conselho fiscal � órgão de fiscalização das atividades da associação, em particular das
executivas, que também inclui membros da comunidade em sua composição.
Embora cada comitê seja relativamente autônomo em suas atividades, é a comunidade
como um todo, reunida em assembléia geral, que delibera sobre a vida da estação. É esse
órgão máximo que indica quem deve participar de cada setor, que aprova ou não os relatórios
de prestação de contas apresentados pelos comitês da rádio e que avalia se a gestão da rádio é
ou não sustentável.
3. Comunicação comunitária: alavanca do desenvolvimento local, regional e nacional.
Ao nos referirmos à comunicação comunitária como alavanca do desenvolvimento
local sustentável, é nossa intenção mostrar o quanto este constitui, de fato, uma estratégia de
redefinição do desenvolvimento de uma nação.
No caso de Moçambique, a contribuição dos meios de comunicação social é deveras
importante na divulgação do Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA) e
na educação e mobilização das comunidades para o envolvimento nas ações de combate à
pobreza, sem as quais os objetivos do Parpa dificilmente poderão ser alcançados. Como diz
Namburete (2003, p. 41), a contribuição dos meios de comunicação social para o processo da
democratização compreende necessariamente
a aquisição de capacidades e técnicas de utilização da comunicação para
apoiar o desenvolvimento sócio-cultural, político e econômico. Acima de tudo, um efetivo uso dos media para apoiar o desenvolvimento, paz, democracia e boa governação exige que todos os setores da sociedade tenham acesso [...] às informações, opiniões, idéias, diversidades, mas
também a oportunidades de expressão dos seus pontos de vista na língua que usam e entendem.
É nesse contexto que, no nosso entender, os meios de comunicação comunitária
encontram espaço para exercer seu papel de mediador, dinamizador, conciliador e educador
das populações locais, chamando-as a trabalhar de forma a superar suas necessidades
175 1
imediatas. Os meios comunitários de comunicação de massa, por serem da comunidade e para
a comunidade, podem, usando línguas e linguagens locais, transmitir melhor o sentido e a
filosofia do Parpa, bem como de outras políticas definidas pelo governo ou pela sociedade
civil, mas que visam a preparar o cidadão para participar das atividades produtivas e
contribuir, assim, para a superação da pobreza na sua comunidade, na sua região e no seu
país.
Para isso, a comunicação comunitária deve eleger como espaço de atuação e de
compreensão da realidade a relação entre o grupo hegemônico (Estado, empresas,
investidores, latifundiários), as culturas populares (classes subalternas: trabalhadores,
pequenos proprietários, desempregados, deslocados e reassentados) e a cultura massiva e
tecnológica (meios de comunicação de massa, internet, redes telemáticas), e manter uma
orientação crítica frente à realidade local. Dessa forma, o conceito de �comunitário� livra-se
dos estigmas tradicionais que têm imposto às leituras dos modos de vida daqueles que se
ocupam e sobrevivem prioritariamente da agricultura e agropecuária, assumindo-se, então,
como variação possível das culturas comunitárias.
O Parpa, como um documento que envolve todas as áreas sociais e econômicas do país
no combate à pobreza, deve ser conhecido pela população e, em particular a rural, assim como
o Programa de Agricultura Integrada (PROAGRI). O Proagri tem como objetivo transformar
as unidades produtivas familiares de subsistência em unidades produtivas mais integradas ao
mercado, isto é, que produzam e vendam mais os seus produtos. Para isso, é necessário
acesso:
1. À terra arável para a produção;
2. À tecnologia, por meio do Instituto de Investigação Agronômica e dos Serviços de
Extensão Rural � isto é, produzir a tecnologia e levá-la ao serviço dos produtores
rurais;
3. Ao mercado. As pessoas devem ter a possibilidade de vender seus produtos e
conseguir, além de sustentar-se, comprar insumos agrícolas para as outras safras;
4. Ao crédito, sem o qual não têm dinheiro para investir no desenvolvimento das suas
atividades produtivas;
176 1
5. Aos meios de comunicação que possam transmitir os sentimento da coletividade e
fazer publicidade de seus produtos no mercado local, regional e nacional.
São também os meios de comunicação comunitária que devem assegurar a transmissão
de novos conhecimentos e novas tecnologias de produção rural ao camponês, oferecendo a
este informações que o auxiliam a qualitativamente viver, produzir, alimentar-se e vender os
excedentes. Aí reside o papel das rádios comunitárias na educação para o desenvolvimento
local sustentável, assunto levantado no início do nosso trabalho.
177 1
CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES
A promoção da comunicação para o desenvolvimento das comunidades locais
constitui filosofia do Estado moçambicano, a qual se enquadra na necessidade de envolver a
população nas atividades de produção e divulgação de material informativo e educativo sobre
a comunicação comunitária, com o intuito de criar uma nova mentalidade em relação à
importância dessa área nobre.
As rádios comunitárias são fundamentais para o desenvolvimento das comunidades
locais, por criar mecanismos de interatividade entre os ouvintes, a rádio, os promotores do
desenvolvimento (associações, ONGs, instituições públicas e privadas, etc.) e os líderes
comunitários.
Para alcançar o desenvolvimento socioeconômico sustentável das comunidades locais,
é indispensável que as atividades e os meios comunitários de comunicação consigam manter-
se financeiramente viáveis, mesmo sem fins lucrativos, e com a participação ativa das
comunidades locais. No nosso entender, a sustentabilidade de uma rádio permite a ocorrência
de profundas transformações produtivas, tecnológicas e estruturais, as quais dependerão, em
última análise, das iniciativas e capacidades gerenciais dos comitês de gestão e programação
de cada rádio.
Entendemos que desenvolvimento sustentável só pode ocorrer por meio dos esforços
empreendidos pela população local na produção de alimentos com base na agricultura
familiar, na exploração de recursos naturais e na preservação do meio ambiente. Esses
esforços surtirão efeito se houver, por parte do governo e dos agentes econômicos, alguma
abertura que possibilite às populações produtoras locais o acesso às fontes de financiamento
incondicional. Desse modo, o desenvolvimento sustentável pode ser entendido como o
procedimento que, preservando os recursos naturais, leva a uma ampla produção, a qual
permita o abastecimento local em bens e alimentos e gere excedentes que, vendidos,
revertam-se em receitas para a própria comunidade produtora local. Fazendo isso,
178 1
Moçambique desenvolve uma capacidade significativa de lutar pela redução da pobreza
absoluta, ação definida no Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (Parpa).
O Parpa, como instrumento regulador do combate a pobreza absoluta, deve ser
suficientemente divulgado a todas as camadas sociais, em particular à população rural. Para
isso, o uso das línguas locais é extremamente importante. Aproveitando as capacidades
oferecidas pelas rádios e televisões comunitárias, o Parpa pode ser mais bem divulgado
divulgando assim as comunidades para o seu auto-desenvolvimento.
Apesar de ainda inexistirem instrumentos que regulam a criação desses meios
eletrônicos nota-se uma grande abertura da parte do estado na atribuição de licenças aos
operadores de meios de comunicação comunitários. Verifica-se que a criação de uma rádio ou
televisão comunitária requere, primeiramente, a mobilização de recursos externos,
recorrendo-se a ONGs e instituições voltadas para o desenvolvimento local, além do recurso à
fundação de uma associação cujos membros contribuam financeira e materialmente para a
manutenção da rádio. Esse recurso não é novo, pois desde o início da radiodifusão em
Moçambique, nos anos de 1930, os chamados �clubes dos radiófilos� ou apenas �radioclubes�
eram mantidos por cotas pagas pelos associados. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a
criação de condições favoráveis à sustentabilidade de uma rádio comunitária depende
essencialmente das atividades desenvolvidas e da existência de uma política de participação
da comunidade nas ações de:
Promoção da eficiência, eficácia e qualidade dos conteúdos da grade de programação,
respeitando as prioridades e os interesses das camadas sociais, em especial dos
associados, dos jovens vulneráveis aos problemas da pandemia do HIV/Aids, etc.
Viabilização da sua manutenção como entidade valorizadora e captadora de recursos
humanos, financeiros e materiais.
Nota-se uma diferença abismal entre as despesas e as receitas, tanto nas rádios
comunitárias do Estado como nas pertencentes às associações locais. Essa diferença mostra-
nos a extrema dificuldade das rádios comunitárias de sobreviver independentemente dos
apoios externos, o que deixa patente a necessidade de procurar alternativas de sobrevivência.
179 1
As estações que nasceram de apoios não-estatais estão muito longe de prescindir da
cotização dos membros da comunidade ou da busca de recursos via publicidade, o que é
motivo de preocupação, sobretudo atualmente, quando o apoio do Projeto de
Desenvolvimento dos Media da Unesco já em 2006. Na maioria dessas estações nota-se falta
de agressividade para buscar patrocínios e publicidade paga para captar receitas. O setor
administrativo é frágil, principalmente na planificação das atividades, como resultado da fraca
profissionalização, e há uma postura passiva em relação às doações do Projeto de
Desenvolvimento dos Media.
Julgamos que qualquer ação de gestão sustentável e participativa deve basear-se no
reconhecimento e aproveitamento do potencial da tradição e da cultura local. Para isso, deve-
se ter em conta as instituições formais e informais existentes na área geográfica de alcance da
rádio, com vista a melhorar a qualidade de vida da população e fornecer a esta informações
relevantes para as desejadas mudanças sociais, culturais e estruturais em prol do
desenvolvimento local sustentável. É este que, compreendido como um espaço dinâmico de
ações locais bem�sucedidas e determinadas por metodologias de descentralização e pela
participação comunitária, constrói as bases para o desenvolvimento rural efetivo.
Na mesma medida, o agricultor familiar é colocado como o sujeito histórico do
processo. Quando estimulado a produzir na nova dinâmica social, torna-se atuante no
contexto do projeto de desenvolvimento rural. Ao fortalecer-se suficientemente como
produtor, amplia sua renda e as condições de vida, educação, lazer e saúde para si e sua
família, ganha autonomia e consolida sua cidadania participando da construção de sua história
pessoal, de sua propriedade e de sua localidade.
Assim, no nosso entender, os conselhos e comitês de representatividade local são
espaços geradores de cidadania, de gestão social e de construção da responsabilidade cívica e
social. É a comunidade organizada e capacitada que deverá desempenhar o papel de gestora
social, exigindo transparência, controle social e participação cidadã em ações e recursos que a
envolvem.
De acordo com Alves (2003, p. 203-208), �a comunicação comunitária é a que deveria
se fazer a voz da cidadania e o sinal concreto do desenvolvimento�, e �a cidadania é a
180 1
realização concreta de comunicação e desenvolvimento�. Alves acredita que o que a educação
libertadora de Paulo Freire
teria a ver com o desenvolvimento (tido como processo de transformação social global de um povo) seria a inserção do modelo conhecido e
dominante, como tema, no círculo de cultura (como sugerido em Pedagogia do Oprimido) a fim de que se pudesse entendê-lo e produzir consciência de
si e para si, talvez o caminho da revolução
Ainda segundo esse autor,
as propostas de comunicação comunitária, mesmo quando compreendem as
relações de dependência e subordinação entre grupos sociais e países, as concentrações de renda, os privilégios de minorias, o acesso às formas de
vida mitificada, e mesmo quando propõem práticas de trabalho, promovem a instrumentalização de sujeitos e objetos.
Na mesma linha de pensamento, Cicília Peruzzo (PERUZZO; ALMEIDA, 2003, p.
245) afirma não serem de interesse das pessoas apenas as questões de âmbito universal e
nacional, mas também os acontecimentos, as organizações e as relações sociais que delas
estão próximos. Interessam-lhes os assuntos que dizem respeito à vida do bairro, da vila, da
cidade ou do município, do distrito, da província onde vivem. Para essa autora (PERUZZO;
ALMEIDA, 2003. p. 250), �a comunicação comunitária, quando desenvolvida em base
democrática, simboliza o acesso democrático e a partilha do poder de comunicar. É um
processo em que todo receptor de mensagens dos meios de comunicação tem o potencial de se
tornar sujeito da comunicação, um emissor�. Por essa razão, constitui um direito, não só
profissionais ou de lideranças dos meios comunitários de comunicação, mas de todo cidadão e
de suas organizações representativas.
O cidadão deve agir como fomentador da prática dos direitos consagrados na
constituição: é responsável pelo cumprimento das normas e propostas elaboradas e decididas
pela coletividade, bem como por participar direta ou indiretamente da gestão de seu país.
Além de militar em movimentos sociais que pressionem o governo a respeitar os
princípios fundamentais, uma das formas pelas quais o cidadão pode exercer o direito e dever
de participar e reivindicar seus direitos é usar os meios de comunicação social disponíveis no
181 1
país. Dadas as dificuldades de acesso a esses instrumentos de alcance nacional, os cidadãos
podem utilizar os meios de comunicação locais, como rádios e televisões comunitárias:
por serem meios da comunidade para a comunidade, por serem vozes das comunidades, é neles que o cidadão encontra maior espaço para a
manifestação das suas idéias e, por meio deles, tem a certeza de que todos na comunidade estão o ouvindo e de que poderá haver uma rápida resposta
79.
Questões relacionadas à formação do cidadão, especificamente no que se refere aos
diferentes processos educacionais, são tão fundamentais como a alimentação, a saúde e a
segurança, e têm estado na senda das discussões sobre o desenvolvimento integrado e
sustentável de Moçambique. Além do Parpa, que desde 1998 assume a dianteira no combate à
pobreza absoluta no país, outro plano foi elaborado e está em fase de implementação: a
chamada Agenda 20/25. Esse plano está em desenvolvimento desde 2001 e envolve
essencialmente políticas e estratégias de âmbito social e econômico e a questão da
distribuição dos recursos disponíveis para todo o território nacional.
A maioria da população moçambicana sobrevive com subempregos. Sofre diretamente
os problemas da pobreza e espera auxílio, fundamentalmente da gestão pública e da vontade
de seus governantes, que se mantêm também reféns dos grandes monopólios da economia
mundial, por um lado, e, por outro, da violência praticada pelos monopólios da comunicação,
que usam seus canais para transmitir o que podemos chamar de �propaganda da miséria� ou
�propaganda da pobreza�.
Como forma de quebrar a ação dos monopólios acima referidos aparece-nos na
presente Era das Tecnologias, a �gloriosa� comunicação comunitária com os seus �potentes�
meios: a rádio e a televisão comunitárias, com a finalidade de se tornarem vozes para os que
não têm voz. Com o uso dos meios de comunicação comunitária criam-se novas formas de
ação e interação na comunidade e na sociedade em geral. Criam-se novos tipos de relações
sociais e novas maneiras de relacionamento do indivíduo com outros e consigo mesmo.
Portanto, promove-se uma ação comunitária transformadora voltada para a concretização dos
sonhos, que forma e transforma o cidadão, provocando nele a vontade de participar de uma
ação comunitária de luta pelo bem comum. 79 Tomás Vieira Mário, em entrevista concedida ao autor, em 20 de janeiro de 2003, em Maputo.
182 1
Em forma de recomendação, queremos deixar patente que é necessário definir-se uma
estratégia comum de sustentabilidade das rádios comunitárias, e isso requer que suas áreas
comerciais se tornem agressivas na busca de receitas, o que passa necessariamente pela
promoção de produtos de interesse público local, por meio de publicidades em forma de
patrocínios.
Atualmente, uma preocupação das rádios é manter expressivas as audiências. Nesse
caso, os programas devem superar seu estilo excessivamente didático, com insuficiente calor
humano, recorrendo-se a gêneros radiofônicos como o drama ao vivo, perguntas aos ouvintes,
personagens prototípicos, diálogo povo-autoridade, mesas-redondas, concursos e programas
carregados de humor e alegria, mas que ao mesmo tempo sejam educativos. A grade de
programação deve conter uma quantidade significativa de mensagens educativas sobre
diversos assuntos, como agricultura, educação ambiental, saneamento a baixo custo, saúde
reprodutiva, culinária e economia doméstica, gênero, juventude e HIV/Aids, entre ouros
assuntos.
A promoção da comunicação para o desenvolvimento das comunidades locais
constitui filosofia do Estado moçambicano, a qual enquadra-se na necessidade de envolver a
população rural nas atividades de produção e de divulgação de material informativo e
educativo com o intuito de engendrar uma esperança de vida mais condigna para as presentes
e as futuras gerações. Para isso, sugere-se que o Estado moçambicano crie instrumentos legais
que regulem o funcionamento da comunicação comunitária no país e incentive, com recursos
técnicos e financeiros, a instalação de novas estações de rádio e de televisão em todos os
distritos, como forma de expandir a capacidade comunicacional pelo resto do país, isto é, de
devolver ao cidadão o seu direito à comunicação. Ao fazer isso, o Estado abre portas para
uma maior cobertura e participação das comunidades rurais na decisão dos destinos do país.
Portanto, recomendamos que o Estado promova ações visando priorizar os seguintes aspectos
que considerámo-los básicos para o desenvolvimento participativo das comunidades:
Capacitar as rádios e televisões comunitárias a veicularem programas educativos
em prol do desenvolvimento das comunidades rurais;
183 1
Oferecer, por meio da rádio e da televisão comunitárias, programas de educação a
distância que permitam que populações não-escolarizadas possam, também,
aprender a ler e a escrever e com isso reduzir-se o alto índice de analfabetismo do
país;
Apoiar os projetos de desenvolvimento das comunidades locais;
Criar condições para que as comunidades rurais discutam e divulguem suas
próprias experiências;
Dar maior espaço para a participação das comunidades na definição e
implementação das políticas do sistema nacional de comunicação social;
Criar um fluxo de informação entre os meios de comunicação comunitária rural e
os de comunicação social situados nas zonas urbanas.
No processo da comunicação comunitária, as rádios e televisões constituem
ferramentas importantes para o desenvolvimento local. Daí que encontramos em quase todo o
país, rádios e televisões com grupos de igrejas, grupos organizados de escolas, associações
locais que, também, têm o desenvolvimento local como pano de fundo. Essas rádios e
televisões funcionam, de fato, com operadores e jornalistas comunitários, na sua maioria,
jovens voluntários, isto porque as comunidades locais não possuem recursos financeiros que
permitam suportar salários dos colaboradores assalariados, mas trabalhando com o pessoal
voluntário que presta serviços sem esperar qualquer remuneração. Daí que muitas rádios
comunitárias estão no ar e a todo o momento. É a comunidade se comunicando e trabalhando
para o seu próprio desenvolvimento.
Acreditamos, com base nesta pesquisa, que a comunicação comunitária em geral e, em
particular, as rádios e televisões comunitárias, exercem um papel significativo na educação e
capacitação das pessoas para enfrentarem os desafios que lhes são impostos pela pobreza
absoluta em que se encontram mergulhadas. Acreditamos ainda que as rádios e televisões
comunitárias têm dado uma maior contribuição para o desenvolvimento das comunidades
locais e rurais, o que reflete, em grande medida, no processo de desenvolvimento que o país
pretende alcançar.
184 1
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Alguns Telecentros em África. Disponível em http://www.telecentros.org.mz/links4.htm.
Telecentros em África, cessado em 15 Junho de 2005
ALVES, Luiz Roberto. Comunicação e cidadania. In: PERUZZO, C. M. K.; ALMEIDA, F. F. (Orgs.). Comunicação para a cidadania. São Paulo: Intercom; Salvador: Uneb, 2003. p. 203-218.
ARRUDA, M. Globalização e sociedade civil: repensando o cooperativismo no contexto da cidadania ativa. Rio de Janeiro: PACS - Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul,
1996.
ASSMANN, H. Reencantar a eEducação: rumo à sociedade aprendente. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 1998
BEDERGAL, T. F. Comunicación para el Desarrollo Sostenible. La Paz: Plural/ Lidema, 2002, 84 p.
BELTRÃO, L.; QUIRINO, N. Subsídios para uma teoria da comunicação de massa. São
Paulo: Summus, 1986. 214 p.
BIROU, A. Dicionário de Ciências Sociais. Lisboa: Dom Quixote, 1982.
BITTI, P. R.; ZANI, B. A comunicação como processo social. Lisboa: Estampa., 1997
BOISIER, S. Desarrollo (local): de qué estamos hablando? In: BECKER, D. F.; BANDEIRA, P. S. (Org.). Determinantes e desafios contemporâneos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.
BONIN, Marie-Hélène; OPOKU-MENSAH, Ainda. O que é rádio comunitária. Johanesbug:
AMARC África; Panos Southern África, 1999. 122 p.
BORDENAVE, J. E. Diaz.. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 1985, 85 p.
BORDENAVE, J. E. Diaz. Relatório da Consultoria. Maputo: ICS, 1996. 56 p.
BORDENAVE, J. E. Diaz. Além dos meios e mensagens: introdução à comunicação como
processo, tecnologia, sistema e ciência. Petrópolis: Vozes, 9ª Ed. 2001.119 p.
BORDENAVE, J. E. O que é comunicação rural. São Paulo: Brasiliense, 1998.
BOURDIN, Alain. A questão local. Rio de Janeiro: DP & A editora, 2001. 240 p.
CALLOU, Ângelo Brás Fernandes (Org.). Comunicação rural e o novo espaço agrário. Coleção GT�s nº. 8. São Pulo: Intercom, 1999. 72 p.
CISLER, S. Telecentros e bibliotecas: tecnologias novas e parcerias novas. Disponível em <http://home.inreach.com/cisler/telecenters.htm>. Acessado em 8 de Julho de 2005.
CIUEM � Centro de informática da Universidade Eduardo Mondlane. Telecentros de
Moçambique.: <http://www.telecentros.org.mz>. Acessado em 8 de Julho de2005.
CONSELHO DE MINISTROS. Abordagem de desenvolvimento rural em Moçambique. Maputo: DNDR, 2000, 17 p.
185 1
CIUEM � Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane. Projeto de instalação
dos Telecentros na Vila da Manhiça e Vila de Namaacha. Disponível em
<http://www.telecentros.org.mz>. Acessado em 9 de julho de 2005.
CIUEM � Centro de Informática da Universidade Eduardo. Telecentros. Disponível em <http://www.amora.rits.org.br/cemina/html/subcpII8.html> Acessado em 9 de julho de 2005.
DAWBOR, L. O que é poder local. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Coleção Primeiros Passos).
DEMO, Pedro. Cidadania pequena: fragilidades e desafios do associativismo no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2001.
DIDONÉ, I.M.; MENESES, J.E. (Orgs.): Comunicação política: a ação conjunta das ONGs. São Paulo: Paulinas, 1995.
DELORS, Jacques [et al]. Educação: Um Tesouro a Descobrir. Edições Asa. Lisboa, 1997
FERRINHO, H. Comunicação aducativa e desenvolvimento rural. Porto: Afrontamento, 1993
FRANCO, Augusto. Pobreza e desenvolvimento local. Brasília: ARCA, 2002, 236 p.
FRANTZ, W. Desenvolvimento local, associativismo e cooperação. 2002. Disponível em
<http://www.unijui.tche.br/~dcre/frantz.html>. Acessado em 17 de junho de 2005
FRANTZ, W. Cooperativismo: perspectivas. Um lugar de reencontro com a vida social. Ijuí:
Unijuí, 2003. (Série Cooperativismo, v. 3, 4 e 5).
GENRO, T. Uma nova cultura de solidariedade. Folha de São Paulo. São Paulo, p. 5, Caderno
Mais, 12 jan 1997.
GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Herder/EDUSP, 1991.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1996
GOHN, Maria da Glória. Cidadania, meios de comunicação de massa, associativismo e
movimentos sociais. In: PERUZZO, Cicília Maria Krohling; ALMEIDA, Fernando. Comunicação para a cidadania. São Paulo Salvador: INTERCOM UNEB, 2003. 294 p. Coleção Intercom de Comunicação, v. 17
GOODE, W. J.; HATT, P. K. Métodos em Pesquisa Social. São Paulo: Nacional, 1977
GOMES, M. Moçambique. Lisboa: [s/e], 1899. 67 p.
GRAZIANO DA SILVA, J. O novo rural brasileiro. Campinas: EI/UNICAMP, 1999. (Coleção Pesquisas n. 1).
INDER � Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural. Ministério da Agricultura e
Desenvolvimento Rural. Maputo, 1998
INDER - Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural. Rede Rural de Rádio e Televisão
(RRRTV). Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural. Maputo, 1998.
JALLOV, Birgitte. Prefácio. In: BININ, Marie-Hélène. Uma visão geral sobre o sector dos
media em Moçambique: Panorama do pluralismo dos media Projecto do Desenvolvimento dos media. UNESCO; PNUD. July 1999. 183 p.
JANE, T. J. História dos meios de comunicação social em Moçambique: do colonialismo ao governo Popular [Dissertação de Mestrado]. São Bernardo do Campo: IMS,1990. 243 p.
186 1
JANE, T. J. A experiência de Moçambique no uso dos meios de comunicação para a educação
das comunidades rurais. Texto apresentado no Congresso da Associação Mundial de
Educação e Comunicação. São Paulo, ECA/USP.1998
JANE, T. J. Conheça o ICS. Instituto de Comunicação Social. Maputo: ICS, 1997. 38 p.
JANE, T. J. O papel das rádios comunitárias na educação e mobilização das populações para
os programas de desenvolvimento local em Moçambique. In: PINHO, J. B. (Ed.). Anuário
internacional de comunicação lusófona. São Paulo: Intercom, 2004. 177 � 188 p.
JENSEN, M.; ESTERHUYSEN, A. O Livro de receitas de telecentro comunitário para a
África: receitas para auto-sustentabilidade � como estabelecer um telecentro comunitário
multifuncional na África. Paris: Unesco, 2001. 130 p.
JENSEN, Mike; ESTERHUYSEN. O livro de receitas do telecentro comunitário para a África - receitas para auto-sustentabilidade. Organização Educacional, Científica e Cultural das
Nações Unidas. UNESCO, Paris. 2001, 113p
KAPLÚN, M. Una pedagogía de la comunicación. Madrid: La Torre, 1998
KUNCZIK, M. Desenvolvimento e comunicação: acerca da importância da comunicação nos processos de desenvolvimento. Departamento de Mídia e Comunicação da Friedrich-Ebert-Stiftung. Bonn: RFA, 1992. 87 p.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de Metodologia Científica. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 1991
Lei nº18/91, de 10 de Agosto: Lei de Imprensa. Maputo, 1991.
LERNER, D.; SCHRAMM, W. Comunicação e mudança nos países em desenvolvimento. São Paulo: Melhoramentos, 1973. 342 p.
LÉVY, P. A ideografia dinâmica: rumo a uma imaginação artificial? São Paulo: Loyola, 1998.
LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Tradução de Luiz
Paulo Rouanet. 2. ed. São Paulo: Loyola., 1999.
MACHEL, S. M. Fazer da informação um destacamento avançado da luta de classes e na
revolução. Anais do 1º Seminário Nacional da Informação. Maputo: Notícias, Março de 1977. 140 p.
MACHEL, S. M. Fazer da escola uma base para o povo tomar o poder. Jornal Notícia, Maputo: 9 de março de 1977. � Jornal Notícias: 9 de março de 1977.
MADER � Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Programa Nacional de Desenvolvimento Rural. Arquivo da Direção Nacional de Desenvolvimento Rural. Maputo,
2003.
MAGAIA, A. A Informação a Força da Palavra. Maputo: Cociedade Notícias, 1994.
MARRENGULE, Mário Semoque. Cultivando as rádios comunitárias em Moçambique. Relatório do seminário sobre rádios comunitárias organizado pelo Instituto de Comunicação
Social - ICS. Maputo, 1998.
MARSIGLIA, J. La gestión social a nível local. In Revista Globalismo e Fragmentação: (Sociedade e Estado), v. 11, n. 1, jan-jun. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1996.
187 1
MATTELART, A; MATTELART, M. História das teorias de comunicação. São Paulo:
Loyola, 1999.
MATTELART, A. Comunicación y transición al socialismo: el caso Mozambique. México: Era, 1981. 214 p.
MATTELART, A. A globalização da comunicação. Bauru � SP: EDUSC, 2000, 191 p.
MBIKUSITA-LEWANIKA, Inonge. La comunidad del tercer mundo e del cuarto mundo. In: HESSEILBEIN, F. et al. La comunidad del futuro. Buenos Aires; Barcelona; México: GRANICA, p. 293 � 302.
MELO, J. M. Teoria da comunicação: paradigmas latino-americanos. Petrópolis:Vozes, 1998.
MENDES, M. C. Desenvolvimento Sustentável. Disponível em
<http://www.bdt.org.br/bdt/agenda21>. Acessado em 13 de maio de 2005.
MACHIANA, Emídio. Revista �Tempo� e a revolução moçambicana: da mobilização popular
ao problema da crítica na informação, 1074 � 1977. Maputo: Promédia, 2002. 236 p.
MESQUITA, M. (Org.). Comunicação e política. Lisboa: Cosmos, 1995.
MOÇAMBIQUE. Linhas Gerais para o Desenvolvimento Rural e os Mecanismos de
Coordenação Inter-sectorial. Resolução Nº3/98 do Conselho de Ministros. Maputo: Imprensa
Nacional. 24 fev 1998.
MOÇAMBIQUE. Política e Estratégias da Informação. Maputo, 1997.15 p.
MOÇAMBIQUE. Linhas Gerais para o Desenvolvimento Rural e os Mecanismos de
Coordenação Inter-sectorial. Resolução nº3/98. Conselho de Ministros. Maputo, 1998.
MOÇAMBIQUE. Resolução nº3/97. In: Boletim da República, 1. série, n. 7, que aprova a
Política e Estratégias da Informação. Conselho de Ministros. Maputo, 1998.
MOÇAMBIQUE. Constituição da República de Moçambique. Maputo: Imprensa de Moçambique, 1990. 70 p.
MOÇAMBIQUE. Programa do Governo. Maio de 1995.
NAMBURETE, Eduardo. A comunicação sociual em Moçambique: da independência à liberdade. In: PINHO, José Benedito (Ed.). Anuário da LUSOCOM. INTERCOM. São Paulo,
2004. 25 � 43 p.
NAMBURETE, Eduardo. Os meios de comunicação social como veículos de transformação
da sociedade. In: PINHO, José Benedito (Ed.). Anuário da LUSOCOM. INTERCOM. São Paulo, 2004.
OAKLEY, P.; GARFORTH, C: Guia para a formação em extensão. Centro de Extensão
Agrária e Desenvolvimento Rural � Faculdade de Educação, Universidade de Reading. R.V.,
1992. 117 p.
188 1
PAOLCR � Plano agrário e organizativo das localidades e comunidades rurais.
Associativismo e comunicação horizontal: projecto de RRRTV - fase de diagnóstico.
Documento elaborado pelo Instituto Nacional de Desenvimento Rural � INDER. Maputo: 15
nov 1998.
PERUZZO, C. M. K. Mídia local e suas interfaces com a mídia comunitária. Anuário UNESCO/UMESP de comunicação regional. São Bernardo do Campo: UNESCO; UMESP
2003, p. 50 - 78.
PERUZZO. C. M. K. Mídia comunitária, liberdade de comunicação e desenvolvimento. In:
PERUZZO, C. M. K.; ALMEIDA, F. F. (Orgs.). Comunicação para a cidadania. São Paulo: Intercom; Salvador, Uneb, 2003. 245 - 264 p.
PERUZZO, C. M. K. TV comunitária no Brasil: aspectos históricos. In: GT Médios
Comunitários y Ciudadania. Texto apresentado no V Congreso Latinoamericano de
Investigadores de la Comunicación. Santiago, Chile, 27 a 30 de Abril de 2000.
PERUZZO, C. M. K. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção
da cidadania. Petrópolis: Vozes, 1998. 342 p.
PERUZZO, C. M. K. Comunicação e culturas populares. São Paulo: Intercom, 1995, 204 p.
PINHO, J. B. Mídia rural: contornos do mercado de comunicação especializada no Brasil. Anais 7-8. Intercom. GT/Comunicação Rural. Santos, 1997.
PINTO, V. N. Comunicação e cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1986.
Rede TeleCentros RS. Programa de inclusão digital, da Secretaria da Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, acessado em 06 de julho de 2005 - <http://www.sct.rs.gov.br>.
SATO, M.; SANTOS, J. E. Agenda 21 em sinopse. Programa de Pós-Graduação em Ecologia
e Recursos Naturais. Universidade Federal de São Carlos. Sâo Carlos, 1996.
SANTOS, M. Salett T.; CALLOU, A. B. F. Desafios da comunicação. rural em tempo de desenvolvimento local. In: Signo. Revista de comunicação integrada. João Pessoa, v. 2, n. 3,
1995.
SCHRAMM, W. Comunicação de massa e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Bloc, 1976. 439 p.
SERVAES, Jan; JACOBSON, Thomas L.; WHITE, Shirley A. Participatory communication for social change. New Delhi: Sage, 1996, 280 p.
SZTOMPKA, P. A sociologia da mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1998.
TAIMO, N. F. Relatório da Pesquisa sobre Gestão e Sustentabilidade das Rádios
Comunitárias. Pesquisa encomendada pelo Projecto de Desenvolvimento dos Media em
Moçambique. Maputo, 2004.
TEIXEIRA, N. A comunicação libertadora. São Paulo: Paulinas, 1983. 207 p.
Seção de Obras de Referência do Departamento Editorial da Editora Globo. Dicionário de
Sociologia. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1981. 377 p.
189 1
TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global: limites e desafios da participação cidadã. São Paulo:
Cortez; Recife: EQUIP; Salvador: UFBA, 2001. 224 p.
Telecentros de Moçambique. Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane:. Disponível em: <http://www.telecentros.org.mz>, acessado em 8 de julho de 2005
TINGA, F. Experiência das Rádios Comunitárias. Estudo apresentado ao seminário Nacional
sobre comunicação para o desenvolvimento, organizado Instituto de Comunicação Social - ICS,1996.
TOSCANO, M. Introdução à sociologia educacional. Petrópolis: Vozes, 1991
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1990.
TUFT, T. Entretenimento-educação e participação: avaliando a estratégia de comunicação de Sol City. In: Comunicação para o desenvolvimento & comunicação e extensão. Revista
brasileira de ciências da comunicação, v. XXIV, n. 2. São Paulo: Intercom, julho/dezembro,
2001. 11 � 45 p.
VALÁ, S. C. Os imperativos da participação comunitária no desenvolvimento rural. Jornal
Domingo, n.833, p. 7, de 11 jan 1998.
VEIGA, J. E.da. Caminho do desenvolvimento sustentável. Disponível em
<http://www.estado.estado.com.br/editorias/2002/07/15/eco020715.html>. Acessado em 18 de Julho de 2004.
VEIGA, J. E. da. Desenvolvimento sustentável faz sentido. Disponível em
<http://www.econ.fea.usp.br/zeeli>. Acessado em 19 de Julho de 2005
VIEIRA, Roberto. Os meios de comunicação de massa e a cidadania. In: PERUZZO, Cicília
Maria Krohling; ALMEIDA. Fernando Ferreira de (Orgs). Comunicação para a cidadania. Salvador: Uneb; São Paulo: Intercom, 2003. 17 � 27 p.
VUGT, Antoniette van. Introdução à pesquisa sócio-económica: Técnicas de investigação,
textos de apoio. Maputo: DNDR, 1994, 45 p.
WHITE, Robert. Ética e comunicação para o desenvolvimento: entrevista concedida a jornalista MOREIRA, Sónia Virgínia. In: Comunicação para o desenvolvimento &
comunicação e extensão. Revista brasileira de ciências da comunicação. Vol. XXIV. nº 2.
São Paulo: INTERCOM; julho/dezembro de 2001. p. 123 - 134
WALKER, B. Diretório das Rádios Comunitárias de Moçambique. Projecto do Desenvolvimento dos Media UNESCO/PNUD MOZ 01003. Maputo, 2004.
190 1
ANEXOS
PERFIL DAS RÁDIOS