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TOM`S JOS JANE Comunicaªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios comunitÆrias na educaªo para o desenvolvimento local em Moambique Universidade Metodista de Sªo Paulo Curso de Ps-Graduaªo em Comunicaªo Social Sªo Bernardo do Campo, 2006.

Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

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Page 1: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

TOMÁS JOSÉ JANE

Comunicação para o desenvolvimento: o papel das rádios comunitárias na educação para o desenvolvimento local em Moçambique

Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo, 2006.

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Page 2: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

2

TOMÁS JOSÉ JANE

Comunicação para o desenvolvimento: o papel das rádios comunitárias na educação para o desenvolvimento local em Moçambique

Tese apresentada em cumprimento parcial às exigências do

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da

Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), para

obtenção do grau de Doutor em Comunicação Social.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cicília Maria Krohling Peruzzo.

Universidade Metodista de São Paulo Curso de Pós-Graduação em Comunicação Social

São Bernardo do Campo, 2006.

Page 3: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

3

FOLHA DE APROVAÇÃO

A tese sob o título �Comunicação para o desenvolvimento: o papel das rádios e televisões

comunitárias na educação para o desenvolvimento local de comunidades locais de

Moçambique�, elaborada por Tomás Jane, foi defendida no dia 05 de Abril de 2006, tendo

sido:

( ) Reprovada

( X ) Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações

sugeridas pela banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da

defesa .

( ) Aprovada

( ) Aprovada com louvor

Banca Examinadora:

Prof.ª Dr.ª Cicília Maria Krohling Peruzzo (Presidente)

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

______________________________________________

Área de concentração: Processos Comunicacionais

Linha de pesquisa: Comunicação Massiva

Projeto temático: Mídia local e comunitária

Page 4: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

4

Aos meus pais, Josefa Jane Nyatshave e Rocina Thonela

Manyavele (in memorian); à minha esposa, Irací Pires da Silva

Jane; aos meus filhos, Noyan Nyatshave Pires da Silva Jane e

Luana Nyatshave Pires Jane; a todos aqueles que dia e noite

trabalham na promoção do desenvolvimento comunitário, dedico

esta obra.

Page 5: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

5

�A missão da rádio define o seu propósito. Identifica as

necessidades e interesses e é um �espelho� para a estrutura da

rádio; é um mapa que orienta na obtenção dos seus objectivos; é

o instrumento pelo qual medimos o sucesso; é a base sobre qual

todas as coisas são construídas; é a estrela que nos guia e nos

orienta. [...] Toda a programação deve estar baseada nos

princípios estabelecidos pela missão. E para que a programação

tenha raiz na comunidade as sementes devem germinar dentro

dela.�

(BONIN; OPOKU-MENSAH. 1998, p. 33)

Page 6: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

6

AGRADECIMENTOS

São muitas as pessoas a quem gostaria de endereçar os meus agradecimentos pelo apoio que

tanto me deram para o desenvolvimento deste trabalho. Se eu colocasse todos os seus nomes

em uma lista, muitas páginas se esgotariam. Mas existem aquelas pessoas a quem, de uma

maneira especial, me sinto no dever de expressar e deixar aqui registrado o meu maior

agradecimento:

Aos meus queridos pais (in memorian), Josefa Jane e Rocina Thonela, que me ensinaram a

viver confiando em Deus e nas pessoas que me querem bem.

À Irací Pires da Silva Jane, minha esposa e companheira amada, pelo carinho e encorajamento

ao longo da realização deste trabalho.

Aos meus filhos, Noyan Nyatshave Pires da Silva Jane e Luana Nyatshave Pires Jane que, em

certos momentos, tive de deixar sozinhos em busca do material para a elaboração deste

trabalho.

Ao grande irmão e amigo, Rev. Jamisse Uilson Taimo, pelo encorajamento que sempre me

prestou.

À Prof.ª Dr.ª Maria Cicília Krohling, que tanto admiro por seu profissionalismo, sua

dedicação, seu encorajamento, sua paciência e sua vontade de transmitir os conhecimentos e

as experiências acumuladas ao longo da vida intelectual.

Á CAPES/PEC-PG, pelo apoio financeiro para a realização dos meus estudos e preparação

deste trabalho;

A Deus, pela saúde, paz e vontade de lutar até intelectualmente alcançar este objetivo.

Aos líderes do movimento das rádios comunitárias e todos os que direta ou indiretamente

deram o seu apoio para que este meu sonho se tornasse realidade.

Page 7: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

7

LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS

Mapa 01 � Localização geográfica de Moçambique............................................................ 19

Mapa 02 - Mapa de cobertura nacional da TVM................................................................ 39

Tabela 01 - Mapa de registro das rádios comunitárias

(Maputo, de 2001 a 2005) ..................................................................................................... 124

Mapa 03 � Mapa de localização geográfica das rádios comunitárias em Moçambique 127

Mapa 04 � Mapa de localização geográfica das rádios e televisões comunitárias ......... 126

Tuteladas pelo I.C.S

Page 8: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

i

1

Sumário

FOLHA DE APROVAÇÃO ...................................................................................................... iii AGRADECIMENTOS................................................................................................................vi LISTA DE ILUSTRAÇÕES E TABELAS............................................................................... vii Sumário .........................................................................................................................................i

Resumo ...................................................................................................................................... 2

Abstract ..................................................................................................................................... 3

Resumen .................................................................................................................................... 4

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 5 Metodologia .................................................................................................................................7 Estrutura do trabalho..................................................................................................................11

Capítulo I

DADOS BÁSICOS SOBRE COMUNICAÇÃO SOCIAL EM MOÇAMBIQUE ............ 14 1. Aspectos históricos..................................................................................................... 14 2. Os meios de comunicação social em Moçambique pós-independente....................... 19

2.1. A democratização dos meios de comunicação social e o surgimento de novas

mídias .............................................................................................................................. 29 3. Surgimento e evolução dos serviços de radiodifusão moçambicanos........................ 33

3.1 Rádio Moçambique - Empresa Pública (RM-EP) ................................................ 35 4. Televisão de Moçambique: da iniciativa à implantação dos serviços de teledifusão. 36

4.1 TVM: do sonho à realidade .................................................................................. 37 4.2 A transformação da TVE em TVM ...................................................................... 39 4.3 O surgimento das novas emissoras de televisão ................................................... 40

Capítulo II COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO........................................................ 42

1 Conceituação e contextualização teóricas .................................................................. 42 1.1 A problemática do desenvolvimento .................................................................... 48 1.2 Desenvolvimento versus desigualdade social....................................................... 50

2. A comunicação e o desenvolvimento local ................................................................ 52 3. A comunicação para o desenvolvimento no contexto moçambicano......................... 65 4. Comunidade e desenvolvimento local........................................................................ 68

4.1 O local como espaço de participação comunitária ............................................... 73 4.2 Comunicação e participação comunitária nos programas de desenvolvimento ... 76 4.3 A agricultura familiar contribuindo para o desenvolvimento local ...................... 80

5. Conceito e elementos do desenvolvimento local sustentável..................................... 88 5.1 O desenvolvimento local sustentável num país subdesenvolvido ........................ 92 5.2 Associativismo e cooperativismo como fatores do desenvolvimento local sustentável ..................................................................................................................... 100

Page 9: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

2

2

Capítulo III RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA COMO FATOR COMPLEMENTAR DO

DESENVOLVIMENTO LOCAL ....................................................................................... 108 1. Os serviços de radiodifusão e teledifusão comunitárias........................................... 108 2. Aspectos históricos da radiodifusão comunitária em Moçambique ......................... 113 3. O conceito moçambicano de rádio comunitária ....................................................... 116 4. Forcom: por uma gestão coletiva das rádios comunitárias de Moçambique............ 125 5. Rede Rural de Rádio e Televisão Comunitária ........................................................ 129

5.1 Rádio e Televisão Comunitária Likungu............................................................ 131 5.2 Rádio Dondo....................................................................................................... 133 5.3 Rádio Pax............................................................................................................ 135 5.4 Rádio e Televisão Comunitária de Vilankulu .................................................... 136 5.5 Rádio Arco-Homoine ......................................................................................... 137 5.6 Rádio Nkomati.................................................................................................... 139 5.7 Rádio Moamba ................................................................................................... 141 5.8 Rádio Voz Coop ................................................................................................ 142

7. Relação rádios comunitárias e privadas ................................................................... 147 9. O uso das línguas moçambicanas nos meios de comunicação de massa comunitários

.................................................................................................................................. 153 10.1 Telecentro: um novo espaço comunitário ................................................................ 160 10.2 A contribuição dos telecentros para o desenvolvimento local ................................. 163

Capítulo IV

A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA COMO FORMATO DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........................................................................ 167 1. A comunicação comunitária na formação do cidadão.............................................. 168

1.1 A relevância da participação comunitária .......................................................... 169 2. A programação da rádio comunitária ....................................................................... 172 3. Comunicação comunitária: alavanca do desenvolvimento local, regional e nacional.

.................................................................................................................................. 174

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES ............................................................................ 177

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 184

ANEXOS ............................................................................................................................... 190

PERFIL DAS RÁDIOS........................................................................................................ 190

Page 10: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

2 1

Resumo

Trata-se de um estudo sobre as rádios e televisões comunitárias em Moçambique. São

investigadas as ações implementadas tanto pelo governo como pela sociedade civil,

bem como o significado que essas emissoras têm para as populações locais. O objetivo

é analisar a importância e a contribuição das rádios e televisões comunitárias para a

conscientização das populações moçambicanas e para a realização com vistas ao

desenvolvimento local. A metodologia privilegiou a pesquisa bibliográfica e

documental, além de entrevistas semi-estruturadas junto a coordenadores das

emissoras, entre outros. Foram estudadas 8 emissoras sediadas nas províncias de

Zambézia, Sofala, Inhambane, Maputo e Maputo Cidade, de 2004 a 2005, além de ter

sido feito um breve resgate do percurso histórico da comunicação em Moçambique

nos últimos 15 anos, desde a promulgação da primeira Lei de Imprensa aprovada pela

Assembléia da República. Conclui-se que as rádios e a televisões comunitárias são

instrumentos de educação e conscientização das pessoas das comunidades

investigadas. Elas desempenham um papel importante na vida dos cidadãos,

mobilizando-os a se envolverem nas ações de combate à pobreza absoluta que se vive

no seu país. São bens comunitários contribuindo para o desenvolvimento sustentável

das próprias comunidades.

Palavras-chave: Comunicação para o desenvolvimento, comunicação comunitária,

rádio, televisão, comunidade, participação, desenvolvimento local.

Page 11: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

3 1

Abstract

The work �Communication for development: the roll of the community radios and

televisions in the education for development of the communities of Mozambique� is meant to

observe, analyze and describe the importance and the contribution of community radios and

televisions in the consciencialization of the Mozambican populations for the accomplishment

of actions towards local development. The studied period comprehend the last 15 years (1991

- 2005) of existence of the first media law, approved by the parliament. The research was

centered in the actions taken both by the government and by civil society in general, and the

meaning that the community radios and televisions have for the local population, based on

theoretical and practical knowledge acquired during the present study.

Community radio and television are education instruments and understanding of the

community's people. They have an important part in the citizens' life, mobilizing them to

involve on taken actions in the combat process of the absolute poverty that the population

lives in their community. They are community goods contributing to the sustainable

development of the own communities.

Key words: Communication for development, community communication,

community radio and television, community participation, local development.

Page 12: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

4 1

Resumen

El trabajo �la Comunicación para el desarrollo: el rollo de radios de la comunidad y

televisiones en la educación para el desarrollo en comunidades de Mozambique� observa,

analice y describe la importancia y la contribución de radios y televisiones comunitarias en el

consciencialization de las poblaciones Mozambicanas para el logro de acciones hacia el

desarrollo local. El período estudiado comprende los últimos 15 (1991 a 2005) años de

existencia de la primera ley de los medios de comunicación, aprobado por el parlamento. La

investigación se centró en las acciones tomadas por el gobierno y por la sociedad civil en

general, y el significado que las radios y televisión comunitarias tienen para la población

local, basado en conocimiento teórico y práctico adquirido durante a realización del presente

estudio. Las radios y televisiones comunitarias son instrumentos de la educación y

conscientización de las personas de la comunidad. Ellos tienen una parte importante en la vida

de los ciudadanos, mientras movilizándolos involucrar en las acciones tomadas en el proceso

del combate de la pobreza absoluta que la población vive en su comunidad. Ellos son género

de la comunidad que contribuye al desarrollo sustentable de las propias comunidades.

Palabras claves: La comunicación para el desarrollo, comunicación de la comunidad,

radio y televisión de la comunidad, participación de la comunidad, el desarrollo local.

Page 13: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

5 1

INTRODUÇÃO

No contexto em que se desenvolveu este trabalho, fomos percebendo cada vez mais

que os meios de comunicação sempre tiveram, ao longo dos tempos da existência humana,

uma importância capital para o inter-relacionamento das pessoas, a vida em comunidade e a

troca de idéias, bem como a construção de espaço de participação de indivíduos na realização

de ações visando o desenvolvimento comum.

A comunicação tem sido e é elemento chave para o sucesso de qualquer projeto de

desenvolvimento, em particular na luta contra a pobreza absoluta a que qualquer povo se

encontra mergulhada. Para se concretizar algum plano ou projeto, ou ações programadas tanto

por organismos governamentais como por instituições públicas ou privadas, a comunicação

formal só pode atingir resultados positivos quando é feita através de reuniões e encontros com

as populações. No entanto, para se atingir um nível superior de intervenção, torna-se

necessária uma comunicação mais eficaz e mais abrangente junto do público alvo.

O surgimento da rádio com a descoberta das ondas hertzianas que transmitem

mensagens pelo ar, aparece como um espaço para a comunicação na qual o homem, com a

adaptação da fala, vai mudando o seu comportamento graças às informações, conhecimentos e

experiências que adquire ao longo da sua vida. Ao alcançar os ouvintes, a rádio cria uma

imagem a partir do quadro de referências que cada um tem, criando neles uma credibilidade

em relação à informação que lhes oferece.

Apesar de a televisão ter surgido como um poderoso veículo de comunicação, provado

e aprovado ao longo do tempo, ainda não conseguiu superar o rádio, isto devido ao custo que

se lhe oferece, pois ainda não tem sido fácil alcançar populações de lugares recônditos. Daí

que até o presente momento a televisão só cobre espaços onde a energia já é uma realidade.

Page 14: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

6 1

A necessidade de comunicação mais abrangente e eficaz tem sido uma exigência na

vida do homem e é mais notável e indispensável nesta Era das Tecnologias de Informação,

sobretudo quando se trata de implementação de projetos que introduzem inovações e

mudanças de hábitos, ou exigem o envolvimento da população nos Meios de Comunicação

Social que funcionem como alternativas de apoio aos grupos associativos, organizações

sociais ou comunitárias, etc.

Por se acreditar que a comunicação e a informação são fundamentais na vida de

qualquer sociedade que se afirma como participativa, no caso Moçambique, os dois termos

fazem parte de princípios consagrados na Constituição da República, no seu artigo 48,

complementada pela Lei de Imprensa 18/91, de 10 de Agosto de 1991. Em resposta às

transformações sócio-econômicas e políticas que vêm acontecendo no país desde a aprovação,

pela Assembléia da República, em 1990, da Constituição da República e da Lei 18/91, estas

vieram permitir o surgimento de novas iniciativas de imprensa escrita e radiofônica de caráter

privado que até então constituía monopólio do Estado. Com essas aberturas consideradas

democráticas, teve início um movimento das rádios comunitárias de orientação estatal, de

associações cívicas, de instituições religiosas, congregando mais de meia centena e nas quais

estão envolvidos membros das comunidades onde se encontram instaladas, exercendo várias

funções e tarefas de gestão e de programação.

Nosso maior interesse pelo estudo da comunicação para o desenvolvimento local,

especialmente o rural, surge no período de 1992 a 1994 quando, trabalhando no Unicef -

Fundo das Nações Unidas para a Infância, fazia a monitoria de alguns programas e projetos de

apoio e promoção ao desenvolvimento rural. Isto criou em nós um desejo enorme de

desenvolver um estudo voltado para o desenvolvimento das comunidades rurais. Desde aquela

época, uma boa parte das nossas atividades de pesquisa vem tendo seu maior enfoque no

estudo sobre o que seria a comunicação comunitária e a sua contribuição para o

desenvolvimento das comunidades locais, aquelas que podem criar uma capacidade de

sustentabilidade e enfrentar os desafios provocados pela guerra e calamidades naturais,

grandes motivadores da pobreza absoluta em que o país se encontra mergulhada.

Page 15: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

7 1

Metodologia

Nosso trabalho aborda qualitativamente os meios eletrônicos de orientação

comunitária em sua relação com a educação para o desenvolvimento das comunidades locais,

em particular as rurais. Esta pesquisa, sobre o papel das rádios e televisões comunitárias na

educação para o desenvolvimento local de comunidades de Moçambique, foi desenvolvida

com base nos conhecimentos acumulados sobre a temática da comunicação comunitária e

contou com a utilização de uma metodologia composta de técnicas e instrumentos

cientificamente adequados, escolhidos de forma cuidadosa para permitir que os resultados

alcançados sejam úteis para o progresso do conhecimento científico das futuras gerações de

pesquisadores em comunicação comunitária.

O objetivo principal da presente pesquisa foi analisar o papel das rádios e televisões

comunitárias no processo de desenvolvimento local sustentável, bem como sua contribuição

na educação da população moçambicana para fazer frente à pobreza absoluta que afeta o país

e, mais especificamente, as zonas rurais.

Constituíram objetivos específicos da nossa pesquisa:

a) Traçar um panorama geral e histórico da comunicação social em Moçambique a

começar de 1975, ano da Independência Nacional;

b) Identificar e analisar as linhas gerais da política de comunicação moçambicana e a

exeqüibilidade da Lei de Imprensa no período em estudo;

c) Identificar e analisar as principais mudanças ocorridas nos meios de comunicação

de massa, sobretudo nos de caráter estatal que detêm o monopólio da comunicação

social no país;

Page 16: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

8 1

d) Identificar e analisar os instrumentos que regulam os meios de comunicação

comunitários, particularmente os das áreas de rádio e de teledifusão;

e) Analisar e mapear os �novos� meios eletrônicos de comunicação de orientação

comunitária, seus regimes de propriedade, política editorial, dependência e

independência, base social, área de cobertura, sustentabilidade e contribuição para o

desenvolvimento local.

Trata-se de uma pesquisa empírica que, em certa medida, se inspira nas experiências

acumuladas ao longo de nossa vida profissional e tem seu epicentro fundamentado no

embasamento teórico adquirido na vida acadêmica.

O estudo faz um histórico da fase que compreende os 15 anos da existência da Lei de

Imprensa (Lei 18/91, de 10 de agosto de 1991), a primeira do gênero aprovada pela

Assembléia da República desde a Independência Nacional, proclamada em 25 de junho de

1975. Neste trabalho concentramos nossa atenção às ações levadas a cabo tanto pelo Governo

como pela sociedade civil em relação a radio e à teledifusão comunitárias, ao significado que

estas têm para os atores sociais e à sua função, dando enfoque aos conceitos teórico-empíricos

adquiridos ao longo de nossa vida e estudo.

Com base na definição de António Carlos Gil (1991, p. 19), a pesquisa é um

procedimento racional que visa dar resposta a questões que são propostas. Para ele, �a

pesquisa é requerida quando não se dispõe de informação suficiente para responder ao

problema, ou então quando a informação disponível se encontra em total estado de desordem

que não possa ser adequadamente relacionada ao problema�.

Para realizarmos nossa pesquisa, buscamos verificar a amplitude social das rádios e

televisões comunitárias e compreender as particularidades da relação existente entre o

contexto sociopolítico que determina as estratégias de informação e comunicação e as ações

de desenvolvimento que ocorrem em Moçambique, com base em uma abordagem histórica

descritiva que deu consistência e embasamento teórico ao trabalho.

Page 17: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

9 1

Para delimitar a abrangência da pesquisa, realizamos um estudo sobre a origem do

movimento da comunicação comunitária no país, tomando como objeto preliminar as duas

grandes experiências moçambicanas de comunicação comunitária:

O prenúncio da comunicação comunitária com a instalação de alto-falantes nos

bairros e aldeias comunais, pelo Instituto de Comunicação Social (ICS) com o apoio

do Unicef;

O movimento das rádios comunitárias, também liderado pelo ICS e com o apoio

do Unicef.

Ao considerarmos a inter-relação entre os dois momentos históricos do país,

demos muita importância à participação das comunidades locais no processo da instalação

das rádios e televisões comunitárias, à formação de gestores e operadores dos meios, às

relações entre parceiros e às transformações ocorridas no ambiente comunitário local. Foi

com base nesses aspectos que orientamos nossa pesquisa segundo as seguintes hipóteses:

A comunicação comunitária desempenha um papel preponderante para o

envolvimento da população em programas de desenvolvimento local, por meio da

educação e da mobilização;

As populações assumem as rádios e televisões comunitárias como bens comuns e,

portanto, participam de atividades de programação e gestão desses meios;

Ao se engajarem em programas de combate à pobreza absoluta que se vive no país, as

rádios e televisões comunitárias contribuem para o desenvolvimento das comunidades

em que se inserem.

Na formulação das hipóteses, procuramos reunir vários pontos de apoio ao

desenvolvimento da nossa pesquisa e que estejam em consonância com o dia-a-dia das

comunidades locais com os seus diversificados membros, seu sistema político e sua situação

financeira.

No desenrolar da nossa pesquisa, foram levantados os dados históricos e

conhecimentos teóricos acumulados sobre rádio e teledifusão comunitárias, assunto

profundamente estudado por vários autores e pesquisadores, e disso extraímos aspectos

Page 18: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

10 1

fundamentais para uma abordagem do problema. Este estudo conseguiu abranger considerável

área geográfica e conta com grande quantidade de depoimentos.

Esta pesquisa configura-se como um estudo descritivo-analítico pelo qual

descrevemos com exatidão �os fatos e fenômenos de determinada realidade [tendo como foco

central] o desejo de conhecer a comunidade, seus traços característicos, suas gentes, seus

problemas, etc.� (TRIVIÑOS, 1990, p. 110-1).

Com base na sustentação desse autor, procurarmos concentrar nossa pesquisa na

utilização de ferramentas disponíveis que nos auxiliassem a revelar as particularidades do

movimento das rádios e televisões comunitárias em Moçambique, analisando os dados

obtidos de acordo com determinados procedimentos metodológicos.

No processo da coleta de dados realizamos entrevistas semi-estruturadas, definidas por

Lakatos e Marconi (1999, p. 96) como aquelas em que �o entrevistador tem liberdade para

desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada [podendo] explorar

mais amplamente a questão�. Para isso, foram preparados três roteiros de entrevista que,

como explicam os autores acima, não obedece a uma estrutura formal, variando de acordo

com as informações específicas que buscávamos junto aos entrevistados.

Foram realizadas 32 entrevistas nos distritos de Mokuba (província da Zambézia),

Vilankulu e Homoine (província de Inhambane), Manhiça e Moamba (província de Maputo),

cidades da Beira e Dondo (província de Sofala) e Zona Verde (cidade de Maputo). Essas

entrevistas foram feitas com membros das comunidades, líderes comunitários e representantes

de entidades governamentais ligadas aos processos de registros dos órgãos de comunicação

social. Nas entrevistas feitas em cada um dos distritos e cidades referidas, selecionamos

aleatoriamente três membros da comunidade e um membro da estrutura de gestão da rádio

comunitária, para permitir um panorama geral do impacto da emissora na região. Foram

entrevistados também pesquisadores da área de desenvolvimento comunitário/rural e os

seguintes representantes do poder público: o diretor do Gabinete de Informação, entidade

responsável pelo registro dos órgãos de informação no país; o presidente do Conselho de

Administração da Rádio Moçambique; o presidente do Conselho de Administração da

Televisão de Moçambique; a diretora-geral do Instituto de Comunicação Social; o

Page 19: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

11 1

coordenador do Projeto de Desenvolvimento da Mídia; o presidente do Fórum das Rádios

Comunitárias de Moçambique; e o então ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural.

Os relatos obtidos nessas entrevistas contribuíram para atender os objetivos que

pretendíamos alcançar, por fornecerem elementos enriquecedores para o estudo realizado.

Dessa forma, buscou-se descrever a importância e o objetivo de cada rádio comunitária no

movimento; compreender a concepção que os atores comunitários tiveram ou ainda têm da

rádio ou da televisão comunitária; estabelecer a relação objetivo-subjetiva entre as rádios e

televisões visitadas e suas comunidades; situar as mudanças decorrentes do contato das

comunidades com seus meios de comunicação; compreender o papel dessas rádios ou

televisões no desenvolvimento local, bem como a relação destas com seus parceiros.

A relação mantida com os entrevistados e as informações e impressões colhidas

constituem material importante para a reflexão sobre o papel da comunicação comunitária em

Moçambique e sua contribuição para o desenvolvimento das comunidades locais.

No que se refere à pesquisa bibliográfica, seguimos a recomendação de Gil (1999, p.

65), que diz que a pesquisa deve ser �desenvolvida a partir de material já elaborado,

constituído principalmente de livros e artigos científicos�. Foi com base nessa premissa que

concentrar à pertinência teórica de diversos autores, com especial atenção aos que estudam

com profundidade a área de comunicação comunitária, tentando trazer subsídios a uma

reflexão exaustiva sobre comunicação para o desenvolvimento, principalmente agora com a

ação das rádios e televisões comunitárias. No nosso entender, esses meios alteraram a relação

entre o ouvinte e a Rádio Moçambique e entre o telespectador e a Televisão de Moçambique,

as quais são os principais órgãos de comunicação eletrônica sob tutela do Estado e

monopolizam, respectivamente, a rádio e a teledifusão no país.

Estrutura do trabalho

Este trabalho encontra-se estruturado em 4 capítulos. No primeiro capítulo fazemos à

abordagem a cerca de dados básicos sobre a comunicação social em Moçambique, onde

apresentamos geograficamente o país e seus aspectos históricos, isto referente aos 25 anos

após a Independência Nacional. Resumidamente destacamos a historicidade dos meios de

Page 20: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

12 1

comunicação, bem como problemas enfrentados por estes durante o período da guerra civil

que durou 17 anos. Ainda neste capítulo, abordamos o processo da democratização dos meios

de comunicação iniciado logo após a aprovação da Constituição de 1990 e da Lei de Imprensa

18/91, ambas garantindo a liberdade de expressão e da imprensa; o surgimento de novos

órgãos de comunicação social de orientação privada e o início do movimento das rádios e

televisões comunitárias país. A historicidade dos meios de comunicação social moçambicanos

também é analisada neste capítulo com destaque ao surgimento e evolução dos serviços de

radio e de televisão no país. No mesmo capítulo, abordamos a evolução dos serviços de

radiodifusão e os de televisão moçambicanos, para depois falarmos do surgimento das novas

emissoras tanto da rádio como da televisão no país.

No segundo capítulo iniciamos com abordagem teórica da comunicação para o

desenvolvimento, assunto �guarda-chuva� do nosso trabalho, onde discutimos diversos

conceitos de vários estudiosos da matéria. Nossa abordagem sobre este assunto se cinge na

problemática do desenvolvimento e na desigualdade social que se vive não só em

Moçambique, como na maioria dos países do Terceiro Mundo. Neste capítulo analisamos,

também, os conceitos da comunicação para o desenvolvimento no contexto moçambicano; o

conceito da comunidade e do desenvolvimento local, com os sub-pontos que enfocam o local

como espaço de participação comunitária e esta nos programas de desenvolvimento local

baseado nas práticas da agricultura familiar. No ponto de número 5 iniciamos a abordagem

dos conceitos e elementos do desenvolvimento local sustentável, analisando

comparativamente o que isso seria num país subdesenvolvido como Moçambique. A

discussão sobre o desenvolvimento local sustentável nos leva a fazermos uma análise sobre o

associativismo e o cooperativismo como alguns dos fatores do desenvolvimento sustentável

local.

A radiodifusão comunitária aparece como fator complementar do desenvolvimento

local. A discussão sobre este assunto é feita no terceiro capítulo deste trabalho, onde,

inicialmente, fazemos a abordagem da radiodifusão e da teledifusão comunitárias em

Moçambique, para depois falarmos dos seus aspectos históricos, bem como da evolução do

movimento das rádios comunitárias que veio a constituir-se em um �Fórum Moçambicano das

Rádios Comunitárias de Moçambique�. No mesmo capítulo debruçamo-nos sobre o projeto

�Rede Rural de Rádio e Televisão Comunitária� criado em 1995 pelo então Instituto Nacional

Page 21: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

13 1

de Desenvolvimento Rural e que, em 2000, passou para a administração do Instituto de

Comunicação social, a qual já possui não menos de 7 TVs comunitárias, todas financiadas

pelo Estado. No entanto, fazemos um relato resumido do que constatamos nas 8 rádios

comunitárias por nós visitadas. Não podíamos terminar este capitulo sem que analisássemos

um pouco o problema da ausência do quadro legal das rádios e televisões comunitárias, o que

cria embaraços no seio dos operadores da área. O uso das línguas moçambicanas também não

podia ser deixado de lado. Afinal, a comunicação comunitária é feita nas línguas que o povo

bem entende. O movimento das rádios comunitárias ganhou espaço na sociedade

moçambicana, pois nos telecentros instalados pelo Centro de Informática da Universidade

Eduardo Mondlane, a componente rádio comunitária faz parte, havendo nesse sentido sido

instaladas emissoras em três telecentros existentes na Província de Maputo, nomeadamente

nos distritos de Namaacha, Manhiça e Xinavane/Magude.

O quarto capítulo � o último - analisa a comunicação comunitária como formato do

desenvolvimento sustável. Este capítulo subdivide-se em três sub-temas, nomeadamente a que

aborda a comunicação comunitária como elemento da formação e transformação do cidadão,

bem como a participação deste nas ações de desenvolvimento da sua comunidade. Também

analisamos a questão da programação das rádios comunitárias, para no fim falarmos da

comunicação comunitária como alavanca do desenvolvimento local, regional e nacional.

Acreditamos sim, a partir da visão da nossa pesquisa empírica, que a comunicação

comunitária como um todo e, em particular, as rádios e televisões comunitárias, exercem um

papel significativo na educação e capacitação das pessoas para enfrentarem os desafios que

lhes são impostas pela pobreza absoluta em que se encontram mergulhadas. Acreditamos

ainda que as rádios e televisões comunitárias tenham dado uma maior contribuição para o

desenvolvimento das comunidades locais e rurais, o que reflete, em grande medida, no

processo de desenvolvimento que o país pretende alcançar.

Page 22: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

14 1

Capítulo I

DADOS BÁSICOS SOBRE COMUNICAÇÃO SOCIAL EM

MOÇAMBIQUE

1. Aspectos históricos

Moçambique situa-se na costa oriental da África, faz fronteira com a Tanzânia (ao

norte), Zâmbia e Zimbábue (a oeste), África do Sul e Suazilândia (ao sul), e é banhado pelo

oceano Índico (a leste). Sua superfície equivale a 801.590 km2, dos quais, 13.000 km2

correspondem a águas interiores. Sua população é estimada em cerca de 19.420.036 de

habitantes, dos quais 87% residem nas zonas rurais e os restantes, 13%, nas zonas urbanas1.

O português é a língua oficial, adotada logo após a proclamação da Independência

Nacional, mas poucos o podem falar e/ou escrever; a maioria da população fala as mais de 16

línguas locais diferentes ou uma das suas variantes. Em 1975, mais de 92% da população era

analfabeta. Atualmente, o analfabetismo baixou para 56,7%, índice que seria mais reduzido se

não tivesse havido guerra civil por 17 anos, a qual destruiu grande parte da infra-estrutura

econômica e educacional do país. O índice de analfabetismo tem a sua maior incidência na

área rural, onde chega a atingir 68%, e entre as mulheres, afetando aproximadamente 71,2%

delas .2

Moçambique é um país com população jovem, pois 45% é constituída por crianças

com idades compreendidas entre 0 e 14 anos. Herdando profundas marcas de analfabetismo e

dependência econômica na época da independência, Moçambique foi, durante 17 anos,

1 Dados do Instituto Nacional de Estatísticas, 2005. 2 Os dados referem-se exatamente às pessoas que não sabem ler e nem escrever, tanto em língua

portuguesa como em línguas locais.

Page 23: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

15 1

governado por um sistema de partido único de filosofia socialista3, liderado, nos primeiros 11

anos, pelo primeiro Presidente da República, Samora Moisés Machel, o qual defendia:

A consolidação da edificação da nação;

A reconstrução e o desenvolvimento da economia nacional;

A eliminação da discriminação racial, regional e tribal;

A criação de redes nacionais de ensino, saúde e justiça.

Mesmo com a derrota do colonialismo português e a ascensão à independência

nacional, o país não conheceu a paz. Como acima referimos, desde cedo, por ter optado por

um sistema de governo socialista e se juntado à comunidade internacional na oposição ao

regime ilegal de Ian Smith, Moçambique sofreu ataques militares da Rodésia, contra alvos

econômicos e sociais e contra os campos de refugiados zimbabueanos. Alcançada a

Independência do Zimbábue, em 1980, continuou a ser palco de guerra, pois o grupo armado

criado pelos serviços secretos rodesianos, denominado de Movimento Nacional de Resistência

(MNR), mais tarde Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) passou a ser financiado

pelo regime segregacionista da África do Sul, que garantiu seu treinamento e apoio logístico,

numa tentativa de manter sua dominação política e econômica na região e evitar o

desenvolvimento interno do movimento anti-apartheid. Assim, a guerra se desenvolveu ao

longo da década de 1980, numa estratégia de destruição generalizada cujas ações incidiram

principalmente sobre infra-estruturas socioeconômicas e contra os civis, particularmente os

das áreas rurais. No mesmo período o país enfrentou, também, sucessivos momentos de secas

e cheias em diferentes regiões, perdendo inúmeras infra-estruturas econômicas e sociais.

A fome e a pobreza generalizadas também fizeram parte do processo da

desestabilização do país, chegando a ponto de, em 1987, o governo declarar situação de

emergência e pedir assistência à comunidade internacional e, no mesmo ano ser lançado o

Programa de Reabilitação Econômica, com apoio do Banco Mundial e do FMI, com a

finalidade de promover:

3 Constituição da República Popular de Moçambique. Maputo: Governo de Moçambique, 1975.

Page 24: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

16 1

A introdução de mais dinamismo na gestão econômica e a promoção do

empresariado nacional;

O restabelecimento do equilíbrio financeiro e a criação de alicerces para o

crescimento da economia nacional;

A inversão do declínio da produção para assegurar os níveis mínimos de

rendimento e consumo;

O fortalecimento da balança de pagamentos e a garantia da estabilidade econômica.

Em resposta às medidas acima, o documento �Perfil de Moçambique� (2001, p. 2)

refere que o PIB cresceu cerca de 5% de 1987 a 1989. No entanto, o país não conseguiu

manter este ritmo, tendo sido registrado, em 1992, último ano da guerra civil, um resultado

negativo de -3,3%. A situação voltou a mudar nos anos seguintes ao Acordo Geral de Paz

assinado em Roma em 4 de outubro de 1992.

Na arena política, as mudanças começaram a acontecer anos depois da morte do

presidente Samora Moisés Machel (19 de outubro de 1986), vítima de acidente de aviação.

Joaquim Alberto Chissano, até então ministro dos Negócios Estrangeiros, que foi nomeado

presidente, iniciou imediatamente um processo de reformas políticas que culminaram com a

aprovação, pela Assembléia da República (Parlamento), da nova Constituição da República,

dando-se, assim, os primeiros passos do processo de transformações políticas e sociais no

país.

Com a adoção da nova �constituição multipartidária�, em 1990, o processo de

transformação e renovação da sociedade moçambicana levado a cabo pelo governo, conheceu

aceleração e aprofundamento com vista a alcançar um novo rumo para a pacificação e para o

conseqüente desenvolvimento nacional. Trata-se de um processo que ocorreu � e ocorre �

num esforço de concretizar o princípio de �mudança política, social, econômica e cultural�

por meio das comunidades locais, evitando, na medida do possível, rupturas que possam

desgovernar a sociedade e o Estado. Assim, foram aprovadas novas leis e reformadas as

instituições públicas. A Constituição da República (1990) introduziu alterações importantes

em vários aspectos de interesse da sociedade moçambicana, das quais podemos destacar uma

maior atenção dedicada:

Page 25: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

17 1

Aos direitos individuais e aos coletivos; À transição do sistema monopartidário ao

multipartidário;

À passagem da economia centralmente planificada à economia de mercado;À

criação de diversas legislações, como a Lei dos Partidos;À Lei de Imprensa;À Lei

do Direito à Criação de Associações;À Lei do Direito à Greve e leis que adaptam as

estruturas e as instituições de justiça, da polícia e dos serviços de segurança do

Estado.

Em simultâneo com as reformas, ocorriam em Roma, a partir de 1990, as conversações

diretas entre o governo e a Renamo, que levaram à assinatura do Acordo Geral de Paz, em

1992. Esse acordo estabeleceu, entre muitos aspectos, a realização das Primeiras Eleições

Gerais e Multipartidárias por sufrágio universal direto, secreto e pessoal, em outubro de 1994,

para, em maio de 1998, realizarem-se as Primeiras Eleições Municipais, em 33 municípios. O

processo da descentralização administrativa do país está sendo feito, de forma gradual, para

outras cidades e vilas não abrangidas nas eleições de 1998, e disso resultou a realização, em 9

de outubro de 2003, das Segundas Eleições Municipais por sufrágio universal, quando mais

cidades e vilas passaram a gozar do estatuto de município. Deve-se salientar que a democracia

multipartidária criou raízes em Moçambique, pois após a realização das primeiras eleições

gerais e multipartidárias para a escolha do Presidente da República e dos Deputados da

Assembléia da República, as segundas aconteceram em 1999, e as terceiras eleições gerais,

em 2004. Neste momento, Moçambique conta com mais de 20 partidos políticos, sendo a

Frelimo e a Renamo os com maior numero de filiados.

Na área social, a Constituição da República de Moçambique, no seu artigo 74, garante

a todos os cidadãos o direito à informação, à liberdade de imprensa e à liberdade de

expressão. Na base dos direitos e liberdades consagrados na Constituição, a Assembléia da

República aprovou, em 1991, a Lei de Imprensa (Lei nº. 18/91 de 10 de agosto), dando

abertura para que, em 1997, o governo adotasse uma �Política e Estratégias da Informação�

com os seguintes objetivos:

a) O aperfeiçoamento da comunicação entre o governo e os cidadãos, por meio dos

órgãos de informação;

b) A cobertura efetiva do território nacional pelos órgãos de informação do setor público;

Page 26: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

18 1

c) A melhoria do acesso dos cidadãos aos meios de comunicação social, particularmente

nas zonas rurais;

d) O aumento do fluxo de informações sobre o país em nível interno e internacional.

Em relação às reformas constitucionais e comunicacionais, Tinga afirma que a

concretização, tanto do artigo 74 da Constituição da República como da Lei nº. 18/91, só será

possível quando todos os membros da sociedade moçambicana exercerem livremente o seu

direito de expressão de forma inalienável, isto é:

Quando todos gerarmos e intercambiarmos os nossos próprios temas e

mensagens, solidarizarmo-nos na criação do conhecimento, soubermos compartilhar sentimentos, organizarmo-nos e adquirirmos o poder coletivo, resolveremos os problemas comuns e contribuiremos para a transformação de modo que a sociedade moçambicana se torne livre, justa e participativa

(TINGA, 1996, p. 5).

A opinião de Tinga é sustentada por Bordenave quando refere que:

O aproveitamento ótimo do poder da comunicação para a expressão, o relacionamento e a participação, dentro de um projeto geral de

transformação social, implica a tomada de uma série de medidas pela sociedade, começando pela procura de novas formas de apropriação e

administração dos meios, até melhores formas de capacitação das pessoas no uso da comunicação (BORDENAVE, 1982, p. 94).

Isso porque a comunicação de massa é o pré-requisito elementar para a vida humana e

a ordem social; ela é a precondição indispensável para a existência de todo e qualquer sistema

social e permeia todos os aspectos da vida em sociedade. Com isto, pretendemos afirmar que

a comunicação representa, por assim dizer, a própria base do processo social, porque sem

comunicação não há ação organizada.

Tanto a formação quanto a manutenção de sistemas sociais só podem ser possíveis se

as pessoas envolvidas no processo estiverem interligadas por meio da comunicação. Assim,

comunicação não significa apenas a transmissão de informações, mas também participação

organizada da população-alvo.

Page 27: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

19 1

É nesse contexto que nos propomos a estudar, no âmbito da comunicação para o

desenvolvimento, a comunicação de massa comunitária, isto é, o papel das rádios e televisões

comunitárias no processo de desenvolvimento que deve começar na comunidade e com a

participação desta, com vista à redução da pobreza absoluta no país.

Mapa 01 � Localização geográfica de Moçambique

2. Os meios de comunicação social em Moçambique pós-independente

No governo de transição saído do Acordo de Lusaka, assinado em 7 de setembro de

1974 por Samora Moisés Machel, presidente da Frelimo, e António de Espínola, presidente de

Portugal, o Ministério da Informação, dirigido por Jorge Rebelo, tinha como funções

principais:

Coordenar o trabalho dos órgãos de informação falada e escrita;

Lançar palavras de ordem para esses mesmos órgãos, para a formação de uma nova

mentalidade moçambicana, tão intoxicada pela deturpação e distorção que

caracterizou a ação dita informativa do anterior regime português e cujos efeitos não

tinham sido sanados desde o dia 25 de abril;

Promover a criação de jornais regionais;

Page 28: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

20 1

Divulgar a realidade de um Moçambique liderado pela Frelimo e incrementar o

conhecimento do país nos planos interno e externo;

Orientar para que toda a informação falada, escrita e visual tenha um cunho

formativo e educativo.

Esse ministério organizou o 1º seminário realizado após a instalação do governo de

transição, de 16 a 18 de novembro de 1974, intitulado �Informação e Mudança Política� que,

segundo Jane (1990, p. 161), teve as seguintes conclusões principais:

Fomentar e apoiar a rápida realização de um curso de jornalismo;

Realizar seminários entre profissionais da informação em atividade, como forma de

reciclagem e de desintoxicação mental;

Promover seminários com membros do Partido que, ao longo da luta por libertação,

desempenharam tarefas relacionadas com a informação;

Obtenção, estudo e divulgação de documentos de outros países sobre informação e

estudo da possibilidade de estagiar em outros países e de convidar profissionais da

informação estrangeira, designadamente dos países africanos, para fazer estágio em

Moçambique;

Direta orientação política da Rádio Clube de Moçambique por comissário(s)

político(s), por se julgar ser a melhor indicação dada a sua grande experiência de se

comunicar com as massas;

Criação de grupos de trabalho para melhor conhecimento da linguagem (dos dialetos

e da língua portuguesa) e até das diversas matérias tratadas;

Criar grupos de apoio (voluntários) à rádio moçambicana, dadas às dificuldades

atuais de produção.

Com a proclamação da Independência Nacional, Moçambique passou a necessitar de

uma política de educação e mobilização populacional, para as atividades de produção, defesa

e construção de um estado socialista, que fosse implantada nos bairros e aldeias comunais que

haviam sido criados em todo o território nacional. Ao assumir o poder total, a Frelimo passou

a se definir como a �única força dirigente� da sociedade moçambicana, legitimando assim o

seu poder decisivo sobre todas as estruturas do Estado, e justificando-o pela necessidade de

Page 29: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

21 1

garantir que tais estruturas �servissem os interesses da classe operária camponesa�

(MACHIANA, 2002, p.71). Para Machiana, esse princípio se estendeu �aos órgãos de

informação, estabelecendo-se que sob a direção da Frelimo se alterava o conteúdo da rádio e

da imprensa escrita, destituíam-se todos os vestígios da Informação colonial fascista e

burguesa, e constituía-se uma �informação de classe� profundamente ligada às massas

trabalhadoras, exprimindo o interesse da aliança operária camponesa�.

Apesar de o artigo 27 da Constituição da República Popular de Moçambique garantir,

a todos os cidadãos, o gozo de �liberdade de opinião, de reunião e de associação�, o referido

artigo nuca teve regulamentação, por não haver, no seio da Frelimo, experiência suficiente

que permitisse legislar atividades de comunicação social. A Constituição aprovada na véspera

da Independência Nacional pelo Comitê Central da Frelimo era de modelo socialista. Não

fazia nenhuma menção quanto à liberdade de expressão ou de imprensa. Somado isso à força

do artigo 79, que revogava toda a lei anterior contrária � o que significava a não aplicação da

legislação colonial existentes à época �, os órgãos de comunicação social operavam sem

nenhum instrumento legal para a sua atividade. Sem nenhuma legislação que pudesse orientar

o funcionamento dos meios de comunicação social, o governo não teve alternativa e trabalhou

na base de decretos-lei.

O decreto nº. 1/75 de 27 de julho, no seu artigo 16, atribui ao Ministério da

Informação a competência da �difusão da linha política da Frelimo e da ação do governo em

nível das camadas populares, a fim de que todo o povo conheça, compreenda e assuma o

processo revolucionário�. Mais adiante, o mesmo decreto acrescenta que o Ministério da

Informação, por meio da ampla circulação da informação, �fomenta a contínua troca de

experiências entre a massa popular, em contato constante com a direção, reforçando a

participação do povo no exercício da verdadeira democracia e consolidando a unidade

nacional�. Refere ainda o mesmo decreto que esse ministério tinha a competência de

organizar, controlar e orientar a difusão de notícias e de controlar e orientar a atividade

editorial e as atividades de propaganda política no país.

Como se pode perceber, a função controladora do Ministério da Informação estava

patente em todos os órgãos de comunicação social. O governo tinha poder de intervir sempre

que achasse que este ou aquele órgão de informação agia de forma contrária aos ideais da sua

Page 30: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

22 1

política. Segundo Magaia (1994, p. 42), �Nenhuma informação ia ao ar ou era publicada em

jornais e revistas sem que tivesse passado pelo DTIP - Departamento do Trabalho Ideológico

do Partido, isto porque todos os meios de comunicação eram controlados pelo partido no

poder. Os jornalistas eram tidos como legítimos intérpretes do sentimento popular junto do

poder e deste junto da população�.

A Rádio Clube de Moçambique, que vinha operando em quase todo o território

nacional durante o período colonial, foi extinta e criou-se a Rádio Moçambique, com a tarefa

de informar, educar, mobilizar e organizar a população moçambicana para as tarefas de

construção de uma nova nação.

Para isso, foi chamada a adotar para os seus programas não só a língua portuguesa,

proclamada pelo Partido Frelimo e pelo governo como língua oficial do país, como também as

línguas moçambicanas mais faladas. Afinal, a Rádio Moçambique detinha � e detém até o

presente momento � o monopólio da radiodifusão em todo o território nacional.

Os jornais Notícias, e Diário de Moçambique bem como a revista Tempo, principais

publicações que circulavam até 1975, também foram enquadrados na nova política de

�informar, educar, mobilizar e organizar a população para as tarefas de construção de uma

nova sociedade moçambicana�.

Depois da independência de Moçambique, em 1975, o Ministério da Informação teve

como uma das suas principais tarefas traçar uma nova política de comunicação social com a

finalidade de levar a informação às comunidades essencialmente rurais, em benefício de uma

melhor produção agrícola, saúde, educação, bem como melhorar o nível de vida da

população. Para permitir que esses princípios fossem executados foi necessário criar, em

1977, o Gabinete de Comunicação Social, que dez anos depois foi transformado em Instituto

de Comunicação Social (ICS). A criação do referido gabinete foi possível pelo financiamento

do Unicef conseguido por meio de um acordo de cooperação técnico-financeira assinado entre

esta agência e o Ministério da Informação.

Como projeto do Ministério da Informação, o Gabinete de Comunicação tinha como

uma das suas principais funções procurar formas e meios que possibilitassem o

Page 31: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

23 1

estabelecimento de um sistema de comunicação de caráter comunitário nos bairros e aldeias

comunais. Dessa forma, o Gabinete de Comunicação Social desempenhou o seu papel de

conceptor, produtor e difusor de informações em benefício do desenvolvimento das

comunidades rurais com base em suas reais necessidades e preocupações. Assim, constituíam

perspectivas do projeto de comunicação social nas zonas rurais:

1. Preencher o espaço que não era ocupado pelos meios de comunicação convencionais

por razões de ordem técnica, social e econômica;

2. Incentivar uma educação permanente que possibilitasse, de maneira direta, o

desenvolvimento de uma programação educativa que pudesse influenciar as velhas

mentalidades da população (JANE, 1997, p. 8).

O processo de educação permanente então projetado pelo Ministério da Informação,

por intermédio do seu Gabinete de Comunicação Social, tinha como princípio o apoio direto

aos agentes da saúde, professores, alfabetizadores, técnicos agrários e líderes das

comunidades e aldeias comunais, e funcionava, também, como veículo dinamizador da

libertação e emancipação da mulher.

No processo de implementação dessa experiência foi necessário, em primeiro lugar,

realizar em três províncias do país (Cabo Delgado, Nampula e Gaza) um trabalho de pesquisa

que possibilitasse conhecer as realidades locais e comparar a evolução, o grau de participação

das populações dos bairros e aldeias comunais onde o projeto seria desenvolvido e, também, a

integração do mesmo dentro do quadro institucional e das estruturas de níveis local, distrital,

provincial e nacional. Na fase experimental do projeto, �só se utilizava como meio de

comunicação os centros de comunicação social, centros de escuta coletiva e unidades móveis,

equipado cada um com alto-falantes, gerador elétrico (onde não havia energia), toca-discos,

toca-fitas, receptor radiofônico, amplificador do sinal, videocassete, televisor e microfone�

(Comunicando nº. 00/97).

Tanto os centros de comunicação como os de escuta coletiva haviam sido criados nos

bairros e nas aldeias organizados pelo governo logo após a Independência Nacional, para

aglutinar a população rural e dotá-la de serviços sociais adequados. Nos centros de

comunicação social passavam-se documentários em videocassetes (VT), programas

Page 32: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

24 1

educativos em cassetes de áudio, filmes; assistia-se a peças de teatro e espetáculos de música;

adquiriam-se jornais e revistas, principalmente o jornal O Campo, de propriedade do Gabinete

de Comunicação Social; o �jornal de parede� era feito por uma equipe de redatores locais.

Nos centros de escuta coletiva os membros da comunidade ouviam os programas e noticiários

da Rádio Moçambique, que eram recebidos e retransmitidos pelos alto-falantes instalados nos

respectivos centros.

As unidades móveis levavam todos os materiais impressos e rádio e videodifundidos

veiculados nos centros, para distribuição e retransmissão nas comunidades rurais onde ainda

não havia sido instalado nenhum centro de comunicação ou de escuta coletiva.

Depois do período experimental, que durou quase cinco anos, foi necessário

reformular o plano de utilização dos meios de comunicação e adequá-los à nova realidade,

bem como adequar os programas e materiais educativos que eram produzidos pelo Gabinete

de Comunicação Social à realidade das comunidades. Assim, optou-se pela utilização

combinada dos meios eletrônicos de longo alcance (a rádio e a televisão), como complemento

dos outros meios até então utilizados e transformou-se o então Gabinete em Instituto de

Comunicação Social (ICS), por meio do decreto nº. 01/89, de 27 de março de 1989.

A nova instituição também foi vinculada ao Ministério da Informação, com os

seguintes objetivos principais:

�Concepção, produção, difusão e avaliação dos materiais informativos e

educativos em apoio aos projetos e programas de desenvolvimento, em particular

das comunidades rurais;

�Participação na execução de programas e projetos de desenvolvimento setorial e

integrado orientados para a melhoria das condições de vida da população em geral e

das comunidades rurais em especial, com prioridade para as áreas da saúde,

educação, agricultura, água, construção, tecnologias básicas e outras atividades que

visam à elevação do nível cultural e social do povo;

�Promoção do fluxo de informação entre as diversas comunidades camponesas e

a nível nacional;

�Implementação e consolidação da rede de correspondentes populares do país;

Page 33: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

25 1

�Participação na concepção e recolha de opiniões no sentido do melhoramento

progressivo dos conteúdos informativos dos órgãos de informação nacionais�

(Estatuto Orgânico do Instituto de Comunicação Social, março de 1989, p. 5).

Para a concretização desses objetivos, foi necessário incorporar ao estatuto as

atribuições das quais são destacadas as seguintes:

�Utilização combinada dos meios modernos e tradicionais de comunicação, de forma

a suscitar melhorias nos métodos de organização e de trabalho das comunidades

rurais;

�Realização de atividades de experimentação no domínio da comunicação social

sobre linguagem, recepção, compreensão e retenção das mensagens;

�Organização de palestras, debates e seminários em volta do uso dos meios de

comunicação no processo de educação permanente das comunidades, especialmente

as rurais;

�Produção e edição de documentários em áudio e videocassete, sobre programas das

atribuições e objetivos do ICS, com o intuito de promover o desenvolvimento

cultural, social e econômico das comunidades rurais� (Estatuto Orgânico do

Instituto de Comunicação Social, 1989, p. 5, grifo meu).

Com a eclosão da guerra civil que fustigou o país por quase 17 anos e destruiu boa

parte das suas infra-estruturas, o ICS perdeu grande parcela do seu equipamento, ficando em

funcionamento, até 1996, apenas:

Quatro centros (uma em cada uma das províncias de Tete, Nampula, Inhambane e

Maputo);

Cinco unidades móveis distribuídas em cada uma das seguintes províncias: Tete,

Cabo Delgado, Zambézia, Manica e Maputo (JANE,1997, p. 17).

Dos órgãos que cobriam o país (incluindo as áreas rurais), apenas a Rádio

Moçambique ficou em funcionamento mesmo no período da guerra. As ações de caça aos

jornalistas, pela Renamo, eram intensas, pois estes eram vistos como �difamadores� do

Page 34: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

26 1

movimento e aliados do governo e da Frelimo. Mesmo enfrentando o fogo cruzado da guerra,

os jornalistas da Rádio Moçambique, estacionados em várias regiões do país, faziam de tudo

para alimentar os emissores provinciais e a emissão nacional, e contavam também com o

apoio dos correspondentes populares do Instituto de Comunicação Social. Foi nesse período

que o Instituto de Comunicação social se destacou muito com o seu programa Campo e

Desenvolvimento, dedicado à população camponesa.

Depois da Independência Nacional, todos os meios de comunicação social passaram

para o controle direto do governo e do Partido Frelimo. Essa medida visava a controlar e

orientar os meios de comunicação social, no sentido de implementarem as tarefas concebidas

pelo Partido, de forma a tornarem-se instrumento eficiente de difusão da sua ideologia e

desempenhar um papel essencial no processo de educação e mobilização da população para as

ações de desenvolvimento nacional. Neste âmbito, a Rádio Clube de Moçambique e a Voz de

Moçambique, bem como outros tantos órgãos de informação que até aquele momento

operavam no território moçambicano, foram recriados e passaram a obedecer a novos critérios

de transmissão de informação ao povo que, na sua maioria, é constituído de camponeses que

só se comunicam por suas línguas locais. Portanto, um decreto presidencial de 21 de setembro

de 1975 cria a Rádio Moçambique e os postos regionais passaram a se chamar �emissores

provinciais�.

A Rádio Moçambique �teria como tarefa principal a produção e a emissão de

programas radiofônicos para todo o território nacional e em cadeia com os emissores

provinciais� (JANE, 1990, p. 121). A partir daquela data, a Rádio Moçambique passou a ter

novas características, dando um pouco de autonomia aos emissores provinciais no sentido de

ocuparem mais tempo com a veiculação de informações em línguas moçambicanas,

reservando-se a língua portuguesa � língua oficial � para informações geradas diretamente da

emissora nacional da Rádio Moçambique, ou mesmo dos emissores provinciais, desde que se

tratasse de assuntos de interesse nacional.

O Governo Revolucionário constituído pela Frelimo logo após a proclamação da

Independência Nacional criou o Ministério da Informação com a missão principal de:

Coordenar, sob orientação do Partido, as atividades de comunicação social;

Page 35: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

27 1

Garantir a difusão da linha política do partido e as ações do governo junto às massas

populares;

Promover ações de formação de jornalistas moçambicanos de forma a tornarem os

meios de comunicação social instrumentos que se identificam com os interesses das

massas populares, mediante o uso de linguagem mais compreensível e adequada aos

anseios do povo moçambicano.

Para isso, foi necessário que o governo nacionalizasse todos os principais órgãos de

comunicação social, dos quais alguns foram reformulados e outros, definitivamente

encerrados. A Rádio Pax de Dondo, de propriedade da Igreja Católica e a Rádio Aeroclube,

de propriedade do Aeroclube da Beira, passaram a integrar a Rádio Moçambique.

Em 17 de novembro de 1975, o Conselho de Ministro criou a Agência de Informação

de Moçambique (AIM), que passa a ser tutelada pelo Ministério da Informação por meio da

Direção Nacional de Informação, sendo uma das suas funções a produção e distribuição de

informações resultantes da ação direta da Frelimo e do governo moçambicano. Essa agência

só iniciou a sua atividade no 2º trimestre de 1976, quando recebeu o apoio de jornalistas da

ADN da República Democrática Alemã e dos antigos profissionais dos ex-jornais Tribuna e O

Brado Africano. Muitos outros novos órgãos foram criados, alguns em lugar dos que já

haviam sido extintos. Criou-se: o Gabinete de Comunicação Social (atual Instituto de

Comunicação social), que nasceu com a função de produzir material audiovisual informativo

e de veiculá-lo nas zonas rurais do país, assunto a que nos referiremos mais adiante; o

Instituto Nacional de Cinema (INC), com funções de produção, edição, distribuição e exibição

de material cinematográfico; e o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INLD), também

subordinado ao Ministério da Informação e ao Departamento Ideológico do Partido (DTI),

com a função de controlar a importação de livros e de discos para o país.

Sendo um estado laico e com orientação política marxista-leninista, Moçambique

passou a proibir a importação de livros de caráter religioso, pois a religião era considerada �o

ópio do povo�. Os livros para o ensino geral tinham que vir dos países socialistas (JANE,

1990, p. 169).

Page 36: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

28 1

Para assegurar a prática do jornalismo capaz de incutir nas massas populares o sentido

ideológico da revolução moçambicana e de consolidação das conquistas alcançadas ao longo

da guerra de libertação nacional, pessoas de confiança política da Frelimo foram chamadas

para dirigir os principais órgãos de comunicação social.

Na sessão do Conselho de Ministro realizada de 9 a 25 de julho de 1975, este órgão

executivo do Estado destacou como prioritário o desenvolvimento das zonas rurais em todos

os setores de atividades. Assim, determinou que se mobilizassem todos os meios de ação para

o sucesso das Aldeias Comunais, bem como orientar a economia nacional para o

desenvolvimento da Nação e dos interesses intrínsecos do povo moçambicano. Para tanto, boa

parte dos recursos financeiros foi direcionada aos setores de ensino, saúde, agricultura e

defesa nacional, diretamente envolvidos na reconstrução e no desenvolvimento nacional.

De acordo com Machiana, a direção da Frelimo não tinha em mente uma simples

�instrumentalização� da informação, mas entendia este setor como parte de um sistema

centralizado, desempenhando tarefas que deveriam se integrar a uma estratégia global. Em

face disso, era

na noção do desenvolvimento e dos meios necessários para alcançar este

desenvolvimento que a FRELIMO encontrava um dos argumentos mais significativos para a relação entre a luta de classes, papel centralizador do

estado e a conseqüente subordinação da Informação à estratégia de ação definida pelo Partido (MACHIANA, 2002, p. 82).

As orientações para o funcionamento dos órgãos de comunicação social surgem das

conclusões do 1º Seminário Nacional de Informação, realizado de 12 a 15 de setembro de

1977, isto é, já no Moçambique independente. O evento foi considerado o mais importante

depois da Independência Nacional, não só �pela profundidade e implicações das orientações

estabelecidas, mas também pelo grau de entusiasmo e envolvimento dos jornalistas, por um

lado, e pela participação popular no debate do conteúdo e forma da Informação que se

pretendia para Moçambique, por outro� (MACHIANA, 2002, p. 183). Nesse seminário,

Machel salientou, em seu discurso, que a informação deveria desenvolver um papel

fundamental na criação do �homem novo�, o que implicaria o engajamento dos trabalhadores

da comunicação social na sua própria transformação, �assumindo, ao nível das aldeias, do

trabalho, da vida e do comportamento, os valores do homem socialista�. Machel definiu como

Page 37: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

29 1

tarefas essenciais dos meios de comunicação social informar, educar, mobilizar e organizar o

povo, pois, segundo ele, �nosso povo, o Partido e o Estado� outorgavam aos profissionais de

comunicação e informação a responsabilidade de

ser combatentes em uma das frentes fundamentais da revolução, a frente ideológica, na trincheira da informação e propaganda. Trata-se de uma responsabilidade pesada, que, para poder ser digno dela, exige-se trabalho, estudo, sacrifício, dedicação à causa das classes trabalhadoras e um elevado espírito de disciplina revolucionária. [...] a dimensão da responsabilidade que o nosso povo confia [...] é de fazer da informação um destacamento

avançado da luta de classes e da revolução. (MATTELART, 1981, p. 145, grifo nosso)

O seminário recomendou que, para que a informação se tornasse realmente

instrumento a serviço do povo, os jornalistas deveriam ser mais atuantes, no sentido de

estabelecerem uma ligação estreita com a população. Isso permitiria que os profissionais da

comunicação social cobrissem os reais acontecimentos no seio da população e que, por outro

lado, veiculassem, pelos órgãos de comunicação social, os feitos do governo e as linhas

mestras da revolução moçambicana. É certo que, nessa época, a informação que se praticava

era a da reprodução do discurso político dos dirigentes da Frelimo, principalmente os do

presidente Samora Machel.

2.1. A democratização dos meios de comunicação social e o surgimento de novas

mídias

No início da década de 1990, já sopravam os ventos da mudança na política

moçambicana devido às pressões da sociedade sobre o governo, no sentido de encontrar

mecanismos para pôr fim à guerra de desestabilização movida pela Renamo havia quase 14

anos. Tanto o governo como a Frelimo, se mostravam agastados pelas atrocidades da guerra,

principalmente pelo sofrimento do povo e pela destruição de infra-estruturas, e isso os levou à

elaboração da nova Constituição da República. Aprovada pela então Assembléia da Popular,

em 2 de novembro de 1990, a nova constituição iniciava outra era na vida do país; iniciava

um processo de transformação da República Popular de Moçambique em República de

Moçambique e de democratização pluralista da nação moçambicana.

Page 38: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

30 1

No seu artigo 74, a Constituição da República (1990) garante a todos os cidadãos as

liberdades de expressão, de imprensa e de informação. No número 3 do mesmo artigo, refere-

se que �a liberdade de imprensa compreende, nomeadamente, a liberdade de expressão e de

criação dos jornalistas, o acesso às fontes de informação, a proteção da independência e do

sigilo profissional e o direito de criar jornais e outras publicações�. Essas liberdades

encontram sua regulamentação na Lei de Imprensa em vigor (lei nº. 18/91), aprovada pela

Assembléia da República em 10 de agosto de 1991. Com essa lei, Moçambique já se abria

para uma política de democratização e pluralização dos meios de comunicação social,

seguindo-se, portanto, processos de criação de novos meios impressos e eletrônicos.

Na área de impressos, temos a destacar o primeiro órgão independente criado logo

depois da aprovação da Lei de Imprensa, em 1992: o Mediacoop4 inicia a publicação do

Media Fax, jornal de tamanho A4 distribuído via fax. Daí em diante, assiste-se ao nascimento

de diversos jornais e revistas tanto privados como públicos, a maioria de periodicidade

semanal, por esta exigir menos mão-de-obra que os diários.

Na área de meios eletrônicos (radiodifusão e televisão), o Estado iniciou, em 1996, o

processo de disponibilização dos fundos para, por meio do Instituto de Comunicação Social

(ICS), instalar no país as rádios e televisões comunitárias rurais. O primeiro projeto das rádios

comunitárias estabelece a instalação de 21 estações de rádios locais em vários pontos do país.

Atualmente, o projeto já instalou e colocou em funcionamento cerca de 20 rádios

comunitárias, todas sob tutela do ICS. Ainda sob responsabilidade desse órgão, o governo

aprovou, em 1998, outro projeto de instalação de 20 estações comunitárias de rádio e

televisão, no âmbito do projeto Rede Rural de Rádio-Televisão (RRRTV), desenhado pelo

extinto Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural (INDER, 1998, p. 1). Desse projeto

encontram-se já instaladas e em funcionamento cerca de sete estações de rádio e televisão

rural.

O ICS, instituição pública responsável pela implementação das políticas de

comunicação comunitária, instala, em 1996, a primeira rádio comunitária, na cidade de Xai-

4 Cooperativa constituída por profissionais de comunicação social que se desvincularam dos órgãos

estatais logo depois da entrada em vigor da Lei 18/91.

Page 39: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

31 1

Xai, e inicia ampliação da sua rede de rádios e televisões comunitárias para oferecer às

populações rurais a oportunidade de informar e de serem informadas dos acontecimentos

locais, distritais, provinciais, nacionais e internacionais. Hoje, o ICS possui aproximadamente

27 rádios e 7 televisões comunitárias instaladas e em funcionamento. Essas rádios e televisões

comunitárias são, na sua maioria, sustentadas pelo Orçamento Geral do Estado.

Além das rádios e televisões comunitárias instaladas pelo Instituto de Comunicação

Social, a Unesco Media Project � Projeto de Desenvolvimento da Mídia em Moçambique �,

órgão criado pela Unesco e pelo governo moçambicano, promove ações de instalação de

rádios comunitárias surgidas de iniciativas das comunidades, grupos associativos e

organizações não-governamentais (ONGs) locais. De acordo com Tomás Vieira Mário

(2003)5, �neste momento, o Projeto de Desenvolvimento da Mídia já apoiou oito associações

comunitárias para a instalação de suas rádios locais. Por outro lado, instituições religiosas

desenvolvem atividades de implantação de emissoras de emissoras FM locais em diversos

pontos do país, das quais sete são da Igreja Católica, três da Igreja Universal do Reino de

Deus, uma da Rádio Trans-Mundial, duas da Igreja Assembléia de Deus, uma da Igreja Maná

e uma da Comunidade Islâmica�. Sofia Ibraimo (2004), diretora do ICS, sustenta que �as

outras 30 rádios e 16 televisões comunitárias também autorizadas no país são de tutela do

Instituto de Comunicação Social, instituição vocacionada para a implementação das políticas

de comunicação comunitárias em Moçambique. A prática da radiodifusão e teledifusão

comunitárias no país tem aumentado a capacidade de disseminar informações, principalmente

das e para as populações das comunidades rurais que sempre se viram privadas de se

beneficiarem do direito à informação que lhes é garantida pela Constituição da República�.

A Universidade Eduardo Mondlane (UEM), outra instituição envolvida na

popularização das novas tecnologias de informação, desenvolve projetos de instalação de

telecentros em várias regiões do país. Esses telecentros são constituídos de um centro de

informática e um emissor de rádio comunitária. Esta ação da UEM potencia as comunidades

em meios modernos de comunicação e informação para a melhor capacitação técnico-

científica dos cidadãos, para que estes tenham condições suficientes de participar de

programas de combate à pobreza absoluta. Estão em funcionamento cerca de oito telecentros,

5 Em entrevista concedida ao autor no dia 20 de janeiro de 2003, em Maputo

Page 40: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

32 1

instalados nos seguintes distritos: Manhiça, Matola e Namaacha, na província de Maputo;

cidade de Chokwè, província de Gaza; cidade de Inhambane, na província de Inhambane;

cidade de Manica e Vilas de Gôndola e Sussundenga, na província de Manica.

Com isto tudo, vale dizer que tanto o artigo 74 da Constituição da República de 1990

como a Lei nº. 18/91 contribuíram para o início do fim dos monopólios da grande mídia

impressa comandada pelo jornal Notícias, o de maior circulação do país, bem como da grande

mídia eletrônica, na qual destacamos a Rádio Moçambique (RM), que cobre mais de 75% do

território moçambicano e a Televisão de Moçambique (TVM), que opera essencialmente nas

capitais provinciais. Por outro lado, e a partir da criação dos instrumentos legais acima

citados, inicia-se uma mudança gradual principalmente na gestão desses grandes meios; no

grande órgão de radiodifusão do país, a Rádio Moçambique, implementa-se um processo de

transição que visa a torná-lo um verdadeiro serviço público, com a gestão descentralizada até

em nível provincial, o mesmo acontecendo na Televisão de Moçambique. Como diz Jallov,,

�Embora a Constituição � e a Lei de Imprensa nela baseada � providenciem um ambiente

legal aberto e democrático, há ainda muito por fazer em termos de fortalecimento das

capacidades humana, técnica e de gestão organizativa, antes de transformar em realidade

diária, para a vasta maioria dos moçambicanos vivendo fora dos centros urbanos, estas

aspirações� (Prefácio - BONIN, 1999).

No âmbito da iniciativa privada, temos a destacar o surgimento das rádios e televisões

em FM, algumas das quais apoiadas por organizações internacionais. Aqui se salienta o

nascimento da Rádio e Televisão Klint (RTK), em 1992, de propriedade do empresário e

engenheiro eletrônico Carlos Alberto Klint, emissoras que cobrem apenas a cidade de

Maputo. Daí em diante, assiste-se no país ao surgimento de outras várias iniciativas de caráter

privado, nas principais cidades do território nacional, reforçando, assim, o campo da

comunicação social que, antes da aprovação da Lei 18/91, era de domínio das empresas do

Estado � a Rádio Moçambique e a Televisão de Moçambique.

Page 41: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

33 1

3. Surgimento e evolução dos serviços de radiodifusão moçambicanos

O serviço de radiodifusão surge em Moçambique na década de 1930, por iniciativa de

quatro jovens portugueses que viviam na então Lourenço Marque chamado Aniano Mendes

Serra, Augusto das Neves Gonçalves, Alberto José de Morais e Firmino Lopes. De acordo

com JANE (1990, p. 102), esses jovens, que consideravam a população moçambicana mão-

de-obra barata para a colônia, viram na rádio um meio:

1) de aglutinação espiritual, em que a voz e a música portuguesa desempenhariam, de

maneira específica, uma função de conforto para aqueles que se encontravam longe

da capital do império colonial;

2) que serviria de �vacina� para acalmar as revoltas que os moçambicanos

constantemente desencadeavam contra a dominação estrangeira e a usurpação dos

seus pertences;

3) que se tornaria mais um instrumento de dominação e de aculturação das populações

moçambicanas.

Para que a iniciativa tivesse sucesso, os quatro jovens criaram, com outros tantos

colonos portugueses, o Grêmio dos Radiófilos de Moçambique. O primeiro emissor do

Grêmio foi instalado numa garagem que funcionava como oficina e laboratório. Durante os

primeiros dois anos (1932 e 1933), apesar de o raio de cobertura ser limitado devido ao tipo

de equipamento de que dispunha, um pequeno centro emissor prestou excelentes serviços ao

público da então capital da colônia portuguesa.

O crescimento gradativo da estação emissora chegou a ponto de, em 29 de julho de

1937, obedecendo a uma regulamentação do governo colonial que apenas permitia a

denominação de �grêmio� para grupos cooperativos do Estado, em assembléia geral dos

gremistas foi decidida a mudança do nome para Rádio Clube de Moçambique (JANE, 1990,

p. 108). Foi nessa altura que a emissora passou a beneficiar-se de um emissor de 10 kW que

lhe permitiu o alargamento do campo de ação, desdobrando sua programação e emitindo

também em línguas inglesa e afrikander � esta, a segunda língua oficial da África do Sul.

Page 42: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

34 1

Em 1948, a Rádio Clube de Moçambique ganhou um novo espaço que funcionaria

como sede, o Palácio da Rádio, situado na Rua da Rádio Moçambique. Além desse espaço,

contava com o centro emissor da Matola. Até o final de 1955, �a Rádio Clube de

Moçambique contava com 14 estações emissoras que diariamente entravam em operação,

sendo que suas emissões ocupavam um total 27 horas e 30 minutos por dia, e 32 horas aos

domingos, transmitindo simultaneamente em português, inglês, africânder, xironga e

xichangane� (JANE, 1990, p. 109), estas duas, línguas mais faladas nas províncias de Maputo

e Gaza. Possuía também um serviço próprio de noticiários com terminais privativos que

recebiam notícias da América e da Europa, com quem na época a Rádio Clube de

Moçambique mantinha acordos de cooperação.

Para atender ao processo de dominação colonial no território moçambicano, a direção

da Rádio Clube de Moçambique decidiu criar postos emissores regionais, a partir de 1953. O

primeiro posto (de 10 kW) para a região norte de Moçambique (províncias de Cabo Delgado,

Nampula e Niassa) foi instalado na cidade de Nampula e inaugurado em 19 de novembro de

1953. Até a proclamação da Independência Nacional, em 25 de junho de 1975, a Rádio Clube

de Moçambique havia instalado dez postos emissores regionais, incluindo a emissora Voz de

Moçambique, que funcionava na estação central, e emitido em xironga e em xichangana.

Estes postos emissores, além de transmitirem seus programas em português, os transmitiam

em línguas locais, como forma de fazer chegar até as populações rurais a ideologia da

dominação colonial-fascista.

O Governo Revolucionário constituído pela Frelimo logo após a proclamação da

Independência Nacional criou o Ministério da Informação com a missão principal de

coordenar as atividades de comunicação social de forma a garantirem a difusão da linha

política do partido e as ações do governo junto às �massas populares�; visava também à

formação de jornalistas moçambicanos, de forma a tornarem os meios de comunicação social

instrumentos identificados com os interesses das �massas populares� mediante o uso de

linguagem mais compreensível e adequada aos anseios do povo moçambicano (JANE, 1990,

p. 109). Para isso, foi necessário que o governo nacionalizasse todos os órgãos de

comunicação social, dos quais alguns foram reformulados e outros, definitivamente

encerrados. A Rádio Clube de Moçambique foi transformada na Rádio Moçambique/

Page 43: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

35 1

Empresa Estatal (RM/EE) e passaram a integrá-la as então extintas Rádio Pax de Dondo, de

propriedade da Igreja Católica e a Rádio Aeroclube, de propriedade do Aeroclube da Beira.

A Constituição da República de 1990, no seu artigo 74, alterou todo o quadro

normativo que antes existia sobre a radiodifusão e televisão moçambicanas e abriu espaço

para o exercício do direito à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa. A Lei de

Imprensa (Lei n°. 18/91) e o decreto n°. 9/93 estabeleceram as condições de participação dos

atores cooperativos, mistos ou privados na radiodifusão e na televisão. Assim, a RM-EE

passou a ser a Rádio Moçambique/ Empresa Pública (RM/EP). Novas rádios de orientação

privada ou comunitária tomaram conta do espaço de freqüências moduladas (FM) em vários

lugares do país, na tentativa de oferecer informações de interesse do cidadão moçambicano.

3.1 Rádio Moçambique - Empresa Pública (RM-EP)

Como dito anteriormente, depois da Independência Nacional, todos os meios de

comunicação social passaram para o controle direto do governo e da Frelimo. A Rádio Clube

de Moçambique e a Voz de Moçambique, bem como outros tantos órgãos de comunicação

social que até aquele momento operavam no território moçambicano, foram transformados e

passaram a obedecer a novos critérios de transmissão da informação ao povo, que, na sua

maioria, só se comunica por meio de suas línguas locais. Nesse sentido, um decreto-lei de 21

de setembro de 1975, aprovado pelo Conselho de Ministros, criou a Rádio Moçambique e os

postos regionais passam a serem chamados �emissores provinciais�.

A Rádio Moçambique �teria como tarefa principal a produção e emissão de programas

radiofônicos para todo o território nacional e em cadeia com os emissores provinciais�

(JANE, 1990, p. 121). Conforme mostramos anteriormente, a Rádio Moçambique passou a ter

novas características, dando alguma autonomia aos emissores provinciais para veicularem por

mais tempo informações em línguas moçambicanas, reservando a língua portuguesa, oficial,

para informações geradas diretamente da Emissora Nacional da Rádio Moçambique, ou

mesmo dos emissores provinciais, desde que se tratasse de assuntos de interesse nacional.

Page 44: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

36 1

4. Televisão de Moçambique: da iniciativa à implantação dos serviços de teledifusão.

A televisão é um dos meios de comunicação social que até à Independência Nacional

não estavam implantados em Moçambique. Apesar disso, consta que desde 1970 havia

estudos favoráveis à introdução desse sistema no território nacional, uma vez que, naquele

momento, estava aberto, na empresa Correios, Telefones e Telégrafos (CTT), um concurso

público para a instalação de emissores de televisão na então Lourenço Marque, hoje Maputo.

Meses depois da abertura das propostas do concurso, face a um processo de

descolonização levado a cabo pelo governo de Portugal e por movimentos de libertação das

colônias portuguesas de então (que levou Moçambique à Independência Nacional), a questão

da implantação do sistema de televisão em Moçambique parecia estar ainda colocada. Isso

provocou uma controvérsia no seio de vários setores que perceberam que o sistema televisivo

serviria ao antigo regime no processo de �intoxicação� da população, com propaganda

fascista e neocolonialista, a fim de aliená-la das circunstâncias e ambiente ligados à guerra

contra a independência total e completa de Moçambique. Outros setores progressistas

insinuavam que a televisão seria um excelente instrumento de educação de massas, de auxílio

às campanhas de alfabetização e de educação permanente da sociedade moçambicana.

Para levar adiante a idéia de instalar o sistema televisivo em Moçambique, foi

constituída uma comissão composta por acionistas fundadores, entre os quais o governo da

Colônia de Moçambique e a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), juntos somando 51% do

total das ações. A comissão tinha como tarefa estudar os mecanismos de criação da empresa,

que se constituiria sob o nome de Televisão Portuguesa de Moçambique, usaria como sigla as

iniciais TVM e tinha um capital social de 100 milhões de escudos.

Concluído o estudo, a comissão apresentou o relatório preliminar que deu origem ao

texto do decreto que regularia o serviço da televisão no Ultramar (decreto-lei n°. 319/73, de

27 de junho de 1973). A 27 de julho do mesmo ano fez-se publicar outro decreto-lei (n°.

381/73), que definia as normas técnicas às quais as instalações do serviço público de televisão

em preto e branco, nas províncias ultramarinas portuguesas, deviam obedecer. Isso fez com

que, em 9 de outubro daquele ano, fosse aberto um concurso para o fornecimento de

Page 45: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

37 1

equipamento e a instalação dos primeiros onze centros emissores que constituiriam a primeira

fase da introdução do serviço público de televisão em Moçambique.

Tal sonho não chegou a ser concretizado, dado que, em 25 de abril de 1974 acontecia

o golpe de Estado em Portugal, para seguidamente iniciar-se o processo de descolonização

dos territórios africanos ocupados pelo Império Português por quase cinco séculos.

4.1 TVM: do sonho à realidade

Logo após a Independência de Moçambique, o governo decidiu por bem assumir a

iniciativa de recuperar o sonho da criação de um serviço televisivo, dessa vez de caráter

nacional. Apoiado pela Itália e pelos países do leste europeu, Moçambique realizou as

primeiras experiências televisivas em agosto de 1979, em um pequeno estúdio improvisado,

durante a Feira Comercial e Industrial de Maputo (Facim). Testado o equipamento ali exposto

por uma empresa italiana, o qual viria a ficar em Maputo, foram, na ocasião da feira, exibidas

algumas emissões experimentais do serviço televisivo.

Dois anos depois, isto é, em 3 de fevereiro de 1981, foram emitidas imagens

televisivas, cobrindo mais de 23 bairros da Grande Maputo, onde estavam instalados, em fase

experimental, receptores comunitários de televisão. Iniciava naquela data a primeira fase da

instalação da Televisão Experimental (TVE). Sua programação se resumia a apresentar temas

como: educação sanitária, agricultura, educação política; programas alternativos constituídos

por desenhos animados importados de vários países; manifestações culturais alusivas às

comemorações do dia 3 de fevereiro (Dia dos Heróis Moçambicanos); e filmes sobre o

processo da luta de libertação nacional (JANE, 1990, p. 137). Essa primeira fase durou dois

anos e objetivava a criação de condições para que fossem conhecidos os benefícios do serviço

televisivo pela sociedade moçambicana.

A TVE nasceu com um conceito de televisão-escola que teria como função principal a

formação de profissionais e técnicos da pretendida televisão nacional. Pois o aparecimento

das primeiras emissões criou grande expectativa no público e em particular nos dirigentes, o

que culminou na necessidade de criar uma televisão profissionalizante. Entretanto, razões de

Page 46: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

38 1

ordem administrativa fizeram com que a TVE se desviasse do seu propósito inicial, caindo no

erro de logo cedo se transformar numa televisão nacional, antes mesmo de ter uma

sustentação técnica mínima. Além disso, carecia de uma estrutura técnica que permitisse, de

fato, proporcionar o lançamento das suas emissões para todo o território nacional.

Após 10 anos, seus objetivos iniciais foram retomados, mas sem abandonar o projeto

de implantação de uma televisão de alcance nacional. Para isso, colocou entre suas principais

preocupações a formação do pessoal técnico que poderia responder aos desafios de uma

televisão nacional e, também, preparar um plano diretor que servisse como sustentáculo para

esse empreendimento.

Naquela época, cerca de 90% dos meios materiais só podiam ser adquiridos em moeda

estrangeira (dólar americano ou rand sul-africano). No entanto, parecia prematuro pensar

numa televisão nacional, uma vez que, além dos problemas técnicos e administrativos já

referidos, não havia televisores a venda no mercado nacional. Por outro lado, a televisão não

constituía um bem prioritário à população moçambicana, principalmente à do meio rural, pois

era � e continua sendo � um meio de comunicação que beneficia somente uma pequena da

burguesia concentrada nos grandes centros urbanos e vilas.

A partir de 1986, a TVE passou a transmitir seus programas apenas quatro vezes por

semana: às quartas, quintas e sábado, das 18h às 22h, e aos domingos, das 14h às 22h. Além

dos telejornais, levava ao ar outros programas, como �Canal Zero�, produzido pelo Instituto

de Comunicação Social (ICS), �Canal do Repórter�, �Volta Moçambique�, �Programa

Infantil�, filmes e algumas telenovelas brasileiras que têm conquistado maior aceitação do

público moçambicano, em especial nas grandes cidades.

Por se tratar de um meio de comunicação baseado numa técnica extremamente

avançada, os operadores da TVE precisavam dominá-la para se comunicar com o povo,

levando em conta que este não estava habituado a se comunicar via imagens e som

eletrônicos. Assim, jornalistas moçambicanos foram convidados a contribuir com sua longa

experiência jornalística para que a TVE se transformasse num real instrumento de

comunicação no país.

Page 47: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

39 1

4.2 A transformação da TVE em TVM

No início da década de 1990, a Televisão Experimental (TVE) encontrava-se

tecnicamente preparada para gerar mudanças internas, em resposta às exigências do público

moçambicano. O número de dias de emissão dos programas foi aumentando progressivamente

até que esta passou a ser diária; o número de horas de emissão diária também foi aumentado.

Em 1991, a TVE passa a designar-se Televisão de Moçambique, uma empresa de

propriedade Estatal (TVM/EE), para, em 1994, passar a empresa pública, com a sigla TVM-

EP, criada pelo decreto n°. 19/94, de 16 de junho de 1994.

Mapa 02 - Mapa de cobertura nacional da TVM

A Televisão de Moçambique transmite também via satélite. O sinal

da TVM pode ser captado não só em Moçambique como em quase

toda a África e numa parte da Europa, com uma antena parabólica

com o mínimo de 3.75 metros e um receptor digital MPEG-2.

Page 48: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

40 1

A Televisão de Moçambique/ Empresa Pública (TVM/EP) é dotada de personalidade

jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial, tendo como principal objetivo a

prestação de serviço público de difusão televisiva para todo o território nacional. Por meio de

Contrato-Programa, a TVM-EP recebe do Orçamento Geral do Estado verbas para o seu

funcionamento e investimento. Na execução do seu plano de expansão, a TVM privilegia

abertura de centros provinciais de produção e emissão, em resposta a um desígnio nacional de

�levar a televisão ao país e o país à televisão�. Daí que, em abril de 1992, abre seu primeiro

centro provincial na cidade da Beira (Capital da província de Sofala, região central do país),

para, em setembro de 1994, abrir o segundo, na cidade de Nampula (Capital da província de

Nampula, região do norte), ambos ao abrigo de um protocolo de cooperação assinado em

setembro de 1989 entre os governos de Moçambique e Portugal. Desde 1998, a TVM-EP

transmite sua programação via satélite (Intelsat 804, que fica a 64.0°). Hoje a TVM-EP cobre

30 cidades e vilas, onde possui emissores, excetuando a cidade de Tete e a vila de Songo

(província de Tete) que usa emissores privados6.

4.3 O surgimento das novas emissoras de televisão

Conforme referimos anteriormente, a Lei de Imprensa (Lei n°. 18/91) e o decreto n°.

9/93 estabelecem as condições de participação dos atores cooperativos, mistos ou privados na

radiodifusão e na televisão. Em 2005, além da TVM-EP, operavam em Moçambique: a Rádio

e Televisão Portuguesa Internacional (RTPI) e a Rádio e Televisão Portuguesa para África

(RTP-Africa); a Televisão Miramar, da Igreja Universal do Reino de Deus; Soico Televisão

(STV), de propriedade da Sociedade Independente de Comunicação Limitada (Soico Ltda.).

As duas últimas, apesar de possuírem licenças para a instalação de centros emissores

regionais do país, só cobrem as cidades de Maputo e Matola e algumas vilas da Província de

Maputo.

Desde 1998, está em curso a instalação de uma Rede Rural de Rádio e Televisão

(RRRTV), assunto que discutiremos mais adiante, por iniciativa do ex-Instituto Nacional de

Desenvolvimento Rural (Inder). Desde 2000, o projeto de instalação de RRRTV passou a ser

6 Entrevista concedida por Arlindo Lopes ao autor no dia 12 de fevereiro de 2003, em Maputo.

Page 49: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

41 1

implementado pelo ICS. O projeto previa a instalação de 20 centros emissores �

retransmissores � de rádio e televisão, e até meados de 2005 15 deles já haviam sido

instalados e postos em operação.

É importante salientar que no presente momento Moçambique conta com aproximadamente

62 centros emissores de televisão licenciados, dos quais 43 estão no ar e 21 não, por motivos

técnicos. Do total dos emissores licenciados, 26 pertencem à Televisão de Moçambique/

Empresa Publica (TVM/EP), 20 ao ICS, 9 à Igreja Universal do Reino de Deus (TV

Miramar), 6 à Sociedade de Informação e Comunicação Limitada (Soico/STV) e 1 à

Sociedade do Sistema de Rádio e Televisão (SIRT)7.

7 Dados fornecidos pelo Gabinete de Informação, junto ao Primeiro-Ministro do Governo de

Moçambique

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42 1

Capítulo II

COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO

1 Conceituação e contextualização teóricas

Para entendermos o conceito da comunicação para o desenvolvimento, urge que

analisemos, em primeiro lugar, o paradigma do desenvolvimento que sempre enfrenta

entraves quando se propõe a comunicação como um dos instrumentos impulsionadores do

progresso de países pobres.

Desde a segunda metade do século XX , a sociedade vive a idade da informação, num

mundo em vias da globalização que tanto se prega em vários pontos do nosso planeta. Na

verdade, Marshall McLuhan introduziu esse termo �vias de globalização� na década de 1960,

por acreditar que a tecnologia da comunicação criaria uma �aldeia global� através de meios

informativos eletrônicos que envolveriam toda a humanidade.

O conceito da �aldeia global� tem algumas características que será interessante

recordarmos. A primeira delas está relacionada com o tempo e o espaço, que seriam

eliminados por causa das realizações tecnológicas; por exemplo, o satélite direto da

transmissão (DBS) cobre os acontecimentos e os transmite diariamente para o globo, pela

estrada de informação. A segunda também está baseada no conceito de McLuhan descrito

acima, no qual este refere que a comunicação humana caracterizaria a �aldeia global�, por

causa do efeito dos meios eletrônicos sobre os povos; a televisão, por exemplo, como um

meio eletrônico, permitiria que os povos soubessem tudo sobre outros e reportaria diversos

aspectos da vida que refletiriam na maneira como os povos conduzem e resolvem os seus

problemas. A terceira característica aborda a questão de que na �aldeia global� não há limites

nem barreiras. McLuhan (STILLE [s/d], p. 2) acreditava que o ambiente eletrônico da

informação codificada, não apenas de apelo visual, resultaria na introdução de novas

Page 51: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

43 1

percepções das mensagens. Para ele, tudo aconteceria quando a televisão e outros meios

visuais reduzissem o tempo e a distância instantaneamente, fazendo do mundo uma �aldeia

global� em que cidadãos do globo compartilhariam da mesma cultura. Nessa vila global,

deixar-se-ia de lado a cultura individualista e os meios de comunicação de massa criariam um

mundo da consciência imediata a que as categorias de espaço e tempo seqüencial seriam

irrelevantes.

McLuhan predisse o surgimento da �aldeia global" insistindo que a tecnologia

eletrônica descentralizaria o poder e a informação, permitindo que os povos vivessem em

conjuntos menores mesmo fisicamente distantes um do outro ou longe dos centros urbanos

principais, ao ter o mesmo acesso a informação e comunicação. Isso nos leva a perceber a

importância da visão �macluhaniana� de convivência em um mundo de comunicação global

imaginado e que se torna cada vez mais real. Neste capítulo apresentaremos diversas

definições do conceito de comunicação para o desenvolvimento � o �guarda chuva� do nosso

trabalho � para melhor compreendê-lo.

A comunicação pode ser definida como um processo pelo qual idéias, informações,

conhecimentos e experiências são transmitidos de pessoa para pessoa, criando um ambiente

de interação humana. É com base nessa definição que Teixeira (1983, p. 24) cita o documento

de Puebla, que defende a comunicação como ato social vital inerente ao homem e

potencializada na época moderna mediante o uso de poderosos recursos tecnológicos. Dessa

forma, de acordo com Beltrão (1986, p. 138), �a imprensa, que atendia às porções

alfabetizadas e intelectualizadas da sociedade, foi complementada pelo disco, pela rádio e

pelo cinema, que estenderam a sua influência e disseminaram sua mensagem até aqueles

receptores que não dominavam os códigos lingüísticos gráficos�. A esses meios

complementares da comunicação citados pelo Beltrão, hoje se acrescentam outros, modernos

e poderosos, que são a televisão, o vídeo, a internet, etc.

A comunicação para o desenvolvimento ocorre, principalmente, nos países em

desenvolvimento, não de forma isolada, mas sim, num conjunto de valores e pressupostos do

paradigma de desenvolvimento.

Page 52: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

44 1

Na década de 1980, muitos países de terceiro mundo já questionavam o modelo

tradicional do desenvolvimento e da comunicação para o desenvolvimento, apontando para

modelos pessoais mais centrados, mais participativos e localmente mais apropriados. As

filosofias pós-modernistas, os movimentos ecologistas, feministas, sociológicos e

antropológicos, em particular, confluíram num questionamento ao modelo ocidental e

ocidentalizador de desenvolvimento predominante. Muitas frentes foram feitas em ataque às

premissas do sistema de desenvolvimento ocidental que pretendiam se transformar em metas

inquestionáveis às quais toda a humanidade deveria se orientar.

Lentamente, uma aproximação a essa nova filosofia foi emergindo e ganhando

aceitação na sociedade ocidental. O paradigma do desenvolvimento começou a reconhecer

uma multiplicidade autodefinida dos trajetos e a apropriar contextualmente as soluções

baseadas na participação de organizações locais da comunidade na definição e na execução

desse tipo de programas; conseqüentemente, a comunicação para o desenvolvimento tem

ocupado um espaço de grande relevo na consolidação geral das organizações populares e não-

governamentais locais, bem como na colocação de meios de trabalho equipar nos setores

importantes da sociedade civil transformando-os em principais atores das políticas de

desenvolvimento local, regional e nacional e de intervenções nos processos da

democratização.

Bordenave (1982, p. 94) nos coloca a seguinte questão: �Se a comunicação pode

definir-se como �a interação social através de mensagem�, por que não aprender a formular e

trocar mensagens que elevam a qualidade da interação social?�. Muitos teóricos defendem

ser a comunicação uma �interação social�, �como uma representação de uma relação entre si e

um outro�, porque nada pode ser comunicado e nem partilhado sem que ocorra um processo

interacional. Para Bordenave (1998, p. 18), a comunicação é muito mais do que os meios de

comunicação social; estes são tão poderosos e importantes nas nossas vidas que, às vezes, nos

esquecemos que representam apenas uma mínima parte de nossa comunicação, chegando esta

a se confundir com a própria vida. Na verdade, o ser humano tem tanta consciência do que

comunica como do que respira ou anda, e só percebe a essencial importância da comunicação

quando, por um acidente ou uma doença, perde a capacidade de se comunicar com os seus

semelhantes e se sente completamente isolado do resto da comunidade.

Page 53: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

45 1

A comunicação interpessoal, característica da sociedade tradicional particularmente

africana, tem desempenhado um papel bastante significativo no dia-a-dia das pessoas, como

forma de suprir as lacunas de massificação e �comercialismo� da grande mídia. Como pré-

requisito elementar para a vida humana, a comunicação se torna indispensável para a

existência de todo e qualquer sistema social e constitui processo social fundamental que

permeia todos os aspectos da vida humana. Ela representa, por assim dizer, a própria base do

processo social, porque sem comunicação a vida se torna difícil; a manutenção de sistemas

sociais só pode ocorrer quando as pessoas envolvidas no processo estiverem interligadas pela

comunicação.

Se a mudança de atitudes e de comportamentos constitui o principal objetivo do

comunicador, então a comunicação interpessoal, em geral, se revela mais eficaz do que a

comunicação de massa. No caso de comunicação interpessoal, o comunicador pode reagir de

forma mais flexível, isto é, há possibilidade de observar e controlar o efeito potencial da

mensagem através da reação do receptor (feedback). Também é possível aproveitar melhor o

potencial da comunicação verbal empregando mais canais comunicativos.

Considerando que a comunicação é um processo onipresente, torna-se possível

conceber o homem como �ator principal da comunicação�, dado que tudo o que ele é e/ou

possa vir a ser, aconteceu, acontece e/ou acontecerá em situações que envolvem a

comunicação. Portanto, os meios de comunicação de massa, como instituições que criam

realidade indireta, tornam-se cada vez mais importantes para o desempenho de um papel

decisivo na vida diária das sociedades modernas.

Nesse sentido, a comunicação interpessoal caracteriza-se pela participação ativa do

receptor, a qual no processo de comunicação de massa é reduzida � o que, porém, sempre

depende do conteúdo e da personalidade do receptor �, dado que o receptor não precisa

expressar de imediato a sua opinião quanto aos temas abordados pelo comunicador. A

comunicação de massa tem, no entanto, a sua grande vantagem baseada no seu efeito

multiplicador no momento da disseminação de informação.

Esse efeito multiplicador pode ser limitado pelo fato de o comunicador se dirigir a um

conjunto inumerável de pessoas que podem, em determinados momentos, não entender o

Page 54: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

46 1

conteúdo da mensagem e, com isso, podem não atender às diferentes situações individuais ao

longo do processo de comunicação. Daí que a comunicação interpessoal dá a possibilidade de

exercer uma pressão social de outra qualidade, não possibilitada pela comunicação de massa.

Portanto, será mais fácil para o receptor interromper o contato com o comunicador na

comunicação de massa do que na comunicação interpessoal. A melhor combinação possível

entre a comunicação de massa e a comunicação interpessoal é alcançada quando a primeira

consegue chegar aos líderes de opinião das respectivas comunidades e motivá-los a passar as

mensagens adiante usando canais interpessoais.

De acordo com Dines, no prefácio do livro �Comunicação de massa e

desenvolvimento�, de Schramm,

A comunicação é o arcabouço da sociedade coletiva. Equivale ao zunzum da colméia, pois, se as abelhas fossem proibidas de se comunicarem ou inaptas para isso, o equilíbrio e a harmonia do sistema jamais seriam alcançados. Pois, na verdade, o homem sobrevive dentro do grupo na medida em que mais ele se comunica ou recebe comunicação. A escalada social de um indivíduo dentro do grupo é uma decorrência direta do seu grau de

informação. E este grau de informação é fruto de seu entrosamento com o sistema do qual faz parte.�(SCHRAMM, 1976, p.17)

Com isto queremos afirmar que a comunicação, dentro de uma sociedade, é um

instrumento de interação entre os membros da coletividade, em que cada um deve procurar

agir em harmonia com os outros, respeitando e cumprindo as orientações traçadas pela

coletividade, pelo grupo ou pela comunidade. Para fundamentar sua definição da

comunicação de massa, Dines (SCHRAMM, 1976, prefácio, p. 18) destaca dois grandes

teóricos da comunicação: Marchal McLuhan e Wilbur Schramm. Para ele, Marchal McLuhan

�formulou pela primeira vez os postulados da identificação entre o veículo e a mensagem,

aproximando de vez a clássica dicotomia da forma e do conteúdo�. Por causa das suas idéias

sobre o �niilismo tecnológico�, as quais constituem epígrafes de muitas reportagens,

McLuhan é mundialmente conhecido pelo público intelectual da área da comunicação e está

mais presente nas atividades dos grandes pesquisadores de comunicação de massa. Wilbur

Schramm, outro estudioso da comunicação de massa, por sua vez, é apresentado como o

�menos preocupado com os aspectos externos e formais do problema, desvinculado da atitude

moderna de seu companheiro McLuhan� (SCHRAMM, 1976, p. 18).

Page 55: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

47 1

Sem o típico negativismo e ceticismo de McLuhan, Schramm parece otimista e

acredita na comunicação, percebe sua força construtiva e sugere formas de usá-la em prol do

bem-estar coletivo. Schramm preocupa-se com a TV educativa, com jornais comunitários e

tudo relacionado com a promoção do progresso, mas não faz nenhuma profecia que deixa

indícios da sua preocupação com relação à criação de veículos cada vez mais perfeitos

tecnicamente, que simplificassem a mensagem até minimizá-la.

Nas palavras de Dines (SCHRAMM, 1976, p. 19), Schramm se dedica exclusivamente

a �explorar o manancial inesgotável que a comunicação oferece para o desenvolvimento de

um país, a partir do momento em que ela for posta a serviço da motivação de uma

comunidade para o progresso [...]. Em nenhum momento ele sugere que os governos

interessados em promover o progresso através da comunicação se dediquem à propaganda�, e

insiste em dizer que �tais governos devam preocupar-se apenas em criar condições para o

livre trânsito de informação, alcançando todo o país� e assim permitir que todas as

informações cheguem ao público-alvo, despertando neste a vontade de progredir e de partilhar

a vida. Essa vontade de progredir surge quando, numa comunidade, as pessoas se solidarizam

e interagem em seu ambiente local buscando formas de solucionar os problemas de interesse

comum e gozar eficazmente a sua cidadania. Essa questão que comunga as idéias de Shramm

será revista mais adiante.

A evolução dos meios de comunicação de massa em Moçambique ocorre de forma

gradual e paralela ao próprio desenvolvimento sócio-político e cultural do povo, o que

confirma a idéia de Noya Pinto (1986 p. 05) de que �a comunicação não é fenômeno isolado

nem contemporâneo como atividade humana�, ela é parte integrante dos �processos culturais�

da população. Sendo assim, o ser humano precisa reocupar seu espaço na atual sociedade,

reconquistar a sua condição de ouvir e ser ouvido, para que se estabeleçam sistemas de

comunicação dentro da sua realidade; precisa conhecer características intrínsecas do seu país,

para que tais sistemas se tornem mais eficazes às pretensões de se promover o

desenvolvimento técnico, científico e cultural. Nesse contexto, e de acordo com Bordenave

(1985, p. 84), �a comunicação torna-se uma forte aliada na promoção da organização � das

camadas sociais � e, uma vez atingida, facilita a coesão da classe e a expressão de suas

aspirações, opiniões e demandas�.

Page 56: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

48 1

1.1 A problemática do desenvolvimento

O termo �desenvolvimento� constitui hoje um dos grandes núcleos de debate em todo

o mundo. O debate sobre esse tema ocorre em consonância com a abordagem teórica e

explicativa em torno desse paradigma, mas de forma contraditória quanto a questões de

interesse das sociedades menos favorecidas. Muito mais na teoria do que na prática, os velhos

conceitos de desenvolvimento estão sendo superados, o que torna importante, na sociedade,

discutir-se o real significado desse paradigma em termos da reconstrução das práticas, de

acordo com os novos conceitos.

A problemática do desenvolvimento suscita, portanto, um debate que tem se tornado

profundamente mais crítico em termos de novos conhecimentos e novas práticas. Apesar de

tantos problemas e desafios enfrentados na atual sociedade, a dinâmica social do

desenvolvimento constitui uma das áreas sociais que mais geram aprendizagem, e homens e

mulheres adquirem conhecimentos por meio de suas reais dificuldades e das contradições do

processo desenvolvimento social. Como afirma Frantz (2003, p. 8) �não se trata de um campo

de concordâncias teóricas ou práticas, pois, no espaço da problemática social do

desenvolvimento, as discordâncias e as contradições são, ainda, profundas. No entanto, os

desafios que nascem da problemática do desenvolvimento, estão postos às diferentes ciências,

à política, à economia, à cultura, à educação. A aprendizagem acontece como um produto das

divergências sociais (...)�, pelas quais as pessoas aprendem a conviver comunitariamente e a

lutar pelo seu bem-estar social.

Para Frantz (2003, p. 9), �esse cenário de divergências tem também as mais diferentes

raízes históricas, seja a partir dos conhecimentos ou das ideologias, dos interesses privados,

de indivíduos ou grupos, ou dos interesses públicos, dos cidadãos ou instituições�. Nas

palavras desse autor, no espaço social da dinâmica do desenvolvimento, os homens se

encontram com suas necessidades, seus desejos, interesses e conhecimentos, suas razões e

emoções, suas limitações e contradições, e deles fazem a base para as políticas e as práticas de

desenvolvimento. Isso acontece devido à �própria crise da modernidade, isto é, com a crise

das certezas, das verdades, das ciências, dos modelos, dos grandes sistemas políticos e

econômicos�.

Page 57: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

49 1

A falta de certeza sobre a validade das práticas de desenvolvimento abrem caminhos

para que se estabeleça um debate construtivo sobre os desafios que o mundo nos apresenta.

As práticas do desenvolvimento deveriam ter como fundamento a comunicação, a liberdade

de expressão, da crítica, da participação, do compromisso com a esperança de quem sonha

com uma vida melhor.

No contexto do processo de desenvolvimento que aqui discutimos, há que

percebermos as diferenças que existem entre crescimento e desenvolvimento propriamente

ditos. Como refere Kunczik (1992, p. 38), enquanto o crescimento não refere

automaticamente à igualdade de vida, mas sim, ao acúmulo de riquezas concentradas apenas a

alguns indivíduos da população; o desenvolvimento preocupa-se com a geração de riqueza,

com o objetivo de distribuí-las, de melhorar a qualidade de vida de toda a população, levando

em consideração, portanto, a qualidade do meio ambiente local e do planeta como um todo.

O progresso de qualquer nação se caracteriza pelo desenvolvimento de melhores

condições de vida, que se produzem com a liberdade da crítica, do debate e da comunicação.

Esse progresso só pode ser buscado nas experiências de vida de cada cidadão e nas

experiências dinâmicas de cada sociedade. Essas experiências são acumuladas ao longo dos

anos e são construídas pelo diálogo, pelo debate, pela argumentação com o que vem de fora,

bem como pela ação comunitária e cooperativa. Isso abre espaço para um debate entre os

cidadãos que têm como preocupação a resolução dos problemas de interesse comum, o qual

desenvolve identidades, valores e comportamentos.

Uma sociedade que vive preocupada com seu progresso procura sempre buscar

experiências produtivas de outras sociedades e as incorpora no seu sistema de produção.

Claro que, como diz Arruda (1996, p. 23), tais experiências devem ser compatíveis

com as realidades geopolítica, econômica, cultural e, acima de tudo, ambiental do local, de

forma a se obter um desenvolvimento local integrado e sustentável. Para esse autor, �trata-se,

como no caso de cada pessoa, de desenvolver a comunidade no sentido de tornar-se sujeito

consciente e ativo do seu próprio desenvolvimento�.

Page 58: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

50 1

1.2 Desenvolvimento versus desigualdade social

No panorama do crescimento econômico de uma nação, Bedergal (2002, p. 17)

sustenta que �o crescimento econômico não implica por si só o desenvolvimento, entendido

como a melhoria substancial da qualidade de vida da população�. Para o autor, a evidência

mostra que, apesar de muitos países experimentarem intenso crescimento de suas economias,

não conseguem fazer o mesmo com as condições de vida da maioria, que enfrenta, nas áreas

urbanas, uma crescente deterioração da qualidade ambiental e, nas áreas rurais, escassez e

deterioração dos recursos naturais. Portanto, há que concluir que o modelo macroeconômico

dos países industrializados que está sendo adotado pelos países em desenvolvimento, em lugar

de ajudar a superar os problemas da pobreza e reduzir as desigualdades entre homens e

mulheres, promovem as diferenças sociais e as injustiças e desfavorece os setores mais

vulneráveis da sociedade. Na verdade, a discriminação que se tem verificado no trabalho pesa

mais à mulher, pois essa discriminação tem sido incrementada com as políticas que persistem

cada vez mais em criar dificuldades de acesso aos recursos econômicos ou naturais de que ela

precisa para se manter viva e se sentir útil na sociedade. Em conseqüência, a mulher tem sido

a maior vítima de todo o tipo das injustiças sociais decorrentes, da pobreza.

Na dinâmica das necessidades, dos interesses e dos objetivos de seus atores, o

desenvolvimento é um produto das relações sociais do campo da cultura, da política, da

economia, da educação, da saúde, etc. Como diz Frantz (2003, p. 10), �desenvolver-se não

significa seguir um rumo previamente inscrito na vida social, mas exige a construção das

próprias condições dessa vida social pela ação dos homens. No processo do desenvolvimento

local é imprescindível o reconhecimento da multiplicidade e diversidade das potencialidades

humanas�.

Não se pode falar de desenvolvimento fora da ação humana e do seu núcleo histórico.

Os homens são os atores do desenvolvimento, isto é, homens e mulheres que interagem entre

si e desenvolvem uma vontade coletiva através de ações comunicativas dinâmicas e

permanentes; homens e mulheres que possam �entender os fatos econômicos, julgá-los e

adaptá-los à sua vontade, de modo que essa vontade se torne a força propulsora da economia,

aquilo que molda a realidade objetiva� (ZTOMPKA, 1998, p. 300). Nas sociedades

contemporâneas, pelo processo da democratização, essa ação humana passa a ser, cada vez

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51 1

mais, ampla, descentralizada e participativa. Através da democracia amplia-se a compreensão

do conceito e da prática do desenvolvimento, superando-se, portanto, noções tradicionais de

desenvolvimento, em favor da criatividade e da capacidade inovadora de cada comunidade.

Vale dizer que os homens e as mulheres fazem a história. Eles são os atores do

desenvolvimento, isto é, desenvolvem uma ação ativa e permanente nesse processo.

Kliksbeg (2001, p. 106-7) afirma existir �um novo debate em ativa ebulição no campo

do desenvolvimento�. Para ele, �há uma revalorização no novo debate de aspectos não

incluídos no pensamento econômico convencional�, o que significa fazer �um reexame das

relações entre cultura e desenvolvimento�. Essa visão implica o reconhecimento da

supremacia da política sobre a economia, levando à superação do conceito de crescimento

econômico como expressão do desenvolvimento. De acordo com Kliksbeg (2001 p.107),

�políticas baseadas em planos que marginalizam aspectos como os mencionados demonstram

limitações profundas�.

Com isso pretendemos dizer que desenvolvimento não significa apenas resultado de

caminhos técnicos, mas de processos políticos. Daí a necessidade de se rediscutir a visão

convencional do desenvolvimento e integrar novas dimensões como as possibilidades de o

capital social e a cultura contribuírem para o desenvolvimento econômico e social dos países

subdesenvolvidos.

Reconhecer a ação humana como propulsora do desenvolvimento abre espaço à

educação, à cultura, aos valores sociais. Em decorrência disso, recoloca-se o problema do

desenvolvimento nos espaços locais, nas proximidades humanas, nas relações entre as

pessoas, nos espaços do associativismo e das práticas cooperativas. Nesse contexto, o

desenvolvimento local pode ser entendido como uma reação aos grandes processos,

predominantemente fundados no incentivo ao crescimento econômico, sem levar em

consideração as peculiaridades e as necessidades da realidade local. Um dos exemplos disso

podem ser as concessões de terra a estrangeiros e moçambicanos no território nacional, muitas

feitas de forma �irregular�, para criar sistemas de produção agrícola e pesqueira, sem respeito

às bases de muitos valores locais. Este tipo de atitudes se deve à falta de políticas públicas

claras de desenvolvimento local.

Page 60: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

52 1

2. A comunicação e o desenvolvimento local

O desenvolvimento local, para além de seu sentido estratégico, traduz um esforço por

reconstruir laços sociais e identidades, rompidos ou diluídos, em processos de abrangência

muito ampla e de interesses distantes.

Segundo BOISIER (2000, p. 165), o desenvolvimento local se caracteriza pelo seu

impulso endógeno que �dentro da globalização é uma resultante direta da capacidade de os

atores e de as sociedades locais se estruturarem e se mobilizarem, com base nas suas

potencialidades e na sua matriz cultural�.

Lévy (1997, p. 42) sustenta que a evolução da técnica, o progresso da ciência, as

turbulências geopolíticas e os elementos aleatórios dos mercados dissolvem os ofícios,

pulverizam as comunidades, obrigam as regiões a se transformar, as pessoas a se deslocar,

mudar de lugar, de país, de costumes e de língua. No nosso entender, isso ocorre devido à

dessocialização8 das comunidades locais, que muitas vezes gera exclusão ou rompe os laços

sociais. Quase sempre, a dessocialização confunde as identidades, aquelas fundadas sobre

pertenças ou �raízes� culturais, como é o caso dos países historicamente invadidos e

dominados pelas forças imperialistas ocidentais, desde o século XVI e que, mesmo ora

geopoliticamente independentes, continuam economicamente dependentes e com índices de

pobreza aguda. Daí a necessidade de se fazer políticas públicas condizentes com as

necessidades locais, que permitam redução de terríveis desajustes sociais, e de unirem-se em

torno de necessidades coletivas, para as comunidades estabelecerem laços que as levem a

lutar por reconhecimento e identidade própria. Nesse contexto surge a necessidade de

promover o desenvolvimento local, como mecanismo de reintegração social local, regional e

nacional.

Decerto que a palavra �desenvolvimento� tem sido utilizada com múltiplos

significados, pelo fato de o desenvolvimento não ser uma coisa concreta, com existência

objetiva como uma pedra ou uma pessoa. Dessa forma, não é um processo autônomo em si

próprio, mas resultado de uma combinação de fatores e fenômenos de naturezas diversas.

8 Exclusão social que ocorre por causa da má distribuição da renda.

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53 1

Tehranian (2002, p. 49) afirma que o �desenvolvimento tem sido freqüentemente

identificado com o crescimento econômico no qual, com o andar do tempo, sua medida

aumenta em material, enquanto que a comunicação muitas vezes tem sido identificada

sinonimamente com a comunicação de massa e seus aparatos ideológicos de persuasão e

manipulação�. Isso nos leva a entender que alguma tarefa de reconstrução teórica tem de

começar, portanto, com o reexame de conteúdos normativos e conceitos históricos de

Tehranian sobre a comunicação. Jacobson (2002, p. 67), por sua vez, sustenta que as

pesquisas em comunicação para o desenvolvimento não são apenas confrontadas com idéias

sobre as quais se caracterizam os diferentes países periféricos, ou sobre expectativas pouco de

crescimento, mas também com diferentes idéias sobre como estudar a comunicação

internacional e por que fazer esse estudo.

De acordo com Servaes (2002, p. 84), a discussão sobre comunicação para o

desenvolvimento se fundamenta em três paradigmas: a �modernização�, a �independência� e

a �multiplicidade�. Essas discussões sobre teorias de desenvolvimento influem na adoção das

políticas (social, econômica, cultural, etc.) que muitas vezes interferem no próprio processo

de desenvolvimento. Para Servaes (2002, p. 85), a nova abordagem de desenvolvimento

emerge de críticas aos paradigmas da modernização e da independência, os quais têm pontos

comuns no exame das mudanças de perspectivas, tanto as impostas como as surgidas do

próprio desenvolvimento da comunidade local. Segundo Servaes (2002, p. 97), o método de

conscientização de Paulo Freire está orientado para auxiliar o indivíduo a refletir criticamente

sobre as condições de vida às quais está submetido, por participar do processo histórico da sua

comunidade.

Para Kunczik (1992, p. 9), o desenvolvimento rumo a uma sociedade moderna

caracterizada por democracia, justiça social e econômica, consolidação da unidade nacional,

disciplina social e crescimento econômico é praticamente impossível sem a utilização dos

meios de comunicação de massa, dado que são estes que conseguem levar a mensagem até a

população da área rural mais distante da cidade. Somente um sistema de comunicação que

oferece à população do campo a possibilidade de se informar continuamente e, em especial,

expressar suas próprias opiniões, é que torna possível a formação de identidades nacionais e é

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54 1

capaz de evitar ou eliminar uma bipolarização cultural da sociedade constituída de

comunidades rurais e urbanas.

Na opinião de Franco (2002, p. 48), o desenvolvimento é um movimento sinérgico,

captável por alterações de algumas variáveis de estado pelas quais consegue estabelecer

estabilidade dinâmica num sistema complexo, isto é, numa coletividade humana. Para ele,

�crescimento é movimento�. Mas esse �movimento não pode ser reduzido a crescimento�.

Portanto, movimento sinérgico não é desenvolvimento, pois �se um país faz crescer o PIB,

mas não consegue atingir valores compatíveis de capital humano e do capital social, então

está havendo apenas um crescimento sem desenvolvimento� e nem pode haver mudança

social desejada. Nas palavras de Franco (2002, p. 42),

se os índices do desenvolvimento social - medido por indicadores de capital humano e de capital social - forem baixos, também será baixa a capacidade

das populações de apropriarem e multiplicarem a renda - ou seja, usar renda ferida compulsoriamente, por meio de aumento de salário mínimo e da

elevação de outros pisos salariais ou, de modo mais direto, por meio de programas compensatórios estatais de oferta de serviços e de doação, pura e

simples, de dinheiro, isso supondo que existam superávits nas contas estatais que possibilitem tal operação, o que não se verifica em virtude do mesmo

motivo pelo qual consegue crescer a altas taxas duradouramente.

Franco (2002, p. 50) esclarece sua afirmação dizendo que as �mudanças na sociedade

humana são mudanças sociais. Portanto, o desenvolvimento é mudança social, mudança que

ocorre nas relações entre os componentes do conjunto que constitui uma sociedade. Se não

houver mudança dos componentes e das relações entre os componentes desse conjunto, não

pode haver desenvolvimento�. Tais componentes são os seres humanos e essas relações são,

em última instância, as que se estabelecem entre os seres humanos. Sendo assim, �para

promover o desenvolvimento social é necessário distribuir a renda. Mas para distribuir a renda

num patamar que se supõe seja suficiente para promover o desenvolvimento social necessário

para sustentar o crescimento, é preciso que haja um crescimento a altas taxas e mantê-lo

durante certo tempo�.

De acordo com Franco (2002, p. 44), países como Estados Unidos da América, Japão e

Alemanha, que economicamente cresceram e mantiveram seu crescimento a altas taxas

durante períodos relativamente longos, tiveram certo patamar de capital humano e de capital

Page 63: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

55 1

social antes de atingir ou conseguir manter esse padrão. Isso significa que tais índices de

desenvolvimento não foram obtidos somente em decorrência do seu extraordinário

crescimento econômico, mas também pelo incremento do capital humano e do capital social,

bem como do dinamismo econômico, possibilitando o crescimento da renda, a qual, por sua

vez, realimentou o circuito. Portanto, o fortalecimento do capital humano e do capital social é

um ingrediente sem o qual as políticas e as ofertas de serviços governamentais não poderão

ser eficientes nem suficientes; isso significa que as políticas públicas de indução ao

desenvolvimento (humano e social) devem constituir a principal referência na categoria

social.

O documento do governo de Moçambique (DNDR, 2000, p. 2) refere que:

O desenvolvimento é um processo cultural integrado, carregado de valores, englobando o ambiente natural, as relações sociais, a educação, a produção,

o consumo, o bem-estar. É fundamentalmente um processo endógeno que surge a partir de foro interior da sociedade, definindo de forma soberana a sua visão ou o seu projeto, contando inicialmente com as próprias forças e só depois com as forças dos que querem apoiar porque partilham dos seus

problemas. É, em essência, uma questão de mentalidade e atitude, aliada à oportunidade

O documento estimula a sociedade moçambicana a trabalhar arduamente, sem olhar

para apoios externos, de forma a reconstruir e a desenvolver o país devastado pela guerra

civil. Assim, diz ainda o documento ser o desenvolvimento �um processo que se interioriza

antes de exteriorizar, porque exige uma autoconfiança crescente tanto no plano individual

como coletivo. A base do desenvolvimento de uma sociedade tem de ser os seus próprios

recursos naturais e humanos�.

O documento (DNDR, 2000, p. 3) sustenta, portanto, que �o desenvolvimento visa ao

indivíduo e à comunidade onde ele está inserido�. Sendo assim, entende-se que o

desenvolvimento seja um processo que circula os esforços nas esferas do crescimento

econômico, igualdade social, uso racional de recursos naturais e boa administração pública,

com o objetivo de melhorar as condições de vida da população por meio de uma

transformação produtiva. Portanto, para se tornar sustentável, o desenvolvimento deve

incorporar a dimensão humana combinando o crescimento econômico a ações que visam a

promover a igualdade social. Daí que o governo de Moçambique, ao aprovar o documento

Page 64: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

56 1

acima referido, adota a questão do desenvolvimento econômico rural como a principal

filosofia do Estado.

No âmbito da comunicação para o desenvolvimento, adotado pelo Estado

moçambicano como uma das suas filosofias básicas de combate à pobreza absoluta, o governo

transformou, pelo decreto n°. 1/89 de 27 de março de 1989, o Gabinete de Comunicação

Social em Instituto de Comunicação Social, o qual se tornou �a única instituição do gênero no

continente africano e, de forma particular, na Região da África Austral, que desenvolve

actividades baseadas na filosofia Comunicação para o Desenvolvimento [�] e está equipada

de meios tecnológicos e com uma grande facilidade de penetração no território nacional�9.

Para isso, ao ICS coube como principal missão a promoção da �melhoria da qualidade de vida

das comunidades rurais, através de programas de Informação, Educação e Comunicação -

IEC�, oferecendo a essas comunidades ferramentas que lhes permitissem caminhar rumo ao

seu desenvolvimento sustentável.

Como diz Franco (2002, p. 47),

um país pode ser mais desenvolvido do que outro de igual população,

mesmo que o seu PIB seja menor. O capital humano de determinada localidade pode ser menor do que o de outra localidade e, no entanto, pode a primeira conseguir estabelecer uma sinergia entre os vários fatores do desenvolvimento muito melhor do que a segunda e, assim, tornar mais dinâmicas suas potencialidades e aproveitar melhor as oportunidades do que esta última

Mas o importante de tudo isso é que todo o capital humano, de qualquer comunidade

local, tem como preocupação primeira o alcance do bem-estar social, econômico e cultural de

toda a sua comunidade.

Isso significa que, do ponto de vista do desenvolvimento, o potencial elemento do

chamado capital humano não é, como se poderia pensar, o nível de escolaridade ou a

expectativa de vida da população; o que caracteriza e distingue o homem como ente

construtor de futuro, gerador de inovação, é �a capacidade das pessoas de fazer coisas novas,

9 ICS � Instituto de Comunicação Social. 25 anos de experiência ao serviço da comunicação para o

desenvolvimento. Maputo, 2003.

Page 65: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

57 1

exercitando a sua imaginação criadora e se mobilizar para desenvolver as atitudes e adquirir

os conhecimentos necessários capazes de permitir a materialização do desejo, a realização do

sonho e a viabilização da visão� (FRANCO, 2002, p. 62). Para esse autor, se não se libertar a

capacidade das pessoas de sonhar e de perseguir os próprios sonhos, se não se criar ambientes

favoráveis à inovação, então não há como induzir o desenvolvimento desejado.

Do ponto de vista do desenvolvimento social e humano sustentável, criar um ambiente

favorável ao desenvolvimento é começar a investir no capital social e no capital humano, ou

seja: a sociedade tem que �ter a capacidade de cooperar, de criar um ambiente de inter-

relacionamento entre os seus membros, resolver seus problemas democraticamente�

(FRANCO, 2002, p. 62) e de criar comunidades de interesse comum. Sem uma base de

confiança fornecida pela cooperação ampliada, acumulada e reproduzida socialmente,

dificilmente poderá ser promovido o desenvolvimento desejado.

Na opinião de Franco (2002, p. 62), o modelo tradicional do desenvolvimento, produto

da guerra fria de meados do século XX, baseava-se na economia dos Estados Unidos da

América, dirigida pelo ímpeto do pós-segunda guerra mundial e cuja política externa era

orientada de modo a evitar a expansão do poderio soviético no mundo. Durante esse tempo,

esforços sistemáticos ocorreram como forma de apoiar o desenvolvimento das nações

subdesenvolvidas - por um lado, como uma maneira de exercer domínio sobre os seus

modelos políticos e econômicos por meio do modelo ocidental da modernização e, por outro,

como forma de travar o avanço do modelo comunista promovido pela então União Soviética.

Para isso, duas categorias principais de conceitos foram usadas para determinar o

desenvolvimento moderno: atitudes modernas e economias modernas.

A modernização econômica moçambicana foi definida pela presença de tecnologia

avançada, da prosperidade material e da estabilidade política do país, baseada no uso de

critérios quantificáveis: o produto nacional bruto, a renda per capita, o uso de tecnologias

capital-intensivo e o planejamento centralizado para a industrialização e a urbanização

tornaram-se indicadores comuns de avaliação do progresso e da modernização ou do

desenvolvimento nacional. As práticas de comunicação que acompanharam os esforços do

desenvolvimento refletem essa orientação geral. Os meios de comunicação social têm sido

Page 66: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

58 1

usados na tentativa de estimular o povo ao uso das novas tecnologias que lhe são entregues,

como solução para os seus problemas econômicos.

Como sustenta Inayatullah (LERNER, 1973, p. 117), �o desenvolvimento é atividade

voluntária por parte de uma sociedade onde nenhum grupo exclusivo impõe seu próprio

conjunto de valores. O processo de desenvolvimento é moldado pela existência na sociedade

de diversos valores que colidem, conflitam e evoluem para algo novo, mas não suprime outros

sistemas de valor�. Inayatullah considera que, como segundo ingrediente, o desenvolvimento

não é imitação, mas sim inovação sobre a qual a �sociedade em desenvolvimento aprende das

experiências de outras, importa o que considera útil através de um processo de seleção

consciente� do que pode contribuir decisivamente para a mudança de atitudes em prol do

trabalho que dignifique o homem e a mulher como cidadãos participantes desse processo.

Mattelart (1999, p. 37) afirma que o desenvolvimento é aquele que ocorre junto com a

modernização. Para ele, o desenvolvimento-modernização é concebido como um �tipo de

mudança social no qual novas idéias são introduzidas em um sistema social tendo em vista

produzir um aumento da renda per capita e dos níveis de vida mediante métodos de produção

mais modernos e de uma organização social aperfeiçoada�. Mas De Melo (1998, p. 243),

citando Felstehausen, sustenta que

O papel da Comunicação no desenvolvimento só pode ser definido pela

estrutura da sociedade e não à parte dela. Nesse sentido (...), os estudos realizados nos países subdesenvolvidos limitam-se a variáveis lingüísticas e

psicológicas, deixando de lado as variáveis sociais e institucionais que fazem parte do contexto da comunicação humana e ao mesmo tempo definem

caminhos em direção ao desenvolvimento

Continuando Melo (1998, p. 247) a sua análise sobre o papel da comunicação, em

especial a de massa, afirma que

do ponto de vista histórico, tem-se observado que os �mass media� constituem uma decorrência do processo de desenvolvimento. Eles passam a existir, em qualquer país, no momento em que certos fatores estruturais

(desenvolvimento do comércio interno, industrialização, urbanização, escolarização etc.) lhes atribuem funções na vida do sistema social. Do

contrário, eles não terão condições de sobrevivência, já que o organismo social não lhes proporcionará bases vitais de sustentação.

Page 67: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

59 1

No contexto moçambicano, as mensagens divulgadas pelos canais tradicionais de

comunicação de massa, nomeadamente rádio, televisão e jornais públicos e privados, quase

não têm tido nenhum impacto direto sobre o desenvolvimento e a modernização das

comunidades locais, porque a divulgação ou veiculação dessas mensagens é feita em língua

portuguesa, que não é de total domínio local.

Sendo o desenvolvimento um fenômeno ligado diretamente à produção e ao �bem-

estar social da população�, os canais de comunicação de massa deviam veicular, também,

suas mensagens em línguas de domínio local para permitir que todas as pessoas entendessem

e exercessem seu papel de cidadãos participantes no processo de desenvolvimento. Ao

transmitirem mensagens apenas em língua portuguesa e cujos conteúdos pouco têm a ver com

as aspirações do povo, os canais tradicionais de comunicação estimulam apenas as fantasias, e

não realizações concretas locais.

De acordo com Melo (1998, p. 295), o desenvolvimento é, inevitavelmente, um

processo de participação. As pessoas somente podem fazer as coisas novas que o

planejamento do desenvolvimento recomenda que sejam feitas. Quando a atenção das pessoas

é mobilizada e o interesse delas atraído, então a participação criativa está operando e o avanço

do desenvolvimento tem probabilidade de se acelerar. Portanto, os meios de comunicação de

massa criam um ambiente fértil à participação e cumprem sua função principal no processo de

desenvolvimento.

Como afirmam White e Moreira (2001, p. 127), alguns dos novos paradigmas mais

fecundos a respeito do desenvolvimento nacional surgiram na América Latina, especialmente

no trabalho teórico de Martin-Barbero e Garcia-Canclini. �Esses teóricos destacaram a

importância da integração e de diálogo culturais em termos regionais da América Latina�. Há

uma mudança de explicações referentes à transformação econômica ou o desenvolvimento

político do Estado, ou mesmo transformações estruturais de base popular.

Para Melo (1998, p. 296), Schramm (1964) teve a tarefa de planificar a ofensiva da

Unesco para implantar um programa de desenvolvimento das comunicações destinado a criar

o clima de desenvolvimento global das sociedades dispostas a ingressar na era da

modernização. Baseando-se nas teses expostas por Lerner (1964), que estudara a marcha

Page 68: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

60 1

transnacional das nações do Oriente Médio, Wilbur Schramm construiu um arcabouço teórico

capaz de convencer os estadistas dos países subdesenvolvidos a apostarem na implantação

e/ou expansão dos sistemas nacionais de comunicação como impulsionadores do

desenvolvimento. De acordo com Schramm (1964, p. 46), a essência do desenvolvimento

econômico é o aumento rápido da produtividade econômica da sociedade. Logo, a primeira

questão a ser enfrentada é: como poupar recursos para investir em produtividade? Isso

envolve concretamente a modernização da agricultura e, a liberalização de parte da força de

trabalho para atuar na indústria, bem como a criação de espaços urbanos ativos e inovadores

onde possam frutificar concepções e atitudes produtivas.

É aí que reside a contribuição fundamental dos sistemas de comunicação, veiculando

informações e difundindo modos de agir, pensar e sentir que predisponham os cidadãos a

adotar comportamentos sintonizados com as estratégias do desenvolvimento. Em outras

palavras, forjando indivíduos capazes de valorizar o trabalho produtivo e de poupar recursos

para a consecução de resultados a médio e a longo prazo.

O próprio Schramm (1964, p. 21), estudioso da comunicação para o desenvolvimento

em países subdesenvolvidos, na introdução do seu livro fala do significado humano do

subdesenvolvimento, narrando duas situações de vida das famílias Ifes (da África Ocidental) e

Bvanis (do sul da Ásia), para mostrar que, apesar das diferenças culturais existentes entre as

duas famílias e o número de agregado familiar que cada uma tem, as necessidades em termos

habitacionais, nutricionais, educacionais, etc. são idênticas. Tanto a família Ife (de 5 pessoas)

como a Bvani (14 pessoas), em termos nutricionais, não atingem o mínimo de 2.500 calorias

necessárias para manter o ser humano minimamente nutrido. Com a diferença de que no

povoado de Ife nem chegam a 1.700 calorias por dia, enquanto nos Bvanis, não são muitos os

dias que observam as 2.000 calorias por dia, situação que mostra uma melhoria nutricional

dos Bvanis em relação aos Ifes. Em ambos os povoados, a resistência à mudança é bastante

marcante. Os governos têm feito de tudo para introduzir novos modelos e hábitos modernos

de vida, mas isso não tem surtido efeito devido às limitações em seu sistema social fechado,

às normas tradicionais de cada povoado e às limitações na educação e na transformação

social. Aqui se destaca a importância de realizar, no seio de uma das comunidades, mudanças

sociais que implicam a realização de um conjunto de transformações sociais baseadas na

educação e na comunicação participativa das pessoas, bem como mudança de valores, de

Page 69: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

61 1

atitudes e de relações humanas com vista ao aumento de produtividade em prol do

desenvolvimento de cada local.

As duas famílias, mesmo vivendo em regiões e continentes diferentes, têm limitações,

também, em sua capacidade de realização devido à sociedade que os cerca, a sua pobreza e ao

analfabetismo que os afeta. Esse tipo de situação pode ser encontrado em Moçambique que,

apesar de ser um país reconhecido externamente por uma cultura nacional, contém diferenças

culturais regionais e locais; um povoado de uma região do centro ou do norte do país tem

hábitos diferentes dos de um povoado do sul, e um povoado de uma região, seja do norte, seja

do sul, também pode ter hábitos diferentes de outros da mesma região.

No que diz respeito à pobreza, a maioria do povo moçambicano não consegue

consumir 60% do índice calórico desejável.10 Essa mesma maioria vive em casas construídas

com material precário. Nos distritos de Vilankulu e Mambone, por exemplo, as mulheres e

crianças percorrem a pé uma distância de não menos de 10 km em busca de 5 ou 10 litros de

água para o consumo familiar. Em média, cada agregado familiar é composto por 10 pessoas,

e há casos em que, dependendo da família alargada11, o número de pessoas num agregado

familiar pode ser maior que 20. Escolas e postos de saúde localizam-se a não menos de 10

km. A produção agrícola familiar é baixa, pois a lavoura é feita tradicionalmente. Vivem com

a esperança de que um dia a chuva vai chegar para molhar a terra e salvar as sementeiras. O

índice de analfabetismo é bastante alto.

Em face disso, e em forma de opinião, nos associamos às palavras de Schramm (1964,

p. 32), quando diz que �Se quisermos promover o desenvolvimento econômico, deverá haver

10 Segundo avaliação nacional feita pelo Ministério do Plano e Finanças (MPF, 1998), as condições

mínimas de alimentação foram construídas com base na soma de uma linha de pobreza alimentar estabelecida

pelos padrões nutricionais de aproximadamente 2.150 quilocalorias diárias por pessoa, acrescida de uma porção

modesta de despesa não alimentar, determinada na base de consumo não alimentar dos agregados que sofrem de

insegurança alimentar. Em termos monetários, a linha de pobreza nacional foi fixada em 5.433,00 MT

(24.000,00MT/1USD) por pessoa/dia (PARPA, 2000, p.12). 11 por �família alargada� refiro-me ao tipo de família tipicamente moçambicana que, além de

constituída por marido, mulher e filhos, alarga-se para familiares de primeiro, segundo, terceiro e até quarto grau

ou incluem pessoas que sejam da mesma linhagem familiar.

Page 70: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

62 1

uma transformação social, e, para que isto ocorra, devemos mobilizar os recursos humanos, e

os problemas difíceis de ordem humana deverão ser resolvidos�.

No nosso entender, resolver os graves problemas que enfermam a população

moçambicana, principalmente a pobreza, é lutar contra o subdesenvolvimento, termo que não

é termo pejorativo; significa simplesmente que o crescimento econômico, a educação, o nível

social e o nível de vida ainda não ultrapassaram a linha de pobreza absoluta. De acordo com

Schramm (1964, p. 33), ser chamado de país �em desenvolvimento� é uma honra, pois isso

quer dizer que o país decidiu sair do estágio de subdesenvolvimento por seu próprio esforço e

realizar, em algumas décadas, o que antigamente levava séculos para ser feito.

Bedergal (2002, p. 31) sustenta que os trabalhos de Daniel Lerner (1958) e Wilbur

Schramm (1964) contribuíram amplamente para o repertório da comunicação para o

desenvolvimento hoje em voga. Baseados em Lerner e Schramm, outros pesquisadores

surgiram, entre os quais alguns dos mais recentes notáveis da área, Luís Ramiro Beltran e

Juan Díaz Bordenave que, por uma perspectiva própria, colocaram em questão os

pressupostos clássicos da comunicação para o desenvolvimento.

A comunicação para o desenvolvimento, com a sua longa tradição teórica, é

complementada e enriquecida pela educação e comunicação ambiental que, desde os anos

1980, vem contribuindo com novos enfoques teórico-metodológicos e experiências para

difundir a compreensão tanto da importância do meio ambiente, como da necessidade de

mudança de atitudes, práticas e hábitos de consumo lesivo ao organismo humano. Vale

salientar que a comunicação e a educação ambiental são áreas que sempre incorporaram uma

forma de comunicação educativa que não apenas transmite informações e mensagens, mas

influencia mudança de atitudes, valores, práticas e comportamentos, e visa, assim, a promover

o desenvolvimento sustentável.

Desde os tempos mais antigos há povos mais ricos do que outros; a educação e a saúde

sempre andaram melhor em alguns lugares do que em outros. Os ricos foram sempre

privilegiados e sempre subjugaram os povos mais pobres.

Page 71: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

63 1

Com o fim do colonialismo, nas últimas décadas do século passado, foi possível que

novos países menos privilegiados tivessem a oportunidade de fazer algo acerca de sua própria

situação econômica. Estes países têm procurado acelerar o processo de desenvolvimento

buscando apoios dos países avançados economicamente para que façam investimentos ou

simplesmente doem recursos financeiros. Tais auxílios aos países subdesenvolvidos têm

suscitado grandes competições entre os países economicamente desenvolvidos, mas, por outro

lado, sugerem o renascimento de uma consciência mundial, estimulada, em parte, pelas lutas

contra o colonialismo e o imperialismo econômico no mundo.

Nas palavras de White e Moreira (2001, p. 126), as nações não podem produzir sua

independência política se não tiverem independência econômica e esta não será possível se

não houver independência cultural. Desde a época de Adam Smith, os teóricos de

desenvolvimento compreenderam que as culturas nacionais estabelecem os objetivos

econômicos; entretanto, a independência cultural não será possível se não houver a

independência da comunicação. Todas as nações da era moderna deram prioridade ao

desenvolvimento de um sistema de comunicação interna como o princípio fundamental do

desenvolvimento nacional.

Em Moçambique, o desenvolvimento nacional passa necessariamente pela ação

educativa dos meios de comunicação social, principalmente em relação à divulgação de

informações que educam o produtor rural a assimilar as novas técnicas de produção. O

desenvolvimento nacional passa, também, pela criação de um espírito empreendedor tanto de

âmbito individual como coletivo, para que todo cidadão moçambicano entenda que sua

participação ativa nas ações de desenvolvimento socioeconômico é deveras importante. E

porque o Estado moçambicano �toma a agricultura como base do desenvolvimento nacional�,

e porque �garante e promove o desenvolvimento rural para satisfação crescente e multiforme

das necessidades do povo e o progresso econômico e social do país�12, é direito de qualquer

cidadão possuir terra13, espaço e recursos para atividades que contribuam para o

12 Artigo 39 da Constituição da República de Moçambique, Maputo, 1990. 13 Em Moçambique a terra é pertença do Estado, e todo o cidadão tem direito ao uso e aproveitamento

da terra.

Page 72: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

64 1

desenvolvimento nacional, como a prática da agricultura que representa cerca de 40% da

economia moçambicana.

Referindo-se ao uso e aproveitamento da terra e às ações levadas a cabo pelo

Programa de Desenvolvimento Agrícola (Proagri), Hélder Mutéia14 disse que �o Proagri é o

nosso Parpa15 agrário (ao nível do Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural), que

constitui estratégia de transformar as unidades produtivas familiares de subsistência em

unidades produtivas mais integradas ao mercado, que unem mais a prática tradicional às

novas tecnologias de produção agrárias, aquelas que permitem que as comunidades locais

produzam mais e vendam mais os seus produtos�. Para isso, Mutéia destaca quatro pilares

principais:

Que as pessoas tenham acesso à terra arável;

Que tenham acesso à tecnologia por intermédio do Instituto de Investigação

Agronômica e dos Serviços de Extensão Rural. Isto é, produzir a tecnologia e levá-la

ao serviço dos produtores rurais;

Acesso ao mercado. As pessoas devem ter a capacidade de produzir e vender os seus

produtos, para que tenham dinheiro de comprar insumos agrícolas para as outras

safras; que tenham acesso ao crédito, para que possam investir para melhor produzir.

Sem crédito, não podem ter dinheiro para investir no desenvolvimento das suas

atividades produtivas.

Um dos principais objetivos do Parpa é melhorar as condições de vida da população

moçambicana, principalmente a das áreas rurais. Mas, apesar de a produção comercializada

ter aumentado substancialmente nos últimos anos, a situação da maior parte da população

rural não melhorou como se esperava. Essa situação se deve ao problema das calamidades

naturais, nomeadamente as enchentes do ano 2000 que assolaram a zona sul do país e as de

2001 que atingiram drasticamente a zona centro, que, somadas ao problema de minas

14 Ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural (Mader), em entrevista concedida ao autor no dia

19 de janeiro de 2003, em Maputo. 15 Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (Parpa), parte importante do Programa

Qüinqüenal do governo da Frelimo no período de 2000 a 2004.

Page 73: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

65 1

terrestres, vêm contribuindo para o agravamento da crise econômica vigente que, em grande

parte, dificulta o desenvolvimento rural e especialmente a produção agrícola. Isso nos remete

ao raciocínio de que o objetivo de melhorar as condições de vida da maioria da população, em

matéria da organização da sua vida pessoal e suas relações familiares e de trabalho, só pode

ganhar maior amplitude num contexto em que se adote uma cultura de solidariedade baseada

na estratégia de combate da pobreza absoluta já refletida no Parpa.

Em um país como Moçambique, onde as práticas cotidianas da comunidade rural estão

comprometidas pela carência de base econômica, é preciso que se construa uma nova

subjetividade que, segundo Genro (1997, p. 5), �se torne hegemônica na sociedade capaz de

imprimir reformas econômicas radicais e uma concepção de cotidiano permeada pela política,

no seu sentido mais nobre�, tendo como base a exigência de um Estado subordinado à

sociedade civil que cada vez mais deve assumir o papel de dinamizador do processo. Para o

autor, é preciso promover amplos movimentos que rompam com a fragmentação interna da

sociedade informal, gerindo a participação direta dos cidadãos.

3. A comunicação para o desenvolvimento no contexto moçambicano

Foi durante a luta armada, nas zonas libertadas, que as primeiras tentativas de

desenvolvimento auto-suficiente, de orientação socialista, foram feitas. Sobre esse assunto,

Machiana (2002, p. 82) sustenta que a estratégia adotada nas zonas libertadas baseou-se

fundamentalmente na alteração das relações de produção, tendo o processo de produção

passado a organizar-se em moldes coletivistas. �Nisto se baseia o significado ideológico da

experiência das zonas libertadas, como indicadora da atitude da Frente de Libertação de

Moçambique � FRELIMO � em relação ao desenvolvimento econômico de Moçambique.�

Após a independência, o estabelecimento de relações de produção socialista foi um

dos objetivos mais enfatizados nos planos de desenvolvimento, o que implicava que a

extensão das experiências de produção desenvolvidas nas antigas zonas libertadas tivesse que

passar por uma ampla campanha de mobilização nacional de todas as forças produtivas. E era

precisamente sobre a mobilização das forças produtivas nacionais que devia incidir a ação da

comunicação social no processo de desenvolvimento da sociedade moçambicana.

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66 1

De acordo com Machiana (2002, p. 85), ainda que a noção do desenvolvimento a ser

promovido pelo Estado implicasse uma modernização por meio de rápida industrialização e

mecanização da agricultura, o �Homem� acabou se constituindo como o elemento principal

do processo, �reassumindo o seu papel central na ideologia de modernização da FRELIMO,

cujo projeto político passava pela transformação do indivíduo� (grifo nosso).

No nosso entender, o anúncio feito pelo então Presidente da República, Samora

Machel, no dia 24 de julho de 1975, dia das nacionalizações, num grandioso comício popular

realizado no Estádio da Machava, regulava a abolição dos serviços de saúde, educação, justiça

e serviços fúnebres de caráter privado, os quais deviam passar a constituir prerrogativa

exclusiva do Estado moçambicano. Samora Machel firmava como dever do Estado garantir a

extensão desses serviços a todo o povo moçambicano, principalmente às populações das áreas

rurais que tinham sido mais desprivilegiadas pelo sistema colonial. No mesmo comício,

Samora anunciou a posse da terra pelo Estado e, meses depois, o exercício privado do

arrendamento, tornando esta acessível ao povo.

As nacionalizações feitas pelo governo moçambicano se enquadravam no plano de

desenvolvimento socioeconômico, político e cultural da nação. Constituía isso uma filosofia

do Estado de buscar soluções para a melhor prestação de serviços essenciais das áreas da

saúde, educação, justiça e serviços fúnebres, bem como de oferecer condições de moradia às

populações urbanas e garantir o uso e aproveitamento da terra às populações rurais.

Segundo determinação da 1ª sessão do Conselho de Ministro, realizada de 9 a 25 de

julho de 1975, o desenvolvimento das zonas rurais constituía uma das grandes prioridades e,

portanto, deviam-se mobilizar todos os meios de ação que permitissem o seu alcance para o

sucesso das Aldeias Comunais. Isso significava que toda a economia nacional deveria ser

orientada para o desenvolvimento da nação de acordo com os interesses do povo

moçambicano, o que implicaria a aplicação da política de austeridade e de diminuição dos

gastos públicos e de divisas, redefinição da política fiscal e fixação de impostos segundo

critérios de justiça social.

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67 1

A agricultura seria promovida por meio das �machambas�16 coletivas ou cooperativas

de produção agrícola, com base na criação das Aldeias Comunais. O desenvolvimento da

produção industrial passaria a ser promovido de forma planificada, devendo o Estado orientar

o comércio externo e interno, de maneira a combater todas as formas especulativas e de

sabotagem econômica no país. Nessa batalha, os meios de comunicação social

desempenhavam um papel preponderante, principalmente pela veiculação das informações

recentes sobre os acontecimentos, as diretrizes e as orientações do partido e do governo, bem

como a mobilização e a organização das populações para ações produtivas em todos os níveis.

Nesse ponto reside a contribuição fundamental dos sistemas de comunicação, em particular os

de âmbito comunitário: veicular informações e difundir modos de agir, pensar e sentir que

predisponham os cidadãos a adotarem comportamentos sintonizados com as estratégias do

desenvolvimento. Em outras palavras, esses sistemas forjam indivíduos capazes de valorizar o

trabalho produtivo e de poupar recursos para a realização de resultados em médio e longo

prazo.

Ao discutir a comunicação comunitária com base na experiência brasileira vivida no

período de transição política dos anos de 1980, Cicília M. Krohling Peruzzo (2003, p. 247)

sustenta que a comunicação comunitária �surge e se desenvolve articulada aos movimentos

sociais como canal de expressão e meio de mobilização e conscientização das populações

residentes em bairros periféricos e submetidas a carência de toda espécie; de escolas, postos

de saúde, moradia digna, transporte, alimentação e outros bens de uso coletivo e pessoal, em

razão dos baixos salários ou do desemprego�.

A nosso ver, a experiência de comunicação comunitária vivida pelo povo brasileiro,

como Peruzzo refere acima, não foge muito ao que se viveu em Moçambique no mesmo

período, só que neste, numa perspectiva política diferente. Em Moçambique, precisamente

nos finais da década de 1970 e em toda a de 1980, a comunicação comunitária era liderada

por movimentos comunitários conhecidos como �movimentos democráticos de massa�

(MACHEL, 1975, p. 1). De 1975 a 1992, fazia-se no país um tipo de comunicação

comunitária com uma boa dose de politização na linha da Frelimo, um partido revolucionário,

e isso acontecia também no seio da comunicação social em geral. O momento político-social

16 Machamba refere-se à roça ou fazenda agrícola.

Page 76: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

68 1

exigia que a comunicação popular ou de massa fosse assumida pela população moçambicana

como uma das melhores formas de desenvolver a jovem nação.

No decorrer do nosso trabalho de pesquisa pudemos perceber que hoje, em

Moçambique, a maioria dos meios de comunicação social, em particular os de âmbito

comunitário, tem sua filosofia baseada na produção e veiculação de conteúdos informativos,

educativos, culturais e de prestação de serviços à comunidade onde estão inseridos. As rádios

comunitárias, por exemplo, primam pela educação e formação do cidadão com vista à

preservação da paz e ao combate à pobreza absoluta vivida no país. Com mensagens

educativas e de conscientização popular, as rádios comunitárias procuram prestar sua

contribuição para combater a violência e o tráfico das drogas; mobilizar as populações locais

a se engajarem em atividades produtivas com vista a combater a miséria. Como diz Peruzzo

(2003, p. 249), �[...] a comunicação comunitária é aquela que faz sentido dentro de realidades

específicas e porque é produto de cada uma dessas realidades�. Daí que, segundo essa autora,

�a comunicação comunitária surge das necessidades locais e serve aos interesses da

comunidade�.

4. Comunidade e desenvolvimento local

O conceito de comunidade não é muito claro, e é em certa medida, mal entendido. Não

está a ser considerado com a riqueza que a sua carga histórica que transporta. Ele deriva da

palavra �community� usada pela administração colonial inglesa que pretendia separar o

�moderno� do �tradicional�.

O Dicionário de Sociologia (GLOBO, 1981, p. 75), define comunidade como �um

grupo local, de tamanho variável, integrado por pessoas que ocupam um território

geograficamente definido [...] e unidas por interesses comuns e participam das condições

gerais da vida [...] Nas sociedades modernas, as comunidades variam profundamente quanto

ao tamanho e à organização, compreendendo tipos tão diferentes quanto a aldeia e a grande

cidade�. O termo �comunidade ainda é usado, às vezes, para denominar uma forma de

associação muito íntima, um grupo altamente integrado cujos membros se encontram ligados

uns aos outros por laços de simpatia�.

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69 1

Segundo Peruzzo (2001, p. 2), o termo �comunidade� começa a ser utilizado nos

últimos anos em várias perspectivas e sem rigor conceitual. O termo �tem servido para

referenciar qualquer tipo de agregação social� e, às vezes, é �empregado como sinônimo de

sociedade, organização social, grupos sociais ou sistema social. É também utilizado para

designar segmentos sociais como, por exemplo, comunidade universitária, comunidade negra,

comunidade religiosa, comunidade de informação, comunidade científica, comunidades dos

artistas etc.�. No entanto, para a autora, comunidade pressupõe uma intensa interação entre os

seus membros, afinidade de interesses e ações conjugadas visando objetivos comuns.

Mas comunidade pode ser definida como um coletivo ou grupo de pessoas que

partilham caráter e interesses comuns, isto é, um agregado de pessoas funcionalmente

relacionadas que vive numa determinada localização geográfica, em determinada época,

partilhando uma cultura comum, e que estejam inseridas numa estrutura social e revelem

consciência de sua singularidade e identidade distinta como grupo (PERUZZO, 2001 p. 3).

Tais interesses, numa comunidade específica, podem ser de caráter social, econômico,

político, cultural, religioso, etc. É na comunidade que os indivíduos prosperam coletivamente

e o potencial de cada um é intensificado por pertencer a ela, porque uma comunidade forte é

essencial para o progresso do potencial individual. Isso implica que cada membro da

comunidade reconhecer que depende do outro e que portanto, deve agir no sentido da

solidariedade e cooperação mútua, em prol do bem-estar comum.

Boudin (2001, p. 26) critica os estudos sobre comunidade que a definem em contornos

tidos como idealistas, pois postula a existência de uma realidade local, muito mais no que se

refere aos aspectos da vida da sociedade na qual �a comunidade é local e ao mesmo tempo

religiosa�. Enquanto que Cicília M. K. Peruzzo (2001, p. 3), citando Maciver e Page (1973),

por sua vez, mostra que originalmente a comunidade era reconhecida como existente

onde quer que os membros de qualquer grupo, pequeno ou grande, vivam juntos de tal modo que partilham, não deste ou daquele interesse, mas das condições básicas de uma vida comum [...]. O que caracteriza a comunidade

é que a vida de alguém pode ser totalmente vivida dentro dela [...], onde

todas as relações sociais de alguém podem ser encontradas dentro dela. Uma comunidade pode ser a que ocupa uma área territorial, onde os sentimentos

Page 78: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

70 1

das pessoas demonstram a �existência de uma coesão social que dá um

caráter de comunidade.

Entretanto, Peruzzo (2001, p. 2) esclarece que tais contornos não são condição para a

existência de comunidade no mundo atual; em decorrência das transformações nas

sociedades, introduziram-se modificações no conceito de comunidade, termo que tem sido

usado para caracterizar �agrupamentos sociais situados em espaços geográficos de proporções

limitadas (bairro, vila, lugarejo) e [até] para designar grupos de interesse afins,

interconectadas na rede mundial de computadores, chamados de �comunidades virtuais�, entre

outros�.

Para Mbikushita-Lewanika (HESSELBEI, [s/d], p. 293), comunidade é �uma

sociedade ou grupo de pessoas com direitos, posições, trabalho e interesses comuns�. Para ela,

o estabelecimento de um acordo entre pessoas, juntamente com um sentido de inclusão e de

prazer, constitui importante base para sustentar a definição acima, o que inclui afinidade,

acordo, associação, irmandade, camaradagem e identidade pessoal.

A comunicação social defronta-se, hoje, com os desafios impostos pelo aparato

tecnológico à disposição no mercado. Se por um lado alcançamos um estágio de total

condição de comunicação � o que Mario Kaplún (1999, p. 71) chama de �hipercomunicação�

�, por outro, corremos o risco de perder a capacidade de comunicação pela valorização da

informação individualizada. Ou seja, o acesso a toda tecnologia informacional não significa

para o indivíduo ou para os grupos um estágio mais além � nem qualitativa nem

quantitativamente � na realização da comunicação comunitária: �Tecnologicamente, terão

mais possibilidades de interconectar-se; mas, esgotado o interesse pelos outros, extinta a

prática da participação social e cidadã, lhes restará para comunicar algo além do intercâmbio

de pseudo-experiências virtuais?� (KAPLÚN, 1999, p. 72).

Isso significa que o uso das tecnologias sempre mais sofisticadas de informação fazem

com que os indivíduos vivam isolados, incomunicáveis e desprendidos de qualquer clausura

territorial/espacial. Além de se fechar, preenchido de informações, mas vazio de diálogo, o

indivíduo da era tecnológica se desvincula culturalmente de seu grupo, sem vincular-se a

nenhum outro, uma vez que não produz nem interpreta o mundo por meio de uma lógica

compartilhada como ocorre nas relações interpessoais.

Page 79: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

71 1

Nesse contexto, a comunicação comunitária entendida como �um instrumento

prioritariamente viabilizador de um �fórum� local com capacidade de definir e gerar

localmente políticas de desenvolvimento� (SANTOS; CALLOU, 1995, p. 46), exerce um

papel preponderante no fornecimento de informações que põe o indivíduo minimamente

informado para que não viva fora dos acontecimentos da sua comunidade. Para isso, é

fundamental que o espaço comunitário seja reconhecido como ponto de encontro e de

aglutinação de membros da comunidade, onde estes possam resolver seus problemas e

desenvolver ações comunicativas no âmbito das manifestações sociais (espontâneas ou não)

que darão as condições políticas a cada grupo (micro) de se colocar na sociedade (macro), e

que sustenta o jogo de consenso e legitimação entre as classes subalternas e as hegemônicas.

Reconhecendo-se como um espaço local-rural no qual se desenvolvem programas de

produção de bens materiais e alimentícios para o sustento da sociedade, a comunicação

comunitária deve habilitar-se a dar conta de um novo cenário mundial, global e informático,

que se revela em diferentes instâncias do cotidiano como o trabalho, o consumo, o lazer.

Podem ser criados, assim, novos hábitos, novas condições de existência, novas possibilidades

de inserção social e também novos contingentes de excluídos. Desse modo, propiciaria outras

formas de compreensão e atuação na realidade. Por exemplo, o desenvolvimento local pode

ser trabalhado como �um esforço de mobilização de pequenos grupos na comunidade, no

bairro, na rua, bem como no distrito, no município, na província�, a fim de resolver problemas

imediatos ligados às questões de sobrevivência econômica, de democratização de decisões, de

promoção de justiça social� (SANTOS; CALLOU, 1995, p. 45).

Isto aponta para uma inserção direta na vida da sociedade moçambicana, o que dá à

comunicação comunitária a tarefa de agir criticamente (no sentido de transformar) sobre as

questões do local numa visão micro, buscando reverter a exclusão social macro (tecnológico e

global). Assim, comunicação comunitária pode, inclusive, atuar como um instrumento

permanente da interpessoalidade e de educação e sensibilização das pessoas no sentido de

engajá-las nas atividades referentes ao desenvolvimento local, municipal, provincial e

nacional. Pode a comunicação comunitária oferecer informações que auxiliam o

desenvolvimento auto-sustentável em prol da comunidade.

Page 80: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

72 1

O desenvolvimento de novas tecnologias de informação e os meios técnicos de

comunicação de massa têm contribuído, de forma acelerada, para o processo de mudanças na

sociedade atual. As tecnologias de comunicação e de informação induzem as pessoas a uma

nova noção de tempo e espaço, fazendo com que os distanciamentos espacial e temporal não

sejam mais um problema para o relacionamento interpessoal. Hoje é possível que as pessoas

participem de determinados eventos sem que seja necessário marcar fisicamente a presença no

local. Trata-se de novas formas de constituir comunidades e desenvolver comunitariamente

ações que visam à troca de informações, conhecimentos, experiências, etc.

Como afirma Peruzzo (2001, p. 6), �a configuração de comunidade não precisa

restringir-se a demarcações territoriais geográficas�. As pessoas podem cultivar

relacionamentos e compartilhar �interesses, identidades etc. também através de ondas

eletromagnéticas, do ciberespaço ou rede de computadores�. O indivíduo, segundo Mafesoli (

PERUZZO, 2001, p. 7), �não é mais uma entidade estável provida de identidade intangível e

capaz de fazer sua própria história, antes de se associar com outros indivíduos, autônomos,

para fazer a História do mundo [...]�, mas sim, ele é, �também, o protagonista de uma

ambiência afetual que o faz aderir, participar magicamente desses pequenos conjuntos

escorregadios�, ao que se chama de tribos. Isto resulta, portanto, no surgimento e

desenvolvimento das comunidades virtuais.

Mas Peruzzo (2001, p.7) nos chama atenção quando diz não ser �conceitualmente

correto chamar de comunidade virtual toda e qualquer forma de agregação eletrônica. Muitas

delas se constituem apenas como redes de contatos ou grupos de interesse sem chegar a

constituírem-se em comunidades�. Algumas delas, especificamente as de interesse social ou

acadêmico (PERUZZO, 2001, p. 12), representam apenas

um modo de existência, um modo de relação, aquele desterritorializado geograficamente, mas não uma forma única e independente de existência, pois é unida em torno de especificidades concretas e com vínculos que

extrapolam o espaço virtual. As relações, no caso das redes de interesses sociais, perpassam o simbólico e se conectam à vida cotidiana. Essa conexão

se dá conforme os propósitos que dão feição à comunidade virtual, seja de investigação científica, de uma escola de samba, um movimento político, um

movimento ecológico e assim por diante

Page 81: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

73 1

Nessas comunidades se desenvolvem ações de cunho comunitário dentro da sua

própria realidade, na qual se forma a partilha, a troca de conhecimentos e a confluência de

experiências e interesses comuns.

A promoção da comunicação comunitária, em algumas regiões do território

moçambicano, parece dar conta do contexto em que as pessoas vivem em localidades rurais e

mesmo semiurbanas, pois procura reverter a situação de exclusão mobilizando os jovens a

aderirem à prática de atividades geradoras de renda e à participação na produção social da

comunicação, evitando que se sintam destituídos do direito de participar da tomada de

decisões e de exercer a cidadania. Há, todavia, uma necessidade de capacitar profissionais

moradores da comunidade de modo a desenvolverem atividades tais como o jornalismo

comunitário, programas radiofônicos para emissoras locais, programas para transmissão em

carros de som e de vídeo, jornais de parede, fotojornalismo, documentários em vídeo,

programas televisivos, informática e internet � no caso dos operadores de organizações

comunitárias.

A capacitação para o uso de recursos comunicacionais aparece como alternativa para

atuar sobre problemas identificados localmente, levando a comunidade a assumir sua

realidade e sua capacidade de auxiliar a sustentabilidade de seu meio. É ainda uma forma de

criar na comunidade o hábito de comunicar-se de fato, em seu sentido mais amplo: trocar

experiências e crescer com elas. Esses são, a nosso ver, alguns desafios para a comunicação

comunitária na era tecnológica � há ainda questões referentes à participação política e à

articulação (acordo) entre os diferentes atores sociais envolvidos nas práticas

comunicacionais.

4.1 O local como espaço de participação comunitária

Pretendemos discutir o termo �local� no contexto da expressão da localidade, a mais

usada em Moçambique desde a Independência Nacional, em 1975. Na visão moçambicana, a

localidade é definida como um espaço territorial delimitado e coberto de um conjunto de

relações baseadas em laços sociais, culturais e até familiares de uma comunidade, onde o

comunitarismo e desenvolve sob orientação de um representante do Estado em nível local, ou

Page 82: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

74 1

por um chefe tradicional reconhecido pelo Estado e que esteja a serviço dessa comunidade

local.

Pela localidade, o indivíduo constrói seu modo de vida, ou seja, organiza sua vida

pessoal e social, suas relações familiares, de trabalho e até políticas. Também é onde ocorre o

processo de desenvolvimento comunitário, pois é palco dos empreendimentos individuais,

familiares e/ou coletivos, rurais agrícolas e não-agrícolas.

A descaracterização do espaço local ou da localidade ocorre desde sua reestruturação

político-administrativa, implantada logo após a Independência nacional, quando foram

incorporados novos componentes políticos, econômicos, culturais e sociais como forma de

�escangalhar�17 o sistema político colonial português que acabara de ser derrotado pelo

movimento de libertação nacional. Ao acontecer isso, o conhecimento das especificidades

locais passou a possibilitar o surgimento de soluções mais eficientes e eficazes para as

demandas sociais, dando mais espaço para a participação cidadã nas ações de

desenvolvimento que advêm da localidade.

No atual contexto de globalização18, é importante observar que devido ao caráter

intenso de aceleração e interconexão das mudanças na sociedade humana, o local, espaço

territorialmente limitado, sofre os reflexos de qualquer atividade global. Esse fenômeno tem

movimentado identidades locais que não são mais fechadas em si mesmas, pois elas se

transformam com base nas tensões geradas pela relação entre o global e o local.

Na situação global contemporânea, o ambiente local movimenta-se sob uma gama de

materiais simbólicos em que várias identidades podem ser formadas e reformadas em

situações diferentes. As memórias coletivas são preservadas, pois refletem contextos sociais e

grupais do passado que, periodicamente, são reforçados pelo contato com outros que

17 �Escangalhar� � expressão mais usada após a Independência Nacional, que significava destruir

completamente o aparelho de Estado colonial para se implantar o novo sistema político revolucionário e

moçambicano. 18 De acordo com Giddens (Kassotche � 1999, p. 22), �Globalização pode, assim, ser definida como a

intensificação das relações sociais à escala mundial, que ligam localidades disiantes de tal maneira que os

acontecimentos locais são informados por acontecimentos que se dão a muitas milhas de distância e vice-versa�.

Page 83: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

75 1

partilham dessas experiências. Essas práticas simbólicas do passado misturam-se com as da

sociedade atual.

No contexto moçambicano, é na localidade que as pessoas exercem mais pressão,

numa ação direta para verem resolvidos seus problemas e supridas suas necessidade. Na

perspectiva de superar essas pressões, os chefes das localidades, os governos municipais e a

sociedade civil tornam-se potenciais agentes de justiça social. De acordo com Dowbor (1994,

p. 35), �é no nível local que se podem realmente identificar com clareza as principais ações

redistributivas�. No mesmo espírito, Marsiglia (1995, p. 4) defende ser necessário fortalecer e

modernizar as estruturas organizativas locais, o que implica dotá-las de ferramentas

específicas, de mais recursos financeiros e de maior profissionalização de sua gestão. Implica

também dotá-las de ferramentas que capacitem a sociedade civil para uma cultura de

participação coletiva nas ações de desenvolvimento, de modo a alcançar uma vida condigna e

sustentável.

Por, no nosso entender, ser a localidade o espaço onde os membros da comunidade

exercem sua participação para solucionar seus múltiplos problemas, faz-se necessário que o

Estado, por ser seu dever, envide esforços para responder às necessidades da sociedade local.

Feito isto, os membros da comunidade local se sentirão mais livres para prestar sua

contribuição para o seu próprio desenvolvimento, exercendo e praticando uma cidadania

participativa na sua própria comunidade. Afinal, como refere Peruzzo (1998, p. 278), citando

Demo, refere que �[...] a participação tem como objetivos: a autopromoção, a realização da

cidadania, a definição das regras do jogo, o controle do poder, a moderação da burocracia, a

prática da negociação e a construção de uma cultura democrática. Nós acrescentamos a

abertura e manutenção de canais e a socialização da informação e do conhecimento�.

É verdade que muitos fatores influenciam na organização local, mas o que mais se

destaca é o campo da comunicação social. Os meios de comunicação social atuam e

promovem a coesão social, e exercem permanente influência na sociedade para que esta

encontre mecanismos de superar dificuldades locais. Daí que as rádios e televisões

comunitárias que se multiplicam rapidamente por várias localidades e distritos do país, apesar

de ainda não contarem com uma regulamentação específica para o setor, constituem uma

resposta significativa das comunidades locais organizadas na luta pela liberdade de expressão

e pelo direito à voz. Essas rádios e televisões comunitárias desempenham o papel fundamental

Page 84: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

76 1

de informar, formar, educar e mobilizar as populações locais para ações de desenvolvimento e

combate à pobreza.

4.2 Comunicação e participação comunitária nos programas de desenvolvimento

A comunicação participativa não constitui nenhuma novidade nos nossos dias. Ela

vem sendo praticada e promovida há bastante tempo em vários campos � recebendo

considerável atenção nos países industrializados �, principalmente nos da educação de

adultos, do desenvolvimento comunitário e da comunicação para o desenvolvimento.

Algumas organizações internacionais têm se beneficiado da comunicação participativa e da

pesquisa como principais componentes de trabalho de projetos de desenvolvimento.

Tufte, citando o modelo de comunicação participativa desenvolvido por Jean Servaes,

foca quatro princípios importantes:

�O mundo participativo encara pessoas comuns como agentes-chave de mudança ou

participantes para o desenvolvimento e, por essa razão, focaliza nelas suas

aspirações e resistências�. O desenvolvimento é destinado a libertar e emancipar

pessoas e, ao fazer isso, as capacita a reconhecerem suas necessidades básicas.

Culturas locais são respeitadas.

�O modelo participativo enxerga pessoas como o núcleo de desenvolvimento�.

Desenvolvimento significa levantar os ânimos de uma comunidade local para que

sinta orgulho de sua própria cultura, intelecto e ambiente. Desenvolvimento objetiva

educar e estimular pessoas para serem ativas nos progressos pessoais e coletivos,

enquanto mantêm uma ecologia equilibrada. Participação autêntica, embora

amplamente abrigada na literatura, não faz parte do interesse de todos. Devido a

suas concentrações locais, os programas participativos não são facilmente

implementados, nem são altamente previsíveis ou prontamente controlados.

�O modelo participativo enfatiza a comunidade local mais do que o Estado-Nação, o

universalismo monístico mais do que o nacionalismo, mais a espiritualidade do que

Page 85: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

77 1

o humanismo secular, mais o diálogo do que o monólogo, e mais a emancipação do

que a alienação.

�Em essência, desenvolvimento participativo envolve o fortalecimento de

instituições e processos democráticos no nível comunitário e a redistribuição do

poder� (TUFTE, 2001, p. 16).

Os quatro princípios estabelecidos por Servaes sobre o estudo de Soul City sintetizam

explicitamente o objetivo da comunicação participativa � o de liberar e emancipar pessoas

para que estejam capacitadas a satisfazer suas necessidades básicas e encontrar a democracia

fortalecida. Trata-se de um objetivo com o qual muita gente pode concordar embora os

métodos e as estratégias guardem diferenças entre si.

Ainda citando Servaes (2001, p. 18), Tufte apresenta sete princípios para �outro

desenvolvimento� que deve ocorrer com base nas necessidades básicas, endogeneidade,

autoconfiança, ecologia, sustentabilidade, democracia participativa e mudanças estruturais

sustentáveis. Ele esclarece que a experiência de Soul City19 ocorre em sintonia com os sete

princípios apresentados e está ligada ao paradigma de comunicação comportamental

vinculado à mudança social que �deve ser realizada conjuntamente com a mudança do

comportamento individual de cada membro da comunidade�.

A natureza interativa de uma comunicação participativa é reconhecida hoje cada vez

mais. A comunicação participativa é vista como meio interativo fundamental que deve ser

feita de forma a envolver os membros da comunidade na solução de seus problemas coletiva e

construtivamente, compartilhando os meios de utilidade comum.

É importante referir que �participação comunitária� tem significados diferentes para

diferentes pessoas. Não existe uma fórmula pronta, modelo pré-estabelecido e acabado para se

alcançar a participação comunitária. Há, sim, processos, mecanismos e tempos diferentes que

19 Soul City (Cidade da Alma) � Instituto de Comunicação para Saúde e o Desenvolvimento (IHDC) é o

nome da organização não-governamental (ONG) de mídia e saúde por trás da ampla iniciativa multimídia de

informação dirigida e de treinamento ainda em curso e orientada para esse fim, que trabalha a favor da mudança

social na sociedade sul-africana.

Page 86: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

78 1

é preciso ter em consideração. Cada comunidade é um caso singular e desenvolve seu próprio

processo para ser o sujeito ativo do desenvolvimento.

Um processo de comunicação, acoplado à propagação dramática da democracia,

trabalha em favor da tomada de decisão mais participativa em nível local e da comunicação

como parte do processo do seu desenvolvimento. Simultaneamente, alguns especialistas da

comunicação para o desenvolvimento promovem o conceito de participação comunitária

como um processo educacional em que as comunidades, com o auxílio dos realizadores de

desenhos animados e dos facilitadores de seminários sobre desenvolvimento local, mobilizam

as pessoas a identificarem os problemas que dificultam o desenvolvimento da sua própria

comunidade.

O desenvolvimento participativo e o processo de motivação da comunidade têm dado

grande impulso à evolução da participação dos cidadãos na comunicação para o

desenvolvimento. Isso contribui para o reconhecimento, por parte de especialistas e

planejadores dos processos de desenvolvimento nos países do Terceiro Mundo, de que a

transformação de uma sociedade liberal representada numa sociedade participativa passa

forçosamente pela participação pessoal, e esta passa forçosamente pela comunicação.

Portanto, de acordo com Peruzzo (1998), em consonância com Demo (1988), a participação é

conquistada e não doada. Dessa forma, não pode �haver participação dada, doada,

preexistente. [Ela] somente existe na medida em que a conquistamos, num contexto de

esforço conscientizado das tendências históricas contrárias� (PERUZZO, 1998, p. 77).

A conquista do direito de participar coletivamente da tomada de decisões envolve

todos os cidadãos, isto é, homens e mulheres, em prol do desenvolvimento da sua

comunidade, da sua região e do seu país. Em Moçambique, por exemplo, as mulheres

constituem mais de metade da população. Elas participam do processo de desenvolvimento

numa miríade de formas, mas sua contribuição para as mudanças socioeconômicas e políticas

continua a ser inadequadamente reconhecida e, em grande parte, sub-avaliada pela sociedade.

Fatores culturais, sociais e econômicos têm motivado debates públicos por meio da rádio e da

televisão, conferindo, assim, à comunidade a possibilidade de fazer uma auto-avaliação mais

completa, mais realística e, principalmente, proporcionar dados ao governo acerca da vida na

comunidade.

Page 87: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

79 1

Como diz Franco (2002, p. 55), �quando as pessoas de uma localidade são

transformadas em beneficiárias passivas e permanentes de programas estatais assistenciais

que chegam até elas verticalmente, por meio de uma relação patrono-cliente [em que o

patrono é o deputado fulano, amigo do governador beltrano, amigo ou familiar do ministro

cicrano], reduzem-se as chances de aquela comunidade local se desenvolver�. Isso porque,

segundo Franco (2002, p. 55), �o clientelismo, além de não favorecer o desenvolvimento do

capital humano, é um dos modos mais eficazes de destruição do capital social. Ao verticalizar

as relações e desestimular as conexões horizontais, ao desmobilizar a criatividade e a

inovação (capital humano) para enfrentar coletivamente os problemas, ao substituir a

colaboração pela competição por recursos exógenos e ao impedir que essa colaboração se

amplie e se reproduza socialmente (capital social)�, o sistema político extermina os fatores

necessários para que aquela comunidade possa se desenvolver.

Trata-se, portanto, de uma questão política, pois esta, muitas vezes impede as pessoas

de participarem de assuntos que lhes dizem respeito. De acordo com Franco (2002, p. 56), as

pessoas precisam viver num ambiente que lhes oferece melhores condições, individuais ou

coletivas, de cooperação e de construção de um ambiente social são e democrático; precisam

que lhes seja facultada a capacidade de sonhar, de perseguir os próprios sonhos e fortalecer

sua capacidade de viver em comunidade, isto é, de compartilhar os seus sonhos e de cooperar

na busca de objetivos comuns, usando seus próprios recursos para a solução de problemas

locais, intercomunicando-se horizontalmente, democratizando decisões e procedimentos e

inaugurando novos processos participativos de caráter público.

Conforme referimos em outros momentos, a participação comunitária é coerente com

o desenvolvimento autocentrado de maneira descentralizada e �de baixo para cima�, e permite

que os beneficiários, que são os melhores conhecedores das suas necessidades,

potencialidades e circunstâncias de vida, se envolvam diretamente em todas as ações que

visem ao seu desenvolvimento. Em alguns casos, é aconselhável que os membros da

comunidade sejam tratados de maneira igual e coletiva, e não individualmente. Nesse caso, o

individualismo desaparece e prevalece o coletivismo, isto é, o �nós� e não o �eu�; é a

consolidação da participação comunitária como um processo, uma interação contínua, um

diálogo sem tempo limite entre os membros da comunidade, uma partilha do que é de

Page 88: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

80 1

interesse comum. Citando Demo, Peruzzo (1998, p. 75) sustenta que �a participação não é

dada, é criada. Não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência. A

participação precisa ser construída, forçada refeita e recriada�.

Existem vários exemplos de participação comunitária em atividades de

desenvolvimento realizadas em Moçambique, dos quais podemos destacar a experiência da

comunidade da Zona Verde da cidade de Maputo, que deu certo. Essa comunidade �

constituída de famílias que majoritariamente vivem da produção de verduras e legumes e da

criação de frangos e suínos �, decidiu, no início da década de 1980, sob liderança do padre

Prosperino, da Igreja Católica, organizar-se em uma �Cooperativa de Produção das Zonas

Verdes� para, com os produtos desta, abastecer as cidades de Maputo e Matola. Porque a

cooperativa mostrava-se auto-sustentável, outras cooperativas das cidades de Maputo e

Matola resolveram se juntar e colher experiências no ramo de cooperativismo, o que resultou

na criação da União Geral das Cooperativas. Hoje, trabalhando como uma rede nacional de

cooperativas, a União Geral das Cooperativas congrega mais de 100 agremiações do gênero e

possui, dede o início da década de 1990, uma fábrica de abate de frangos instalada na cidade

de Maputo. Para melhor transmitir conhecimentos e experiências sobre novas tecnologias de

produção, a união envolveu parte de seus membros em atividades de formação em várias

áreas afins, inclusive na de comunicação social. Como resultado dessa formação, solicitou e

lhe foi atribuída a exploração da freqüência FM 99.7 kHz para rádio comunitária que cobre

um raio de aproximadamente 45 km.

4.3 A agricultura familiar contribuindo para o desenvolvimento local

Neste sub-item pretendemos contextualizar brevemente a agricultura moçambicana e as

possibilidades de um novo desenvolvimento rural que o país concorre, dando enfoque maior

ao desenvolvimento local sustentável. Isso porque as rádios comunitárias aqui analisadas

encontram-se, na sua maioria, situadas nas áreas rurais, onde, como referimos no capítulo I,

há maior concentração populacional.

Acredita-se, como premissa, que para enfrentar os desafios do desenvolvimento local

sustentável, deve-se centrar esforços na participação dos produtores e na descentralização

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81 1

sistemática dos aparelhos decisórios. Mas seria necessário reformular políticas públicas de

acordo com as peculiaridades locais regionais, bem como priorizar a promoção de atividades

geradoras de emprego que assimilassem e incorporassem tecnologias e conhecimentos que

maximizassem o aproveitamento de todos os recursos � de energéticos a naturais e humanos �

, e introduzir novos produtos para os mercados interno e externo. Assim, a participação e a

descentralização sistemática dos aparelhos decisórios do setor que superintende a agricultura

contribuiriam bastante para a criação de incentivos agrícolas adequados às reais necessidades

locais.

A valorização da cultura local, bem como de soluções imediatas e mais condizentes

com a visão de mundo dos produtores familiares, poderia defender o saber dos atores locais

do desenvolvimento; aumentaria sua eficácia, exigindo a presença e a formação continuada de

extensionistas rurais, os quais exercem um papel autocrático da intermediação entre atores de

saberes diferenciados. Como afirma Oakley (1992, p. 9), a extensão �é, essencialmente, o

meio através do qual novos conhecimentos e idéias são introduzidos nas áreas rurais, de modo

a gerar mudanças e melhorar as vidas dos produtores agrários e suas famílias�. Para Oakley

(1992, p. 11), �extensão� é um termo aberto a uma grande variedade de interpretações, é um

conceito dinâmico no sentido de que a sua interpretação está em constante mudança; não é,

por isso, um termo que pode ser definido com precisão, mas que descreve um processo

contínuo e combinável que visa ao desenvolvimento das comunidades rurais.

Dessa forma, uma proposta de desenvolvimento local envolve o agricultor familiar e

contempla o diálogo, de modo que o local não se torne um ponto isolado e os produtos não

sejam mercadorias definidas pela circulação em redes exteriores e desconhecidas dos

produtores. O conhecimento limitado de quem se encontra numa das pontas do processo força

a um descompasso entre quem produz e quem compra ou intermedeia o produto. A

fragmentação do processo tende a isolar o agricultor e torná-lo um mero receptor de novos

conhecimentos. Essa visão crítica da proposição do desenvolvimento local sustentável mostra

que os limites da sustentabilidade do agricultor ainda não estão eliminados, devido às

condições políticas, econômicas e culturais nacionais, que dificultam esse processo.

Dados do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural indicam que a

agricultura moçambicana é responsável por cerca de 50% da produção de alimentos do país,

Page 90: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

82 1

além de corresponder a aproximadamente 35% da economia nacional e por 20% do PIB

(MADER, 2003). Aqui há que ser destacada a agricultura familiar, que assume um papel

preponderante na economia do país, apesar de enfrentar dificuldades decorrentes de

necessidades locais em matéria de insumos e tecnologias de produção e dos riscos de morte

que os produtores rurais correm, principalmente nas áreas mais afetadas pelas minas terrestres

deixadas pela guerra civil.

Pode-se dizer que a agricultura familiar depara-se com realidades nem sempre

promissoras, como: a interpretação de que a agricultura familiar é declinante economicamente

e, portanto, pouco importante para políticas públicas de desenvolvimento; a queda real dos

preços dos produtos primários, que não estimula a busca por soluções estruturais para o setor;

dispersão e heterogeneidade das populações rurais, limitando ou dificultando a

implementação de melhorias de infra-estrutura e serviços e a maior articulação dos interesses

dos produtores rurais; o forte viés urbano, que acaba desvalorizando o meio rural, e a grande

redução da renda agrícola; a insuficiente articulação institucional em benefício dessa

agricultura e a falta de racionalização das diversas fontes e recursos, que poderiam ser

direcionados dentro do setor; a insuficiência de meios de transporte para o escoamento dos

produtos agrícolas para os centros comerciais da região e do país; a inexistência de ações de

apoio à geração de renda agrícola no meio rural; o baixo acesso dos produtores familiares à

educação formal e informal, o qual dificulta a assimilação das tecnologias modernas de

produção; o despreparo dos produtores rurais e familiares para se inserirem em um novo

contexto de alta competitividade e de busca de produtos de qualidade para a comercialização

nacional e internacional.

Na prática, esses desafios se manifestam nas necessidades e nas soluções

contraditórias, difíceis de serem respondidas apenas pelas normas da agricultura globalizada e

por políticas públicas compensatórias para o setor. Do ponto de vista das soluções internas, os

desafios são de aumentar a produção de alimentos e ao mesmo tempo gerar novas

oportunidades de trabalho e renda para os produtores rurais; promover a reconversão do

êxodo rural e dos agricultores em processo de exclusão do meio produtivo; defender os

interesses nacionais e dos agricultores diante dos mercados regionais e nacionais. Os

agricultores familiares, principalmente os excluídos do mercado agrário, defrontam-se com

Page 91: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

83 1

dificuldades agravadas pela carência de oportunidades de trabalho nas cidades e no meio

rural.

De acordo com Bordenave (1988, p. 32), o modelo de difusão do moderno sistema de

agricultura, coloca �forte ênfase na comunicação, tanto das informações necessárias para

avaliar e aplicar inovações, quanto das mensagens motivadoras e persuasivas que promovem

uma atitude favorável a considerar mudanças no sistema de produção. A noção de que o

modelo de Comunicação Rural centrado na difusão de tecnologia e concebido em gabinetes

de organizações governamentais ou centros de pesquisa não foi capaz de contribuir para a

superação da pobreza na maioria da população campesina levou este modelo a sofrer muitas

críticas...�. Na opinião de Callou e Santos (1995, p. 43/47), o modelo de comunicação rural

construído com base na perspectiva do desenvolvimento local �sai do patamar genérico das

interações entre organizações governamentais e não-governamentais, para legitimação de

políticas agrícolas ou transformações estruturais, torna-se um instrumento prioritariamente

viabilizador de um �fórum� local com capacidade de definir e gerar localmente políticas de

desenvolvimento�. Assim, a Comunicação Rural contempla aspectos fundamentais das

populações rurais no que diz respeito às formas de organização da produção local, bem como

ao uso e aproveitamento dos meios de comunicação existentes na comunidade pelas

populações locais na divulgação dos seus feitos cotidianos, tanto produtivos como culturais.

Frente à concorrência de países vizinhos de Moçambique e do mercado internacional,

os agricultores têm dificuldades de buscar soluções dentro de um esquema mecânico ou

simplificado de análise comumente utilizado pelos formuladores de políticas públicas. As

dificuldades de acesso às áreas aráveis levam o produtor rural a abandonar o campo à procura

de emprego na cidade ou vila, onde, por ter pouca ou nenhuma escolaridade e pela falta de

conhecimentos tecnológicos, acaba ocupando um lugar marginal e passa a mendigar o pão de

cada dia para a sua sobrevivência. Em face dessa situação, a formulação de políticas públicas

e a discussão sobre sustentabilidade social e econômica da agricultura familiar moçambicana

e suas perspectivas a médio prazo, dentro ou fora das propostas de políticas de

desenvolvimento rural constantes no Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta

(Parpa), tornam-se uma necessidade básica.

Page 92: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

84 1

De acordo como o Parpa (2000, p. 18), as zonas rurais e as atividades agro-silvo-

pecuárias, por concentrarem a larga maioria da população � de produtores e de pobres �,

seriam prioridade inquestionável ao longo da governação de 2000 a 2004. As iniciativas e

ações dessas populações e desses produtores deveriam ser viabilizadas, inovadas e sujeitas às

mudanças estruturais requeridas no longo prazo, como condição para a redução substancial da

pobreza absoluta e da vulnerabilidade conseqüente dessas populações. A ação nessa área não

se circunscreveria a ela própria, pois é profundamente interligada ao desenvolvimento

humano, de infra-estruturas, de mercados e até de serviços financeiros.

As políticas de desenvolvimento rural deveriam apresentar amplo enfoque no

incentivo agrícola com vista a introduzir maior variedade de produtos no mercado. Deveria,

ainda, incentivar a criação de projetos de irrigação, agropecuária e agroindústria, isto é, de

políticas agrícolas com base em produtos para o abastecimento dos mercados local, regional e

nacional, aliviando, com isso, a preocupação do governo em conseguir alimentos para a

população, seja via importação, seja via apelos por apoio internacional. Assim, o Estado

moçambicano envidaria esforços para resolver especificamente situações que demandassem

necessariamente recursos importados.

No período colonial, o desenvolvimento rural era medido pelo nível crescente da

produtividade agrícola, pelo aumento do mercado exportador e pela balança comercial. O

modelo produtivista impunha uma fórmula e, para atender a ela, apelava-se à ciência, à

tecnologia e ao capital. Os resultados econômicos e políticos prevaleciam em relação aos

sociais e o balanço histórico revela os limites desse enfoque.

Um dos limites do modelo produtivista foi não atentar para os problemas ambientais

decorrentes da ação humana. Antes, o problema ambiental na agricultura não era muito

conhecido pela sociedade e encontrava-se circunscrito a um ambiente seleto composto por

uma fração minoritária de técnicos agrônomos e de profissionais ligados a entidades

ambientalistas. Depois da Independência Nacional, as preocupações com as questões

ambientais gradativamente foram sendo introduzidas na sociedade, especialmente pela mídia

e pelas organizações não-governamentais de defesa do meio ambiente, até que o governo

moçambicano criou um ministério para coordenar essa área.

Page 93: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

85 1

As conseqüências danosas do modelo produtivista, baseado na agricultura tradicional,

acabavam reduzindo os ganhos resultantes da produção rural. A importância dada à busca por

sistemas de produção adequados à agricultura familiar era reduzida, o que não permitiu a

capitalização do produtor rural pela produção primária nem a minimização de possíveis

impactos negativos no meio ambiente. As alternativas para as questões sociais no campo, que

deveriam ser identificadas a partir do próprio meio rural, foram permanentemente

desconsideradas.

A partir de meados da década de 1980, tem se revelado um novo espaço rural � o

semi-rural � com novas características, e, com isso, já não é tão fácil determinar a fronteira

entre a atividade rural e a urbana. Devido à escassez de alimentos e ao custo de vida elevado

nas cidades e vilas, boa parte da população urbana e semi-urbana acorre às áreas rurais

circunvizinhas à procura de espaços para a prática da agricultura familiar. Grande parte dessa

camada da população é constituída de trabalhadores simples, funcionários públicos e privados

e grandes executivos que, durante a semana permanecem nos seus locais de trabalho e nos

finais de semana e feriados pegam em enxadas para cuidar de suas pequenas ou médias

machambas nas áreas rurais. Assim, muitos acabam se sentindo forçados a ter duas

residências: uma na cidade ou vila e outra no campo onde se localiza sua machamba. Outros

recorrem à contratação de pessoas que precisam trabalhar e ganhar algum salário para garantir

o pão à suas famílias.

Pode-se dizer que, por força de circunstâncias que o país atravessa desde o final da

década de 1970, as quais impediram o crescimento econômico tanto familiar quanto local,

regional e/ou nacional, há hoje o que podemos chamar de �casamento� entre os espaços rural

e urbano. O cidadão que ontem desprezava o trabalho do produtor rural é o mesmo que hoje

trabalha na cidade e no campo, como forma de levar para a panela da família mais arroz, mais

amendoim, mais mandioca, mais milho, mais feijão, etc., e deixar uma parte do salário mensal

que ganha na empresa para as despesas com a saúde da família, a escola dos filhos, os gêneros

de primeira necessidade que não são produzidos no campo, etc. Por outro lado, pode-se

concluir que o �executivo-agricultor� (aquele que durante a semana trabalha na cidade e no

fim de semana e feriados, no campo) e o produtor agrícola propriamente dito (aquele cuja

renda depende exclusivamente da produção agrícola, isto é, o camponês) comungam em

novas formas da atividade agrícola como uma alternativa ao êxodo rural, ao desemprego

Page 94: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

86 1

urbano e ao padrão de desenvolvimento rural como forma de superar as necessidades

alimentares básicas da família.

A experiência moçambicana acima referida revela o contrário do que Grazino da Silva

e Del Grossi (1997, p. 8) expressam sobre as características estruturais do agricultor de tempo

integral e do agricultor do tempo parcial. Para eles, a característica fundamental do agricultor

de tempo parcial

[...] é que ele não é mais somente um agricultor ou um pecuarista: ele

combina atividades agropecuárias com outras atividades não-agrícolas, dentro ou fora de seu estabelecimento, tanto nos ramos tradicionais urbano-industriais, como nas novas atividades que vem se desenvolvendo no meio rural, como lazer, turismo, conservação da natureza, moradia

De acordo com esses autores, o fato de as pessoas viverem na área rural não

necessariamente significa que elas exercem suas atividades naquele ambiente. Nos dias de

hoje, a tendência é urbanizar a área rural, onde gradativamente são introduzidos valores

urbanos em benefício do homem rural. Feito isto, o agricultor de tempo parcial com

conhecimentos tecnológicos acaba prestando outros serviços técnicos à população,

gratuitamente ou em troca de algum rendimento.

Os espaços começam a ser vistos como um mundo rural diferente e novo e como lugar

de produção e consumo da sociedade urbano-industrial, e o campo pode tornar-se referência

de um �bom lugar de vida�. Novas possibilidades de exploração do meio rural têm surgido no

campo, como a oferta de novas formas de lazer às populações citadinas associadas ao contato

com a natureza � atividades pesqueiras, pousadas, áreas verdes para caminhadas, atividades

econômicas ligadas ao turismo ecológico ou rural, etc.

Constata-se, portanto, um novo processo de sustentação do desenvolvimento, em que o

rural e o urbano passam a ser vistos como uma unidade em um espaço social a ser viabilizado.

Elementos da cultura local traduzem-se em novos valores, hábitos e técnicas, criando um

movimento de dupla direção entre esses pólos, e a localidade torna-se a referência espacial

para um universo de relações sociais específicas.

Page 95: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

87 1

Nos últimos anos, verifica-se, de maneira geral, um redimensionamento da estrutura

social de muitas localidades que passaram a ter estatuto de município e, conseqüentemente,

sensível declínio da hegemonia da agricultura no meio rural. O lugar e o papel das unidades

de produção familiar deixam de ser pensados apenas sob o ângulo das relações de produção

agrícola e, a nosso ver, reforça-se a necessidade de rediscutir a importância e o futuro da

agricultura familiar.

Os economistas têm destacado a importância de escalas de produção adequadas à

economicidade dos empreendimentos agrícolas para que sejam competitivos nos mercados

globalizados. Mas também se sabe que, no Moçambique dos anos 1980 e 1990,

empreendimentos agrícolas de grandes dimensões, com créditos oficiais subsidiados pelo

então Banco Popular de Desenvolvimento fracassaram devido a dificuldades dos agricultores

beneficiados de aplicar os recursos resultantes dos financiamentos adquiridos dos créditos,

bem como de gerir seus empreendimentos.

Em razão de um conjunto de problemas e soluções que transcendem as políticas

agrícolas tradicionais, emerge a necessidade de reconceitualização do meio rural. Tanto para o

governo como para a sociedade, o desafio passa a ser a busca de soluções para a melhoria das

condições da agricultura, envolvendo garantia de emprego e renda para os trabalhadores

urbanos e rurais (GRAZIANO DA SILVA; DEL GROSSI, 1997, p. 5.).

O desenvolvimento local só pode ocorrer quando os produtores rurais, coletivamente,

entenderem a importância da criação de associações ou cooperativas agrícolas, ação que deve

resultar de movimentos espontâneos das diferentes comunidades. Essas associações ou

cooperativas devem ser criadas como entidades civis sem finalidade de lucro, fundamentando-

se na colaboração recíproca a que se obrigam seus associados, e os primeiros investimentos na

área econômica precisam centralizar suas atenções nos associados que exploram os serviços

coletivos agrícolas.

Pela associação, os produtores podem adquirir individualmente equipamentos, animais

e insumos, o que, somado à utilização das máquinas coletivas, permite a exploração intensiva

das terras. A maior parte dos recursos obtidos pelos financiamentos coletivos deve ser

Page 96: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

88 1

destinada à aquisição de equipamentos para a preparação do solo e veículos para o transporte

dos produtos.

Além de dedicarem-se às atividades de produção coletiva, os agricultores teriam

tempo suficiente para lavrar suas machambas familiares, produzindo o necessário para o

consumo caseiro e deixando o resultado da produção coletiva para o pagamento da dívida

assumida pela associação ou cooperativa. Pode-se, então, dizer que o movimento associativo

dos pequenos produtores pode vir a desencadear o surgimento de pequenas empresas coletivas

com capacidade de produzir bens e serviços dentro de uma lógica de modernização e

acumulação coletiva de produtos.

Constitui ousadia nossa dizer que o associativismo agrário nos moldes acima referidos

pode ser uma boa alternativa para a superação da pobreza absoluta em Moçambique. Para

tanto, faz-se necessário que o Estado, em colaboração com as ONGs envolvidas nas

atividades de promoção do desenvolvimento local/rural, incentive a criação de associações

nacionais que assegurem o desenvolvimento duradouro de cada comunidade, por meio da

produção de conhecimentos técnicos e tecnológicos e da definição de estratégias e propostas

metodológicas de apoio que contribuam para o intercâmbio de idéias e para o fortalecimento

da agricultura familiar.

5. Conceito e elementos do desenvolvimento local sustentável

O desenvolvimento local constitui, no nosso entender, uma das bases fundamentais do

desenvolvimento nacional, e este não teria uma verdadeira política sem incorporar essa

questão, uma vez que é no nível local que se estabelecem relações com a base social e

organizativa da comunidade; essa perspectiva tem como princípio um novo conceito de

representatividade política e tem, no líder comunitário, no agricultor familiar e no produtor

rural, sujeitos históricos do cenário do desenvolvimento sustentável local. Para redimensionar

as discussões das questões locais, devem ser alterados tanto os colegiados de representação

como as estratégias das instituições de assessoria e assistência técnica aos produtores locais.

Na perspectiva do desenvolvimento sustentável local, estes devem se colocar como

Page 97: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

89 1

mediadores e estimuladores das necessidades e demandas dos agricultores familiares, bem

como de todos os membros da comunidade, valorizando o conhecimento local.

Assim, cabe ao setor da agricultura e desenvolvimento rural realizar uma reforma das

instituições que superintendem a área de extensão e assistência técnica aos produtores, para

que possam desempenhar eficazmente o seu papel de formar e gerir os serviços de extensão

rural como um sistema participativo e inovador de transmissão de técnicas agrárias

adequadas. Isso implica uma mudança de perfil do extensionista, tornando-o elemento

formador das comunidades em matéria de assimilação e implementação das políticas de

desenvolvimento econômico e social rural. Implica, também, participação direta da população

rural em ações específicas que lhes garantam autonomia local na tomada de decisões sobre os

seus próprios problemas, com base em suas tradições e cultura.

No contexto moçambicano, a inclusão de sistemas integrados de produção para as

unidades familiares procura substituir os modelos de transferência de tecnologia para

desenvolvimento de produtos, até então encaminhados pela extensão rural tradicional, em

apoio às médias e grandes propriedades. A padronização da produção agrícola e pecuária,

pelos grupos de produtores familiares organizados em associações ou cooperativas, passa a

exigir posturas de acompanhamento permanente, além de novas linhas de ação e de novos

modelos de gestão dos negócios familiares.

Mendes (2003, p. 2) diz que a humanidade de hoje tem a habilidade de desenvolver-se

de forma sustentável, entretanto é preciso garantir as necessidades do presente sem

comprometer as habilidades das futuras gerações de encontrar suas próprias necessidades.

Para esse autor, a comunicação comunitária deve ser implementada e reforçada como um dos

principais impulsionadores do desenvolvimento sustentável local, em que os membros da

comunidade participam dos processos de decisão, implementação, controle e avaliação das

atividades. Isso passa pela necessidade de que os meios de comunicação comunitária se

assumam como instrumentos cuja finalidade é transmitir idéias, informações, conhecimentos

e experiências sobre produção, educação, saúde e segurança das pessoas envolvidas no

processo produtivo, a fim de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da comunidade

local e das circunvizinhas.

Page 98: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

90 1

Para se atender a essas exigências, promover a capacitação da população rural torna-se

um grande imperativo. No entanto, a educação e a conscientização, compreendendo

atividades que permeiam todos os processos que envolvem a vida da comunidade, do

agricultor comunitário20 e da sua família, constituem bases para a construção da consciência

coletiva e para o estabelecimento de objetivos comuns na localidade. Isso passa pela

necessidade de identificar as necessidades de treinamento e capacitação que promovam a

revisão do papel das instituições locais, o exercício concreto de parcerias e a apropriação dos

resultados das atividades de acumulação de conhecimentos realizadas pela própria

comunidade.

No nosso entender, a capacitação e a educação são parte do desenvolvimento local

sustentável devido ao seu caráter formativo de troca e de produção de conhecimentos, voltado

para a prática social cidadã. Esse processo deve ser oferecido à comunidade permanentemente

e suas metodologias, adequadas às necessidades locais. Assim, devem estar voltadas para o

desenvolvimento de múltiplas atividades, dentro e fora do programa de produção

agropecuária. Paralelamente, deve ser incentivada a participação da população local nas

tomadas de decisões e na gestão das políticas de desenvolvimento rural e agrário.

Os processos educativos de formação e capacitação poderiam contar com instrutores e

animadores culturais que atuassem no nível local, onde extensionistas e agentes de

desenvolvimento teriam a missão de formar os multiplicadores dos núcleos de capacitação

local, oferecendo ensinamentos teóricos e práticos relacionados aos projetos de

desenvolvimento sustentável. A metodologia seria de treinamentos de curta duração e de

caráter intensivo, tendo como público-alvo produtores, membros das famílias e lideranças

formais � tais como membros dos conselhos e das assembléias municipais, líderes

comunitários e sindicais, líderes de associações, de cooperativas, de ONGs e das organizações

democráticas de massas existentes no local.

Por outro lado, ações de implementação de programas e de gestão sociais, promovidas

por políticas públicas e instituições financeiras, deveriam estabelecer recomendações para

maximizar os benefícios e minimizar os impactos negativos de gestões paralelas de políticas,

20 Agricultor que desenvolve localmente sua atividade de produção agrícola.

Page 99: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

91 1

principalmente as de produção agropecuárias. A articulação dessas políticas passa por isolar a

perspectiva departamental e disciplinar para concentrar-se na comunidade local como espaço

social produtivo e com potencialidade auto-sustentável.

Para tanto, a ciência, a tecnologia, os recursos financeiros e humanos devem estar

colocados à disposição das comunidades rurais e locais por meio de um processo de

planejamento participativo, esclarecido e dinâmico, em que a comunidade estabeleça suas

metas e defina as etapas do envolvimento dos diversos setores produtivos e da população

local. O ponto central deveria ser o desenvolvimento de capitais humanos e sociais

disponíveis, vistos não como beneficiários de políticas sociais compensatórias, mas como

atores sociais, cidadãos participantes do processo de renovação e construção de uma nova

sociedade.

Hélder Mutéia21 sustenta que �o estímulo ao processo de recuperação das cooperativas

e micro-empresas ou outras unidades de produção agrícola e agroindústria, deveria ser

introduzido como preceito da sustentabilidade local, regional e nacional�. Para Mutéia, isso

implicaria, também, �desenvolver inovações dentro de um processo simples que exigiria às

instituições públicas e privadas assumirem um papel ativo no contato com as comunidades

locais�. Por outro lado, significaria introduzir-se uma geração de conhecimentos úteis que

estejam em condições de oferecer alternativas técnicas para maiores rendimentos físicos e de

qualidade do produto dessa comunidade. Por exemplo, �o controle biológico de pragas e de

doenças na comunidade, com ênfase na linha da biotecnologia, tornaria os indivíduos menos

dependentes de insumos químicos e mais resistentes às doenças epidemiológicas�. Podem ser

privilegiadas combinações de manejo com padrões de uso da terra que evitam o esgotamento

e que levam à melhoria da fertilidade.

Dessa maneira, as estratégias para o estímulo à produção e ao mercado

compreenderiam a comunidade como um local que busca, ela mesma, sua auto-sustentação

com base em seus próprios processos produtivos. A compra e venda dos produtos locais pelas

próprias comunidades e/ou instituições constituíam um dos critérios de valorização desses

21 Ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural, em entrevista concedida ao autor no dia 19 de

janeiro de 2003, em Maputo.

Page 100: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

92 1

produtos. Ao mesmo tempo, as instituições públicas deveriam assumir o papel de regulador de

uma economia desigual, incentivando a aquisição de produtos e buscando novos mercados no

país e no mundo.

A promoção de uma dinâmica econômica interligada de base local, no nosso entender,

deveria estimular a diversidade e a complementaridade de empreendimentos, de forma a gerar

uma cadeia sustentável de iniciativas. A presença de agentes de desenvolvimento

governamentais, empresariais e da sociedade civil constituiria fator indispensável para a

promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável. Para isso, os instrumentos de

planejamento das ações locais devem considerar as diferentes políticas que se entrecruzam,

promovendo o adensamento de políticas públicas locais e regionais e fazendo com que os

programas sejam complementares e atuem com a maior organicidade possível.

No cinturão do grande Maputo, junto ao rio Infulene, a comunidade local desenvolve

ações integradas de produção como forma de aproveitar os recursos materiais e humanos,

concentrando-os num mesmo espaço, de modo a oferecer oportunidades não apenas

quantitativas, mas também qualitativas para todos os membros da comunidade. Para isso,

através da União Nacional das Cooperativas (UNAC), procura-se disponibilizar uma base de informações espacialmente desagregada, para permitir uma análise apurada da economia e da realidade social em nível

local. Da mesma forma, procura-se desenvolver e aplicar estratégias de comunicação social que possam mobilizar comunidades, despertando-as para as suas possibilidades e para as vantagens de um processo mais solidário de desenvolvimento comunitário sustentável.

22

5.1 O desenvolvimento local sustentável num país subdesenvolvido

Moçambique é tido como um dos países mais pobres do mundo e, até o início da

década de 1990, não tinha muita clareza sobre o que e como fazer para reduzir a pobreza. A

sociedade moçambicana via-se diante da ampliação dos problemas sociais no campo e com

poucas perspectivas de identificar políticas nacionais eficazes, além de sua economia ter

22 José Boquiço Júnior, oficial de projetos da União Nacional das Cooperativas, em entrevista concedida

ao autor, em 24 de novembro de 2005, em Maputo.

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93 1

ficado paralisada durante quase duas décadas por causa da guerra de desestabilização

nacional. Após o Acordo Geral de Paz (1992) e a conseqüente realização das Primeiras

Eleições Gerais e Multipartidárias, em 1994, o governo e a sociedade civil começaram a

direcionar as atenções para a redução da pobreza absoluta. Precisava-se, portanto, formular

políticas de combate ao fenômeno, daí a aprovação, pelo governo, do Plano de Ação para a

Redução da Pobreza Absoluta (Parpa), em 2000, que vem se mostrando instrumento eficaz de

educação e mobilização da população para os programas de desenvolvimento.

A simples retomada do crescimento econômico não bastou para solucionar os graves

problemas sociais. Os critérios de eficiência econômica, orientados apenas pela força do

mercado, não conduziram à redução das desigualdades sociais e regionais e ao uso racional

dos recursos naturais.

Contudo, sabe-se que o desenvolvimento social não se confunde com a política social,

a qual deveria propor mais do que a simples redução da pobreza. Uma política de

desenvolvimento social deve buscar não só superar os piores indicadores de qualidade de

vida, canalizando os recursos para os setores mais pobres, como também promover o

gerenciamento adequado dos recursos públicos entre as diversas entidades responsáveis pelos

programas sociais. Portanto, um dos grandes desafios permanece no âmbito político-

institucional, na construção de novas alianças entre todos os grupos sociais e na promoção da

reforma das instituições públicas, para obter a base de sustentação e consenso para as

mudanças necessárias.

Por necessidades locais e por influência de organismos internacionais humanitários �

como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Programa Mundial

de Alimentação (PMA), o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) e

organizações não�governamentais �, passaram a ser difundidas experiências que se

concentravam na busca de soluções que partissem da comunidade, o que significaria,

inclusive, menor custo social e maior envolvimento dos produtores. Isso pressupõe que o

paradigma da participação e da parceria foi incorporado nas políticas relativas ao

desenvolvimento local como alternativa de solução para os problemas sociais. Nesse contexto,

torna-se necessário o processo de avaliação e transformação das políticas públicas

Page 102: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

94 1

relacionadas com o meio rural, buscando principalmente recuperar seus principais

instrumentos de desenvolvimento.

A busca da verticalização da produção, o respeito pelo consumidor e pelo meio

ambiente e o acesso à informação, à utilização de tecnologias apropriadas e ao controle de

custos, se tornariam bases de uma nova revolução nos processos produtivos, gerenciais e

comerciais. A estratégia governamental passaria a incluir formas de controle social e de

participação dos atores sociais no processo de definição das atividades produtivas, tanto no

meio urbano como no rural. Muitas iniciativas voltadas para o pequeno e médio

empreendedor local são propostas23 com base em metodologias participativas de gestão social

que têm como enfoque principal o próprio lugar do produtor-empreendedor. Isso implica

redimensionar as ações produtivas a serem apoiadas pelo sistema financeiro do país e oferecer

garantias claras de reembolso dos recursos investidos no financiamento dessas atividades de

desenvolvimento.

Como referimos anteriormente, a comunidade local torna-se o lugar onde ocorre o

processo de desenvolvimento, pois é onde estão os empreendimentos familiares rurais

agrícolas e não-agrícolas. A transformação desse espaço tem início com sua reestruturação, ao

incorporar novos componentes econômicos, culturais e sociais; com isso, o conhecimento das

especificidades locais permite o surgimento de soluções mais eficientes e eficazes para as

demandas sociais. Assim, na comunidade incorporam-se valores e comportamentos dos

participantes, suscitando práticas imaginativas, atitudes inovadoras e espírito empreendedor.

Nesse contexto, passa-se a considerar, em plenitude, a diversidade típica da agricultura

familiar, principalmente os contrastes regionais e suas diferenciações econômicas, sociais e

organizativas, respeitando assim suas especificidades socioculturais e produtivas. As vocações

locais devem ser despertadas, para se desenvolver suas potencialidades específicas e

promover o intercâmbio com outras comunidades aos níveis distrital, provincial e nacional.

23 A União Geral das Cooperativas, uma organização que apoia os pequenos produtores agro-

pecuáriaos nas zonas urbanas e rurais do país, tem incentivado o cultivo de verduras e legumes, bem como a

criação de animais de pequena espécie como frangos, patos, perus, cabritos, etc. para abastecer, pela

comercialização dos produtos, o mercado local e até o regional.

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95 1

Cremos nós que assim Moçambique caminhará para o desenvolvimento sustentável que tanto

se pretende alcançar. Mas, como refere Mutéia (2003)24,

O desenvolvimento econômico não permite que a população tenha acesso a oportunidades de rendimentos substanciais que possam satisfazer as necessidades para uma vida condigna. Esse desenvolvimento está seriamente afetado por outros vários fatores. Um deles é o da guerra que afetou o país, e

que provocou a destruição de uma grande parte de infra-estruturas, caracterizou o tecido econômico e social e provocou ruptura dos sistemas de

comunicação e de transporte. Como conseqüência disso, os custos de produção no meio rural são altíssimos, fazendo com que a economia tenha os seus retardadores. O segundo fator da pobreza é o analfabetismo. Este faz com que o ritmo de

crescimento e desenvolvimento da sociedade moçambicana seja muito lento, condicionando assim o desenvolvimento sócio-econômico do país. Se o país

tivesse o índice de analfabetismo baixo e com recursos humanos tecnicamente qualificados, mesmo com a guerra e com outros problemas causados por calamidades naturais que o país enfrentou, a capacidade de

recuperação teria sido outra. Todos os países que enfrentaram guerras eou calamidades naturais como Moçambique enfrentou, porque têm um índice de analfabetismo inferior e com um quadro técnico qualificado e necessário,

tiveram ou têm uma situação diferente da nossa. A resposta a todos os problemas de guerra e de calamidades que contribuíram para o maior índice

de analfabetismo depende essencialmente dessa capacidade humana.

De acordo com Roberto Vieira (2003, p. 19), citando o Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD),

a sustentabilidade passa pela qualificação da cidadania. Ou seja, não apenas os agentes econômicos são responsáveis pelo desenvolvimento sustentável,

mas a qualificação do cidadão, sua formação, sua educação é fator preponderante na garantia do desenvolvimento sustentável. E agora, a preocupação se estende além da preservação e conservação dos recursos naturais para as futuras gerações. Ela alcança o desenvolvimento sustentável

do próprio cidadão

Mas Paquete de Oliveira, citando Fabíola de Oliveira (2003, p. 89), defende que

O exercício da cidadania, prática vital dentro de uma sociedade democrática,

não pode prescindir do acesso à informação. Para assumirmos uma identidade pública, que reside no cerne do conceito de cidadania, torna-se necessário desenvolver a capacidade de argumentar, debater, e, em última

instância, de elaborar julgamentos válidos. Para os jornalistas e

24 Hélder Mutéia, Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural (2000 � 2004), em entrevista

concedida ao autor, em Maputo, em 19 de janeiro de 2003.

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96 1

comunicadores, tanto nos meios de comunicação de massa quanto nos meios

alternativos � que podem proliferar dentro de uma sociedade democrática, propiciando a diversidade de pensamento e opiniões � torna-se imperativo fugir da superficialidade e buscar a especialização. Não a especialização tecnicismo, comportamentada, mas aquela que busca o domínio de um

determinado contexto compreendendo-o de maneira global, em todos os seus aspectos sociais, econômicos e políticos.

Podemos sustentar com base nesse pensamento que, para a concretização do

desenvolvimento sustentável e o combate à pobreza e exclusão social na sociedade

moçambicana, o cidadão deve se sentir dono do processo, participando de todas as decisões

relacionadas com a vida da sua comunidade, o que mostra a necessidade de alterações do

capital humano e do capital social. Com isso queremos concordar com Augusto de Franco

quando diz que �combater a pobreza e a exclusão social não é transformar pessoas e

comunidades em beneficiários passivos e permanentes de programas assistenciais, mas

significa, isto sim, fortalecer as capacidades de pessoas e comunidades de satisfazer

necessidades, resolver problemas e melhorar sua qualidade devida� (FRANCO, 2002, p. 51).

O desenvolvimento local sustentável pressupõe, no nosso entender, a participação

ativa dos cidadãos no processo da divisão eqüitativa dos benefícios resultantes da produção

local e da exploração dos recursos naturais nacionais. De acordo com Bedergal (2002, p. 35),

para haver uma distribuição eqüitativa dos benefícios do desenvolvimento, é imprescindível

que se adote, em primeiro lugar, um modelo de crescimento com eqüidade que possa �reduzir

as desigualdades sociais e melhorar as condições dos mais pobres entre os pobres�. Para que

isso aconteça, deve ser estimulada �a participação ativa das pessoas de base, apoio a

autodeterminação e o fortalecimento das comunidades locais para liberá-las da dependência

externa e o uso de baixa tecnologia que lhe sejam condizentes�. Para Bedergal, �as pessoas

devem ser artífices de seu desenvolvimento e do eco-desenvolvimento, que trata de incorporar

a variável ambiental no processo de crescimento econômico�.

De acordo com Veiga (2002, p. 01)25, o termo

25 José Eli da Veiga é professor titular da FEA-USP e secretário do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS). Disponível em <http//:w>.

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97 1

desenvolvimento sustentável não é um conceito. Tanto quanto �justiça

social� também não é um conceito, e sim uma forte expressão utópica que veio para ficar. Ambas talvez só se tornem obsoletas se um dia o planeta

puder se transformar numa espécie de Jardim do Éden. Enquanto não for possível que isso aconteça, a humanidade certamente continuará a querer

liberdade, igualdade, fraternidade e, antes de tudo, sua própria sobrevivência. Não há risco, portanto, de que essa expressão, tão

penosamente construída durante a segunda metade do século passado, venha a ser considerada descartável ou fora de moda. E para entender a sua real

importância é preciso dar um mergulho, mesmo que rápido, na história das idéias econômicas e sociais.

O documento da Agenda 21 define o desenvolvimento sustentável como �equilíbrio

entre a tecnologia e ambiente, relevando-se os diversos grupos sociais de uma nação e

também dos diferentes países na busca da equidade e justiça social� (SATO; SANTOS, 1996-

p. 41). Podemos considerar que a humanidade hoje tem exibido habilidades de se desenvolver

de uma forma sustentável, garantindo necessidades do presente sem comprometer as das

futuras gerações, as quais buscarão, elas mesmas, as suas próprias necessidades, no momento

certo.

José Eli da Veiga (2002, p. 2) sustenta que a equivalência entre desenvolvimento e

crescimento econômico só poderia sair de cena quando surgisse um indicador alternativo ao

PIB per capita. Para ele, �foi por isso que o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) organizou um imenso esforço intelectual coletivo para a criação do

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que combina a renda per capita com os melhores

indicadores de saúde e de educação�. Daí que o lançamento do IDH, em 1990, �coincidiu com

a legitimação da idéia de que o desenvolvimento de hoje não deve impedir que as gerações

futuras também possam alcançá-lo. Ou seja, de que é absolutamente necessário que ele seja

durável� (VEIGA, 2002, p. 3). Segundo esse autor, a expressão �desenvolvimento

sustentável� acabou por ser definitivamente consagrada na reunião Rio-92, complicando ainda

mais um debate que para muitos deveria ter terminado com o surgimento do IDH. Foi com

base nas discussões levadas a cabo na reunião Rio-92 que muitos intelectuais começaram a

envolver-se na busca do conceito real do desenvolvimento sustentável, chegando, alguns, a

introduzir uma nova terminologia chamada �sustentabilidade progressiva e ampliada�, na

tentativa de encontrar a melhor forma de �superar a atual falta de conhecimento objetivo

sobre os ecossistemas que, ao final das contas, é o que impede o surgimento de um índice de

Page 106: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

98 1

desenvolvimento que também inclua a dimensão ambiental, e não apenas as dimensões

econômicas e sociais, como é o caso do IDH� (VEIGA, 2002, p. 2).

Mas há que se perceber que o desenvolvimento nacional moçambicano só se tornará

sustentável se melhorarem significativamente as condições de educação, de saúde e de

produção rural. Por outro lado, sem ação eficaz dos meios de comunicação social e

comunitária, no sentido de produzir e transmitir informações educativas de qualidade

necessária com vista a mudanças de atitudes da população moçambicana em relação à

preservação do meio ambiente, ao HIV/Aids, à produção rural coletiva e familiar, dificilmente

se alcançará o desenvolvimento desejado.

Nélia Taimo (2004, p. 7) apresenta-nos o que consideramos uma das melhores

definições do desenvolvimento sustentável, quando diz que

Sustentabilidade é a capacidade de uma organização assegurar e gerir recursos suficientes para permitir-lhe cumprir efectivamente e consistentemente a sua missão sem uma excessiva dependência de uma fonte singular de financiamento. Os órgãos sustentáveis têm no mínimo uma

missão clara e direcção estratégica, as capacidades de atrair recursos de várias fontes locais, nacionais e internacionais, e o conhecimento de geri-los eficientemente.

Esse conceito nos leva a perceber o quanto é importante a preparação do capital

humano para que este seja capaz de gerir de forma transparente e melhor os recursos locais,

distritais, provinciais e nacionais, de maneira que se alcance o almejado desenvolvimento

nacional sustentável.

Outro fator importante que poderá contribuir para se alcançar o desenvolvimento

sustentável no país é a observação das recomendações da Agenda 21. O atual modelo de

crescimento econômico tem gerado enormes desequilíbrios: se, por um lado, nunca houve

tanta riqueza e fartura no mundo, por outro, a miséria, a degradação ambiental e a poluição

aumentam dia a dia. Diante dessa constatação, surge a idéia do desenvolvimento sustentável

como tentativa de conciliar o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental e, ainda,

combater a pobreza absoluta.

Page 107: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

99 1

Para alcançarmos o desenvolvimento sustentável, a preservação do meio ambiente tem

que ser entendida como parte do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada

isoladamente. É necessário também esclarecer que não podemos considerar que crescimento é

o mesmo que desenvolvimento. De acordo com José Eli da Veiga (2002, p. 4) existe diferença

entre esses dois termos. Para ele,

o crescimento não conduz automaticamente à igualdade nem à justiça sociais, pois não leva em consideração nenhum outro aspecto da qualidade

de vida a não ser o acúmulo de riquezas, que se faz nas mãos apenas de alguns indivíduos da população; e o desenvolvimento, por sua vez,

preocupa-se com a geração de riquezas sim, mas tem o objetivo de distribuí-las, de melhorar a qualidade de vida de toda a população, levando em consideração, portanto, a qualidade ambiental do planeta

A isso podemos chamar de desenvolvimento sustentável.

Page 108: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

100 1

5.2 Associativismo e cooperativismo como fatores do desenvolvimento local

sustentável

O mundo está passando por grandes e profundas transformações, as quais penetram

em nossas vidas. Nem sempre percebemos isso claramente, por isso nos tornamos facilmente

vítimas desse processo global de transformação. Compreender esse processo histórico e agir

sobre ele são algumas das tarefas mais urgentes que nos são postas individualmente.

No nosso entender, o processo da globalização que se vive hoje baseia-se na

competitividade imposta pelas forças economicamente estabelecidas, �de cima para baixo�, e

é modelado pelos interesses corporativos das grandes empresas multinacionais e pelos

interesses geopolíticos dos países ricos e influentes. Mas também podemos perceber que o

cooperativismo global nasce das afinidades geográficas do planeta, das dificuldades de

inserção econômica que decorrem da competição, do desenvolvimento dos conhecimentos e

de sua aplicação às condições de vida. Portanto, trata-se de uma globalização que deve ser

construída por indivíduos e sociedades que se tornem sujeitos ativos e conscientes, de forma

pessoal e coletiva, na luta pelo seu próprio desenvolvimento.

Roberts Chambers (1995, p. 1556) define o desenvolvimento rural-local como �uma

estratégia destinada a capacitar um grupo específico de pessoas (homens e mulheres) das

zonas rurais pobres para ganharem para si e seus filhos mais do que desejam e necessitam�.

Essa definição procura transferir o poder e o controle do processo de desenvolvimento ao

grupo-alvo, aos beneficiários, apesar de as iniciativas sempre partirem de indivíduos externos

às comunidades locais. Desse modo, o importante é que uma comunidade tem que participar

ativamente das iniciativas locais, tendo em consideração a sustentabilidade para o presente e

para o futuro de si mesma. Concordamos com a sustentação de Ammann (1997, p. 84-85)

quando diz que �o desenvolvimento local significa a integração de programas, o

fortalecimento da consciência comunitária, a criação de mecanismos de participação e a

mudança de mentalidade com incentivos e receptividade�.

Giddens (1991, p. 14) acredita estarmos vivendo �uma era de mudanças sociais

impressionantes, marcadas por transformações radicalmente diferentes daquelas dos períodos

anteriores�. Para esse autor, �o colapso do socialismo de tipo soviético, o declínio da

Page 109: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

101 1

distribuição bipolar do poder mundial, a formação dos sistemas globais de informação, o

aparente triunfo do capitalismo em um tempo em que as divisões globais se aguçam e os

problemas ecológicos assumem proporções muito mais amplas�, são desafios que o povo

moçambicano tem que enfrentar. Giddens nos mostra que esses desafios não podem ser

enfrentados apenas pelos intelectuais, estudiosos da problemática social que se ocupam da

educação e da formação de um �homem novo�. É um contexto que desafia cada um na sua

vida social e em que nascem enormes desafios às pessoas, às organizações, ao Estado. Para

Giddens (1991, p. 15), o que está em jogo não são apenas transformações institucionais na

esfera sócio-econômica, mas, também, de maneira mais profunda, uma transformação cultural

que envolve mudanças na visão de mundo e paradigmas, valores, atitudes, comportamentos,

modos de relação, aspirações, paixões e desejos. Dessas constatações podem nascer novas

perspectivas e novos lugares sociais podem ser construídos no campo da política e da

economia, criando novas relações sociais baseadas no associativismo e no cooperativismo.

De acordo com Assmann (1997, p. 28), as experiências capitalistas e socialistas não

souberam levar em conta as necessidades elementares e a liberdade dos desejos, o respeito aos

interesses e o impulso às iniciativas do ser humano. Assmann (1997, p. 28) afirma que

os seres vivos entrelaçam necessidades e desejos [...] . O socialismo real não

soube levar isso em conta, trabalhando unilateralmente com a priorização das necessidades elementares. Por outro lado, o capitalismo sempre foi mestre em manipular desejos e postergar a satisfação das necessidades elementares.

É no espaço entre a lógica capitalista e o fracasso das experiências socialistas que, a

nosso ver, se recoloca a questão do cooperativismo como uma prática social de dimensão

econômica, política e cultural, tendo como protagonista principal o ser humano. Não é nossa

intenção discutir o cooperativismo como o principal modelo de desenvolvimento, mas

queremos reconhecer que ele é um dos instrumentos práticos que podem devolver aos

indivíduos o espaço da participação, da decisão solidária e responsável no encaminhamento

da produção e distribuição das riquezas existentes no nosso país. Nesse sentido, cada cidadão

tem o dever de buscar alternativas que traçam o seu caminho, tendo como objetivo apenas o

estabelecimento de acordos e contratos que valorizam as suas ações de produção e da busca

de oportunidades que o levem ao desenvolvimento sustentável.

Page 110: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

102 1

Apesar do sucesso da economia de mercado capitalista, em termos sociais os seus

resultados são cada vez mais frustrantes no mundo e particularmente em Moçambique. Do

mesmo modo, as experiências centralmente planejadas da economia socialista implementadas

no país resultaram numa decepção devido à fragilidade do sistema perante boicotes do mundo

capitalista. Em conseqüência, ao olhar para o futuro, a sociedade moçambicana é confrontada

com imensos desafios que não permitem refletir sobre as reais necessidades locais e

nacionais.

Entre esses desafios pode-se incluir o reexame do princípio cooperativo que o então

Governo Popular e a Frelimo tentaram implantar logo após Independência Nacional, com

vista ao estabelecimento de relações econômicas nas aldeias comunais. Esse reexame pode

nos levar a perceber que �as organizações cooperativas são fenômenos que nascem da

articulação e da associação de indivíduos que se identificam por interesses ou necessidades,

buscando o seu fortalecimento pela instrumentalização, com vistas a alcançar objetivos e

resultados de ordem econômica� (PARPA, 2000, 15). Ao pensarmos assim, perceberemos

ainda que a experiência socialista vivida em Moçambique e em outros países que

experimentaram o socialismo teria resultado num grande avanço em direção à superação de

inúmeros problemas inerentes ao desenvolvimento social, se tivesse sido bem planejada e

aplicada de acordo com a realidade sócio-econômica e cultural local. O cooperativismo teria

sido, a nosso ver, um acordo racional de sujeitos sobre algo; o acordo da cooperação teria sido

estabelecido para responder aos interesses e necessidades frente à produção e à distribuição de

bens e riquezas, contendo elementos sociais, culturais e políticos incorporados ao seu sentido

econômico. Desses elementos decorrem características que permitem reconhecer uma relação

entre a organização e o funcionamento de uma cooperativa e o processo de desenvolvimento

local.

Assim, o cooperativismo poderia permitir o renascimento de uma relação frente à

produção local como base do processo de desenvolvimento. Nesse contexto, o

desenvolvimento local e a natureza da organização cooperativa são expressões dos interesses

e necessidades de seus membros por serem modos de extensão de suas economias, e são, por

outro lado, caracterizados pela associação e pela instrumentação empresarial. Daí que as

associações cooperativas podem ser reconhecidas como expressão das ações locais de

desenvolvimento; porém, mais do que o local, as cooperativas carregam dentro de si a força

Page 111: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

103 1

política que permite recolocar o homem, e não o capital, no centro da dinâmica da economia.

Não se desconhece a função do capital na associação cooperativa e nem no processo de

desenvolvimento, mas se reconhece a necessidade da primazia da centralidade humana.

Entretanto, essas são potencialidades que dependem muito da vontade política dos sujeitos

envolvidos no processo da cooperativização (grifo nosso) da economia local.

Ao consideramos o processo da cooperativização da economia local como um dos

principais instrumentos de desenvolvimento, partimos do pressuposto de que o

cooperativismo pode representar um dos mais promissores caminhos a serem seguidos por

comunidades rurais em direção ao �futuro melhor� e estável, se tiver como agenda a criação

de organizações econômicas cooperativas, em que todos os membros de uma comunidade se

encontram evolvidas em defesa dos interesses comuns.

De acordo com Arruda (1996, p. 5), �se espalha pelo mundo o sentimento sempre mais

enraizado de que o setor privado hegemônico não consegue gerar um mundo de bem-estar e

felicidade para todos e cada um dos cidadãos, povos e nações�. Para ele, na maioria das

nações subdesenvolvidas torna-se cada vez mais difícil inserir-se na economia capitalista,

dado que esta está cada vez mais fundada nas tecnologias de ponta e não no trabalho humano.

Desse modo, a sobrevivência das pequenas economias depende, cada vez mais, de novas

formas de organização, novas tecnologias de produção, novos mecanismos de

comercialização e novos mercados � menos dominados, porém, pela lógica dos interesses do

capital. Nota-se a necessidade de reformular políticas públicas que possam incentivar a

construção do poder de ação e do poder de controle de certos fatores de decisão por meio de

redes cooperativas comunitárias acessíveis a todos os escalões da sociedade moçambicana;

deve-se construir as relações econômicas de um mercado cooperativo e recuperar a base

associativa da organização econômica com base nas experiências do período pós-

independência nacional.

Para Arruda (1996, p. 24), é preciso

repensar, portanto, o mercado como uma relação social que se desenvolve, entre os seres humanos, apenas mediada por dinheiro e produtos; repensar a empresa e as instituições como comunidades humanas; deslocar o eixo da existência humana do ter para o ser; identificar e cultivar a capacidade de

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104 1

cada pessoa e comunidade de ser sujeito consciente e ativo do seu próprio

desenvolvimento, estes são alguns dos grandes desafios ligados ao renascimento da humanidade no milênio que se avizinha.

Na verdade, os desafios referidos por Arruda mostram a necessidade de repensar o tipo

de relação social que as pessoas precisam construir como sujeitos ativos e conscientes do

desenvolvimento sustentável local. O processo desse desenvolvimento permite levantar a

hipótese de ampliação da dimensão humana da economia, decorrente da maior identidade dos

seus agentes, e buscar mecanismos que possibilitem o nascimento de um novo

cooperativismo, fortalecido pela avaliação crítica de suas práticas.

Um dos elementos de validade social do cooperativismo que pode garantir estabilidade

organizacional e institucional está alicerçado na reflexão, na análise crítica, na avaliação do

sentido e da importância de seu acontecimento. Falhando a reflexão, a crítica e a avaliação,

podem ficar comprometidos a estabilidade e a validade das instituições, especialmente no

caso de cooperativas, e o projeto cooperativo, como um espaço de organização democrática,

de participação comunitária e de qualificação política e técnica de seus membros.

O sucesso do cooperativismo está na democracia, na compreensão, na crítica e

autocrítica, no comunitarismo local (grifo nosso). É com base nisso que o cooperativismo

pode ser visto como um lugar social e econômico no qual o indivíduo se torna sujeito do seu

próprio destino, construindo o �futuro melhor�. Isso constitui um dos grandes desafios da

sociedade moçambicana, principalmente na grande campanha pela redução da pobreza

absoluta. É a pessoa que deve ser colocada em primeiro plano nesse combate; é o ser humano

que deve ser colocado no centro das atenções de todo o processo de desenvolvimento de que o

país precisa. Como afirma Lévy (1998, p. 47),

nada é mais precioso que o humano. Ele é a fonte das outras riquezas,

critério e portador vivo de todo o valor. [...] é preciso ser economista do humano, [...]. É necessário igualmente forjar instrumentos � conceitos, métodos, técnicas � que tornem sensível, mensurável, organizável, em suma, praticável o progresso em direção a uma economia do humano.

Os instrumentos de construção da economia do humano precisam ser forjados pela via

do associativismo, pela organização cooperativa, mais que pela competição. O

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105 1

desenvolvimento humano deve ser entendido como uma das realizações mais próximas do

desenvolvimento local.

A nosso ver, o cooperativismo é uma atividade da maior importância como

possibilidade de reação e organização da sociedade civil diante dos desafios que a evolução

social e as políticas sociais e econômicas lhe impõem. Nos anos que se seguiram à

Independência Nacional, o comunitarismo (as aldeias e bairros comunais) constituiu-se em

um instrumento de políticas de governo e de interesses da sociedade pela construção do

socialismo, e se afirmava como um espaço de organização e de atuação de diferentes grupos

sociais, com sentido e objetivos econômicos específicos, sem, no entanto, desconhecer sua

inserção e responsabilidade social maior. Era reconhecido como um espaço de afirmação de

identidade própria, desvinculando-se de usos e compromissos alheios à causa da vida

comunitária. Hoje, o comunitarismo, visto não nos moldes anteriores, pode se constituir em

lugar de reflexão, de crítica, de discussão e resolução de problemas locais; pode se constituir

no reflexo da compreensão do novo papel que a sociedade civil deve exercer no contexto das

instituições e organizações, especialmente diante da sociedade política e dos interesses e

compromissos que possam levar as pessoas da comunidade a se engajar nas ações de auto-

desenvolvimento.

Arruda (1996, p. 7) defende ainda que

é neste processo que ganha enorme importância a práxis de um cooperativismo autônomo, auto-gestão e solidário, que inova no espaço da

empresa-comunidade humana e também na relação de troca entre os diversos agentes; nosso argumento é que a sociedade precisa superar a relativa inércia

a que se submeteu, superando a cultura da reivindicação e da delegação, como suas alienadoras práticas paternalistas e assistencialistas, por uma

cultura do auto-desenvolvimento, da auto-ajuda e da complementaridade solidária; o associativismo e o cooperativismo de auto-gestão, transformados

em projeto estratégico, podem ser os meios mais adequados para a reestruturação da sócio-economia na nova era que se anuncia.

A nosso ver, a associação cooperativa comunitária pode tirar o indivíduo de seu

mundo particular, relacionando-o com os outros pelos laços sociais da cooperação,

construindo espaços coletivos e despertando a solidariedade e a responsabilidade social,

elementos fundamentais ao desenvolvimento do ser humano e do espaço onde vive. Portanto,

Page 114: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

106 1

a associação cooperativa comunitária contém o sentido da construção do coletivo que lhe

advém da natureza associativa.

De acordo com Nilsa Maria G. Canterle (2003, p. 4), �fica, pois, claro que o fomento

do associativismo constitui a pedra angular do desenvolvimento e cuja problemática está em

captar as contradições e organizar as pessoas, uni-las e engajá-las harmoniosamente em torno

de interesses comuns, dando atendimento às suas necessidades coletivas e até individuais�.

Para ela,

o associativismo cinge necessidades, interesses e vontades, é o lugar dos

debates, das iniciativas, dos acordos [...] e a organização associativa instrumentaliza os mecanismos que dão concretude às demandas sociais e

que fazem dos homens, com tempo e vagar, sujeitos de seu próprio destino, tornando-os mais próximos da busca de autonomia na promoção do

desenvolvimento local.

A associação cooperativa que nasce dos interesses da comunidade local representa um

importante espaço social onde seus membros se comunicam, se influenciam e desenvolvem

sentimentos, idéias, valores, comportamentos, conhecimentos, aprendizagens. Sua estrutura

de poder reforça a capacidade de gestão do bem comunitário, abrigando um complexo sistema

de relações sociais que se estruturam pelas necessidades, pelas intenções e pelos interesses

das pessoas que fazem parte da cooperativa.

Além do seu sentido econômico, a associação cooperativa constitui-se em uma escola,

na qual se adquire conhecimento e aprende-se a produzir melhor e a engajar-se no processo de

educação e da formação do ser humano produtivo. Por outro lado, a associação cooperativa é

um lugar de negócios no qual se pratica a comunicação e a negociação, bem como o

armazenamento e a comercialização dos produtos.

Na prática do cooperativismo podem se desenvolver sentidos não apenas

instrumentais, mas que tenham significados para a vida das comunidades. Na construção do

trabalho cooperativo está a possibilidade de uma inteligência coletiva e criativa com reflexos,

certamente, no processo de desenvolvimento local; daí a importância do cooperativismo nesse

processo, em termos práticos, a qual pode ser reconhecida em aspectos de sua organização e

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107 1

funcionamento pela estruturação e pela viabilização de espaços econômicos para seus

membros.

O reconhecimento dos principais aspectos econômicos comunitários pode ser feito

pelas práticas de orientação da produção, pela assistência técnica permanente, pela agregação

de valores por meio de processos de transformação da produção, pela relação com os

mercados existentes na comunidade, na região e no país ou pela abertura de novos mercados.

Outros aspectos da importância econômica cooperativista para o processo de desenvolvimento

local estão relacionados à estabilidade do capital investido, pois a possibilidade de

movimentação do capital cooperativo é quase nula e o grau de alienação é menor, desde que

os cooperativistas estejam dispostos a continuar investindo em programas de desenvolvimento

local.

A relação de causa e efeito entre associativismo, cooperativismo, e desenvolvimento

local não acontece de modo tão mecânico, determinado apenas por suas atividades. Apesar de

o bom funcionamento de uma cooperativa gerar efeitos positivos e influenciar o

desenvolvimento local, é necessário . Entretanto, essa relação de causa e efeito deve também

que haja uma decisão política a favor do desenvolvimento da comunidade de local. O

reconhecimento da responsabilidade social do cooperativismo no processo de

desenvolvimento local está expresso em seus princípios gerais, adotados por muitos países, e

refere-se à inserção e à participação da comunidade em programas desse tipo.

Page 116: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

108 1

Capítulo III

RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA COMO FATOR COMPLEMENTAR

DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

1. Os serviços de radiodifusão e teledifusão comunitárias

Neste início do século XXI, os povos do mundo enfrentam novos desafios em busca

de melhor qualidade de vida a seus cidadãos. O que serão as nações dentro dos próximos 50

anos depende do que faremos hoje. Moçambique entra em seu primeiro século pós-colonial

mergulhado nesse grande marasmo de luta contra a miséria enraizada no analfabetismo, com

famílias dizimadas por enfermidades, com uma democracia menos ativa, com instituições

civis menos fortes, com um rendimento per capita dos mais baixos do mundo e com uma

dependência econômica extrema.

Nos primeiros quatro anos do presente século, o país começa a marcar os primeiros

passos rumo ao desenvolvimento. Uma preocupação enorme de investir nas áreas da educação

e da saúde começa a ser notável, pois novas escolas foram construídas e as que haviam sido

destruídas durante a guerra dos 17 anos26 estão sendo recuperadas. Mais hospitais e centros de

saúde foram construídos, e os que haviam sido destruídos durante a guerra foram recuperados

e encontram-se em pleno atendimento ao público. As minas terrestres foram retiradas de

grande parte das áreas rurais e destruídas, e a produção agrária volta a tomar forma. É a

esperança pelo futuro melhor que começa a refletir na vida da população moçambicana; é a

certeza de que, com a paz, o desenvolvimento pode acontecer. As famílias fortes, que podem

satisfazer suas necessidades de alimentação, educação, saúde, entretenimento, constroem

junto o sistema local de comunicação denominado rádios comunitárias, que dá ao povo a voz

e o poder para se educar, para se organizar, para se ilustrar e assim conhecer os segredos da

26 Tipo de instumento explosivos utilizados tanto pelos gerrilheiros da Renamo como pelo exército do

governo moçambicano, como forma de impedir a transitabilidade das forças inimigas aos territórios ocupados

por uma das partes.

Page 117: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

109 1

ciência, da agricultura e do comércio; em outras palavras, um sistema de comunicação

radiofônico local que põe em marcha um povo altivo e confiante em suas possibilidades.

Mas para que essas rádios comunitárias possam influir na configuração das próximas

décadas, necessitamos de instituições visionárias que as ajudem com seus recursos

econômicos. Necessitamos de instituições que treinem pessoal local para uma boa

administração, pessoas que saibam produzir bons programas participativos. Necessitamos de

bons equipamentos e bons técnicos para que a voz da rádio chegue aos confins do país.

Necessitamos, enfim, de um marco legal que lhes permita operar sem entraves e lhes garanta a

sua sustentabilidade.

Como instrumento fundamental de promoção de desenvolvimento, as emissoras

comunitárias moçambicanas procuram particularmente se ocupar dos problemas mais sérios e

profundos da sociedade, como a garantia da estabilidade, a promoção da democracia, do

Estado de direito e da cultura de paz e a melhoria das condições de vida das populações, em

toda a sua plenitude.

Em Moçambique, a maior parte da população pobre vive nas áreas rurais. Nessas

áreas, a pobreza está associada ao desenvolvimento da agricultura. Tem sido verificada a

correlação positiva entre o nível de desenvolvimento e a densidade populacional: locais com

maior densidade de infra-estruturas e serviços potencialmente atraem mais população; regiões

densamente povoadas eventualmente são as que rapidamente se desenvolvem. O acesso à

informação e comunicação entre grupos de interesse, de caráter econômico, social, cultural ou

religioso, é um dos elementos relacionados com a auto-organização das comunidades

(INDER, 1998, p. 1).

Os dispositivos de comunicação �formais� em prol do desenvolvimento rural em

Moçambique são insuficientes e ineficientes. As intervenções mais relevantes quanto às

extensão da comunicação para as zonas rurais têm sido realizadas por instituições do Estado

e/ou públicas, com destaque para a Rádio Moçambique (RM/EP) e o Instituto de

Comunicação Social (ICS). Com o advento do novo sistema econômico e político, assentado

na economia de mercado, no multipartidarismo e no sistema democrático, aprovou-se a Lei de

Page 118: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

110 1

Imprensa27, que ofereceu mais espaço para a intervenção do setor privado em atividades de

comunicação28. Todavia, constata-se que os novos órgãos de comunicação cobrem

principalmente uma audiência urbana, com pouca ou nenhuma implantação nas áreas rurais,

onde vive a grande maioria da população moçambicana. Nesses locais, que têm uma vigência

histórica e uma dinâmica próprias, a informação circula, majoritariamente, por meio dos

�mecanismos tradicionais� (PAOLCR, 1998, p. 1), isto é, o da comunicação interpessoal ou

via Rádio Moçambique, para os lugares onde o sinal é captável.

Tendo em conta que é nas áreas rurais que vive a maior parte da população, o governo

encara a comunicação em prol do desenvolvimento rural como um instrumento fundamental

para a promoção dos três principais objetivos do seu programa qüinqüenal, a saber: 1)

garantia da paz, estabilidade e unidade nacional; 2) redução dos níveis de pobreza absoluta, e;

3) desenvolvimento socioeconômico. A comunicação social desempenha um papel ativo na

consolidação da unidade nacional, na promoção dos valores culturais e do desenvolvimento

socioeconômico do país, no aprofundamento e defesa da democracia, contribuindo para um

maior diálogo e confiança entre os cidadãos e na participação dos moçambicanos no processo

de desenvolvimento socioeconômico, político e cultural e no fortalecimento das instituições

democráticas29.

O documento sobre Política e Estratégias de Informação, aprovado pelo Conselho de

Ministro em 1997, tem como objetivo �a melhoria do acesso dos cidadãos aos meios de

comunicação social, particularmente nas zonas rurais�. Algumas das prioridades definidas

pelo referido documento são �a promoção da comunicação para o desenvolvimento�, o apoio

�às iniciativas visando à criação e desenvolvimento de jornais e rádios comunitários e o

27 Lei nº18/91, de 10 de agosto. 28 É importante referir que, entre 1975 e 1990, o Estado tinha, praticamente, o monopólio do controle

dos meios de comunicação, e a política editorial era determinada pelo partido único, por meio do departamento

de trabalho ideológico. 29 Programa do Governo, maio de 1995, p. 1 e 57. Vide também Resolução Nº3/98, do Conselho de

Ministros, de 24 de fevereiro de 1998, que aprova as linhas gerais para o desenvolvimento rural e os mecanismos

de coordenação intersetorial.

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111 1

desenvolvimento de línguas moçambicanas� e �a capacitação técnico-profissional dos quadros

da comunicação social dos sectores públicos e comunitários�30.

As rádios comunitárias encontram proteção legal no documento sobre Política e

Estratégias de Informação acima referido e funcionam como outras emissoras de rádio, tendo,

entretanto, dois componentes que as diferenciam: programação e gestão com a participação da

comunidade, sem fins lucrativos � devendo, contudo, assegurar sua sustentabilidade.

A quantidade de rádios comunitárias instaladas em Moçambique, bem como sua

eficácia para o desenvolvimento, gera a necessidade de políticas que sirvam como �linhas

mestras� a todas as instituições interessadas nesse desenvolvimento, tais como os organismos

governamentais, as agências de desenvolvimento internacional, ONGs e a sociedade civil. Daí

que Tomás Vieira Mário, coordenador do Projeto de Desenvolvimento da Mídia em

Moçambique, afirma ser fundamental uma nova Lei de Imprensa, que possa regular também a

radiodifusão comunitária31. Para ele, �essa Lei de Imprensa deve ser a que contemple uma

separação entre a radiodifusão e a imprensa escrita, como acontece em muitos países do

mundo onde se tem a chamada �Print Media Law� e a �Broadcast Law��, isto é, Lei de

Imprensa Escrita e Lei de Radiodifusão. Portanto,

já se faz necessário no nosso país que haja uma separação entre a imprensa

escrita e a imprensa eletrônica (comunicação de massa). Daí que seria possível distinguir-se claramente a legislação da radiodifusão comunitária da

radiodifusão pública e da radiodifusão privada, num pacote de leis específicas por um lado e, por outro, um pacote sobre a imprensa escrita.

Essa tem sido, na verdade, a tendência dos debates.

A finalidade principal de uma rádio comunitária é contribuir para o desenvolvimento

socioeconômico e cultural da comunidade, promovendo a cultura de paz, a democracia, os

direitos humanos, a eqüidade e o exercício do poder local. Mário sustenta que �uma rádio

efetivamente comunitária deve estar na comunidade, servir à comunidade e ser da

comunidade� 32 e diz, ainda, que

30 Resolução nº3/97, de 25 de fevereiro. In: Boletim da República, I Série, n. 7, que aprova a Política e

Estratégias da Informação. 31 Em entrevista concedida ao autor no dia 20 de janeiro de 2003, em Maputo. 32 Em entrevista concedida ao autor no dia 20 de janeiro de 2003, em Maputo.

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112 1

a rádio comunitária deve ser aquela que obedece a princípios de eqüidade,

pluralismo, democracia, independência, imparcialidade, gestão coletiva, sem fins lucrativos. Deve também ser instrumento de promoção da cultura de paz

e dos direitos humanos; trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável da comunidade local; disseminar valores socioculturais, econômicos, religiosos

e políticos dentro de um mesmo território. Ela há de ser a que promove a construção horizontal e inclusiva, envolvendo a comunidade como um todo e

as diferentes sensibilidades existentes na comunidade e na região onde se encontra inserida.

Peruzzo (2003, p. 59) destaca a mídia comunitária como �aquela gerada no contexto

de um processo de mobilização e organização social dos seguimentos excluídos da

população� que tem como finalidade �a conscientização e organização de seguimentos

subalternos da população� tendo como o objetivo principal a superação �das desigualdades e

instaurar mais a justiça social�. Aqui a autora nos mostra claramente as características de

uma mídia comunitária (com particular atenção à rádio comunitária) cuja finalidade é

conscientizar os membros da comunidade a se envolverem em atividades que beneficiem a

eles mesmos.

Em Moçambique, de um modo geral, as rádios comunitárias por nós estudadas em

Moçambique possuem, na sua maioria, uma organização estrutural e de gestão constituída por

uma assembléia geral, que funciona como órgão deliberativo, a comissão � ou conselho de

gestão �, que é o órgão executivo, e o conselho fiscal � ou comissão de controle �, que

fiscaliza as atividades da associação mantenedora da rádio.

As comunidades que detêm rádios comunitárias participam da gestão e programação

destas por intermédio de seus representantes na assembléia, no comitê executivo e no

conselho fiscal. Por outro lado, os operadores são indicados pela própria comunidade reunida

em assembléia geral, em resposta a sua manifestação de interesse em colaborar nas atividades

da sua rádio como voluntários. Apenas as equipes executivas � constituídas, em média, de um

gerente da estação, um responsável de administração e finanças, um(a) secretário(a)

recepcionista � são remuneradas, pois são compostas de pessoas que se dedicam

exclusivamente aos serviços da rádio, enquanto os voluntários se beneficiam apenas da

formação, do auxílio para o transporte e de alguns estímulos materiais não especificados. Os

voluntários também participam de seminários e outras atividades de aprendizagem e

Page 121: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

113 1

aperfeiçoamento na sua área de interesse, organizados pelas associações mantenedoras ou

pelo Fórum das Rádios Comunitárias (Forcom), o qual apresentaremos mais adiante. Isso não

significa, no entanto, que os voluntários não possam ser chamados a desempenhar funções

executivas da rádio comunitária, pois existem rádios que, como forma de conter despesas,

acabam recrutando voluntários para atividades administrativas. A maioria dos voluntários que

trabalha nas rádios comunitárias é composta por professores e profissionais da saúde da rede

pública.

2. Aspectos históricos da radiodifusão comunitária em Moçambique

O serviço de radiodifusão comunitária em Moçambique tem início no ano de 1977, por meio

de um acordo estabelecido entre o Ministério da Informação e o Fundo das Nações Unidas

para a Infância (Unicef). Nesse ano, o Ministério da Informação criou um Projeto de

Comunicação Social para aldeias e bairro comunais, que teria, entre outras funções (JANE,

1990, p. 170):

Levar a informação para as aldeias comunais;

Testar os instrumentos de comunicação modernos para selecionar os que melhor se

adaptam às tradições culturais das populações e transmitir com maior sucesso as

mensagens visadas;

Estudar a linguagem a ser usada na comunicação com as populações rurais;

Avaliar a penetração, retenção e retransmissão das mensagens;

Avaliar as mudanças sociais, econômicas e culturais com a introdução de novas

mensagens e novos equipamentos.

No aproveitamento das tecnologias modernas de comunicação de massa, o Ministério da

Informação precisou colocar em teste o sistema de alto-falantes, que tinham grande aceitação

popular na época e eram adaptados à realidade das aldeias e dos bairros comunais. Além

disso, a comunicação por alto-falantes foi vista como �um sistema de comunicação social

mais imediato, mais barato e mais fácil de manejar, dando acesso direto às populações para

fazer os seus programas� (JANE, 1990, p. 171).

Page 122: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

114 1

Sob o comando de Juarez da Maia, brasileiro, especialista em comunicação rural, foi

criado, em 1978, o Gabinete de Comunicação Social (hoje Instituto de Comunicação Social),

subordinado ao Ministério da Informação. Durante os primeiros anos do projeto experimental,

fez-se o levantamento de dados sobre a situação política, econômica, social e cultural das

aldeias e dos bairros comunais, a fim não só de conhecer os níveis de desenvolvimento global

e de cada setor de atividade, mas também de contribuir para a formação de quadros que

desenvolveriam o projeto. Uma das pesquisas mais importantes realizadas na época, com a

colaboração dos professores Eugenivisk Rezewuski e Mateus Katupa, da Universidade

Eduardo Mondlane (UEM), tratava da utilização das línguas moçambicanas, tendo em vista a

escolha pela população, do repertório lexical dessas línguas ao se referir às transformações

sócio-políticas da sociedade, como instituições técnicas, meios de produção e terminologias

respeitantes à vida pública do país. Além disso, outras pesquisas realizadas na época tinham

em vista o estudo desse fenômeno e das tendências e possibilidades de modernização lexical

das línguas moçambicanas. Isso constituía um passo para testar a compreensão dos termos

utilizados pela Rádio Moçambique e mobilizar as comunidades lingüísticas para o processo

de modernização lexical; era, também, uma forma de permitir a tradução de alguns conceitos

utilizados em língua portuguesa pela Frelimo e pelo Estado para línguas moçambicanas �

trabalho que resultou na elaboração de um vocabulário em línguas makonde, makhuwa,

chuwabo, chona e changana.

O sistema de comunicação por alto-falantes das rádios comunitárias foi utilizado pela

primeira vez durante a Primeira Conferência Nacional das Aldeias Comunais, realizada na

Aldeia Três de Fevereiro, no distrito de Xai-Xai, na província de Gaza, apoiando as atividades

da Conferência por meio da ampliação sonora para plenários, comícios e transmissão de

mensagens para os delegados vindos de várias regiões do país. Uma experiência que atraiu

muito a atenção dos participantes foi a escuta coletiva do noticiário em emissão nacional da

Rádio Moçambique, captada em ondas curtas.

A partir dos resultados obtidos na Aldeia Comunal Três de Fevereiro, o projeto

expandiu-se para outras aldeias e bairros suburbanos. Criaram-se os centros de comunicação

social nos bairros de Hulene e Polana Caniço, nos arredores da cidade de Maputo, e em

aldeias comunais de Unango (Niassa), M�tamba (Cabo Delgado), 25 de Setembro (Nampula),

Page 123: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

115 1

Três de Fevereiro (Gaza), e Primeiro de Maio (Manica). Com a instalação dos centros de

comunicação social e das rádios comunitárias de sistema de alto-falantes, passaram a ser

transmitidos a informação propriamente dita, a mobilização, a educação e o divertimento para

todas as camadas populares da nova sociedade moçambicana. No aspecto educativo, segundo

Jane (1990, p. 172), incluíam-se temas específicos como alfabetização, técnicas modernas de

produção agrícola e saúde pública, cada programa com 15 ou 30 minutos de transmissão. No

âmbito cultural e recreativo, divulgavam-se a música de artistas da região, com destaque,

contos tradicionais e poesias gravadas na própria aldeia.

Outra atividade de destaque realizada na área de radiodifusão comunitária pelo Gabinete

de Comunicação Social, desde a sua fundação, em 1978, até meados de 1997, com o apoio

técnico da Rádio Moçambique, foi a produção e emissão do programa �Aldeia Comunal�,

transmitido todos os dias úteis das 5h15 às 6h, em língua portuguesa e em línguas

moçambicanas. Nesse programa, que surge em 1982 com o propósito de romper as barreiras

entre o camponês e o operário por meio da veiculação das suas atividades produtivas diárias,

eram fornecidas informações relacionadas à educação popular, saúde pública, cultura e

problemas sociais, bem como noticiários sobre assuntos locais.

O processo de educação permanente projetado pelo governo naquele momento, por

meio do Instituto de Comunicação Social, tinha em sua essência o apoio direto a agentes da

saúde, professores, alfabetizadores, técnicos agrários, líderes das comunidades e de aldeias

comunais, e funcionava, também, como veículo dinamizador da libertação e emancipação da

mulher. No processo de implementação dessa experiência foi necessário, em primeiro lugar,

realizar em três províncias do país (Cabo Delgado, Nampula e Gaza) um trabalho de pesquisa

que possibilitasse conhecer as realidades locais e comparar a evolução, o grau de participação

das populações dos bairros e aldeias comunais onde o projeto seria desenvolvido e, também, a

integração deste ao quadro institucional e às estruturas de níveis local, distrital, provincial e

nacional. Como referimos no capítulo, o projeto, na sua fase experimental, os centros de

comunicação social funcionavam como centros de escuta coletiva e as unidades móveis, a fim

de levar a mensagem até comunidades mais recônditas do país.

Tanto os centros de comunicação como os de escuta coletiva haviam sido criados nos

bairros e nas aldeias organizados pelo governo logo após a Independência Nacional para

Page 124: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

116 1

aglutinar a população rural e dotá-la de serviços sociais adequados. Nos centros de

comunicação social passavam-se documentários em videocassetes (VT), programas

educativos em K7 de áudio, filmes; assistia-se a peças de teatro e espetáculos de música;

adquiriam-se jornais e revistas principalmente o jornal �O CAMPO� de propriedade do então

Gabinete de Comunicação Social; fazia-se o jornal de parede por uma equipe de redatoras

locais. Nos centros de escuta coletiva os membros da comunidade ouviam os programas e

noticiários da Rádio Moçambique, que eram recebidos e retransmitidos através dos alto-

falantes instalados nos respectivos centros.

Hoje, o país vive num ambiente da comunicação moderna, no qual a evolução

tecnológica da comunicação social ganha maior velocidade. O tipo de comunicação

comunitária que hoje se desenvolve já não é igual ao que se desenvolvia nas décadas de 1970

e 1980, e isso soma-se aos benefícios da Lei de Imprensa em vigor e do processo da

democratização e desenvolvimento da comunicação social no país. Surge, então, um novo tipo

de rádio, que utiliza equipamentos de alta tecnologia e não mais alto-falantes.

3. O conceito moçambicano de rádio comunitária

O conceito de comunidade é confuso e mal entendido e, principalmente, não é

considerado no contexto histórico que transporta. Ele deriva de community, conceito da

administração colonial inglesa que pretendia separar o �moderno� do �tradicional�. Em

Moçambique, em alguns casos, os membros da comunidade foram tratados como iguais,

desaparecendo o indivíduo e ficando o coletivo. Atualmente reconhece-se que o conceito de

participação comunitária é um dos mais controversos no âmbito das problemáticas de

desenvolvimento, e que tem sido utilizado com significados diversos, por vezes mesmo

contraditórios (VALÁ. 1998, p. 8).

Segundo o workshop �Cultivando as rádios comunitárias em Moçambique�

(MARRENGULE, 1998, p7), realizado na província de Tete sob patrocínio da Cooperação

Austríaca, recomendou que as rádios comunitárias devem ser as que promovem o

desenvolvimento e a eqüidade entre as pessoas, priorizando as camadas vulneráveis, tais

como mulheres, idosos e deficientes o workshop reafirmou em como as rádios comunitárias:

Page 125: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

117 1

Não têm fins lucrativos;

São do ambiente participativo;

São livres de qualquer tipo de interferência;

Possuem um sistema de gestão coletiva;

Com personalidade jurídica;

Suas programações são democráticas e pluralistas;

Respeitam a constituição e a Lei de Imprensa.

O documento desse workshop (MARRENGULE, 1998, p, 8) afirma que �uma rádio é

comunitária se a comunidade joga um papel importante nela, isto é, a rádio é gerida e

programada pela comunidade, ou, ainda se a comunidade participa de alguma outra forma

nele ou a rádio tem algum impacto na vida das comunidades. É óbvio que a experiência de

Moçambique e de outros quadrantes do mundo ensinam que é mais fácil dizer ou escrever do

que implementar na prática�.

No nosso entender, a participação comunitária é um processo, uma interação contínua,

um diálogo sem tempo limite entre a comunidade e a rádio. Daí que a rádio comunitária deve

ser a voz da comunidade, um espaço de participação comunitária, �um processo de

desenvolvimento autocentrado, descentralizado e, de baixo para cima, permitindo que os

beneficiários, que são os melhores conhecedores das suas necessidades, potencialidades e

circunstâncias de vida, possam envolver-se diretamente e desde o início, e, em todas as

acções, visando o seu desenvolvimento� (VALÁ. 1999, p. 4). Portanto, é na rádio comunitária

que as pessoas encontram espaço para expressar claramente necessidades, problemas,

aspirações, vontades, idéias, sentimentos, críticas e assuntos prioritários da comunidade.

Quando a rádio comunitária deixa de ser sensível às necessidades da comunidade em que está

inserida e à qual serve deixa de ter razão de existir, porque perdeu a sua identidade.

Tomás Vieira Mário33 refere que uma rádio comunitária deve ser assim denominada, e

conseqüentemente funcionar sem ter que pagar imposto e algumas taxas, se a comunidade

33 Em entrevista concedida ao autor, em Maputo, aos 20 de Janeiro de 2003

Page 126: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

118 1

participa dela, de alguma forma. É fundamental que sejam definidos os mecanismos

apropriados para que a comunidade participe efetivamente da rádio, nas comissões existentes,

na programação, no conselho fiscal, na gestão, etc.

No continente africano as rádios comunitárias comessaram a ser implantadas desde

1985, com a instalação da primeira estação no continente, no Quênia. três anos depois, mais

dez estações comunitárias já se encontravam instaladas em alguns países africanos, mais de

10 rádios comunitárias e que, na seqüência de rápidas e profundas mudanças sócio-políticas

operadas no continente, em 1998 já contavam-se mais de uma centena de estações

comunitárias no ar.

Como dissemos em alguns momentos do nosso trabalho, Moçambique conheceu o

movimento das rádios comunitárias que iniciou com a instalação das rádios alto-falantes pelo

Instituto de Comunicação Social, no final da década de 1970, culminando com a instalação da

primeira rádio comunitária, em Xai-Xai, no ano de 1995.

Bonin e Opoku-Mensah(1999, p. 2/3), no guia prático �O que é a rádio comunitária?�

da Amarc-África e Panos-Africa Austral, referem que ser a rádio comunitária representa a

democratização das comunicações, especialmente em África, pois através dela se cria uma

base de participação popular no próprio processo de democratização do contente. Nesse guia,

são apresentadas algumas vantagens da introdução das rádios comunitárias no continente

africano, tais como:

�O aspecto da língua que será abordado com a introdução de estações comunitárias,

dado o grande número de diferentes línguas locais em países africanos. Em África isto

não é simplesmente uma questão de se as pessoas podem ouvir as radiodifusões, mas

pelo contrário, se elas podem ou não compreender as radiodifusões;

Aborda aspectos dos direitos humanos através do direito à informação e à

comunicação;

Page 127: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

119 1

A maioria do povo em África encontra-se faminta no que se refere à informação. Nos

dias que vão correndo na sociedade de informação, a rádio comunitária pode oferecer

alguma forma de educação sobre os media, criando uma cultura de informação;

Enfatiza a emancipação e auto-estima;

A rádio comunitária pode servir de uma espécie de plataforma de debate, intercâmbio

de idéias e reacções aos vários planos e projectos. Isto pode acomodar as idéias do

povo e satisfazer o seu bem-estar espiritual e psicológico muito melhor do que

qualquer outra forma de radiodifusão;

Preserva a identidade cultural: com a globalização da informação e o advento de

comunicações através de satélite, a rádio comunitária pode oferecer às comunidades

uma via econômica e fundamental para a proteção da sua língua e da sua herança

cultural. A rádio pode também servir como meio de oferecer um padrão à língua�

Analisando os conceitos acima, podemos perceber a tamanha importância que as

rádios comunitárias têm na sociedade no continente africano e, particularmente, na

moçambicana. Através da rádio comunitária, a sociedade moçambicana passa a ter voz.

Em relação à programação das rádios comunitárias por nós estudadas, é importante

referir que, ainda de acordo com Mário, �não existe uma programação acabada, um modelo

pronto, para as emissoras comunitárias�. Existem, sim, alguns princípios a serem seguidos.

Pode-se dizer que, respeitando os princípios da pluralidade e da priorização de temas locais,

uma programação pode ser construída sobre alguns pilares, como gostos musicais, tipo de

informação, tipo de serviço, tipo de programa, etc., facilmente levantados por pesquisas (de

audiência) �previamente realizadas antes da definição de que programas, em que horário serão

levados ao ar. As pesquisas fornecem uma dose de gostos e preferências da comunidade�34. O

entrevistado defende, ainda, ser importante uma elevada dose de criatividade e ousadia na

produção dos programas de uma rádio comunitária, �ousar na concepção, na linguagem, no

conteúdo, na forma e, sobretudo, ousar na formulação, na criação duma programação atrativa

34 Tomás Vieira Mário, em entrevista concedida ao autor no dia 20 de janeiro de 2003, em Maputo.

Page 128: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

120 1

da emissora�. Por outro lado, deve-se coletivizar e democratizar o sucesso de uma

programação sem perder a identidade, a �cara� da rádio comunitária.

Ao falar sobre o formato dos programas das emissoras comunitárias, Sofia Ibraimo35

afirma que

o ideal é que vá para além dos formatos tradicionais, isto é, insistir nos programas humorísticos, alegres e descontraídos; promover programas de debates nos quais se discutam temas de interesse da comunidade; insistir em programas que chamem a atenção do ouvinte e que, ao mesmo tempo, o

eduquem, o conscientizem; promover programas lúdicos, com prêmios, gincanas, participação da juventude; promover programas sensuais, envolventes e que mexam com todos os sentidos das pessoas; promover programas de utilidade pública, que prestem serviços e informações

relevantes para a vida das pessoas; promover programas sentimentais apaixonantes e apaixonados; programas ágeis, que não cansem o ouvinte,

mensagens rápidas como vinhetas, spots, registros, flashes, microprogramas, etc; programas fantásticos, que mexam com a fantasia do ouvinte, que o faça

viajar, que o faça viver a fantasia proposta pelo tema. São muitas as idéias,

as possibilidades faltam. Cabe a cada comunidade aprofundar os formatos e buscar na sua própria realidade uma forma de potenciá-los, sobretudo priorizando sempre a participação dos ouvintes.

As emissoras comunitárias, muitas vezes por sua própria condição técnica, não estão

nas mesmas condições que as grandes emissoras, daí a necessidade de �casar� os formatos

com os conteúdos. �Bons formatos e bons conteúdos deverão se completar para que se possa

levar ao ar bons programas�, dizia Sofia.

De acordo com Birgitte Jallov36, ex-coordenadora internacional do Projeto de

Desenvolvimento da Media em Moçambique, os cuidados com os conteúdos são

imprescindíveis nos programas das emissoras comunitárias. Ela acrescenta que

a valorização das coisas que acontecem na comunidade, a divulgação dos

serviços mais fundamentais para a comunidade, a informação integrada, a valorização dos parâmetros da ética social, a valorização dos costumes, da

cultura, a divulgação da notícia sem manipulações, a diversidade de opiniões, a preocupação em ouvir várias opiniões em assuntos polêmicos, a

denúncia profética, a crítica construtiva e, principalmente os fatos positivos,

35 Sofia Ibraimo, diretora-geral do Instituto de Comunicação Social (ICS), em entrevista concedida ao

autor, em 11 de fevereiro de 2003, em Maputo. 36 Em entrevista concedida ao autor no dia 20 de Janeiro de 2003, em Maputo.

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121 1

as coisas bem sucedidas da comunidade, etc., são os elementos que devem

estar presentes nos programas das rádios comunitárias.

Tomando por base a afirmação acima, fica evidente que a rádio comunitária é um

espaço privilegiado para a socialização de opiniões e conhecimentos, e, assim, torna-se palco

e instrumento de luta da comunidade com vista à satisfação dos seus interesses. Por essa

razão, nas rádios comunitárias por nós estudadas constatamos que política editorial e

princípios éticos e morais estão sempre presentes na luta contra a manipulação das

informações e o monopólio dos grandes órgãos � como a Rádio Moçambique �, buscando,

com a sociedade civil, o acesso à informação.

Nas rádios comunitárias de Likungu (na província da Zambézia), Vilankulu e

Homoine (na província de Inhambane) e Moamba (na província de Maputo), notamos que o

ouvinte é, também, o produtor das mensagens, mesmo que seja de forma indireta; ele procura

sempre garantir que a programação seja equilibrada, pois fiscaliza todas as atividades dos

produtores/locutores e sugere a introdução de assuntos que contribuam para a mudança de

atitudes da sua comunidade.

Assim como nas emissoras supracitadas, em outras, como as de Cascata, Mokuba e

Inkomate, as quais tivemos a oportunidade de visitar, os programas educativos, informativos,

culturais e de recreação também ocupam um espaço significativo. Formatos participativos são

adotados (rádio drama, debates, concursos, etc.) para chamar o ouvinte à rádio. O local e o

global interagem, mas o local é priorizado (a notícia local, a música, a culinária, a cultura, a

história, as boas práticas, a educação para a saúde, as experiências econômicas bem-

sucedidas, as técnicas de produção agrária, as técnicas de combate às pragas, o combate ao

consumo das drogas, o combate à criminalidade, o combate à violência doméstica, etc.),

criando redes de correspondentes37 entre emissoras comunitárias e ligações com as emissoras,

de natureza regional e nacional.

37 Pessoas encarregadas de coletar voluntariamente informações na sua comunidade e de canalizá-las

para o tratamento e a emissão pelas equipes de redação das rádios comunitárias.

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122 1

As línguas nacionais e, mais particularmente, as locais, são utilizadas

sistematicamente porque são mais compreendidas pelos ouvintes. Como diz Imane Aly38,

presidente do Fórum das Rádios Comunitárias de Moçambique, �na programação deve estar

sempre presente a perspectiva de gênero e o papel da mulher, do jovem e da criança em

desenvolvimento. Isso só é fácil falar com segurança em língua local, pois temos a certeza de

que as nossas mensagens estão sendo percebidas e vão surtir efeito no seio da comunidade�.

Assim, conteúdos educativos sobre assuntos relevantes (saúde, educação, meio ambiente,

agricultura, preços dos produtos e oportunidades de mercados) se alternam com a música, a

recreação, o esporte, a cultura geral, informações diversas (anúncios, avisos, etc.).

Na opinião da Sofia Ibraimo39, a programação deve ter uma elevada dose de humor, de

otimismo e de sentido de auto-estima. Para ela, �a rádio comunitária procura ir ao encontro da

comunidade em busca da notícia, pois é muito importante trazer as notícias internacionais,

nacionais, regionais e tratá-las dentro duma perspectiva local�.

Como referimos atrás, o voluntariado deveria ser uma prática em todas as rádios

comunitárias moçambicana, isto é, em todas as atividades informativas, formativas,

recreativas e sobretudo nas áreas artística, sociais, culturais, etc. Mesmo assim, é preciso que

se tenha uma equipe central estável, permanente e remunerada, que possa receber e tratar

informações recolhidas pelos voluntários. Na verdade, a realidade tem nos ensinado que o

voluntário, se não estiver suficientemente motivado, aparece na emissora quando quer,

quando pode, pois, em geral, ele está em compasso de espera, aguardando uma oportunidade

de trabalho remunerado.

De acordo com Taimo (2004, p. 9)40, em Moçambique cada rádio comunitária possui,

em média, 40 voluntários. Existem rádios com cerca de 20 voluntários e, as de maior porte,

chegam a ter 70. Há uma série de razões que, segundo Taimo (2004, p. 9), incentivam as

pessoas a aceitar o voluntariado nas rádios comunitárias, entre as quais podemos destacar:

38 Em entrevista concedida ao autor, em 31 de maio de 2004, em Maputo. 39 Sofia Ibraimo, diretora-geral do Instituto de Comunicação Social (ICS), em entrevista concedida ao

autor, em 11 de fevereiro de 2003, em Maputo. 40 Nélia Fordiani Taimo, pesquisadora social em Moçambique.

Page 131: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

123 1

O desejo de aprender jornalismo;

O desejo de aprender novas coisas;

O desejo de fazer rádio;

A vontade de ganhar experiência e fazer novos amigos;

A esperança de conseguir um emprego na rádio ou em alguma coisa relacionada a

esta;

A vontade de ajudar a comunidade a desenvolver-se.

Essas e outras razões mostram-nos que a rádio comunitária abre espaço para jovens

nos distritos onde há falta de lazer e oportunidades de estudo. A grande maioria de voluntários

que hoje faz programas, opera equipamentos e anima uma emissão não sabia nada disso antes

de aderirem ao voluntariado nessas rádios.

Não obstante serem instituições de propriedade associativa e pública, sem fins

lucrativos, as rádios comunitárias trabalham para captar receitas para sua sobrevivência, o que

é feito por meio de prestação de serviços, como emissão de programas de instituições

religiosas, de ONGs, de organismos governamentais, do setor comercial e de outros

interessados. Isso é feito em forma de patrocínios, que podem contribuir com a produção e

emissão dos programas com dinheiro, equipamento informático ou audiovisual e/ou material

de escritório.

Uma forma eficiente e eficaz de garantir a sustentabilidade da emissora é ter pessoal

formado e capacitado para desempenhar com brio e profissionalismo suas atividades. Mas

como a formação acadêmica em comunicação social é bastante nova no país, não é fácil para

muitas rádios comunitárias encontrar pessoas que possam responder a toda a demanda.

No nosso entender, o sucesso das iniciativas em comunicação comunitária deriva da

forte ligação entre essas rádios e televisões e as comunidades a que servem. Esses meios

pertencem e são dirigidos por pessoas da comunidade, escolhidas em reunião da assembléia

comunitária para constituírem um conselho de direção, cujo mandato varia de associação para

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124 1

associação segundo suas necessidades. Os membros da maioria dos conselhos de direção

desenvolvem suas atividades voluntariamente.

Como diz Tomás Vieira Mário (2003)41,

O trabalho que está sendo feito neste momento é o de mobilizar as comunidades a entenderem que as rádios lá instaladas lhes pertencem. As

comunidades devem entender que elas são donas das rádios e que devem geri-las com muita eficiência, garantindo recursos financeiros para o custeio

das despesas da sua estação emissora. Mas não tem faltado pessoas da comunidade que não vivem a idéia de se ter um meio de comunicação

comunitário. Daí que acabam desvirtuando o conceito próprio do que se pretende que seja uma rádio comunitária e começam a usá-la como um bem privado, um bem próprio e não comunitário. Trata-se de um perigo que paira e pairará sempre no seio das comunidades. [...] O processo da criação das associações visa essencialmente a estancar esse tipo de atitudes de certas pessoas quererem se apoderar das rádios

comunitárias como sua propriedade. [...] Para a gestão das rádios comunitárias, as comunidades elegem, de entre os seus membros, um comitê de gestão para prestar serviços voluntariamente. O corpo técnico (os operadores da rádio) também é

constituído por pessoas selecionadas na comunidade e que conhecem profundamente a realidade local.

As rádios comunitárias constituem ferramentas importantes para o desenvolvimento

local, e por isso podemos encontrar rádios de grupos de igrejas e de grupos organizados de

escolas, que também têm o desenvolvimento local como pano de fundo. A maioria das rádios

comunitárias funciona, de fato, com operadores e jornalistas comunitários voluntários, pois as

comunidades não têm condições financeiras que permitam o pagamento dos salários dos

funcionários. Assim, mantidas por pessoas que não recebem retorno monetário por seu

trabalho, muitas rádios estão no ar e a todo o momento. É a comunidade trabalhando para si

mesmo.

Tabela 01 - Mapa de registro das rádios comunitárias42

(Maputo, de 2001 a 2005)

ANO

LICENÇAS

AUTORIZADAS

LICENÇAS

CANCELADAS

RÁDIOS

COMUN. NO AR 2001 09 01 08

41 Entrevista concedida ao autor em 20 de janeiro de 2003, em Maputo. 42 Dados do Gabinete de Informação do Governo de Moçambique. Maputo, 2005.

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125 1

2002 16 04 12 2003 09 03 06 2004 13 02 11 2005 06 - 06

TOTAL 53 10* 43

* A tabela acima mostra-nos que, de 2001 a 2005, das 53 licenças

registradas, foram canceladas 10. De acordo com os dados obrtidos do

Gabinete da Informação junto à Primeira-Ministra, 43 emissoras de

radio estão no ar.

4. Forcom: por uma gestão coletiva das rádios comunitárias de Moçambique

O Fórum da Rádios Comunitárias de Moçambique (Forcom)43 foi criado pela

Conferência Nacional Constitutiva e Festival das Rádios Comunitárias, que decorreu na

cidade de Chimoio, na província de Manica, de 20 a 30 de abril de 2004. Nessa conferência,

estavam reunidos cerca de 220 participantes, que representavam 45 rádios comunitárias.

Também participaram do evento convidados de Angola, África do Sul e Europa. Na mesma

conferência, diz Imane Aly44, �foram aprovados os estatutos do Forcom e eleitos os membros

do Conselho Nacional, que, na sua primeira sessão, elegeu-me como presidente�.

Imane Aly, presidente do Forcom, revelou-nos que a tarefa principal do Fórum é trazer

à superfície todos os problemas das rádios comunitárias e apoiá-las na procura de soluções,

principalmente nos âmbitos de desenvolvimento institucional e desenvolvimento estrutural, e

garantir a sustentabilidade por meio de parcerias com instituições internacionais que apóiam o

setor da comunicação comunitária. Segundo Aly, as próprias comunidades detentoras das

rádios serão incentivadas a criar projetos de produção que garantirão a sobrevivência destas

no período pós-apoios de parceiros externos.

43 Associação das rádios comunitárias de Moçambique, congrega mais de 50 rádios. 44 Imane Aly, presidente da Forcom, em entrevista ao autor em 31 de maio de 2004, em Maputo.

Page 134: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

126 1

De acordo com Aly45, a criação do Forcom surge do interesse dos próprios operadores

e dos detentores das rádios comunitárias no país em verem imprimida uma nova dinâmica de

coordenação de suas atividades.

O movimento das rádios comunitárias de Moçambique é, em termos de seus

associados, bastante diversificado. No seu formato organizacional encontram-se:

a) 25 rádios comunitárias que funcionam sob a alçada do Estado por meio da estrutura

administrativa do Instituto de Comunicação Social (ICS). Além dos Conselhos de

Direção, constituídos por membros das associações comunitárias, essas rádios

possuem equipes de gestão administrativa e técnica composta por funcionários do

ICS afeitos à proposta.

b) 4 rádios comunitárias geridas pelos membros da comunidade e apoiadas pela

Universidade Eduardo Mondlane. Possuem equipes técnicas e administrativas que

garantem voluntariamente seu funcionamento, os quais recebem subsídios pelo

trabalho realizado.

c) 12 rádios comunitárias geridas por conselhos de direção compostos por membros das

associações das comunidades locais e apoiadas pelo Projeto de Desenvolvimento da

Mídia e pela Cooperação Austríaca. Equipes técnicas e administrativas garantem

voluntariamente o funcionamento dessas rádios, os quais recebem subsídios pelo

trabalho realizado.

d) 11 rádios de orientação comunitária geridas por instituições religiosas � suas

proprietárias � como Igreja Católica, Igreja Universal, Igreja Evangélica,

Assembléia de Deus, Igreja Evangélica Maná e Comunidade Islâmica de

Moçambique.

45 Imane Aly é também presidente da Associação da Rádio Comunitária (Arco), de Homoine,

Inhambane.

Page 135: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

127 1

e) 1 rádio comunitária de pertença do município de Nacala, província de Nampula: sua

gestão é de inteira responsabilidade do Conselho Municipal.

Estas rádios aparecem retratadas no Diretório das Rádios Comunitárias de

Moçambique (2005). O diretório em referência apresenta-se como instrumento de

coordenação e orientação para a melhor definição de formas de colaboração entre as rádios

comunitárias, e demonstra aos parceiros a diversidade e o pluralismo que são vividos nesse

movimento.

Mapa 03 � Mapa de localização geográfica das rádios comunitárias em Moçambique

Page 136: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

128 1

O movimento das rádios comunitárias é relativamente novo em Moçambique. No ano

de 1994 entrava no ar a primeira rádio comunitária; em 1998, oito rádios apareciam descritas

como comunitárias. Em 2001, trinta comunidades juntavam-se para participar do workshop

sobre coordenação e sustentabilidade das rádios comunitárias em Moçambique. Em 2004,

Moçambique tinha registrado 44 detentores de licenças de radiodifusão comunitária e, em

2005, passou a contar com um total de 53 emissoras de rádio e 16 de televisão. Dos 69

pedidos aprovados pelo Conselho de Ministros do Governo de Moçambique, 53 são de

emissoras de rádios comunitárias. Neste número exclui-se a Rádio Moçambique, a única

Empresa Pública de radiodifusão, que conta com centros emissores instalados nas 10 capitais

provinciais do país. Outras de um número de aproximadamente e 12 emissor são de

propriedade privada (incluindo as da Igreja Universal do Reino de Deus).

O movimento das rádios comunitárias no país é inovador, do ponto de vista político,

pela afirmação e comprovação dos efeitos de uma maior democratização dos meios de

comunicação, pelos efeitos sensíveis da sua variedade dos modos de organização e objetivos,

que a diferenciam da comunicação comercial e concentrada. Um dos aspectos mais

importantes do movimento das rádios comunitárias em Moçambique é a formação de um

novo tipo de comunicador social, de origem não-acadêmica, com preparo, objetivos e funções

bem diversas das do comunicador profissional. Sua entrada nessa prática de comunicação

ocorre pelo interesse na atuação política e social na comunidade, o que diverge tanto dos

regimes econômicos de produção empresa, fábrica, escritório), quanto dos regimes políticos

de associação, já instituídos. Nasce, portanto, um novo gestor de bens comunitários.

A participação na criação, produção e gestão coletiva de uma rádio comunitária exige

dos comunicadores uma compreensão dos aspectos funcionais, práticos e ideativos do novo

tipo de gestão de bens comuns. Sua função na rádio é mais ampla que a de um simples

comunicador: ele é um educador que utiliza a rádio como recurso auxiliar a educação escolar

ou profissional. Sua prática na produção radiofônica leva-o à experiência de atuação na

complexa função de educador no regime de produção e emissão de mensagens, bem como à

compreensão do lugar fluido e contínuo em que se manifestam e deverão, cada vez mais, se

manifestar, as tarefas comunicativas.

Page 137: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

129 1

5. Rede Rural de Rádio e Televisão Comunitária

Na área da televisão comunitária, o ICS tem desempenhado um papel central. Essa

instituição herdou do extinto Inder um projeto iniciado em 1998 para a instalação de 10

estações-emissoras de rádio e televisão rurais, conhecido como Rede Rural de Rádio e

Televisão Comunitária (RRRTV). O projeto foi reformulado e o número de estações-

emissoras aumentou para 20, tendo esse projeto instalado e posto no ar, um total de 7 estações

emissoras e rurais, em várias regiões do país. Conforme quadro apresentado acima, das 16

licenças de rádio-televisões aprovadas entre os anos de 2000 e 2005, 7 são de orientação

comunitária, 8 privadas e 1 pública, esta com centros emissores em todas as províncias do

país.

As emissões televisivas são feitas na freqüência de menos potência, isto é, em VHF de

não mais de 100 W e cobrem em média um raio de 25 km. Tal como para as rádios

comunitárias, ainda não existe uma lei que regulamente televisões comunitárias em

Moçambique. Como afirma Peruzzo (2000, p. 4), as transmissões televisivas �são

experimentos que objetivam exercitar a liberdade de expressão� com mensagens dirigidas às

comunidades locais onde ocorrem. As televisões comunitárias têm se tornado o instrumento

educativo e de entretenimento preferido dos membros das comunidades locais, por causa dos

noticiários, dos pequenos documentários e das novelas que transmitem.

Nota-se que, em todas as rádios comunitárias com as quais pudemos trabalhar, a

sessão de cartas se configura como um exemplo interessante, se a considerarmos como o

feedback do programa. É o espaço que o programa tem para verificar, testar, controlar e

ajustar a sua informação, aderindo-se dessa forma a uma visão positivista do processo de

comunicação baseado no modelo difusionista-modernizador, também adotada pela

ExtentçãoRural, para transmitir conhecimentos técnicos modernizantes, a fim de imprimir

mudança de comportamento dos produtores rurais para aumentar e melhorar qualitativamente

a sua produção.

Nesse processo, todas as decisões se centralizam no apresentador de programas, pois

cabe a este selecionar os conteúdos, ou seja, quais as cartas que serão respondidas pela equipe

da rádio, e se por meio de alguma reportagem, dos apresentadores ou das instituições de

Page 138: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

130 1

prestação de serviços às comunidades, nos respectivos espaços de programação. Nesse

sentido, a sessão de cartas é tida pela produção do programa como um espaço de participação

dos produtores rurais, isto é, de membros da comunidade. Nessa sessão a audiência é

passivamente limitada, mas possibilita o feedback da mensagem e realimenta a proposta do

programa. No entanto, acreditamos que a sessão de cartas pode ser considerada como uma

prestação de serviço aos ouvintes do programa � isto é, aos produtores rurais �, pois, apesar

de privilegiar o emissor, ela não descarta por inteiro as demandas de sua audiência, uma vez

que é necessário atender a algumas delas para ser legitimada pela audiência.

A experiência adquirida pelo ICS ao longo de mais de 25 anos fez com que fosse

considerado uma instituição de vanguarda na implementação dos projetos de rádio e televisão

comunitárias em Moçambique. Assim, era necessário fortalecer-se técnica e financeiramente

para melhor assumir o papel de articulador das ações de rádio e teledifusão comunitária entre

outras instituições de comunicação ou de promotor de desenvolvimento local. As autoridades

e comunidades locais tinham que ser envolvidas no processo como parceiras de primeira

linha, e não apenas como beneficiárias colaterais. Essa acumulação de experiências na criação

e implementação de projetos de comunicação comunitária está presente na sociedade

moçambicana desde o tempo das aldeias comunais46, entre 1975 e 1987. A seguir,

apresentamos alguns dados históricos de cada uma das dez rádios e televisões comunitárias

moçambicanas.

46 Vilarejos criados pela Frelimo, retirando dos seus locais de origem todas as populações dispesrsas

para convivência comum na qual teriam toda a assistência necessária para a criação de cooperativas agrícolas,

ccoperativas de consumo, centros de saúde, escolas, troca de experiências culturais e esportivas, entre outras.

Page 139: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

131 1

Mapa 04 � Mapa de localização geográfica das rádios e Televisões comunitárias

tuleladas pelo Estado47

5.1 Rádio e Televisão Comunitária Likungu

A Rádio Comunitária Likungu (RCL) foi fundada em setembro de 1997 pelo ICS.

Instalada em Mokuba, província da Zambézia, só em 2002, com a instalação da antena

Televisão de Moçambique, começou a produzir e emitir programas de rádio e televisão,

passando a ser conhecida como Rádio e Televisão Comunitária Likungu (RTVCL). Com a

rádio no ar, a comunidade começou a divulgar suas mensagens e a ouvir programas

educativos, recreativos e informativos, o que aconteceu também com a televisão, cujos

47 Mapa fornecido pelo Departamento das Rádios e Televisões Comunitárias do ICS, em Junho de

2005.

Page 140: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

132 1

espectadores vibram com os programas transmitidos pelos emissores central e provincial da

Televisão de Moçambique (TVM) e/ou produzidos localmente.

As transmissões radiofônicas (em freqüência modulada 98.1) e as televisivas (em

sistema UHF) são feitas em três línguas � português, lomwe e chuwabo - e incluem as áreas

de saúde reprodutiva, produção agropecuária, HIV/AIDS , cultura, educação ambiental,

programa infantil, educação para jovens e gênero, entre outras.

Sob tutela do ICS, a RTVCL possui uma equipe de 8 trabalhadores efetivos que têm

salários garantidos pelo Orçamento do Estado e cerca de 20 voluntários, dos quais 6 são do

sexo feminino (vide anexo 1), que prestam serviços sem nenhum subsídio, mas por amor a sua

comunidade.

Celestino Castigo Conforme48, coordenador da RTVCL, revelou-nos que as

dificuldades enfrentadas pela emissora criam constrangimentos, resultando até em baixa

qualidade da informação produzida e veiculada. Tais dificuldades incluem desde o aspecto

financeiro, para as despesas de funcionamento da própria emissora, até o pagamento de

subsídios aos voluntários que prestam serviços. Para Conforme, �uma rádio não deve

funcionar apenas com a boa vontade dos seus colaboradores, mas, também, com incentivos

que os auxiliem na realização das suas atividades de produção e na emissão de programas�.

Nota-se que a Rádio e Televisão Comunitária Likungu funciona com uma equipe de

colaboradores na sua maioria jovens, entusiastas e de baixa escolaridade, os quais trabalham

apenas por prazer e vontade de aprender. De acordo com Conforme, �os nossos colaboradores

não auferem nenhum salário, pois trabalham a título de voluntariado, sem contar com o fato

de que nem a rádio nem muito menos a televisão possui orçamento para o efeito. Sua linha de

produção e apresentação se baseia em programas educativos, sociais, culturais, econômicos e

desportivos�. Aqui podemos destacar os programas de âmbito social que versam

essencialmente sobre o HIV/Aids e a saúde reprodutiva.

48 Em entrevista concedida ao autor em 21 de março de 2005.

Page 141: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

133 1

A transmissão desses programas é feita em português e em línguas locais, tais como

manyawa, lomwe e chuwabo, para uma audiência residente nos distritos de Mokuba, Lugela,

Namarroi e Ile.

Conforme nos fala ainda que

os nossos jornalistas muitas vezes não conseguem se deslocar para distâncias longas para realizar o trabalho, por falta de meios de transporte. Se tivéssemos bicicletas, por exemplo, eles poderiam ir mais longe em busca de informações mais atualizadas. Mesmo assim, pensamos cumprir com o papel

pelo qual a Rádio e Televisão Comunitária Likungo foi criada. Sentimos que, ao logo da nossa existência como rádio, temos tido um grande e bom relacionamento como nosso público e envidamos todos os esforços para estarmos presentes em toda a província da Zambézia, para satisfazer as

necessidades de informação que o público tanto deseja ter.

Em suma, a Rádio Comunitária Likungo tem programas sobre �saúde reprodutiva, mulher e

desenvolvimento, vida saudável, cultura, espaço ambiental, infantil educação da rapariga e dos

jovens, gênero, desporto, cara a cara, magazine da mulher, entre outros� (vide anexo).

De acordo com o estudo realizado pela UNESCO, o impacto desta emissora é visto da

seguinte maneira:

Desde a abertura da rádio em Mocuba, a comunidade passou a ter mais acesso à informação e programação. Foi introduzido o método de escuta

coletiva através do uso de rádios à manivela49 distribuídos por grupos de

amigos da rádio. A comunidade passou a servir-se da rádio para expor as

suas preocupações e tentar encontrar as respectivas soluções.

5.2 Rádio Dondo

Numa visita que fizemos à Rádio Dondo nos foi facultada a consulta dos documentos

da Associação dos Serviços Comunitários (Asserco), pelos quais descobrimos que a iniciativa

de criar uma rádio comunitária na vila de Dondo, província de Sofala, surgiu após a

49 Rádio à manivela é um aparelho receptor de radiodifusão e usado em zonas rurais onde a população ainda não

tem acesso à energia eléctrica e muito menos dinheiro para a compra de pilhas. O referido recptor não usa pilhas

nem corrente elétrica, apenas a força humana, manivelando à estilo do antigo gramafone. Duas empresas fabricantes desse tipo de receptor são a empresa sulafricana Freeplay Engineering e a inglesa Freeplay Market

Development Limitedque, que podem ser consultadas através do seu Web Site http://www.freeplay.net.

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134 1

submissão de uma candidatura pela Asserco, na seqüência de um concurso público lançado

pelo Projeto de Desenvolvimento da Mídia, da Unesco/PNUD.

Em maio de 2000, a Unesco anunciou oficialmente a aprovação da candidatura da

Asserco e iniciou um processo de criação das condições organizacionais para a instalação de

estruturas comunitárias locais que viessem a se tornar proprietárias da então futura estação

(WALKER, 2004, p.76). Walker assinala que �o Projeto Media viria, mais tarde, a assinar um

contrato com a ASSERCO, de modo a que esta organização apoiasse a criação de uma

associação local, para se tornar proprietária da estação. A associação viria a ser estabelecida;

foram eleitos os corpos sociais e os respectivos estatutos reconhecidos pelo Governador

Provincial�. A Rádio Dondo está no ar desde finais de 2002, em caráter experimental, e foi

oficialmente inaugurada em 27 de fevereiro de 2004.

A programação dessa rádio engloba agricultura, educação, saúde, democracia e

direitos humanos, mulher e sociedade, criança, cultura e recreação, juventude, esporte,

economia e negócios, HIV/Aids entre outros assuntos. As emissões são feitas em português,

ndau e sena, línguas mais correntes na região.

De acordo com Fernando Matangalizwe50, residente das redondezas da vila de Dondo,

a Rádio Dondo tem tido um grande impacto no nosso município e no distrito de Dondo. Graças a essa rádio foi instalado na vila um Gabinete de Apoio e Tratamento de Vírus do HIV (GATV), foi melhorada a prestação de serviços

de fornecimento de energia elétrica na vila e no distrito, melhorou-se o policiamento comunitário e abriram-se valas de drenagem em alguns bairros da vila. A nossa rádio funciona diariamente das 6h às 20h05, o que é muito

bom para os residentes da vila (WALKER, 2004, p.76).

A Rádio Dondo funciona com um total de 61 colaboradores, dos quais 54 são

voluntários e, dentre estes, apenas 12 (22.2%), são do sexo feminino (vide anexo 2).

50 Em entrevista concedida ao autor em 17 de maio de 2005.

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135 1

5.3 Rádio Pax

A Rádio Pax foi fundada em 1954 pelo primeiro Bispo da Beira, D. Sebastião Soares

Resende. Propriedade da arquidiocese da Beira, capital da província de Sofala, teve um

importante papel na luta pela independência nacional e pela dignificação da maioria africana,

servindo como agente de mudança social, sempre a serviço dos pobres e oprimidos pelo então

regime político colonial e oferecendo espaço aos que não tinham acesso aos grandes meios de

comunicação.

O �Directório das Rádios Comunitárias de Moçambique�, compilado por Bronwyn

Walker (2004, p. 82), refere que por motivos político-religiosos a Rádio Pax foi encerrada em

1975 e só veio a ser reaberta 20 anos depois, em 1995 e, dessa vez, com orientação

comunitária e sem fins lucrativos. A rádio trabalha com emissões diárias e sua programação,

que começa as 9h e termina às 20h, tem em sua grade assuntos como saúde, agricultura,

educação para o combate ao HIV/Aids, educação religiosa, direitos humanos, mulher, esporte,

cultura e música, além de programação infantil, emitidos em português, ndau e sena, estas

duas as mais correntes na região.

Mário Manjalaze51, residente na cidade da Beira e um dos ouvintes da Rádio Pax,

revelou-nos que esta tem sido �muito importante na vida da cidade da Beira e seus arredores.

Com os programas da Rádio Pax, a população da Beira está mais informada, mais bem

formada e orientada a uma mudança na sua vida social. Desta vez a Rádio Pax voltou para

ficar e servir aos cidadãos da cidade da Beira�.

A rádio é dirigida por um diretor que responde diretamente ao Arcebispo da Beira e

tem, entre o pessoal jornalístico, técnico e operacional, um total de 27 trabalhadores (vide

anexo 3). Também conta com 13 voluntários, na sua maioria jovens da Igreja Católica. Seu

sustento provém de fundos doados pela Igreja e das receitas que resultam de publicidade,

anúncios, venda de cupons para dedicatórias, entre outras.

51 Em entrevista concedida ao autor em 18 de maio de 2005.

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136 1

Sua programação se funde na �saúde, agricultura, desporto, mulher, educação,

religião, HIV/AIDS, jovens e crianças�. Segundo o estudo da UNESCO (WALKER, 2004, p.

82), o impacto da emissora na comunidade é positivo, visto que �a população está mais

informada e com sinal de uma mudança na convivência social�.

5.4 Rádio e Televisão Comunitária de Vilankulu

A Rádio e Televisão Comunitária de Vilankulu (RTCV) foi instalada pelo ICS, seu

órgão de tutela, em 2000. Um ano depois iniciou as suas emissões diárias, nas freqüências de

FM 105.6 em rádio e, em televisão, em UHF.

Com um pouco mais de 20 colaboradores distribuídos em diversas atividades, 7 são do

sexo feminino e 13 do sexo masculino. Do total de colaboradores encontramos também 8

voluntários (vide anexo 4). Como sua missão e objetivos, a estação elegeu a comunicação

para o desenvolvimento, a fim de veicular informações que visam a educar e a

instrumentalizar as comunidades de Vilankulu para o combate à pobreza absoluta.

Num trabalho de pesquisa de campo realizado na vila de Vilankulu, província de

Inhambane, pudemos verificar de perto o quanto a rádio e televisão local encontra inserção na

vida da comunidade. Respondendo à nossa entrevista, Manuel Tsenane52, membro dessa

comunidade, disse estar contente por ter na sua vila uma rádio e uma televisão, meios

importantes para a sensibilização e informação da população local sobre questões que lhes

dizem respeito. �Na Rádio e Televisão de Vilankulu, nós podemos ouvir e ver pessoas da

nossa comunidade falando de nós para nós mesmos. Assim, muita gente recebe a mensagem

ainda fresca e fácil de ser entendida, porque os locutores e apresentadores dos programas são

pessoas que conhecemos, são filho e membros da nossa comunidade. Isso é muito bom para

nós�.

52 Manuel Tsenane, em entrevista concedida ao autor em 1º de maio de 2004, em Vilankulo, Inhambane.

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137 1

Desde a sua fundação, em 2000, a RTCV produz e emite programas em português e

xitshwa � esta, a língua mais falada em todo o distrito de Vilankulu e também em quase toda a

província de Inhambane.

Apesar de ser uma instituição comunitária tutelada pelo Estado, a Rádio e Televisão de

Vilankulu é gerida por um comitê composto de 9 membros. O presidente do município de

Vilankulu faz parte do comitê, extra-oficialmente.

Jacinta Naca, membro do comitê de gestão da RTCV disse estar �muito satisfeita em

ver o sonho da comunidade de Vilankulu se realizar. Há muito tempo sonhávamos em ter na

vila algum meio de comunicação que cobrisse o nosso distrito e, graças a Deus, hoje temos

dois meios de comunicação: a rádio e a televisão, ambas pertencentes à nossa comunidade�53.

Os programas da Rádio Comunitária de Vilankulu incluiem agricultura, informação,

desporto, notícias, espaço do munícipe, direito e democracia, educação, criança, desporto,

HIV/AIDS e cultura local. Quanto ao seu impacto, estudo da UNESCO refere que

�Com a instalação da Rádio Comunitária de Vilankulu, a comunidade do Município está a registrar mudanças em termos de comportamento em relação à educação da rapariga, educação sexual de jovens, melhoria na

produção agrícola, envolvimento da comunidade na luta contra doenças como malária, as diarréias, a cólera e o HIV/AIDS (WALKER, 2004, p. 89)�.

5.5 Rádio Arco-Homoine

A história da Associação da Rádio Comunitária de Homoine (Arco�Homoine),

província de Inhambane, está ligada àquilo que constitui a história das rádios comunitárias

financiadas pelo Projeto de Desenvolvimento da Mídia, da Unesco, em Moçambique. Houve

mobilização das comunidades locais em torno do projeto, que levaria à constituição da Arco-

Homoine e, no ano seguinte, um grupo de voluntários começou a ser formado para

trabalharem como produtores comunitários de programas radiofônicos. Em 2001 iniciaram-se

53 Entrevista concedida ao autor em 1º de Maio de 2004.

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138 1

as emissões experimentais e a inauguração oficial da estação foi realizada em 25 de junho de

2002 (WOLKER, 2004, p. 78).

Emitindo sua programação em 18 horas diárias, em FM de 103.0 MHz, e cobrindo um

raio de 75 km, a Arco-Homoine tem como objetivo principal educar e promover o

desenvolvimento das comunidades locais do distrito de Homoine e usa como línguas de

trabalho a xitshwa, a xicopi e a portuguesa, sendo as duas primeiras as mais faladas na região.

Possui mais de 40 voluntários permanentes que na sua maioria são jovens estudantes e

professores das escolas existentes no distrito.

Compõem a estrutura administrativa a assembléia geral, constituída por todos os

membros da Arco, o comitê de gestão, constituído por membros da associação eleitos pelo

órgão máximo da associação e o comitê executivo, eleito pelo mesmo órgão para administrar

os destinos da emissora.

O comitê executivo compõe-se de coordenador da estação, gerente de administração e

finanças e alguns voluntários, num total de 51 pessoas, das quais 12 são do sexo feminino e

39 do sexo masculino, distribuídos em áreas de trabalho tais como gestão, administração,

técnica, jornalística e outras.

Sua sobrevivência se baseia em receitas provenientes de venda de cupons para

dedicatórias, pagamento de programas pré-produzidos por encomenda, pagamento de

atividades de cobertura a eventos especiais como casamentos e batizados, publicidade local,

patrocínios de empresas locais, apoios de ONGs que operam na região e outras contribuições

voluntárias. A Arco conta também com o apoio, em 15 milhões de meticais mensais, do

Projeto de Desenvolvimento da Mídia � Unesco.

Para sabermos o quanto a Rádio Arco de Homoine tem sido importante para a

comunidade daquela região, entrevistamos o Sr. Manuel Xitimela, trabalhador do posto de

gasolina na vila de Homoine, que nos revelou o seguinte:

Gosto muito da programação da Rádio Arco. Seus programas são melhores que os da Rádio Moçambique em Inhambane, pois a Arco das coisas que nós

vivemos no nosso dia-a-dia. É a rádio da comunidade de Homoine. Ela tem

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139 1

sido muito útil, principalmente na prestação de informações gerais sobre a

vida do distrito, da província, do país e até do estrangeiro. Nos informa também quando há na comunidade algum falecimento, perda de animais,

bem como nos ensina sobre as técnicas agropecuárias. Um outro dado importante é que a Arco tem feito um grande trabalho de educação das

populações sobre a prevenção e combate ao HIV/Sida [HIV/Aids]. Graças à nossa rádio, muitas pessoas já sabem quais os perigos da prática de relações

sexuais ocasionais sem o uso da camisinha.

Xitimela disse ainda que �os praticantes da medicina tradicional também têm usado a

rádio para transmitir informações sobre a sua atividade. Todas as emissões são feitas não só

em português, mas também em xitshwa e xicopi, línguas mais faladas no distrito. As pessoas

gostam de acompanhar os programas nas suas próprias línguas.�

Com essa entrevista notamos o quanto a Rádio Arco tem sido importante para as

comunidades do distrito de Homoine. Percebemos, também, que o impacto tem sido maior,

pois como o Sr. Xitimela disse, as pessoas gostam de ouvir os programas da rádio quando são

transmitidos nas suas próprias línguas e, daí, assimilam as informações e mudam o seu

comportamento, em particular em relação à prevenção contra o vírus do HIV/Aids, doença

que desgraça muitas famílias em quase todo o território moçambicano.

A Rádio Arco-Homoine mantém sua programação sobre agricultura, jornal noticioso,

espaço de música, desporto, comunidade em foco, crianças, cultura, jovem, RM Jornal, discos

pedidos, entre outros. De acordo com Wlaker (2004, p. 89), o impacto da Rádio Arco-

Homoine se resume no �conhecimento da importância da rádio e do associativismo, facilidade

de comunicação entre familiares (anúncios), melhoramento no saneamento de meio�.

5.6 Rádio Nkomati

Com o objetivo de informar, educar e divertir a população do distrito da Manhiça e

arredores, a Rádio Nkomati surge no contexto da expansão das rádios comunitárias pelo

território moçambicano por meio de pedido feito pela comunidade da Manhiça quando da

instalação do telecentro na sede do distrito pelo Centro de Informática da Universidade

Eduardo Mondlane (Ciuem). Operando na freqüência modulada de 106.7 MHz, a Rádio

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140 1

Nkomati iniciou suas emissões diárias em 2003, tendo como línguas de trabalho a changana e

a portuguesa. Sua cobertura abrange um raio de 50 km.

De um total de 89 colaboradores, 17 são do sexo feminino e 72 do sexo masculino

(vide anexo 6). Desse total, 62 são voluntários, majoritariamente jovens estudantes e

professores.

Carlitos Zefanias54, gestor técnico do telecentro da Manhiça, revelou-nos que a Rádio

Nkomati é propriedade dessa comunidade e é gerida por um comitê de 11 membros que

cumulativamente gere o telecentro. Segundo Carlitos, o telecentro foi instalado em 1999 e

desde a sua instalação, o telecentro veio sendo gerido por um membro da

comunidade, sob supervisão do Ciuem. Em março de 2004, o telecentro passou a ser gerido por uma associação local, a Associação do Telecentro da

Manhiça. É esta associação que hoje tem o telecentro que engloba a Rádio Nkomati como sua propriedade, em representação dos interesses das

comunidades do distrito da Manhiça. De um total de 62 voluntários que colaboram na Rádio Nkomati, apenas 16

são remunerados. Os restantes 46 apenas se beneficiam da formação em

informática e jornalismo e de fotocópias gratuitas quando precisarem.

Respondendo à nossa indagação a respeito das estratégias da Rádio Nkomati para

cobrir suas despesas com salários e funcionamento da estação, Carlitos Zefanias respondeu

que esta é mantida pelo telecentro.

Este [telecentro] tem suas receitas provenientes da venda de cupons para dedicatórias, publicidade local, cursos de informática, venda de serviços de

internet, digitação e impressão de documentos das entidades locais, fotocópias, encadernação. Com esses serviços, o telecentro arrecada, em

média, 25 milhões de meticais por mês (mil dólares americanos). Esse valor é apenas para as despesas da rádio. Além das receitas locais, o telecentro

recebe do Ciuem um apoio de 70 milhões por mês para custear suas despesas com salários, compra de material e manutenção de equipamento.

Outro entrevistado, Armando Manhiça, residente da vila da Manhiça, disse-nos que �a

Rádio Nkomati é um bem comunitário e é gerida pela comunidade. Ela difunde os

acontecimentos locais, educa a comunidade e a induz a mudança de comportamento em

matéria da saúde, particularmente sobre o HIV/Aids�. 54 Em entrevista concedida ao autor em 15 de outubro de 2004.

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141 1

Em suma, a Rádio Nkomati tem sua programação baseada na agricultura, desporto,

programa de criança, dedicatórias mulher e lar, educação para o combate ao HIV/AIDS e um

programa chamado �doropa�, que discute assuntos da cidade. �Doropa� (em língua

Changana) significa �cidade�. Com a instalação da Rádio Nkomati na Vila da Manhiça, a

comunidade passou a a ter mais informação local, nacional e internacional; mais cuidados

com as doenças mais freqüentes do país como malária, tuberculose e HIV/AIDS; bem como

informação do trabalho e do Governo distrital (WLKWER, 2004, p. 96).

5.7 Rádio Moamba

Esta é uma das rádios tuteladas pelo Instituto de Comunicação Social (ICS). Instalada

em 1998, no mesmo ano iniciou suas transmissões diárias nas línguas changana e portuguesa,

em freqüência modulada de 102.7 MHz, cobrindo um raio de 60 km.

Sustentada pelo Orçamento Geral do Estado, com aproximadamente 35 milhões de

meticais por mês, a Rádio Comunitária da Moamba tem 5 funcionários remunerados pelo

Estado e cerca de 10 voluntários que recebem subsídios resultantes da venda de cupons para

dedicatórias e de publicidade local � receita que chega a 20% do valor recebido do Orçamento

do Estado.

Gerida por um coordenador local indicado pela comunidade e confirmado pelo

administrador do distrito, a rádio conta com a supervisão de um comitê de programação

composto por líderes comunitários, secretários dos bairros (pessoa que responde por assuntos

administrativos do bairro residencial).

Em entrevista concedida ao autor, Cláudio N�wamba, morador da vila de Moamba,

revelou-nos que a população do distrito considera a rádio comunitária seu próprio bem.

Em momentos de boa colheita nas machambas, nós contribuímos com

produtos ou dinheiro para apoiar as atividades da nossa rádio comunitária. Eu, pessoalmente, acompanho toda a programação da Rádio Moamba. Gosto

de estar informado do que acontece no meu distrito e no meu país. Por isso,

escuto muito os noticiários que passam de hora em hora, desde que abre, as

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142 1

4h45, até as 21h5. Gosto também de escutar o RM Jornal, noticiário da

Rádio Moçambique que entra em cadeia todos os dias das 19h30 às 20h.

Conforme constatamos no terreno, a programação da Rádio Moamba tem as seguintes

rubricas importantes:

Educação �aspectos sociais, de cidadania, econômicos e culturais;

Saúde pública �combate a HIV/Aids, malária e doenças diarréicas;

Produção � técnicas de criação de animais e aves, agricultura familiar e preservação de

sementes;

Cultura � local, regional e nacional, com suas diversificações;

Meio ambiente � preservação da natureza;

Vida familiar � educação para a vida familiar;

Contos tradicionais

Música regional, nacional, africana e internacional;

RM-Jornal � jornal da Rádio Moçambique em cadeia com as rádios comunitárias;

Espaços informativos � informações sobre acontecimentos no Distrito de Moamba e

da Província de Maputo.

O estudo da UNESCO (WALKER, 2004, p. 101) refere que �desde a instalação da

rádio em Moamba, a sul da Província de Maputo, o distrito registou mudanças positivas em

termos de melhoria de técnicas agrícolas e pecuárias e outros aspectos sócio-económicos�.

5.8 Rádio Voz Coop

A Rádio Voz Coop situa-se no bairro de Bagamoio, no distrito urbano nº. 5, na cidade

de Maputo. De propriedade da União Geral das Cooperativas Agropecuárias (UGC) das

cidades de Maputo e Matola, a qual congrega neste momento cerca de 6.000 membros em 186

cooperativas, a Voz Coop surgiu em 1999, quando o Projeto de Desenvolvimento da Mídia

avaliou candidaturas de associações cívicas nacionais com interesse em instalar e gerir rádios

comunitárias (WALKER. 2004, p. 105). Iniciou-se, então, a concretização de um sonho já há

Page 151: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

143 1

muito acalentado pelos associados da UGC: ter uma rádio da comunidade de produtores

agropecuários que pudesse garantir voz e espaço para a luta pelos seus direitos.

Operando em FM de 91.4 MHz, a Voz Coop iniciou suas emissões em 11 de julho de

2002, cobrindo um raio de 100 km e transmitindo os seus programas nas línguas ronga e

portuguesa. Sua programação baseia-se em informação, educação, cultura, esporte e

entretenimento. Possui 83 colaboradores, entre eles técnicos de gestão, administrativos e de

radiodifusão, jornalistas e voluntários. Do total de colaboradores, 32 são mulheres.

No seu estatuto (UGC, 2001, p. 1), a UGC define como objetivos gerais da Voz Coop:

Contribuir para o desenvolvimento do movimento cooperativo agropecuário no

cinturão das cidades de Maputo e Matola, por meio da difusão de programas técnico-

informativos, educativos, culturais e recreativos com a participação direta e ativa das

comunidades geográfica e cooperativa;

Manter, no bairro de Bagamoyo, um serviço comunitário de radiodifusão por meio de

um emissor com funcionamento sob designação da Voz Coop.

Ainda o mesmo documento define a Voz Coop como:

Independente � postura editorial independente dos poderes político-governamentais,

de partidos políticos, de organizações ou interesses econômicos, religiosos, sindicais

e outros;

Cívica � pretende elevar o nível de consciência e solidariedade sociais, educar os

cidadãos em geral e os cooperativistas em particular sobre os seus direitos e deveres,

promover democracia, cidadania, justiça social, diálogo e participação;

Comunitária � pretende dar especial atenção às atividades, e às dificuldades da

comunidade, dos movimentos cooperativos agropecuários agregados à UGC, de

Page 152: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

144 1

associações afins e de outras camadas sócio-econômicas e culturais das zonas peri-

urbanas de Maputo e Matola e de seus distritos vizinhos.

A Voz Coop tem uma estrutura administrativa um pouco diferente da das outras

rádios comunitárias visitadas. Esta tem a assembléia geral da UGC como órgão máximo

deliberativo. Para lidar especificamente com os assuntos da rádio, criou-se um comitê de

gestão e programação para o qual é eleito um coordenador, que trabalha com 69

colaboradores, distribuídos em diversas tarefas, como ilustra o anexo 9 do nosso trabalho.

A programação da Rádio Voz Coop se constitui de agricultura, SIDA, educação, programa

da mulher, educação para saúde,desporto, educação para o turismo, educação para

trânsito, entre outros; com grande impacto no meio de jovens aprendendo como valorizar

a sua própria cultura; elevação do nível de auto-estima na comunidade; aumento da

segurança e liberdade na circulação de pessoas em locais anteriormente críticos; uso

freqüente da Rádio pela comunidade para efeitos de anúncios; electrificação pela

outuridades competentes, de uma rua outrora freqüentada por malfeitores; obras de

melhoramento de alguns campos de futebol nos bairros, etc (WALKER, 2004, p. 105).

6. Autonomia e sustentabilidade das rádios e televisões comunitárias

Para que as rádios comunitárias tenham uma política editorial independente e

obtenham maior autonomia de decisão, é necessário contarem com fundos suficientes,

provenientes de fontes diversificadas. Além da sua geração de receitas e da contribuição dos

membros da comunidade, deveriam se beneficiar do Orçamento Geral de Estado, e de

contribuições de ONGs, pessoas físicas, empresários locais, administrações autárquicas e

outros. Poderia, até, criar uma espécie de figura do �amigo da rádio�, que mensalmente ou

anualmente contribuiria para o sustento da rádio que tivesse adotado como sua amiga. O

estabelecimento de parcerias pode ser uma forma de tornar viável a emissora, mas é preciso

garantir que a abertura aos apoios financeiros e materiais não descaracterize, de forma

alguma, a política editorial definida com o envolvimento da comunidade. As rádios

comunitárias situadas em lugares onde o comércio é forte, como é o caso das cidades de

Maputo, Beira, Chimoio e Nampula, conseguem angariar receitas localmente fazendo

anúncios em troca de dinheiro ou material. O mesmo não acontece com as rádios sediadas em

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145 1

lugares como: Lago, no distrito de Metangula, província de Niassa; Mueda, na província de

Cabo Delgado, Ribáuè, na província de Nampula; Milange, na província da Zambézia;

Sussundenga, na província de Manica; Búzi, na província de Sofala; Báwa, na província de

Tete; Vilankulu e Homoine, na província de Inhambane; e Moamba e Namaacha, na província

de Maputo55.

Em Homoine, por exemplo, onde o comércio é fraco, a Rádio Arco-Homoine56

sobrevive à base de venda de cupons para dedicatórias e doações mobilizadas pelo clube de

�amigos da rádio�e sua receita não atinge 6 milhões de meticais por mês, quantia equivalente

a 250 dólares americanos (1 dólar = 24.000,00 meticais). Enquanto as receitas locais não são

suficientes para cobrir as despesas mensais da rádio comunitária57, equivalentes a cerca de

820 dólares americanos por mês, e a rádio não estrutura sua coordenação e mobilização de

fundos, o Projeto de Desenvolvimento da Mídia em Moçambique oferece a ela apoio

financeiro.

As rádios e televisões comunitárias que são da alçada do Instituto de Comunicação

Social, organismo público voltado para a aplicação das políticas de radiodifusão comunitária

no país, se beneficiam do Orçamento Geral do Estado. Além disso, algumas estão em

condições de produzir receitas localmente com a prestação de serviços diversos aos membros

da comunidade, como coberturas de evento58s festivos e anúncios das igrejas, cobrando taxas

que variam de 10.000,00 a 50.000,00 meticais. Essas taxas variam de região para região e são

determinadas pelo comitê de gestão da rádio, com a condição de não implicarem intromissão

dos contribuintes no conteúdo da programação, a fim de evitar o desvirtuamento desta.

Uma atividade interessante presente em quase todas as rádios comunitárias é a

produção e venda de cupons para dedicatórias, que consistem na compra, pelos ouvintes, de

cupons em que endereçam suas mensagens para pessoas de suas relações, sejam elas amigas,

55 Ver localização geográfica das rádios e televisões comunitárias � Tabela 01 e Mapa 03, neste

trabalho. 56 Ver item 3.7.5 do capítulo III 57 Que incluem pagamento de luz, telefone, água, salários, transporte, manutenção de equipamento,

material diverso, etc. 58 25.000 MT/ 1USD, câmbio médio praticado no mercado paralelo em 2005

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146 1

colegas, familiares, etc., Isso, de fato, todas conseguem fazer, e com isso cobrem boa parte de

despesas com o material.

Nélia Taimo (2004, p. 4)59 afirma que os impressos de dedicatória são vendidos em

todas as rádios, com uma média de dez por dia. No verso do cupom existe um espaço onde é

solicitado ao ouvinte escrever sua opinião sobre a programação da rádio e colocar suas

sugestões e reclamações. Como refere Taimo, as opiniões dos ouvintes constantes nos versos

dos cupons permitiram analisar o relacionamento da comunidade com a rádio por meio da

identificação do perfil consumidor das dedicatórias. �A análise deste perfil ajudou a rádio

comunitária do Dondo60, por exemplo, a convidar os ouvintes que mais enviaram dedicatórias

a formar um �Clube de Amigos da Rádio�, com o objetivo de ajudar a mobilizar voluntários

na comunidade e a recolher de forma permanente a opinião dos ouvintes.�

Em relação à questão da sustentabilidade, pode-se perguntar: que futuro as rádios e

televisões comunitárias esperam? A missão principal do Fórum Nacional de Rádios

Comunitárias (Forcom), criado em abril de 2004, é encontrar formas de responder a essa

inquietação � que é também de todos os operadores dessas rádios e televisões �, pois seu

objetivo é fortalecer os meios de comunicação comunitários defendendo os interesses

comuns, �tendo como meta final a sustentabilidade das rádios a longo prazo nos domínios

gerais de (a) desenvolvimento institucional, (b) desenvolvimento de recursos humanos, (c)

sustentabilidade editorial e financeira e (d) sustentabilidade técnica� (TAIMO, 2004, p. 9).

Outra tarefa importante do Forcom é organizar as rádios comunitárias para estabelecer

redes de correspondentes locais e postos administrativos de cada cidade, distrito ou província

em que se localizem. Feito isto, estarão criadas as condições para o estabelecimento de uma

rede nacional das rádios comunitárias que lhes será muito útil para a troca de informações,

material e experiências de trabalho no ramo.

O movimento das rádios comunitárias em voga no país tem apoio de lideranças

religiosas e comunitárias e as instaladas em municípios são apoiadas pelos presidentes dos

59 Pesquisadora social em Moçambique. 60 Ver item 3.7.3 do capítulo III.

Page 155: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

147 1

conselhos municipais, pois estes acreditam que a rádio constitui um instrumento de diálogo

entre o poder local e a comunidade. Desse modo, em lugares onde a Rádio Moçambique não é

captada, os líderes locais tomaram para si a tarefa de mobilizar a comunidade a contribuir

financeiramente com a instalação da rádio comunitária que hoje recebe e retransmite o RM-

Jornal, principal noticiário da Rádio Moçambique.

Alfredo Finiasse Vilankulu,61 ouvinte e telespectador da Rádio e Televisão

Comunitária de Vilankulu, afirma que �a rádio veio para facilitar a comunicação na vila�,

pois, para ele, a Rádio Comunitária de Vilankulu �tem sido muito útil na transmissão de

avisos para a comunidade e na convocação de reuniões de grande urgência, que antes eram

feitas boca-a-boca e de casa em casa e demoravam a chegar.

Hoje, a educação, a informação, a formação e a cultura também navegam pelas ondas

das emissoras de rádio comunitárias, que levam entretenimento e serviços de utilidade pública

às comunidades locais onde estão inseridas.

As rádios comunitárias cobrem um raio de aproximadamente 60 km e ajudam a

promover a auto-estima, a dignidade e a integração dos seus ouvintes. A Unesco, por

intermédio do Projeto de Desenvolvimento da Mídia já financiou a instalação de mais de oito

rádios comunitárias e tem o apoio do governo moçambicano nessas iniciativas. O Instituto de

Comunicação Social, beneficiando-se das verbas do Orçamento Geral de Estado, desenvolve

desde a sua fundação em 1977, suas atividades no âmbito da comunicação comunitária em

todas as onze províncias moçambicanas, incluindo a cidade de Maputo.

7. Relação rádios comunitárias e privadas

No contacto feito junto às rádios comunitárias que representam o universo do nosso

estudo, constatamos não existir nenhuma relação entre as rádios comunitárias e as privadas,

isto por causa dos regimes de propriedade e de sustentabilidade que orientam cada grupo de

rádios. Conforme referimos anteriormente, as rádios comunitárias são as que não visam lucro,

61 Em entrevista concedida ao autor no dia 1º de maio de 2004, em Vulankulo, Inhambane.

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148 1

são pertenças das comunidades onde se encontram inseridas, geridas pelas comunidades e

servem os interesses destas. Sua filosofia básica difundir os feitos e as experiências das

comunidades e trazendo as de outras em forma de troca de serviços.

O único relacionamento algumas rádios comunitárias têm estabelecido é com a Rádio

Moçambique, em forma de troca de serviços. Neste âmbito, a Rádio Moçambique garante às

rádios comunitárias a assistência técnica aos equipamentos bem como oferecer capacitação

técnica aos operadores das rádios comunitárias. Em troca, as rádios comunitárias, por estarem

inseridas na comunidade locais, colhem, em primeira mão, informações dos acontecimentos e

repassam-nos à rádio Moçambique. Por outro lado, as rádios comunitárias oferecem o espaço

do horário nobre para a retransmissão do RM-Jornal que vai ao ar todos os dias das 12:30 as

13:00 e da 19:30 as 20:00.

Manuel Veterano62, Presidente do Conselho de Administração da Rádio Moçambique,

sustenta que a cooperação entre a sua instituição e as rádios comunitárias só traz benefícios

para ambas as partes. Segundo Veterano, �a Rádio Moçambique tem experiência técnica e

pode, sem ônus, dar assistências às rádios comunitárias e, em troca, estas partilharem conosco

informações que colhem no campo porque elas têm acesso direto às comunidades, facilidade

que a Rádio Moçambique não tem apesar de estar cobrindo 80% do território nacional�. A

mesma opinião é partilhada pela Sofia Ibrahim63, Diretora Geral do Instituto de Comunicação

Social, quando diz que

�o ICS, apesar de tem o seu pessoal técnico que assiste as suas rádios

comunitárias, não tem tido capacidade de fazê-lo suficientemente

devido à insuficiência financeira para fazer cobrir as despesas de

deslocação dos técnicos para os locais onde estão instaladas as rádios

comunitárias. Para o efeito, recorrem à Rádio Moçambique que, em

forma de troca de serviços, os técnicos baseados nos seus emissores

provinciais, deslocam-se às rádios comunitárias na Província e nos

resolvem os problemas técnicos, bem como treinar os nossos

62 Em entrevista concedida ao autor em 16 de Fevereiro de 2003, em Maputo. 63 Em entrevista concedida ao autor em 11 de Fevereiro de 2003. em Maputo

Page 157: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

149 1

operadores técnicos. Isso tem trazido uma mais valia para o Instituto de

Comunicação Social�.

8. O enquadramento legal das rádios e televisões comunitárias

A Constituição da República de 1990 é o mais importante marco legal do país e

reconhece o direito de todos os cidadãos à liberdade de expressão e de imprensa; a magna

carta abriu espaço para que fosse aprovada pela Assembléia da República a primeira Lei de

Imprensa do país (Lei 18/91), a qual define os princípios que regem a atividade da imprensa e

estabelece os direitos e deveres dos profissionais de comunicação social.

Por sua natureza, a Lei de Imprensa é bastante abrangente e fornece o quadro jurídico

e de regulamentação para as atividades de radiodifusão comunitária. No entanto, o decreto nº.

9/03, de 22 de junho de 1993, que estabelece as condições de participação dos setores

cooperativo, misto ou privado na radiodifusão e na televisão, não oferece provimento legal à

participação de operadores não-profissionais. Esse aspecto constitui objeto de regulamentação

específica, conforme refere o artigo 29 do mesmo decreto.

A República de Moçambique, embora disponha de uma legislação aberta e

democrática em relação aos meios de comunicação social, não possui, no entanto, qualquer

legislação específica que regule a comunicação social de caráter comunitário, em particular as

rádios e televisões comunitárias.

Tendo em vista esse panorama, qual é, afinal, o enquadramento legal desse setor de

comunicação social?

As rádios comunitárias de orientação estatal têm um mandato concedido pelo

Primeiro-Ministro, por intermédio do Gabinete de Informação, e são tuteladas pelo Instituto

de Comunicação Social (ICS). As estações de orientação religiosa trabalham num espaço

excepcional dentro da legislação para mídia privada e as estações sob gestão das comunidades

locais, o caso específico das por nós visitadas, trabalham ao abrigo da legislação para as

Page 158: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

150 1

associações, as quais podem possuir e operar os seus meios de comunicação social nos termos

do decreto 9/93.

Nesse contexto, cada rádio, TV ou associação comunitária cria uma estrutura com

corpo deliberativo, executivo e fiscalizador reconhecidos legalmente pelos governos distrital e

provincial e pelo registro notarial local. Os caminhos para a atribuição da referida autorização

são bastante sinuosos, porque o processo envolve diversos atores: a obtenção de licença e

freqüência é feita junto ao Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM), o

qual analisa os aspectos técnicos da rádio e atribui a correspondente freqüência; a emissão do

alvará é feita pelo Gabinete de Informação; a autorização para o funcionamento é da

competência do Conselho de Ministros.

Os três primeiros procedimentos demoram de um a dois meses e o último, o da

formalização e confirmação ao mais alto nível governamental, pode durar de seis a doze

meses.

Vale ressaltar que o ICS foi a primeira instituição do país a criar rádios comunitárias, o

que o torna referência no assunto, e que há muitas iniciativas, de instituições religiosas,

associações, organizações não-governamentais e mesmo de cooperação internacional, como o

Projeto de Desenvolvimento da Mídia em Moçambique (Unesco Media Project)64. Em relação

à implantação dessas rádios, algumas instituições acreditam que o ICS tem múltiplas

vantagens na obtenção de freqüências e na isenção de taxas e impostos, por seu caráter estatal.

A existência de regulamentação específica evitaria ambigüidades e mal�entendidos,

beneficiando a todos.

Como forma de implementar o estabelecido no artigo 74 da Constituição da

República, o governo tem atendido a inúmeros pedidos de licenciamento de operadores locais

e comunitários no setor de difusão para rádio e televisão, procurando garantir a comunicação

64 Criado pela Unesco e pelo governo moçambicano com a missão de promover a democratização dos

meios de comunicação social e apoiar a criação e o desenvolvimento da mídia independente e a concepção e

implementação dos projetos de instalação das rádios comunitárias em Moçambique.

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151 1

em prol do desenvolvimento orientado para as comunidades e ou populações locais, sobretudo

as das áreas rurais.

As primeiras rádios comunitárias (ou RCs), a Xai-Xai e a Moamba, foram criadas pelo

ICS e seguidas pelas financiadas e instaladas pelo Projeto de Desenvolvimento da Mídia de

Moçambique. Outras rádios tidas como comunitárias são, por exemplo, a Encontro e a Maria,

da Igreja Católica, e a Miramar, da Igreja Universal do Reino de Deus.

Desde o início, as rádios comunitárias funcionam sem proteção legal; ainda, conforme

já dissemos, não existe nenhuma legislação ou regulamentação específica para essas rádios

comunitárias, o que evidentemente cria uma série de problemas para os operadores.

A inexistência de uma lei específica para a radiodifusão comunitária é notada em uma

diversidade de aspectos que não se enquadram no que estabelece o artigo 29 do decreto nº.

9/93, de que incluem a propriedade e a natureza das estações, os processos constitutivos e de

gestão, os conteúdos programáticos e o público-alvo. Além disso, não se sabe qual é o

enquadramento legal e institucional das rádios comunitárias em Moçambique, se podem ou

não pagar os impostos, se estão sujeitas ao direito público ou privado. Sua proteção legal

existente é a Lei de Imprensa e a Lei das associações.

Essa situação tem preocupado os operadores, o que fez com que representantes de

diversas instituições relevantes, apoiados pelo Projeto de Desenvolvimento da Mídia em

Moçambique, promovessem, em 2002, uma série de debates com vista à elaboração de uma

proposta de regulamentação da existência e do funcionamento das rádios comunitárias no

país.

Como refere Peruzzo (2003, p. 245),

A comunicação comunitária acaba por se revelar um fenômeno complexo,

pois não tem visibilidade amplificada como é a da grande mídia, além de poder ser compreendida de diferentes maneiras. Em suma, diferentes manifestações de comunicação que ocorrem em nível local são colocadas indiscriminadamente sob o rótulo de comunitárias, o que acaba por gerar

distorções na compreensão do fenômeno. Alguns princípios são fundamentais para a consecução de uma comunicação comunitária. Para ser

considerada como tal, não basta que seja de baixo alcance e que se destine a

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152 1

pequenas localidades. É necessário que suas ações sejam sustentadas e

orientadas para fins comunitários.

Tomás Vieira Mário65, sustentando a necessidade de um instrumento legal para o setor

da comunicação comunitária, refere que �o que ocorre agora é que as rádios comunitárias que

estão debaixo do Estado através do Instituto de Comunicação Social (ICS) são cobertas pelo

quadro legal desta instituição. As outras rádios encontram a cobertura para existirem como

comunitárias, não como comerciais, mas como pertencentes das associações cívicas, por estas

possuírem uma base legal para a sua existência�. Assim, as rádios existem como patrimônio

dessas associações e não por possuírem um reconhecimento legal.

Na verdade, não existe nenhuma legislação sobre as rádios comunitárias em

Moçambique e essa necessidade já é percebida, de modo que o Gabinete de Informação,

órgão que tutela o setor de comunicação social, preparou uma proposta de regulamento sobre

radiodifusão local, a qual mereceu a aprovação pelo Conselho de Ministros, em 2004. Esse

documento, na sua primeira página, apresenta a radiodifusão local como �a difusão

radiofónica e televisiva em frequência modulada, operada em baixa potência aparente e

cobertura restrita, com sede na localidade ou área de prestação de serviço�. Explica que se

trata de �baixa potência aparente limitada quando a rádio opera a um máximo de 500 watts e

altura do sistema irradiante não superior a 30 metros� e de �cobertura restrita aquela destinada

ao atendimento de determinada comunidade ou população de uma localidade, vila ou bairro�.

No nosso entender, essa conceituação resume exatamente aquilo que constitui a essência da

radiodifusão comunitária e significa um passo largo para a criação de um instrumento

específico, em termos de legislação, para esse setor.

No que diz respeito ao uso de espaço da rádio comunitária, não é para qualquer um.

Apenas os operadores das rádios comunitárias é tem acesso e, quando muito, as autoridades

locais e chefes tradicionais, em coordenação com o Comitê de Programa de cada rádio

(dependendo da estrutura de cada rádio), para anunciarem alguns acontecimentos públicos

que envolvem todos os membros da comunidade e para o bem desta. Para se evitar atropelos

aos usos e costumes locais, os membros da equipe edidtorial ou de programação são

chamados a uma linguagem praticada na comunidade e por esta respeitada, principalmente

65 Em entrevista concedida ao autor em 20 de janeiro de 2003, em Maputo.

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153 1

quando se trata de discursos vinculados aos programas de educação para o combate ao

AIV/AIDS.

9. O uso das línguas moçambicanas nos meios de comunicação de massa

comunitários

Falada ou escrita, a língua é um meio de comunicação privilegiada que, pelo seu

domínio, abre à humanidade um caminho versátil e de possibilidades praticamente

inesgotáveis de expressão. É pela língua que o ser humano veicula a cultura e projeta no

mundo o que ele realmente é.

Na maioria dos países africanos, devido a seus antecedentes históricos, as línguas

oficiais são originárias das ex-potências colonizadoras, todas elas européias, mas seu uso

ocorre paralelamente ao de uma infinidade de línguas nacionais, as quais são freqüentemente

o único sustentáculo lingüístico para a maioria da população.

Moçambique não é exceção a essa regra. Com mais de 20 línguas faladas no país, a

oficial é o português, que, apesar disso, é acessível a uma minoria concentrada nos centros

urbanos e suas periferias, que corresponde a 43,3% da população moçambicana. Tal minoria é

subdividida em dois grupos, dos quais se estima que um seja constituído por falantes

exclusivos da língua portuguesa (2,36%) e outro (97,64%), por pessoas que falam

simultaneamente o português e uma ou duas das línguas moçambicanas mais utilizadas, como

makuwa, lomwe, chuwabo, shimakonde, nyanja, nyungwe, xitewe, sena, ndau, xitshwa, xicopi,

changana e ronga. A grande maioria da população (56,7%) desconhece totalmente o

português e comunica-se apenas em suas línguas de origem, as quais não sabem ler nem

escrever. A insuficiência do instrumento de intervenção e de comunicação dos não-

alfabetizados ou desconhecedores da língua oficial faz com que estes se sintam privados de

participar do processo de desenvolvimento nacional em curso, devido à insuficiência de seu

instrumento de intervenção e de comunicação. Cabe salientar que, dessa maioria, cerca de

70% encontra-se concentrada nas áreas rurais.66

66 Dados do Instituto Nacional de Estatístas (INE), Maputo, 2003.

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154 1

As campanhas de alfabetização e educação de adultos realizadas no país desde 1975

sempre foram feitas apenas em língua portuguesa. Tais campanhas não têm alcançado bons

resultados, pois, para os alfabetizandos adultos, a promoção da alfabetização em língua

portuguesa revela uma dupla violência: ao mesmo tempo em que se exige dele o domínio dos

rudimentos da escrita desse idioma, é preciso que ele assimile as informações de acordo com

sua lógica interna de raciocínio. Isso nos leva a concluir que a melhor forma de resolver o

problema de analfabetismo no país, como primeiro passo para o desenvolvimento sustentável,

é promover a alfabetização pelas línguas de uso corrente dos alfabetizandos, aproveitando as

experiências levadas a cabo por algumas igrejas até antes da Independência Nacional, as quais

promoviam a alfabetização em línguas moçambicanas aos que a elas se convertiam, como

forma de prepará-los para a evangelização dos não-convertidos.

O uso das línguas moçambicanas nos meios de comunicação social começou no

período colonial, essencialmente para promover uma maior penetração da propaganda

colonial-fascista e incentivar o divisionismo, o tribalismo e o regionalismo no seio da

população moçambicana. Com o início da luta armada de libertação nacional, em 1964, o

colonialismo português passou a usar essas línguas com o objetivo de desvirtuar os princípios

da luta pela autodeterminação e independência do povo. Nesse momento foi criada, na então

Rádio Clube de Moçambique, a emissora Voz de Moçambique, a qual transmitia seus

programas pelos emissores de Lourenço Marque (hoje Maputo), Quelimane, Nampula e Porto

Amélia (hoje Pemba), sob responsabilidade dos Serviços de Ação Psicossocial � Divisão de

Ação Educativa e Social, do governo colonial. A produção do programa competia, portanto,

àquele órgão, em línguas xichangana e xironga; em Quelimane e Nampula, em makuwa; e,

em Pemba, em shimakonde.

Conforme já referimos em outro trabalho (JANE, 1990, p. 175), a Frelimo, na sua

Conferência de Informação e Propaganda, realizada em novembro de 1975, recomendou à

Rádio Moçambique o uso das línguas moçambicanas em suas transmissões e, não sendo

verificado, voltou a constar na agenda do 1º Seminário Nacional da Informação, realizado de

12 a 15 de novembro de 1977, na cidade de Maputo. Nos documentos desse seminário,

segundo Jane (1990, p. 175), os participantes recomendaram que:

Page 163: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

155 1

a) A Rádio Moçambique continuasse a ser o principal veículo das línguas

moçambicanas no conjunto dos órgãos de informação;

b) A propaganda da Rádio Moçambique em línguas nacionais fosse reestruturada em

prol de uma definição correta de prioridades, considerando as limitações técnicas,

materiais e humanas que se verificavam nessas emissões;

c) A Rádio Moçambique promovesse o ensino da língua portuguesa pelo sistema

alfabetização à distância e divulgasse técnicas e conhecimentos básicos de higiene,

saúde, alimentação, agricultura, construção, fabricação de instrumentos simples,

cuidado com as crianças e sua educação na família, etc.

d) As emissões em línguas nacionais fossem uniformizadas, diminuindo o desequilíbrio

existente entre a emissão em ronga e nas demais línguas;

e) Particular importância fosse dada à elevação do nível técnico-profissional dos

tradutores de línguas moçambicanas;

f) Com o apoio das estruturas do Estado, designadamente do Ministério da Educação e

Cultura, fosse feito um estudo da linguagem utilizada nas emissões de rádio em

línguas moçambicanas, com particular atenção para a coleta e análise das

transformações e inovações que se operam na linguagem popular � cuja introdução

nos programas permitiria superar a estrutura semântica de conotação tradicional-

feudal e religiosa da linguagem utilizada na rádio;

g) A aprendizagem científica das línguas moçambicanas pelos jornalistas fosse

organizada e estimulada;

h) Na impossibilidade de, em curto prazo, utilizar as principais línguas moçambicanas

na imprensa e no cinema, fosse iniciado um estudo profundo e objetivo das

possibilidades mais eficazes de fazer, em especial pela imprensa.

Page 164: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

156 1

As recomendações acima descritas enfrentaram dificuldades de implementação por

falta de condições técnicas nos meios de comunicação social, principalmente na rádio e no

cinema, até que foram feitos estudos de aplicação das propostas pelo Núcleo dos Estudos das

Línguas Moçambicanas (Nelimo), criado especificamente para o efeito pela Faculdade de

Letras da Universidade Eduardo Mondlane, em 1978. A partir dessa data vários estudos e

seminários vêm sendo realizados pela Nelimo e pela Rádio Moçambique, com vista à

padronização da ortografia das mais de 20 línguas moçambicanas, divididas em oito.

O português adotado como idioma oficial constitui uma segunda língua, uma vez que a

grande maioria da população moçambicana possui língua materna. O moçambicano só tem

contato com o português quando vai para a escola, fora desta se comunica em sua língua

materna ou na que predomina na região de origem, com a qual aprende a ser gente, aprende a

se descobrir e a conviver com seu semelhante.

No 1º Seminário sobre a Padronização da Ortografia das Línguas Moçambicanas,

organizado pela Nelimo e realizado no segundo semestre de 1988, Graça Machel, então

Ministra de Educação, no seu discurso de abertura destaca o enquadramento �pluri-étnico e

multi-linguístico� moçambicano como �a razão dialética da história que criou imperativos da

construção de uma Nação em que a língua de unidade nacional não é a língua materna da

maioria dos Moçambicanos� (JANE, 1990, p. 178). Nesse contexto, a �decisão política,

ocorrida no curso da própria luta armada de libertação nacional, de tomar a língua portuguesa

como língua oficial não traduz qualquer complexo perante o antigo colonizador ou o

reconhecimento da superioridade de sua cultura�. Isso se deveu à própria história da

colonização portuguesa em Moçambique, que se tornou parte da cultura moçambicana,

originalmente caracterizada por línguas locais, ao longo de quase cinco séculos de dominação

e exploração.

Enquanto o colonialismo negava o ensino aos moçambicanos, as missões religiosas

foram criando raízes no território nacional, a partir das três últimas décadas do século XIX,

promovendo a alfabetização dos moçambicanos em línguas locais com o objetivo de formar

quadros evangelizadores e garantir que a maioria de seus fiéis pudesse ler a Bíblia. Entretanto,

o colonialismo português advogava abertamente o racismo, afirmando que o ensino para

negros deveria ser limitado à formação de trabalhadores manuais, de forma a apoiar o

Page 165: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

157 1

desenvolvimento capitalista da colônia. Nesse sentido, a educação era já equiparada ao

aportuguesamento dos negros, tal como Gomes (1899, p. 101) escreve, citando Mouzinho de

Albuquerque: �O que melhor temos a fazer para educar e civilizar o indígena é desenvolver

praticamente as suas aptidões de trabalho manual e aproveitá-lo para exploração da

Província�. Essas palavras deixam claro que não constituía preocupação do império colonial

português escolarizar o povo moçambicano: seu interesse principal era tornar os

moçambicanos instrumentos de produção e exploração de recursos locais para o

enriquecimento da capital do império.

Com essa política de ensino aplicada pelo colonialismo português, o moçambicano

negro era completamente afastado do ensino da língua portuguesa e científico em geral. Em

razão disso, até hoje a língua portuguesa não é falada nem conhecida pela maioria da

população, e, apesar de oficial, é, na melhor das hipóteses, a segunda língua de alguns.

Arlindo Lopes67, presidente do conselho de administração da Televisão de

Moçambique (TVM), afirmou que a introdução das línguas locais na programação desta,

principalmente para a transmissão de telejornais e outras informações de interesse nacional, já

foi analisada e que há planos nesse sentido, mas que, �[...] devido à diversidade de línguas

nacionais, o ideal seria a existência de mais um canal televisivo dentro da TVM para permitir

maior espaço e enquadramento dessas línguas nas emissões diárias�.

Como diz Namburete 2003, p. 39), referindo-se aos meios de comunicação social

como veículos de transformação da sociedade, �torna-se necessário que as comunidades

tenham acesso a esses meios para, através deles, operarem as mudanças necessárias�, mas isso

implicaria que as comunidades tivessem o mínimo de conhecimento da língua portuguesa,

preferencialmente utilizada pelos meios de comunicação social. Concordando com

Namburete, diríamos que a preferência dos grandes meios de comunicação social pelo uso da

língua portuguesa resulta principalmente de seu caráter oficial, capaz de superar divergências

que poderiam derivar da adoção de uma das línguas moçambicanas como língua nacional. Tal

preferência pelo uso do português, segundo Namburete (2003, p. 39), �cria grandes

constrangimentos, principalmente quando é sabido que a maioria da população não fala nem

67 Em entrevista concedida ao autor no dia 12 de fevereiro de 2003, em Maputo.

Page 166: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

158 1

entende português, mesmo assim, é por meio dela que os grandes problemas do país são

debatidos e aprovados na casa do povo�, sem que este entenda o que é discutido e decidido

em seu nome.

Isso nos leva a concluir que, para que a informação chegue plenamente a todo o povo

moçambicano, torna-se necessário que, enquanto o português não for de domínio da maioria,

seja incentivado o uso das línguas moçambicanas nos grandes meios eletrônicos de

comunicação social, isto é, na rádio e na televisão, principalmente os do setor público (Rádio

Moçambique e Televisão de Moçambique). É preciso que se introduza nestes um sistema de

educação popular ou de ensino a distância da língua portuguesa, que se espera venha a ser de

fato uma língua de unidade nacional.

As rádios e televisões comunitárias, por estarem intimamente ligados à realidade das

comunidades locais, assumiram desde a experiência pioneira da Rádio Moçambique e do

Instituto de Comunicação Social, o uso das línguas moçambicanas de domínio local na sua

programação. O tempo de emissão é partilhado entre estas e a língua portuguesa, e os

programas transmitidos em português costumam ser também emitidos em línguas locais, o

que abre espaço para a compreensão e a conseqüente participação dos ouvintes em tudo o que

lhes é transmitido.

10. Rádios comunitárias e Telecentros

Os telecentros foram adotados amplamente nos Estados Unidos, no Canadá e na

Austrália, mas nesses países o enfoque é em serviços mais avançados, como acesso à internet

e a videoconferências, em vez de telefonia básica. Acredita-se que, ao oferecer serviços de

informação e comunicação, os telecentros adquirem grande utilidade para o desenvolvimento

das comunidades locais.

Page 167: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

159 1

A definição de telecentro que parece consensual foi apresentada pela brasileira Rede

Telecentros, do Rio Grande do Sul (p.1)68: �É um espaço de universalização do acesso aos

recursos tecnológicos e de capacitação de pessoas para o uso de computadores e da Internet,

além de se contribuir num ambiente de comunicação e informação para uso das

comunidades�. Assim, o telecentro nasce com a finalidade de promover o bem-estar social e

de constituir-se num local de livre acesso à população, com equipamentos conectados à

internet, inúmeros serviços e programação permanente de atividades que atraiam o interesse

das pessoas pelo mundo virtual e as incentivem à transformação da realidade.

Nos países em desenvolvimento, em particular os do continente africano, os

telecentros são instalados em locais públicos que permitam o acesso dos cidadãos a meios e

serviços agregados que contribuam para o bem-estar social e econômico das comunidades

locais. Em alguns países como Gana, Quênia e Senegal, há abertura para o estabelecimento de

telecentros privados, mas grande parte dos telecentros estabelecidos na África recebeu

considerável apoio da Unesco, da União Internacional das Telecomunicações (ITU) e do

Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento Internacional (IDRC), entre várias outras

agências internacionais.

Existem na África mais de 30 projetos-piloto de Telecentros Comunitários

Multifuncionais (TCMs), que estão sendo executados para testar modelos, mecanismos de

implantação e estratégias que possibilitem sustentabilidade. Os mais conhecidos são os de

Benin, Moçambique, Mali, Tanzânia e Uganda, e o programa sul-africano apoiado pela

Agência Universal de Serviços (Universal Service Agency � USA)69.

O conceito de telecentro é recente e, por isso, principalmente no continente africano,

não há muito conhecimento produzido a respeito das formas de implementá-los e de garantir

sua sustentabilidade econômica, a qual pode demorar para ser alcançada e é, provavelmente, o

maior desafio dos TCMs africanos.

68 Programa de inclusão digital, da Secretaria da Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, acessado

em 06 de julho de 2005 - <http://www.sct.rs.gov.br>. 69 Alguns telecentros na África. www. http://www.telecentros.org.mz/pub.htm

Page 168: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

160 1

Embora seja tecnicamente possível inaugurar telecentros pequenos na maioria das

aldeias rurais, economicamente pode ser inviável aumentar a oferta de serviços, pois é

importante que o telecentro seja adaptado às necessidades de serviços da comunidade local.

Um telecentro pode fornecer uma variedade de serviços para diferentes grupos de

usuários dentro de uma comunidade, em relação a temas como educação e treinamento,

informação, saúde, cultura, economia, bem-estar, questões sociais e segurança, entre outros.

O tipo mais simples de telecentro pode se resumir a um telefone celular alugado pelo

dono a pessoas de comunidades pequenas, onde há poucos ou até mesmo nenhum telefone;

telecentros ao ar livre que oferecem telefone e acesso à internet se tornam cada vez mais

comuns; alguns telefones, como o iPhone, na África do Sul, têm agora modem, tela de toque,

teclado e suporte para impressão. Telecentros como esses podem ser instalados em lojas de

artigos variados.

Outra possibilidade é um telecentro inicialmente oferecer um único aparelho de

telefone público e então, de acordo com a demanda, se expandir e obter aparelho de fax,

fotocopiadora e computador, passando a oferecer acesso à internet e a outros serviços.

De acordo com Jensen e Esterhuysen (2003, p.13.), o tamanho e o alcance de qualquer

telecentro dependem dos equipamentos que este possui; geralmente, há quatro tamanhos:

micro, mini, básico e multifuncional, e podem ser instalados em cooperativas, bibliotecas,

centros comunitários, igrejas e até mesmo em estações de rádio comunitária.

10.1 Telecentro: um novo espaço comunitário

O telecentro constitui um ambiente voltado para a oferta de cursos e treinamentos

presenciais e a distância, o qual oferece informações, serviços e até oportunidades de

negócios, tendo em vista o fortalecimento das condições de competitividade da microempresa

e da empresa de pequeno porte e o estímulo à criação de novos empreendimentos. Serve como

um instrumento para aproximar os cidadãos, as empresas e instituições públicas e privadas, as

Page 169: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

161 1

organizações não-governamentais e a sociedade em geral do mundo das novas tecnologias de

informação e comunicação (NTIC).

A dificuldade de acesso a recursos digitais em Moçambique é grande e, como forma

de minimizá-la, a Universidade Eduardo Mondlane, em cumprimento do seu plano diretor e

em consonância com o plano qüinqüenal do governo, criou o Projeto dos Telecentros70, o qual

auxilia a instalação de telecentros multifuncionais em algumas comunidades rurais do país. O

objetivo imediato dos telecentros é permitir o acesso da comunidade à rede mundial de

computadores e aos serviços e informações oferecidos pelas autoridades governamentais às

comunidades onde esse espaço já existe. Esses telecentros são instalados em áreas de

desenvolvimento considerado baixo, para que as comunidades sejam beneficiadas pelos meios

disponibilizados para o seu desenvolvimento71.

Atualmente, Moçambique possui nove telecentros instalados e em pleno

funcionamento, localizados em Namaacha, Matola e Manhiça, na província de Maputo; Zona

Verde, na cidade de Maputo; cidade de Chókwè, na província de Gaza; Inhambane, na

província do mesmo nome; e Chimoio, Gôndola e Sussundenga, na província de Manica.

Cada telecentro é equipado com no mínimo dez computadores com conexão à internet de alta

velocidade, linha telefônica, impressora, máquina fotocopiadora, pequena biblioteca, emissora

de rádio comunitária de freqüência modulada (FM) que cobre um raio de aproximadamente

10 km e um telefone público72. Todos eles prestam serviços às suas comunidades,

contribuindo para o desenvolvimento local, e apesar de haver diferenças entre si devido a

especificidades locais, cada telecentro procura auto-sustentabilidade econômica e financeira

vendendo serviços à comunidade por preços acessíveis.

Os telecentros de Moçambique nasceram de um projeto-piloto fruto de uma iniciativa

do Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane (Ciuem), instituição de

70 Projeto de instalação dos telecentros na vila da Manhiça e na vila de Namaacha. Centro de

Informática da Universidade Eduardo Mondlane: http://www.telecentros.org.mz, acessado em 8 de julho de 2005 71 Telecentros de Moçambique. Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane: Disponível

em: <http://www.telecentros.org.mz>. Acessado em 8 de julho de 2005 72 Telecentros em Moçambique. Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane � CIUEM,

2003, p.1. Disponível em: <http://www.telecentros.org.mz> Acessado em 8 de julho de 2005.

Page 170: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

162 1

propriedade pública que se responsabiliza pela coordenação das atividades de apoio a todos os

telecentros do país. O Ciuem trabalha com equipes multidisciplinares constituídas por

acadêmicos, engenheiros e técnicos da Universidade Eduardo Mondlane e das

Telecomunicações de Moçambique, que garantem a realização de estudos de viabilidade e a

avaliação periódica dos telecentros.

Os primeiros três telecentros instalados em Moçambique, em 1999, nas vilas de

Namaacha e Manhiça, foram financiados pelo Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento

Internacional (IDRC) do Canadá, primeiro parceiro do Ciuem. Essa iniciativa surgiu no

âmbito das estratégias do Programa Acácia73, com o objetivo de incentivar o desenvolvimento

das zonas rurais pela facilitação do acesso das comunidades locais às novas tecnologias de

informação e comunicação. A W.K.Kellogg Foundation tornou-se o segundo parceiro do

Ciuem, financiando o estabelecimento de três telecentros de Manica e um de Gaza, todos

inaugurados em 200274, e atuando no âmbito da estratégia de desenvolvimento rural integrado

em distritos previamente selecionados daquelas províncias.

O telecentro aparece hoje como um espaço de comunicação e informação para as

comunidades, de universalização do acesso aos recursos tecnológicos e de capacitação de

pessoas para o uso dos computadores e da internet. Configura-se como um estabelecimento de

cunho social, por proporcionar livre acesso da população aos serviços oferecidos. O telecentro

disponibiliza, com a internet, uma série de serviços e programação permanente de atividades

que atraiam o interesse das pessoas pelas possibilidades do mundo virtual, permitindo, dessa

forma, mudanças nos hábitos da comunidade as quais se revertam em qualidade de vida.

Uma das características principais do telecentro é a participação da comunidade: antes

de inaugurar um telecentro, é importante consultar a comunidade local e observar se há

adesão ao projeto, pois esta precisa acreditar na importância dos benefícios a serem oferecidos

e se envolver na gestão e em todas as instâncias decisórias. Para a comunidade, o telecentro

73 Programa criado pela Associação Acácia, em 2004, cuja atividade principal é promover o replantio

de acácias na vila de Namaacha. 74 Telecentros de Moçambique. Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane - CIUEM

Disponível em: <http://www.telecentros.org.mz.> Acessado em 8 de julho de 2005

Page 171: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

163 1

deve dinamizar e incentivar a geração de renda e o combate à exclusão, isto é, deve ser um

instrumento de inclusão dos membros da comunidade em defesa dos interesses comuns.

Tal como acontece com as rádios e televisões comunitárias vistas em capítulo anterior,

a participação das comunidades nos projetos de estabelecimento de telecentros não é

novidade; desde o estabelecimento dos dois primeiros telecentros (Namaacha e Manhiça), as

comunidades locais foram chamadas a participar de forma efetiva e atuante na implementação

desses órgãos. Esse conceito foi ampliado para outras regiões do país e hoje cada telecentro

mantém um conselho de gestão constituído por pessoas da comunidade eleitas em assembléia.

10.2 A contribuição dos telecentros para o desenvolvimento local

O estabelecimento de telecentros na África constitui um grande desafio para todos os

países do continente, em particular Moçambique, afinal, trata-se de usar as novas tecnologias

de informação e comunicação (NTIC) como ferramentas para o combate à pobreza absoluta,

batalha travada desde o fim da guerra dos 17 anos, em 1992. No nosso entender, para ganhar

essa batalha é necessário, entre outras coisas, que a população moçambicana tenha acesso aos

serviços de comunicação e informação oferecidos pelos telecentros que estão sendo

estabelecidos no país.

Apesar de cada telecentro possuir características locais próprias, muitos de seus

objetivos são comuns, entre eles, estimular e responder à demanda por serviços de informação

e comunicação, de forma a atender às necessidades da comunidade. De certo modo, todos os

telecentros desempenham um papel relevante nas comunidades às quais servem; um indicador

importante do sucesso de qualquer telecentro é a profundidade da integração com a

comunidade onde estão inseridos.

Ao serem beneficiadas pelo telecentro com serviços que os fortaleçam pessoal e

profissionalmente e que também auxiliem o desenvolvimento da comunidade, as pessoas têm

uma sensação de pertença para como telecentro. Se a população � ou seus representantes �

está envolvida na implantação de um telecentro próspero, sua autoconfiança é motivada e

Page 172: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

164 1

diminui o pessimismo em relação às mudanças; além desses, muitos outros benefícios

surgirão, permitindo assim que o poder esteja nas mãos das comunidades a que servem.

Os telecentros podem ser usados para promover acesso ao ensino a distância,

oportunidades de emprego, treinamento e formação técnico-profissional e novos negócios.

Podem, ainda, permitir que empresários planejem suas atividades de produção e se

comuniquem com parceiros e clientes em potencial a distância. Pela internet, os telecentros

oferecem aos estudantes e educadores a possibilidade de se associar a qualquer instituição

educacional no mundo, acessar materiais de arquivo ou receber, on-line, etc.; podem, também,

oferecer serviços especializados aos trabalhadores da saúde, tais como programas de

telediagnóstico, encomenda de materiais, divulgação de informações de saúde pública e

obtenção de conselhos de especialistas para problemas de saúde mais complexos.

Além de fornecer acesso aos serviços das NTIC, o telecentro pode ser também um

lugar onde as pessoas se encontrem e troquem idéias e experiências sobre vários assuntos da

vida e sobre as novas tecnologias úteis para o seu dia-a-dia.

Como já referimos anteriormente, os telecentros surgem com a finalidade de promover

a inclusão de todos os cidadãos nos programas de desenvolvimento, oferecendo à eles a

oportunidades de aprendizagem e assimilação de conhecimentos sobre o funcionamento

destes � e o livre acesso às tecnologias de informação e comunicação (TICs), tais como a

internet e o correio eletrônico, entre outros recursos. Oferecem aos usuários uma variedade de

TICs que facilitam e estimulam a comunicação e a troca de informação em todas as regiões do

mundo, mesmo as mais isoladas, utilizando para tal uma abordagem interativa e participativa.

Portanto, os telecentros auxiliam o desenvolvimento econômico, cultural, social e político da

comunidade local e oferece a esta uma gama de ferramentas para seu auto-desenvolvimento.

De acordo com Assumpção (2003, p.6), o telecentro comunitário pode contribuir para

o desenvolvimento humano integral quando seus principais objetivos são:

�Ampliar a participação ativa dos cidadãos na gestão pública e no controle do

governo, ampliando a esfera pública e melhorando a sua acessibilidade;

Page 173: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

165 1

�Constituir um patamar de cooperação que englobe comunidade, empresas e

instituições, baseado no interesse da maioria e na busca do crescimento da

competitividade global;

�Promover a alfabetização tecnológica das camadas mais pobres da população,

abrindo novas oportunidades de acesso à educação e à cultura, de trabalho e de

geração de renda;

�Promover o conhecimento de expectativas, necessidades e problemas da população às

empresas e instituições, enquanto agentes econômicos e políticos comprometidos com

a comunidade;

�Promover o acúmulo de experiências e dados que subsidiem a formulação de

políticas públicas consistentes.�

Com base nesses objetivos, no Brasil, por exemplo, no contexto do programa federal

Fome Zero, o plano de maior escala previa a instalação de cerca de 1.200 telecentros

comunitários em localidades de maior incidência de pobreza, os quais se tornariam centros de

acesso coletivo à internet, geridos pela comunidade local e funcionando como locais de

implementação das tecnologias de informação e comunicação75. Entre os anos 2000 e 2004,

projeto parecia corresponder a uma experiência significativa de parceria entre o poder público

e a comunidade. Em são Paulo, a prefeitura municipal custeou a instalação e manutenção de

75 Telecentros. Disponível em: <http://www.amora.rits.org.br/cemina/html/subcpII8.html> Acessado

em 8 de Julho de 2005

Page 174: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

166 1

infra-estruturas onde estão instalados os telecentros e cobriu os custos com o pessoal76,

e para garantir o seu pleno e efetivo funcionamento, cada telecentro, que opera com vinte

estações e um servidor, é gerido localmente por entidades da própria comunidade, que buscam

priorizar as necessidades expressas desta.

76 Novo site dos telecentros, uma comemoração ao meio milhão de usuários. Disponível em:

<http://www.telecentros.sp.gov.br/institucional/imprensa/reliase/index.php?p=2487> Acessado em 8 de Julho de

2005.

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167 1

Capítulo IV

A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA COMO FORMATO DO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Desde os tempos em que o homem ainda vivia nas cavernas, a comunicação assume

para a civilização um papel cada vez mais importante na construção do desenvolvimento

social, pois permite o intercâmbio de idéias e o registro de fatos e dados que permitem que

contemos nossa trajetória e nos construamos como sujeitos. No entanto, os instrumentos e as

técnicas de comunicação vêm sendo reservados a minorias poderosas e hegemônicas nas

diversas formações sociais ao longo da história.

A conquista do direito de conhecer e utilizar a arte da comunicação tem sido resultado

das lutas da sociedade civil organizada, em sua busca por igualdade, democracia, liberdade e

desenvolvimento socioeconômico; é o esforço para sair da condição de mero receptor de

informações e participar das negociações sociais como sujeito do processo.

Esse esforço, porém é quase sempre marcado pelo amadorismo e pelo voluntariado, os

quais, se por um lado apresentam compromisso e envolvimento para com a causa a que se

dispõem, por outro podem impossibilitar a concretização de um trabalho consistente de

comunicação para o desenvolvimento local, pela falta de técnicas adequadas de ação.

Para que as comunidades possam reaver o lugar de receptores que lhes foi conferido e

chegar, não apenas a uma democracia em que há várias opções de caminho, mas a uma

condição de real democracia na qual o cidadão se torne elemento necessário para a produção

de conhecimentos (e não só consumi-la). É preciso empenho dos comunicadores em levar até

as camadas populares o arsenal de recursos tecnológicos ora existentes a serviço da

comunicação. Mais para isso, é preciso trabalhar em prol de desenvolvimento comunitário

valendo-se dos recursos comunicacionais locais � que, ao contrário do que se imagina, são

Page 176: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

168 1

variados e ricos em qualidade. Mais ainda, é preciso que se desenvolva uma ação formativa

do cidadão no sentido de torná-lo ator principal da transformação da sociedade que integra.

1. A comunicação comunitária na formação do cidadão

Ser cidadão significa ter direitos e deveres que a Lei Magna consagra, mas vale citar

Peruzzo (1998, p. 287) quando diz que �ser cidadão é ter o direito de ver-se protegido

legalmente, de locomover-se, de interferir na dinâmica política, de votar e ser votado, de

expressar-se. É também o direito de morar numa casa digna, de comer bem, de poder estudar

e trabalhar. É, por fim, ter o direito de participar com igualdade, na produção, na gestão e na

fruição dos bens econômicos e culturais�, na luta em busca de um bem comum.

Isso nos leva a concordar também com o que Maria da Gloria Gohn (2003, p. 174)

afirma ser a cidadania: �uma virtude a ser conquistada no exercício de práticas identitárias, é

uma prática em busca do bem comum�.

De acordo com Roberto Vieira (2003, p. 19), citando o Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento - PNUD,

a sustentabilidade passa pela qualificação da cidadania. Ou seja, não apenas

os agentes econômicos são responsáveis pelo desenvolvimento sustentável, mas a qualificação do cidadão, sua formação, sua educação é fator

preponderante na garantia do desenvolvimento sustentável. E agora, a preocupação se estende além da preservação e conservação dos recursos

naturais para as futuras gerações. Ela alcança o desenvolvimento sustentável

do próprio cidadão.

Para Luiz Roberto Alves, citando Paulo Freire (2003, p., 203),

O futuro não está à nossa espera; ele se constrói a partir do que dizemos no presente.

O educador progressista deve lutar pela Escola Pública, brigar para ocupar

democraticamente esse espaço, pois não há contradição entre democracia e

socialismo. Ocupar a Escola Pública por inteiro para chegar ao Estado socialista não

é um a - priori determinado para o ano 2002, quarta-feira às 10 horas. O processo

revolucionário é um processo mesmo.

Page 177: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

169 1

A partir das opiniões dos dois autores acima, importa-nos, portanto, refletirmos sobre

o papel da comunicação comunitária na formação do cidadão para que possa, de forma

consciente, ser participante ativo nas ações conducentes ao desenvolvimento da sua

comunidade. Essa reflexão tem como ponto de partida analisar a relevância da participação

comunitária.

1.1 A relevância da participação comunitária

A participação comunitária é um processo em que os membros da comunidade estão

presentes de forma ativa e organizada na tomada de ações, na solução dos seus problemas, na

mobilização dos recursos necessários, na execução e na avaliação das ações de um

determinado programa que visa ao seu próprio desenvolvimento.

Pelo que verificamos, tanto as rádios tuteladas pelo Estado como as ligadas a

associações ou instituições religiosas, são pertenças das próprias comunidades geográfica ou

coletivamente definidas. Tais comunidades participam da programação, discutem os

problemas enfrentados, participam da tomada de decisões e ajudam a angariar fundos para

suas rádios.

No decorrer dos trabalhos realizados no campo e de acordo com a estrutura orgânica

de cada rádio visitada, constatamos que a participação da comunidade na gestão é

caracterizada, apenas, pelo envolvimento de colaboradores advindos das comunidades que,

voluntariamente, trabalham na e para a estação. Em muitos casos, tais colaboradores são

indicados em assembléia para representarem sua comunidade na gestão das rádios

comunitárias, e esse tipo de participação é chamado de participação direta. Na participação

indireta, a comunidade utiliza a rádio para veicular mensagens por meio de dedicatórias e

anúncios diversos, os quais permitem a entrada de receitas para o funcionamento da rádio.

Contudo, a participação não se limita a isso: a nosso ver, a participação da comunidade

deve integrar as estruturas internas da rádio, atuando nos comitês de gestão e de programação

eleitos por todos.

Page 178: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

170 1

A participação dos membros da comunidade nos negócios da rádio comunitária

começa na Assembléia Geral onde todos fazem parte. De acordo com os estatutos orgânicos

das rádios comunitárias que tivemos acesso, é na Assembléia Geral onde se toma decisões

sobre os a vida da rádio, elegendo pessoas para constituírem o comitê de gestão, conselho

fiscal e comitê de programação; delibera sobre vários aspectos de funcionamento da rádio

comunitária.

Os comitês de gestão e de programação são constituídos por representantes das

comunidades tais como líderes comunitários, representantes das associações locais, figuras

influentes na região, etc. Em nenhuma das rádios com que tivemos contato sentimos esse

envolvimento da comunidade nas estruturas internas das rádios. Imane Aly, presidente do

Fórum das Rádios Comunitárias de Moçambique (Forcom)77, reconhece que �em algumas

rádios, apesar de seus estatutos orgânicos contemplarem a constituição de comitês de gestão e

de programação por elementos representantes de diversos intervenientes da comunidades, na

prática, não se encontram envolvidos em nenhum elemento em representação de qualquer

organização local�.

Nas rádios Voz Coop, Dondo, Nkomati e Homoine constatamos o envolvimento direto

das comunidades e a participação de um número considerável de voluntários, e procuramos

compreender suas motivações. Para tanto, recorremos à teoria de Bordenave (1994, p. 16) que

nos diz que �se procurarmos a motivação dos participantes de uma atividade comunitária

qualquer, notaremos neles uma satisfação pessoal e íntima que com freqüência vai muito além

dos resultados úteis dessa participação. Daí que ocorre que a participação não é somente um

instrumento para a solução dos problemas, mas, sobretudo, uma necessidade fundamental do

ser humano, como o são a comida, o sono, a saúde, etc.�.

Essa teoria de Bordenave (1994, p. 16) nos faz pensar que se procurarmos nos

participantes nas atividades de uma rádio comunitária sua verdadeira motivação, notaremos

nestes dois aspectos complementares: o afetivo, de acordo com o qual os indivíduos

participam porque sentem prazer em desenvolver alguma atividade coletiva, e o instrumental,

77 Em entrevista ao autor em 31 de maio de 2004, em Maputo.

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171 1

base da participação popular nas sociedades modernas de consumo, de acordo com o qual os

indivíduos vêem mais eficiência e eficácia no trabalho coletivo do que no individual.

A participação cidadã é um direito humano, um dever político e um instrumento

essencial de construção nacional (PERUZZO, 1998, p. 275), e está consagrada na Declaração

Universal dos Direitos Humanos, de1948. Segundo Peruzzo (1998, p. 275), essa declaração

�estabelece, em seus artigos 27 e 29, que todos os homens têm o direito de participar

livremente da vida da comunidade, na qual é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua

personalidade�. A autora pretende, portanto, deixar claro o quanto os países respeitaram ao

longo da história, os princípios fundamentais que caracterizam a vida humana, o que depende

�da cultura de cada povo, das oportunidades, da conjugação de forças e dos interesses

dominantes�.

Destacando o papel participativo do cidadão, Teixeira (2001, p. 30), sustenta que

a participação cidadã utiliza-se não apenas de mecanismos institucionais já disponíveis ou a serem criados, mas articula-os a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social. Não nega o sistema de representação, mas busca aperfeiçoá-lo, exigindo a responsabilização

política e jurídica dos mandatários, o controle social e a transparência das decisões (prestação de contas, recall), tornando mais freqüentes e eficazes

certos instrumentos de participação semidireta ...

De acordo com este autor, porque a participação cidadã �é o processo social em

construção hoje, com demandas específicas de grupos sociais...�, é necessário que se

requalifique a �participação popular nos termos de uma participação cidadã que interfere,

interage e influencia na construção de um senso de ordem pública regida pelos critérios da

equidade e justiça�. (TEIXEIRA. 2001, p. 32). Assim, podemos concordar com a com a

Peruzzo (2003. p. 248) quando afirma que a participação é uma das dimensões essenciais da

comunicação comunitária e ela pode ocorrer em níveis mais elevados nos quais a pessoa atua

�como sujeito ativo, como protagonista da elaboração de mensagens, na produção de

programas para o rádio e televisão, na confecção de boletins informativos e no planejamento e

na gestão do canal de comunicação�. Segundo a autora, no nível mais elevado de participação,

além de contribuir formulando conteúdos, o participante �tem poder de atuar no processo de

decisões relativas aos conteúdos dos meios e à sua gestão� (PERUZZO. 2003 p. 248).

Page 180: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

172 1

Nesse espírito, a Constituição da República de Moçambique, de 1990, abre espaço

para a participação cidadã. No seu artigo 74 garante ao cidadão gozar de liberdade de

expressão; de igualdade perante a lei no que concerne ao domínio sobre o seu corpo e sua

vida; do direito à educação, à saúde, à habitação e ao lazer, isto é, a uma vida condigna; de

liberdade religiosa, partidária e política; e do direito de lutar por seus valores e de participar

do desenvolvimento da sua comunidade, da sua região e do seu país.

2. A programação da rádio comunitária

Como pudemos referir em páginas anteriores, a maioria das rádios comunitárias com

as quais trabalhamos possuem comitês de programação que desempenham papel importante

no desenvolvimento das atividades das emissoras, os quais são constituídos por representantes

das comunidades indicados por estas. Não existe, todavia, uma programação nem um modelo

pronto para essas emissoras.

Na programação há cuidados a serem observados no que diz respeito ao conteúdo, à

valorização dos costumes e cultura locais e à divulgação das notícias locais, provinciais,

nacionais e internacionais, sem manipulação. O emissor deve ter a capacidade de ouvir as

diversas opiniões sobre assuntos polêmicos e a crítica construtiva dos membros das

comunidades. Esses elementos devem servir de base aos programas das rádios comunitárias, e

nesse ponto reside a importância do comitê de programação.

A programação reflete a política editorial da estação, e em quase todas as rádios

visitadas existem grupos editoriais de agricultura, assuntos da criança, cultura e recreação,

esporte, educação e assuntos sociais, educação cívica e cidadania, assuntos da mulher e da

saúde pública; em cada um desses grupos costuma tem havido pessoas que representam as

comunidades locais e que tenham uma formação elementar que lhes permita colaborar na

discussão dos assuntos e na a definição dos conteúdos a serem entregues aos apresentadores

dos programas. A maioria das rádios visitadas inicia suas emissões às 5h e as encerra às 21h.

Page 181: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

173 1

Para tratar de alguns temas de caráter técnico contatam-se especialistas da área que

possam fornecer as informações necessárias. Julião Nawacha78, residente da Zona Verde da

cidade de Maputo, referindo-se à necessidade de melhorar a qualidade da programação da

Rádio Voz Coop, afirma ser Moçambique

um país com muitas iniciativas populares que permitem que as pessoas tenham a capacidade de lutar pelo desenvolvimento de sua própria

comunidade e, de maneira especial, pela auto-sustentação das suas rádios. Para que essas iniciativas tenham sucesso, é necessário que a rádio se faça

presente nas pessoas e que estas se sintam convidadas a dar a sua participação ativa na programação e na mobilização e gestão de recursos

destinados ao seu desenvolvimento.

Para Valá (1999, p. 12), �os comitês de programação das rádios comunitárias devem

ser compostos por indivíduos oriundos de distintos segmentos da sociedade, como grupos

profissionais, pessoas de diferentes faixas etárias e de gênero, distanciando-se de problemas

rácicos, étnicos, políticos e religiosos�. Para ele, um funcionamento adequado das comissões

existentes gera reflexos positivos no funcionamento global da rádio.

No nosso entender, a programação e produção da rádio comunitária exigem um bom

enquadramento da comunidade nas estruturas organizativas internas e uma gestão sustentável

dos recursos disponíveis. Nesse sentido, concordamos com o documento da Voz Coop quando

diz que o processo de implementação da rádio contribui �para o desenvolvimento cooperativo

agropecuário nas cinturas de Maputo e Matola, através de difusão de programas técnico-

informativos, educativos, culturais e recreativos, com a participação direta e ativa das

cooperativas e dos membros� (Voz Coop [s.d], p.3).

De acordo com Bordenave (1994, p. 44), um dos aspectos mais importantes da

participação numa rádio comunitária é a distribuição de funções entre os órgãos internos que a

organizam. Além do comitê de programação, uma rádio comunitária costuma ter os seguintes

órgãos:

Assembléia Geral � órgão deliberativo composto por representantes das comunidades

e a direção da rádio; 78 Em entrevista concedida ao autor em 17 de novembro de 2004, em Maputo.

Page 182: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

174 1

Conselho ou comitê de gestão � órgão executivo da rádio cuja composição inclui

pessoas da comunidade;

Conselho fiscal � órgão de fiscalização das atividades da associação, em particular das

executivas, que também inclui membros da comunidade em sua composição.

Embora cada comitê seja relativamente autônomo em suas atividades, é a comunidade

como um todo, reunida em assembléia geral, que delibera sobre a vida da estação. É esse

órgão máximo que indica quem deve participar de cada setor, que aprova ou não os relatórios

de prestação de contas apresentados pelos comitês da rádio e que avalia se a gestão da rádio é

ou não sustentável.

3. Comunicação comunitária: alavanca do desenvolvimento local, regional e nacional.

Ao nos referirmos à comunicação comunitária como alavanca do desenvolvimento

local sustentável, é nossa intenção mostrar o quanto este constitui, de fato, uma estratégia de

redefinição do desenvolvimento de uma nação.

No caso de Moçambique, a contribuição dos meios de comunicação social é deveras

importante na divulgação do Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA) e

na educação e mobilização das comunidades para o envolvimento nas ações de combate à

pobreza, sem as quais os objetivos do Parpa dificilmente poderão ser alcançados. Como diz

Namburete (2003, p. 41), a contribuição dos meios de comunicação social para o processo da

democratização compreende necessariamente

a aquisição de capacidades e técnicas de utilização da comunicação para

apoiar o desenvolvimento sócio-cultural, político e econômico. Acima de tudo, um efetivo uso dos media para apoiar o desenvolvimento, paz, democracia e boa governação exige que todos os setores da sociedade tenham acesso [...] às informações, opiniões, idéias, diversidades, mas

também a oportunidades de expressão dos seus pontos de vista na língua que usam e entendem.

É nesse contexto que, no nosso entender, os meios de comunicação comunitária

encontram espaço para exercer seu papel de mediador, dinamizador, conciliador e educador

das populações locais, chamando-as a trabalhar de forma a superar suas necessidades

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175 1

imediatas. Os meios comunitários de comunicação de massa, por serem da comunidade e para

a comunidade, podem, usando línguas e linguagens locais, transmitir melhor o sentido e a

filosofia do Parpa, bem como de outras políticas definidas pelo governo ou pela sociedade

civil, mas que visam a preparar o cidadão para participar das atividades produtivas e

contribuir, assim, para a superação da pobreza na sua comunidade, na sua região e no seu

país.

Para isso, a comunicação comunitária deve eleger como espaço de atuação e de

compreensão da realidade a relação entre o grupo hegemônico (Estado, empresas,

investidores, latifundiários), as culturas populares (classes subalternas: trabalhadores,

pequenos proprietários, desempregados, deslocados e reassentados) e a cultura massiva e

tecnológica (meios de comunicação de massa, internet, redes telemáticas), e manter uma

orientação crítica frente à realidade local. Dessa forma, o conceito de �comunitário� livra-se

dos estigmas tradicionais que têm imposto às leituras dos modos de vida daqueles que se

ocupam e sobrevivem prioritariamente da agricultura e agropecuária, assumindo-se, então,

como variação possível das culturas comunitárias.

O Parpa, como um documento que envolve todas as áreas sociais e econômicas do país

no combate à pobreza, deve ser conhecido pela população e, em particular a rural, assim como

o Programa de Agricultura Integrada (PROAGRI). O Proagri tem como objetivo transformar

as unidades produtivas familiares de subsistência em unidades produtivas mais integradas ao

mercado, isto é, que produzam e vendam mais os seus produtos. Para isso, é necessário

acesso:

1. À terra arável para a produção;

2. À tecnologia, por meio do Instituto de Investigação Agronômica e dos Serviços de

Extensão Rural � isto é, produzir a tecnologia e levá-la ao serviço dos produtores

rurais;

3. Ao mercado. As pessoas devem ter a possibilidade de vender seus produtos e

conseguir, além de sustentar-se, comprar insumos agrícolas para as outras safras;

4. Ao crédito, sem o qual não têm dinheiro para investir no desenvolvimento das suas

atividades produtivas;

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176 1

5. Aos meios de comunicação que possam transmitir os sentimento da coletividade e

fazer publicidade de seus produtos no mercado local, regional e nacional.

São também os meios de comunicação comunitária que devem assegurar a transmissão

de novos conhecimentos e novas tecnologias de produção rural ao camponês, oferecendo a

este informações que o auxiliam a qualitativamente viver, produzir, alimentar-se e vender os

excedentes. Aí reside o papel das rádios comunitárias na educação para o desenvolvimento

local sustentável, assunto levantado no início do nosso trabalho.

Page 185: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

177 1

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

A promoção da comunicação para o desenvolvimento das comunidades locais

constitui filosofia do Estado moçambicano, a qual se enquadra na necessidade de envolver a

população nas atividades de produção e divulgação de material informativo e educativo sobre

a comunicação comunitária, com o intuito de criar uma nova mentalidade em relação à

importância dessa área nobre.

As rádios comunitárias são fundamentais para o desenvolvimento das comunidades

locais, por criar mecanismos de interatividade entre os ouvintes, a rádio, os promotores do

desenvolvimento (associações, ONGs, instituições públicas e privadas, etc.) e os líderes

comunitários.

Para alcançar o desenvolvimento socioeconômico sustentável das comunidades locais,

é indispensável que as atividades e os meios comunitários de comunicação consigam manter-

se financeiramente viáveis, mesmo sem fins lucrativos, e com a participação ativa das

comunidades locais. No nosso entender, a sustentabilidade de uma rádio permite a ocorrência

de profundas transformações produtivas, tecnológicas e estruturais, as quais dependerão, em

última análise, das iniciativas e capacidades gerenciais dos comitês de gestão e programação

de cada rádio.

Entendemos que desenvolvimento sustentável só pode ocorrer por meio dos esforços

empreendidos pela população local na produção de alimentos com base na agricultura

familiar, na exploração de recursos naturais e na preservação do meio ambiente. Esses

esforços surtirão efeito se houver, por parte do governo e dos agentes econômicos, alguma

abertura que possibilite às populações produtoras locais o acesso às fontes de financiamento

incondicional. Desse modo, o desenvolvimento sustentável pode ser entendido como o

procedimento que, preservando os recursos naturais, leva a uma ampla produção, a qual

permita o abastecimento local em bens e alimentos e gere excedentes que, vendidos,

revertam-se em receitas para a própria comunidade produtora local. Fazendo isso,

Page 186: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

178 1

Moçambique desenvolve uma capacidade significativa de lutar pela redução da pobreza

absoluta, ação definida no Plano de Ação para a Redução da Pobreza Absoluta (Parpa).

O Parpa, como instrumento regulador do combate a pobreza absoluta, deve ser

suficientemente divulgado a todas as camadas sociais, em particular à população rural. Para

isso, o uso das línguas locais é extremamente importante. Aproveitando as capacidades

oferecidas pelas rádios e televisões comunitárias, o Parpa pode ser mais bem divulgado

divulgando assim as comunidades para o seu auto-desenvolvimento.

Apesar de ainda inexistirem instrumentos que regulam a criação desses meios

eletrônicos nota-se uma grande abertura da parte do estado na atribuição de licenças aos

operadores de meios de comunicação comunitários. Verifica-se que a criação de uma rádio ou

televisão comunitária requere, primeiramente, a mobilização de recursos externos,

recorrendo-se a ONGs e instituições voltadas para o desenvolvimento local, além do recurso à

fundação de uma associação cujos membros contribuam financeira e materialmente para a

manutenção da rádio. Esse recurso não é novo, pois desde o início da radiodifusão em

Moçambique, nos anos de 1930, os chamados �clubes dos radiófilos� ou apenas �radioclubes�

eram mantidos por cotas pagas pelos associados. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a

criação de condições favoráveis à sustentabilidade de uma rádio comunitária depende

essencialmente das atividades desenvolvidas e da existência de uma política de participação

da comunidade nas ações de:

Promoção da eficiência, eficácia e qualidade dos conteúdos da grade de programação,

respeitando as prioridades e os interesses das camadas sociais, em especial dos

associados, dos jovens vulneráveis aos problemas da pandemia do HIV/Aids, etc.

Viabilização da sua manutenção como entidade valorizadora e captadora de recursos

humanos, financeiros e materiais.

Nota-se uma diferença abismal entre as despesas e as receitas, tanto nas rádios

comunitárias do Estado como nas pertencentes às associações locais. Essa diferença mostra-

nos a extrema dificuldade das rádios comunitárias de sobreviver independentemente dos

apoios externos, o que deixa patente a necessidade de procurar alternativas de sobrevivência.

Page 187: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

179 1

As estações que nasceram de apoios não-estatais estão muito longe de prescindir da

cotização dos membros da comunidade ou da busca de recursos via publicidade, o que é

motivo de preocupação, sobretudo atualmente, quando o apoio do Projeto de

Desenvolvimento dos Media da Unesco já em 2006. Na maioria dessas estações nota-se falta

de agressividade para buscar patrocínios e publicidade paga para captar receitas. O setor

administrativo é frágil, principalmente na planificação das atividades, como resultado da fraca

profissionalização, e há uma postura passiva em relação às doações do Projeto de

Desenvolvimento dos Media.

Julgamos que qualquer ação de gestão sustentável e participativa deve basear-se no

reconhecimento e aproveitamento do potencial da tradição e da cultura local. Para isso, deve-

se ter em conta as instituições formais e informais existentes na área geográfica de alcance da

rádio, com vista a melhorar a qualidade de vida da população e fornecer a esta informações

relevantes para as desejadas mudanças sociais, culturais e estruturais em prol do

desenvolvimento local sustentável. É este que, compreendido como um espaço dinâmico de

ações locais bem�sucedidas e determinadas por metodologias de descentralização e pela

participação comunitária, constrói as bases para o desenvolvimento rural efetivo.

Na mesma medida, o agricultor familiar é colocado como o sujeito histórico do

processo. Quando estimulado a produzir na nova dinâmica social, torna-se atuante no

contexto do projeto de desenvolvimento rural. Ao fortalecer-se suficientemente como

produtor, amplia sua renda e as condições de vida, educação, lazer e saúde para si e sua

família, ganha autonomia e consolida sua cidadania participando da construção de sua história

pessoal, de sua propriedade e de sua localidade.

Assim, no nosso entender, os conselhos e comitês de representatividade local são

espaços geradores de cidadania, de gestão social e de construção da responsabilidade cívica e

social. É a comunidade organizada e capacitada que deverá desempenhar o papel de gestora

social, exigindo transparência, controle social e participação cidadã em ações e recursos que a

envolvem.

De acordo com Alves (2003, p. 203-208), �a comunicação comunitária é a que deveria

se fazer a voz da cidadania e o sinal concreto do desenvolvimento�, e �a cidadania é a

Page 188: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

180 1

realização concreta de comunicação e desenvolvimento�. Alves acredita que o que a educação

libertadora de Paulo Freire

teria a ver com o desenvolvimento (tido como processo de transformação social global de um povo) seria a inserção do modelo conhecido e

dominante, como tema, no círculo de cultura (como sugerido em Pedagogia do Oprimido) a fim de que se pudesse entendê-lo e produzir consciência de

si e para si, talvez o caminho da revolução

Ainda segundo esse autor,

as propostas de comunicação comunitária, mesmo quando compreendem as

relações de dependência e subordinação entre grupos sociais e países, as concentrações de renda, os privilégios de minorias, o acesso às formas de

vida mitificada, e mesmo quando propõem práticas de trabalho, promovem a instrumentalização de sujeitos e objetos.

Na mesma linha de pensamento, Cicília Peruzzo (PERUZZO; ALMEIDA, 2003, p.

245) afirma não serem de interesse das pessoas apenas as questões de âmbito universal e

nacional, mas também os acontecimentos, as organizações e as relações sociais que delas

estão próximos. Interessam-lhes os assuntos que dizem respeito à vida do bairro, da vila, da

cidade ou do município, do distrito, da província onde vivem. Para essa autora (PERUZZO;

ALMEIDA, 2003. p. 250), �a comunicação comunitária, quando desenvolvida em base

democrática, simboliza o acesso democrático e a partilha do poder de comunicar. É um

processo em que todo receptor de mensagens dos meios de comunicação tem o potencial de se

tornar sujeito da comunicação, um emissor�. Por essa razão, constitui um direito, não só

profissionais ou de lideranças dos meios comunitários de comunicação, mas de todo cidadão e

de suas organizações representativas.

O cidadão deve agir como fomentador da prática dos direitos consagrados na

constituição: é responsável pelo cumprimento das normas e propostas elaboradas e decididas

pela coletividade, bem como por participar direta ou indiretamente da gestão de seu país.

Além de militar em movimentos sociais que pressionem o governo a respeitar os

princípios fundamentais, uma das formas pelas quais o cidadão pode exercer o direito e dever

de participar e reivindicar seus direitos é usar os meios de comunicação social disponíveis no

Page 189: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

181 1

país. Dadas as dificuldades de acesso a esses instrumentos de alcance nacional, os cidadãos

podem utilizar os meios de comunicação locais, como rádios e televisões comunitárias:

por serem meios da comunidade para a comunidade, por serem vozes das comunidades, é neles que o cidadão encontra maior espaço para a

manifestação das suas idéias e, por meio deles, tem a certeza de que todos na comunidade estão o ouvindo e de que poderá haver uma rápida resposta

79.

Questões relacionadas à formação do cidadão, especificamente no que se refere aos

diferentes processos educacionais, são tão fundamentais como a alimentação, a saúde e a

segurança, e têm estado na senda das discussões sobre o desenvolvimento integrado e

sustentável de Moçambique. Além do Parpa, que desde 1998 assume a dianteira no combate à

pobreza absoluta no país, outro plano foi elaborado e está em fase de implementação: a

chamada Agenda 20/25. Esse plano está em desenvolvimento desde 2001 e envolve

essencialmente políticas e estratégias de âmbito social e econômico e a questão da

distribuição dos recursos disponíveis para todo o território nacional.

A maioria da população moçambicana sobrevive com subempregos. Sofre diretamente

os problemas da pobreza e espera auxílio, fundamentalmente da gestão pública e da vontade

de seus governantes, que se mantêm também reféns dos grandes monopólios da economia

mundial, por um lado, e, por outro, da violência praticada pelos monopólios da comunicação,

que usam seus canais para transmitir o que podemos chamar de �propaganda da miséria� ou

�propaganda da pobreza�.

Como forma de quebrar a ação dos monopólios acima referidos aparece-nos na

presente Era das Tecnologias, a �gloriosa� comunicação comunitária com os seus �potentes�

meios: a rádio e a televisão comunitárias, com a finalidade de se tornarem vozes para os que

não têm voz. Com o uso dos meios de comunicação comunitária criam-se novas formas de

ação e interação na comunidade e na sociedade em geral. Criam-se novos tipos de relações

sociais e novas maneiras de relacionamento do indivíduo com outros e consigo mesmo.

Portanto, promove-se uma ação comunitária transformadora voltada para a concretização dos

sonhos, que forma e transforma o cidadão, provocando nele a vontade de participar de uma

ação comunitária de luta pelo bem comum. 79 Tomás Vieira Mário, em entrevista concedida ao autor, em 20 de janeiro de 2003, em Maputo.

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182 1

Em forma de recomendação, queremos deixar patente que é necessário definir-se uma

estratégia comum de sustentabilidade das rádios comunitárias, e isso requer que suas áreas

comerciais se tornem agressivas na busca de receitas, o que passa necessariamente pela

promoção de produtos de interesse público local, por meio de publicidades em forma de

patrocínios.

Atualmente, uma preocupação das rádios é manter expressivas as audiências. Nesse

caso, os programas devem superar seu estilo excessivamente didático, com insuficiente calor

humano, recorrendo-se a gêneros radiofônicos como o drama ao vivo, perguntas aos ouvintes,

personagens prototípicos, diálogo povo-autoridade, mesas-redondas, concursos e programas

carregados de humor e alegria, mas que ao mesmo tempo sejam educativos. A grade de

programação deve conter uma quantidade significativa de mensagens educativas sobre

diversos assuntos, como agricultura, educação ambiental, saneamento a baixo custo, saúde

reprodutiva, culinária e economia doméstica, gênero, juventude e HIV/Aids, entre ouros

assuntos.

A promoção da comunicação para o desenvolvimento das comunidades locais

constitui filosofia do Estado moçambicano, a qual enquadra-se na necessidade de envolver a

população rural nas atividades de produção e de divulgação de material informativo e

educativo com o intuito de engendrar uma esperança de vida mais condigna para as presentes

e as futuras gerações. Para isso, sugere-se que o Estado moçambicano crie instrumentos legais

que regulem o funcionamento da comunicação comunitária no país e incentive, com recursos

técnicos e financeiros, a instalação de novas estações de rádio e de televisão em todos os

distritos, como forma de expandir a capacidade comunicacional pelo resto do país, isto é, de

devolver ao cidadão o seu direito à comunicação. Ao fazer isso, o Estado abre portas para

uma maior cobertura e participação das comunidades rurais na decisão dos destinos do país.

Portanto, recomendamos que o Estado promova ações visando priorizar os seguintes aspectos

que considerámo-los básicos para o desenvolvimento participativo das comunidades:

Capacitar as rádios e televisões comunitárias a veicularem programas educativos

em prol do desenvolvimento das comunidades rurais;

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183 1

Oferecer, por meio da rádio e da televisão comunitárias, programas de educação a

distância que permitam que populações não-escolarizadas possam, também,

aprender a ler e a escrever e com isso reduzir-se o alto índice de analfabetismo do

país;

Apoiar os projetos de desenvolvimento das comunidades locais;

Criar condições para que as comunidades rurais discutam e divulguem suas

próprias experiências;

Dar maior espaço para a participação das comunidades na definição e

implementação das políticas do sistema nacional de comunicação social;

Criar um fluxo de informação entre os meios de comunicação comunitária rural e

os de comunicação social situados nas zonas urbanas.

No processo da comunicação comunitária, as rádios e televisões constituem

ferramentas importantes para o desenvolvimento local. Daí que encontramos em quase todo o

país, rádios e televisões com grupos de igrejas, grupos organizados de escolas, associações

locais que, também, têm o desenvolvimento local como pano de fundo. Essas rádios e

televisões funcionam, de fato, com operadores e jornalistas comunitários, na sua maioria,

jovens voluntários, isto porque as comunidades locais não possuem recursos financeiros que

permitam suportar salários dos colaboradores assalariados, mas trabalhando com o pessoal

voluntário que presta serviços sem esperar qualquer remuneração. Daí que muitas rádios

comunitárias estão no ar e a todo o momento. É a comunidade se comunicando e trabalhando

para o seu próprio desenvolvimento.

Acreditamos, com base nesta pesquisa, que a comunicação comunitária em geral e, em

particular, as rádios e televisões comunitárias, exercem um papel significativo na educação e

capacitação das pessoas para enfrentarem os desafios que lhes são impostos pela pobreza

absoluta em que se encontram mergulhadas. Acreditamos ainda que as rádios e televisões

comunitárias têm dado uma maior contribuição para o desenvolvimento das comunidades

locais e rurais, o que reflete, em grande medida, no processo de desenvolvimento que o país

pretende alcançar.

Page 192: Comunicaçªo para o desenvolvimento: o papel das rÆdios

184 1

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ANEXOS

PERFIL DAS RÁDIOS