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CONCEITOS FUNDAMENTAIS As Quatro Nobres Verdades O Giro Expli ca ti vo da Roda do Darma O Nobre Caminho Óctuplo Como Compreender o Nobre Caminho Óctuplo Carma Os Cinco Preceitos Gênese Condicionada Os Três Selo do Darma As Quatro Nobres Verdades Ao iluminar-se, o Buda Shakyamuni viu que o universo dos fenômenos funciona de acordo com a verdade da Gênese Condicionada. Quando deci- diu ensinar o que tinha visto, o Buda percebeu que a Gênese Condicionada seria de difícil compreensão e poderia até gerar medo se fosse explicada de pronto. Por isso, em vez de começar pela Gênese Condicionada, o Buda ensinou primeiro as Quatro Nobres Verdades. O primeiro período dos ensinamentos do Buda é chamado “Primeiro Giro da Roda do Darma”. As Quatro Nobres Verdades não diferem da verdade da Gênese Condicionada e, por certo, não a contradizem. Elas simplesmente diri- gem o foco da Gênese Condicionada para a vida humana, fazendo com que esta pareça mais relevante para as pessoas e fique mais fácil de entender. As Quatro Nobres Verdades são: verdade do sofrimento; verdade da origem do sofrimento; verdade da cessação do sofrimento; verdade do caminho que leva à cessação do sofrimento. A palavra “sofrimento” nesse contexto é a tradução consagrada do sânscrito dukkha, cujo significado mais aproximado seria o de “insatis- fação”.

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CONCEITOS FUNDAMENTAIS

As Quatro Nobres Verdades

O Giro Expli ca ti vo da Roda do Darma

O Nobre Caminho Óctuplo

Como Compreender o Nobre Caminho Óctuplo

Carma

Os Cinco Preceitos

Gênese Condicionada

Os Três Selo do Darma

As Quatro Nobres Verdades

Ao iluminar-se, o Buda Shakyamuni viu que o universo dos fenômenos funciona de acordo com a verdade da Gênese Condicionada. Quando decidiu ensinar o que tinha visto, o Buda percebeu que a Gênese Condicionada seria de difícil compreen-são e poderia até gerar medo se fosse explicada de pronto. Por isso, em vez de começar pela Gênese Condicionada, o Buda ensinou primeiro as Quatro Nobres Verdades. O primeiro período dos ensinamentos do Buda é chamado “Primeiro Giro da Roda do Darma”.

As Quatro Nobres Verdades não diferem da verdade da Gênese Condicionada e, por certo, não a contradizem. Elas simplesmente dirigem o foco da Gênese Condicionada para a vida humana, fazendo com que esta pareça mais relevante para as pessoas e fique mais fácil de entender.

 

As Quatro Nobres Verdades são:

 verdade do sofrimento; verdade da origem do sofrimento; verdade da cessação do sofrimento; verdade do caminho que leva à cessação do sofrimento.

A palavra “sofrimento” nesse contexto é a tradução consagrada do sânscri-to dukkha, cujo significado mais aproximado seria o de “insatisfação”.

 

Significado Profundo das Quatro Nobres Verdades

O uso da palavra “verdade” nas “Quatro Nobres Verdades” é explicada da seguinte maneira no Shastra Yogachara-bhumi (Tratado sobre os Estágios da Prática da Ioga): “Da verdade do sofrimento à verdade do caminho que leva à cessação do

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sofrimento, não há nada que seja falso ou enganoso e, portanto, tudo isso é consi-derado ‘verdadeiro’”.

O mesmo livro explica a palavra “nobre”, nas “Quatro Nobres Verdades” deste modo: “Somente os nobres conseguem compreender essas verdades e contemplá-las. Os ignorantes não conseguem compreendê-las ou contemplá-las. Portanto, essas verdades são chamadas ‘Nobres’ Verdades”.

O Comentário sobre o Tratado da Visão do Meio diz: “As Quatro Nobres Verdades são o ponto de passagem entre a ilusão e a iluminação. Quando elas não são com-preendidas, persiste o apego aos Seis Reinos. Se compreendidas, alcança-se a san-tidade”.

 De acordo com o Sutra dos Ensinamentos Legados pelo Buda: “A Lua pode se aquecer e o Sol esfriar, mas as Quatro Nobres Verdades nunca mudarão”.

As Quatro Nobres Verdades estão no cerne da vida. Explicam todos os estados de consciência existentes no universo e ensinam como se libertar de todas as formas de ilusão.

É necessário sabedoria para compreender as Quatro Nobres Verdades. A primeira verdade diz que a vida é cheia de sofrimento. A segunda, que o sofrimento é causa-do por nosso apego à ilusão. A terceira verdade diz que a iluminação, ou a total libertação do sofrimento, é possível. A última diz como alcançar a iluminação.

As duas primeiras Nobres Verdades têm relação de causa e efeito entre si. A primei-ra é o efeito; a segunda é a causa. Igual relação existe entre a terceira e a quarta, sendo a terceira o efeito causado pela quarta.

À primeira vista, cabe perguntar por que o Buda colocou as Quatro Nobres Verdades nessa ordem. Não pareceria mais lógico que a segunda e a quarta verda-des, ambas causas, viessem antes da primeira e da terceira, que são os efeitos? Ainda que em ordem diferente, as Quatro Nobres Verdades continuariam sendo compreensíveis. Contudo, a sequência escolhida pelo Buda permite que as verda-des sejam ensinadas da forma mais eficaz possível.

Para a maioria das pessoas, é mais fácil entender primeiro o efeito, –depois sua causa. Por isso, o Buda apresentou primeiro a verdade do sofrimento e depois expli-cou a causa do sofrimento. Assim que se compreendem as duas primeiras Nobres Verdades, é natural querer se libertar delas. Para ajudar-nos a entender como alcançar essa libertação, o Buda ensinou a Terceira Nobre Verdade, que é a cessa-ção do sofrimento, e por fim a Quarta Nobre Verdade, que é o caminho para a ces-sação do sofrimento.

O Buda começou por descrever o problema, depois explicou sua causa. Em seguida, contou a solução do problema e ensinou como chegar à solução. Um elemento fundamental dos ensinamentos do Buda é a imensa compaixão que transparece na elaboração de explicações, feitas de modo a serem compreendidas por qualquer pessoa que realmente se empenhe. A Gênese Condicionada e as Quatro Nobres Verdades são verdades muito profundas. Aquele que as estudar longamente vai perceber quão inteligente e quão compassivo foi o Buda, ao conseguir explicá-las de forma tão clara.

 

A Primeira Nobre Verdade

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A Primeira Nobre Verdade é a verdade do sofrimento. O Buda viu com perfeita cla-reza algo que as pessoas vislumbram ocasionalmente: não é possível ao ser huma-no conquistar total satisfação neste mundo. O sofrimento é descrito de muitas for-mas diferentes nos sutras budistas. As três fundamentais serão abordadas nos parágrafos a seguir, devendo-se observar que as classificações de sofrimento apre-sentadas não são qualitativamente diferentes, mas apenas formas diferentes de abordar um mesmo problema.

 

Os dois sofrimentos

Os “dois sofrimentos” são o interno e o externo, sendo esta a classificação mais elementar encontrada nos sutras budistas. Essa é a maneira mais básica de com-preender o sofrimento. Sofrimentos internos são aqueles que geralmente considera-mos parte de nós, como dor física, ansiedade, medo, ciúme, suspeita, raiva e assim por diante. Sofrimentos externos são aqueles que parecem vir de fora, incluindo vento, chuva, frio, calor, seca, animais selvagens, catástrofes naturais, guerras, cri-mes e assim por diante. Não é possível evitar – nenhum dos dois tipos.

 

Os três sofrimentos

 Esta é uma classificação baseada mais na qualidade do sofrimento do que em sua origem ou tipo. O primeiro dos três sofrimentos é o inerente, aquele a que estamos sujeitos pelo simples fato de estarmos vivos. O segundo é o sofrimento latente, aquele que está presente mesmo nos momentos mais felizes: coisas se quebram, pessoas morrem, tudo envelhece e se deteriora, até os melhores momentos che-gam ao fim. O terceiro sofrimento é o ativo, causado por estarmos presos em um mundo de ilusão constantemente mutável. No mundo da ilusão, temos pouco ou -nenhum controle sobre nossa vida. Sentimos ansiedade, medo e impotência à medi-da que vemos tudo se transformando de um dia para o outro.

 

Os oito sofrimentos 

Os oitosofrimentos descrevem de modo mais detalhado o sofrimento a que estão sujeitos todos os seres sencientes e são classificados com base naquilo que os defi-ne. São eles:

Nascimento. Após vários meses de perigo dentro do ventre da mãe, finalmente, sentimos a dor e o medo do nascimento. Depois disso, tudo pode acontecer. Somos como prisioneiros do corpo e do mundo onde nascemos.

Envelhecimento. Se formos, suficientemente, afortunados para não sermos mortos na juventude, teremos de enfrentar o processo de envelhecimento, sofrer a deterioração do corpo e da mente enquanto assistimos o desaparecimento de nos-sos amigos, um por um.

Doença. A saúde é um prazer por ser tão contrastante com a doença. Todos, em algum momento, sofrem a dor e a humilhação da doença.

Morte. Mesmo que a vida seja considerada perfeita,a morte é inevitável.A morte, quando não é repentina e aterradora, é geralmente lenta e dolorosa. Somos como folhas ao vento. Ninguém sabe o dia de amanhã.

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Perda de um amor. Às vezes, perdemos alguém que amamos; outras vezes, nosso amor não é retribuído. Não existe quem não sofra por não poder estar sem-pre com aqueles que ama.

Ser odiado. Ninguém quer inimigos; entretanto, é difícil evitá-los neste mundo.

Desejo não realizado. Nossos anseios e desejos determinam em grande medida quem somos. Limitam nossa capacidade de entender o Darma, além de nos causar infindáveis problemas. E, o que é pior, a maioria deles – jamais chega a ser satisfeita, causando-nos duas vezes mais problemas.

Os Cinco Skandhas. Estes são: forma, sensação, percepção, atividade e consciência. Eles constituem os “tijolos” da existência consciente e o meio para a manifestação do sofrimento. Os Cinco Skandhas são como uma fonte ilimitada de combustível a gerar dor e sofrimento, vida após vida.

 

Causas fundamentais do sofrimento 

Nos parágrafos anteriores, mostramos como os budistas veem a vida humana atola-da no sofrimento. Nos seguintes, o tópico sofrimento será analisado com mais pro-fundidade, pelo delineamento de algumas de suas causas fundamentais:

O Eu não está em perfeita harmonia com o mundo material. É necessário esforço constante para encontrarmos conforto neste mundo. O clima é sempre quente demais ou frio demais, nossas posses exigem cuidado constante, nossa casa é muito velha ou muito pequena, as ruas são muito barulhentas, os sapatos se gas-tam e assim por diante. O mundo material raramente se apresenta da forma como gostaríamos que fosse.

O Eu não está em perfeita harmonia com as outras pessoas. Na maioria das vezes, não podemos estar na companhia daqueles com quem gostaríamos de estar, mas somos obrigados a suportar a presença de pessoas com as quais temos dificul-dade de relacionamento. Não raro somos até mesmo forçados a conviver com pessoas que abertamente não gostam de nós.

O Eu não está em perfeita harmonia com o corpo. O corpo nasce, envelhece, adoece e morre. O “eu” tem pouco ou nenhum controle sobre esse processo.

O Eu não está em perfeita harmonia com a mente. Nossa mente está frequen-temente além do nosso controle, disparando de uma ideia para outra como um cavalo selvagem ao vento. A atividade mental iludida é a fonte de todo o nosso sofrimento.

O Eu não está em perfeita harmonia com os seus desejos. O “eu” pode com-preender que os desejos geram carma e sofrimento, mas isso não significa que seja capaz de controlá-los com facilidade. O autocontrole é difícil justamente porque o que queremos com mais intensidade nem sempre é o que sabemos ser o melhor para nós. Se nem mesmo tentarmos controlar nossos desejos e deixarmos que eles tomem conta de nós, o “eu” sofrerá ainda mais.

O Eu não está em perfeita harmonia com as suas opiniões. Basicamente, isso significa que nossas opiniões são erradas. Quando nossas crenças não estão alinha-das com a verdade, causamos a nós próprios infindáveis problemas, pois teremos a tendência de repetir os mesmos erros muitas vezes.

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O Eu não está em perfeita harmonia com a natureza. Chuva, enchentes, secas, tempestades, maremotos e todas as outras forças da natureza não estão sob nosso controle e podem, frequentemente, nos fazer sofrer.

O Buda ensinou a verdade do sofrimento não para nos fazer desesperar, mas para nos ajudar a reconhecer com clareza as realidades da vida. Compreendendo o alcance do sofrimento e a impossibilidade de evitá-lo, devemos nos sentir inspira-dos a superá-lo. Reconhecer a Primeira Nobre Verdade é o primeiro passo de um processo que deve nos levar a querer compreender a Segunda Nobre Verdade.

 

A Segunda Nobre Verdade

A Segunda Nobre Verdade é a verdade da origem do sofrimento, que está na cobiça, na raiva e na ignorância. Os seres sencientes acorrentam-se ao penoso e ilusivo mundo dos fenômenos, por causa de seu forte apego a essas fontes de ilusão, também conhecidas como os Três Venenos.

 

A Terceira Nobre Verdade

A Terceira Nobre Verdade é a verdade da cessação do sofrimento. “Cessação do sofrimento” é o mesmo que nirvana, um estado que não pode ser descrito por meio de palavras. É algo que está além de cobiça, raiva, ignorância e sofrimento; além da dualidade e das distinções entre certo e errado, você e os outros, bem e mal, vida e morte.

 

A Quarta Nobre Verdade 

A Quarta Nobre Verdade é a verdade do caminho que leva à cessação do sofrimen-to, aquele que nos mostra como superar as causas do sofrimento. É o caminho rumo ao nirvana. A forma mais simples de superar as causas do sofrimento é seguir o Nobre Caminho Óctuplo, que analisaremos em detalhe em outro Capítulo.

 

A Importância das Quatro Nobres Verdade 

As Quatro Nobres Verdades foram os primeiros e também os últimos ensinamentos do Buda. Ao aproximar-se do momento de sua morte, o Buda disse aos discípulos que, se tivessem alguma dúvida quanto à validade das Quatro Nobres Verdades, deveriam se pronunciar, pois assim poderiam obter as respostas antes que fosse tarde demais. A atenção que o Buda devotou às Quatro Nobres Verdades nos 45 anos em que se dedicou a ensinar assinala a importância que atribuía a elas.

Para facilitar a plena compreensão da mensagem do Buda, seus anos de ensino são geralmente classificados em três períodos, também denominados “Três Giros da Roda” ou “Três Giros da Roda do Darma”. Essa divisão nos ajuda a compreender os ensinamentos do Buda, porque nos dá três diferentes ângulos, ou perspectivas, sob os quais ver as mesmas verdades.

 

O Giro Explicativo da Roda do Darma 

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O primeiro período do ensinamento do Buda é chamado de “Primeiro giro da Roda do Darma” ou “Giro explicativo da Roda”. Foi nessa época que o Buda expôs as ver-dades básicas em que se fundamenta sua iluminação.

A respeito das Quatro Nobres Verdades, disse ele no Sutra Dharma-chakra (Sutra sobre os Giros da Roda do Darma): “Isto é o sofrimento; tem a natureza ‘opressiva’. Esta é a causa do sofrimento; tem a natureza de ‘apego’, ‘aferro’ ou ‘acúmulo’. Isto é a cessação do sofrimento; tem a natureza de ‘compreensão’ ou ‘despertar’. Este é o caminho para a cessação do sofrimento; tem a natureza de ‘cultivo’”.

 

O Giro Persuasivo da Roda do Darma 

O segundo giro da Roda do Darma é também conhecido como “Giro persuasivo da Roda” porque se refere ao período em que o Budaconvenceu seus discípulos a extinguir o sofrimento através da compreensão total das Quatro Nobres Verdades. Nessa época, ele abordou essas verdades da seguinte maneira, no Sutra Dharma-chakra (Sutra sobre os Giros da Roda do Darma): “Isto é sofrimento, vocês devem compreendê-lo. Esta é a causa do sofrimento, vocês devem eliminá-la. Esta é a ces-sação do sofrimento, vocês devem despertar para ela. Este é o caminho para a ces-sação do sofrimento, vocês devem praticá-lo”.

 

O Giro Comprovado da Roda do Darma 

O terceiro giro da Roda do Darma também é chamado de “Giro Comprovado da Roda”, porque nesse período o Buda se colocou como exemplo de alguém que havia alcançado a completa iluminação, dizendo que, se ele conseguira, todos poderiam conseguir também. Nessa época, ele falou da seguinte forma sobre as Quatro Nobres Verdades, no Sutra Dharma-chakra (Sutra sobre os Giros da Roda do Darma): “Isto é sofrimento, eu o conheço. Esta é a causa do sofrimento, eu já a eli-minei. Esta é a cessação do sofrimento, já despertei para ela. Este é o caminho que leva à cessação do sofrimento, já o pratiquei”.

O Buda é algumas vezes chamado de “O grande médico”, uma vez que os seus ensinamentos podem nos curar do nosso apego doentio à ilusão. A melhor forma de acabar com o sofrimento é compreender bem as Quatro Nobres Verdades, porque, -depois disso, será muito mais fácil entender os outros ensinamentos do Buda.

A compreensão e a prática dos ensinamentos do Buda levam infalivelmente à libertação da dor e do sofrimento. O Buda é o médico e tem o remédio; só precisa-mos tomá-lo. As Quatro Nobres Verdades do Buda constituem a cura para o sofri-mento humano.

O grande bodisatva Manjushri (...) disse à assembleia de bodisatvas:

“Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade do Sofrimento tem vários significados, como retribuição, opressão, mudança constante, apego às condições, agrupamento de condições, dor dilacerante, dependência dos sentidos, loucura, doença e estupidez.

Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade da Origem do Sofrimento tem muitos significados, como apego, destruição, amor obstinado, pensamento ilu-dido, sedução do desejo, determinação errônea, teia de condições, discurso vazio, passividade e aferro a fontes degradadas.

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Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade da Cessação do Sofrimento tem vários significados, como não argumentação, deixar a poeira para trás, paz perfeita, não ter percepção ilusória, estar além da deterioração, não ter natureza de seu próprio ser, não ter obstáculos, extinção, saber a verdade e habitar na natureza de seu próprio ser.

Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade do Caminho da Cessação do Sofrimento tem muitos significados, como o Veículo Único, desejo de tranquilida-de, o guia, plenitude sem distinções, equanimidade, renúncia, não ter anseios, -seguir os passos dos santos, o caminho dos sábios e os dez tesouros.

Discípulos do Buda deste mundo Saha, as Quatro Nobres Verdades têm quatro qua-trilhões de nomes e significados, que são compreendidos pelos seres sencientes conforme as suas tendências. Essa pluralidade de significados mostra aos seres sencientes como conquistar o controle sobre a mente”.

Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)

O Giro Explicativo da Roda do Darma

O primeiro período do ensinamento do Buda é chamado de “Primeiro giro da Roda do Darma” ou “Giro explicativo da Roda”. Foi nessa época que o Buda expôs as ver-dades básicas em que se fundamenta sua iluminação.

A respeito das Quatro Nobres Verdades, disse ele no Sutra Dharma-chakra (Sutra sobre os Giros da Roda do Darma): “Isto é o sofrimento; tem a natureza ‘opressiva’. Esta é a causa do sofrimento; tem a natureza de ‘apego’, ‘aferro’ ou ‘acúmulo’. Isto é a cessação do sofrimento; tem a natureza de ‘compreensão’ ou ‘despertar’. Este é o caminho para a cessação do sofrimento; tem a natureza de ‘cultivo’”.

 

O Giro Persuasivo da Roda do Darma

O segundo giro da Roda do Darma é também conhecido como “Giro persuasivo da Roda” porque se refere ao período em que o Budaconvenceu seus discípulos a extinguir o sofrimento através da compreensão total das Quatro Nobres Verdades. Nessa época, ele abordou essas verdades da seguinte maneira, no Sutra Dharma-chakra (Sutra sobre os Giros da Roda do Darma): “Isto é sofrimento, vocês devem compreendê-lo. Esta é a causa do sofrimento, vocês devem eliminá-la. Esta é a ces-sação do sofrimento, vocês devem despertar para ela. Este é o caminho para a ces-sação do sofrimento, vocês devem praticá-lo”.

 

O Giro Comprovado da Roda do Darma 

O terceiro giro da Roda do Darma também é chamado de “Giro Comprovado da Roda”, porque nesse período o Buda se colocou como exemplo de alguém que havia alcançado a completa iluminação, dizendo que, se ele conseguira, todos poderiam conseguir também. Nessa época, ele falou da seguinte forma sobre as Quatro Nobres Verdades, no Sutra Dharma-chakra (Sutra sobre os Giros da Roda do Darma): “Isto é sofrimento, eu o conheço. Esta é a causa do sofrimento, eu já a eli-

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minei. Esta é a cessação do sofrimento, já despertei para ela. Este é o caminho que leva à cessação do sofrimento, já o pratiquei”.

O Buda é algumas vezes chamado de “O grande médico”, uma vez que os seus ensinamentos podem nos curar do nosso apego doentio à ilusão. A melhor forma de acabar com o sofrimento é compreender bem as Quatro Nobres Verdades, porque, -depois disso, será muito mais fácil entender os outros ensinamentos do Buda.

A compreensão e a prática dos ensinamentos do Buda levam infalivelmente à libertação da dor e do sofrimento. O Buda é o médico e tem o remédio; só precisa-mos tomá-lo. As Quatro Nobres Verdades do Buda constituem a cura para o sofri-mento humano.

O grande bodisatva Manjushri (...) disse à assembleia de bodisatvas:

“Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade do Sofrimento tem vários significados, como retribuição, opressão, mudança constante, apego às condições, agrupamento de condições, dor dilacerante, dependência dos sentidos, loucura, doença e estupidez.

Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade da Origem do Sofrimento tem muitos significados, como apego, destruição, amor obstinado, pensamento ilu-dido, sedução do desejo, determinação errônea, teia de condições, discurso vazio, passividade e aferro a fontes degradadas.

Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade da Cessação do Sofrimento tem vários significados, como não argumentação, deixar a poeira para trás, paz perfeita, não ter percepção ilusória, estar além da deterioração, não ter natureza de seu próprio ser, não ter obstáculos, extinção, saber a verdade e habitar na natureza de seu próprio ser.

Discípulos do Buda deste mundo Saha, a Nobre Verdade do Caminho da Cessação do Sofrimento tem muitos significados, como o Veículo Único, desejo de tranquilida-de, o guia, plenitude sem distinções, equanimidade, renúncia, não ter anseios, -seguir os passos dos santos, o caminho dos sábios e os dez tesouros.

Discípulos do Buda deste mundo Saha, as Quatro Nobres Verdades têm quatro qua-trilhões de nomes e significados, que são compreendidos pelos seres sencientes conforme as suas tendências. Essa pluralidade de significados mostra aos seres sencientes como conquistar o controle sobre a mente”.

Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)

O Nobre Caminho Óctuplo

O sofrimento (ou insatisfação) inerente à vida é a primeira Nobre Verdade do budis-mo. A forma de acabar com o sofrimento é a quarta Nobre Verdade. Foi para ajudar os seres sencientes a acabar com o seu sofrimento que o Buda Shakyamuni ensinou o Nobre Caminho Óctuplo. Ele constitui a versão detalhada da quarta Nobre Verdade e é fundamental à prática budista. Diz-se “óctuplo” porque é formado por oito elementos ou facetas; “nobre”, por ser moralmente correto e porque nada nele nos desencaminharia; “caminho” porque deve ser seguido durante um período, da

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mesma forma que uma trilha, e porque leva diretamente à meta da libertação do sofrimento e da ilusão.

 

Fatores do Nobre Caminho Óctuplo

Seguir o Nobre Caminho Óctuplo é o melhor e mais fundamental modo de praticar nossa crença nos ensinamentos do Buda. Trata-se de seguir seus oito fatores ou aspectos:

1. Compreensão Correta (Samyag-drsti);       2. Pensamento Correto(Samyak-samkalpa);3. Fala Correta (Samyag-vac);        4. Ação Correta (Samyak-karmanta);5. Meio de Vida Correto (Samyag-ajiva);      6. Esforço Correto (Samyak-vyayama);7. Atenção Correta (Samyak-smrti);      8. Concentração Correta (Samyak-samadhi).

 

Idealmente, todos deveriam ser praticados simultaneamente. Cada um desses fatores será discutido em maior detalhe nas seções que se seguem.

 

Compreensão Correta 

É extremamente importante ter a Compreensão Correta, porque dela flui direta-mente tudo o mais no budismo. No começo, não podemos esperar que nossa compreensão esteja em perfeita harmonia com o Darma. Se fosse assim, já não teríamos nada a aprender. Daí que um aspecto fundamental da Compreensão Correta é a vontade de empreender um autoquestionamento, sobretudo no que diz respeito ao nosso comportamento. A maioria das pessoas gasta um tempo enorme tentando justificar o que fez ou quer fazer. Como budistas, devemos começar a reverter tal processo e, em vez de justificar nossas transgressões, tentar descobrir o que elas são e aprender como transformá-las.

O Sutra Shrimala-devi-simhanada (Sutra Rugir de Leão da Rainha Shrimala) diz que Compreensão Correta é aquela que não leva à nossa ruína. De acordo com o Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores), Compreensão Correta é a que nos tira da ilusão. Para o Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria, Compreensão Correta é a própria sabedoria. O Portais Gradativos para o Mundo do Darma ensina que Compreensão Correta é a clara e perfeita percepção das Quatro Nobres Verdades.

A palavra “compreensão” denota, aqui, nossa forma de ver e entender a vida, o que estabelece nossa filosofia de vida. Compreensão Correta, basicamente, é sintonia com o Darma. Para tê-la, é essencial compreender claramente a Gênese Condicionada, o princípio de Causa e Efeito, o Carma, as Quatro Nobres Verdades e a diferença entre o bem e o mal.

Além da ideia clara a respeito dos conceitos básicos do budismo, outro elemento importante da Compreensão Correta é um entendimento profundo das verdades do budismo. O Darma é verdadeiro. A iluminação do Buda é real. O Darma adapta-se

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às condições de onde estiver, mas, em essência, nunca muda, porque sempre apon-ta para a mente búdica iluminada.

O momento do primeiro vislumbre da verdade do Darma é aquele em que se vislumbra o Buda – e é aí que começa a se estabelecer a Compreensão Correta. Dito de outra forma, Compreensão Correta é a mente búdica desperta que começa a atuar em nós.

 

Nas profundezas da mente, apoie-se na pureza do Darma. Em pouco tempo, seus frutos supremos serão alcançados.

 Sutra do Grande Nirvana

 

Pensamento Correto

Obviamente, o Pensamento Correto fundamenta-se na Compreensão Correta. Se nossa compreensão da vida neste mundo estiver correta, os pensamentos dela decorrentes também o serão.

Sem dúvida, na prática do pensamento correto, deve existir uma interação constan-te entre a intenção (pensamento) e a compreensão. Não basta querer ter Compreensão Correta ou Pensamento Correto. Até o próprio Buda precisou de seis anos de intensa prática ascética para chegar ao pleno entendimento da verdade.

O alicerce essencial para o Pensamento Correto, assim como para a Compreensão Correta, é a vontade de questionar a nós próprios e às nossas crenças. Ninguém conseguirá conquistar Compreensão Correta nem Pensamento Correto sem passar longos períodos em intensa e franca introspecção. O Shastra Yogachara-bhumi (Tratado sobre os Estágios da Prática da Ioga) diz: “Quando se investe energia na Compreensão Correta, alcança-se um estado livre do mal e da raiva, que é o Pensamento Correto”.

Pensamento Correto é aquele desassociado dos Três Venenos – cobiça, raiva e ignorância. Pode ser visto como a ferramenta que nos ajuda a aplicar a Compreensão Correta à nossa vida. Podemos ler a respeito da Compreensão Correta e até entender o que lemos; entretanto, saber o que é Compreensão Correta não tem grande utilidade. É o Pensamento Correto que nos ajuda a aplicar essa compreensão à nossa vida.

A Compreensão Correta baseia-se em um vislumbre da mente búdica. O Pensamento Correto tem por fundamento lembrar aquele vislumbre e concentrar toda a nossa força para nos aproximar dela cada vez mais.

 

Como purificar as tendências da mente? Através da introspecção profunda, contem-ple o fato de que a fonte de todo bem e de todo mal nada mais é que a própria mente. Um simples pensamento maldoso pode produzir uma porção de consequên-cias nocivas, ao passo que um simples pensamento bom pode gerar uma abundân-cia de coisas boas.

Mestre Yongjia Xuanjue (665-713)

 

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Fala Correta

A Fala Correta evita que criemos carma negativo pela palavra. A maioria das pessoas cria grande parte de seu carma negativo por meio de palavras destempera-das. Não devemos ter medo de falar a verdade, mas a forma como dizemos as coi-sas e o momento que escolhemos para isso são muito importantes. Uma verdade dita na hora errada – corrigir alguém na frente de outras pessoas, por exemplo – pode causar imenso sofrimento. Se mesmo uma verdade pode causar danos, imagi-ne o tamanho dos prejuízos que são gerados com mentiras, aspereza e mexericos!

Em sua definição mais elementar, Fala Correta equivale a não mentir, não ter duas caras (não ser fingido), não ser rude e não ser sarcástico (não caçoar). Além dessas características, Fala Correta é também aquela que não é irritante, difamatória, orgulhosa ou arrogante, insultuosa ou crítica, amarga ou cáustica, injustificadamen-te extravagante ou pomposa. Seria bom que todos os budistas estudassem essa lista com muita atenção.

Cabe repetir: grande parte do carma negativo é criada por meio da fala. Examine sua vida e veja se isso não é verdade.

Há quatro diretrizes que podemos e devemos seguir no que diz respeito à fala:

Só falar a verdade;

Ser compassivo ao falar. Se acreditar que suas palavras poderão ferir os sentimentos de alguém, cale-se simplesmente. Use a voz para trazer gentile-za e bondade ao mundo;

Ser encorajador. Às vezes, uma simples palavra pode trazer paz e alegria a alguém. Caso tenha a oportunidade de animar alguém, não se contenha – suas palavras talvez sejam justamente o que ele está precisando ouvir;

Ser prestativo. Utilize as palavras para ajudar o próximo. As palavras podem ser úteis de várias formas – para explicar e ensinar, para incentivar os outros a conversar conosco sobre algum assunto. Este último ponto é bastante importante, uma vez que a melhor forma de aprender o Darma é por meio do diálogo e da argumentação.

Para a fala, assim como para tudo o mais, o melhor exemplo é sempre o Buda. Lembre-se: o Buda era conhecido como “aquele das palavras verdadeiras, aquele que não muda suas palavras, aquele que não mente”. O Darma ensinado pelo Buda é o melhor exemplo de Fala Correta no mundo.

 

Os que são sábios praticam a fala correta, a fala suave, a fala harmoniosa e a fala verdadeira. Isso porque o uso da fala correta nos livra da frivolidade, o da fala suave nos livra da rispidez, o da fala harmoniosa nos livra da duplicidade e o uso da fala verdadeira nos livra da mentira.

Mestre Yongjia Xuanjue (665-713)

 

Ação Correta

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Pensamento Correto diz respeito ao funcionamento da mente. Fala Correta refere-se à utilização da linguagem. Ação Correta abrange tudo o que fazemos com o corpo, incluindo bons hábitos de alimentação e sono, exercício e repouso adequa-dos, hábitos de trabalho e tudo o mais que se relaciona ao corpo e ao carma gerado pelo seu comportamento.

Ação Correta é seguir os Cinco Preceitos do budismo. Implica utilizar o corpo para executar e expressar as conclusões corretas tiradas por meio do Pensamento Correto e da Compreensão Correta.

 

Concentre totalmente a mente no Buda. Realize o potencial da natureza humana. Quando a natureza humana for realizada em todo o seu potencial, a budeidade será atingida.

Mestre Taixu (1889-1947)

 

Meio de Vida Correto

Meio de Vida Correto, ou Profissão Correta, diz respeito à forma como ganhamos a vida. Isso pode ser problemático em meio às complexidades do mundo moderno. Meio de Vida Correto implica não fazer e não levar ninguém a fazer nada que viole os preceitos do budismo. De acordo com o Shastra Yogachara-bhumi (Tratado sobre os Estágios da Prática da Ioga): “Meio de Vida Correto significa que, para atender às necessidades de vestuário, alimentação e outros itens, não se fará nada que viole a moralidade”.

Todo trabalho deve estar na maior sintonia possível com os ensinamentos do Buda. Nossa ocupação não deve prejudicar ninguém, nem tampouco incentivar que outra pessoa o faça. O Buda Shakyamuni viveu em uma sociedade muito diferente da nossa. A despeito disso, ele relacionou duas especificidades relativas ao trabalho que ainda são válidas para os budistas de hoje:

Não ter casas de jogos, bares, bordéis ou matadouros. Não caçar, pescar ou exercer profissão que envolva matança de animais.

O trabalho que fazemos neste mundo produz muitas sementes cármicas. O budismo é conhecido como Caminho do Meio porque o Buda sempre ensinou seus seguido-res a evitar extremos em tudo – equilíbrio e discernimento são aspectos fundamen-tais da sabedoria. Assim, ao analisar nossa ocupação e comparar o que fazemos com as verdades do Darma, é preciso nos certificar de que não estamos sendo radi-cais em nossas interpretações.

Porém, se com esta análise concluirmos que nossa atividade contraria os ensina-mentos do Buda, será necessário mudar a forma como trabalhamos ou até mudar de ocupação. Esse tipo de mudança não deve ser empreendido precipitadamente. Devem-se levar em consideração os membros de nossa família, patrões, empregados e todas as pessoas que possam ser afetadas por nossas decisões.

 

Esforço Correto

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Depois de ter colocado a vida em ordem, ou seja, quando tivermos Compreensão Correta, Pensamento Correto, Fala Correta e Meio de Vida Correto, naturalmente passaremos a fazer o Esforço Correto.

Esforço supõe mudar para melhor, tornar-se mais sábio, calmo e moralmente corre-to. Com Esforço Correto, entendemos melhor o Darma a cada dia que passa e aprendemos a aplicá-lo mais e mais em nossa vida.

Na prática do budismo, como em tudo, manter a regularidade é importante. Se nos tornarmos preguiçosos ou desatentos, começaremos a regredir. O Darma contém tesouros profundos, sendo impossível sondar sua dimensãoem pouco tempo. Devemosnos engajar nos ensinamentos do Buda e, de forma regular e gradual, aprender a valorizar a vastidão do Darma e a sabedoria do Buda. Nossa sabedoria se ampliará enquanto permanecermos próximos do Darma, permitindo que este indique como devemos nos comportar.

O Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria sugere quatro formas de esforço correto:

 

manifestando a bondade onde ela não existe; fomentando a bondade onde ela existe; não manifestando o mal onde este não existe; extinguindo o mal onde este existe.

 

Quem considera problemático demais praticar os ensinamentos do Buda provavel-mente não compreendeu que os problemas causados pela preguiça são muito pio-res. A prática desses ensinamentos, apesar de requerer esforço, não é algo que dure para sempre. Chega o dia em que o êxito é alcançado, o que resulta em imen-sa alegria. Por outro lado, a preguiça, e a falha em praticar esses ensinamentos, acabam por roubar toda a nossa paz, levando-nos a sofrer ao longo de muitas vidas.

Mestre Xing’an (1686-1734)

 

Atenção Correta

Atenção Correta significa encontrar dentro de si a pureza inerente à mente búdica e nela permanecer, não permitindo que essa pureza seja obscurecida pelos venenos da cobiça, da raiva e da ignorância.

A Atenção Correta advém dos seis primeiros aspectos do Nobre Caminho Óctuplo. Ela é uma parte pura nossa, que se expande continuamente à medida que praticamos o Darma. O Sutra dos Ensinamentos Legados pelo Buda diz: “Se nossa Atenção Correta for firme, poderemos até penetrar no perigoso mundo dos Cinco Desejos sem que nenhum mal se abata sobre nós. É como usar uma armadura numa batalha – não há nada a temer”.

Os budistas devem sempre privilegiar a Atenção Correta em detrimento do raciocí-nio iludido. Se a nossa Atenção é correta não seremos abalados pelas falsas distin-ções da dualidade. Não cairemos na ilusão das oposições nós/outros, perda/ganho,

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vida/morte. A Atenção Correta nos ensina a manter a consciência de que as coisas são como devem ser e que tudo o que podemos fazer é trazer um pouco mais de bondade a este mundo.

O Buda ensinou quatro contemplações para nos ajudar a conquistar e manter a Atenção Correta – um estado em que não há apego a nenhum dos incessantes caprichos da ilusão. As contemplações apresentadas a seguir destinam-se a nos auxiliar no esforço de nos libertar da fascinação pelo mundo da ilusão. Depois de eliminado esse fascínio, começaremos a perceber a pureza e a beleza que repou-sam no âmago da Atenção Correta. As contemplações da Atenção Correta são mostradas a seguir:

 

Contemplação da impureza. Uma das causas mais fundamentais do apego das pessoas à ilusão é o grande amor que nutrem pelo corpo. Uma quantidade enorme de cobiça e raiva surge do amor ao corpo. O corpo deve ser cuidado e não deve ser maltratado; porém, não podemos condescender com ele. Todos devem se conscien-tizar plenamente de que o corpo vai um dia adoecer e morrer.

Mesmo saudável, o corpo é repleto de excreções, alimento semidigerido, muco, linfa, sangue, urina e muitas outras substâncias que são, essencialmente, impuras. O Buda ensinou a contemplar a impureza do corpo para nos ajudar a superar o apego a ele. O objetivo dessa contemplação não é nos causar repulsa, mas ajudar a nos libertar do apego ao mundo da carne.

 

Contemple que tanto o corpo quanto a aparência do corpo são vazios. 

Sutra do Grande Nirvana

 

Contemplação do sofrimento. Contemple que todas as sensações são dolorosas ou levam à dor. Esta contemplação volta a enfatizar a Primeira Nobre Verdade. Independentemente do que aconteça conosco, no fim das contas, ninguém consegue escapar do sofrimento causado pelas verdades da impermanência, da doença, da separação dos entes queridos e da morte. O Buda Shakyamuni exortava seus seguidores a encarar esta verdade de frente, sem dela se afastar. O Darma fundamenta-se na inerente insatisfação da vida neste mundo. O Príncipe Sidarta, que veio a se tornar o Buda, deixou a casa de seu pai para buscar a iluminação -depois de compreender plenamente a inevitabilidade do sofrimento neste mundo.

 

Contemple que a sensação não reside dentro do corpo, nem fora do corpo, nem entre os dois. 

Sutra do Grande Nirvana

 

Contemplação da impermanência. Contemple a impermanência e a inconstân-cia dos pensamentos. Os pensamentos vêm e vão com rapidez quase inconcebível e muito menos controlável. Em um momento estamos no paraíso, no seguinte vemos as portas do inferno abrirem-se diante de nós. Nada disso é permanente. Nada disso se mantém.

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A mente movimenta-se incessantemente pelas condições desorganizadas do mundo sensorial. Contemplando as fragilidades e inconstâncias de nossos próprios pensamentos, ensinamo-nos que todas as coisas são impermanentes e que nada que possamos conceber dura para sempre.

 

Contemple que a mente está repleta de linguagem e que a linguagem é separada daquilo a que se refere. 

Sutra do Grande Nirvana

 

Contemplação do “não eu”. Contemple a inexistência de uma natureza individual permanente e imutável em tudo e em todos.

 

Contemple que, tomados por aquilo que são, os fenômenos não são nem bons nem maus. 

Sutra do Grande Nirvana

 

O Sutra Vajracchedika-prajñaparamita (Sutra Diamante) diz: “Todos os darmas con-dicionados são como sonhos, como ilusões, como bolhas, como sombras, como orvalho, como relâmpagos e todos eles devem ser dessa forma contemplados”.

Darmas condicionados são as coisas deste mundo, inclusive aquelas que estão em nosso pensamento e em nossa imaginação. O Buda disse que todos eles são “como relâmpagos ou como orvalho”. Nenhum persiste e nenhum é, em última análise, real. Nenhum tem natureza própria. Nenhum está imune às mudanças.

 

Quando todas as ilusões são extintas, o que não é ilusório não se extingue.É como limpar um espelho: quando a poeira é eliminada, aparece a claridade.

Sutra da Iluminação Plena

 

Concentração Correta

A prática budista tem como alicerces a moralidade, a meditação e a sabedoria. Fala Correta, Ação Correta, Meio de Vida Correto e Esforço Correto objetivam ajudar-nos a melhorar moralmente. Compreensão Correta, Pensamento Correto e Atenção Corretas por sua vez, pretendem nos tornar se não sábios, pelo menos um pouco mais sábios.

Concentração Correta é ferramenta para aprendermos a meditar e nos beneficiar com a meditação. A tranquilidade e a paz encontradas na meditação são os alicerces da sabedoria budista. Em sânscrito, o termo para concentração é samádi, que designa um estado profundo de concentração ou um estado profundo de equilí-brio meditativo. A base de qualquer meditação é a concentração. Quando aprende-mos a nos concentrar longa e profundamente nas verdades imutáveis do budismo e

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começamos a descobrir sua plenitude em estados mentais que existem para além da linguagem, estamos praticando a Concentração Correta.

A paz e a pureza que são descobertas no samádi, quando corretamente aplicadas à vida, trazem enormes benefícios para nós e para as pessoas com as quais temos contato. Em termos gerais, a meditação deve promover melhor saúde física, ensi-nar-nos a tranquilidade, auxiliar-nos a ver mais claramente – o que significa ilumi-nar-se – e, finalmente, mostrar-nos o esplendor de nossa inerente natureza búdica. A meditação deveria promover um comportamento social saudável e prestativo e não nos tornar depressivos ou antissociais.

 

Se, meditando no Buda, perceber que sua mente não está calma e unificada, deixe que ela se recolha em si mesma e ela ficará tranquila e unificada. A melhor forma de fazer isso é pelo esforço puro e sincero. Quem não for sincero não terá êxito.

Mestre Yinguang (1862-1940)

 

Como Compreender o Nobre Caminho Óctuplo

O Shastra Abhidharma-mahavibhasha explica: “Compreensão Correta levaa Pensamento Correto. O Pensamento Correto ajuda-nos a conquistar a Fala Correta. Pela Fala Correta, conseguimos chegar à Ação Correta. A Ação Correta possibilita-nos alcançar o Meio de Vida Correto. O Meio de Vida Correto é o início do Esforço Correto. O Esforço Correto traz a Atenção Correta e esta nos permite dominar a Concentração Correta”.

Assim como muitos outros elementos do budismo, o Nobre Caminho Óctuplo é uma divisão verbal e conceitual de algo essencialmente indivisível. Idealmente, o Nobre Caminho Óctuplo deveria ser praticado na íntegra, uma vez que suas partes são inter-relacionadas. Idealmente, não deveria existir separação entre elas, mas o Buda diferenciou esses oito fatores relativos à prática do Darma porque queria apresentar informações complexas de forma que estivessem ao alcance de qual-quer pessoa empenhada em compreendê-las.

Assim como os Cinco Preceitos, que podem ser adotados gradualmente até que todos tenham sido dominados, o Nobre Caminho Óctuplo pode ser aprendido passo a passo. O trecho do Shastra Abhidharma-mahavibhasha citado no início desta seção mostra como os fatores do Caminho Óctuplo se inter-relacionam. Essa expli-cação deve ser tomada apenas como uma aproximação. Não devemos deduzir que seja necessário esperar até conquistarmos a Compreensão Correta e o Pensamento Correto para começar a aperfeiçoar a Palavra Correta, por exemplo.

O Buda incluiu a palavra “Caminho” ao criar a expressão Nobre Caminho Óctuplo justamente porque é um ensinamento para ser praticado e aprendido ao longo do tempo. O Darma é extraordinariamente profundo e sábio, mas, ainda assim, pode ser compreendido por todos os seres humanos que realmente se dedicarem a ele.

A Compreensão Correta é colocada em primeiro lugar no Nobre Caminho Óctuplo porque ela é como a bússola no navio – sua função é evitar que percamos o rumo. Se tivermos Compreensão Correta, o restante do budismo e a vida fluirão natural-mente. Nunca é demais salientar a importância da Compreensão Correta. O tópico essencial deste livro é a Compreensão Correta. Se conseguirmos entender os ensi-

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namentos básicos do Buda, sempre saberemos como, por que, quando e onde prati-car o Darma. Se nossa Compreensão for Correta, não nos perderemos facilmente.

De acordo com os Agamas: “Aquele que entende bem a Compreensão Correta, mesmo que viva cem vezes mil vidas, jamais cairá nos mundos inferiores”.

 

Para Praticar o Nobre Caminho Óctuplo

O Darma pode ser expresso em palavras, mas é impossível compreendê-lo plenamente se não o colocarmos em prática. Limitar-se a ler sobre o Darma sem passar a praticá-lo é algo trágico – seria como ler sobre técnicas de salvamento diante de um banhista que esteja se afogando, mas nada fazer para salvá-lo.

O Nobre Caminho Óctuplo destina-se a ser um guia para todos os aspectos da vida. Ele deve ser implementado na vida diária antes quea riqueza e o esplendor desses ensinamentos possam ser plenamente compreendidos. Praticado com diligência, o Nobre Caminho Óctuplo leva à mais maravilhosa compreensão. Ninguém que prati-que esse caminho há bastante tempo pode ter dúvidas quanto a seu poder e sabe-doria.

O Nobre Caminho Óctuplo fundamenta-se em moralidade, crença e sabedoria, sendo o guia perfeito para os ensinamentos do Buda. A prática diligente desse caminho leva, ao final, à iluminação perfeita.

 

Por incontáveis éons, o próprio Buda realizou atos iluminados pelo bem de todos os seres sencientes. Assim, sua luz brilha em todos os mundos e a alegria nasceu na mente dos de boa índole em todos os lugares.

Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)

Como Compreender o Nobre Caminho

Óctuplo

O Shastra Abhidharma-mahavibhasha explica: “Compreensão Correta levaa Pensamento Correto. O Pensamento Correto ajuda-nos a conquistar a Fala Correta. Pela Fala Correta, conseguimos chegar à Ação Correta. A Ação Correta possibilita-nos alcançar o Meio de Vida Correto. O Meio de Vida Correto é o início do Esforço Correto. O Esforço Correto traz a Atenção Correta e esta nos permite dominar a Concentração Correta”.

Assim como muitos outros elementos do budismo, o Nobre Caminho Óctuplo é uma divisão verbal e conceitual de algo essencialmente indivisível. Idealmente, o Nobre Caminho Óctuplo deveria ser praticado na íntegra, uma vez que suas partes são inter-relacionadas. Idealmente, não deveria existir separação entre elas, mas o Buda diferenciou esses oito fatores relativos à prática do Darma porque queria apresentar informações complexas de forma que estivessem ao alcance de qual-quer pessoa empenhada em compreendê-las.

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Assim como os Cinco Preceitos, que podem ser adotados gradualmente até que todos tenham sido dominados, o Nobre Caminho Óctuplo pode ser aprendido passo a passo. O trecho do Shastra Abhidharma-mahavibhasha citado no início desta seção mostra como os fatores do Caminho Óctuplo se inter-relacionam. Essa expli-cação deve ser tomada apenas como uma aproximação. Não devemos deduzir que seja necessário esperar até conquistarmos a Compreensão Correta e o Pensamento Correto para começar a aperfeiçoar a Palavra Correta, por exemplo.

O Buda incluiu a palavra “Caminho” ao criar a expressão Nobre Caminho Óctuplo justamente porque é um ensinamento para ser praticado e aprendido ao longo do tempo. O Darma é extraordinariamente profundo e sábio, mas, ainda assim, pode ser compreendido por todos os seres humanos que realmente se dedicarem a ele.

A Compreensão Correta é colocada em primeiro lugar no Nobre Caminho Óctuplo porque ela é como a bússola no navio – sua função é evitar que percamos o rumo. Se tivermos Compreensão Correta, o restante do budismo e a vida fluirão natural-mente. Nunca é demais salientar a importância da Compreensão Correta. O tópico essencial deste livro é a Compreensão Correta. Se conseguirmos entender os ensi-namentos básicos do Buda, sempre saberemos como, por que, quando e onde prati-car o Darma. Se nossa Compreensão for Correta, não nos perderemos facilmente.

De acordo com os Agamas: “Aquele que entende bem a Compreensão Correta, mesmo que viva cem vezes mil vidas, jamais cairá nos mundos inferiores”.

 

Para Praticar o Nobre Caminho Óctuplo

O Darma pode ser expresso em palavras, mas é impossível compreendê-lo plenamente se não o colocarmos em prática. Limitar-se a ler sobre o Darma sem passar a praticá-lo é algo trágico – seria como ler sobre técnicas de salvamento diante de um banhista que esteja se afogando, mas nada fazer para salvá-lo.

O Nobre Caminho Óctuplo destina-se a ser um guia para todos os aspectos da vida. Ele deve ser implementado na vida diária antes quea riqueza e o esplendor desses ensinamentos possam ser plenamente compreendidos. Praticado com diligência, o Nobre Caminho Óctuplo leva à mais maravilhosa compreensão. Ninguém que prati-que esse caminho há bastante tempo pode ter dúvidas quanto a seu poder e sabe-doria.

O Nobre Caminho Óctuplo fundamenta-se em moralidade, crença e sabedoria, sendo o guia perfeito para os ensinamentos do Buda. A prática diligente desse caminho leva, ao final, à iluminação perfeita.

 

Por incontáveis éons, o próprio Buda realizou atos iluminados pelo bem de todos os seres sencientes. Assim, sua luz brilha em todos os mundos e a alegria nasceu na mente dos de boa índole em todos os lugares.

Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)

Carma

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Carma é um termo sânscrito que originalmente significava “ação”. O carma é a lei universal de causa e efeito que governa as ações intencionais. De acordo com ela, todos os atos intencionais produzem resultados, que mais cedo ou mais tarde serão sentidos por quem realizou a ação.

Boas ações produzem efeitos cármicos positivos, ao passo que os efeitos cármicos das más ações são negativos. Essa lei opera em vários níveis: assim como os indiví-duos têm carma, também têm carma grupos e sociedades, países e até mesmo o planeta Terra como um todo, tem um carma que pertence a todos os seres sencien-tes que o habitam.

Aliás, para ser mais específico, não é exatamente correto dizer que algo ou alguém “tem” um carma, uma vez que o carma é uma lei. Entretanto, é mais fácil falar do assunto desse modo, evitando frases longas que seriam tecnicamente mais preci-sas. Dizendo que alguém “tem” um carma, queremos dizer que sua vida está condi-cionada pela lei do carma, isto é, que as circunstâncias presentes devem ser com-preendidas como o resultado de seu comportamento passado.

O conceito de carma é fundamental em todas as escolas do budismo e em todas as interpretações do Darma. É impossível compreender o budismo sem entender esse conceito em sua totalidade. O Buda classificou o carma humano em três tipos:

 

carma gerado pelo corpo; carma gerado pela fala; carma gerado pela mente.

 

Todas as ações intencionais do corpo, da fala e da mente geram resultados cármicos, que ocorrerão, inevitavelmente. Nem mesmo um Buda pode alterar a lei do carma.

Para a maioria das pessoas, o carma funciona por repetições cíclicas. Determinada ação proposital gera um determinado resultado cármico, ao qual a pessoa reage, o que leva a outro resultado cármico e assim sucessivamente. Desse modo, uma vida vai sendo construída conforme as reações da pessoa às condições que ela mesma cria. Reagindo ao próprio carma tantas e tantas vezes, vamos nos atolando na ilu-são.

O Buda disse que o ciclo de nascimento e morte é uma ilusão à qual nos aferramos porque não conseguimos ver além dele. Ou seja, não sabemos como escapar desse ciclo porque não compreendemos seu funcionamento. Mais do que qualquer outra coisa, é a lei do carma que mantém os seres sencientes presos nesse ciclo. E, mais do que qualquer coisa, é a lei do carma, se for bem compreendida, que levará os seres sencientes a se libertar do ciclo de nascimento e morte.

Para os fins desta discussão, “mau” é aquilo que prejudica os seres sencientes, ao passo que “bom” é o que os auxilia. Más ações geram mau carma. Ações perversas produzem carma tão negativo que levam a pessoa a nascer em um dos três planos mais baixos da existência (os mundos do inferno, dos espíritos famintos e dos ani-mais). O bom carma leva ao renascimento como ser humano ou celestial.

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Carma é a força que “nos obriga a nascer, mesmo que não queiramos, e a morrer, mesmo que não queiramos”. Quando se fala do ciclo de nascimento e morte, é importante lembrar que não é “você” que vai e volta nesse ciclo, e sim o seu carma. A ilusão alimenta-se de si própria através da lei do carma.

A prática budista coloca muita ênfase nas boas ações, pois são as boas ações que, praticadas hoje, estabelecerão o alicerce de nossas vidas futuras. A maneira correta de compreender o carma é não se preocupar com o que se está recebendo hoje, mas com o que se está fazendo hoje.

 

O carma é como o vento. O bom carma sopra os seres sencientes para locais aprazíveis, onde experimentarão a alegria. O mau carma sopra os seres sencientes para lugares desagradáveis, onde experimentarão o sofrimento.

Artigos sobre o Significado do Maaiana

 

Tipos de Carma

 Em termos gerais, o carma pode ser classificado em três tipos básicos:

carma do corpo; carma da fala; carma da mente.

 

Sempre que uma intenção se forma na mente, estamos plantando uma semente de carma mental. As ações inspiradas por aquela intenção adicionam outras sementes à primeira.

 

Carma positivo, carma negativo e carma neutro 

Nossas ações podem gerar carma positivo, negativo ou neutro. O carma positivo é gerado pelas ações cujo propósito é ajudar outros seres sencientes. O negativo é gerado pelos atos que têm por finalidade prejudicar os outros. O carma neutro é gerado por ações não intencionais. Somente um Buda não cria nenhum tipo de carma.

 

Carma determinante e carma detalhado

 O carma determinante, também chamado de “carma básico”, é aquele que define se o ser nascerá como animal, como ser humano, como espírito faminto e assim por diante. O carma detalhado define o tipo de corpo que teremos, as circunstâncias da vida etc.

O carma determinante define o reino em que nasceremos, ao passo que o detalha-do preenche as lacunas restantes. Por exemplo, o carma determinante leva alguém a nascer como ser humano, enquanto que, o carma detalhado estabelece o tipo de corpo, a nacionalidade e a família em que o ser vai nascer.

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Carma compartilhado e carma individual

 O carma compartilhado é aquele vivenciado por vários seres ao mesmo tempo. Por exemplo, todos nós que vivemos neste planeta temos a Terra como parte de nosso carma compartilhado. O país e a região onde vivemos é, também, parte do nosso carma compartilhado. As inundações ou terremotos que podem ocorrer em uma -região são parte do carma compartilhado das pessoas que lá vivem.

O carma compartilhado pode ser visto de duas maneiras:

 

compartilhado por todos; não compartilhado por todos.

 

Por exemplo, caso uma área seja atingida por um terremoto, todos os seus habitan-tes são de alguma forma afetados pelo fato, sendo este um caso de “carma compartilhado por todos”. Entretanto, cada indivíduo naquela região será afetado pelo terremoto de forma diferente: alguns ficarão feridos; outros, não; alguns podem ter suas casas destruídas; outros, não. Este é o “carma não compartilhado por todos”.

O mesmo se aplica a um acidente automobilístico ou a qualquer outro evento que afete mais de uma pessoa. Em um acidente de carro, pode acontecer de uma pes-soa morrer e outra sair andando, ilesa. O carma individual inclui nossos talentos, personalidade, tendências, reações características e tudo o mais que nos caracteri-za como indivíduos.

 

Carma programado e carma não programado

O carma programado é aquele que acontece inevitavelmente em determinada hora e local e não pode ser evitado de forma nenhuma. O não programado é também inevitável; contudo, quando e onde acontecerá não está previamente determinado.

 

O poder do carma é incrível. Sua influência tem longo alcance. Quando os frutos da retribuição estiverem maduros, não há onde se esconder.

Vinaya (Coleção das Regras)

 

Os quatro tipos de carma

Esta classificação constitui outra forma de compreender o funcionamento do carma. Os quatro tipos, envolvendo as causas e os efeitos, são:

 

carma “escuro escuro”; carma “claro claro”;

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carma “escuro claro”; carma “nem escuro nem claro”.

 

Carma escuro significa mau carma. Uma vez que esse tipo de carma só gera sofrimento (um mau resultado), ele é chamado de carma “escuro escuro”. O carma claro é o bom e como só gera resultados felizes (um bom resultado), é chamado de carma “claro claro”. Carma “escuro claro” é uma mistura de carma negativo e posi-tivo gerando frutos híbridos (mau e bom). O carma “nem escuro nem claro” seria o carma neutro, que é o carma dos seres despertos ou iluminados, que transcenderam a dualidade de “mau e bom”, “escuro e claro” e, portanto, não mais produzem frutos positivos ou negativos. Seu carma é neutro: “nem claro nem escuro”.

 

O bom carma gera resultados felizes, ao passo que o mau carma gera resultados infelizes. O carma neutro produz resultados que não são felizes nem infelizes.

Shastra Satyasiddhi (Tratado sobre a Completude da Verdade)

 

A Ordem em que Chega o Carma

A relação entre causa, efeito e lei cármica é extremamente complexa e difícil de ser compreendida. Apesar disso, ela mostra uma ordem básica que pode ser entendida pelos seres humanos. É muito importante ter alguma compreensão a respeito dessa ordem básica, porque, sem isso, as pessoas, frequentemente, tendem a cair na crença de que o carma não existe. Sem uma ideia clara sobre a ordem em que o carma chega, é fácil ver “boas pessoas sofrendo morte penosa e pessoas más des-frutando condições muito agradáveis” e daí concluir que não há justiça no mundo e que algo como o carma não pode existir.

Na verdade, o carma chega em uma ordem mais ou menos definida, que podemos distinguir em três níveis: o primeiro nível é o do carma que é gerado nesta vida e chega nesta vida; o segundo é o do carma gerado nesta vida, mas chega na próxi-ma; o terceiro é o carma gerado nesta vida que chega em alguma vida depois da próxima. Esses diferentes níveis podem ser comparados a diferentes tipos de plan-tas. Há sementes que, se plantadas na primavera, darão frutos no outono; outras podem demorar um ano ou mais para frutificar. Algumas árvores levam anos para dar fruto.

As razões pelas quais o carma pode chegar em diferentes vidas são duas:

 

a causa do carma pode ser de geração lenta ou rápida; as condições do carma podem ser fracas ou fortes.

 

As causas cármicas podem ser de geração lenta ou rápida, assim como há plantas que demoram muito ou pouco para frutificar. As condições podem ser fortes ou fra-cas, assim como o ambiente da semente. Se uma semente rápida receber boa lumi-

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nosidade e água suficiente, crescerá muito depressa. Já uma semente lenta manti-da no escuro talvez demore anos para brotar.

É por isso que muitas vezes vemos pessoas boas sofrerem horrivelmente. Nesta vida, elas têm sido boas, mas o carma de vidas passadas é forte e tem de frutificar. As causas que estão sendo plantadas hoje são extremamente importantes; contu-do, ninguém consegue escapar de colher o que foi plantado no passado.

Da mesma forma, é comum ver pessoas más usufruindo os prazeres de uma vida bastante agradável. As sementes que estão plantando hoje lhes trará sofrimento no futuro; antes de chegar esse dia, porém, estão recebendo os resultados de boas ações que praticaram em uma vida passada.

O carma obedece a dois princípios fundamentais:

 

todas as sementes cármicas um dia darão fruto; mau carma não pode ser transformado em bom carma.

 

O bom carma gera resultados positivos, e o mau carma produz resultados negativos. Apesar de ser impossível transformar mau carma em bom carma, é importante compreender que seus efeitos podem ser diluídos. Se praticarmos boas ações em grande quantidade, seus efeitos vão diluir nosso mau carma, tornando-o mais suportável. Assim como a água salgada pode ser diluída com água-doce para que seu sabor fique mais palatável, os efeitos do mau carma podem ser atenuados adicionando-se a ele os efeitos de muitas boas ações praticadas.

Discutimos alguns aspectos básicos da lei do carma. Além deles, outros três fatores determinam a ordem e o rumo do carma:

 

sua gravidade; nossos hábitos; nossos pensamentos.

 

O carma muito sério, bom ou mau, chega antes do menos sério. Nossos hábitos são como sulcos que determinam os rumos da nossa vida. Os hábitos adotados nesta vida exercem poderosa influência na definição do tipo e da qualidade da próxima vida.

Nossos pensamentos estão constantemente criando e recriando nossa vida. Os pensamentos levam a vida a fluir em diferentes direções em diferentes momentos. O mutante curso dos pensamentos às vezes se altera sem motivo. Somos como -alguém que sai para dar uma volta a pé. Apesar de andarmos sem destino prede-terminado, precisamos decidir que rumo tomar a cada esquina. O curso dos pensa-mentos pode ter uma influência sutil, mas ampla, na vida. Um simples pensamento pode nos levar ao inferno ou nos aproximar do Buda.

 

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Princípios e Expressões do Carma

Se o Buda disse que todos os fenômenos são impermanentes, como pode o carma persistir ao longo de tantas vidas? Como pode ele ser chamado de lei inviolável? Para responder a essas perguntas, o Buda comparou o carma a sementes e tam-bém a costumes, ou características persistentes.

A semente de uma planta pode ser armazenada por muitos anos, mas brota e se transforma em planta, do mesmo tipo da anterior, assim que encontra as condições corretas. Da mesma forma, todos os nossos atos propositais produzem sementes que ficam armazenadasem nossa consciência. Tãologo se apresentem as condições adequadas, a semente brota e cresce.

O Buda disse que o carma é como o aroma, que continua no frasco mesmo depois de acabado o perfume. Do mesmo modo, persistem os hábitos, as tendências e o carma de uma vida, até a próxima vida.

Em suma, pode-se dizer que são três os aspectos mais fundamentais do carma:

 

A semente cármica, uma vez produzida, não pode ser destruída; O resultado cármico de uma causa cármica será do mesmo tipo desta causa

e cada um receberá os efeitos de todas as causas cármicas que gerou, e apenas dessas causas;

O carma é a força que nos aprisiona ao ciclo de nascimento e morte.

 

Onde quer que venhamos a nascer, dentre os seis reinos da existência – que são o mundo dos deuses (devas), o mundo dos semideuses (ashuras), o mundo dos seres humanos, o mundo dos espíritos famintos, o mundo dos animais e o dos seres do inferno –, nosso carma sempre nos acompanhará. Nós mesmos criamos nosso carma, e é impossível evitar os efeitos das causas que colocamos em movimento.

O carma é uma lei natural, e não algo administrado por deuses ou demônios. A flecha, uma vez atirada, não pode ser trazida de volta ao arco. Ao agirmos intencionalmente, colocamos em ação forças que não mais podem ser canceladas. Um dia, os resultados dessas ações voltarão com o mesmo caráter e a mesma intensidade.

Uma vez compreendida a verdadeira natureza do carma, estamos em posição de utilizar essa poderosa força a nosso favor. O carma é uma lei. Não somos vítimas dela, assim como não somos vítimas da lei da gravidade. O objetivo do carma não é nos punir. Trata-se apenas de uma lei. Com essa compreensão, não há por que temer o carma; devemos, sim, cuidar de nossos atos intencionais, sabendo que eles são as causas de nossas condições futuras.

 

Todos os seres sencientes são iguais perante a lei do carma

Cada um de nós recebe apenas aquilo que deu. Se esses aspectos estiverem claros, deve estar óbvio que nossas maiores esperanças estão no funcionamento do carma. Até mesmo um Buda é moldado de acordo com a lei do carma. Boas inten-

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ções nos levarão rumo à budeidade, ao passo que más intenções nos afundam, mais profundamente, na ilusão.

 

O Buda sabe que todos os seres sencientes têm muitos desejos E sabe que todos estão profundamente a estes, apegados.

Assim, move-se com eles e lhes explica o Darma, Utilizando muitos métodos dife-rentes, muitas palavras diferentes e muitas metáforas diferentes.

Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)

 

Observações sobre “Bem” e “Mal”

No budismo, as palavras “mal” e “mau” denotam aquilo que prejudica os seres sencientes. “Bem” e “bom” é aquilo que lhes oferece auxílio e benefício. Mau e mal são, por definição, o oposto de bom e bem. O mal é aquilo que causa sofrimento. Má ação é qualquer ato que se oponha ao Darma, prejudique um ser senciente, seja inspirado por um dos três venenos – cobiça, raiva e ignorância – ou que fira um santo.

“Bondade” abrange aquilo que auxilia os seres sencientes e está em perfeita concordância com o Darma. As boas ações são sempre inspiradas pela bondade intrínseca da pura natureza búdica interior.

Na China, os budistas da escola Tiantai reconhecem seis tipos de bondade:

 

bondade celestial; bondade inferior do Caminho Hinaiana; bondade inferior do bodisatva inferior; bondade inferior do bodisatva avançado; bondade inferior do bodisatva não budista; bondade do bodisatva budista plenamente desperto ou iluminado.

 

Uma breve análise dessas seis distinções pode ajudar-nos a perceber melhor como a palavra “bom” deve ser compreendida no contexto do budismo.

 

Bondade celestial que leva a más consequências. Uma pessoa que observe os Cinco Preceitos e pratique boas ações nesta vida, mas principalmente para benefí-cio próprio, renasce no paraíso. Sua vida lá será longa e agradável, mas seu bom carma se esgotará, e um dia ela poderá renascer em um dos três planos inferiores.

Bondade inferior do Caminho Hinaiana. Este segundo tipo de bondade refere-se a práticas budistas que consideram a libertação individual mais importante que a dos outros seres sencientes. Essa trilha leva à libertação da ilusão, mas, já que não serve aos demais, é uma bondade inferior.

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Bondade inferior do bodisatva inferior. Trata-se da bondade daquele que tem compaixão pelos outros e tenta ajudá-los, mas não consegue superar suas próprias impurezas. Pessoas assim podem causar mais mal do que bem.

Bondade inferior do bodisatva avançado. Aqui, incluem-se as ações daqueles que superaram a maioria de suas imperfeições, mas ainda permanecem iludidos com alguns aspectos da dualidade. Pessoas assim não conseguem valorizar a quali-dade do caminho do meio seguido por não budistas e, portanto, ainda são afligidos por um considerável grau de ignorância.

Bondade inferior de bodisatvas não budistas. Este, que é o quinto tipo de bondade, diz respeito às pessoas que reconhecem a importância de ajudar os -outros, mas ainda não compreendem os ensinamentos do Buda em sua totalidade. Portanto, apesar de serem boas, ainda cometem erros.

Bondade do bodisatva budista plenamente desperto. Essa é a bondade dos que compreendem as verdades dos ensinamentos do Buda em sua totalidade e agem com base nelas em todas as circunstâncias. Alcançar esse estágio de ilumina-ção é denominado “bem”. Aferrar-se a esse estado ou abandoná-lo é chamado “mal”.

 

Era uma vez um homem que estava caminhando e ficou com sede. Ele viu uma fonte brotando junto a um tronco, curvou-se e bebeu até ficar saciado. Depois de matar a sede, levantou a mão e disse para a fonte: “Já estou satisfeito, pode parar de fluir”. A fonte, é claro, não deu ouvidos àquelas palavras e continuou a fluir como antes. O homem zangou-se e repetiu: “Já disse que terminei de beber e que você pode parar de fluir. Por que continua a fluir?”

Uma pessoa que estava perto assistiu à cena e disse: “Você é mesmo um tolo. Por que fica mandando a água parar de fluir? Por que não vai embora?”.

Neste mundo, as pessoas comuns são como o tolo da história. Bebem os desejos dos sentidos até a saciedade e, quando se cansam, dizem: “Basta! Mundo dos sen-tidos, por favor, vá embora. Já me fartei!” O mundo dos sentidos, é claro, nunca lhes dá ouvidos e simplesmente continua a fluir, enquanto as pessoas reagem reclamando: “Eu lhe disse para ir embora! Por que você fica me seguindo o tempo todo? Cansei de você!”

Diante disso, o sábio comentaria: “Se você quer que suas paixões cessem, é você que deve abandoná-las, pois elas nunca tomarão essa iniciativa. Quando você tiver aprendido a não se apegar aos sentidos, suas ilusões diminuirão e você encontrará a libertação de todos os seus desejos tolos”.

A maioria das pessoas não ouve tais conselhos. Pelo contrário, permanece agindo como o homem da nossa história: farto de beber, manda a água parar de fluir.

Sutra das Cem Parábolas

Os Cinco Preceitos

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A moralidade é o ponto de partida de todos os bons darmas e o alicerce do cresci-mento espiritual. Ela se baseia no reconhecimento de que o eu não tem a primazia e que deve aprender a respeitar os direitos, os sentimentos e as necessidades dos -demais seres sencientes.

As principais obrigações morais ensinadas pelo Buda são os chamados Cinco Precei-tos, que constituem regras ou princípios para orientar o comportamento. Suas finalidades básicas são:

 

evitar que prejudiquemos outros seres; ajudar-nos a criar bom carma, ou mérito, para nós mesmos.

 

O carma negativo é invariavelmente gerado pelas más intenções. Sempre que, proposital ou conscientemente, prejudiquemos outro ser, somos culpados de agir com más intenções. O Buda ensinou os Cinco Preceitos para nos auxiliar a superar o hábito de lesar os demais e a nós mesmos com as nossas más intenções.

Fundamento da moralidade budista e ponto de partida para o verdadeiro crescimento do ser humano, os Cinco Preceitos são:

 

Não matar. Não roubar. Não mentir. Não ter má conduta sexual. Não se entorpecer com álcool ou drogas.

 

Para Compreender os Cinco Preceitos

Os preceitos são enunciados na forma negativa, porque o primeiro passo para o crescimento moral é sempre deixar de fazer as coisas que prejudiquem outros seres sencientes. Antes de sequer começar a pensar em como ajudar o próximo, é neces-sário, antes, parar de prejudicá-lo. Vamos detalhar, a seguir, cada um desses pre-ceitos fundamentais.

 

Não matar 

Matar intencionalmente um ser senciente é um modo muito grave de prejudicar alguém. Se possível, devemos evitar matar até mesmo camundongos, pernilongos, formigas e outros animais pequenos. Ao respeitar a menor e mais indefesa criatura, adotamos uma atitude de respeito por todos os seres. Esse tipo de respeito é a base de todos os méritos.

Como o budismo é uma religião centralizada na vida humana e, uma vez que o Buda disse ser a vida humana particularmente preciosa, matar outro ser humano é a mais grave forma de matar. Matar um ser humano de propósito é ato gravíssimo, que resulta sempre em carma negativo também muito grave.

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O mau carma gerado pelo assassinato varia de pessoa para pessoa, pois as circunstâncias que levam à transgressão são sempre diferentes. Um indício da gra-vidade do homicídio pode ser percebido quando se analisa o que acontececom um mongeou monja budista que venha a matar um ser humano: essa pessoa será expulsa do monastério, não terá permissão para conviver com outros monges e monjas e, com toda a certeza, renascerá no inferno. Essa retribuição não pode ser abrandada, nem mesmo pelo mais sincero ato de arrependimento.

Matar um animal ou um inseto também configura uma violação do primeiro preceito, apesar de não ser considerada uma ofensa tão grave quanto matar um ser humano. As sementes nocivas plantadas na consciência quando a pessoa mata ani-mais podem ser erradicadas por meio de atos de sincero arrependimento.

A proibição de matar figura em primeiro lugar entre os Cinco Preceitos porque é a menos sutil de todas e, portanto, consiste no alicerce das outras. Quem consegue perceber que matar é errado pode começar a ver que as outras formas de causar dano também são erradas.

Observar o preceito que proíbe matar é algo que traz grandes benefícios espirituais, ensinando-nos a praticar a compaixão e a pensar com profundidade nas necessida-des e nos direitos dos outros seres. Na verdade, todos os seres são apenas um. Se não conseguirmos respeitar os outros, como poderemos respeitar a nós mesmos? E, sem respeito próprio, como ser dignos de conhecer a nossa natureza búdica?

Muita gente pergunta como as plantas devem ser consideradas à luz desse primeiro preceito. Sendo elas seres vivos, não seria errado matá-las? O Buda disse que os animais e os insetos, por terem consciência ou percepção, são muito diferentes das plantas. Em última análise, todas as coisas deste mundo são dotadas de natureza búdica e devem ser respeitadas. Contudo, uma vez que os animais têm consciência, devem ser tratados com especial respeito, pois, como nós, eles também estão em meio à jornada que só se conclui com o despertar completo.

Os budistas chineses geralmente dão maior ênfase ao vegetarianismo do que os de outras tradições. O praticante que adota a dieta vegetariana se desassocia total-mente do ciclo de criar e matar animais. O Sutra do Grande Nirvana diz: “Aqueles que comem carne perturbam o desenvolvimento da grande compaixão. Onde quer que andem, parem, se sentem ou se deitem, o cheiro da carne que comeram pode ser sentido por outros seres sencientes, os quais, consequentemente, se amedron-tam”.

 

Pessoas que gostam de matar causam repulsa em outros seres vivos, ao passo que aquelas que não gostam de matar atraem para si os outros seres vivos.

Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria

 

Não roubar

Não prejudicar os outros de nenhuma forma é o fundamento de todos os Cinco Preceitos. Quem rouba lesa, porque viola o direito de propriedade e a confiança na integridade do mundo ao redor. Define-se “roubar” como o ato de se apropriar de qualquer coisa que não seja sua. O dano pode ser gerado por meio de fraude ou

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engano, pela remoção física de um objeto pertencente a outra pessoa, pela esca-moteação das leis – seja como for, toda forma de apropriação configura roubo.

Também é roubo tomar emprestado e não devolver, ou devolver o objeto avariado. Não entregar algo que foi confiado aos seus cuidados como portador, também é um tipo de roubo. Exemplos disso variam do ato mesquinho de não entregar um objeto de pouco valor até o ato grave de apropriação da herança que alguém lhe confiou para que passasse aos herdeiros de direito.

O código budista de conduta moral considera o roubo uma transgressão tão mais séria quanto maior o valor do objeto tomado. Caso o objeto seja de valor irrisório, seu roubo é considerado apenas um comportamento “impuro”. Sementes cármicas são plantadas mesmo pelos menores roubos, mas o comportamento impuro não é tão sério como o roubo propriamente dito. Roubos menores, categorizados como ações impuras, seriam, por exemplo, não devolver uma caneta esferográfica, pegar um envelope sem pedir ou utilizar alguma coisa sem permissão do dono.

O preceito de não roubar é um dos mais difíceis de serem seguidos, porque todos são tentados a pegar ou manter coisas que não lhes pertencem. Ficar com o livro de um amigo, levar a toalha do hotel, carregar para casa material do escritório, uti-lizar o telefone comercial inadequadamente e assim por diante, queiramos ou não admiti-lo, são, também, roubo.

O sábio nunca se aferra a nada; portanto, nada se aferra a ele. As pessoas comuns aferram-se a tudo; logo, ficam aprisionadas às suas ilusões pelo carma e pela cobi-ça.

De acordo com o Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores), roubos graves levam ao renascimento em um dos três planos inferiores da existência. Além disso, assim que o renascimento for como ser humano, este se dará em condições de pobreza e atormentado pelas necessidades materiais.

 

O Buda disse: “Ananda, como ignoram a verdade, os seres sencientes aferram-se aos seus desejos e ocultam sua sabedoria sob o véu de suas ideias preconcebidas”.

Sutra do Grande Nirvana

 

Não mentir

A definição mais simples de mentir é não dizer a verdade. A mentira pode ser também qualquer tipo de enganação, duplicidade, falsidade, distorção ou informa-ção errônea. Trata-se de ofensa muito grave, porque viola a confiança das pessoas e as leva a duvidar de suas próprias intuições. Os principais tipos de mentira são dois:

 

mentira por omissão; mentira intencional.

 

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A mentira intencional é aquela inequívoca, praticada com o propósito de enganar alguém. A mentira por omissão é a sonegação de informações com o intuito de enganar alguém. Os dois tipos são muito graves e ambos geram sério carma negati-vo.

As mentiras podem ser classificadas em três categorias:

 

grandes mentiras; mentiras menos graves; mentiras de conveniência.

 

Considera-se que a pior mentira é alguém se dizer iluminado quando não o é, ou alegar ter poderes paranormais que não tem. Se esse tipo de mentira for contado por um monge ou uma monja, a ofensa é ainda mais grave.

Mentiras menos graves são todas as outras. Por exemplo, alguém dizer ter visto algo que não viu, ou que não viu algo que viu, ou dizer ser falso o que é verdadeiro ou ser verdadeiro o que é falso.

Um exemplo de mentira de conveniência seria não revelar a um doente terminal a gravidade de seu estado. Ou amenizar uma verdade para evitar que uma criança sofra um trauma psicológico. Na mentira de conveniência, importa levar em conta a intenção que nos inspira e a avaliação que fazemos dessa intenção. Se tivermos certeza de que causaremos mais bem do que mal com a mentira, não estaremos violando o preceito.

 

Aquele que mente ilude – primeiramente a si próprio e depois aos outros. Trata a verdade como se fosse falsa e o falso como verdadeiro. Confundindo totalmente o verdadeiro e o falso, não consegue aprender o que é benéfico. Ele é como um reci-piente tampado no qual água limpa não pode ser despejada.

Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria

 

Não ter má conduta sexual

Entende-se por não ter má conduta sexual a prática sexual que viole as leis e costu-mes da sociedade. Paralelamente, o incesto e qualquer outra conduta sexual que lese ou viole os direitos de outra pessoa são também considerados má conduta sexual.

Alguns exemplos de conduta abusiva, mesmo para pessoas legalmente casadas: ter relações sexuais na hora errada, no local errado, em excesso ou ter relações insen-satas.

Na hora errada significa no fim de uma gravidez normal, em momentos de retiro ou ocasiões em que estejamos doentes. Locais errados para relações sexuais são tem-plos, lugares públicos ou à vista de outros. Ter relações sexuais em excesso signifi-ca devotar-se tanto ao sexo que a própria vitalidade se esgota. Sexo insensato equivale a masturbar-se em excesso, vender o corpo por dinheiro ou em troca de

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favores, adotar condutas sexuais que despertem emoções desarrazoadas (ou seja, emoções que brotem da cobiça, da raiva ou da ignorância).

 

Não abusar de drogas ou bebidas alcoólicas

Uma tradução mais literal deste preceito seria: “Prometo abster-me do entorpecimento e da imprudência resultantes da utilização de drogas ou da inges-tão de bebidas alcoólicas”. Em poucas palavras, o preceito diz: não se entorpeça. O propósito dele é evitar que façamos ou digamos coisas estúpidas enquanto nossos sentidos estiverem alterados sob o efeito de drogas ou bebidas alcoólicas.

Os quatro primeiros preceitos são em si violações morais lesivas, prejudiciais aos outros por natureza. Já o consumo de drogas ou de bebidas alcoólicas não seria algo intrinsecamente maléfico, uma vez que é um ato que prejudica mais diretamente o próprio usuário. Entretanto, o Buda adverte que o consumo dessas substâncias altera a consciência, tendo como resultado sérios lapsos de discerni-mento e a consequente violação dos outros preceitos.

O Shastra Abhidharma-mahavibhasha conta uma história que ilustra como o consu-mo de álcool pode levar à violação de todos os outros preceitos. Refere-se a um budista que se embebedou e decidiu roubar uma galinha de sua vizinha. Roubou, matou e comeu a ave. Quando a vizinha perguntou se ele tinha visto a galinha, res-pondeu que não. A partir daí, o sujeito continuou a devotar-se à própria ruína, lan-çando olhares lascivos à vizinha e utilizando com ela linguagem sexualmente provo-cativa. A cadeia de eventos que o levou a quebrar todos os Cinco Preceitos come-çou com o primeiro drinque. Se não tivesse bebido, jamais teria plantado tantas sementes cármicas negativas. Tenho certeza de que todo mundo conhece exem-plos piores do que esse no mundo atual.

Ao considerar as consequências da violação do princípio relativo a drogas e álcool, devemos levar em conta que o budismo é uma religião de moralidade, autocontrole e sabedoria. Qualquer coisa que anuvie a mente ou entorpeça a razão inevitavel-mente diminui tanto nossa sabedoria quanto nosso autocontrole.

 

Quem quiser atravessar o grande oceano do nascimento e morte deve observar os Cinco Preceitos de todo o coração e com a mente por inteiro.

Sutra Upasaka-shila (Sutra sobre os Preceitos de Upasaka)

 

A Importância da Moralidade

Quem não dá muita importância à moralidade geralmente acha que a observância de um código de conduta moral restringe a liberdade. Nada poderia estar mais longe da verdade. A moralidade não cerceia nossa liberdade – liberta-nos da ilusão.

As correntes cármicas que nos aprisionam à ilusão só podem ser destruídas por meio de uma vida moral. Em vez de ver a moralidade como um fardo desagradável, deveríamos considerá-la uma oportunidade para uma vida mais sublime. É apenas pela moralidade que nos diferenciamos dos seres dos planos de existência inferio-res.

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Assim como a serenidade e a compostura são essenciais à meditação, a moralidade é essencial ao crescimento do ser humano. O objetivo dos Cinco Preceitos não é oprimir, eles simplesmente constituem uma das três instruções básicas proferidas pelo Buda sobre a evolução rumo a uma consciência mais elevada, que são:

 

moralidade; meditação; sabedoria.

 

Em termos gerais, a meditação baseia-se na moralidade, enquanto a sabedoria tem por fundamento a meditação. A moralidade é o alicerce necessário para a medita-ção e para a sabedoria.

De acordo com o Buda, se seguirmos os Cinco Preceitos, teremos uma melhora em nossa vida presente e nas futuras, posto que estaremos plantando as sementes de nosso futuro. Naturalmente, o êxito na observância dos Cinco Preceitos não é conquistado da noite para o dia. Leva tempo para a mente iludida se abrir totalmen-te às grandiosas e libertadoras expansões de sabedoria que se descortinam quando a mente começa a compreender os níveis mais elevados.

Raras são as pessoas que conseguem seguir todos os Cinco Preceitos desde o momento em que tomam contato com eles pela primeira vez. Por isso, o Buda recomendou que, no começo, os princípios sejam observados de forma gradual. Primeiro, seguindo o princípio de não matar; em seguida, passa-se a cada um dos -outros três, terminando com o princípio relativo a não abusar de drogas e álcool.

A esse respeito, o Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria diz: “Existem Cinco Preceitos. No processo de aprendê-los, deve-se iniciar com o princípio de não matar e seguir daí até aprender a seguir o princípio sobre não consumir bebidas inebriantes. Quando um preceito é observado, diz-se que o primeiro passo foi dado. Quando dois ou três são observados, diz-se que alguns passos foram dados. Quando quatro princípios já podem ser observados, diz-se que a maioria dos passos já foi dada. Quando todos os Cinco Princípios são seguidos, diz-se que os preceitos foram cumpridos. Nesse processo, devem-se considerar as inclinações pessoais para decidir a sequência em que se vão aprender os preceitos”.

Sendo a moralidade, a meditação e a sabedoria as três categoriasem que o Budadividiu seus ensinamentos, são também três as classes de transgressões con-tra os preceitos:

 

transgressões do corpo; transgressões da fala; transgressões da mente.

 

Os preceitos de não matar, não roubar e não ter má conduta sexual dizem respeito às atividades do corpo, ao passo que o de não mentir se associa à fala. Todos os

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preceitos têm a ver com a mente, é claro, pois todas as ações e intenções nascem na mente.

Corpo, fala e mente não guardam correspondência exata com moralidade, meditação e sabedoria, apesar de estarem envolvidos com as mesmas áreas. Com a moralidade, aprendemos a controlar os atos do corpo. Com a meditação, aprende-mos a controlar a linguagem e a elaboração de conceitos. Com a sabedoria comum, aprendemos a utilizar a mente para ajudar o próximo e, simultaneamente, a nós mesmos. No Sutra do Grande Nirvana, o Buda diz: “Ananda, esses preceitos morais devem passar a ser seu maior mestre. Observando-os e fundamentando neles a sua prática, você conquistará o samádi profundo e a sabedoria que transcende a tudo neste mundo”.

De acordo com o Sutra Sandhi-nirmochana (Sutra Elucidativo da Profundidade do Irrevelado), levar uma vida moral, seguindo os Cinco Preceitos, confere-nos dez bênçãos. O sutra diz que, em última instância, a moralidade nos leva a conquistar o estado de onisciência; a ganhar a capacidade de aprender como um Buda aprende; a nunca prejudicar os sábios; a manter os nossos votos; a ter paz; a conquistar o não apego à vida e à morte; a desejar o nirvana; a ter uma mente imaculada; a che-gar ao mais elevado samádi, ou concentração; a ter fé firme e resoluta.

O Buda sempre pedia que seus monges se mantivessem calmos e se mostrassem calmos. A moralidade pode ser concebida como um tipo de serenidade que é muito confortável para aquele que a pratica. Vivendo de acordo com os Cinco Preceitos, começamos a nos sintonizar não só com os ensinamentos do Buda, mas também com a pura mente do Buda interior. A tranquilidade fundada na inspiração que emana da mente búdica jamais pode ser abalada e sempre se mostrará correta.

 

Aquele que observa os Cinco Preceitos é sempre superior até mesmo que o mais rico e poderoso que os viola.

A fragrância das flores e da doce madeira ao longe não pode ser sentida, mas a doce fragrância da moralidade em todas as dez direções será sentida. 

Aquele que observa os Cinco Preceitos está sempre alegre e satisfeito e sua boa reputação à distância será conhecida; seres celestiais amor e respeito por ele sentirão e sua vida neste mundo será com doce êxtase preenchida.

Tratado sobre a Perfeição da Grande Sabedoria

 

Gênese Condicionada

O budismo é às vezes considerado uma filosofia, e não uma religião, porque as ver-dades que se encontram no cerne da iluminação do Buda são tão profundas e abrangentes que parecem ter caráter mais filosófico do que religioso. Na noite em que se iluminou sob a Árvore Bodhi, o Buda compreendeu muitas verdades simulta-neamente. Uma das mais profundas e significativas foi a verdade universal da Gênese Condicionada, uma das ideias centrais do budismo e uma das mais impor-tantes do mundo.

 

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Aspectos Fundamentais da Gênese Condicionada

O que é Gênese Condicionada? É a noção de que nada, nenhum fenômeno surge do nada e tampouco pode existir de forma autônoma, por si só. De acordo com o Sutra Lankavatara, Gênese Condicionada significa que “fenômenos não surgem independentemente; surgem na dependência uns dos outros”.

 

Gênese condicionada, causa e condição

O Buda disse que todos os fenômenos são gerados por uma combinação de causas e condições. Sem causas e condições, nenhum fenômeno surgiria ou existiria neste mundo.

Colocada assim, de forma simples, a ideia da Gênese Condicionada pode parecer óbvia e trivial. Entretanto, suas consequências são profundas, pois ela implica que nada tem existência própria independente. Não há um “eu” que exista separada-mente de outras coisas. Significa também que não existe fenômeno permanente ou absoluto em nenhum lugar do universo. Uma vez que todos os fenômenos são inter-dependentes, nenhum pode ser permanente ou imutável. Tudo se transforma.

O Buda disse que nada é permanente, que tudo, em todos os lugares, depende de causas e condições e, se as causas e condições que geram ou sustentam um fenô-meno forem removidas, o fenômeno cessa de existir. O Buda disse: “todos os fenô-menos surgem de causas e condições. Todos os fenômenos são destruídos por cau-sas e condições”.

Mas o que são causas e condições? De onde vêm elas? A resposta é: causas e condições são fenômenos que surgem devido a outras causas e condições.

O Buda deu a certos fenômenos o nome de “causas” e a outros, o de “condições”. Fez isso para nos ajudar a compreender a forma como as coisas aparecem e desa-parecem, como os fenômenos surgem e se extinguem. As palavras “causa” e “con-dição” só têm sentido em relação uma com a outra. O que é uma causa aqui pode ser vista como um fenômeno ali ou como uma condição acolá. Tudo depende do ângulo de observação.

Causa e condição são os dois elementos básicos que produzem todos os fenômenos no universo ou que são subjacentes a eles. Entre os dois, a causa é fator mais pode-roso do que a condição. No entanto, se causa e condição não atuarem em conjunto, nenhum fenômeno poderia jamais se manifestar ou existir.

Um exemplo: para que uma semente germine, são necessários solo, água, ar e luz solar. Nesse caso, a semente corresponderia ao que chamamos causa, enquanto solo, água, ar e luz solar equivaleriam ao que chamamos condições. Um resultado ou efeito é produzido quando todas as causas e condições adequadas estão presen-tes. O Sutra Shurangama diz: “Não existe nada no budismo, do começo ao fim, ou em todo o universo, que não seja determinado pelas duas palavras ‘causa’ e ‘-condição’”. De acordo com o Sutra do Grande Nirvana: “todos os fenômenos surgem de causas e condições”.

A Gênese Condicionada não foi inventada pelo Buda. Ela é um princípio universal que está na base de todos os fenômenos do universo. Ao se iluminar, o Buda “sim-plesmente” descobriu esse princípio. Aquele ser humano se tornou um Buda, justamente por ter compreendido a Gênese Condicionada. Depois de se iluminar,

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ele ensinou aos outros o que havia compreendido. Ensinou que, quando contem-plam as infindáveis interações entre causa e condições, os seres sencientes, presos ao ciclo de nascimento e morte, conseguem ver que sua vida não foi criada por algum deus postado fora do universo, mas que sua vida é o resultado de uma com-plexa interação entre causas e condições.

 

São as causas que nos levam a nascer no paraíso. E são as causas que nos levam a nascer nos reinos inferiores.Causas levam ao nirvana. Todas as coisas são causadas.

Sutra do Grande Nirvana

 

Gênese condicionada, causa e efeito

Na seção anterior, abordamos a Gênese Condicionada do ponto de vista das causas e condições que produzem todos os fenômenos do universo. Nesta seção, para aprofundar nossa compreensão, focalizaremos as interações de causa e efeito, que são aspectos universais de todos os fenômenos. Todos os fenômenos são causados e produzem efeitos.

 

Porque isto existe, aquilo existe. Porque isto surge, aquilo surge. Se isto não existir, aquilo não existirá. Se isto for extinto, aquilo se extinguirá.

Samyukta Agama

 

“Isto” e “aquilo” nesse trecho são termos referentes à causa e efeito. De acordo com essa máxima, nem a causa nem o efeito tem natureza independente – os dois elementos existem em estado de interação dinâmica. Sem um, o outro não existiria. Os termos “causa” e “efeito”, assim como “causa” e “condição”, são conceitos rela-tivos, que só têm significado em relação um com o outro.

Na realidade, este universo é uma rede extremamente complexa de fenômenos que se entremeiam e inter-relacionam de forma dinâmica. Os budistas utilizam os ter-mos “causa”, “condição”, “efeito” e “resultado” para facilitar o entendimento de algumas das características gerais dessa trama interativa dinâmica. E compreender esse universo dinâmico é importante, pois vivemos nele e fazemos parte dele. Assim, o que pensamos a seu respeito tem grande influência sobre nós mesmos e sobre outros seres. Alguns conceitos fundamentais à compreensão budista de causa e efeito são:

 

Não existe causa inicial e não existe efeito ou resultado final. O Buda falou sobre “tempo sem começo”. Isso quer dizer que, por mais que voltemos no passado procurando a causa inicial, sempre haverá outras anteriores, assim nunca chegare-mos à causa original. Mencionou também “tempo sem fim”, significando que, por mais que procuremos pesquisar o futuro, sempre haverá mais um efeito e mais um e assim por diante.

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Causa e efeito são relativos um ao outro, nenhum dos dois é absoluto. Causas produzem efeitos, que por sua vez geram outros efeitos e, dessa forma, transformam-se em causas. Causa e efeito são, na verdade, os elos enca-deados de uma interminável cadeia de eventos. Vista sob uma determinada pers-pectiva, uma causa é uma causa. Vista de outro ângulo, aparece como efeito.

Causas e efeitos perduram no tempo. Há quem tenha dificuldade em entender e aceitar que todo comportamento proposital gera efeitos. Não há onde se esconder do próprio carma. Mesmo que transcorram 10 milhões de anos, chega um dia em que os efeitos cármicos do comportamento acabam por se manifestar. A maioria das pessoas não consegue conceber que as causas cármicas fiquem armazenadas por períodos tão longos e que sempre retornem e afetem a “pessoa” que as produziu. Isso acontece porque a base de uma “pessoa” é a mente. As sementes cármicas ficam estocadas no fluxo mental que segue seu caminho ao longo das eras. Nunca ninguém recebe nada que não mereça nem paga por nada que não esteja devendo. A mente é mais fundamental do que o tempo.

Causa e efeito são duas faces da mesma moeda. Cada causa contém efeitos, da mesma forma que cada efeito contém uma causa. Quando plantamos feijão, não colhemos melão. Aquele que intencionalmente realiza más ações, jamais colherá o bem como recompensa.

 

Para Compreender a Gênese Condicionada

Além dos quatro aspectos fundamentais sobre causa e efeito já expostos, os budistas costumam falar de seis outras formas de se compreender causa e efeito:

 

efeitos são gerados por causas; a percepção da aparência depende de condições; eventos dependem de princípios; os muitos surgem do único; a existência sustenta-se no vazio; um Buda é moldado a partir de um ser humano.

 

Discutiremos a seguir cada um desses conceitos, pois ponderar sobre o significado e as implicações dessas ideias fundamentais leva a uma compreensão melhor da Gênese Condicionada.

 

Efeitos são gerados por causas

A Gênese Condicionada depende primordialmente da presença de uma causa; em seguida, de condições adequadas. Quando as causas e condições estão certas, um resultado ou efeito é produzido. Sem causa, impossível haver efeito. Tampouco haverá efeito se a causa estiver presente, mas as condições forem inadequadas.

No budismo, a causa por trás do efeito é considerada de importância primordial para o efeito, ao passo que as condições para que a causa gere um efeito são consi-deradas de importância secundária – constituem “fator auxiliar” da causa. Na con-

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cepção budista, a causa é vista como requisito “interno” por trás de um efeito, ao passo que as condições seriam requisitos “externos”. Causas são geradoras “dire-tas” e condições são geradoras “indiretas” de efeitos.

Um exemplo: todos os seres humanos têm em si a semente (causa) da budeidade; contudo, se não cercarem essa semente de condições adequadas (estudando o Darma, praticando os preceitos e assim por diante), ela provavelmente não germi-nará nem se tornará uma planta saudável. Do mesmo modo, uma pessoa que tenha dentro de si uma semente de raiva pode conseguir armazená-la por muitos anos. No entanto, se condições adequadas se apresentarem, a semente poderá irromper de forma repentina, “sem nenhuma razão aparente”. A causa é o pré-requisito essencial de um efeito; condições são o requisito secundário.

Todos os fenômenos do universo são governados por causas e condições. A ascen-são e a queda das coisas são governadas por causas e condições. Sem causa, não pode haver efeito. Sem causa, nada pode existir no mundo dos fenômenos.

 

A percepção da aparência depende de condições

“Aparência”, aqui, também poderia ser definida como “características únicas” ou “características próprias”. Todos os fenômenos compartilham certas “característi-cas universais”, a saber: a impermanência e a interconexão. Além dessas, cada fenômeno é marcado por “características particulares”. O fogo é quente, o gelo é frio, pessoas têm fisionomia diferente. Essas características não podem ser percebi-das, a não ser que as condições para a percepção sejam adequadas.

Exemplificando: se não conhecermos um idioma, perceberemos seus sons de forma diferente de alguém que o conheça. Se tivermos sido educados em uma determinada cultura, será difícil para nós percebermos aspectos sutis de outra, sem primeiro estudá-la. Ou seja: nossa percepção das aparências externas é profunda-mente afetada pelo nosso condicionamento mental.

O Buda ensinou que esse condicionamento é tão absoluto que determina até o mundo em que vamos nascer. O motivo de nascermos em um corpo humano nesta vida é que as condições de nossa mente nos levaram a essa forma, assim como a todas as “aparências” a ela associadas. Quem nasce neste mundo em um corpo animal percebe-o de uma forma totalmente diferente de nós, porque o condiciona-mento subjacente à sua mente é diferente do nosso. O Buda enfatizou a importân-cia dos atos intencionais por saber que as condições da mente são criadas por eles. Uma vez que, nossas mentes tenham sido condicionadas, então, nosso mundo “aparecerá” à nossa volta de um jeito consoante com este condicionamento.

 

Eventos dependem de princípios

Todos os fenômenos, todas as aparências e todos os eventos dependem de princípios subjacentes. Eventos estão sempre vinculados a princípios. Não existe evento sem um princípio-mestre, não existe princípio-mestre sem evento. Na práti-ca, isso significa que o universo tem uma base racional. O tampo da mesa não vai se transformar de repente em um elefante, assim como o seu automóvel não vai desaparecer sem nenhuma razão. Quem plantar uma semente de abóbora não colherá tomates. Determinado tipo de causa produz efeitos correlativos. Se você bater em um pedaço de madeira, ele não soará como um sino.

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Os muitos surgem do único

No budismo, existe uma conexão muito importante entre um começo simples e um resultado complexo. As pessoas, em sua maioria, não veem o mundo dessa forma e, assim, não colhem benefícios de suas práticas budistas. Para elas, uma coisinha não passa de uma coisinha – não compreendem o potencial oculto em cada coisa, em particular na mente humana.

Uma única fruta pode conter sementes para produzir muitas plantas, da mesma forma, mesmo um singelo ato de bondade pode gerar efeitos com poder suficiente para mudar o mundo. Tudo o que fazemos intencionalmente produz efeito cármico. Um pequeno ato de crueldade intencional pode levar a efeitos desastrosos, ao passo que um pequeno ato de autêntica generosidade engendrará efeitos maravi-lhosos.

 

A existência sustenta-se no vazio

Os princípios que estamos discutindo – “efeitos são gerados por causas”, “eventos dependem de princípios” – existem de fato. No budismo, é dito que a existência deles sustenta-se no vazio.

“Vazio” significa não ter natureza individual, não ter natureza independente. Todos os fenômenos estão interconectados e, portanto, é impossível afirmar que algum tenha uma “natureza” própria permanente e duradoura. Em última análise, todas as coisas são “transparentes” ou “vazias”; todas se sustentam no vazio. Para ilustrar esse ponto, usa-se em geral o exemplo de uma mesa.

Eis como ele é formulado. Uma mesa de madeira existe, mas se sustenta no vazio. Existe porque pode ser tocada e utilizada. Sustenta-se no vazio porque, em última análise, não tem natureza própria. A mesa vem da árvore, que depende de solo, água e luz solar para crescer. Alguém teve de derrubar a árvore e carregá-la; -alguém fez a mesa; alguém a colocouem sua sala. Quandodelineamos as causas e condições das quais a mesa depende para existir, vemos que, no fundo, não existe uma “natureza da mesa” em si que tenha vindo para a sala. O que existe, isso sim, é apenas uma complexa teia de interconexões e mudanças. Se um único elemento tivesse sido removido dessa teia, é possível que a mesa nunca chegasse a existir.

Nada disso significa que a mesa não exista, apenas que ela se sustenta no vazio. A mesa que utilizamos pertence à realidade convencional. O vazio da mesa é sua rea-lidade última. Para compreender o vazio, faz-se necessário entender a impermanên-cia e a interconexão de todas as coisas. Quando virmos que todas as coisas são impermanentes e interconectadas, perceberemos que nenhuma delas tem natureza própria autônoma.

O grande filósofo budista Nagarjuna (c. séculos I-II E.C.) disse que, se houvesse uma única coisa permanente neste universo, então, tudo o mais seria permanente e, em consequência, nada existiria. As coisas existem, mas se sustentam no vazio. Sem a mudança, nosso mundo não existiria.

 

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Não se deve permitir à mente se apegar à forma, nem ao som, ao odor, ao paladar, ao tato. Não se deve permitir que a mente se apegue a nada. É assim que se des-perta a verdadeira mente.

Sutra Vajracchedika-prajñaparamita (Sutra Diamante)

 

O Buda é moldado a partir de um ser humano

Um Buda é um ser humano que se fez Buda. No Sutra do Grande Nirvana, o Buda Shakyamuni disse: “Todos os seres sencientes do universo têm a sabedoria e a vir-tude de um Tathagata, só não as compreendem por causa de seu apego à ilusão”.

Várias vezes, o Buda disse que todos temos natureza búdica, bastando a qualquer um esforçar-se na purificação de sua mente por um período de tempo suficiente-mente longo para chegar a perceber a realidade de sua natureza búdica.

As causas de nossa ilusão são as impurezas mentais – cobiça, raiva e ignorância. A causa de nos tornarmos Buda é a eliminação dessas impurezas. Estas são como as nuvens escuras que ocultam o brilho da lua, como a lama que polui a limpidez de um lago.

Um dos primeiros passos para quem aspire tornar-se um Buda é ter plena compreensão da importância do binômio causa e efeito, pois essa é a “ferramenta” com a qual se purifica a mente. O bom comportamento nos leva à pureza. O mau comportamento nos faz ficar ainda mais enredados na ilusão.

O Sutra sobre os Princípios das Seis Perfeições explica: “Todos os seres sencientes penetram na sabedoria do Buda por meio da purificação da mente. A natureza fun-damental de um Buda não é diferente da natureza de nenhum outro ser senciente”. O Sutra Plataforma do Tesouro do Darma, do Grande Mestre, o Sexto Patriarca Huineng diz: “O Buda é um ser senciente que se iluminou. O ser senciente é um Buda que ainda não se iluminou”.

 

A mente é constantemente influenciada por darmas impuros que só cessam depois de se conquistar a budeidade. A influência dos darmas verdadeiros, contudo, não tem fim. Como compreender essa verdade? Devemos entender que, se permitirmos que os ensinamentos do Buda nos influenciem constantemente, nossa ilusão cessa-rá e o corpo do Darma aparecerá diante de nós.

Tratado sobre o Despertar da Fé no Maaiana

 

As quatro condições

Para que causa e efeito atuem é preciso haver condições adequadas. A Gênese Condicionada é a influência recíproca que causa, efeito e condições exercem entre si. A causa é primordial, mas as condições são extremamente importantes. No que diz respeito à nossa discussão sobre Gênese Condicionada, há quatro tipos funda-mentais de condições que discutiremos a seguir:

Condição causal. A causa de um fenômeno, quando intrínseca a ele, é chamada de “condição causal”. A semente que gera um broto, por exemplo, é considerada sua condição causal, já que de alguma forma o broto está contido na semente. É

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diferente da luz solar, que faz o broto crescer, mas é extrínseca à semente e ao broto. Também o comportamento humano é gerado por causas intrínsecas e extrín-secas – a semente intrínseca do riso humano (a condição causal) normalmente só brota quando for estimulada por uma causa extrínseca – uma anedota, por exem-plo.

Condições ininterruptas. Referem-se principalmente às condições da mente e às vezes são chamadas de “condições sucessivas”. A mente movimenta-se muito depressa de um pensamento instantâneo ao seguinte. Quando o Buda contemplou essa sucessão de instantes, viu que não há intervalo entre eles. Compreendeu que do “conteúdo” do pensamento, em um determinado instante, deriva o conteúdo do pensamento no instante seguinte, não sendo necessário o auxílio de nenhum agente externo para esse processo ininterrupto, que ocorre na mente e independe de qualquer outro meio que não ela. O exame cuidadoso das condições mentais ininterruptas leva a uma ampla compreensão do funcionamento do carma e da mente humana.

Condição condicional. Condições condicionais são aquelas extrínsecas que sur-tem algum efeito sobre a mente. Intrínseca à mente é a consciência da visão, mas, sem forma e luz extrínsecas, essa consciência não funciona. O mesmo acontece com os outros sentidos. O Buda disse que o próprio pensamento não pode ocorrer sem condições condicionais extrínsecas do passado, do presente e do futuro.

Outras condições. Esse item compreende todas as condições não classificadas entre as três anteriores. São condições que auxiliam o processo de causa e efeito ou que não o obstruem. O fato de um cervo não ter comido uma amora é uma das outras condições que “geraram” a amora.

Esses quatro tipos de condição também podem ser vistos como “condições diretas” e “condições indiretas”. Considera-se que todas as condições causais operam dire-tamente no fenômeno, ao passo que os outros três tipos têm operação indireta.

Outra forma de perceber os quatro tipos de condição é a seguinte: as condições causais e as outras condições são, em si, suficientes para produzir fenômenos materiais. Por outro lado, a mente requer todas as quatro condições para operar.

 

Todos os eventos no universo têm causas e condições. Causas e condições geram o sucesso ou o fracasso de qualquer evento. Pode parecer que o sucesso ou o fracas-so de algo que eu faça tenha sido gerado por outra pessoa, mas a verdade é que todos os eventos que me afetam são gerados por causas que eu mesmo criei em algum momento passado. A aparência de que alguém está me fazendo alguma coisa, não passa disso – aparência. Quem compreender bem esse ponto vai se sen-tir alegre e contente em todos os momentos e não experimentará ressentimento nem necessidade de reclamar.

Mestre Yinguang

 

Gênese Condicionada e Vida Humana

A Gênese Condicionada mostra como funciona o processo universal da mudança. E nos aponta também a origem do sofrimento humano. Se ignorarmos ou desconsiderarmos o fato de que tudo é impermanente e que as coisas surgem e

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desaparecem em razão de causas e condições, estaremos determinando nosso pró-prio sofrimento. Ao ignorar a realidade da Gênese Condicionada e nos aferrar às ilu-sões de permanência, causamos sofrimento para nós mesmos.

Por outro lado, se permanecermos cientes das forças de transformação que trabalham constantemente no mundo dos fenômenos, estaremos preparados para lidar com elas de forma positiva e produtiva. Compreendendo que os muitos nas-cem do um e que todas as condições são causadas, entenderemos como gerar boas condições em nossa vida, assim como no mundo em geral.

A verdadeira compreensão da Gênese Condicionada traz alegria à mente, porque nos mostra como viver. A Gênese Condicionada ensina que não somos vítimas inde-fesas, fadadas a uma vida de dor e impotência. Com ela aprendemos que nosso futuro está em nossas mãos. As condições futuras são determinadas pelas semen-tes causais que plantamos hoje. A libertação é alcançada pela compreensão dessa verdade e de sua utilização para o aperfeiçoamento de todos os seres. A clara com-preensão da Gênese Condicionada confere grande força à mente, porque essa ver-dade nos ensina a ver o que é realmente valioso na vida e como transformar cir-cunstâncias negativas em positivas.

A Gênese Condicionada mostra que nada é permanente neste mundo e ensina por que as coisas são assim. Compreender esse conceito é entender que todos os fenô-menos são condicionados por outros fenômenos e que todos eles “se sustentam no vazio”. Nada tem natureza individual própria, nem mesmo nós – em última instân-cia, nós também somos vazios. A clara compreensão dessa verdade leva à liberta-ção em uma realidade que está além da cobiça, da raiva, da ignorância, do apego, do sofrimento e de todas as ilusões da dualidade.

Contemplar frequentemente a Gênese Condicionada pode nos inspirar gratidão pelo que temos e pelo mundo em que vivemos; nos ensinar a fluir com a vida de forma a beneficiar tanto a nós próprios como aos outros. A Gênese Condicionada nos incute esperança, mostrando-nos como compreender o mais profundo significado da vida. O Sutra Shalistamba (Sutra do Pé de Arroz) diz: “Ver a Gênese Condicionada é ver o Darma único. Ver o Darma único é ver o Buda”.

 

Discípulos do Buda, ouçam atentamente, pois o que ouviram são ensinamentos ver-dadeiros.

Não ouçam esses ensinamentos sem nada fazer com eles. 

Para se beneficiar dos ensinamentos do Tathagata, é necessário que se permitam fluir com eles, como se estivessem flutuando em uma corrente d’água.

Se resistirem a eles, serão como quem nada contra a corrente e logo se cansa e se afoga.

Não ouçam esses ensinamentos sem nada fazer com eles.

Se ouvirem e não praticarem, serão como quem dispõe de um poderoso remédio, mas, porque não o toma, não se cura da sua doença.

Se ouvirem e não praticarem, serão como quem contabiliza a riqueza alheia, mas não tem nada que possa chamar de seu.

Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)

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Capítulo 7 do livro Budismo Significados Profundos, Venerável Mestre Hsing Yün,

Os Três Selo do Darma

Para os budistas, verdades profundas são dotadas de quatro características básicas:

são universais; são necessárias ou inevitáveis; são verdadeiras no passado; são verdadeiras no futuro.

 

Todos os seres humanos vão morrer – e esta é uma verdade profunda, porque se aplica não somente a chineses, indianos ou australianos, mas a todas as pessoas em todos os tempos.A morte é universal e inevitável, foi assim no passado e conti-nuará a ser assim no futuro.

Os Três Selos do Darma possuem as quatro características de verdades profundas: elas são universais, necessárias ou inevitáveis, verdadeiras no passado e verdadeiras no futuro. Os Três Selos do Darma são fundamentais para o budismo e são uma das razões pelas quais algumas pessoas tomam o budismo como filosofia, e não como religião.

 

As Verdades Profundas do Darma

Não é necessário ter fé para compreender os Três Selos do Darma. Podemos comprová-los por nós mesmos, por meio da ponderação e da observação. Os Três Selos do Darma são:

impermanência; “não eu”; nirvana.

 

Trata-se de verdades profundas, e são chamadas de “Selos do Darma” porque tudo leva seu timbre, como se fosse “carimbado” com eles. Não existe nada que não apresente essas características de verdade profunda. Os budistas também os cha-mam de “Selos do Darma” porque são semelhantes aos selos oficiais que compro-vam a veracidade dos documentos, atestando não serem falsos.

Se uma suposta “verdade” contradisser os Três Selos do Darma, não poderá ser um ensinamento autêntico do Buda Shakyamuni. Uma “verdade” que não for timbrada com todos os Três Selos do Darma não pode ser verdade. Se o próprio Buda tivesse dito alguma coisa que conflitasse com os Três Selos do Darma, essa “verdade” não poderia ser verdadeira.

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Pelo mesmo raciocínio, qualquer verdade que venha estampada com todos os Três Selos do Darma é verdadeira, quer tenha sido dita por um Buda, quer não. Os Três Selos do Darma são tão fundamentais ao budismo que se pode até mesmo dizer que qualquer verdade que ostente os Três Selos do Darma é uma verdade budista, é budismo autêntico e pode ser considerada elemento do Darma.

O sentido e o significado dos Três Selos do Darma são semelhantes aos da Gênese Condicionada, que foi discutida no capítulo específico. Os Três Selos do Darma são uma outra forma de ver as verdades fundamentais à realidade. Por isso, sua com-preensão permite expandir o entendimento da Gênese Condicionada e da realidade.

 

A verdade da impermanência

O Primeiro Selo do Darma diz que todos os fenômenos são impermanentes. Ou seja, todos os fenômenos mudam, nada permanece o mesmo. Todos os fenômenos interagem constantemente uns com os outros, sempre se influenciando mutuamen-te e todo o tempo levando a mudanças. O Primeiro Selo do Darma também diz que todo e qualquer fenômeno está sempre se transformando, de momento a momento.

Por exemplo, os seres nascem, adoecem, envelhecem e morrem. O meio ambiente no mundo todo muda de estação para estação e de ano para ano. As estrelas nas-cem, permanecem e morrem. Pensamentos nascem, permanecem e morrem. Tudo é assim: todo e qualquer fenômeno nasce, permanece e morre. A cada momento, o mundo dos fenômenos movimenta-se pelos três estágios do nascer, permanecer e morrer. Nada permanece igual. Nada é permanente. Este é o Primeiro Selo do Darma.

De acordo com os sutras budistas há dois tipos básicos de impermanência:

 

momentânea; periódica.

 

Impermanência momentânea. No budismo, a mais ínfima unidade de tempo é denominada “um momento”. Há diferentes formas de se avaliar um momento, mas ele é sempre concebido como um período de tempo extremamente curto.

O Comentários sobre o Sutra Avatamsaka diz: “Um momento dura o tempo de um pensamento. Um simples estalar de dedos contém sessenta momentos”. Segundo o Shastra Abhidharma-mahavibhasha: “Em um dia há 6.400.099.980 momentos, durante os quais cada um dos cinco componentes físicos e mentais da existência surgem e desaparecem”. De acordo com o Sutra da Chuva de Tesouros: “A mente iludida é como a água corrente, fluindo incessantemente; é como relâmpagos que se sucedem ininterruptamente”.

O Buda disse que nossa mente e nossas percepções estão em constante mudança de um momento para o seguinte. Não é apenas a mente que muda, mas também o corpo e todas as outras coisas do universo transformam-se a cada momento.

Impermanência periódica. A impermanência periódica refere-se ao fato de que os fenômenos não apenas passam de um estado para outro, mas realmente se

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transformam sem cessar e a tal ponto que, depois de longos períodos de tempo, nenhum de seus aspectos terá permanecido o mesmo. A impermanência periódica é o acúmulo de “impermanências momentâneas”.

É importante compreender o Primeiro Selo do Darma, porque, reconhecendo a bre-vidade da vida e a impermanência de todas as situações, nos sentiremos motivados a mergulhar ainda mais profundamente nas verdades do budismo. A impermanên-cia não deve nos amedrontar, mas nos inspirar a valorizar nosso tempo na Terra e nos fazer sentir gratos porque, por mais difícil que seja levar uma vida boa, sempre vale a pena tentar.

O Sutra do Grande Nirvana diz: “Todas as coisas são impermanentes. A união nascida do amor inevitavelmente redundará em separação”. O reconhecimento da impermanência deve inspirar em nós o desejo de ajudar todos os seres a perceberem, junto conosco, que a beleza e a perfeição do Buda se encontram no interior de cada um.

 

O que foi reunido deve se dispersar, o que está no alto deve cair, aqueles que se tornaram companheiros devem se separar e aquilo que nasceu deve morrer.

Agamas

 

A verdade do “não eu”

Todas as coisas são impermanentes e, além disso, carecem de natureza própria. Não ter natureza própria significa que elas dependem de outras coisas para existir. Nenhuma delas é independente ou capaz de existir sem outras coisas. A palavra “coisas” utilizada nessas frases refere-se a todos os fenômenos, abstratos ou con-cretos; todos os eventos; todas as ações mentais; todas as leis; toda e qualquer coisa que possa ser imaginada.

Afirmar que nada tem natureza individual equivale a dizer que nada tem nenhum atributo que perdure por longos períodos de tempo. Não existe uma “natureza” ou essência que permaneça sempre a mesma em coisa alguma nem em lugar nenhum. Se a “natureza” de algo não permanece a mesma, como pode ser realmente consi-derada uma natureza? Tudo um dia muda; portanto, não se pode dizer que haja uma “natureza” em nada, muito menos uma natureza individual.

Este Segundo Selo do Darma atinge o cerne da psicologia humana. Você pode dizer que nada tem uma essência, mas provavelmente age e pensa como se acreditasse no contrário. Os padrões de pensamento humano geralmente gravitam em direção ao absoluto; as coisas são como são, sempre foram e sempre serão assim. Coisas sólidas nos parecem permanentes. Nosso senso de “eu” parece-nos imutável. “Eu” sou “eu” e “eu” continuarei assim. Minha alma é eterna.

A verdade é que “nós” estamos em constante transformação, da mesma maneira que tudo o mais. Não são somente as coisas que não têm natureza própria: nós tampouco temos. A maioria das religiões do mundo afirma o oposto, sustentando que um “deus” absoluto, eterno e totalmente perfeito criou os seres humanos e sua alma eterna.

O budismo nega a natureza individual de duas maneiras:

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Não existe “eu” nos seres humanos. As pessoas são em geral muito apegadas ao corpo, o que as leva a acreditar que exista uma essência ou natureza absoluta em seu interior que é seu “verdadeiro” eu. O Buda disse que o corpo é simplesmen-te uma manifestação do carma, uma ilusão causada por um ajuntamento passagei-ro de elementos físicos e mentais da existência. O corpo, assim como uma casa, não tem natureza própria. Uma casa é constituída de várias partes que lhe confe-rem uma forma, exatamente como o corpo. Assim que essas partes são desagrega-das, não se encontra natureza própria nenhuma.

Nenhum fenômeno é provido de natureza individual. Assim como os seres humanos, todos os fenômenos não tem natureza própria. Os fenômenos surgem em decorrência de outros fenômenos. Assim que as causas e condições que os geraram e os mantém são eliminadas, todos os fenômenos deixam de existir. Dizer que os fenômenos não têm natureza própria é outra forma de afirmar que seu surgimento depende de outros fenômenos ou que eles são “vazios”. É importante compreender essas noções básicas, porque elas são fundamentais à prática budista.

 

Era uma vez um garoto tolo que viu um pedaço de ouro no fundo de um lago. Ele mergulhou para buscar o ouro, mas, depois de muito tatear o fundo, o máximo que conseguiu foi turvar a água e se cansar. Ao sair do lago, sentou-se na margem. Quando a água voltou a ficar limpa, o garoto viu o ouro no fundo e de novo se lan-çou à sua busca. Mais uma vez, a água ficou turva, e ele, cansado. Perto dali, o pai do garoto tolo observava a movimentação do filho na beira do lago e foi ver o que estava acontecendo. Perguntou: “O que você está fazendo para ficar tão cansado?”

O garoto respondeu: “Existe ouro no fundo do lago. Estou mergulhando para tentar pegá-lo. É por isso que estou exausto”.

O pai olhou para o lago e percebeu: aquilo que seu filho pensava estar no fundo era, na realidade, o reflexo de alguma coisa presa em uma árvore na margem do lago. O pai disse: “Um pássaro deve ter deixado aquilo lá em cima”, e mandou o filho subir na árvore para pegar o que ambos viam.

Semelhante ignorância é o que mostram as pessoas comuns. Nas sombras da não individualidade, acreditam ver a imagem de uma individualidade. Então, assim como na história, mergulham tanto para encontrá-la que se cansam, mas nada ganham com tanto trabalho.

Sutra das Cem Parábolas

 

A verdade do nirvana 

Como um dedo apontando para a Lua, a Terceira Nobre Verdade aponta para o nir-vana. A Terceira Nobre Verdade não é em si o nirvana, mas, de fato, nos diz algo sobre ele. Nirvana significa a “cessação do sofrimento”.

Uma vez que o sofrimento é causado pela ilusão, nirvana significa também a cessa-ção da ilusão. Dado que o sofrimento é causado pela crença na dualidade, nirvana significa também cessação da dualidade, ou da crença nela. Nirvana é a cessação da crença em um “eu” independente, no nascimento e morte desse “eu” e em qualquer coisa permanente e absoluta em qualquer lugar. Geralmente, o nirvana é

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descrito apenas pelo que não é, por não ser um estado de ilusão. Se perceber a mente esforçando-se para formular afirmativas sobre o nirvana, saiba que foi preci-samente contra esse tipo de descrições que o Buda dirigiu sua sabedoria e suas definições. O Buda disse que em nenhum lugar existe estado, nome ou descrição absolutos. Acreditar no contrário é apenas o início de uma nova rodada de raciocí-nio ilusório. O nirvana é o fim de tudo isso, é a cessação da ilusão e do sofrimento.

O Shastra Yogachara-bhumi (Tratado sobre os Estágios da Prática da Ioga) diz: “Estar eternamente livre dos Três Sofrimentos é nirvana”. De acordo com o Comentário sobre o Sutra da Guirlanda de Flores: “Nirvana significa cessação”. Segundo o Sutra do Grande Nirvana: “A cessação de todo o sofrimento é denomina-da nirvana”.

Em geral, os budistas reconhecem quatro formas básicas de nirvana:

1. nirvana original;2. nirvana residual;3. nirvana não residual;4. nirvana sem permanência.

 

O nirvana original é também denominado “nirvana originalmente puro” ou “nirvana da pura natureza inerente”. Este nirvana é a natureza “original” ou fundamental de todas as coisas, é a mente búdica que se encontra no coração de tudo.

A expressão “nirvana residual” descreve o estado de um ser iluminado que ainda possui um corpo. “Residual” significa “com corpo”. Um iluminado não cria carma, mas, se ainda possuir um corpo, isso significa que vestígios de seu carma passado ainda permanecem.

Nirvana não residual é o estado do iluminado que não mais possui um corpo. Quando um mestre iluminado morre, entra em nirvana não residual.

Finalmente, nirvana sem permanência descreve o estado de um ser iluminado que pode entrar em nirvana, mas prefere não o fazer, por sua compaixão pelos demais seres. Este é o estado dos grandes bodisatvas que retornam aos mundos da exis-tência senciente repetidas vezes, para ajudar.

Os sutras budistas mencionam também um estado chamado “iluminação plena, perfeita e insuperável”, que é basicamente o mesmo que nirvana, mas que é nor-malmente definido como o “corpo dármico do Buda” ou como “‘ser um’ com o corpo dármico do Buda”. O termo “corpo dármico” tem vários significados. Por ora, basta compreender que o corpo dármico é “o corpo do Buda iluminado”. Como diz o Sutra Shrimala-devi-simhanada (Sutra Rugir de Leão da Rainha Shrimala): “O corpo dármico é o grandioso corpo do nirvana do Buda”.

Nirvana é “o mundo do Darma de todos os Budas”. É o mais profundo samádi de todos os Budas. É um “paraíso de pureza essencial” que só um Buda pode perceber em sua plenitude. De acordo com o Sutra Lótus: “Somente o Buda compreende a grande bodhi (iluminação). A plena e perfeita sabedoria é chamada nirvana”.

O nirvana é a natureza búdica que todos os seres sencientes possuem e sempre possuíram. Quando o Buda se iluminou sob a Árvore Bodhi, exclamou: “Que maravi-lha! Que maravilha! Todos os seres possuem a sabedoria e o mérito do Buda! Só

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não se apercebem disso por causa da ilusão e do apego. Assim que se libertarem do pensamento iludido, o conhecimento perfeito a respeito de todas as coisas surgirá naturalmente”.

Essa citação evidencia o porquê de os budistas imaginarem o caminho da ilumina-ção como um processo de redução e, finalmente, de eliminação de impurezas. Para os budistas, iluminar-se é como deixar a sujeira de um lago assentar até que a água se torne perfeitamente límpida; ou como nuvens que cobrem a lua serem sopradas até que o brilhante corpo celeste seja revelado. Passa-se a ver a água e a lua – coi-sas que sempre estiveram ali, mas não podiam ser vistas por estarem ocultas por impurezas. A iluminação não é compreendida como um acúmulo de fatos e ideias, mas como uma filtragem do raciocínio impuro. É por essa razão que os budistas fre-quentemente utilizam metáforas de algo se assentando ou desaparecendo para descrever a forma de se iluminar.

O Buda Shakyamuni ensinou os Três Selos do Darma para nos ajudar a eliminar nossas impurezas. Contemplar esses Selos ajuda-nos a superar o apego à ilusão, porque eles desarticulam a ilusão em seus três pontos primordiais. Os Três Selos do Darma ensinam que tudo é impermanente e carente de natureza própria. Contudo, ensinam também que a contemplação dessas verdades não deve levar ao desespe-ro porque tudo está também em nirvana. No Sutra Lótus, o Buda diz: “Ensino os Selos do Darma para beneficiar os seres sencientes”.

 

Como Compreender os Três Selos do Darma

Pelo fato de enfatizar o “vazio”, a “impermanência” e o “sofrimento”, o budismo é às vezes visto como uma religião pessimista. O Buda não falou a respeito dessas verdades fundamentais porque fosse pessimista, mas porque queria que todos compreendessem perfeitamente a verdadeira natureza da ilusão. O Buda sabia que bastaria compreender a ilusão para que ela perdesse o poderoso jugo que exerce sobre nós. Vendo a ilusão como verdadeiramente é, desejaremos que ela “assente” ou “cesse” para que níveis de consciência mais elevados possam aflorar. Os Três Selos do Darma não devem jamais nos levar ao desespero, mas apenas nos ajudar a crescer, colocando-nos permanentemente além do desespero.

 

Apenas com impermanência é que temos esperança

A maioria das pessoas reage instintivamente de forma negativa ao Primeiro Selo do Darma, pensando que a impermanência significa apenas que “o bom se transfor-maráem ruim”. Issopode acontecer em alguns casos, mas, da mesma forma, “o ruim pode se transformarem bom”. Aimpermanência é uma grande fonte de espe-rança, ensinando-nos que, por mais dura que seja a circunstância presente, chegará o dia em que ela mudará. Se nos ocuparmos em plantar boas sementes, as mudan-ças que inevitavelmente ocorrerão serão para melhor, e não para pior. A adequada compreensão do conceito de impermanência pode ser de grande ajuda em situa-ções de dificuldade. Se formos pobres, a impermanência ensina-nos que nenhuma circunstância é eterna. Se tivermos um revés profissional, a impermanência ensina a não nos desesperar. Se passarmos por adversidades ou tragédias, a impermanên-cia pode ensinar que um dia tudo mudará novamente, para melhor. A impermanên-cia nos diz que nada perdura e ensina que as mudanças são para melhor, caso nos esforcemos para melhorar nossas circunstâncias.

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Outro resultado muito positivo que advém de contemplarmos a impermanência é que aprendemos a valorizar o que temos. Aprendemos a ser gratos por todos os momentos da vida e a utilizar o tempo da forma mais produtiva possível. A impermanência obriga-nos a compreender que, se não avançarmos no budismo hoje, talvez precisemos esperar muitas vidas para encontrar o Darma novamente. Dessa forma, somos inspirados a progredir, estudar e aprender, percebendo que agora é a hora de agir, pois o momento presente é o único que temos ao nosso dis-por.

 

O “não eu” nos ensina a cooperação 

A principal razão de os budistas enfatizarem a inexistência de um “eu” em qualquer coisa é auxiliar-nos a superar a devoção quase feroz que normalmente nutrimos pelo corpo e a crença ilusória de que o corpo “comprova” a existência de um “eu” absoluto em algum lugar dentro dele. O amor aferrado ao “eu” é a causa primordial da ilusão, gerando raiva e cobiça e mantendo-nos firmemente presos à ignorância. A contemplação do Segundo Selo do Darma ensina a quebrar o domínio desse amor ao “eu”. O corpo humano é produzido por condições e é composto por nada mais que elementos físicos e mentais. Quando as condições levam esses elementos a se reunir, um corpo é formado. Quando essas mesmas condições se dispersam, o corpo deixa de existir. Não existe “eu” independente ou um “eu” absoluto presente no corpo.

Do nascimento à morte, mudamos a cada momento. Não existe nada que seja eterno ou permanenteem nós. Esseconhecimento pode ser de grande auxílio quan-do nos encontramos aprisionados em circunstâncias adversas. A contemplação da ausência de “eu” independente tem o poder de desarmar sentimentos arraigados e dolorosos que brotam da crença equivocada de que possuímos um “eu eterno” que pode ser realmente ameaçado, insultado ou difamado.

A Grande Cessação-contemplação (obra em chinês: Mo He Zhi Guan) diz: “Onde não existe sabedoria, a memória das palavras parece conter um “eu”. Contemplando-se esse “eu” com sabedoria, percebe-se que ela é irreal”.

Ao procurar compreender o conceito de “não eu”, é importante não cair na crença errônea de que você como pessoa não esteja aqui, ou que você não exista. A maio-ria das convicções e ideias budistas deve ser compreendida em pelo menos dois -níveis diferentes. Um nível é o chamado “convencional” e o outro é o “transcendente”. A verdade do “não eu” permanece, primordialmente, no nível transcendente, o qual nos ajuda a compreender o mundo convencional em que pre-cisamos viver. O mundo convencional é mais ou menos o que todos acreditam que seja. Devemos aprender a funcionar de forma eficaz neste nível. É necessário que cuidemos de nós próprios e atuemos como se realmente houvesse um “eu” perma-nente dentro de nós porque é assim que nossos idiomas e sociedades são construí-dos. Ao mesmo tempo, se soubermos que, em última instância, este nível conven-cional é cheio de meias verdades e pensamento iludido, nossa capacidade de nele funcionar será grandemente expandida. Devemos lançar mão da verdade do “não eu” quando esta puder nos ajudar a compreender a vida, mas ela não deve se tor-nar um prisma com o qual distorcemos a vida ou, um pretexto para evitá-la.

Quando adequadamente compreendida, a verdade do “não eu” ajuda a viver a vida plenamente porque dá uma base para a cooperação com os outros seres. O

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Segundo Selo do Darma nos ensina a melhorar a relação com os outros porque mostra muito claramente que, da mesma forma que somos sustentados por muitas condições, os outros também o são. Assim como precisamos dos outros, eles preci-sam de nós também. O budismo salienta a importância de todos os seres sencien-tes. O Buda passou 45 anos ensinando o Darma. Ninguém deveria acreditar que a verdade do “não eu” seja um motivo para abandonar os outros seres e abraçar uma vida de total isolamento. Pelo contrário, o Segundo Selo do Darma deve ser visto como uma razão primordial para participar da comunidade e viver plenamente entre os outros seres que dela fazem parte. Quando vemos “eles” como “nós” e nos vemos como um simples elemento de uma vida muito maior, então, e somente então, teremos compreendido totalmente o Segundo Selo do Darma.

 

O nirvana é o refúgio supremo

Muitos acreditam que o nirvana pode ser alcançado, apenas, depois da morte, o que não é verdade. O nirvana está além do nascimento e da morte. O nirvana é a libertação de todos os grilhões da ilusão. Estar em nirvana é estar além de tempo, espaço, dualidade, ilusão, medo e singularidades. O nirvana é o refúgio supremo de toda a vida consciente. O nirvana é sempre o mesmo, sempre presente e sempre novo.

Compreender o Terceiro Selo do Darma é compreender tanto a base como a meta da existência consciente. O nirvana é o “eu puro” que buscamos, é a mente búdica, a verdade central de todos os ensinamentos do Buda. Não é necessário esperara mortepara poder experimentar o nirvana porque ele está sempre presente em tudo.

 

É tão difícil ver o Buda como enxergar tesouros no escuro; sem luz não podemos vê-los.

Da mesma forma, se ninguém nos ensinar o Darma mesmo sendo muito sábios ainda assim, não o compreenderemos.

Sutra Avatamsaka (Sutra da Guirlanda de Flores)

 

Capítulo 8 do livro Budismo Significados Profundos, Venerável Mestre Hsing Yün,