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Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 53 (2): 169-174, abr.-jun. 2009 169 Conduta atual nas síndromes compressivas do membro superior Current approach to upper extremities entrapment neuropathies ARTIGO ESPECIAL Recebido: 2/3/2009 – Aprovado: 4/3/2009 JEFFERSON LUIZ BRAGA DA SILVA Professor Livre-Docente. Especialista em Cirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstru- tiva. Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina – PUCRS. ANAJARA GAZZALLE – Cirurgião Ge- ral. Especialização em Ciências Médicas. Cirurgia da mão – PUCRS. CÁSSIO TEIXEIRA – Cirurgião Geral. Especialização em Cirurgia da Mão e Micro- cirurgia Reconstrutiva do Serviço de Cirur- gia Plástica – PUCRS. Serviço de Cirurgia da Mão e Cirurgia Recons- trutiva do Hospital São Lucas da PUCRS. Endereço para correspondência: Jefferson Braga Silva Av. Ipiranga 6690, Centro Clínico PUCRS, Sala 216 90610-000 – Porto Alegre, RS – Brasil (51) 3320-5040 [email protected] RESUMO As síndromes compressivas estão entre as causas mais comuns de queixas nos ambu- latórios dos cirurgiões plásticos e ortopedistas. Os sintomas podem ser evidentes, mas muitas vezes passam despercebidos ao médico generalista. Facilmente são confundidos com sintomas vasculares, da “idade” ou somatização. O entendimento da fisiopatogenia destas lesões auxiliará no diagnóstico precoce e no tratamento mais adequado de cada caso. Neste artigo abordaremos de forma simplificada o manejo clínico, diagnóstico e a conduta nas principais síndromes compressivas do membro superior. UNITERMOS: Síndrome Compressiva, Nervo Periférico, Membro Superior. ABSTRACT Compressive syndromes are among the most commons causes of complaint in the offices of plastic surgeons and orthopedists. Although the symptoms may be evident, they often go unnoticed to the primary-care physician. They are easily mistaken for vascular symptoms, “aging”, or somatization. An understanding of the physiopathogeny of such lesions will be helpful in the early diagnosis and to select the most appropriate treatment for each case. In this article we briefly address the clinical management, diagnosis, and the approach to the main compressive syndromes of the upper limbs. KEYWORDS: Compressive Syndrome, Peripheral Nerve, Upper Limb. I NTRODUÇÃO A frequência com que as patologias compressivas do sistema nervoso afe- tam a população traz desafios ao ci- rurgião, tanto para o diagnóstico pre- coce quanto para o seu tratamento. Seguidamente são de difícil diagnósti- co ou passam despercebidas, causan- do invariavelmente sequelas na sensi- bilidade e motricidade. Os sintomas muitas vezes são vagos e confundidos com problemas circulatórios ou de ida- de. Sinais de alerta, como “formiga- mento” e “queimação”, que respeitam um território anatômico devem ser in- vestigados, pois atrofia e perda de for- ça são manifestações tardias da histó- ria natural destas patologias. Como o grau de lesão nervosa não é conhecido como em trabalhadores braçais, pode ser implicada como causadora de com- pressão nervosa. Uma predisposição anatômica que comprime o nervo as- sociada aos esforços repetidos aumen- taria a sintomatologia (1, 2). O conhecimento adequado da ana- tomia e função é, portanto, condição fundamental para o manejo específico e tratamento desta afecção. Neste re- lato, aspectos básicos da anatomia e fisiologia serão revisados. Os efeitos da compressão dos principais nervos do membro superior serão sumariza- dos, incluindo as síndromes clínicas e suas opções de tratamento. O propósito deste trabalho é pro- porcionar uma revisão prática e didá- tica ao médico generalista sobre a abor- dagem inicial, o diagnóstico e a con- duta das principais síndromes com- pressivas que afetam o membro supe- rior. R EVISÃO DA LITERATURA Anatomia O plexo braquial é uma trama com- plexa de nervos que se originam na coluna, entre as vértebras C5 a T1, res- antes ou até mesmo durante a cirurgia, o prognóstico é incerto até que se ob- serve a evolução de cada paciente. Os métodos mais comuns de diagnóstico são o exame físico minucioso e a de- monstração de déficit de condução do nervo por exame complementar. O melhor conhecimento da etiopa- togenia e seu manejo proporcionaram um maior número de casos diagnosti- cados e tratados, entretanto a defini- ção das causas destas síndromes ainda não está bem compreendida. Na população em geral não há da- dos epidemiológicos sobre a prevalên- cia das compressões nervosas. Contri- bui também para esta prevalência au- mentada a notificação de acidentes de trabalho. Neste caso, a repetição con- tínua dos movimentos do membro, 19-361_conduta_atual_nas_sindromes.pmd 3/7/2009, 11:02 169

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CONDUTA ATUAL NAS SÍNDROMES... Silva et al. ARTIGO ESPECIAL

Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 53 (2): 169-174, abr.-jun. 2009 169

Conduta atual nas síndromescompressivas do membro superior

Current approach to upper extremitiesentrapment neuropathies

ARTIGO ESPECIAL

Recebido: 2/3/2009 – Aprovado: 4/3/2009

JEFFERSON LUIZ BRAGA DA SILVA –Professor Livre-Docente. Especialista emCirurgia da Mão e Microcirurgia Reconstru-tiva. Professor do Departamento de Cirurgiada Faculdade de Medicina – PUCRS.ANAJARA GAZZALLE – Cirurgião Ge-ral. Especialização em Ciências Médicas.Cirurgia da mão – PUCRS.CÁSSIO TEIXEIRA – Cirurgião Geral.Especialização em Cirurgia da Mão e Micro-cirurgia Reconstrutiva do Serviço de Cirur-gia Plástica – PUCRS.

Serviço de Cirurgia da Mão e Cirurgia Recons-trutiva do Hospital São Lucas da PUCRS.

� Endereço para correspondência:Jefferson Braga SilvaAv. Ipiranga 6690, Centro Clínico PUCRS,Sala 21690610-000 – Porto Alegre, RS – Brasil� (51) 3320-5040� [email protected]

RESUMO

As síndromes compressivas estão entre as causas mais comuns de queixas nos ambu-latórios dos cirurgiões plásticos e ortopedistas. Os sintomas podem ser evidentes, masmuitas vezes passam despercebidos ao médico generalista. Facilmente são confundidoscom sintomas vasculares, da “idade” ou somatização. O entendimento da fisiopatogeniadestas lesões auxiliará no diagnóstico precoce e no tratamento mais adequado de cadacaso. Neste artigo abordaremos de forma simplificada o manejo clínico, diagnóstico e aconduta nas principais síndromes compressivas do membro superior.

UNITERMOS: Síndrome Compressiva, Nervo Periférico, Membro Superior.

ABSTRACT

Compressive syndromes are among the most commons causes of complaint in theoffices of plastic surgeons and orthopedists. Although the symptoms may be evident, theyoften go unnoticed to the primary-care physician. They are easily mistaken for vascularsymptoms, “aging”, or somatization. An understanding of the physiopathogeny of suchlesions will be helpful in the early diagnosis and to select the most appropriate treatmentfor each case. In this article we briefly address the clinical management, diagnosis, andthe approach to the main compressive syndromes of the upper limbs.

KEYWORDS: Compressive Syndrome, Peripheral Nerve, Upper Limb.

I NTRODUÇÃO

A frequência com que as patologiascompressivas do sistema nervoso afe-tam a população traz desafios ao ci-rurgião, tanto para o diagnóstico pre-coce quanto para o seu tratamento.Seguidamente são de difícil diagnósti-co ou passam despercebidas, causan-do invariavelmente sequelas na sensi-bilidade e motricidade. Os sintomasmuitas vezes são vagos e confundidoscom problemas circulatórios ou de ida-de. Sinais de alerta, como “formiga-mento” e “queimação”, que respeitamum território anatômico devem ser in-vestigados, pois atrofia e perda de for-ça são manifestações tardias da histó-ria natural destas patologias. Como ograu de lesão nervosa não é conhecido

como em trabalhadores braçais, podeser implicada como causadora de com-pressão nervosa. Uma predisposiçãoanatômica que comprime o nervo as-sociada aos esforços repetidos aumen-taria a sintomatologia (1, 2).

O conhecimento adequado da ana-tomia e função é, portanto, condiçãofundamental para o manejo específicoe tratamento desta afecção. Neste re-lato, aspectos básicos da anatomia efisiologia serão revisados. Os efeitosda compressão dos principais nervosdo membro superior serão sumariza-dos, incluindo as síndromes clínicas esuas opções de tratamento.

O propósito deste trabalho é pro-porcionar uma revisão prática e didá-tica ao médico generalista sobre a abor-dagem inicial, o diagnóstico e a con-duta das principais síndromes com-pressivas que afetam o membro supe-rior.

R EVISÃO DA LITERATURA

Anatomia

O plexo braquial é uma trama com-plexa de nervos que se originam nacoluna, entre as vértebras C5 a T1, res-

antes ou até mesmo durante a cirurgia,o prognóstico é incerto até que se ob-serve a evolução de cada paciente. Osmétodos mais comuns de diagnósticosão o exame físico minucioso e a de-monstração de déficit de condução donervo por exame complementar.

O melhor conhecimento da etiopa-togenia e seu manejo proporcionaramum maior número de casos diagnosti-cados e tratados, entretanto a defini-ção das causas destas síndromes aindanão está bem compreendida.

Na população em geral não há da-dos epidemiológicos sobre a prevalên-cia das compressões nervosas. Contri-bui também para esta prevalência au-mentada a notificação de acidentes detrabalho. Neste caso, a repetição con-tínua dos movimentos do membro,

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ponsáveis pela inervação do ombro emembro superior. De acordo com onível da compressão ocorrerão as di-versas síndromes que trataremos a se-guir.

O neurônio é a unidade funcionaldo nervo periférico. O corpo neuronalemite prolongamentos denominadosdendritos que se estendem até a placamotora ou complexo sensitivo. A in-terrupção destas estruturas acarreta aparada e desorganização da conduçãodos impulsos nervosos. Em geral, oaxônio e a bainha são lesados, perma-necendo o corpo neuronal viável.

As células de Schwann formam abainha de mielina que envolve os axô-nios. Cada axônio é individualmentecircundado pelo endoneuro; um feixede axônios forma um fascículo nervo-so, ao redor do qual está o perineuro.Por fim, um grupo de fascículos en-voltos pelo epineuro configura um ner-vo que possui seu próprio sistema vas-cular – vasa nervorum – e nervoso, osnervi nervorum (2-4).

Degeneração e regeneraçãonos nervos periféricos

Após a descontinuação do nervoperiférico o coto distal sofre degene-ração, com destruição completa damembrana basal, situação que se per-petua por até quatro semanas. No cotoproximal ocorre degeneração apenasna superfície junto à lesão (centrípe-ta), variando sua extensão de acordocom a gravidade da lesão (3, 5, 6). Aregeneração é a restauração do trans-porte axonal. Diversos fatores influen-ciam esta atividade, ressaltando-se onúmero residual de neurônios viáveisapós o trauma, a intensidade da sínteseproteica, o crescimento do axônio, o su-cesso da conexão fibra-célula, e, em es-pecial, o alinhamento dos fascículos (7).

Fisiopatologia

Após compressão, irritação mecâ-nica ou trauma ocorre edema no peri-neuro, mas pela proteção exercida pela

bainha, o edema não atinge o fascícu-lo. Acredita-se que os sintomas dacompressão devam-se, portanto, à is-quemia. Os sintomas desta compres-são variam desde parestesia até atrofiamuscular, com perda permanente dasensibilidade.

O tempo de isquemia é fator fun-damental no grau de lesão, por tal mo-tivo, a causa da compressão (tumor,saliências ósseas, torniquetes) deve serprecocemente identificada.

Seddon, em 1943, classificou as le-sões nervosas em três graus:

Neuropraxia: há preservação daestrutura do nervo com lesão da bai-nha de mielina. Pode haver paralisiacom preservação da sensibilidade; per-da temporária da função motora, pro-priocepção, estímulo vibratório, tato,dor e sudorese. Não ocorre degenera-ção walleriana.

Axonotmese: lesão maior, com de-generação walleriana. Há ruptura axo-nal com preservação da bainha de mie-lina e tubo endoneural. Pode haver re-cuperação sem necessidade de cirur-gia, conforme o nível da lesão.

Neurotmese: lesão de todo nervo esuas estruturas, de perineuro e endo-neuro. Requerem tratamento cirúrgico.Tecidos como pele, músculos e vasostambém sofrem alterações anatomofi-siológicas, dependendo do grau de le-são nervosa (2-4).

Síndromes compressivas

Compressão do nervotorácico longo

O nervo torácico longo inerva omúsculo serrátil anterior. Quando so-fre compressão nervosa, o músculoperde sua capacidade de posicionar aescápula, ocorrendo sua mobilizaçãopóstero-lateralmente, sinal conhecidocomo “escápula alada” (Figura 1).Soma-se a isso a dificuldade de abdu-ção do braço acima de 90o, e em longoprazo dor e instabilidade do ombro. Odiagnóstico é por exame clínico e ele-troneuromiografia (ENMG). O trata-mento é inicialmente conservador (re-

pouso, alteração da atividade física efortalecimento da musculatura). Des-compressão, neurólise, transferênciade músculo e artrodese são reservadaspara casos irresponsivos.

Síndrome do desfiladeirotorácico

A compressão de elementos anatô-micos (plexo braquial, artéria ou veiasubclávia) causa sintomas conhecidoscomo síndrome de compressão do des-filadeiro torácico (SCDT). Acometemais mulheres, em uma relação de 4:1,entre 30 e 40 anos, com ocupação queenvolva posição do braço ao nível ouacima do ombro (digitadores, pinto-res). Os sintomas geralmente são va-gos e inconsistentes, mas podem serprovocados por movimentos específi-cos, como estender a cabeça ou colo-car as mãos atrás da cabeça.

A classificação de Wilbourn divi-de-se em arterial, venosa, neurogênicaverdadeira e neurogênica “discutível”,cada qual gerando sintomas relaciona-dos com a causa da compressão: pali-dez, resfriamento, dor, claudicação domembro, alterações tróficas, isquemia,represamento sanguíneo no membro,edema, cianose, parestesias. O esfor-ço físico pode causar trombose súbitadas veias subclávia ou axilar conheci-da como síndrome de Pagget-Schroe-tter. Casos subagudos de compressãovenosa podem desenvolver colateraiscalibrosas. Utilizam-se diversos testesprovocativos (Adson, Halstead,Wright, Roos). Exames complementa-res incluem raio-X de tórax e colunacervical, ecodoppler, injeção diagnós-tica de lidocaína nos escalenos, angio-grafia e flebografia. A ENMG pode serutilizada nos casos “discutíveis”. ARMN e TC são úteis no diagnósticodiferencial. Deve-se identificar e tra-tar os pontos desencadeantes, ofereceralongamento e relaxamento muscular,reeducação postural, fortalecimentomuscular e analgésicos. A excisão ouliberação da estrutura anatômica res-ponsável pelos sintomas é reservadapara os casos de insucesso (p.e. res-

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Figura 1 – Com-pressão do nervotorácico longo,resultando emescápula alada.

Figura 2 – Lesão do nervo radial por maus-tratos em recém-nascido com fratura de úmero. Recuperação total em seis meses.

para quarto e quinto dedos, podendolevar à paralisia e nos casos mais gra-ves à atrofia ao nível da primeira co-missura, dos espaços interósseos dorsaise da região hipotenar, com perda da ab-dução e adução dos dedos (Figura 3).

O sinal de Froment (flexão do po-legar para compensar ausência do adu-tor do polegar) será positivo, além dedor na palpação da porção medial docotovelo (Figura 4).

Realiza-se exame clínico, ENMG,raio-X e, se necessária, RMN. Pode sertentado tratamento conservador, sen-do a cirurgia reservada para casos re-fratários. Opções incluem descompres-são in situ, transposição anterior sub-cutânea, submuscular ou intramuscu-lar e epicondilectomia medial (Figu-ras 5 e 6) (1, 2, 8).

Síndrome do pronador

O nervo mediano tem função essen-cial no membro superior, propiciandopronação, flexão e sensibilidade nosdedos. Processos ósseos e fibromuscu-lares, trauma e tumores também sãofatores causais em diversos pontos ana-tômicos ao longo do seu curso. Dor nasuperfície volar proximal do braço eantebraço, parestesias e até hipereste-sias na distribuição cutânea do nervosão sintomas comuns e que devem serdiferenciados da síndrome do túnel docarpo. O diagnóstico é clínico; os tes-

secção da primeira costela), déficitvascular importante ou naqueles decausa anatômica anômala (1, 8).

Síndrome do túnel radial

O nervo radial ao longo do seu cur-so pode sofrer efeitos de compressãoem diversos pontos (Figura 2). É umasíndrome dolorosa, podendo exacer-bar-se à noite. Ocorre dor na face late-ral do cotovelo durante a extensão, as-sociada à pronação do antebraço e fle-xão do punho. O exame clínico fechao diagnóstico. A ENMG pode ser inú-til. Trata-se com repouso, órtese e anti-inflamatórios; a descompressão com

exploração do nervo ao longo do seucurso é reservada para casos refratá-rios (1, 8).

Compressão extrínseca do nervoulnar no cotovelo – síndrome dotúnel cubital

É a síndrome compressiva maiscomum do membro superior depois dasíndrome do túnel do carpo (STC).Fatores intrínsecos, como osteófitos,gânglios, compressão pela cabeça me-dial do tríceps, e extrínsecos, comocompressão pós-operatória, são causasdefinidas. O quadro é de dor e parestesiana face medial do antebraço irradiada

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tes funcionais devem confirmar o diag-nóstico, localizando o nível da com-pressão e o grau de lesão. Imobiliza-ção e repouso são medidas iniciais. Acirurgia para casos de lesões expansi-vas constitui-se na liberação acima eabaixo do cotovelo (1, 8).

Síndrome do nervo interósseoanterior

Síndrome rara, caracterizada pelafraqueza do flexor longo do polegar,flexor profundo do 2o e 3o dedos e domúsculo pronador quadrado, todosinervados pelo nervo interósseo ante-rior (Figura 7). Não há sinais ou sinto-mas sensoriais. Ocorre dor vaga noantebraço proximal. As causas incluemcompressão vascular e tumores, sem-pre atingindo o ramo na região proxi-mal do antebraço. O sinal de Fromenté positivo. Exame clínico e ENMG fa-zem o diagnóstico. Após observação deaté 90 dias, não havendo melhora clí-nica ou à ENMG, há necessidade deneurólise na face volar do cotovelo(1, 8).

Síndrome do nervo interósseoposterior

Ramo profundo do nervo ulnar, onervo interósseo posterior atua sobreos músculos extensores dos dedos. É asíndrome compressiva mais comum donervo radial. A causa mais frequente éa compressão exercida pela borda fi-brosa do músculo supinador sobre onervo. Ocorre dor na musculatura ex-tensora do antebraço e déficit de ex-tensão do polegar e nas articulaçõesmetacarpofalangeanas (Figura 8), alémde disestesias e parestesias na distri-buição do nervo. Outras causas comofraturas, tumores e compressão vas-cular também podem contribuir. Raios-X, ENMG e RMN auxiliam no diag-nóstico clínico. Iniciar tratamento comfisioterapia, órtese e corticoide tópicopor até três meses. A cirurgia é indica-da para casos refratários, e nos casosavançados, considerar transferência detendões (1, 2, 8).

Figura 3 – A) Atrofia da primeira comissura. B) Comprometimento motor comdéficit da adução do dedo mínimo. C e D) Lesões por déficit de sensibilidade donervo ulnar.

Figura 4 – Sinalde Froment.

Figura 5 – Com-pressão do nervoulnar antes daneurólise.

A B

C D

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Síndrome do túnel do carpo

A mais comum das síndromes com-pressivas. Acomete principalmentemulheres, em dois picos de incidência:entre 25 e 30 anos e nas 5a e 6a déca-das de vida. Atividade laboral repetiti-va responde pela maioria dos casos noprimeiro grupo, enquanto fatores hor-monais geralmente são a causa nospacientes mais idosos. Mais da meta-de dos casos é bilateral. O canal carpia-no é um túnel localizado no punho poronde passam nove tendões flexores:quatro flexores superficiais e quatroflexores profundos para os dedos lon-gos, além do flexor longo do polegar.A síndrome surge após a redução doespaço dentro do túnel, causando com-pressão do nervo mediano. As causaspodem ser intrínsecas ou extrínsecas,incluindo diabetes, gravidez, trauma,alcoolismo, obesidade, amiloidose,doenças reumatológicas e tireoidianas,compressão externa, dentre inúmerasjá descritas (Figura 9).

Os pacientes apresentam dor, pares-tesia, perda de força e irradiação parao ombro. Dor no ombro e terço proxi-mal do braço não são incomuns. Ocor-re agravamento dos sintomas com o

Figura 6 – Nervoulnar após neu-rólise; nota-sesangramento nonervo, demons-trando liberaçãopela secção doepineuro.

Figura 7 – Sinalde compressãodo nervo interós-seo anterior –mão direita.

Figura 8 – Compressão do nervo inte-rósseo posterior.

Figura 9 – Possíveis causas de compressão no canal carpiano. A) Músculo intraca-nalicular (ectópico). B) Artéria mediana persistente (seta). C) Lipoma. D) panículosinovial abundante, possivelmente devido a artrite reumatoide.

A B

C D

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uso da mão e seguidamente os pacien-tes acordam no meio da noite com pa-restesias nos dedos, dor no punho eantebraço distal. Em casos avançadospode ocorrer atrofia da musculaturatenariana (Figura 10) e diminuição dasensibilidade na distribuição do nervomediano.

A maioria dos pacientes apresentatestes provocativos positivos (Tinel ePhalen). A ENMG é o melhor métodopara confirmação e eventualmente se-rão necessários ultrassom ou RMN.Sintomas leves a moderados, com evo-lução menor que um ano podem ter tra-tamento conservador. É importante ten-tar identificar a causa dos sintomas.Analgesia, fisioterapia, órteses e cor-ticoide tópico completam o manejo. Acirurgia consiste na abertura do liga-mento transverso carpal (retinaculumflexor) para liberação do nervo e é uti-lizada em casos de falha no tratamen-to conservador ou que apresentem atro-fia tenar (1, 2, 8). A liberação do túnelpode ser realizada por diferentes téc-nicas: aberta clássica, ligamentoplas-tia e endoscópica. A endoscópica apre-senta, inicialmente, melhor recupera-ção da força, mas iguala-se à técnicaclássica após 90 dias (9). A recidiva éinfrequente e sua reexploração cirúr-gica difícil. O uso de retalho adiposovascularizado da região hipotenar podeser utilizado com resultados satisfató-rios (10).

Síndrome do canal de Guyon(síndrome do túnel ulnar)

É a compressão no nervo ulnar nopunho, sendo a sua causa mais frequen-te o cisto sinovial, seguido de trauma-tismos e LER. Trombose da artéria ul-nar, malformações ósseas e muscula-res também são causas identificadas.

As possíveis apresentações clínicas sãocompressão dentro do canal com défi-cit motor e sensorial (Figura 11), com-pressão apenas do ramo profundo comperda motora e formação de garra ul-nar e compressão apenas do ramo su-perficial, com comprometimento dasensibilidade cutânea (rara). O sinal deTinel é positivo. Avaliação clínica eENMG compõem o diagnóstico. O tra-tamento é cirúrgico, com liberação doCanal de Guyon. Persistência dos sin-tomas está associada com a falha naliberação do canal durante a cirurgia.Neuroma do ramo cutâneo palmarcomo complicação pós-operatória jáfoi descrito (1, 2, 8).

D ISCUSSÃO

A observação do grande volume depacientes que apresentam uma síndro-me compressiva leva à conclusão daimportância epidemiológica desta pa-tologia, do seu diagnóstico precoce eencaminhamento adequado. Os sinto-mas vagos, mas frequentes devem sem-pre vir à mente do médico generalistacomo possível resultado de uma com-pressão nervosa. O exame clínico mi-nucioso associado à ENMG diagnos-tica a maioria das síndromes, que emgeral respondem satisfatoriamente aomanejo conservador. Infelizmentemuitos casos chegam em estágiosavançados ao consultório, restandopara o atendimento apenas condutaspaliativas.

C ONCLUSÃO

Acreditamos que a compreensãodas causas laborais, anatômicas, here-ditárias e idiopáticas podem nos levarao melhor diagnóstico, o tratamento

mais adequado e o resultado mais sa-tisfatório das síndromes compressivas,devolvendo ao nosso paciente um re-torno mais precoce as suas atividadesdomésticas e laborais.

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