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Jornal de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 89-102, jun. 2007. 89 NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES: MITOS E VERDADES Paulo Roberto Ceccarelli * RESUMO Este texto parte da hipótese segundo a qual o que, de fato, ameaça nas chamadas novas organizações familiares é que elas questionam a noção de família vigente na cultura ocidental, obrigando-nos a um trabalho de luto das antigas posições libidinais. Para sustentar esta hipótese, o autor faz uma pequena digressão histórica para mostrar que o ser humano sempre acolheu com suspeitas e medos qualquer mudança, e que a humanidade sempre foi obrigada a produzir “reorganizações simbólicas”, para adequar-se à nova leitura de mundo. Discute-se, em seguida, a noção de família em outras culturas e a origem desta mesma noção na cultura ocidental. Para o autor, o sistema representativo que chamamos “família” varia segundo a sociedade. E o significante “família” é composto por fatores conscientes e/ou inconscientes, que definem a maneira e engendram as categorias pelas quais o mundo social é organizado. Além disso, qualquer modelo de família é tributário da ordem social que o produz. Posto que o modelo de família tradicional nunca foi sinônimo de “normalidade”, o autor discute o que é realmente necessário para que a inserção no simbólico ocorra, ou seja, para a sobrevivência psíquica da criança, e isto independentemente dos protagonistas da organização familiar que acolhe o recém-nascido quando de sua chegada no mundo. Palavras-chave: Família. Novas organizações familiares. Inserção no simbólico. Complexo de Édipo. Sobrevivência psíquica. Embora todo mundo acredite saber o que é uma família, é curioso constatar que por mais vital, essencial e aparentemente univer- sal que a instituição família possa ser, não existe para ela, como é também o caso do casamento, uma definição rigorosa. Françoise Héritier * Psicólogo; psicanalista; Doutor em Psi- copatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII; Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental; Sócio de Círculo Psicanalítico de Minas Ge- rais; Membro da Société de Psychanalyse Freudienne, Paris, França; Professor Adjunto III no Departamento de Psico- logia da PUC-MG (graduação e pós- graduação).

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Jornal de Psicanálise, São Paulo, 40(72): 89-102, jun. 2007. 89

NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES:MITOS E VERDADES

Paulo Roberto Ceccarelli*

RESUMO

Este texto parte da hipótese segundo a qual o que, de fato, ameaça naschamadas novas organizações familiares é que elas questionam a noção de famíliavigente na cultura ocidental, obrigando-nos a um trabalho de luto das antigas posiçõeslibidinais. Para sustentar esta hipótese, o autor faz uma pequena digressão históricapara mostrar que o ser humano sempre acolheu com suspeitas e medos qualquermudança, e que a humanidade sempre foi obrigada a produzir “reorganizaçõessimbólicas”, para adequar-se à nova leitura de mundo. Discute-se, em seguida, a noçãode família em outras culturas e a origem desta mesma noção na cultura ocidental. Parao autor, o sistema representativo que chamamos “família” varia segundo a sociedade.E o significante “família” é composto por fatores conscientes e/ou inconscientes, quedefinem a maneira e engendram as categorias pelas quais o mundo social é organizado.Além disso, qualquer modelo de família é tributário da ordem social que o produz. Postoque o modelo de família tradicional nunca foi sinônimo de “normalidade”, o autor discuteo que é realmente necessário para que a inserção no simbólico ocorra, ou seja, paraa sobrevivência psíquica da criança, e isto independentemente dos protagonistas daorganização familiar que acolhe o recém-nascido quando de sua chegada no mundo.

Palavras-chave: Família. Novas organizações familiares. Inserção no simbólico.Complexo de Édipo. Sobrevivência psíquica.

Embora todo mundo acredite saber oque é uma família, é curioso constatar que pormais vital, essencial e aparentemente univer-sal que a instituição família possa ser, nãoexiste para ela, como é também o caso docasamento, uma definição rigorosa.

Françoise Héritier

* Psicólogo; psicanalista; Doutor em Psi-copatologia Fundamental e Psicanálisepela Universidade de Paris VII; Membroda Associação Universitária de Pesquisaem Psicopatologia Fundamental; Sóciode Círculo Psicanalítico de Minas Ge-rais; Membro da Société de PsychanalyseFreudienne, Paris, França; ProfessorAdjunto III no Departamento de Psico-logia da PUC-MG (graduação e pós-graduação).

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Somos de tal forma impregnadospelas associações sintagmáticas que uti-lizamos para decompor o mundo e, emseguida, recompô-lo que, muitas vezes, onovo é sentido como uma ameaça, poisnos obriga a reavaliar as representaçõesque confortavam nossas angústias. É comdificuldade que abrimos mão de valores eteorias que nos têm sido tão caras para lero real. Ademais, qualquer mudança re-quer um trabalho de luto no qual antigasposições libidinais são abandonadas emprol de novos investimentos. E nuncaabandonamos de bom grado um modo desatisfação pulsional, ainda que um outro jáse nos acene (Freud, 1917/1976a).

A necessidade de certezas e deimutabilidade pode ser tão forte, que sónos damos conta de que nossas verda-des não passam de construções histori-camente datadas quando elas são ques-tionadas. Um dos exemplos mais pun-gentes é o período da adolescência,quando o jovem constrói sua própriamaneira de ler o mundo. Muitas vezes,suas verdades acham-se em completaoposição às de seus pais, o que podegerar uma crise entre eles. Para alguns,aceitar a nova leitura de mundo trazidopelo jovem pode ser insuportável, poisos obriga a repensar, ou mesmo aban-donar, tudo aquilo que até então era tidocomo “natural” e “imutável” e que ser-via de referência para se locomoveremno simbólico. Evidencia-se, assim, ocaráter imaginário de toda verdade,provocando o retorno dos eternos ques-tionamentos: quem somos, de onde vie-

mos, para onde vamos, o que nos cons-titui como sujeitos...

É por isso que não acredito, comodefendo em um artigo anterior (Ceccarelli,2006), que exista na atualidade uma crisesem precedentes. A História nos mostraque a humanidade está sempre em crise:a luta, nos primeiros séculos de nossa era,para a implantação da ideologia cristãcontra a pagã; as transformações domundo estanque do feudalismo pelas idéiasliberais que, paulatinamente, foram sendointroduzidas pela revolução burguesa; (naIdade Média, é importante lembrar, quemousasse questionar a participação de tudoque é vivo — plantas, animais, sereshumanos — na cadeia dos seres corriao risco de ter a língua arrancada, o corpotorturado, queimado para que a ordemnatural e imutável fosse preservada: aque serviram os Tribunais da Inquisi-ção?); o capitalismo incipiente, que fez dosujeito não apenas produtor como no feu-dalismo mas, também e sobretudo, consu-midor; as mudanças trazidas pelo Renas-cimento; as conseqüências da RevoluçãoIndustrial no século XVIII; as duas Gran-des Guerras e outras tantas.

Tudo isso levou a mudanças sócio-político-econômicas que, apoiadas nosmovimentos feministas, acirraram o de-bate, iniciado no século XIX, sobre o lugardos homens e o das mulheres nas rela-ções sociais, no trabalho, na reprodução,nas questões demográficas, e assim pordiante. Umas das conseqüências destereposicionamento social foi a emergênciade um discurso, sem dúvida revolucioná-

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rio, a respeito do sexual, do qual um dosexpoentes é a psicanálise: os Três ensaios,considerado até hoje por certos segmen-tos sociais como subversivo, pois subver-te a ordem vigente denunciando que nãohá nada de natural na sexualidade huma-na, constituem a primeira formulação sis-temática sobre o tema.

Mais perto, a chamada “revoluçãosexual” dos anos 60, justamente com oaparecimento da pílula anticoncepcional,foi recebida com apreensão, pois prenun-ciava o fim da família, dos costumes e damoral. Trabalhando fora, e levando con-sigo a pílula, a mulher não resistiria àtentação de relações extraconjugais. (Nãopodemos deixar de ver, nessas posições,toda a força do relato bíblico da Criação:mais uma vez, a mulher é culpada pelaqueda.)

O que se depreende de tudo isso,como dizíamos, é que a humanidade estásempre em crise de referências simbóli-cas, tendo, constantemente, que produziro que chamo de “reorganizações coleti-vas” para responder à nova leitura domundo.

Nesta perspectiva, nossa tendên-cia a sentir as mudanças atuais comoparticularmente ameaçadoras deve-se aquestões eminentemente narcísicas:sentimo-nos ameaçados atualmente, poisvivemos hoje e não temos como avaliar aviolência do passado. Além disso, todamudança corre o risco de ser experimen-tada como um ataque ao narcisismo.Defendemo-nos, psiquicamente, com oúnico recurso que possuímos: o mundo

encantado, e para sempre perdido, denossa infância. O passado sempre exer-ceu uma misteriosa atração. Cada vezque a realidade nos parece insuportável,recorremos às lembranças (encobrido-ras) do passado na esperança de reen-contrarmos a Idade de Ouro: “O encanta-mento de [nossa] infância, que [nos] éapresentada por [nossa] memória nãoimparcial como uma época de ininterrup-ta felicidade” (Freud, 1939/1975).

Resumindo: a atualidade, apoiadano imaginário cultural do momento sócio-histórico no qual estamos inseridos, nadamais faz que reproduzir, pela repetição domesmo em cópias variadas, efeitos ilusó-rios que através da clivagem do eu(Ichspaltung) promovem a recusa(Verleugnung) do mal-estar (Unbe-hagen) inerente à cultura.

Pois bem, as novas configuraçõesfamiliares, por trazerem o diferente, pro-vocam estranhamento (o retorno do re-calcado?), passando rapidamente a fazerparte das ameaças da atualidade.

Um dos grandes debates atuaisgira em torno das chamadas novas orga-nizações familiares — ou novas famíli-as, novos arranjos familiares —, for-mas de ligação afetiva entre sujeitos ondeexiste, ou não, uma forma de exercício daparentalidade que foge aos padrões tradi-cionais: famílias monoparentais, homopa-rentais, adotivas, recompostas, concubi-nárias, temporárias, de produções inde-pendentes, e tantas outras. Temos, ainda,as mudanças que afetam diretamente ascondições de procriação tais como: barri-

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ga de aluguel, embriões congelados, pro-criação artificial com doador de espermaanônimo e, muito mais brevemente do quese pensa, a clonagem.

Seguramente, muitos destes mo-dos de procriação e de filiação sempreexistiram. Entretanto, eles eram margi-nais em relação aos padrões oficiais ou,simplesmente, ignorados como se nãoestivessem ocorrendo ou, ainda, tratadoscomo uma fatalidade infeliz: crianças cri-adas por um só genitor — na grandemaioria dos casos a mãe. Mas, a partir domomento em que os protagonistas dessesarranjos passaram a exigir seus direitosde cidadãos provocando visibilidade, co-meçaram a surgir questões que interpe-lam todo o tecido social. Da perspectivapsíquica algumas inquietações foram le-vantadas. Por exemplo: qual a diferença,se existe, em termos de investimentomaterno e/ou paterno no caso de umagravidez tradicional e no caso de umafecundação in vitro? A construção dapsicossexualidade de uma criança geradadesta forma difere da de uma criançaadotada? E quando a geração se dá porum processo biotécnico de inseminaçãoartificial com, em alguns casos, doadoranônimo? O que significa para um ho-mem acolher como filho uma criançagerada pelo esperma que não o seu? Osprocessos de subjetivação de uma crian-ça criada por apenas um genitor (às vezeso outro é totalmente inexistente concretaou psiquicamente), ou por um casal domesmo sexo, terão alguma particularida-de? Ou seja, a falta de um dos genitores

— monopaternidade — ou a presença deduas pessoas do mesmo sexo —homopaternidade — trará desdobramen-tos significativos nos processos identifi-catórios e, por conseguinte, na organiza-ção psíquica do sujeito?

Há os que alertam para as possí-veis derrapagens psíquicas dessas confi-gurações afetivas. Alguns temem quecrianças criadas por um genitor apenas— o pai, ou mãe, biológico não participaconcretamente dos processos identifica-tórios da criança — ou aquelas expostasa dois sujeitos do mesmo sexo teriam seusprocessos psíquicos fundamentais com-prometidos, o que impediria o acesso aosimbólico e à lei. Para outros, as novasformas de procriação e adoção traduzemuma onipotência narcísica que coloca acriança no lugar de objeto-fetiche enco-bridor da castração. Outros ainda susten-tam que a presença do par homem/mu-lher na travessia edipiana é um imperativoirredutível. Existe, também, o temor deque os novos arranjos familiares desinte-grariam a família, trazendo conseqüênci-as catastróficas para a organização soci-al. Finalmente, deparamo-nos com posi-ções religiosas que consideram as “filia-ções artificiais” como contra-natureza.Como não podemos negar os efeitos queas transformações contemporâneas pro-duzem no universo simbólico da cultura,cabe-nos discutir as repercussões destastransformações no processo civilizatório.

As questões suscitadas pelas no-vas circulações afetivas submetem al-guns elementos de nosso arsenal episte-

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mológico a duras provas e colocam àpsicanálise perguntas teórico-clínicas, comdesdobramentos éticos incontornáveis,que nos levarão a separar aquilo que, defato, revela do domínio da psicanálisedaquilo que pertence ao imaginário. Comopsicanalistas e cidadãos, inseridos na cul-tura e atentos aos movimentos pulsionais,interessa-nos entender a dinâmica pulsio-nal que sustenta as novas organizaçõesfamiliares e não prescrever, como vemoscom freqüência, como esta dinâmica deveocorrer. A psicanálise não é guardiã deuma ordem simbólica suposta imutável,produtora de uma forma idealizada desubjetivação baseada nas normas vigen-tes e com o poder de deliberar sobre onormal e o patológico. Não nos cabe ditaros caminhos “normais” do desenvolvi-mento psíquico a partir dos modos tradici-onais de filiação, pois os pressupostos dapsicanálise — pulsões, desejos, complexode Édipo, relações de objeto, identifica-ções... — diferem dos da organizaçãosocial. Valer-se da psicanálise para sus-tentar que apenas um modo de subjetiva-ção é gerador de “saúde psíquica” cor-responde a uma imaginarização do sim-bólico, o que é, no mínimo, perverso.

Outra possibilidade é a de seguir oexemplo de vários psicanalistas, a come-çar pelo próprio Freud, e revisitar a teoriaa partir daquilo que a clínica e as mudan-ças sociais nos interpelam, para verificarcomo alguns pressupostos psicanalíticosreagem aos arranjos contemporâneos.Ou seja, tentar compreender, partindodas mudanças sociais — em sentido am-

plo — da atualidade, tanto os novos mo-dos de circulação pulsional e de investi-mentos de objeto, quanto a (nova) confi-guração simbólica daí advinda.

Dando continuidade ao trabalho dereflexão teórico-clínico que tenho feitosobre os chamados novos arranjos fa-miliares (Ceccarelli, 2002, 2005, 2007),gostaria de refletir sobre os fundamentosque sustentam a noção de família, lem-brando que a transformação dos genito-res em pais não é atrelada ao fato físicoque dá lugar ao nascimento de uma crian-ça. Ou seja, nascer da união de um ho-mem com uma mulher não basta para serfilho, ou filha, daquele homem e daquelamulher. Ou ainda: colocar uma criança nomundo não transforma os genitores empais. O nascimento (fato físico) tem queser transformado em filiação (fato sociale político), para que, inserida em umaorganização simbólica (fato psíquico), acriança se constitua como sujeito.

Esses três fatos — físico, social epsíquico — guardam cada vez menosrelações de dependência entre eles. Astécnicas atuais de reprodução assistidadesvincularam radicalmente as relaçõesentre nascimento e genitores. O fato so-cial, o reconhecimento de uma linhagem,de uma filiação, não tem, necessariamen-te, que ser exercido pelos genitores bioló-gicos, como é o caso, por exemplo, deuma criança adotiva. Quanto ao fato psí-quico, a inserção do recém-nascido nosimbólico, interessa-nos saber quais oselementos indispensáveis para que ele serealize. Se, no modelo de família tradicio-

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nal, os agentes promotores do fato psíqui-co são um homem e uma mulher, os novosmodelos de família sugerem que outrosmodos de produção de subjetividade sãopossíveis.

No modelo dito “tradicional”, ho-mens e mulheres tinham lugares e fun-ções bem definidas. O pai, que trabalhavafora, dirigia o carro e passeava com afamília nos finais de semana — cabeçada família —, era o provedor que detinhaum poder inquestionável. Os cuidados dacasa — a comida, a faxina, enfim, onecessário para que o bem-estar de todosfosse o melhor possível — eram garanti-dos pela rainha do lar. Neste arranjo,todos pareciam felizes e tudo concordavacom uma ordem imutável. Unidos parasempre, “para o melhor e para o pior”,pelos laços sagrados do matrimônio, asdesavenças do casal não constituíamameaças à estabilidade do lar. Até hojeeste modelo é defendido por muitos comoo único capaz de sustentar a ordem sociale de produzir subjetivações sadias. Emum documento publicado em 31 de julhode 2004 — Carta aos Bispos da IgrejaCatólica sobre a colaboração do ho-mem e da mulher na Igreja e no mundo— o atual Papa, quando era ainda oCardeal Prefeito Ratzinger, presidente daCongregação da Doutrina e da Fé, novonome dado ao antigo Tribunal da Inquisi-ção, defende esta posição. Ali, Ratzinger(Ratzinger, 2004) sustenta que as mulhe-res devem estar “presentes, ativamente eaté com firmeza, na família, que é asociedade primordial e, em certo sentido,

soberana, porque é nesta que, em primei-ro lugar, se plasma o rosto de um povo; énesta onde os seus membros adquirem osensinamentos fundamentais”. Quandoisso não ocorre “é a sociedade no seuconjunto que sofre violência e se torna,por sua vez, geradora de múltiplas violên-cias”.

Ao mesmo tempo, a História dafamília (Burguière, Klapisch-Zuber,Segalen & Zonabend, Orgs., 1986) nosinforma da heterogeneidade dos arranjosfamiliares, os quais, cada um dentro deseu próprio universo discursivo, atribuemos lugares simbólicos de “pai” e “mãe”das mais variadas formas: “O parentesconão é uma invariante, mas, sim, um fenô-meno histórico e contingente” (Aran &Correa, 2004, p. 332). Frente à grandediversidade dos modelos familiares, osantropólogos não procuram mais classifi-car as sociedades em termos de civiliza-ção, mas, antes, tentam evidenciar asinvariáveis a partir das quais as diversida-des culturais são criadas (Fine, 2002). Areferência invariável é a aliança matrimo-nial, cuja definição varia segundo as cul-turas. Nessas, são inúmeros os arranjosque dissociam o sexo dos progenitores, desuas condições de pai e mãe, assim comoa realidade biológica da concepção e dafiliação (Cadoret, 1999), como aquelescompostos por filhos de uniões anterioresnos quais, sem guardar laços consangüí-neos, todos se sentem em família.

Um exemplo, sem dúvida estranhoà organização simbólica da cultura oci-dental, acontece com os bavendas na

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África do Sul. A mulher filha única susci-ta um problema de descendência, pois osistema de parentesco desta sociedade épatrilinear. A solução encontrada é bas-tante peculiar: a mulher torna-se pai ca-sando-se com outra mulher. Esta últimaterá filhos com os amantes oficialmentereconhecidos pelo grupo social. A “des-cendência” assim produzida receberá onome e a herança dos genitores da mu-lher-pai dando, desta forma, continuidadeao sistema patrilinear. A mulher-pai, porsua vez, também poderá tornar-se mãe eter seus próprios filhos. Ocupando o lugarsimbólico de pai, a mulher-pai mantém aorganização social (Parseval, 2004).

Se os elementos que definem osistema representativo que chamamos“família” variam segundo a sociedade,podemos concluir que o significante “fa-mília” é representado, como todo signifi-cante, por fatores conscientes e/ou in-conscientes, que definem a maneira eengendram as categorias pelas quais omundo social é organizado. Qualquermodelo de família é tributário da ordemsocial que o produz. Ordem geradora dodiscurso ideológico que apresenta a famí-lia não como um construto social arbitrá-rio e convencional mas, antes, como algonatural, por vezes sagrado, universal eimutável (Sousa Filho, 2003).

Nessa perspectiva, interrogar-sesobre família implica outra questão bemmais profunda, que diz respeito aos fun-damentos que sustentam a ordem social.Não é sem razão, já o dissemos, que asnovas organizações familiares são senti-

das como ameaças à estabilidade social,o que evidencia o seu caráter imaginário:se fosse fixa, nada a ameaçaria e nãohaveria mudanças. Dito de outra forma,as novas organizações familiares produ-zem um modo de circulação pulsionaldiferente daquele criado pelo modelo tra-dicional.

Foi a partir dos séculos XVI eXVII que o Estado começou a participarmais de perto na classificação e na desig-nação das atividades dos indivíduos den-tro da ordem política que ele queria man-ter (Lenoir, 2003). O discurso ideológicoentão produzido apresentava a ordemfamiliar instituída como algo natural, logo,inquestionável. Neste sentido pode-se di-zer que a família é uma coisa “estádica”,ou seja, criada pelo Estado (Lenoir, 2003,p. 483), pois, em grande medida, é oEstado que controla a produção simbólicaque determina a família. Através de crité-rios que ele mesmo estabelece, o Estadomoderno está sempre “fabricando” a fa-mília e produzindo dispositivos que garan-tam a sua estabilidade — regulamenta-ções patrimoniais, de sucessão, de sobre-nome — segundo uma moral rigorosa:demarcação entre filhos legítimos e natu-rais, o lugar da concubina, etc. Esse mo-delo de família, centrado no poder patriar-cal, foi amplamente apoiado pela Igreja,pois entrava em ressonância com o mo-delo Cristão de família (Vainfas, 1986/1992). Ainda hoje, a moral cristã defende,a sua maneira, estes valores — aindissolubilidade do casamento, amonogamia, a fidelidade —, posicionan-

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do-se contra tudo que os ameaça: contra-cepção, aborto, uniões livres, o uso depreservativo, homopaternidade, e outrasorganizações familiares.

Vemos que a família assim como ocasamento no Ocidente nem sempre fo-ram como são hoje, e as uniões de duaspessoas nem sempre tiveram o carátersagrado como o é para o cristianismo: osprimeiros séculos de nossa era forammarcados por intensas lutas político-eco-nômicas entre a moral cristã incipiente eas práticas ditas “pagãs”, de concubinatoe divórcio, tão comuns no mundo antigo.A origem divina do matrimônio, entendidacomo a união de Jesus com a Igreja,baseia-se na interpretação agostinianadas Escrituras (Vainfas, 1986/1992). Aolongo dos séculos, os valores da moralcristã transformaram-se nos ideais quesustentam o imaginário da cultura ociden-tal. Tais ideais, que juntamente com aautoridade paterna fazem parte do supe-rego, derivam do mundo externo, guar-dam as influências do passado e da tradi-ção que, outrora, foram sentidas intensa-mente (Freud, 1924/1976a). Entende-se,por um outro caminho, por que as novasorganizações familiares ameaçam a he-gemonia do modelo de família tradicionalprovocando reações tão truculentas: oque está, no fundo, sendo ameaçado é aposição libidinal que sustenta a represen-tação de família no imaginário judaico-cristão, ou seja, os ideais culturais. Osnovos modelos de família, além das “ame-aças” que provocam, não encontram (ain-da) nenhuma representação (Vors-

tellung) pulsional no discurso social pararespaldar-se.

Sabemos, no entanto, e para issonão foi necessário esperar pela psicaná-lise, que o modelo de família tradicionalnunca foi sinônimo de “normalidade”. Oargumento segundo o qual a presença dopar homem/mulher é indispensável para aprodução de “subjetividades sadias” nãose sustenta. A prática clínica, sobretudo ainfantil, é rica em exemplos onde o proble-ma apresentado pela criança é um sinto-ma dos pais. E em situações nas quais sepoderia esperar um desfecho preocupan-te, como, por exemplo, em famílias nasquais um dos pais, se não os dois, parecenão participar de forma significativa douniverso psíquico da criança, esta nãoapresenta nenhum problema particular-mente dramático. Isto significa que nãoexiste uma forma de organização familiarideal que, inequivocamente, garantiria umdesenrolar mais sadio, ou mais patogêni-co, para a constituição do sujeito: do pontode vista psíquico, as famílias são sempreconstruídas e os filhos sempre adotivos,pois são os laços afetivos que, como todoinvestimento, vão organizar o significantefamília. Não raro, a rivalidade entre osmembros, o ódio entre os irmãos, o res-sentimento para com os pais definem estesignificante. (É interessante lembrar quea primeira família da qual se tem notíciafoi marcada pelo fratricídio, devido aociúme, levando ao “rompimento da frater-nidade” (Gn, 4, 8). Embora castigado demaneira que em nada deixa a desejar aoscastigos infligidos pelo tirano da horda, é

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Caim quem dá continuidade à humanida-de (Gn, 4, 17). Além disso, não podemosnos esquecer que a maioria quase absolu-ta dos “desvios de conduta”: comporta-mentos anti-sociais, delinqüência, margi-nalidade, sociopatias, drogadicção, enfim,as mais diversas modalidades do sofri-mento psíquico, foram engendrados noseio do modelo tradicional, composto porcasais heterossexuais. No mínimo duasreflexões se impõem: o sexo de quem seocupa das crianças não traz, a priori,nenhuma garantia; a heterossexualidadecomo produtora de “normalidade” é aidealização de uma posição libidinal. Aquestão que, de fato, releva da psicanálisepode ser formulada assim: o que perma-nece, o que há de fundamental, para quea subjetivação ocorra e isso independen-temente do arranjo familiar que acolhe osujeito no mundo? Como se darão a cons-trução do mito individual e a produção daverdade singular do sujeito nos novosarranjos afetivos?

Para que haja inserção no simbóli-co — inserção esta que nunca é feita semdor como atesta o Mal-estar na cultura— é necessário que alguém encarne oOutro. Este Outro — que Freud chamade pai, e Lacan de “função paterna” — éo agente promotor de alteridade. Suafunção é a de propiciar o movimentopsíquico, presente em toda cultura, queinsere a criança na ordem simbólica pró-pria ao humano ou, se preferimos, que vaisocializá-la. Nos textos freudianos, estafunção é atribuída ao pai da realidade.Entretanto, as mudanças socioeconômi-

cas fizeram com que esta função venhasendo exercida por outras pessoas, comovimos na antropologia, ou outras instânci-as sociais. Nessa perspectiva, o que estáem declínio é o sistema patriarcal: umaforma de organização social onde o agen-te promotor de alteridade, o agentecastrador, é encarnado pelo pai. É estelugar, evidentemente imaginário, que cen-traliza o poder no pai dando continuidadeao pater potestas romano, que os novosarranjos familiares desconstroem. A an-tropologia nos informa que não existe ummodo único de separação da célula narcí-sica mãe-filho (Parseval, 2004). Indepen-dente da forma como ela se dá, o comple-xo de castração imporá à criança restri-ções para a constituição de sua psicos-sexualidade. O Édipo, por ser uma repre-sentação fantasmática sustentada por umrelato mitológico, é, ao mesmo tempo,universal e singular. Universal, pois mar-ca o que é próprio e o que diferencia ohumano: a interdição do incesto, presenteem toda e qualquer cultura que, via recal-que, nos obriga a abandonar nossos pri-meiros objetos sexuais, “o que constitui,talvez, a mutilação mais drástica que avida erótica do homem em qualquer épo-ca já experimentou” (Freud, 1930/1974,p. 124). Particular, pois o que determina acirculação dos afetos é a ordem simbólicada cultura que acolhe o recém-nascido.Ordem esta que define, também, as re-presentações do masculino e do feminino.Cada cultura tem as mais diversas varia-ções em torno do tema, pois a circulaçãopulsional que o complexo de Édipo suscita

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é tributária da ordem social que organizaos elementos desse complexo. Porém, ainterdição sempre ocorre. O Édipo discu-tido por Freud reflete a dinâmica pulsionaldo modelo familiar de sua época na quala figura detentora do falo — evidente-mente imaginário — era o pai. Mas outrostextos de Freud (Freud, 1917/1976a, 1920/1976c) sugerem que mais importante queos protagonistas da cena edípica são oscaminhos da pulsão e as escolhas deobjeto que levam à construção do Eu.

Podemos dizer que antes do sim-bólico o recém-nascido é um organismopulsional não atravessado pela lingua-gem, candidato potencial a constituir-se.Segundo minha hipótese, a inscrição dobebê na cultura não depende de um arran-jo familiar particular mas, sim, de como,na posição do Outro, uma determinadaorganização familiar, qualquer que sejamos protagonistas, sustentará o bebê natravessia de duas “violências” incon-tornáveis, fundamentais e fundantes, as-segurando-lhe a “sobrevivência psíqui-ca” (McDougall, 1997): a violência pri-mária (Aulagnier, 1981) e a violênciasimbólica (Bourdieu, 2002). Uma não édesvinculada da outra: a função de próte-se (Aulagnier, 1981, p. 35) que a psique dequem acolhe a criança no mundo cumprepara preencher o vazio devido àprematuração psíquica do bebê (Hilflo-sigkeit), ou seja, a violência primária,guarda estreitas relações com a ordemsimbólica na qual a criança será inserida,ou seja, com a violência simbólica. Res-ponder à função de prótese da psique do

Outro, dar representações às pulsões, éuma expressão da violência primária.Renunciar ao gozo narcísico em favor dosvalores culturalizados é uma expressãoda violência simbólica. A “saúde psíqui-ca” seria, então, a capacidade de suportaro sofrimento que essas duas violênciasimpõem.

Para que isto aconteça são neces-sários laços afetivos que, mitigando aviolência, garantam à criança um lugar nosimbólico. Para Freud (Freud, 1930/1974,p. 123), isto só é possível graças à forçade Eros:

O amor que fundou a família continuaa operar na civilização, tanto em sua formaoriginal, em que não renuncia à satisfaçãosexual direta, quanto em sua forma modi-ficada, como afeição inibida em sua finali-dade. Em cada uma delas, continua a rea-lizar sua função de reunir consideráveisquantidades de pessoas, de um modo maisintensivo do que o que pode ser efetuadoatravés do interesse pelo trabalho em co-mum.

Amor e Necessidade [Eros eAnanke] são “os pais da civilização hu-mana” (Freud, 1930/1974, p. 121). São asexigências de sobrevivência, que se ma-nifestam como uma “compulsão para otrabalho” e pelo “poder do amor”, que deuorigem à vida comunitária. Embora oamor objetal seja carregado de narcisis-mo — amamos para não sofrer —, são asligações de objeto que garantem o pro-cesso civilizatório. Graças ao poder doamor (Freud, 1930/1974) mantemos os

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nossos investimentos libidinais e não des-truímos o outro como, por exemplo, naperversão onde o outro é transformadoem objeto. Não há acolhimento possívelpara a criança sem o equilíbrio das mo-ções pulsionais ambivalentes presentesem toda e qualquer ligação objetal: amorou ódio em excesso são igualmente des-trutivos.

Se, como vimos, os sistemas sim-bólicos variam de uma cultura para outra,não é a proximidade genealógica, ou aconsangüinidade, que determina a filia-ção. O denominador comum em todos osarranjos familiares — e aqui incluímos osnovos arranjos — é o lugar que o bebêocupa no imaginário, e na circulação dodesejo, de quem o acolhe no mundo.

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SUMMARY

New family configurations: facts and myths

According to the main hypotheses of this paper the so-called new familyorganizations are often felt as a threat because they put in question the traditional familyrepresentation in the occidental culture, which leads us to a process of mourningconcerning past libidinal positions. To sustain this hypotheses the author follows ahistorical digression to show that human beings have always regarded suspiciously andfearfully any social changes, and that humanity has always been forced to produce“symbolic reorganizations” to adapt to the new ways of understanding the world. Theauthor also discusses what other societies name “family”, as well as the constructionof the definition of family in our culture. According to the author the representativesystem we call “family” varies from one society to another. Thus the signifier “family” iscomposed of conscious and unconscious elements that determinate how the socialworld is organized. Moreover, any family model can only be understood in the socialcontext in which is emerges. Taking as a stand point that the traditional family modelhas never granted any “normality”, the author discuss what is basically necessary toinsert the baby into the symbolic world, that is, to guarantee his or her psychic survival,independently of the protagonists of the family organization that receive the newbornwhen he or she comes into existence.

Key words: Family. New family organizations. Inscription in the symbolic order.Oedipus complex. Psychic survival.

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RESUMEN

Nuevas configuraciones familiares: mitos y verdades

Este texto parte de la hipótesis según la cual lo que constituye amenaza, dehecho, en las llamadas nuevas organizaciones familiares, es que ellas cuestionan lanoción de familia vigente en la cultura occidental, obligándonos a un trabajo que se tiñede luto ante las antiguas posiciones libidinales. Para sustentar esta hipótesis, el autorhace una pequeña digresión histórica para mostrar que el ser humano siempre acogiócon recelos y miedos todo cambio, y que la humanidad siempre fue obligada a producir“reorganizaciones simbólicas”, para adecuarse a la nueva lectura de mundo. Enseguida, se discute la noción de familia en otras culturas y el origen de esta mismanoción en la cultura occidental. Para el autor, el sistema representativo que llamamosde “familia” varía según la sociedad. Y el significante “familia” es compuesto porfactores conscientes y/o inconscientes que definen la manera como, y engendran lascategorías con las cuales, el mundo social es organizado. Además de esto, cualquiermodelo de familia es tributario del orden social que lo produce. Puesto que el modelode familia tradicional nunca fue sinónimo de “normalidad”, el autor discute lo que esrealmente necesario para que la inserción en lo simbólico ocurra, o sea, para lasobrevivencia psíquica del niño, y esto independientemente de los protagonistas de laorganización familiar que acoge al recién nacido en el momento de su llegada al mundo. Palabras-clave: Familia. Nuevas organizaciones familiares. Inserción en lo simbólico.Complejo de Edipo. Sobrevivencia psíquica.

Paulo Roberto CeccarelliE-mail: [email protected]

Homepage: www.ceccarelli.psc.br

Recebido em: 02/05/07Aceito em: 28/05/07